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Introdução
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RESUMO
Este artigo é fruto de um projeto de doutoramento que visa analisar as políticas de ações
afirmativas raciais focando, principalmente, o critério de definição do pertencimento racial.
Dentre as políticas a serem analisadas evidenciamos as de acesso ao ensino superior nas
universidades estaduais. É uma proposta de analise documental e entrevistas, com a base
teórica dos estudos Pós-Coloniais e dos autores nacionais que debatem a questão racial.
Trazemos a hipótese de que as políticas afirmativas do século XXI, não trazem um regime de
verdade único ou estável, sobre os critérios de pertencimento racial, além de revelarem
aspectos da forma como se compreende a desigualdade e, principalmente, a diferença racial.
Evidenciando a dificuldade de fixar identidades, altamente potencializada, no Brasil, pela
grande interiorização do mito da democracia racial e sua chave-mestra, o mestiço, como ponto
de equilíbrio entre as multiplicidades raciais, assim como, da ideologia do branqueamento.
Nesse artigo pretendemos delinear a trajetória da nossa problemática de pesquisa e, ressaltar
a relevância social do problema de pesquisa sob análise.
INTRODUÇÃO
As ações afirmativas passam a ser discutidas incisivamente entre 2002 e 2012, durante
esse período, um importante debate público se estabeleceu sobre a necessidade ou não, de
efetivação dessas políticas, sobretudo para acesso ao Ensino Superior público, assim como
dos critérios que seriam adotados para ampliação dos direitos ao Ensino Superior. A questão
racial tornou-se o critério mais amplamente questionado sobre tais políticas, afinal, estaríamos
estabelecendo uma diferenciação racial juridicamente sancionada pelo Estado brasileiro.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve que julgar tal constitucionalidade,
ou não, das políticas afirmativas (arguição de descumprimento de preceito constitucional
186). A aprovação dessa Corte inválida um dos principais argumentos dos depreciadores das
políticas afirmativas. Finalmente, em 2012, a partir da Lei Federal 12.711 o Governo, adota
políticas afirmativas de acesso ao ensino técnico e superior em território nacional. Até esse
1
Ex-aluno do Instituto Luther King –MS e mestre em Ciências Sociais (UEL) e doutorando em Ciências Sociais
(UNESP-Marília). Professor na Universidade de Rio Verde (UniRV).
momento, o protagonismo das políticas afirmativas centrava-se nas Universidades Estaduais
que desde 2003 já adotavam seus próprios modelos de ações afirmativas, influenciados por
suas realidades locais (RIBEIRO, 2013).
A partir de 2012, passamos, cada vez mais, a nos distanciar do debate público sobre a
necessidade ou validade de tais políticas para, pouco a pouco, sobretudo nos nichos
acadêmicos analisar os resultados de tais políticas. Deixamos a polaridade do, a favor ou
contra de tais medidas, para observá-las como políticas públicas, avaliando resultados,
políticas de permanência, assistência estudantil, taxa de sucesso, etc.
Nos propomos a analisar o critério de definição do pertencimento racial normatizado
pelas Instituições estaduais de Ensino Superior do Centro-Oeste2. Tendo como categoria
central a diferença cultural e sua relação com a desigualdade social para a elaboração dos
critérios de definição do pertencimento racial nos processos de seleção dos estudantes por
ação afirmativa.
Estas políticas raciais, assim como outras políticas públicas, passam por um processo
de discussão na esfera pública, até chegar a compor a agenda estatal. A partir desse momento,
há o reconhecimento por parte do Estado da questão como sendo um problema social,
portanto, passível de intervenção. Ocorre que as políticas afirmativas são reveladoras de
processos tanto de desigualdade social, como falta de reconhecimento da sua diferença
cultural. Julgamos que por meio do estudo dos critérios que determinam quem poderá usufruir
o direito as ações afirmativas poderão abstrair, algumas percepções sobre o racismo no Brasil
e as melhores formas para se combatê-lo, de acordo, com os elaboradores de tais políticas.
Cabe salientar, que a problemática insere-se no âmbito da percepção da diferença e da
desigualdade racial no Brasil. E essa polaridade incide sobre a forma como se pensa a
finalidade das ações afirmativas. Ou seja, tais políticas se constituem enquanto instrumentos
de reparação histórica e de promoção do reconhecimento do negro na sociedade ou, visam
combater as desigualdades raciais diagnosticadas socioeconomicamente, por órgãos como o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA)? Mesmo não sendo excludentes elas são parâmetros para construção dos
critérios de determinação dos sujeitos de direito das políticas de ação afirmativa.
A definição daqueles que por direito podem usufruir das políticas afirmativas de
acesso as Universidades Estaduais seguem legislação estadual e destoam, de estado para
estado, por isso o recorte dessas Universidades. Podemos supor que, ao observar os critérios
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UEMS, UNEMAT e UEG. De maneira mais profunda analisar os casos da UEMS, instituição cujo pesquisador
tem maior inserção.
de definição dos sujeitos de direito, podemos também, compreender um modelo de combate a
diferenças que inferiorizam ou descaracterizam e, também, de ações de redução das
desigualdades sociais, isso no que tange ao papel da Universidade na produção, reprodução e
desconstrução dessas lógicas sociais.
3
O Programa Universidade Para Todos foi criado por meio da Medida Provisória n° 213, em 10 de setembro de
2004, e institucionalizado pela Lei 11.096, no dia 13 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a concessão de bolsas
integrais, parciais e complementares, nos cursos de graduação e sequenciais de formação específica das
instituições privadas de educação superior, para os estudantes de baixa renda oriundos da rede pública de ensino
ou de instituições privadas, na condição de bolsista integral e que tenham prestado o Exame Nacional do Ensino
Médio. (MARQUES, 2010, p.94-95).
4
A Medida Provisória nº 111 de 21 de março de 2003, cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial.
5
A lei foi alterada para 11.645/08 acrescendo a cultura indígena no corpo da lei.
6
Lei nº 12.288 de 20 de julho de 2010, em meio a outros avanços na promoção da igualdade racial o Estatuto da
Igualdade Racial é aprovado. O projeto é do Senador Paulo Paim – PT.
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“O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais
para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB). Por unanimidade, os ministros julgaram
improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada na Corte pelo
Partido Democratas (DEM)”. In: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206042
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A Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto deste ano, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e
turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos
integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. In:
http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-frequentes.html
Se assumirmos que as ações afirmativas não se destinam apenas aos seguimentos
racializados socialmente, mas visam corrigir desigualdades e diferenciações nocivas, vamos
observar que tais políticas antecedem o ano de 2003 e que, asseguram os mesmos objetivos
com relação a outros grupos sociais. Para tal, é necessário definir o conceito de ação
afirmativa, e para isso seguimos o de Munanga (2006).
[...] um conjunto de políticas, ações e orientações públicas ou privadas, de caráter
compulsório (obrigatório), facultativo (não-obrigatório) ou voluntário que tem como
objetivo corrigir as desigualdades historicamente impostas a determinados grupos
sociais e/ou étnico/raciais com um histórico comprovado de discriminação e
exclusão. Elas possuem um caráter emergencial e transitório. Sua continuidade
dependerá sempre de avaliação constante e da comprovada mudança do quadro de
discriminação que a gerou (MUNANGA, 2006, p.186).
A definição de ações afirmativas permite observar que elas não se restringem a
políticas raciais. A vinculação histórica que permite tal percepção social advém,
principalmente, da aproximação cultural e política das demandas de ações afirmativas
estadunidense, sobretudo dos anos de 1960, com nosso contexto nacional. Ao longo do
período em que as ações afirmativas eram objetos de disputa do debate público, foi
reiteradamente, afirmada a distinção da formação cultural e racial dos dois países. Com tais
distinções queríamos assinalar que as políticas de ação afirmativa era, de fato, um remédio
para o contexto estadunidense e, o mesmo não seria válido para o Brasil.
A inconsistência do argumento residia no fato das ações afirmativas possuírem uma
historicidade bem maior que a consolidada no contexto estadunidense. Os pesquisadores da
área se referem comumente à Índia que, desde 1948, possui políticas diferenciadas as castas
inferiores, os intocáveis, principalmente no parlamento, no ensino superior e no
funcionalismo público, como sendo o primeiro país a estabelecer medidas de ação afirmativa.
Dessa forma, seria fácil elencar uma série de países que fazem uso dessas políticas na
tentativa de promover maior igualdade e/ou reconhecimento de certos grupos em seus
territórios nacionais9.
Ao retornarmos o contexto nacional, podemos apontar que as políticas de ação
afirmativa foram utilizadas em nossa história recente. Em 1968, através da Lei ordinária
5.465, que dispõe sobre o preenchimento de vagas nos estabelecimentos de ensino agrícola de
ensino médio, e também, de ensino superior, Agricultura e Veterinária e, propõe uma reserva
9
Praticamente todos os países do “Terceiro Mundo”– com exceção dos da América Latina – em um dado
momento, aplicaram políticas públicas de ação afirmativa para resolver graves problemas internos decorrentes da
marginalização seletiva do segmento dominado e de privilégios herdados do passado colonial ou milenar
(WEDDERBURN, 2005, p.307).
anual de 50% de vagas para agricultores e seus filhos. Este possui um critério muito próximo
ao utilizado nas políticas afirmativas a partir de 2003.
Outro exemplo que antecede, temporalmente, é da Lei 5.452, de 1943, presente na
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que cria uma reserva de no mínimo 1/3 para
trabalhadores brasileiros na indústria e no comércio, num período de grande fluxo de
imigrações. A constituição de 1988, quando reserva um percentual dos cargos e empregos
públicos para portadores de deficiência (art. 37) ou, quando através da Lei 9.504, de 1997,
obriga os partidos políticos a terem percentuais de no mínimo 30% para cada sexo nas
candidaturas.
Estes destaques nos ajudam a compreender que, as ações afirmativas se tornam uma
problemática social quando visam ampliar direitos cujos critérios assentem-se na raça, dessa
forma, o debate público tinham como pano de fundo nossa formação social e a maneira com
que, culturalmente, enxergamos nossa identidade, especialmente a nacional. A grande
problemática revela-se ser uma velha conhecida, desde a chegada do conhecimento científico
no país ao longo, principalmente, da década de 1870, podemos, seguramente, afirmar que, a
Ciência nacional sempre se preocupou com a questão racial na construção do sujeito nacional
e dos destinos da nação.
Nossa construção nacional em torno da diferença racial é marcada por fronteiras,
ambiguidades e hierarquizações, que superam a mera mensuração da desigualdade social e
produzem uma diferenciação cultural de difícil objetivação. No cerne de nossos pressupostos
encontra-se um entrave quanto às discussões sobre identidade. A aproximação ou
distanciamento entre os critérios de definição do pertencimento racial das políticas
afirmativas, com os discursos de identidade negra das teorias sociais e do movimento negro,
são objetos/sujeitos em conflito, que surgem como consolidados nos critérios de definição do
pertencimento racial definidos pelas Universidades, estas definiram seus critérios, muitas
vezes, em diálogos com os movimentos negros locais. Olhar para o critério é, a possibilidade
de ver objetivada a definição de quem é negro no Brasil, segundo uma instituição que possui a
parte hegemônica da elite pensante nacional, nossos intelectuais.
Os critérios, nas universidades públicas, ainda apontadas como as melhores do país10,
são formulados pela própria Universidade, de modo geral, elas possuem autonomia para
regulamentar suas políticas afirmativas. Desses espaços de saber científico hão de surgir as
10
De acordo com o ranking universitário da Folha, as dez melhores Universidades do país são públicas. In.
http://ruf.folha.uol.com.br/2014/ Acessado em setembro de 2014.
formas pelas quais a diferença racial, e o racismo são percebidos socialmente, de acordo, com
as instituições de ensino superior do país.
Esta pesquisa não poderá atestar sobre a forma como o Brasil percebe seus critérios de
pertencimento racial, ou como isso afetará futuramente as construções em torno das
diferenças raciais (culturais), mas poderá analisar uma das principais instituições nacionais, as
Universidades. Produtoras de certas “verdades” sobre os sujeitos e de políticas (FOUCAULT,
2008), afinal, as políticas afirmativas têm a finalidades de combater a desigualdade ou; de
promover um reconhecimento da diferença cultural mais equânime, ou ainda, as duas
finalidades. Estes aspectos podem ser evidenciados nos seus critérios de definição do
pertencimento racial nas políticas afirmativas e, materializa a importância de uma pesquisa
com tal propósito.
Destarte, a finalidade de observar as políticas raciais selecionadas, é uma forma de
refletir sobre o pensamento racial nacional, sobre a forma como a ciência se apropria e é
apropriada na relação com Estado e com a Sociedade Civil. O pertencimento racial, enquanto
critério de política pública traz a possibilidade dessas articulações. Nossa problemática se
insere em meio à definição da identidade racial, pauta de longa data nas Ciências Sociais
brasileira, mas ainda é uma área conflituosa quando pensamos as ações afirmativas, e de
forma mais cabal, o critério de definição dos sujeitos que poderão usufruir desse direito
social.
Esta pesquisa traz como potencial, a possibilidade de fortalecer a pauta em torno da
importância da diferença cultural nas relações sociais. A diferença cultural, quando adquire
contornos de problema social é, de compreensão pública mais complexa. A necessidade de
recorrer a questões factuais, concretas para exemplificar a importância da diferença cultural
nas relações sociais depõe a favor dessa hipótese. A compreensão das ações afirmativas como
política de combate as desigualdades raciais limita, nas Universidades, a continuidade de
políticas de permanência, pois a dimensão do da inferioridade proporcionada pela diferença
cultural não é parte da agenda pública em muitas instituições.
O problema de pesquisa situa-se, na maneira como a desigualdade/diferença racial é
percebida pela Universidade. Melhor dizendo, as políticas afirmativas pensadas nesses
espaços de saber científico, visam remediar um problema diagnosticado como: questão racial.
Que no Brasil opera em diversos prismas, acreditamos que os dois principais seriam: o da
desigualdade social, genericamente tratado como sendo da desigualdade no âmbito do projeto;
e o da diferença cultural, ressaltado tanto pelas escolhas teóricas quanto por políticas que
trazem em si uma reivindicação de maior representação ou reconhecimento. Encarar essa
problemática como sendo acadêmica, mas também de políticas públicas é, necessário nesse
cenário de avaliações dos processos de implantação da ação afirmativa no Brasil, que já
possuem mais de 10 anos desde a primeira instituição a adotar tal política.
REFERENCIAIS