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Argumentos Teístas contra o

ateísmo moderno

Curso Ciência da Religião


Instituto Iktus

Módulo 3

1
INTRODUÇÃO

O último meio século testemunhou uma verdadeira revolução na


filosofia anglo-americana. Em retrospectiva recente, o eminente
filósofo de Princeton Paul Benacerraf recorda como era fazer
filosofia em Princeton durante os anos de 1950 e 1960. O modo de
pensar esmagadoramente dominante era o naturalismo científico. A
metafísica havia sido vencida, expulsa da filosofia como uma
leprosa imunda. Qualquer problema que não pudesse ser resolvido
pela ciência era simplesmente desconsiderado como
pseudoproblema. O verificacionismo reinou triunfante sobre a
emergente ciência da filosofia. “Este novo iluminismo viria a deitar
por terra os antigos pontos de vista e atitudes metafísicos,
substituindo-os pelo novo modo de fazer filosofia”. [1]

O colapso do verificacionismo foi sem dúvida o evento filosófico


mais importante do século XX. Sua morte significou o ressurgimento
da metafísica, juntamente com outros problemas tradicionais da
filosofia que o verificacionismo suprimira. Acompanhando esse
ressurgimento, veio algo novo e completamente inesperado: o
renascimento da filosofia cristã.

A feição da filosofia anglo-americana foi consequentemente


transformada. O teísmo está em ascensão; o ateísmo está em
declínio. [2] O ateísmo, embora talvez ainda seja o ponto de vista
dominante na academia americana, é uma filosofia em retirada. Em
artigo recente na revista secularista Philo, Quentin Smith lamenta o

2
que ele chama de “a dessecularização da academia que se
desenvolveu nos departamentos de filosofia desde o final dos anos
de 1960”. Ele se queixa assim:

“Naturalistas passivamente observaram à medida que versões


realistas do teísmo… começaram a varrer através da comunidade
filosófica, até que hoje talvez um quarto ou um terço dos
professores de filosofia seja teísta, com a maioria sendo cristãos
ortodoxos… na filosofia, tornou-se, quase da noite para o dia,
“academicamente respeitável” defender o teísmo, fazendo da
filosofia um privilegiado campo de entrada para os teístas mais
inteligentes e talentosos que entram na academia hoje.” [3]

Smith conclui: “Deus não está ‘morto’ na academia; ele voltou à vida
no fim da década de 1960 e agora está bem vivo em sua última
fortaleza acadêmica, os departamentos de filosofia”. [4]

Como vanguardas de um novo paradigma filosófico, filósofos teístas


têm lançado livremente várias críticas ao ateísmo. Em espaço tão
pequeno como este artigo, é impossível fazer algo além de esboçar
algumas delas e fornecer orientação para leituras mais
aprofundadas. Estas críticas podem ser agrupadas em duas frentes
básicas: (1) Não há argumentos convincentes a favor do ateísmo e
(2) Existem argumentos convincentes a favor do teísmo.

NÃO HÁ ARGUMENTO CONVINCENTE A FAVOR DO ATEÍSMO

3
Teístas se queixam que os argumentos habituais contra a
existência de Deus não passam na inspeção filosófica. Uma das
justificativas mais comumente proferidas do ateísmo é a chamada
“presunção do ateísmo”. À primeira vista, esta é a afirmação de
que, na ausência de provas da existência de Deus, devemos
presumir que Deus não existe. Assim entendida, tal suposta
presunção parece confundir o ateísmo com o agnosticismo. Quando
se atenta mais de perto para como protagonistas da presunção de
ateísmo utilizam o termo “ateu”, no entanto, descobre-se que eles
por vezes estão redefinindo a palavra para indicar apenas a
ausência de crença em Deus. Tal redefinição banaliza a alegação
da presunção do ateísmo, pois nesta definição o ateísmo deixa de
ser uma um ponto de vista, e até mesmo bebês contam como
ateus. Ainda seria necessário justificativa a fim de saber que Deus
existe ou que Ele não existe.

Outros defensores da presunção do ateísmo utilizam a palavra da


forma convencional, mas insistem que é precisamente a ausência
de provas para o teísmo que justifica a sua afirmação de que Deus
não existe. O problema com essa posição é captado muito bem
pelo aforismo, tão caro aos cientistas forenses, de que “ausência de
provas não é prova de ausência”. A ausência de provas é prova de
ausência apenas nos casos em que, se a entidade postulada
existisse, deveríamos esperar ter mais provas de sua existência do
que o temos. No que diz respeito à existência de Deus, cabe ao
ateu provar que, se Deus existisse, Ele forneceria mais provas de
sua existência do que aquilo que temos. Este é um ônus de prova
enormemente pesado para o ateu suportar, por duas razões: (1) Ao
menos no teísmo cristão, a principal maneira como podemos vir a
conhecer Deus não é mediante provas, mas mediante a obra
interior do Espírito Santo, que é eficaz em levar pessoas a uma
relação com Deus sem nenhuma necessidade de provas. [5] (2) No
teísmo cristão, Deus preparou os milagres estupendos da criação
do universo a partir do nada e da ressurreição de Jesus dentre os
mortos, para os quais existem boas provas científicas e históricas,

4
sem contar todos os outros argumentos da teologia natural. [6] À luz
disso, a presunção do ateísmo parece deveras presunçosa!

O debate entre filósofos contemporâneos, portanto, superou a


simples presunção do ateísmo, transformando-se numa discussão
sobre o chamado “ocultamento de Deus” — de fato, uma discussão
sobre a probabilidade ou expectativa de que Deus, se Ele existisse,
deixasse mais provas de Sua existência do que aquilo que temos.
Insatisfeitos com as provas que temos, alguns ateus argumentam
que Deus, se Ele existisse, teria impedido a incredulidade do
mundo, fazendo a Sua existência perfeitamente aparente. Mas por
que Deus deveria querer fazer uma coisa dessas? Na visão cristã, é
na verdade uma questão de relativa indiferença para Deus se as
pessoas acreditam que Ele existe ou não. Deus está interessado
em construir uma relação de amor conosco, não apenas nos fazer
crer que Ele existe. Não há nenhuma razão para pensar que, se
Deus fizesse a Sua existência mais evidente, mais pessoas
poderiam entrar em uma relação salvadora com Ele. Na verdade,
nós não temos nenhuma maneira de saber se, num mundo de
pessoas livres, em que a existência de Deus fosse tão óbvia quanto
o que está bem diante de seus olhos, mais pessoas viriam a amá-
Lo e conhecer a Sua salvação do que no mundo real. Pois então, a
alegação de que, se Deus existisse, Ele faria a Sua existência mais
evidente do que é, tem pouca ou nenhuma garantia,
comprometendo, assim, a alegação de que a ausência de tal prova
é a própria prova positiva de que Deus não existe. Pior ainda, se
Deus é dotado de conhecimento médio, de modo que Ele sabe
como qualquer pessoa livre atuaria sob quaisquer circunstâncias
nas quais Deus poderia colocá-la, então Deus pode ter
providencialmente ordenado o mundo real de tal maneira a fornecer
apenas as provas e dádivas do Espírito Santo, pelo que Ele sabia,
seriam adequados para trazer aqueles com um coração e mente
abertos à fé salvadora. Assim, as provas são tão adequadas quanto
precisam ser.

5
A (IN)COERÊNCIA DO ATEÍSMO

Uma das preocupações centrais da filosofia da religião


contemporânea é a coerência do teísmo. Durante a geração
anterior, o conceito de Deus fora muitas vezes considerado um
terreno fértil para argumentos antiteístas. A dificuldade com o
teísmo, dizia-se, não era apenas que não há bons argumentos para
a existência de Deus, mas, mais fundamentalmente, que a noção
de Deus é incoerente.

Essa crítica antiteísta evocou uma literatura prodigiosa dedicada à


análise filosófica do conceito de Deus. Dois controles tendem a
orientar esta investigação sobre a natureza divina: as Escrituras e a
teologia do ser perfeito. Para pensadores na tradição judaico-cristã,
a concepção anselmiana de Deus como o maior ser concebível ou
ser mais perfeito tem orientado a especulação filosófica sobre os
dados brutos das Escrituras, de modo que os atributos bíblicos de
Deus devem ser concebidos de forma a servir para exaltar a
grandeza de Deus. Uma vez que o conceito de Deus é
subdeterminado pelos dados bíblicos e já que aquilo que constitui
uma propriedade “engrandecedora” é até certo ponto discutível,
filósofos que atuam dentro da tradição judaico-cristã desfrutam de
latitude considerável na formulação de uma doutrina filosoficamente
coerente e biblicamente fiel de Deus. Teístas, portanto, acham que
as críticas antiteístas de certas concepções de Deus podem, na
verdade, ser muito úteis na formulação de uma concepção mais
adequada.

Por exemplo, a maioria dos filósofos da religião cristãos hoje se


contenta em negar que Deus seja simples ou impassível ou
imutável, em qualquer sentido irrestrito — apesar de teólogos
medievais terem afirmado tais atributos divinos —, uma vez que
estes atributos não são conferidos a Deus na Bíblia (e parecem até
incompatíveis com as descrições bíblicas de Deus) e não são

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claramente engrandecedores. Caso se verifique que certas noções
como onipotência ou onisciência sejam inerentemente paradoxais
em determinadas definições, que nenhum ser pode ter todos os
poderes, digamos, ou saber todas as verdades, esta conclusão,
enquanto de interesse acadêmico considerável, no final, será de
pouca significação teológica, uma vez que o que Deus não pode
fazer ou saber segundo tais explicações é tão recôndito que
nenhuma incompatibilidade é, assim, demonstrada com o Deus
descrito na Bíblia.

De fato, porém, uma doutrina coerente dos atributos de Deus pode


ser formulada. Considere a onipotência, por exemplo. Este atributo
resistiu de forma teimosa a uma formulação adequada até a análise
de Flint e Freddoso publicada em 1983. Um entendimento
fundamento para o conceito de onipotência é que deve ser definido
a partir da habilidade de realizar certos estados de coisas, e não a
partir de poder bruto. Assim, a onipotência não deve ser entendida
como poder ilimitado em sua quantidade ou variedade. Se
entendermos onipotência a partir da habilidade de realizar estados
de coisas, não será uma diminuição da onipotência de Deus que
Ele não possa fazer uma rocha pesada demais para Ele mesmo
levantar, pois, dado o fato de que Deus é essencialmente
onipotente, “uma rocha pesada demais para Deus levantar”
descreve um estado de coisas tão logicamente impossível quanto
“um triângulo quadrado” e, assim, não descreve nada.

Devemos dizer, então, que um agente S é onipotente se, e apenas


se, S pode realizar qualquer estado de coisas que seja logicamente
possível? Não, pois certos estados de coisas podem ser
logicamente possíveis, mas, em razão da passagem de tempo,
podem não ser mais possíveis de realizar. Chamemos estados de
coisas passados que não são indiretamente realizáveis por alguém
posterior no tempo como passado “forte”. Devemos dizer, então,
que um agente S é onipotente em um tempo t se, e apenas
se, S pode em t realizar qualquer estado de coisas que seja ampla

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e logicamente possível para alguém que compartilha o mesmo
passado forte com S para realizar em t? Parece que não. Pois
suposições acerca de ações livres suscitam outro problema. A
pessoa tem controle sobre suposições acerca das próprias decisões
livres, mas não sobre suposições acerca das decisões livres de
outros. Isto implica que uma definição adequada de onipotência não
pode requerer que S seja capaz de realizar estados de coisas
descritos por suposições acerca das decisões livres de outros
agentes, pois isso seria requerer o logicamente impossível de S.
Devemos dizer, então, que S é onipotente em um tempo t se, e
apenas se, S pode em t realizar qualquer estado de coisas que seja
de modo amplo logicamente possível para S realizar, dado o
mesmo passado forte em t e as mesmas suposições verdadeiras
sobre as ações livres dos outros? Isto parece quase certo. Mas está
aberto a críticas que, se S é essencialmente incapaz de qualquer
ação em particular, não importa quão trivial, então a inabilidade
de S realizar aquela ação não conta contra sua onipotência.
Portanto, precisamos deixar a definição mais ampla a fim de
requerer que S realize qualquer ação que qualquer agente em sua
situação realizaria. A análise a seguir pareceria satisfatória: S é
onipotente em um tempo t se, e apenas se, S pode em t realizar
qualquer estado de coisas que não seja descrito por suposições
acerca das ações livres de outros e que seja ampla e logicamente
possível para alguém realizar, dado o mesmo passado forte em t e
as mesmas suposições verdadeiras acerca das ações livres de
outros. Tal análise estabelece bem os parâmetros da onipotência de
Deus sem impor nenhum limite ilógico em Seu poder.

Ou considere a onisciência. Na definição padrão de onisciência,


para cada pessoa S, S é onisciente se, e apenas se, S conhece
cada proposição verdadeira e não acredita em qualquer proposição
falsa. Nesta definição, a excelência cognitiva de Deus é definida a
partir de seu conhecimento proposicional. Algumas pessoas têm
observado que onisciência definida desta forma é uma noção
inerentemente paradoxal, como o conjunto de todas as verdades.
Mas a definição padrão não nos compromete com qualquer tipo de

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totalidade de todas as verdades, mas meramente com quantificação
universal com respeito a verdades: Deus conhece cada verdade.
Além disso, a definição padrão não busca nos dar o modo do
conhecimento de Deus, mas meramente seu escopo e precisão.
Teólogos cristãos tipicamente não pensam no conhecimento de
Deus como proposicional por natureza, mas como uma intuição
sem divisão da realidade, que nós, conhecedores
finitos, representamos a nós mesmos a partir de proposições. Nós
expressamos proposicionalmente o que Deus sabe não-
proposicionalmente. Nesta visão, não há, de fato, um número
infinito de proposições, mas somente tantas proposições quanto
seres humanos têm tido conscientemente. De fato, se alguém é um
ficcionalista com respeito a objetos abstratos como proposições,
então proposições são simplesmente ficções úteis que nós
empregamos para descrever os estados de crença das pessoas, e
o tapete é puxado de baixo de quaisquer objeções formuladas com
base nas presunções platonistas com respeito à realidade de
proposições. Finalmente, definições adequadas de onisciência
divina ficam a nosso dispor que não fazem menção a qualquer
proposição. Charles Taliaferro propõe, por exemplo, que a
onisciência seja entendida a partir do poder cognitivo máximo, isto
é, uma pessoa S é onisciente se, e somente se, é metafisicamente
impossível haver um ser com um poder cognitivo maior do que S e
este poder ser completamente exercido.

Portanto, longe de solapar o teísmo, as críticas antiteístas à


coerência do teísmo têm servido sobretudo para refinar e fortalecer
a crença teísta.

O PROBLEMA DO MAL

Sem dúvida, o maior obstáculo para a crença em Deus é o


chamado problema do mal. Durante o último quarto de século mais
ou menos, uma quantidade enorme de análise filosófica tem sido

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investida neste problema, tendo como resultado genuíno progresso
filosófico quanto à velha questão.

Falando mais amplamente, devemos distinguir entre o problema


intelectual do mal e o problema emocional do mal. O problema
intelectual do mal diz respeito à maneira de dar uma explicação
racional da coexistência de Deus e do mal. O problema emocional
do mal diz respeito à maneira de consolar aqueles que sofrem e de
dissipar a aversão emocional que as pessoas têm a um Deus que
permite o mal.

Pensadores contemporâneos reconhecem que existem versões


significativamente diferentes do problema intelectual do mal e lhes
têm atribuído diversos rótulos, tais como “dedutivo”, “indutivo”,
“lógico”, “probabilístico”, “probatório” e assim por diante. Pode ser
mais útil distinguir duas formas em que se pode conceber o
problema intelectual, quer como problema interno quer como
problema externo. Isto é, o problema pode ser apresentado a partir
de premissas para as quais o teísta está ou deveria estar
comprometido como teísta, de modo que a cosmovisão teísta
esteja, de alguma forma, em desacordo consigo mesma; ou pode
ser apresentado a partir de premissas com as quais o teísta não
está comprometido como teísta, mas que nós, no entanto, temos
boas razões para considerar verdadeiras.

Vale a pena notar que tradicionalmente os ateus apresentam o


problema do mal como um problema interno para o teísmo. Isto é,
ateus afirmam que as declarações

A. Um Deus onipotente, onibenevolente existe.


e

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B. A quantidade e os tipos de sofrimento no mundo existem.

ou são logicamente inconsistentes ou improváveis uma em relação


à outra. Como resultado do trabalho de filósofos cristãos como Alvin
Plantinga, hoje é amplamente reconhecido que o problema interno
do mal é um fracasso enquanto argumento a favor do ateísmo.
Ninguém foi capaz de mostrar que (A) e (B) são logicamente
incompatíveis uma com a outra ou improváveis uma em relação à
outra.

Tendo abandonado o problema interno, ateus muito recentemente


passaram a defender o problema externo, muitas vezes chamado
de problema probatório do mal. Se considerarmos que Deus é
essencialmente onipotente e onibenevolente e designarmos de “mal
gratuito” o sofrimento que não é necessário para atingir algum bem
adequadamente compensador, o argumento pode ser resumido de
forma simples:

1. Se Deus existe, o mal gratuito não existe.

2. O mal gratuito existe.


3. Logo, Deus não existe.

O que faz que este seja um problema externo é que o teísta não
está comprometido em sua cosmovisão com a verdade de (2). O
teísta cristão está comprometido com a verdade de que O mal
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existe, mas não que O mal gratuito existe. Assim, o ateu alega que
o sofrimento no mundo, aparentemente sem sentido e sem
necessidade, constitui prova contra a existência de Deus.

Pois bem, a premissa mais controversa neste argumento é (2).


Todos admitem que o mundo está cheio de
sofrimento aparentemente gratuito. Isto, porém, não implica que
estes males aparentemente gratuitos realmente sejam gratuitos.
Existem pelo menos três razões para explicar por que é tênue a
inferência a partir do mal aparentemente gratuito para o mal
genuinamente gratuito.

1. NÓS NÃO ESTAMOS EM BOA POSIÇÃO PARA AVALIAR COM SEGURANÇA A


PROBABILIDADE DE QUE DEUS NÃO TENHA RAZÕES MORALMENTE
SUFICIENTES PARA PERMITIR O SOFRIMENTO NO MUNDO.

A improbabilidade da existência de Deus em relação ao mal no


mundo depende de quão provável seja que Deus tenha razões
morais suficientes para permitir que o mal ocorra. No caso, o que
torna a probabilidade tão difícil de avaliar é que nós não estamos
numa boa posição epistêmica para fazer esses tipos de julgamentos
probabilísticos com nenhuma grau de segurança. Apenas uma
mente onisciente poderia compreender as complexidades de guiar
providencialmente um mundo de criaturas livres em direção aos
seus objetivos previstos. Alguém precisa apenas pensar nas
contingências inumeráveis e incalculáveis envolvidas para se

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chegar a um único evento histórico — digamos, a promulgação da
política “Lend-Lease” pelo congresso americano antes da entrada
dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Nós não temos
ideia dos males naturais e morais que podem estar envolvidos para
que Deus organize as circunstâncias e seus agentes livres
necessários para tal evento. Certamente muitos males nos parecem
sem sentido e desnecessários — mas nós simplesmente não
estamos numa posição para julgar. Dizer isso não é apelar ao
mistério, mas, sim, mostrar as limitações cognitivas inerentes que
frustram tentativas de dizer que é improvável que Deus tenha
razões moralmente suficientes para permitir algum mal em
particular.

Ironicamente, em outros contextos, ateus reconhecem essas


limitações cognitivas. Uma das objeções mais danosas à teoria
ética utilitarista, por exemplo, é que é simplesmente impossível
estimarmos qual ação por nós realizada levará, em última instância,
à maior quantidade de felicidade ou prazer no mundo. Por causa
das nossas limitações cognitivas, ações que parecem desastrosas a
curto prazo podem levar ao bem maior, enquanto uma dádiva a
curto prazo pode levar a uma terrível miséria. Quando
contemplamos a providência de Deus sobre toda a história, então
torna-se evidente quão fútil é para observadores limitados
especularem sobre a probabilidade de que algum mal que vemos
seja, em última instância, gratuito. Nossa incapacidade de discernir
a razão moralmente justificada para a ocorrência de diversos males
dá pouquíssima razão para pensar que Deus — especialmente um
Deus dotado de conhecimento médio — não tenha razões
moralmente suficientes para permitir os males que observamos no
mundo.

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2. O TEÍSMO CRISTÃO IMPLICA DOUTRINAS QUE AUMENTAM A
PROBABILIDADE DA COEXISTÊNCIA DE DEUS E DO MAL.

O ateu mantém que, se Deus existe, é improvável que o mundo


contenha os males que tem. Pois bem, o que o teísta cristão pode
fazer em resposta a tal afirmação é propor diversas hipóteses que
tendam a aumentar a probabilidade do mal dada a existência de
Deus: Pr (Mal/Deus&Hipóteses) > Pr (Mal/Deus). O cristão pode
tentar mostrar que, se Deus existe e essas hipóteses são
verdadeiras, não é nenhuma surpresa que o mal exista. Isto, por
sua vez, reduz qualquer improbabilidade que, segundo se pensa, o
mal venha a jogar sobre Deus. Essas hipóteses são diversas
doutrinas cristãs, de modo que a alegação cristã é que o mal
observado no mundo é mais provável no teísmo cristão do que no
teísmo simples (ou, então, que essas doutrinas deveriam nos levar
a elevar Pr (Mal/Deus), à luz da percepção de que Pr (Mal/Deus
cristão) não é tão baixa, no fim das contas). Quatro doutrinas cristãs
vem à mente neste sentido.

Primeiro, o propósito principal da vida não é a felicidade, mas o


conhecimento de Deus. Uma das razões que faz o problema do mal
parecer tão intragável é que as pessoas naturalmente tendem a
presumir que, se Deus existe, Seu propósito para o ser humano é a
felicidade neste mundo. O papel de Deus é proporcionar um
ambiente confortável para seus bichinhos de estimação humanos.
Porém, na visão cristã, isto é falso. Não somos os bichinhos de
estimação de Deus, e o propósito da vida humana não é felicidade
em si mesma, mas o conhecimento de Deus — que, no final, trará
verdadeira e eterna realização humana. Muitos males ocorrem na
vida que podem ser completamente sem sentido com respeito ao
propósito de produzir felicidade humana; mas eles podem não ser
sem sentido com respeito à produção de um conhecimento mais

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profundo e salvífico de Deus. Para ir adiante com seu argumento, o
ateu deve agora mostrar que é possível que Deus crie um mundo
em que a mesma quantidade de conhecimento de Deus é
alcançada, mas com menos mal — o que é mera especulação.

Em segundo lugar, à humanidade foi concedida liberdade moral


significativa para se rebelar contra Deus e Seu propósito. Em vez
de se submeter e adorar a Deus, as pessoas livremente se rebelam
contra Deus e seguem seu próprio caminho, encontrando-se, assim,
alienados de Deus, moralmente culpados diante dEle e arrastando-
se na escuridão espiritual, atrás de falsos deuses que elas mesmas
criaram. Os horrendos males morais no mundo são testemunho da
depravação do homem nesse estado de alienação espiritual em
relação a Deus. O cristão, portanto, não fica supreso com o mal
moral no mundo; pelo contrário, ele o espera.

Em terceiro lugar, o propósito de Deus transborda para a vida


eterna. Na visão cristã, esta vida terrena é somente uma
preparação momentânea para a vida imortal. Na vida por vir Deus
dará àqueles que nEle confiam para a salvação uma vida eterna de
alegria indescritível. Dada a promessa da vida eterna, não devemos
esperar ver nesta vida a recompensa de Deus para cada mal que
experimentamos. Alguns podem ser justificados apenas à luz da
eternidade.

Em quarto lugar, o conhecimento de Deus é um bem


incomensurável. Conhecer a Deus, o foco da bondade e amor
infinitos, é um bem incomparável, a realização da existência
humana. Os sofrimentos desta vida não podem nem mesmo se
comparar com isso. Assim, a pessoa que conhece a Deus, não
importando o que ela sofra, não importando quão horrível seja sua
dor, pode ainda verdadeiramente dizer: “Deus é bom para mim!”,
simplesmente em virtude do fato de que ela conhece a Deus.

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Estas quatro doutrinas cristãs aumentam a probabilidade da
coexistência de Deus e dos males no mundo. Elas, portanto,
servem para diminuir qualquer improbabilidade que estes males
possam lançar sobre a existência de Deus. A fim de sustentar seu
argumento, o ateu terá de mostrar que estas doutrinas são em si
improváveis.

3. EXISTE MAIOR GARANTIA EM ACREDITAR QUE DEUS EXISTE DO QUE EM


ACREDITAR QUE O MAL NO MUNDO É DE FATO GRATUITO.

Já foi dito que o modus ponens de um homem é o modus tollens de


outro homem. O próprio argumento do ateu pode, assim, voltar-se
contra si:

1. Se Deus existe, o mal gratuito não existe.

2*. Deus existe.

3*. Logo, o mal gratuito não existe.

Assim, se Deus existe, o mal no mundo não é de fato gratuito.

Então a questão se resume em qual é verdade: (2) ou (2*)? A fim de


provar que Deus não existe, ateus teriam que mostrar que (2) é
significativamente mais provável que (2*). Como Daniel Howard-
Snyder destaca em seu livro The Evidential Problem of Evil [O
problema probatório do mal], um argumento do mal é um problema
apenas para a pessoa “que acha que todas suas premissas e
inferências são convincentes e que tem fundamentos muito ruins
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para acreditar no teísmo”. [7] Mas, se alguém tem razões melhores
para acreditar que Deus existe, o mal “não é um problema”. [8] O
teísta cristão pode dizer que, quando levamos em conta todo o
escopo dos indícios, a existência de Deus se torna bastante
provável, mesmo que o problema do mal, considerado
isoladamente, torne a existência de Deus improvável.

ARGUMENTOS CONVINCENTES A FAVOR DO TEÍSMO

A renascença da filosofia cristã durante o último meio século foi


acompanhada de uma reapreciação dos argumentos tradicionais a
favor da existência de Deus. Limitações de espaço permitem-me
mencionar apenas quatro destes argumentos aqui.

Argumento da contingência. Uma declaração simples do argumento


pode ser:

1. Tudo o que existe tem uma explicação para sua existência


(ou na necessidade de sua própria natureza ou em uma causa
externa).

2. Se o universo tem uma explicação para sua existência, esta


explicação é Deus.

3. O universo existe.

4. Logo, a explicação para a existência do universo é Deus.

A premissa (1) é uma versão modesta do Princípio da Razão


Suficiente. Ela evita as típicas objeções ateístas às versões fortes

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deste princípio. Pois (1) meramente requer que
qualquer coisa existente tenha uma explicação para sua existência.
Esta premissa é compatível com a condição de que
haja fatos brutos sobre o mundo. O que ela impede é que existam
coisas que simplesmente existem sem explicação. Este princípio
parece bastante plausível, pelo menos mais do que o seu contrário.
Pode-se pensar na ilustração de Richard Taylor de encontrar uma
bola translúcida enquanto se caminha pela floresta. A declaração de
que a bola simplesmente existe sem explicação seria bastante
bizarra; e aumentar o tamanho da bola, até torná-la coextensiva
com o cosmo, não faria nada para deixar óbvia a necessidade de
uma explicação para sua existência.

A premissa (2) é, de fato, a contraposição da réplica ateísta típica,


segundo a qual, na cosmovisão ateísta, o universo simplesmente
existe como uma coisa bruta contingente. Além disso, (2) parece
bastante plausível por si só. Pois, se o universo, por definição, inclui
toda a realidade física, a causa do universo deve (pelo menos
causalmente antes da existência do universo) transcender espaço e
tempo, e, portanto, não pode ser temporal ou material. Só existem,
porém, dois tipos de coisas que poderiam se encaixar em tal
descrição: ou um objeto abstrato ou uma mente. Mas objetos
abstratos não entram em relações causais. Logo, segue que a
explicação para a existência do universo é uma causa externa,
transcendente, pessoal — que é um significado de “Deus”.

Por último, (3) afirma o óbvio, que existe um universo. Segue que
Deus existe.

Está aberto ao ateu responder que, apesar de universo ter uma


explicação para sua existência, tal explicação não está num
fundamento externo, mas na necessidade de sua própria natureza;
em outras palavras, (2) é falsa. Esta é, porém, uma sugestão
extremamente audaciosa que ateus não querem muito adotar.

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Temos, pode-se dizer com segurança, uma forte intuição da
contingência do universo. Um mundo possível em que nenhum
objeto concreto existe parece certamente concebível. Geralmente
confiamos em nossas intuições modais em outros assuntos
familiares; se vamos fazer o contrário com respeito à contingência
do universo, então o ateu precisa propor alguma razão para tal
ceticismo além de seu desejo de evitar o teísmo. Além disso, como
veremos abaixo, temos boas razões para pensar que o universo
não existe por uma necessidade de sua própria natureza.

Argumento cosmológico. Uma versão simples deste argumento


pode ser:

1. Tudo o que começa a existir tem uma causa.

2. O universo começou a existir.

3. Logo, o universo tem uma causa.

A análise conceitual do que significa ser uma causa do universo,


então, ajuda a estabelecer algumas das propriedades teológicas
significativas deste ser.

A premissa (1) parece obviamente verdadeira — pelo menos, mais


do que sua negação. Está enraizado na intuição metafísica que algo
não pode vir à existência do nada. Se as coisas realmente
pudessem vir à existência incausadas, do nada, tornar-se-ia
inexplicável por que justamente nada nem coisa alguma vêm à
existência incausadas, do nada. Além disso, a convicção de que
uma origem do universo requer uma explicação causal parece
bastante razoável, pois na visão ateísta, se o universo começou no
Big Bang, não havia nem mesmo potencialidade da existência do
universo antes do Big Bang, uma vez que nada é anterior ao Big
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Bang. Mas, então, como o universo poderia tornar-se real se não
havia nem mesmo a potencialidade de sua existência? Faz muito
mais sentido dizer que a potencialidade do universo está no poder
de Deus para criá-lo. Por fim, a primeira premissa é constantemente
confirmada em nossa experiência. Ateus que são naturalistas
científicos, então, têm as motivações mais fortes para aceitá-la.

A premissa (2), a mais controversa, pode ser sustentada tanto por


argumentos filosóficos dedutivos quanto por argumentos científicos
indutivos. Proponentes clássicos do argumento sustentaram que um
regresso temporal infinito não pode existir, uma vez que a
existência de um número infinito real de coisas, ao contrário de um
infinito meramente potencial, leva a absurdos intoleráveis. A melhor
forma de sustentar esta afirmação ainda é por meio de experiências
mentais, como o famoso Hotel de Hilbert [9], que ilustra os vários
absurdos que resultariam se um infinito real fosse instanciado no
mundo real. Normalmente se alega que este tipo de argumento foi
invalidado pelo trabalho de Georg Cantor sobre o infinito real. A
teoria de conjuntos cantoriana, no entanto, pode ser considerada
simplesmente um universo de discurso, um sistema matemático
baseado em certos axiomas e convenções adotados. O defensor do
argumento pode afirmar que, apesar de o infinito real poder até ser
um conceito frutífero e coerente dentro do universo postulado de
discurso, não pode ser transposto para dentro do mundo espaço-
temporal, pois isso envolveria absurdos anti-intuitivos. Ele tem a
liberdade de rejeitar visões platônicas de objetos matemáticos em
favor de visões não-platonistas, tais como ficcionalismo ou
conceitualismo divino combinados com a simplicidade da cognição
de Deus.

Um segundo argumento para o começo do universo oferecido por


proponentes clássicos é que a série temporal de eventos passados
não pode ser um infinito real, porque uma coleção formada por
adição sucessiva não pode ser realmente infinita. Às vezes o
problema é descrito como a impossibilidade de atravessar o infinito.

20
Para termos “chegado” ao hoje, a existência temporal, por assim
dizer, atravessou um número infinito de eventos anteriores. Antes
de se chegar ao evento presente, no entanto, seria preciso chegar
ao evento imediatamente anterior; e, antes de se chegar a esse
evento, seria preciso chegar ao evento imediatamente anterior a
ele; e assim por diante ad infinitum. Não se poderia chegar a
nenhum evento, uma vez que antes dele aparecer sempre haveria
mais um evento que teria de acontecer primeiro. Assim, se a série
de eventos passados fosse sem começo, não se poderia ter
chegado ao evento presente, o que é absurdo.

A objeção frequente é que este tipo de argumento pressupõe


ilicitamente um ponto inicial infinitamente distante no passado e,
então, diz ser impossível viajar daquele ponto até hoje, quando na
verdade, de qualquer dado ponto no passado, existe apenas uma
distância finita até o presente que é facilmente atravessada. Porém,
proponentes do argumento não presumiram de fato que havia um
ponto inicial infinitamente distante no passado. Atravessar uma
distância é atravessar cada parte própria dela. Assim, atravessar
não presume que a distância atravessada tenha um ponto inicial ou
final ou uma primeira ou última parte. O fato de que não há começo,
nem mesmo infinitamente distante, parece apenas piorar o
problema, e não melhorá-lo. Dizer que o passado infinito poderia ter
sido formado por adição sucessiva é como dizer que alguém
acabou de conseguir escrever todos os números negativos,
terminando em -1. E podemos perguntar: como é que a alegação de
que, para qualquer dado momento no passado, existe apenas uma
distância finita até o presente é sequer relevante à questão? Pois a
pergunta é como toda a série pode ser formada, e não uma porção
finita dela. Pensar que, como todo segmento finito da série pode ser
formado por adição sucessiva, toda a série infinita também o pode,
é cometer a falácia da composição.

Um terceiro argumento para o começo do universo é um argumento


indutivo baseado no indício contemporâneo para a expansão do

21
universo. O modelo padrão do Big Bang não descreve a expansão
do conteúdo material do universo num espaço vazio pré-existente,
mas, sim, a expansão do próprio espaço. Isso tem a implicação
surpreendente de que, quando se extrapola de volta no tempo, a
curvatura do espaço-tempo se torna cada vez maior até chegar a
uma singularidade, na qual a curvatura do espaço-tempo se torna
infinita. Constitui, portanto, uma borda ou limite para o próprio
espaço-tempo.

A história da cosmologia do século XX tem sido, em certo sentido,


uma série de tentativas fracassadas de elaborar modelos não-
convencionais aceitáveis do universo em expansão a fim de evitar o
começo absoluto predito pelo modelo padrão. Apesar de tais teorias
serem possíveis, o veredito esmagador da comunidade científica é
que nenhum deles é mais provável do que a teoria do Big Bang.
Não há modelo matematicamente coerente que tenha tido tanto
êxito em suas predições ou tenha sido tão corroborado pelos
indícios quanto a teoria tradicional do Big Bang. Por exemplo,
algumas teorias, como o universo oscilante (que para sempre se
expande e recontrai) ou o universo inflacionário caótico (que
continuamente gera novos universos), têm um futuro
potencialmente infinito, mas acabam tendo apenas um passado
finito. Teorias do universo em flutuação no vácuo (que postulam um
vácuo eterno do qual nasce nosso universo) não podem explicar por
que, se o vácuo era eterno, nós não observamos um universo
infinitamente antigo. A proposta do universo sem limite de Hartle e
Hawking, se interpretada realisticamente, ainda envolve uma origem
absoluta do universo, mesmo que o universo não comece em uma
singularidade, como na teoria padrão do Big Bang. Os cenários
recentemente propostos do universo cíclico ecpirótico baseados na
teoria de cordas ou teoria-M também têm se mostrado não somente
cheios de problemas, mas, o que é mais significativo, como se
implicassem a própria origem do universo que seus proponentes
procuraram evitar. É claro que resultados científicos são sempre
provisórios, mas não há dúvida de que é possível permanecer

22
confortavelmente dentro da corrente principal científica ao afirmar a
verdade da premissa (2).

Um quarto argumento para a finitude do passado também é parte


de um argumento indutivo, apelando para as propriedades
termodinâmicas do universo. De acordo com a Segunda Lei da
Termodinâmica, processos ocorrendo em um sistema fechado
tendem a estados de entropia mais altos, à medida que sua energia
é usada. Já no século XIX, cientistas perceberam que a aplicação
da Lei ao universo como um todo (que, segundo suposições
naturalistas, é um gigantesco sistema fechado, uma vez que é tudo
o que existe) implicava uma conclusão escatológica cruel: dado
tempo suficiente, o universo enfim chegaria a um estado de
equilíbrio e sofreria uma morte térmica. Tal projeção aparentemente
sólida suscitou uma pergunta ainda mais profunda: se, dado tempo
suficiente, o universo sofrerá morte térmica, então por que, se ele
existe desde sempre, não está agora em estado de morte térmica?
O advento da teoria da relatividade alterou o formato do cenário
escatológico previsto com base na Segunda Lei, mas não afetou
substancialmente esta pergunta fundamental. Indícios astrofísicos
indicam de forma esmagadora que o universo se expandirá para
sempre. À medida que isso acontece, tornar-se-á cada vez mais
frio, escuro, diluído e morto. Por fim, toda a massa do universo não
será nada além de um gás fino e frio de partículas elementares e
radiação, ficando cada vez mais diluído ao expandir para a
escuridão infinita, um universo em ruína.

Isto, porém, leva à pergunta: se numa quantidade finita de tempo o


universo atingirá um estado frio, escuro, diluído e sem vida, então
por que, se ele existe há um tempo infinito, não está agora neste
estado? Se o desejo é evitar a conclusão de que o universo não
existe desde sempre, deve-se encontrar uma forma cientificamente
plausível de refutar os achados da cosmologia física a fim de
permitir que o universo retorne a sua condição jovial. Porém,
nenhum cenário realista e plausível está no horizonte. [10] A maioria

23
dos cosmólogos concorda com o físico P. C. W. Davies que,
gostemos ou não, parece que somos forçados a concluir que a
condição de baixa entropia do universo simplesmente foi “inserida”
como condição inicial no momento da criação. [11]

Assim, nós temos bons fundamentos filosóficos e científicos para


afirmar a segunda premissa do argumento cosmológico. Vale a
pena notar que esta premissa é uma declaração religiosamente
neutra, que pode ser encontrada em qualquer apostila de
cosmologia astrofísica, de modo que acusações baratas de teologia
de um “Deus das lacunas” não têm respaldo. Além disso, uma vez
que um ser que existe pela necessidade de sua própria natureza
deve existir atemporal ou sempiternamente (doutro modo, sua vinda
à existência ou sua cessação de existência tornariam evidente que
sua existência não é necessária), segue que o universo não pode
ser metafisicamente necessário, um fato que fecha a última brecha
no argumento da contingência exposto acima.

Segue, logicamente, que o universo tem uma causa. Análise


conceitual de quais propriedades devem ser possuídas por tal
causa ultramundana nos permite descobrir um número
impressionante dos atributos divinos tradicionais, revelando que, se
o universo tem uma causa, então um criador pessoal incausado do
universo, que, sem o universo, é sem começo, sem mudança,
imaterial, atemporal, sem espaço e tremendamente poderoso. [12]

Argumento teleológico. Podemos formular um argumento do projeto


como segue:

1. A sintonia fina do universo é devida à necessidade física, ao


acaso ou ao projeto.

24
2. Ela não é devida à necessidade física ou ao acaso.

3. Logo, é devida ao projeto.

O que se quer dizer com “ajuste fino”? As leis físicas da natureza,


quando recebem expressão matemática, contêm diversas
constantes, tais como a constante gravitacional, cujos valores são
independentes das próprias leis; além disso, existem certas
quantidades arbitrárias que são simplesmente inseridas como
condições limítrofes sobre as quais as leis da natureza operam —
por exemplo, a condição de baixa entropia original do universo.
Com “ajuste fino” se quer dizer que os valores reais assumidos
pelas constantes e quantidades em questão são tais que pequenos
desvios daqueles valores tornariam o universo desfavorável à vida
ou, então, são tais que a gama de valores propícios à vida é
extraordinariamente estreita em comparação com a gama de
valores que poderiam ser assumidos.

Leigos talvez pensem que, se as constantes e quantidades


tivessem assumido valores diferentes, outras formas de vida
poderiam muito bem ter evoluído, mas este não é o caso. Com
“vida” cientistas querem dizer aquela propriedade de organismos de
ingerir alimento, dele extrair energia, crescer, adaptar-se a seu
ambiente e reproduzir-se. A ideia é que, para o universo permitir
vida assim definida, qualquer que seja a forma que o organismo
assuma, as constantes e quantidades tem de ser ajustadas
finamente de modo impressionante. Na ausência de ajuste fino,
nem mesmo a matéria ou a química existiriam, sem contar os
planetas onde a vida pudesse evoluir.

Objeta-se que, em universos regidos por leis da natureza diferentes,


tais consequências deletérias podem não ocorrer, ao variar os
valores das constantes e quantidades. O teleólogo não precisa

25
negar a possibilidade, pois tais universos são irrelevantes ao seu
argumento. Tudo o que ele precisa mostrar é que, entre universos
possíveis regidos pelas mesmas leis (mas tendo valores diferentes
das constantes e quantidades) do universo real, universos propícios
à vida são extraordinariamente improváveis.

Agora a premissa (1) coloca as três alternativas na gama de


opções viáveis para explicar o ajuste fino cósmico. A pergunta
é qual é a melhor explicação.

À primeira vista, a alternativa da necessidade física parece


extraordinariamente inverossímil. Como já vimos, os valores das
constantes e quantidades físicas são independentes das leis da
natureza. Se a matéria primordial e a antimatéria tivessem sido
proporcionadas de forma diferente, se o universo tivesse expandido
um pouco mais lentamente, se a entropia do universo fosse
marginalmente maior, qualquer um desses ajustes e mais teriam
evitado um universo propício à vida; porém, tudo parece
perfeitamente possível do ponto de vista físico. Quem sustenta que
o universo deva necessariamente ser propício à vida está seguindo
uma linha radical que requer forte prova. Até agora, contudo, ela
não existe; esta alternativa é exposta como praticamente
impossível.

Por vezes, físicos falam de uma Teoria de Tudo (TDT) ainda a ser
descoberta, mas tal nomenclatura é, como tantos dos nomes
pitorescos dados a teorias científicas, bem ilusória. Uma TDT na
verdade tem o objetivo limitado de propor uma teoria unificada das
quatro forças fundamentais da natureza, mas nem mesmo tentará
explicar literalmente tudo. Por exemplo, nos candidatos mais
promissores a uma TDT até hoje, a teoria das supercordas ou

26
teoria-M, o universo físico deve ser endecadimensional (ou seja,
possuir onze dimensões), mas por que o universo deve possuir
exatamente esse número de dimensões não é explicado pela teoria.
A teoria-M simplesmente substitui ajuste fino geométrico por ajuste
fino de forças.

Além disso, parece provável que qualquer tentativa de reduzir


significativamente o ajuste fino acabará envolvendo ajuste fino. Isso
certamente foi o padrão no passado. À luz da especifidade e
número de casos de ajuste fino, é improvável que ele desapareça
com o avanço da teoria física.

O que falar, então, do acaso? Teleólogos procuram eliminar esta


hipótese, quer apelando para uma complexidade específica do
ajuste fino cósmico (uma abordagem estatística à inferência do
projeto), quer argumentando que o ajuste fino é significativamente
mais provável pelo projeto (teísmo) do que pela hipótese do acaso
(ateísmo) (uma abordagem bayesiana). Comum às duas
abordagens é a afirmação de que o universo propício à vida é
altamente improvável.

Para salvar a hipótese do acaso, defensores desta alternativa


recorrem cada vez mais à hipótese dos muitos mundos, de acordo
com a qual um conjunto de mundos de universos concretos existe,
multiplicando, assim, os recursos probabilísticos. A fim de garantir
que apenas pelo acaso um universo como o nosso apareceria de
algum lugar neste conjunto, um número realmente infinito de tais
universos normalmente é postulado. Mas isso não é suficiente;
deve-se também postular que estes mundos são ordenados
aleatoriamente com respeito aos valores de suas constantes e
quantidades, a menos que exista uma variedade insuficiente para
incluir um universo propício à vida.

27
A hipótese dos muitos mundos é uma explicação tão boa
quanto a hipótese do projeto?

Parece duvidoso. Em primeiro lugar, enquanto hipótese metafísica,


a hipótese dos muitos mundos é indiscutivelmente inferior à
hipótese do projeto, porque esta última é mais simples. De acordo
com a Navalha de Occam, não devemos multiplicar causas além do
que é necessário para explicar o efeito. É mais simples, porém,
postular um Arquiteto Cósmico para explicar nosso universo do que
postular a ontologia infinitamente inchada e maquinada da hipótese
dos muitos mundos. Apenas se o teórico dos muitos mundos
pudesse mostrar que existe um único mecanismo comparavelmente
simples para gerar um conjunto de mundos de universos
aleatoriamente variados é que ele seria capaz de evitar tal
dificuldade.

Em segundo lugar, não existe uma forma conhecida de gerar um


conjunto de mundos. Ninguém foi capaz de explicar como ou por
que tal coleção de universos variados deveria existir. Algumas
propostas, como o cenário evolucionário cósmico de Lee Smolin, na
verdade serviram para extirpar universos propícios à vida, enquanto
outras, como o cenário inflacionário caótico de Andrei Linde, acabou
exigindo ajuste fino.

Em terceiro lugar, não há indícios para a existência de um conjunto


de mundos sem o ajuste fino em si. Mas o ajuste fino é igualmente
indício de um Arquiteto Cósmico. De fato, a hipótese de um
Arquiteto Cósmico é novamente a melhor explicação do porquê
termos indícios independentes para a existência de tal ser nos
outros argumentos teístas.

28
Em quarto lugar, se nosso universo é somente um membro de um
infinito conjunto de mundos de universos aleatoriamente variados, é
surpreendentemente mais provável que nós devêssemos estar
observando um universo muito diferente do que aquele que de fato
observamos. Roger Penrose calcula que a chance da condição de
baixa entropia do universo ser obtida apenas pelo acaso é da
ordem de 1:1010(123), um número inconcebível. Em comparação, as
chances de nosso sistema solar ser formado instantaneamente por
colisões de partículas aleatórias é, de acordo com Penrose, de
cerca de 1:1010(60), um número vasto, mas inconcebivelmente menor
do que 1:1010(123). Se nosso universo fosse apenas um membro de
uma coleção de mundos aleatoriamente ordenada, é muito mais
provável que devêssemos estar observando um universo muito
menor. Adotar a hipótese dos muitos mundos para descartar o
ajuste fino, então, resultaria num ilusionismo bizarro: é muito mais
provável que todas as nossas estimativas de idade astronômicas,
geológicas e biológicas estejam erradas e que a aparência do
nosso universo grande e antigo seja uma enorme ilusão. Ou, então,
se nosso universo é apenas um membro de um conjunto de
mundos, deveríamos estar observando eventos muitíssimo
extraordinários, como cavalos vindo à existência e deixando de
existir por colisões aleatórias, ou máquinas de movimento perpétuo,
uma vez que estes são muito mais prováveis do que todas as
constantes e quantidades da natureza, estando por acaso na
extensão praticamente infinitésima que é propícia à vida. Universos
observáveis como aqueles são muito mais abundantes no conjunto
de universos do que mundos como o nosso e, portanto, deveriam
ser observados por nós se o universo fosse apenas um membro de
um conjunto de mundos. Uma vez que nós não temos tais
observações, este fato solidamente invalida a hipótese do
multiverso. No ateísmo, pelo menos, é muitíssimo provável que não
exista tal conjunto de mundos. Penrose conclui que explicações
antrópicas são tão “impotentes” que é, na verdade, “equivocado”
apelar para elas a fim de explicar as características especiais do
universo. [13] Assim, a hipótese dos muitos mundos fracassa como
explicação plausível para o ajuste fino cósmico.

29
Parece, portanto, que o ajuste fino do universo não é com nenhuma
plausibilidade devido nem à necessidade física, nem ao acaso. A
menos que seja possível demonstrar que a hipótese do projeto é
ainda mais implausível do que suas concorrentes, segue que o
ajuste fino é devido ao projeto.

Argumento moral. Teístas apresentam uma variedade de


justificações morais para a crença numa divindade. Um destes
argumentos pode ser formulado como segue:

1. Se Deus não existe, valores e deveres morais objetivos não


existem.

2. Valores e deveres morais objetivos existem.


3. Logo, Deus existe.

Considere a premissa (1). Falar em valores e deveres morais


objetivos é dizer que distinções morais entre o que é bom e mau ou
certo e errado são independentes do que qualquer ser humano
acredita sobre tais distinções. Muitos teístas e ateístas concordam
igualmente que, se Deus não existe, valores e deveres morais não
são objetivos nesse sentido.

Isso porque, se Deus não existe, qual o fundamento para os valores


morais? Mais especificamente, qual é a base para o valor dos seres
humanos? Se Deus não existe, é difícil ver qualquer razão para
pensar que seres humanos são especiais ou que sua moralidade é
objetivamente válida. Além do mais, por que pensar que nós temos
quaisquer obrigações morais para fazer qualquer coisa? Quem ou o
que nos impõe quaisquer deveres morais? Em decorrência de

30
pressões sociobiológicas, evoluiu no homo sapiens um tipo de
“moral de rebanho”, que funciona bem na perpetuação da nossa
espécie na luta pela sobrevivência? Não parece haver, porém, nada
no homo sapiens que torne essa moralidade objetivamente
obrigatória. Se o filme da história evolutiva fosse rebobinado e
filmado novamente, criaturas muito diferentes com um conjunto de
valores muito diferente poderiam muito bem ter evoluído. Com que
direito podemos considerar nossa moralidade como objetiva, em
vez da deles? Conforme expressa o filósofo humanista Paul Kurt, “a
questão central quanto a princípios morais e éticos diz respeito a
seu fundamento ontológico. Se eles não são derivados de Deus
nem ancorados em algum fundamento transcendente, será que eles
são puramente efêmeros?”. [14]

Alguns filósofos, igualmente contrários tanto a valores morais


existindo transcendentalmente quanto ao teísmo, tentam manter a
existência de princípios morais objetivos ou propriedades morais
supervenientes no contexto de uma cosmovisão naturalista. Os
defensores de tais teorias, no entanto, tipicamente ficam perdidos
ao justificar seu ponto de partida. Se Deus não existe, é difícil ver
qualquer fundamento para pensar que a moral de rebanho evoluída
no homo sapiens seja objetivamente verdadeira, ou que a bondade
moral aconteça em certos estados naturais de tais criaturas.
Expresso de forma nua e crua, na visão ateísta humanos são
apenas animais; e animais não são agentes morais.

Se nossa abordagem à teoria metaética deve ser metafísica séria,


em vez de apenas uma abordagem ao estilo “lista de compras”, na
qual a pessoa se serve de propriedades morais supervenientes ou
princípios necessários para fazer o serviço, algum tipo de
explicação é exigida para o porquê de propriedades morais
seguirem certos estados naturais ou para o porquê de tais
princípios serem verdadeiros. [15] É insuficiente para o naturalista
apontar para o fato de que nós, de fato, apreendemos a bondade de
alguma característica da existência humana, pois isso apenas

31
estabelece a objetividade de valores e deveres morais, o que
simplesmente é a premissa (2) do argumento moral.

Precisamos, portanto, indagar se valores e deveres morais podem


ser plausivelmente ancorados em algum fundamento transcendente
não-teísta. Chamemos esta visão de Realismo Moral Ateísta.
Realistas morais ateístas afirmam que valores e deveres morais
existem e não são dependentes da evolução ou de opinião humana,
mas insistem que não são fundamentados em Deus. De fato,
valores morais têm outro fundamento. Eles simplesmente existem.

É difícil, porém, até mesmo compreender tal visão. O que quer


dizer, por exemplo, que o valor moral Justiça simplesmente existe?
É difícil entender isso. É muito óbvio o que se deseja afirmar
quando se diz que uma pessoa é justa; porém, é desconcertante
quando se diz que, na ausência de qualquer pessoa, a Justiça em si
exista.

Em segundo lugar, a natureza da obrigação moral parece


incompatível com o Realismo Moral Ateísta. Suponha que valores
como Misericórdia, Justiça, Paciência, entre outros, simplesmente
existam. Como isso me resulta em qualquer obrigação moral? Por
que eu teria um dever moral, digamos, de ser misericordioso?
Quem ou o quê coloca tal obrigação sobre mim? Nesta visão, vícios
morais como Ganância, Ódio e Egoísmo presumivelmente também
existem como objetos abstratos. Por que é que eu sou obrigado a
alinhar a minha vida a um conjunto desses objetos, existentes de
forma abstrata, em vez de qualquer outro? Em contraste com o
ateu, o teísta pode fazer entender o sentido da obrigação moral,
porque os mandamentos de Deus podem ser vistos como
constituintes de nossos deveres morais.

32
Em terceiro lugar, é fantasticamente improvável que exatamente
este tipo de criatura que corresponde à esfera de valores morais,
existindo de forma abstrata, emergiria do processo evolutivo cego.
Essa parece ser uma coincidência completamente incrível quando
se pensa a seu respeito. É quase como se a esfera
moral soubesse que nós estávamos chegando. É muito mais
plausível considerar tanto a esfera natural quanto a esfera moral
como se estivessem debaixo da hegemonia de um criador e
legislador divino do que pensar que estas duas ordens da realidade,
completamente independentes calharam de se enredar.

Apesar da metaética teísta assumir uma rica variedade de formas,


houve nos últimos anos um renascimento do interesse na
moralidade da ordem divina, que compreende nossos deveres
morais como nossas obrigações para com Deus à luz de Suas
ordens morais — por exemplo, “Amarás teu próximo como a ti
mesmo”, e assim por diante. Nossos deveres morais são
constituídos pelas ordens de um Deus imparcial e amoroso. Para
qualquer ação A e agente moral S, podemos explicar as noções de
obrigação moral, permissão e proibição de A para S:

A é exigido de S, se e apenas se, um Deus imparcial e amoroso


ordena S fazer A.
A é permitido para S, se e apenas se, um Deus imparcial e
amoroso não ordena S não fazer A.

A é proibido para S, se e apenas se, um Deus imparcial e


amoroso ordena S não fazer A.

Uma vez que nossos deveres morais são fundamentados nas


ordens divinas, eles não são independentes de Deus, nem

33
tampouco Deus está sujeito a deveres morais, visto que Ele não dá
ordens a Si mesmo. As ordens de Deus também não são
arbitrárias, já que se tratam de expressões necessárias de Sua
natureza.

A pergunta que pode ser levantada é por que a natureza de Deus


deve ser considerada a definição do bem. Porém, a menos que
sejamos niilistas, temos de reconhecer algum padrão último de
valor, e Deus parece ser o ponto de chegada menos arbitrário. Além
disso, a natureza de Deus é a única apropriada para servir como tal
padrão. Isto porque, por definição, Deus é o maior ser concebível, e
é melhor ser o paradigma de valor moral do que meramente se
conformar a tal padrão. Mais especificamente, Deus é por definição
um ser digno de adoração. E apenas um ser que é o foco e fonte de
todo o valor é digno de adoração.

Argumentos tradicionais a favor da existência de Deus tais como os


acima, sem contar novos argumentos criativos, estão bem vivos no
cenário contemporâneo da filosofia anglo-americana. Juntamente
ao fracasso dos argumentos antiteístas, eles ajudam a explicar o
renascimento do interesse no teísmo.

[1] Paul Benacerraf, “What Mathematical Truth Could Not Be—I”,


em Benacerraf and His Critics, ed. Adam Morton e Stephen P. Stich
(Oxford: Blackwell: 1996), p. 18.

[2] A mudança não passou despercebida nem mesmo na cultura


popular. Em 1980, a revista Time publicou uma matéria extensa
intitulada “A modernização da defesa de Deus”, em que descreveu
o movimento entre filósofos contemporâneos para renovar os
argumentos tradicionais a favor da existência de Deus. A Time ficou
admirada: “Em uma silenciosa revolução de pensamento e
argumento que quase ninguém poderia ter previsto apenas duas
34
décadas atrás, Deus está voltando. De forma mais intrigante, isto
está acontecendo não entre teólogos ou crentes comuns, mas nos
resolutos círculos intelectuais de filósofos acadêmicos, onde o
consenso tinha, há muito tempo, banido o Todo-poderoso de
discurso produtivo” (“Modernizing the Case for God”, Time [7 de
abril de 1980], pp. 65-66). O artigo cita o saudoso Roderick
Chisholm dizendo que a razão para a qual o ateísmo tinha tanta
influência uma geração atrás era porque o filósofos mais
inteligentes eram ateus; hoje, porém, em sua opinião, muitos dos
filósofos inteligentes são teístas, usando um intelectualismo robusto
em defesa daquela crença, algo que anteriormente faltava no seu
lado do debate.

[3] Quentin Smith, “The Metaphilosophy of Naturalism”, Philo 4/2


(2001): 3-4. Um sinal dos tempos: a própria Philo, incapaz de se
manter como órgão secular, agora se tornou um periódico para
filosofia geral da religião.
[4] Ibid., p. 4.
[5] Um dos avanços mais significativos na epistemologia da religião
contemporânea é a chamada epistemologia reformada, liderada e
desenvolvida por Alvin Plantinga, que diretamente ataca a
interpretação probatória da racionalidade. Em relação à crença de
que Deus existe, Plantinga defende que Deus nos constituiu de tal
forma que naturalmente formamos esta crença sob certas
circunstâncias; uma vez que a crença é assim formada por
faculdades cognitivas funcionando apropriadamente em um
ambiente apropriado, ela nos é garantida, e, na medida em que
nossas faculdades não estão afetadas pelos efeitos noéticos do
pecado, devemos acreditar nessa proposição profunda e
firmemente, de modo que se pode dizer que nós, em virtude da
grande garantia acumulada para essa crença para nós, sabemos
que Deus existe.

[6] Sobre a ressurreição de Jesus, ver N. T. Wright, Christian


Origins and the Question of God, vol. 3: The Resurrection of the Son
of God (Mineápolis: Fortress Press, 2003).

35
[7] Daniel Howard-Snyder, “Introduction”, em The Evidential
Argument from Evil, ed. Daniel Howard-Snyder (Bloomington, Ind.:
Indiana University Press, 1996), p. xi.
[8] Ibid. O cristão teísta insistirá, portanto, que ao avaliar o problema
externo do mal, consideremos não somente o mal no mundo, mas
todas os indícios relevantes à existência de Deus, incluindo o
argumento da contingência a favor de uma Razão Suficiente para o
porquê de alguma coisa existir, em vez de nada, o argumento
cosmológico a favor de um Criador do universo, o argumento
teleológico a favor de um Arquiteto inteligente do cosmo, o
argumento axiológico a favor de um Bem último e pessoal, o
argumento não-lógico a favor uma Mente última, o argumento
epistemológico a favor de um Arquiteto de nossas faculdades
cognitivas guiadas pela verdade, o argumento ontológico a favor de
um Ser Maximamente Grande, assim como indícios relacionados à
pessoa de Cristo, a historicidade da ressurreição, a existência de
milagres e, além disso, experiências existenciais e religiosas.
[9] A história do Hotel de Hilbert está relatada em George
Gamow, One, Two, Three, Infinity (Londres: Macmillan, 1946), 17.

[10] Veja a pesquisa de opiniões em meu “Time, Eternity, and


Eschatology”, em Oxford Handbook on Eschatology, ed. J. Walls
(Oxford: Oxford University Press, forthcoming).

[11] P. C. W. Davies, The Physics of Time Asymmetry (Londres:


Surrey University Press, 1974), p. 104.

[12] Ver argumentos em meu artigo “Naturalism and Cosmology”,


em Analytic Philosophy without Naturalism, ed. A. Corradini, S.
Galvan e J. Lowe (Londres: Routledge, 2005).

[13] Roger Penrose, The Road to Reality (New York: Alfred A.


Knopf, 2005), pp. 762-5.

[14] Paul Kurtz, Forbidden Fruit (Buffalo, N.Y.: Prometheus Books,


1988), p. 65.

[15] Alguns filósofos parecem supor que verdades morais, sendo


necessariamente verdade, não podem ter uma explicação para sua

36
verdade. O pressuposto crucial de que verdades necessárias não
podem entrar em relação de prioridade explanatória uma com a
outra não é apenas não evidentemente verdadeiro, mas parece
simplesmente falso. Por exemplo, a proposição Uma pluralidade de
pessoas existe é necessariamente verdadeira (num sentido lógico
amplo) porque Deus existe é necessariamente verdadeira e Deus é
essencialmente uma Trindade. Para dar um exemplo não-teológico,
em cenário não-ficcionalista, 2+3=5 é necessariamente verdadeira
porque os axiomas de Peano para aritmética padrão são
necessariamente verdadeiros. Ou ainda: Nenhum evento precede a
si mesmo é necessariamente verdadeira porque Tornar-se temporal
é característica essencial e objetiva do tempo é necessariamente
verdadeira. Seria completamente implausível sugerir que a relação
de prioridade explanatória obtida entre as proposições relevantes é
simétrica.

fim

37

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