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Casamento, Divórcio

e
Novo Casamento
na Bíblia

Novo Exame do que a Bíblia Ensina

Jay E. Adams

PEÈ
Publicações Evangélicas Selecionadas
Caixa Postal 1287 - São Paulo, SP - 01059-970
www.editorapes.com.br
Título original: Marriage, Divorce and Remarriage in the Bible

Primeira edição: 1986


Copyright: © 1980 por Jay E. Adams
Publicado por permissão de Zondervan, Grand Rapids, Michigan, E.U.A.
Todos os direitos de edição para a língua portuguesa gentilmente
concedidas à Publicações Evangélicas Selecionadas - Editora PES, por
Zondervan.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob qualquer meio
impresso, eletrônico e digital sem autorização expressa dos editores.
Tradução do inglês: Odayr Olivetti
Revisão: Jorge Luiz Gomes
Silas Roberto Nogueira
Capa: Wirley dos Santos Corrêa
Primeira edição: 2012
Paginação, diagramação: Editorial Press
Impressão e Acabamento: Imprensa da Fé
Todas as citações bíblicas extraídas da Almeida Revista e Corrigida

CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

A 176c
Adams, Jay E.
Casamento, divórcio e o novo casamento na bíblia : novo exame do que a bíblia
ensina / Jay E. Adams ; [ilustração Wirley dos Santos Corrêa ; tradução Odayr
Olivetti]. - São Paulo : Publicações Evangélicas Selecionadas, 2012.
166p. : 21 cm

Tradução de: Marriage, divorce and remarriage in the biblie ISBN 978-85-6390-
519-2

1. Casamento - Aspectos religiosos - Cristianismo. 2. Casamento - Livro de oração


e devoções. 3. Vida cristã. I. Título

12-7421. CDD: 242.644


CDU: 27-584:-058.833
15.10.12 18.10.12 039601
Dedicatória:
A Dave e Bill
cujos casamentos são um modelo para muitos
*
índice

Prefácio .................................................................................... 9
Introdução .............................................................................. 13
Primeira Parte: Casamento .................................................... 23
1. Algumas considerações básicas sobre o casamento . 25
2. O que o casamento realmente significa ....................... 32
3. O lugar do casamento .................................................. 49

Segunda Parte: Divórcio ........................................................ 53


4. Uma atitude bíblica face ao divórcio ........................... 55
5. O conceito de divórcio................................................. 61
6. Que é Divórcio? ........................................................... 69
7. Os Dois Grupos em 1 Coríntios capítulo 7 .................. 74
8. O Divórcio Entre Crentes (Considerações
Preliminares) ................................................................ 79
9. O Divórcio Entre os que Estão sob Jugo Desigual ... 87
10. A Cláusula Excepcional .............................................. 95
11. Cristo, Deuteronômio e Gênesis ................................ 108
12. O Pecado Sexual como Causa de Divórcio ............... 123

Terceira Parte: Novo Casamento ......................................... 131


13. Novo Casamento ....................................................... 133
14. Novo Casamento após Divórcio ................................ 141
15. Pessoas Marcadas por Certo Passado ........................ 153
16. Como Lidar com o Divórcio e com o
Novo Casamento........................................................ 161

Conclusão 165
Prefácio

Trabalho normalmente com pastores, e faço isso há uns


catorze anos. Conheço muitos dos problemas que eles enfrentam.
E sei que grande parte da sua agenda de áreas de estudo, nas quais
muitos problemas espinhosos crescem espessamente, é o
território compreendido pelo divórcio e pelo novo casamento.
Em geral os pastores simplesmente não sabem manejar as
nodosas questões que são chamados semanalmente para encarar.
Não me refiro aos ministros modernistas, mas aos conservadores
- homens que creem na Bíblia e que pregam a Bíblia!
Esses pastores querem seguir as Escrituras para onde quer
que elas os levem, mas ainda não conseguem ver claramente esse
caminho. O problema não é que a Bíblia não tem nada de
definitivo para dizer sobre o assunto, como conclui Dwight
Small, depois de “hiper-dispensacionalizar” a metade do Novo
Testamento.1 O que resta da sua Bíblia não tem o que dizer, mas
a minha tem. Certamente Deus não deixou o problema conosco,
como sugere Small. Não! Há mais que suficiente revelação
pertinente sobre as questões envolvidas. O nosso problema é de
tipo diferente.
Temos negligenciado por tanto tempo esse campo de estudos,
aceitando acriticamente tradições locais ou denominacionais,
muitas das quais se desviam das dificuldades mais cruciais, que
acabamos ficando no ar. Muitas vezes os seminários relegaram
tais “assuntos práticos” a uma posição secundária, dando-lhes
pouco menos que um tique ou um aceno em seus currículos - se
tanto - atribuindo, enquanto isso, grande importância a áreas que
o ministro raramente encontra em seu trabalho diário como
pastor, se é que alguma vez as encontram. Sucede, então, que os
estudantes vão para

1
Em seu livro, The Right to Remarry (O Direto de Casar de Novo).
as igrejas beatificamente inconscientes das confusões com as
quais as famílias podem torcer ou embrulhar um casamento, e
mal preparados para fazer algo construtivo.
Os que têm tentado estudar o território escrituristicamente
têm descoberto que os comentaristas diferem radicalmente,
muitas vezes passando por alto questões cruciais, e têm visto que,
em geral, eles não oferecem muita ajuda. Em suas tentativas,
esses cristãos estudiosos, rapidamente pegam gosto pela
amplitude e profundidade do assunto, e se dão conta dos
numerosos e nodosos problemas exegéticos que existem. Não
poucas vezes eles concluem, relutantemente: “Não tenho tempo,
ou capacidade, para tirar todas as camadas desta cebola; minha
agenda de trabalho simplesmente não me permite fazer isso”.
Então deixa a coisa andar por si. Mas, depois, que é que tais
pastores fazem quando têm que enfrentar um dos muitos tipos de
divórcio, que estão se tornando uma parte corriqueira do trabalho
de aconselhamento do pastor? Você sabe, claro. Demasiadas
vezes o pastor se vê, constrangidamente, caindo de volta nas
tradições da sua igreja local, sofrendo pressões, que podem ser
muito grandes da liderança e dos outros membros da igreja para
que o faça, mesmo quando ele desconfia (ou sabe!) que essas
posições tradicionais são questionáveis ou mal fundamentadas.
Mas há algo mais por trás dessa fraca e insatisfatória reação
da igreja conservadora. Até muito recentemente, toda essa área
era evitada cautelosamente. Nunca deveria ser assim; mas
existem forças operantes (ver o Capítulo 1) que possibilitam às
igrejas ignorarem tais problemas, apesar de com isso cometerem
grave erro. No passado era fácil para o pastor dizer: “Lamento,
não oficio em casamentos de pessoas divorciadas”, como
também era fácil para as igrejas estabelecerem em seus
regimentos internos ou em seus estatutos termos como estes:
“Nenhum divorciado tem permissão para ensinar, cantar no coro
ou exercer algum

10
ofício”. É assim que era. E, em algumas igrejas locais, talvez num
considerável número delas, continua sendo assim. Mas, onde
essas posições ainda prevalecem, há uma diferença: tais crentes e
igrejas estão ficando com a consciência cada vez mais inquieta.
Atualmente o divórcio é uma coisa comum; não é apenas uma
doença contraída por astros e estrelas de Hollywood. A realidade
atual do divórcio até propicia pano de fundo para bom número de
programas da TV sobre família. O estigma do divórcio foi
removido de grandes segmentos da sociedade. É provável que,
em número sempre crescente, novos convertidos, divorciados e
divorciados casados de novo, ou não, estão entrando nas igrejas
evangélicas. Eles querem saber qual é a sua posição na igreja de
Cristo. E, como devem fazer, estão exigindo resposta baseada em
algo melhor que a tradição - querem saber o que a Palavra de Deus
tem para dizer a respeito.
Em resposta a essas novas pressões, tem sido produzida uma
enxurrada de livros e panfletos. Mas os escritores estão muito
divididos quanto à interpretação das passagens chaves. As
opiniões variam da completa permissividade à estrita proibição
do divórcio e do novo casamento em toda e qualquer
circunstância. A grande e desterroadora obra de John Murray,
Divorce (Divórcio), embora hesitante e incompleto em muitos
pontos vitais, ainda é o melhor que existe. Mas o seu estilo é
áspero, sua linguagem é tediosa, muitas vezes as suas conclusões
são tentativas, e por vezes errôneas, e o seu escopo é limitado. O
livro de Guy Duty, Divorce and Remarriage, é útil, mas breve e
não bem escrito. Em tudo e por tudo, a Igreja Cristã ainda está à
espera de um estudo compreensivo, lúcido, acurado e apresentado
num estilo prático e de fácil leitura, e que, não obstante, exponha
os dados bíblicos e lhes faça justiça.
Se aprouver a Deus, em Sua providência, fazer uso do
presente livro, ou ao menos de alguma parte dele, para

11
preencher a lacuna e atender às necessidades, somente o tempo
dirá. Nesta obra eu tentei fazer o que eu acreditava que era
necessário fazer, a saber, produzir o que pastores e leigos em toda
parte procuram. Minha oração é que eles encontrem o que
procuram.
Jay Adams The
Millhouse Juliette,
GA, 1980

12
Introdução

Este não é, primariamente, um livro sobre casamento, embora


eu ache necessário dizer muita coisa sobre casamento. (Para ver
algo mais a respeito, veja o meu livro, Christian Living in the
Home.) Não há como falar sobre divórcio e sobre novo casamento
sem primeiro discutir casamento.1 Não quero dizer que devemos
discutir casamento exaustivamente, mas há necessidade de
considerar princípios básicos. Se for deixado de lado esse cenário
de fundo, difícil será ver o conceito bíblico de divórcio e de novo
casamento.
Os assuntos tratados neste livro envolvem questões de grande
interesse para a Igreja. Embora nem todos os problemas estejam
registrados nestas páginas, espero que você, leitor, concorde que
muitos estão. Porque os temas que tratam de divórcio e de novo
casamento eram evitados num passado recente, existe muito
pouco material substantivo. Os comentaristas os discutem
resumidamente, de passo, quando tocam nos textos pertinentes.
Vez por outra um sermão aqui e ali trata das questões mais fáceis.
Mas, fundamentalmente, os líderes da Igreja têm tropeçado, e os
membros das suas igrejas têm tropeçado com eles.
Há vinte e oito anos, quando iniciei oficialmente o meu
ministério como pastor de uma igreja na zona oeste da
Pensilvânia, os cristãos falavam com simplicidade sobre
casamento, e raramente tinham o que dizer (se é que tinham)
sobre divórcio e novo casamento. Não é que esses assuntos
constituíssem tabu; apenas pareciam desnecessários. Fora o livro
de John Murray, virtualmente nenhum foi escrito sobre as
questões em foco. Hoje, naturalmente, as prateleiras das livrarias
estão cheias de livros sobre casamento e divórcio, a maior parte
dos quais, depois de os folhear, obviamente

1
Em minha opinião, essa é uma razão pela qual muitos livros sobre divórcio
erraram o alvo.

13
você não quer ler. Mas, retornando, naqueles prístinos dias, era
isso que acontecia. Por quê?
Não víamos necessidade de discutir família por diversas
razões. Uma delas é que estávamos engajados numa luta de vida
e morte com o liberalismo, e estávamos perdendo a maior parte
das batalhas. Instituições cristãs tinham caído às dezenas em
mãos liberalistas; os conservadores foram lançados fora das suas
igrejas, enquanto as denominações, uma após outra, passavam ao
controle de líderes incrédulos. As emissoras de rádio (a TV
religiosa estava só começando) pertenciam aos liberais. Os
evolucionistas estavam por cima. Os conservadores sentavam-se
em suas igrejas restantes, lambendo as suas feridas. Havia
combates travados por todos os interessados, mas faltavam
recursos e pessoas. De fato, em comparação com a fartura atual
de material, havia poucos livros cristãos impressos. As grandes
casas publicadoras eram dirigidas por liberais, e liberais
formavam o seu quadro de pessoal. Os editores conservadores
eram fracos e poucos, e o mercado conservador era diminuto. Os
cristãos que acreditavam na Bíblia eram uma pequena minoria.
Os conservadores mal subsistiam, sentindo-se pendurados
pelo pescoço, e muitos deles eram dispensacionalistas do tipo que
dizia: “Logo tudo vai passar. Estamos na undécima hora. Se
pudermos aguentar um ano ou dois, o Senhor virá”. Quer dizer
que havia pouco planejamento de longo alcance, poucas
atividades, ou estas não eram agressivas e não tinham visão do
futuro, e prevalecia um mínimo interesse pelas famílias.
Emparelhado a essas atitudes vinha o fato de que não havia
muito tempo, energia ou recursos para que se pudesse produzir
muito. O que se fazia era na defensiva. Algumas coisas tinham
que ser lançadas ao mar. Desafortunadamente, a escolha era
valorizar outros assuntos, diferentes do interesse deste livro.
Embora essa explicação não escuse a Igreja, explica por que
toda uma geração (a minha) cresceu com pouca ou nenhuma

14
instrução acerca da vida cristã, em geral, e do casamento e da
família, em particular. O que nos restou foi ir tropeçando pelos
conceitos errados, tentando aprender, por duros meios, o que
agora podemos passar à próxima geração.
O jovem ministro que está começando hoje vive numa era
inteiramente diferente. A situação mudou radicalmente. A Igreja
verdadeira está no topo: os liberais é que caíram em maus tempos.
Agora os conservadores têm os maiores recursos e progridem.
Seus seminários estão cheios de alunos, e há muitos livros para
quase todas as fases da vida. (Na verdade, o problema atual é
vadear entre a pletora de publicações para descobrir quais valem
a pena.)
E, todavia, mesmo com essa mudança, há relativamente
poucos livros sobre casamento e novo casamento (virtualmente
não existem bons livros sobre estes assuntos, fora os mencionados
no Prefácio). Há obras anedóticas que falam sobre as lutas e as
dores de cabeça de casamentos desfeitos, sermões denunciando
divórcio, mas ainda são poucos os livros que consideram
exegética e teologicamente estes assuntos. Em consequência, os
pastores ainda se sentem perdidos. Seus conselhos estão confusos.
Os seminários em geral contornam o assunto, e o público cristão
está completamente perplexo. Até sobre casamento muitos pontos
ainda não estão claros.
Acrescente, então, a essa confusão todas as noções importadas
de fontes psicológicas ou psicoterapêuticas pagãs e despeje por
cima algumas ideias provindas de oradores populares bem
intencionados (mas equivocados), e você terá todos os
ingredientes necessários para uma mistura amarga. Existem mais
livros que psicologizam as Escrituras quando discutem o divórcio,
do que obras que fazem séria exegese tentando explicá-las.
Portanto, obviamente, é grande a necessidade desse tipo de
material.
Mas isso não é tudo. Houve tempo em que a Igreja pensava
(erroneamente) que podia confiar na sociedade em geral para dar
apoio e instrução a seus jovens acerca

15
do casamento.2 Educadores, políticos, líderes populares e
simplesmente quase todos os demais segmentos da sociedade (os
departamentos de polícia inclusive) assumiram uma aberta e
declarada posição em favor do casamento e contra o divórcio. O
casamento e a família tomaram um reverenciado assento ao lado
da maternidade, da bandeira americana e da torta de maçã. Assim
foi que toda uma geração (ou duas) cresceu sabendo que era a
favor do casamento, mas sem saber por quê. Éramos biblicamente
analfabetos acerca da família, do casamento, do divórcio e do
novo casamento.
Estamos cientes de muitas diferenças hoje - as pessoas não
pensam mais na bandeira americana, na maternidade e na torta de
maçã como coisas líquidas e certas. Os adeptos da Nova Era e as
lésbicas fazem acusações à maternidade, e eu realmente espero
que o Ministério da Saúde, ou o Cirurgião Geral, proíba a torta
de maçã como “perigosa para a sua saúde” num futuro não muito
distante. Os tempos mudaram. A família não é imune; junto com
outros valores axiomáticos, a importância da família tem sido
questionada. Na verdade, a família está sofrendo forte ataque; não
admira que se multipliquem os divórcios!
Uniões livres numa dúzia de variedades estão sendo
defendidas nas escolas; na TV, programas de auditório fazem do
divórcio e do novo casamento coisas triviais aceitáveis, ou até
mesmo os glorificam; e aos jovens se diz que o casamento é uma
invenção humana e que, agora que somos “adultos”, não
precisamos mais disso. Já passou o tempo da sua utilidade e, no
máximo, é inofensivo, mas desnecessário; são restos residuais de
uma era que se foi. Supostamente, nos desenvolvemos e fomos
além da necessidade do casamento como uma forma de controle
da vida humana. Se é mais conveniente não casar neste tempo em
que não somos mais ingênuos a respeito de contraceptivos, então,
que seja assim.

2
Essa é uma razão pela qual agora estamos em dificuldade.

16
Afinal de contas, o casamento tem as suas desvantagens, não
tem? E se o homem o inventou como algo conveniente, agora que
temos a pílula e o aborto forçado legalizado, o homem pode
mandar o casamento às favas, como não mais conveniente.
Debaixo desse tipo de ataque movido pelos teólogos liberais,
pelos políticos, pelos professores, pelos que praticam a medicina,
e por outros, os jovens cristãos ficam confusos. Eles cresceram
sem receber nenhuma instrução sólida, positiva, bíblica sobre o
casamento, nem dos seus pais, nem da igreja, e agora estão
sucumbindo sob o bombardeio destas ideias negativas em relação
ao casamento e à família.
Esta nova situação exige uma nova resposta da Igreja e dos
lares cristãos. Temos que aprender a discutir os elementos básicos
do casamento e do divórcio. Não podemos continuar na
dependência de que instituições sociais façam isso por nós. (Na
realidade, nunca poderíamos tê-lo deixado em suas mãos. Elas
sempre apoiaram o casamento por razões não bíblicas, e com isso
semearam as sementes da sua destruição). Se não fizermos a
nossa parte, podemos estar certos de que o mundo ensinará as
suas ideologias. E agora o mundo saiu do seu esconderijo, está
expressando abertamente as suas ideias de “nova moralidade”,
que sempre existiram - debaixo da mesa. Mas é inimaginável o
cristão ficar na ociosidade nesta questão, enquanto a nossa
juventude está sendo corrompida.
Na época anterior, quando a Igreja estava engajada em dura
batalha contra o liberalismo, quando os recursos eram tão
limitados e quando a sociedade apoiava exteriormente coisas
parecidas com os ideais relativos ao casamento e ao divórcio,
como deve ter sido fácil ignorar toda a questão! Além disso, visto
que, principalmente na igreja, divórcio era tão raro, este
representava uma tentação na qual não era provável que a igreja
não tropeçasse. O crente cansado de brigas podia perguntar
prontamente: “Por que bater num cão morto? Quem, afinal, está
lutando contra a família? Por

17
que me aborrecer dedicando muito tempo a esse assunto?” Mas,
embora não fosse inteiramente errado falar desse jeito naquele
tempo, quem não vê que é errado hoje? Em nosso tempo a guerra
está sendo travada noutra linha de frente - as linhas de combate
estão sendo traçadas dentro do lar.
Então, de certo modo, estamos numa situação melhor do que
nunca antes. Este ataque mais aberto e menos sutil à família
forçou a Igreja a voltar à Bíblia e a renovar o estudo sobre
casamento e divórcio que por tanto tempo foi negligenciado.
Quer dizer, do ponto de vista da sua responsabilidade, o que
aconteceu é uma boa coisa (apesar de que os motivos das pressões
que ela sofre são tristes).
A não ser que saiamos com tudo agora - não podemos esperar
mais - todos os valores serão rebaixados e nivelados, e,
confrontada por suas contrapartes no mundo não salvo, a próxima
geração de cristãos crescerá seguindo os seus sentimentos
pessoais nestas questões, em vez de seguir as suas
responsabilidades bíblicas.
Consideremos agora mais um fator. Naqueles dias, até quanto
eu posso me lembrar, muitas igrejas simplesmente não tratavam
das questões do divórcio e do novo casamento porque, como eu
fiz ver, não era um tema vivo. Até recentemente, nada mais do
que há 25 anos ou pouco mais, o divórcio era um problema do
qual não se ouvia falar entre os cristãos. Por conseguinte, a Igreja
podia fechar seus olhos para esse assunto. Isso era conveniente,
porque divórcio é coisa desordenada, e não é fácil entender as
passagens bíblicas pertinentes. Também naquele tempo, poucos
eram convertidos, e não haviam muitas pessoas já divorciadas
entrando na Igreja, como acontece hoje em dia. Além disso, como
observei, a sociedade franzia o cenho contra o divórcio, e até
promulgava leis que o dificultavam, de modo que mesmo fora da
Igreja havia muito poucos divórcios. As igrejas conservadoras,
tendo na retaguarda o apoio dessa atitude da sociedade, em geral
tinha poucos casos contra os quais

18
contender. Geralmente elas seguiam uma política de “deixa para
lá”. Houve exceções notáveis, claro. Mas, em geral, as igrejas
conservadoras caminhavam lentamente em uma venturosa
ignorância, colocando-se muito “acima” de tais questões sórdidas
e mundanas para dedicar tempo e enfrentar dificuldades para
estudar e resolver as numerosas questões embaraçosas, para não
dizer angustiantes, relacionadas com toda essa área. Mas então
veio um rude despertar, quando, rapidamente, as mesas foram
viradas, a nova moralidade subiu para uma alta posição, e a igreja
foi apanhada de repente em completa ignorância e com a língua
atada.
Era fácil para a Igreja assumir uma atitude de “sou mais santa
que vocês” enquanto havia poucas situações concretas para
enfrentar, situações que podiam ser evitadas. Nesses poucos
exemplos havia vidas arruinadas ao longo do caminho, claro.
Mas, em todo caso, essas pessoas não eram suspeitas?
Algumas sobreviveram a esse tratamento negligente. Outras
se foram, sabe-se lá para onde! Muitos crentes foram postos fora
dos seus ofícios, do ensino e até de cantar em coros, porque eram
“pessoas divorciadas” - e por isso se tornaram cidadãos de
segunda classe no reino de Deus.3
E muitos pastores nunca jamais celebravam novo casamento
de pessoas divorciadas, independentemente das circunstâncias;
chegava-se a esse entendimento por meio do Conselho ou da
Junta Administrativa. Os pastores defendiam com sucesso as suas
posições com declarações políticas: “Lamento, mas eu não oficio
em casamentos de pessoas divorciadas”. Não se fazia nenhuma
pergunta sobre o passado - um divórcio tinha ocorrido, e isso
bastava! Essa atitude não morreu inteiramente. Hoje, em certos
setores esse modo de agir persiste e, na verdade, tem sido
fortalecido por

3
Frequentemente, pouco importava se os divorciados eram “inocentes” ou
“culpados”, se o divórcio era biblicamente legítimo ou não; ser uma “pessoa
divorciada” era suficiente para desqualificá-la (apesar do arrependimento, dos
dons, e de outros aspectos mais que deveriam ser considerados).

19
um ensino que correntemente se espalha por todo o território dos
Estados Unidos.
Então, isso é algo que constitui o pano de fundo para a nossa
discussão. Foi assim que chegamos aonde estamos. Bem, se é
assim, onde estamos?
Estamos vivendo numa cultura em transição. Vivemos numa
época em que todos os antigos valores têm sido desafiados,
dentro e fora da Igreja. Tais valores têm sido corrompidos na raiz,
foram lançados aos ares e agora estão começando a cair como
uma salada sacudida e remexida.

(1) Os cristãos estão confusos. Não estão seguros sobre o


que devem crer.
(2) Não sabem quanto é tradição e quanto é ensino bíblico.
(3) Querem rejeitar as tradições dos homens em favor de
uma posição mais bíblica.
(4) Mas eles não sabem onde achar a ajuda que precisam.

Pessoalmente, eu gosto desse tipo de tempo. É uma época que


abre oportunidades para pensarmos biblicamente de uma nova
maneira, desimpedida de ideias preconceituosas que realmente
não garantem a aceitação das pessoas que desejam ser bíblicas. E
um importante período para a ministração da Palavra. Contudo,
tem sua própria tentação. O radicalismo - do tipo que joga tudo,
ou para o qual tudo é mau ou tudo é bom - floresce num período
como este. Por outro lado, o medo de cair no radicalismo pode
sufocar uma boa mudança e um verdadeiro progresso no
pensamento. Mas não devemos permitir que posições extremas
impeçam o progresso no entendimento e na aplicação das
Escrituras. A grande vantagem de um tempo como este é que os
cristãos conservadores estão querendo dar séria atenção a novas
ideias, contanto que sejam bíblicas. Explorar as Escrituras e
chegar a posições bíblicas mais concretas, mais definidas, é o
meu interesse neste livro. Quero ser tão bíblico quanto

20
possível. Ao leitor cabe decidir se terei tido sucesso.
Não existem outras opções. A igreja está sofrendo. Pessoas
divorciadas estão entrando como enchentes em nossas igrejas.
Novos casamentos acontecem em toda parte. É certo? É errado?
Sobre que bases as pessoas divorciadas estão sendo tratadas?
Essas e muita outras perguntas não podem continuar sendo
ignoradas. Sendo que eu penso que tenho algumas respostas,
embora não todas, eu seria remisso se não tentasse esclarecer
quantos problemas puder. Você tem em mãos os resultados dos
meus esforços.
Eu disse que me agrada o fato de a Igreja não poder mais
A
evitar esta área. E certo; a frequência das interrogações e a
enormidade do presente problema a inúmeros pedidos de um
livro como este.
Reconheço que este livro vem tarde demais para muitos
necessitados de ajuda. Mas talvez consigamos alcançar alguns
deles e então impedir que sejam dados mais passos em falso
(fauxpas).
Também reconheço que há muitos que querem varrer todo o
problema para debaixo do tapete. Tal fato não nos deve deter.
Tampouco devemos diminuir o passo por causa do perigo
envolvido. Falo de perigo de caso pensado. Existem alguns -
talvez mais do que eu saiba - para os quais esta questão é a mais
explosiva de todas as passíveis disso. Murmuração, cisma, e até
adultério, segundo eles, lhes parecem perdoáveis; mas, divórcio?
Nunca! Para eles essa é uma questão que mexe muito com as suas
emoções, e passam árduo tempo reconsiderando o que a Bíblia
diz sobre divórcio e novo casamento devido a seus fortes
sentimentos. E por isso que há algum perigo em escrever sobre
divórcio e novo casamento. Se você é uma das pessoas cujos
sentimentos acerca deste assunto são intensos, espero que faça ao
menos estas três coisas: 1

(1) Não me dê por perdido. Ouça-me - considere


seriamente
21
o que tenho para dizer, mesmo que você tenha que rejeitá-lo.
(2) Reconheça que o meu desejo é honrar Cristo sendo tão
escriturístico quanto posso.
(3) Ponha de lado o seu preconceito e refreie as suas emoções
enquanto ler este livro.

Pela causa da Igreja de Cristo, eu devo escrever, seja qual for o


risco.
Claro está que esta é apenas uma parte da história. Muitos há
- e em número cada vez maior - que não se contentam mais em
enterrar suas cabeças na areia. Eles querem saber o que a Bíblia
ensina sobre estas questões e como podem implementar esse
ensino no aconselhamento que se deve dar a outros, e como
implementá-lo em suas próprias vidas. E especialmente para
esses que este livro foi escrito.

22
PRIMEIRA PARTE

CASAMENTO
1
Algumas Considerações Básicas
sobre o Casamento

É preciso começar aqui. Não pule a primeira parte. Não há


como estudar o divórcio - a dissolução do casamento - ou novo
casamento depois do divórcio, enquanto não forem estabelecidos
alguns fatos bíblicos essenciais sobre o casamento. Muitas vezes
os que discutem problemas relacionados com o divórcio
entendem mal (e interpretam mal) os dados bíblicos precisamente
porque não dedicaram tempo para desenvolver um conceito
bíblico sobre o casamento. Fazê-lo é de vital importância: ambos
permanecem ou caem juntos.
Não vou considerar o casamento em profundidade, mas
apenas aqueles aspectos do assunto que são essenciais para se
poder chegar a uma posição biblicamente própria sobre divórcio
e novo casamento. Segue-se, pois, que, neste livro, a ênfase cairá
sobre essas duas questões. O estudo sobre o casamento é o
caminho para o estudo sobre o divórcio.
Visto que o divórcio é a dissolução do casamento (“separar o
que Deus juntou”), é necessário descobrir e entender claramente
o que é que o divórcio dissolve, e como.
Há, por exemplo, alguns que falam como se o divórcio não
dissolvesse necessariamente o casamento. Eles falam sobre
pessoas divorciadas como “ainda casadas, aos olhos de Deus”. É
válido esse conceito? A linguagem não é bíblica. A ideia o é? Se
a resposta é sim, como é que Cristo adverte contra “separar” o
que não se pode separar?

25
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Ou, será que o divórcio põe fim ao casamento, não somente


em face da lei, mas também diante do Senhor? Então, a
advertência de Cristo poderia ser considerada pura e
simplesmente como uma advertência contra fazer algo que não se
deve fazer.
Esse ponto não é acadêmico; a solução do problema tem bom
número de implicações muito importantes para a vida. E nenhum
cristão que pensa as pode evitar. Mas, para resolver o problema
respondendo a questão, é preciso saber o que é que estabelece o
casamento. Como se faz um casamento? Qual é status dele diante
de Deus?

Que é Casamento?
Contrariamente a muito pensamento e ensino contemporâneo,
o casamento não é fruto de aptidão humana. Não foi inventado
pelo homem nalgum ponto do caminho percorrido pela história
humana, como um meio conveniente de dar saída às nossas
responsabilidades pelos filhos, etc. Em vez disso, Deus nos
declara que Ele próprio estabeleceu, instituiu e ordenou o
casamento no princípio da história humana (Gênesis, capítulos 2
e 3).
Deus designou o casamento para ser o elemento fundamental
da sociedade humana. Antes de existirem uma igreja, uma escola
ou um comércio formalmente instituídos, Deus instituiu
formalmente o casamento, declarando: “Portanto deixará o varão
o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos
uma carne”.1 E importante ensinar esse fato aos jovens.
Se o casamento fosse de origem humana, os seres humanos
teriam direito de pô-lo de lado. Mas, visto que Deus instituiu o
casamento, só Ele tem o direito de fazer isso. Ele disse

1
Gênesis 2:24. Claro está que, informalmente, a Igreja, o trabalho, a educação,
etc., estavam presentes desde o início. Mas unicamente o casamento foi
estabelecido como uma instituição desde o jardim (do Éden).

26
Algumas Considerações Básicas sobre o Casamento

que o casamento não será dispensado até o surgimento da era


vindoura.2 Tampouco se pode regulamentar o casamento de
acordo com os caprichos humanos. O casamento como instituição
(que, como é natural, inclui casamentos individuais) está sujeito a
normas e regulamentos estabelecidos por Deus. Se Ele não tivesse
dito nada mais acerca do casamento depois de instituí-lo,
poderíamos traçar nossas próprias regras. Mas Ele não nos deixou
às cegas: Deus revelou a Sua vontade acerca do casamento nas
páginas da Bíblia. Os indivíduos podem casar-se, divorciar-se e
casar-se de novo, somente se, quando e como Ele disser que
podem fazê-lo sem pecar. Portanto, precisamos estudar os
princípios bíblicos estabelecidos para o casamento, e neles
permanecer firmes. Nem o indivíduo, privadamente, nem o
Estado têm competência para decidir quem pode casar-se (ou
divorciar-se), e sobre que base. O Estado foi incumbido de manter
os registros em ordem, etc., mas não tem direito nem competência
para determinar as regras para o casamento e para o divórcio; essa
prerrogativa é de Deus. Ele revelou a Sua vontade sobre estas
questões nas Escrituras, as quais são expostas e aplicadas pela
Igreja.
Em segundo lugar, o casamento é uma instituição
fundamental. Vimos que o casamento foi o primeiro a ser
instituído formalmente como uma esfera da sociedade humana. A
sociedade mesma, em todas as suas formas, depende do
casamento. Os ataques ao casamento experimentados atualmente,
na realidade são ataques à sociedade (e a Deus, que edificou a
sociedade sobre o casamento). O casamento é também o alicerce
sobre o qual se firma a Igreja como uma sociedade especial de
Deus. Quando a “casa” ou a “família” de Deus se enfraquece, essa
comunidade pactuai se enfraquece. (Nas Escrituras, a “casa” é a
unidade menor da sociedade. É um grupo de pessoas que vivem
sob o mesmo teto, sob um

2
Marcos 12:25; Lucas 17:26,27.

27
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

chefe humano, e é uma unidade distinta e capaz de tomar


decisões.) Esta “casa” (equivalente à nossa “família”, mas com
um conceito mais rico) é uma unidade que Deus trata como uma
unidade? Portanto, atacar um casamento (em torno do qual foi
formada uma “casa”) é atacar a subunidade básica da igreja.
Por todas essas razões, um ataque à família não é coisa
leviana. Na verdade, desde logo constitui um ataque à ordem de
Deus no mundo e em Sua Igreja.
Terceiro, o casamento não é o que a teologia católica romana
e muitos protestantes (erradamente) pensam - uma instituição
destinada a propagar a raça humana. Embora Deus tenha
ordenado que a procriação seja efetuada como um dever a ser
cumprido no casamento (“Multiplicai-vos, e enchei a terra”) e
somente dentro do casamento, a procriação não é a característica
fundamental do casamento.
Sustentar, como alguns sustentam, que o casamento é, per se,
biologicamente necessário para que haja a procriação é um
absurdo e confunde tudo. Em particular, essa ideia confunde e
mescla o casamento com o mero ajuntamento. A raça humana
(como os coelhos, os ratos brancos, os bodes, etc.) poderia
propagar-se muito bem e independentemente do casamento pelo
mero ajuntamento de homem e mulher. Os guetos, em que há
casamentos muito fracos, se é que ocorre algum, crescem
imensamente em consequência de ajuntamentos de casais sem
nenhuma ligação com casamento.

3
Assim como Deus trata indivíduos, nações, a Igreja e as congregações ou igrejas
locais, assim também Ele trata as “casas”. Cf. Gên. 71; 19:12-14; Jos. 2:19;
6:23; Deut. 11:6; Atos 16:31; João 4:53; Atos 10:12; 18:8. De acordo com Josué
7:14, Deus dividiu a nação em tribos, clãs, casas (famílias) e indivíduos. A
palavra “casa” é empregada com referência a habitações físicas, ao templo e ao
tabernáculo, à Igreja (1 Tim. 3:5), a uma linhagem familial (tribo: Mat. 10:6;
Luc. 2:4) e famílias individuais: Marcos 6:4; Atos 7:10; 16:31. Uma “casa”
incluía todos os que estavam debaixo do seu teto (e, assim, debaixo da
autoridade de um chefe). Isso incluía escravos, parentes, etc. No caso de Davi
(Salmo 101:2), a casa era o seu palácio e todos os que moravam nele. Mas a
casa podia ser pequena o suficiente para ser habitada por somente um casal.

28
Algumas Considerações Básicas sobre o Casamento

Não. Casamento é mais do que duas pessoa viverem junto.


Embora o casamento inclua a relação sexual como um dos seus
deveres, não devemos confundir as duas realidades. Portanto,
reduzir o casamento a uma prática legalizada e conscientemente
responsável, é um erro que traz consigo graves implicações. A
propagação da raça humana é um propósito secundário do
casamento, não o principal. Se me for permitido dizer algo, os
seres humanos seriam até mais prolíferos do que são, se não
existisse a instituição do casamento.
Quarto, é importante entender que não se deve igualar
casamento e relações sexuais. Não se deve igualar a união
matrimonial à união sexual, como alguns que estudam a Bíblia
descuidosamente pensam.4 O casamento é uma união que envolve
a união sexual como uma obrigação central e como um prazer
importante (1 Cor. 7:3-5), é verdade, mas a união sexual não
implica necessariamente o casamento. O casamento é diferente da
união sexual, maior do que ela, e a inclui (como inclui a obrigação
de propagar a raça) mas casamento e união sexual não são a
mesma coisa.
Se fossem a mesma coisa, a Bíblia não poderia falar sobre
relações sexuais ilícitas; em vez disso (ao referir-se à fornicação)
ela falaria sobre casamento informal. O adultério já não seria
adultério, mas bigamia (ou poligamia) informal. Mas a Bíblia fala
de pecado sexual fora do casamento e não dá o menor crédito à
ideia de que adultério é bigamia. Em toda parte as Escrituras se
referem ao casamento, em si, como uma coisa e algo diferente da
união sexual, lícita ou ilícita. Não se pode igualar casamento e
fornicação (porneia, que significa todo e qualquer pecado
sexual).5
Embora seja fácil, de forma abstrata, aceitar que as relações

4
Cf. Êxodo 22:16 (Berkeley). É evidente que, se o homem e a mulher tivessem
que se casar mais tarde, significa que não estavam casados; e, se o pai recusasse
entregar a filha, nunca se casariam ou se juntariam.
5
Este assunto será discutido em profundidade mais adiante.

29
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

sexuais não constituem casamento, quando chegamos à questão


do divórcio, muitas vezes vemos pessoas sussurrarem uma toada
diferente. Alguns dizem erroneamente que o próprio adultério
dissolve o casamento porque se realiza um novo casamento.6
Mas, biblicamente falando, isso também não é verdade. Alguns
dizem: “Bem, foi dissolvido aos olhos de Deus”. Mas esse tipo
de linguagem (e de pensamento que há por trás dela) não tem
apoio bíblico. A ideia de que o casamento começa na lua de mel,
quando [se supõe que] ocorre a primeira relação sexual, e não
quando são feitos os votos, é inteiramente alheia às Escrituras. Se
fosse sobre aquela base, o pastor estaria mentindo quando diz:
“Agora vos declaro marido e mulher”. Não obstante, consuma-se
o casamento quando o homem e a mulher trocam votos diante de
Deus e deles próprios, e entram numa relação pactuai. O ministro
oficiante na celebração do casamento diz a verdade.
O casamento autoriza as relações sexuais. A união na lua de
mel é própria e santa (Heb. 13:4) somente porque o jovem casal
já está casado. E o adultério, depois do casamento, embora exerça
tremendas tensões sobre o casamento, não o dissolve. As relações
sexuais, per se, não realizam o casamento e não rompem o
casamento.
Portanto, o divórcio, como consequência do adultério, não é
mero reconhecimento e formalização de uma realidade interna,
mas é um novo e adicional passo além do adultério, o que este
não torna necessário. Não é próprio um casal realizar novo
casamento, se for procurado e obtido o perdão do adultério e o
casal decidir continuar vivendo junto. Estes cônjuges ainda estão
casados; só é necessário que haja perdão.7

6
Se o adultério dissolvesse o casamento, Deus não poderia dizer aos israelitas
adúlteros: “...sendo ela a tua companheira, e a sua mulher por concerto” (Mal.
2:14b). Ela não seria nem uma coisa nem outra e Deus não teria feito referência
ao concerto como fez.
7
Naturalmente, na única palavra perdão estou incluindo o arrependimento e a
busca do perdão de Deus e do cônjuge.

30
Algumas Considerações Básicas sobre o Casamento

Este ponto - as relações sexuais não constituem o casamento -


é absolutamente essencial para um apropriado entendimento do
casamento, do divórcio e do novo casamento. O casamento é
maior que a união sexual e é distinto dela (embora ela esteja
incluída nas obrigações dos casados). As relações sexuais não
constituem nem dissolvem o casamento.
Se o casamento não deve ser igualado à união sexual e à
propagação da raça, temos que procurar noutro lugar a essência
do casamento.8 Tornamos a perguntar: que é casamento? A
resposta a essa importantíssima pergunta se verá e será discutida
no próximo capítulo.

Para ver algo mais sobre este assunto, consulte o meu livro, Afore than
Redemption (Philipsburg, N. J.: Presbyterian Reformed Publishing Co.,
1979), pp. 129ss.
31
2
O Que o Casamento
Realmente Significa

Fizemos um exame preliminar da origem e da importância do


casamento, e de algumas formas falsas de entendimento que foi
necessário eliminar. Vimos que o casamento é essencial para a
sociedade em geral, e para a igreja em particular. Mas agora
precisamos perguntar de novo: que é casamento?
Nossa resposta a essa pergunta lançará os alicerces para a
nossa discussão sobre o divórcio e sobre o novo casamento após
o divórcio.
É tempo de os cristãos verem e mostrarem com clareza
cristalina o que Deus disse a respeito deste assunto. Em vez disso,
tem havido muita conjectura, e muito empenho psicológico e
filosófico sobre tão importante tema. Não há necessidade de
desculpa por dizermos isto: Deus falou claramente. Sua Palavra é
tão explícita que não há lugar para especulação e dúvida.
A resposta de Deus à pergunta acima acha-se em Gênesis
2:18:

Não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma auxiliadora


que esteja como diante dele [ou que lhe corresponda].

Noutras palavras, o motivo para que haja casamento é resolver o


problema da solidão.
O casamento foi estabelecido porque Adão estava só, e isso
não era bom. Logo, o companheirismo é a essência do

32
O Que o Casamento Realmente Significa

casamento. Veremos que a Bíblia fala explicitamente do


casamento como Aliança de Companheirismo.

O Casamento e a Vida a Sós


A avaliação fundamental feita por Deus da vida a sós é que
isso “não é bom”. E o que Ele diz, e nessa palavra está a razão da
regra geral segundo a qual “deixará o varão o seu pai e a sua mãe,
e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (Gên.
2:24).
Todavia, o pecado distorceu tanto a sociedade e enredou tanto
os seres humanos em sua relação com Deus e uns com os outros,
que alguns vivem solitariamente, vivem a sós, solteiros, apesar
dessa regra e da sua provisão. Mas também, devido à crise da
natureza da vida produzida de vez em quando pelo pecado, e
devido às exigências de Deus de que, em todos os tempos, a igreja
espalhe as boas novas e edifique cristãos fracos fortalecendo-os
na fé, Deus separou alguns como exceções à Sua regra e supriu a
sua necessidade de companheirismo dotando-os de modo especial
para viverem sós (cf. Mat. 19:11,12 e 1 Cor. 7:7).
Em conformidade com Mateus 19:11,12 e 1 Corindos 7:7, há
pessoas que, poderíamos dizer, Deus separou para Si a fim de
viverem no celibato por amor do Seu reino. Jesus fala mais
completamente sobre este assunto em Mateus 19:11,12 do que em
qualquer outra passagem. Depois de discutir o divórcio (19:3-9),
quando Jesus disse que a fornicação (pecado sexual) é a única
base para a permissão do divórcio entre os crentes, os discípulos
comentaram: “Se assim é... não convém casar”.1
Presumivelmente, eles entendiam que, se o casamento é
permanente, melhor seria não correr o risco de casar com a pessoa
errada. Mas, em resposta, Jesus disse: “Nem todos podem receber
esta palavra, mas só aqueles a

1
Mateus 19:10. Diga-se de passagem que, de acordo com 1 Corindos 9:5, todos
eles se casaram.

33
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

quem for concedido” (19:11). Com base nessa resposta (como


também em 1 Cor. 7:7), fica claro que há exceções à regra dada
em Gênesis 2:18, 24. E, uma vez que o celibato é dom de Deus,
também fica claro que ele estabeleceu exceções à Sua própria
regra. Esse dom nunca foi explicado com clareza e em detalhe,
mas, sem dúvida, nesse dom há a “capacidade” de encontrar um
companheirismo de diferente classe (nunca poderia ser da mesma
classe) fora do casamento, nas obras especiais do reino de Deus
para as quais eles foram chamados. Isto parece implícito na
sequência do texto:
Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe, e há
eunucos que foram castrados pelos homens, e há eunucos que se
castraram a si mesmos [i.e., não se casaram], por causa do reino
dos céus (Mat. 19:12).
A última parte desse versículo indica que essas pessoas
celibatárias foram dotadas da capacidade de terem vidas
satisfatórias (não solitárias) envolvendo-se, deste ou daquele
modo, com a obra do Senhor como as pessoas casadas não podem
envolver-se (cf. 1 Cor. 7:32-34).
Note o leitor a conclusão do versículo 12: “Quem pode
receber isto, receba-o”.2 Ele não abre opções; Deus não outorga
dons inúteis. Os que receberam o dom do casamento (1 Cor. 7:7)
devem preparar-se para o casamento e procurá-lo. Igualmente, os
que receberam o dom para a vida a sós, devem preparar-se para
esse modo de viver e segui-lo. O primeiro grupo peca por evitar o
casamento de propósito; o segundo

2
Muitos solteiros são tristes e se sentem solitários porque não testaram os seus
dons para determinar se receberam o dom especial de serviço exclusivamente
pessoal em prol do império de Cristo. Pode-se determinar isso pelos testes de
Mateus, capítulo 19 e 1 Coríntios 7:8,9. E preciso que o cristão faça o teste para
ver (1) se a continência sexual a vida toda é uma possibilidade, e (2) se ele
encontra satisfação e companheirismo na obra do reino de Deus. (Quando
alguém não faz nada de especial no reino de Deus e só busca seguir a sua
própria “carreira”, ele ou ela não pode saber nem esperar encontrar a resposta
à solidão. O dom deve ser exercido para Deus).

34
O Que o Casamento Realmente Significa

peca por casar-se. Cada pessoa deve procurar e então exercer os


seus dons e as capacidades que os acompanham. Que não haja
queixas acerca da sabedoria de Deus na distribuição dos Seus
dons - Ele faz tudo bem.
Antes de levantar outras questões, ou de reclamar, ou de
queixar-se de que “Só pode ser que Deus me deixou de lado”, etc.,
o crente deve fazer a pergunta básica: “Serei eu um daqueles
crentes que Deus separou?” Quando ele puder responder
honestamente a essa pergunta clara e definitivamente, não terá
necessidade de continuar fazendo as outras perguntas, e por certo
não vai ter motivo para se queixar.
A vida a sós não se harmoniza com a norma exposta em
Gênesis 2:18; é excepcional. Mas, precisamente porque constitui
exceção (feita por Deus mediante Seus dons), deve ser
reconhecida principalmente pela Igreja, para serviço da qual o
dom foi outorgado. Os cristãos solteiros não devem ser olhados
sobranceiramente, nem de modo negligente, como sucede com
frequência. Em vez disso, devem ser homenageados com honra
pelos esforços especiais que eles fazem buscando realizar as
tarefas especiais do reino que lhes foram atribuídas por Deus. Não
se trata de fixar medalhas em suas golas ou lapelas, mas sim em
dar honra a quem honra é devida. Afinal, o apóstolo Paulo foi uma
dessas pessoas especiais, e não vamos querer olhá-lo
sobranceiramente, vamos?3
Alguém poderia perguntar como I Coríntios 7:8, 26 se
enquadra em Gênesis 2:18. Neste versículo Moisés escreve que
“não é bom que o homem esteja só”; nos versículos anteriores o
apóstolo declara que é “bom” a pessoa permanecer como ele, que
era solteiro. Acaso os dois se contradizem?
Não. A regra geral de Gênesis 2:18 aplica-se à maior parte das
pessoas, e, em termos gerais, é sempre válida. A exceção

3
É possível (mas não provável) que Paulo uma vez fora casado. Mas, certamente,
na época em que ele escreveu 1 Coríntios, não era. Pode ser que tenha ficado
viúvo, ou que tenha sido deixado pela esposa (possivelmente, talvez até seja que
ela se tenha divorciado dele), por ele ter sido convertido ao cristianismo.

35
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

que se vê em 1 Coríntios, capítulo 7, em acréscimo à que


estudamos em Mateus, capítulo 19, aplica-se às circunstâncias
extraordinárias “por causa da crise iminente” - 1 Cor. 7:26,).4 A
regra geral vale para a maioria das pessoas, sob muitas
circunstâncias. Mas pode ser posta de lado em tempos de
perseguição. Numa época de grande perseguição, como o banho
de sangue causado pela perseguição movida por Nero que Paulo,
na qualidade de profeta, estava prevendo, essa passagem entra em
jogo. O casamento e a vida a sós são “bons” para diferentes
pessoas, em diferentes situações. (Claro está que nenhuma
exceção seria necessária, se Adão não tivesse pecado. A regra
geral foi estabelecida antes desse pecado.)
Contudo, mesmo em tempos de perseguição, as pessoas que
têm dificuldade de “conter-se” não pecam se seguirem a regra
geral e se casarem (ou se derem seus filhos ou filhas em
casamento - cf. 1 Cor. 7:27-31). As pessoas aconselhadas a
permanecer solteiras em Mateus, capítulo 19, devem seguir o
conselho, não por causa de uma crise iminente, mas porque Deus
tem tarefas especiais para elas realizarem. As que são
aconselhadas a (se possível) permanecer solteiras em 1 Coríntios,
capítulo 7, são as que, em contraste, sob outras condições, seriam
concitadas a casar-se. Na verdade, mesmo as pessoas casadas
devem renunciar a alguns dos privilégios e atividades da vida
conjugal, privilégios e atividades que noutras circunstâncias
seriam normais (1 Cor. 7:29).

A Aliança de Companheirismo
Agora devemos considerar em detalhe o que já vimos que é a
real essência do casamento: o companheirismo. Deus criou a
maioria de nós de modo que nos sintamos solitários sem a
companhia íntima de alguém com quem viver. Deus providenciou
Eva, não somente (nem mesmo primariamente) como auxiliadora
de Adão (embora a ajuda também é uma

4
Ver também o versículo 29.

36
O Que o Casamento Realmente Significa

dimensão do companheirismo), mas como sua companheira. Ele


também, como todos os maridos, desde Adão (vamos ver isso),
deve oferecer companheirismo a ela.
Na Bíblia o casamento é descrito em termos de compa-
nheirismo. Em Provérbios 2:17, por exemplo, nos é dito que “a
mulher estranha... abandona aquele que desde a juventude foi seu
companheiro e ignora a aliança que fez diante de Deus”5. A
palavra traduzida por companheiro nesse versículo contém a ideia
de “alguém que foi domado” (termo empregado com referência
ao trabalho de domar animais), ou “alguém que tem estreita,
íntima relação com outra pessoa”. E difícil estabelecer estreita ou
íntima relação com um animal selvagem, mas é possível dar-nos
bem com um animal domesticado ou domado. O sentido central
e fundamental tem a ver com uma relação íntima, estreita. E é
exatamente isso que o companheirismo conjugal é: a estreita e
íntima relação mútua de marido e mulher. Atitudes ou atos
“selvagens” por parte de um dos cônjuges destroem o
companheirismo; atos e atitudes “dóceis” (caloroso desejo de
estarem juntos e próximos um do outro) o fomentam. Segue-se,
pois, que, ao menos em parte, o companheirismo envolve
intimidade.
Vê-se também o conceito de casamento como companhei-
rismo em Malaquias 2:14, onde é empregado um termo diferente,
mas bastante complementar:

“O Senhor foi testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade,


com a qual tu foste desleal sendo ela a tua companheira, e tua
mulher por concerto”.

Pois bem, a palavra aqui traduzida por “companheira” tem como


sua ideia central a de união ou associação. Um companheiro ou
companheira é, pois, alguém com quem outra pessoa entra em
íntima união (ou relação). Juntando

5
Mulher estranha (ou “estrangeira”) = uma adúltera. Era chamada estrangeira
porque nem prostitutas nem adúlteras tinham lugar em Israel.

37
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

os dois termos, chegamos ao pleno sentido da ideia de


companheirismo. Companheiro (a) é alguém com quem você está
intimamente unido(a) nos pensamentos, nas metas, nos planos,
nos esforços (e, no caso do casamento, nos corpos).
As duas passagens juntas6 deixam claro que, tanto para o
marido como para a mulher, o companheirismo é o ideal. Em
Provérbios o marido é chamado companheiro, o que mostra que
ele também propicia companhia para a sua mulher; em Malaquias,
é a mulher que é assim designada. Para ambos, então, a entrada
no casamento deve significar o desejo de satisfazer mutuamente
as necessidades de companheirismo. No casamento, o amor tem
seu foco em o cônjuge fazer ao outro a companhia de que este
necessita para impedir ou eliminar a solidão.
Estes fatos nem sempre têm sido ensinados na igreja, e é
preciso que sejam asseverados repetidamente onde quer que
possam ser ouvidos - em sermões, nas reuniões de grupos de
recém-casados, em reuniões de casais mais velhos para
adolescentes e também para crianças. Se houver uma fundamental
ignorância quanto aos ensinamentos de Deus sobre o casamento,
então não será de admirar que o que Ele diz sobre divórcio e novo
casamento seja mal compreendido.

Noivado
Devemos agora dar atenção à importante questão do noivado
(compromisso de casamento) na Bíblia. Hoje em dia, em nossa
cultura muito diferente, muitos cristãos têm pouco ou nenhum
entendimento do que era o noivado bíblico e do que esse envolvia.
Não se deve ler os relatos bíblicos impondo a eles a forma e o
sentido das práticas modernas.
Para nós, o noivado é com frequência um período de
experiência. Muitos o veem como o compromisso oficial de ir

6
As palavras para companheirismo são empregadas de modo intercambiável,
como o indica o uso que delas se faz no paralelismo de Miquéias 7:5 (cf.
ARA).
38
O Que o Casamento Realmente Significa

adiante com alguma intenção de casar. Nesse processo nada é


obrigatório. Por outro lado, na Bíblia o noivado era um
compromisso absolutamente obrigatório. Era, efetivamente, o
primeiro passo do casamento. No noivado era feita a aliança de
casamento,7 e o noivado só podia ser rompido pela morte ou pelo
divórcio (Deut. 22:23; Mat. 1:16-24).
A pessoa que voluntariamente praticasse relações sexuais
ilícitas não incorria em multa, mas (como nas relações adulterinas
depois do casamento) era executado (cf. Deut. 22:23, N.B.: a
noiva é chamada “esposa” do homem com o qual está
comprometida). Realmente, contra a opinião de alguns, temos aí
razão suficiente para considerar as relações sexuais ilícitas,
durante o noivado, como nada menos que adultério.
Em contraste com a situação dos noivos, o solteiro que
praticasse relações sexuais ilícitas era submetido a uma pena
menor (Deut. 22:28,29).8 Portanto, o ponto que se deve ter em
mente é que as partes comprometidas recebiam a mesma pena que
as pessoas casadas (cf. Deut. 22:22). Não se fazia nenhum tipo de
distinção.
O mesmo uso de palavras, que observamos em Deutero-
nômio 22:23, onde vemos que as partes são mencionadas como
marido e mulher, ocorre noutras partes das Escrituras,
confirmando que o alto conceito de noivado persistiu (cf. 2 Sam.
3:14; Mat. 1:19). Na segunda passagem citada,9 José é
simplesmente chamado “marido” de Maria, muito embora tendo
sido dito explicitamente que não tinham tido união sexual (Mat.
1:25).
Talvez seja útil fazer alguns comentários adicionais

7
Cf. Douglas, The New Bible Commentary (Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, 1962), p. 788
8
Em tais casos, se deveria ocorrer o casamento ou não, era decidido pelo critério
do pai, como se vê na passagem mais completa de Êxodo 22:16,17. Certamente
se levava em conta o desejo da jovem.
9
Provavelmente, também nos versículos 20 e 24 a tradução deveria ser, “receba
Maria, tua mulher”, e “recebeu a sua mulher” [assim Almeida], e não “Maria
como sua mulher”.

39
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

sobre Mateus, capítulos 1. Mateus nos informa que José tinha


decidido divorciar-se de Maria secretamente (1:19). É provável
que nessa época o divórcio tenha vindo a substituir o
apedrejamento. Possivelmente, sob a lei romana, não era
permitido apedrejar ninguém por esse delito. Contudo, alguns
conjeturam que o apedrejamento era raramente feito, se é que foi
feito alguma vez. (Pode ser que isso estava envolvido no que Jesus
descreveu como “dureza de coração dos homens”,10 o que Ele
disse que tinha influenciado Moisés.) Os fatos relativos a essa
substituição ou mudança não são claros. Mas, visto que nesse
mesmo versículo José é chamado “justo”, claramente uma
recomendação de sua planejada ação, parece evidente que
(naquele tempo, em todo caso), Deus não via com desfavor, ou a
substituição do apedrejamento pelo divórcio, ou (N.B.) a ideia de
divórcio por causa de relações sexuais ilícitas. Este interessante
fato tem implicações que dão motivo para considerações
posteriores.
Mas, por ora, note-se que o casamento, que começava com o
noivado (cujo rompimento requeria o divórcio), não começava
com a união sexual (Mat. 1:25) e tinha que ser terminado pelo
divórcio.
Todos estes fatos deixam tão claro quanto possível que o
casamento é, fundamentalmente, um arranjo contratual (chamado
em Malaquias 2:14 casamento por “concerto”), e não uma união
sexual. O casamento é um arranjo formal (pactuai) entre duas
pessoas para se tornarem uma companhia amorosa uma da outra
por toda a vida. No casamento, homem e mulher fazem o trato de
cuidar para que nem ele nem ela sofram solidão, enquanto ambos
viverem. Nossas cerimônias nupciais modernas deveriam
salientar mais plenamente este ponto do que geralmente se faz.
Não temos cerimônia de noivados e de núpcias detalhadas

10
O que os homens podiam chamar brandura, Deus podia chamar dureza, se se
tratava de dureza de coração para com as leis e ordenanças de Deus. Mas esta
explicação não me parece muito verossímil.

40
O Que o Casamento Realmente Significa

na Bíblia. O que chega mais perto de um ritual ou de uma


cerimônia de noivado (ou da prática que possivelmente precedeu
as cerimônias de noivado) vê-se em Rute e em Ezequiel. A prática
não é inteiramente clara para nós, mas, de um modo ou de outro,
incluía o homem estender sua veste sobre a mulher pretendida
como noiva (cf. Rute 3:9,10). Em Ezequiel 16:8 (Berkeley) lemos:

Quando passei por você, observei que você estava na época de


ser cortejada; por isso estendi as orlas da minha túnica sobre
você e cobri a sua nudez. Fiz a você o meu voto de fidelidade e
entrei numa aliança com você, diz o Senhor Deus, e você ficou
sendo minha.

Nessa passagem, Deus ficou noivo da nação de Israel estendendo


Sua túnica sobre ela, e dessa forma Ele a tomou sob o Seu
cuidado.11 O compromisso de fidelidade (literalmente: juramento
ou apresentação de votos) do jovem com a moça pode referir-se
ao noivado (ou possivelmente à cerimônia de casamento
posterior).11 12 Em Oséias 2:19,20 Deus fala em tornar-se
“noivo”13 de Israel “para sempre” e com “fidelidade” (cf.
Berkeley). A natureza final do noivado transparece na passagem.
Quando Ele a seguir diz, “e conhecerás ao Senhor”, faz eco a uma
frase pactuai.
Não temos outras cerimônias matrimoniais na Bíblia. O que
mais se aproxima de uma cerimônia de núpcias consta no livro
apócrifo de Tobias. Mas essa cerimônia não é necessariamente
típica, visto que parece uma versão condensada e apressada da
prática normal. Há exceções, sem dúvida.
No caso do casamento de muitas virgens, o noivado durava

11
A palavra para aba em Rute e para orla em Ezequiel [na versão de Berkeley]
também significa “asa”. A ideia de asa como protetora é comum (Salmo 36:7;
Éx. 25:20). No noivado a jovem passava a ficar sob o cuidado e interesse
protetor do rapaz.
12
Ao que parece, os votos eram feitos durante a cerimônia de noivado.
13
Aí também estava envolvido o “juramento”.

41
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

de 9 a 12 meses. Quanto às viúvas, o período de “noivado” era de


apenas três meses.14 Mas, dado que Tobias (o filho de Tobias)
obteve sua esposa em lugar muito distante, tudo é comprimido.
Quanto ao que vale a pena verificar, o que lemos é o seguinte:
Chamou depois a mãe da moça e mandou que trouxesse uma
folha de papiro, e redigiu o contrato de casamento, pelo qual
dava a Tobias sua filha por esposa, conforme a sentença da Lei
de Moisés. Depois disso, começaram a comer e a beber (Tobias,
7:13,14. RSV).
E comeram - durante 14 dias! (18:19).
Note o leitor os elementos desta cerimônia de casamento
(que não temos motivo algum para acreditar que foi atípica):
1. O pai “entrega” sua filha, levando-a formalmente pela mão
a seu genro.
2. Pronuncia verbalmente o fato: “Recebe-a”.
3. Abençoa ambos.
4. Ele e sua esposa redigem um contrato formal de
casamento.
5. Eles o autenticam com selos.
6. Há uma festa pública de casamento.
7. Eles conduzem “o jovem ao aposento”, à esposa (8:1). As
cerimônias comuns provavelmente eram semelhantes
à que acima foi descrita. Uma coisa parece clara: a cerimônia de
casamento incluía elementos contratuais formais, que eram
registrados. E havia uma cerimônia pública. Apesar de o processo
ser simples, o aspecto contratual é proeminente.15 O tempo todo
venho me referindo ao casamento como

14
Cf. Everyday Life in Bible Times (National Geographic Society, n.p., 1967)
pp. 305,306. Ver também Talmud, Kethuboth 57.
15
Os contratos gregos do período do Novo Testamento são ainda mais formais. Cf
Hunt and Edgar Select Papyri (Cambridge, Mass., Harvard U. Press, 1970),
vol. I, pp. 2-23. E muito interessante que esses contratos incluem
particularidades que envolvem um possível divórcio.

42
O Que o Casamento Realmente Significa

um arranjo ou acordo pactuai. Devo dizer mais uma ou duas


palavras sobre esse ponto, antes de concluir o capítulo. Com boa
razão bíblica eu tenho chamado o casamento de Aliança de
Companheirismo.
Voltando mais uma vez a Provérbios 2:17 e a Malaquias 2:14
(para não mencionar Ezequiel 16:8,9, a que me referi
anteriormente), é importante observar que abandonar o
companheiro da juventude é colocado em paralelo com o
abandono da aliança de Deus (Prov. 2:17). Na poesia hebraica
esse tipo de paralelismo sinonímico é empregado para igualar
duas coisas, embora expressem aspectos diferentes de um objeto
ou de um ser. Abandonar um companheiro é o mesmo que
esquecer a aliança do casamento.
Em Malaquias 2:14 emerge um conceito parecido. Ali Deus
denuncia maridos infiéis às companheiras. Tais companheiras
depois são comparadas com mulheres que são esposas por
concerto (NASB). Segue-se, pois que, nas duas passagens, nas
quais o companheirismo é mencionado proeminentemente, esse é
o aspecto pactuai do casamento. Fica assim confirmado o que
tenho dito: que o casamento é uma Aliança de Companheirismo.
Nessa aliança, duas pessoas compactuam não somente ter e
criar filhos para satisfazer as suas necessidade sexuais mútuas,
etc.; esses objetivos são estreitos demais, embora partes de um
propósito mais amplo. Os dois concordam, mediante votos
(literalmente, mediante “juramento” - cf. Oséias 2:19,20; Ez.
16:8) em viver juntos (Mat. 1:18, NTEE) como companheiros, a
fim de ser eliminada a solidão para ambos. (Isto inclui os dois
fatores mencionados acima, mas também muitos outros.)
Como já vimos, essa aliança é feita na ocasião em que é
assumido o compromisso de casamento (noivado), e não pela
união sexual, mas os dois só começam a cumprir todos os termos
da aliança depois da cerimônia matrimonial e de sua celebração,
quando começam a viver de fato juntos.

43
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Outros Fatores
Já falei de outros fatores inclusos no companheirismo. Quais
são?
A passagem de Gênesis 2:18 e 24 nos diz muita coisa. A
palavra adjutora ou auxiliadora, que entrou na língua inglesa, é
uma palavra híbrida. Quando um marido diz, “Eis minha
auxiliadora”, diz duas coisas. Em 1611, quando foi feita a Versão
King James, o versículo 18 dizia: “Farei para ele uma ajuda
própria para ele”. As palavras ajuda e própria foram escritas
separadamente como dois termos distintos. Posteriormente, no
linguajar popular, houve uma fusão dos dois termos formando um
só. Em 1611, ajuda (help) significava exatamente o que
atualmente significa a palavra ajudador(a); o outro termo (meet)
significa justamente ser próprio, ser apropriado, ou corresponder
a, ou aproximar-se de em todos os pontos. Assim é que Deus diz:
farei para ele uma ajudadora apropriada para ele. Própria,
apropriada, adequada, etc., são traduções de uma palavra hebraica
que contém a ideia de alguém que lhe faz frente, que lhe é contra,
ou que chega perto. Podemos falar com propriedade de Eva como
a outra metade de Adão (não a melhor metade), o que, na união
pactuai do casamento, forma um todo completo. Esta outra
metade chega perto de Adão em todos os pontos.
Como contraparte do homem, a mulher completa ou preenche
a vida do homem, fazendo dele uma pessoa maior do que seria
sozinho, introduzindo em seu quadro de referência uma nova
dimensão, a dimensão feminina pela qual ele pode ter uma visão
da vida que de nenhum outro modo poderia ter conhecido. E,
então, ele também dá à sua mulher uma perspectiva masculina que
alarga a sua vida, fazendo dela uma pessoa mais completa do que
seria sem ele. Esta união matrimonial por concerto resolve o
problema, não meramente por preencher uma lacuna, mas por
fazê-la transbordar. Algo mais que a simples presença está
envolvido.

44
O Que o Casamento Realmente Significa

Também é solucionada a solidão da simples masculinidade ou


feminilidade.
A ajuda mencionada no versículo é outro aspecto do
companheirismo. Os dois se unem como companheiros no
trabalho (cf. a orientação seguida pela mulher em favor do
trabalho do marido em Provérbios, capítulo 31). Algumas das
mais ricas alegrias do companheirismo surgem do trabalho de um
cônjuge ao lado do outro. O que quer que um faça requer a ajuda
do outro a seu lado. Em última análise, eles trabalham juntos para
o Senhor. Este é o fator unificador fundamental do casamento -
eles se casam “no Senhor”, sejam quais forem as tarefas
específicas que lhes caiba realizar neste ou naquele ponto do
caminho. Cada um deles conta com alguém com quem (ele ou ela)
pode conversar, alguém para aconselhar, alguém de quem cuidar;
alguém com quem compartilhar alegrias, perplexidades, ideias,
temores, tristezas e decepções: um(a) ajudador(a). Um
companheiro matrimonial é alguém com quem pode ficar à
vontade (e por quem poria a mão no fogo)!
Este fato se revela ainda mais completamente em Gênesis
2:24,25, onde o casamento é descrito como uma junção (um
aderir-se, um apego) na qual o homem e sua mulher tornam- se
“uma carne” e na qual eles podem ficar nus um diante do outro
sem se envergonhar.
A expressão “uma carne” requer explicação, visto que muitas
vezes não é bem entendida. Ela não se refere primariamente à
união sexual, embora essa união esteja incluída nela. Essas
palavras fazem paralelo com a palavra inglesa everybody. Quando
dizemos everybody não pensamos só nos corpos. Antes, queremos
dizer toda pessoa. O uso hebraico era semelhante: “toda a carne”,
por exemplo, significa everyone (isto é, toda pessoa: cf. Gênesis
6:17; 7:22; 8:21). Quando Deus fala em destruir toda a carne, não
se refere à carne em distinção dos ossos. O que Ele quer dizer é:
“Destruirei toda (ou cada) pessoa”. Quando Joel (também citado
em Atos, capítulo 2, por Pedro no dia do Pentecoste) escreveu
sobre

45
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Deus derramar o Seu Espírito sobre “toda a carne”, também o que


ele tinha em mente era toda espécie de pessoa (judeu, gentio,
velho, jovem, macho, fêmea). Portanto, aqui, em Gênesis 2:24,
“serão ambos uma carne” significa tornar-se uma pessoa.
A união matrimonial é a mais estreita, a mais íntima de todas
as relações humanas. Duas pessoas podem começar a pensar, a
agir e a sentir como se fossem uma só. Os cônjuges são capazes
de interpenetrar as vidas um do outro e de se tornar um só ser,
uma unidade em ação. Citando esse versículo em Efésios 5:28-31,
diz o apóstolo Paulo que a relação matrimonial é tão íntima que o
que quer que o homem faça por ou para sua mulher (algo bom ou
algo mau), ele o faz a si mesmo, uma vez que os dois se tornaram
uma carne (uma pessoa).
Mesmo em 1 Coríntios, capítulo 6, passagem na qual, a
princípio, poderia pensar que o versículo confirma o aspecto
sexual do casamento como central, um exame mais cuidadoso
mostra outra coisa. Paulo distingue três tipos de união:
1. um corpo (6:16) - relação sexual com uma prostituta =
união estreita
2. uma carne (6:16) - a união conjugal, matrimonial = união
mais estreita
3. um espírito (6:17) - união com Cristo = a união mais estreita
Não é possível desenvolver mais amplamente aqui essa
importante passagem.
A meta que Deus revelou para marido e mulher é que se
tornem um em todas as áreas da sua relação - intelectual,
emocional e fisicamente. A Aliança de Companheirismo foi
designada para atender a essa múltipla necessidade.
Hoje em dia muitos estão tentando estabelecer relações
estreitas e abertas de outras maneiras. A Aliança de
Companheirismo foi destinada a cumprir essa necessidade, e
somente ela o pode fazer. Maratonas de fim de semana, sessões
de terapia de grupo, etc. não farão o serviço. Deus

46
O Que o Casamento Realmente Significa

ordenou o casamento para esse propósito; os substitutos humanos


falham, e sempre falharão. Porque há casamentos que fracassam,
muitos tentam, em vão, encontrar satisfação noutras coisas.
No versículo 25 Moisés se refere à nudez sem o sentimento de
vergonha. Isso também tem sido interpretado, erroneamente, em
termos sexuais. Vergonha tem a ver com pecado; visto que Adão
e Eva estavam sem pecado, não sentiam vergonha. Eles podiam
estar perfeitamente abertos, transparentes e vulneráveis um para
o outro.16 Não tinham que esconder coisa alguma. Esse continua
sendo o ideal para o casamento - abertura sem medo nem
vergonha. Duas pessoas que não tinham nada para esconder
podiam ser totalmente francas; não tinham necessidade de ter
alguma coisa entre eles, nem mesmo roupas. Estavam
inteiramente abertas uma para a outra. Grupos para diálogo aberto
não satisfarão; unicamente o casamento propicia o cenário ou as
condições próprias para abertura e franqueza. Quando o
casamento repousa na verdade cristã e recebe o vigor do viver
cristão, essa abertura e franqueza é possível. A verdade unifica, o
amor obriga e a esperança orienta. Esses elementos permitem a
abertura sem sentimento de vergonha.
Esse conceito da vida conjugal mostra claramente que o
casamento é muito mais do que uma junção de corpos legalizada
(mera junção = um corpo; união conjugal = uma carne, um ser).
O companheirismo faz a diferença. Portanto, no aconselhamento
sobre casamento, o conselheiro cristão não está inseguro sobre os
seus objetivos. Ele sabe que, para glorificar Deus, ele deve
desenvolver e fomentar um profundo companheirismo entre
maridos e mulheres. Dessa forma, uma vez mais o casamento
pode começar a aproximar- -se dos ideais que Deus expôs em
Gênesis, capítulo 2.

16
Cf. Hebreus 4:13 - “E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes, todas
as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar”.

47
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

OBSERVAÇÃO

Nos tempos bíblicos o casamento não requeria aprovação e


autorização do Estado, como acontece atualmente em nossa cultura.
Nos tempos bíblicos os contratos eram elaborados e executados pelas
partes, em entendimento com testemunhas, e podiam ser utilizados, se
necessário, como documentos legais. Devemos distinguir entre
“casamentos de experiência” e “casamentos de conveniência”, e o
verdadeiro casamento, bíblico. Dois estudantes universitários que
“ficam” durante o semestre ou até a formatura não estão casados; estão
cometendo fornicação. Não houve nenhum contrato - nem verbal nem
de nenhum outro tipo (não houve juramento de votos, nem foram feitas
promessas) - e, portanto, não há casamento. Por outro lado, casamentos
irregulares podem ocorrer, e ocorrem. Se um homem e uma mulher,
lançados numa ilha deserta, fazem votos mútuos, estão casados - muito
embora sem a aprovação do Estado. Contudo, se forem resgatados,
como cristãos que respeitam a lei devem regularizar imediatamente a
sua relação, pedindo ao capitão do navio que realize a cerimônia
matrimonial exigida pelo Estado. A questão que se deve considerar em
todos os casos que envolvem “casamentos” irregulares é se as partes
fizeram algum acordo (verbal ou de outro tipo). Segundo Malaquias
2:14, uma esposa é “esposa por concerto”. Esse fator aplica-se também
a todos os “casamentos feitos pela lei comum”, assim chamados.

48
3
O Lugar do Casamento

O casamento não é somente o principal bloco do múltiplo


edifício da sociedade em geral, e da Igreja em particular, mas
também ocupa um lugar chave na vida humana.
Gênesis 2:24 tem outras facetas importantes. Todo aquele que
realiza algum aconselhamento, logo percebe a existência de mais
problemas familiais e conjugais do que todos os demais
problemas juntos. Isto demonstra que eles ocupam o foco central
das atividades humanas. Quando faz uma análise mais de perto, o
conselheiro descobre também que surgem grandes dificuldades
quando o marido ou a mulher coloca atividades, coisas ou outras
pessoas nos lugares que Deus atribuiu a seu cônjuge e à sua
família. A Bíblia nos diz que o homem deve “deixar” seu pai e
sua mãe e “apegar-se” à sua esposa.
Deus não colocou um pai e seu filho no jardim. Adão e Eva
eram homem e mulher. Isso mostra que a relação humana
primordial (e a relação de família) é a de marido e mulher. Por
isso o homem deve deixar pai e mãe e apegar-se à sua mulher. A
relação de pai e filho pode e deve ser rompida; a de marido e
mulher é permanente, e não deve ser rompida. Segue-se, pois, que
o divórcio é sempre consequência de pecado.
Não existe nenhuma promessa pactuai feita por pais e filhos
para satisfação da necessidade de companheirismo como existe
no casamento. Toda vez que um pai ou um filho tenta encontrar
satisfação em sua relação e não no casamento, surgem
dificuldades.

49
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Ao homem, em particular, é dito que “deixe” essa relação, não


no sentido de deixar fora disso a mulher (como se ela não tivesse
que deixar pai e mãe), mas porque é o homem que deve ser o chefe
ou o cabeça de uma nova unidade capaz de tomar suas próprias
decisões, unidade que (como temos visto) é chamada “casa”1 (ou
“família”). Como tal, ele pode procurar e receber conselho, não,
porém, ordem, do seu pai e da sua mãe. Sempre vem tragédia
quando o marido coloca sobre si os seus pais (negando assim a
sua chefia), ou coloca seus pais no lugar da sua esposa (negando
assim a ela o primeiro lugar na vida dele, abaixo de Deus). Este
problema é especialmente agudo quando ele se deixa arrastar em
duas direções pelas duas mulheres da família - a mãe e a esposa.1
2
Estou tentado a trabalhar as detalhadas implicações do erro de
não “deixar” pai e mãe em todos os sentidos do termo (físico,
mental, etc.), mas não devo fazê-lo aqui. Nas páginas que acabei
de citar na nota anterior eu já o fiz.
Quando as esposas tentam em vão combater a solidão
substituindo maridos pelos filhos (em especial, um filho), ou
quando os maridos tentam fazer isso enterrando-se em atividades
(ou em superatividades), erram gravemente. Abaixo de Deus, o
marido e a mulher devem pôr o seu cônjuge em primeiro lugar, à
frente de todas as outras pessoas e de todas as atividades. Somente
desse modo os filhos estarão livres para sair de casa sem dores de
cabeça, quando chegar a hora. E o casamento crescerá.
A relação entre pai e filho é estabelecida pelo nascimento (ou
pela adoção); a relação entre marido e mulher é estabelecida pelas
promessas pactuais. O sangue pode ser mais denso que a água,
mas não deve ser mais denso que a promessa. Este contraste entre
a relação temporária de pai e

1
Ver principalmente os comentários sobre esse termo numa nota de rodapé do
capítulo 1.
2
Para obter mais elementos sobre esses problemas, ver o meu livro Christian
Living in the Home, pp. 51-56.

50
O Lugar do Casamento

filho e a união permanente de marido e mulher mais uma vez


mostra enfaticamente a singularidade do casamento no plano de
Deus para os seres humanos.
Uma vez que a descrição do casamento tem seu foco no
companheirismo pactuai, é óbvio que cada cônjuge deve cultivar
o companheirismo.3 O casamento no qual não há
companheirismo está fadado à miséria ou ao divórcio. Tudo o que
põe em risco o companheirismo deve ser evitado; tudo quanto o
promove deve ser cultivado.4

3
Um livro sobre este assunto e que mostra como fazer isso é How to Develop
Deep Unity in the Marriage Relationship, de autoria de Wayne Mack
(Phillipsburg, N. J.: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1978).
4
A comunicação, por exemplo, é um elemento essencial do companheirismo. Ver
Christian Living in the Home, pp. 25-41 para uma discussão completa sobre
este importante tema.

51
SEGUNDA PARTE

DIVÓRCIO
4
Uma Atitude Bíblica
Com Relação ao Divórcio

Contrariamente a algumas opiniões, o conceito de divórcio é


bíblico. A Bíblia reconhece e regulamenta o divórcio. Foram
feitas certas provisões para essa prática. Essa verdade deve ser
afirmada claramente e sem hesitação. Visto que o divórcio é um
conceito bíblico, ao qual se faz frequente referência nas páginas
da Bíblia, os cristãos deverão fazer tudo o que puderem para
entender e ensinar o que Deus, em Sua Palavra, diz a respeito do
assunto. Além disso, requer- se que a Igreja aplique a casos
individuais os princípios escriturísticos relacionados com o
divórcio.
Não obstante, há alguns que têm tal conceito do divórcio que,
se você seguisse o pensamento deles, teria que concluir que a
Bíblia não faz nenhuma provisão para o divórcio, mas, antes, só
o condena e o denuncia. Tais pessoas levariam o incauto a
acreditar que as Escrituras não dizem nada - absolutamente nada
- de positivo acerca do divórcio. Contudo, como já vimos, José
(um homem justo) não foi condenado por resolver divorciar-se de
Maria. Portanto, deve haver mais quanto à questão do divórcio do
que alguns pensam.
Para começar, entendamos claramente o fato de que, nem a
Bíblia fica em silêncio sobre o tema do divórcio, nem condena
indiscriminadamente o divórcio, sempre, em todas as
circunstâncias e quanto a todos os casos. E preciso que isso fique
estabelecido desde o começo.
Apesar de Deus dizer enfaticamente que “aborrece o

55
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

repúdio”, ou “odeia o divórcio” (Mal. 2:16), essa declaração não


deve ser tomada absolutamente no sentido de que não há nada
quanto ao divórcio que não deva ser detestado, porque Ele
também nos diz:

...por todos os adultérios que a infiel Israel tem praticado,


mandei-a embora e lhe dei um certificado de divórcio (Jer. 3:8,
Berkeley).

Se o próprio Deus envolveu-Se em processos de divórcio com


Israel, certamente será um erro condenar todo e qualquer
divórcio, absolutamente. E óbvio que, com base nessa passagem,
e na de Mateus, capítulo 1, é certo que, às vezes, em alguns casos,
o divórcio de algumas pessoas, em algumas circunstâncias, é
inteiramente próprio e não objeto do ódio de Deus.
E inteiramente certo que Deus odeia o divórcio. Mas não
odeia todos os divórcios do mesmo modo, como também não
odeia todos os aspectos do divórcio. Ele odeia o que ocasiona
todo divórcio - mesmo quanto àquele que Ele deu ao Israel
pecaminoso. Deus odeia as consequências que muitas vezes
decorrem para os filhos e para as partes ofendidas de um divórcio
(todavia mesmo isso não o impede de querer um divórcio em
Esdras 10:44; capítulo 11). E Ele odeia os divórcios obtidos
erroneamente, sobre bases que Ele não sancionou. Mas isso deixa
algumas coisas, quanto ao divórcio, que Ele não odeia.
Certamente Ele não condena nem odeia os procedimentos em
torno do divórcio per se - i.e., como processo. Tampouco Ele
odeia o divórcio quando obtido de acordo com os princípios e
regulamentos exarados nas Escrituras e que Ele próprio seguiu
em seus procedimentos com Israel, em sua infidelidade.
Já se vê, e penso que você deve ver, que este assunto não pode
ser tratado tão simplisticamente. Portanto, dizer: “Não tenho nada
a ver com pessoas divorciadas”, é falar

56
Uma Atitude Bíblica Com Relação ao Divórcio

irresponsavelmente, e, ainda por cima, é colocar quem assim fala


na posição de não ter nada a ver com Deus! (Ele é uma Pessoa
divorciada!)
Sua atitude, leitor, acerca do divórcio é importante - porque a
sua atitude vai revelar a sua maneira de se relacionar com pessoas
divorciadas e como você procede com elas. Se você descobrir que
sua atitude é má, o que é muito provável, se você cresceu numa
atmosfera totalmente adversa ao divórcio, trate de achar um jeito
de se aconselhar com pessoas que pensam melhor sobre divórcio,
como também procure reconsiderar o seu trabalho com
divorciados e sua abordagem dos que estão querendo casar de
novo.
Por conseguinte, é importante desenvolver uma atitude
bíblica, equilibrada, para com o divórcio - por um lado, odiando
todas as coisas que Deus odeia quanto ao divórcio, embora
reconhecendo, por outro lado, que neste mundo pecaminoso há
situações nas quais (como o próprio Deus demonstrou, pode ser
necessário obter o divorcio).1 Sua posição, dileto leitor, afetará
sua atitude. Por isso é muito importante entender e adotar uma
posição verdadeiramente bíblica.
Há muitas atitudes erradas nas igrejas conservadoras sobre o
divórcio e os divorciados. Segundo a maneira como algumas
delas tratam pessoas divorciadas, dá para pensar que essas
pessoas cometeram o pecado imperdoável. Vamos tornar claro,
então, que aqueles que erradamente (pecaminosamente)
obtiveram divórcio não devem ser desculpados pelo que fizeram
- é pecado. Mas precisamente

1
Cf. também Esdras 10:2,3,11,19. Temos aí o plano adotado de que fosse feito
um “concerto com o nosso Deus” de que os culpados se divorciariam das
mulheres estrangeiras. E foi dito explicitamente que fariam isso para “honrar” a
Deus “fazendo o que Ele quer” (10:11, Berkeley). Isso foi feito pela fé, num
período de arrependimento (cf. 10:19). N.B, em “concerto com Deus”, cento e
treze divórcios foram realizados, movidos pelo arrependimento, para honrar a
Deus. Certamente, nem todo divórcio é errôneo, muito embora, todos os
divórcios - estes inclusive - sejam ocasionados por pecado.

57
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

porque é pecado, é perdoável. O pecado de divorciar-se do seu


cônjuge sobre bases não bíblicas é ruim, não somente devido a
miséria que ocasiona, mas por que é uma ofensa contra um santo
Deus. Contudo, não é tão indelevelmente impresso na vida do
pecador que não possa ser expiado pelo sangue de Cristo.
Na verdade, vale a pena observar que nas listas bíblicas de
pecados odiosos (1 Cor. 6:9,10; Apoc. 22:15; Gál. 5:10-21, etc.),
o egoísmo, a inveja e outros delitos um tanto inesperados (como a
difamação) aparecem ao lado de bebedeira, idolatria, homicídio e
homossexualismo, mas nem uma vez é mencionado o pecado do
divórcio ilícito ou não legítimo.
Essa minha observação não significa nem por um momento
que eu desejo tolerar o divórcio impróprio, ou qualquer divórcio
obtido pecaminosamente; o divórcio obtido por maus meios é
pecado e deve ser rotulado e condenado como tal. Não; o meu
propósito em assinalar a ausência de referência a divórcio
pecaminoso é meramente observar que os apóstolos devem ter
tido um conceito sobre o divórcio muito diferente do que o
daqueles líderes atuais que sempre o incluem em suas listas dos
pecados mais odiados - frequentemente quase no alto da lista.
Lembro a você que, em tudo isso, não é meu desejo minimizar a
gravidade do pecado do divórcio impróprio. O divórcio obtido por
meios indevidos é odioso, e não deve ser tolerado. Mas o ponto
em que insisto é que haja uma atitude própria, bíblica, da parte da
Igreja de Deus. Falhar nisto é grave; muitas vidas (inclusive a vida
da Igreja em geral, não poderão escapar dos efeitos adversos -
todos serão machucados.
Uma vez que o pecado do divórcio não é um pecado imper-
doável, claro está que pode ser perdoado. Naturalmente, esse
perdão não cura os corações partidos dos filhos e dos demais
atingidos pelos processos legais, para não falar das partes
diretamente envolvidas no divórcio. Não digo que o perdão cura.
O divórcio, mesmo quando próprio,

58
Uma Atitude Bíblica Com Relação ao Divórcio

sempre é ocasionado pelo pecado de alguém. Segue-se, pois, que,


mesmo no melhor dos casos, o divórcio sempre trás infelicidade
e dor. Por isso Deus o odeia. Mas, mesmo aquele que obteve o
divórcio por meios pecaminosos pode ser perdoado, purificado e
restaurado à comunhão da Igreja de Cristo, precisamente como os
beberrões e os homossexuais mencionados em 1 Coríntios 6:9-11,
desde que arrependidos. Eles também podem ser lavados e
santificados pelo mesmo Espírito. Não devemos chamar impuros
ou imundos aqueles que Deus purificou!
Quando Jesus falou sobre o pecado imperdoável, Ele nos
garantiu cuidadosamente o caráter perdoável de outros pecados -
de todos os outros - quando declarou:
Todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens... (Mat. 12:31).

Todos os outros pecados podem ser perdoados. E, visto que o


divórcio obtido por motivos pecaminosos se encaixa nessa
categoria, devemos concluir que esse pecado também é perdoável.
O único pecado que jamais pode ser perdoado é o pecado de
atribuir a obra do Espírito Santo a um espírito impuro. Cristo não
permite que ninguém chame o Espírito Santo de impuro! Somente
aquelas pessoas não salvas, cujos conceitos e valores são tão
pervertidos que elas chegam a pensar que a santidade bíblica é
pecaminosa, podem cometer tal pecado.2 O divórcio pode ser
perdoado, tem sido perdoado, é perdoado atualmente e continuará
a ser perdoado por Deus. Que a Igreja não se atreva a fazer menos!
Sua atitude deve ser bíblica, não importa qual clima de opiniões
alheias prevaleça a seu redor.3 Se a sua atitude for

2
Para obter mais informação sobre o pecado imperdoável, veja meu livro, The
Christian Counselor’s Manual, pp. 426-428. [A Editora Fiel publicou a
tradução dessa obra: Manual do Conselheiro Cristão.]
3
Ainda que você sofra perseguição e ostracismo. Há pessoas que se deixam
dominar tanto pelas emoções, quanto à questão do divórcio, que adotam um
conceito muito simplista sobre o assunto, e nem sequer tentam entender o

59
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

errônea, você deve mudá-la. Se à sua volta outras pessoas têm


atitudes impróprias, você deve tentar influenciá-las para que se
tornem mais bíblicas. Mas, enquanto você mesmo não mudar, não
poderá ajudar os outros; a melhor maneira de você ensinar outros
continua sendo pela demonstração (do ensino) em sua própria
vida.
Quando alguém vir perguntar a você: “Você sabe que Davi e
Mabel estão se divorciando?”, como você reage? Você fica
resfolegante e chocado, não querendo acreditar? Ou,
profundamente interessado, você expressa uma atitude
verdadeiramente bíblica? Talvez você possa dizer algo assim:
“Lamento muito. Você acha que podemos fazer algo para ajudá-
los a resolver os seus problemas de algum outro modo?” Muitos
são os que acham que não há muita esperança quando as pessoas
chegaram a esse ponto. Mas há esperança. Receba esta declaração
de alguém que tem visto dezenas de casamentos, que tinham
chegado a esse ponto, darem a volta por cima. Ao discutir essa
questão, você pode até observar que, “se conhecêssemos os fatos,
porém, embora o divórcio seja sempre indesejável, poderia ser a
única opção aberta para um deles”. Respostas como as aqui
sugeridas podem ajudar outros a considerarem a situação de
maneira realista, levada a sério e bíblica, provendo uma reação
que focaliza os dados, e não emoções e sentimentos. O certo é que
até o divórcio pode ser discutido dessa maneira.

ponto de vista bíblico aqui exposto.

60
5
O Conceito de Divórcio

Como o divórcio começou? Ninguém sabe. Suas origens


jazem no nebuloso passado da história humana. Diversamente do
casamento, o divórcio é uma instituição humana. As evidências
disponíveis, (bíblicas) mostram que, embora o divórcio seja
reconhecido, permitido e regulamentado na Bíblia, como temos
visto, diferentemente do casamento não foi instituído por Deus.
As Escrituras não registram nenhum ato de Deus, quer
diretamente quer por meio dos Seus profetas e apóstolos, pelo
qual Ele tenha estabelecido ou institucionalizado o divórcio. Deus
não deu origem a esse conceito como parte de Sua ordem para a
sociedade. Logo, o divórcio é uma inovação humana.
Os comentários de Jesus sobre o divórcio confirmam essa
conclusão. Em vez de falar do divórcio como parte da ordem de
Deus, Ele o reconheceu e o declarou especificamente como algo
que constituiu uma mudança: “...desde o princípio não foi assim”
(Mat. 19:8). No mesmo versículo Ele declarou que foi por causa
da dureza de coração dos judeus que Moisés “permitiu” o
divórcio.1 Conceder ou permitir uma prática não é o mesmo que
originá-la, estabelecê-la ou instituí-la. O que alguém “permite” já
existe como conceito ou como uma prática. O fato de que Deus
não estabeleceu o divórcio, mas o permite em certas condições, é
uma razão pela qual a igreja

1
A palavra epitrepo significa precisamente conceder ou permitir.

61
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

tem tido problema em sua consideração dessa prática.


Primeiro o divórcio começou a aparecer como um conceito
bíblico em passagens que o reconhecem como um fait accompli
(um fato consumado)2 sobre o qual Deus, por meio de Moisés,
exercia uma função reguladora (cf. Deut. 22:19, 29; 24:1-4).
Porque Moisés regulamentou, em vez de proibir taxativamente o
divórcio, Jesus pôde dizer (com precisão) que Moisés o
“permitiu”. Segue-se, pois, que o divórcio já era uma prática
comum quando Moisés escreveu o Pentateuco e entregou suas leis
ao povo.
Se Moisés “permitiu” o divórcio e o regulamentou, em vez de
proibi-lo, jamais devemos alimentar a ideia de que Deus
meramente tolera o divórcio. Ele nem o ignora, na esperança de
que desapareça, nem o denuncia totalmente (na prática) mas,
antes, toma conhecimento dele e faz algo a respeito, nos seguintes
aspectos: (1) Providenciar para que o divórcio seja permitido
somente em certas circunstâncias, e não em outras (cf. Deut.
22:19, 29); (2) Cuidar para que, quando se faz o divórcio, seja
feito de maneira ordenada; e (3) Determinar que aqueles que
obtêm o divórcio estejam plenamente cientes das suas possíveis
consequências (cf. Deut. 24:1-4). Certamente é correto dizer que,
nas Escrituras, Deus reconhece a existência do divórcio e o
regulamenta cuidadosamente.
Daí, a nossa posição deve ser a mesma. Não devemos nem
simplesmente fechar os olhos ao divórcio, nem simplesmente
denunciá-lo (ambos esses extremos não são bíblicos). O que nos
cabe fazer como líderes e oficiais da Igreja de Cristo é procurar
regulamentá-lo para o povo de Deus, de acordo com os princípios
expostos na Bíblia.

2
Na verdade, o divórcio apareceu pela primeira vez no registro bíblico como uma
prática consumada e completa, indicando que nessa época já era bem conhecido
e estabelecido. Há um vocabulário técnico e fórmulas legais afixados nele (lei
do divórcio) e, passo a passo, transcorria o processo pelo qual o divorcio era
obtido. No Velho Testamento o divórcio é mencionado dessa maneira em Lev.
21:7, 14; 22:13; Núm. 30:9; Deut. 22:19, 29; 24:1-4; Is. 50:1; Jer. 3:1, 8; Ez.
44:22; Mal. 2:14,16.

62
O Conceito de Divórcio

O Processo de Divórcio

Como se realizava o divórcio nos tempos bíblicos? É


interessante que as Escrituras dão mais detalhes sobre o processo
de divórcio do que sobre as cerimônias de noivado e de
casamento. Conduzido apropriadamente, o divórcio era um ato
formal, legal, pelo qual o companheirismo por concerto era
repudiado e dissolvido. Em Deuteronômio 24:1-4 vemos que
havia um procedimento realizado em três passos. O divórcio não
se realizava de fato enquanto não fossem dados todos esses três
passos:
Quando um homem se casar com uma mulher e se desagradar
dela, tendo achado algo impróprio nela, redigirá uma carta de
divórcio e, colocando o documento nas mãos dela a mandará
embora de casa. Saindo, ela se casa com outro homem, e o
segundo marido também lhe dá carta de divórcio e a manda
embora. Ou, se o segundo marido morrer, o homem que primeiro
se divorciou dela não a pode receber de volta como esposa, pois
foi contaminada: tal prática o Senhor detesta, e você não deve
trazer tal culpa sobre a terra que o Senhor seu Deus lhe dá por
herança (Berkeley).

Essa passagem não foi dada primariamente para expor este


processo de três etapas (embora faça isso: mais adiante vamos
examinar Deut. 24:1-4 com muito maior profundidade com vistas
à sua intenção primordial). O divórcio só era considerado
finalizado quando:
1. Havia uma carta de divórcio devidamente redigida (Deut.
24:lss.; Jer. 3:8, etc.). Essa carta de divórcio (literalmente de
“corte”) tinha que ser:
a. escrita
b. em forma que o dissesse claramente.
A produção da carta tornava o divórcio uma questão legal.
Provavelmente a carta era assinada por testemunhas, como
veremos. A carta protegia a pessoa que a recebida de falsas

63
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

acusações, mal-entendidos, etc., e expunha claramente o seu


estado de não casada. A produção de uma carta de divórcio
requeria tempo: ninguém podia divorciar-se de outra pessoa
verbalmente, com raiva;3 a carta tornava o ato uma decisão
deliberada e premeditada, como também o tornava um
documento legal.
2. A carta de divórcio tinha que ser entregue (Deut. 24:1).
Quem se divorciava do cônjuge tinha que
a. pessoalmente
b. colocar a carta na mão do cônjuge.
Isso também tomava tempo. Outros poderiam intervir, etc. Mas,
contrariamente à prática talmúdica, presumivelmente nenhuma
terceira parte poderia entregar a carta.
3. A pessoa divorciada (repudiada) tinha que ser mandada
embora de casa (Deut. 24:1). A ruptura fatual com o lar tinha que
ocorrer formalmente. As condições reais nas quais não era mais
possível oferecer companheirismo tinham que vir à tona. Tinha
que haver a quebra da relação na qual a parte repudiada fazia suas
malas e as levava embora. A pessoa repudiada tinha que se mudar
da casa.
A Bíblia não dá nenhum exemplo de uma carta de divórcio.
Alguns acham que as palavras de Oséias 2:2: “Ela não é minha
mulher, e eu não sou seu marido”, foram extraídas desse tipo de
carta, mas foram descobertas cartas de divórcio de períodos
posteriores.4 Eis uma delas:
No ______ dia da semana ________ do mês _______ no ano
_____ do princípio do mundo, de acordo com a computação
comum na província de _______eu ________ filho de ______
qualquer que seja a o nome pelo qual sou conhecido, da cidade
de _______ com inteiro consentimento da mente, e sem sofrer

3
Essa exigência era muito mais rigorosos do que o divórcio verbal permitido
noutras culturas, onde bastava que a pessoa dissesse três vezes ao cônjuge: “Eu
me divorcio de você”, para que o divórcio fosse efetivado.
4
Cf. reprodução fotográfica na Encyclopedia Judaica (Nova Iorque:
Macmillan, 1971), vol. 6, p. 123.

64
O Conceito de Divórcio

nenhum constrangimento, me divorcio de ti, te despeço e te


mando embora _______ filha de ______ seja qual for o nome
pelo qual és conhecida, da cidade de _________ de modo que
estás livre e em condições de casar-se com quem queira agradar,
sem que ninguém a possa impedi-la, desta data em diante, para
sempre. Portanto estás livre para quem [quiser casar-se contigo].
Receba de mim esta carta de divórcio, um termo de separação e
de expulsão, de acordo com a lei de Moisés e de Israel.
_____ , filho de _______ , testemunha
_____ , filho de _______ , testemunha5

Se isso realmente se aproxima da carta de divórcio bíblica, pode-


se notar os seguintes pontos:

1. A carta de divórcio era um documento formal, público, assinado


por testemunhas, e destinado a permanecer como um registro
legal para qualquer uso futuro necessário.
2. A intenção expressa da carta de divórcio não era somente efetuar
a separação permanente das partes em processo de divórcio, e
com isso liberá-las das obrigações do Companheirismo por
Concerto, mas também dar expressamente ao divorciado liber-
dade para se casar novamente.
3 A carta propriamente dita - não meros escritos sobre divórcio -
faz claro uso de uma variedade de termos visando expressar o
conceito de divórcio (divorciar; despedir, expulsar ou mandar embora,
separar), como ocorre com os divórcios gregos no Novo
Testamento e nos próprios escritos bíblicos.

Falando do divórcio no Novo Testamento, há também


diversas cartas de divórcio oriundas do período do Novo
Testamento que devem ter sido características desses documentos
utilizados no mundo Mediterrâneo, no qual

5
W. W. Davies, International Standard Bible Encyclopadia (Grand Rapids:
Eerdmans, 1949), vol. 2, p. 865. Cf. Guy Duty, Divorce and Remarriage
(Mineápolis: Bethany Fellowship, 1967), pp. 34,35, para ver um exemplo
parecido. A expressão ho thelei em 1 Coríntios 7:39 provavelmente teve sua
origem nas formulas das cartas de divórcio; cf; A. Deissmann, Light from the
Ancient East (Grand Rapids: Baker, 1978), p. 324.

65
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

os membros de muitas das igrejas primitivas viviam. No Volume


I ,SelectPapyri (The Loeb Classical Library), constam cinco
contratos de casamento e três cartas de divórcio. Suas formas,
como suas contrapartes hebraicas, mostram alguma variação, mas
nos pontos principais todas são parecidas. Nelas os três mesmos
fatos que vimos na forma hebraica também são vigentes. Nessas
cartas de divórcio gregas é feita específica menção da liberdade
das partes envolvidas no divórcio de se casarem (“...e depois disso
será lícito que Zois se case com outro homem e que Antípater se
case com outra mulher... a mulher está livre para partir e casar-se
com quem ela escolher”6). Também é verdade que está presente
uma variedade de termos gregos quanto ao divórcio. A
significação deste ponto aumentará quando começarmos a estudar
as principais passagens do Novo Testamento mais adiante.7
Deus odeia o divórcio.8 Ele não o instituiu; Ele somente o
reconheceu e o regulamentou para certas circunstâncias
biblicamente prescritas. Mas - e este é o importante conceito que
se deve obter da leitura deste capítulo - muito embora Deus odeie
o divórcio, porque há pecado por trás de todo divórcio como sua
causa, nem todo divórcio é pecaminoso. Alguns são válidos (ver
Jer. 3:8; Mat. 1:19). Deus permitiu o divórcio dentro de limites
rigorosamente definidos. Existem causas legítimas para o
divórcio, mesmo quando (talvez fosse melhor dizer porque) essas
causas envolviam pecado. Considerando que todos os divórcios
são consequências de pecado, nem todos os divórcios são
pecaminosos.

6
Hunt e Edgar, Select Papyri (Cambridge, Mass.: Harvard, 1970), vol. 1, pp.
23,24, 27.
7
Permitam-me dizer apenas isto aqui: a palavra chorizo é empregada
frequentemente nessas cartas no sentido de separação por divórcio. Este ponto
será de grande importância para o nosso estudo.
8
Lembre-se, não odeia a carta, ou o processo; odeia o pecado que está envolvido
no divórcio.

66
O Conceito de Divórcio

A posição cristã é, então, que o divórcio nunca é desejável, e


entre os cristãos nunca é inevitável. A reconciliação, como
veremos infra (abaixo), é sempre possível, pois os crentes estão
sob os cuidados e a disciplina da igreja. Porquanto permitido para
os cristãos em casos de pecado sexual, nunca se requer o divórcio.
Estes fatos devem guiar-nos a uma posição básica com relação ao
divórcio, edificando um conceito bíblico em nossa forma de
pensar, um conceito que certamente afetaria as nossas atitudes. O
divórcio, embora sendo uma triste realidade que não vai
desaparecer, é um lamentável comentário sobre a dureza do
coração dos homens, como Cristo nos disse.
Comentário final: Deus permitiu e regulamentou o divórcio.
Mas não se limitou meramente a regulamentá- -lo. O fato de o
regulamentar indica Sua permissão: não regulamentaria o que Ele
proíbe. E o conteúdo da regulamentação indica (1) que Ele queria
impedir que as pessoas causassem mais dano a outras do que de
outro modo causariam; e (2) que Ele tencionava desestimular
ações imprudentes e precipitadas de divórcio. Um estudo de
Deuteronômio 24:1-4, por exemplo, revela que o processo e o
regulamento esboçados ali tendiam a desencorajar o divórcio
tramitado sem adequada premeditação, e o divórcio procurado
como mera conveniência à mão.
Quando estudarmos essa passagem mais adiante, veremos que
sua intenção foi proibir o divórcio e depois o novo casamento da
mesma parte, se essa parte tivesse casado de novo e depois se
tivesse divorciado outra vez. Isso Deus proibiu porque essa
prática contaminaria grandemente a terra. Casamentos e
divórcios em série e feitos experimentalmente, com a
possibilidade de um dos envolvidos mudar de opinião e querer
voltar, não eram permitidos. A pessoa tinha que pensar duas
vezes antes de se entregar ao fim quase certo que o divórcio tinha
na cultura que adotasse esse regulamento.

67
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Portanto, todos os esforços legítimos devem ser feitos para


ajudar as pessoas a se reconciliarem entre si, sempre que possível,
antes de se casarem de novo com outra pessoa e então seja tarde
de mais para corrigir um possível erro.9

9
Veremos que essa foi a ênfase de Paulo em 1 Corindos 7:11, onde, sem
dúvida, ele tinha em mente o regulamento de Deuteronômio 24:1-4.

68
6
Que é Divórcio?

Vemos que o casamento é um Companheirismo por Concerto.


O divórcio, então, é o repúdio e rompimento desse concerto (ou
do acordo) segundo o qual ambas as partes prometeram propiciar
companheirismo (em todas as suas ramificações) uma à outra. O
divórcio é, efetivamente, uma declaração de que essas promessas
não são mais esperadas nem exigidas nem permitidas.
Por obliterar essas obrigações, o divórcio pretende dar
liberdade às partes para que cada uma possa assumir o mesmo
compromisso com outra pessoa. E certo que ainda não
estabelecemos isso biblicamente, embora já tenhamos visto que
essa foi a intenção dos documentos de divórcio citados. Quando
o divórcio foi válido (tanto em sua causa quanto em seus trâmites)
biblicamente falando, também foi isso que ele fez.
No Velho Testamento, a palavra divórcio, que ocorre na frase
“escrito” ou “libelo de divórcio” (Deuteronômio, capítulo 24; Is.
50:1; Jer. 3:8) significa “cortar”.1 A palavra

1
[1 no original] Carta de divórcio = sepher kerithuth (caria ou certificado de
“corte”). Uma parte era de fato cortada pela outra parte, homem ou mulher, que
lhe impunha o divórcio. As responsabilidades de cumprimento das promessas
do compromisso de casamento também eram cortadas (ou terminadas). Outras
palavras do Velho Testamento são empregadas, (principalmente garash =
“expelir, pôr fora”; cf. Lev. 21:7, 14; 22:13; Núm. 30:10; Ez. 44:22, e shalach
= “despedir, mandar embora, deixar ir, pôr fora”; cf. Deut. 21:14; 22:19, 29;
24:1,3,4; Is. 50:1; Jer. 3:1; 3:8).

69
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

mais proeminente do Novo Testamento2 significa “soltar de,


repudiar, pôr fora, enviar, libertar (liberar) ou despedir”. Todas
essas ideias são inerentes à palavra em foco. Na obra de Moulton
e Milligan, The Vocabulary of the Greek New Testament, pp.
66,67, pode-se ver a importância da palavra noutros contextos.
Por exemplo, apoluo é empregado para referir-se a alguém que é
desligado da sua presente ocupação. Aqui, a ideia é que a
associação foi rompida. Noutra fonte, apoluo é empregado para
expressar a ideia de permissão para deixar um país, e ainda
noutra é empregado para referir-se a um veterano que é liberado
de um serviço de longo tempo.
Seja como for que você o entenda, o conceito de divórcio
contém a ideia de cortar [alguém] da relação pactuai que existia
anteriormente. O casamento começa formalmente, mediante
contrato; quando cortado, não pela morte mas pelo divórcio, isso
também é feito formalmente, mediante contrato. A noção de
rompimento (corte) e da resultante separação das partes é
proeminente, quer essa separação seja vista da perspectiva de
quem sai (aphiemi), quer da perspectiva de quem manda embora
a outra parte (apoluo), ou da perspectiva de outros, que veem a
separação, que é o resultado final do processo de divórcio
(chorizo).

Separação
Alguns comentários iniciais sobre a palavra chorizo,
“separar” (por divórcio) já foram feitos. Um ou dois fatos devem
ser trazidos à luz nesta altura, e mais adiante será preciso
acrescentar alguma coisa a respeito.
Segundo a Bíblia, a ideia moderna de separação como algo
menos do que o divórcio (legal ou não) era totalmente 1
1
Apoluo = divórcio por expulsão. O Novo Testamento emprega também a frase
“carta de divórcio” (da LXX, biblion apostasiou). Um termo muito importante
é chorizo = separar por divórcio. E preciso considerar essa palavra em detalhe
mais adiante. A última palavra importante é aphiemi, “deixar, mandar embora,
divorciar-se” = sair por divórcio.

70
Que é Divórcio?

desconhecida como uma alternativa viável em relação ao


divórcio. Portanto, onde quer que a palavra separação (chorizo)
pareça no Novo Testamento, em conexão com divórcio,3

3
Cf. Mat. 19:6; 1 Cor. 7:10,11, 15. A ideia moderna de separação é uma
substituição antibíblica da exigência bíblica de reconciliação ou (em alguns
caos) de divórcio. Somente essas duas opções são dadas por Deus. A separação
moderna não estabelece nada de positivo; limita-se a uma recusa a enfrentar as
questões e resolvê-las. Pode ser que o mundo não tenha recursos para resolver
tais problemas, e então opta por um intranquilo cessar fogo. Mas a Igreja tem
recursos, bastando que se aproprie dos meios bíblicos. De todas as coisas, a
separação (em sua forma moderna) é a que tende mais a dissolver a paz para a
qual Deus nos chamou (1 Cor. 7:15c). Esse tipo de separação mantém todas as
partes envolvidas no fim da linha, brincando com elas como um peixe na água
dançando sobre a sua cauda. Esse procedimento transgride a ordem de Deus em
1 Corindos 7:5, desconsidera a sua advertência e coloca tanto o marido como a
mulher numa situação de desnecessária tentação. O problema é que há cristãos
que se destacam em sua tendência para recorrer à separação, não somente como
outros que desobedecem à ordem de Deus para que se faça reconciliação, mas
principalmente quando é requerido o divórcio (1 Cor. 7:15). Eles pensam:
“Bem, ao menos não estamos divorciados!” Isso porque o divórcio - em todos
os casos, mesmo quando justificado biblicamente - foi levado a ser tido como o
maior de todos os pecados. E tempo de dizer que, em certas situações, a
separação pode ser pior - principalmente quando funciona como substituto dos
trâmites estabelecidos por Deus na Bíblia.
A separação pode propiciar um “período de esfriamento”, como alguns
alegam? Dificilmente, visto que constitui desobediência a mandamentos de
Deus (1 Cor. 7:5 vê isso como um aquecimento da fumaça, quando esta deveria
estar fria: somente o casamento a esfria - cf. 7:9). Além disso, todo conselheiro
sabe que a maneira de juntar ou manter juntas as pessoas não é dizer-lhes que
se apartem. A separação esquenta o que não deveria esquentar, e esfria o que
não deveria esfriar. O esfriamento que ocorre muitas vezes é devido a um
sentimento de alívio dos problemas anteriores, um falso sentimento de paz que
é erroneamente interpretado como uma solução do problema. A verdade é que
nada foi solucionado de fato. Mas, por causa desse alívio temporário, fica muito
difícil efetuar a reconciliação. Frequentemente uma das partes (ou ambas) diz:
“Nunca estive tão bem!” - e não percebe que faz oscilar o barco. Com o tempo
essa paz o deixará, mas, por algum tempo pode ser um dissuasor tão forte da
reconciliação que pode destruir totalmente as prospectivas. A separação é outro
meio de fugir dos problemas, em vez de resolvê-los segundo os meios dados por
Deus.
A primeira coisa que o conselheiro deve fazer, quando lida com pessoas
separadas, é fazê-las juntar-se outra vez (ponto no qual se vê sua grande
relutância em retornar), para que possa ajudá-los a trabalhar os seus problemas
num contexto (de casamento) no qual se possa chegar a uma solução. Duas

71
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

sempre se refere à separação por divórcio.


A palavra em foco vê o divórcio do ponto de vista da
completação do processo de três passos delineado em
Deuteronômio 24:1-4 - a carta escrita e entregue, a esposa
mandada embora, e agora os dois separados pelo processo. Esse
é o mesmo ponto de vista que se vê em Mateus 19:6, onde Jesus
diz: “...o que Deus ajuntou não o separe (chorizo) o homem”.
Moulton e Milligan escrevem: “A palavra quase veio a ser um
termo técnico, no que diz respeito ao divórcio”.* 4 Como observei
numa nota de rodapé num capítulo anterior, chorizo aparece
normalmente nas cartas de divórcio5 e até em contratos
matrimoniais pagãos, onde a possibilidade de divórcio muitas
vezes era levada em consideração.6
A palavra separação (chorizo) é empregada em 1 Coríntios
7:10,11, onde a mulher é concitada a não se separar do seu
marido, e o marido é incentivado a não deixar (aphiemi = deixar,
divorciar-se ou mandar embora) sua esposa (7:11b). Mas, note
bem, Paulo esclarece que, se a esposa de fato desobedecer a essa
ordem e se separar (chorizo), terá que permanecer não casada
(agamos, 7:11a). Segue-se, pois, que a separação que o apóstolo
tem em vista nesta passagem é

pessoas vivendo sob tetos separados acharão quase impossível resolver


problemas que ocorreram quando estavam debaixo do mesmo teto. Portanto, a
separação só abre lacunas e aprofunda as dificuldades.
Claro está que uma separação por breve período (um par de horas, uma noite
passada na casa de amigos) - situações nas quais não se fazem as malas nem há
intenção de partir, pode ser desejável, às vezes, quando um dos cônjuges, ou
ambos, estão confusos e violentos. Mas, nesses casos, a separação visa evitar
situações que destruam a tentativa de solução do problema e tornem impossível
a comunicação. Em contraste com a separação prolongada, e não importa o que
outros digam ou pensem contra o que aqui digo, o propósito da separação é
tomar possível aos envolvidos enfrentar e resolver os problemas segundo o que
Deus requer - não evitá-los.
4
Op. cit., p. 196. Em minha opinião, o vocábulo “quase” poderia ser eliminado;
a palavra é de fato um termo técnico relativo ao divórcio.
5
Select Papyri, vol. 1, p. 123 - “Zois e Antípater concordam em que os dois se
separaram cortando a união que tinham formado com base num acordo
6 feito...”.
Id., pp. 15,17.

72
Que é Divórcio?

a separação por divórcio. Sabemos disso porque foi uma


separação que redundou num agamos, ou seja, num estado de não
casada. Paulo estava pensando no resultado finalizado do
processo de divórcio - separação - porque estava preocupado com
o que poderia ocorrer em seguida (e não deve): novo casamento
com outra pessoa, e não a reconciliação. Se ele tivesse em mente
uma forma de separação que fosse menos que por divórcio, não
poderia ter escrito: “que fique sem casar”, porque ela ainda não
estaria descasada. Este ponto será significativo mais diante.
Também é bom notar que aphiemi (divorciar-se, deixar),
como Paulo emprega esse termo (7:11b) com relação ao marido,
mostra o outro lado da ordem. Ele é colocado em contrate com
“separar” (chorizo) como o sinônimo paralelo ou equivalente
presente na ordem. A esposa recebe ordem de não se separar do
marido por divórcio, e o marido recebe ordem de não “se
divorciar, ou deixar (por divórcio) ou, possivelmente, mandar
embora” sua esposa (aphiemi). E evidente que diversas palavras
são empregadas, como de costume, ao se falar em divórcio.
Temos visto, até aqui, o que é divórcio e algo sobre como os
escritores da Bíblia (e pessoas da cultura contemporânea) o viam.
Antes de prosseguir, é importante ter em mente o que aprendemos
nestes seis primeiros capítulos. Por isso eu insisto com você, caso
tenha alguma dúvida ou intranquilidade básica acerca do que leu
até aqui - volte, leia de novo os capítulos, estude e torne a pensar
na parte que foi exposta antes de seguir adiante. Acredito que
dessa maneira você será mais beneficiado pelos estudos
exegéticos, pelas posições e pelas aplicações aos casos que se
seguem.

73
7
Os Dois Grupos
em 1 Coríntios, capítulo 7

Pode parecer estranho abrir nossa discussão das passagens


bíblicas sobre divórcio com um estudo de 1 Coríntios, capítulo 7.
Mas, visto que muitas das palavras chaves e dos conceitos básicos
estão ali, e porque nela há uma comparação e contraste entre as
duas situações de divórcio possíveis que o Novo Testamento
considera, e ainda porque Paulo interpreta as palavras de Jesus e
as coloca em seu contexto próprio, 1 Coríntios é um excelente
ponto de partida.
Neste capítulo, não limitarei meus comentários somente à 1
Coríntios, capítulo 7 (nem nos seguintes, nos quais me baseio em
1 Coríntios, capítulo 7) mas, antes farei uso da discussão de Paulo
como a base da qual examinarei outras passagens também.
Além disso, uma vez que já considerei 1 Coríntios, capítulo 7,
do ponto de vista do casamento e dos solteiros, não reescreverei
essas linhas. Daí, as minhas observações focalizarão o que Paulo
diz em 1 Coríntios, capítulo 7, acerca do divórcio e de qualquer
outro ponto que possa iluminar as suas palavras. Paulo teve o
bom senso de destacar vários itens para consideração separada no
livro de 1 Coríntios, mas também cuidou de agrupar questões
pertinentes à mesma área básica. Ali, o casamento e o divórcio
são considerados lado a lado.
Agora, passemos ao estudo de importantes assuntos. No
versículo 10 Paulo introduz os seus comentários sobre divórcio
com estas palavras:

74
Os Dois Grupos em 1 Coríntios, capítulo 7

“Mando, não eu, mas o Senhor”.

Mas no versículo 12 ele escreve:


“Mas aos outros digo eu, não o Senhor”.

Essas duas frases introdutórias nos apresentam imediatamente os


dois grupos de pessoas: (1) um primeiro grupo; (2) um segundo
grupo chamado “os outros”. Vou considerar as palavras dirigidas
ao segundo grupo mais completamente no próximo capítulo.
Essas duas frases introdutórias têm perturbado
(desnecessariamente) muitos cristãos. Alguns acham que o
primeiro grupo é comandado por Deus, ao passo que o segundo
só recebe o piedoso conselho de Paulo. Admirados, querem saber
como explicar os dois níveis de autoridade que essa noção
introduz nas Escrituras. O primeiro comentário é inspirado e o
segundo não? Os dois são inspirados e inerrantes, mas têm
diferente peso?
Respondemos a essas pergunta logo no início obsevando que
elas provêm de um entendimento errôneo comum das palavras de
Paulo. Não há ali nenhuma mensagem não inspirada, nenhuma
Escritura desautorizada. Esse tipo de distinção estava muitíssimo
distante da mente do apóstolo Paulo.
Bem, então, que foi que ele quis dizer com as suas duas frases
introdutórias? Eis o que ele tinha em mente: 1

1. Nos versículos 10 e 11 Paulo praticamente diz: “Estou repetindo


- concretamente, os princípios sobre o divórcio que o Senhor
[Jesus Cristo] expôs em Seu ensino quando estava com os
discípulos e falou sobre o divórcio entre o povo de Deus”.
2. Mas nos versículos 12 a 16 ele praticamente diz: “Agora vou
tratar de uma questão que não foi levantada e que, por isso, Jesus
não mencionou quando viveu entre nós. Esse ponto foi levantado
agora que o evangelho foi levado aos pagãos, e eu vou tratar
pessoalmente disso (por inspiração divina, claro, como tenho
falado sobre muitas outras questões deste gênero nesta mesma
carta)”.
75
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Segue-se, pois, que Paulo, escrevendo como apóstolo inerrante,


está acrescentando algo ao ensino sobre divórcio, que Jesus nos
tinha ministrado, tratando de uma questão adicional. Este é o
ponto de disjunção havida entre os dos grupos de destinatários.
Mas - note bem - às vezes, quando adicionamos também
subtraímos. O que quero dizer é que, ao distinguir entre dois
grupos, Paulo limita a aplicação do ensino de Cristo nos
Evangelhos ao grupo a quem ele fala em 1 Coríntios 7:10,11. Ele
deixa claro que o que Jesus dissera continha, não somente alguns
princípios gerais, dominantes, amplamente aplicáveis (como: “ao
princípio não foi assim”, e: “serão dois numa só carne”), mas
também alguns que se referem somente a pessoas que se
enquadram no grupo mencionado em 1 Coríntios 7:10,11).
Em vista dessa distinção entre dois grupos, 1 Coríntios,
capítulo 7, vem a ser uma passagem axial sobre divórcio e o local
de onde podemos começar um estudo sobre divórcio. Paulo não
somente coloca o ensino do Senhor em seu próprio cenário (um
contexto plenamente pactuai no qual ambos os parceiros no
casamento são cristãos), mas também, ao fazê- -lo, ele estrutura
e interpreta o ensino do Senhor para que não andemos mal
aplicando-o mal ou de forma exageradamente ampla. Muitos há
que, em sua discussão do divórcio, têm negligenciado quase
inteiramente as importantes aplicações dessa verdade. Em
consequência, as suas conclusões têm sido antibíblicas e os
resultados nas vidas daqueles que são instruídos por eles têm sido
desastrosos.
Vou considerar, então, como estabelecido, que nem tudo o que
Jesus disse sobre divórcio se aplica a todos - ou que, no mínimo,
as Suas palavras não se aplicam a todos da mesma maneira. O
que digo não tira nada das palavras de Cristo; na verdade, dá-lhes
a sua real e total importância. Mas não devemos fazer mau uso
das Suas palavras aplicando-as a aspectos sobre os quais Ele
nunca teve intenção de falar.

76
Os Dois Grupos em 1 Coríntios, capítulo 7

0 que Paulo está dizendo - e precisamos entender isto com muita


clareza - é que Jesus nunca teve a intenção de proferir a ultima
palavra sobre divórcio. Jesus estava falando dentro de um
contexto que precisa ser reconhecido pelo que esse contexto era.
Quais são os componentes desses grupos? Como uma rápida
olhada em 1 Coríntios 7:10,11 e 12-16 mostra, Jesus estava
falando sobre divórcio entre crentes. Nos versículos 10 e 11 Paulo
se dirige ao mesmo grupo: dois crentes pensando em divórcio.
Mas nos versículos 12 a 16 Paulo passa a dirigir-se a cristãos que
estão pensando em divórcio e que estão casados com incrédulos.
Jesus, diz o apóstolo, não se havia referido a esse grupo, de modo
nenhum. A questão estava sendo tratada agora, na Epístola, pela
primeira vez no Novo Testamento.
Não somente pelas orientações que o apóstolo dá a cada
grupo, mas também pela própria estrutura do texto, na qual ele
separou dois grupos, o apóstolo indica que a abordagem que Deus
faz dos dois grupos não é a mesma. Na verdade, isso não é
incomum. Nas páginas das Escrituras, situações que envolvem
estes mesmos grupos mostram que eles devem ser tratados
diferentemente. Esdras, capítulo 10, é prova suficientemente
clara disto.1 Noutras áreas da vida, a relação de crentes com
descrentes também é tratada de diferente maneira, e não como é
tratada a relação ente dois crentes. Neste mesmo livro de 1
Coríntios Paulo fez, de modo coerente, precisamente isso.
Quando fala do uso do recurso da lei, Paulo deixa claro que os
crentes não devem levar outros crentes às barras dos tribunais. As
questões podem (devem) ser resolvidas dentro da igreja. Ma os
crentes não são proibidos de levar não crentes ao tribunal. Em 1
Coríntios, capítulo 5, a relação de cristãos

1
Nesse exemplo, a voluntária desobediência do povo de Deus à Sua Palavra está
por trás do problema; aqui o jugo desigual foi ocasionado pela evangelização
que teve bom êxito somente com um cônjuge de um casamento que fora
contratado por dois incrédulos.

77
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

com crentes em pecado e com não crentes em pecado também


difere largamente. Romanos 12:18 resume o princípio geral sobre
como tratar os não crentes.

Se possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os


homens.
Nem sempre é possível ter ou manter relações pacíficas com os
incrédulos; daí, o que se requer do crente é que faça tudo o que
puder para manter a paz; e não mais que isso. O princípio vigente
entre os crentes vê-se em Mateus 18:15ss., onde se presume que
os crentes recebem de Deus e de Sua igreja recursos adequados
pra a solução de todas as dificuldades interpessoais.2 Quando o
não crente não corresponde aos esforços do crente para
estabelecer a paz, o crente não pode fazer mais nada (exceto orar,
claro); não se exige dele que faça mais alguma coisa. Isso é certo
na lei, nas relações interpessoais diárias e (como veremos em 1
Corindos 7:12-16), também é certo no casamento. Então, quando
o crente lida com não crentes, existe uma genuína possibilidade
de um resultado que pode permitir ou exigir uma reação diferente
por parte do crente. É por isso que Paulo distingue entre os dois
grupos que estão pensando em divórcio em 1 Coríntios, capítulo
7. Os resultados do empenho em fazer a paz, levando a uma
reconciliação, podem diferir, reclamando diferentes resoluções
finais dos problemas.3
Pois bem, no próximo capítulo vamos dirigir a nossa atenção
a uns primeiros comentários sobre divórcio entre crentes.

2
Tal desiderato é sempre possível porque aqueles cristãos professos que se
recusem a atender à disciplina da igreja (local) e persistam nessa recusa, afinal
acabarão sendo julgados incrédulos (num julgamento funcional que os exclui
da igreja) por causa da sua inépcia em não chegar a uma solução pacífica das
diferenças.
3
Mas, note bem, aqui, em Romanos 12:18, estão em vista duas possíveis reações
dos não crentes às aberturas pacíficas feitas pelo crente. O cristão sempre deve
buscar a paz e a harmonia. Quando não se consegue obter paz, é preciso que
aconteça que a causa desse fiasco esteja no incrédulo; o fracasso nunca deve
ser culpa do crente.

78
8
O Divórcio Entre Crentes
(Considerações Preliminares)

Consideremos o que Paulo diz ao primeiro grupo a quem ele


se dirige sobre o tema do divórcio: crentes casados com crentes.
Suas palavras acham-se em 1 Coríntios 7:10,11:
Todavia, aos casados mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher
se não aparte do marido. Se, porém, se apartar, que fique sem
casar, ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não
deixe a mulher.
A ordem básica, dupla (e note o que é; não é meramente um
bom conselho, é ordem) nesses versículos é que nem a mulher
cristã nem o marido cristão devem divorciar-se. Assim é que
Paulo ensina a mesma verdade fundamental concernentes a
cristãos no casamento que Cristo ensina (como Marcos e Lucas e
diversamente de Mateus, seu ensino busca o seu propósito de não
mencionar a cláusula de exceção, “não sendo por causa de
prostituição [pomeia]”).' Por isso podemos deixar de lado,
temporariamente, a discussão sobe a exceção e voltar a ela mais
adiante. Por ora, mantendo a exceção em banho-maria, podemos
dizer com Paulo, (Marcos e Lucas), que Jesus proibiu os crentes
de se divorciarem. Esse 1

1
[no original 1] Neste exemplo, Paulo pode ter omitido a exceção a fim de
estabelecer mais acentuadamente o contrate entre os versículos 10,11 e os
versículos 12-16. Certamente ele entendia a exceção, mas, aqui, citá-la não
atenderia a seu propósito geral. Citá-la seria complicar desnecessariamente o
que ele queria dizer.

79
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

é o ensino do versículo 10. Vejamos agora exatamente como


Paulo o expressa:
Para começar, note-se que há uma ordem no versículo 10:
“que a mulher se não aparte do marido”, seguida pela ordem ao
marido, estabelecendo equilíbrio (7:11): “e que o marido não
deixe a mulher”. Como já dissemos, essa dupla ordem é sem
exceção, porque a exceção não está em vista aqui.
Mas então Paulo continua: “Se, porém, [ela] se apartar...”
(7:11).2 Por que ele diz isso, e o que ele teria em mente?
Certamente, como alguns erradamente supõem, ele não contradiz
diretamente sua ordem registrada no versículo 10, permitindo
precisamente o que ele tinha acabado de dizer explicitamente que
Jesus proíbe! É evidente, pois, que ele tem em vista mais um
perigo e está interessado em advertir contra o mesmo. A ordem
para não se separarem por divórcio (ichorizo) permanece de pé;
mas, diz o apóstolo, se a mulher desobedecer a essa ordem, (e,
presumivelmente, essa ordem vale igualmente para o marido), e
dissolver o casamento por divórcio, ela deverá ficar sem casar-se
novamente (i.e., não deverá casar-se com nenhum outro homem),
para que esteja sempre em condições de arrepender-se e de
reconciliar-se com seu marido. Se ela se casar com outro,
empurrará a sua desobediência um passo além e se meterá numa
situação irremediável (cf. Deut. 24:l-4).3
A primeira coisa, então, que devemos fazer, é ter olhos para
ver que Paulo não dá permissão para que os crentes se separem,
mas também que, reconhecendo o fato de que

2
Chorizo = separar-se por divórcio. Talvez Paulo tenha empregado essa palavra
fazendo eco ao uso que Jesus fez dela em Mateus 19.6; Marcos 10.9. Nessas
passagens também está claro que chorizo se refere a divórcio.
3
Há um bom motivo para pensar que Paulo tinha Deuteronômio 24:1-4 em mente
quando escreveu o versículo 11. Afinal, é a uma discussão de Deuteronômio,
capítulo 24, feita por Jesus e os fariseus, que Paulo se refere nos versículos 10
e 11. Além disso, o adultério ocorre quando alguém que se divorciou, com a
obrigação de se reconciliar e de se casar novamente com sua primeira esposa,
em vez disso casa-se com outra pessoa.

80
O Divórcio Entre Crentes (Considerações Preliminares)

esse divórcio pode ocorrer por desobediência pecaminosa, ele


simplesmente quer advertir os seus destinatários contra
posteriores complicações que resultariam do pecado adicional.4
Pois bem, note-se que a palavra separar-se (apartar-se)
significa “separar-se por divórcio”.5 É evidente que esta

4
Também estaria em pecado quem se casasse com outra pessoa, depois de ter
obtido divórcio de uma pessoa crente fundado em bases antibíblicas. O crente
está obrigado a arrepender-se e a restabelecer os primeiros laços matrimonias
apropriadamente.
E muito importante reconhecer o problema das obrigações. Os conselheiros
sempre devem ser muito cautelosos ao checarem as obrigações que
permaneçam. Se a obrigação de um crente é permanecer sem casar/reconciliar-
se, o conselheiro pode ter que dizer: “Não, você não pode casar-se com outra.
Você nunca se preocupou em cumprir suas obrigações diante de Deus e de sua
primeira esposa”. Muitas vezes as igrejas não gerenciam apropriadamente tais
questões, e então as situações se agravam. Mas, independentemente do que uma
igreja tenha feito ou não, agora que apareceu um erro em não assumir alguma
obrigação, o crente deve arrepender-se - ainda que se tenham passado dois ou
três anos - e fazer o que deveria ter sido feito na ocasião cm que se pensava em
divórcio; é preciso encarar as obrigações, mais cedo ou mais tarde. E preciso
corrigir todos os erros, quanto possível. E certo que isso é mexer com vespas,
concordo. Mas, se você, como conselheiro, cuidar de vespa por vespa,
finalmente terá eliminado o enxame.
Durante esse processo, é necessário que o crente se sujeite à disciplina da
igreja, conforme Mateus 18:15ss, e, se a igreja a que seu cônjuge pertence se
recusar a exercer a disciplina, quando requerida de maneira apropriada, o crente
(e, se necessário, o conselheiro, dando um tempo para isso), deve fazer a igreja
notar que a disciplina é um direito e um privilégio dos membros da igreja de
Cristo - sendo que, entre outras coisas, o objetivo da disciplina é levar a uma
reconciliação, e, como tal, não deve ser omitida. Se, depois de visitas entre os
pastores e, se necessário, de líderes da igreja, esta ou aquela igreja ainda se
recusar a aplicar a disciplina, eles devem ser tratados (em julgamento funcional
ou administrativo) como incrédulos (exatamente como uma igreja modernista
que se recusa a sujeitar-se à autoridade de Cristo é julgada não cristã), incluindo
o cônjuge que é membro da igreja em questão. Então o assunto todo se enquadra
em 1 Coríntios 7:15. O trato da questão deve seguir adiante até o ponto em que
se possa resolvê-la. Um resumo dos procedimentos, incluindo o registro do
resultado, deve ser registrado nas atas da igreja ou do órgão administrativo. Ver
a nota de rodapé sobre 2 Coríntios 2:6-11 na obra intitulada The Christian
Counselor’s New Testament.
5
Ver as duas notas de rodapé acima. Cf. também os comentários sobre os usos
bíblicos e extrabíblicos desta palavra num capítulo anterior deste livro
(capítulo 6).
81
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

palavra tem este sentido, tanto nos Evangelhos como na passagem


que estamos estudando. Em ambos, a “separação” leva a um
estado no qual se diz que a esposa está “descasada” (agamos):
“que fique sem casar”, e no qual o marido anula o jugo de um
homem e uma mulher que Deus tinha dado por ocasião do
casamento.
Não havia nada do moderno conceito de separação (legal ou
não) que se vê hoje em dia - cônjuges se separarem sem divórcio.
Esse tipo de separação é rigorosamente proibido em 1 Coríntios
7:5.
Por qual motivo, então, a mulher divorciada é advertida de que
fique ágamos (sem se casar?). Paulo não pretende que ela fique no
estado de não casada per se - i.e., sem se casar com ninguém, nem
com seu marido, do qual se divorciara. O que ele diz é que ela
permaneça descasada em relação a todos os outros homens. Ou,
(melhor ainda), diz ele à mulher: arrependa-se de vez e torne a se
casar com o homem de quem você cometeu o erro de se divorciar.
Verdadeiramente, se ficar durante certo espaço de tempo sem se
casar, que seja com a finalidade de deixar em aberto a
possibilidade de reconciliação. O casamento com outro homem
impediria a reconciliação.6 O que Paulo busca é a reconciliação;
ele quer que estes dois crentes coloquem juntos o seu casamento
numa nova forma, e mais bíblica. Visto que todos os crentes têm
a Palavra e o Espírito, eles têm tudo de que necessitam para, não
somente ocasionar a reconciliação, mas também para, no futuro,
terem um casamento que cante e encante!
Note agora o leitor outro fato importante: mesmo quando uma
separação por divórcio ocorra como resultado de desobediência,
esse divórcio - embora pecaminoso, embora

6
Nesse caso, não é a poliandria que está em vista, mas sim a ideia de que, uma
vez que o divórcio praticado o foi em desobediência à ordem de Deus (7:10),
esse divórcio cai na situação exposta em Deuteronômio 24:1-4, onde, mesmo
que um segundo marido se divorciasse dela, ela estaria proibida de se casar
com o seu primeiro marido.

82
O Divórcio Entre Crentes (Considerações Preliminares)

obtido sobre fundamentos ilegítimos - rompe o casamento. As


bases podem ser ilegítimas; o divórcio propriamente dito não o é.
Os crentes que se separam pecaminosamente por divórcio são
descritos como “não casados”. Vê-se este ponto em toda parte nas
Escrituras. Justamente como o casamento é feito mediante acordo
pactuai, contratual, assim também é dissolvido pelo rompimento
desse acordo no divórcio. Segue- -se, pois, que é um grande erro
falar de cônjuges separados (mesmo nesse caso) como “ainda
casados aos olhos de Deus”. Na passagem que estamos estudando
e noutra (Deut. 24:1-4), Deus os descreve como não casados. A
terminologia, “ainda casados aos olhos de Deus”, é extrabíblica,
antibíblica e danosa. Não encontra nem apoio nem contraparte em
lugar algum da Bíblia. Ao invés desse entendimento errôneo, a
verdade é que, aos olhos de Deus - se devemos acreditar no
vocabulário do Espírito Santo - as pessoas divorciadas são
consideradas agamos; e é assim que Deus as trata. Essa
terminologia foi selecionada, não somente para nos informar, mas
também para nos guiar em nossos procedimentos uns com os
outros. E algo muito grave tornar a Palavra de Deus sem nenhum
efeito acobertando-a com o nosso próprio ensino e com uma
fraseologia que a contradiz.
O conceito oposto - de que alguém ainda pode estar casado,
apesar de divorciado - leva a muitas ideias e a muitos atos errados
por parte dos divorciados e daqueles que os aconselham. Por
exemplo (restringindo-me a apenas um), se alguém pensa que
duas pessoas estão casadas aos olhos de Deus, apesar de
divorciadas, terá então que concluir que esses cônjuges ainda têm
obrigações matrimoniais, inclusive obrigações sexuais (1 Cor.
7:3-5). Se acreditar nessa ideia, o conselheiro cristão se verá na
posição de ter que insistir com quem ele aconselha em que o casal
continue ou volte a viver junto e a manter intercurso sexual
normalmente, depois do divórcio. Caso queira continuar em sua
posição errada, ele não somente estará defendendo a
desobediência à lei civil,

83
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

mas (pior), se, como acredito que acontece, ele está errado, ele
está defendendo a fornicação. As relações sexuais fora do
casamento as Escrituras proíbem. Para a Palavra de Deus, esse
tipo irregular de união não existe. É muito fácil atirar livremente
frases como “ainda casados aos olhos de Deus”, mas quem faz
isso verá que é coisa muito séria encarar as suas implicações.
O conceito é, verdadeiramente, repugnante. Deus denomina
agamos (não casados) o estado de dois crentes divorciados
pecaminosamente. Devido às nossas racionalizações, que não
sejamos culpados de juntar o que Deus separou! Os fatos são
claros - o divórcio rompe o casamento, e os direitos e privilégios
do casamento não pertencem às pessoas divorciadas. Todavia,
outras obrigações são impostas aos cônjuges divorciados
pecaminosamente, quais sejam:
1. Requer-se deles (outra vez mediante uma ordem - 1 Cor. 7:11)
que permaneçam não casados (i.e., que não se casem com outra
pessoa), a fim de
2. poderem reconciliar-se.

Enquanto não se casarem novamente, não lhes pertence nenhum


dos direitos e privilégios do casamento, e nenhuma das obrigações
próprias de pessoas casadas. Sua principal obrigação é a
reconciliação, e, portanto, tudo quanto conduza a essa
reconciliação. Este assunto deve ser entendido plena e
completamente, para que se possa lidar bem com muitos casos e
situações.
A tese aqui apresentada pode ser defendida, não somente com
base em 1 Corindos 7:10,11, mas também noutras passagens. Por
exemplo, quando Jesus disse: “O que Deus ajuntou não o separe
o homem” 7(Mat. 19:6; Mar. 10:9), Ele não estava advertindo
contra uma impossibilidade. O impacto de Sua ordem se perderia
inteiramente se - como

7
A palavra usada em ambos os Evangelhos é chorizo = separado por divórcio.

84
O Divórcio Entre Crentes (Considerações Preliminares)

alguns dizem - fosse impossível separar crentes separados


pecaminosamente, porque eles ainda estão casados aos olhos de
Deus.
Além disso, em Deuteronômio 24:1-4 (como veremos quando
estudarmos mais completamente essa passagem mais adiante), o
caso que temos em vista envolve uma carta de divórcio dada por
razões inadequadas e, portanto, pecaminosas. Contudo, quando a
esposa deixa o seu primeiro marido, “ela se torna a esposa de
outro homem”, este é chamado seu “marido” (24:2,3). Então o seu
primeiro marido não poderá tornar a tomá-la “para que seja sua
mulher” (24:4). Partindo do pressuposto de que, embora
divorciada, ela continua sendo esposa do seu primeiro marido
“aos olhos de Deus”, quando se casou com outro homem cometeu
não somente adultério,8 mas também bigamia aos olhos de Deus.
Contudo, as palavras “se casar com outro”, ou ser “esposa de
outro”, etc., dizem outra coisa. Se ela é esposa de outro, não é
mais esposa do primeiro homem. Ela não é acusada de bigamia
(ou de poliandria). Não; em vez disso, o que nos é dito claramente
é que o primeiro homem nunca mais vai poder tomá-la de novo
“para que seja sua mulher” (24:4). A linguagem se contrapõe à
ideia de que o tempo todo ela era sua esposa, de um modo ou de
outro. Ela é proibida de se tornar sua esposa novamente.
Obviamente, isto significa que ela não é sua esposa depois do
divórcio.9
Em tudo e por tudo, penso que você concordará, a noção

8
Devemos discutir mais adiante o sentido de adultério.
9
Certamente, se ela é proibida de se tornar esposa num novo casamento aos olhos
do homem, enquanto que o tempo todo continua sendo sua esposa aos olhos de
Deus, surge uma situação sumamente extraordinária: ela jamais poderá fazer
exteriormente o que é interiormente uma realidade. Qualquer noção desse tipo é
alheia ao ensino bíblico.
Além disso, se alguém sustenta que é o casamento com um segundo
marido (e não o divórcio do primeiro) que rompe o casamento, por que Jesus
declarou que é o divórcio (separação) que rompe o jugo imposto por Deus? Ele
deveria ter dito que o casamento com outro é que causa o rompimento. Com base
nesse falso conceito, o adultério = poliandria, não poligamia.

85
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

de que a pessoa pode continuar casada embora divorciada é uma


ideia que não recebe nem um fiapo de apoio bíblico.10 Ao
contrário, essa ideia foi destinada a dar suporte a posições
antibíblicas; não foi derivada da exegese de passagens bíblicas.
Agora é tempo de voltarmos à segunda possível situação de
divórcio considerada por Paulo em 1 Coríntios, capítulo 7-o
premeditado divórcio de um crente casado com pessoa incrédula.
Tratarei mais completamente deste assunto no próximo capítulo.

10
Afirmar, com alguns, que Romanos 7:1-3 ensina que nada, exceto a morte, pode
romper o casamento, (1) é repudiar as palavras de Cristo com as quais Ele
declara que o homem pode fazer em pedaços, pelo divórcio, o que Deus juntou
sob um só jugo, (2) é entender mal a intenção de Romanos, capítulo 7, onde o
casamento não está em discussão, mas é só utilizado como ilustração, (3) é
deixar de reconhecer que, para fins de ilustração, o princípio geral exposto sem
qualificar exceções como estas, complicaria e assim poria abaixo o propósito
da ilustração, obscurecendo a tese de Paulo, e (4) é declarar que todos os novos
casamentos após divórcio são formas de poligamia ou de poliandria “aos olhos
de Deus”.

86
9
O Divórcio entre os que estão sob
Jugo Desigual

Que há uma situação da qual Jesus não tratou quando falou


sobre o divórcio é evidenciado pelas palavras de Paulo registradas
em 1 Coríntios 7:12-16 (principalmente no versículo 12). No
versículo 12 Paulo diz:
Mas aos outros digo eu, não o Senhor...

Por meio dessa declaração nós vimos (no capítulo 7) que Paulo
não quer dizer: “Vou dar a minha opinião, não autorizada, não
inspirada” (nem qualquer coisa desse tipo), mas, sim: “Vou tratar
de um assunto que Jesus não discutiu”.1
As palavras “aos outros” implicam a existência de outro grupo
ou classe de pessoas às quais o que foi dido nos versículos 10 e
11 não se aplica (ao menos em parte). Este segundo grupo difere
do primeiro em que, diversamente do grupo sobre o qual Jesus
discutiu, este segundo grupo se vê numa situação diferente,
enfrentando diferentes problemas.
Agora que a Igreja se movera rumo ao mundo do
Mediterrâneo, produzindo convertidos gregos e romanos, muitas
vezes um dos cônjuges era convertida e o outro não.

1
Há motivos para isso: Jesus estava falando a pessoas no contexto pactuai da Sua
igreja. Ele estava respondendo a comentários sobre Deuteronômio 24:1-4,
passagem que regulamentam o divórcio entre crentes professos. Seu interesse
era reiterar os princípios do casamento dados a Adão. Noutra palavras, não era
propósito de Cristo tratar de todas as possíveis circunstâncias nem todos os
ângulos da questão do divórcio.

87
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Isso criava muitos problemas (alguns dos quais são tratados em 1


Pedro, capítulo 3),2 um dos quais relacionado com divórcio.
Uma coisa é considerar o divórcio com um crente (cf. cap. 7):
há recursos (a Palavra e o Espírito) dos quais ambas as partes
podem valer-se; há, mutuamente, o compromisso básico de
obediência a Cristo; e há também o processo de disciplina
eclesiástica que (como último recurso) pode ser acionada, caso um
dos cônjuges, ou ambos, se recusem a tratar dos problemas. Há,
pois, esperança para esse casamento e todos os motivos para se
insistir na reconciliação.
Mas outra coisa é o que temos aqui: a situação é inteiramente
diversa - um crente premeditando divórcio com o seu cônjuge
incrédulo. Nenhum dos recursos mencionados acima está
disponível para o incrédulo, exceto o terceiro. E o terceiro recurso
(disciplina da igreja) não é disponível ao crente. Dessa forma, não
pode haver a mesma insistência na reconciliação; não existe o
mesmo tipo de esperança. E, na verdade, não vemos Paulo
exigindo-a.
Em vez de ordenar ao crente que não se divorcie do seu
cônjuge não salvo aconteça o que acontecer, ele exige um pouco
menos: ele (ou ela) não deve divorciar-se do cônjuge que está
querendo abandonar o seu casamento. Na verdade, é dito ao crente
que faça tudo o que puder para manter o casamento pelo bem do
cônjuge incrédulo (esperando que ele ou ela venha a conhecer
Cristo pela continuada associação com o cônjuge crente),3 como
também pelo bem dos fdhos que, se retirados dos cuidados do
cônjuge crente, seriam considerados e tratados como pagãos - i.e.,
“imundos”)-4 Mas

2
Para ter mais alguma coisa sobre isto, veja o meu comentário de 1 Pedro, Trust
and Obey (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed Pub. Co., 1979).
5
Ser “santificado” pelo crente (7:14) significa que o marido (ou a mulher) não
crente é “posto à parte”, numa posição “única” onde o parceiro não crente,
homem ou mulher, é exposto normalmente ao evangelho e às influências do
Espírito Santo. “Santificado”, neste contexto, não significa “salvo”.
4
Ser “santo” e não “imundo” (7:14) significa que o filho de um crente é

88
O Divórcio entre os que estão sob Jugo Desigual

se, depois de o cônjuge crente ter feito tudo para impedir a


separação, o incrédulo não concordar em continuar mantendo o
casamento, o divórcio será uma alternativa aceitável (7:15).
Pois bem, eu disse tudo isso rapidamente e numa forma de
sumário, mas agora vamos rever o assunto obervando mais de
perto alguns pontos.
Num capítulo anterior eu mostrei pela Bíblia que, embora
permitido, o divórcio nunca é desejável. Todos os divórcios
brotam de pecado, embora nem todos os divórcios sejam
pecaminosos. Aqui também, em 1 Coríntios 7:12-16, o divórcio
não é o ideal. Mesmo no caso de casamento misto, a meta era dar
continuidade ao casamento, quanto possível (logo chegarei a
considerar o que torna impossível dar essa continuidade). Paulo
faz uma fila de vigorosos argumentos (mencionados acima) para
convencer os crentes a que não se divorciem* 5 de seus cônjuges
não crentes, se estes desejam continuar vivendo com eles. A esses
argumentos ele acrescenta a declaração peremptória de que é
preciso que o cônjuge crente não se divorcie do incrédulo que
consente em viver com ele. De acordo com o princípio geral de
Romanos 12:18, “se possível”, o crente deve viver “em paz” com
seu cônjuge.6
Mas, se não for possível ao cristão manter o casamento,

“separado” dos demais por ser colocado sob os cuidados e a disciplina da igreja
de Deus e está sujeito a muitas influências que os “imundos” (palavra que se
refere aos gentios ou pagãos) não recebem. O cuidado e a disciplina de Deus,
em favor destes pequeninos, membros do rebanho, verdadeiramente os separam
dos outros que não estão nessa posição privilegiada. Não se diz que o filho
“santo” foi “salvo”.
5
A palavra empregada nos versículos 12 e 13 é aphiemi, que significa “mandar
embora, divorciar-se, deixar”. Qualquer dos sentidos básicos é aplicável: o
crente não deve fazer nada para romper os laços matrimoniais, mas, sim, deve
fazer tudo para preservá-los.
6
Muitos cristãos querem sair de casamentos mistos quando seus cônjuges não têm
esse desejo. Essa atitude não deve ser nem encorajada nem apoiada. Tampouco
os cristãos devem fazer coisa alguma para provocar a saída dos seus cônjuges.
Qualquer coisa que se pareça com isso é contrária ao espírito da passagem aqui
em foco.

89
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

depois de fazer tudo quanto podia, que fazer? Suponhamos que o


não crente queira o divórcio. Talvez ele diga: “Não foi com uma
mulher como essa que fiz o contrato de casamento. Ela não quer
mentir mais em meu favor, não quer mais participar de sessões de
trocas de parceiros de cama, não quer beber, fica lendo a Bíblia...
Já basta! Quero cair fora deste casamento”!7
Nas circunstâncias nas quais o incrédulo quer sair do
casamento, Paulo diz: “aparte-se” (7:15). A cláusula diz
literalmente: “se o incrédulo está se separando [chorizo = separar-
se por divórcio], que se separe [chorizo]”- As palavras “está se
separando” (ou, possivelmente, se ele “se separar”), mostram não
somente que o incrédulo intenta o divórcio, mas também que
ele/ela deu os passos para dissolver o casamento. As palavras
indicam que há algum movimento nessa direção. (Hoje em dia,
passos como procurar um advogado,8 etc., também poderiam ser
incluídos). A Versão de Berkeley capta a ideia das palavras
quando traduz:
No caso de o incrédulo querer separar-se, que se faça a separação.

Nesse ponto da passagem em estudo a ideia é que, se o incrédulo


expressar o desejo de separar-se (por divórcio), o crente não
deverá tentar impedi-lo.9 A passagem não impõe

7
Mas não somente sobre essas bases. Paulo não informa os motivos para o desejo
do incrédulo de romper os laços do casamento. O cristão não fica restrito a
algumas bases somente. O imperativo permissivo “aparte-se” aplica- -se a
qualquer caso em que o incrédulo não quer mais (ou não “consente”) em
“habitar” com o cônjuge crente (cf. 7:12,13) - independente do motivo
(contanto que o cônjuge crente não tenha provocado o outro em vez de tentar
manter o casamento).
8
No tempo de Paulo não se exigiam nem advogado nem trâmites civis.
9
Em nossa cultura, alguns estados exigem fundamentos para o divórcio. Isso cria
problemas. Não há nenhuma exigência bíblica de que a carta de divórcio
declare os fundamentos dessa pretendida ação. A carta era simplesmente uma
notificação legal de que o casamento fora dissolvido. Atualmente, os incrédulos
podem tentar obter o divórcio (no tempo de Paulo você não o obtinha do
Estado, você simplesmente o dava) sobre bases falsas. O crente pode não
perdoar a
90
O Divórcio entre os que estão sob‘Juno Desigual

limitações para o divórcio após a deserção, muito embora


(evidentemente) seja verdade que a deserção seria um ato que
revelaria um forte desejo de separação. Estaria claramente
implícita a falta de consentimento em dar continuidade ao
casamento (7:12,13).
Assim, então, parece que o princípio geral está suficiente-
mente claro: onde não há consentimento (acordo) por parte do
incrédulo em dar continuidade ao casamento (7:12,13), mas, ao
contrário, há um desejo de dissolvê-lo, o cristão não deve se
colocar como um obstáculo para a separação. Paulo faz uso do
imperativo permissivo: que ele “se aparte”. E uma ordem. Este é
o único caso em que o divórcio é exigido.
Há no versículo 15 tanto uma descrição do estado do crente
após o divórcio, como uma razão apensa à ordem para que “se
aparte”. Examinemos ambas:
1. O estado em que o crente se vê após a consumação do divórcio
é definido: “Neste caso o irmão, ou irmã, não está sujeito à
servidão”

Todos os laços do casamento foram removidos. O


divorciado fica liberado de toda e qualquer obrigação
matrimonial e passa a ser uma pessoa totalmente livre. Não
há nenhuma obrigação para que se reconcilie
matrimonialmente.* 10 Paulo expressa essa ideia mais

falsidade e pode ter que iniciar um processo de divórcio sobre bases


verdadeiras, a fim de cumprir a ordem dada por Paulo: que ele “se separe”. O
divórcio “sem culpa” - vazio de fundamentos - embora os motivos que há por
trás devam ser deplorados, realmente poderia ser uma bênção para os cristãos.
O Estado nunca foi competente para julgar os fundamentos para divórcio.
(Como, tampouco, nem o Estado nem os advogados têm competência para fazer
exegese.) Nenhum divórcio sem culpa forçará a igreja a investigar e a
determinar suas bases; em todo caso, ela deve fazer algo e registrar o que fez.
10
Eemevidente
suas atas.
que o crente não poderia casar-se novamente com o ex-cônjuge
incrédulo (a não ser que este fosse convertido a Cristo), visto que fazê-lo seria
violar outro mandamento bíblico, que ordena ao crente que só se case “no
Senhor” (7:39). Crente não deve casar-se com não crente, ainda que esse não
crente tenha sido seu marido/mulher.

91
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

adiante, no versículo 27b, quando fala sobre ficar “livre de


mulher”. O verbo traduzido por ficar ou estar “livre” é luo,
“soltar”, verbo colocado em oposição a deo, “obrigar”
(empregado para referir-se a homem ligado a esposa). O
verbo deo aparece de novo no versículo 39 com o mesmo
sentido.11 Contudo, no versículo 15 o verbo é traduzido por
“estar sujeito à servidão” (ou “estar ligado”), douloo,
palavra ainda mais forte, que significa “escravizar”. A ideia
é que, quando os laços do casamento são rompidos, o crente
fica livre das suas obrigações para com o incrédulo e do
peso de tentar manter um casamento que o incrédulo não
quer. O crente está livre dessa escravidão.
2. O motivo apenso à ordem é: “Deus chamou-nos para a paz”.

Esta importante consideração tem sido negligenciada por


não poucos comentaristas. Não devemos agir dessa forma,
visto que essa consideração nos ensina certas verdades,
indo ao fundo do problema que Paulo tem em vista. Deus
não quer que fiquem pontas soltas pendentes sobre o
casamento cristão; Ele quer que os problemas do
casamento sejam resolvidos. Ele quer paz. Ou convém que
haja casamento, ou não; Deus não quer dar-se por satisfeito
com algo que fique a meio caminho. Isso simplesmente não
funcionará. A questão tem que ser resolvida para que
hajapas.
Muitíssimas vezes, os cristãos que seguem mau
conselho têm ficado com meias soluções. Permita-me
descrever esse fato. Acreditando erroneamente que a
mulher cristã deve permanecer casada com um marido
incrédulo, não importando o que haja, ela tenta manter o
casamento, mesmo quando o seu marido quer dar cabo

11
Deo também é empregado em Mateus 16:18; 18:18, na fórmula para ligar e
desligar, como em sua contraparte hebraica, ashar.

92
O Divórcio entre os que estão sob Jugo Desigual

dessa relação. Pode acontecer, então, que ele comece a ir


atrás de outras mulheres (se é que já não vinha fazendo
isso), e com o tempo ele pode até abandoná-la. Todavia,
coagida pelo mau conselho, ela não concordará com o
divórcio. Ele pode ficar fora da casa por uns seis meses,
aparecendo uma semana ou duas. Isso transtorna as
crianças e a vida do lar, porquanto são dadas esperanças
que depois são frustradas. Sua mulher pode ficar grávida
dele, pois, se está casada, deve concordar que tenham
relações, se ele as solicitar; e essa situação continua
indefinidamente. Ela está sempre esperando contra a
esperança, sendo que, porém, não há nenhuma evidência
de desejo da parte dele de consentir no casamento. Ela pode
insistir nisso anos e anos; a vida toda!
Não há nada de pacífico nisso! Tudo vive em constante
tumulto; nada fica assentado. Não há nada senão pontas
soltas. Deus quer que a questão seja concluída para que, de
um modo ou de outro, haja paz - isto é, para que se tenha a
solução do problema. Este princípio é realmente
importante.
A ideia atual de separação (desquite) em vez de divórcio
é patentemente antibíblica porque viola esse princípio. Esse
tipo de recurso não estabelece nem resolve nada; mantém
tudo no ar, e milita contra a verdadeira paz.12 Esse iníquo
substituto da solução bíblica (qual seja, paz obtida pela
reconciliação ou pelo divórcio) é inimigo da verdadeira
paz. Tudo é mantido no limbo. Esse mal engana por causar
temporária sensação de alivio, muitas vezes confundido
com paz. Mas esse falso recurso nada estabelece nem
resolve; não redunda em verdadeira paz.

12
Há um alívio inicial da tensão que dá um falso e temporário sentimento de paz,
e que faz com que as partes fiquem relutantes em se juntarem outra vez.

93
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Muitas vezes os cristãos recorrem à separação pura e


simples, e não ao divórcio, achando que esse é o menor de
dois males. Mas, uma vez que é um substituto humano das
opções bíblicas, a separação em vez do divórcio faz mais
mal do que bem. Os conselheiros dirão a você que em
muitos casos em que a simples separação ocorreu, é muito
mais difícil conseguir a reconciliação do que nos casos em
que não houve esse tipo de separação. Não é fácil juntar
novamente quando você os incentivou a se separarem, ou
lhes permitiu essa medida; na separação os separados não
somente experimentam um falso sentimento de paz, mas
também não aprendem a encarar os problemas e a tratar
deles a fim de resolvê- -los. Deus quer a solução das
dificuldades, não que se fuja dela.
Por vezes a separação moderna é descrita como um
“período de esfriamento”.

A menos que se tenha em mente um par de horas ou, no máximo,


um par de dias para esfriamento, com o fim de encarar e resolver mais
friamente as dificuldades, esse tipo de conversa é totalmente
antibíblica.

Já vimos, então, que há somente um caso no qual, quando tudo


mais falhou, exige-se que o crente se separe por divórcio do seu
cônjuge incrédulo. Agora devemos dar atenção ao único caso em
que o crente pode separar-se por divórcio de outro crente. Mas,
diversamente deste presente caso, nunca se requer que ele faça
isso.

94
10
A Cláusula Excepcional

Já vimos que, conquanto Deus não tenha instituído o divórcio,


não obstante o regulamentou. Voltarei a este ponto no capítulo
11. Já verificamos que Deus odeia o divórcio, não como processo,
mas por suas causas pecaminosas e por muitas das suas
consequências devastadoras. De um modo ou de outro, todos os
divórcios são causados por pecado, mas nem todos os divórcios
são pecaminosos. No capítulo anterior, por exemplo,
examinamos um caso sobre isso - o divórcio de um casal misto,
crente e incrédulo. A Bíblia legitimou tal divórcio depois de
terem sido feitas todas as tentativas possíveis pelo crente para
manter o casamento com seu cônjuge incrédulo. Mas se esse
cônjuge se recusa rigidamente a dar seguimento ao casamento,
exige-se do cônjuge crente que não se ponha no caminho do
divórcio para impedi-lo (1 Cor. 7:15). Esse divórcio acaba sendo
relutantemente concedido depois que todas as tentativas para
evitá-lo falharam. Como já observamos, o efeito desse divórcio
foi libertar o crente de todas as obrigações matrimoniais, bem
como de qualquer obrigação de se casar novamente com o ex-
cônjuge incrédulo. Ele fica livre para se casar com outra pessoa.
Passamos agora a dar atenção à cláusula excepcional que
consta em Mateus, capítulos 5 e 19, por meio da qual Jesus deixou
claro que existe uma só base sobre a qual os crentes podem
divorciar-se do seu cônjuge - a fornicação (ou, pecado sexual).
Nesse caso, porém, nenhuma exigência é imposta de

95
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

que o cônjuge se divorcie do outro. Note-se logo de início que


Jesus reconheceu uma, e somente uma, base para divórcio entre
crentes: porneia (“fornicação”, ou “pecado sexual”).
Não vou discutir por que Paulo, em 1 Coríntios 7:10,11, e
Marcos e Lucas, em seus Evangelhos, omitem a cláusula
excepcional (já comentei a omissão de Paulo, e comentários sobre
Marcos e Lucas seriam ainda mais especulativos). Talvez o que é
muito mais importante seja observar que Mateus realmente a
inclui duas vezes. Vamos ver por quê?
O Evangelho de Mateus foi escrito para os judeus. E, como os
registros da controvérsia sobre o divórcio entre os judeus (tanto
na Bíblia como noutras fontes) mostram, havia muitos no campo
de Hillel que sustentavam que se podia conceder o divórcio por
“qualquer causa”.1 (Examinaremos este assunto mais
completamente quando estudarmos o ensino de Jesus à luz de
Deut. 24:1-4.)
Por ora, contudo, contentemo-nos em considerar a cláusula
excepcional propriamente dita. Mateus teve o cuidado de inserir
esta cláusula porque desejou limitar-se ao divórcio entre os judeus
convertidos. Contrariamente aos temores de alguns nos dias
atuais, que acham que permitir o divórcio por causa de fornicação
é um grave relaxamento da moral cristã, Mateus viu o efeito da
inclusão desta cláusula excepcional sob uma luz inteiramente
oposta. Ao assinalar esta única exceção estabelecida por Cristo,
ele sabia que para muitos essa medida enrijeceria a moralidade da
Igreja. E instrutivo ver que a inclusão que Mateus faz da passagem
que se segue (Mat. 19:10ss.) demonstra precisamente esse tipo de
reação por parte dos discípulos que, nessa reação, provavelmente
foram representativos de outros membros da sua sociedade:

1
Cf. Mateus 19:3, os seguidores de Hillel afirmavam que as palavra “por nela
achar coisa feia”, em Deuteronômio, capítulo 24, permitem o divórcio por
razões insignificantes, como estragar a comida, e que, certamente, o homem
podia divorciar-se de sua esposa se achasse uma mulher da sua preferência (cf.
Gittin 14:10). Cf. também Josefo, Antiquities 4.23 (Josefo divorciou-se de sua
mulher porque não gostou do seu comportamento). Life, p. 75.

96
A Cláusula Excepcional

Disseram-lhe seus discípulos: se assim é a condição do homem


relativamente à mulher, não convém casar (Mat. 19:10).2

Obviamente, a reação dos discípulos indica que, em sua cultura,


naquele tempo, a única e exclusiva exceção seria tomada como
uma rigorosa restrição às práticas relacionadas com divórcio.
Vejamos agora a cláusula em detalhe. Examinemo-la em suas
duas formas:

(1) “...a não ser por causa de prostituição [sobre a base de pecado
sexual, ou de fornicação, pomeia]” (Mat. 5:32).
(2) “...não sendo por causa de prostituição [pecado sexual,
fornicação,porneia]” (Mat 19:9).

A forma da cláusula difere nas duas passagens em que ela


aparece, mas a intenção e o conteúdo básico de cada uma delas
são os mesmos. Provavelmente a resposta em Mateus 19:9 é mais
formal; ali consta o logos = a “base” de Cristo, que responde à
aitia = “causa” ou “razão” dos fariseus. Felizmente, não há
nenhum problema quanto à prova textual em favor dessas duas
cláusulas, e dificilmente alguém disputará a sua genuinidade.
Mas têm surgido todos os outros tipo de problemas quanto a
essas cláusulas; em grande parte, esses problemas se relacionam
com questões de interpretação. Por exemplo, alguns têm indagado
se a sua extensão não abrange somente o divórcio, mas também
o novo casamento. Aqui alguns também se apossam da palavra
porneia (fornicação, pecado sexual) e argumentam no sentido de
que a cláusula se refere à dissolução do compromisso [noivado],
não porém do casamento.
Consideremos primeiro se a cláusula excepcional se refere

2
Note-se que eles sabiam que Jesus estava falando sobre pessoas casadas, não
apenas comprometidas.

97
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

ao novo casamento, como também ao divórcio. A resposta é sim:


não há como separar as duas ideias em Mateus 19:9 e em Mateus
5:32. Na primeira passagem Jesus declara que o homem comete
adultério por casar-se com outra mulher, a não ser que se tenha
divorciado da primeira esposa por fornicação. Esse é o ponto focal
da declaração acerca de adultério. Além disso, na segunda
passagem, a esposa divorciada e o seu segundo marido são
advertidos de que cometerão adultério, a menos que ela se
divorcie por fornicação [do marido].3 Gostemos ou não - e alguns
não gostam - foi isso que Cristo disse. Não vou discutir essa
questão com detalhes porque John Murray tratou disso plena e
adequadamente em seu livro.4
Permitam que aqui eu transcreva duas resumidas declarações
de Murray:
Noutras palavras, é preciso observar que nesta frase, como ela se
apresenta, nenhum pensamento ficará completo sem o verbo
principal, moichatai [“comete adultério”]. E o ato de cometer
adultério que constitui o pensamento dominante nesta passagem,
e é totalmente indefensável suprimi-lo.5

E:
Portanto, o assunto tratado aqui é o ato de mandar embora o
cônjuge e o novo casamento, em coordenação, e essa
coordenação não deve ser perturbada de modo nenhum.6
A argumentação que conduz a essas conclusões é sólida e
convincente.

Fornicação e Adultério
A fim de respondermos à segunda objeção - de que o uso da
palavra fornicação [“prostituição”, ARC] indica que Jesus
3
Problemas adicionais ocorridos aqui deverão ser considerados mais adiante.
4
John Murray, Divorce (Filadélfia: Presbyterian and Reformed Publishing Co.,
1961), pp. 35ss. Veja o estudo completo de Murray.
5
Id., p. 40.
6
Id.,p. 41.

98
A Cláusula Excepcional

falou da dissolução do compromisso ou noivado, não do


casamento - devemos considerar, entre outras coisas, o sentido
dos termos fornicação (porneia) e adultério (moichao).1 Alguns
de fato igualam os dois, achando que podem ser trocados um pelo
outro. Mas um cuidadoso estudo do uso destas palavras, tanto nas
Escrituras do Velho Testamento como nas do Novo, inclusive do
uso que delas faz a Septuaginta, revela que há uma clara distinção
entre elas. Fornicação refere-se ao pecado sexual de todo e
qualquer tipo; adultério é a infidelidade de um cônjuge dentro do
casamento.
E compreensível que haja confusão quanto à palavra
fornicação. Na legislação americana a palavra fornicação veio a
significar pecado sexual por pessoas não casadas, contrariamente
a adultério, pecado sexual que envolve pessoa casada. Contudo,
essa distinção não deve ser inserida na Bíblia, como muitos
fazem desavisadamente. Não é uma distinção bíblica. Na verdade,
os escritores das Escrituras empregavam a palavra fornicação
(porneia) para descrever o pecado sexual em geral, e, na Bíblia,
refere-se a casos de incesto (1 Cor. 5:1), homossexualismo
(Judas, versículo 7) e até adultério (Jer. 3:1,2,6,8 - aqui uma
adúltera sofre o divórcio por causa da sua fornicação; cf. os
versículos 2 e 6 na LX X ) como fornicação.7 8

7
Os diferentes termos hebraicos são zahnah (cometer fornicação) e nahaph
(cometer adultério). Sobre zahnah Gesenius (Tregelles) diz: “Atribuído própria
e principalmente à mulher; quer casada... quer não casada, Gên. 38:24; Lev.
19:29. Oséias 3:3... min é colocado antes do marido de quem a adúltera se aparta
ao praticar prostituição, contra o qual ela cometeu transgressão, Salmo 73:27...
Oséias 1:2... 4:12... Ez. 23:5 e 16:15 (ela cometeu adultério [cometeu
fornicação] com um marido, isto é, enquanto essa mulher tinha marido...)” -
(Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 1978), p. 249. Note-se que em juízes 19:2
se declara que uma concubina cometeu fornicação (zahnah) contra o seu
marido (ele é denominada “esposa”).
8
Cf. Apocalipse 2:20, 23. Em 1 Coríntios 10:8 se declara que 23.000 pessoas
cometeram fornicação. Nenhuma delas era casada; será que somente pessoas
não casadas se envolvem em pecado sexual? Ver também o uso de porneia na
LX X , em Ezequiel 16:23; Oséias 2:3, 5; Amós 7:17. Estas e outras passagens,
algumas das quais serão mencionadas mais adiante, demonstram o verdadeiro
uso bíblico de porneia (hebraico, zahnah).

99
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

O fato interessante com relação à palavra adultério é que ela


sempre se refere a mais do que pecado sexual. A aliança
matrimonial está sempre em vista. Em acréscimo à ideia de
infidelidade sexual, adultério refere-se à violação do concerto ou
pacto de companheirismo pela introdução de outra parte no
quadro. Este terceiro parceiro aparece em cena com o fim de
oferecer companheirismo (geralmente, se não sempre, de
natureza sexual) em lugar da esposa ou do marido - “de sua
mocidade”.
Uma das mais interessantes ocorrências das duas palavras
juntas acha-se em Sirach [Ben Sirac - Eclesiástico] 23:22,23.
Nessa passagem é dito o seguinte a respeito de uma esposa infiel:
“...en porneia emoicheuthe” (“ela cometeu adultério por
fornicação”). Por envolver-se em pecado sexual, ela violou o seu
compromisso pactuai com seu marido.
Embora alguns igualem adultério e fornicação, é totalmente
errado fazê-lo. Com frequência se ouve a cláusula excepcional
citada erroneamente: “exceto por adultério”. Mas, como já
vimos, isso é um erro. Embora no contexto de Mateus, capítulos
5 e 19, o adultério esteja na mente do leitor quando lê a cláusula
excepcional, a cláusula propriamente dita não põe a ênfase (nesse
ponto) no efeito do pecado sexual (adultério), mas no pecado
propriamente dito - o ato pelo qual a pessoa viola o seu concerto
matrimonial. Em ambos os capítulos de Mateus (5 e 19) a
permissão que Jesus dá ao divórcio de um cônjuge baseia-se no
ato de violação (pecado sexual, porneia), não em seu efeito
(adultério).9
Por que Jesus focaliza o ato? Porque Ele quer abranger todas
as possibilidades. Ele declara que a fornicação (pecado sexual) é
a base sobre a qual a pessoa pode entregar a carta de divórcio
porque a fornicação abrange incesto, bestialidade,
homossexualismo e o lesbianismo, como também o adultério.

9
Mais adiante, nessas passagens, Ele de fato diz algo sobre adultério. Mas é bom
notar que em ambas as passagens os dois termos são empregados com coerência
e cuidadosamente distintos.

100
A Cláusula Excepcional

Falar somente do adultério poderia tender a estreitar


demasiadamente o foco.
A maioria das traduções modernas traduzem pomeia por
palavras como “pecado sexual”, evitando assim muito da
confusão. Todos os pecados sexuais condenados são inclusos.

A Tese do Compromisso [do Noivado]


Alguns, erroneamente, têm ensinado (e ainda ensinam
largamente nos dias atuais) que, uma vez que Jesus empregou a
palavra fornicação, Ele estava falando sobre pecado sexual
cometido durante o período do noivado; não depois do
casamento. Mas, como já vimos (e tornaremos a ver neste
capítulo e no próximo), essa ideia brota de uma grave
incompreensão do uso bíblico de pomeia. A ideia de que o
divórcio é permitido depois de se assumir o compromisso, mas
não depois do casamento, não pode ser sustentada.10
Acrescentando algo e incluindo algumas razões para rejeitar essa
ideia, vejamos:
1. Jesus e os fariseus não discutiam o noivado, mas o casamento.
2. As passagens acerca das quais Jesus e os fariseus falavam (Gên.,
capítulo 2; Deut. 24:1-4) não se referem ao noivado, mas ao
casamento.
3. Já mostramos (e continuaremos a demonstrar biblicamente) que
a palavra pomeia era empregada para falar de pecado sexual que
leva a adultério como seu efeito.
4. Já mostramos que o divórcio era permitido para pessoas
casadas (1 Cor. 7:15).
5. Em Deuteronômio 22:13-19, 28,29, são mencionados dois casos
nos quais, como penalidade, as pessoas envolvidas foram proibidas
para sempre de se divorciarem de suas esposas por qualquer
causa. Mas o objetivo global da passagem se perderia, se
ninguém mais pudesse divorciar-se de sua esposa. Se se aplica
a todos, deixa de ser penalidade. A existência dessa

10
O Talmude fala claramente de divórcio após o compromisso e de divórcio
após o casamento, Gittin 18b. Assim, a tradição cultural fica clara.

101
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

penalidade exige que se aceite a ideia de que Deus reconhecia a


possibilidade de divórcio legítimo após o casamento. Sem essa
pressuposição, esses versículos de Deuteronômio, capítulo 22,
ficam sem sentido.
6. Em Ezequiel 23:1-9, Deus conta a história de duas mulheres que
se casaram com Ele (23:4). Elas cometeram fornicação antes e
depois do casamento (cf. versículos 3, 5, 7,8, 11, 14, 17, 19,
29,30, 37, 43,45,46). O adultério é o efeito dessa fornicação. No
versículo 5 lemos: “E prostituiu-se Oola, sendo minha” [ou:
“Oola cometeu pecado sexual (fornicação) sob Mim”]. A
expressão “sob Mim” significa, enquanto ela estava sob a minha
autoridade e chefia como seu Marido (cf. o uso dessa expressão
em Números 5:19,20, 29). E no versículo 29 de Ezequiel,
capítulo 23, lemos: “E descobrir-se-á a vergonha da tua
prostituição, e a tua malignidade, e as tuas devassidões” [ou: “e
a nudez dos seus adultérios serão expostos à luz, como também
a sua devassidão e a sua fornicação”] (note-se a óbvia conexão
dos termos em questão).11 Temos aí, mais uma vez, o caso de
adultérios por fornicação. A tese do noivado não se enquadra
neste uso da terminologia.
7. O próprio Deus divorciou-se de Israel por fornicação adúltera.
A passagem de Jeremias 3:1-8 é forte; ela destrói completamen-
te a teoria do divórcio durante o noivado. Eis aqui o que lemos
no versículo 8:
8.
...por todos os adultérios que, pérfida, Israel cometeu, eu a
mandei embora e lhe dei carta de divórcio (Berkeley).

Evidentemente, Deus sabe muito bem o que são o adultério e a


fornicação; sempre Ele faz uso dos termos com propriedade e
não procura nos confundir. Se Deus declara que Ele se divorciou
de Israel, figurado como uma mulher casada com Ele, por
gravíssimos adultérios, segue-se que o Seu uso dos termos deixa
claro que pessoas casadas podem divorciar-se legitimamente.

Como eu disse, essas razões não são exaustivas, mas pesam.


A teoria do noivado não encontra suporte nas Escrituras e,

11
Devassidão e fornicação descrevem o modo de cometer o adultério.

102
A Cláusula Excepcional

na verdade, o uso feito pelas Escrituras toda a aniquila. A


popularidade dos mestres que acaso esposem essa teoria não é
base para a sua aceitação.
Então, a esta altura deve estar patente que há bom motivo para
se manter a interpretação padrão, protestante, histórica, segundo
a qual o crente pode divorciar-se do seu cônjuge por causa de
fornicação.
Note-se, porém, que eu digo pode. A Bíblia não exige o
divórcio em tais casos; o divórcio é permitido. E evidente que o
marido ou a mulher pode perdoar o cônjuge que pecou, desde que
haja arrependimento. Realmente, em muitos casos desse gênero
o conselheiro bíblico procurará induzir a parte culpada ao
arrependimento e, a seguir, procurará conseguir a reconciliação.
Se o cônjuge culpado se arrepender, o outro deverá perdoá-lo (cf.
Lucas 17:3ss.).
Havendo perdão, não se deve levantar a questão novamente.12
Não é possível o crente encaminhar o divórcio depois de
conceder o perdão.13 O perdão também leva a uma

12
Cf. os extensos comentários sobre o arrependimento e, principalmente, sobre o
perdão em meu livro, More than Redemption (Phillipsburg: Presbyterian and
Reformed Publishing. Co., 1979). Quando Deus perdoa, Ele promete: “...lhes
perdoarei a sua maldade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados” | Jer.
31:34].
13
Mesmo que se pudesse separar o perdão da reconciliação (uma ideia antibíblica:
no perdão de Deus a reconciliação e uma nova relação sempre se seguem ao
arrependimento e ao perdão - cf. o gráfico e a discussão em torno dele em meu
livro More than Redemption, p. 213), seria impossível, em nossa cultura,
obedecer ao governo, que exige que as partes recorram à lei para obterem o
divórcio. Nos tempos bíblicos você não obtinha o divórcio do Estado; você
entregava uma carta de divórcio a seu cônjuge. O governo não se envolvia.
Seria impossível, reitero, obedecer ao governo e às Escrituras, que proíbe os
cristãos de fazerem demanda judicial (1 Cor. 6:1-8). Ao contrário, 1 Coríntios,
capítulo 6, obriga dois cristãos, inclusive maridos e esposas, com problema a
lidarem com os seus problemas diante da igreja. Quer dizer que se deve seguir
Mateus 18:15ss. Se um dos cônjuges insistentemente recusar a reconciliação e
acabar sendo excomungado, o outro cônjuge pode (deve) tratá-lo “como um
gentio e publicano”, em decorrência de um julgamento funcional ou
administrativo, e poderá processar o cônjuge faltoso por fornicação adulterina
ou por razões que se pode colher de 1 Coríntios 7:15. Com vistas a esse ponto,
ver o capítulo 9.
103
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

nova relação com a pessoa perdoada. Segue-se, pois, que o


divórcio de um cônjuge crente que cometeu fornicação deve
restringir-se aos que se recusam a arrepender-se do seu pecado.
Mas, que dizer sobre a situação na qual o cônjuge que sofreu
a injúria quer perdoar (já perdoou no coração em oração a Deus),
quer dar continuidade a seu casamento, mas ainda não pode
conceder o perdão ao ofensor porque este (homem ou mulher)
persiste no pecado, ou (ao menos) não quer se arrepender e não
procura o perdão? (Lembremo-nos de que Lucas 7:3ss. fala que
se deve dar perdão aos que se arrependem.)
Em tais casos, a dinâmica da reconciliação/disciplina entra
em cena. Permita o leitor que eu cite extensamente, com relação
a este assunto, o meu livro, The Christian Counselor’s Manual,
pp. 60-62:
Como um exemplo concreto da natureza crucial da dinâmica da
reconciliação/disciplina, consideremos o crescente problema do
divórcio entre cristãos. Este é um problema com o qual todo
pastor cristão se verá confrontado cada vez mais. John Murray
delineia diversas situações no fim do seu livro, um marco de
referência intitulado Divorce, como paradigmas para o
gerenciamento de casos práticos.14 Tais paradigmas são
proveitosos, mas de uso limitado. Qualquer pastor logo
descobre que ocorrem muitas situações que não se enquadram

Em qualquer tempo em que o crente contratar um advogado para


discutir os problemas relacionados com divórcio, esse crente, homem ou
mulher, irá contra a Bíblia, e deverá ser avisado disso. A igreja deve interferir
imediatamente e, de acordo com 1 Coríntios, capítulo 6, deve oferecer os seus
préstimos para ajudar a resolver as dificuldades que levaram a essa ação.
Muitas vezes a igreja fica à espera; às vezes os advogados, à semelhança de
alguns maus conselheiros, até estimulam o divórcio (ou separação) como uma
(suposta) solução para os problemas maritais. Os cristãos que têm tais
dificuldades não precisam dessas coisas, que podem acrescentar confusão aos
problemas existentes - pois Deus tem recursos à mão.
14
John Murray, Divorce (Filadélfia: Presbyterian and Reformed Publishing
Company, 1961).

104
A Cláusula Excepcional

na estrutura desses paradigmas. Todavia, o acréscimo de mais


um fator ao que Murray disse tão bem sobre casamento e
divórcio trará tais casos de problemas para dentro da estrutura
dos paradigmas e habilitará os conselheiros a levarem cada caso
a uma conclusão bem sucedida. Esse fator é a dinâmica da
reconciliação/disciplina.

Contudo, o problema permanece quanto ao que se deve fazer


quando dois cristãos professos deixam de manter a sua união
matrimonial e não realizam a sua reconciliação. Digamos que o
marido, que é um cristão professo, recusa reconciliar-se com sua
esposa. Se ela continuar a insistir na reconciliação (de acordo
com Mateus, capítulo 18), mas falhar em suas tentativas feitas
mediante confrontação privada, ela deve chamar um ou dois
membros da igreja e com eles confrontar o seu marido.
Suponhamos que ela faça isso e que ele ainda se recuse a ouvi-
los. Nesse caso, requer-se que ela submeta ofícialmente o
problema à igreja que, em última instância, poderá ser forçada,
pela empedernida recusa do homem a se reconciliar, a excluí- lo
da comunhão por contumácia. A excomunhão, diz Cristo, muda
o estado dele para o de gentio ou pagão e publicano, i.e., para o
estado de alguém que está fora da igreja (Mat. 18:17). Agora ele
deve ser tratado “como gentio e publicano”15 Isto significa, por
exemplo, que, depois de razoáveis tentativas para que ele se
reconcilie com a igreja e com sua mulher, ele pode ser levado
ao tribunal (1 Cor. 6:1-8 proíbe os irmãos em Cristo de recorrerem
à lei uns contra os outros)16 para iniciar um processo de divórcio
(naturalmente, só se aquele que foi excluído da comunhão
abandonar o seu cônjuge).

15
A força de hosper é “tratá-lo como”. William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich
(Chicago: The University of Chicago Press, 1951), p. 908.
16
Este fato é importante. O julgamento eclesiástico sempre deve preceder o
julgamento civil, uma vez que os julgamentos civis entre crentes são proibidos
explicitamente. Isto significa que uma ação precipitada ou apressada é tornada
mais lenta, e um processo que visa à reconciliação não somente é iniciado, mas
também deve seguir o seu curso, no caso em estudo sem sucesso, antes de se
poder dar início a um processo judicial. Dessa forma, é dada ampla
oportunidade para que a mulher considere as consequências das suas ações
antes de realizar outros atos mais que poderiam produzir, precipitadamente,
novos e maiores males.
105
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Seguindo-se a dinâmica da reconciliação, há esperança de que


haverá reconciliação em muitos casos.17 Toda vez que se seguem
fielmente os princípios bíblicos sobre a reconciliação, raramente
a disciplina chega ao nível máximo da excomunhão. Muitos
casamentos, não somente podem ser salvos, mas também,
mediante ajuda adequada, podem ser radicalmente mudados para o
bem.18 Mas, naquelas poucas situações em que a reconciliação v é
recusada, o crente que a busca não será deixado num estado de
limbo. Ele tem um curso de ação para seguir, e, se esse curso levar
à excomunhão e à deserção, o crente fiel não estará mais obrigado
a continuar casado indefmidamente.19 Contudo, esse tipo de ação
só é válido se, durante todo o processo, o cônjuge do crente deixar
de dar prova de arrependimento e fé, se tiver sido excluído da
comunhão, e se ele (ou ela) quiser dissolver o casamento. A
continuada rejeição da ajuda e da autoridade de Cristo e de Sua
Igreja finalmente leva à excomunhão.
O cônjuge excomungado que continua impenitente deverá ser
visto e tratado como gentio e publicano. Ele (ou ela) não dá
sinais da graça. Quando posto fora da igreja e continua sem
evidenciar sinais da salvação, o cônjuge crente pode tratá-lo
como incrédulo. Isto significa que, se o faltoso deixar o crente
nessas circunstâncias, este deixa de estar sob “servidão” ou sob
“escravidão”. A palavra de 1 Coríntios 7:21ss., que rege a
relação de crente e incrédulo no casamento, torna-se aplicável.
Ligando-se a dinâmica da reconciliação/disciplina ao problema
do casamento, divórcio e novo casamento, pode-se ver
imediatamente a solução de noventa e nove por cento desses
casos, que até então poderiam parecer insolúveis. Há a
esperança de que muitos casais cheguem à reconciliação, mas os
que não se arrependem e não se reconciliam devem ser
disciplinados. De um modo ou de outro, as questões assim
tratadas não deixam pontas soltas.20

17
E isso que se deve esperar entre os cristãos. Cf. Provérbios 14:9 (T.E.V.).
18
Muitas vezes a solda é mais forte que o metal que ainda não se quebrou.
19
Frequentemente, a recusa a reconciliar-se, levando à excomunhão, termina em
separação de cama e mesa, ou em deserção.
20
E de vital importância que a igreja pronuncie o julgamento oficialmente, sempre
que tenha funcionado como tribunal para julgar tais casos, mesmo que o
resultado tenha sido a reconciliação. O fato da solução alcançada deve ser

106
A Cláusula Excepcional

No próximo capítulo examinaremos cuidadosamente o


registro das palavras de Cristo nos Evangelhos acerca do
divórcio, e as passagens em que se baseiam os Seus comentários.

registrado nas atas do Conselho ou do corpo de anciãos. Isso é importante para


as partes envolvidas, para que, no futuro, elas sempre possam referir-se à
sentença da igreja e lembrar a solução, principalmente se a questão teve
conclusão favorável.

107
11
Cristo, Deuteronômio e Gênesis

As passagens que vamos considerar agora são Gênesis,


capítulo 2; Deuteronômio 24:1-4; Mateus 5:31,32; 19:3-9;
Marcos 10:2-12 e Lucas 16:18. As duas passagens básicas do
Velho e do Novo Testamento se juntam de maneira muito
interessante no ensino de Cristo sobre divórcio.
A passagem de Deuteronômio foi apresentada pelos fariseus
e por Jesus, que a citaram. A de Gênesis, capítulo 2, foi
introduzida na discussão com o fim de lembrar a Seus ouvintes a
base, as metas e os propósitos originais do casamento, e que o
divórcio não estava incluído entre eles; o divórcio foi introduzido
relutantemente, não por Deus, nem mesmo por Moisés - que
somente o permitiu e o regulamentou - mas pelos homens,
posteriormente, em consequência das suas atitudes decorrentes
dos seus corações empedernidos (por sua obstinação) para com
seus cônjuges e para com a lei de Deus. Ao introduzir a passagem
de Gênesis no quadro, Jesus colocou a discussão toda em seu
contexto próprio.
Na reciprocidade dessas diversas passagens, inclusive os
comentários de Cristo, vemos que Jesus respondeu a várias
perguntas que normalmente eram levantadas acerca do divórcio.
Mas justamente aí há uma dificuldade - a interpretação das
interpretações de Jesus não é uniforme. Um dos motivos disso
parece que é a falácia dos intérpretes em não relacionarem essas
passagens umas com as outras de

108
Cristo, Deuteronômio e Gênesis

modo apropriado. Neste capítulo vou tentar interpretá-las em


relação umas com as outras.
Mas, primeiro, leiamos os versículos completos:
E disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme à
nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, sobre as
aves dos ares, sobre os animais, sobre toda a terra, e sobre todo
réptil que se arrasta sobre a terra. Então criou Deus o homem à
Sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou; macho e fêmea os
criou. Deus os abençoou; Deus lhes disse: Sejam frutíferos;
multipliquem-se; encham a terra e sujeitem-na; exerçam
governo sobre os peixes do mar, sobre as aves dos ares e sobre
toda criatura viva que se move sobre a terra. ...O Senhor Deus
disse: farei para ele uma auxiliadora adequada, que o
completará.... Então o Senhor Deus fez um sono profundo
dominar Adão, e, quando ele dormiu, Deus tirou uma das suas
costelas e encheu o lugar com carne. Da costela que tinha tirado
do homem Deus formou uma mulher e a trouxe para o homem.
Adão disse: “Afinal, esta é osso dos meus ossos e carne da
minha carne; ela será chamada Mulher porque foi tirada de um
homem”. Por essa razão o homem deixará seu pai e sua mãe e
se unirá à sua mulher, e se tornarão uma carne. Os dois, o
homem e sua mulher, estavam nus, e não sentiam vergonha, um
na presença do outro (Gên. 1:26-28; 2:18, 2T25, Bcrkeley).
“Quando um homem tiver se casado e vier a não gostar de sua
mulher, tendo encontrado algo impróprio nela, e redigir uma
carta de divórcio e, tendo-a colocado nas mãos dela a manda
embora, e ela se vai e se torna mulher de outro, e o seu segundo
marido igualmente a detesta, dá-lhe carta de divórcio e a manda
embora, se o segundo marido morrer, nesse caso o homem que
primeiro se divorciou dela não pode tomá-la de volta para ser
sua esposa, porquanto ela foi contaminada; tal prática [tomá-la
de volta] o SENHOR detesta, e você não deve trazer tal culpa
sobre a terra que o SENHOR, o seu Deus, lhe vai dar como sua
herança” (Deut. 24:1-4, Berkeley).
“Também foi dito: “Todo aquele que se divorciar de sua esposa
deverá dar-lhe um certificado de divórcio”. Mas eu lhes digo
que aquele que se divorciar de sua esposa, a não ser por
infidelidade, fará com que ela cometa adultério, e qualquer que

109
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

casa com a repudiada comete adultério”. Então os fariseus se


aproximaram dele para O testarem. Eles perguntaram: “É certo
o homem divorciar-se de sua esposa por qualquer motivo?” Ele
respondeu: “Vocês não leram que desde o princípio o Criador os
fez macho e fêmea, e disse: por causa disso o homem deixará
seu pai e sua mãe e se juntará a sua mulher, e os dois serão uma
só carne? Portanto, eles já não são duas carnes, mas uma só. O
que Deus juntou, o homem não deve separar”. Eles Lhe
disseram: “Por que foi, então, que Moisés mandou dar-lhe carta
de divórcio e despedi-la?” Ele lhes respondeu: “Devido à dureza
de coração de vocês. Moisés lhes permitiu que se divorciem de
suas esposas, mas não era assim, desde o princípio. Digo-lhes
que todo aquele que se divorcia de sua esposa, a não ser por
infidelidade, e se casa com outra, comete adultério” (Mat.
5:31,32; 19:3-9, CCNT).
E ali chegaram alguns fariseus que O questionaram, testando-o:
“E lícito ao homem divorciar-se de sua mulher?” Ele lhes
respondeu, perguntando: “Que regra Moisés lhes deu?” Eles
disseram: “Moisés [nos] permitiu escrever um certificado de
divórcio e então divorciar-nos dela”. Jesus lhes disse: “Foi tendo
em vista a dureza de coração de vocês que ele escreveu essa
regra para vocês, mas desde o princípio, desde o tempo da
criação, Ele os fez macho e fêmea; “Por isso o homem deixará
seu pai e sua mãe, e se juntará à sua mulher, e os dois serão uma
só carne”, de modo que já não são duas carnes, mas uma só.
Portanto, o que Deus juntou, que o homem não separe”. Quando
estavam dentro de casa, os discípulos também O questionaram
sobre esse assunto, e Ele lhes disse: “Quem se divorciar de sua
mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra ela, e se
ela se divorciar do seu marido e se casar com outro, cometerá
adultério” (Marcos 10:2-12, CCNT).
“Quem quer que se divorcie de sua esposa e se casar com outra,
cometerá adultério; e aquele que se casar com a divorciada,
cometerá adultério” (Lucas 16:18, CCNT).

Consideremos Deuteronômio 24:1-4. Note-se que, como todas as


versões modernas, a tradução da Versão de Berkeley é diferente
da do Rei Tiago (King James). Ela toma os versículos 1-3 como
a prótase (a parte que tem as cláusulas condicionais

110
Cristo, Deuteronômio e Gênesis

com se e quando, que contêm a suposição), e o versículo 4 como


a apódose (a parte que vem com a cláusula de conclusão, que
contém a declaração - aqui um regulamento - que se baseia na
suposição. A King James só toma a primeira metade do versículo
primeiro como a prótase. Essa importante diferença resulta em
entender que Moisés ensina que, se um homem se divorciar de
sua mulher por um motivo que não seja a fornicação, se ela se
casar e tornar a se divorciar (ou o seu segundo marido morrer),
então (segue-se agora a regra), o primeiro marido não pode casar-
se de novo com ela, porque a terra seria contaminada. Feli/mente,
todos os comentaristas concordam com essa mudança.1
É bom notar que em Deuteronômio 24:1-4 não há nenhuma
ordem para que ocorra divórcio, nem constam critérios para se
determinar o que é um divórcio válido ou não válido, nem
tampouco se vê ali a exigência de que se entregue uma carta de
divórcio. (Moisés menciona o processo legal próprio com seus
três passos, não para instituir o processo nem para insistir nele,
mas, antes, para deixar claro que o que ele está dizendo é acerca
de um genuíno processo de divórcio.) Por conseguinte:
1. Deuteronômio, capítulo 24, meramente reconhece o divórcio
como um processo legal existente, regulamentado pelo mesmo.
2. Deuteronômio, capítulo 24, não institui e nem mesmo permite o
divórcio por outro motivo que não sej a a forn icação. Este é um
ponto importante que logo, logo eu vou expandir.
3. Deuteronômio, capítulo 24, não incentiva o divórcio fácil; na
verdade o objetivo dos quatro versículos em questão é dificultar
ação precipitada, tornando impossível retificar a situação
quando o divórcio e o novo casamento com outra pessoa
ocorrerem (cf. 1 Cor. 7:11).

1
Argumentação em favor dessa posição pode-se encontrar em muitos dos
comentários-padrão.

111
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Qual a importância de Deuteronômio 24:1-4? Esta passagem


reconhece o divórcio e o regulamenta - em uma particularidade.
Nos quatro versículos aqui em consideração, Moisés trata de
um caso particular2 (há pouco descrito) a fim de eliminar a
prática do divórcio e do novo casamento fáceis, que
evidentemente prevalecia na cultura pagã circunvizinha (e que
também pode ser que tenha vindo a prevalecer entre o povo de
Deus), e de pôr fim a caprichosas ações do gênero. “Se eu estiver
errado, simplesmente me casarei de novo com Maria, se e quando
ela estiver novamente disponível, ou se eu puder induzi-la a
deixar o seu segundo marido e voltar para mim” - era como
alguns pensavam. “Não!”, diz Moisés nesta passagem. “E melhor
você pensar duas vezes antes de se divorciar dela porque, se você
não puder casar-se de novo com ela antes de ela se casar com
outro homem, você perderá a oportunidade para sempre”, diz
ele.
Bem, com isso parece que muitos intérpretes concordam. Mas
há outro assunto que tem causado alguma dificuldade. De fato,
no tempo de Cristo já houve ocasião para problema. Refiro-me,
claro, às palavras traduzidas na Versão de Berkeley como “algo
impróprio”. Foi a algo “impróprio” que o primeiro marido veio a
“não gostar” de sua mulher, acabando por se divorciar dela.
As palavras hebraicas são erwath dahar. Estas têm sido
traduzidas de várias maneiras, inclusive “algo indecente”, “algo
indecoroso” “algo vergonhoso”, etc. Literalmente, as duas
palavras hebraicas indicam “uma questão de nudez”. Parecem
referir-se a algo indecente, desagradável ou repulsivo. Quase
todos os intérpretes concordam com John Murray quando ele diz:
...não há evidência que prove que a expressão erwath dabar

2
Cf. a fórmula, “Se [ou quando] um homem...” (24:1) com 22:22, 25, 28; 25:5,
7, etc.

112
Cristo, Deuteronômio e Gênesis

se refere a adultério ou a algum ato de impureza sexual. ...


Podemos concluir que a expressão erwath dabar significa alguma
indecência ou algum comportamento impróprio.3

É interessante que a mesma expressão é empregada no capítulo


vinte e três de Deuteronômio (versículos 12-14). Nessa passagem
foi exigido aos israelitas que designassem um lugar fora do
acampamento para servir de sanitário. Foi-lhes dito que, o que os
seus intestinos depositassem eles cobrissem com terra, usando
uma pá. Esta é a razão dada:

“O SENHOR, o seu Deus, anda no meio de vocês para livrá-los,


para dar-lhes a vitória, e todo o acampamento de vocês deve ser
dedicado [ou, santo], de modo que Deus não veja nada indecente
[erwath dabvar] em nenhum lugar, para que Ele não se afaste de
vocês” (Berkeley).

Obviamente, o uso dessa expressão aqui, em tão estreita conexão


com o capítulo 24, deveria ter forte influência sobre a
interpretação que lhe dermos. De que modo foi utilizada?
Evidentemente, erwath dabar não se refere a pecado sexual em
Deuteronômio, capítulo 23. Na verdade, a menção de
excrementos dá indicações sobre o seu sentido. Parece que a ideia
dominante é a de repulsa e repugnância.4 O acampamento
deveria ser mantido livre de qualquer coisa que pudesse ser
repulsivo para Deus; devia estar limpo e ser atraente por causa
da Sua presença.
Mas, a que erwath dabar se refere em Deuteronômio, capítulo
24, senão a pecado sexual? E difícil dizer. A expressão é, na
verdade, geral, e parece abranger qualquer coisa e tudo (neste
caso) que um marido poderia considerar repugnante e

3
Op. cit., p. 12. Ver também os argumentos de Murray contra o entendimento
de que essa expressão se refere a pecado sexual.
4
Note-se que poderia ser repulsivo para o Senhor (“para que Ele não se afaste de
vocês”) por sua falta de reverência para com Ele, se deixassem excrementos
em Seu caminho, quando Ele passeava pelo acampamento.

113
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

do que ele poderia vir a “não gostar” [literalmente: “não achar


favor] em sua mulher, de modo que ele poderia determinar
divorciar-se dela.
“Mas”, você replica, “isso parece implicar que os fariseus,
que seguiam Hillel em dizer que o homem poderia divorciar- se
de sua mulher “por qualquer motivo” ou “sobre qualquer base”
(Mat. 19:3), estavam certos, e que esses seguidores de Shammai,
que restringiam as bases do divórcio à fornicação, estavam
errados. Se isso é verdade, parece também que Jesus é colocado
no lado errado da pendência - e sabemos que isso não pode ser”.
A resposta a essa objeção é sim e não. É verdade que o uso
da expressão em Deuteronômio 24:1-4 é suficientemente
indefinida para cobrir quase qualquer coisa que o marido poderia
achar repulsivo em sua esposa. Por esse motivo, os discípulos de
Hillel, com suas ideias liberais sobre divórcio, estavam certos -
mas somente nesse único ponto. A própria dificuldade que os
intérpretes tem tido desde há muito para tentarem fisgar um
sentido mais preciso da expressão atesta o fato. Encaremos a
verdade - as palavras são vagas. Mas é justamente aí que está o
ponto - as palavras são vagas!
A expressão erzvath dabar cobre tudo que poderia causar
ofensa a um marido, menos a porneia (pecado sexual). Mas - e aí
é que devemos separar-nos de Hillel - desde que a prótase (a parte
condicional) não ordena ação, nem mesmo a permite (mas
somente descreve a sua possibilidade), segue-se então que esses
fariseus liberais estavam completamente errados em concluir que
a passagem dá licença ao divórcio por qualquer motivo.
Falemos com clareza: uma coisa é dizer que a Bíblia declara
que pode acontecer que uma pessoa cometa homicídio; contudo,
é coisa muito diferente concluir que, portanto, ela pode fazê-lo.
Mas foi isso que Hillel e companhia fizeram. Porque Moisés
falou da possibilidade de um homem se divorciar de sua esposa
por qualquer motivo (por ter achado

114
Cristo, Deuteronômio e Gênesis

algo repulsivo nela), Hillel concluiu que Moisés permitiu fazer


isso. E mais: ao tomar essa posição, a ênfase foi desviada dos
perigos de ideias superficiais a respeito do divórcio para a ideia
de que entregar propriamente uma carta de divórcio é a única
consideração a ser levada em conta no ato de divorciar- -se
alguém do outro cônjuge. Perdeu-se de vista verdadeira ênfase -
a antecipação de divórcios feitos precipitadamente por causas
insuficientes.
Não é isso. Devemos concluir, primeiramente (com Hillel),
que Moisés estava falando sobre divórcio por qualquer motivo,
mas não estava aprovando, nem ordenando, nem permitindo que
os crentes se divorciassem de suas esposas por qualquer causa
que não um pecado sexual, a única base que Jesus via como
adequada. A vaga indefinição da expressão erwath dabar é
exatamente o ponto que deve ser notado. Essas palavras de fato
cobrem toda e qualquer coisa, menos a fornicação, que o marido
poderia achar desagradável ou repugnante.
Noutras palavras, estou dizendo que Deuteronômio 24:1-4 se
refere (como igualmente o faz 1 Cor. 7:10,11) - passagem com a
qual aquela tem afinidades, como temos visto) a divórcio
realizado sobre bases não bíblicas ou ilegítimas. Tal divórcio é
legalmente próprio, mas pecaminoso. Como sabemos disso?
Existem diversas razões para chegarmos a essa conclusão, mas
uma delas é a principal.
Note o leitor que em Deuteronômio 24:1-4 a esposa não pode
casar-se de novo com o seu primeiro marido porque ela foi
“contaminada” pelo segundo casamento. Seu divórcio do
primeiro homem não podia ser biblicamente aceitável, ainda que
pudesse ser considerado formalmente válido. Se o divórcio
tivesse sido realizado de maneira própria, não seria pecaminoso,
e ela estaria livre para casar-se com o segundo homem sem
cometer pecado. Ela não teria nenhuma obrigação de permanecer
casada ou de se reconciliar com o seu primeiro

115
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

marido. Mas o segundo casamento “contaminou-a”5 (cf. Jer. 3:1;


23:11, 14,15). Sabemos que ela foi contaminada pelo segundo
casamento, e não pelo segundo divórcio, porque, mesmo que ela
tivesse sido liberada do segundo marido pela morte, e não pelo
divórcio (Deut. 24:3), o seu primeiro marido foi proibido de se
casar com ela porque ela fora contaminada.
Parece evidente que essa contaminação não está meramente
no fato de que a mulher tinha tido relações sexuais com o
segundo homem, mas, antes, na violação de um acordo pactuai
(o contrato de casamento). O adultério estava envolvido.
Davi casou-se de novo com Mical muito embora Saul a
tivesse dado a outro homem. Esse ato não foi condenado como
“abominação” e Mical não foi considerada contaminada. O
motivo da diferença é que Mical foi tomada por Saul, seu pai;
Davi não cometeu o erro de divorciar-se dela por razões
antibíblicas e inadequadas.6 Segue-se, pois, que o erro não estava
na simples sucessão de homens que tiveram a mulher
mencionada em Deuteronômio, capítulo 24 (ou Davi teria sido
proibido de desposar Mical novamente), mas na maneira ou nas
razões pelas quais aconteceu a sucessão. O que é visado e
proibido em Deuteronômio, capítulo 24, e que Jeová chama
abominação e que leva à contaminação, relaciona-se com algo
mais que a simples sucessão de homens (situação idêntica à de
Davi e Mical). Deus não queria que a terra na qual eles iam entrar
fosse manchada pela prática que Ele condena tão fortemente em
Deuteronômio, capítulo 24. A esposa mencionada em
Deuteronômio, então, não foi contaminada pelas relações sexuais
com o segundo marido,7 mas por seu

5
Foi empregada a palavra tameh, o termo geral para contaminação e para
impureza cerimonial (de pessoas, animais e coisas). Jeremias emprega
chaneph, contaminar, poluir.
6
Cf. 1 Samuel 25:44; 2 Samuel 3:14.
7
De outro modo, casar-se com um segundo marido (ou com uma segunda
mulher) por ocasião da morte do primeiro, também causaria contaminação.

116
Cristo, Deuteronômio e Gênesis

envolvimento num casamento e em relações sexuais por causa de


um divórcio pecaminoso (apesar de legal). Porque o divórcio foi
por algum motivo frívolo, foi pecaminoso, e pecaminoso foi o
segundo casamento.
Como os comentários de Jesus no Novo Testamento indicam
claramente, a esposa de que trata Deuteronômio 24:1-4 ao casar-
se com o segundo marido, foi de fato obrigada (“causada”) a
cometer adultério.8
Agora temos necessidade de juntar algumas coisas. Já faz
algum tempo que tem sido levantada a questão sobre se os
comentários de Jesus acerca do adultério, com relação ao
divórcio realizado por cristãos, não incluem algumas outras
causas para divórcio, além da fornicação. Um ponto de vital
importância nessa discussão, e que tem recebido muita atenção,
mas que não tem sido tratado adequadamente, é o comentário que
consta em Mateus 5:31,32, ao qual acabei de me referir: “faz que
ela cometa adultério”. Como pode ser isso? A resposta jaz no
entendimento do fato de que Jesus não estava falando sobre
casamento e divórcio no abstrato. No Sermão do Monte Ele
estava corrigindo falsas declarações e abusos acerca da lei do
Velho Testamento. “Também, foi dito...” introduz
uniformemente um ponto de vista corrente na época e que
representava uma grosseira incompreensão e/ou um mau uso da
lei. O que Jesus cita, “Qualquer que deixar sua mulher, dê-lhe
carta de divórcio”, não é citação do Velho Testamento, de
maneira nenhuma. Sua referência é a um entendimento errôneo e
a uma aplicação errônea de Deuteronômio 24:1-4. Ao salientar a
formalidade de se dar carta de divórcio (algo legítimo e até
importante em si mesmo), o ponto de maior impacto de
Deuteronômio, capítulo 24 - a proibição de divórcio fácil e de
leviana consideração do casamento por aliança - era deixado de
lado completamente.

8
Cristo estava pensando numa situação que se enquadrava nas palavras
características de Deuteronômio 24:1-4, a passagem que se tinha em vista em
Mateus 5:31,32.

117
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

O foco central da passagem fora alterado. O foco fora desviado


da ênfase à corruptora e abominável natureza dessa atitude
leviana para com o Concerto de Companheirismo, para a
preocupação com uma simples formalidade que, embora
importante em seu lugar próprio, era incidental quanto ao ponto
de maior impacto da passagem.
Portanto, quando Jesus fala em fazer a esposa divorciada
cometer adultério, Ele se refere à esposa que era divorciada e se
casara de novo, como aconteceu com a mulher mencionada em
Deuteronômio, capítulo 24.
Visto que os fariseus insistiram em entender mal o divórcio,
Jesus deixou ainda mais explicito o sentido de “contaminada” -
Ele chama de adultério a referida contaminação. Disse Ele que
uma esposa divorciada com base em “qualquer motivo” (Mat
19:3), que não fosse fornicação, como a de Deuteronômio,
capítuo 24 (que sofrera o divórcio por causa de algo repulsivo -
erwath dabar) será forçosamente movida por esse divórcio a
cometer adultério, se se casar com outro homem.
A razão pela qual o marido não pode casar-se novamente com
ela, mesmo após a morte do segundo marido (bem como após
outro divórcio) é que ele fez com que ela fosse contaminada ao
divorciar-se dela por uma razão pecaminosa. A contaminação
iguala-se ao adultério. Se ela tivesse sido liberada para casar-se
novamente, não cometeria adultério quando se casasse, e não
seria considerada contaminada. Em Mateus 5:32 está claro que
ela realmente não é elegível para casar-se com outro homem
(lembremo-nos de que Deuteronômio, capítulo 24, também não
diz que a esposa está livre para casar-se; essa passagem
simplesmente registra o fato de que, havendo sido feita a
proposta, e ela a aceitando, ela o faz), porque, ao fazê-lo, isso a
levaria a cometer adultério, tanto de sua parte como da parte do
seu segundo marido.
Agora é hora de se fazer uma boa distinção. Conquanto

118
Cristo, Deuteronômio e Gênesis

não seja bíblico dizer que essa mulher “ainda está casada com
seu primeiro marido aos olhos de Deus” (esse homem é
mencionado como “seu primeiro marido” - 24:4, e ela é
expressamente mencionada como mulher “casada com outro
homem”9 - 24:2, não obstante, casar-se com o segundo homem
constituiu um ato de adultério. Como pode ser isso, se (como já
vimos anteriormente) o divórcio - mesmo pecaminoso -
realmente rompe o casamento?
O divórcio pecaminoso, baseado apenas num erwath dabar,
verdadeiramente rompeu o primeiro casamento, e o casamento
pecaminoso, adulterino, com o segundo homem foi um
casamento genuíno, embora adulterino.10 É preciso entender bem
esses fatos. Mas, se eles não estavam “ainda casados aos olhos
de Deus”, por que o segundo casamento foi adulterino?
Devemos lembrar que o adultério sempre envolve uma
violação do primeiro casamento de tal maneira que um terceiro
parceiro envolvido é introduzido no quadro alegando o direito
(privilégio) de fazer por uma das duas partes o que estas tinham
assinado o contrato de fazerem uma pela outra.
Normalmente, o adultério ocorre quando o contrato de
casamento ainda está em vigor. Na situação a que Jesus se refere
(Deut., capítulo 24), esse contrato tinha sido rompido por razões
pecaminosas. Portanto, embora o casamento esteja
verdadeiramente rompido (e nenhum dos direitos, privilégios ou
obrigações próprios do casamento seja permitido ou exigido
nesta altura), não obstante, as partes divorciadas não têm nenhum
direito, aos olhos de Deus, de estarem no estado de divorciadas.
Elas são obrigadas a se reconciliarem matrimonialmente para que
possam renovar o contrato e continuar a cumprir os seus votos.
Esse é o ponto (cf. 1 Cor. 7:10,11). Como diz o apóstolo Paulo,
eles devem permanecer sem casar-se, não somente a fim de

9
Quer dizer, não é mais dele.
10
Como, por exemplo, o casamento pecaminoso de um crente com um incrédulo
é um casamento genuíno.

119
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

estarem em condições de poderem reconciliar-se (como temos


visto anteriormente), mas também, como vemos agora, a fim de
não cometerem adultério.
O adultério é, então, o pecado sexual que uma pessoa comete
com outra que não a pessoa com a qual aquela deveria estar
mantendo relações sexuais. Se o contrato matrimonial foi
quebrado pecaminosamente, esse rompimento significa várias
coisas, inclusive:

1. Que as pessoas divorciadas não podem ter relações sexuais com


nenhuma outra, embora deveriam estar praticando tais atos porque
deveriam estar casadas. O direito de intercurso sexual foi removido,
muito embora não tenha sido removida a obrigação de fazê-lo
numa situação de casamento regularizado.
2. Que qualquer que se case com uma ou outra das pessoas divor-
ciadas (e que estão sob a obrigação de casar-se novamente uma
com a outra) comete adultério, como também comete adultério
a pessoa divorciada (homem ou mulher) com quem ela se casa,
não porque (ele ou ela) ainda está casada, mas porque essa
pessoa, ele ou ela, está obrigada diante de Deus a casar-se. Nem
o homem nem a mulher têm, diante de Deus, o direito de
permanecerem no estado de não casados devido a um divórcio
baseado num erwath dabar.

O que acabou de ser dito, Jesus nos garantiu, aplica-se igualmente


a qualquer homem ou mulher que se divorciar pecaminosamente
do seu cônjuge (cf. Mateus, capítulo 19, Marcos, capítulo 10 e
Lucas, capítulo 16). Nas diversas passagens dos evangelhos,
todas as bases são cobertas, como o diagrama que virá a seguir
deixa claro.
Devo fazer um comentário final sobre as narrativas dos
evangelhos. É de vital importância reconhecer que, diversamente
dos fariseus, Jesus não restringiu Sua discussão sobre o divórcio
a Deuteronômio, capítulo 24. Ele não considerou essa passagem
do Velho Testamento como básica ou definitiva sobre o assunto
em foco - era tão somente

120
Cristo, Deuteronômio e Gênesis

um regulamento relacionado com um tipo particular de problema


relativo ao casamento. Em vez disso, Ele retorna às passagens que
dizem respeito à instituição do casamento em Gênesis, capítulo
2. Ali vemos uma mulher para um homem, ambos unidos numa
só pessoa (numa só carne) por toda a vida. Jesus disse aos fariseus
que é assim que o casamento teve o propósito de ser.
Quando Jesus perguntou: “Que vos mandou Moisés?” (Mar.
10:4), Ele estava pensando na ordem dada em Gênesis, capítulo
2, para que deixassem pai e mãe e se tornassem uma só carne.11
Mas os fariseus responderam citando erroneamente
Deuteronômio, capítulo 24. Depois fizeram esta falsa aplicação
da passagem: “Moisés permitiu escrever carta de divórcio, e
repudiar” (Mar. 10:4). Suas mentes estavam focalizadas num
ponto inteiramente diferente. Eles não estavam interessados no
que Deus desejava, mas em como eles poderiam esticar a lei de
Deus - em algo que formalmente é certo.
É verdade que Moisés deu a regulamentação, e com isso
reconheceu o divórcio - que Jesus admite (Mar. 10:5; Mat. 19:8).
Mas ele fez isso unicamente por causa da dureza de coração
(contumácia) dos homens (como já vimos, todo divórcio é
causado por pecado). Contudo, Jesus voltou ao ideal: “mas ao
princípio não foi assim” (Mat. 19:8). Quer dizer que, quando
Deus instituiu o casamento, este não foi providenciado para ser
uma opção.
Deus tratou o divórcio exatamente do mesmo modo como
tratou a poligamia e o concubinato (cf. Juí. 8:30,31; Ex. 21:7-9;
Deut. 21:10-14). O reconhecimento e a regulamentação dessas
práticas, que, à semelhança do divórcio, não eram assim desde o
princípio, mostram uma abordagem parecida.
Em nossos dias, fumar não é proibido, mas é regulamentado
pesadamente (os cigarros não podem ser divulgados pela TV,

11
Cf. William Hendriksen, New Testament Commentary: The Gospel of
Matthew (Grand Rapids: Baker Books House, 1973), p. 715.

121
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Lucas 16:18 Mateus 5:31-32

Mateus 19:3-9 Marcos 10:2-12

H = Homem M = Mulher D = Divorciado A = Adultério

devem trazer uma advertência dos órgãos governamentais da


saúde, não se pode fazer em certas partes dos aviões, etc. [e tem
sido exercido um controle legal e fiscal muito rigoroso no Estado
de São Paulo e noutros lugares da Federação brasileira]). Neste
aspecto, a prática de fumar lembra a maneira como o divórcio foi
entendido e regulamentado.

122
12
O Pecado Sexual como
Causa do Divórcio

Se é verdade que no Sermão do Monte Jesus restabeleceu o


verdadeiro sentido dos mandamentos (como acredito que fez1),
em vez de ab-rogá-los ou substituí-los por outra coisa, talvez você
queira fazer esta pergunta: “Como será que o divórcio poderá ser
uma solução para os crescentes problemas do pecado sexual do
adultério?”
É evidente que a lei do Velho Testamento exigia o
apedrejamento como pena pelo adultério (cf. Deut. 22:13-21;
22:22-24; Lev. 20:10). Mas igualmente é evidente que José - em
vez de seguir Deuteronômio 22:23-29 - procurou obter o
divórcio. E ele não foi condenado por essa decisão, mas, ao
contrário, foi recomendado por sua bondade para com Maria por
procurar divorciar-se dela privativamente. (Vê-se que esse é o
ponto salientado em Mateus 1:19 onde, numa explicação dessa
ação ponderada, José é chamado “justo”.) Além disso, Deus não
condenou Davi à morte pelo adultério, mas aceitou o seu
arrependimento e permitiu que ele se casasse com Bate- -Seba
(que veio a ser uma progenitora de Jesus Cristo - cf.

1
Quanto à argumentação sobre isso, ver comentários-padrão, mas principalmente
a obra de John Stott intitulada The Christian Counter Culture (Downer’s
Grove: InterVarsity Press, 1971), pp. 69-81. Note-se que Jesus está Se referindo
à interpretação farisaica, não às Escrituras): (1) Ele introduz a interpretação com
as palavras: “...foi dito” (Mat: 5:31a), não em Sua formula usual para introduzir
às Escrituras: “Está escrito”. (2) A citação não se adapta com a passagem de
Deuteronômio, mas sim, na declaração falsificada dessa passagem das
Escrituras.

123
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Mateus 1:6, onde Mateus destaca o fato). E, naturalmente, em


Mateus, capítulos 5 e 19, passagens do evangelho que já
consideramos, Jesus também permitiu o divórcio no caso de
fornicação. Onde foi que se originou essa ideia de divórcio ligado
ao pecado sexual?
Obviamente, José não seguiu nenhuma nova lei emitida por
Jesus em Mateus, capítulo 5 ou capítulo 19; Jesus, que Maria
trazia em seu ventre, era justamente o bebê em questão! Teria
José, por sua conta, decidido seguir alguma inovação mais
recente feita pela comunidade judaica? Se foi assim, Deus teria
aceitado essa alteração puramente humana da Sua lei, e até
tornaria seguro recomendar quem a segue? E a cláusula exceptiva
de Jesus, realmente explica a lei ou simplesmente lhe acrescenta
algo, ou a condiciona? Responder biblicamente a essas perguntas
não é fácil, mas seguindo essa rota é que se encontra o
entendimento de muitas coisas.
Comecemos considerando a explicação mais óbvia, mais
básica e, portanto, mais fácil da origem do divórcio pelo pecado
sexual. Além de José e Davi, notamos que no Velho Testamento
o próprio Deus reconheceu (e com isso nos ensinou) que o
divórcio pelo pecado sexual do adultério é uma opção. Ele nos
ensinou isso tanto por preceito como pelo exemplo, em Sua
relação com Israel. O que Deus ensinou, que o homem não negue!
Em diversas passagens Deus fala da Sua relação com o Seu
povo pactuai do Velho Testamento como um casamento. Como o
Novo Testamento deixa claro (Ef. 3:22-33), o casamento de Deus
é mais do que uma simples analogia; na verdade, a norma bíblica
para o casamento cristão acha-se na relação de Cristo com Sua
igreja (cujo protótipo era a relação de Deus com Sua esposa,
Israel): como Cristo... assim também o marido; como a igreja,
assim também a esposa.
Deus fala calorosamente do Seu compromisso e do Seu
casamento com Israel:

124
O Pecado Sexual como Causa do Divórcio

“...estendi sobre ti a outrela do meu manto, e cobri a tua nudez;


e dei-te juramento, e entrei em concerto contigo,2 diz o Senhor
Jeová, e tu ficaste sendo minha” (Ez. 16:8).

Essa relação matrimonial continuou. Deus ternamente rememora


os fatos acerca do primeiro amor de Israel pelo seu noivo no Egito
e nos primeiros dias do casamento no deserto:

“Lembro-me de ti, da beneficência3 da tua mocidade, e do amor


dos teus desponsórios, quando andavas após mim no deserto...”
(Jer. 2:2b).

Mas esses dias de galanteio e de casamento inicial (“andavas após


mim”) não duraram. Houve uma mudança. Depois do casamento
celebrado no Sinai e quando entrou na terra [prometida], Israel
começou a mudar suas afeições e, (não uma vez, mas),
continuamente, foi infiel a seu Marido, Jeová:

“...em todo outeiro alto e debaixo de toda árvore verde te andas


encurvando e corrompendo” (Jer. 2;20b; cf. 3:23-25; 3:6, 8,9).

E:

“...andou atrás de seus namorados, mas de mim se esqueceu, diz


o Senhor” (Os. 2:13; cf. 2;5, 7).

E:

“Então vieram a ela os filhos de Babilônia para o leito dos


amores, e a contaminaram com as suas impudicícias [ou

2
Note-se que, como o paralelismo deixa evidente, um pacto ou uma aliança
matrimonial envolvia votos mútuos dos nubentes (juramento). Contudo, como
veremos, os votos de Deus não eram eompletamente incondicionais (como
alguns afirmam erroneamente), visto que, quando Israel quebrou os votos da sua
aliança matrimonial com Deus, Ele se desobrigou dos Seus.
3
Chesed = amor pactuai; i.e., o cumprimento dos votos matrimoniais de Israel
no período inicial do casamento.

125
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

“fornicações”]...4 e então pôs a descoberto as suas devassidões,


e descobriu a sua vergonha... Ela multiplicou todavia as suas
prostituições” (Ez. 23:17,18,19).

Então Deus disse:


“...descobrir-se-á a vergonha da tua prostituição, e a tua
malignidade, e as tuas devassidões” (Ez. 23:29b).

Isso foi feito quando, finalmente, Deus se divorciou dela:


“...por ter cometido adultério a rebelde Israel, a despedi, e lhe
dei o seu libelo de divórcio...” (Jer. 3.8; cf. 3:1,2).

E:
“Assim diz o Senhor: Onde está o libelo de divórcio de vossa
mãe, pelo qual eu a repudiei?...” (Is. 50:1).

Em consequência, Ele pôde dizer:


“...ela não é Minha mulher, e eu não sou seu Marido; 5 e desvie
ela as suas prostituições da sua face e os seus adultérios de entre
os seus peitos”6 (Os. 2:2; cf. 1:9).

Que Deus clara e consistentemente ligou o divórcio ao adultério,


via fornicação, é um fato que simplesmente não pode ser
contestado. Então, mesmo que não houvesse outra razão,
podemos entender porque Cristo, bem fundamentado no Velho
Testamento, falou como falou em Mateus, capítulos * I

4
Note-se que a palaviafomicação aqui (e no contexto) é empregada com
referência a uma mulher casada. O plural é empregado para expressar a
enormidade do pecado, o número de maneiras pelas quais Israel fornicou (ou
se prostituiu), e o número de vezes, ou todas as vezes que Israel praticou o
referido pecado. Evidentemente, divórcio por fornicação rompeu
propriamente
I )eus e Israel odeixaram
casamento:
de ser Marido e mulher.
" < *s termos fornicação e adultério [na versão utilizada pelo autor] são
empregados
cm paralelismo: a fornicação foi o ato que levou ao adultério - o resultado.
126
O Pecado Sexual como Causa do Divórcio

5 e 19. Mas, completemos a história do Velho Testamento.


Mesmo então - apesar do pecado da esposa, Israel - Deus a amou
e a chamou ao arrependimento e a chamou de volta. Se ela o
fizesse, Ele declarou que a receberia de novo e a faria Sua mais
uma vez:
“Converte-te, ó Israel, ao Senhor teu Deus. ... Tomai convosco
palavras, e convertei-vos ao Senhor; dizei-lhe: expulsa toda a
iniquidade, e recebe o bem... [ou: “e recebe-nos bondosamente]”
(Os. 14:1,2.
Na verdade, Deus, por Sua graça, tomou a iniciativa (como o livro
de Oseias indica) para reconquistá-la:
“...eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto” (cf. Jer. 2:2b,
citado acima. O deserto a faria lembrar-se dos primeiros dias,
puros e maravilhosos, de namoro e de casamento], “e lhe falarei
ao coração. ... E acontecerá naquele dia, diz o Senhor, que me
chamarás: Meu marido” (Os. 2:14,16; cf. também Jer. 3:13,14).
Esse galanteio a conquistaria de novo por meio do
arrependimento:
“...então [ela] dirá: ir-me-ei, e tornar-me-ei a meu primeiro
marido, porque melhor me ia então do que agora” (Os. 2:7c).
Quando ela voltou, Deus a perdoou e a purificou, tornando-a tão
pura como se ainda fosse a Sua noiva virgem:7
“Porque o Senhor te chamou como a mulher desamparada e triste
de espírito; como a mulher da mocidade que é desprezada, diz o
teu Deus. Por um pequeno momento te deixei, mas com grande
misericórdia te recolherei” (Is. 54:6,7).
Comentando esses versículos, Young e Oehler dizem
(sucessivamente):

7
Cf. meu livro More than Redemption, para ver algo mais sobre o perdão, cap.
13, pp. 184-232.

127
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Sião é exposta como uma mulher que, em sua juventude, tinha


sido desposada e, depois, por causa dos seus pecados, foi
repudiada, e depois foi chamada de volta para ser a esposa. ... A
frase [mulher em sua juventude] não se referem a uma mulher
jovem, mas sim a uma mulher com a qual o marido em sua
juventude.8
A adúltera se tornou esposa de Deus como se nunca tivesse sido
infiel: “como a mulher da mocidade”.9

Essas evidências deixam claro que o divórcio por adultério via


fornicação foi considerado por Deus uma opção natural, que Ele
pôde usar com referência à Sua relação com Israel. Aqui devemos
ter o cuidado de não alegar que Deus pode fazer o que quiser e
que os Seus atos não constituem exemplo para nós. A figura do
casamento (e do divórcio), que Ele utiliza para explicar os Seus
atos e os seus diversos relacionamentos com Israel, não explicaria
nada e só confundiria o leitor se, verdadeiramente, o
apedrejamento fosse a única maneira de lidar com o adultério. E
inconcebível que Deus - sem nenhuma explicação - fizesse o que
era contrário a tudo o que Ele exige do Seu povo na mesma
circunstância. Visto que na lei não há nenhum registro de que
Deus permitiu o divórcio com base na fornicação, e visto que não
se vê nenhuma explicação para essa mudança necessária na época
dos profetas Isaías, Jeremias ou Oséias, podemos presumir que o
entendimento de que essa prática era permissível já era universal
entre o povo de Deus e se havia tornado a prática normal da terra.
O mínimo que podemos dizer é que nesses profetas, por Seu
reconhecimento, adoção e endosso (implícito) da prática, Deus
lhe tinha dado a Sua aprovação.
Senão de outra fonte, José e Jesus puderam ter derivado
facilmente o seu conceito de divórcio por fornicação - como
fizemos aqui - do exemplo e das palavras do próprio Deus.

8
E. J. Young, The Book oflsaiah (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), III: 365.
9
Gustave Oehler, Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, sem
data), p. 507. Ver também Keil e Delitzsch.

128
O Pecado Sexual como Causa do Divórcio

Agora vamos dar um passo avante. Vê-se também que a Igreja


do Novo Testamento reconheceu que as palavras de Jesus,
baseadas no exemplo pessoal de Deus no Velho Testamento,
indicam que algo menos do que o apedrejamento - a saber, o
arrependimento e o perdão - pode ser requerido para a fornicação-
adultério em suas várias formas. O caso em foco é o pecado do
incestuoso impenitente de 1 Coríntios 5:9ss.10 11 Essa ideia
poderia ter sido deduzida, não somente do exemplo de Deus em
Sua relação com Israel, mas também em Seu procedimento com
Davi. Davi cometeu assassínio e adultério - ambos os quais
pecados levavam à pena de morte. Todavia, quando ele se
arrependeu (2 Sam. 12:13), Deus mandou o profeta Natã dizer:
“...o Senhor traspassou o teu pecado; não morrerás” (2 Sam.
12:13).

Deus declinou de executar a pena de morte, apesar de Davi ter


cometido um delito duplo.
Mas, como Deus pode fazer tais exceções às Suas próprias
regras? Pode parecer que a lei específica (não a lei moral) não era
considerada absoluta e inflexível.11 Havia algumas opções
registradas (e.g., Deut. 22:29 parece absoluta, mas Êx. 22:16
estabelece uma reserva ou condição concedendo ao pai (e, por
meio dele, à jovem) discrição na situação dada. Mas também
parece que outros estavam dentro desse entendimento. Jesus fala
dessa maneira quando diz: “No princípio não era assim”, e:
“Moisés, por

10
Ele foi excomungado, não por seu pecado de fornicação incestuosa, mas por sua
arrogante recusa a arrepender-se (cf. 1 Cor. 5:2). Quando ele confessou e
abandonou o seu pecado, foi perdoado, consolado e reassimilado na igreja (2
Cor. 2:1-11). Levítico 20:11 e 18:8 requeriam o apedrejamento por esse pecado.
Evidentemente, o pai do homem ainda vivia, visto que a sua madrasta é
chamada esposa, não viúva. O que foi praticado era uma forma de adultério.
11
Haverá distinção entre a expressão enfática “certamente o homicida morrerá”
(Núm. 35:17,18, 21; cf. Berkeley para ter uma tradução mais clara), e a
declaração simples que se acha em Deuteronômio 22:22? A primeira expressão
indica uma determinação mais absoluta que a última?

129
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

causa da dureza dos vossos corações...”. Aqui há uma concessão,


e, neste exemplo, a lei específica parece diminuir a força da
ordenança estabelecida na criação. Entretanto Jesus não
desenvolveu o argumento favorecendo a concessão. Ele
simplesmente disse:
“Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu
repudiar vossas mulheres” (Mat. 19:8).

Porventura ele se refere-se aqui à permissão escrita nos primeiros


cinco livros de Moisés, ou a uma prática não escrita, instituída por
Moisés, subjacente a todas essas exceções veterotestamentárias
do apedrejamento? Conhecendo a dureza dos corações, que
poderia levar a um uso indiscriminado e cruel da pena capital
nessa questão, teria Moisés concordado na prática do divórcio por
fornicação-adultério como uma alternativa que Cristo confirmou?
(19:9). Se é assim, a exceção teve posição firmada desde muito
tempo antes, como a história de Israel parece mostrar que
aconteceu.12
Seria difícil estabelecer definidamente a causa de um modo
ou de outro, e eu vou parar de especular. O que é certo - quando
quer que a prática se tenha originado, sob Moisés ou depois - é
que a prática do divórcio por adultério foi sancionada por Deus
no período do Velho Testamento. Cristo não introduziu uma nova
lei com relação ao problema em foco, e José, evidentemente,
estava bem dentro do escopo da vontade de Deus nesse ponto.

12
O que estou dizendo não é totalmente especulação. Se, como eu mostrei, a
referência de Cristo a Deuteronômio, capítulo 24 (em Mat. 5:31,32) e o
apropriado entendimento de “contaminada” em Deuteronômio 24:4 significa
que a causa em questão dizia respeito a um divórcio pecaminoso concedido
com base noutro motivo que não o adultério, há boa razão para supor que
Moisés tinha concedido esse regulamento que, nas narrativas dos Evangelhos,
Jesus confirmou.

130
TERCEIRA PARTE

NOVO CASAMENTO
13

Novo Casamento

Já temos visto algo sobre a representação bíblica do


casamento e do divórcio. Resta-nos pôr às claras o que a Escritura
nos diz acerca do novo casamento de pessoas divorciadas.
Para começar, devemos examinar o novo casamento em geral;
depois vamos verificar se Deus permite que pessoas divorciadas
se casem. Finalmente, devemos perguntar: “Se pessoas
divorciadas podem casar-se de novo, quem dentre elas podem, e
em quais condições?”

Novo Casamento
Que dizer do novo casamento? A Bíblia permite, desestimula,
estimula ou tolera o novo casamento? Na Bíblia não há nada, per
se, contra novo casamento após a morte de um dos cônjuges. A
Bíblia declara:
...mas, morto o marido, [a mulher] está livre da lei, e assim não
será adúltera, se for doutro marido (Rom. 7:3b).
A afirmação é clara: não é errado casar novamente.
Na verdade, em alguns casos o novo casamento é incentivado.
Por exemplo, em 1 Timóteo 5:14 Paulo escreveu:
Quero, pois, que as [viúvas] que são moças se casem, gerem

133
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

filhos, governem a casa, e não deem ocasião ao adversário de


maldizer.1

Paulo pôde enxergar a possibilidade de tentação, de intromissões


de bisbilhoteiros, e da colocação de fardo desnecessário sobre a
igreja quanto ao sustento das viúvas, se não se casassem de novo.
Assim, por razões práticas e pelo testemunho do Nome de Deus,
ele passou essas diretrizes à igreja por meio de Timóteo. Segue-
se, pois, que, longe de acharmos algo errado, e até problemático,
no novo casamento em si, aqui o vemos fortemente aconselhado.
Além disso, Paulo foi tão longe neste assunto, que chegou a
ordenar às viúvas que tivessem dificuldade em conter o seu
desejo sexual, que procurassem o novo casamento como um meio
de lidar com esse problema - e é bom notar que essa exigência
ocorre numa passagem que em geral desaconselha o casamento
por causa de uma crise iminente:

Digo, porém, aos solteiros e às viúvas, que lhes é bom ficarem


como eu. Mas, se não podem conter-se casem-se. Porque é
melhor casar do que abrasar-se (1 Cor. 7:8,9).

Finalmente, consideremos as palavras de Paulo em 1 Coríntios


7:39:

A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo que o seu
marido vive; mas, se falecer o seu marido, [ela] fica livre para
casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor.

Evidentemente, o conceito de novo casamento não somente

1
O livro de Rute é um bom exemplo que mostra quão favoravelmente as
Escrituras veem o novo casamento. É interessante que um livro inteiro trata
dessa questão, e que, na linhagem de Cristo, há pessoas que tiveram segundo
casamento.

134
Novo Casamento

foi tratado pela igreja do Novo Testamento, mas foi tratado de


maneira muito favorável. Disso não pode haver nenhuma dúvida
razoável.

Poligamia
À luz desse fato, pode parecer estranho Paulo proibir a igreja
de nomear ou eleger como presbítero ou diácono quem tivesse
feito segundo casamento. Todavia, é justamente isso que alguns
ensinam. Esse erro brota de uma interpretação incorreta das
palavras “marido de uma só mulher”, que ocorrem em 1 Timóteo
3:2, 12 e em Tito 1:6.
Naturalmente, os oponentes do novo casamento pensam em
pessoas divorciadas que se casaram novamente quando eles
chegam à referida interpretação. Mas a sua tese prova demais: não
somente exclui dos dois ofícios da igreja pessoas divorciadas que
casaram de novo, mas também exclui todos os viúvos que se
casaram novamente!
Isso é estranho, eu digo, e não somente porque exclui do ofício
algumas das pessoas mais bem qualificadas em muitas
congregações ou igrejas locais, mas também porque entra em
conflito com fato de que - como já vimos - o Novo Testamento
sempre fala favoravelmente sobre novo casamento e, na verdade,
em algumas situações, até o ordena e o incentiva. Seria uma
grande surpresa encontrar tal proibição. Senão por outra razão,
esse conflito nos faria olhar com suspeita e cautela a interpretação
da frase “marido de uma só mulher” que lhe dá o sentido de uma
somente, e nunca outra, mesmo depois da morte do cônjuge.
Acaso há outra interpretação?
Sim há, e temos todos os bons motivos para preferir esta à
anterior. Existia um verbo grego perfeito para o caso em foco, um
verbo que Paulo poderia ter empregado (gameo) para indicar que
um cônjuge nunca poderia casar-se novamente, mesmo após a
morte do outro, nem poderia exercer ofício na

135
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

igreja, se fosse isso que ele quisesse dizer. Então a frase diria:
“casado (gameo) só uma vez”. Essa frase seria clara. Mas ele não
empregou gameo; na verdade, ele não estava falando sobre
quantas vezes a pessoa em foco ter-se-ia casado. Antes, Paulo
empregou coerentemente a construção incomum “marido de uma
[só] mulher”. Ele não estava interessado em quantas vezes o
homem se casara, mas sim em quantas mulheres ele tinha!
Estritamente falando, a frase “marido de uma mulher”, só
permite uma interpretação: um presbítero ou diácono em
perspectiva, considerando que tem que ser um exemplo em todas
as coisas, inclusive nas questões matrimoniais, não pode ser um
polígamo. A frase significa: “o marido de uma só mulher”, em
qualquer tempo. A frase não diz coisa alguma acerca de novo
casamento.
O Velho Testamento permitia a poligamia, mas isso nunca foi
o ideal. Em Gênesis Deus disse que os dois seriam uma só carne,
não três, nem cinco, nem oitol Mas no Novo Testamento, embora
fosse permitido que o convertido polígamo fosse admitido na
corporação cristã sem mandar embora as suas mulheres, com
base no princípio declarado e reiterado em 1 Coríntios 7:17, 20,
24, ele não podia ser oficial. A vida dos oficiais deve ser
exemplar, e Deus queria que o exemplo do casamento
monogâmico fosse exposto diante da igreja.
Mas os defensores dos pontos de vista contrários ao novo
casamento nos dizem que não havia poligamia nos tempos do
Novo Testamento. Os fatos provam outra coisa; eles estão
errados. A poligamia continuou, não somente entre os judeus,
mas também entre os gregos e os romanos (e sabe-se lá onde
mais!).
Muitos dos primeiros convertidos de cada igreja que Paulo
iniciou eram judeus da dispersão. Josefo menciona duas vezes a
poligamia existente em seu tempo. Em 212 A.D. a lexAntoniana
de civitate tornou lei a monogamia para

136
Novo Casamento

os romanos, mas, especificamente, excetuou os judeus! Tempos


depois, em 285 A.D., Diocleciano achou necessário rescindir a
exceção, mas em 393 Teodósio achou necessário emitir uma lei
especial contra a poligamia entre os judeus, visto que eles
persistiam nessa prática. Nem isso lhe pôs fim; a poligamia entre
os judeus continuou até o século onze.2
Mas isso não é tudo. Os contratos de casamento gregos
indicam a existência de poligamia nos tempos do Novo
Testamento. Um desses contratos, de 92 a.C., diz:
Não será lícito a Philiscus admitir outra mulher, além de
Appolonia.’

Esse contrato de casamento deixa claro que, independentemente


dessa proibição, a poligamia era uma opção inteiramente
provável. A lei promulgada em 212 A.D., acima mencionada,
também indica a presença de poligamia no mundo romano. Que a
cláusula contra a poligamia no contrato matrimonial que acabei
de citar não era uma rara exceção é demonstrado por uma cláusula
parecida em outro contrato, do ano 13 a.C.:
Ptolemaeus... não... a insultará... não introduzirá outra mulher.4

“Bem, então, se Paulo não proibiu o novo casamento entre


presbíteros e diáconos”, você pergunta, “que dizer de pessoas
divorciadas exercendo ofício?” Em resposta, permita-me encerrar
este capítulo citando um artigo previamente publicado em
Matters of Concern for Christian Counselors,5 que trata de
questões relacionadas com essa pergunta:

2
Eugene Hillman, Polygamy Reconsidered (Maryknoll: Orbis Books, 1975), pp.
20,21.
3
Hunt e Edgar, Select Papyri, op. cit., 1:5-7.
4
Ibid., 11.
5
Cf. Matters of Concern for Christian Counselors, pp. 75,76.

137
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Pergunta:“Um homem foi indicado para exercer ofício numa


igreja. Ele, sua esposa e os que o indicaram ficaram muito
contrariados pelo fato de que a sua indicação fora recusada. A
recusa deveu-se a um regulamento da igreja que estabelece que
nenhuma pessoa divorciada poderia exercer ofício ali. Os
queixosos dizem: “Deus perdoou; por que a Sua igreja não
perdoa?” Qual é a posição das Escrituras sobre esta questão?
Visto que esse problema é urgente em muitas situações,
respondo a essa pergunta de maneira geral.
Resposta:sua pergunta não é única. Nesta época de muitos
divórcios e de novos casamentos, a igreja está enfrentando esses
casos cada vez mais. A questão que vocês levantam é
importante. Não pode e não deve ser evitada. Por outro lado,
envolve problemas não fáceis.
Em primeiro lugar, esclareçamos duas coisas:

(1) Deus em Cristo perdoa todos os pecados. O casal está


absolutamente correto sobre isso. Há somente um pecado
imperdoável, o pecado contra o Espírito Santo - atribuir a obra
do Espírito Santo a um espírito impuro, ou seja, ao diabo. 1
Coríntios 6:9-11 deixa claro que Cristo concede perdão pelo
pecado de adultério.
(2) O perdão não livra o pecador de todas as consequências do
seu pecado. O perdão significa que Deus deixa de lhe imputar o
seu pecado. A pessoa perdoada não será sentenciada
eternamente por esse pecado; Cristo foi julgado e condenado em
seu lugar. Mas as consequências sociais ainda têm que ser
enfrentadas. Se, numa briga de bêbados, um homem não salvo
meteu o braço numa vidraça, quebrou o vidro e, por isso, o seu
braço teve que ser amputado, não significa que, depois de salvo
pela graça, ele vai ter um novo braço. Não; ele sofrerá as
consequências daquele pecado pelo resto da vida.
Bem, há consequências de pecado que são para a vida toda, e
algumas que não são. O único ponto em questão é: o que a Bíblia
fala sobre esta pergunta particular?

138
Novo Casamento

A resposta, ao que me parece, é que a Bíblia ensina que algumas


consequências de pecado passado, quanto à elegibilidade para
ofício na Igreja de Cristo, duram a vida inteira, e outras não. Por
exemplo, se antes da sua conversão um homem se casara com
mais de uma mulher, sua poligamia não o impede de ser membro
de uma igreja de Cristo, mas o proíbe de exercer ofício nessa
igreja.6 E isso não é porque ele não foi perdoado por Deus e pela
igreja, mas porque aquele que exerce ofício na igreja precisa “ser
um exemplo em todas as coisas”, (inclusive na prática
matrimonial monogâmica).
Ora, seria desse tipo a questão que aqui está em foco? Não
inteiramente. Uma condição para o exercício de ofício na igreja
é que o candidato “seja irrepreensível” (1 Tim. 3:2) e “também
que tenha bom testemunho dos que estão de fora” (1 Tim. 3:7).
Tito reitera essa condição dizendo que tal homem deve ser
“irrepreensível” (Tito 1:6).
As circunstâncias do seu divórcio e/ou novo casamento podem
ser tais que a pessoa, anos depois (talvez até pelo resto da sua
vida) continuará desqualificado pela má reputação que carrega
em consequência. Por outro lado, seu estilo de vida posterior
pode ser de tal qualidade que Deus mude a sua reputação. Além
disso, pode ser que a pessoa não tenha cometido pecado na
obtenção do divórcio, se lhe foi concedido sobre bases bíblicas.
Desde que cada caso é diferente, e desde que temos claros
critérios para determinar quem é elegível para ofício, é errado
acrescentar leis ou normas aos estatutos da igreja a esse respeito,
principalmente quando essas normas são menos flexíveis do que
as Escrituras. A igreja não tem direito de proibir o que Deus
permite. E dever dos oficiais vigentes determinar, em cada caso,
se dado indivíduo preenche ou não os requisitos para a sua
qualificação.
Por outro lado, se o homem em vista ficar “muito contrariado”,

6
O oficial dever ser “marido de uma mulher” (i.e., uma por vez - 1 Tim. 3:2; Tito
1:6). Essas passagens não dizem “casado só uma vez”. O verbo empregado para
casamento, gameo, não é empregado nessas passagens.

139
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

e se isso envolver raiva, falta de controle, e coisas semelhantes,


ou se a sua conversão for muito recente, devem ser-lhe exigidas
outras condições (cf. 1 Tim. 3:2, 6; Tito 1:7,8). A atitude com
que os possíveis candidatos lidam com esta questão dirá muita
coisa sobre a qualificação e (de outra perspectiva) pode ter muito
para dizer sobre a reputação de quem foi indicado para ser oficial
da igreja.

140
14
Novo Casamento após Divórcio

No capítulo anterior vimos que o novo casamento, em si, era


visto com bons olhos pela igreja do Novo Testamento. Mas agora
devemos considerar o problema do novo casamento após o
divórcio. Este item é complexo e (de novo) um item muito
carregado emocionalmente. Busquemos pacientemente a base
para este estudo, com calma e ordenadamente.
Muitas vezes nos dizem, de um modo ou de outro, que a
história muda. A atitude favorável para com o novo casamento é
trocada por condenação. “Afinal de contas”, nos é assegurado, “a
única palavra do Novo Testamento sobre o assunto é a que está
em Mateus, capítulos 5 e 19, e nas passagens paralelas, e essa
palavra é uma advertência contra o adultério. O Novo Testamento
não diz nada de positivo sobre novo casamento de pessoas
divorciadas”. Mas isso simplesmente não é verdade. Em 1
Corindos 7:27,28a lemos:
Estás ligado à mulher? Não busques separar-te. Estás livre de
mulher? Não busques mulher. Mas, se te casares, não pecas.
Com relação a essa passagem há várias particularidades que
devem ser observadas: 1 2

1. O verbo traduzido por “separar-te” e por “estás livre” é o


mesmo nos dois casos, o verbo luo.
2. Estar separado ou livre de mulher no segundo exemplo deve
significar o mesmo que significa no primeiro; caso contrário,

141
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

perde-se o contraste proposto.


3. Está claro que o divórcio está em vista em ambos os casos. É
evidente que, quando Paulo diz que o homem não deve buscar
livrar-se da mulher, ele não se refere a livrar-se dela pela morte!
A libertação aqui referida só pode significar uma coisa - livrar-
-se pelo divórcio. Igualmente no segundo caso - a libertação só
pode ser pelo divórcio. (Note-se que estar livre de mulher é o
oposto de estar ligado a uma mulher.)
4. Paulo permite o novo casamento dos que se livraram dos
laços do casamento (i.e., dos divorciados), mesmo numa época
de dura perseguição, quando em geral não se incentiva o
casamento (7:28).
5. E, em acréscimo, ele afirma que não há pecado no novo
casamento.1

É, pois, muito importante entender que a posição dos que afirmam


que, em nenhuma circunstância, uma pessoa divorciada pode
casar-se de novo, é posição totalmente desautorizada e sem base
real. A passagem em foco é fatal para essa opinião; as Escrituras
a contradizem claramente quando afirmam o oposto. Não se pode
duvidar de que a Bíblia permite o novo casamento de algumas
pessoas divorciadas (não das que estão na mira de Mateus,
capítulos 5 e 19 e de outras passagens).
Devemos colocar a questão em termos mais nítidos. Chamar
de “pecado”, conscientemente ou não, o que Deus expressamente
declara que não é pecado (7:28) é um grave erro, que não deve
ser ignorado ou tratado com leviandade (cf. 1 Tim. 4:3). Com
efeito, esse erro equivale a colocar as tradições dos homens (cujos
motivos podem ser bons, mas cujo critério de julgamento se vê
nublado) acima da Palavra do Senhor, acrescentando restrições e
fardos que Deus não

1
Que Paulo não está falando de casamento de virgens em 7:28a pode-se ver
notando que em 7:28b ele fala sobre esse assunto. Obviamente, a primeira parte
do versículo 28 é continuação do assunto introduzido no versículo 27. Paulo está
falando sobre pessoas que, tendo-se casado anteriormente, depois se
divorciaram.

142
Novo Casamento após Divórcio

exige que carreguemos. Isso pode causar (e causa) nada menos


que confusão, intranquilidade e divisão na Igreja de Cristo.
Existe prova adicional de que o novo casamento de pessoas
divorciadas não era desconhecido nem proibido. Em Ezequiel
44:22 lemos:
E eles [os sacerdotes] não se casarão nem com viúva nem com
repudiada, mas tomarão virgens da linhagem da casa de Israel,
ou viúva que for viúva de sacerdote.
Não desejo discutir as razões cerimoniais dessa proibição, mas o
que eu desejo é simplesmente assinalar que o regulamento inscrito
nessa passagem destacava o sacerdote como especial. Havia
outras normas semelhantes que só diziam respeito aos sacerdotes
e que faziam deles pessoas especiais. Vê-se claramente que, pela
prática (de Abraão em diante - cf. Gên. 23:1; 25:1) e por preceito
(como já observamos), a Bíblia não somente permite, mas muitas
vezes encoraja o novo casamento de viúvas. Todavia, aqui, o
sacerdote é proibido de exercer esse direito (a não ser que a
mulher seja viúva de sacerdote). Não significa que o novo
casamento de viúvas seja errado, mas sim que os sacerdotes
pertencem a uma classe especial e não lhes é permitido fazer o
que é perfeitamente correto para outros fazerem. Pode-se dizer a
mesma coisa a respeito da segunda proibição presente no
versículo: “nem com repudiada”. Os sacerdotes não podem fazer
o que outros podem: i.e., casar-se com pessoa divorciada. Toda a
ênfase do versículo está em especificar exigências peculiares aos
sacerdotes. Se a ninguém fosse permitido casar-se com pessoa
divorciada, em todo e qualquer caso, a proibição não teria razão
de ser. Somente se a prática fosse geralmente aceita o versículo
tem sentido, visto que, nesse caso, a passagem assinalaria uma
exceção à regra geral.2
Nada na Bíblia proíbe o novo casamento de pessoas

2
Cf. também Levítico 21:7,13-15.

143
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

divorciadas, sem obrigações, exceto dos sacerdotes, que eram


exceções à esta imposição administrativa. É pressuposto na
Bíblia que, onde quer que as Escrituras permitam o divórcio,
permite igualmente o novo casamento.3
Por conseguinte, até aqui nós firmamos dois pontos muito
importantes:
1. Em geral, o novo casamento não somente é permitido, mas
em alguns casos é encorajado e ordenado. No Novo Testamento
o novo casamento é visto favoravelmente.
2. O casamento após o divórcio não está fora de permissão,
mas, nos casos em que a pessoa foi propriamente “separada” ou
libertada do seu cônjuge, é declarado expressamente que o novo
casamento não é pecado - mesmo nos perigosos tempos de crise
em que todo casamento é desaconselhado. Não há nenhuma
razão para não acreditar que o conceito do Novo Testamento
favorável ao novo casamento não se aplica igualmente a todos
os casos semelhantes.

Passemos agora a uma terceira questão. Quem é que pode casar-


se de novo após o divórcio, e sob quais condições? A resposta a
essas perguntas é ao mesmo tempo simples e complexa. O que é
simples é o primeiro princípio geral:
Todas as pessoas corretamente divorciadas4 podem casar-se de
novo.

É isso que 1 Corindos 7:27,28a ensina, e o princípio se harmoniza


plenamente com o de 1 Corindos 7:15, segundo o qual aquele que
se divorciou em conformidade com as provisões bíblicas ali
declaradas está livre e não está mais

3
Lembremo-nos, também, de que o direito de novo casamento era expressamente
declarado nos certificados tanto gregos como hebraicos. O Talmude diz: “A
essência do git [documento de divórcio] está nas palavras: “Veja bem, com isso
você agora é permitida a qualquer homem” Gittin, op. cit., p. 439.
4
Pela expressão corretamente divorciada me refiro àqueles que se separaram sem
obrigações (um para com o outro). Note-se que 1 Coríntios 7:27 fala de pessoas
que, estando ligadas a uma esposa, são libertadas desses mesmos laços.

144
Novo Casamento após Divórcio

ligado. Se está livre, livre está para casar.


O que é complexo é se as pessoas que se divorciaram
impropriamente (em divórcio pecaminoso), e que, em
consequência, continuam obrigados a reconciliar-se com seus
respectivos cônjuges, ou se as pessoas divorciadas própria ou
corretamente, mas estando com outras obrigações (a serem
discutidas mais adiante), podem desincumbir-se dessas
obrigações de modo que, eventualmente, também possam estar
livres para casar.5
John Murray argumenta com sucesso no sentido de que aquele
que se divorciou em consonância com a exceção estabelecida em
Mateus 19:9 está livre para casar, porque a exceção (“não sendo
por causa de prostituição”, ou de “pecado sexual”) aplica-se, não
somente à frase, “qualquer que repudiar sua mulher”, mas
também a esta outra: “e casar com outra”.6
Não vou reproduzir aqui (nem poderia) o excelente trabalho
exegético que ele fez para dar suporte a essa conclusão.
Recomendo a você sua discussão. Presumindo, então, que Murray
está certo, é inteiramente próprio dizer que, em tais caos - não
pesando sobre as partes a serem reconciliadas nenhuma obrigação
pertinente - os interessados podem casar de novo sem cometer
adultério.7

5
O princípio que percorre as Escrituras, numa forma ou noutra, é que Deus nos
chamou para a paz (1 Cor. 7:15). Deus exige que trabalhemos para pôr em
repouso todas as questões pendentes. Ele não quer que pontas soltas fiquem em
suspenso (cf. o Manual, pp. 52-62)
6
Cf. Murray, Divorce, pp. 36-43.
7
E interessante observar que as Escrituras não registram nenhuma ameaça de
apedrejamento por novo casamento enquanto o cônjuge ainda vive. Contudo,
no caso de ter havido adultério durante o processo, seria de esperar que se
descobrisse ao menos alguma insinuação disso. Somente aqui, nas palavras de
Cristo em Mateus 19:9, consta o fato de que o adultério pode resultar de um
novo casamento feito sob as condições de obrigação levantadas. Esta
observação é pertinente ao que foi discutido no capítulo 12, sobre as origens do
divórcio motivado por adultério. As palavras de Cristo sobre divórcio nos
Evangelhos referem-se, em parte, como já vimos, a Deuteronômio 24:1-4. A
mulher, nessa discussão, estaria “contaminada” porque o seu marido (se fez o
que o marido
145
CASAMENTO, DIVORCIO E NOVO CASAMENTO NA BIBLIA

É próprio, então, quanto a alguns divorciados, que se casem


depois da morte do cônjuge (cf. 1 Cor. 7:39), “contanto que seja
no Senhor” (i.e., os cristãos devem casar-se com cristãos. Quando
eles estão livres para casar-se, não estão livres para casar-se com
qualquer pessoa; só podem casar-se com crentes). Mas, aplicada
ao novo casamento de pessoas divorciadas, essa regra bíblica
pode ter algumas implicações interessantes (e incômodas). Para
começar, claro está que, por exemplo, se o marido cristão se
divorciar da esposa não salva, que deseja dar continuidade ao
casamento, ele estará pecando (cf. 1 Cor. 7:12,13). Arrependido,
é preciso que ele busque, não somente o perdão de Deus por esse
pecado (e por todos os outros pecados cometidos no curso da
obtenção do divórcio), mas também o perdão dela. Visto que esse
homem devia estar casado com ela (porquanto se divorciou dela
contra as claras proibições bíblicas registradas em 1 Cor. 7:12-
14), ele deve procurar voltar para a esposa e restabelecer o
casamento. Contudo, ele não está mais casado com ela e, uma vez
que se exige que se case “somente no Senhor”, ele está impedido
por essa regra de fazê-lo e, portanto, de cumprir a sua obrigação.
Sua desobediência pecaminosa o colocou numa situação muito
difícil. Que poderá fazer?
1. Deve informar a mulher sobre o seu dilema. Ela, vendo o seu
arrependimento e a sua renovada lealdade ao Senhor, pode ser
levada a reconsiderar o cristianismo. Mas é preciso ter cautela
em face de uma possível falsa profissão de fé da parte dela, caso
ela queira que o seu primeiro marido volte para ela.
2. Continue a orar pela salvação dela.
3. Procure evangelizá-la.

mencionado em Deuteronômio, capítulo 24 fez) a faria cometer adultério,


divorciando-se dela por um motivo menor do que um pecado sexual (os
cônjuges estariam obrigados a reconciliar-se porque deveriam estar casados, e
não descasados). Todavia, nem a mulher nem o segundo homem que a desposou
seriam apedrejados pelo ato que praticaram (afinal, ela ainda vivia depois do
primeiro e do segundo divórcios!). Presumivelmente, ao menos nesses casos,
podemos dizer que Moisés não exigiu o apedrejamento pelo adultério.

146
Novo Casamento após Divórcio

4. Abster-se de namorar ou casar-se com outro.


5. Se a sua primeira mulher (agora numa situação posterior)
deixar claro que não mais deseja reconciliar-se e casar-se
novamente com ele, este deve esperar e empenhar-se pela
conversão dela e por seu subsequente novo casamento.
6. Se ela chegar ao ponto de não querer mesmo casar-se de novo
com ele, seu ex-marido estará livre (1 Cor. 7:15).

É óbvio que ele se colocou num dilema do qual só o


arrependimento e o perdão não o livrarão. Nesta altura, em
oração, ele deve entregar-se à misericórdia de Deus.
Este caso ilustra algumas (embora não todas) dificuldades que
frequentemente acompanham o divórcio. Bem poderíamos
indagar por que as coisas podem se tornar tão complexas. A
resposta básica é clara: o pecado complica a vida. E quando, em
acréscimo, ocorre uma reação pecaminosa às complicações
iniciais do pecado, por vezes o nó pode ficar muito intrincado. Os
conselheiros - e as igrejas locais - não têm escolha nessa questão;
eles devem procurar desfazer o nó até poderem lidar plenamente
com a meada.8
As vezes as complicações também surgem do pecado da igreja
(local) em não fazer o que Deus exige; tal omissão sempre volta
para assombrar a igreja tempos depois. Muitas das dificuldades
que resultam dela poderiam ser evitadas, se a igreja tivesse feito
o que deveria ter feito logo no início.
Consideremos, por exemplo, o que poderia ter sido uma
situação relativamente simples, mas essa possibilidade foi
enlameada pelo pobre conselho e inação da igreja. (Geralmente
essa omissão da igreja é que explica os problemas. Mas as
dificuldades raramente “vão embora”, se não fazemos nada.)
Neste caso, José e Maria são cristãos professos. Nenhum deles
cometeu adultério. José se divorciou de Maria porque está
“cansado de discutir e brigar sobre tudo quanto há”. A base

Para ver algo mais sobre como reparar as coisas, ver Matters of Concern, pp.
20-23.

147
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

do divórcio foi a incompatibilidade, uma base não bíblica. A


igreja se envolveu só depois que ocorreu o divórcio. José, com
raiva, sem arrependimento,9 deixou a igreja, e quando o pastor o
chamou para ver por quê, ele despejou os motivos da sua
separação, disse que não se interessava em permanecer numa
igreja na qual as pessoas diziam isto e aquilo, e exigiu que a sua
carta de transferência fosse enviada a uma igreja situada mais
acima, na mesma rua. De fato a primeira igreja aqui referida
enviou uma carta de recomendação à outra igreja (o pastor e os
oficiais da igreja literalmente deram um suspiro de alívio quando
enviaram a carta). Mas agora o problema se agrava: Maria
conheceu outro cristão e quer se casar com ele. (José não se
casara novamente.) A primeira igreja mencionada tem o que os
crentes chamam de “posição enérgica” contra o novo casamento
de pessoas divorciadas na circunstância em que o cônjuge
anterior está vivo e não casado;10 que é que o pastor deve fazer?
Bem, devido a suas próprias falhas e às falhas dos oficiais da
igreja, o pastor e os oficiais trouxeram esta complicação para
cima deles mesmos. Originariamente, a igreja deveria ter entrado
em cena logo - o mais tardar, quando José procurou o advogado
(um bom pastoreio geralmente pega problemas desta magnitude
muito mais cedo). Baseado em 1 Coríntios, capítulo 6, e noutras
passagens, dever-se-ia exigir que José dispensasse o advogado,
uma vez que abrir processo de divórcio é pecado. Entre outros
pontos, é preciso instruí-lo no sentido de que:
1. Deus o proíbe de levar ao tribunal a sua esposa - uma crente
professa em Jesus Cristo. Todos os problemas como o de José e
Maria devem ser resolvidos pela igreja, dentro da sua jurisdição,

Um membro da igreja (não o pastor nem um oficial) lhe disse que ele pecara ao
se divorciar de Maria.
1,1
Esta situação é típica de muitas igrejas nas quais essa “posição enérgica” na
verdade provém de grandes fraquezas no cuidado e na disciplina dos membros,
li preciso ser “enérgico” onde a Bíblia é enérgica, não onde ela não é.

148
Novo Casamento após Divórcio

e não na presença de pagãos nos tribunais.


2. Deus exige que ele siga Mateus 18:15ss. para resolver estes
problemas.
3. Deus não permite divórcio na base de incompatibilidade.
4. Não há razão pela qual o casamento não possa ser transformado,
se ambos os cônjuges o desejarem, para a glória de Deus.

Se José concordasse com essas admoestações, não haveria


divórcio, poderia ocorrer a reconciliação, e poderia ser iniciado
um aconselhamento com vistas a um novo estilo de vida. Daria
trabalho, mas a situação permaneceria bastante simples.
Se José não reagisse positivamente, este pecado complicaria
mais as coisas, mas, se Maria e a igreja tivessem seguido os
procedimentos indicados por Mateus 18:15ss. com fidelidade -
presumindo-se que (nos termos de Mat. 18:15ss.) José
obstinadamente se recusou a deter-se e a desistir dos seus planos
pecaminosos de se divorciar de Maria sobre bases não bíblicas -
com o tempo (depois de se terem feito todas as tentativas
possíveis para se conseguir a reconciliação), José seria excluído
da comunhão e toda a questão se enquadraria em 1 Coríntios 7:15.
A posição de Maria (e da igreja) seria clara - ela estaria livre para
se casar com outro. Mais uma vez, o resultado seria claro e sem
complicações.
Todavia, visto que a igreja (ambas as congregações erraram
em diferentes aspectos) deixou de aconselhar e de agir como
devia (cena típica nas igrejas evangélicas atuais), muitas novas
complicações surgem, aumentando a dificuldade para todos os
interessados. Aqui vão algumas dessas complicações: 1

1. Maria não está livre para se casar novamente.


2. José foi privado do seu direito à disciplina da igreja.
3. José não foi confrontado em todos os níveis, segundo as
exigências de Mateus 18:15ss., e continuou sendo considerado
membro da Igreja de Cristo, desfrutando boa posição, apesar de
ter rejeitado a autoridade de Cristo expressa na Bíblia.

149
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

4. Um divórcio pecaminoso foi ignorado.


5. José e Maria correm o perigo de cometer adultério.

Pode-se, agora, fazer algo para retificar a situação? Sim, mas


será algo complexo, confuso e mais difícil para todos os
interessados. Evitar a confusão original trouxe (como sempre
acontece), uma confusão muito maior (uma vez Spurgeon disse:
“E mais fácil esmagar o ovo do que matar a serpente”). Como
produzir ordem no caos? Entre outras coisas que podem surgir
ao longo do percurso, eis aqui basicamente o que se pode fazer
com vistas a uma resolução pacífica de todas as questões:

1. A primeira igreja mencionada deve buscar o perdão de Deus,


o perdão de Maria e José, e o perdão da segunda igreja
mencionada, por não ter conduzido as coisas
escrituristicamente. Este passo não pode ser omitido sem
destruir tudo.
2. A seguir, Maria deve ser aconselhada a procurar a
reconciliação com José, seguindo fielmente os procedimentos
indicados em Mateus 18:15ss., passo a passo.
3. José deve ser chamado e incentivado a arrepender-se e a
buscar a reconciliação com Maria, com a sua primeira igreja (e
com os membros contra os quais expressara tanta raiva).
4. Se tudo correr bem, José e Maria se reconciliarão, casar- -se-
ão de novo e edificarão, debaixo de adequado cuidado e
aconselhamento da igreja, um novo e melhor casamento (não
retornando às velhas coisas11).
5. Suponhamos, porém, que José pecaminosamente se recuse a
reconciliar-se. Consequentemente, o seu pecado se complica
mais. Mas isso não deve deter o processo.
6. Nesse caso, Maria deve seguir Mateus 18:15ss.
7. Mas desta vez ela deve solicitar à nova igreja de José que se
envolva (ao menos no estágio final dos passos indicados por
Mat. 18:15ss.), visto que agora ele está sob a disciplina daquela
igreja.
8. Naturalmente, nessa altura, a referida igreja estaria ciente do
que estava acontecendo, visto que a igreja de Maria a

11
Cf. More than Redemption, pp. 174-183.

150
Novo Casamento após Divórcio

teria contatado (talvez antes disso), buscando o seu perdão e


avisando-a sobre o novo curso de ação que Maria foi
aconselhada a seguir, e falando sobre a possibilidade de
envolvê-la na aplicação da disciplina, caso José não reagisse
positivamente aos primeiros passos dos procedimentos então
seguidos.
9. Se a igreja de José cumprisse o seu dever, ótimo! José se
arrependeria ou seria excluído da comunhão, acalmando as
coisas.
10. Mas, que fazer, se a igreja de José não assumir as suas
responsabilidades e não excluir José da comunhão, muito
embora ele não dê ouvidos aos conselhos? Este pecado da igreja
complica ainda mais a situação. Não obstante, ainda temos
recurso.
11. Então, os oficiais da igreja de Maria devem confrontar, com
humildade, os oficiais da igreja de José (este estágio poderia
começar com pastor confrontando pastor, mas, se isso falhar,
então com oficiais confrontando oficiais), tentando resolver a
questão, oferecendo ajuda, apoio, orientação, encorajamento,
etc.
12. Se a igreja de José concordar, ótimo! Tudo fluirá
naturalmente, deslizando para um dos dois fins apresentados:
reconciliação ou disciplina. Mas, e se a igreja de José se recusar?
Obviamente, como vem acontecendo o tempo todo, esse pecado
dessa igreja só servirá para complicar ainda mais as coisas.
13. Neste ponto, só resta uma alternativa à igreja de Maria -
alternativa que só deve ser utilizada com grande cautela e depois
que todos os esforços possíveis falharam: Declarar, por meio de
um documento oficial produzido pelo órgão administrativo da
igreja, que a igreja de José agiu como não igreja, desde que
recusa dar atenção à autoridade de Cristo, e que José (como
parte integrante dessa organização) é gentio e publicano.
14. Finalmente, tendo sido puxados todos os fios da meada, a
questão é resolvida, e, com base em 1 Corindos 7:15, Maria é
declarada apta para casar-se com outro homem.

Espero ter passado por todo este elaborado processo, não para
desestimular a disciplina da igreja, mas (antes) para estimular o
seu uso logo no início de qualquer problema, para benefício de
todos. Só então se pode evitar muitas
151
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

complicações. Não obstante, visto que as igrejas têm falhado


quanto à disciplina, (e, presumivelmente, muitas delas
continuarão a falhar nisso), você deve saber o que fazer (como
Maria, como pastor, como oficial de igreja) a fim de limpar e
clarear as numerosas confusões que talvez encontre ao longo do
caminho. Os princípios básicos, com variações a serem
analisadas em cada caso, podem ser utilizados em qualquer
número de situações.

152
15
Pessoas Marcadas
por Certo Passado

A questão do registro do passado de pessoas convertidas e de


cristãos penitentes, frequentemente se levanta quando se
discutem divórcio e novo casamento. Não devemos evitar tal
questão.
No passado dos convertidos há toda espécie de irregularidades
pecaminosas. Eles estavam envolvidos em “toda impureza”,
como diz o apóstolo Paulo em Efésios 4:19c. Como deveria ser
visto esse passado quando se considera o novo casamento?
Devemos levantá-lo, examiná- lo detalhadamente e então, com
base no que encontrarmos, determinar a aptidão ou não da pessoa
para o casamento? Sim e não. Permita-me considerar o não.
Alguns querem trazer à tona cada detalhe, sem levar em conta a
sua relevância ou não para a questão do novo casamento. Isso,
evidentemente, é um erro, como muitos concordariam. Outros
vão longe ao ponto de aconselhar o rompimento de casamentos
presentes realizados no passado sobre bases não bíblicas.1 Outros
querem proibir o novo casamento de todas as pessoas
divorciadas. E ainda outros, também ao examinarem o passado,
querem proibir novo casamento a todas as pessoas que eles
denominam “partes culpadas”. Que é que a Bíblia diz? Será que
pessoas divorciadas com culpa em seu passado podem casar-se
novamente?

1
Cf. a controvérsia entre igrejas cristãs refletida no livro de Jas. D. Bales, Not
Under Bandage (Arkansas: Bales, Searcy, 1979).

153
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Claro está que pode surgir um bom número de complicações.


Visto que é impossível mencionar todas as combinações
possíveis, só tratarei dos princípios gerais. Estes princípios
devem cobrir as situações mais diversas, como os seguintes
exemplos mostram: Suponhamos que parentes não salvos
tenham-se casado desrespeitando os graus de consanguinidade
proibidos, e depois se tornaram cristãos. Deverão dissolver o seu
casamento? Uma prostituta é convertida. Agora ela encontra um
homem cristão que quer desposá-la (conhecendo muito bem o
passado dela).2 E um homem que se divorciou de duas mulheres
por incompatibilidade. Agora ele é cristão. Deve retornar a uma
de suas ex-mulheres não salvas?3 Se se deve, a qual delas? Ou
poderá casar-se com uma mulher crente - uma terceira esposa,
esquecendo o seu passado?
Para esta, e para dezenas de outras situações possíveis, a
Bíblia tem resposta. Quando uma pessoa for convertida, ela deve

...permanecer com Deus no estado em que estava quando foi


chamado. (1 Cor. 7:24; cf. 7:17, 20, 26).

Paulo formulou essa regra para todas as igrejas (7:17). Nessa


norma está implícito que a pessoa que foi convertida inicia, desde
a data de sua conversão, uma nova história, com toda a
honestidade.4 A mesma ênfase está patente nas Escrituras (e.g.,
cf. 1 Cor. 6:9-11). Adúlteros, fornicários, homossexuais (ou
devassos, adúlteros, efeminados, sodomitas), bem como outros a
respeito dos quais há registros notórios de semelhante jaez, são
declarados “lavados... santificados... justificados”. Em
1 Coríntios 6:11 lemos: “...é o que alguns (de vocês) têm sido,
2
As prostitutas não se unem sexualmente só com solteiros, mas continuamente
cometem adultério. Seriam tais adúlteras [convertidas] aptas para o
3
casamento?
Veja o capítulo anterior para obter mais informação sobre este problema.
4
Isso não exclui o necessário cumprimento das obrigações morais e civis. O
arrependimento sempre leva a tal fruto.

154
Pessoas Marcadas por Certo Passado

mas haveis sido lavados...”. (Notem-se os verbos no passado. O


apóstolo não considerava mais o que eles tinham sido, depois de
terem recebido de Cristo a purificação, mediante o Espírito). Vê-
se, pois, que está claramente estabelecido que, uma vez que o
crente foi perdoado e que abandonou o seu pecado, não era mais
considerado fornicário, bêbado, etc. Por que deveríamos, então,
continuar a lançar sobre aquele que tinha rompido a aliança de
companheirismo a culpa da qual ele foi perdoado por Deus?
É evidente que Deus perdoa o homicídio, a imoralidade sexual
do tipo mais sórdido, e, em geral, todos os demais pecados. A
igreja tem que perdoá-los também! E é importante observar que
o perdão (mesmo no caso de um crente penitente que pecou
depois da sua conversão) envolve, não somente purificação, mas
também consolo e restauração à plena comunhão entre os
membros da Igreja de Cristo (2 Cor. 2:7,8).
De um modo ou de outro, parece que o adultério e o divórcio
por razões não bíblicas têm sido omitidos da lista atual de pecados
perdoáveis, muito embora Deus os perdoe. Esse é um erro trágico.
Omitir tais pecados, negando-lhes o perdão, é contaminar a
herança humana de Jesus Cristo!
Com isso quero dizer que, na linhagem de Cristo, vemos que
Raabe, prostituta (adúltera) casou-se com Salmom e entrou na
linhagem do Messias. Davi e Bate-seba também cometeram
adultério (para não falar do assassinato praticado por Davi), e
Jesus é chamado “filho de Davi”. Acaso consideraremos
adulterina a união de Davi e Bate-Seba da qual Cristo proveio?
Ou tal união foi santificada pelo perdão?
Não devemos ser mais santos que Paulo (ou que o próprio
Deus!) Quem de nós não pecou? Qual leitor destas páginas não é
um adúltero ou um assassino em seu coração? Quem pode atirar
a primeira pedra? Você é melhor que Raabe, que Davi ou que
Bate-Seba aos olhos de Deus, porque você não cometeu o ato
externo de adultério como eles fizeram,

155
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

ou porque você não se casou com uma pessoa divorciada


antibiblicamente e dessa forma cometeu adultério?
Por que o adultério e o divórcio foram separados da lista de
pecados odiosos registrados no Novo Testamento?5
Não estou tentando minimizar a grave pecaminosidade do
divórcio realizado sobre bases não bíblicas. É um pecado odioso
e suas consequências são trágicas.6 Mas se achamos que devemos
ver tal pecado sob uma luz especial, como tantos cristãos dos dias
atuais fazem, como é que o Novo Testamento não o faz? Esse
pecado não deveria aparecer no topo ou perto do topo de todas as
listas de abominações, se o Novo Testamento visse o divórcio
pecaminoso como nós o vemos?
Portanto, devemos dizer que o que Deus purificou ninguém
deve chamar imundo. Cristo é maior do que o nosso pecado -
mesmo do que o nosso adultério e do que o nosso divórcio. Nós
minimizamos Cristo quando falamos e agimos como se isso não
fosse verdade. Esses pecados são verdadeiramente odiosos, e
também não devemos minimizá-los. Mas Cristo é maior do que
o pecado - do que todo e qualquer pecado. Não minimizamos o
pecado nem seus efeitos, pois; na verdade, nós sempre
maximizamos Cristo e o poder de Sua cruz.
As vezes o caso de Herodes (Marcos 6:17,18) é citado na
tentativa de demonstrar que o novo casamento é pecado. Mas os
fatos não dão suporte a essa causa. Quando João Batista o
chamou a contas e procurou trazê-lo ao arrependimento citando
a sua transgressão da lei de Deus (“Não te é lícito possuir a
mulher de teu irmão”), é importante distinguir entre várias coisas:

5
Note-se que o divórcio pecaminoso nem aparece entre os itens dessas listas, que
se acham principalmente nos seguintes capítulos: Mat. 15; Rom. 1; Gál. 5; 2
Tim. 3; Apoc. 21 e 22, e, contudo, constam ali a gula, a difamação e a mentira!
6
O perdão de um pecado também pode trazer consequências (cf. More than
Redemption, pp. 230ss.). Mas o Novo Testamento não indica nenhuma
consequência que, necessariamente, a igreja deva impor a pessoas divorciadas
pecaminosamente, depois do arrependimento.

156
Pessoas Marcadas por Certo Passado

1. Esse não é o caso de lembrar o que foi perdoado; o objetivo


de João foi trazer Herodes ao arrependimento que levaria ao
perdão. Herodes foi um impenitente que nunca buscou o perdão
de Deus.
2. As palavras de João não declaram que o casamento de
Herodes com uma mulher divorciada era pecado; não era esse o
ponto. Ele disse: “Não te é lícito possuir a mulher de teu irmão”
(Marcos 16:18b). Esse é o ponto - Herodias tinha se casado com
o irmão de Herodes. Casar com ela (sobre qualquer base) seria
violar Levítico 18:6, 16.7

Façamos agora a seguinte pergunta: seria proibido casar com


pessoas anteriormente adúlteras ou divorciadas
pecaminosamente? Outra pergunta: seria proibido casar com
antigos assassinos ou mentirosos ou difamadores? Não há mais
forte razão para acreditar que o primeiro caso é proibido, do que
no segundo. Ou a obra purificadora de Deus purifica, ou não.
É por isso que tão frequentemente agimos incorretamente
quando falamos sobre a “parte culpada” e a “parte inocente”,
quando consideramos o novo casamento. Essa linguagem não é
bíblica e deve ser empregada com muito cuidado. Embora por
ocasião de um divórcio uma parte pode ter sido culpada (ou ter
obtido pecaminosamente o divórcio) e a outra pode ter sido
inocente, não é próprio continuar a falar da pessoa arrependida e
perdoada como a parte “culpada”, seja que o seu pecado tenha
sido cometido antes ou depois da sua conversão. Em Cristo essa
pessoa agora é inocente. Quem somos nós para lembrar e manter
essa culpa contra ela, quando Deus não faz isso?
Falemos um pouco sobre a “parte culpada”, assim chamada.
Boettner está absolutamente certo quando diz:

Não há nenhuma lei na Bíblia que diga que tal pessoa deve ficar
sem se casar.8

7
Cf. Josefo, Antiguidades (Josephus, Antiquities), 18:5; 1; 5:4.
8
Loraine Boettner, Divorce (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed

157
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

E evidente que Deus permitiu a subsistência do casamento de


Davi e Bate-Seba, muito embora ambos tenham sido culpados de
adultério, e Davi também de homicídio. Não se poderia imaginar
um começo mais sórdido de um casamento. Todavia, com o
tempo Deus abençoou esse casamento, porque lhe foi concedido
perdão, o passado foi purificado, e o futuro foi purificado pela
bênção de Deus (cf. 2 Sam. 12:13; Salmo 51, principalmente o
versículo 2). Se esse casamento que, em seu início, afundou muito
no pecado (Davi não se arrependeu senão depois do casamento)
pôde ser abençoado por Deus ao ponto de dele provir o Messias,
por que nós dizemos que pessoas que foram perdoadas e
purificadas antes de se casarem não podem esperar que Deus
abençoe o seu casamento por causa do pecado existente em seu
passado?
Pois bem, alguém dirá que o que digo torna o perdão fácil
demais e que estimula o divórcio. Não honro esse argumento nem
um pouco mais do que Paulo o faz em Romanos. O divórcio,
obtido erroneamente, é pecado - uma ofensa a Deus e ao homem.
Não estou incentivando o divórcio nem um pouco mais do que
Deus incentivou o roubo, o adultério, o homossexualismo, a
mentira e o homicídio, quando declara que tais pecados são
totalmente perdoados em Cristo e deixados para trás, no passado
(1 Cor. 6:11). O arrependimento, quando genuíno, é semelhante
ao arrependimento de Davi (Salmos 51, 38, etc.); não é tratado
levianamente como um truque ou um passe de mágica. O pecador
arrependido reconhece e confessa a grave natureza da sua ofensa,
e, não somente se mostra grato, mas também produz fruto
(mudança) próprio do arrependimento. Em toda e qualquer
discussão sobre divórcio e novo casamento, devemos ter o
cuidado de preservar a integridade de duas verdades bíblicas:

Publishing Co., 1960), p. 32.

158
Pessoas Marcadas por Certo Passado

1. O pecado é odioso.
2. A graça é maior do que o pecado mais odioso (Rom. 5:20).

Vimos, pois, que (1) o novo casamento após o divórcio é


permitido na Bíblia, e que a parte culpada - após o perdão9 - está
livre para casar-se novamente.
Há mais um ponto que é preciso mencionar. Quando, no início
deste capítulo, eu perguntei, sobre pecado passado: “Devemos
levantá-lo, examiná-lo detalhadamente e então, com base no que
encontrarmos, determinar a aptidão ou não da pessoa para o
casamento?”, eu respondi ambiguamente: “Sim e não”. É hora de
examinar o sim. Existem algumas coisas do passado que ainda
podem estar presentes mesmo depois de perdoadas. É preciso
resolvê-las e colocá-las no passado, ao qual elas pertencem. Antes
de declarar livre para se casar com outra pessoa divorciada
erroneamente, agora arrependida, devemos inquirir:
1. Você se livrou de todas as suas obrigações passadas?
2. Você buscou o perdão, não somente de Deus, mas também
da sua ex-mulher, dos filhos, dos parentes e das demais pessoas
envolvidas?
3. Você fez todos os esforços que pôde para a reconciliação10
(quando possível)?
4. Você fez todos os esforços que pôde para endireitar tudo de
errado (o quanto possível) tendo considerado pontos como
a. Restituição voluntária de dinheiro, direitos, etc., obtidos
injustamente, no processo do divórcio,
b. Assumir obrigações quanto ao sustento dos filhos, etc.

9
A igreja sempre deve certificar-se de que a parte culpada procurou o perdão,
sempre deve concedê-lo, e deve determinar (e registrar nas atas do livro do
Conselho de presbíteros) que seja concedido o perdão. Quando todas as
obrigações tiverem sido cumpridas e a parte culpada estiver livre para casar-se
novamente, isso também deve ser registrado.
10
Cf. o capítulo 14 para examinar um caso especial, e os procedimentos que se
seguem.

159
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

Além disso, visto que um divórcio passado prova que houve


falhas no casamento, devemos
1. Aconselhar todas as pessoas anteriormente divorciadas, antes
de um novo casamento, acerca destes ou daqueles pecados
existentes em suas vidas que possam ter contribuído de algum
modo para o fim que o casamento teve,
2. Aconselhá-las acerca de qualquer atitude ou ideia errônea
sobre casamento (ou sobre os cônjuges) que acaso tenham
desenvolvido durante o casamento anterior e dos procedimentos
para o divórcio, com especial ênfase ao amor como dar, não
receber.

Presumo que um bom aconselhamento para casamento será dado


no caso em foco e, igualmente a todas as outras pessoas que se
casam.11

Nota
Alguns têm sugerido que a cerimônia matrimonial de uma pessoa
divorciada não se realize no edifício da igreja. Isso é claramente um
erro. Primeiro, isso é ver o edifício da igreja como uma coisa que ele
não é - um santuário (i.e., um local especialmente santo). Mas, o que é
mais importante, se o casamento é correto, é correto em todos os aspectos,
e a Igreja de Jesus Cristo deve confirmar isso. Nada deve ser feito que
indique minimamente que o perdão não foi completo. Jesus Cristo
salva! Alguns entendem que a cerimônia nupcial na igreja simboliza
um casamento apropriadamente realizado, um vestido branco, um
casamento santo - então, por todos os meios, é preciso que os
responsáveis se assegurem de conduzir tais cerimônias no edifício da
igreja e que deixem que o vestido branco de casamento simbolize a
pureza do sangue de Jesus Cristo. Que não haja mancha alguma,
nenhuma ruga, em tal coisa! Proclamemos a todos quantos queiram
ouvir a graça soberana e o maravilhoso perdão de Jesus Cristo em todos
os aspectos legítimos!

11
Ver o programa sobre aconselhamento pré-marital em meu livro Shepherding
God’s Flock, e na obra de Howard Eyrich, Three to Get Ready (Phillipsburg:
Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1978).

160
16
Como Lidar com o Divórcio e com
o Novo Casamento

Se há uma coisa que ficou clara através deste estudo é esta -


casos de divórcio e de novo casamento são complexos.; não são
tão simples de tratar como parece que alguns acham. Não me
refiro aos corações partidos, às vidas destroçadas, aos conflitos,
às expectativas estilhaçadas e a muitos outros problemas
semelhantes. Considerar estas questões - e devem ser
consideradas - envolveria ao menos mais dois ou três livros. Mas
eu me refiro simplesmente à complexidade dos princípios e
procedimentos que devem ser aplicados. O pecado (em particular,
a incapacidade de lidar com ele e com as suas consequências
biblicamente) é, em si, algo bastante complexo.
Será que dá para fazer um sumário do que foi dito? Podemos
nós desenvolver uma lista para conferir diferentes aspectos (junto
com o conteúdo do livro todo) e que se possa utilizar para analisar
e determinar casos particulares? A seguinte lista de princípios e
de questões, embora reconhecidamente incompleta, ajudará você
a fazer isso. Certifique-se de considerar cada um deles em todos
os casos em que seja aplicável. I.

I. Princípios:
A. Casamento:
1. É uma instituição ordenada por Deus,
2. É a primeira instituição e a mais fundamental,

161
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

3. É pactuai e responsabilizante,
4. É pactuai e envolve companheirismo,
5. É lugar próprio para uma verdadeira intimidade,
6. Visa conformar-se ao modelo de Cristo e Sua Igreja.
B. Divórcio:
1. Sempre resulta de pecado,
2. Não é necessariamente pecaminoso,
3. Sempre rompe um casamento,
4. Nunca é necessário entre os crentes,
5. E legítimo quando se baseia em pecado sexual,
6. É legítimo quando um descrente quer divorciar-se de um
crente,
7. Eperdoável quando pecaminoso.
C. Novo Casamento:
1. Em geral, é desejável,
2. É possível para uma pessoa divorciada,
3. E possível para uma pessoa divorciada pecaminosamente,
desde que abençoada pelo perdão,
4. Só é possível quando se cumprem todas as obrigações
bíblicas,
5. Só é possível quando as partes são preparadas para o
casamento.
II. Perguntas:
1. Ambas as partes são cristãs, ou uma, ou nenhuma?
2. Quem quer o divórcio?
3. Sobre que bases?
4. Esta parte quer realmente o divórcio, ou só deseja uma
mudança na situação?
5. O ensino de 1 Coríntios, capítulo 6, foi violado
6. Houve pecado sexual?
7. Há prova aceitável desse pecado, ou só diz-que-diz-que ou
mera suposição?
8. Foi aplicada a disciplina da igreja? (Mat. 18:15ss).
9. Se foi, qual foi o resultado?
10. Há arrependimento/perdão?
11. Requer-se a reconciliação?

162
Como Lidar com o Divórcio e com o Novo casamento

12. Será que um incrédulo quer que o casamento tenha


continuidade?
13. O seu primeiro cônjuge casou-se com outra pessoa?
14. Alguma igreja não trabalhou apropriadamente com o
problema de um divórcio/novo casamento?
15. Se aconteceu isso, como foi? E o que deve ser feito para
endireitar tudo?
16. Estaria a pessoa crente num estado em que a igreja pode
declarar que ele/ela está livre de todas as obrigações
pertinentes e, portanto, livre para casar-se novamente?
17. Se não está, o que mais precisa ser feito para produzir essa
condição?

163
CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NA BÍBLIA

164
Conclusão

Eu considerei a possibilidade de dar tratamento a todos os


tipos de casos passados, com os princípios e procedimentos que
expus neste livro, a fim de demonstrar melhor como eles podem
ser mais bem aplicados. Mas mudei de ideia (talvez o faça
posteriormente nalgum momento e noutro contexto).
Primeiro, jamais se pode pensar em todas as situações
possíveis com as quais nos defrontamos.
Segundo, eu quis fazer com que este livro seja acessível à
comunidade cristã em geral - leigos e pastores, conselheiros e
estudiosos da Bíblia. Considerar todos os tipos de casos tornaria
este livro muito maior e muito mais caro. Esses dois fatores
reduziriam o número de leitores.
Terceiro, tenho muitas outras coisas para fazer, e, incluir esses
casos atrasaria a publicação deste livro, ao menos por alguns
meses. Visto que é grande a demanda por sua publicação, resolvi
liberá-lo já, com esse fim.
Minha oração é que Deus use este livro para dar equilíbrio e
bênção à Sua Igreja. Eu o escrevi com esses dois propósitos em
mente.

165
Após cinco sermões de abertura sobre este tema, o autor
segue o apóstolo Paulo e trata dos relacionamentos fundamentais
da sociedade: casamento, lar e trabalho. Estes assuntos práticos,
ele insiste, não podem ser compreendidos corretamente à parte
dessas verdades profundas da fé cristã às quais Paulo os
relaciona. Isolar a ética da doutrina é incorrer em desastre. Se é
verdade que a urgência caracterizou a pregação do doutor Lloyd-
Jones, isso se manifesta na maneira em que ele trata destes
assuntos. O lar e suas funções, a criação de filhos, os propósitos
do trabalho - todos estes estão sendo questionados hoje em dia,
enquanto experiência, permissividade e insatisfação com
instituições estabelecidas são fatores comuns na nossa sociedade
contemporânea, a qual está em dissolução. A única esperança em
tal situação se acha num retorno aos princípios básicos dos quais
o bem-estar da vida do indivíduo e da sociedade estão
absolutamente dependentes. Para conhecermos esses princípios
precisamos da Bíblia e, em particular, deste trecho de Efésios
exposto e aplicado neste livro.

166
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Atributos de Deus, Os - A. W. Pink


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para o céu, Um - J. Alleine Herdeiros com Cristo - J. R. Beeke
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autoridade - Ed. B. Edwards

167
João, capítulo 17, Vols. 1-4 - D. M. Lloyd-Jones
Jornada para o Inferno - João Bunyan
Lições aos meus alunos (Vols. 1,2,3) - C. H. Spurgeon
Mensagem de Amos, A - M. K. Bussey
Mensagem para hoje - D. M. Lloyd-Jones
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Nação sob a Ira de Deus, Uma - D. M. Lloyd-Jones
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Paixão pela pureza - J. R. Beeke
Pastor aprovado, O - R. Baxter
Por que Deus Permite a Guerra? - D. M. Lloyd-Jones
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Spurgeon que foi esquecido, O -1. H. Murray Spurgeon
versus hipercalvinismo - 1. H. Murray Tentação, A / A
Mortificação do Pecado - J. Owen Verdadeira Felicidade -
D. M. Lloyd-Jones Verdade para todos os tempos, A - J.
Calvino Vivendo com o Deus vivo - G. Smeaton e J.
Owen

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CASAMENTO, ‘DIVORCIO
E Dovo CASAMENTO NA ‘BÍBLIA

0 LIVRO QUE MUITOS PASTORES, CONSELHEIROS E TEÓLOGOS


CONSIDERAM
0 MAIS BÍBLICO E 0 MAIS ÚTIL SOBRE A QUESTÃO DE
CASAMENTO E DIVÓRCIO
Se a Igreja vai usar a Bíblia para decidir se o divórcio é legitimo em certos casos e se casais
divorciados têm direito de casar-se novamente com a aprovação e a bênção do povo de Deus, segue-
se que a Bíblia precisa ser estudada sem parcialidade favorável a uma resposta particular.
O autor examina as passagens relevantes, tanto do Velho Testamento como do Novo, de modo que
os leitores podem considerar muitas questões e muitas interpretações que surgem, na tentativa de
estabelecer uma posição sólida e coerentemente bíblica. O resultado é que os leitores podem ver
mais claramente e aceitar com mais firmeza a verdade das Escrituras. O livro consegue ser
exatamente o que o autor quis que seja “um estudo compreensivo, lúcido, acurado e apresentado
num estilo prático e de fácil leitura...”. Esta obra é um valioso recurso para o pastor, o conselheiro,
o líder crente e outros que estão lutando para entender e aplicar princípios escriturísticos aos
problemas do divórcio e do novo casamento.

JAY E. ADAMS foi diretor de estudos avançados e professor de teologia pragmática no Seminário Teológico
de Westminster; é pastor jubilado. Ele escreveu mais de cinquenta livros sobre ministério pastoral, pregação,
aconselhamento, estudo da Bíblia, e vida cristã, inclusive Competent to Counsel (Conselheiro Capaz), The
Christian Counselors Manual (O Manual do Conselheiro Cristão) e The Christian Counselors Casebook (O
Manual de Casos do Conselheiro Cristão).

“Numa época em que temas como casamento, divórcio e novo casamento têm causado
confusão entre os próprios evangélicos, esta obra de Jay Adams vem trazer uma contribuição
sólida e bíblica aos líderes e membros das igrejas. Recomendo-a com entusiasmo.”
Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes

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