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DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO NA ERA DA

GLOBALIZAÇÃO: IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

SILVA-FREITAS, Maria da Conceição da

Doutora em Sociologia

Universidade de Brasília, Faculdade de Educação

Eixo temático: 04 – Educação, inovação, ciência e tecnologia


Outubro, 2022
DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO NA ERA DA
GLOBALIZAÇÃO: IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

SILVA-FREITAS, Maria da Conceição da,

Doutora em Sociologia

Universidade de Brasília, Faculdade de Educação

Eixo temático: 04 – Educação, inovação, ciência e tecnologia


Outubro, 2022
Resumo

A ponência terá como objetivos discutir o desenvolvimento científico e tecnológico e suas


implicações na era da globalização. Fundamentada na contribuição teórica de Theotônio
dos Santos, o estudo visa compreender a relação entre trabalho e formação humana, a
partir do impacto da Revolução Técnica e Científica (RTC), da Teoria Marxista da
Dependência (TMD) e da Teoria Sistema-mundo (TSM), a fim de identificar categorias
teóricas e ferramentas aplicáveis à formação e à prática docentes. A perspectiva teórico-
metodológica será o materialismo histórico dialético a fim de mostrar como Santos aponta
os limites do desenvolvimento capitalista dependente em uma perspectiva de relação
centro-periferia, desenvolvimento-subdesenvolvimento. Conforme a TMD, os centros da
economia mundial necessitam de uma periferia subdesenvolvida para viabilizar seu
modelo de acumulação (Santos, 2020). A RCT surge como uma contradição dentro do
capitalismo. Ocorre a expansão das atividades de pesquisa e desenvolvimento nas
empresas, como principal instrumento de competitividade; a ampliação das estruturas
universitárias e de pesquisa para a produção de conhecimento e formação de cientistas,
impactando diretamente sobre as atividades de atividades da economia do saber ligadas a
formação e à atuação profissional nos serviços relacionados à educação, à saúde e à
habitação. Paradoxalmente, tais impactos são portadores de transformações da relação
centro-periferia, dominantes e dominados no âmbito do capitalismo, haja vista a sua
característica intrínseca de interdependência, o que leva ao abalo dos paradigmas de
exploração dominantes abrindo possibilidades de transformação rumo a uma nova ordem
societária, onde a descolonização surge como potência contra as antigas e novas formas
de colonialismo no contexto do capitalismo transnacional (Santos, 2016). A possibilidade
de construção de uma nova ordem mundial aparece como palpável, apesar de desafiadora,
podendo engendrar novas práticas de cidadania e civilidade planetárias.

Palavras-chave: Relação Trabalho-Educação; Formação humana; Revolução


Científica-Técnica; Teoria Marxista da Dependência; Teoria Sistema-mundo
Índice
Introdução
1.Teoria da Dependência

2. Desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção

3. Revolução Científica Técnica (RCT)

4. Sistema mundial e processo civilizatório

5. A Revolução Científico Técnica e o Desenvolvimento das forças produtivas de


nova ordem econômica

6. RCT e Terceiro Mundo: integração regional e alternativas para a AL

Considerações parciais

Referências

Introdução
Apresentamos os principais aspectos que contribuíram para os propósitos deste estudo1
que busca compreender a relação trabalho e formação humana, a partir do impacto da
revolução técnica e científica no contexto do capitalismo periférico, especificamente no

1 Pós-doutorado “Estudo sobre a Teoria da Dependência aplicada à Formação de Professores: a relação


trabalho e educação, mediada pela tecnologia, no contexto do capitalismo periférico colonial”,
realizado no Departamento de Políticas Públicas e Formação Humana, da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (PPFH/UERJ), sob a supervisão do Professor Doutor Zacarias Gama, Coordenador do
REGEN - Cátedra Unesco Desenvolvimento Sustentável, Programa Desenvolvimento e Educação,
Theotônio dos Santos (ProDEd-TS). De jan-2021 a fev-2022.
território da América Latina. A transformação nas relações de produção, nas relações
sociais (igualdade, regionalização, paz mundial) a partir das análises de Theotônio dos
Santos.
A primeira leitura foi o volume I de Construir soberanía: una interpretación
económica de y para América Latina (2020). A narrativa inicia quando, em 1962,
Theotônio é convidado por Darcy Ribeiro para a Universidade de Brasília, no momento
em que estava sendo criada a nova capital do Brasil. É um projeto de Estudo preliminar
que representava uma ruptura de certos paradigmas da universidade brasileira. Darcy
convocou jovens recém graduados de várias universidades do país para continuar seus
estudos de pós-graduação e, ao mesmo tempo desempenhar tarefas de docência e
pesquisa em dedicação integral. Talvez seja este o momento que se forma o primeiro
núcleo da teoria da dependência, particularmente da vertente, marxista ou neo-marxista
que será conhecida posteriormente como a Teoria Marxista da Dependência (TMD).
Refere-se ao encontro intelectual entre Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotônio,
além do professor visitante André Gunder Frank, economista alemão formado na Escola
de Chicago, e logo um dos críticos mais mordazes dos Chicago boys. Este processo foi
interrompido pela invasão do campus por agentes do golpe militar de 1964.
Em 1967, no Chile, já no exílio, Theotônio participa da equipe de investigação sobre
dependência econômica na América Latina, cujos seminários abordaram uma ampla
problemática dentro do novo enfoque da dependência. Este primeiro núcleo da teoria da
dependência vai desenvolver um diálogo intenso com grande parte da intelectualidade
da esquerda latino-americana que circulava pelo Chile nestes anos, como o sociólogo
peruano Aníbal Quijano, que será um dos formuladores da teoria da colonialidade na
América Latina, e um interlocutor e formulador da dependência. Tais análises se
desenvolveram no calor do momento político e do potencial transformador do governo
de Salvador Allende e influenciaram, fortemente, o programa da Unidade Popular
chilena.
1.Teoria da Dependência
A teoria da dependência seguiu um caminho crítico às formulações das teorias do
desenvolvimento econômico que propunham um processo linear de transformação das
economias subdesenvolvidas e desenvolvidas, a partir de uma certa ideia de
modernização – capitaneada pelos Estados Unidos. O subdesenvolvimento nos países
latino-americanos, do mesmo modo que nos países pós-coloniais da África e da Ásia,
não era resultado da conservação de economias pré-capitalistas, senão que o modo como
estas economias se haviam integrado à economia mundial.
A teoria da dependência buscou compreender o capitalismo dependente como processo
orgânico à formação de uma economia capitalista mundial, mostrando que as mudanças
na formação de uma nova dependência na América Latina estavam articuladas às
mudanças no centro do sistema, especialmente nos Estados Unidos. Magnus Blomstron
e Bjorn Hettne (citados por Dos Santos:2020) resumem as ideias centrais da teoria da
dependência como: 1. O subdesenvolvimento está conectado de maneira estreita com a
expansão dos países industrializados; 2. O desenvolvimento e o subdesenvolvimento são
aspectos diferentes de um mesmo processo universal; 3. O subdesenvolvimento não
pode ser considerando como primeira condição para um processo evolucionista; 4. A
dependência não é somente um fenômeno externo, de outra forma, também se manifesta
por diferentes formas na estrutura interna, social, ideológica e política.

As análises da dependência mostram que o desenvolvimento e o subdesenvolvimento


são faces da mesma moeda, já que os centros mais dinâmicos da economia mundial
necessitam de uma periferia subdesenvolvida, exportadora de matérias primas ou
produtos com menor valor agregado possível para viabilizar seu modelo de acumulação.
As teorias do desenvolvimento que surgem na segunda metade do século XX, e, que
tinham na CEPAL seu principal centro de formulação teórica, mostram que o
pensamento de Raúl Prebisch e os demais pensadores da CEPAL, entre os anos de 1950
e 1960, estava inscrito no paradigma da modernização. Este paradigma propunha como
objetivo a superação dos obstáculos nacionais e internacionais que inviabilizavam o
desenvolvimento econômico, e impediam a transição em direção a uma economia
capitalista, bem como a possibilidade de beneficiar-se dos “frutos do progresso
tecnológico”. Todavia, novos elementos foram incluídos na agenda do pensamento
latino-americano, tais como: o conceito de centro-periferia, a categoria da dependência,
o colonialismo interno e a marginalidade como relação social e, ao mesmo tempo, como
consequência da acumulação de capital nas sociedades dependentes. Nesse sentido, os
conceitos de centro-periferia e de divisão internacional do trabalho serão centrais para
estudar a dinâmica de acumulação do capitalismo.
2. Desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção

Para desenvolver as forças produtivas e fortalecer os processos de industrialização, os


centros econômicos necessitavam de uma periferia subdesenvolvida, exportadora de
matérias primas. É interessante observar que esta inserção dependente e subordinada
da América Latina na economia mundial que se inicia com a colonização europeia, se
manteve depois da era colonial, a partir da reelaboração de mecanismos da estrutura de
dominação colonial num momento histórico pós-colonial. Esta será uma problemática
aprofundada pela teoria da colonialidade, principalmente, na obra de Anibal Quijano.

Em seus estudos sobre democracia e socialismo, Dos Santos utiliza o Método do


Materialismo Histórico-dialético (MHD) para contextualizar e mostrar os limites do
desenvolvimento capitalista dependente. Afirma que o desenvolvimento capitalista,
numa situação de dependência, teria uma dinâmica muito diferente a qual havia
desenvolvido nos países centrais, evidenciando uma contradição entre a acumulação
capitalista dependente e o processo democrático. A acumulação nos países dependentes
exigia três elementos: 1) uma alta taxa de exploração da força de trabalho; 2) uma forte
concentração econômica; e 3) altos níveis de centralização do capital, como mecanismo
para compensar a exportação de maior parte do excedente econômico na direção das
economias centrais.

A lógica da acumulação excludente e marginalizadora necessitava de um regime político


capaz de conter a reação dos setores sociais que efetivava e se revelava incompatível
com o crescimento econômico inclusivo e com uma democratização política,
bloqueando as expectativas das burguesias nacionais e do proletariado emergente –
produto do desenvolvimento industrial. A partir da análise de Theotônio vai se colocar
o dilema entre fascismo e socialismo nos processos políticos da América Latina. Uma
das características desta escola de pensamento é, precisamente, seu vínculo profundo
com os processos políticos concretos, em que a articulação entre teoria e práxis adquire
uma importância central na obra desta geração.

3. Revolução Científica Técnica (RCT)

Em meados dos anos 1970, exilado no México, junto a Divisão Superior de Economia
da UNAM (Universidade Nacional de Mexico) decorre o período em que se desenvolve
com mais força o núcleo de preocupações teóricas na obra de Theotônio, através do
estudo sistemático da Revolução Científico Técnica (RCT), como um aspecto central
que vai marcar o desenvolvimento das forças produtivas em nível global, e, que se
mantém até o atual momento. Nesta nova etapa, a produção está cada vez mais
determinada pela invenção, inovação e planificação, exigindo novos procedimentos de
administração das relações sociais. Em consequência, se expandem as atividades de
pesquisa e desenvolvimento nas empresas, como principal instrumento de
competitividade. Ao mesmo tempo, se ampliam fortemente as estruturas universitárias
e de pesquisa para a produção de conhecimento e formação de cientistas. O
conhecimento passa a ocupar um lugar central na economia e na vida social, política e
cultural.

As análises da RCT conduzem Dos Santos a um estudo mais aprofundado do capitalismo


de Estado associado a concentração tecnológica, e também a uma maior concentração
de capital. Esses estudos mostram que a tendência do capital é desconcentrar suas
unidades produtivas através de holdings e outras formas empresariais, e, ao mesmo
tempo, aumentar a concentração tecnológica, já que as unidades produtivas são
interdependentes e formam parte de uma mesma unidade produtiva. Essa centralização
gigantesca de capital produz conglomerados de corporações multinacionais que
necessitam de uma crescente intervenção do Estado para operar globalmente, garantindo
a flexibilização financeira sem restrições. Dos Santos mostra que o fortalecimento do
capitalismo de Estado é uma consequência do crescimento da intervenção do Estado no
processo econômico, contrapondo a prática econômica ao discurso doutrinário do livre
mercado. Este movimento do Estado vai contribuir para o fortalecimento do poderio
tecnológico militar.

A implantação da RCT na década de 1940, estimulada pelas vantagens oferecidas pela


aplicação das inovações tecnológicas na concorrência capitalista contribui,
efetivamente, no sentido de reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário para a
produção de mercadorias, diminuindo drasticamente as possibilidades da lei do valor e
das relações mercantis puras com o avanço do capitalismo monopolista de Estado (Dos
Santos, 2016). O autor oferece as seguintes razões para justificar o fortalecimento do
capitalismo de Estado: 1) O processo de concentração da produção leva a uma
composição orgânica de capital crescente. E, para garantir a taxa de lucro o capital
privado busca transferir, progressivamente, ao Estado, as atividades econômicas menos
lucrativas e serviços que os assalariados consomem, tais como: saúde, educação e
habitação; 2) A expansão das unidades de produção, que geram maior concentração e
centralização. Significa que, os monopólios quebram o funcionamento normal do
mercado, exigindo a intervenção estatal para regular a economia; e, 3) A
internacionalização da produção, que se intensifica com a RCT, e gera altos custos que
dependem cada vez mais do Estado. Este núcleo teórico conduziu a um aprofundamento
de seus estudos sobre a economia mundial e do neoliberalismo como doutrina e como
prática econômica.

O neoliberalismo é um movimento ideológico reacionário, próprio das fases de recessão


econômica global dos ciclos de Kondratiev, ideia desenvolvida posteriormente pelo
autor. A dimensão contraditória do neoliberalismo, segundo Theotônio, resolve a
capacidade que este tem de deter as transformações econômicas que resultam da própria
dinâmica do capitalismo, a partir de um conjunto de reformas políticas que fortalecem o
capitalismo monopolista de Estado. A disputa pela inovação científica e tecnológica se
apresenta como uma das mais implacáveis, e vai marcar as novas tendências do
capitalismo contemporâneo, num contexto geopolítico de crescentes tensões e de
reorganização de interesses estratégicos, de territórios e de capacidades locais de
produção científica a nível planetário.

4. Sistema mundial e processo civilizatório

O livro de Dos Santos Desenvolvimento e Civilização: Homenagem a Celso Furtado


(2016) é resultado de mais de 15 anos de trabalho. Nele o autor articula, em um nível de
análise mais geral, as múltiplas determinações formuladas em seus estudos anteriores
que vai iluminar os processos concretos a partir de uma visão histórica de larga duração,
de Fernand Braudel, o qual se projetará, nas décadas de 1970 e 1980, como um dos
principais teóricos do sistema econômico mundial, com seu livro Civilização material:
economia e capitalismo.

Braudel propõe uma análise histórica em três níveis, que implicam durações diferentes:
na superfície, uma história episódica ou dos acontecimentos, que se inscreve no tempo
de curta duração. É o tempo breve que mede a vida dos indivíduos e a vida cotidiana,
e pode ser a duração temporal mais enganosa ao mostrar os processos históricos no
sentido contrário a suas tendências mais gerais. Com uma profundidade média, o tempo
da conjuntura, que tem um ritmo mais amplo e mais lento. E um terceiro nível, o tempo
da estrutura, que determina séculos inteiros. O tempo da conjuntura surge a partir da
história econômica, que requer uma análise que transcenderia a visão do tempo do
acontecimento para pensar a economia como ciclos e interciclos de diferentes durações,
entre 50 e 70 anos. A título de exemplo, cita os ciclos hegemônicos formulados por
Giovanni Arrighi, ou os ciclos da economia mundial, que tiveram uma de suas
elaborações mais importantes na obra do economista russo Nicolai Kondratiev.

Theotônio incorpora e aprofunda o enfoque de Kondratiev em seus estudos sobre a


economia mundial. Theotônio recolhe e reelabora este enfoque para analisar o processo
civilizatório como processo histórico de larguíssima duração, do tempo milenário,
formulando assim elementos fundamentais para entender as mudanças no sistema
mundial e da geopolítica contemporânea.

O autor dialoga com a tese de André Gunder Frank, que analisa o sistema mundial
através de um horizonte temporal milenário. A tese principal de Frank é que o sistema
mundial tem uma história de, ao menos cinco mil anos e que a subida e a posição
predominante da Europa e do ocidente neste sistema mundial configuram-se como um
acontecimento recente. O economista alemão estabelece um debate interessante com
Immanuel Wallerstein e outros demais formuladores da teoria do sistema-mundo.

Os ciclos econômicos largos da economia mundial, com fases ascendentes (A) e


descendentes (B) são uma característica importante do moderno sistema mundial, cujo
processo de acumulação muda com a posição centro-periferia. Este enfoque mostra a
articulação entre desenvolvimento e processo civilizatório. Essas análises constam em
seu último livro Desenvolvimento e civilização, e são anteriores ao projeto chinês da
Nova Rota da Seda, em setembro de 2013. Seus estudos já capturavam as tendências do
processo asiático e, particularmente, a centralidade da China na reconfiguração do
continente euroasiático e da economia mundial nas próximas décadas. Estas
investigações o conduziram a um novo projeto teórico, que seria um estudo detalhado
do capitalismo de Estado no mundo contemporâneo, a partir da experiência chinesa.

Os estudos de Theotônio sobre desenvolvimento e processo civilizatório permitem


compreender melhor a nova geopolítica mundial que não se restringe a disputas
comerciais, econômicas, científicas ou tecnológicas, de outra forma que estão
relacionadas, principalmente, com uma forte disputa de visões de mundo. Em última
instância, a reemergência da China no sistema mundial reflete a emergência de uma
visão asiática de mundo. Qual é o papel da América Latina neste contexto? Qual é o
papel da região que se insere de maneira dependente e subordinada no sistema mundial
desde os finais do século XV quando se inicia o período colonial no continente?

5. A Revolução Científico Técnica e o Desenvolvimento das forças produtivas de


nova ordem econômica

A Revolução Científico Técnica (RCT) alterou substancialmente todos os


condicionamentos do trabalho concreto. A ciência substituiu o próprio conteúdo da
produção, mudando a estrutura dos materiais, criando novos materiais e novos objetos
produtivos e de consumo que refazem, de modo radical, o “ habitat” humano. Em
resumo, em apenas três décadas a RCT transformou radicalmente o conceito de natureza,
o habitat humano e a própria noção da natureza humana. Mudaram-se, radicalmente, os
três componentes do processo de trabalho: o sujeito trabalhador (a força de trabalho); os
meios de produção (os instrumentos de trabalho, as matérias primas, as matérias
auxiliares); e os produtos do trabalho. Mudou também o peso relativo do trabalho
manual e intelectual no processo produtivo, aumentando em grandes proporções, a fase
de planificação, projeção e desenho da produção. Ao mesmo tempo, o caráter desigual
e combinado de desenvolvimento capitalista torna cada vez mais violento o contraste
entre as zonas de concentração da riqueza no globo e aquelas onde permanecem imensos
bolsões de pobreza e miséria.

Temos que considerar como um aspecto determinante na evolução das forças produtivas
contemporâneas o que ciência (ou o conhecimento cientificamente organizado e
sistemático da natureza) deixou de cumprir como um papel auxiliar , e tornou-se
crescente na produção. As atividades produtivas são campos aplicados de conhecimento
científico e não uso parciais deste conhecimento. A energia nuclear, a aviação
ultrassônica, a petroquímica, a informática e a eletrônica são campos aplicados do
conhecimento científico. Novos materiais, a biotecnologia, a engenharia genética, a
fusão nuclear, a supercondutividade, o laser e a tecnologia espacial, é, todavia, mais
intensa e está umbicalmente ligada à evolução e a aplicação direta do conhecimento
científico.
Este impulso inusitado ao conhecimento científico e a sua assimilação na produção teve
consequências também no surgimento de uma nova atividade econômica ligada a
formação não só de quadros científicos nas universidades e centros de investigação, de
outra forma também dos profissionais associados ao uso dos resultados desse
conhecimento. O auge da educação universitária no Pós-guerra foi a consciência dessas
mudanças, e com ele, a enorme expansão dos serviços associados a educação, saúde e
habitação das novas massas de trabalhadores urbanos.

O processo de produção e a organização do trabalho e da força de trabalho passou a


demandar amplos processos de gestão das relações sociais, a educação, a capacitação, a
saúde, a habitação, o ócio e a comunicação social global e específica. Em todos esses
setores a forma científica do conhecimento passou a ocupar um papel central e
articulador do conjunto da vida econômica, social, política e cultural. Em consequência,
passamos a falar de uma nova etapa histórica do desenvolvimento das forças produtivas,
cuja natureza se caracteriza por uma revolução científico-técnica.

A RTC tem características globais, já assinaladas anteriormente, e possui uma evolução


interna muito intensa, com leis essenciais fundadas nos seguintes aspectos: a) A
substituição do trabalho diretamente produtivo e a divisão natural do trabalho
pelas máquinas, os sistemas de máquinas, sistemas de produção cada vez mais
complexos que interconectam outros sistemas relativamente autônomos. Esta lei se
manifesta na automação baseada na informação, na gestão sistêmica do processo
produtivo global e na introdução de robôs na produção. Tais mudanças tem sido
analisadas por alguns autores como a passagem do fordismo ao toyotismo; 2) A
articulação flexível das redes que formam um conjunto de empresas ligadas entre si,
mesmo sem um sistema hierárquico estabelecido. Neste período se desenvolvem
diversas formas de associação, subcontratação e fusão de empresas, e começa a falar-se
de uma nova forma de empresa global; 3) A aparição e o aumento de um tempo de
trabalho excedente (não diretamente produtivo) e do tempo livre na sociedade, que
permitem um maior desenvolvimento da educação, da formação de novos quadros
científicos e a introdução de mudanças frequentes na base das forças produtivas; 4) O
submetimento da produção ao conhecimento científico leva também ao predomínio
da ciência pura ou básica sobre a ciência aplicada. Em consequência, a sociedade tem
que destinar recursos crescentes a evolução da ciência pura e desenvolver um rumo da
produção do próprio conhecimento (laboratórios, instrumentos de precisão,
telecomunicação, informática, aceleradores de partículas); 5) O período posterior a
Segunda Guerra Mundial foi o princípio de uma produção sob direção científica, com o
surgimento de novos ramos derivados diretamente da aplicação dos conhecimentos
revolucionários acumulados desde o início do século: a energia nuclear, a eletrônica, a
aviação supersônica e os fundamentos da era espacial. As décadas dos 70 e oitenta
(particularmente) vieram do surgimento de uma nova revolução industrial sob o
predomínio da ciência: a informática, na base da microcomputação, e sua aplicação na
robótica e a telemática, abre um novo campo da tecnologia da informação; 6) A
automatização impactou a estrutura dos empregos. A diminuição da jornada de
trabalho e ampliação do tempo excedente ou livre; a formação de uma economia mundial
de caráter planetário, o surgimento de um desenvolvimento intensivo e o predomínio das
atividades científicas puras para assegurar o desenvolvimento, revolucionam as
estruturas do emprego em direção a diminuição dos produtores diretos agrícolas e
industriais, o qual conduz à maior concentração de trabalhadores em áreas de serviço,
particularmente naquelas ligadas a produção, armazenagem e difusão da informação e
ao ócio, na sociedade de serviços; 7) Nesta sociedade interatuam enormes forças, no
sentido de reduzir a jornada de trabalho (solução progressista) ou o número de
trabalhadores gerando desemprego no setor produtivo que se recicla de maneira
insuficiente em novos setores de serviço (solução retrógada) e a ampliação das
atividades de ócio (turismo, desportos, espetáculos, concertos de massa, oferta televisa),
geram uma enorme população dedicada a tarefas não diretamente produtivas. Isto
explica, ao mesmo tempo, o aumento das necessidades espirituais do homem
contemporâneo e o papel da subjetividade. Nesse novo contexto, o indivíduo aumenta
suas demandas específicas e se impõe cada vez mais ao conjunto da vida social como
seu objetivo final.

Nesse sentido, essa nova divisão de trabalho se configura nos países que estão na ponta
do sistema produtivo mundial e tende a estender-se ao plano internacional. Os efeitos
são o aumento da preocupação ambiental nas sociedades dos países dominantes, que
tendem a deslocar as indústrias de maior índice de população em direção aos Network
Information Centers (NICs). Os países de menor desenvolvimento tendem a isolar-se e
marginalizar-se desse sistema, sofrendo ainda o dumping de uma produção agrícola e
industrial com alta densidade tecnológica contra a qual não podem competir, isto é, os
países ricos enchem o mercado dos países pobres com produtos altamente qualificados.

Finalmente, incluídos alguns aspectos do desenvolvimento recente até uma semi-


periferia em formação, surgirá um novo auge da economia mundial, de caráter desigual
e combinado, no qual se acentuaram as brechas econômicas e culturais entre os países
desenvolvidos e os subdesenvolvidos, exacerbando-se a dependência, as desigualdades
e sobretudo a exclusão de enormes massas humanas do sistema de produção e consumo.

6. RCT e Terceiro Mundo: integração regional e alternativas para a AL

É por isso que, na atualidade, o processo de integração se vê acompanhado de medidas


audazes de cooperação científico-tecnológica que buscam aumentar o poder das
empresas locais. As propostas em tal sentido dirigidas pelos governos às empresas são,
em verdade, um intento de aumentar a cooperação entre as corporações multinacionais.

Finalmente, o anúncio da integração europeia provocou novas integrações ou mercados


regionais. Estados Unidos reconheceram sua vocação pan-americana como base de
integração de um forte mercado regional, e iniciou tal movimento propondo a extensão
de suas fronteiras, através de um mercado comum norte-americano que incluiria Canadá
e México. A seguir, a consequente aceitação de integrações sub-regionais tais como
MERCOSUL, o Bloco Andino e a Integração Centro-americana. Assim, a hegemonia
mundial dos Estados Unidos tende a reduzir-se.

O impacto destas transformações da RTC é bastante peculiar num Terceiro Mundo, onde
convivem formas de trabalho arcaicas e modernas articuladas por sistemas de produção
baseados na sobrexploração da força laboral, e onde a liberação da mão de obra agrícola
ocorre em escalas colossais, lançando essas massas a uma economia urbana e industrial
que gera cada vez menos empregos proporcionalmente em relação ao quantitativo
populacional. Isso acarreta multidões marginalizadas e semi-marginalizadas, cujas
precárias condições de vida se vem atenuadas apenas pela expansão de uma economia
informal cada vez mais gigantesca. A associação dessa economia informal com a
criminalidade organizada conduz esses países a uma situação explosiva.
Considerações parciais

As implicações do desenvolvimento científico-tecnológico podem ser vistas a partir de


quatro eixos centrais. Primeiro eixo: a mudança dos ciclos históricos-econômicos e
impactos no capitalismo contemporâneo. Na forma de produção (novos componentes,
gestão); no trabalho, na formação humana; no sujeito trabalhador. Segundo eixo: valores
econômicos, ou o lugar que o país ocupa na divisão internacional do trabalho: centro ou
periferia. A inserção dependente e subordinada da América Latina na economia mundial
(Prebisch) configura-se como uma forma de colonialidade constituída por estruturas
internas de poder e dominação colonial num momento histórico pós-colonial (Quijano).
Terceiro eixo, os investimentos tecnológicos decorrentes do aumento da presença da
ciência na produção: plataformas, satélites, laboratórios, softwares. Quarto eixo, novas
relações fundamentadas na cooperação científico-tecnológica entre as regiões para
fortalecer o equilíbrio necessário para constituição de uma cidadania e civilidade
planetária.

Qualquer alternativa de organização regional exige pensar, em primeiro lugar, na


questão da estrutura de poder. Apesar dos problemas assinalados se inscreverem no
âmbito internacional, como parte da RCT, da globalização, regionalização e divisão
internacional do trabalho, já vimos que, dialeticamente, são as estruturas de poder
nacionais e locais as que por sua vez sustentam as possíveis políticas internacionais.
Consequentemente, apesar de uma economia mundial e de uma civilização planetária
ganharem autonomia crescente frente às realidades nacionais, todavia dependem dessas
bases nacionais e locais, das estruturas produtivas e dos processos de mundialização e
globalização.

As prioridades seriam educação básica, construção de escolas, formação de professores


primários e secundários e a criação de infraestrutura alimentar e de saúde para a enorme
população infantil e juvenil, a qual seria preparada para reconstruir a região sobre novas
bases. Atender as necessidades produtivas dessa primeira fase implicaria reorientar o
crescimento industrial e agrícola em direção a atenção prioritária das necessidades de
consumo básico da população. E nos países onde não existem os meios para atender
internamente esse consumo, é necessário enfocar as exportações nesse sentido. Neste
sentido é preciso conceber uma visão global da evolução da tecnologia e da ciência
contemporâneas, e suas implicações no desenvolvimento das sociedades em seu
conjunto, a distribuição de riqueza e a formação dos chamados recursos humanos, como
fundamento do desenvolvimento econômico. A formação humana depende de
investimentos para uma sólida formação docente com acesso aos avanços tecnológicos.

Os avanços tecnológicos, dialeticamente, criam obstáculos tais como a substituição do


trabalho pelas máquinas, o desemprego e a marginalização, cuja falta de assistência
provocam o aumento das chances de associação à criminalidade e alternativas fascistas.
O impacto da RCT no capitalismo contemporâneo leva a reorganização dos interesses
estratégicos, territoriais, exige maior participação do Estado como árbitro de contendas
entre conglomerados empresariais. Este movimento contribui para o fortalecimento do
poderio tecnológico militar. Surge a necessidade de uma nova cidadania e civilidade
planetárias.

No contexto das novas relações de poder regional, é importante valorizar as grandes


riquezas dos países situados em regiões tropicais e subtropicais: energia solar e imensas
reservas de biomassa, assim como a concentração da biodiversidade do planeta. Isto
converte os países tropicais, entre eles, de maneira sobressaliente, Brasil, numa base
estratégica para as tecnologias que se desenvolveram no final do século XX, anunciando
um novo padrão tecnológico que alterará substancialmente a estrutura geopolítica
mundial. Portanto, é fundamental o desenvolvimento da autonomia dos países
periféricos.

O autor insiste, mais uma vez no papel decisivo das relações sociais de produção, a
educação e o treinamento sob a direção de um projeto econômico e social libertário e
progressista. A proposta de uma integração latino-americana possui uma larga história,
mas também a hostilidade total dos Estados Unidos, que sempre se opôs, por considerá-
la uma ruptura de unidade americana maior.

Referências:

DOS SANTOS, Theotônio. Construir soberanía: una interpretación económica de y


para América Latina. Volume I. Prólogo de Mónica Bruckmann. - 1a ed.- Ciudad
Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2020. 800 p. Libro digital, PDF - (Antologías).
Otros descriptores asignados por CLACSO Economía / Política / Teoría de la
Dependencia / Globalización /Producción / Estado/Soberanía / Desarrollo / Pensamiento
Crítico /América Latina.

SANTOS, Theotonio dos ( 1937). Desenvolvimento e civilização: homenagem a Celso


Furtado. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2016. 562 p

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