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SÉRGIO DE CAMPOS

UEREPUS
das origens
aos seus destinos
Sérgio tto Cnrr1po!;

SUPEREU I UEREPUS
Das origens aos seus destinos

1 ª reimpressão

�li"\ Escola Urasileirn


\JI � de Psicanálise
Para Maria Amélia, pela parceria amorosa.
Para Pedro e Laura, pedaços de mim.
Agradecimentos

Os meus agradecimentos ao psicanalista Célio Garcia por ter


me escutado em análise por duas décadas e ter me auxiliado a me
desembaraçar das injunções e dos imperativos do supereu. .
Agradeço a Antônio Beneti que, no fim da década de 1980, guiou
os meus primeiros passos em direção ao encontro da psicanálise lacaniana.
Agradeço aJésus Santiago com quem, através da supervisão desde
1996, estabeleço um proficuo debate sobre a clínica de meus pacientes.
Agradeço a Éric Laurent, com quem estabeleço novos &aços em
supervisão desde 2008. 1
Os meus agradecimentos a Luiz Flávio Silva Couto, que, no
ano 2000, época do mestrado em Estudos Psicanalíticos na FAFICH/ (
UFMG, como orientador, colaborou para aprofundamento dos debates
sobre o supereu.
Um agradecimento particular aos colegas AE e ex-AE - Elisa
Alvarenga, Celso Rennó Lima, Bernardôno Horne, Leda Guimarães,
Guillermo Belaga, Fabian Naparsterk, Rômulo Ferreira da Silva, Luís
Tudanca, Ana Lucia Lutterbach, Gustavo Stiglitz, Marcus André Viei-
ra, Ram Avraham Mandil, Jésus Santiago, Beatriz Udênio, Marina
Recaldi e LuDz Fernando Carrijo, que aceitaram o meu convite para
escrever sobre o tema e que gentilmente contribuíram - cada um ao
seu estilo - com essa pesquisa respondendo como cada um encontrou
um destôno para o supereu, depois de seu final de anáOise.
Agradeço a amiga e colega Cristina Drummond, que contribuiu
com sugestões no capfaulo VI - Supereu feminino.
Agradeço a amiga e colega Ana Lucia Lutterbach pela acolhida
deste livro no Selo da EBP e pela sua gentil e delicada apresentação.
Por fim, um agradecimento especial ao amigo e colega Romildo
do Rêgo Barros pela disponibilidade e pela generosidade de escrever,
com seu brilhantismo, o prefácio deste livro.
Apresentação

Em seu outro livro Passc111a: tcstc1111111l1vs clt.' 11111Ji11,il de ,111,íli.w:, sobre


sua experiência como analisante, Sérgio de Campos nos ;~presenta rnn
texto pleno de desejo, uma escrita mais íntima e litcr:íria, próxima do
poético, em algumas passagens. Conta-nos, assim, sua anfilisc: sua divisão
no amor, os impasses com as mulheres, sua submissão ao imperativo de
gozo, sonhos, as intervenções surpreendentes de seu analista, a função
do humor e finalmente a conclusão: "No fim da análise, a questão
que se coloca é que cada um encontra uma saída fecunda para com a
realidade e sua própria existência, fruto de ~1m assentimento para com
seu modo de gozo que promove uma nova ética de um saVi>ir-vivrc". 1
Este livro trata de outra coisa. Parece que os textos foram
deixados em repouso, e um dos conceitos presentes nos testemu-
nhos - o supereu - formou uma espécie de precipitado, um convite
ao trabalho. Assim, Sérgio se dedicou a um minucioso estudo sobre
o supereu. Num estilo mais acadêmico, sua pesquisa começa num
percurso sobre o assunto na obra de Freud. Inicia com o Ho111c111 dos
Ratos ressaltando a função do supereu ao longo do caso e segue com
cuidado e preciosos detalhes, valorizando as nuances de um período
a outro na obra, sempre atento à relação teoria e clínica.
O segundo passo, depois de nos advertir que não é um "kleiniano",
é a teoria de Melanie Klein "sob a lupa de Lacan", pois considera que
ela influenciou Lacan de "maneira substancial" e, entre outras coisas,
ressalta a relação entire o estádio do espelho em Lacan com o supereu
precoce de Melanie K Yein. Nesse capítulo, ele resgata a teoria ao es-
clarecer, por exemplo, que a psicanalista inglesa não propunha novos
conceitos: seguia o método proposto por Freud com técnicas diferentes.

1 CAMPOS, S. P. R. Três am:urações do passe. Ópção Lala11ia11a. Revista


Drasildra Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia,, n. 60, set. 2011, p. t 14.

Di-.,italindo com Ca-nSc .J11ner


Por outro lado, ela se coloca con10 adversária de Anna Freud e faz uma
crítica sisten1ática a sua teoria, e Sérgio pontua cada uma delas e ainda
volta à obra freudiana trazendo novas referências. Aí também o autor
111anté111 a referência clínica como mna orientação para a pesquisa teórica.
Se, e1n Freud, o imperativo kantiano é apenas mencionado, em
Lacan, Kant terá un1a presença fundamental, ao lado de Sade, para
pensar o supereu e sua relação cmn a ética da psicanálise. Por isso,
no capítulo IV, Sérgio, generoso con1 o leitor, elabora tun sofisticado
percurso do estoicismo à lei moral kantiana para chegar novamente
a Freud e concluir em Lacan com Kant e Sade.
Sérgio de Campos tem uma maneira muito própria de realizar
sua pesquisa. Ele traz primeiro cada um dos autores e depois tece uma
tran1a entre eles. Assim, no capítulo sobre Lacan, para chegar ao fa-
1noso supereu como imperativo de gozo, ele não só percorre o ensino
de Lacan como também volta a Freud, Klein e Kant, e demonstra a
presença de cada um deles na construção do supereu lacaniano em
três tempos distintos.
Nas considerações finais poden1os ler o destino do ineliminável
supereu no final de análise, principalmente, na vertente do hun1or
como saída, livre da culpa, da vergonha e da censura, para além do
sentido. Com muito otimismo, o autor nos acena con1 un1 supereu
neutralizado e benevolente ao final da análise.
Na última parte há uma virada. O autor abandona a perspectiva
anterior da pesquisa e nos brinda com o destino do superen no final
de análise através de fragmentos de testemunhos do passe de alguns
colegas Analistas da Escola. Com essa estratégia, Sérgio demonstra 0
destino único dado ao supereu em cada caso.
Como se trata de um livro denso, saibam que esta apresentação
é apenas uma breve notícia sobre o que o leitor vai encontrar em toda
a sua extensão. Posso assegurar, no entanto, que o livro corresponde>
à promessa de seu título Supereu-Uerep11s: das orige11s aos seus dcsri11os.
E certamente será uma referência imprescindível para quem pretende:
se deter sobre o assunto.
Boa leitura!

Ana Lucia Lutterbacli


Rio, 2015

Digi: ;:,l i2ado com C.:,mSct>nn.:,r


Sumário

PREFÁCIO - LEI INSENSATA...........................................................................................17


Romildo do Rêgo Barros

CAPITULO 1
A ClÍNICA DA NEUROSE OBSESSIVA E AS ORIGENS DO SUPEREU......... 23
Cons1.d eraçõ es .1n1c1a1s
· · · .............................................. n ................................................ . . . . . . . . 2s
O tratamento de ensalo.................................................................................................... 26
Sobre o início do tratamento., ......................................................................................... 27
Sobre a sexualidade infantil .............................................................................................27
Alguns elementos do caso...............................................................................................29
O supereu no Homem dos Ratos..................................................................................29
A transferência negativa ..................................................................................................35
O pai na neurose obsessiva ............................................................................................36
O supereu e as ideias obsessivas ..................................................................................43
A mulher como o Outro..................................................................................................46

Primeira hipótese: o amor vem em


suplência pela inexistência da relação sexual... ........................................................46
Segunda hipótese: o amor pela dama contraria os interesses do pai.............. 48
A Terceira hipótese: estratégia do sujeito
obsessivo fracassa diante do Outro feminino ...........................................................48
A causa precipitadora da doença ................................................................................. 51
A solução do caso.............................................................................................................. 53
Conclusão do tratamento................................................................................................58

Notas ·········································•tt••······ ...................................................................................59

Digi: aliudo com CamSc ?nner


CAPiTU LO li
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD.............................. ~ 1
Das origens do supereu .................................................................................................. J, ~
Do eu ideal ao ideal do eu ............................................................................................. J;~
O agente psíquico especial............................................................. ................................ F;l
O supereu entre O eu e o isso........................................................................................ f-S
A identificação prirTtária .......................... ......................................................................... 68
A duplicidade do supereu ................................................................................................70
A reação terapêutica negativa ........................................................................................74
A implantação de impressões vocais ........................................................................... 75
O eu como escravo de dois senhores...........................................................................77
Inibição. sintoma e angústia como resultados da ação do supereu ...................79
A dissecção da personalidade psíquica
como uma retomada de O eu e o isso.......................................................................... 80
O mal-estar na civilização como apanágio do supereu ..........................................83
A agressividade como a essência do supereu ...........................................................85
Restrições à agressividade .............................................................................................. 87
Eros e Tânatos vieram para jantar................................................................................ 88
A construção do conceito de sentimento de culpa ................................................. 89
A culpa na neurose obsessiva ........................................................................................90
O sentimento de culpa [Schuldgefühl] no inconsciente........................................91
A culpa [Schuld] como tributo ao pai morto .............................................................91
A lei de Talião............................................................. ..........................................................92
O mal-estar como expressão do sentimento de culpa ......................................... 94
O que Jó nos ensina sobre o supereu ..........................................................................95
As origens do sentimento de culpa ............................................................................... 96
A renúncia pulsional como fonte da consciência .....................................................97
O remorso .............................................................................................................................97
O sentimento de culpa como cimento da civilização ............................................. 98
A consciência moral .......................................................................................................... 98
O supereu social ...............................................................................................................100
O sentimento de culpa como contribuição para a religião cristã .....................102

Di-.,italindo c om Ca-nSc .J11ner


A religião como reservatório do supereu........·-·····-···•.........-....- .......,-.......... .103
O destino como expressão do supereu...·-··························-·· ............ ~.............IOJ
co;~lusã;........~..·................................................................................................ ·-•--·· I J
(G
1
A violência e o poder ....................................................·-······--·.. •···••·•·........... - .• _. 106
- - -. _-.-.._--..,,--_-·
Notas ................................................................................................................... ~···-..··· . 11 ~

CAPÍTULO Ili
O SUPEREU PRECOCE DE MELANIE KLEIN ..........................................................1I5
Notas ................................................................................................................................. 13i

CAPÍTULO IV
O ESTOICISMO, KANT, SADE E LACAN .................................................................. I33
lntrodução............................................................................................................................ 1,5
O estoicismo........................................................................................................................ 155
Emmanuel Kant..................................................................................................................139
A crítica da razão prática ................................................................................................ 14 I
A lei moral ...........................................................................................................................143
Freud debate com Kant. ................................................................................................. ldS
Kant entre o bem e o mal. .............................................................................................1J9
Kant e Sade..................................~ .....................................................................................150
Conclusão.......................................................................................................................... 15 7
Notas...................................................................................................................................158

CAPITULO V
LACAN E O SU PEREU.................................................................................................... 159
lntrodução ...........................................................................................................................16 I
O supereu como derivado do isso.............................................................................. l G1
O supereu se inscreve como a lei incompreendida ............................................... lGG
"Tu és aquele que deves"................................................................................................ 170
O supereu na relação com o objeto ............................................................................. 17~
O supereu, a realidade e o ideal do eu....................................................................... 17-l
O desejo na neurose obsessiva ..................................................................................... 175
A demanda do obsessivo................................................................................................176
As estratégias do obsessivo para com o Outro..................................................... ..171
• - 1
!:, :..J :,3 ti3'= O C·C:S.:SS ;', '0 2 _ êCê 1 ·······-·-····- ·-· .. -············ ......................... .............. .180

O r~r,,J DO CúTTi::f •dO._ . _ _ ·- ····- ··-··········- ················-··········································181


0 ---=-·• -,o d~c.·o
-.:::,!..JLr:;:'j
1 . .. _.,_1=--- o_ :::,uu
1 ~ I?. ·,.,1 ~ Lc a ....................... ................ ........... ................182
t t~rnr~~ç"'o 1 ; .. ~

O su~ r~!.J é urra rriorcL_ _ _····-················-····································································183


O ~.a ·~~e r,§o .se 'ivra do supereu................................................................................189
!-. i6::rtiie:iç;:,o e::: íolta de sentido no supereu ........................................................191

Urr, ::rr,cr ds supsr~u-···········-···························································································192


O suo:::r1::u ~ a voz do Outro...........................................................................................193

P..s r::::lsções do sujeito com o Outro.............................................................................193


A.s atípias do supereu .......................................................................................................194
O supereu ~ um discurso sem palavras ......................................................................194
Do supereu não se trata ...................................................................................................195

JIJaís ainda, o supereu.......................................................................................................195


A topologia e os trés tempos do supereu ................................................................196
"Nenhurna palavra"...........................................................................................................197
"J''jao
1- •
lílSIS
• ta"........................................................................................................................
. 198
"O desalinhamento com o supereu"...........................................................................199
l\Jotas................................................................................................................................... 200

CAPÍTULO VI
O SUPEREU FEMININO.................................................................................................. 201

CAPÍTULO VII
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SUPEREU................................................. 209
A topologia e o supereu ................................................................................................... 211
Mais além do supereu ...................................................................................................... 212
O destino do supereu no final de análise ..................................................................215
Os finais de análises ..........................................................................................................215
O supereu no final da análise .......................................................................................... 216
Elisa Alvarenga
Partenaire-sfntoma / Partenaire-superyó .................................................................219
Fabian Abraham Naparsterk

Dk,J,:alizado com Ce'11Sc11wr


"Supereu e nome próprio"............................................................................................ -221
Celso Rennó Lima
La sublimación analítica: el pasaje de la consistencia
dei superyó a la dei partenaire-síntoma ...............................................................-...225
Guiflermo Belaga
Supereu breve .................................................................................................................... 232
Bernardino Horne
Qual é o destino do supereu no final de análise?..................................................233
Ana Lucia Lutterbach Ho!ck
Un comentaria sobre el superyó .................................................................................. 235
Luís Tudanca
O destino do supereu: goza! ......................................................................................... 237
Rômulo Ferreira da Silva
lndocilidad ........................................................................................................................... 239
Gustavo Stiglitz
O supereu depois do final de análise ..........................................................................241
Lêda Guimarães
Modula ou menos assim (ou da voz à ressonância) ............................................. 2-l3
Marcus André Vieira
Fin de análisis y superyó ................................................................................................. 247
Marina Recalde
Supereu: verdade e real .................................................................................................249
Ram Avraham Mandil
Trazos ................................................................................................................................... 251
Beatriz Udenio
Uma solução para o supereu sedutor..........................:............................................. 253
Jésus Santiago
Do olhar sombrio à sombra do nada .........................................................................258
Luiz Fernando Carnjo da Cunha
Entre a "auto-risada" e o silêncio .............................. .-.................................................260
Sérgio de Campos
Notas ...................................................................................................................................264

REFERÊNCIAS ............................................................................:······· ................................267

Oigitalludo c e m C~m SclltlO«


i7

Prefácio
LEI INSENSATA

Romi/do do Rego Barros

Em rl,düs l1S m,1memm cm que r o11tJ1·.1 m .1 l:u t/•n.:, s:1,1


_làce ,us11111ia 11ma exprcssJo m11itl> c.crr..:ril1J e 1·J ri.1.i.: .
Eu só podia iutcrprcrj.fo fl>llh) 11m.1.fJ r dr hL'm'r .z,
prazer rodo se11, do qual ele mcsmü 11:fo e; r.11·.; áer:cr.
(Freud, surprtso com J t'Xprc: tio do .:u
paciente, Ernst L:inzer, no m o mc:nt c:m
que conta\'J o rerrí\'d suplício ú o nco '>)

Do Supereu ao Uerepus

Na capa Sérgio de Campos intitula o seu li\'ro Je Uar!pw,


neologismo esse que de maneira invertida pode significar "Supen~u".
E abaixo o subtítulo Das origem ao St'II destitlli.
Como essa inversão aparentemente n:io \'olta nuis .1 ser us:.1d.1
ao longo do livro, tampouco é explicada pdo autor, fiquei me per-
guntando qual o sentido e a funç:io do novo termo.

• Corresponde o supereu às origens, e o 11er1·1111.s ao destino?


• Será o 11erep11s o contrário especular do supereu, J dupb face
de uma moeda - sem esquecer que, para LJCan, hi n;i expe-
riência do espelho uma perda entre- quem se olha e ~\ própri.1
imagem, indicando algo que não se reflete?
• Ou então, haverá entre os dois um percurso no tempo de tJl
modo que, por efeito de uma análise, o supereu ter.i sofrido
um esvaziamento de sentido e se tornado um objeto que já

Olgl~alizedc com C11m Scenl'll!r


1S SIJPEREU I UEREPUS· DAS ORIGENS AOS SLUS DES rtNOS

não mais significa ou cuja significaç~o tampouco poderá ser


resgatada pelo próprio sttieito cio pcrcu rso, mas sem a paixão
que a relação de origem com o supercu implicava?

A experiencia do autor com o passe e com a tarefa de ensino


como Analista da Escola levá-lo-ia a apostar na terceira hipótese.
Na mesma linha, a introdução no final do livro de a]guns de-
poin1entos de antigos e atuais Analistas da Escola foi uma boa ideia,
pois permitiu construir um ponto de encontro vivo entre doutrina e
testemunho. Possibilitará talvez um diálogo, qu'e cada leitor poderá
montar entre esses depoimentos - que são destinos de sujeitos - e
as peripécias do Homem dos Ratos. Sérgio de Campos teve a ideia de
interpelar alguns deles, trazendo nas mãos uma pergunta: "Como cada
um passou a lidar com o supereu depois da conclusão de sua análise"?
Ou seja, o que pode dizer cada um da passagem do supereu ao uerepus?
Uerepus é bem diferente de outro objeto, chamado Rosebud,
trenó da infância de Charles Kane, célebre personagem de Orson
Welles. Conforme pude aprender no Google, Rosebud (botão de
rosa") era o apelido pelo qual William Randolph Hearst, grande
patrão da imprensa, cuja vida inspirou Orson Welles na construção
do personagem central do Cidadão Kane, chamava o clitóris da sua
amante, a atriz Marion Davies. Ou seja, contrariamente, por exem-
plo, ao Odradek, objeto de um conto de Franz Kakfa, que não tem
nenhum sentido apesar de poder ser visto nos cantos da casa, sempre
com o mesmo aspecto de um bizarro carretel ("o conjunto parece
sem sentido, porém completo a sua maneira"), o Rosebud, que vemos
se consumir na lareira numa das últimas cenas do filme, era objeto
de uma nostalgia infinita e gozosa.
Se esta minha interpretação é correta, Uerepus pode ser tido
como um elemento de lalíngua, no que tem de sem sentido e de pura
sonoridade. M ais perto, portanto, do Odradek kafkiano do que do
Rosebud. Mais resíduo do que complemento.

O tribunal obsessivo
Imagine-se um tribunal com tudo o que é preciso para que haja
um tribunal: un1 crime, um acusado, um advogado, um promotor,

J
Digitaliu1do c em C?mSc~ne<"
alguns jurados e um juíz. A Jé-m de uma ~ala chda dt: curi<>Y.>S qu,:, a
cada barulho mais forte que faze m, o juiz amca.ça t>'/<12i:1r.
Uma diferença entre esse trihuna) e o; crutrcr; i: qtl'.: rn::k tndas
essas funções são desempenhada~ por uma ún ica pe:.·soa. O acu)a.do
é acusador de si mesmo, que ao mesmo t<..~po ,,e dL-fcnck e j ulga,
enquanto produz a sentença que trará ~ímu)taneamtnv.: compaí;,-..ão
e castigo. Nunca perdão. Dessa forma, o críme - ou a fantasia do
crime, mais precisamente, que tem no horizonte, ~egundo Freud, o
L
parricídio e o incesto - é reforçado pe1a própria ímpo:sibí]ída.c:k de
cometê-lo, numa sequência que pode não ter fim .
Esse é o tribunal do obsessivo, em sessão permanente. AD con-
trário do que afirma uma interpretação jurídica ideal e que a própria
neurose obsessiva contesta, nenhuma sentença vale o crime, da mesma
forma que uma vingança, por mais sofrimento que consiga infligir,
não corresponde nunca ao gozo que se supõe na pessoa que é objeto
da vingança.
Uma frase de Ernst Lanzer, o Homem dos Ratos freudiano,
citada por Sérgio de Campos, expressa bem essa montagem de uma
justiça impossível: "[...] um estranho sentimento, como se algo de-
vesse acontecer se eu pensasse em tais coisas, e como se devesse fazer
todo o tipo de coisa para evitá-lo. Como, por exemplo, que meu pai
1
'
deveria morrer". 1

Essa frase descreve uma cena com três atores num só: o senti-
mento, ou pensamento ''em tais . - ,,
c01sas . .
, pertence ao sujeito; . -
a mJunçao-
de evitá-los vem de uma instância cuja origem é externa - e que Freud
terminou chamando de supereu, depois de constatar a insuficiência
da consciência moral e dos ideais; e as consequências da passagem do
1
pensamento ao ato recaem sobre um terceiro.
No caso do Homem dos Ratos, recaem sobre o pai ou sobre a
mulher objeto do seu desejo. O crime, que nenhum código penal
poderia sancionar, é justamente o "estranho sentimento", bem mais
do que o ato que o sentimento precede, anuncia e, no final das contas,
evita. Ou adia, multiplicando- o em uma série potencialmente infinita
de ações cujo único sentido é estar em série.
Como escreveu Sérgio de Campos, "[...] há um imperativo
de que a dívida seja saldada, de modo que o pai e a dama sejam

1
Uiglt olltodo oom ComS~Onn«
20 SUPEREU I UEREPUS· D,\S ORIGENS AOS SEUS DE S TINOS

suplic iados, e h~ um imperativo que coloca a dívida como impossível


de ser quitada. s.1lva11do o pai e a da111 a".
Ou , m,lis adiante, de fo rm ;i 111ais condensada , "O u o suj eito
está dentro da lei e for;1 do dcsc,io, ou o sttjcito está fora da lei e dentro
do de~cjo".
H á na verdade dois imperativos: um positi vo, q ue impele 0
sujeito na dire(àO de uma ação, e um negativo, de forç;i igual e 'ie n-
tido contrário, se posso usar um a expressão da físi ca, qu e o p::i rali,a.
É aqui que surge o desejo impossível, como um correlato p erfe ito da
dupla face do supereu .
Freud, no mesmo texto, aliás, em que usou pela primeira vez
o termo "supereu" (Überich), tratou esse impasse sob a forma de um
paradoxo sem outra saída senão a a1nbivalência: o sujeito tem que ser
como o pai ... , mas não tem o direito de ser como o pai. 1
Sérgio de Campos explica como se instala o paradoxo: em
lugar do pai real, que tem a função de unificar o desejo e a lei, e
que Lacan apontou como agente da castração, 2 há uma prevalência
do pai imaginário, que opõe o desejo à lei. A partir disso, o acesso
ao desejo, como escreveu o nosso autor citando Lacan, somente se
pode dar como "contrabando", por força de uma transformação
no registro do objeto, de imaginário (castração) para simbólico
(privação). 3
O destino do supereu no final de uma análise, portanto, depen-
de da concepção de análise que se tem. De qualquer forma, parece
indicar uma perda de sua ferocidade e obscenidade.
Se, por um lado, seguindo-se o Freud do declínio do Édipo,
pode-se pensar em um supereu que quase se reduziria à consciência
moral e que equivaleria a um novo pacto do sujeito com a civilização
e com o pai, por outro, ten1os com Lacan um enfoque na satisfação
pulsional, por meio de certa liberação do gozo.
Os depoimentos recolhidos por Sérgio de Can1pos têm muitos
pontos em comum e permitem pensar nun1a certa direção geral que
toma o supereu no tratamento analítico: o analista con10 sintho111a, uma
passagem da fantasia à pulsão, un1a 1naior possibilidade de escolha,
um ganho de alegria, a capacidade de cingir o âmbito do supereu por
meio de uma n01neação, uma nova abertura para o não-todo, uma

Diyitt1li,l:IU<J\-'U1J1Ci!1rtSct1m1t'1
PREFÁCIO 21

nova visão do que constituiu o supereu materno, uma indocilidade


face ao imperativo, un1 novo uso do humor....
Em resumo, um alívio da submissão do sttjeito ao imperativo de
gozo suscita uma nova responsabilização de cada um pelo seu desejo
e sua satisfação. O livro de Sérgio de Campos é uma contribuição
para que o debate sobre o supereu continue aberto.

Notas
1 FREUD, (192~) 1996, p. 47.
2 LACAN, (1956-1957) 1995.
3
LACAN, (1956- 1957) 1995.

Olgitahudo com Camscamer


CA.

.
. ,· A- cl ínica
1

. - ·d,a~neurose obsessiva
..., r.-: i=' ! · · _- - - e as-'e t;ig~s.do supereu
•,
. :
. '
.... 1' -

..
25

[FAFICH ! Uí-MG;:êiDUOIECA)

Convém, aliás, reler ,1


Homem dos Ratos como a B{blia.
Esse caso é rico em tudo o que ainda há p,1r di;:cr
sobre a neurose obsessiva, é um tema de traball10.
LACAN, [1958)1999, p. -1-11.

Considerações iniciais

O nome dos analisantes nunca é relevante para e."\.7Plicitar o que


um caso clínico pode transmitir como ensino. Inclusive, pode-se dizer
que, do ponto de vista ético, deverían1os evitar mencioná-los. Entre-
tanto, abriremos apenas uma exceção no que concerne à identidade
do Homem dos Ratos, em razão de examinam10s o desejo do analista
em Freud. O tratamento clínico do Sr. Ernest Lanzer, realizado por
Sigmund Freud, teve início em 01 de outubro de 1907. O tratan1e.nto
do Sr. Lanzer foi concluído em um ano. Já em 07 de julho de 1909,
Freud envia o material para publicação. Entretanto, apenas a prime.ir-a
parte do registro original sobreviveu e serviu de base para publicação
(FREUD, (1909] 1990, p. 158).
O segredo da identidade do Homem dos Ratos só foi revelado e.111
1986, após uma exaustiva pesquisa pelo psicanalista canadense Patrick
Mahony. Seu nome era Ernst Lanzer (1878-1914). Ernest Lanzer foi o
segundo cliente de Freud a se submeter a um tratamento psicanalítico.
Freud nutria uma simpatia gratuita por Ernst. Por coincidência, Ernst
era o nome do terceiro filho homem de Freud, que sempre considerou
a relevância dos nomes próprios.
26
SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Como exemplo, pode-se expor que ele nomeou seu primeiro


filho com o nome de seu antigo mestre Jean Martin (Charcot). Ernst
era o filho mais parecido com Freud, o mais independente, malgra-
do não tenha sido o preferido nem do pai tampouco da mãe. Freud
o chamava de "menino de sorte". Numa carta enviada na data do
aniversário de 30 anos do filho Ernest, Freu d expressa: "C omo nem
sempre o sucesso corresponde ao mérito, desejo-lhe que a vida con-
tinue trazendo-lhe sorte" (RouDINESCO, 1998, P· 26:l).
É nítida a ambio-uidade
o
das felicitações de Freud endereçadas ao
seu filho Ernest pelo seu aniversário. O enunciado sugere que Freud
não reconhecia a capacidade do filho e acreditava que seu sucesso
como arquiteto era obra do acaso. Pode-se estar especulando, mas o
que tudo indica, Freud tinha um sentirnento ambivalente para com
esse filho e oo-estaria ' inconscientemente, de realizar certo reparo
. nisso.
O primeiro objetivo do relato de Freud sobre o tratamento
clínico é tornar pormenorizada a descrição de um caso de neurose ob-
sessiva, assim como demonstrar a efidcia do tratamento da psicanálise.
Inicialmente, em suas notas sobre o caso, Freud fornece fragmentos
que falam de uma séria neurose obsessiva causéldora de danos. "O
tratamento que durou cerca de um ano, acarretou o restabelecimento
completo da personalidade do paciente, bem como a extinção de suas
inibições" (FREUD, [1909] 1990, p. 159).
O objetivo do caso clínico, para Freud, é extrair uma teoria e
um ensino, na forma de assertivas que possam oferecer uma direção
do tratamento. Freud estimula a tomar o caso objeto de estudo. Freud
convida e encoraja ào trabalho, expondo que: "Podem, contudo,
servir de ponto de partida para o trabalho de outros investigadores,
e um esforço comum poder;Í trazer o êxito que talvez esteja além do
alcance do esforço individual " (FREUD, [1909] 1990, p. 160).

O tratamento de ensaio

~reud !nici_a ,º .texto apresentando o cliente como um sttieito de


formaçao umvers1tana. Em seguida, comenta que ele sofre de obsessão
desde a infância, com agravamento nos últimos quatro anos. Freud
comenta que o sujeito tem uma mente clara e sagaz. Entretanto,

.. • ,t
Oigl:alizado com Ca,nScanoer
indaga a ele por que tl!rÜ dado ~nfase ,1 su.1 vida se.'-'.u,1Jj.i na primcirJ
sessào. Parece que Freud corre$pondt' JS t'..Xpt.'-Cr-.1tiv.1~ do s\ücitt . A
prin1eira sessão é profícua, ~ Freud n.."t:'olht' sei~ itt.·n~ rdt•v,mtt'S ~ h~
a ,ida. se:\.-ual de seu diente: (1) houYe mdhor.1 do qu.tdro clinico ~,pôs
1nanter relações se..'\.-uais rt'"gubres: P) sentia repuk.'l por pro~titut:ls: (J)
a sua vida se.."\..-ual tinha sido obstruída; (4) a ma....rurb.1çio dest:1npcnhar.1
apenas um pequeno papel naju,·entude; (5) su.1 por-ênci,1 era no rmal:
e (6) a prin1eira relação se:\.-ual foi aos vinte e seis :mos.

Sobre o início do tratamento

As comunicações iniciais dizem respeito a um tipo de escolha


de objeto homosse:\.'Ual de tal sorte que a demanda de an1or I! di-
rigida a dois amigos: um na adolescência e outro n a idade adulta.
Na adolescência, o sujeito se sentira traído quando se apercebeu de
que o amigo estava interessado em uma de suas innãs e o teria u sa-
do como meio de aproximação. No segundo, já na idade adulta, o
sujeito o procurava para ter certeza de que era aiuado, mesmo tendo
impulsos criminosos.
A demanda de amor surge revestida pelo tormento de ser des-
prezado pelo amigo por assumir tais impulsos crinlinosos. Não fica
claro no texto se esses impulsos eram dirigidos ao próprio ainigo. É
possível que sim. Em primeiro lugar, considera-se que a agressividade
pode surgir como uma possibilidade de encobrir senti.1nentos eróticos
inconscientes endereçados ao amigo, de maneira que a agressividade
recobre o amor homossexual. Em segundo lugar, para não perder o
amor do amigo, o sujeito parece culpado por tais in1pulsos, por isso
necessita de algum tipo de perdão do amigo.

Sobre a sexualidade infantil

O sujeito fala a Freud sobre suas primeiras experiências sexuais


infantis com sua governanta. Posteriormente ele localiza o início de
seus tormentos numa conexão entre suas ereções infantis, suas inda-
gações e uma ideia mórbida de que seus pais conheciam seus pensa-
mentos. Quando havia desejos sexuais de ver determinadas moças

Dig italiu1do c em C?mSc~ne<"


28 SUPERE U I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

despidas, surgia "[...) um estranho sentimento, como se algo devesse


acontecer se eu pensasse em tais coisas, e como se devesse fa~er todo
o tipo de coisa para evitá-lo. Como por exemplo, que meu Pª 1 deveria
morrer" (FREUD, [1909] 1990, p. 167).
Nessa passagem, fica claro que a estrutura edipiana do incons-
ciente infantil não cede, permanecendo o desejo pela morte do pai,
mesmo depois de seu falecimento. Em decorrência do desejo pela
tnorte do pai, surge o sentimento de culpa em forma de mal-estar
como manifestação do supereu. Sendo assim, Freud não localiza
o desejo parricida ao início de seus tormentos, mas a expressão de
neurose completa.
Freud explica as origens dos sintomas na medida em que o su-
jeíto permanece fixado por uma pulsão escópica desde sua infância,
orígínada do desejo de olhar determinadas moças nuas. Para ele, o
destjo sempre correspondia a uma ideia obsessiva ou compulsiva. O
desejo de ver mulheres nuas estava ligado à morte do pai. Então, é
interessante considerar a seguinte formulação construída: "se tenho
desejo de ver minha mãe nua, devo matar meu pai".
Freud localiza o desejo em sintonia antes da divisão do eu e
após sua divísão, de sorte que o supereu se interpõe entre o eu e o
objeto: "Se a qualidade da compulsão ainda não estava presente no
desejo, era porque o eu ainda não se havia posto em oposição a ele
e ainda não o encarava como algo estranho a si próprio" (FREUD,
[1.909] 1990, p. 167)
Entretanto, a partir da divisão do eu, verifica-se que havia
uma oposição a esse desejo doravante "uma deternlinada fonte já em
atívídade". A ocorrência dessa "fonte em atividade" era io-ualmente
o
acompanhada de um afeto desconfortável e estranho a si mesmo
(F,rnuo, f1909J1990, p. 167). Nessa "fonte em atividade", mais tarde
dcnom.inada de "agente psíquico especial", 1 se localiza O supereu.
Por conseguinte, tem-se um dese~npenho de atos defensivos a fim de
evitar o desejo considerado un1 mal iminente.
Em para Ido e articulado ao desejo obsessivo, havia um medo ob-
sessivo. Sempre que dcs~java, não podia evitar O inedo de que algo terrível
pudesse acontecer. Esse algo terrível, indefinível e de aspecto invariável,
é o traço de expressão superegoico de toda manifestação da neurose.
tt
·11··- -
I•"

CAPITULO 1- A CLÍIIICA DA rIEUP.OSE OBSESSIVA E J..S O?IG ::NS DO SVPEPEU 29

Alguns elementos do caso

Nossa tese é que, já naquela época, Freud tinha elementos


suficientes no caso O Homem dos Ratos, para inferir a existência de
uma instância que, somente em 1923, ele identificou e denomjnou
de supereu. No que tange à elaboração do conceito do supereu, há
inúmeros aspectos que podem ser identificados nas Notas sobre um caso
de neurose obsessiva (FREUD, [1909] 1990) como fonte criadora, que
serão examinados com lupa, de maneira sistemática. Ao abranger tais
aspectos, será importante circunscrevê-los à luz de uma construção do
conceito passo a passo na medida em que se descreve o caso clínico.
Freud ([1909] 1990, p. 160) considera a neurose obsessiva uma
"estrutura"2 visível mas, convenhamos, de dificil compreensão, pois ela
se expressa por pensamentos secretos na configuração de um dialeto
da ~inguagem histérica: O curioso é que nessa época ele já conside-
rava a neurose como estrutura, termo utilizado mais tarde por Lacan
ao desenvolver sua teoria, sobretudo na primeira fase de seu ensino.
O relato de Freud ([1909] 1990) é que umjovem em processo
de ~ntenso sofrimento o procura para receber ajuda. Freud acolhe esse
sujeito e percebe que ele sofre de obsessões desde a infância e que elas
se intensificaram nos últimos quatro anos. Mais especificamente, o
sujeito relata o medo de que pudesse acontecer algo de ruim às duas
pessoas que mais ama: seu pai e a namorada. O sujeito também faz
referência a impulsos e proibições, e se queixa de que perdia tempo
e energia lutando contra essas obsessões.

O supereu no Homem dos Ratos

Na realidade, o sujeito se via às voltas com uma sucessão de


proibições que tinham o intuito de circunscrever um imperativo do
gozo sob a modalidade imperativa do "tu deves". O sttjeito tinha
medo de que algo ruim pudesse acontecer a seu pai e à namorada,
tendo que órcunscrever esse medo pelo imperativo categórico. 3 No
fundo, essa expressão sob a modalidade de um imperativo categórico
implica salvar tanto sua namorada quanto seu pai de perigos fantásticos
imaginados por ele.

Diç rt.1liz.1do com CamSc,n ner


30 SlJl 'l:111.lJ l llHlEPUS: DAS 0 111<i ENS AOS SEUS DESTINOS

· · 1 'to cedo sofria de ereções


O swe1to relata a Fn:uc que 111u1 . .
· ~1 · · 1 t . . 1•11f5 nci:1 "sofria" de ereções
Freud assma ;\ que o su.1c1to, l 11ra11 e ,1 • ' ,
• - F . 1rioso· algucm reclamar que
e st· queixava delas p:-ira sua ,nae. ·•ato ct · · , _
· dirigidas a mae. Nesse caso
"sofre" de ereções e as quc1x;1s scren1 · . . ,
· · d 1 . . ra supcregoica, visto que as
observa-se rnn dest'jO c1va o te ccnsu · .
. · 'd .' - .. Na realtdade, trata-se do
"queixas" de ereçõcs eram d1ng1 as ,1 mae.
· • " . - . d· -igidas à mãe" - encoberto pelo
11nperat1vo do gozo - creçoes li. '· . ,,
. . , . d " frer" e "queixar-se .
1mperat1vo categonco no ato e so . .
. . "[ ] quando cnança tinha um
Relata o Jovem que, mesmo ... ' .
- · d 'd No entanto ele evitava esse
torte desejo de ver as moças espi as. '
pensamento ao preço de que algo de ruim pudesse acontecer" (FREUD,
[1909] 1990, p. 167). , _
o supereu introjetado surge a partir do dechmo do complexo de
Édipo como imperativo categórico. Entretanto, o que se encontra no
caso clínico é um pensamento que "meu pai deve morrer", denotando
que o Édipo não declinara [untergung] de todo. Esse pensamento, de
acordo com o sujeito, estava presente desde uma idade muito precoce.
O receio de que seu pai pudesse morrer era tão intenso que Freud
acolheu com surpresa a comunicação de que o pai tinha falecido
muitos anos antes. Com essa passagem, é ~mportante considerar que o
desejo edipiano de matar o pai permanecera, mesmo depois da morte
dele, de sorte que o sujeito permanecera embaraçado nas malhas do
complexo de Édipo (FREUD, [1909] 1990, p. 167). Freud comenta que
essa criança estava sob o domínio da pulsão escópica.
Cabe aqui indagar se Freud afirma que o sujeito, desde criança,
estava sob o domínio da pulsão escópica, de sorte que se pode con-
siderar que a perda de seu pince-nez durante as manobras preparativas
para a Primeira Grande Guena Mundial tenham funcionado como
um fator predisponente, ativando seiu movimento pulsional.
Outro ponto a ser levantado a propósito da incidência do do-
mínio da pulsão escópica sobre o sujeito, no tocante à prevalência
do imaginário, é Freud comentando que essa criança estava sob o
domín~o da pulsão escópica, expressa através de um intenso desejo
de ver as mulheres nuas. Essa pu!são, antes, não encontrava nenhu-
ma proibição. Todavia, com o passar do tempo, o eu se colocou em
oposição ao desejo, encarando essa pulsão estranha a si próprio, de

Oigítalludo c<:im c,m Searv,er


-_-_:;~;;.".:r:·-1 '_l: ;:'. D.'. _,dl, --~'-t' , . ..,_-1.l'., .\'" l' lll ,lllt· 1···s1,l\',1, cr.1 .,comp.111 1taoo
· · li,•~ J

?-'.T~::1~~n.) l "' F'Rt:u .11qnq1 tl>l>n. P- t(i7).


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. . . .
.: ,--..., i" ' X :'a E 1~ ..
..___ ,,. - --:r ••• t F • n.1 xorrt'U um.1 co1üH11ç .10 t·11trt· o desejo e
.r =
=:. .i.1: · · rrapanid.1. e mplexo dl' Édipo permanece atu ;rnte,
~==d · m q ~ de~cjo se oponha ~ lei. pois o pai imaginário
=1 2:..r riz.a 1 desejo. Sendo .1ssim. o sujeito só pode desejar a preço
é2 = r-e d pa.i . e o desejo não recebe o aval paterno p;ira acessar
er.
L"',;; dnejo não autorizado sofre sanção tanto de um supereu
~~~o quanto de um supereu do declínio do complexo de Édipo.
_ {=-,uio que o declínio do Édipo não tenha sido completado, a cen-
s-_r2 d.....~~ supereu se expressa de modo exorbitante. Sendo assim, essa
211çâo ,·em sob a forma de um afeto aflitivo, que surge com matizes
de e5"'- ranhezas e superstição, e se desdobram em medidas de proteção.
Se anres a pulsão não encontra oposição ao desejo, com a entrada do
super-eu, a pulsão toma-se estranha ao eu na medida em que o supereu
se ínterpõe entre o eu e o objeto da pulsão.
Freud comenta que, quando o sujeito obsessivo tende a gene-
ralizar seu relato, ele está ocultando "a coisa original e real". Desse
modo, deve-se sempre esmiuçar os elementos que o sujeito nos fornece
para cfarear "a coísa origínal e real". Então, o medo do sujeito em
questão se verifica pela proposição de Freud na seguinte frase: " [...]
se tenho o desejo de ver uma mulher nua, meu pai deverá fatalmente
morrer" (FnEUD, [1909] 1990, p. 168). Nesse caso, ao se defender a
tese de que o sujeito se encontra premido pelo fenômeno edípico,
indaga-se de quem se trata essa mulher? A frase proposta por Freud
poderia ser transcrita com um novo elemento: "[...] se tenho o desejo
<le ver minha mãe nua, devo matar meu pai".
O inconsciente deseja a morte do pai para que o pai não interfira
no desejo de ver a mãe nua. Então, nessa frase, concilia-se de modo
tripartite: primeiro, a pulsão escópíca; segundo, o desejo incestuoso
pela mãe; e, terceiro, o desejo de aniquílar o pai.
Na realidade, a pulsão escópica é apanágio da pulsão do terceiro
excluído da cena parental. A pulsão escópica põe em jogo o desejo
incestuoso pela mãe e o desejo parricida. Por conseguinte, o afeto

Oigil1tlir11do <:om C:1tm&11nrw,r


32 SUPEREU \ UEREPUS: DAS ORIGEMS ,~os SEUS OE';TII IOS

ia expresso através do
aflitivo, decorrente de um duplo pccac1o, ser · . . .
· 0 que levan a o SUJe1to a
medo de uma retaliação por parte d o pai ,
adotar toda a sorte de medidas de proteção.
, vada pelo fato de que o
Toda essa montagem estrutura l e agra
. l pensamentos, porque, de
sujeito terne que seus pais con ,eçam seus
voz alta sem, no entanto,
acordo com Freud, "(...) ele os expressa em '
. , . e. ,.. l "~ (F EUD (1909) 1990, p. 168).
escutar a si propno taze- o R
• , t, ente um conteudo ,
es-
Freud comenta que algo mais eS ª pres ' " .
. h pensamento: Com efeito,
tranho de que seus pais con ecem seu .
. , · ma espécie de delírio com
alguma coisa mais esta presente, ou seJa, u _
o estranho conteúdo de que seus pais conheciam seus pensamentos,
utar a si próprio fazê-lo"
porque ele os expressava em voz a1ta, sem eSc
(FREUD, [1909) 1990, p. 168). _
- Essa passagem denota que houve a introjeção da autondade
paterna como supereu na medida em que o sujeito tinha a impres-
são de que seus pais escutavam seus pensamentos. Essa impressão se
justificava porque seus pais já se encontravam introjetados no seu in-
consciente como instância superegoica. O interessante é que, já nessa
época, Freud soube detectar as impressões vocais como condição para
a presença do supereu. Sendo assim, Freud ((1909) 1990, p. 168) nos
revela no fragmento - "[...) ele os expressava em voz alta, sem escutar
a si próprio fazê-lo" - a voz do supereu.
Essa enunciação não é nada mais do que a manifestação da
voz grossa do supereu que Freud, a essa altura, desconhecia. Freud
é muito perspicaz e atento en1 sua escuta ao assinalar que "algo n1ais
está presente". Em sua frase, Freud afirn1a que a voz era alta, sem, no
entanto, ser escutada pelo sujeito. Era, sem dúvida, urna voz alta que
habitava o inconsciente do sujeito; no entanto, voz n1uda e silenciada
pelo recalque como voz da consciência. No que tange ao conhecimen-
to de seus pensamentos pelos pais, considera-se tal evento a introjeçào
da autoridade paterna sob a n1odalidade do supereu.
Mais adiante, Freud tenta ex plicar " esse obscuro assunto" com
0 seguinte comentário:

Expresso em voz alta meus pensamentos, sem ouvi-los (---1


soa como uma projeção do mundo externo de nossa própria
CAPITULO 1- A CLINICA DA NE
UROSE OBSESSIVA E AS ORIGEl~S DO SUPEREU 33

hipótese de que ele f h


. ln ª pensamentos sem nada conhecer a
respeito deles; soa com0 _
. uma percepçao endopsíquica daquilo
que fo1 recalcado (FREUD, [1909] 1990, p. 169).

A introjeção da autoridade paterna exerce o ato de censura e de


repressão sob a modalidade do supereu . Se a·m troJeçao
· ~ d a auton·dade
paterna,
, . sob o nome de supereu , acontece n o d ecl'm10· d o comp1exo
de ~d~po, P0 !e-se asseguràr, no caso o Homem dos Ratos, que esse
decl~mo 0 ~ na~ se fez, ,.ºu _se fez e deixou elementos ativos do supereu
arcaico, p01s ha emergenc1a da ação desse supereu pelo viés de desejos
arcaicos, como os desejos assassinos e incestuosos.
Em con~rapartida, assinala-se que o supereu do declínio do
complexo de Edipo, no sujeito em questão, não assegura uma ação
pacificadora e equilibradora, desdobrada no ideal do eu. Pelo con-
trário, o complexo de Édipo não se declina de todo. Sendo assim,
surge, pelo viés do pai imaginário, uma cobrança ao sujeito por seus
pensamentos indevidos. Então, considera-se que a autoridade paterna
introjetada ven1 lapidar um supereu arcaico, retirando-o da condição
de primitivo, lançando-o no mundo simbólico da cultura.
Dando continuidade ao rdato, Freud comenta que o sujeito teria
perdido seu pi11cc-11cz durante as manobras de agosto de 1907. Não
obstante pudesse encontd-lo, o sujeito o deixa. Mas ele telegrafa a
Viena para que seu oculista lhe envie um novo modelo. Durante uma
parada de descanso, o sujeito escuta impressionado, de seu capitão, a
narrativa de un1 castigo cruel usado em prisioneiros de guerra. Nesse
momento, durante a sessão, ele interrompe angustiado o seu relato e
solicita a Freud que o poupe. Freud insiste que lhe conte e, ao mesmo
tempo, lhe assegura que não tem inclinação para a crueldade. Assim,
5
o sujeito com dificuldade prossegue.
Freud observa que "Em todos os momentos em que contava sua
história, sua face assumia uma expressão muito estranha e variada. Eu
só podia interpretá-la como uma face de horror ao prazer todo seu,
do qual ele mesmo não estava ciente" (FREUD, [1909] 1990, p. 171).
Continuou O sujeito em seu relato: "[...] naquele momento,
atravessou em minha mente, como um relâmpago, a ideia de que
isso estava acontecendo a uma pessoa que me era muito cara".

L.ltgtlahzado com camseanner


34 SUPEREU I urnEPUS: DAS ORIGEI IS ,,.os SEUS OESTII ,os

Ainda observou que não era ele quem aplicava O


caS t i.go em sua
amada e que este era aplicado na forma impessoal. Assinalou que
e · l · I· tinha um curso de extraor-
ta l Lantas1a lhe era ai 1e1a, repu s1va e
dinária rapidez.
. l ·dei·a aparecia-lhe outra em forma de
S1mu taneamente a essa 1 , ·
- d e · fi
sançao eLens1va, a 1m e e
d vi·tar que a fantasia fosse realizada (FREUD
. . '
[1909] 1990, p. 172). O castigo era aplicado de forma ~lhe1a _e impes-
e ·t de repulsa - isso merece atençao, pois se trata
soa1, e d e causar ete1 o
de uma ação inegável do supereu.
É importante considerar que o supereu goza sobre o eu com
0
devaneio de flagelação pelo seu imperativo do gozo e, ao mesmo
tempo, pelo imperativo categórico, como sanção ~ fant~sia. ~ss_e
gozo não só se manifesta no pensamento como tambem deixa sma1s
perceptíveis em sua face quando ele se expressa. A ideia do suplício
com os ratos acontecia simultaneamente, tanto com sua namorada
quanto com seu pai. O castigo também era aplicado a seu pai, não
obstante ele ter falecido há anos.
Sabe-se de antemão que o pai era contra o namoro do filho com
a amada pobre. Sendo assim, o supereu, sob o imperativo, se satisfaz
pela vertente do gozo, tanto com o suplício da amada quanto com o do
pai e, de quebra, se satisfaz enquanto sanção da fantasia de flagelação.
Desse modo, não importa como, o fato é que o supereu sempre goza!
Naquela noite - prossegue o sujeito -, o capitão entregou-lhe
o pínce.,nez chegado do correio e frisou-lhe que o tenente A teria
pago todas as despesas. O sujeito então teria que reembolsá-lo. Na-
quele momento, surgiu-lhe um flash de pensamento: "Ele não devia
devolver em pagamento o dinheiro", ou aquilo aconteceria, isto é, a
fantasia sobre os ratos se realizaria em relação a seu pai e sua dama.
E, imediatamente [...] para combater essa sanção, surgira uma ordem
na forma de juramento: "Você deve pagar de volta as 3.80 coroas ao
tenente A" (FREUD, (1909] 1990, p. 172).
Na primeira tentativa, o sujeito já cria dificuldades para quitar o
pagamento, pois ele incumbiu um terceiro para que pagasse ao tenente
A. No entanto, esse procedimento causou- lhe intensa inquietação,
pois essa forma de pagamento não correspondia ao juramento "você
deve pagar de volta as 3.80 coroas ao tenente A".

Digi talizado com CamscaJlner


CAPITULO l - A CLINICA DA NCUAO'-[ o n c;1:_sr·1vA L • 35
- · · • " 0~1r,[N5 ()() !.lH1 Erl[U

Neste ponto, cabe comc11t:1r que l) ••ttJ'•·r•·tt


' ,.... .. .•, e cxpr ''i'i,1 pc 1o
imperativo : "Eu não devo ckvolvcr cm I>11 , 1111 ,. 111 1· 1 ·
· ~· .. o o 1 111 tctro 011
. ". A 1>artir dessa CIH11H:i-.c~
aq uilo aconteccd
. .. ,.1<> • e> <I''.
e ..., e e1c 110 t., L'· qttc
h:í um 11npcr:1t1vo do gozo oculto pelo i111pcr.nivo c.,tcµúri c:o, poi
0 juramento "~u devo pag.a r o tenente A'' esconde O dc'icjo de <jlll' 0
pai e a dama sepm submetidos ao suplício. Sendo assi ni , ,1 ctlltt1ci.t\·Jo
poderia ser composta: "Eu devo pagar e aquilo acontcccd •·.
O que se percebe a partir de seu juramento é O fato tk O sujei -
to elaborar estratégias de pagamento, que fatalmente ido fr., cas'ia r.
Finalmente, o sujeito encontra o tenente A , que se recus:1 a receber
o pagamento, alegando que não teria sido ele, mas sim o tenente U o
responsável pelo pagamento, ao correio, de seu pi11cc-11cz. No entanto,
o sujeito sabia de antemão que não estava devendo nem ao tenente A,
tampouco ao tenente B, mas sim ao oficial da agência postal <lo correio.
Com efeito, o capitão cruel cometera um equívoco ao solicitar-lhe
que pagasse ao tenente A. M algrado o sujeito saber de antemão do
engano, firmara um juramento com base nele. Esse juramento tor-
nou-se motivo de tormento. Pensava que, de posse de um atestado
médico fornecido por Freud, poderia persuadir o tenente A a fazer
parte da encenação e aceitar o pagamento. Todavia, ao chegar a Freud,
abandonou a estratégia do atestado e solicitou-lhe que o hvrasse das
penosas obsessões (FREUD, [1909] 1990, p. 173).

A transferência negativa

Pode-se deduzir que a transferência negativa desenvolvida pelo


Homem dos Ratos se dá a partir de dois momentos. O primeiro ocorre
quando Freud elogia o sujeito, dizendo-lhe que era muito inteligente
e sagaz. O segundo, aparentemente, ocorre após Freud ter-lhe ofere-
cido um lanche. O sujeito se oferece para pagá-lo, mas Freud recusa o
dinheiro. Para um obsessivo, o fato de Freud ter recusado o dinheiro
pode ter deixado O sujeito em dívida para com o analista. A partir
desses dois momentos, que estão presentes nas primeiras sessões, o
sujeito desenvolve gradualmente uma reação terapêutica negativa e
dirige a Freud todo O seu ódio fundamental. Não obstante, a trans-
ferência nas Notas sobre um caso de neurose obsessiva ser revelada desde

1 h .•

O,gita'iud:, com c.nScarn«


36 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

o começo, Freud soube manejá-la, de sorte a não deixar gue fosse o


1notor da interrupção da cura.
Freud ([1909] 1990) comenta a transferência negativa do Homem
dos Ratos, cttja fonte como origem do problema é preciso descobrir e
confirmar. Para Freud esse fato se situava possivelmente nas próprias
indicações do sujeito, quando em determinada época ele temia que
seus pais adivinhassem seus pensamentos. (FREUD, [1909] 1990, p. 184).
Nesse ponto, Freud comenta que a fonte da qual extraía toda a sua
hostilidade pelo pai e retirava a sua indestrutibilidade, era evidente-
mente algo da natureza de desejos sensuais. Nessa correlação ele deve
ter sentido seu pai como uma odiosa interferência em seus interesses
sexuais (FREUD, [1909] 1990, p. 85).
No decorrer do processo analítico, a transferência gradualmente
se torna negativa, quando apresenta sinais patentes de sua existência,
como no caso do sonho em que a mãe de Freud tinha morrido. Se-
gundo o relato, como, o sujeito tinha receio de irromper numa risada
inoportuna, deixa um cartão para Freud onde se liam as abreviaturas
p.f. (pour félicíter) em vez de p.c. (pour condolé) (FREUD, [1909] 1990, p.
196), denotando o caráter debochado do supereu.
Freud assinala que, somente pelo caminho doloroso da transfe-
rência, o sujeito se convenceu de que sua relação com o pai realmente
carecia da postulação desse complemento inconsciente. Ele comenta que,
na reação terapêutica negativa do Homem dos Ratos' as coisas alcancaram
,
certo ponto que culminou na expressão de seus sonhos, de suas fantasias
e de suas associações, e no acúmulo dos mais grosseiros e indecorosos im-
propérios dirigidos contra ele e sua família (FREUD, [1909] 1990, p. 209).
Não obstante as ações deliberadas, o cliente jamais dispensou a
Freud outra forma de tratamento senão o esmero e o respeito. O inte-
ressante é que, à medida que insultava Freud, o sujeito suplicava-lhe que
fosse castigado. Em decorrência disso, desesperado, o sujeito esperava
uma reprovação de Freud, que nunca vinha (FREUD, [1909] 1990, p. 210).
O supereu impele o sttjeito à provocação e depois suphca pela punição.

O pai na neurose obsessiva


A figura paterna tem uma importância írn.par na neurose obses-
siva, mais precisamente, ela é a pedra de toque de toda a engrenagem.

Diyitt1li,l:IU<J \-'U1J1Ci!1rtSct1m1t'1
É nlli que notório, no relato de Freud· qu"'-- 0 n.Nnem
r_r d 1s R ,, '5 tetn
unu relação ambi\·aJente
. . com seu pai. Como sun - · u1 acro
. p.1r-erno e seu
uplente, o sujeito toma o capitão cruel como um sub·~nrun\·o
- · p.ir-:-r-
no. Segundo o relato de Freud , sabe-se que , apo',.~ contar J h.1sron.1
· ·
do suplício com os ratos, o capitão comentou qu~'- a encornend.1 de
eu pi11ce-11ez teria• chegado pdo correio• Com dU
~c"'·t o. o cap1c-.
· -:10 crue l
cometera um equivoco ao solicitar-lhe que reembol'~asse" o tenente A .
uma vez que de, suposta.mente, teria pagado as de ·pesas do correio
pela encomenda.
Aqui cabe indar,ar por qut:. mt>smo abendo de Jntem.io do
engano do capitão c rud , elL· firm ar:i um jur.imemo com bJse ne ·se
equívoco. Tc:mando n: po nJL·r a e .:i que r:i o. a ~i1ub-se que todJ ,1
dinâmica trágici do ob t: i\·o e.· cj L"llrL"JaJ.1 1u sJh·J._·:io do pJi. Pro-
jetado 11:1 figur:i p:ita1u, o uj l.'HO tc lltJ .1 lnr o c.1picjo do ridículo
de ter se: c:quivo ciJo, .h \ Ílll ( 01110 1 rocurJ uml i·m ,.tlnr J honn do
p:ti. M:1,, Jo tc:11t.1r ,.al\'.lr .1 ho11r.1 du 1 .11 . o rnJ l.'.Hô , c..·111 ·uJ fanu · i:1. o
,ubmc:cc: .10 ,upl kio do, r.1t m .
1~ i111pon.1111c..· .1,,i11.1l.1r que-. .lll l,1 11 ~0 de..- u111.1 nc..-uro ~e. ·urgem
m ~im11l.1cro, do p.1i. (.) (uo llc..· ·,1nw1H 1r que o o pic.io '>é étJUi\'oc.1r.1
era p.1r.1 de: um t.11tll) in,upn rt .Í\'c·I. 1) n , c 111odo, pJr.1 c..·11cobrir .1 falt:i
do CJpit.io - ou do p.1i - . úll do Out ro. o , uj l·ito rc..·corrc..· J um jurJ-
mento suporudo 1wlo ,111 l'fl."ll. Adt:mJÍ ~. J i11dJ ,obré J trJn fc:n:nci.1
lll'gati\'.l, \'t·riticJ- ,L' quL" d.1 ~- propo rcionJI ~ con t:it:iç:io, por plrte
do sujeito, tk que: o p.1i e.· seu. imubcro njo Jbêm o que fazem, ou
seja, quL· o Omro ~- b.1rndo.
Sendo as~im. rinh:1 e: pennp de que um m~dico lhe forne-
asse um certific:ido dizc:ndo que, p:ira recobrar a s::iúde mental, sc:ri:1
nL"ce shio que a esrratt:gia com rebç:io ao tenente A fosse cumprida
conforme O planej:ido. A po sibilidJde de o tenente A aceitar o pa-
gamento ia ao encontro da e tr:ltt'gia do sujeito para'preencher a falta
no Outro - capitão. A sim, a farsa da dívida impossível de ser quitada
evita o confronto do sujeito com a falta no Outro.
Agora, faz- e nt>ce sário refazer a indagação de como pode um
sujeito de bem tomar aquele capitão sádico, tão cruel, como substituto
pltt'rno. se ele nutri:1 pelo seu p:ii - afetuoso, cordial e cheio de hu-
mor - um grande amor e respeito, e guardava boas recordações dde?

--
. n2. n""urose Oll~"'~ . _ b dimens~10 imaginaria.
t...-.>,,.~·1\...., q.J.nc~ !-O ,1
O ru o.. - ~ -
.1. • u '- _ . • . . _ ue encanum a hgur~ 1 do
- -- .3-d - .- QU.rJ'- llllagmana!- q
:Ka reahU.!l. e. remo. n;::, · ...._ Elt- aparece sob as mais
- - . -d -- ·rd d . ' má,ca.ras do s.upereu. .
oai l êffil o, "e a eir,L - . J üpotente crrmd10s0
" - d . ideahzaoo, or ' ;:, '
discintas tumr2.s.· ora coloGJ. 0 con1o b,
t ' :::i • • ~rfid cruel. 1nas t,1m em gra n-
· .,. ·e!nlldor P'-- o,
e sagrad o, ora como p. . rs ::,, ' tanto ariscara o fracasso, a
dioso. Há um e:s:ce:50 de pai que, no cu ' '~

inconsistência e a impo stur~-- _ diria-e ao Outro é sobre a


A enrunta que o suJelto obsessivo º. - .
p ::,, , . :- , onsistencia do pai, do cnador.
existência. o que esta em quescao e a e , . fi , b
· _ -:- , que e uin pa1. En m, e so re
Para o sujeito obsessrvo, sua questao e 0 ~ .
. .. _ _ _, O nsável pela sua produçao. Assim, o
a existene1a, p01s o pai e respo , .
· fan · estruturar uma espec1e de resposta
sujeito, através de seu tasma, vai
sobre sua existência.
- _!1:_
A psicalli.ll.De se d ebruca
, sobre essa questão e procura responder
0
que é um pai. No caso do Homem dos Ratos, Freud afi~ma que a
doenca se desencadeou em decorrência da relação do paciente com
a mo~e de seu pai. O ponto-chave do desencadeamento da doença
do Homem dos Ratos se localiza no fato de a proposta seguir os passos
do pai. Sua mãe apresenta uma proposta de casá-lo com uma mulher
rica, obrigando-o a abandonar sua amada desprovida de recursos
econômicos, como foi a escolha paterna. O sujeito se encontra numa
encruzilhada insuportável: sustentar o desejo da mãe,7 seguindo a
trilha paterna e não macular a memória de um morto; ou não abrir
mão de seu desejo, sustentado no Nome-do-Pai e escolher sua mulher
amada sob a condição de sua própria sorte e risco.
Então, o núcleo do desencadeamento é uma condição impos-
sível de resolver e impossível de suportar. Na linguagem de Lacan é
o próprio real, diante do qual o sujeito tenta circunscrevê-lo como
objeto com o saber: Sr·ª· Por conseguinte, o ponto-chave do desen-
cadeamento da doença se articula à dúvida entre macular a memória
de um amado pai, revelando o anátema de uma impostura paterna
e abdicar de seu amor. Pois escolher para casar a mulher amada po-
rém desprovida de recursos econômicos e dispensar um casamento
arranjado era denunciar um pai que fez sua escolha amorosa baseada
na conveniência de interesses pecuniários.

Dlgl',...11.00 com C&"I\Scame-r


Sua escolha põe em questão o rorn ,'ulc'•·


... " ram,
t:. ·1J::t
· J" d&. un tar,
' <•

Parental anterior ao seu nascimento • A cada


' ,
meJm cnto q ut c~e<>rr.n ,r~
sua amada, a mulher pobre, o sujeito colocav"'
, ,. cm d,uv,'da a h onr;... e
a moral paternas. No seu mito indívíclual mí,-,·t, , rcpro d uz o rnrt.o
• , O . :.1--
-
"fàmilial" abrangendo as gerações. anteriores. , 5,.... J("or pOS'l ,JVC J red. U ZJr
-
a questão do Homem dos Ratos a uma só frase, pode-se propor que
0 sujeito se vê às voltas de "salvar a honra do paí", o que se com:a

intolerável para o sujeito é que a cada vez ele busca O seu desejo com
os recursos que o pai lhe legou, ele se depara com um pai que cedeu
ao seu desejo. Então, como se mirar no pai para ir além dele, ao en-
contro do seu desejo? Assim, é possível assegurar que todo impasse
do Homem dos Ratos gira em torno de um pai imaginário, que não
cede passagem para um pai real que deseja.
O Homem dos Ratos, assim como o pai, se forja como um deve-
dor. Ao tornar presente a dívida·pa~erna do ponto de vista simbólico,
testemunho vivo da dívida do pai, o sujeito deseja ter a chance de
saldá-la. No entanto, o supereu entra em ação por uma dupla via:
há um imperativo que a dívida seja saldada, de modo que o pai e a
dama sejam supliciados, e há um imperativo que coloca a dívida como
impossível de ser quitada, salvando o pai e a dama.
Como na neurose obsessiva, o desejo se coloca - em decorrên-
cia da incidência do supereu - como impossível de ser realizado. O
sujeito não se sente autorizado a realizar o seu desejo, 1:1ma vez que o
sujeito se encontra um tanto carente do pai real, que possui a função
de unificar o desejo à lei.
No entanto, o pai que está em questão na neurose obsessiva é
o pai imaginário, aquele que se opõe ao desejo e à lei. Ou o sttjeito
está dentro da lei e fora do desejo, ou o sujeito está fora da lei e dentro
do desejo. Dentro da lei e fora do desejo, o sujeito se vê submetido
a uma lei moral que inibe, proíbe e anula seu desejo, deixando-o
embaraçado com O falo. Dentro do desejo e fora da lei, o sujeito só
8
acessa o seu desejo mediante contrabando.
A estratégia do sujeito em se precaver de se encontrar com a
falta no Outro é rompida com O relato da tortura dos ratos feita pelo
capitão cruel. o relato de tortura revela uma satisfação obscura, até


Utg1tal zado com ~mSc.rner
então velada. O significante rato se torna causa de goz,,. Seu f:11-it:1,>1 1,:,
s{1dico realiza uma articulação entre o significante rato, o g<>%<> a11:d t
os diversos equivalentes simbMícos de rato: djnheíro, crían,,:a, ft %i;•;
. . '
pênis. Mais tarde, o significante causa de gozo e vaJ surgJr sob CJUtr:1,1
modalidades: spielratte - rato de jogo, raten - prestações, ratten - r::it.c>,
"tantos florins, tantos ratos" - dinheiro, rato - bebé, rato - péní'l
(FREUD, [1909] 1990, p. 215).
Diante desse significante causa de gozo, o sujeito busca a ajuda
de Freud. Mas, à medida que a análise avança e o sofrimento intole-
rável aos poucos é amenizado, Freud é tomado em transferência pela
figura paterna numa transferência negativa, já que o gozo se protege
de ser esvaziado. Então, a transferência negativa é uma medida de
proteção do gozo.
Lacan observa que o obsessivo nunca está onde deveria estar.
Essa é uma tese que será demonstrada a partir das análises do texto
Notas sobre um caso de neurose obsessiva, sobretudo no que tange à
emergência do real. Freud comenta que o sujeito contou-lhe, com
detalhes, a história da morte de seu pai. Seu pai morrera havia nove
anos de enfisema. Certa noite indagou, ao n1édico, quando o perigo
poderia ser considerado acabado. "Na noite depois de amanhã" foi
a resposta do médico. Com efeito, sem saber, o sujeito estava per-
guntando a data da morte do pai, deixando enunciar o seu desejo
inconsciente (FREUD, [1909] 1990, p. 178).
Na noite advertida pelo médico, às onze e meia, deitara-se uma
hora para descansar e quando despertara, soubera que seu pai havia
morrido. O sujeito censurou- se por não ter estado ao lado de seu pai
nos momentos finais, sobretudo ao saber que ele o chamou nos seus
momentos derradeiros. Com isso, pode-se pelo menos aventar a hi-
pótese de quanto o sujeito sentira raiva de seu pai por ele ter morrido
sem avisá-lo. Essa raiva, com certeza, transformou- se em sentimento
de culpa. Assim, a estratégia de anular tanto a raiva quanto a culpa foi
resgatar seu pai da morte, pelo menos no plano imaginário (FREUD,
[1909] 1990, p. 178).
Diante do real da perda do pai, o sujeito construiu uma ideia
imaginária de que seu pai iria chegar a qualquer momento, ou que era
preciso contar a boa piada que teria escutado recentemente, malgrado

Dlgi:auzaoo com Caenscanner


,• ...--

CAPÍTULO J - A CLII lfCA VI~ 1lCIJP0 1 E()''' [ C' JI·" ,: ,, < r.


J ÜJ JJ "
1
'"- ' J J ,,J~[ /l';ffJ~ 1JV'P[IJ 41

J·amais ter se esquecido.. de. que seu pai tinha falecido . gum meses A]
mais tarde, em decorrenc1a de sua negligência, , passou
, , . a se cons1·d erar
um criminoso. A partir da morte de uma tia, houve agravamento das
obsessões, deixando-o inapto para o trabalho.
A questão da morte do pai se coloca como ponto pivô de toda
a história, sobretudo no gue tange à sua escolha amorosa. De saída,
0 sujeito expõe todo o seu litígio. De um modo ou de outro, sem

saber, responsabiliza o pai que tanto ama, no que se refere ao obstáculo


superegoico entre a conjunção do amor e do desejo. A única condi-
ção edipiana que se evidencia em sua mente é que, se algo de grave
acontecesse como a morte do pai, a garota poderia lhe ser afetuosa.
Ponderando que o núcleo de sua doença é a morte do pai, a
prob1emá4:ica se circunscreve assim: se o pai morre, o sujeito acessa
o desejo edipíano - imperativo do gozo; se ele salva o pai, o desejo
é interditado - imperativo categórico. Esse é o ponto pivô diante
do qual o sujeito oscila, pendendo ora para um lado, ora para outro
(FREUD, [1909] 1990, p. 182).
Outra enunciação que denota o imperativo do gozo: "[...] a
morte de meu pai poderia me tornar rico o suficiente para desposá
-Ia". A estrutura desse desejo era combatida com um contradesejo,
"[...~ prefiro ser deserdado, mas sendo assim, não terei dinheiro para
desposá-la". O que se observa é um supereu que ora se manifesta pelo
imperativo do gozo, revelando um desejo edipiano e fora da lei, ora se
manifesta pelo imperativo categórico, impossibilitando o desejo. O que
Freud revela é uma oposição entre o pai e a namorada. E acrescenta
que todo o amor intenso e o temor pela morte do pai, no fundo, nada
mais são senão a pré-condição de um ódio reprimido. Freud comenta
que o ódio flui de uma fonte particularmente indestrutível. Esse ódio
se mantém vivo no inconsciente, uma vez que seu intenso amor por
seu pai impede que esse ódio se torne consciente.
O sujeito indaga Freud por que seu ódio tinha sido despertado
aos doze anos e depois recolhido, para mais uma vez ser despertado
aos vinte e recolhido, novamente, aos vinte dois. Desde então, o
ódio permaneceu presente sem se recolher. Quando o sujeito fala em
associação livre sobre O ódio, ele acaba por falar de sua namorada e
da atenuação de sua pulsão sexual para com ela. Freud assinala-lhe
, "' , sta de se~l úcl io pelo r~d, P"h :1
- , terb encontra do •1 respo.
t'ntao qut ' . .. , desejo por sua amada seria a fêmte
interten~ncia de seu p:n Jttnto .\O • ~ l via um conflito entr,
. , d' F., d comenta que rn , t r,
inescrot·wd do o 10. It::ll 1 . f 'd
::, ' . 'd d, Sua pulsão sexua tena so n o urna
amor infantil e a sensuah a e. . l" . N
d ão de sua v10 enc1a. o entanto
repressão provocando uma re uç . . '
' . . , b dO intensos deseJOS em sua Juventude, a
q uando o suJetto e arre ata por .
, c. da em hostilidade contra o pai (FnEuo
violência da pulsão e transiorma ' '

(1909] 19~0, P·_ 185). F d ([1909] 1990 p. 189) assinala que a morte
Mais adiante, reu '
., d d . c. te da doença visto que "O eu encarava seu
do pai e a ver a eira 10n ' . .
. d O pai como fonte principal da intensidade da
sentimento pe1a morte _
. que seu sentimento encontrara uma expressao
sua d oenca. D igamos .
, · '
pato1ogica em su a doença" . Com efeito , o sujeito resgata. seu , após
pai .
sua morte, sob O viés imaginário, mantendo- se submetido a cond1-
cão de sujeito dividido numa encruzilhada: se, por um lado, escolhe
~eguir os passos do pai, casando- se por conveniência, vê-se forçado a
abandonar sua amada, por outro lado, se escolhe casar com sua amada
desprovida de recursos, acaba denunciando um pai de honra duvidosa,
que cede em seu desejo.
Assim, o pai assumira uma oposição à sua vida erótica. Certa
vez, quando expeo::imentou pela primeira vez o orgasn10 numa re-
lação sexual, pensou: "[...) por uma coisa assin1, alguén1 é capaz de
matar o pai". A partir das anotações de Freud, o pai faz oposição a sua
vida erótica desde sua passagem pelo Édipo. Na realidade, não se trata
do pai biológico, mas do supereu. Como o declínio do Édipo não se
fez de todo, existe um pai que não autoriza, nem concilia o amor e o
desejo. O que surge, no seu dizer, é um ódio dirigido ao pai, a ponto de
expressar seu desejo pelo aniquilamento. (FREUD, [1909] 1990, p. 204).
No que concerne à vida erótica e à n1orte do pai, 0 C'l.trioso é
que o sujeito, mesmo depois de não ter se masturbado na infância,
retoma esse háb~to aos vinte e um anos, pouco depois da morte do
pai (FREUD, [1909] 1990, p. 206). De acordo com Freud, o sujeito
se sentia impelido a se masturbar quando duas ocasiões tinham algo
em comum: uma proibição e um desafio a uma ordem. Nesse ponto,
coincidem as duas faces do supereu: a do imperativo categórico e a
do imperativo do gozo, visto que, quando a proibição é excessiva,
CAPÍTULO 1- A ClÍNICA DA NEUROSE OBSESSIVA E AS
ORIGENS DO SUPEREU 43

e O imposto cobrado pelo supereu é exorbitante · ·


. _ , , o SUJetto se sente
empurrado em d1reçao a transgressão da lei.
; 1o a,
O pai teria, por n1ais de uma vez , se colocado co mo o bstacu
sua vida sexual. Uma vez, pouco antes de sua morte, teria aconselhado
a se afastar de sua a111ada (FREUD, [1909] 1990, p. 204). Pouco tempo
depois da morte de seu pai, o sujei.to, submetido pela ação dupla do
supereu, se colocou a se masturbar compulsivamente e em decorrên-
cia de tal ato sentia-se envergonhado. Certa vez brincava com sua
fantasia preferida de que seu pai estava vivo e que viria visitá-lo. Por
volta da meia-noite, interrompia os estudos e, abrindo a porta de seu
apartamento, postava-se diante de um espelho a se masturbar. Seu pai,
com certeza, gostaria de encontrar seu filho estudando, porém desapro-
varia sua masturbação. Esse ato, sem dúvida, condensa uma demanda
de amor dirigida a seu pai, pela ação do imperativo categórico "veja
como estou estudando!", conjugada com o imperativo do gozo, pelo
viés c:&e um desafio e uma transgressão à ordem: "não se masturbe!"
Diante desse relato, Freud arrisca uma construção que se ve-
rificou bem-sucedida. Quando tinha seis anos, seu pai o castigou
duramente em decorrência de uma masturbação. Sem dúvida, o
castigo pôs fim à masturbação. No entanto, ele deixara para trás um
rancor inextinguíved pelo pai e o fixara para sempre como agente
perturbador de seu gozo sexual. Daí justifica-se, segundo Freud, sua
crise de agressividade contra seu pai, ainda numa fase muito precoce.
O sujento, não conhecendo palavras ofensivas, xingou seu pai com
substantivos domésticos. Essa cena causara forte impressão tanto no
seu pai quanto nele próprio, marcando o seu caráter de covarde, por
medo da violência de sua própria raiva. Sua mãe lhe teria dito que esse
castigo foi em consequência de uma mordida que ele teria dado em
sua babá. O conteúdo sexual dessa cena teria sido recalcado e só foi
recuperado, em parte, mediante O doloroso caminho da transferência.
(FREUD, [1909] 1990, p. 208-209).

O supereu e as ideias obsessivas

Freud comenta que, para se achar o sentido das ideias ob-


sessivas, faz-se necessário recorrer a uma relação temporal com as
'~\''-'\'\,\\\\.'\.\~ \\\, I' il'\c' l\lc'. \/.111 1\'-'• t'otl\d•111 l111lllfJi'. "' 111 p::l'i1•,111.,, rp1 :111d'I
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1 , , 1 1· . . , •··1vt1do1"1S d~
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$\\,\ \\t'\'\\' ;\1,'.\\) i, ,~ ·1.JI \.:!~ llllh '' , ,
• , ,. lo t" ISO, l' 11<: l:1 ' po:rn 1v,·I Í:lqh ,
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, l:,ta qu~. t'l\\ u:: . ,,·t··,, 1.:'.,po•'•\
e .. , ·
ttll vfrtud ' d:1 :1LtSL:11 c 1:1 d!.! sw1 lla-
, .., .
· _· . . . ·ou St' ·1t·,r1:f,r colll uni dd:tcd estudo, quando
l\\Ol,\I.i :\, O S\ljt'ltO proc\11 , ' ' ' .
· t . "S, vo•·ê receber a ordetn de cu111prir o trabalho
llli:' $Ut8:lll na m~n e. t: "'
.b. . d , ,·e ,, ,·e· rt'ceber a ordem de cortar a garganta, 0
'-i e, e o e ecer. 1111; s ., 0 "' ·
o
faria?" stticito rapid;nnente apanhou uma rnmina, mas subitan1entc
pensou: " Não é tão simples, você tem que sair e cortar a garganta da
velha". Em seguida o sttieito fui tomado por un1 horror, chegando a
tombar-se no chão (FREUD, [1909] 1990, p. 190).
De acordo com Freud, a chave da questão res2de na frase inicial:
"Em virtude da ausência da namorada ~...]" O sujeito foi acometido
por um desejo de ver sua namorada e pensou no 111otivo pelo qual ela
se encontrava ausente. Sua namorada encontrava-se en1 companhia da
avó doente. Segundo Freud, se o sujeito fosse um hom.en1 normal, teria
pensado: "Por que essa velha tem que adoecer logo agora, justamente
quando desejo ver o meu amor com tanto desejo"? No entanto, o que
lhe surgiu no inconsciente foi uma raiva que se enunciou da seguinte
forma: "Como eu gostaria de sair daqui e matar aquela velha por ter
roubado o meu an1or". Ao que se sucedeu: "Mate- se a si próprio,
como punição por suas pulsões selvagens e assassinas!" Todo o proces-
so, acompanhado de um forte afeto, advindo do inconsciente, entra
no consciente por ordem inversa: em primeiro lugar veio a punição
do supereu pelo imperativo categórico, depois o suposto crime que
o sujeito se sente impelido a realizar pelo supereu do imperativo do
gozo (FREUD, [1909] 1990, p. 191). A ex pressão dessas duas modali-
dades do supereu pode ser conferida no texto de Freud Criminosos por
se11ti111e11to de culpa (1916).
N este momento, cabe aqui uma reflexão nossa sobre qual mo-
dalidade se faz o mecanismo das ideias. obsessivas. "Todo processo
introduziu-se na consciência do mais violento afeto e numa ordem

Oigi'::llii:»do c O'l'l QlmSconocr


.,;;

t'iTl.lLO 1 - ,.\ CLINrC~\ O>\ NEUROS


E OOSESSIV1\ [ AS ORIGENS DO SUPEREU 45

inn.-~1: antt's Yt'io a ordem e a St'~Hir enfim . -


, · , a menpo e1a culpa"
FRE D. [190~) 1~90, p. 191); Fica claro que o imperativo catcgóri;o
·,t" t"Xprt"SS,l prnnt'tro
. . e lo~o
~
t' se"'Uido pelo imp . t .
_ :::- er.1 1vo lo 1 gozo.
_Ao se pernutir
_ um . rac10cínio topolóni . e· poss1ve
::, co, · 1 ba1·1za r
,,ue
... o mconsc1e-nte se mamfesta em ordem 1·,·iv•"'rs -.. a. Ent-ao, o bserva-se
q ue- Jquilo _ que se_ constituiu
_ por último , ,aparece
• pnme1ro,
· · e o que
~e
- consolidou
_ _ primeiro
_ surge depois
, _ · Como O imp t . • ·
era 1vo categonco
se constttum a partir do dechmo do complexo do Édipo, ele se en-
coutrJ mais na superfície e numa fase tardia, pois aparece primeiro
como sanção "corte sua própria garganta". Em contrapartida, aquilo
se implantou antes sob a condição do objeto voz, o núcleo do supereu
como imperati, o do gozo, emerge depois, o "corte a garganta da
,,, E . . e. .
,eIha. sse 1mperat1vo, com e1e1to, encontra-se interiorizado no
inconsciente num momento muito primitivo.
O caso clínico está repleto de exemplos em que se colhem as
injunções do supereu pelas duas modalidades do supereu.
Uma demonstração da intromissão do supereu, que se expres-
sa ora por uma, ora por outra vertente, é assinalado por Freud nas
preces do sujeito, em que ele orava "Deus o proteja". A intenção
dessa .proposição se transformava no seu inverso à medida que um
espírito mau insere a palavra "não". Para driblar tal mecanismo, o
sujeito decidiu amaldiçoar o destinatário de sua prece na esperança
de que ela se invertesse, mas que de fato apenas revelou a sua real e
primeira intenção.
Outra questão que permeia o relato de Freud, contudo distinta
das ideias obsessivas, é a sua questão com a mulher. Um dos fragmen-
tos do caso, que nos clareia a relação do sujeito com o Outro sexo, é
o seguinte: 0 sujeito passeava com a namorada e veio-lhe à mente à
ordem de que "nada deveria acontecer com ela". Então, a ordem de
proteger nada mais é que a culpa e a penitência expressas pelo impe-
rativo categórico a um desejo de ação contrária. Essa enunciação do
imperativo categórico vem circunscrever um imperativo do gozo, de
um desejo hostil dirigido à sua namorada. O sujeito se encontra numa
posição de divisão, uma vez que, assim como seu amor, o seu ódio se
encontra dividido entre seu pai e sua namorada. Observe como isso
acontece nos próximos parágrafos.

Dl;ii:0112:Klo com ComSc.illOt'r


46 SUPEREU I UEREPUS· DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

A mulher como o Outro

O sujeito revela a Freud que tinha impulsos vingativos contra


sua namorada, como o descrito sobre a ideia obsedante de protegê-la.
São vários os exemplos colhidos por Freud que ilustram esse tipo de
mecanismo. Um exemplo é aquele em que o sujeito, acidentalmente,
bateu o pé numa pedra na estrada. Nesse momento, veio-lhe a ideia
de que a carruagem de sua namorada iria passar dentro de poucas
horas pela mesma estrada e poderia se acidentar nessa pedra. Então,
retira a pedra da estrada, porém veio-lhe a ideia de que tudo aquilo
era absurdo e se viu obrigado a recolocar a pedra no meio da estrada.
Assim como nos outros exemplos de ideias obsessivas, o imperativo
categórico se expressa primeiro como a retirada da pedra do meio da
estrada para depois surgir o imperativo do gozo, no ato de colocar a
pedra no meio da estrada para que a namorada se acidentasse.
Freud assinala um sofisma que desafia a lógica, pois, para que
ela não mais adoeça, o sujeito deseja ver sua amada eternamente
doente, em vez de acometida por uma repetida sucessão de crises.
Então, a aparente bondade do imperativo categórico, na realidade,
dissimula a verdadeira intenção do imperativo do gozo (FREUD,
[1909] 1990, p. 197).
Inicialmente faz-se necessário indagar por que o sujeito toma
sua amada como objeto de uma ação hostil, de retaliação e de vin-
gança. Pode-se deduzir que as ideias obsessivas de vingança, violência
e morte dirigidas à sua amada podem se fundar pelo inenos por três
hipóteses (FREUD, [1909] 1990, p. 169).

Primeira hipótese: o amor vem em suplência


pela inexistência da relação sexual

De saída, é importante assinalar que o sujeito considerava que


não era amado pela namorada. Essa impressão alimentava fantasias
de que um dia se tornaria rico, se casaria con1 outra para magoar seu
antigo amor e algum dia visitá-la-ia acompanhada de sua esposa.
Freud assinala que o sujeito entrou numa obsessão de compreensão
tentando dar sentido a todas as palavras e afastar toda forma de mal

Olglte!lzado com camscann&r


CAPÍTULO 1- A CLINICA DA NEUROSE OBSESSIVA E AS ORIGENS DO SUPEREU 47

-entendido: "Ao despedir-se dela, antes das férias de verão, ela dissera
algo que ele interpretou como um desejo, da parte dela, de rejeitá-lo
pelo resto de sua presença; e isso o deixou muito triste". Durante as
férias de verão, sua namorada teve a oportunidade de esclarecer a
situação, coisa que o deixou muito feliz. A partir de então, 0 sujeito
se repetia: "Você jamais deverá interpretar mal de novo a quem quer
que seja, se é que você deseja escapar a uma desnecessária aflição"
(FREUD, [1909] 1990, p. 193).
Então, deduz-se que, em decorrência do mal-entendido , o su-
jeito passa a ter sebtimentos vingativos com relação à sua namorada,
pois pensa que ela o rejeita. De acordo com Freud, a raiva dirigida à
sua dama e a dúvida com relação a saber se ele havia escutado cor-
retamente o que tinham lhe falado era a expressão da dúvida se ela
o amava, pois a namorada havia recusado sua primeira proposta, dez
anos atrás.
É importante assinalar que a dificuldade apresentada por
ele quanto à compreensão daquilo que lhe era falado pode ser
entendida, de acordo com Lacan (1973), como decorrência de
não haver relação sexual. Argumenta-se que o sujeito, de modo
inconsciente, responsabiliza a namorada e o pai pela inexistência
da relação sexuafl. Na realidade, o caso clínico pode ser lido como
uma novela de amor cortês, visto que esse tipo de amor p~eocupa-se
em justificar os desencontros amorosos decorrentes da inexistência
da relação sexual.
Lacan, em 20 de fevereiro de 1973, assinala que"[...] de sobre-
modo refinado o amor cortês finge um obstáculo para a inexistência da
relação sexual". A expressão lacaniana de que "não há relação sexual"
pode ser compreendida como não há refações plenas de sentido, entre
0 significante e o sign~ficado.

Se, por um lado, a consequência da barra entre o significante


e O significado provoca equívocos e mal-entendidos na õinguagem,
por outro, Lacan ([1973] 1985, p. 62) indica que o amor vem em
suplência da inexistência da relação sexual. Assim, o fato de o sujeito
não se sentir plenamente seguro do amor de sua amada, deixava-o
exposto às vicissitudes da "inexistência da relação sexual", a saber:
aos e ,
qu1vocos e aos n1al-entendidos.

len
0.gl1ehi edo com CemScenner
48 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Cmn uma fonnulação pautada no imperativo categórico


sujeito propõe dar conta do 1nal-entendid~: "Vo,cê jamais dev~r:
interpretar 1nal de novo a que1n quer q~~ seJa, se e que v~cê deseja
escapar a uma desnecessária aflição". O sujeito, embora experunentasse
un1 nul-estar em decorrência da inexistência da relação sexual, tinha
uma ilusão de que o imperativo categórico poderia circunscrever 0
mal-entendido. Assim, o sujeito lançava sua apoS t ª de que não inter-
pretando mal, poderia escapar a uma desnecessária aflição.

Segunda hipótese: o amor pela dama


contraria os interesses do pai
Em segundo lugar, o seu amor pela dama contrariava os interes-
ses de salvar a honra de seu pai, colocando o sujeito em um impasse.
Assim, o sujeito permanecia dividido e ambivalente em sua escolha
entre o pai e a mulher. Então, a dama, se escolhida, ter~a que pagar
algum tributo que pudesse ser endereçado ao pai. A raiva e o senti-
mento de vingança destinados à sua amada eram, no fundo, a cobrança
de um tributo pelo fato de o sujeito ter sido obrigado a contrariar
o desejo de sua mãe e a abdicar de salvar a honra de seu pai. Essa
segunda hipótese, malg[ado uma idealização, abre espaço para um
desdobramento no qual se insere uma tese contemporânea de Freud
(1912), Sobre a tendência universal à depreciação na esferà do amor. Uma
possível saída para o sujeito numa análise lacaniana, seria a de amar
uma mulher sem compreendê-la, na condição de compreender o pai
em suas faltas, se~n, contudo amá-to, pois amá-lo seria permanecer
na condição de filho, sem a possibilidade de acessar uma mulher.

Terceira hipótese: a estratégia do sujeito


obsessivo fracassa diante do Outro feminino
Por último, é importante assinalar que toda a estratégia mon-
tada pelo sujeito obsessivo fracassa diante do Outro feminino. Essa
hipótese trata da angústia de castração, que pode explica[ a raiva que
muitos homens têm das mulheres. Ao colocar a mulher na condição
de Outro, o sujeito a responsabiliza pela atenuação de seu desejo.
CAPÍTULO 1- A CLINICA DA NEUROSE OBSESS
IVA E AS ORIGENS DO SUPEREU 49

O sujeito se abre aos sentimentos de v· . .


. . mgança, nva 11zando-se
com esse Outro femmmo que ele supõe querer sua castraçao. - Ass1m . o
sujeito teme a castração
_ como forma de retaliaça~ o por parte do O utro.
'
Então,. todas as açoes . e pensamentos
_ . obsessivos d e ven·fitear, apurar,
conferir, contar e afenr
, sao insuficientes para lidar com o o utro sexo,
que sempre escapa a compreensão por parte do sujeito. Assim, todas
essas ações mediadas pelo supereu, seja pelo imperativo categórico,
seja pelo imperativo do gozo, são a expressão de uma ambõvalência de
sentimentos, cuja "[...] batalha entre o amor e o ódio desenrolava-se
no peito do amante" (FREUD, [1909j 1990, p. 94).
A depreciação do objeto amoroso em menor grau até a misoginia
está presente nos.homens em geral como uma tendência universal no
âmbito do amor, como afirmou Freud. Com efeito, se o homem tem
essa inclinação é por que ele, inspirado pelos restos edípicos como a
matriz do amor, tem a disposição inerente de superestimar seu objeto
amoroso. O homem quando não consegue depreciar o objeto amoroso,
ele o teme como agente da castração. Portanto, a consequência natural
é ele eleger objetos disjuntos, nos quais um se encontra o amor e em
outro, o desejo, de tail sorte que, ou o sujeito está dentro da lei e fora
do desejo, ou o sujeito está fora da lei e dentro do desejo. Portanto,
no caso em questão, o Homem dos Ratos elegia os objetos disjuntos de
seu amor e desejo entre a mulher pobre e a mulher rica.
Pode-se dizer que uma conclusão de análise faculta de maneira
contingente a alternância desses do~s estados de ânimo no mesmo objeto.
Contudo, nunca ao mesmo tempo, ora um, ora outro, como se hou-
vesse duas mulheres numa só, onde uma se oculta para outra se revelar,
uma sucedendo a outra, regidas apenas pelos eventos da contingência.
Não há condições no que concerne a relação sexual que seja
necessária ou suficiente entre homens e mulheres. Portanto, como
não há uma fórmula que estabeleça uma conjunção entre o um e
o Outro, a fantasia sob a forma do feG:~che e toda sua pantomima
veio fazer as vezes constituindo 1.0m véu, no qual estava situado um
'
modo de gozo.
No percurso de uma análise percebe-se que amar é contrair
uma dívida infinita e continuar amando _é desejar permanecer nessa
dívida para com O parceiro-sintoma, pois "amar é dar o que não se


Dlgh-1llu do com Cal'ISeim~r
ulher pode ser trabalhoso para
A.mar urna m .
" é oferecer a fa1 ra. d inclu51ve com vontade de fu!tir
tem , .J • , -lo esgota o, . . . " ::i ,
um homem e pode ue1-u . tudo em virtude das mcidencias
. fáceIS de amar, -
de buscar outras mais _ aI Talvez, seja a razao pela qual as
. , . .J_ elacao se1\.7.l · .
da ínex1stenoa LI.a r , . rn ma1s o desencontro no amor
, . oes1as cancare
letras das musicas e as P __
do que a felicidade da um.ao. , iso estar disposto e ser capaz de
mulher e prec . .
Para amar uma ante acão, pms o mascubno ama
do e em consr ,
manter o amor ocupa . . a O amor. Para amar uma mulher
• · o feID.lll1Il O am
o parceiro-sintoma e ndo a}o-uém ama uma mulher
. m visco que qua ~ '
é preC1so ter corage ' h 61-~a Pode-se amar uma mulher
. O aI ue ne1a a L •
ama Justamente re _ q . ndo O real cmno impossível, o que
de duas maneiras: a primeira, ama d
• e. , · s e desesperos; e a segun a, amando
acarreta toda sorte de rniorcumo ·
. 0 qu
e ocasiona rodas as fontes de alegn;i.s,
0 real como contrngence, , . . -
.
entus1asmos e surpresas. ar IJ a amar o real é necessano abnr
,, . mao
, do
· e d a compreensao.
senndo - "Amar · sem comprt!cnder f01 a perola . de
e. ·
a1onsma gu e ev..... rraí de meu pacur o d~ a n ál ise. Enfim, cre10 que o
novo amor não é c:nconrnr um 11 vo objêtO de an1or, mas uma nova
maneira de am;1r.
No amor, a mulher se entrega ao homem não-toda. Ela entrega
o seu amor de maneira ilimitada ao Outro muito 1nais além de seu
parceiro. Esse gozo feminino endereçado ao Outro - e não ao seu
homem - é um gozo suplementar ao gozo fálico que, por sua vez, a
mulher também o detém. Para o homem , elogiar o amor é uma arte
que se constitui como uma obra. A arre não está em dizer o amor, mas
em fazer o amor, pois fazer o amor significa dizê-lo. Assim, o elogio
do amor dispensa o talento do poeta e se abre de maneira contingente
a possibilidade para qualquer homem que deseje uma mulher. No
fim da análise, o não-todo como contraste torna-se um atrativo e seu
mistério serve de estímulo para que se queira penetrá- lo, de maneira
que ª e scranheza e a diversidade que deveriam distanciar o sujeito e
fazê-lo fugir, hoje crava no objeto a, o aguilhão do desejo.

A causa precipitadora da doença

. ~etornando ao texto de Freud, pode-se dizer que a c:ws.1 que:


precipita a neurose 0 b · , , _J • ·r
sessiva e a pre-condiç:io infancil. qut' poue :ic

Oigll.1'.izado com C a m ~
---
- • :;
1
'l I - -% Q.l" :o ~ NEUROSE OBSESSIVA E AS ORIGENS DO SUPEREU 51

. . amnésia. embora
C·olhida pela • . parc1·a1• M as a causa une
· d.1ata ou aquela
que preapira a doença e retida na rnemória. Assim, o trauma, em
,ez de ser esquecido, é destituído de afeto, de maneira que o sujeito
racionaliza o fàto e o considera sem importância.
Inicialmente Freud comenta que, com O casamento, 0 pai
do Homem dos Ratos teria alcançado uma posição confortável. No
entanto, o paciente soube que, pouco antes do casamento, seu pai
estiYera envolvido com uma jovem de poucos recursos, 0 que confere
à história do sujeito um caráter de repetição. Após a morte de seu pai,
conánua Freud, a mãe contou-lhe que em seguida à conclusão de
seus estudos, estava preparando-lhe um casamento de interesse junto
à prima rica, a qual poderia lhe oferecer brilhantes perspectivas no
campo profissional.
Esse plano familiar lhe desencadeou o conflito. Ou bem o
sujeito seguiria os passos de seu pai e casaria com uma linda e rica
mulher a quem estava predestinado, ou bem declinava dessa proposta
e continuava fiel à sua amada. Então, o sujeito adoeceu, resolvendo,
desse modo, o problema entre o seu amor e a influência de seu pai.
Numa solução de compromisso, ao ficar doente, o sujeito tornou-
se incapacitado para o trabalho e para o estudo, permitindo adiar a
conclusão de seus estudos e de seu possível casamento de conveniência
(FREUD, [1909] 1990, p. 201).
Então, conclui Freud, o que parece consequência, na realidade
é a causa ou o motivo de ficar doente. O que parece ser a consequ-
ência (o fato de o sujeito ficar incapacitado para o trabalho e para o
estudo em decorrência de uma doença mental), na verdade, é a causa
da doença. Para resolver o conflito em que se encontrava, o sujeito
adoeceu. Como o sujeito se encontrava dividido entre o amor pela sua
dama e a demanda de sua mãe de seguir os passos por onde seu pai
determinou O próprio destino, ele achou por bem adoecer. A doença
poupou-lhe de decidir, eni curto prazo, por um ou por outro, uma
vez que a doença faz simulacro de consequência. Como resultado
desse simulacro de consequência, 0 sujeito poderia adiar sua decisão
(FREUD, [1909] 1990, p. 202).
A princípio, 0 sujeito não aceitou tal colocação, mas com o au-
xílio di: uma fantasia de transferência, ele reviveu o episódio passado

Íllllii.,__
52 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

como se fosse um fato novo. Certa vez conheceu ª filha de Freud e


imaginou que o analista o queria para seu genro, ao mesmo tempo
que elevava a posição social e econômica de Freud ª mn nível ideali-
zado. Todavia, o seu amor pela dama o colocou contra essa tentação.
Assim, mediado por uma transferência negativa, 0 sujeito colocou
Freud no lugar de seu pai, de maneira que lhe dirigiu toda a sorte
de ultrajes e injúrias. Com efeito, o sujeito não poderia permanecer
cego à associação entre a fantasia de transferência e O estado atual de
acontecimentos passados (FREUD, [1909] 1990, P· 202). Como não pôde
recriminar o pai de tê-lo colocado em apuros para solucionar essa divi-
são em que se encontrara mediado pela transferência o sujeito colocou
Freud na posição paterna, podendo, assim, dirigir-lhe todo o seu ódio.
Certa vez, o sujeito sonhou que a filha de Freud tinha dois
pedaços de estrumes nos olhos. Freud abaliza que esse sonho revela
o núcleo da fantasia de transferência, já que o sujeito casaria com sua
filha, não por causa de seus "beaux yeux", mas sim pelo seu dinheiro.
Não há nenhuma dificuldade em aproximar, no sonho, o estrume
das associações livres que o papel do dinheiro assumia sobre o sujeito.

A solução do caso

Freud comenta, a certa altura, que "[...] agora estava aberto o


caminho para a solução de sua ideia do rato". Em primeiro lugar,
faz-se necessário saber por que as duas falas do capitão - a história
do rato e o pedido de que pagasse ao tenente A - tinham provocado
reações tão patológicas.
A tentativa da solução do caso por Freud encontra um nó crítico.
Esse nó crítico se constitui pela conjunção de duas frases fundamentais
que tocam o sujeito via enunciação. A primeira enunciação ocorre
com o relato do capitão cruel do suplício com os ratos ' e a seo-unda
o
é a ordem de que devesse pagar ao tenente A.
Freud, à sua maneira, comenta que o sujeito se tornou cativo de
um significante-n1estre. A suposição de Freud ((1909] 1990, p. 212)
é de que "[...] se trata de u1na questão de sensibHidade complexiva e
que as falas tiveram um efeito desagradável em determinados pontos
hiperestésicos em seu inconsciente".

Dl<,lll ~llado l.'0111 C 11111~Cllllllt,I


(,'

CAPÍTULO 1- A ClfNICA DA NEURO


SE OBSESSIVA E AS ORIGENS DO SUPEREU 53

Parece que, n1ediado por uma e . _


. • . . nunciaçao que provoca um
efeito de dizer no SUJe1to, Freud propõe . .
. . que e1e se torne cativo do
sigmficante causa de gozo. De acordo c F d . . .
. .. . om reu , o SUJe1to se vm
sens1b1hzado de maneira complexa pela f:al d
. . _ a e um 0 utro. Essa fa]a
chega ao sujeito nao con10 uma fala qualque •
. ~ . r, mas o atmge como uma
enunc1açao que causa uma impressão , como se fcosse uma marca. O
sujeito é marcado pelo significante· E essa marca vai· se assentar em
determinados pontos, que Freud denomina de hirerestésicos.
Nesse ponto, pode-se considerar que Freud intuiu a teoria do
significante-mesG:re, uma vez que de considera a impressão do signi-
ficante, e não o conceito da palavra ligado a ela, de maneira que os
pensamentos obsessivos podem ser traduzidos por fórmulas verbais.
Portanto, as ideias obsessivas ligadas a múltiplos s~gnificados sem
sentidos causam um efeito de compreensão complexa.
Freud comenta que, como acontecia sempre no que se referia
a assuntos militares, o sujeito estivera "em estado de identificação 1

inconsciente com seu pai", pois seu pai sempre retinha as histórias
do tempo de caserna. E agora acontecia a casualidade - a casualidade
determina a formação do sintoma, assim como o fraseado ajuda na
formação do chiste -, pois uma das aventuras de seu pai tinha uma
concordância com o pedido do capitão. Seu pai, como suboficial,
controlava uma pequena soma de dinheiro do batalhão, porém teria ,,•
perdido num jogo ·de cartas. Seu pai teria ficado em má situação se
um de seus camaradas não lhe tivesse emprestado o dinheiro. Depois
de ter saído do exército procurou em vão o amigo para reembolsá-lo.
A lembrança desse pecado de juventude de seu pai era-lhe por
demais penosa. Apesar da~ aparências, o sujeito nutria muitas críticas
sobre o caráter de seu pai. Sendo assim, a ordem do capitão "reen1-
holse o tenente A" soou em seus ouvidos como uma alusão à dívida
de seu pai·, de modo que O sujeito viu nessa enunciação a possibilidade
de quitar a dívida pendente de seu pai (FREUD, [1909]_ 1 90, P~ 213)- ?
0 que se pode dizer é que, desde o início, o suJe1to sabia que
a jovem dama da agência do correio teria pagado as desp_esas de
sua encomenda com uma observação lisonjeira a seu respeito. No
entanto, o sujeito também ficara encantado com uma jovem,_ filh~
do dono da h osped ana. • A ss1·m , a história de retornar ao correm e a

06gitaJiz.11cto com CIITI~n'ler


54 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

rd
localidade onde se encontrava a agência era, na ~e ªde_, um desejo
oculto pela jovem dama (rica) do correio e pela Jovem nca, filha do
O
dono da hospedaria. Sendo assitn, a hesitação que SUjeito tinha
entre os dois oficiais, tenente A e tenente B, nada inais era que um
substituto da hesitação que sentia entre as duas jovens por quem ele
estava inclinado.
Por outro lado, a elucidação dos efeitos que ª hiS tÓria do rato
produziu se faz de modo mais complexo. A história do castigo com
os ratos, sem sombra de dúvida, incitou seu erotismo anal, que de-
sempenhara papel ativo na infância e se mantivera constante devido
a uma irritação sentida por vermes. A palavra rato evocou uma série
de recordações, assim como uma série de significados simbólicos.
Rato adquiriu o significado de dinheiro, uma espécie de moeda-rato '
"tantos florins, tantos ratos", assim como prestações [raten]. O sujeito
construiu, em sua língua, um complexo monetário de juros em torno
do legado de seu pai. Enfim, todas as suas ideias se correlacionavam por
intermédio de "uma ponte verbal": "raten-ratten". O que Freud propõe
como "ponte verbal", poderia ser traduzido para significante-mestre,
em torno do qual o sujeito articula toda uma trama de significantes.
Ess_a ponte verbal abre-se para uma significação monetária como rato
de Jogo [spilratte], que reconduz à dívida contraída por seu pai (FREUD
[1909] 1990, p. 215-216). '
O significante rato també m assume uma conotação en1inen-
temente sexual, uma vez que o rato assim co " . .
transmissor d 'fil' N fi ' mo penis, poderia ser
e si I is. o undo tod0 .
ocultar todas as , . d ,'. esse receio de doenças era para
espec1es e duvidas acer d O . .
pai levava no serviç .. ca tipo de vida que seu
o mi1itar. O rato ta b , d .
um verme (morment ,. . m em po ena ser considerado
e um penis de u ·
as grandes lombrigas . ma cnança), mais precisamente,
. que transitavam e " ,. .
O Jogo "tantos ratos t fl . m seu anus em sua infanc1a.
~ , antos onns" E . 1 ~ , . . -
profissao que ele abom· azia- he alusao a prostitu1çao,
inava.
O significante rato vem .
que a história do capiC t
em subS ituição ao pênis, de modo
. . ao resulta nu . ~
SUJeito, particularmente r ma situaçao de coito anal para o
evo1tante 1·á
em questão eram seu p • ' que os personagens que estavam
't ~ ai e sua amada E
si uaçao descrita, outro si .fi · m contrapartida a toda essa
gn1 1cado que aparece com o significante

Digit;,,liz.::lo com c«nScallnC"


rato na história é casar ll1círatcnl, E, por fim, ~ p~rtir d:i :máli'l; th
mulher-rato de O pcque11c, l]yo/f, <.Jc llncn, dcrívado d0 fla u í~ de
Hamclin,.su~~iu um ~cr~;1<lciro signi~c:ido para rato, mah impon:mt.e
e mais pr11mt1vo, o s1gt11fica<lo de cnança~. De acordo com Freud, 0
rato também pode aparecer cm lendas como animais ctimic<"X. em-
pregados para representar almas mortas. (FnEuo, [19<J'JJ J')'}(J, p. 217J.
A palavra rato, enunciada pelo capitão, é acolhida pelo sujeito
como um significante-mestre do tipo "palavra-estímulo comv!ex.a-.
que desencadeia toda uma articulação de ideias obsessivas.· Ceria
vez lembrou-se, em análise, que teria visto um bicho, possiYelmen-
te um rato, saindo do túmulo de seu pai e que, certamente. r1nha
acabado de devorar uma parte do cadáver dele. O sujeito colocai:,-a
o rato como um animal de dentes afiados, sujo, asqueroso e s.empre
pronto a morder quando provocado. No entanto, ele é perseguido
e castigado por ser uma criatura tão ignóbil. O sujeito, por diTersas
vezes, já teria se apiedado dessa pequena criatura. Além disso. o
sujeito acaba por confessar que ele mesmo já teria sido um sujeito
asqueroso e sujo, sempre pronto a morder como um rato quando
provocado, e fora duramente castigado por tê-lo feito. No fim. o
que o sujeito vê no rato é a imagem viva de si mesmo, o seu retnto
vivo. Enfim, trata-se de uma travessia fantasmática. pois. no fim d:i
travessia, temos o sujeito na posição de objeto identificado com o
seu sintoma. Quando o sujeito se vê na condição de um rato. cri:inça
rato, o sujeito está na posição identificada com o seu sinrouu. Indo
mais além, o sujeito encontra-se na posição de objeto causa de de-
sejo, pois ele se vê na posição de um objeto rato=-cri;inça. (FREUD.
[1909] 1990, p. 218).
•Em suas experiências mais importantes e remotas. os r.uos
eram crianças. Nesse momento, reapareceu todo o seu interesse por
crianças. No entanto, esse interesse estava fadado ao fraC"JSSO, uma yez
que-a dama por quem durante anos se encontrara apaixonado esra,-:.1
condenada à esterilidade em virtude de uma cirurgia de retirada dos
ovários. No fundo , esse teria sido o verdadeiro motivo de sua "hesita-
. ..
Ç~ao em se casar com a mulher amada
· · Bravo'
· Freud, num rac1ocuno
retroativo genial, consegue, como numa novela policial, traduzir o
inexplicável e, enfim, localizar o xis da queS t ão.

~taliza60 com CamScill'll'IM


56 SUPEl<EU I UEREPUS: DAS Ol{IGENS /\OSSl:US1>L:Sru,10::

. , . do cas t'1go
A. 111stona • · cont::tda pdo. c:ipit:;íq , .·1
. os• r·1tus
C(>111
• , • • 1 ·l . b seu aspecto lascivo
prmc1p10, ter-lhe-ia apenas e 10cac o so · . . , ,
• <.: t't, •1
t .
· ~ •0111 ,1 ccn:1, or1ginaria de ,11 ,
Contudo, verificou-se urna conexao e • . ~ . . , 1.1
. ,. . ~ .· ·dido alguém. O cap1tao - SL1Jc1to que
mfanc1a, na qua 1 eue tena mor • . ~ . .. . . .
. d .e. d .· , t'po de puniçao - tornou-se o substitut<i
passive1mente e1en ena esse 1 , . . . .
. . ., , a todo O seu o od10, antes <lmgido a
do pai. E, por consegmnte, atrair, . , . ,. .
. d .d -ia que lhe ve10 a conscienc1a sobre 0
seu cruel pai. A natureza a 1 e , . . . .
, . . d · · ruma realização do desejo d1r1g1dci ao
suphc10 de seu pai se tra uz1na po .
. ~ ", . lh .e. ma mesma coisa!" O desejo era dfrígjd0
cap1tao: e preoso que e 1aça , .
· , · ém através dele, por ultimo, a seu pai,
a quem narrou a l11stona, por ,
Quando o capitão solicitou-lhe que ree~bolsasse o te~ente A,
· · Ja
o SUJe1to ·, sab'1a d e antemão que seu cruel superior estava eqmvocado _ .
, ·
e que a umca pes soa a quem devia algo era a dama do correm.
. ,.. _ Assim ,
facilmente poderia ter pensado em alguma resposta uon1ca para dar
;:>" " .
ao capitão, como "Você acha que eu vou mesmo pagar. , pago, c01sa
nenhuma!", "Claro! Pode deixar que eu vou pagar a ele!"
Segundo Freud, essas respostas não estariam sujeitas a nenhuma
força compulsiva. Pode-se considerar que esse seria o tipo de resposta
que o sujeito daria se antes tivesse concluído sua análise. Observe-se
que as soluções propostas por Freud como resposta ao Outro são, na
verdade, uma condição cínica frente ao Outro. Essa condição cínica,
encontrada no final de uma análise, faz com que o sujeito se aproprie
de um humor que faz esvaziar toda a dimensão insuportável do Outro.
Contudo, em vez de proceder dessa maneira, o sujeito cedeu às
influências do complexo paterno, à cena originária de sua infância e
à esterilidade de sua amada, de sorte que uma resposta formulou-se
em seu inconsciente, como: "Reembolsarei O tenente A assim que
~ meu ~ai e a dama tiverem filhos". Em síntese, 0 sujeito cedeu ao
1mperat1vo do gozo jocoso do supereu ligado a uma absurda condição,
que jamais se satisfaria.
Freud as_sinala que esse absurdo significa a zombaria na lingua-
gem supereg01ca a que o obsessivo está sujeito. Pode-se considerar
que o supereu zombeteia de sua preocupaçao ~ com a esten·lid ade de
sua amada, assim como debocha do respeito que nutre pelo seu pai.
Como fora
. cometido, · 1tar as duas pessoas que lhe
o pecado d e msu
eram mais caras, so restara ao suieito
:i
subme t er-se a, pumçao.
· -

04gltallUdO com C1mSc1noer


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a_.-
;loilll

CAPITULO 1- A CLINICA DA NEUROSE OBSESSIVA E AS ORIGENS DO SUPEREU 57

É importante assinalar que, diante do imperativo de um gozo


jocoso do supereu ("Reembolsarei o tenente A, assim que O meu
pai e a dama tiverem filhos."), o supcreu do imperativo categórico
responde com uma sanção ("Reembolse o tenente A"). A pena pro-
mulgada pelo imperativo categórico circunscreve e recalca O escárnio
oriundo do imperativo do gozo. O imperativo categórico se expressa
como punição, e sua pena consiste em obedecer a um mandamento
impossível de cumprir, impondo-se com total submissão e obediência
a seu superior. Esse juramento: "Reembolse o tenente A" recalca o
conhecimento de que o pedido do capitão estava baseado em premissas
falsas. Posto que o capitão surgia como substituto paterno, seu pai
não poderia estar equivocado. Na realidade, o sujeito não quer crer
na falha evidente do pai.
Embora o sujeito tivesse apenas uma noção vaga na consciên-
cia sobre os fatos aqui descritos, ele assimilou toda a revolta contra a
ordem do capitão pelo seu contrário. A primeira ideia se resumia no
achincalhe "devo reembolsar o tenente A, assim que meu pai e a dama
tiverem filhos". Num segundo plano, a primeira ideia foi transformada
em juramento de efe~to contrário. Surge o efeito de sanção "Devo
reembolsar o tenente A". Esse juramento impossível de ser realizado
se prestava a pagar o preço de um desacato a seu pai e à dama.
O perjúr~o dirigido a seu pai e à dama foi calcado no inconscien-
te infantil, que se sustenta em duas teorias sexuais infantis. A primeira
é que os bebês nascem pelo ânus, e a segunda, que tanto homens
como mulheres podem ter bebês. De acordo com os mecanismos
inconscientes, o ato de mover-se para dentro do reto - suplício dos
ra~os - pode representar a noção de vir para fora do reto - nascimento
de ratos, bebês.
Freud comenta que, se o Homem dos Ratos tivesse conseguido
reembolsar o tenente A, ele teria quitado a dívida de seu pai e pos-
sivelmente teria seguido outro caminho, deixando a dama em favor
de alguém mais atraente. No entanto, com o desfecho desse conflito
aparado pelo esclarecimento dos mecanismos inconscientes pela psica-
nálise, a dama saiu vitoriosa. Freud ([1909] 1990, p. 222) conclui que
0 uso dessa metodologia, emboi:a complexa, leva a um bom termo,

pois, assim que foi encontrada a solução descrita, o delírio desapareceu.

°'!)iUliJ'lldn r.nm r.11•nSr.A!'WWlr


i S SUi='EREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Conclusão do tratamento
Após um período não inuito longo, onze tneses, para "uin caso
sério", o sttjeito se curou. Em 1910, Ernst torn~t~-se un~ desabonado
do inconsciente, concluindo o seu final de análise. Assm1 , o sttjeito
conseauiu dar outro destino à sua vida amorosa, não repetindo a
~ d ~
história de seu pai. Ernst desvencilhou-se as pressoes do Outro
e casou-se com sua escolhida Gizela - a n1 oça pobre, que tanto
amava. Ainda co1110 fruto de sua análise, em 1913, concluiu o seu
curso de advocacia.
Infelizmente, Ernst, assim como outros tantos jovens de sua época,
foi convocado a lutar pelo seu país, na Primeira Grande Guerra Mundial.
Ernst teve o mesmo destino que milhões de jovens que perderam a vida
na mais sangrenta das guerras. Os críticos de Freud argumentam que
Ernst não fora pai e que morrera muito cedo, antes da doença reincidir.
Diante das críticas, observa-se que Freud nunca se iludiu, pelo contrário,
desde cedo relatava os muitos limites da psicanálise.

Notas
1
O agente psíquico especial foi abordado a partir do texto Narcisismo: Uma
introdução.
2
A estrutura: podemos dizer que, embora Freud tenha conhecimento do
conceito de est rutura, esse conceito não tinha a dimensão encontrada em
Lacan. Entretanto, consideramos que não se trata de um uso aleatório do
conceito, pois Freud retorna com o termo "estrutura" por diversas vezes, por
exemplo: (a) "algumas características gerais das estruturas obsessivas"· (b) "As
lembranças reativadas e as t ~ ' d
uma .. _ . ª~ ocensuras sao estruturas que têm a natureza e
[ ~oncibaçao entre as ideias reprimidas e as ideias repressoras" (FREUD,
1909 1990
, _P· 223); (c) "Acho que estruturas como estas (referindo-se ao
i;:oar obsessivo) ,r:1erecem ser denominadas de delírios" (FREUD, [1909]
-
' P- 22. 4); (d) Nem todas as O bsessoes - d , ·
o paciente se constitmam assim
tao complicadas nas suas t - · , d
·d · d es ruturas e tao d1ficeis de resolver como a gran e
i eia o rato" (FREUD '
estrutural co . . ' [1909] 1990, p. 227); e, (e)"[...] de certa semelhança
3 • ma ideia do rato" (FREUD, [1909] 1990, p. 229).
f mperativo categórico· "A d
possa val · ge de tal modo que a m áxima de tua vonta e
er-te sempre como . , . ·o
pura é por si , . principio de uma lei universal." Então, a raza
mesma pratica fac 1t d I ue
denominamos d 1 . ' °
u an ao homem uma lei universa q
e e1 moral (KANT, 2000, p. 41).
'. 1
•·

CAPITULO 1- A CLINICA DA NEUROSE OBSESSIVA E AS ORIGENS DO SUPEREU 59

.. A frase "ele se ex~re;s~ em voz alta sem, no entanto, escutar a si próprio


fazê-lo", pode a pnnc1p10 parecer paradoxal, entretanto traz a exata dimensão
do supereu.
s Ele comenta que um supliciado de joelhos e nu era amarrado a uma vasilha
contendo ratos virados sobre suas nádegas. Fustigados por um ferro em
brasa, através de orificio do recipiente, os roedores tentavam a fuga, cavando
caminho pelo ânus do prisioneiro (ROUDINESCO, 1998, p.463).
6 A palavra latina Sacer significa não apenas sagrado, consagrado, mas também
sacripanta, infame, desprezível e detestável. (FREUD, [1937) 1990, p. 144).
2 O desejo da mãe em questão não se trata do conceito lacaniano, mas um
desejo da mãe que também coincidia com o desejo de seu pai. Na realidade,
o que parece é que sua mãe era a porta-voz do desejo de seu pai, conforme
Freud ([1909] 1990) assinala na página 203.
8 "A condição do desejo que retém eminentemente o obsessivo é a própria marca
pela qual ele o descobre estragado pela origem de seu objeto: o contrabando"
(LACAN, [1958] 1998, p. 639).

01111t1lludo com CamSCa'\Mf


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63

Das origens do supereu

Do eu ideal ao ideal do eu

No texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905)


elabora o conceito de autoerotismo. Esse conceito é relevante na me-
dida em que Freud ([1914] 1980) afirma ser necessária uma passagem
pelo autoerotismo para que o eu atinja o narcisismo primário. Sendo
assim, o narcisismo primário é a condição para que ocorra a consti-
tuição do eu. A criança recebe o investimento narcísico dos pais na
modalidade "sua majestade, o bebê".
Por conseguinte, cabe assinalar, con1 ênfase, que esse investi-
mento narcísico constitui a matriz do ideal do eu.

Primeiro o homem fixou um ideal em si mesmo, pelo qual


mede seu eu ideal, ao passo que o outro não formou qualquer
ideal desse tipo. Para·o eu, a formação de um ideal seria o fator
condicionante do recalque. Esse ideal do eu é agora o alvo
do amor de si mesmo, desfrutado na infância pelo eu ideal.
O narcisismo do indivíduo surge des~ocado em direção a esse
novo ideal do eu, o qual, como o eu infantil, se acha possuído
de toda perfeição de valor (FREUD, [1914] 1980, p. 111).

O amor dos pais é o seu narcisismo renascido, metamorfoseado


em amor de objeto. Na vida adulta, os elementos da megalomania
de "sua majestade, 0 bebê" se tornam resquícios, e o narcisismo in-
fantil é esmaecido à medida que é levantado como um ideal. Como

-
64 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

na vida adulta não se consegue mais reter a perfeição, 0 eu procura


resgatá-la sob a forma de um ideal. Afinal, o que O indivíduo projeta
diante de si nada mais é do que o seu ideal, suplente do narcisismo
esquecido de sua meninice, durante a qual era O seu próprio ideal
(FREUD, [1914] 1980, p. 111).
No que tange à questão do ideal, pode-se afi,rn:1a_r que a ideali-
zação diz respeito tanto à libido do objeto quanto a libido do eu. No
primeiro tipo, 0 objeto, sem nenhuma alteração de sua natureza, é
engrandecido e exaltado pelo eu, de modo que todo O ideal encon-
tra-se no campo do Outro. E no segundo tipo, há um investimento
libidinal no eu, de tal sorte que este se torna um ideal. Nesse caso, o
bebê fixa o eu como ideal em si mesmo, tornando-se alvo de amor.
Assim, observa-se que o narcisismo materno se desloca para o eu já
constituído como peça do ideal, denominado de eu ideal. Por con-
seguinte, esse ideal se torna responsável pela expressão da autoestima
do eu. A autoestima é proveniente do resíduo do narcisismo infantil,
além de ser resultado da onipotência e da realização do ideal do eu
e, por fim, também da satisfação da libido de objeto.
De acordo com Freud, a formação de um ideal é condição para
que ocorra um recalque. A princípio, no texto freudiano, a distinção
entre o eu ideal e o ideal do eu não se faz de maneira muito eviden-
te. Entretanto, Freud, gradativamente, vai considerar o ideal do eu a
partir do eu ideal. Para considerar o ideal do eu, F~eud comenta que
o homem não abre mão nem de uma satisfação que outrora desfru-
tou, n~m de u~a perfeição narcísica infantil. Assim, 0 ideal que o
eu pro. ~1 eta para .si , no
" fundo , e' a substiºt mçao
· - d o narcisismo
·· · ' ·
pnmano
perdido de sua mfancia (FREUD, [1914] 1980, p. 111).

O agente psíquico especial

No texto Sobre o narcisismo: uma introdução, Freud ([1914] 1980)


lança uma
. verdadeira
. . .
semente da descoberta do supereu. p e1a primeira
vez, assinala.a eXIstência de "um agente psi'qu·ico especiai
· I ", que exis
· te

.com a finalidade
. de assegurar
" a satisfaça~o narcisica
, · provemente· do
ideal. A finalidade
~ desse .agente especial" e' averiguar
· a rea1 me d'd1 a
do eu em relaçao ao seu ideal. Como sabemos, em decorrenc1a " · da

Otg1t■hudo com C■mSc•rn«


C/\P(TULO li · /\ CONSl JllJÇAo !>O CONCíl 10 DCSUPrnEU EM FREUD 65

(onnação do ide:11, esse "agente psíquico cspccinl" tem a função de


;HllllCtltar as exigências para com o eu, de rnaneira que ele cumpra 0
que esd determinado pelo campo do ideal (Funun, 119'141 1')80, p.
1l2). Observe-se que, nesse texto, r◄rcud nos oferece características
distintas entre o ideal do cu e o "agente psíquico especial".
No entanto, Freud adverte que não podemos chegar a esse
"agente psíquico especial" como uma descoberta, mas somente
através de um reconheci1nento clínico. O recorihccimento desse
"agente psíquico especial" pode ocorrer nos casos de paranoia com
"o delírio de sermos notados", nos casos de ne~.uose de transferência
e nos casos de neurose obsessiva, onde se encontram presentes os
sentimentos de culpa.
No primeiro caso, o eu se sente vigiado e supervisionado, e
esse agente se n1anifesta por vozes que se dirigem ao eu na terceira
pessoa, "agora ele está pensando aquilo de novo!". No segundo e no
terceiro casos, esse "agente psíquico especial" se manifesta de ma-
neira mais discreta, sob a forma de uma voz silenciosa, porém não
menos eficaz, uma vez que esse agente, como um mestre, antecipa,
descobre, critica, julga e recrimina todas as intenções do eu (FREUD,
[1914] 1980, p. 113).
Esse "agente psíquico especial" atua em forma de consciência,
auto-observação e vigia, manifestando-se sempre por uma voz, seja
ela alta e em bom tom, nos casos das psicoses, seja muda e abafada,
como a voz da consciência, nos casos das neuroses. No fundo, essa voz
surge em decorrência da influência crítica verbal - ensinar, educar,
repreender - dos pais, transmitida numa era arcaica da infância. Essa
influência crítica parental re.cebe mais tarde reforços das influências
dos educadores, dos ensinamentos colhidos pela leitura e das opin.iões
privada e pública. Sendo assim, o que se colheu para a elaboração
desse agente psíquico especial foi inicialmente a crítica dos pais e
depois a crítica da sociedade. Observe-se que Freud nomeia, com
muita precisão, as características do "agente psíquico especial", que
mais tarde vão fazer dele o denominado supereu.
Freud encontra-se preocupado, nessa época, com a divisão do
eu. Os textos Luto e melancolia (1917) e Psicologia das massas e análise
do eu (1921) são muito próximos dos pontos de vista cronológico e,

ni(Jo! A li7Ado r.om Í:l'l"l"ISr.A!'W'lf>r


66 SUPEREU J UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

sobretudo temático. Parece-nos que se trata de textos que servem de


preâ mbulo para a cntr:ida do O cu e o isso (19 23)- Nesse tex to, pela
primeira vez, Freud esboça "um agente psíquico especial " que, mais
tarde, vai ser designado de supereu.
Observe-se que, já em 1914, Freud tinha ideia exata de sua
incidência clínica e de como ele se formava a partir de impressões v0 _
cais. Freud soube, nessa época, distinguir as incidências desse "agente
especial" tanto na psicose quanto na neurose, e até como abrir para
a dimensão ética do tenno. O que surge como uma c uriosidade é
o fato de Freud antecipar as funções distintas do "agente psíquico
especial" e do ideal do eu.
Sua função primordial, de acordo con1 Freud, é zelar pelo eu.
de modo a fazê-lo cumprir suas exigências, com finalidade de alcan-
çar o alvo mais próximo de un1 ideal. Então, uma vez isolado esse
"agente psíquico especial", por reconhecin1ento clínico, e não por
descoberta teórica, e detern1inada a sua função distinta do ideal do
eu, perguntamos por que Freud recua no texto O c11 e o isso (1923)
propondo uma equivalência entre o supereu e o ideal do eu. lvlalo-rado
essa observação, é justan1ente no texto O e11 e O isso que Freud tr:ça os
f~ndame~tos do supereu con10 un1a instância derivada do isso com
vistas ao ideal (FREUD, (1923] 1980, p. 42).

O supereu entre o eu e O isso

O texto O eu e o isso (1923) é d , .


teóricos de Freud v · t uni os ultinios grandes trabalhos
, is o que traz sua n1arca . , 1 . , . . ,
de uma nova reformul ~ d . < revo uc1onana e 1nequ1voc1
açao o conceito d 0 · •
mn marco na teoria de F d . inconsciente. Esse texto é
, · reu , pois deliinita O 1· , ·
topica e introduz O . e n1c10 de uma segunda
. conceito do superet1 , ~ . , . ..
a deno1nmação do co . • ate entao 1ned1to . E1nbora
nce1to do supereu st11. . . .
se revela presente em t . Jª n esse texto, essa 1de1:1
.. extos anteriores .
o narcisismo: uma introdu ão (19 , con10 ass111ala1nos en1 Sobre
F d ç 14) na figun d " 1
reu , no texto Luto l . < e un agente especial".
parte d 0 · e nu ancolza (1917)
eu que retorna sob . ' con1enta a distensão de
se torn , · re si m esn~o de /\ .
ª responsavel pelos esta dos pat 1' ' · sorte que essa instancw
Ressalta Freud: ' o og1cos do luto.

Oigitehzado c0m CemSc8r1nel"


CAPÍTULO li - A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD Gl

Ali, cont~do, não foi empregada de maneira não especificada,


mas servm para estabelecer uma identificação do eu com 0
objeto abandonado. Assim a sombra do objeto caiu sobre O eu e
este pode, daí por di~nte, ser julgado por "um agente especial",
como se fosse um objeto abandonado. Dessa forma, uma perda
objetaõse transformou numa perda do eu, e o conflito entre 0
eu e a pessoa amada, numa separação entre a atividade crítica
do eu e o eu enquanto alterado pela identificação (FREUD,
[1917] 1980, p. 281).

O texto O eu e o isso (1923) também guarda certas sementes


extraídas do célebre Além do princípio do prazer (1920), sobretudo
aquelas que dizem respeito à pulsão de morte. Antes de chegar ao O
eu e o isso, Freud percorre a ideia do ideal do eu no texto Psicologia dos
grupos e análise do eu (1921), porém não deixa de assinalar a parte do eu
que se dividiu e que retorna sempre vociferando contra a outra parte.
Freud afirma que essa segunda parte foi alterada pela introjeção
e contém o objeto perdido, de forma que ela se comporta de maneira
cruel e implacá"'.'el sobre o eu. Embora descreva de maneira minuciosa
as características do supereu, Freud ([1921] 1980, p. 138) vai denomi-
nar essa nova instância, ainda como sinônimo do ideal do eu 1980. É
instigante verificar que Freud atribui a posse do objeto perdido a essa
instância. Sendo assim, pode-se depreender que essa instância goza i
I
no inconsciente, visto que ela não respeita a·lei da cas[ração.
Embora o texto O eu e o isso tenha sido constituído por mais
capítulos, por motivos estratégicos optamos por nos limitarmos ao
supereu proposto por Freud nos capítulos terceiro e quarto. Em O eu
e O isso, Freud ([1923] 1980, p. 42) faz uma correção sobre o equívoco
de ter atribuído ao supereu a função de determinar o teste de reali-
dade. Com efeito, não se trata do supereu, e sitn do eu, a instância
determinante do teste de realidade. No entanto, o supereu é un1
conceito eminentemente clínico, visto que, mais do que e1n qual-
quer outro, identificamos de modo irrefutável suas n1anifestações e
suas v1c1ss1tudes
· · · ~ superego1ca
na prática clínica. A constelaçao · conten1'

as mais diversas estrelas da clínica psicanalítica, como a censura, a


autoc nt1ca,
' · o sentimento de culpa, a consc1encia· A
n1ora1, a pu1sao
• ~ de
morte O •
' masoquismo e O gozo; entre outros.

DíAitalizaclo com Cam SeaN'lel'


A identificação primária
. _ . . imila o pai como seu ideal via
Freu d rropõe que. ,1 ena.nç_ ,1 ,1tssaumática. como uma imprima-
. .
.d . f, . - d, n1z .1desl\ ,1 e r .
uma 1 ent1 1caç,lO e: • • . I . fi idante do ser de lmguaoe 111
· · pms e a e Ul
dura() que marca o sujeito. t> •

De modo mais específico:


_ , h -da pela psicanálise como a mais re-
t\. identificacao e con eci
• ·_ 1 emocional com outra pessoa. Ela
mota expressao de um aç 0 , . . .. d 1
1 historia pnnutiva o comp exo de
desempenha um pape na . .
, . . ostrará interesse especial pelo pai; gos-
Ed1po. Um menmo m
e tomar seu luoar em tudo. Podemos
taria de crescer como e1e º .
.
simplesmente d1zer qu e toma o pai como seu ideal (FREUD,

[1921) 1980, p. 133).

Somente após essa identificação primária e intrus~v~ ~ já que


·
e1a mstaura o d eseJ.; 0 - e' que a crianca
, desenvolve a possibilidade de
adquirir a libido de objeto. Sendo assim, destaca-se que a primeira
identificação, realizada na mais primitiva infância, será a mais firme, a
mais ampla e a mais duradoura. A identificação primária também será
da esfera de um recalque primário, no qual a fantasia e as identifica-
ções secundárias se alimentam. Então, a primeira e mais importante
identificação é com o pai na pré-história pessoal, de modo que esta
será o núcleo da formação do ideal do eu.
Nesse tipo de identificação não se encontra a libido de objeto,
dado que ainda não existe a relação de objeto. De fato, trata-se de
uma identificação direta e imediata, e se encontra antecipada a qual-
quer libido de objeto. Freud comenta que, quando essa identificação
ao pai. ocorre, pouco depoisrn o menino começa a desenvolver um
investimento de objeto verdadeiro em relação à mãe, de acordo com
o tipo [anaclítico] de ligação (FREUD, [1921] 1980, p. 133).
Essa primeira identificação pode ser considerada a fundação da
st
e rutura psíquica do sujeito, já que se trata de uma matriz simbólica
que introduz O neonato na linguagem. A ideia de matriz simbólica
oferecida por F d , · · ·
. reu e Justamente aquela que funda e ancora o suJelto
na _lm~uagem. Freud completa afirmando que as primeiras escolhas
objetais e as id t'16 - 1 · d
en icaçoes re acionadas ao pai e à mãe são sustenta as

~ 1u,I ~ c:omCamseanner
numa identificação desse tipo. Por con~equ~nci , . . . 1 . t· •
, . • . . • • ,b H1t•11t1 1c.1rocs
consideradas secundanas e filiais reforcam 3 . .
· · · pn 1111.'t r.1 id1.•11ti tic ,l(.\u
matriz (FREUD, [1923] 1980. p. 45).
A identificação prirnária se d.í de nnn ., 1 d. .
• _ . • t: í.l treta e 11.10 ~eguc
0 processo de mttoduçao ao objeto perdido p 0 1
, . . _ . , . ., · r outro 1aoo. qu:rndo
ha uma 1dennficaçao secundana,Ja ocorreu O iníc·10 d J d··1,1 1t:~ tlC,l · , e d'1-
piana,. de sorte
.
que as assinlilacões
,
e substitui·ço·es d·.1 1·1. ·d d b'
101 o e o ~cto
pemutem instaurar um modelo de imagem semelhante 30 modelo
sexual do pai ou da n1àe e são sustentadas por insígnias tãlicas.
Por conseguinte, Freud assinala:

O amplo ~esulcado geral da fase se~"1.lal dominada pelo com-


plexo de Edipo pode, portanto, ser tomado como sendo a
formação de um precipitado do eu, consistente dessas duas
identificações - parema e materna - unidas uma com a outra
de alguma maneira. Esta modificação do eu retém a sua po-
sição especial; ela se confronta com outros conteúdos do eu
como um ideal do eu ou supereu (FREUD, [1923] 1980, p. 49).

Na etapa inicial da vida, contemporânea da fase oral, a libido ..
1

;
,
do objeto e a identificação são indistinguíveis uma da outra, de tal
forma que os investimentos do objeto, que procedem do isso, sentem
as tendências eróticas como necessidades. Esses investimentos libidinais
não se submetem ao processo de recalque, fazendo com que o eu se
identifique com aquilo que ele devora. Nessa fase, o eu ainda é frágil
e, diante desses investimentos do objeto, tributários do isso, só lhe
resta submeter-se ou recalcá- los. A substituição da escolha do objeto
pela identificação pode ser encontrada em casos de povos primitivos
que pensam incorporar as qualidades dos animais quando os comem.
Essa crença constitui as raízes do canibalismo e encontra-se na base
do banquete totêmico, assim como pode ser identificada nos ritos da
religião católica (FREUD, [1923] 1980, P· 43).
Freud comenta que a introjeção do objeto, sob o viés de uma
regressão à fase oral torna mais fácil ao eu abandoná-lo. Talvez,
continua Freud, a id:ntificação ao objeto perdido seja a úni~a forma
possível e eficaz encontrada pelo isso para abrir mão do objeto. As-
sim, a libido de objeto se recolhe e se transforma em libido narcísica,

Otgrt-,t z.tdo com C.mSo._,.


SEUS DESTINOS
70 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS

d reservatório da libido. Ainda


torna um gran e
de modo que o eu se _ acarreta uma dessexualizacão
. transformaçao . '
cabe assinalar que essa c. i·to pode-se concluir que es
. ~ Com e1e ' ' -
e a consequente subltmaça~-- áter do eu é moldado a partir
. f: .miuvas, o car . . ~
pecialmente em ases pn_ b d nados. A substituiçao da libido
. . d O bjetos a an o ,
dos investimentos e . .fi ção ao objeto e, no fundo, urna
. d. dO pela identl ca
de um objeto per i , alidades do objeto, de forma a
. d m. se moldar as qu
tentativa o ~u e locando-se como semblante de objeto
compensar o isso da perda, co .
e possível fonte de amor para o isso.

A duplicidade do supereu
Freud ([1923] 1980, p. 49) assegura que ~•~---1 o supereu, c~nt~-
e s1mp1esmente um resíduo das primitivas
~ , ·
do, nao ~ . escolhas
, . objetais
·
do isso; e1e tamb emr
, ' epresenta uma formaçao reativa energ1ca contra
essas escolhas".
Com efeito, pode-se deduzir que, quando Freud afirma essa
proposição, ele quer dizer que o supereu também é originário das
escolhas objetais do isso. Esse dado nos parece de suma importância
para a origem do supereu, uma vez que se encontra nos primór-
dios, isto é, ele é anterior à "formação reativa das escolhas do isso".
Destarte, verifica-se que as escolhas objetais do isso expressam um
supereu arcaico, ao passo que .a formação reativa contra essas esco-
lhas expressa um supereu desenvolvido, resultado do declínio do
complexo de Édipo.
Portanto, a partir de uma identificação matricial, surge um.
supereu arcaico derivado das escolhas objetais do isso, que se expressa
por um imperativo do gozo: "você ·deve .ser assim" (como seu pai). ,
A enunciação "como seu.pai" é silenciosa e subentendida, não apa-
recendo no pensamento, de sorte que a frase aparece modalizada por
uma meia censura. Com efeito, possivelmente, a frase integral seria:
"você deve gozar assim, como seu pai". Em contraparüda, o supereu
tamb ' ' O r: · d
em e eie1to essa frase, uma vez que surge a partir de urna
~ormação reativa contra as escolhas objetais do isso e se expressa pelo
~~npe~at~vo categórico. Então, a consequência da primeira frase será:
voce nao pode ser assim" (como seu pai). Ou seja, a frase: "você não

Digit alizaClo com CamScarmflf


\ '\ \ ' ' ..

CAPITULO li - A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD 71

pode gozar, como seu pai" vem totalmente censurada, reforçando a


meia censura presente na primeira frase (FREUD, [1923] 1980, p. 49).
Assim, o supereu herdeiro do complexo de Édipo se expressa
como lei da proibição ao incesto e ao parricídio que, por sua vez,
resulta na lei da linguagem. E, na medida em que a criança aparece
como portadora de uma lei simbólica, essa lei a introduz como ser
falante na cultura. A lei simbólica, como a metáfora paterna, sobrepuja
ao desejo da mãe, permitindo ao filho hérdar algo do pai, ao mesmo
tempo que possibilita ir para além dele. O supereu é filial ao pai da lei
simbólica, que propicia a suplência e a falta, mas, em contrapartida,
também introduz o pecado original e a tentação.
Portanto, o supereu, que representa a lei do pai morto, 11 legisla,
mas não de modo absoluto, uma vez que tem de conviver com a inci-
dência de uma face obscura de um pai feroz e diabólico, e suportá-la.
Esse resto vivo do pai morto empurra o eu para um desmesurado
imperativo do gozo, pois o supereu também é herdeiro do isso e
filial a um pai primevo, tirânico, cruel e demoníaco, que propala a
pulsão de morte.
Uma coisa é assinalar que o supereu é derivado do complexo
paterno; outra coisa é afirmar que o supereu é o pai. Na realidade,
o pai morto, sob o ponto de vista simbólico e imaginário, reforça
o pacto entre os irmãos em sua aliança culpada, mas esse pai morto
exige algo em troca, ou seja, uma cessão sacrifical. Mas toda mutila-
ção sacrifical é insuficiente para aplacar a ira do pai primevo, morto
e, agora, instituído como totem. Mesmo porque sempre há algo de
uma culpa e de uma dívida não quitadas em relação ao pai.
Freud comenta que o aspecto duplo do supereu deriva do fato
de que o ideal do eu tem a missão de recalcar o complexo de Édipo
e ainda completa que é em decorrência desse evento que ele deve a
sua existência. Na realidade, mais tarde. 12 Freud muda de ideia e, de
maneira mais específica, assinala que é o supereu, e não o ideal do
eu, o responsável por recalcar o complexo de Édipo.
Por conseguinte, a criança percebe o pai como um obstáculo à
realização dos desejos pulsionais. Sendo assim, para realizar o recalque
desses desejos, é necessário tomar emprestada a força do pai morto,
de modo a fortificar o supereu, para que ele possa executar a tarefa.

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Dl9ltallzado com Camscarmer
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iuç,10 . .
supcrcu
.1 ·latesua aç,10:- e·ficaz d.e recalcar as pulsõe~, ~
. • . , sel\tC cnva1dccH. o pc 'ft' cios ao eu. O supereu nao
t • • •
m.us se . • , -•xJgtr sacrJ • . .
•. s•· sente
mais . . ., . confortavel para e
. e desaprov • a seus interesses ed1p1anos,
é mn beneplácito para com o cu 1 (FREUD [1923] 1980, p. 49).
· ., to de cu pa ' .
Provocando-lhe o sentimen a bem d·a ver ,. dade é O resultado de dois
' .
A origem do supereu, . / . a e outro de natureza h1s-
de natureza b101og1c
fatores relevantes, um · d m tempo prolongado em
. . f: , decorrente e u
tórica. O primeiro ator e na dependência. O segundo
. tra no desamparo e ,
que a cnança se encon 1 d Édipo causar um penodo de
. , d. 1 ção do comp exo e
é devido a isso u . . . . em duas etapas. De acordo
,. . d te que a vida sexua1se 1mc1a
latenc1a, e sor ,. . onstitui uma herança cultural
com Freud esse fenomeno s1ngu1ar c
necessária~ decorrente da era glacial. Com efeito, Freu~ afirma que
a diferenciação do eu e do supereu não é mera qu~stao de acaso,
visto que, por causa da expressão da influência dos ~a1~, ~la perpetua
a existência, desde uma época primitiva, tanto no 1nd1v1duo quanto
na espécie humana.
Freud (1923) toma o ideal do eu e o supereu como sinônimos.
Assim, quando o ideal do eu se forma, ele apresenta vínculos com a
aquisição filogenética, ou seja, com a herança arcaica de cada indiví-
duo. Entretanto, não falamos de herança arcaica advinda do eu, mas
apenas do isso. Então, o que existe de mais baixo em escala de valo-
res do isso é colhido como núcleo formador do ideal. E esse núcleo
se transforma posteriormente no que há de mais elevado na mente
humana. A dialética do inconsciente, analisada à luz da psicanálise,
se evidencia pelos paradoxos, visto que a instância mais elementar,
mais primitiva e de mais baixo valor moral é O nascedouro da mais
elevada, mais acabada e mais idealizada instância da mente. Sendo
assim, o supereu originário das profundezas do isso ascende sobre o eu.
O ideal do eu, em primeiro lugar, representa os anseios do pai,
que responde como modelo pelo que há de mais alto na natureza do

O!Qflnlinar1n c:nm ('.nnSr.~nnr,r


CAPÍTULO li - A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD 73

homem. As ações do eu diante das proibiço~es. , v·1a I'd ea I d o eu e ex-


p ressas pela consciência
. ~ d enom tna
moral, encontram unia t.cnsao, · da
por
, Freud, de sentunento . culpa. Em segundo Jugar,
. de .
o I'dca I do eu
e responsavel .pelo autoJulgamento e 'a reprovação
, d e um eu que nao ~
alcança o seu ideal e produz o sentimento religioso de humildade. Por
outro lado, o vínculo social baseia-se nas identificações com outros
semelhantes, _devido ao fato de eles terem a mesma origem no que
concerne ao ideal do eu. Freud assinala que a moralidade, a religião
e o vínculo social são os principais elementos que favorecem uma
elevação, cuja dimensão ética pretende akançar um ideal, dado que
os três se originam da n1esma base (FREUD, [1923] 1980, p. 52).
De acordo com Freud, a religião e a consciência moral foram
adquiridas pela filogenética a partir do complexo paterno, através do
processo de domínio do complexo de Édipo. Outrossim, o supereu
surgiu da experiência que resultou no totemismo. Com relação ao
vínculo social, diante da moral e da religião, adveio da necessidade
de superar as rivalidades das novas gerações. Portanto, quando a
hostilidade não pode ser realizada, desenvolve-se uma identificação
com o rival e, por conseguinte, a identificação afetuosa vem ocupar
o lugar de uma escolha de objeto hostil.
A respeito da diferenciação entre o eu e o isso, Freud assinala
que ela surge do confronto entre o meio externo e o meio interno,
encontrando-se presente desde sempre no homem mais primitivo
e até nos organismos mais simples. Consequentemente: o isso tem
no eu o representante do mundo externo. Mas o eu também é um
segmento diferenciado do isso. Entretanto, as experiências do eu
não são transmitidas como herança. Quando se repetem, porém, em
frequência e intensidade, nas gerações seguintes, esses resíduos de
existências de incontáveis eus são incorporados como herança do isso
(FREUD, [1923] 1980, p. 53).
Na medida em que O supereu aparece, essa instância herd_a o
conflito existente entre O eu e O isso. Se o eu foi incapaz de domesticar
a pulsão edipiana oriunda do isso, o supereu irá atuar com~ formação
reativa diante dessas pulsões. É na tentativa do supereu de hdar c?m. a
pu~são do isso, que se soluciona, em grande parte,~ eni~ma de_o propno
supereu permanecer inconsciente, projetando um ideal macessivd ao eu.
74 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Freud termina o terceiro capítulo tecendo unl con1entário s0 _


bre a pintura de Wilhelrn Kaulbach (1805-1874) A batalha dos H11nos,
exposta no Neues Nluse11m de Berlin1. Esse quadro retrata a batalha
de Châlo11s, na qual, em 451, Átila foi derrotado pelos romanos e os
visigodos. Nele os guerreiros mortos são representados em luta nos
céus acima do campo de batalha. Com efeito, Freud faz alusão ao fato
de que a batalha primitiva, antes travada entre O eu e O isso, agora,
transposta e elevada ao último reduto da moral, tem como nobres
opositores o eu e o supereu (FREUD, [1923] 1980, P· 54).
Freud acrescenta a ideia de que o supereu é afluente do isso em
decorrência das primeiras escolhas de objeto do isso. O supereu aparece
como resultado das aquisições filogenéticas do isso, como consequência
de reedições de antigas estruturas do eu, que deixaram seus precipitados
sobre o isso. Por conseguinte, o supereu se encontra sempre próximo
ao isso e pode atuar como seu representante frente ao eu. Toda ascen-
dência que o supereu tem· sobre o eu pode ser explicada pelo fato de
que foi a primeira identificação que se efetuou, quando o eu ainda se
encontrava em estado incipiente e, em segundo lugar, porque O supe
, h d · , reu
e o er e1ro do complexo de Edipo. A relação do supereu com O eu se
estabelece e se preserva sob a modalidade da rel ~ . . . l
. , . ~ . açao 1nicia , quando 0
eu amda era debil e facil de ser dominado· N~ao o b stante, na VI.da adulta
o eu se tornar maduro, ele guarda ainda aspectos de depe d " . d' ,
fragilidad fr n encia e e
e ente ao supereu (FREUD, [1923] 1980, p. 64).

A reação terapêutica negativa

. Existem
~
determinados fatos l' .
c 1n2cos a p · , ·
exp11caçao, que ilustram b ~ ' nnc1p10, estranhos e sem
. em a relaçao ent O
clientes não toleram p b re supereu e o eu. Alguns
erce er que o a l'1st
com o seu caso promisso D . na ª encontra-se satisfeito
d r. e modo I .,
escontentes, e seu estad nvanavel, eles se demonstram
~ o se agrava
nao suportam manifestaçõe d novamente. Pessoas desse tipo
d . . s e apreço o 1 .
e maneira Inversa quand u ena tec1n1ento e reagem
, . o reconhece O , .
A intervenção do a . m propos1to do tratamento.
na11sta, qu . .
constante, os pacientes r d e visa a melhora de maneira
F d espon em
reu denominou esse fe . . coin a piora de sua doença.
nomeno de re ~
açao terapêutica negativa e

Oôglte'li~o com Cam$cenrlff


CAPÍTULO 11- A CONSTRUÇÃO
DO CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD 75

0 considerou um dos principais obstáculo , ,.


. ,. . s ª cura. Esse fenomeno é
mediado pe1a transferenc1a, pois ela se rev t , .
. , er e em odto, do qual o
analista e o alvo. No fundo, há algo 110 pa · .
. .. • ciente que o impede de
uma n1elhora, e toda a poss1b1ltdade é vist
. ª pe1O supereu como um
pengo. Nesses casos, a doença levou a melh • . ~
_ , . or, pois o paciente nao
abre mao de sua molestla, dado que existe um · " • d
, , . . a res1stenc1a o supereu
a cura. Ao contrario
. _ do que mmtos analistas tmagmam,
· · ~
nao se trata
de uma pos1çao desafiadora ao ana~ista nem de u m gan h o secund,ano ·
à doença (FREUD, [1923] 1980, p. 65).
No fundo, mais grave do que o apego a' doença, e, um sentimento
·
de culpa que se torna dificil de superar, siurgi'ndo co mo o mais
· 1orte
r-.

empecil~o à cura. O supereu causa uma satisfação masoquista ao eu


pelo castigo em padecer. Esse sentimen~o de cu~pa, ao encontrar a
doença, satisfaz-se na medida em que se recusa a abandonar a punição
do sofrimento. Destàrte, .às voltas com a enfermidade, 0 sentimento
de culpa silencia e atenua, de sorte que o paciente se sente doente, e
não culpado (FREUD, [1923] 1980, p. 66).

A implantação de impressões vocais

Se, por um lado, o supereu é independente do eu consciente,


por outro, ele preserva suas relações íntimas com o isso inconsciente,
recebendo toda a sorte de influências. Além de ser derivado do isso,
o supereu arcaico se constitui a partir de representações verbais, de
resíduos verba~s do pré-consciente no eu. De acordo com Freud, é
impossível negar a origem tanto do supereu quanto do eu, a partir das
coisas que a criança escuta. No entanto, não se trata de ensinamentos
que a criança escuta. A percepção secundária, através da leitura e da
educação, pode modelar o supereu, mas jama~s fundá-lo. Para que
ocorra o alicerce, faz-se necessária uma percepção auditiva primária
numa época em que a linguagem ainda não se instaurou de fato. A
incrustação da voz acontece num tempo imemorial, no qual a palavra
escutada se constitui como resto de reminiscências gramaticais da pul°'
são, de sorte que esta se engancha como um ideal do "Farás" (FREUD,
[1923] 1980, p. 69). Supomos que a tese freudiana da incrustação da
voz tenha inspirado Lacan na elaboração do conceito de lalangue.

lli1jitt1ll1r.dn r:om Ct1"T1Sr:t1.,,.,.r


1
N \ 'l\.b 1 \ \ pul~Jt) q\lt' ;\lt':\ll\'n :) s11p< l'<'I.I 11 dv(·111 d:1:, ,;)1Jfr•:1 d,1
A.~ \tL~t' ~ ,hh)ind,,s \h, issn Sl' :,ssn,' 1;1111 i' " ·s1d11, '.:' v,•1·h:1h :1111al11i;,
~- :k m~nwfr., q\tt' t't)I\ITibtlt'II\ p:ll':l :1 1,n ,·11111!:1~::ío dqr1c'. ,Hll,,:(1dqii
,'l.lt)'\.' ttu , l :)dt: St' di .t'r qrn.'.,s
111ndula,:é'k s vnc;:ii s co11r,tít,,c111 e,
11:.l "rl.ll ia qn!ll t.' ttwrn:nia ;\ instunci;I do Slll)Cl'(~II. fl1'c11d p1·npi'h; ,,
•·Fan,s." cmrn) 0 prhndro rn:1nd:11ncnto for111ador do i111p ·ratívo d,;
supereu . s_-uin, Freud propõe ~,s pri1neiras i1nprcssc>cs voca is que a
criança recebe ~0 1110 sendo o conteôdo nuclear do supc.: rcu . Port:into,
qu.uido e...~ste unrn voz de con1ando, há t11na tentativa de adequação,
por parte do eu, de seu c0111portainento à ordem ditada.
Pode-se considerar que o supereu te111 com.o 111atriz sim bólíca
o pai morto ou pai totên1ico. Esse se expressa por devaneios, ego-
distônicos e por imagens agressivas. Ademais, o supereu se implanta
pela voz através de fonemas desarticulados. Todavia, não se trata de
uma voz qualquer. Trata-se de uma voz advinda dos pais,. na época
da primeira infância, na qual a criança retém os resíduos vocais. A
criança capta, pela "esfera auditiva", a modulação da voz. No entan-
to, não compreende o significado das palavras. Esses significantes
sem significados são retidos em seu inconsciente e impressos como
uma letra. Tal retenção deixa a criança à mercê dessas enunciações,
contribuindo, assim, para o material fundante do supereu. Em uma
primeira abordagem, pode-se desenhar representações visuais das
percepções acústicas, dado que elas não se apresentam como signi-
ficantes acoplados de seu significado, surgindo como estrangeiras e
enigmáticas para o eu.
No que tange à moralidade, o isso pode ser descrito como
amoral, ao passo que o eu procura alcançar O objetivo de ser moral.
Por fim, pode-se dizer que o supereu torna-se supermoral, podendo
chegar a ser tão cruel quanto o isso. Quanto mais um homem con-
trola e restringe a sua agressividade para O mundo exterior, mais ela
se ~esl,o~a sobre ele, fazendo com que O supereu se torne cada vez
mais ng1do e cruel para com O eu. o supereu tem a sua origem su-
portada na identificação com O pai como modelo. Sabe-se que toda
iden_tifica_ção provoca uma quota de dessexualização e, até mesmo, ~e
subhmaçao. Com a sublimação, o componente erótico não tem mais
a capacidade de ~trelar a totalidade da agressividade que se achava
combinada
_ _ com o Eros. Essa agre '-i\·idade • dºi\·o reia
· d a d a pu 1sao
- de
vida. mclma- se sobre o eu.
. de maneira que· O -upereu h os.ti.1• em sua
crueldade avassaladora, exige um ideal em ,eu
· di·tat ona · 1voca '·Far , ..
1
(FREUD. [1923] 1980. p. 7 1). .

o eu como escravo de dois senhores


A abordagem das intrincadas relaço-es enrre 0 eu. o supereu e o
isso, tem como paradigma a neurose obsessiYa. Inicialmente. assinala-
se que a desfusào do amor em agressividade se reali zou não pela ação
do eu, mas em decorrência de sua regressão ao isso. Como re-ulr.ado.
surge uma extensào desse processo que adYeio do isso e alcmcou 0
supereu. Contaminado pela agressividade, o supereu se inclina s~bre 0
eu. Pode parecer estranho, mas o fato é que, ao conseguir um domínio
sobre a libido, o eu é punido pelo supereu. A explicação mais plaush-el
para isso pode ser o fato de que, ao controlar a libido, a agres~i\-idade
que se encontrava já acoplada a ela se solta e vem de encontro ao eu.
O supereu, entretanto, não participa do exame da realidade.
pois está submetido às vicissitudes das pulsões. Em contrapartida_
o eu tem a funcão, de realizar o teste da realidade de acordo com o
mundo externo. Entretanto, o eu procura submeter-se ao isso. Pois
o eu retira a libido do isso e a promove à categoria de libido objetal,
incorporando-a a sua estrutura. Com auxílio do supereu. o eu se Yale
de experiências de ép~cas passadas e armazenadas no isso. O isso. por
sua vez, penetra no eu por dois caminhos. Um primeiro caminho é
direto: do isso para o eu; um segundo, indireto: do isso, arr-a.Yés do
supereu, para o eu. Seja por uma via, seja por outra, o eu procura
neutralizar as influências pulsionais, mesmo que renha que se sacrificar.
De acordo com Freud, a psicanálise é o instrumento que capacita o
eu, de forma gradativa, a conquistar o isso (FREUD, [1923) 1980, p. 72).
O eu é uma criatura fronteiriça que, sujeita à angústia. encon-
tra-se em três enfrentamentos, a saber: o perigo do inundo externo,
as pulsões do isso e O rigor do supereu. O eu tem a função de mediar
os interesses da realidade e do isso, neutralizando os interesses do
isso frente à sociedade e realizando o milagre de fazer coincidir os
interesses do mundo com os desejos do isso. Ademais, o eu assume a
lB °'UPER[U I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

posição singular de se colocar entre o isso e a realidade. O eu auxilia


o isso, encarnando suas ordens e justificando-as sob a modalidade da
racionalização. O eu não só disfarça os conflitos do isso com a reali-
dade, como também defende o isso, na medida em que o isso finge
estar de acordo com as admoestacões
, da realidade.
No que tange à pulsão de morte, o eu - mediante a identificação
e a sublimacão
, - auxilia-a
, a obter controle sobre a libido, porém, essa
é uma operação arriscada, visto que o eu pode se tornar vítima da
pulsão de morte e perecer. Outro risco significativo do eu decorre do
processo de identificação e sublimação da libido, pois, com a liberação
da pulsão agressiva, o eu se vê alvo dos ataques do supereu, já que
o último recolhe a agressividade livre e a utiliza contra o primeiro
(FREUD, [1923] 1980, p. 73).
O eu é a sede da angústia, dado que, ameaçado em três dire-
ções, retira sua percepção daquilo que o ameaça e, e111 substituição à
angústia, aciona medidas protetoras e fóbicas. Na verdade, o eu não
compreende muito bem o medo ou a angústia que te111. A angústia
e o medo podem ser explicados pelo aviso que o eu recebe do prin-
cípio do prazer, mas também pode ser compreendido pelo temor do
supereu . Nos primórdios da infüncia, o supereu foi o responsável pela
ameaça da castraçiio. Portanto, o medo ela castração está na base de
todo llH.xlo do desconhecido e persiste sob a modalidade do medo da
consciência. Então, a famosa frase "todo medo é o medo da morte"
não se L'xplica. pois a morte não é um objeto.
Na rea lidade, a morte é um objeto negativo e um conceito
abstrato, porquanto não há correlativo no inconsciente. Com efeito,
o medo da morte é algo que se passa entre o e u e o supereu. Então,
o 111cdo da morte é, no fundo, o medo da castração que o eu tem
frl.!ntc :1 amcaç:a cio supereu. O medo da castração assume diversas
m:íscaras. i11do de uma angústia social ao n1edo da morte. O medo
da extinção, na realidade, é o medo da castração e do abandono do
supcrcu protetor, que corresponde à instância parental introjetada
(FREUD, [1<)26-J J<)80, p. '163).
Para o cu, viver significa ser amado pelo supereu e, portanto,
pelo isso. O supcrcu substitui a fonção de proteger e salvar, que antes
era do pai. Ouando o eu se vê em perigo, sente que foi abandonado

Dlg,te ,udo com CemScllnnft


CAPÍTULO li - A CONSTRUÇÃO DO CO
NCEITO DE SUPEREU EM FREUD 79

elos seus protetores, de sorte que surge a ang, t· d ~


P . ~ us Ia e separaçao. No
que toca ao Isso, ele,nao pode demonstrar amor ou o, d"to. A penas pode
se manifestar atraves da pulsão de morte ao tent e
ar 1azer repousar o
Eros (FREUD, [1923] 1980, p. 76).

Inibição, sintoma e angústia como


resultados da ação do supereu

O texto Inibição, sintoma e angústia tem sua importância porque


traça os pormenores da relação do eu com O supereu e O isso. Sua
relevância se localiza no fato de ser um texto maduro, onde Freud
especifica suas descobertas recentes. Freud (1926) assinala que O su-
pereu detecta e proíbe tudo o que traz lucro e êxito ao eu no campo '·
profissional, de sorte que o eu cede por inibição. Sendo assim, a ini-
bição se processa quando o eu se recusa a se associar à pulsão derivada
do isso (FREUD, [1926] 1980, p. 112).
De acordo com Freud, não se deve superestimar o papel desem-
..
penhado no recalque pelo supereu. Não se pode dizer se é o surgimento
do supereu que proporciona a linha de demarcação entre o recalque
primário e o recalque secundário. Seja como for, as primeiras irrupções
de angústia, de natureza muito intensa, ocorrem antes de o supereu
se tornar diferenciado. Assim, Freud atribui a angústia a um supereu
arcaico, não diferenciado do isso. (FREUD, [1926] 1980, p. 115-116).
O eu se encontra fundido ao isso e dele retira sua força. O
mesmo se aplica ao supereu. Portanto, só se pode distingui-los quan-
do existe um conflito e, consequentemente, uma tensão entre eles
(FREUD, [1926] 1980, p. 119). Em contrapartida, o sintoma causa uma
diminuição da capacidade e uma perda de força do eu. Esse fato é
usado pelo eu para apaziguar as exigências do supereu ou para recusar
as exigências do mundo externo (FREUD, [1926] 1980, p. 121).
Segundo Freud, 0 supereu é responsável, em grande parte,
pelas formações dos sintomas (FREUD, [1926] 1980, P· 136). No que
tange à desfusão da pulsão na neurose obsessiva, que se mani~esta pelo
desligamento dos componentes eróticos, o supereu proporciona uma
regressão da libido na fase fálica, fazendo-a retroagir até a fase anal...
sádica. Assim, toda a pulsão de que O eu abre mão é incorporada na

.
'
Di!jililli,;odocom Ci1111St:111111t1
SO SUPEREU I UEREPUS. DAS Ol~IGENS!\O· SEUS f)ESTIN05

fase anal-sádica pdo supereu • incrementando sua rudeza e cruele.1ac1e


para con1 o eu (FREUD, (l926] ·1980, p. 136).
Existe um nonto
t
importante
·
a considerar n a neurose obscss,·
· · Va·
a regressão da libido com a severidade do supereu. Como a libido,~
o supereu são derivados do isso, o supereu não pode se dissociar da
desfusão e da regressão que ali se verificou. Sendo assim, o supercu
do declínio do complexo de Édipo regride e se torna áspero, abrasi-
vo e atonnentador, aquém de seu desenvolvünento normal (FnEuo,
[1926] 1980, p. 139). Por conseguinte, co1n a regressão da fase fálica e
con1 a desfusão da pulsão erótica, o obsessivo doravante levará a luta
contra a sexualidade sob o estandarte dos princípios éticos. E, por
conseguinte, o supereu se tornará n1ais rigoroso por suprimir a sexua-
lidade (FREUD, [1926] 1980, p. 139-140). É relevante assinalar que 0
eu teme o supereu, a ponto de isolar os pensamentos sexuais sob um
contexto de moral. O eu teme a castração de un1 pai internalizado e
despersonalizado sob a forma do supereu (FREUD, [1926] 1980, p. 151).

A dissecção da personalidade psíquica


como uma retomada de O eu e o isso

O texto A dissecção da personalidade psíquica é, na verdade, tuna


ampliação e uma retomada do conceito de supereu que Freud abordou
no O eu e o isso. N esse texto, Freud (1933) propõe um eu dividido
entre um território estrangeiro externo, a realidade, e um território
estrangeiro interno. A ideia da divisão do eu prossegue, pois Frt'ud
ressalta que uma parte do eu se coloca contra a parte restante.
De acordo com Freud
'
Há um~ brecha ou uma rachadura, ali pode estar presente
uma articulação. Se atirarmos, ao chão, um cristal, de se parte
segundo as linhas de c 1·1vagem, em e.Lragmentos CUJOS
· 1·11ni't.ls,
,.

embora fossem invisíveis, estavam predeterminados pda es-


trutura do cristal · Os d oentes mentais - estruturas d'1v1t· 11·,1-is
· sao •·

e partidas do mesmo tipo (FREUD, [1933] 1980, p. 77)Y

. N ~sse texto Freud aprofunda sua análise sobre os quadros de delí-


rio e alucmação na psicose, sobretudo aqueles que se sentem observados.

DIO t allUOo con Cn1Scaooer


,
l

O supcrcn Sé tol't\;\ su1)crséwro , ' 1lll llll·11 1:1 C 111:1 1tr:ita O


i11'.,' ltlt·,,,
pobre cu, ;\tncaç;\- o C:ulll us mais duros r:1stigos, rccrimin:i-o
por ;\tos dú pass;h.lo lllais l'Cll\l)tú, que havia Ili sido consideraª
~os,;\ époci, i1_1sig11ificmtcs - t:l)l\10 se tiwsst: passado todo o ,,.,
mtt>rvalo rcumnJo ;1cus;1çot·s t' apenas tivesse t'st:Hfo t'sper:111- 1:
1,
,.
do por seu Jtu;il acesso de scwridadc a fim cfo :ipresent:í -Ias 1

e proceder ;\ um julgaml'nto condc.•natôrio, com b:ise nelas "i


M

(FREUD, [1933] 1980, p. 79).

Se, por um lado, a consciência é alo·o


b
dentro de nós ' por outro '
ela não est::í dentro desde o início. As crianças são amorais, pois não
têm inibições internas capazes de bloquear seus impulsos. Sendo assim,
esse papel inibitório é realizado pela autoridade parental e, mais tarde,
introjetado conto supereu. A influência dos pais sobre as crianças se
faz por provas de a1nor e castigos, quando necessários. Os castigos,
por sua vez, são c01npreendidos pelas crianças como risco de perda
do amor. Esse risco de perda fará com qiue surja uma angústia que é
antecessora da angústia 1noral (FREUD, (1933] 1980, p. 80).
O supereu assmne as funções parentais e se coloca como seu
legítimo herdeiro. No entanto, parece que o supereu faz uma escolha
unilateral e assuine apenas a severidade dos pais. Se, por um lado,
embora a criança seja educada de forma amena e suave, o supereu
pode assu1nir uin caráter severo e inflexível, já que o supereu não
é apenas resultado do declínio do complexo de Édipo, por outro
lado, o supereu tainbéni é derivado do declínio do complexo de
Édipo, já que assiniila características daqueles que vieram_ de~ois
de seus pais. Essas pessoas são escolhidas como modelos ~dea_1s e
influenciam a forniação do caráter, contribuindo com denvat1vos
para o supereu (FREUD, [1933] 1980, p. 83). Quanto mais se afasta do

0lgl!IIIHEI0 cem C1m scenoer


.. .
. n •ft'tl
't''-SO;l l l'' ~tlr e
se r rna. de 1na11eira que
i.:.l rnrent,1L tn,H:- nnp · l ..., l
lllOl e t • . -\ · t · "l ~ CU f\l.u 1 ·
-.e ibre p~1r,1 a po:-sibihdal e' t' l , ..· t'"trutural. e não uma personi-
-, J - ,·-unrnrdaç,1 . • "' 'fi
O supcreu m'SLfc.:\ t . , . i-- tein unia açao c::spec1 ca que
- i . n--c1encrn. po - . . l ,
ticado das fun(oes la 1.o ~ _ d ereu se baseia na Yetcu aça 0
'
-• ' una • A •11·•10 o Stl p
distingue da consc1e . . i'"'- • v' . 1·, E111 contrapart1·d a. ele tam b,em
.1 . 1 eu se ,nra l,l. ·
do ideal do eu, poa qu.i O • a perfeicão de um ideal O
- . il o eu a ,1lcançar , . . .
tem a 3.po de esnmt .,.r
. 1· - da '1nt10,1 1111, ~
. . ªºº dos pais. que a cnança
ideal do eu é a atua. izaçao ' ' o [193 '"\] 1980. p. 84).
. _. -om perfeição (FREUD, .J u . . 'd·
adnurava e ,,1a e d- estricões 111ora1s, o caus1 1co
. ereu é o representante as r - , .
O stlP , _. _ ideal do eu, a reserva daq111lo que o
de um empuxo a perte1çao, e o .
.,~s elevado. Freud c0111enta que.
homem tem de m=
A humanidade nunca vive inteira.mente o pr~sente. O passado.'
_ d
a tradiçao a raça
e do povo vive nas ideologias do supqeu
.
e so
lentamente cede às influências do presente, no senndo de mu-
dancas novas; e, enquanto opera através do supereu, desempenha
um ~oderoso papel na vida do homem, independentemente de
suas condições econômicas (FREUD, [1933] 1980, p. 87).

Freud avalia que o isso é o caos, uma espécie de caldeirão com


agitação fervilhante. Ele se encontra aberto a influências smnáticas e
contém as necessidades pulsionais. A instância do isso se encontra na
exceção temporal. Nele não há obediência à lógica do pensan1ento
de identidade, negação e relação de causa e efeito. No isso, as pulsões
recalcadas encontram-se virtualmente imortalizadas, e não há reco-
nhecimento do bem ou do mal, da moral, dos valores e das virtudes.
No entanto, essas pulsões estão sempre à procura de descaro-as (FREUD,
[1933] 1980, p. 94-95). b

Sob outra perspectiva 0 ··


, isso serve como base arcaica do supereu,
dado que o supereu se funde n0 · E
1 d E'd' isso. , mesmo como herdeiro do com-
p exo e ipo, o supereu aprese t , .
[1933] 1980 lOO) . n ª mtimas relações com o isso (FREUD,
, P· • Na realidade O · . ,
do supe . . . , ' isso servira como a base obscura
reu, que 1mpmg1ra ao eu tod -6 .
impossíveis de s , ª orma de crueldade e exigências
erem a1cançadas. E d 0 . ,
energia caótica que ._ isso que advem toda a carga de
o supereu ut1hza b'
sobre o determinismo d . . ~ara Su ~ugar o eu, colocando-o
e um imperativo · , . •
1mposs1vel de ser sat1sfe1to.

OlgltaUzado Ç()ffl ~ ' l \ S c -


º " 'li Ili 1, II • /ll ON•1 IPIIÇA)
' l l l<l r l)Ni l lli l DI ',IJl'I Il i li IM I lll llll 113

() tt•xto O 1•111• e> iss,, (1')2J) iu·,uiru .. . ,


e, l ,I os lll:IIS l'l' 1
1
, • l'V,lllll'S ·1spcr -
l'OS dn supcrcu, que 1·n•ud 1d ;1proli 111 d:1r Clll () . . .'. ,
. llltl 1• 1,\frlr tl,1 m11l,.:,1ç,1P
1

( 19.10), por t'Xt'mpln,~ .


a no111111arJo dl'lillitiv·1 , .
,--,
.· .~
• e ,I pos,~ ilO eslmt 111':tlllC
no ilp;lt'clho ps1qlllco, lt·1Hlo como •il kcrc , () 1 ,
_ , ' e t'II ' cl IS.l'c>, () 111,,l- ('.l'frlf
d,, ri11i/ii:-,1(,I<>
~
nfcrL'CC nm ;1prnfn11d;11 1w11 t'l> li•> . . . •
, . 's C{Hl l:C IIOS <1l' :lllMmt 1:1
• .
1

de castrarao, de scntm1c11to de cult)·i' 1 '•issi, .


11 Ullllll ~ .
· • lllll:l Vl'l'S:10 111:II S
rl'finada do supcrcu, onde ele SL' distancia do ideal do cu.
A proposi(5o de Freud sobre o supcrcu cst:í mais :1rtic11l:1da co111
aquilo que ~e c11co1~tr:~ 1~0 alé11~ do prindpio do pr:izc,-. ,1.1 repetirão,
no masoqmsmo pnmano, 110 isso e oa tdgka pulsão de morte do • 1

que se encontra no princípio da realidade e no princípio do prazer.


_No entanto, o supcrcu aparece quase como si11ô11i1110 de cot1sdêm:b
moral. Ent~o, como poderia uma co11sdê11da estar tão :1fost:1da do
princípio da realidade e tão despreocupada co111 o bem-estar? Pare-
ce-nos que a elaboração sobre o supcrcu, cm Freud, foi completada
dez anos após a public:1ç5o do O c11 e e> isso. A dissccçlfo da perso11alidadc
ps(q11ica propõe uma revisão e uma ampliação do conceito do supereu •,1'
e apresenta algumas considerações para as questões aqui propostas. 1
1
Na realidade, esse texto é uma grande síntese, porque apresenta os ~
elementos fundadores do conceito encontrados em O cu e o isso, as-
sim como as elaborações mais requintadas e conclusivas do texto O
mal-estar na civilização sobre o supereto.

Omal-estar na civilização como apanágio do supereu

Há pelo menos dois conceitos cruciais em debate no texto O


mal-estar na civilização: o supereu e a pulsão de morte. Um terceiro
conceito é chave no texto: o sentimen~o de culpa, que é acionado
pelo supereu e tem con1o finalidade articular a pulsão de morte. A
questão central que Freud retoma em O mal-estar n.a civilização é o
ensinamento de que a pulsão de morte é a pulsão básica. Para chegar
a essa conclusão, Freud percorreu um longo canünho no decorrer
de sua obra.
A seguir sã.o apresentados pontos fundamentais sobre a co~s-
trução do conceito de sua origem en1 Além do princfpio do prazer ate a
conclu sao
~ d '. d e pu1sa~0 de 1110rte em O mal-estar na civilização.
o conceito
84 SUPEf~EU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

A pulsão é mn dos conceitos que cotnpõe ª pedra de toque da


psicanálise. Freud (1905) descreve-a como uma espécie de mitologia
psicanalítica e, rn.ais especifica1nente, como "[...] 0 representante
psíquico de uma fonte de estí1nulos endossomática, continuamente a
fluir, como um conceito que se acha na fronteira entre O mental e 0
físico" (FREUD, [1905] 1980, p. 171).
No texto A concepção psicanalítica da perturbação psícogênica da visão,
Freud (1910) propõe o dualismo pulsional com as pulsões de auto-
conservação e as pulsões sexuais. Em Formulações sobre os dois princípios
do funcionamento mental Freud (1911) teoriza que as pulsões sexuais se
encontram sob o domínio do princípio do prazer, e as pulsões de au-
toconservação se encontram sob o domínio do princípio da realidade
(FREUD, [1911] 1980, p. 277).
Freud (1914) retoma sua teoria em Sobre o narcisismo: uma intro-
dução, quando propõe uma redistribuição das pulsões sexuais entre a
libido do eu e a libido objetal. Pouco depois, noutro texto As pulsões
e suas vicissitudes, faz uma recapitulação de sua teoria e disseca em por-
menores as características da pulsão. Freud (1915) 14 afirma que a pulsão
jamais pode tomar o lugar na consciência, porquanto s01nente o repre-
sentante ideativo [vorstellungreprdsentanz] é que pode representar a pulsão.
Por fim, em Além do princípio do prazer (1920), ele faz sua trans-
posi?ão qualitativa e elabora sua teoria final das pulsões com a pulsão
de vida e~ pulsão de morte. Enfim, Freud reconhece que a pulsão de
morte,
. asmn . como a compuls ao ~ a, repet1çao,
. ~ se encontra num ponto
mais arcaico
_ e mais elementar do que o Pnnc1p10
. , . d o prazer e por
essa razao, ela se torna dominante. ,
Freud assinala:

Não só encontraremos e
mente aragem para supor que existe real-
na mente uma comp l ~ ,
ao p · , • d ' u sao a repetição, que sobrepuja
nnc1p10 0 praze
a rela · ' r, como também ficaremos inclinados
, c10nar com essa con
, •
1~
ipu sao os sonhos que ocorrem nas
11 euroses traumat1cas e oi 1 . . .
(FREUD, [19 ] mpu soque leva as crianças a bnncar
20 198 O, p. 37).

Não obstante a compul ~ , . _


prazer possa estar ali d d sao a repet1çao de Além do principio do
a a, e algum ino d o, ao princípio do prazer,

Dlgita'iza,do eom C1m 5cann~r


CAPÍTULO li - A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD 85

Como é o caso do brincar das crianças· • O ·seu eletllento fiun d amenta 1


é a pulsão de morte, porque ela também é denominada por Freud
([1920] 1980, P· 3 7 ) de "força demoníaca" e de "neurose de destino".
Por fim, em O mal-estar 11a civilízaçào, Freud (1930) refina
sua teoria dualista das pulsões e propõe O supereu como O centro
polarizador e catalisador de toda agressividade. Sendo assim, é pelo
viés de O mal-estar na civilização como apanágio do supereu que se
analisará como essa instância se expressa no ser humano aculturado.
Pode-se falar de "mal-estar" como apanágio, na medida em que é
0 efeito último das intenções do supereu. Na verdade, 0 "mal-es-

tar" é o programa do supereu, pois pode ser entendido como uma


espécie de envelope formal do sintoma, em cujo núcleo se encontra
o supereu.

A agressividade como a essência do supereu

A origem do texto O mal-estar na civilização parece estar descrita


por Freud nos brotos do Rascunho N, de 13 de maio de 1897, quando
escreve a Fliess que"[...] o incesto é antissocial, e a civilização consiste
numa progressiva renúncia a ele". Posteriormente, Freud ([1898] 1980,
p. 377) escreve A sexualidade na etiologia das neuroses, onde assinala
que "[...] podemos com justiça responsabilizar nossa civilização pela
disseminação da neurastenia". Freud ([1898] 1980, p. 377) formula a
Fliess na Carta 84 que o que é visto na fase pré-histórica da criança
produz sonhos; o que é escutado, no mesmo período produz fantasias;
em terceiro, o que é experimentado sexualmente produz neurose; e
por último, a repetição daquilo que foi experimentado nesse período,
é em si mesma, a realização do desejo. Um desejo apenas se converte
em sonho quando consegue estar em conexão com o material pré
-histórico infantil. 15
Nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud (1905) atri-
bui o recalque ao meio social e à cultura, mas também comenta que
"[...] este desenvolvimento organicamente determinado é fixado
pela hereditariedade e pode ocasionalmente ocorrer sem qualquer
auxHio da educação". Ainda interpreta que a adoção, pelo homem,
da postura ereta e da substituição do olfato pela visão como sentido

Dlgl1al zado com C&'l'ISC!lnn@'I"


86 SUPEREU I UEl<EPUS: DA S OHIGENS AOS SEUS DESTINOS

dominante contribuíram decisivamente coino fator orgânico para 0


desenvolvimento do recalque (FREUD, [18 97] 1980, Carta 75). A ideia
da postura humana que F I.eu d atn·bt11· con10 contribuição do surg ._ 1
mento do recalque também. está presente no texto Notas sobre um caso
de neurose obscssir1a (Fnuuo, [1909] 1980, P· 248).
Ern o ,-nal~estar na ciriílização, Freud inicialmente aborda O sa-
dismo como o elemento nuclear da pulsão deS t rutiva. Antes, porém.,
Freud (l.905) considera. o sadismo, no texto "Três ensaios da teoria da
sexualidade como mna parte da sexualidade que se desmembrou. "O
sadismo corresponderia a um con1ponente agressivo da pulsão sexual
que se tornou independente e exagerado e, por desloca1nento, usurpou
a posição dominante" (FREUD, [1905] 1980, p. 159-160).
Ainda em '1905, Freud nos oferece mna nova versão, na qual a
agressividade teria uma origem independente da sexualidade e pos-
teriormente a ela se agregaria. "Pode-se presumir que os impulsos
de crueldade surgem de fontes que são, na reahdade, independentes
da sexualidade, mas podem unir-se a ela nu1n estágio prematuro"
(FRilUD, [1905] 1980, p. 198).
Prcud ainda propõe a agressividade vinculada a uma pulsão de
domínio. E posteriormente a agressividade surge vinculada à pulsão
de autopreservaç:ão. No texto As pulsões e suas vicissitudes (1915), retoma
a ideia da agressividade incluída na libido, 11111na a1nbivalência onde
se insere o ódio e o amor.
Por fim , Freud (1920) encontra sua d ec1s1va · · ·
conJectura no
texto Albn do prin.cfpio do prazer, onde propo~ e a agress1v1· ·dad e como
. d a e1ementar, encontra-
resu2tante da pulsão de morte · Essa ide1·a , a1n
se em consonância com uma propos1çao . ~ n1a1s . re fi1nad a no texto O
mal-estar na ci11iliz e1ção. Parece-nos que Freud (1937) alcança a síntese
de todo o seu percurso sob "' . . ..
· · re a agress1v1dade com a feliz declaraçao:
A interioriz·1ç1a l 1~ •
' ' eª pu sao agressiva é, naturalmente, o corres-
pondente da exterio · ~ d . . ,.
, . , . nzaçao a 11b1do, quando ela se trans1ere
do eu para os objetos 't '
, . , · · enamos um quadro esquemático n1t1
' 'd °
se supusessemos que · · 1 d
. . · . . . ' origina mente, ao início da vida, to ª
hb1do era d1ngida pa O . .
. ra mtenor e toda a aaressividade para
o extenor, e que no d,.
'
d . º
ecorrer a vida, isso gradativamente se
aJtera (FREUD, [1937] 1980
'p. 79) .16

Oiglte',iedo com CamScanne,


CAPITULO li - A CONSTRUÇÃO DO CONCEIT
O DE SUPEREU EM FREUD 87

Assim, essa declaração propõe que a agressivid d • . , .


• • • • • , e. a e ongmana
do interior e d1ng1da ao exterior e devolvida paul at·mamente ao 1u-
;:,<Tar de onde veio. E, por conseguinte ' a agressividade
· , acresci.d a pe1a
quota re_tirada do pa_r ~arental, acu~nula-se sob a barra do recalque
1.10 interior. A agress1v1dade produzida no interior perm anece rett.d a
nele e age contra o mundo interior. En1 contrapartida, a trajetória da
libido é o contrário. Por fim, à medida que a agressividade retorna de
fora para dentro, resultando no supereu, a libido percorre sua trilha
num sentido inverso.
Assim, na origem da cultura, temos um homem narcísico
'
egoísta; individualista e que ama a si próprio. Por conseguinte, num
segundo tempo, mais elaborado na cultura, temos um homem altruísta,
filantropo, abnegado, desprendido, capaz de amar a todos, inclusive
seus inimigos, como a si mesmo.

Restrições à agressividade

Segundo Freud, o homem guarda em sua essência uma grande


quota de agressividade. Ele faz de seu próximo o alvo de toda a sua
agressividade, não raras vezes, sem motivo algum. Na maioria das
vezes, aguarda uma provocação para manifestar sua agressividade ou
a emprega com outro intuito, cuja finalidade poderia ser alcançada
por atitudes mais tênues (FREUD, [1930] 1980, p. 133).
Em decorrência dessa agressividade, a sociedade se vê ameaçada de
desintegração, de sorte que se vê forçada ao dispêndio de grandes quo-
tas de energia para recalcá-la e colocar nela limites definidos. Destarte,
para se defender, a civilização incita o ser humano a identificações
e a vinculações com o laço social, onde se preza o relacionamento
amoroso, inibido em sua finalidade. Na realidade, os mandamentos
de "amar ao próximo, como a si mesmo" e "amar os seus inimigos"
podem até se justificar do ponto de vista de uma tentativa de coerção
da agressividade mas não existe nada mais forte que vá contra os
'
interesses básicos da pulsão (FREUD, [1930] 1980, P· 134).
A civilização impõe sacrifícios à agressividade e à sexualidade,
de maneira que não é difícil compreender o porquê de o homem se
encontrar em estado de quase permanente infelicidade na·civilização.

Dl;ii:0112:Klo com ComSc.illOt'r


88 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

1 de felicidade por uma alíquota de


O ser humano trocou uma parce ª . , . d . ..
, · lientar que, no inic10 a civiliza-
segurança. No entanto, e preciso sa .
. . fi , vantagens da sociedade, ao passo
ão apenas uma minona usu ruia as , . .
ç ' . . . d d 1 Ainda hoje, não ha Justiça quanto à
que a inaiona era pnva a e as. .d de produz (FRE
. . , . d b que a comuni a un,
distribuição iguahtana os ens
[1930] 1980, p. 137).

Eros e Tânatos vieram para jantar


.d ponto de partida, o aforismo do poeta-
Freud consi era, como
filósofo Schiller de que "a fome e o amor movem o mu~do". A fome,
matnz _ ora1, est'a correlacionada com a necessidade da auto-
. d a pu1sao
~
preservaçao, ao passo que O amor [Eros] se articula
. com a preservação
. .
, · d e sor te que a libido do eu - necessidade
d as espec1es, . . - e a libido de
objeto _ Eros - se relacionam uma com a outra._ I~icialmen_te Freud
pensou que O sadismo não estava presente na hbi~o de objeto'. por
não se relacionar com o amor. Mas depois percebe que o sadismo
faz parte da vida sexual, uma vez que pode substituir a afeição pela
crueldade. Por outro lado, o sadismo se encontra correlacionado
com a libido do eu, por participar das pulsões dominadoras (FREUD,
[1930] 1980, p. 140).
Freud traça uma linha de raciocínio, nesse capítulo, consoante
a teoria de Além do princípio do prazer, em que a repetição se impõe
como característica essencial, aliada a uma imbricação entre a pul-
são de vida e a pulsão de morte. Se, por um lado, Eros se expressa
de maneira sensacional e ruidosa, a pulsão de morte opera sempre
silenciosa e traiçoeira com o objetivo de uma destruição do eu. Mas
a pulsão de morte também pode ser desviada para o mundo exte-
rior, de modo que, ao poupar o eu e devastar um objeto, ela acaba
por servir à pulsão de vida. Na medida em que essa agressividade
dirigida para o exterior é inibida, sua energia destrutiva se volta
para dentro, mais uma vez. As duas pulsões nunca surgem isoladas,
mas se manifestam sempre mescladas e, muitas vezes, combinadas
e indistintas ao reconhecimento clínico. É inegável que a pulsão de
morte, por ser silenciosa, na maioria das vezes nos passa desperce-
bida. Ela se torna ruidosa apenas quando a agressividade - seja pelo

DÍ!,lil!tli.1:«k! CU111C..11Sc:•■lll'f
jP"

Jnasoquismo, seja pelo sadismo - encomra-se J\soc,


-- ·..•da a erou~m
-.
(FREUD, (1930) 1980, p. 141 ).
Enfim, .a pulsão
. . _
de morte surge como o m •31·or ob't ·c 1
~ •1 li O r.1r.l l

Progresso da c1vtl1zaçao, uma vez que ela é des.wre,'Tid


;:, ::-· ri• e,. uc:: . nn-d r.1
. 1 "' t

das relações sociais, na medida em que a hostilid.idt· fc: c.1 t. um 5c-


manifesta contra todos, e a de todos, contr.i um. PJr.1 se de tender Jc::~- e
"todos contra um", o sujeito lança mão de Deus com .1 ~l."~uimc fr.ise:
"Se Deus é por mün, quem será contra mim? ... O Er,,s. se rnconrr.1 .i
serviço da civilização, já que essa pulsão propici.1 .1 ~uni:i num Li,;
social dos indivíduos isolados numa famíli.1, num grup . num.1 r.1 :-.1 .
num povo, numa nação e, por fim, na hununid.1de. t um '-' mP.H~
permanente entre Eros e a pulsão de morte, a eYoluç.'io d.1 ch·ili z..1ç:i
pode ser descrita con10 nada mais do que a lu~-1 do ser hum.ml pd.1
vida (FREUD, [1930] 1980, p. 145).

A construção do conceito de sentimento de culpa

No texto O eu e o isso Freud (1923) assinab que o ~entimt•ntc


de culpa nos parece algo essencial como a n1ob mestr.1 lfa tonn.1ç.h
da cultura, pois ele está na origem como pec,1do origin,1l. A rdi~i.:io
introduziu a ideia do pecado. Na realidade, tr,\~\-Sc?- dl.' uma (ulp~\ do
tamanho de un1a vida e da necessidade de uma penit~ncü infinir-.\. .,•
Sem sombra de dúvida, a culpa e a necessid~de de puni,\lô ~.ms.H\\l\\
sintomas na humanidade, sobretudo de inadequar~,0. inse~m-.m(:\ t'
mal-estar. A religião, então, ofereceu aos seus tiêis um pt'1\Uo inttuito
e uma salvação eterna para uma culpa do tamanho tb \'kb.
A culpa é uma das nuis conhecid:1s e.xpressocs d0 supt'fêU e
pode ser encontrada em três situações distint,\s. Neste momt'nto, l'~\l'l'
diferenciá-las. Primeiro, o sentimento de culpa, t~OH\\l ~ulp;\ im.'(,ns-
ciente, decorre da situação que o ser folante tem em t"t'l.l,-.1ú •' t:\trn t'
à angústia de castração. Trat:1-se de um;\ culpa tid:\ como \min.•1~~\I t'
c~rresponde ao pecado original na rdigiJo. St•~\ll\dl,, ,\ ·ulp.l \""'~-
ciente, ou sentimento de culpa, é pt'1't:cbiJ:1 pelo eu t'l\\ det'ol'l't'l\~t.\
de uma crítica e de uma censm-.1 do supereu cll\ rd:1r,,o :1u t'll, Nêssc
caso, o eu recebe uma tensão decorrente de um,, pc:md~\ l'ar~,l de
críticas, sem misericórdia, do supereu. Terêl'll'tl, a (talp,, sikndos:.l,

Uig lt olltodo oom ComS~Onn«


90 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

muda, que emero-e em decorrência de uma satisfação masoquista de


b ·
padecer e da necessidade · ~
de pun1çao (fr1i EUD
~ ,
[1930] 1980, p. 147).

A culpa na neurose obsessiva


O sentin1ento de culpa pode se expressar na neurose obsessiva
con10 sentimento de inferioridade e na melancolia como sentimentos
de ruína, culpa e morte. Neles, o supereu demonS t ra uma severidade
singular e, com frequência, dirige sua ira para o eu de modo cruel.
Na neurose obsessiva, o sentimento de culpa é ruidoso e ruinoso. No
entanto, ele não pode ser justificado, visto que não tem um objeto.
Portanto, o eu repudia a culpa, porque não a conhece, embora o su-
jeito procure por auxílio terapêutico. Nesse caso, o supereu age por
causas inconscientes, censuradas, desconhecidas do eu, advindas do
isso, apenas conhecidas pelo supereu.
O obsessivo nunca caminha para a autodestruição e, embora
sofra, considera-se imune ao suicídio, pois nun1a regressão pré-genital
à fase anal-sádica, o obsessivo transfonna o an1or em ódio e libera
~o~a a agressividade contra o objeto perdido. Toda a pulsão destrutiva
e hl~erada do isso, malgrado o eu lute contra ela, n1ediante formação
reativa
. e medidas . de precaução · Portanto , o et1 se defcend e em vao ~
dos impulsos destrutivos do isso e do cara'ter· p ·t· d
d ' uni ivo e e censura
o sup.ereu. Como resultado de se encontrar sob
. o
fcogo cruzado,
0 eu se defonde co1no pod d
. e e un1 autossuplício interminável Por
consegumte, se o objeto estiver ao seu alcan . , .
uma tortura sist , • . e ce, 0 eu ira empregar nele
emattCcl para descont . fc .
tanto ao supereu q . . ar os e eitos de uma submissão,
ll,lnto ao isso. Assi b . .
sacri fiei o e O ma rtír10 • d . . nl, 0 0 sessivo oscila entre o seu
o parceiro· ent. · d
alguns casos O sadi' . ' re ª pie ade e a crueldade. Em
, • smo entnncheira-
o eu, pois O supereu t . se no supereu e se volta contra
se orna influen . d O l
morte (FREUD, [1923] 1980 , p. ) eia pe a cultura da pulsão de
70
A pulsão de morte p d ..
. o e seguir t " . .
meiro, em sua maior part res caminhos distintos. O pn-
~ e, ocorre quand 0
com a pulsao de vida e t . ª pul sao~ I
de morte se mesc a
, . em sua virulênci
eroticos, de sorte que ª atenuada pelos componentes
O seus elen1entos ~
ato se)..'11a] é um exem 1 d . sao aproveitados pela cultura.
P O esse tipo d
e mescla das pulsões. No

lli!JilAll~AC'lc'! r.nm C11mSt-.1mn...,


l

CAPÍTULO li - A CONSTRUÇÃO DO CON


CEITO DE SUPEREU EM FREUD 91

segundo ca111inho, encontra-se a pu]são de mo t


. r e, em grande parte
desviada para o mundo externo, de modo que d .
~ . . essa po e ser verifi-
cada .pela expressao
. da
, agress1v1dade nos conflitos e nas guerras. No
terce1ro can11nho, ha unia quota da pulsão de morte, que continua.
a desen1penhar o seu trabalho de estorvo dentro dom un do interior
· .
pela via do supereu (FREUD, [1923] 1980, p. 69-70). '

o sentimento de culpa [schu/dgefüh/J no inconsciente


No capítulo III do texto O inconsciente, Freud esclarece a ideia
do sentimento de culpa inconsciente. É necessário dizer que esse
conceito se apresenta como algo paradoxal, já que não se pode con-
ceber um sentimento recalcado n9 inconsciente. Freud comenta que
a natureza das emoções é conhecida na consciência, e o inconsciente
exclui os afetos, apesar de ocorrerem expressões de sentimento de
culpa inconsciente, amor e ódio inconsciente ou angústia inconsciente.
A princípio, porque é um afeto, a culpa não deveria ser consi-
derada da ordem do inconsciente. No entanto, como decorre da ndeia
inconsciente do parricídio, recebe influências diretas do inconsciente.
Todavia, o sujeito não se apercebe do sentimento de culpa, já que
ele emerge apenas na consciência e modificado pela censura, sob a
modalidade da angústia e do mal-estar, restando o objeto da culpa
oculto sob o recalque. Assim, o sujeito se queixa de uma ansiedade,
de uma angústia; de uma insatisfação ou de um mal-estar indefinido,
mas jamais de uma culpa.

A culpa [Schuld] como tributo ao pai morto


· a cu1pa.;>17 Enfim, há outras inúmeras definições de
O que sena
culpa. Porém, 0 que sintetiza a culpa é o sentimento resultante de um
.
ato 1es1vo .
voluntário ou 1nvo luntano,
, · em relação a Outrem. Afinal,
quem ser~a em última instância, o objeto dessa ação lesiva? _A defi-
. ~ ' e. lgum indício p01s que o
ntçao religiosa poderia talvez nos 01erecer ª , : ,.
e Deus em ultima analise,
cu1pado é o agente ofensor de Deus. orno ' . .
é o pai, pode-se dizer que, no sentimento de culpa mconsc1en:e, o
. . , . t pai Com certeza nao se
SUJe~to e culpado por um ato lesivo con ra O · ·
92 SUPEREU I UEREPUS: D/IS OHIGEl'IS /\OS SEI JS DE"i íll 10 ',

trata do pai biológico, mas de uma fun~:ão paterna, como pai m,ntc,.
Mas a culpa traz outra conotação, já que o culpado é um devedor. A
palavra Sc/11,1/d, em alemão, design a, ao mesmo tempo, culpa e dívida.
Então, pode-se traduzir o sentimento de culpa para um scntimcntc,
de dívida para com o pai, pois cada ser humano tem um sentímtnto
de dívida impagável para com seus país. . .
Então, diante desse panorama freudiano, JU 5t1 fica-se O uso do
termo sentimento de culpa inconsciente. Inicialm.ente observa-se
que a culpa é um afeto que já teve uma representação acoplada a ela.
Cabe salientar que a culpa é sempre de algo que foi cometido. O su-
jeito é sempre culpado por ter rea~izado algo em ato ou pensamento.
No entanto o ato considerado mau, de modo algum, não é um ato
'
prejudicial ou perigoso, mas pode ser algo desejável e prazeroso para
o eu (FREUD, [1930] 1980, p. 145).
A culpa pode também surgir em decorrência de uma represen-
tação, seja consciente, seja inconsciente. Então, pode-se concluir que a
culpa é um afeto que se encontra sempre ligado a uma representação.
Se essa representação foi recalcada, a culpa pode seguir três caminhos:
primeiro, pode perm;necer como culpa, mesmo após o conteúdo
ideativo ter sido recalcado; em segundo, pode transformar-se em
outro afeto, sendo o caso mais frequente, decompõe-se em angústia;
e por último, pode declinar-se pouco a pouco.
Neste momento cabe uma indagação: afinal, qual seria a repre-
~entaçã~ recalcada que, antes, estava acoplada ao sentimento de culpa
inconsciente? A partir dos apon t amentos fireud.1anos, verifica-se
· que
resta apenas uma resposta · A 1·d eia
· reca1cad a, que antes poderia estar
acoplada
. , . ao sentimento de culpa, é a ide1·a do P arnc1. 'd·10. A 1.deia
. do
. . seria, em última. análise , o da no sofin.do por outrem. As-
parnc1d10
.
s1m, a idena do parricídio recalcada desd . ~
• . d e. . e o assentimento da castraçao
prop1c1a, e 6.0rma direta, o sentimento de 1 . .
cu pa 1nconsc1ente.

A lei de Talião

Por que o sujeito não p b


~ erce e seu sentimento de culpa? De
antemao, sabe-se que esse sentim t
_ . ,. °
en se enco_n tra recalcado porque
nao emerge na consc1encia. De acord0 . .
com nossa observação, o sujeito
CAPITULO li - A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO D
E SUPEREU EM FREUD 93

nlo t~perimenta ~ sentimento de ~ulpa pelo parricídio porque ele já


·e encontr,t, e1n vtcb, condenado a morte · O inconsci· en t e fiunc1ona
~
.
sob 0 11:-gime d:t Lei de Taliiio: "olho por olho, dente por dente, vida
por ,)i~fa''.
A lei de ~ak'io faz p~trte d~ Código de Hamurábi. o Código
rep~~enta o coqJunto de leis escritas, texto oriundo da Mesopotâmia.
A(t't'tlit.l~e que fui escrito pelo rei Hamurábi, aproximadamente em
t7ú0 :1.C. O Código foi encontrado por uma expedição francesa
em 1901 na regiào da antiga Mesopotâniia, correspondente à cidade
de Su~l, ~\tual Irã. Os artigos do Código de Hamurábi descreviam
c~isos que scrvi;;.uu con10 1nodelos a ser aplicados e1n questões seme-
lh;m.tes. ~ua linlitar as penas, o Código anotou o princípio de Talião,
sinonimo de retaliação. Por esse princípio, entende-se que a pena seria
um;\ vingança não desn1edida n1as proporcional à ofensa cometida
pdo critniuoso. Então, o nome "re-ta1iação", ou seja, a reciprocidade
da :iç}o de Talião: "olho por olho, dente por dente". 18
Sendo assün, o sujeito obsessivo já se encontra condenado à
morte. Sabe-se que a justiça propõe a condenação a uma pena para
que o sujeito pague sua dívida, sua culpa para com a sociedade. Uma .,
ve.z condenado, a culpa sofre um processo de elisão.
O sujeito tern con10 condenação a pena capital. A condenação
do obsessivo é ter que conviver com a morte; é tê-la como sua par-
reira; é não saber se está vivo ou morto. A temática da morte está
sempre presente na vida do obsessivo, porque o Outro do obsessivo
é a 1uorce. A n1orte, como o mestre absoluto, rege a vida do obsessi-
Yo sem.i111orto ou 111orto vivo. Há uma variação dos matizes no que
toca ao conteúdo, nias a base é sempre a mesma. Por exemplo, em
primeiro lugar, a temática da morte surge com enorme receio de
morrer, por parte do sujeito, e o resultado é o pânico de morrer ou
a hipocondria. Eni segundo lugar, a temática da morte surge como
a prática de esportes radicais, nos quais o sujeito está sempre em po~
sição de desafio à morte para provar a si mesmo que ainda continua
,rivo ao vencê-la. Por último, a temática da morte surge nas mágicas
ideias obsedantes, devaneios, paraeidolias'9 e imagens, que amofinam
0 sujeito, colocando-o sempre numa posição masoquista de vítima

de uma morte violenta.

1>1g,t11liz.,do com t:.lmSc.r,ner


94 SUPER EU / UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

O mal-estar como expressão do sentimento de cuf pa

O texto O mal-estar na cb1ílízação [Das Unbehaien ín der Kultu~


' de ser un1a o b ra-pruna,
(1930) , ale111 · e' uma das derradeiras c]nb
& o-

rações de Freud, por sinal a mais requintada, sobre O 5upereu. tV1aís


precisa1nente no capítulo VII, o autor indaga sobre ~ qu e 0 ntece
· ·1·izaçao
- para que o d ese•ío agressivo se torne 1nofens1vo. De
ª:
na civ1 'J
· e, interna
acordo con1 ele esse desejo · 11·zado , de modo que ele retorna
-
para o eu. N o 'en tan t o, di·ante de um eu cindido, a agressividade é
assumida· por unrn parte d o eu, d esi·gnada de supereu. Essa parte gue
· ·dade se volta , mais tarde, contra a parte
acolhe a agress1v1 . restante do
eu e sob a forma de uma consciência, encontra-se disposta a entrar
'
em ação contra O eu. Com efeito, a tensão entre o supereu e o eu é
denominada por Freud de sentimento de culpa, que se expressa pela
necessidade de punição, aJém dos afetos de ansiedade, angústia e
mal-estar (FREUD, [1930] 1980, p. 146). Assim, a civilização consegue
dominar a agressividade do eu, desarmando-o e estabelecendo dentro
dele um agente para patrulhá-lo, como "uma guarnição numa cidade
conquistada". Alguém pode discordar, dizendo que não há mais cul-
pa e que o imperativo categórico desapareceu. No entanto, é digno
de nota ressaltar que vivemos numa sociedade angustiada e ansiosa.
Portanto, o imperativo categórico se manifesta de maneira indireta.
Uma pessoa se sente culpada, ou pecadora, quando sabe que
praticou algum ato mau. No entanto, Freud acrescenta que não é
p~eciso ~raticar o ato para se sentir culpado. Basta que O sujeito tenha
a 1ntençao de praticá-lo • Assim, · 1a que, no inconsciente,
· Freu d assina · ·
o ato de fazer se iguala ao ato de pensar. Ele traz para o debate o
conceito de bom e de n1au, assina · 1an d o que o bom nem sempre e,
um bem, e o 1nal não é, mt11·tas vezes, pengoso
. ou lesivo ao eu, pois·
o mal pode ser motivo de d ·
eseJo e prazer. Freud assinala que, como
somos desan1parados torn d .
' aino-nos ependentes de outros e sentimos
medo p~fa perda de a111or daqueles de quem dependen1os. Com efeito,
o 1nau e tudo aquilo que d · d .
' iante a perda de amor nos faz sentir
ameaçados. Isso explica O fat O d '
e que tanto faz o ato de fazer ou pensar
al go inau, pois o perigo só .c.
se man1testa se a autoridade descobrir e, ern
am bos os casos ela se con d
' lporta e maneira igual. Algu1nas pessoas

0lgit11liz11docom CamSc~
C.APII ULO li • /\ CONSTnUCAO DO CONCnro DE ~UP"" n[.
., " " U CM F°AEUD 95

~
· <jll''-. ,..., º., u t on•c1ade nao
s..,. sentem segur:ts par:t praticar algo mau • desde
saiba e que nJo possam ser descobertas (Fui:ut>, ll'JJOI l'JHO, p. HH).

o que Jó nos ensina sobre o supereu


Um:i evolução no ser humano acontece cp1ando a autoridade
externa é internalizada :ttravés da constituição do supcrcu . A pJrtir
de então, o medo de ser descoberto, assim como o fato dc pr:i tic:1r
ou desejar algo mau, desaparecem, uma vez que nada pode ser oculto
do supereu. No caso de uma falta grave, o supcrcu atormenta o cu
pecador com sua lei interna e aguarda a oportunidade de esse eu ser
punido pela lei dos homens. O supcreu, tal qual Deus no Velho Testa-
mento, encarna um ser supremo onisciente, onipresente e onipotente.
Contudo, um paradoxo se inscreve no supereu, já que o supereu não
conhece o amor, pois, quanto mais virtuoso é o homem, mais severo
o supereu se torna.
A lei do supereu não promete recompensa à virtude e nem se
abranda com um eu dóçil e obediente. Esse ponto pode ser conferido
na trágica história de Jó. Narrarei brevemente essa história. Nasceram-
lhe sete filhos e três filhas 0ó, 1:2). Jó possuía sete mil ovelhas, três
mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas, além
de muitos servos; de modo que esse homem era o maior de todos os ,'
do Oriente 0ó, 1:3).
Chegado o dia em que os filhos de Deus vieram se apresentar
perante o Senhor, veio também Satanás entre eles. Disse o Senhor
a Satanás: "Notaste porventura o meu servo Jó, que ninguém há na
terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus, e se
desvia do mal?" Qó, 1:6,8). Satanás, entretanto, desafia a integridade
de Jó e, então, Deus permite que Satanás interfira na vida de Jó, re-
sultando na tragédia de Jó, a perda instantânea de seus bens, de seus
filhos e de sua saúde.
Jó, porém, não blasfemou contra Deus, cm vez disso, ele se
levantou, rasgou O seu manto, rapou a sua cabeça e, lançando-se em
terra, adorou ao Senhor, e disse: "Nu saí do ventre da minha mãe:, e
nu tornarei para lá. Deus me deu, e ücus tirou; bendito seja o nome
do Senhor" 0ó, 1:20-21). Deus permitiu que Satanás ferisse Jó de
96 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

úlceras n1alignas, desde a planta do pé até o alto da cabeça Qó, 2:7).


Após a narração desses fatos, sucedera1n debates entre Jó e seus amigos
(Elifaz, Bildade e Zofar) sobre a grandeza dos propósitos da divindade,
sobre os mistérios da vida humana e sua culpabilidade. Ao final, Deus
aparece a eles e repreende-os, e Jó fala: "Antes eu Te conhecia de ouvir
falar, inas agora n1eus olhos Te veem". Nessa passagem bíblica de Jó
fica clara a parceria antagônica realizada por Deus e Satanás, na qual
Jó permanece objeto dos dois imperativos, o divino e O demoníaco .
• A •

A passagem de Jó deinonstra que uma consciencia severa e


vigilante se torna apanágio de um h01nem moral. O supereu, diante
de um infortúnio de causas externas, faz com que o eu reconheça seus
pecados, eleva as exigências para com ele, impõe-lhe abstinência e 0
castiga com penitências. Civilizações inteiras, no passado e no presente,
comportam-se dessa maneira. Com efeito, Freud verifica que estados
originais da consciência não são abandonados e permanecem presentes,
mesmo depois da introjeção do supereu (FREUD, [1930] 1980, p. 151).

As º!igens do sentimento de culpa

. _Freud reconhece duas origens para o sentimento de culpa. A


primeira vertente surge em decorrência do medo da autoridade exter-
na e acarreta a renúncia das satisfações pulsionais. Na realidade, há 0
medo de ~ perder o amor da au t on·d ad e externa, p01s · o amor constitui
proteçao~ contra a agressão do castigo , uma vez que e1e e, o principio . , .
do perdao. Se o eu renunciasse ' nao
~ ô.. uavena ~ para temer a perda
• razao

do amor da. autoridade externª· E n fiim, esse sentimento . de culpa e,


. h ecimento da tensão ent re O eu e a autondade
o recon . externa. Ou-
trossim, temos
• . ~
que admitir ue .
q O sentimento de culpa nasce antes da
const1tmçao do supereu e da co nsciencia
. ,., . moral
A segunda vertente do senti .
ereu também d d , . nlento de culpa, originária do su-
P 1 ~' d eman a renuncias, entretanto exige . punições.
. Com
re açao ao me o do supereu, a renúncia . , ~
deseio inconscie t · Jª nao basta, porque resta o
da J , · n e .e, como nada fiica ocu1to do supereu a despeito
renuncia, e1e exige a puni ão d O ,
•liberta eu tamp .ç eu. Nesse caso, a renúncia não
O ' ouco a virtude egoica Ih -
supereu. Assim a · .e . ·a d e assegura o amor do
, u11e1ici a e exter na ocasional. foi substituída por
CAPÍTULO li - A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD 97

uma infelicidade interna permanente, pela tensão do sentimento de


culpa. (FREUD, (1930] 1980, p. 151).

A renúncia pulsional como fonte da consciência

Quanto ao fenômeno de que a renúncia pulsional reforça a


severidade do supereu, Freud esclarece que a consciência é a causa da
renúncia pulsional. Assin1, toda renúncia pulsional se torna fonte de
consciência e, cada vez que o sujeito renuncia, aumenta a intolerância
do supereu. Toda renúncia de agressão realizada pelo eu é acolhida
pelo supereu como agressividade dispensada pelo eu, incorporando-a
como crueldade. A essência da agressão renunciada serve de alimento
para o supereu se tornar mais agressivo. Destarte, a agressividade do
supereu tem duas fontes que se unem numa·só: uma externa, que se
internaliza, e outra interna, que se retroalimenta.
De acordo com Freud,. uma criança tem dentro de si uma
crescente agressividade vingativa contra a autoridade externa, que
a privou de suas primefras satisfações. Por conseguinte, a criança se
vê forçada a renunciar a sua agressividade diante de uma autoridade
inatacável, só lhe restando a possibilidade de identificar-se com ela.
Desse modo, essa identificação, uma vez internalizada, constitui-se
como supereu, assumindo toda aquela agressividade estocada, que
seria usada contra a autoridade. Agora, de posse e munido dessa
agressividade, o supereu inverte o jogo e redireciona a agressividade
contra o eu. No fundo, o relacionamento do supereu com o eu é o
retorno deformado dos desejos do eu para com os objetos externos.
Ademais, nunca é suficiente assinalar que, quando uma aspiração
pulsional é recalcada, seus componentes da libido se transformam em
sintomas, ao passo que seus componentes agressivos se transformam
em sentimentos de culpa (FREUD, (1930] 1980, p. 153)'.

O remorso

Freud distingue o sentimento de culpa do remorso. Na realida-


de, o remorso é uma variedade do sentimento de culpa, que também
e·xige punição. A diferença é que o remorso decorre de um ato sempre

Diç rt.1liz.1do c om CamSc,n ner


<)li ' ,1/1•1: 111 IJ lfJlflfl •IJ', li/V, ()l1 fl1f li,, 11 · •1 1r ' 1,,·,11W/
'J • ' -
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l não ) i;cntím(.;nt<J dt r'.:-m,,r-,,


exe<.:ut·1do e o sentimen to de cu pa, ' _1 , , d ~
. ' . . . dccorréncia ua pr~t1ca ~ um;i ~<;~,,
é s~mprc consciente e surge cm )'d d . ·
. ., , . . nsdéncia da qua 1 a e pcc~m m,r,~
1111 l'rcviament<.: Jª existia ª co ' , . .
.. . . tímcnto de c u 1pa e in c<m K 1c m,. t
CI •ssº ''te, IJor outro lado, o scn
e. · '- ... , · , 1 . , ·, da c1v1 . - ] j,,ado
, . 1zaçao, a<) compltx() , 1
cncontn-se na prc-11stona 1 b'
. d • ., ~
, ' · . ,nquo ao assassrn ato o pai prrrnt--,,J
Edipo e, de modo mais 1ongi '
(FREUD, [1930] 1980, p. 155).

.
o sentimento de cu IPa como cimento da civilização

Freu d am· d a come nta que O sentimento de culpa também serve



de cimento para um'fi1car O grupo ' e completa: o que começou
,
com
, .
o
pai· pnmevo
· e, fima lízado com O grupo.
. . Destarte, apos a em ergenc1
. a
do supereu comO uma instância omsc1ente, no caso_ do sentimento
_ .
de culpa, não há mais diferença entre praticar ou nao a açao, pois_o
conflito surge dessa ambivalência. Assim, no caso de atender o desejo
de matar o pai ou de abster-se do desejo de fazê-lo, o sentimento de
culpa se faz presente em decorrência da eterna luta entre a pulsão de
vida e a pulsão de morte (FREUD, [1930J 1980, p. 156).
No fundo, o sentimento de culpa nada mais é do que uma variedade
topográfica da angústia, reconhecida também como medo do supereu.
Contudo, no mínimo, é curioso pensar por que Freud não colocou
em seu texto o título de Sentimento de culpa, em vez de O mal-estar na
civilização, visto que seu conteúdo versa diretamente sobre a essência do
sentimento de culpa (FREUD, [1930] 1980, p. 159). É bastante plausível que
o sentimento de culpa não seja percebido corno tal, mas que em grande
parte apareça como uma insatisfação e, até mesmo, um mal-estar diante
dos objetivos inalcançáveis da vida. É digno de nota que muitos têm um
sentimento de insatisfação para com a vida. Talvez seja por isso que
Lacan propõe a satisfação como um dos índices do fim de análise.

A consciência moral

st
A e ruturação do supereu é decorrente da divisão do eu conrra
si mesmo, e _su~s exigências. A exigência de castigo se expressa como
uma angustia ligada ao objeto, que se manifesta como reprovações da

Cl~:olbl>do CO'TI comsconnc:r


CAPÍTULO li - A CONSTRUÇÃO DO CONCEIT
O DE SUPEREU EM FREUD 99

consciência moral para com o cu. Trata-se de um . . ~


• • A • ª recnmmaçao do
supereu ao eu e seu objeto. A consc1cnc1a moral tem e fi ~
· . orno unçao estar a
trabalho do supercu, p01s tem o papel
. <le patrulh:unent o e censura dO eu.
No fundo, o supercu
. abriga a função de consc1cnc1a ·.. · mora a,
1
medida que patrulha, Julga '
e condena os atos e os

dc~c·ioc
·' 'J ,
d A .
o eu. ss1m
qU'ltltO
· maior a severidade do supereu ou da conscie"nci
· ·a 01 ora 1, maior
· '
é O sentimento de culpa assumido pelo eu. A percepção permanente
do eu é avaliada de modo crítico pelo supercu que, através de impe-
rativos, determina que o eu atinja a perfeição. Destarte, 0 eu busca
realizar trabalhos cada vez mais perfeitos na expectativa de alcançar
um ideal, no entanto, nunca à altura das exigências do supereu. Assim.
qualquer realização do eu se torna motivo de estresse, de angú stia em
sua busca por reconhecimento. Entretanto, o eu colhe apenas uma
insatisfação pelos resultados positivos obtidos.
En1 resumo, pode-se afirmar que a fonte da agressividade do
supereu é decorrente de duas vertentes. A primeira advém da energia
agressiva da autoridade externa, que se mantém viva na mente do in-
fante, e a segunda, de uma energia agressiva do eu não utilizada contra
a autoridade externa e, posteriormente, desviada contra o próprio eu.
Contudo, o que se verifica numa análise é que as duas vertentes da
agressividade operam e1n harn1onia e de maneira indistinta.
No entanto, ainda cabe comentar sobre uma quota restante de
energia agressiva no eu, que não foi utilizada pelo supereu. Diante
de um supereu tão exigente e sádico, o eu se torna masoquista, em-
pregando essa quota restante da pulsão agressiva em sua destruição
interna. Em alguns casos, o eu, num arroubo de masoquismo, usa essa
quota de energia agressiva contra si mesmo na esperança de atendt!r
às expectativas do supereu, antes mesmo de ele demandar qualquer
punição. Esse n1odelo pode ser encontrado no comportamento do
escravo, que tenta adivinhar os desejos do senhor para satisfazÊ-los de
antemão, e no caso da criança que já corre para o castigo, antes que
0 pai lhe ordene que O faça (FR EUD, [1930] 1980, P· 162) . .
Freud conienta que a frustração das pulsões agress~vas ~o-de
elevar o sentimento de culpa. A frustração de uma .~gressao _erot~ca
exige uma agressividade contra a pessoa que interfenu_na satisfaça~.
Todavia, ·essa agressividade é inibida. Pode-se exemplificar essa teona

Dig lteli:edo c om Cemsc,,nne,-


, ,r pr: r r. r ur. oi=:;T1W:iS
100 SUPEREU I UEREPIJ"i: D.AS Or.lGE, ,., J :, ) e ,; -

· (1909) na passa.:-n•m
nas Notas sobl'e ,m, caso de neurose obsesswa ' · b - · em qu~
n O
o pai do paciente em questão, desaprova clo ro~a~.ce, interfc-re e-rn
· f: - , · com a J·ovem pobre, [,,.] Uma s;it 1·cca
1 -
sua sat1s açao erot1ca para . - , ; Ça()
1
erótica exige uma agressividade contra a pessoa que nterferiu na
satisfação, e que essa própria agressividade, por sua vez, tem guc \er
recalcada" (FREUD, [1930] 1980, P· 163).
Assim, diante do amor que nutria pelo pai, ao sujeito nã()
restou alternativa senão recalcar a sua agressividade. Desse modo, a
agressividade é transformada em sentimento de culpa, v isto que foi
transmitida ao supereu. Considera-se que essa passagem, entre outras,
explica o fato de o Homem dos Ratos ter um supereu tão rigoroso e
agressivo. "Na literatura analítica mais recente, mostra-se predileção
pela ideia de que qualquer tipo de frustração, qualquer satisfação
instintiva frustrada, pode resultar numa elevação do sentimento de
culpa" (FREUD, [1930] 1980, p. 162).
Os sintomas, de acordo com Freud, são satisfações substitutivas
para ~s desejos sexuais não realizados. Assim, quando uma pulsão
expenmenta um recalque, seus elementos libidinais se transformam
em ~intomas e, em contrapartida, seus elementos agressivos se tornam
sentimentos de culpa. Então, cabe considerar que a neurose utiliza
uma quota de sentimento de culpa e uma quota do sintoma fazendo
uso deles co~o ~unição (FREUD, [1930] 1980, p. 163). ,
sint Ademais,
,. e necessário clarear esse fenô meno, uma vez que os
ornas tem um equivalente de t.15f: ~ ~
sexual recalcad C . ~a açao e sao substitutos da pulsão
a. orno toda pulsao sex 1
ta de agressividad ua carrega consigo uma quo-
e, ao ser recalcada 1 d ., -
Esse caráter agressi d _ ' e ª per e seu carater agressivo.
vo esmembrado d 1·
em sentimento de ª sexua idade é transformado
. cu1pa que, por sua v . .
substituto da pulsão N lí . ez, retorna cativo ao sintoma,
sujeitos agarrados de t
. a e nica
d

' por iversas vezes, encontram-se
.
tentativa de libertá-lo
ª1mo o a seus sintomas
· .
que, diante de qualquer
s, emerge um fl agrante sentimento de culpa.

O supereu social

. Freud
. , comenta que a vi-d a orgâni 0 , .0
do md1v1duo e sobretud ca, desenvolvimento ps1qu1c
o o processo d e cu1tura foram desenvolvidos

Oi9 i:oli2000 com ComSc annCf


CAPÍTULO li - A CONSTRUÇÃO D
O CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD 101

g raças à luta .entre Eros e a pulsão de mort,e. 0 1antc


. .
disso ·d
que, ao coteJar a gênese do indivíduo coi 11 tê ~- ' conSI era-se
. • 1
evidencia-se que a cu tura se constitui at ,. <l
ª ormaçao da sociedad e,
, d . I raves e uma empreitada
L

atribmda ao eseJo 1umano [Eros] com , t'


· , . cs •rnu 1os <la necessidade
[A11a11ke]. Assun, faz-se necessano frisar qu ~. ,
. e e apenas com essa díade
[Eros-A11anke] que se 1na111festa a condição do p · , • d .
_ , . nncipio a realidade.
O resultado da fonnaçao ps1qmca do indivídu 0 t
, . em como 6ase um
programa sob os ausp1c1os do princípio do praz ·
. . . ~ er, que visa a 6usca
da felicidade. A 1ntegraçao e a adaptação a uma so · d d
. ~ . c1e a e surgem
como ~ond1çao sin.e _qua non para que a felicidade almejada possa
ser obtida. Com efeito, a felicidade é o resultado entre uma pre-
mência ~goísta dos desejos particulares do sujeito em busca de sua
satisfação e a premência da cultura sobre o indivíduo, que contribui
para uma sociedade justa e igualitária de maneira altruísta (FREUD,
[1930] 1980, p. 165).
Com efeito, a felicidade só acenará para o indivíduo à medida
que seus objetivos estiverem em concordância com os objetivos da
comunidade em que ele convive. Sendo assim, indaga-se por que o
indivíduo cede em seus desejos particulares, se não coincidem com
os interesses da sociedade, abrindo mão de sua felicidade em prol de
uma comunidade. Em contrapartida, se não cede nos seus desejos
discordantes com a sociedade, também não encontrará felicidade, dado
que a sociedade empregará todos os recursos para privá-lo de seus
objetivos. A única resposta que se encontra é o fato de que o supereu
teve origem na mesma época em que se desenvolveu um supereu
cultural. E segundo Freud, esse supereu cultural é moldado pelos
líderes que passaram, ao longo da história, delineando a construção
de um_a cultura (FREUD, [1930] 1980, p. 166).
O supereu cultural elaborou seus ideais, assim como estabeleceu
suas exigências de sorte que procurou situar, através de uma cenSura,
~
as relaçoes '
entre os seres h umanos. E ss e controle de qualidade. das
~
relaçoes entre os homens, d es1gna
. - do d e ética , visa uma tentativa de
" ~ h e entre o homem e a so-
terapeutica das relaçoes entre os omens . . , .
·d de estabelece 1dea1s eticos
ciedade. O supereu cultural, com seven ª • .
com a capacidade que cada
para serem obedecidos, sem se preocupar
· " cias Na verdade, o supereu
sujeito tem, para atender as suas exigen ·

lltt;11tahu,do eom camScarne,-


102 SUPEREU \ UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS
\

cultural toma como princípio que O eu t,em plenos_do~ínios sobre 0


· A · sup· ereu cultural atraves da e1v1hzaçao, exige m .
isso. ss1m, se o ' st ais
obediência que os seres humanos possam pre ar, eles se tornam re-
voltados neuróticos ou infelizes (FREUD, [1930] l980, P· 168).
N~ realidade, o mal-estar na cultura se mauifesta em decorrência
de um poder que iuterfere na subjetividade do ser humano, visto que
o poder coletivo é reconhecido corno direito, ao passo que o poder
de um único i!ldivíduo não é reconhecido senão sob a ótica de um
egoísmo e de uma força bruta. Com efeito, é preciso dizer que, para
participar de uma cultura é necessário pagar com urna subjetividade
masoquista, aceitando o poder coletivo, visto que se confluem as
exigências de um supereu cultural e o mal-estar decorrente da culpa,
e da perda da possibilidade de atingir a felicidade. Portanto, o poder
individual é substituído pelo poder coletivo, onde a comunidade
majoritária arroga ao poder de· legislar uma coerção pela violência
contra outra comunidade minoritária. A questão que se coloca é
até que ponto a cultura poderá dominar a perturbação de sua vida
com~ni_tária, causada pela pulsão de morte sob o viés da agressão, da
v10lencia e da destruição dos menos favorecidos.

O sentimento de culpa como


contribuição para a religião cristã

A religião cristã contribuiu e . . .. ~


vez que ela nunca ' muito, para a c1v1hzaçao, uma
re1egou ao segundO 1
religião propõe redi . h P ano a culpa do homem. A
mir os omens d .
que traduz sentiment d l esse sentimento, na medida em
O o e cu pa por p d O
sua culpa através da co fi ~ , eca o. homem, ao assumir
. n issao, e perd dO 1
vidado por Deus a part' lh d . oa pe os seus pecados e é con-
i ar a ceia d O h
de seu filho, que foi sa . d sen or, através da comunhão
cn61ca O na c . . .
do pecado original (F ruz para redimir a humanidade
REUD [1930] 19
compreender a enunciaç~ . '"J 80, P- 160). Assim, pode-se
ao. esus mor "
como um perdão de D reu na cruz para nos salvar
eus para com h
morre na cruz para salvar ah . os ornens, uma vez que Cristo
com are1·1gião
. cristã D . umanidad e d a ua
. de Deus. De acordo
, eus imola O , .
aos homens. propno filho con10 ato de perdão

Di!,lil ali,ei,tJu com C1:1mSc a,MltH


CAPll ULO li - 1\ CONS11~\ ICAO [)(l CONCl"l ro n,- SUPíREU EM FRFUD 103

A religião como reservatório do supereu

A partir do exame de Freud, pode- se propor que a rc.: Iigi;io í...·


uma espécie dt! viveiro do supcreu. A santidade e o sagrado, elt:v.idos
à condição de um ideal, vão ao encontro da rei igião. E11t:io. tudo que.:
é religioso é sagrado. Esse é o cerne da religiosidade. Fn:u<l cx.imtn,,
a sacralidade pelo viés proibitivo. O sagrado é algo que n:i o se pode
tocar nem possuir. A proibição sagrada tem um tom emoc io nal fo rce.: ,
entretanto se1n base racional alguma. A civilização conhece a proibi-
ção como autoevidente, porém sem base inteligível. Freud interroga
o porquê da proibição ao incesto em relação a uma filha ou a um~1
irmã, visto que não há un1a explicação razoável para o fato , mas ape-
nas fortes reações en1ocionais contrárias (FREUD, [1937J 1980, p. l43).
Freud comenta que em antigas civilizações, tais como as egíp-
cias, com os reis e seus deuses, assim como os de outras religiões -
grega e germânica - com frequência praticavam o incesto. Diante:
da evidência do incesto presente na lenda de deuses, reis e heróis.
pode-se dizer que não há riscos consanguíneos comprovados, a não
ser em raras exceções médicas. Por outro lado, não há um sentim~nco
naturaf como base do horror ao incesto. Enfim, a base da exogam ia
e do horror ao incesto se encontra na vontade do pai primevo, que
perdurou mesmo depois de ele ser afastado. Assim, tudo o que ~
sagrado nada mais é do que um prolongamento da vontade- do pai
primevo. Freud comenta que há uma ambivalência dirigida ao pai
primevo, pois ele é imago de admiração e identificação, assim como
objeto contra o qual se dirigem a revolta e o ódio. Assim, a palavr~
latina Sacer significa não apenas sagrado, consagrado mas também sa-
cripanta, infame, desprezível e detestável (FREUD, [1937] l980, p. l 44).
Se, por un1 lado, a vontade do pai era algo que não podia ser
tocado, por outro, era algo que devia ser elevado com respeito à
condição de ideal, recalcando todas as pulsões amorais. O homem,
quando cun1pre os mandamentos diante do sagrado, aceita o símbo-
lo paterno. Portanto, 0 homem sucumbe à vontade do pai, mesmo
submetendo-se aos nlais penosos sacrifícios. Assim, concluindo a
explicação da origem do sagrado, pode-se compreender que a base da
ética entre os homens, mais do que uma necessidade coletiva, de modo
1()11 !i\ 1111 Ili·\111111111'1 I',: \l/1', !llHl il \llf, {\( I', ',I 1/', 1JI '1111'111',

o destino como expressão do supereu


Retornando no conceito do supcrcLt, pod C;! ,,tl<: :Hl/lÍ1_rnlar q11t: d ,
·ti·, ,,, ,.. -• -' sc>rt·c lnid r,d111cntc ni-m11rnl:i~:ir.! 11111:
se expressa coJ110 t 1cs 1,. . ., 111,1 · , ·
, c, "> "LI .. ,.,.,1c.lo1· com o S(.!Jltimcnto de :1ng(rnfr1 L:
o supercu aton11t;. 11 ,1 ,. ..., 1., ... ..,, · , ,
fica ;'i t:spcra ck oporttmidades para fazê - lo ser P~'.n,do pelo nrnndo
externo. Mesmo a virtude do cu nã.o 6 rccon hcc1da pelo 1WJ'> (~n:11 e;
perde a recompensa p1·ometicla. O supcrcu pode se expressar rei:, mft
sorte, pela frustra~:ão externa. Se tudo vai bern, ao cu é pcrmítído
fazer todo o tipo de coísas. Entretanto, se o infortúnio sobrevém, o
eu reconhece que é um pecador, eleva sua exigência para com .ma
consciência moral e se impõe todo o tipo de expiação. Trata-se de
um estágio in.fàntil da consciência, o qual não é abandonado depois
da introjeção do supereu (FnrmD, [1930] 1980, p. 1.49).
O destino é visto como agente parenta], de sorte que o SL\jeíto
se sente desafortunado e não mais amado por essa autoridade. Uma
vez ameaçado pela perda do amor, m.ais uma vez se curva ao destino,
Pois o destino, muitas vezes, é visto com.o expressão da vontade di-
vina. Inúmeros ditados populares expressam o supereu como destino
na presença de uma autoridade dividida, "Na vida o que aqui se faz,
aqui se paga", "Essa é minha cruz que tenho de carregar", "Esse é 0
meu karma", "Deus quis assim", "Essa é a vontade de Deus, o que há
de .fa.zer?", entre outros. Essas são, na realidade, expressões de cunho
rehgwso que demonstram a face resignada do homem desafortunado
frente a Deus (FREUD, [1930] 1980, p. lS0).

Conclusão

À g~i~a. de concl~tsão, assinala-se que O mal-estar na âvífízação


pode ser d1v1chdo em duas partes·
· • a pri·me1ra
• denom1na-se
. O mal-estar

CAPÍTULO li - A CONSTRUCAO DO COIKEITO
DE SUPEPEU E ,i FPEUD 105

"da" civilização. Ou seja, a contração da preposição 1, .


· <' com o artigo
a assegura que o mal-estar é:: decorrente c.Ja cultura .
' e ex pressa su a
exigência através de um recalque da agressividade e da scxualidad
) e
inata do homem. 1ortanto, trata-se de um recalque

que v d e
e m e rora
para dentro, alcançando a inclinação do homem em seu recôndito.
Nesse caso, pode~se ver a civilização como um grande Outro que
não tolera os desvios do anelo humano, sustentado na sexualidade e
na agressividade.
A segunda parte do texto pode ser denominada O mal-estar "11a"
civilização como Freud propõe. Ou seja~ contração da preposição em
mais o artigo a, assegura que o mal se encontra, verdadeiramente, no
c_2pçã~ do home~ devido ao processo inexorável do fil..al ue. O
resultado da operação do recalque do complexo de Édipo propicia o
surgimento da cultura, decorrente de um sentimento de culpa. Esse
sentimento de culpa, em grande parte, não é percebido como culpa,
mas como mal-estar. Com efeito, o mal-estar causa uma i!}adeguaçª-.~
da possibihdade de viver_bem consi~o m_e_sm_o _e_c_o_m._~eus se_mel]i?nte~
É na segunda parte do tex to que Freud disseca o conceito do
supereu e o alinhava à agressividade e à pulsão de morte descrita na
primeira parte. Pode-se dizer, enfim, que a ag~ ssividade é a ~ssência
do supereu, o material pdo qual ele é constituído sua força motriz.....A_
~erdade do supereu é que ele é sempre a expressão ú!!!m._a_d~ I?_ulsão de
1!1~- que se manteve retida em silêncio no Í~terior-doser humano.
Se, por um lado, o supereu tem sua mascarada face de tonalidade
obscura pela pulsão de morte, por outro lado, ele desvela sua face
reluzente de um ideal do eu.
Ademais, 0 supereu do declfoio do complexo de Édipo também
serve de base para um desenvolvimento formidável de um modelo
ético cultural, já que os efeitos do imperativo categórico, em cada
líder e em cada homem, são incorporados à cultura, de sorte que pro-
movem um supereu cultural, cujo modelo ético se encon~ra exp_resso
sob os modd os dos ideais da sociedade. Em contrapartida, sep no
homem singular, seja na sociedade, sobra um reS tº' um real, ~ ~ual
01

. d sobra de gozo que prop1c1a o


U .a~tr_ação não ºP-er~,. de1xan o uma ' ,. .
-- -- . ·ncrustado de uma essencia
retorno do supereu arcaico. Esse supereu, i ' . .
' d· · ·
Sa ica, Joga com o 1rrecuper
ável e fustiga o eu de maneira smgular,
'

DíAital izaclo com Cam Se.,N'lel'


e EU'- [;l= ST :~!JS
0RIGEl~S AOs .;J : , -
106 SUPEREUIUEREPU~DAS

. do gozo. Essa 1Tiod.a):à2f:t ~:::·\~-


.
.d d do imperativo .. --.
sob a moe!a1I a e gozador medi.o..do !'"-<« - --· -:
. . T - um supereu ' : -- ¼ ,

faz surgir, na c1v1 izaçao, . e. - es da escatologia, <l2 }-;~:"r .\ -:. :,


, das manuestaço . . . :::: •-✓--
de morte, atraves - .
róx1n10, ,.d,, violenc1a ao·
. . d1 -·
. . ,~. "' .· ,
" ·t ·
da guerra, da agressao ao p
espírito destrutivo dos povos.

A violência e o poder
. ,. . d . são máscaras do supereu que 11v:de:: 5('1,
A v10lenc1a e o po er . ,.
. .tO de violência é an1plo, diverso. ~ e5t..a ~ "::::-·
bre a soe1edade. 0 concei . • . . , ':
. . espeito Ademais, o conceito de , ·1 .e::..::.;
de existir um consenso a r · , .
itos de caos de transgressao, de d ~-s rue: 1.
se confiunde com os Conce· '
· ·d d de coerção • Portanto , é preciso circufücr~,-c-, ,~
d e agress1v1 a e e
minimamente. A violência não se encontra na natureza, porunm ~
um produto da ·civilização, da linguagem e do huniano. Unu t d .l
que rola e esmaga uma casa habitada ou um tigre que deYor~t br,\ \
de um menino não são atos violentos. Esses fatos são consid~.t\Kk.~
acidentes, mas não violência. Portanto, a violência é u1n ato inttr-
pessoal, sobretudo calcado nas relações sociais.
Cabe assinalar que a violência é mn ten1a an1plo e ~,br~ µ~u-.\
diversas discussões, como a de violência evitável e inevitável, impli-
cita e explícita, justificável e injustificável, construtiva e destnltt\':t
violência como defesa pessoal e con10 ataque ao outro. Num dd);\té
mais amplo, temos graduações e classes de violência: viol~nÓ;\ mor;\L
psíquica, sexual, econômica, ideológica, entre outras.
No assassinato do pai primevo, nessa violência fm1d;,dor;\, t'Sd
contido O primeiro ato que institui a hun1anidade (l::rrnun, ll9 UI
1980). Porta~to, no princípio era o ato. Desse n1odo, ~ viol~m:ia}
1
--~ 1J.~~t~ u~s!~d2~Lsk1J?-»tn~.2ffi.~4.~ É digno de nota o papel tfa vio-
lenc1a
. ·~
nos mitos e nas r e1·igioes. A B'1blia
• esta, repleta de ~Xt'tnj)11s t·
violentos:
. · tO d e Ab el por Cauu
desde o assassina . até a crucit· ·1c:1~··,tt
'1
de Cnsto. Nos gregos ' d e acord o com Platão, a violência . e, u<.:VH
J • 11
l
a um erro revelado pelo
, , mun
d d
°
a doxa. O 1nais justo dos houtcll ,
, 5•
Socrates, e condenado à t · • d LJJ t··io
. ,. . mor e II1:Justan1ente e a resposta e :1 '
para a v10lenc1a do Est d0 , 1·
. . ª e a 1nguage111 da verdade, do idea 1e d·1 '
sabedoria. Na idade m 0 d o
erna, com Thomas Hobbes, se inst:iuríl
CAPÍTULO li - A CONSTRUCAO DO CON
CEITO DE SUPEREU EM FREUD 107

stado de sociedade versus o estado de natureza A . .


e . .. · ss1m, a sociedade
tem O papel de c1v1hzar a natureza do homem
. . • que se expressa no
aforismo homo lwn11nt lupus.
Diferentemente de Freud, Hobbes não acred·t
1
. • ava que os ho-
mens se odiavam, mas que eles se invejavam, desejando os bens
alheios (AKOUN, 1999, 565). Portanto, Hobbes pensava que a socie-
dade era _fruto de u~ estado de :iolência natural e tinha a função
de organizar os desejos e submete~los a uma lei comum, mediante
ao Leviatã, detentor da força. Hobbes se inspira no Livro de Jó (cap.
40-41) para designar o Estado com o nome de Leviatã, que significa
literalmente crocodilo. Aliás, com a finalidade de coibir a violência
'
Hobbes pregava que o homem deve, primeiro, "seguir o preceito de
buscar a paz"; segundo, "renunciar ao direito natural sobre tudo"; e
terceiro, "cumprir todos os acordos impostos pela lei renunciando a
todo direito natural" (REALE, 1980, p. 499).
/Contudo, tanto em Totem e tabu (1913) como no Mal-estar na
civilização (1930), Freud é consignatário de Hobbes no sentido de que
a viol~ncig; e a culpa são fundadp_r~_s~dgJei e, portanto, d~~~~i!~zaç~
(FREUD, [i930] 1980)_,IN'a segunda tópica, Freud ressa!ta que a pulsão
de morte expressa pela instância do supereu se manifesta_sob as mais
diversas formas de violência, não apenas sobre o mundo externo como
sadismo, mas particularmente, retorna sobre o sujeito com tonalidades
masoquistas (FREUD, [1919] 1980).
A violência, que tem no seu substrato a pulsão de morte, é
expressa em toda a sua plenitude com a guerra. Freud escrevera dois
artigos sobre a guerra. O primeiro, Reflexões para os tempos de guer-
ra e morte (1915), foi escrito logo após o início da Primeira Guerra
Mundial. o segundo artigo, bem conhecido, denominado Por :ue_ a
guerra? (1932) foi escrito em resposta a uma troca de corres~ondenc1a
em favor de um convite de Albert Einstein que Freud se JUnt~sse a
ele em prol da Liga das Nações, para constituir um es~orç~ conJunto
_ d "[ ] a guerra e p01s, um ato
para a paz mundial. Pela razao e que ·.. ' ,
de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se a nossa
d em virtude de sua des-
vontade" (CLAUSEWITZ, 2010, P· 11), Freu ' . .
. se sentia um tanto pess1m1sta
coberta sobre as incidências do supereu, ~ d
.d e em virtude de a pu1sao e
nessa empreitada. Freud cons1 erava qu '
OS C(·U · OF. 5 íiNOS
lOB SUPEREU I UEílEPUS. D1\ S ORI ,ENS t\ . .

. . , io sei' hutuano, que ;1s lds s~o feitas P~I


te se encontrar na l,.1sc t . 1 ris
mor . , J
, , ·,;e hto u x,1
,· ,. ,,ouco espaço para aquc cs que ,e en~
governantes, t tS. ' . . ~ (I-: . ,n l l<J32 I l9KO p. 248) Af'
... 1 J ' ' llJCIÇ 'IO ru •. l ' , . Jn;i j
c0 ntram em rsLH O uc s • · _ . , , , . ,. , . '
.. . ·m 't S s:10 JttStéllll 11tc o s I cspomav ' l'i p
os c;cn hores cb 1rucrrn e l l,1s ,11 , . . . .. . , or
·· ' . F . ,mi conclui p:1ra E111~tc111 que cst:1dcc;tin:irl-i
zel,u pela p.u. Adcn,ats, te . . ,. . " . .
• l , .. . . de substttu ir a forç;-i rea I pcL, forç., cb,; 1dcí.,-
:t0 lr:tca~. o toua tc11tat1v,1 · ,
(FREUD, 1}932] 1980, P· 251). . , .;- , .
. · ~ ·. ,
A , , 101encu e e. . e ~
ss ·
, iic· ialmente uma rntervençao f1"1 ca de urn
. d' 'd
111 . !VI UO OU '-
grtt}JO sobre um indivíduo ou grupo .
e também crrn tr,t
~ .

s1 mesmo. a1 a p . qtte 1 ,ia
1,._, violência , deve haver mtençao, po t'i ela tem
a fin alidade de coagir, atacar, defender, ofender ou d estru ir. Um :i 11
não intencional, mesmo que cause dano a outrem, não é v iolência,
como um atropelamento acidental. Contudo, se alguém joga o carro
sobre outra pessoa propositalmente, esse fato se torna um ato vio-
lento. A violência é exercida contra a vontade da vítima. Um ato
cirúrgico não é mna violência, porque, mesmo havendo lesão, houve
consentimento. Ademais, a violência pode ser direta, quando se acua
sobre o corpo da vítima, ou indireta, quando a intervenção ocorre no
ambiente fisico, como o bloqueio de todas as saídas de determinado
espaço, danificação, destruição ou subtração de recursos materiais.
Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: o consequente dano e
..
trauma de um indivíduo ou grupo (BOBBIO, 1986, p. 1291).
Um sobrevoo realista na história revela que a violência está na
origem da constituição de todo e qualquer poder de Estado e per-
manece inseparável dele. Na implantação de todo regime, 0 poder
se apresenta sob a forma da violência (MORA, 2001, p. 3024). Porém.
uma vez estabelecido O · • l" . , .
regime, a v10 encia e autolegit1mada como
poder. O Estado como aquel d , , . .. -
, . e que etem o monopolio da v101t'nCIJ
legmma purifica e tra · " .
• A • nsmuta a v10lenc1a en1 poder, de cal sortc- qut> 3
obed1enc1a e a subordina - ,. .
, çao po11t1ca podem ser livrem ente aceitas t'
ate certo ponto livre 1n .
. . ,_ ente perdidas (WEBER, 1944, p. 695).
Assim, a v1olencia de
- . cerro modo foi recalcada pelo Estado, m:15
nao 6 cou esquecida pois el
, '. a retorna de diversas formas como sinrorna
ou como uma especie de . d
retorno da . IA . d retorno do recalcado. Uma das maneiras o
v10 enc1a entro do E t d 0 fi ., . o
estado de - s ª e ora da lei e conhecida como
exceçao. 0 estado de - r
exceçao geralmente é autoproclamado Pº

Oiy i(1;1li ,ado t--0111 ~ 111Sct1rn~r


Ct.FÍTULO li - A CCt ST~UC.õ.O DO CONCEITO DE SUPEREU EM FREUD 109

quem se julga acima da lei e pretende poderes excepcionais, portanto


se trata de uma legalidade ilegítima. Com efeito, 0 estado de exceção
constitui estrutura topológica, de tal sorte que O "Soberano é aquele
que decide do estado de exceção" (SCHIMITT, 1988). O estado de
exceção se inclina a se estabelecer como paradigma dos governos do-
minantes. Portanto, surge um deslocamento do que era para ser apenas
uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo
permanente que ameaça a estrutura das divers;s constituições. Nesse
sentido, o estado de exceção se mostra como lugar de indeterminação
entre a democracia e o absolutismo (AGAMBEN, 2004).
Recentemente, num estado de exceção, torturas humilhantes
em Guantánamo e Abu Ghraib foram praticadas em nome da demo-
cracia (ZIZEK, 2014, p. 138). Segundo um estudo publicado em The
Guardían, o lado obscuro da psicologia no abuso do ínterrogatórío 21 psicó-
logos americanos colaboraram intensamente com os interrogadores
identificando e explorando os pontos vulneráveis dos prisioneiros. A
Amerícan Psychological Assocíatíon (APA) oficialmente rejeita a tortura,
mas em contrapartida, apoia o papel de psicólogos nesses interroga-
tórios forçados. 22
A vioiência também pode reaparecer como esforço da lei com a
finalidade de defesa da ordem pública. Portanto, a violência nega mas
também afirma a lei e a ordem. Ela implica a ideia de uma perturbação
da ordem mas também surge como um instrumento paira a manutenção
da mesma ordem. Entretanto, quando a violência está a serviço da lei e
da ordem, não se pode dizer exatamente de violência, mas de dominação
e poder de Estado, salvo os estados de exceção, como o próprio nome
afirma. Então, presumimos que violência é o uso ilegítimo da força
particularmente quando está abrigada fora do e~copo da lei.
Destarte, podemos supor que a violêncLa_t m:n.1 eio, e não
um fim (SoREL, 1908). O ato violento produz u~n ~oz_o e: portant~,
a violência produz fascinação. A fascinação da v10l:nc1a visa, atraves
de uma 1n· t ervençao
~ dt'reta , a satisfação
· pelo sentunento de poder,
embora violência e poder sejam d~stintos, visto que o poder muda
a vontade e O comportamento do outro.' e a vi_ol~nci_a provoca m~a
- d anosa d o cor po no outro · Assim, a v1olenc1a produz
alteraçao . _ fasci-
.
- ·1 - d d
n açao e 1 usao e po er, 1n as não é moder.
r Ela causa fascmaçao, pms

01111to1lluw;l0 com CamSC,11nner


• .J 1
, d o para a o b·encio
sugere ser um meto 1- • ·•
do

ooeiL •
., _ __ .,. .,.,
~-
, · d - de-ais p1ev '""c-::n i !'~1 --tn :,
neo, quando impera o d ec1mJo 0 ~ 1 " .. .:,_· • .,. ·-.>.·
. . . . 1.d . _ pr-omov,en1 o-=-'-'-en ... )
ídeaís ou os 1dea1s md1v uab, que . .
·<"'
fundamenta1mente de po der, d e po:-..-. ...,"' de __, , e rn
pres□,ea'

. · ....._anciuea em c e11ue.• ~
de notoriedade, mesmo que s.eJa llli ' •

comunidades (MILLER, 2013, P· 160). .


,-,, r .
P .•n
Um ato de víoléncía po de resu l . . ,__.. '- !I. crune • • •
s a- 5, (1ç ,i0-
-
lêncía que resultam em cnmes Pºdem -er t:
1aruras _
di..,rmtJS
,., •
5

do no, de borromeu. E XISLem


. .. aqueles atos de viokn 1a e r,e-5· t2.n

em crimes do imaginário e que O escidio do esp~ : é' 'C..'\."P J


particularmente, no campo da psicose, quando ª proJeç.a . e 2 mrroJe-
.
cão estão em Jogo; em segm·da, eXISLem
· ... '- aros de , ~ l~n i,1
aqu""les . que
, 1tam em cnmes
resu · sob O an -- 10 do simbólico como os assasilllams
"' gw
contra os monarCas , Presl.dentes e ~ ITT'andes lideres que assoh1.r.un 05
séculos XIX e XX, e cuja .finalidade era atingir e destruir um ideal;
e por último, existem aqueles atos de violência que resulcun em cri-
mes do real, que vão dos crimes serial ki/ler até os genocídios. como
os crimes cometidos pelos nazistas conrra a humanidade. Trc1ta-se de
crimes que não se compreendem pela razão! que não trazem bene-
ficios a quem os pratica, e seus objetivos não se ancoran1 no sentido
(MILLER, 2013, p. 153).
As intervenções pelo poder e pela violência obtêm efeitos dis-
tintos. Se, por um lado, a intervenção pelo poder pode gerJr efeitos
íntimos ou no comportamento, seja omissão, seja obed.iencia, s~ja
revolta, tanto_crença como descrença produzindo efeitos duradouros
ou não, por outro lado, a violência produz efeitos in1ediatos no corpo.
impedindo o sujeito de realizar algo socialmente relevante. além de
não conseguir fazer com que o Outro faça algo sociahnente relevante.
No que concerne à crença, a violência não se pode fazer corn que ele
acredite nem impedi-lo de acreditar en1 algo (BOBBIO, 1986, p. 1292).
Existem casos limites entre o poder e a violência. Nos casos
de poder coercitivo, a violência intervém sob a forn1.a de punição.
Quando a ameaça da violência não consegue a finalidade desejada,
ela sanciona a falência do poder. Então, se um pai necessita de bater
num filho para que ele lhe obedeça, acaba por revelar a impotência
de sua autoridade. A violência expressa a superioridade de uma força,
-------
( ,\l'lft'l li - i\ N~rnu .\ () e N ·mo OE SUPEREU E I F~EUD 111

n,.,s. 'H\ '--"'0t\tr,1p.ntitb rcn.-la a impot~ncia dt! suas ameaças em dobrar


'\ ,,,nt.hk do nürtir. En~1o, l]!t,1nto . ~- maior - _.. 11 c1·.•.
-·-.,. . a viol,'- .. 111 c ,. .' .
110rc::s S,\O ,l
,l\lt\: rid.H.i~~t' ~) p ~~kr ~t'g!.~n10. - ·
-- -· O uso da fut,·;1 podt' atuar dt' maneira indireta sob a forma
"k puni,. .à,.'I. ,1carret:1ndo sanções economicas. suspensão do afeto de
unu pes.so,1 ;unada. e..,oneraç:\ o de um cargo, destituiç:'io do respeito
f "f partt' do grupo ao qual o sttjeito pertence, entre outros efeitos.
Amiúde. de 1naneira coloquial, denominamos tais fotos de violência.
Contudo, nesses casos, con10 não houve violcncia física , é oportuno
designar essas relações de poder como coerção, opressão ou manipula-
ção. resen":cu1do o sentido restrito de violência apenas quando houver
dano fisico. Então, é de considerar que as formas do poder coercitivo
poden1 ser designadas de a1neaças de violência, mas não violência em
ato (BOBBIO, 1986, p. 1292).
No que concerne à ameaça de violência, sua eficácia reside na
crença do grau de sofrimento que o ato violento pode ocasionar no
sujeito e, em contrapartida, do grau de credibilidade do sujeito em re-
conhecer que o Outro possui meios para efetuá-lo e está determinado
a fazê-lo. Existe um aumento da eficácia da ameaça, caso o elemento
ameaçador, o Outro mal, tenha concretizado sua ameaça em casos
anteriores e análogos. A violência pode ser utilizada como exemplo de
demonstração de força para instaurar, consolidar ou ampliar o controle
coercitivo. A violência, nesse caso, é usada como uma advertência
geral, pois tende a consolidar todas as ameaças futuras. Por fim, dentro
do bojo da violência, numa dimensão temporal, temos três situações
distintas: a ameaça da violência, a violência em ato con10 ·p unição e
a violência demonstrativa usada como advertência.
A violência se manifesta sob uma gama de apresentações: a
delinq~ência, a guerra, os grupos com práticas violentas, etc. Deve-se
considerar O conceito de anom~a para pensar a violência. A anomia se
caracteriza pela dissolução e decomposição do laço social em virtude
do aumento de valores, que engendram e incitam uma violência capaz
de reinventar, a partir de signos pequenos os laços grupais, como as
gangues de delinquentes que permanecem à margeID; do laço social. O
laço social, para a psicanálise, é construído a partir de uma estrutura
de linguagem. Portanto, 0 laço social é efeito da linguagem, e onde

D gl'tel :r.ada com CemSC11nn«


112 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

, d , . :l d• , e do uso da palavra existe esgarçamento do


ha ec111110 e o w 1og0 . .
. l . • s se superpõe1n aos s1gn1ficantes. Onde
laço social, no qua os signo. · . .
. . . signo > s1gn1ficante.
h:1 violênc1a, temos o maten1.1. · · .
. . • -. l ..1 ineios se não de neutralizar, pelo menos de
A ClVl1tzaçao JUSC, ' .
. . · ., · A oposi·ção a toda violência, particularmente de Es-
cm6ir a v101enc1a. , , .
, · d - 0 violência ou pela política de n~
tado, se expressa pe1a po11t1ca a na ,.. . . . . ao
resistência, como a proposta da desobediencia ClVll, de Henn Thoreau.
Opondo-se ao senso con1un1, que considera a obediência· às leis e às
normas sociais como súmula da n1oral, Thoreau defendia que o dever
para com a própria consciência está acin1a do dever de um cidadão para
com o Estado. Dois exemplos marcantes de desobediência civil foram
os de Mahatma Gandhi e de Martin Luther King. A desobediência
civil não visa romper com todas as instituições, mas resistir às normas
de natureza não democráücas, em situações ocasionais e limitadas.
À guisa de cbnclusão, ª-..YjPI?..g~j_a ~ }!ffi~ çl,._~~m~scar~~ -~.9 supereu
~d,a P.l}!~ã-9.. de_m..Qrt~. g1;e vai de e,gs~:mt~ii,c~it~r;.-ê~~o suas cau;s
são múltiplas, possivelmente suas respostas também serão várias, de
todos o~ ti_pos e nuances. Além do investimento na esfera da segu-
rança publica pelo Estado, que visa coibir.a violência, fica a pergunta
~ que cada um tem ao seu alcance para lidar com a violência. Então
mdago se não é justamente nesse ponto que a ps1canahse · , . pode inserir'
a sua
, cunha,. fazendo valer O se u d·1scurso. A ps1canahse . , . não oferece
sa1das coletivas ' mas pode seguramente dar a palavra ao parlêtre um
a um, para que faça bom uso dela
. ..
fi .
com a 1nalidade de circunscrever
'
o trauma e c1vtl1zar a pulsão de morte.

Notas

'I Imprimadura: seria a primei' ra d ~


. emao de t' t .
uma imagem numa sup fí . . In a a reproduzir uma figura ou
er ic1e previa
também a palavra " imprimid ,, ~lente preparada . Poderíamos usar
· • . 0 para design e. . -
pnm1t1va do pai sobre O 5 • . ar O e1e1to da ação da identificaçao
UJe1to. De tal ". .
a ser gravado por meio de p ~ sorte que, unprimido" diz respeito
d . . . ressao, penetra d " . .
ª pnme1ra identificação sob 'n ° no animo, m cutindo a marca
io Na bl. - . . re o sttjeito (HOUAISS, 2002, p. 1585)
" pu icaçao ongmal em alem~
antes "• s·1gmund Freud. Die Id ao,. encont
. ramos vorher, p. 98, que signi•fi1ca
v IX p· h
· · isc er Wissenschaft. entijizienina V,..I X
º' e. :i: , Studíenausgabe Band I ·
CAPITULO li - A CONSTRUÇÃO DO CO
NCEITO DE SUPEREU EM FREUD 113

11 Pai morto: o pai morto é um conceito orig· , • d


mano e Freud ' ·
trabalhado cm Lacan. O pai morto é co~sidcr d0 . . ' porem muito
ª 0 pai simbólico insft1 'd0
como propiciador <la linguagem, da lei e da c 1 , ' ui
. . u tura apos sua morte como
pa1 pnmevo.

12 O problema econômico do masoquismo: "O sup , .• .


- creu - consc1cnc1a em ação
no cu - po d e entao se tornar dura, cruel e inexoráv l ,
. . , . e contra o eu que esta a
seu cargo. O imperativo
, . ,, categonco de Kant é • assim , o h erd e1ro
• d"treto do
complexo de Edipo (FREUD, [1924] 1980, p. 209).
13
Freud utiliza
. · ta1 e rea 1·1za uma
com precisão o conceito de estrutura do cns
analogia bastante avançada do entendimento do ser h umano doente como
um sujeito cuja estrutura é dividida.
14
Texto O inconsciente ([1915] 1980, p. 203).
15 FREUD, [10 mar. 1898] 1980, p. 377.
16
Carta à princesa Marie Bonaparte, no dia 27 de maio de 1937. Dados obtidos
em notas do editor inglês (FREUD, [1937] 1980, p. 79).
17
Segundo a definição do Dicionário Houaiss da língua portuguesa, culpa é a
responsabilidade por dano, mal ou desastre causado a outrem; atitude ou
ausência de atitude de que resulta, por ignorância ou descuido, dano, problema
ou desastre para outrem; ato voluntário, proveniente de imperícia, negligência
ou omissão, de efeito lesivo ao direito de outrem; na religião temos a culpa
como resultado de um ato itransgressor ou pecaminoso que torna o agente
um ofensor de Deus, indigno de sua misericórdia.
18 MARQUES, L. A solução das disputas. História Viva, n. 50, São Paulo,
2009. Luiz Marques. Os artigos do Código de Hamurábi descreviam casos que
serviam como modelos a ser aplicados em questões semelhantes. Para limitar as
penas, o Código anotou o princípio de Talião, sinônimo de retaliação. Por esse
princípio, a pena seria uma vingança não desmedida mas proporcional à ofensa
cometida pelo criminoso. E sendo assim "olho por olho, dente por dente".
19 São imagens de objetos distorcidos a que se atribui sentido. Exemplo: teste
de Rorschac'h.
20 A heterologia pode ser designada como a ciência do irrecuperável, p:oposta
por George Bataille. Trata-se de uma espécie de real. A heterolog1a s~rve
· · ' b'd d cºedade, a parte maldita, o obJeto
para designar os tecidos mor 1 os a so 1
· t o que está fora de todas as normas
. improdutivo, os restos, os excremen os,
(ROUDINESCO, 1998, p. 645).
21 • d' m> Acesso em: 06 out. 2014.
Disponível em: <www.theguar ian.co ·
22 . d da psicologia publicado na revista
Torturas e interrogatónos: o la o negro '
52
Psicanálise, n. 24, São Paulo, Mytos, 2014, P· ·
.,.

CAPÍTU t.O Ili

---
'--

,...

lllh-..
Dlgltollzcóo co-n C;;imScanrocr
117

Boi da cara preta


pega esse menino
que tem medo de careta.
Cantiga de ninar. Domínio público.

Com a descoberta do inconsciente e a invenção da psicanálise


por Freud, sem sombra de dúvida, os dois psicanalistas de maior en-
vergadura que mais contribuíram para a ampliação e a consistência da
elaboração teórica acerca de conceitos e técnicas psicanalíticas foram
Melanie Klein e Jacques Lacan, particularmente no que tange ao tema
que nos interessa. Antes, porém, é necessário dizer qiue não sou um
analista kõeiniano, tampouco um pesquisador da obra de Melanie
Klein. Contudo, convido Klein à cena, visto.que, de maneira indireta,
Lacan teria bebido nas águas kleinianas no que concerne ao supereu.
No entanto, como preâmbulo é necessário esclarecer alguns
pontos sobre Melanie Klein. O primeiro ponto se trata da teoria.
Diferentemente do que se considera, a teoria de Mdanie Klein está
relacionada não com o objeto, mas com o sujeito, particularmente,
no que concerne à fantasia. Pode-se dizer que em Melanie Klein "o
inconsciente está estruturado como uma fantasia" (LAunnNT, 1984,
p. 65). Logo, de acordo com Éric Laurent, contrariamente ao que
se pensa, ela operava não com o imaginário, mas com o simbólico,
imaginarizando-o. Melanie Klein imaginariazava o simbólico em
consonância con1 o senso comum.
118 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

, . fl
Lacan e 111 uenc1a o
- d de maneira substancial.por .
Klein em se
us
(1946) e A agressividade na psica ,1.
~extos A psiquiatria inglesa e aguerra _ . . na ise
, imeiros psicanalistas a apre
(1948). Aliás, Lacan esta entre os pr_ , . sentar
T.{" . de maneira sistematica e elaborada. Lacan en,
os resu1ta d os d e .r J.1elll . , . •u
1948 situa Klein como pioneira no ensino que abor~a o mais aquézn
. . d . ·ustamente ali onde o Isso nao fala. Ademais
do Imute a 1mguagem, J ,
" ta'di·o do espelho como formador do eu" está
Lacan ressa1~a que o es
conexo com o supereu precoce kieiniano ~LAUR:NT, 1984, p. 64).
·ar que "o inconsciente e estruturado como
Lacan, ao enu ncl
.
1mguagem ", re t oma seus comentários sobre a ação kleiniana. no caso
Dick, publicado em 1930. Lacan assinala que Klein promove uma
verdadeira ação do simbólico na criança (o grande trem papá, 0
pequeno trem Dick e a estação mama). Lacan assinala que com ~uas
intervenções Klein resgata a criança do real, forja o seu eu, estrutura
o Édipo e coloca em j ogo a significação fáhca (LAURENT, 1984, p. 64).
Klein operava com o simbólico para produzir o imaginário. Como
assinalado acima que "o inconsciente é estruturado como fantasia"
para Klein, todo esse esforço de reduzir as formações do inconsciente
ao fantasma tem consequências maiores na prática da interpretação. A
interpretação kleiniana promove a significação fálica e se articula com
o Outro da Hnguagem. Contudo, a saída da alienação para Melanie
Klein não é a separação, mas a reparação (LAURENT, 1984, p. 70).
Levando em conta a advertência, particularmente no que Mnge
à imaginarização do simbólico, tentarei percorrer os principais textos
de Klein, isolando e circunscrevendo os elementos decisivos de sua
elaboração do conceito do supereu, que de certa forma contribuíram
para a construção posterior do conceito do supereu em Lacan. Pro-
curemos analisar o conceito do supereu em Melanie Klein, contudo
usando a lupa lacaniana.
De saída, podemos dizer que Mdanie Klein propunha uma
técnica diferente, e não novos conceitos, tampouco princípios. Aliás, a
autora orientava seguir o método psicanaHtico proposto por Freud no
~ceante aos conceitos de pulsões, resistênc~as, transfe~ências, compulsão
a repetição ' além d a poss1·b·1·d d ' · de
1 1 a e de se descobrir a cena primaria
aco rd o co~ 0 texto História de uma neurose infantil (FREUD, 1919 [19lS]
1980). Klem asseo-ura
e
, · do brmcar,
va que a tecmca · proposta como mei·o

lltt;11tahu,do eom camSearne,-


C.~CiTUlO Ili - O SUPEREU PRECOCE DE MELANIE KLEIN 119

de acessar o _inconsciente infantil. era um recurso melhor adaptado à


mente da cnança e que, de forma alguma, dispensava os critérios mais
_ da _clinica freudiana (KLEIN • 1926, p- 163). se, por un1 Jad o, no
ri<rorosos
o
prime~o e~o~ Lacan ab~rdava o real pelo viés do simbólico, por outro,
Melanie ~em a.rcu~evia O real pela vertente simbólica imaginarizada.
Muito cedo, diante de um real na clínica, Melanie Klein se
interessou pelo conceito do supereu freudiano. Após a publicação da
obra clássica de Freud O eu e o isso, onde Freud introduz o conceito
de supereu, através do atendimento em análises de crianças, Klein
se deparou com um real no mínimo curioso: a culpa em crianças
pequenas, que age desencadeando o pavor noturno.
A partir dessa experiência, ela inferiu, em Princípios psicológicos
da análise de crianças pequenas (1926), que o supereu era constituído
numa fase bem mais precoce - segundo suas observações - na fase
do desmame, e não numa fase tardia, como herdeiro do complexo
de Édipo, como propunha Freud. Para Klein, o sup~reu primitivo é
formado a partir de figuras edipianas arcaicas e se compõe de várias
identificações decorrentes da mordedura infantil - conceito extraído
das elaborações de Karl Abraham - mediada pela pulsão oral, de sorte
que o Outro é devorado e incorporado.
Nesse texto, Melanie Klein se mostra otimista com a possi-
bilidade de a análise de crianças atenuar as exigências excessiv~s do
supereu, de sorte que "[...) possam se afastar os desejos canibais ou
sádicos anais, que agora podem adotar uma atitude crítica e bem hu-
morada em relação a eles". Seguindo sua linha de raciocínio, a autora
defende a ideia de que é possível colher o humor como resultado do
afastamento da criança de seu supereu. Ela afirma que"[...] já assistiu
criança muito pequena fazendo piadas sobre o fato de que, algum
tempo antes, elas realmente queriam comer a mãe ou cortá-la em
pedaços" (KLEIN, [1926] 1996, p. 163). Essa passagem é muito curiosa
e, sem dúvida, resgata a estratégia freudiana do texto O lnmwr (1927)
como possibilidade de lidar com o supereu e, em seguida, nos evoca
ao corpo despedaçado da criança projetado ~o <?utro materno.
Considera-se de fundamental importancia o humor, porque "
· 1a para uma poss1b1
assina · ·1·d
1 ad e d e maneJ•io com o superéu. Entretanto '
·
nesse caso d e1xamos um a pergunta·· o humor é um instrumento de

Dlçl'l.ali tado c:om C.llmSc:a·m,r


120 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTII' 05

manejo possível do supereu ou é um efeito, quando O eu se regozija ao


se safar da influência superegoica? Parece-nos que O doutrina freudiana
sugere a primeira proposição, e o texto kleiniano sugere ª segunda.
Em 1927, no seu texto Tendências criminosas em crianças normais,
Klein argumenta que as tendências antissociais não são decorrentes
de uma fragilidade do supereu, como chegaram a pensar Ana Freud e
pós-freudianos, mas devido a incidências de um supereu primitivo e
arcaico. Sabemos que é possível encontrar em relatos de análise uma
expressão do inconsciente pautada em estágios primitivos, enraizadas
no isso, em que são observados apenas em povos aculturados, como
vivências canibalescas e as tendências assassinas.
Klein comenta que existem duas pulsões decisivas para a cons-
tituição do supereu precoce. A primeira acontece quando a criança
passa pela incidência da pulsão oral - no sugar e no morder - fixando
essa inclinação devoradora e canibalesca; que não se relaciona apenas
à gratificação do desejo de se alimentar mas também com a satisfação
dos impulsos destrutivos da criança pelo viés do ato de devoração
(KLEIN, [1927] 1996, p. 199).
A segunda pulsão em jogo na constituição do supereu é a pulsão
anal em sua fase sádica, que, através da função excretora, se expressa
pelo prazer de domínio. A criança experimenta pela primeira vez o
sentimento de realização, poder e posse, na medida em que o Outro
(a mãe) demanda suas fezes. A criança se satisfaz, uma vez que se sen-
te capaz de produzir algo, uma obra. É nessa obra que a criança vai
projetar o seu sentimento de poder, controle e domínio, assim como
sua agressividade, sua crueldade, sua hostilidade e sua violência para
com O Outro, segundo o relato de uma análise na qual o sujeito se
enc?ntra com sua metralhadora de fezes em ação.
Então, podemos dizer que é a partir da conjunção entre a pul-
são oral-sádica e a pulsão anal-sádica que se constituen1 os papéis de
fu nd ação e de sustentação do supereu. N esse ponto, convén1 recorrer
~ Freud e a Lacan para acrescentar que existe uma terceira pulsão em
Jiogo, que atua como pivô, articulando as duas primeiras. Trata-se
da pulsão invocatona,
· , · no que concerne à implantação do supereu
pelo objeto voz · N os cap1tu
, 1os seguintes,
· nos debruçaremos so b re 0 s
ponnenores da pulsão invocante.

DIÇlltallzado com CamSeanner


-
CAPITULO Ili - O SUPER EU PRECOCE DE MELANIE KLElr 1 121

Por ora, pode-se dizer que a pulsão 'd·


. . ora1-sa 1ca expressa sob o
deseJO de mutilar, morder e cortar em pedaço , d. . .d
_ s, e 1ng1 a ao corpo
da mae. A autora argumenta que esse tipo d e. •
_ . _ e iantas1a surge sobretudo
contra a gestaçao
, . do irmao mais novo· Esse corpo a ser reta Ih ado é
0 corpo gravido da mãe. Sobre esse ponto n~ · pertmente
• .
_ , ao sena m-
dagar. se .nao_ se trata de uma
, projeção do corpo d a criança
· · a•
anterior
constitmçao do corpo proprio e do eu ideal.
Esses sentimentos de ódio e ciúme para co m os umaos· - vao -
gerar sentimentos de culpa, que acompanharão a criança, muitas
vezes, para o resto da vida (KLEIN, (1927] 1996, p. 202). Melanie
Klein contribui com a ideia de que essas fixações primitivas e sádicas
irão formar o alicerce de um saber inconsciente, vago e confuso na
criança sobre a relação sexual dos pais e o nascimento dos bebês, no
qual se incluem sem sombra de dúvida, a violência e a agressividade
(KLEIN, (1927] 1996, p. 204).
Se, por um lado, Klein sempre se coloca como discípula fiel
e legítima do professor Freud, por outro, ela se coloca como crítica
e adversária teórica de Ana Freud. Klein investiga o livro de Ana
Freud (1927) 23 e discorda ponto por ponto. Klein acusa Ana Freud
de ser "[...] pouco meticulosa em investigar e analisar" os casos e
"[...] de tirar conclusões equivocadas" dos próprios relatos clínicos.
Klein critica, de maneira ácida, a teoria de Ana Freud: a fraqueza do
supereu como responsável por todas as desordens de caráter social; a
diferença entre o supereu da criança e do adulto; o papel do analista
na posição de educador, capaz de guiar e corrigir a criança de seus
desvios; a técnica de jogar a criança contra pessoas com quem convive,
com exceção dos pais, para recolher dessa operação a transferência
positiva (KLEIN, [1927] 1996, p. 183).
Segundo Ana Freud, a neurose exerce uma contenção para o
eu, substituindo O papel do supereu frágil. Então, para Ana Freud,
a análise contém certos riscos de libertação do eu, de sorte que o
analista deve assumir O papel de educador. Em contrapartida, Klein,
com seu raciocínio mais arguto, pensa o supereu como uma superes-
, 1e0 fixo de conteúdo sádico e de caráter
trutu ra que possui· um nuc
imutável. Esse núcleo sádico imutável de fundo assume uma forma
duradoura e inalterada no cerne da superestrutura que, posteriormente

0 lgl~ li1.odo com ComS, onrw;ir


<-' v.,rk,s l'S t r,ltl)~ 111.ii~
de manc·ira grn<latt\'.\, v.,i sc•ndo cnmpt1 st,\ l'll\

superfiri:üs d; supen.'\\, rt•c0lhidos ,\ p:,rtir do ide:d dll l'II (K, lil N,


[ll)27l p. ,~-~).
t()\)6,
No texto 8stá.~1\1s it1in',1is d1 1 c1 111/lito cdit>i,llh', l\tkb11il· Kll'i11
(11928] tl.)96) vai t•xplicar a origem do sup~·rL'll ~·omo O 111 llllll'lltn
t'l\\ que ;\ criança, com cerc:l ck um ano, v:\l Sl' Sltu:i_r no ccnlrn dti
conflito edipi:1110, de scwte qut' esse conflito toma a torma do 111cd1..l
de ser devorada e destruída . Por outro lado, a criança t:ullbL'III d rsL:j;1
devornr e destruir, cortando em pedaços o objeto libidinal. Devido
ao nto canibalesco do objeto libidinal. agora a criança, n10biliza<la
pelo sentimento de culpa, desperta a angústia pda espera da puni\·fo.
Em~a. de acordo com o preceito bíblico da lei do talião - lei primi~
tiva ''do olha por olho" - no qual o inconsciente engendra e op<.:ra,
a cria nça te111e que o castigo corresponda à ofensa.
Por conseguinte, o supereu se torna algo que morde, devora <.:
D1\.1tila como nntes a criança o fizera. A autora comenta que a for111a-
ção do supereu se dá num momento em que as fases - ora 1-sádica e
nnal=sâdiça = clinda se encontram em ascendência, de sorte que facilita
que o sentirnento de culpa se fixe nelas (KLEIN, [1928] l996, p. 2l7).
A autora comenta, ainda nesse texto, que a pulsão ativada pelas
tendências edipianas retorna ao corpo da 111ãe. A criança, no momento
dn fase sádico...,anal, se sente ii11pelida a se apropriar do conteúdo do
corpo do Outro, de forma que desperta o interesse e a curiosidade
para com o seu corpo próprio e sua aparência. Nesse momento, Klein
comenta que, n partir da fase anal-sádica, ocorre em conjunto uma
preocupação com seu próprio corpo e sua aparência, de sorte que
surge um desejo de se apossar do corpo do Outro.
Oi ferentemente de Freud, a autora vai rec011 hecer esse desejo
infont.il de se apossar do corpo da mãe corno uma identificação inicial
com a m~e. Ao refletir sobre esse fragmento de sua teoria, podemos
diz~r que encontramos alguma ressonância na fose denominada por
Lncan de est.ãdio do espelho: é a partir de uma identificação i111a-
~innrin. e especular que a criança constitui o "moi" e a imagem do
, corpo próprio, desigõ1ada por L:-ican como i(a) no esquema lambda.
A fose de feminilidade vai ocupar, no pensamento da autora,
lllll:l posição privilegiada, desde seus trabalhos mais precoces até sua
CAPÍTULO Ili - O SUPEREU PRECOCE DE MELANIE KLEIN 123

fase tardia, como no texto O complexo de Éd 1· , I d , .


• . . P0 a uz as angustias
arcaicas (1945). Klein assmala que a posição fce 111 · · ,
ll1111a e encontrada cm
ambos os sexos. No caso do menino a posiç~ fc . . , .
, . , . '. · ao emmma no Ecirpo se
da no 1mcio, de sorte que coloca a criança int 1·111 1· d •
• _ L ;unente 1ga a ao se10
amb1valente da n1ae. Em contrapartida airida 11 , e.
. ,, , essa 1ase, encontramos
0 pênis do pai na mente do menino como u
111 obiie · to b · 1
'J om e cnac or,
que lhe trará satisfação libidinal. Se reduzi'sseinos O t t · ·
con ex o 11nag1-
nário dessa passagem, "o pênis do pai na mente do menino como um
objeto bom e criador, que lhe trará satisfação libidina] ", estaremos
diante da tese de Lacan sobre a entrada da criança na significação
fálica. Mas, Klein nos apresenta um viés imaginário do simbólico,
quando ela ressalta que essa posição, inicialmente homossexual, que
contém aspectos de uma imagem tranquilizadora do pênis como
órgão criador, é uma pré-condição para que o menino desenvolva
futuros desejos positivos em refação à figura paterna. Nesse momento,
os desejos estão vinculados ao objeto materno (KLEIN, [1945] 1996,
p. 455). Lacan em a Significação do falo ressalta sobre o fato kleiniano
de que a criança apreende desde o início que a mãe contém o falo 24
(LACAN, [1958] 1998, p. 700). Torna-se nítido nesse ponto que a au-
tora confere toda uma importância imaginária ao pênis, na medida
em que ela não lida com o conceito de falo introduzido por Lacan.
Portanto, Klein, segundo Éric Laurent proporciona uma visão ima-
ginária do simbólico.
Entretanto, num segundo momento, surge o pai castrador e
perseguidor, que mitiga a confiança do pai bom, colocando a crian-
ça numa posição de ódio e rivalidade edípica. A pulsão oral-sádica
é deslocada do seio para O pênis do pai. Por con~eguinte, t~mos_ a
· ·d ad e, acop1ad a ao o' d1·0 e à rivalidade, ormnda "da. s1tuaçao.
agress1v1
. .. 1, d'ingi
, . inicia
ed 1pica .. d a para O deseio 'J
de arrancar o pems do pai
~ E ssa s1·tua çaNo provoca na criança um medo e uma
com a d evoraçao. .
, . d ,
angustia e que seu propno . o' rgão seia
'J
castrado da mesma
<
maneira,)
. ·dor (KtmN l1945] 199 6>, p. 456 ·
como retaliação pelo pat persegm • .
Podemos refletir, a partir desse momen • to que ·1 nosso ver, o pai
' '_ · ..
bom de M,e lanie Klein pode ser reconhecido em Lacan como o p.11
. e o pai. persegut'd or po de ser aquele que em Lacan se dcs-
. b o, 11co,
s1m
dobra no pai imaginário.
124
- , .\ ~- ::,i:
SUPEREU ! UEREF'US: Q ..\S ORI EN-
-~u::; OE'- TINOS-

J Kl . . . toi.l dcnonüna essa passagem de ''canü-


Retonunuo . em. •1 ,lll • . . .
. .. , .. d _ enfase o conceito de 1dent1ficaçào.
nho percorndo . nao u san ° com . .
· . . orre mn caminho denonun:ido de
Klein comenta que a cnança perc - .
- tá -1rticulada co1n a tase anterior_
fase de teminilidade. Essa t ase es ' ' . . .
, . • _, d · . destinos d1st1ntos nos dois sexos. Na
sadico--anal - , que seguua ois . ,
. . . ·. ·ispecto do supereu no menino, nao
neurose obsessiva pnv11egia-se 0 ' .
, c:r ·1VeS de neurose obsessiva em mulheres.
obstante encontr,u·mos casos ;::,r,
. - d do seio 111aterno, no desn1a me, sofre
Inicialn1ente a cnança pnva a . .
- 1 - s seus desejos orais. E1n seguida, ocorre
mna frustraçao e1n re açao ao . .
is a inãe interfere nos desejos anais de posse
um segund o traun1a, po , " . . , .
· d
da cnanca esenca ean . d do suas tendenc1as ana1s-sad1eas. Essas ten-
',cli
'· · sa~o diric:ridas ao corpo da 111ãe, con1 o objetivo ,
d enc1as sa co-anais ;::,
A •

de penetrar, cortar e destruir_(KLEIN, [1928] 1996, P· 21~)- .


Gradativainente, sob a influência de impulsos sexuais, o menmo
retorna para a mãe con10 objeto an1oroso, propicia11do um avanço
da fase de feminilidade para unu atitude heterossexual expressa no
modelo anal. Entretanto, os impulsos sádicos e o ódio resultan~e das
frustrações, ainda em funcionan1ento, se opõe1n ao objeto amoroso
na esfera sexual. Uma vez que esteja fixada na pulsão anal-sádica e
submetida ao ódio pelas frustrações anteriores, adquiridas na fase oral,
a criança desenvolverá uma posição ambivalente em relação à mãe.
Do ponto de vista de Klein, junta-se a esse processo anterior o
medo de ser castrado pelo pai, de sorte que resultará numa angústia
e numa dific~ldade da criança em assumir sua posição sexual. O
supereu é estruturado a partir das pulsões sádicas e nun1a fase ainda
inicial. Então, podemos pensar com Klein que, quanto mais cruel
for o supereu, mais aterrorizante será a figura do pai castrador, e
maior será o desejo de fugir dos impulsos sexuais maduros, recuando
e fixando suas tendências sexuais num estágio sádico pré-oenital.
Consideramos que é na d escnçao
· ~ d e uma atitude
· ;::, l que
heterossexua
se expressa no nível anal-sa'd·1co - pe1a angustia
,. · e pelas 1nc1
· ·d"enc1as
·
de um supereu precoc .d . , .
e - que resi e a estrutura da vida ps1qu1ca na
neurose obsessiva.

_ O menino teme ser puni·d o pe1o d eseJo · o corpo da


· de destnur
mae e o pênis paterno l
, que e e presume encontrar dentro do útero
materno. Ele teme u .
q e seu corpo seJa mutilado e des1nembrado

Oigi":aliZOdo oom ComSc;lflnct"


CAPITULO Ili - O SUPEREU PRECOCE DE MELANIE KLEIN 125

~
• do cotn PIcxo de castraçao.
contribuindo, .assin1, para a. construção
Podemos considerar, a partir de Klein que a ina~ ,_. na f::isc d a ere1n1n1-
, < ... ,
• .

lidade infantil, surge ta111bém de modo ameaçado , r como aquc 1a que


mutila e castra o corpo da criança ao lhe to 111 ar
<
as e
<. rezes.
E◄ sse ato d e
tomar as fezes da criança acaba por frustrar O desejo do menino de
ter uni filho. De acordo con1 Klein, a frus~ração desse desejo, mais
tarde, será deslocada para o plano intelectual. Aliado a isso, surge, no
menino, o n1edo de ser castrado pelo pai.
Então, entre o fin1 da fase de feminilidade e o início da fase
heterossexual pré-genital (anal-sádica) situa-se a constituição do
supereu precoce e ~irânico, formado com imagens mescladas do pai
e da n1ãe, que de modo imperativo devora, mutila e castra. Em de-
corrência desse supereu tirânico, a fase genital se torna mesclada com
as fases anteriores fixadas, propiciando no menino uma rivalidade
com a mulher em decorrência de uma posição de desvantagem em
relação à mãe. Essa sensação de desvantagem no menino é deslocada
para o plano intelectual, ocultada e compensada com uma sensação
exagerada de superioridade masculina decorrente do fato de possuir o
pênis. Klein, a partir de uma contribuição de Mary Chadwick (1925),
comenta que é em decorrência desse processo que o homem concebe
um valor narcísico excessivo ao pênis, assim como uma atitude de
rivalidade intelectual às mulheres (KLEIN, [1928] 1996, p. 220).
Melanie K~ein introduz a ideia de que o eu é atacado por con-
flitos edipianos ainda não simbolizados. Para a autora, são perguntas
esmagadoras que não podem ser expressas por palavras e que per-
manecem sem respostas devido ao precário instrumental simbólico
da criança. Indagamos se não é desse momento que surge o cadter
enigmático do inconsciente, que se fixa e se expressa cifrado con10
desejo do Outro. Ainda de acordo com Klein, a sensação de não saber
sobre a vida sexual ~ropicia frustração, sofrimento e ó~io, os _quais
vão causar uma série de inibições intdectuais, como a incapacidade
de apreender línguas estrangeiras e O ódio dirigido àque~es que falam
outras línguas. O fa~o de a criança não possuir o conhecunento claro
sobre os processos sexuais vai propiciar uma sensação de ignorância
que, por sua vez , vai acirrar en1 ambos os sexos o complexo de cas-
tração (KLEIN, [1928] 1996, p. 218).
N:i conclus~o desse texto de 1928, E5 Lá~íos iniciais do conflito edi-
píano, I< lei11 se coloca como discípula do prof~ssor Fr~ud, afirmando
que suas contn·11u1çocs
· - nao- con
. t r.."cli'zcm a teoria freudiana ' mas· que a
da adiciona elementos conceituais no que tange ao desenvolvimento
, • pre-gen1ta1s
ele cst:1g1os , · · rn1c1a1s
· · · · . e•l o conflito edipiano ' que só a partir
·
do quinto ano po d era- 0 ser detectados· com clareza., Nessa
. idade , 0
complexo de Édipo e O supereu atingem seu chmax. ~lein c_omenta
que a 1'd en t'fi ~ de elementos ainda não reconhecidos,. tais como
1 1caça0
as fases oral e anal-sádicas, o supereu precoce e O sentimento de
culpa foram determinantes, de forma inegável, no valor terapêutico,
tanto nas análises de crianças, como nas análises de adultos (KLEIN,
[1928] 1996, p. 226).
Melanie Klein, com seu tirocínio clínico, consegue reunir uma
série de elementos que indicam a presença de um supereu precoce
em sua clínica. A autora, com seu estilo coloquial, mescla elaborações
teóricas e casos clínicos precisos. Um texto de 1931, Uma contribuição
à teoria da inibição intelectual, deixa claro que a autora está ciente do
efeito inibidor das fantasias agressivas promovidas pelo supereu pre-
coce. Klein argumenta que a pulsão escópica é criada não pela libido,
mas pelo sadismo arcaico, que por sua vez causa angústia pela ameaça
de um supereu sádico primitivo, o qual impede o desenvolvimento
intelectual da criança.
Segundo as observações de Klein, a formação do supereu se
faz a partir da primeira introjeção oral de objetos na fase oral sádica
canibalesca. Inicialmente, temos uma pulsão oral- sádica, que se propõe
devorar o corpo da mãe, sobretudo o i)ênis do pai, e que imagina
habitar esse corpo. É desse conteúdo ideativo original que a autora
extrai a tese de que o pênis devorado se torna o agressor interno na
fantasia da criança, uma vez que é a partir do pênis do pai introjetado
que se forma o núcleo do supereu paterno. Sendo assim, a criança
tem
" .
med0 e angustia
; · d e so1.rer
e.
ataques, dentro do próprio corpo, d 0
pems do pai (KLEIN, [1931] 1996, p. 276).
Por conseguinte, temos uma angústia decorrente da tentativa
de destruição
.
do corp 0 d a mae,
~
uma vez que essa destnnçao 11nped e
· ~ ·
que a criança tenha uma noçao ~
c1ara de seu próprio corpo. Entao,-
segundo a autora a an , t . 1 . ,
' gus ia se re ac10na as coisas perigosas que, uma

a=.J:11arlJll lt l!".49 _ __ _
·'
Dlqltallz:.doCO'II C)ffl$c:.Jll1Cf
n:z dentro do corpo d:i criança. fazem com que ...~Ia, suspen d a to d ~1
inYesr.igaçiio
~ • ••• ,a 1·111·b·tçao
a sc-u respeito. contribuindo pa..,,. - mte
· 1ectua
1
(KLEIN. (1931] 1996. p. 277).
_ E1n de_cor~ê1~cia da d_eYastaçào itnagin:hia causada pelo supe-
reu teroz e- fantasttco. a criança se torna incapaz de conhecer seus
processos 1nentais e os conteúdos de seu corpo próprio. Dess:i form:i.
a criança não consegue utilizar o pênis em seu aspecto regulador e
e_,ecutor do eu. Pensan1os que, nesse n1omento, quando Melanie Klein
comenta de 1naneira in1aginária sobre a função reguladora do pênis
do pai, ela intui que o pênis paterno possui uma função simbólica e
uma significação fálica, que mais tarde Lacan vai precisar como falo.
Na medida em que a criança não consegue receber a dita função
reguladora do pênis do pai, as funções do eu sofrem inibições de toda
ordem. Desse modo, o supereu exerce um forte domínio sobre o eu,
de sorte que, numa tentativa de controle, fecha para o eu as influências
do mundo externo. Sendo assim, o supereu priva o eu de todas as
fontes de estímulos, que formariam seu alicerce nos interesses e nas
realizações do mundo externo. Surgem, então, graves inibições em
torno do aprendizado e da resistência à educação, que se ~ombinam
com uma intratabilidade, uma liebeldia e uma independência dos
objetos externos (KLEIN, [1931] 1996, p. 279).
A inibição intelectual, claramente predominante de caráter
neurótico-obsessivo, é ;companhada de uma angústia de absorver
indistintamente tudo daquilo que é útil e daquilo que não serve para
nada. Dessa experiência é que surgem os impulsos de colecionar e
acumular objetos, em correspondência de oferecer tudo indiscrimi-
nadamente ao Outro (KLEIN, [1931] 1996, p. 281).
Melanie Klein trabalha a ideia de que há, desde o início, um fato
detectado na experiência de análises com crianças pequenas, a qu_al
diz respeito a uma disjunção entre o supereu e as figuras parenta1s.
A autora considera que a crueldade do supereu s~1~era e. exce_de a
severidade dos pais. Sua tese era que as imagos ed1p1anas mtroJeta-
das erain distorcidas pelos impulsos sádicos, transformando-se em
figuras aterrorizantes (KLEIN, [1933] 1996, p. 283). Essa ~un~ão, que
coaduna a crueldade do supereu com a severidade dos pais, ~ ~ncon-
trada no 1n1c10 . 1n1·ci'almente• O su1eito
· , · d e ana, 11se. ~
se sente v1t1ma de

Oigl:olllOdO COITI ComSCllll"Cf


128 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

un1 pai imagin ário . entreta nto isso n iio se su 5t e nta n o decorrer de
un1 processo de análi e. um:1 vez qu e. at ravés d:.ts e nunc iações, es~a
disjunção se prcsentifica.
Em 1933, Klein elabora um te xto denominado O dcse11uo/11i111w -
to i11icial d,1 co11srib1ci<1 11<1 crÍrlfl(<l , no qu al che g,l a a lguma, conclu Õn,
importantes: (a) o supercu rigoroso e cruel n ão correspo nde à scverr-
dade dos pais, mas de imagos parentais introje tad as e disto rc idac; pelo
sadismo infantil; (b) a angústia fóbica de objetos rea js está ca lcada no
medo que a criança tem de seu supe reu e, num prism a fantástico. que
a criança percebe os objetos reais sob a influê nóa do supercu. Klêin
tenta responder sobre a indagação do motivo pelo qual as crianças têm
uma ideia fantástica dos pais tão afastada da realidade com o núcleo
da formação do supereu (KLEIN, [1933] 1996, p . 287).
Para entendermos a constituição do supereu como um a estru-
tura sádica, se faz necessário recorrer a dois textos cruciais da o bra de
Freud. Em Além do princípio do prazer, Freud (1920) comenta que há
algo mais primitivo, elementar e pulsional, anterior ao princípio do
prazer, destinado a urna compulsão de repetição, ou uma compulsão
de destino que se reduz a um núcleo masoquista, essência da pulsão de
morte. Nesse texto, Freud apresentou a teoria de que a pulsão de morre
é combatida e presa pela pulsão de vida (FREUD, (1920] 1980, p. 33).
Em 1924, no texto O problema econômico do masoq11ís1110, Freud
retoma esse assunto ao dizer que a libido enfrenta a pulsão de morte
com a missão de torná-la inócua, desviando-a, em grande parte, para
o mundo externo. Então, a pulsão de morte, expressa no masoquismo
primordial, revertida em seu par oposto - sadismo - é desv iada parj
fora pela libido, originando a pulsão destrutiva e a vontade de podcr.
Entretanto, grande parte dessa pulsão n ão co1npartilha dessa transpo-
sição. A prin1eira parte, que resta conectada à libido, vai ser colorad.t
a serviço da futura função sexual. A outra parte, que resta da puls:io
de morte, permanece como masoquismo primordial. Por fim, Frc·ud
([1924j 1980, p. 205) afirma que "[.. .] desprezando uma peque1u falta
de exatidão, pode-se dizer que a pulsão de morte, operando na vid:l
menta] como sadismo primário, é idêntica ao masoquismo".
Segundo a interpretação de Freud por Klein, do resultado entre
ª fusão da pulsão de morte e a libido ocorre o sadismo. Para evitar ser

Digit.eliz■do cem C~mScmvlel'


CAPITULO 111 - O SUPEREU PRECOCE DE MELANIE KLEIN 129

esmagado e destru ído pela pulsão de morte, o organismo vivo coloca


sua libido narcisista e autoerótica a trabalho, com a finalidade de di-
rigir a pulsão de morte contra objetos externos. Ao lado dessa pulsão
de morte, que consegue ser investida para O mundo, uma reação de
defesa intrapsíquica se levanta contra aquela parte que restou e que
continua internalizada. Esse resto de pulsão de morte, que permanece
ínternalizada com sua capacidade destrutiva intacta, exerce uma tensão
excessiva sobre o eu, sendo percebida como angústia. Desde O início, o
eu, em sua luta para subsistir, recorre à libido, imputando-lhe a tarefa
de mobilizar, conter, apaziguar ou tornar inócQ.la a pulsão de morte.
Entretanto, o eu só consegue obter um êxito parcial, pois essas duas
pulsões - pulsão de morte e pulsão de vida - surgem intimamente
fundidas e mescladas, de forma que, às vezes, se torna impossível
distingui-las (KLEIN, [1933] 1996, p. 288).
Melanie Klein considera que essa é a primeira defesa do eu e a
pedra fundamental do núcleo formador do supereu. A agressivQdade e a
violência excessiva, detectadas num estágio precoce do supereu, seriam
explicadas pelo fato de resultarem das pulsões destrutivas combinadas
em certas proporções com impulsos libidinais. Dentro desse ponto de
vista, Klein assinala que a criança forma imagens monstruosas da imago
parental. A criança percebe sua angústia originária decorrente de suas
pulsões agressivas internas, em primeiro lugar, como resultado do medo
dos objetos externos a quem, a princípio, dirigiu sua agressividade; e em
segu01do lugar, como resultado de uma projeção nos objetos externos
de sua agressividade, que agora retornam sobre ela própria.
Assim, a criança desloca para o mundo exterior sua fonte de
angústia e converte seus objetos em seres perigosos, capazes de ataques
imaginários, de sorte que a figura parental suG"girá com um caráter
irreal e aterrorizante. Então, o medo que a criança possui dos o'bjetos
externos, distorcidos por uma ótica fantástica, é sempre pror orcional
aos seus impulsos sádicos (KLEIN, [1933] 1996, p. 288). Klein considera
que a análise não é capaz de elimonar o núcle? sádico do supereu, cons-
tituído sob a primazia dos níveis pré-genitais. No e51tanto, argumenta
que é possível, num processo anaHtico, suavizá-lo, ao fortalecê-_Io no
nível genital. De sorte que O eu, menos press~onado pelo sadismo,
se torna capaz de lidar com O supereu (KLEIN, [1933] 1996, p. 293).

,'~
01i.1111llt ad:o com Cam5c•"""
130 SUP-EP.EIJ I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

A angústia causada pelo supereu avassalador serve para aumentar


os impulsos sádicos dirigidos para fora, instigando a criança a destruir
objetos hostis e projetados para escapar de seus ataques. Formando um
círculo vicioso, uma vez que a angústia impele a criança a destruir seu
objeto, provoca amnento da angústia, de sorte que a empurra contra
o mesmo objeto. Klein opina que esse n1ecanismo de repetição está
por trás de tendências criminosas e antissociais dos indivíduos, e não
em razão da ausência do supereu ou pela fraqueza superegoica.
A crianca
,
alimenta contra os pais impulsos agressivos e fan-
tásticos, que depois projeta para os pais. Então, a criança espera ser
cortada em pedaços, devorada e decapitada e, diante disso, se sente
impelida a se comportar mal. O fato de a criança viver nun1 meio
miserável e ser maltratada pelo meio externo apenas reforça e redobra
os feitos imaginários do supereu projetado nos pais. Como consequ-
ência, a criança se sente governada por pais cruéis e fantasticamente
perigosos, que, em última instância, são os efeitos do supereu (KLEIN,
[1934] 1996, p. 297).
No que toca ao amor, segundo Klein, ele não se encontra ausente
no criminoso, mas sim oculto e enterrado, já que o objeto perseguidor
e ameaçador era antes o objeto de amor e libido. Como essa vivência
se torna insuportável, a criança suprime todo e qualquer objeto de
amor. Klein é otimista no que tange à possibilidade de a análise res-
gatar O objeto de amor no criminoso, uma vez que o ódio é usado
como _ _disfarce
. do amor_ ,_ e essa te n t at.iva d e resgate 1aculta
e. · a
ao sujeito
possib1hdade
. . de se aliviar do seu sentimento d e cu1pa 1nconsc1ente,
. .
q ue unp' u1s10_na o SUJe1to
· · para o crime (KLEIN, [1934] 1996, p. 299).
. A medida que o sadismo é at enuad o, vai. d1m1nuindo
. . ,.
a influencia
d as imagens fantásticas ' irreais
· e asSuS t adoras do supereu. Aliás, um
supereu,
d , que
. antes .era despófico e ameaçador, con1andando ordens
e ~arater idmpebrativo, sem sentido e contraditórias diante de um
eu incapaz e o edecer mesmo b .d '
h ·lh d ' SU meti o, castigado, penalizado e
um1 .a o;f:comdo amor' começa ª exercer um do1nínio n1ais suave e
persuasivo, azen o exigências ao .
M 1 • Kl . eu que agora podem. ser cumpridas.
e ame , .em argumenta' q ue, enquanto a função do supereu
fcor causar angustia ' ele despertar' .
' a no eu v10lentos 111ecanismos de
d efcesa, de natureza antiética e antissoe.ia1. N o entanto, na fase fa, 11ca,
.

DiQit.lliz.)00 çcm CamSca,~r


........ .
CAPITULO 111 _ o SUPE •
RELI PRECOCE DE MELANIE KLEIN 131

quando o sadisn10 Sç rt'duz, o car,íter iO .


e supcreu se modifica de
sorte que passa a gerar 1nenos an~ústh ,, 11 . • . '
. , ::- · ' . . l,Hs scnt11neuto de culpa.
Esse sentnnento de culpa torma a base de 111 · d , .
. na at1tu e moral e ct1c:1.
Cmu o ngor do supereu atenuado 11 .1 c. , f:'l' . .
. • · tasc .i 1ca, a criança vai
dese11Yolver 11111 sentunento de culp·1 pelos ata · - , •
. . • • , ques 1magmanos ao
ob1eto, o qual. por sua , ez, vai despertar fortes teild~ · d
~ • • • • • . • • ... netas e reparar
0 dano 1n1ag1nano que 111fhgm ao objeto, através do altruísmo e da

sublin1aç;.10, de n1odo que a criança passa a ter mais consideração pelos


objetos e se torna sttjcita aos sentünentos sociais. Então, de acordo com
Klein, o n1elhor ren1édio contra a delinquência seria analisar crianças
que den1onstram sinais de anormalidades (KLEIN, [1934] 1996, p. 299).
Con10 conclusão, poden1os assinalar que a teoria proposta por
Klein, pelo menos no que se refere ao supereu - não obstante ter
seu alicerce calcado no registro in1aginário - amplia e redimensiona
esse conceito. Klein vai aléin dos conceitos freudianos ao inovar com
originalidade. Parece-nos que a autora se deixa guiar pela análise
de seu próprio inconsciente infantil para construir uma explicação
plausível acerca do imperativo do gozo, que se encontra no registro
da fantasia. Sem dúvida, a chave da compreensão do supereu reside no
núcleo arcaico e imutável de fundo sádico, que, de forma duradoura
e inalterada reside no cerne de mna superestrutura.
o que' se torna interessante é o fato de Klein conseguir articular
sua contribuicão ao conceito de um supereu da censura e da moral pro-
posto por Freud.• Esse supereu fireu dº1ano e' visto como , um imperativo
, · do complexo
categórico, resultante d o d ec11n10 • de Edipo. , De acordo_ ,
. _ l .
com a v1sao de K e1n, o supereu da censura e da moral e
. constitmdo . ..
. .
de mane1ra gradativa e compos 0 t de várias camadas mais superfic1a1s
. . ºd I d Sendo assim, esse supereu, em sua
recolhidas a partir do 1 ea O eu. t plano
uperestrutura, susten a n O .
forma mais externa e refina d a d a s . , . ...
. 1 dos preceitos ettcos soc1,us.
do ideal e se articula com os mais e eva l' . , possibilidade de
. • nte na c mica e a
A nosso ver, o que se torna instiga f: zem evidentes as
. . 1 . uma vez que se a
venficação da teona de K ein, bretudo nos casos
. . " b duas vertentes, so
mc1dencias do supereu so suas
de neurose obsessiva. Lacan no início de seu
ticularmente ,
Podemos assinalar que par . b coloque com alguma
. . d Klem em ora se
ensino, não recusa a teoria e '
132 SUPER EU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DEST1NpS

reserva sobre seus arroubos imaginários. Então, grosso modo, dei-


xamos co1no perguntas se Lacan, particularmente em seu primeiro
ensino, não vai extrair três ideias-chave da teoria de Klein. A primeira
pergunta é se o estádio do espelho, com sua alienação, homossexua-
lidade prünitiva, posição de objeto e seu registro imaginário, poderia
ser considerado uma releitura da fase de feminilidade proposta por
Klein. A segunda questão concerne ao falo. Indagamos se ele, como
significante privilegiado e ordenador dos processos sexuais, do dese-
jo e da linguagem, não poderia ter sido inspirado na ideia do pênis
introjetado na mente da criança, como objeto regulador e criativo.
I

Mas de todo o edificio teórico de Klein, perguntamos se Lacan


não vai colher, realmente, uma pérola. Indagamos se não é exatamente
nessa pérola que reside toda a compreensão do supereu como núcleo
elementar e imutável de fundo sádico, que de forma duradoura consti-
tui o cerne de uma superestrutura. Então, deixamos como questão se
não é justamente a partir dessa ideia que Lacan vai revelar um supereu
que se situa num núcleo primário, duro e sem sentido no arcabouco
da linguagem e que, como imperativo, empurra o sujeito ao gozo:

Notas

23 :~.UD, A. The Psychoanalytícal Treatment of Children (1927). Londres: Imago,

24 LACAN, (1958) 1998, p. 692-703.

Oigl":alil.odo com ComSc:mru


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135

Introdução

Sem dúvida, o filósofo Emmanuel Kant exerceu influência mar-


cante na elaboração de um dos fundamentais conceitos da psicanálise.
Freud extraiu dos conceitos da moral kantiana os elementos vitais para
elaborar sua teoria superegoica. O enunciado mais famoso no texto O
problema econômico do masoquismo sobre o supereu diz respeito a Kant. Para
se entender a enunciação de Freud "o superego é o herdeiro do imperativo
categórico", torna-se necessário fazer um breve percurso à origem do
termo designado por Kant. Propõe-se que esse percurso vá dos estoicos a
Kant, para depois chegar a Freud e finalizar com o pensamento de Lacan.
Inicialmente, considera-se que o conceito de imperativo ca-
tegórico foi constituído por Kant a partir dos ideais dos filósofos do
Stoá, também conhecidos como Estóicos. Pode-se afirmar que não
apenas o conceito do imperativo categórico foi influenciado pelos
estoicos, mas também que toda a hnha mestra do estoicismo serviu
de suporte para a construção do edifício teórico de Kant na Crítica da
razão prática (1788), como a consciência moral, o dever ser, o supremo
bem, o livre arbítrio e a necessidade.

O estoicismo
Miro o melhor e.faço o pior.
SÊNECA

O estoicismo foi uma escola inaugurada por Zenão de Cítio,


na Grécia antiga, na época helênica. Num primeiro sentido, a escola

Oigtu,lil~ com CJimSc,1Y!ff


136 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

pode ser dividida em três períodos: o estoicismo antigo, o estoicismo


médio e o estoicismo novo. O estoicismo antigo adquiriu traços da
escola Cínica, sobretudo na política e na moral. Seus membros se
preocupavam com ideias acerca do destino, da divindade e da lógica.
O estoicismo médio se dedicava aos problemas humanos e morais,
bem como ao sincretismo e aos interesses intelectuais. Por fim, o
estoicismo novo também denominado de estoicismo romano, foi de
'
índole moral e religiosa (MORA, 2001, p. 913).
Os filósofos do pórtico, como eram conhecidos, refutam a
teoria da Segunda Navegação, 25 de Platão. Radicalizam contra
o mundo platônico, dizendo que as ideias são conceitos de nossa
mente. As ideias não têm existência em si como pensava Platão, mas
de acordo com os estoicos, é o homem que formula os conceitos a
partir da sua própria inteligência, dos pensamentos, da virtude e
da ciência. Os termos denominados "apelativos" são constitutivos
das ideias e são encontrados no campo da linguagen1. Os estoi-
cos não acreditam no mundo transcendente e metafísico, e até a
alma é considerada de natureza corpórea e material. Ela, a alma,
se mistura nas relações intrínsecas com o corpo e, após a morte,
sobrevive certo tempo para, posteriormente, se dissolver no todo
(REALE, 1990, p. 264).

Os estoicos ensinam que as prolepses são uma característica na-


tural do homem na concepção dos universais, segundo os quais, esse
processo surge de modo natural e universal nas crianças, e até mesmo
os conceitos morais são inatos, pois o homem está situado como mo-
mento no tempo e no espaço, como parte do logos universal, de tal
sorte que ele não só deve alcançar a verdade como também deve ter
algum germe da verdade do logos (REALE, 1990, p. 284).
Essa escola tinha como lógica e fundamento um assentir da
representação verdadeira, de sorte que, diante do logos, pode-se
apreendê-lo ou rejeitá-lo. Entretanto, somente quando há assentimen-
to é que se alcança o aprendizado. A tese estoica consiste em afiançar
que O homem tem o livre- arbítrio e a liberdade do assentimento. No
estoicismo o bem é exatamente aquilo que incrementa o Jogos, e o
mal é aquilo que lhe causa dano. O verdadeiro bem é a virtude, e o
mal se resume no mal.

l.ltg1U=hzado com c.imS""'ner


Ao contrário de seus adversários epicurista· . 'd
_ . . · s, que cons1 eram a
-rNculaçao da necessidade com a ]ibcrdade cstrut ) . ,
.u... . _ , · ura mente 1mposs1vcJ,
Pois' de acordo com Epicuro
. nao ha sentido de í''"P
...., ons::i b') 'd d
I J a e cm
urn destino predeterminado,
, . os . estoicos· não ·só acrcdº1tam nessa p05-
síbi]idade, como
_ tambem . md1cam. o caminho dessa . . compo51çao. . -
0s
""coicos ensinam
,._, _ que. ex1stem d01s tipos· de causa·
. . (a) ca usas externas,
auxi]iares e 1mperfe1tas e (b) causas internas, príncípaís e pcrfcitas. A
principal causa é o assentimento, visto que é ínteríor e perfeito, e a
única causa capaz de produzir efeito no homem. Por isso, 0 homem é
livre para fazer escolhas [ou: para escolher]. Trata-se de uma Jíberdade
de assentimento à evidência e de um não assentimento àquíJo que
não é evidente. Se o logos é necessário, uníversa] e predeterminado
ao homem, sua verdadeira sabedoria é assentir ao Jogos e conformar 0
seu desejo ao destino do logos, através de uma liberdade de aceitação
racional. Sendo assim, a liberdade do homem, portanto, é levar a vida
em total sintonia com o logos (REALE, 1990, p. 318).
Para Sêneca, filósofo latino, a consciência moral é o conhe-
cimento pleno do bem e do mal de acordo com o logos universal.
A consciência moral é originária e ineliminável, pois ela existe no
homem e ex-siste no logos, e ninguém pode se ocultar dela, pois o
homem não se oculta de si mesmo. Parece-nos que, em Sêneca, se
encontra uma das sementes da teoria superegoica, quando os estoicos
assinalam que o mal pode fugir à punição de uma lei humana, ~as não
à punição do tribunal da consciência do próprio homem. Ninguém
pode se ocultar da punição do tribunal da consciência, porquanto
esse tribunal, inexoravelmente, remói e acusa o próprio homem e
no tribunal da consciência moral, o homem é, ao mesmo tempo, réu
confesso e juiz implacável. Na medida em que Sêneca propõe que
o homem seja O réu e ao mesmo tempo seu juiz, ele o coloca numa
posição autorreflexiva de observação severa, de autojulgamento e de
autopunição (REALE, 1990, p. 307).
Os estoicos se debruçam sobre um exame de conduta moral,
pois creem que, uma vez que o homem está de acor~o ~om .º logos
perfeito, ele terá suas ações retas e correspondentes a açao ~1rt_uosa,
moral e perfeita. A virtude, quando é perfeita, deve se expnm_1r em
todas as ações morais advindas da subjetividade. Não se deve Julgar
~ .., um,1 :1(}0 (: n.'U. ou 11:1 0 pelo s<.:u êxito, mas pelo seu ponto de
intc'n ·:1 0 c'tn cumpri- b ..!é, Uma açiío se susteu ta não pelos seus traços
t'Xtrinst'cos. m:1s pl'l:1 con ftwtn idacic..: com O logos, de sorte gue ela
ser:.i um:1 .K~O Y\rtllOS;l.
No ~ue tangi:' ao dever, os estoicos entendem que existem ações
Yirtuos:ls t' perfeitas, bem como ações viciosas. Além desses dois tipos
de ação, existe um terceiro grupo chamado de ações médias, como
medida. da nüstura entre as ações virtuosas e as viciosas. Essas ações
médias sào denominadas ações convenientes ou deveres dotados de
Yalores relativos, diferentes das ações virtuosas, que são dotadas de
valores absolutos. As ações n1édias, convenientes ou deveres, estão
en1 oposição às ações ditas inconvenientes ou viciosas. Os deveres
ou ações convenientes se tornam perfeitos caso se acrescente a elas a
sabedoria. Os deveres perfeitos são ações retas, fonte interior de toda
moralidade. Os deveres perfeitos, frutos de uma disposição interior e
decorrente do espírito, regulam a moralidade, tornam-se emanações
e finalidade última dessa moralidade (REALE, 1990, p. 351).
Para os estoicos, o dever perfeito do homem de uma ação reta
exprime a lei eterna, universal, necessária e indestrutível, proveniente
da estrutura do logos e coincidente com as exigências dos manda-
mentos interiores desse homem. Essa lei soberana é diretora das in-
clinações27, na medida em que ela é intermediada pela racionalidade
e plasma todas as coisas. Em virtude da razão, estabelece-se o que é
o bem e o que é o mal, impondo-se as obrigações e as proibições.
Sendo assim, o que realiza o aperfeiçoamento da mente é a lei, na
medida em que ela é a suma razão, que ordena os mandamentos e
condena as inclinações (REALE, 1990, p. 354).
Os estoicos entendem que alguns deveres são incondicionados,
e outros, condicionados. Alguns deveres são sempre impositivos, e
outros, nem sempre. Um dever considerado incondicionado e im-
positivo, de acordo com os estoicos, é viver en1 consonância com
os ditames da excelência. O termo dever [Kathékon] foi usado pela
primeira vez por Zênon. O termo Kathékon _ derivado de [katátinas
hékein] - origina o termo categórico. Então, 0 tenno ünperativo ca-
tegórico, que será usado por Kant, tern a sua raiz na escola estoica e
significa dever incondicional (LAÊRTIUS, 1988, p. 206).

01111to1lluw;l0 com CamSC,11nner



CAPÍTULO IV - O ES TOIC1$MO,V t ,rr, StCE Ett ':~.•, 139

Os estoicos caracteriza1n o homem s'b·10 ,


. . . . ª
como aquele que e
o
Perfeito,. p01s vive em smtoma com o Jogos · sa'b'10 e, o parad-1gm.a de
homem ideal, no qual cada um deve se inspirar o 'b· , 1.
, , . • sa 10 e 1vre, porque
deseia tudo o que e necessano e suporta tudo O q , d . d
'J ,.. • • ue e eseJa o pe 0
J
destino. Seneca dizia que devemos ter o nosso dese•io
'J con fcormado com
0 destino, assim cmno um cão segue seu dono ama
. , . , rra d o a- carroç.1.
Considera-se que o sabio encontra a felicidade na conformidade com
seu destino, na apatia e na impassibilidade diante das paixões: 0 medo.
0 desejo, a dor e o prazer. Sendo assim, o sábio basta a si mesmo e

nisso encontra a felicidade, pois tem tudo o que necessita e nada 0


perturba, nem mesmo os sofrimentos, porque o logos transcende a
dor e esvazia sua negatividade (REALE, 1990, p. 361).

Emmanuel Kant

Nos séculos XVII e XVIII, a razão enfrenta sérios problemas


quanto à intenção de ser um conhecimento universal e n ~.;ário ru.
realidade. Em decorrência desses pensamentos, surgem duas corre-nres de
pensamentos distintas: os empiristas, com David Hume; e os inatbT.15. ::-c-,m
Renné Descartes. Os problemas criados pelas divergências encre ::is ffi.LlS
correntes são solucionados com a proposta de Emmanud K~mt. fil ~ s JÕ
alemão que viveu e trabalhou em Konigsberg entre os ..mos 172-4 e 1Sl"4.
Kant descreve as h nhas n1estras que o influencür,uu e-m '.'U~1
teoria. Se, por um lado, o epicurismo, com sua teoria do bem-esr-..rr
e da felicidade, serviu como base para Kant pensar as indin~wões do
homem, e o en1pirisn1o serviu para pensar a relação do home1n ( 111
os objetos, por outro lado, 0 estoicismo contribuiu para qu~ KJnt
tivesse como referência a constituição da lei supre-m:1 do bem (K.-\~""T.
[1788] 2000, p. 48).
O pensan1ento de Kant inaugura um:1 nov:1 er,1 no pen$::UUt'nto
filosófico. Trata- se do modelo de uma filosofia crítica transccrn.iê'11t:.1L
da razão elevada ao segundo grau. Uma raôo q~ie ~ríti_ca .ª ~I\.)~rb
razão ' n a me d'd - J'ulga, os seus· propnos Imutes
i a em que a razao , e nn-
_
passes. Para Kant, a razão pode ser de dois tipos: (a) a razao po~e-ser
teórica no mundo noumênico e formal; (b) a razão pode ser pr--1nc~ 1.
quando se constitui um fenômeno enquanto lei da libertlade.

,,
140 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

- ,
A ranoeumpnoc1 · 'pi·o da ação de 111n dever ser,
. que todo ser
bri<Tação de se realizar.
. . ,De acordo
h umano, como agente, t em a O ;:,
, e. sob os auspi'ci·os do estoicismo, o sujeito e um ser da
com o filosoto,
_ . d. . t . re e tem que se realizar de maneira in-
razao, 1ncon ic10na1men e 11v . .
. . . . d a<Tir racionalmente ou arb1tranamente,
cond1c10na1. 0 sujeito po e ;:, ~ , . . .
_ escapa d o d om1n10
mas nao , . d a razão , pois a razao pratica aplica a lei
.
1ncon d.1c10na
. 1d a 11.b erd ad e. Segundo Kant , a moral se constitui como
lei da liberdade e tem o dever de se realizar. Então, 0 que impede
essa 1e1. e, o que cerceia . a lºberdade
1 , e O que impede a liberdade é o
·
1mora 1. o suJeI
· ·to nao
~ t m escolha Na verdade, ele é condenado à
e - , . . .
O
liberdade de maneira incondicional, pois o homem e sujeito da lei
moral e um fim em si mesmo. Sintetizando: a razão teórica é tudo o
que diz respeito ao conhecimento; a razão prática é tudo o que diz
respeito à liberdade e à lei moral. Só assim haverá uma síntese numa
razão de pura prática.
Kant cria um paradoxo ao falar de determinismo articulado
com a liberdade. Segundo o filósofo, é só no determánismo que
o homem encontra sua natureza reflexiva, pois ele se distancia
do todo da natureza à medida que se torna autoireflexivo e se
coloca como objeto de conhecimento. Kant considera os deter-
minismos de dois tipos: os do inconsciente, históricos, e os da
natureza, necessários. Por conseguinte, ao conhecer seus próprios
determinismos, o sujeito se torna autárquico e autônomo. Então,
o primeiro passo da liberdade é o sujeito escolher, sabendo de
si e assumindo compromissos, riscos e responsabilidades, já que
toda decisão tem seus determinismos, seus desdobramentos e suas
consequências imanentes.
Para Kant, toda ação moral deve ser determinada pelo dever
ser, e não pela sensibilidade. Uma ação só será moral se for universal
e se detiver o poder de ser aplicada para todos. A partir do universal,
Kant propõe o critério moral por excelência: 0 imperativo categó-
rico. Assim, o sujeito atinge o bem através da virtude moral como
condição de dignidade. Para se avançar un1 pouco mais no dever ser,
na consciência moral e no imperativo categórico, será importante
considerar a Crítica da razão prática (1788).

Olgltalludo com C1mscanner


CAPÍTULO IV - O EST
OICISMO, KANT, SADE E LACAN 141

A crítica da razão prática

A grande sabedoria de Kant é descobrir q -


. . ue a razao pura pode
ser aplicada num func1onan1ento prático Esse conh · , .
· ectmento pratico
visa regulamentar a vontade, o desejo e as inclin - b , •d
_ . , . açoes, so a eg1 e
da razao. Os pnnc1p1os da razão prática são , proposi·ço~ es que encer-
ram uma determinação da vontade pura. Kant propõe uma aliança
do singular com o universal quando considera subjetiva a máxima
pura. O filósofo assinala que só existe uma condição verdadeira, na
medida em que a vontade singular do sujeito se articula com as obje-
tivas leis práücas, válidas pela vontade universal. A razão não é uma
determinação única da vontade, _entretanto, sua regra prática é um
imperativo. Trata-se de uma regra designada por um "dever ser" [eín
sollen], que exprime a compulsão objetiva da ação e significa que a
razão determina a vontade pura (KANT, [1788] 2000, p. 31).
Kant também nos legou o ensino de que os imperativos podem
ser hipotéticos ou categóricos. Os primeiros são considerados prin-
cípios ou máx2mas subjetivas e contingentes, pois encerram meros
preceü:os práticos; os segundos, os imperativos categóricos, são a priori
e não detêm a causalidade da vontade. Os imperativos são considera-
dos leis formais, que se comportam como leis verdadeiras, objetivas,
necessárias e universais (KANT, [1788] 2000, p. 32).
O que é relevante em Kant é o fato de que o objeto material do
desejo é empírico e não pode proporcionar nenhuma lei prática. Kant
comenta que, se a regra da vontade estivesse submetida à condição
empírica, não seria uma lei prática. Mas a lei faz a subtração de toda
matéria, de todo objeto da vontade como princípio de determinação,
de sorte que O resultado dessa lei será uma mera forma de uma legisla-
ção universal. Essa mera forma de lei não pode ser representada senão
pela razão e, portanto, não se constitui por objetos dos fenômenos
(KANT, [1788] 2000, p. 37). o filósofo enuncia a lei fu~d_amental da
razão p ura pratica
, • assim:
. "Age de tal modo que a maxima de tua
vontade possa valer-te sempre como pnnci · 'pio de uma lei universal".
Entao, , · f:ªcultando ao homem uma
- a razão pura é por si mesma pratica,
lei universal, que se denomina lei moral (KANT, [~788D 2000, P· 41 )-

1
;\
l -~SJ .:1- ,_1. ?· -r . .. .
~ r. ::esse .1 omcnro. argumenta sobre a felicidade e a capac1da-
, . ~ ho I11..'- n1 - O filósofo afirma que a lei moral ordena o
1
- •- - -
CT L.i: ~1llif2Q O 00
=-
JJY~ µ i1lirU2!, ~ OS ct1n1primemos , e ,ua
- satisfacào
, está no cumprimento
do m~ndam caregórico da moral. Entretanto, o preceito empírico da
felicidade não é dado, por isso é possível satisfazê-la raran1ente, mes-
mo que haja forças e potencialidades físicas para alcançar realmente
um objeto desejado. Kant interroga por que, ao buscar sua felicidade,
n inguém se ordena a fazer aquilo que deseja (KANT, [1788] 2000, p.
46). O que se torna interes ante nesse ponto é que Kant intuía algo
paradoxal no próprio homem , que joga contra si 1nesmo e não se
permite buscar a felicidade a favor de seu bem-estar.
Numa leitura mais atenta, percebe-se a existência de enun-
ciados que dizem respeito à lei que impede que o homem busque
ma felicidade e que, ao mesmo tempo, quando tenta ultrapassar esse
impedimento, é penalizado com o castigo. O filósofo assinala que a
autoridade da lei moral e o conhecimento da obrigação antecedem a
busca da felicidade por ser a priori e universal, pois qu ando o sujeito
transgride a lei moral, ele se abre para a possibilidade do castigo. Kant
enuncia algo da essência freudiana do supereu na medida em que
a lei moral pode ocasionar depreciação, fazendo com que o sujeito
se perceba indigno e desaprovado, em virtude de sentir a amarga
imputação de sua infração. Ora o sujeito se castiga inquietando seu
ânimo, ora dirige o castigo para O objeto de seu d esejo, justificando
su.1 existência como um mal, de modo que O castigado deve convir

que sua sorte se coaduna com o seu modo de proceder. Antes, porém,
cm todo castigo deve haver justiça. Para aquele que mereceu a pen a,
o castigo deve ser justo. Após o cumprimento da pe na, 0 sujt:ito n5o

l AI '11111 l l IV lJ 1 '' li llr I' ,1~11, l'.AI li , ',AI J/ 1 I A!_AII 1,1~

t. 'l\\ ,, l\\t'\\\H' l\hltt\)c) dt' l'Ullt :11· t:Olll il 1>01111 ·111" ,,,,,· .,
, ~, ., 1>ot1cn;1
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\\\\\,\ ,~\'\H\\pt'l\:;,, (RAN'l', l 17HHI 2000, p. 47). Surprcc11dc11tcrnc11tc
\\ ,:;_~\ l'·'~"·'~l'<.'Hl, R.,nt enuiiéia uma IL'i lllor:11 <:01110 tllJl:t ínstfincia viva
'l\lt' p1..)\.k ~t' \'ült,,r t'c..mtt".l o sujeito, 111uito sc111clli:mtc às rnrnnças <lo
supêt~n. St'm düvkb, parcc:cm-110s cu11sidcraçôes prcc:íosas que Freud
pt'\)\~,n ~hnentê c:olht'u para elaborar o conceito do supereu.

A lei moral
Kant assinala un1 efeito negativo e a priori sobre as inclinações,
seja para o prazer, seja para a dor. A lei moral acarreta prejuízos às
inclinações, con10 o egoísmo [solipsismus], uma benevolência excessiva
para consigo n1esn10 [philautia], a satisfação de si mesmo [arrogantía], o
a.mor por si n1esn10 [eigen.liebe] e a presunção [eigendünkel]. A lei moral
infere prejuízos ao amor próprio porque lhe concede os limites estri-
tamente justos, apenas no âmbito do amor próprio racional, de sorte
que a lei moral aniquifa a presunção. Assim, com a humilhação das
inclinações, a lei moral se torna objeto de respeito. A lei moral fomenta
um sentimento que causa influxo na vontade. Esse sentimento tem o
nome de sentimento moral, constituindo o sentimento de moralidade
e respeito para com a lei moral. Sendo assim, esse sentimento moral
é o motor para o desenvolvimento de um sentimento de autoridade
para com a lei (KANT, [1788] 2000, p . 78).
Afirma Kant:

O respeito só se refere às pessoas e não às coisas. As coisas


podem fazer surgir as inclinações, mas não o respeito. Temos
amor ou terror a um determinado animal, ao mar, ao vulcão,
mas nunca respeito. O que mais se acerque deste respeito cons-
titui a admiração, a emoção, a estupefação, podendo aplicar-se
às coisas, como sejam, digamos, as montanhas, a magnifi~ência,
a multiplicidade e O distanciamento dos corpos do umverso,
a força e a velocidade de certos animais, etc. Mas, o que tudo
o que por eles experimentamos não constitui respeito (KANT,
[1788] 2000, p. 78).

De acordo conl Kant, um bome111 pode despertar sentimento


de arnor, terror ou admiração sem constÍtQ.lir objeto de respeito. Um

Olgl: ahzaClo com C11mScenner


144 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGE S <\OS SEUS DESTI OS

homem pode ter posição e tudo o que o destaca dos demais sem, no
entanto, despertar respeito. Assinala Kant: "Ante um grão Senhor
eu me inclino - diz Fontenelle - ; mas, o meu espírito, esse, não se
indina".
Por conseguinte, Kant realiza un1a adução:

(...] inclinarei meu espírito, quer queira ou não, ante um


homem de condição humilde, no qual reconhecerei mais
integridade de caráter que em mim próprio. Ainda que a mi-
nha atitude e a ufania do meu porte se impusessem, para não
lhe deixar passar despercebida a minha superioridade (KANT,
(1788] 2000, p. 78).

Kant conclui que o respeito é um tributo que não podemos


negar ao mérito, queiramos ou não; embora, em todo caso, possa-
mos deixar de manifestá-lo exteriormente, não podemos impedir de
senti-lo interiormente (KANT, [1788] 2000, p. 79).
Kant considera fundamental uma livre submissão da vontade
à lei. Uma espécie de violência inevitável que é preciso exercer de
maneira rigorosa sobre as inclinações, mediante os ditames da razão.
Pensamos que se trata de uma espécie de repressão das inclinações
pela razão. Kant comenta, em seguida, que essa repressão se inspira
na própria lei e origina o respeito à lei que, por sua vez, exige ser
respeitada. O dever é uma ação prática que exclui as inclinações. As
ações do dever tendem a unia compulsão que ocorre à nossa revelia.
O fato de ter consciência do sentimento de constrangimento das incli-
nações não resulta em pesar, mas encerra uma elevação da dignidade e
uma aprovação de si mesmo. Em virtude disso, o sujeito adquire um
interesse pelo dever livre e pelo respeito (KANT, (1788] 2000, p. 81).
O conceito de dever exige sempre uma concordância para com
a lei, de sorte que esse respeito para com a lei tem como único modo
a determinação da vontade. Repousa nisso a diferença entre a cons-
ciência do dever cumprido de acordo com o dever; e a consciência do
dever cumprido por dever, isto é, por respeito para com a lei. Kant
considera que, no primeiro caso, se trata da legahdade, pois às vezes
só a inclinação foi o substrato da determinação da vontade. Entre-
tanto, no segundo caso, trata-se da n1oralidade, pois o valor moral
CAPITULO IV - O ESTOICISMO. KANT. SADE E LACAN 145

foi posto como único fundamento para -


pela lei (KANT, [1788) 2000, p. 82). a açao ocorrer pelo dever e
Neste momento, cabe lembrar O
.
carrasco nazista General
Eichmman durante seu julgamento em Nu b p
. rem erg. ara se defen-
der, alegou ser kantiano, uma vez que suas - d
_ açoes eram pauta as no
cumpnmento moral do puro dever· Nesse caso, es t amos d 1ante
' da
legalidade e não da moralidade, pois uma aça~o co m vistas
· · 1·maçao
a, me -
pode estar de acordo com a lei, sem, no entanto, ser moral.
Para prevenir uma má ação em nome da moral, Kant assinala
que o dever pede submissão sem, contudo, ameaçar com algo que
desperte aversão ao ânimo, atemorizando-o ou deixando-o apático.
Uma lei que tem acesso ao ânimo e que às vezes o conquista contra
sua vontade, através da veneração, deixa todas as inclinações mudas,
mesmo quando elas continuam a agir secretamente contra o sujeito.
O que surpreende é o fato de Kant descrever as inclinações mudas
como se fossem enunciações do supereu: "Qual é a origem digna de
ti?"; "Onde encontra a razão de sua nobre ascendência, que repele
todo o parentesco de todas as inclinações?". Kant denomina essas
enunciações da personalidade, expressando a liberdade e a indepen-
dência do mecanismo de toda a natureza. Não obstante, a expressão
da liberdade do ser sob a forma das inclinações, essa faculdade deve
ser constrangida a le'í de pura prática, pois o homem é um ser divi-
dido, que pertence a um mundo sensível e a um mundo inteligível,
de maneira que deve sempre colocar o seu ser em relação à segunda
e mais elevada determinação (KANT, [1788] 2000, p. 85-86).
A lei moral é, na realidade, para com a vontade de um ser todo
perfeito, uma Jei da santidade. Essa lei da santidade para todo ser da
razão determina um dever ser de compulsão moral, de respeito e
veneração para com a lei. Kant considera edificante para o homem
praticar o bem e ser benevolente para com os homens, por amor a
u · · ·
e"les. ma vez d1sc1phna d a a razao,- 0 homem ' independentemente
. _ 1 d e. zer - 0 bem - aquilo para
d 0 mandato, terá a sat1sfaçao pessoa e 1 ª 1
,


0 qual nenhum mandamento sena necessano.
, · Para Kant o homem e
' ' , .
. .d d d· t lei divina Numa analise
uma criatura subalterna à auton a e ª san ª ·
. •
rnais acurada, percebe-se Kant comei m o,
·d· d em parte, com Freud
.
" D s sobre todas as coisas e ao
ao comentar o mandamento Ama a eu
146 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGEI\JS /\OS SEUS DE STINOS

próximo como a ti mesmo". Kant argumenta, como Freud: que esse


mandamento vai contra o princípio ela fehciclacle e, se fosse ajustar esse
princípio à moralidade, seria preciso ajustar O ditame, P_ara "Ama-te
mes1110 sobre todas as coisas; mas a Deus e ao teu proxtmo, ama-os
por amor a ti mesmo" (KANT, [1788] 2000, P· 82).
Freud ([1921] 1.980, p. 120) se interessa pela frase bíblica "Ama
a Deus sobre todas as coisas e ao próxim.o como a ti mesmo" em dois
momentos: nos tex tos Psicologia das massas e análise do eu (1921) e O
mal-estar na cir1iliz ação ([1.930] 1980, p. 133). No texto Psicologia das
massas, Freud descreve que o Cristo, com.o substituto do Deus-Pai,
ama todos os homens de modo igual. Então, todos ganham partes
iguais de seu amor, de sorte que deve haver u1n amor fraterno entre os
irmãos em Cristo. Entretanto, o cristão deve dar um passo além para
se identificar com Cristo e a111ar seu semelhante como Cristo o ama.
É nesse ponto de vista que a religião cristã se coloca numa posição
ética de um ideal de religião. Se, por mn lado, no texto Psicologia das
massas Freud se preocupa mais con1 a primeira parte da frase "Ama a
Deus sobre todas as coisas" articulando-a com o tema da identificação
e do ideal a Cristo, por outro lado, no texto O mal-estar na civilização,
eJe se ocupa da segunda parte da frase "Amarás o teu próximo como
a ti mesmo".
Freud faz uma crítica contundente, de maneira ácida, porém
realista, desse mandamento. Freud con1enta inicialmente que, para
receber o amor de alguém, a pessoa tem que merecê-lo. No entanto,
na m aioria das vezes, o outro n1erece n1ais nosso ódio e nossa hos-
tiJidade, pois o home111 é um selvagen1 agressivo, hostil, explorador
e destruidor, chegando a sub1neter, hunlilhar, torturar e até matar o
seu semelhante. Freud relembra o filósofo latino Plauto ao dizer que
", o 110111cm e, o lobo do ho men1,,. Freu d Justifica· . que o 'mandamento
e . necessário
. ,. . · 1):-Jra
r• gue se viva
· em comunidade,. não obstante todo o
·d1spend10
e _ de energ-ia' de coerçao ~ contra a natureza original do homem-
. o home m civil'iz.i. d o trocou mna possível parcela de liberdade
"' ntao,
pulstonal .. · por. un13 parce . ,.1a de segurança (Frrnun, [1930] 1980, p. 137) .
.E..mbo1.,1
l se diga que não ' e, ª cu l tura que exerce o n1ecanisn10 de re-
ca
d que . .. das pu~sões ' pod e - se , Su 61'inhar que a cultura foi decorrencta
,. .
o teca 1que no homem.

Dl<,lll ~llado l.'0111 C 11111~Cllllllt,I


CArfTULO IV - o E~TOIC15MO. KMrr. SADE E U ,CAtl 147

Pode-se pensar que, guanc.lo K:mt assinala u 1


_ · m mam amento que
ordena
. o_ amor . . a Deus, nao_ se trata . <le uma
, de um 'amor pa to I'og,co,
indmaçao, p01s o homem nao esta na faculdade' . c01sa
de ,anlar qua 1quer .
·sob mandato. Nesse caso, amar a Deus· é cumprir
· · com .sa t'1s f:açao
~ seu
ordenamento. Am::ir ao próximo quer dizer cumprir todo"-~os. d everes ..
p:1ra com seu próximo. Mas o que constitui esse mandamento não
assegura o nosso ânimo de cumpri-lo, de sorte que só é possível colocá
-lo numa posição de objeto de ideal e aspiração. Se esse mandamento
fosse cumprido con1 satisfação, ele seria desnecessário. Entretanto,
como ele vai con~ra a natureza das inclinações, e o efeito, que seria a
satisfação, é substituído pelo respeito (KANT, [1788] 2000, p. 82-83).
O respeito se torna o motor da máxima, agindo contrário ao
sentido do ânimo, já que, como o ideal de sant~dade é inexequível
para o homem comum, deve-se aspirá-2a num processo infinito, num
plano ideal. Superar sua vontade exige um sacrificio, necessitando
uma renúncia, uma coerção sobre si mesmo e um constrangimento
íntimo que opera a contragosto. Entretanto, o homem nunca se vai
livrar por completo de seus desejos e suas inclinações, pois os desejos
estão assentados em causas físicas, e as inclinações operam contra a
lei moral, que tem uma fonte diversa. Kant sugere uma saída para
esse paradoxo. Trata-se de uma fusão do amor vulgar com a lei, ou
seja, uma coação em parte das inclinações mediante o respeito e a
observância dos ditames que a lei requer e exige. Como temos cons-
ciência de nossa debilidade e fraqueza em cumprir por satisfação e
amor aquilo que prezamos na lei, essa satisfação é substituída pelo
temor e pefo respeito à lei (KANT, [1788] 2000, P· 83-84).
Pode-se concluir que Kant, sob a influência dos estoicos, não
introduz a dimensão da autoridade paterna tampouco do supereu,
mas deixa todas as pistas para Freud fazê-lo. Kant propõe_a le.i mo_ral
como uma espécie de supraconsciêncía, que submete as u~clmaçoes
sensíveis que afligem o eu, propiciadoras seja de ~razer, seJa de dor.
A lei moral de Kant pode ser tomada como o nucleo fundador do
supereu , u ma vez que quase todas as palavras encontradas no texto _
freudiano, como atributos do supereu ou resultantes de suas rela~o.es
Para com o eu tamb,em sao - e ncontradas na Crítica da razão pratica
(1788)· E' p oss1ve
,
1 anotar a1gu mas , tais como o respeito, o castigo, a

C1Q1tallzado com ClmScan-w


S AOS SEUS DESTINOS
148 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGEM

. - submissão, o constrangimento, a corn-


autoridade, a hmnt 11iaçao, ª ·
ulsão a mora lida de, a legalidade.
P ' _ d I · ·noral Kant chega a expor que ela exclui
Sobre a açao a ei 1 ·' ' , .
. d elas inclinações sens1ve1s. Com efeito
os motivos detennina os P · , . . '
- b' tiva e pratica, denominada de dever. Esse
trata-se de uma açao O ~e , .
, lsão [Notígung], uma espec1e de sobrede-
dever contem uma compu - , .
. _ d ações e1nbora ocorram a nossa revelia.
term I naçao que pro uz as ' _
. d ma compulsão como uma açao decorrente
Assim, Kant escreve u _ .
ml .nado que ocorre contra nossa mchnação.
de um dever sob re d e ter , . , _
r: ~ d er considerado parad1gmat1co do supereu. Sem
Ta11enomeno po e s . ,
. psi·canálise em Kant, assinala-se que o filosofo
querer rea11zar uma . _ .
sua subietividade, as v1c1ss1tudes do supereu,
con h eceu d e pe rto , em J , .

de sorte que soube circunscrevê-lo sob o aparato filosofico, deixando


indicativos para que Freud elaborasse sua teoria em 1923.

Freud debate com Kant


Além de compartilhar um comentário sobre o mesmo man-
damento - "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como
a ti mesmo"- e enunciar que o imperativo categórico é o herdeiro
do complexo de Édi.JJo, Freud comenta as conclusões da Crítica da
razão prática, quando Kant argumenta que um homem piedoso pode-
ria venerar o céu estrelado e sua consciência como obras-primas da
criação. Nesse ponto, Freud discorda de Kant e critica que, se Deus
foi benevolente com o universo, em contrapartida, foi negligente na
criação do homem quanto à sua consciência. Argumenta Freud que
apenas uma minoria recebeu uma quantia modesta, e a maioria não
recebeu nenhuma alíquota de consciência. Freud discorda de Kant,
quando Kant relata que a consciência é de origem divina. No entanto,
~o,n~orda que a consciência está dentro de nós, porém não desde 0
tmc10, ao contrário da vida sexual (FREUD, [1933] 1980, p. 80).
Freud usa a metáfora do cristal para dizer que, quando um objeto
se parte, ele não o faz ao acaso, mas segundo suas linhas estruturais
de clivagem· Com o eu acontece c01sa · semelhante, p01s
• uma par te
dele se coloca contra s1· .mesmo, c01sa · que Kant não desconhecia· Pº r
completo. Essa · ín st''ancia
· d-ISJUnta
· do eu goza de autonomia. e age
CAPITULO IV - O ESTOICISMO, KANT, SADE E LACAN 149

segundo suas intenções, tornando-se cap d b


. . " . , az e o servar, regu1ar, ju]gar
e pumr o eu. Essa 1nstanc1a e o supereu t .,., .
_ e em na consc1enc1a uma de
suas funçoes (FREUD, (1933] 1980, p. 77).
Se as crianças em tenra idade são am · ~ " . . . _
_ . orais e nao tem 1mb1çoes
para suas pulsoes, mais tarde o desenvolviment d •
. . o o supereu, mterna-
lizado da autoridade parental , assegura O surgi·m ento da consc1enc1a
.,. ·
moral. O supereu não é apenas sucessor da autoridade parental, mas
seu legítimo herdeiro. Entretanto, o supereu, ao se tornar inflexíve1
e severo, escolhe apenas uma das faces parentais e não assimiJa O lado
carinhoso e protetor (FREUD, [1933] 1980, p. 81). A outra face parental
- acolhedora, protetora e idealizada - é reservada para a construção
do ideal do eu. O supereu veicula o ideal do eu como estímulo e
exigência de uma perfeição impossível de se cumprir com base na
expressão de admiração da imago perfeü:a dos pais.
Entretanto, um paradoxo chama a atenção de Freud, quando
ele observa que mesmo as crianças que foram educadas de forma
branda e afetuosa têm um supereu severo e inflexível. O supereu se
torna severo, cruel, de forn1a que hmnilha, maltrata e insulta o eu,
exigindo dele, de n1odo inflexível, os mais rígidos preceitos da mo-
ral. Por conseguinte, o supereu catalisa e cristaliza as renúncias do
cu, ínfHgíndo-lhe sentitnentos de inferioridade e baixa autoestima.
Esse sentimento deriva da relação entre o eu e o supereu, já que o
sentimento de culpa é O con1ple1nento erótico do sentimento moral
de ínfcdoddade. Esse exagero do sentimento moral ocasiona uma
tcnsfio entre O supereu e O eu, que será expressa como sentimento de
culpa (PnmJtJ, [1933] 1980, p. 85).

Kant entre o bem e o mal


La biaifaisa11ce est bie,i p/11tôt vice de /'org11eil
qt1'tllle vcritable 11ert11 de l'âme.
B La 1,/,ilosopltie da11s /e boudoir.
MAHQUIS OB SAD ·

. 1 I( . isenta todas as indinações, ou


Pnrn ::1Jca11,·:u sua lei mora , ant b'
• Y • • d ra ue Kant oculta seu o ~eto
SCJa, o desejo. Sendo :1ss1111, Lacan consi e q d
. . te órico, no entanto esumano,
paríl akanç:ir o ideal de um unperativo ca g

OigiUlb:adocom C-SC:4nner
150 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

visto que esse iinperativo dispensa qualquer sentimento. Observa-se


que Lacan utiliza Sade para pensar Kant na relação empírica do sujeito
con1 o objeto ligado ao prazer, à dor e à ind~ferença. Ainda com Kant,
sabe-se que os princípios 1nateriais se correlacionan1 com. a inclinação,
e não c01n o entendin1ento, de sorte que esse fundamento determina a
vontade na faculdade "inferior de desejar" (KANT, [1788] 2000, p. 33).
Os únicos objetos da razão prática são os do bem e os do mal.
O be1n é um objeto necessário à faculdade de desejar, e o mal é um
objeto necessário da aversão. É impossível, a priori, definir qual repre-
sentação está ~igada ao prazer e à dor. Na experiência só se julgam 0
be1n e o mal com base na sensação de prazer e na sensação da dor e do
sofrimento, de sorte que se exige que o bem e o mal sejam julgados
pela razão no sentido universal (KANT, [1788] 2000, p. 63).
Kant comenta que existe, na língua latina, certa ambiguidade
entre as palavras bem e 1nal, o que não acontece na língua germânica.
Para bonum, temos güte e wohl, e para malum, bose e iibel (ou weh), de
forma que são juízos diversos em uma só ação. O wohl e o iibel sig-
nificam um estado de satisfação ou desagrado. O referente se dá na
inclinação e na sensibilidade. Em contrapartida, giite ou bose significam,
contudo, uma relação com. a vontade, quando ela é determinada pela
lei da razão, e não por um estado sensível. Trata-se de um sentido
pelo q~al se deve referir à ação (KANT, [1788] 2000, p. 64).
E nesse sentido que se reconhece o estoico que, ao clamar de
um mal, übel, nem por isso poderia aceitao: que estaria sofrendo de
um bose. Em nada a dor física diminuía o seu valor de pessoa, mas o
elevava à sua dignidade de homem. Güte e bose são julgamentos p:ua
além da sensibilidade e que requerem O em.prego da razão. K:rnt co-
me_nt: q~e O mesmo ocorre entre verossinülhança e falsidade. justiça
e v10lenc1a. Então , não se deve es t ab e1ecer un1 conceito
. d e (!llfC ou /'<...'·'1.
antes de se estabelecer um a 1e1· n1ora1, p01s . o 11nperat1vo
. . 'categonco,
, ·
ou do gozo ' está numa' 111 esina categoria,· a pnort,
. , de um funoarnen
J to
moral (KANT, [1788] 2000, p . 66 ).

Kant e Sade

COI~ a revo~ução francesa inaugura-se um período na história


da humam d ade denominado ilustração (1789-1914). Considerado uma

......11111
1ncdfor:i das luzes, esse período é apanag10
: , de um e 1to • -
momento reivindica um status para o1t . . u ª razao. Esse
, . ' . seus JU1gamcntos
ele e realizado a luz da racionaHdadc O h , ·' uma vez que
, ornem e educado pel
a razão, e tem como meio a divulgação u , d ª e para
" . mversa1 o conhecimento
para alcançar, enfirn, sua libertação. A razã , d . .
. o e etermmada interna-
mente como escopo umversal e autorregu]ad or, e rea fi1rma a umdade
.
do homem como atributo ú]timo, É nesse ethos que a c1enaa
., · moderna
se
. instala. Dois. séculos
. . _ se passaram ' e a razão não mais
· respon de aos
1myas_ses _d~ _c1v1~1zaçao, sobretudo os impasses éticos causados pela
propna c1v1hzaçao que nos prometia soluções.
A ideia do texto de Lacan Kant com Sade ([1963] 1998), retoma
a proposta de que a psicanálise é tributária do declínio da ilustracão
, ,
onde a razão não assinala para uma saída harmônica. Por conseguin-
te, o mal surge na cultura como possibilidade de felicidade e de
subst~ncia. Em Além do princípio do prazer, Freud (1920) contradiz a
concepção de que a bondade é natural e harmônica ao homem, e
põe em cheque a ideia de que tudo pode ser curado pelo otimismo
da ciência. O otimista é um sujeito ingênuo e mal-informado, pois
Freud enunda uma fantasia oculta e demoníaca dentro do próprio
homem, que trabalha contra ele próprio, impedindo-o de construir
um final feliz.
Ao descobrir o inconsciente e ao inventar a psicanálise, Freud
depara com algo estranho que se repete em todos os casos que analisa:
a fantasia. Uma fantasia estática que opera no inconsciente. Freud
elabora uma construção teórica acerca da fantasia, primeiramente
no seu texto As fantasia histéricas da bissexualidade (1908). Mais tarde,
o paradigma que Freud usa para repensar a fantasia é o text~ Bate-se
numa criança (1919). Lacan, por sua vez, não elabora a partir d: sua
clínica, mas toma emprestado da literatura o texto do Mar~ues de
Sade (1795), Filosofia de uma alcova para teorizar sobre a ~a~tas1a. "
O texto de Lacan Kant com Sade ([1963] 1998) se _d1v1de em tres
, 1· d fórmula kantiana; segundo,
pontos capitais: primeiro, uma ana ise ª .
. d . t.1vo sadeano; terceiro, uma
111ma introdução ao paralelo o impera
, . a Lacan subverte Kant ao
analise da fantasia sadeana e o seu esquem ·
iguala aos lugares sacros-
SUstentar a teoria de que a alcova sa d eana se
, 2s Nos dois lugares, trata-se
santos do berço da filosofia, como O Stoa.

Dig,~iiaóo co.,, ComSC:onncr


de u ma retificação da posição ética. Lacan rende homenagem a Sade
por introduzir no século XIX o tema da felicidade no mal. A pa.rtir
desses pressupostos, Lacan vai mais além ao propor que ex-siste um
ponto de arriculação jamais identificável entre Kant e Sade, na medida
em que refere que os textos dos autores não só são conipatíveis como
também se complementam, de tal sorte que "a filosofia da alcova"
fornece a verdade da Crítica da razão prática (LACAN, [1963] 1998, p.
776). Kant propõe como ponto de partida uma pergunta: Há uma
pressuposição universal sobre a busca da ética? Uma segunda pergunta
é sobre as condições de possibilidade do conhecimento, e uma ter-
ceira é sobre as condições de possibilidade dos juízos estéticos. Lacan
defende a ideia de que tudo o que possa vir de satisfatório vem da
lei, inclusive a garantia de que ela vem de uma vontade para com o
objeto referido no logos (LACAN, [1963] 1998, p. 777).
Não obstante Lacan citar apenas uma vez a palavra "supereu"
nesse tex to, trata-se de uma tese sobre o supereu, onde o autor in-
troduz a ideia do humor negro superegoico, e o paradoxo entre o
imperativo do gozo e o imperativo categórico como as duas faces da
mesma instância. Então, o supereu surge como o mestre intelectual
que organiza os sintomas, de sorte que a censura impede o sujeito
do g_o~o, ao mesmo tempo que o impele a ele. Lacan comenta que
o sujeito, ao cumprir o imperativo categórico, encontra uma lei a
priori, cujo único fenômeno não é senão alguma coisa já significante,
na f~rma de voz da consciência articulada como uma n1áxima que
contem uma ord~m da pura prática (LACAN, [1963] 1998, p. 778).
O su~ereu e o ponto pivô que vai dialetizar Kant com Sade e é
o ponto. de mtersecção
. e interlocucão
, · M ais
. d o que un1a censura que
perlillte- regular o isso, o supereu é uma' insta'" nc1·a d e h un1or. E ntre-
tanto, nao se trata de um humor qualquer. T rata-se de un1 humor que
se apresenta como negro, que zomba d 0 . . .
. SUJelto pela via da pulsão de
morte. O supereu mediatiza um ponto rt . . . . _
- - . ex enor, que d1v1de o suJe1to e
1mpoe uma lei absurda em sintomas e fa t . ,
Sad ) 1 (K ) , n asias, e que abarca o corpo
( e e a a ma ant. E dessa mane·
· ira que o supereu con10 fanta-
sia, se estrutura, moldado no imperativ d - '
. . , . o a perversao sadeana e no
imperativo categonco de Kant Unn t .
di . _ , . , · ' eS rutura CUJO ponto conjunção
e SJunçao e 1mposs1vel de atender, in1possível d e tratar.
CAPITULO IV - O ESTOICISMO, KANT, SADE E LACAN 153

Se no reino da aparência •não há um Ih


a seme ança entre Kant e
Sade, Lacan demonstra, através do mathema u · · M •
, ma s1metna. ais que
isso, Lacan usa Sade para entender Kant , pois h'a um o b.~eto ocu to na
1
crítica da razão prática de Kant, que passa a aparecer através de Sade.
Em Kant, trata-se• de• uma ética sem ob1eto
J ,
poi·s , quando h'a o b.~eto,
não se pode constituir uma regra universal. Lacan comenta que Sade
manifesta a verdade que há em Kant no panfleto Franceses, mais um
esforço, se quereis ser republicanos. A eficácia do libelo é dada na máxima
do gozo como regra. Sade afirma que cada um tem o direito de gozar
do corpo do outro sem sua permissão. Lacan formula o imperativo
de Sade como "Tenho direito de gozar do teu corpo, pode dizer-me
qualquer um, e exercerei esse direito, sem que nenhum limite me
detenha no capricho das extorsões, que me deem gosto de nele me
saciar". O enunciado " ... pode me dizer qualquer um ..." implica o eu
como sujeito e como objeto da ação do gozo numa regra universal.
Sendo assim, o limite para o uso do corpo do outro, como do próprio
sujeito, é a morte. Trata-se da prova da regra kantiana com tempero
sadeano (LACAN, [1963] 1_9 98, p. 780). Segundo Lacan: "Mostrar-
~hes-ei como o "Tu deves", de Kant, é substituído facilmente pela
fantasia sadeana do gozo erigido em imperativo - pura fantasia, é
claro, e quase derrisória, mas que não exclui em nada a possibilidade
de sua ereção em ~ei universal" (LACAN, [1960] 1991; p. 378-379).
Lacan comenta que a bipolaridade dos dois imperativos - pa-
radoxo sadeano ou imperativo categórico - tem como princípio o
tema do dire~to do homem que, a partir do Outro, pode levar o
sujeito, em sua divisão, ao limite radical de uma distensão onde ele
se encontra com a morte. Trata-se do Outro livre, da liberdade do
direito do Outro ao gozar. Trata-se de uma extração de dor pelo
Outro, onde não há saída senão pela via estoica (LACAN, [1963]
1998, p. 781-782). , .
O que vai interessar a Lacan, na alcova de Sade, ~ a nque_z~ da
e. . d ~ o campo literário. As fantasias neuroucas
1antas1a e sua perversao n • d
_ . , , ie de espetácu1o priva o men-
sao perversas Sua fantasia e uma espec . .
· não realizá-fa. O suJetto goza
tal, onde o neurótico se contenta em . A
, . , 1 boração como me10 de gozo.
so de pensar pois a fantasia e uma e ª . .
e. ' , d seio
iantasia torna o prazer acessive1ao e :., ·
o desejo vai ser o agente
154 SUPEREU I U•EREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

operador da equação, na qua1 a fantasia vai capturar o prazer e fixá-lo


no sensível (LACAN, [1963] 1998, P· 785).
No início de seu ensino freudiano, há um otimismo de que 0
eu, como mestre, iria encobrir as partes excluídas do isso, colocando 0
segundo em harmonia, síntese e domínio do primeiro. No final de sua
obra, 0 texto Aná/íse terminável e interminável (1937) assinala que existe
un1 fracasso do eu em dominar por completo a pulsão~ mesmo porque
a pulsão se divide e se mescla em Eros e Tânatos. Freud sublinha que,
fora do domínio do eu, vamos encontrar algo que sobra, que escapa e
é rebelde a qualquer domín~o. Esse resto, Lacan-denominou de objeto
a, e é nesse resto que reside a causa de desejo. Lacan comenta que
o desejo se enuncia na fenda do sujeito como vontade de gozo, mas
essa vontade de gozo já é destinada à impotência e à derrota. Nesse
resto, encontra-se a verdade do ser e concentra-se todo o seu gozo
(LACAN, (1963] 1998, p. 784).
No texto Além do príndpío do prazer, Freud revela que o sujeito
encontra um desprazer quando u1trapassa o princípio do prazer. O des-
prazer é uma espécie de aviso sob a forma de uma linha protetora que
não deve ser ultrapassada (FREUD, [1920)1990, p. 45). Esse desprazer
é resultado dessa ultrapassagem e está vinculado a um excesso, a esse
algo que sobra do outro lado da linha ~e proteção. O inconsciente
provoca um desprazer com a compulsão à repetição, e tal ato de repetir
faz sobrar um resto dessa operação. O que sobra está em excesso, e
esse resto ou excesso é se1npre produto da operação de repetição no
inconsciente. Ou seja, o inconsciente é uma máquina produtora de
desprazer sempre nmna mes1na direção, que tem origem no infant~l
(FREUD, [1920] 1990, p. 37).
O desprazer, como produto do aparelho inconsciente, tem
na teoria 1acaniana uma nova conceituação. Esse desprazer pode ser
denominado gozo. O gozo é o próprio desprazer que vai conua o
bem-estar. No entanto, o gozo faz parte da estrutura do sujeito, visto
que ele se encontra no real que o inconsciente abriga. Ainda é possível
assinalar que o gozo não é sensível à interferência de um logos que 0
coordena na direção de seu be111. Nessa altura, há um ponto co~nciden-
te entre 0 imperativo
· · n1oral e o imperativo sadeano. Ambos exigem
do sujeito algo extre1110, 1nais do que o bem-estar. Se, por um lado,

Oigi::ililOdo oom CôlmS:011"(!1'"


CAPfTULO 1\1 o E$ T
- . OICISMO, l<AN r, Sl\lJt t I.At AN JS!j

o.~ <:::remuna a causa d~ un1 sacrificio no i .•


. mpcrat1vo categórico, por
0~ lado. ordena uni n1asoqms111o no in P" .. •
. . 1 e1at1vo <10 ~ozo.
Se. do lado do SUJetto ele perceb l
_· • : e que a go folta pelo vit·s da
casrraçao. ele procura ren1ed10 para sua falta S.. 1 f: I · 1 1
__ d · · e a go a ta < o ado <lo
cneito por outro 1a o a1go sobra do I d0 d0 0 b' •
---., ' _ ' ª ~eto, como 1111possívcl
crereduzirou curar. Na conclusão da ana·1·Ise, o SUJetto · · se encontra no
~~r
~
de obieto
'J ' 1 1 a regu Iar, adequar e aceitar
de sorte que o poss1·b·1·t · o
~ modo de gozo. Pense no que ensina o dito popular diante da falta:
"O que não tem remédio, remediado está". Em outras palavras, um
problema qu~ não tem solução não é um problema, é uma estrutura do
ímpossível. E nesse ponto final da travessia da fantasia, onde o sujeito
leva em conta o real como resto da operação, que ele se encontra com
Kant e Sa.de, ao se deparar com) seu objeto a. Na psicanálise, não se
trata de curar a fantasía ou de tratar o supereu como já disse Lacan,
mas de atravessá-los e identificá-los com o osso da cura.
Retomando o conceito kantía010 na Critica da razão prática (1788),
o filó!mfo se ocupa de formular uma ética, a priori, que dispense as
relações objetais cmpírkas, pois uma moral fundada na relação de
objeto!; é contingente e sem universalidade, por isso não pode se
com;tituír como uma lei de pura prática. Não devemos considerar
011 objetos para akançar uma máxima necessária, a priori, racional e
de ~uprcmo valor universal. Kant encontra, na consciência moral, a
6tíca '"JUC procurava na lei da consciência, como lei fundamental da
rnzffo purn i,rátka: "Age de tal modo que a máxima de tua vontade
po~sa valer- te sempre como princípio de uma legislação universal"
(Ki\N'I', l1788J 2000, p. 40).
Kant ÍJltn,duz a ideia do bem barrado como fundamento da
111ornlídadc. Wo/,I, no sentido do bem-estar, é barrado para que possa
HurKir ô (;fite, 0 bem, que é O objeto da lei necessária e moral. O be1:1
C]llc Bt propõt é um bem que dispensa a empiria, _q~~lquer que seJa
nua c;ondição. S6 entffo, Ul1l bem fl priori é que poss1b1hta ascender-se
,:o,no Kuprnmo v:1Jor universal (LAcAN, [1963] 1998 , P· ~7,7)- Numa
~
nl llH,,o d I · moral o su1e1to recebe
ao supercu c:omo regente e urna ei . '. _
t)rclt'llHnum tom Íl11pt!rattvo
. categonco , · e incond1c1onal. Entao,
.
po-
.
d~"'NC ' 1~uuz1r
, qu e h(i um rna1s
. aI'e1n no pro'prio Kant · O 1mperat1vo
.
caft'ijÔrko de Kant não assegura o bem-estar, ultrapassando a hnha
156 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

de proteção egoica do "princípio do prazer" e pode ser, rnesrn


o,
propiciador de n1al-estar.
M1.11er, contentando Lacan, assegura que a frase-chave do texto
Kant cem, Sade é "não ceder no seu desejo", que o comentador traduz
como "fazer o seu dever", ou "fazer o seu des~jo" (MILLER, [1985]
1997, p. 164). Por conseguinte, a tese de :'acan e q~e a ~antasia sade-
:ma serve como instrumento de percepçao para visualizar O que há
de oculto no imperativo kantiano. Se, por um lado, temos a voz de
uma enunciação da consciência moral no imperativo categórico, por
outro lado, a enunciação no imperativo sadeano é uma voz encarnada
como liberdade extremada do Outro e direito ao gozo de quem quer
que seja (MILLER, [1985] 1997, p. 189).
Na filosofia da alcova, Sade expressa a ideia de que é impossível
gozar do corpo completo. Então se faz necessário recortá-lo para gozar.
Na fantasia sadeana, o corpo deve ser fragmentado. O que importa
é dividir o outro com sua angústia, na medida em que se ameaça
de antemão com o que vai ocorrer. Dizer que vai ocorrer a dor é
provocar a emergência da angústia. Então pensemos, retomando os
dois imperativos: "Age de tal sorte que a máxima de tua ação possa
valer-te sempre como princípio de uma legislação universal" (KANT,
[1788] 2000, p. 40) e "tenho direito a gozar, pode dizer-me quem
quer que seja", do Marquês de Sade. Em primeiro lugar, considera-
mos que o conjunto do imperativo sadeano é menor e cabe dentro
do imperativo kantiano. O imperativo kantiano não desmente nem
anula o imperativo sadeano, uma vez que o imperativo de Kant é a
priori, e o imperativo de Sade é a posteriori. Consideramos que Kant,
em sua moral "Age de tal sorte que a máxima de tua vontade ...",
não delimita se a ação é boa ou má, pois sua ação implica uma ação
par~ além do princípio do prazer. Então, pode-se deduzir que, na
realidade, essa ação é um conjunto maior onde inclui a ação sadeana
"Ti h0 d· ·
e~ 1reito a gozar do teu corpo, se1n limite do meu capricho..."'
que e uma ação específica de gozar do corpo alheio, bater, retalhar,
fragmentar e até matar.
A segu nd a parte da enunciação kantiana coloca a ação moral
dentro do universal A d .
0 mal, deve se tornar
· · con uca do sujeito, seja para o bem, seJa para
. . t
antes, uma lei universal. Então, a segunda par e

Oigj:aliza<lo com CólmSc.i,,.'ICr


CAPÍTULO IV - O ESTOICISMO. KANT, SADE E LACAN 157

eh, cnunci:'1ção
. ...
kantiana"[...] possa valer-te sempre
, ,, ·
. , . d
como pnnc1p10 e
um:i lcgtslaçao unwersal coaduna com a segunda p t d . -
" . ar e a enunc1açao
sadcana Pode ...dizer •quen1 quer
. , • .
que seia"
J ,
seia
J
eu o sujeito,
• • seja . eu o
obJcto

dessa açao no•
1111perat1vo

de Kant , seia
J O eu goza d or, seja
• eu o
objeto gozado no 1mperat1vo de Sade. Lacan comenta que Sade serve
de instrumento de den1onstração do objeto oculto na enunciação de
Kant. No caso, o objeto a, em Kant ou em Sade, aponta para a mesma
direção (LACAN, [1963] 1998, p. 780).
Aden1a~s, Lacan relata que em Sade o verdugo se encontra
como objeto a na encarnação do verdadeiro da vontade de gozo,
con10 desejo in1perativo de reduzir sua vítima à condição de puro
sujeito. Se, por um lado, o desejo, na neurose, se constitui a partir de
uma pergunta, por outro lado, o desejo do peryerso, como vontade
de gozo, é un1a resposta, pois o perverso está convencido de saber a
verdade sobre o objeto oculto.
Nun1 processo de análise, há uma redução da diversidade dos
personagens participantes na fantasia, mas a sua base permanece a
mesma, pois a fantasia fundamentaj é est~tica. Não é possível mobi-
lizá-la, entretanto, pode-se atravessá-la. O ~mportante é não se deixar
tapear pela fantasia. Lacan comenta que Sade não se deixa enganar
pela sua fantasia, uma vez que ultrapassou seus limites na fantasia,
colocando-a a seu favor, como literatura, pelo viés da sublimação
(LACAN, [1963] 1998, p. 786).

Conclusão
Enfim, pode-se concluir que os estoicos e Kant formam a fonte
da qual Freud bebeu para elaborar o conceito do supereu. Assim, Freud
assinala, com embasamento em Kant, que o imperativo categórico é o
herdeiro do complexo de Édipo. De outro modo, podemos asseg:irar
que, en1 Kant, já havia algo do supereu, visto que Freud propoe o
iniperativo
· categonco
, . como s1nommo
· ... · do supereu · Por outro. lado,
Lacan tambem , soube tirar
. prove~•to d e Kant ao isolar
. ... .o conceito. do
iinperativo
· categórico em suas d1mensoe
' - s de ex1genc1as, como 1m-
' I de cumprir e como 1mpossive
Poss1ve · ' 1 de suportar. Ademais, . Lacan
.
soube ir além, ao propo~ uma junção e l]ma disjunção, no hm1te do
r

158 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

· , 1, com Kant e Sade , 1·á que o imperativo


1mposs1ve , .categórico
. não so'
se opõe ao imperativo do gozo como tambem c01nc1de com O im-
possível de cumprir e com o impossível de suportar.

Notas
25 Segunda navegação: Platão no seu diálogo Fédon propõe dois tipos de
solução para os problemas do mundo. Essas soluções são extraídas de uma
passagem da Odisseia, quando Eustáquio explica a teoria da navegação.
Platão propõe uma primeira navegação feita com velas içadas ao vento. Ela
é dispensada aos processos de caráter fisico do mundo sensível. De acordo
com os naturalistas pré-socráticos, são as respostas encontradas na natureza
1
1
sensível que explicam o fenômeno. Por outro lado, a segunda navegação é
aquela que se emprega quando o vell!tO se torna ineficaz. Navega-se com
1
! os remos. A segunda navegação corresponde a um novo método com uma
nova lógica. Espera-se com esse esforço que o conhecimento alcance o nível
metafisico e suprassensível, alcançando o que está por detrás das evidências
do fenômeno.
:!.6 Kant vai desenvolver, mais tarde, o núcleo dessa ideia na Crítica da razão
prJtica (1781).
n As inclinações são as paixões. Segundo Zênon, as pai'Xões são a dor, o medo,
a concupiscência e o prazer. A dor é uma contração irracional da alma;
suas espécies são: a compaixão, a inYeja, o ciúme, a rivalidade, a aflicão, a
mdancolia, a inquietação, a angústia e o desYario. O medo é a e:\.-pectatiYa
do mal. Existem algumas espécies de medo: o terror, a excitação, a vergonha,
a consternação, o pànico e a inquietação. A concupiscencia é um apeàte
irracional, e a da subordinam-se as seguintes espécies: a necessidade, o
ódio. a .unbiç.io. .i in. o amor, a cóler.i e o ressentimento. O prazer é uma
exalr.1çào irnciona.l diante daquilo que se considera digno de ser escolhido.
A el~ se subordinam o encantamento, o gozo maléYolo, o deleite e a efusão
(L-\ERTIUS, 1988. p. 206).
~ Scóa: significa pórtico. Filósofos do póràco, esroiru,n0 _

L
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. . ., r
Dlgltollzcóo co-n C;;imScanrocr
,
p
161

Introdução

Neste capítulo efetua-mos, através de seus seminários, uma


pesquisa pormenorizada do conceito de supereu na obra de Lacan.
Eventualmente faltarão elementos conceituais contemplados em se-
minários a que não tivemos acesso. Propomos aqui não só colher os
elementos que dizem acerca do conceito do supereu, como também
circunscrever as questões que entrecruzam o assunto, como o ideal
do eu, o sentimento de culpa, a punição, a reflexão moral e a lei.

O supereu como derivado do isso

Inicialmente, Lacan assinala que o supereu é uma lei desprovida


de sentido e que só se sustenta na linguagem. O curioso e instigante
é que, desde o primeiro momento, Lacan realiza uma elaboração
radical e coerente sobre o supereu, dispensando parte da elaboração
freudiana que pauta o supereu nas relações de sentido, no que tange
ao conceito moral advindo de influências externas da figura paterna.
Segundo Lacan, quando existe uma voz de comando, há uma
tentativa de adequação, por parte do sujeito, de seu c01nportamento à
ordem ditada. Outro elemento que nos surpreende é o fato .de Lacan se
rnanter coerente, desde O início, ao colocar o objeto parcial voz como
condição sine qua non da fundação do supereu. Então, pode-se deduzir
~ue O ''tu deves", proposto por Lacan como modalidade do supereu, se
interpõe antes da consciência. Esse "tu" que surge para o sujeito vem do

Olgh11llz:11dô <:cm C,l 'llSC~n"lt'r


162 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

outro como uma ordem e um amor, uma vez que ambos _ 0 d


r eni e
amor- estão acoplados um ao outro (LACAN, [1953-1954] 197g
Mais. ad.1ante, Lacan vai. se preocupar em d.1st1nguir
· s'p. ll).
_ . O upereu
do ideal do eu, uma vez que nao se equivalem. De acordo com Laca
pode-se ficar com a definição sintética de que o supereu é coercitiv:,
ao passo que o. ideal do eu é exultante. De início, ressaltamos qu e, se'
por um ladofLacan afirma que o supereu se coaduna com a noção
de lei, por outro lado, também se correlaciona com o seu contrário,
sobretudo no seu caráter insensato, cego de puro imperativo e de
simples tirania/O supereu tem uma relação com a lei, mas ao mes-
mo tempo trata-se de uma lei insensata que chega a ser o próprio
desconhecimento da lei.
Pode-se assinalar que o supere1;_n~q_é_sa~sa e sim efw2 da) ei da
linguagem ou _da ausência d~l~. E a lei da linguagem ou a sua ausência
- - ~--
modela a função do supereu. No que toca ao conceito do supereu,
pode-se afirmar, sem reservas, que há um paradoxo muito justo nessa
instância. Lacan assinala que g suE~ey §_,u_çi, ~~s ao mesmo tempo
~ destr:uição da própria lei. Entretanto, faz-se necessário situar de que
lei se trata, pois a lei do supereu de que trata Lacan está menos para
a lei moral do que as leis da linguagem.
Nomeado por Lacan (1953) de figura feroz, o supereu corres-
ponde às figuras da pré-história do sujeito e dos seus traumatismos
primitivos (LACAN, [1953-1954] 1979, p. 123). Quando Lacan comenta
a pré-história do sujeito e seus traumatismos primitivos, ele se refere a
algo que não é recoberto pela linguagem. Então, pode-se considerar
que o supereu apresenta uma faceta, em sua fundação, desprovida do
simbólico e outra situada e recoberta pelo simbólico. Sendo assim,
pode-se entender por que Lacan propõe o supereu como aquilo que
encarna o que existe de mais devastador, fascinante e primitivo na
experiência de vida. Ele é o comando da lei em seu ápice, mas ao
mesmo tempo não é nada da lei, a não ser sua raiz, seu elemento es-
scnciaJ. De outro modo, pode-se entender essa passagem da instalação
do supereu como aquilo que se instala na implantação da linguagem
entre o real e o simbólico.
Considerando a ideia de lei no supereu, pode-se afirmar q~e
essa lei se reduz, no seu todo, a uma coisa que não se pode exprirn-If
CAPÍTULO V - LACAN E O SUPEREU 163

....
a não ser como 'tu_ deves"...,Esse "tu deves" h . .
. - c ega ao SUJe1to corno
uma palavra d esprov1da de todos os sentido 0
/ . • . s. supereu se apresenta
como um untco s1gmficante, na verdade sob a fi . .
. ' orrna mais reduzida da
]ínguagem - mm tas vezes apenas um significante_ •• d
. , prop1c1an o todo
um automatism.o perturbador. Lacan denomina O d
. ~P.~~~ _e E.ª1avra
~rPduz1da
--;:..;...-- _.a seu caroço, de palavra reduzida a seu no' , de paIavra no da
1
e também de tnedula da ~alavra (LACAN, [1953-1954] 1979, p. í 2S).
Interessante e preciso a expressão "medula da palavra" para
designar o supereu, que parece alcançar sua justa representação. Assi-
nala-se, em outra consideração, que a representação do supereu corno
"a pa Iavra re d uz1'da ao seu caroço " ou "a palavra nodal" está presente
na concepção do supereu em Melanie Klein. Uma concepção que
abriga a ideia de uma superestrutura que contém, no seu interior, o
elemento sádico e, no seu ex~erior, o aspecto do ideal.
A partir da ideia de caroço, de Lacan, e da ideia de supe-
restrutura, de Klein, que aparentemente se opõem, propõe-se
uma figura de linguagem em que oj ~_e r~~) ucaico, o supereu
do declínio do complexo .,.. de Édipo e o ideal do eu possam ser vi-
sualizados em cdjijunto, no seu aspecto topológico, representado
por um{fruta) Primeiramente, ao se descrever uma fruta, existe

---
a casca como aquilo que está em contato com o mundo exterior,
recebendo toda a sorte de estímulos e influências externas, que
representam ctffü!arao '-. -
·e-u ·) Em seguida, pode-se dizer que é(•põlpa_
- • __-::,, -
; I
da fruta, como ~egião nobre, representa o suE_~[~l!..Q~,,.declínio do :>
c.Q.rppJ~~o ..de Édieo, cuja parte diferenciada separa a casca externa
de seu caroço interno. Por fim, encontra-se o sup·ereu arcaico visu-
alizado como(éar~ço _d~uro))Ó ~le~ento mais e~Set?,Ci,~l e pri_~i~i_v~,
que carrega consigo o Freud designou de elemento "filo_genet1co .
Portanto, o caroço abriga, em seu conteúdo, a potencia nuclear,
ª herança filogenétíca. .
Com o nos record a Freu d (1923) , 0 supereu carrega 1mpres-
.
sões filog , . d heranças experiências arcaicas
. enet1cas preserva as por ' . , .
Perdidas para a h 'duo de existência de mcontave1s eus. E
erança, res1 . d .
Freud t belece a parhr o isso,
acrescenta que quando o supereu se es ª
Pode-se estar revivendo
' formas ressuscita
· d as do eu · Lacan concorda
cotn Freud b d . da herança a partir de seu aspecto
so o ponto e vista .

Olgitatrzaoo com CemScanntr


,,
164 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

histórico, situando o supereu como a figura feroz da pré-his~ória d


. . . . o
sujeito e dos seus traumatismos pnrrpt1vos.
De acordo com Freud,
A diferenciação entre o ego e o id deve ser atribuída não ap enas
ao homem primitivo, mas até mesmo a or?anismos muito mais
simples, pois ela é expressão inevitável da influência do mundo
externo. O superego, segundo nossa hipótese, originou-se
em realidade das experiênc~as que levaram ao tote~ismo. [...]
As experiências do ego parecem estar perdidas para a heran-
ça; mas, quando se repetem com bastante frequência e com
intensidades suficientes em muitos indivíduos, em gerações
sucessivas, transformam-se, por assim dizer, em experiências
do id, cujas impressões são preservadas por herança (FREUD,
[1923] 1980, p. 53).

Reton1ando a ideia do caroço de uma fruta para pensar o su-


pereu, pode-se afirmar que, em primeiro lugar, essa ideia contribui
para o entendimento topológico do supereu em relação ao eu e ao
ideal do eu, uma vez que o caroço do supereu se origina do isso. Em
segundo lugar, o caroço nos traz a ideia de algo que carrega em si a
própria potência, a herança arcaica, no seu elemento filogenético -
palavra tão prezada em Freud. Por fim, o caroço traz a ideia de resto
e de ossatura da fruta, coadunando-se com o pensamento de Lacan,
quando ele pontua o supereu como elemento medular, reduzido, como
raiz e corno elen1ento .9-~§P..r.9v.ido~.de....qualgu~li~~ o.
Lacan considera que a sinton1atologia paranoide é esclarecida
pelo reconhecimento do supereu. A queixa dos doentes mentais de
estarem sendo vigiados é justificada em consonância com a realidade.
Mesmo em pessoas norn1ais, o supereu se presentifica com aquilo que
se identifica com a censura, com aquilo que os observa, os ordena,
os adverte, de que conhece seus pensan1entos e critica suas intenções
(LACAN, j1954] 1992, p. 158).

Não obstantt:!, Lacan desde o princípio nos traz um conceito


st
ba ante inovador sobre o supereu. Há passagens, no Seminário 1, em
q ue de ·surge• b·as•t ante t·reu d'1ano, sobretudo ao con1entar que e, no mo-
mento. do •dcclín 10 · d o comp
, lexo d e Ed1po
' · que se produz a 1ntr0Jeça
· · ~o '
ou SCJa ' '·1 mversio

fc
- 0 que era ora se torna dentro e o que era pai s
· e

0lgit11liz11docom CamSc~
CAPÍTULO V - LI\CAN ( O SUPER U 165

torna supereu. lac:u1 considera que a imagem d:1 forma do outro é


;1sst111iida pelo sttjeito, pda lógica da rclaçJo do for., com n dt•ntro e
da superfície com o interior. Ent;'io, o supercu r algo que se comtitui
a partir do isso introjetado no cu e do que est:í no nnmdo externe,,
0 modelo parental, introjetado no cu (LACAN, l 1<)541 1')92, p. l'H,).
A certa altura, Lacan interroga: afinal de contas, 0 que é 0
supereu? Ele se diverte dizendo que a resposta p:trcce cvidc11tt·, mas
não é, e alega que todas as referências que foram feit:1s ao imperativo
categórico e à consciência n1oral não clareiam o conceito (LACAN,
(1954] .1992, p. 215). En1 contrapartida, de antemão, o imperativo
categórico e a consciência n1oral, embora presentes como traços ca-
ricaturais, não funda1nentan1 a base do conceito.
Lacan descreve o supereu como uma função de integração sim-
bólica da história do sujeito. Reton1ando as suas origens, o supereu
aparece em Freud sob a forma de censura. Pode-se perguntar por que
Freud escolheu o termo censura para designar a função do supereu.
A censura, responde Lacan, tem a missão de enganar por meio da
mentira. Contudo, Lacan apenas sinaliza algo sobre a censura como
função do supereu, pois será somente no Seminário 2 que ele vai clarear
a função de censura ao diferenciá-la de resistência.
Retomando as considerações sobre a implantação do supereu
na fronteira do registro simbó~ico, pode-se afirmar que/q_supereu,
-~
de modo exuberante deixa sua marca ao dividir o mundo simbólico
' - ... ~
d9..,,~jeito e~(d~i~7 em u-~~ parte reconhecida e acessível em conso-
nância com a !ei,· e em outra desconhecida e interditada, discordante
da lei, ou seja, fora da ~ei/Ao mesmo tempo, ele oferece o acesso ao
registro simbólico e O interdita. Lacan comenta que o que se opõe
a uma exata compreensão do supereu não é a face inacessível, mas
justamente sua face acessível e reconhecida (LACAN, (1954] 1992, p.
226). Uma vez que a parte acessível ao sentido joga a compreensão
para o campo da moral e da lei, e de algum modo vela a percepção
do sujeito, a em relação à parte inacessível e interditada do supereu.
, . Ao assinalar que O inconsciente está cindido pelo ~istema sim-
bohco e que O simbólico não recobre O todo do inconsciente, Lacan
assegura que o supereu é, ao mesmo ten1po, o elemento provocador
dessª cisao
· ~ e o elemento fronteiriço. Sen d o assnn,
· ' '-.!1:.11-
0 J.~1P:~eE._e_

Digitalizado com C11 11Sc.ln~r


166 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

. enunciaf!~ ~i~.f~<?!dante, c..,<~g9, r~p_<~ti_tiyo e ignorado ~


Não obst~nte, o supereu integra-se à lei da linguagem. Em contra~
partida, também se trata de um enunciado registrado e promovido
ao primeiro plano do inconsciente por um evento traumático, sern
tradução simbólica, que reduz a lei da linguagem a um caráter inad-
missível, que não se integra (LACAN, [1954] 1992, p. 229).
Como o supereu se instala no sujeito como um evento trau~
111ático, não traduzido, observa-se que, num processo de análise ,
o supereu se expressa como inibições, bloqueios e paradas na fala
do sujeito. Assin1, torna-se necessário aguardar um longo tempo
para que o sujeito se desembarace das tramas do supereu (LACAN,
[1954] 1992, p. 323).
Enfim, o supereu se constitui como derivado do isso e do
1:!~_del<:>_12ar:en~~J i!:].troj~t~d~s nq_.eu atr~vés d~ _)eis da ~i_E~~-~ge.!!!_~
de ta] sorte que tem uma relação própria com a lei, mas ao mesmo
tempo, trata-se de uma lei insensata, que chega a ser o próprio des-
conhecimento da lei. Esse desconhecimento da lei se inscreve como
lei incompreendida.

O supereu se inscreve como a lei incompreendida

O s pós-freudian os consideraram a censura e a resistência como


sendo sinônimos. Entretanto, Lacan afirma que a censura não se con-
funde com a resistência. Se, por un1 lado, a resistência do sujeito está
ligada ao registro do eu, ela se institui como tudo aquilo que detém
o traba]ho analítico, por outro, a censura tem uma estreita relação
com o disc urso interrompido pron1ovido pelo supereu. O discurso
interrompido é a !ei, na medida en1 que ela é incompreendida e
inapreensíveJ. Ninguém é um ignorante da lei. Entretanto, ajei,J
st'~llprc incon_1prcendida, pois ningu éin a apree_nde -~n:i §!ll_!'lQ_Q• A
Jei se comporta pelo seu caráter parcial, pois sua possibilidade fun-
damental é não ·se""r· compreen
• d 1·d a no seu co11Junto.
· A fi1na I, nen llllu~
..,.,
homem
t
pode d onu11,1r,
· . cm seu C0llJUnto,
. . a lei. do discurso
. (LACAN,
l1954I 1992,p. 164-165).
' · um exemp1o curioso
.. . Lacan re]at·1 · para defender sua tese. O
escritor Raymond Q , .
uencau, no seu hvro 011 est toujours trop bem avec

Oigitalizado com CllmSc.ann«


CAPITULO V - U~C/\N E O SUPEREU 167

[es femnres, chega a uma conclusão muito semelhante à da personagem


Iv;n, de Dostoievsky: "Se Deus não existir", diz O pai, "então tudo é
permitido". "Se ~ rei da Inglaterra é um babaca, tudo é permitido".
E a partir de entao, o romance n1ostra que a personagem não mais
. recusa nada a si mesma.
Com efeito, para os súditos de Sua Majestade britânica é mui-
to importante .que não se diga que o rei da Inglaterra é um babaca.
Entretanto, quen1 disser tal verdade terá, como punição, sua cabeça
decepada. Qualquer lei prin1ordial e semelhante, que comporte como
indicação a pena de n1orte, tem a possibilidade de ser incompreendida.
À lei cabe proteger a figura do rei, de deus ou do pai. Então, o sujeito
é tomado pela necessidade de suprimir tudo o que a lei proíbe dizer.
Mas no fundo ninguém compreende exatamente por que teria a cabeça
decepada pelo s~mples fato de dizer essa realidade flagrante. Então, o
núcleo da proibição é desprovido de sentido. O sujeito é tomado pela
necessidade de eliminar do discurso tudo o que a lei proíbe dizer.
Então, essa proibição fica incompreendida. Na realidade, ninguém
pode entender o fato de ter a cabeça decepada por dizer essa verdade,
uma vez que ninguém apreende de fato onde se situa a proibição.
É justamente !!QJJ_úcleo da_proibição,_onde a lei não se registra,
u~se)i:!~Y~..QjJ.}p_e_re.u. Então, pode-se assinalar o ~_wects,_p~_radox~!
do supereu, uma vez que ele reside justamente noserile-â ã proibíç~õ,
onde não se inscreve a lei. Lacnn nos alerta que é justa1~ente _1~0 q_ue
,· ~~side d~.JE-e~p1icável, na coisa dura, no s~m sentido que a existência
d_~..Lei se aga1~a e .fo~ com q1;1e haja unJ.a. A existência da lei se agarra
ao inexplicável, à coisa dura da raiz do próprio discurso (LACAN,
[1955] 1992, p. 166).
O súdito do rei tem 1nuitas razões para querer expressar coisas
que tenham uma relação direta com o fato de o rei da Inglaterra ser
um babaca. Na re;-ilidade, 0 súdito sonha que tem sua cabeça decepa-
da . Sobre o castigo imposto pela Jd "ter a cabeça decepada", é lícito
saltentnr que ess;-i ideia foz parte do inconsciente infantil. Não se trata
de deseJar · um castigo, tampouc.:o de um masoquismo · ·
primor d'.1al ou
~11es1~10 de uma at1topuniçffo. Na verdade, trata-se de uma censura.
st0
e a censura: uma lei incompreendida, implantada, introduzida e
11lediada pelo supereu (LACAN, [·19551 l992, P· l67).
EPUS' DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS
168 SUPEREU 1 UER ·

0 supereu é aquilo que aterroriza o sujeito~ que constrói nele


.
smtoma s eficientes , enigmáticos, elaborados e vivenciados , que se
encarre..g,,••111 de representar a lei incompreendida pelo suieito
;, , lllas
desempenhada por ele. Os sintomas se incumbem de encarnar 0
supereu e lhe fornecein sua figura de mistério e enigma. Assim, não
é necessário que se con1preenda a lei, pois o sujeito está mediatizado
pelo imperativo "cun1pra-se". O sujeito nunca consegue apreender a
lei 110 seu conjunto, e a lei nunca é assumida completamente. Pode-
se deduzir disso que a lei é não-toda, conceito que muito mais tarde
vai se desenvolver a partir da teoria dos conjuntos (LACAN, [1955]
1992, p. 167).
A -_censura
. ..-.
e .o s1:1per~1-1 têm que ser situados no mesmo regis-
!fº q1_1 ~ ~ l~i .. A censura é um discurso concreto, na medida em que
--
domina o sujeito e faz en1ergfr imagens fulgurantes, que fornecem
ao ser seu inundo próprio. No fundo, trata-se da relação do sujeito
com a lei en1 seu conjunto. Entretanto, cmno não há uma relação de
completude. do sttjeito con1 a lei, algo está sempre descoberto, não
estabelecido. O qtie se encontra desprovido de sentido no campo da lei
é a censura do supereu. A censura está no plano do discurso, uma vez
que nele se constitui um universo simbólico. No entanto, ela situa-se
onde há algo de irredutível e discordante. A lei não é compreendida
pelo sttjeito, no entanto, é desempenhada por ele. Para exemplificar
a censura, Lacan afirn1a que "[...] basta que um de vocês tenha um
pai acusado injustainente de um crime que não cometeu para que a
lei apareça con1 sua forn1a 1nais discordante e dilaceradora" (LACAN,
[1955] 1992, p. 168).
Existe algo na lei que não é dado à compreensão, que não é
dado à relação de sentido. E é justa~nente no fora de sentid~ g11.e
~ ~ide!n.o sup~r_eu e a__çen_~ura. _La~an esti-di~~nd~~ue háJ_!go da ld
..guc p_ert.Énc~ ?0 for:a .da lei. Ao desenvolver o conceito de supereu,
Lacan
. trata de afast ar d e sua- el ab oraçao
~ .
os conceitos "
censura fireu-
diana" e "lei . .
, . compreensiva e ditada pelo pai", como fez Freud. pelo
contrario Lacan ap · de
.. ' , roxm1a o conceito de censura e de supereu ao
uma lei mcompreend.1d d d s
1 , ª• e uma enunciação discordante e fora ª
re açoes de sentido.

- Dlgitalliado c om CamSc:ervier-
fJ - LACAN é; O SUPEREU 169

o
romrlexo de Édipo vem
__ - _
· d
mais tar e superpor essa estrutu-
oçio prinn~ confenndo motivos no sentido mais ornamental do
refillO- Por ~ns~te, 0
pai e ª mãe surgem como personagens de
CII1 rolD2Il.C~ ramdJar, desempenham os papéis de alvo de identificação
e alro da escolha do objeto, enredando toda uma trama trágica de
aronrecimencos (LACc\...'-, [1953] 1992, p. 316). Aqui, pela primeira vez,
Lacan introduz a ideia de um supereu primitivo, originário do regis-
rro matemo. Por outro lado, ele já esboça a ideia de que O complexo
de Édipo é om~ental e confere motivos à estruturação primiti~a,
de sorre que o Edipo é introduzido de maneira muito atual, como a
ideia de um semblante que possa oferecer coruistência de sentido nos
planos simbólico e imaginário.
Ao extrair a ideia da peça O anfitrião, de Moliere, Lacan descreve
o supereu como um homem sem nome, uma espécie de encarnação
de um personagem interior, que acredita que o objeto de seu desejo
e a paz de seu gozo dependem de seus méritos. Trata-se do homem
do supereu, aquele que quer se elevar sempre à dignidade dos ideais
do pai, do amo e do senhor, e que projeta, no registro imaginário,
o alcance de seus ideais de acordo com seus méritos (LACAN, [1955]
1992, p. 333). Por outro lado, Lacan também se refere ao supereu
como uma espécie de sombra, de grande general, de rival, de amo,
de senhor e às vezes, também de escravo, já que propõe o supereu
como aquele que separa o sujeito de tudo o que deseja alcançar e o
despoja de tudo, ele reconhece como o seu desejo.
É importante observar como o supereu se expressa nas palavras
de Moliere: 29

- Estou com um cacete nas costas.


-E quem foi?
= Eu.
-Tu, bateres-te?
- Não o eu daqui. Mas o eu lá de casa que me espanca. Re-
cebi testemunhos disto. Aquele diabo, daquele eu surrou-me
como se deve.
- Eu, já lhe disse.
-Quem, eu?
- Este eu que me moeu com pancadas.
!?O SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Em resuino, pode-se propor que, no núcleo da proibição, onde


a lei não se inscreve, inscreve-se o núcleo do supereu. Assim, assinala-
se O aspecto paradoxal do supereu, uma vez que ele reside no cerne
da proibição onde não se inscreve a lei. Então, é importante observar
que~~ lei ci~ ~Escreve a p_rQ.ipiç?.Q; entretanto, 119 c_~µ_e_da.Jtr~ ,
há p
- fora dajei. O supereu é uma espécie de sintagma da linguagem,
_.,. _ . _ - .

composto de um núcleo e de outros termos que se unem formando


uma locução. O sintagma do fora da lei se expressa pela modalidade
do "Tu és aquele que deves".

"Tu és aquele que deves"

A contribuição de Lacan para o conceito do supereu, no Se-


minário 3, surge sob a modalidade de investigação do presidente
Schereber. Lacan introduz a discussão sobre a ordem significante
como tudo aquilo que "[...] afeta o seu ser, o que resulta na formação
do que chamamos, em nossa linguagem, o supereu" (LACAN, [1955-
1956] 1985, p. 216). Comenta que o supereu estabelece uma questão
de saber qual é a ordem de entrada do significante no organismo hu-
mano, pois o significante tem que se arranjar com a rede significante
e com o próprio ser. De acordo com Lacan, o que se encontra nessa
encruzilhada é algo próprio do sintoma, por exemplo, um signifi-
cante que permanece enigmático quanto à sua significação. A morte
e o nascimento são eventos radicais e enigmáticos que não possuem
significações (LACAN, [1955-1956] 1985, p. 217). Considera-se, de
acordo com o que Lacan até agora tem assinalado, que é justamente
nesse ponto enigmático, fora de sentido, situado entre o significante
e o ser, que reside toda a ação do supereu.
O supereu se coloca como esse "tu", e a fala se constitui tanto
de um "eu" quanto de um "tu". Trata-se de dois semelhantes que,
no entanto, não se estabelecem em sÍlnetria ou reciprocidade entre si.
O "eu" sempre sustenta uma presença no conjunto do discurso - seja ·
no. estilo direto ou no es t1'lo m
· d'1reto. No 1ntenor
· · da enunciaçao
· ~ d0
discurso O " " .
' eu surge como agente, onde o "tu" aparece de maneira
velada. O "tu" se 'd . .
evi encia por dentro das entrelinhas do discurso
(LACAN, [1955-1956] 1985, p. 310).
CAPITULO V - LACAN E O SUPEREU 171

Com isso, Lacan demonstra que at , d r. _ . ,


" ,, ' raves a runçao 1mphcita
do pronome tu , o supereu toma consistên · A fc
.d d d . . eia. orma do supereu
tem a finah a e e objetivar o personne ou · .
. , ' Seja, aqui 1o que se des-
p ersonaliza.
, .
Na hngua francesa fica muito ela
" . ra a presença desse "tu"
imphc1to. Ex: ']e ne suis pour personne". "D'ou vient
. . , ,, _ , que personne en la v1e.
n'est satisfait de son. etat? Nao ha necessidade
· de expressar o pronome
,, tu" para ser o "tu " que nos ta1a. Basta que algo esteja ocu1to, um
pouco de absurdo, um fora de sentido e que remeta O sujeito à sua
desagregação (LACAN, [1955-1956)1985, p. 311).
Esse "tu" tudo vê, tudo entende, tudo observa, tudo anota. Esse
"tu" é mais que um pronome. Ele se expressa em sua locução: "Tu
és aquele que deves". Esse "tu" é incansável e incessante, e provoca
respostas sem nenhuma espécie de sentido. Em "Tu és aquele que [...]"
a segunda parte da frase, que deveria ser assumida, é rejeitada. Esse tu
se assemelha a um corpo estranho, um pequeno crustáceo que tem
seu vestíbulo aberto para o meio externo e que, ao se fechar, guarda
algumas partículas do meio, que vão facilitar sua posição vertical.
O "tu" se expressa como fora de suspeita nul ne s'en doute. Essa
frase tem como tradução livre "um cidadão acima de qualquer sus-
peita", pois o supereu tenta agir não despertando suspeita, angariando
confiança do eu, para esse dizer "tu és o meu mestre!" Essa frase
sinaliza para uma espécie de busca do ideal. Sem sombra de dúvida,
um ideal que tornaria o mundo feliz, caso não houvesse suspeita.
Entretanto, nada é mais duvidoso do que aquilo que aparece por in-
termédio do "tu" (LACAN, [1955-1956] 1985, p. 312). Então, é através
da mestria do supereu, dessa confiança por ele prometida e garantida,
que se estabelece O sentimento de confiabilidade na realidade.
Lacan pontua a frase "Tu és aquele que me seguirás por toda
parte" em relação ao esquema do Outro. Lacan assinala que o sujeito
e o Outro são sempre recíprocos. A mensagem do Outro é re_cebida
de forma invertida pelo sujeito na medida em que O funda na lmg~1 ª~
gem· O Outro nao ~ e, um ser. E' , portanto , um lugar onde se const1tm
0 eu que fala com aquele que escuta. O Outro não existe, a menos
Para Schereber, que tinha O Outro absoluto, radical e encarnado na
fi?ura de Deus (LACAN, [l 955 _1956] 1985, p. 308). O Outro e~tá no
nivel do "tu" e também no nível do "que me". Em contrapartida, o

Dlgl:11llzOOO com ComSconocr


172 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

sujeito se encontra na din1ensão do "seguirás". O que confere peso à


frase é O "tu". Na conjugação verbal "tu és", lê-se "tu és aquele que llle
niata". Esse "tu" é um significante enig1nático e derrisório, que indica a
hiância a que nenhum significante poderá responder com significação.
Nas línguas indo-europeias antigas e em certas nínguas vivas
sobreviventes, encontra-se a denominada voz média ou voz reflexiva.
A voz 1nédia: se distingue da voz passiva e da voz ativa pelo fato de 0
sujeito agir e1n causa própria. O sujeito faz de si o alvo da sua ação.
A voz n1edia, na língua portuguesa, é conhecida como voz reflexiva.
Por fim, existe1n verbos que possuem apenas a voz média. São aque-
les em que o sujeito da ação está na condição do objeto da ação. O
supereu se explicita pelos verbos da voz média. São verbos médios,
tambéin denom.inados de reflexivos: nascer, morrer, seguir e ativar
u1n movimento, ser mestre, estar deitado, jogar, tirar proveito, sofrer,
voltar a um estado familiar, ter paciência, experimentar uma agitação
mental, tomar as medidas e falar. Enfim, todo verbo que entra em
jogo na experiência analítica (LACAN, [1955-1956] 1985, p. 316).
Considera- se, de acordo com Lacan, que é justamente nesse
ponto enigmático, fora de sentido, situado entre o significante e o
ser, que reside toda a ação cio supereu. Essa ação superegoica é tingida
de confiança e garantia, uma vez que o supereu, pqr intermédio do
"tu", coloca-se como "um cidadão acima de qualquer suspeita". No
entanto, não há nada mais duvidoso e estranho que o supereu que se
expressa por esse "tu".

O supereu na relação com o objeto

Lacan, no Se111i11ário 4, assinala que o supereu se constitui a partir


de um mecanis1110 de co111pensação à frustração. Não se trata de uma
frustração qualquer, mas de mna frustração que só é pensável como
a recusa do dom - o do111 con10 síinbolo do ainor. Em decorrência
Lia frustra\:ão do amor materno, a criança realiza un1a regressão oral
ao objeto primitivo de devoração. Essa reação de incorporação tem
0
eu modelo inspirado na incorporação de certas palavras, de sig-
. s_

111l·icani-es mestres que estão na origem da formação precoce daquilo


lJUc ·se d1 ·1111·' ,, ei·,eu. o que o SUJe1to
' ... "t1p, · · a fima 1 incorpora,
· sob o no me

L
CAPITULO V - LACAN E O SUPEREU 173

de supereu, é algo de análogo ao objeto de necessidade, na medida


em que subst~t~i a.falta do Don1 (L~CAN, [1956-1957] 1995, p. 178) .
. O dechn10 do con~plexo ~e Edipo é correlativo da inscrição
da lei con10 recalcada no 1nconsc1ente. A lei não é simplesmente algo
simbólico que regula a comunidade dos homens, mas ela é aJgo do
real que se apresenta sob a forma de um núcleo permanente e denso
denominado consciência moral. Esse núcleo do real, também deno-
minado de supereu, encarna no sujeito suas formas extravagantes e
caricatas das mais variadas apresentações. A introdução do supereu no
sujeito corresponde ao "tu és". Ou seja, o supereu é um significante
sem sentido que registra a relação do homem com o significante.
Nunca se sabe exatamente o momento em que o supereu entra em
ação e nunca se sabe ao certo qual será o efeito produzido no sujeito.
Esse supereu tirânico, que entra em jogo, é profundamente contin-
gente e paradoxal, pois representa por si só um significante que marca,
imprime e impõe o selo [sê-lo], no homem, de sua relação com o
significante (LACAN, [1956-1957] 1995, p. 216).
A posição do pai simbóbco pode ser dita como o Deus do
monoteísmo: "Eu serei o que serei" (cf. Ex. 3,14). 30 Acontece que tal
enunciado, encontrado no livro sagrado, não pode ser dito por nin-
guém. Em outras palavras, o pai simbólico é impensável e indizível.
O pai simbólico é o pai morto, que antecede a história. É preciso que
ele seja assassinado. Sua morte lhe dará eternidade. O pai simbólico
só intervém por intermédio do pai real que, ao preencher essa função,
permite vivificar em cada pai comum uma nova versão do pai morto.
31
Em 26 de ju,nho de 1957, Lacan corrige Fliess, argumen-
tando que não há diálogo externo ou conveniência na formação do
supereu. O supereu é uma instância interna que tem na sua gênese a
esfera auditiva, na medida em que é formulado a partir da função da
palavra. Essa montagem se realiza doravante da estruturação de u~1a
rede apreendida nos momentos em que O sttjeito escuta as modulaçoes
sintáticas na sua forma pura ou nas palavras sem significação. .
A criança, numa fase precoce, captura o signnficante dos pais
no seu element o mais . arcaico,
. fcora de sentido e estrutural, sem cor-
relacionar estrutura e sentido. Assim, o objeto voz é somado ao
elernento e · ·, . d . •ficante Então o supereu se constitui
mgmat1~0 o s1gm 1 · '

Diçit.illudo com C.amSc;,Y>er


174 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

• t"anci·a 1·nterna devido à integração e ao armazenamento, p or


como 1ns
.
parte d a criança, de um significante
, em. sua, estrutura
. fundamental
. .A
partir da interiorização - do carater en:g~atlco, ~~spr~vido de senti-·
do _ do significante, pelo viés da pulsao invocatona, e que se situa 0
elemento primordial do supereu (LACAN, [1956-1957] 1995, p. 402).
0 supereu, em decorrência da frustração do amor materno,
apresenta uma regressão à fase oral canibalística, na qual a criança
incorpora certos significantes mestres, mediante a pulsão invocató-
ria, que estão na origem da formação do. supereu precoce. O que 0
sujeito afinal incorpora sob o nome de supereu é algo de análogo ao
objeto de necessidade, uma vez que ele substitui a falta do dom do
amor. Posteriormente, Lacan desenvolve o trâmite legal do declínio
do complexo de Édipo até o supereu como seu herdeiro. Sendo as-
sim, o supereu, herdeiro do complexo de Édipo, surge contornando
o supereu arcaico.

Supereu, realidade e ideal do eu

No Seminário 5 (08/01/1958), Lacan baliza o Outro como sede


do código que cruza com o desejo na linha do significante. Por causa
desse cruzamento, o Outro produzirá uma refração no desejo pelo
significante, de sorte que o desejo chega como significado diferente
de como era antes. O Outro é o lugar ah origine onde se situam o
código, a lei e as proibições (LACAN, [19570-1958] 1999, p. 155). Então,
pode-se de.d uzir que o Outro contém o código que pode ser expresso
através da lei simbólica e de sua proibição. Em contrapartida, nesse
mesmo Outro há um lugar de extimidade, onde se situam o supereu
: sua censura. Em 22 de janeiro de 1958, Lacan se ocupa em situar o
Edipo e o localiza no que denominou de três tempos do Édipo. No
primeiro tempo, a instância paterna se introduz de forma velada como
matriz simbólica e como lei simbólica já instalada. Nesse primeiro
te~po, 0 sujeito se identifica especularm~nte com aquilo que é 0
~bJet~ ~~ desejo da mãe. No segundo tempo, surge o pai no plano
imagmano como aquele que priva a mãe de seu falo e frustra a criança
de sê-lo. A verte n te imagmana
· · , · do pai• remete a mãe a uma .lei• que e'
do Outro uma vez ·
' e que o pausurge como suporte dessa lei. Por fim, no

.......
Oiyiti.litl:IOO 00111 Cti111S<.am1,...
CAPITULO V - LACAN E O SUPEREU 175

terceiro tempo do Édipo, o pai se apresenta ao fi]h 1


. o como aque e que
é portador do falo e digno de uma identificação E •d 'fj _
. . · ssa 1 ent1 1caçao se
realiza nos moldes do ideal do eu. Enfim no trt'a"' . b, .
_ . ' ngu 1o sim o11co que
Lacan propoe, te1n-se o ideal do eu no lugar em qu e. Ih , N
. ,. e o 11 o esta. o
vértice do tnangulo, onde está a mãe, constitui-se a realidade. E no
último vértice do triângulo, onde se encontra O pai· fco '
, . , rma-se o que
mais tarde sera denominado de supereu.
Ainda sobre o ideal do eu e do supereu, pode-se dizer, com Lacan
(19 de março de 1958), que a pergunta sobre o que é o ideal do eu não
tem uma resposta unívoca. A função do ideal do eu se distingue e não
se confunde com o supereu, embora tenham a mesma origem. o ideal
do eu tem uma função que se coaduna com a econon].ia do desejo, u~;
vez que realiz~.a -~ss~_gçã~ sexual e social do sujeito. Sobre o supereu,
Lacan faz uma aposta de ensino, colocando suas fichas mais na existência
de um funcionamento significante, que estabelece relações intersub-
jetivas, do que numa instância severa, que fica à espreita do sujeito,
impingindo-lhe sofrimentos atrozes (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 302).

O desejo na neurose obsessiva

Perseguindo Lacan em seu percurso no Seminário 5, depara-


mo-nos com o supereu na neurose obsessiva. De acordo com Lacan,
quando o ~bsessivo está disposto a transpor a barreira da demanda e
partir em busca do objeto de desejo, o que se nota é a intervenção do
supereu na forma de acidente extraordinário. O supereu coloca arma-
dilhas para o sujeito, impedindo- o de alcançar o objeto de seu desejo.
Quando corajosamente se arrisca erµ direção ao objeto de seu
desejo, o obsessivo é levado a almejar a destruição do Outro, pois a
aproximação do seu objeto de desejo acarreta uma baixa de tensão
da libido, e O obsessivo responsabiliza o Outro por essa atenuação da
libido (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 415).
A estrutura do obsessivo tem uma relação muito estrita com o
d~sejo. Não com O desejo enigmático (dx), como se relaciona_ o sujeito
histérico, mas com O desejo zerado (do). O desejo do obs~ss1vo sofre,
através de uma desfusão [entbindung] de suas pul:ões, um ~solan1ento,
Utna anulação e uma destruição. o obsessivo ve seu desejo esvaecer,

Olgit,Ht aClo com CemSc;awi«


176 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

diminuir e vacilar à medida que ele se aproxima de seu objeto de


desejo. o obsessivo, diante de seu desejo, comporta-se como no jogo
do "chicotinho queimado", às avessas: quanto mais perto do objeto,
mais frio fic.-i. No relato do dia 27 de outubro de 1909, Freud assinala
um sonho, do Homem dos Ratos, em que o sujeito anda pela rua e se
depara com uma pérola. Quando se abaixa para apanhá-la, ela sempre
desaparece e reaparece passos adiante. No sonho há uma enunciação:
"você não pode". Mais tarde, em análise, o sujeito associa que chamava
sua dama de "uma pérola entre as jovens" (FREUD, [1909] 1980, p.
274). Esse sonho denota o desejo impossível do obsessivo.
O obsessivo se comporta como se tivesse sido apresentado ao
desejo de seu rival. O desejo do Outro é o desejo de seu rival, pode-se
assim dizer, pois esse desejo deve ser destruído e anulado. O sujeito
responde ao desejo no estilo de uma reação à imagem do Outro que o
arruína. O obsessivo só estabelece uma boa relação com o seu desejo
quando o n1antén1 a distância. O sujeito tem que se manter a uma
boa distância de seu desejo para que o objeto sobreviva. O obsessivo
estabelece uma relação, com o seu cônjuge, extremamente truncada,
ora cruel, ora piedosa. O obsessivo se esforça para destruir o desejo do
Outro. O obsessivo está sempre preparado para golpear o falo do Outro.
Ele desfecha um ataque surdo, que tem como finalidade um desgaste
permanente e que tende a levar à abolição, à depreciação e à desvalo-
rização do desejo do Outro (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 479-480).
O desejo do obsessivo se mantém para além da demanda, visto
que o coloca como proibido. O obsessivo faz com que o seu desejo
seja suportado pelo Outro, sobretudo por que ele é proibido pelo
Outro. Em contrapartida, o obsessivo camufla o seu desejo, pois o
sujeito espera uma retaliação da parte do Outro ao manifestar o seu
desejo. Sendo assim, o obsessivo, por medo de sofrer uma agressão e
ser destruído pelo Outro, está sempre pronto para a guerra. O medo de
sofrer uma retaliação é equivalente ao desejo que ele dirige ao Outro.

A demanda do obsessivo

O obsessivo cria impasses e obstáculos não só ao seu desejo,


mas também à sua de man d a, p01s,
· · no iundo
e. . •
da demanda, o sujeito vai·

DloltallHdo com CamScanner


CAPITULO V - LACAN E O SUPEREU 177

encontrar o anseio de morte. .Essa demanda de mort e firagmenta e d e-


sarticula a demanda do obsessivo, motivando a anul açao,
- o 1so
• amento
1
O silêncio prolongado e o surgimento de todos os seu s mecamsmos
• '
de defesas. A d~manda de morte não é uma tendência mortífera e,
na análise, manifesta-se na atividade da fala e na simples articulação
da fala com injúrias, silêncio, censuras e pausas de pensamentos. Na
atualidade, essa demanda de morte pode ser reconhecida na prática
dos esportes radicais.
A demanda de morte não visa o outro em sua relação dual,
imaginária, como se pode pensar a princípio. Essa demanda visa
exdusivamente o Outro simbolizado, fazendo com que a demanda
de morte retorne ao próprio sujeito. A demanda de morte resulta
em uma demanda integrada ao discurso do Outro, como aquilo que
concerne ao campo do Outro. Na verdade, pode-se entender ' que é
no campo do Outro que se localiza o lugar da demanda. No final de
análise, o obsessivo se depara com essa verdade desvelada, de sorte
que se cump[e a morte da demanda, pelo esvaziamento da demanda.
Deduz-se, então, que no processo analítico, o sujeito se inicia pela
demanda de morte e finaliza com a morte da demanda.

As estratégias do obsessivo para com o· Outro

a) Blasfêmia: O sujeito luta como pode contra o Outro. Usa


ato, palavras, ruminações é pensamentos. No intuito de depreciar o
Outro, o sujeito lança mão da obsessão verbal, do sacrilégio verbal
denominado blasfêmia. A blasfêmia não é dirigida a um qualquer,
mas ao pai, ao criador, a Deus. O blasfemador faz decair o signi-
ficante, que está situado n~m lugar de autoridade suprema e que é
chamado de pai. A blasfêmia tem por finalidade fazer com que o
Outro decaia, sob efeito metonímico, à categoria do obj eto,' favo-
recendo O seu à.taque e a sua destruição. A bfasfêmia é lembrada por
Lacan e exemplificada por Freud nas Notas sobre um ca:o de net~rose
o~sessíva (1909), quando o menino é tomado por u~a col~ra furiosa
d1~igida contra seu pai. No fundo, quando o menino xingava seu
pa~ de prato, guardanapo e tâmpada, não tinha e~ mente qu_e seu
Pai era um a 1ampa d a ou c01sa
A . equi·valente · Mas tinha a finalidade

0igi:ab1.odo com CamS!:anne<


r

178 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

de fazer O Outro descer à categoria de objeto e destruí-lo (LA.cAN,


[1957-1958] 1999, p. 483). . . ·, .
b) Rivalidade: Diante de tanta rivalidade e es_trateg1as de gol-
pear o falo no Outro, não poderia ser de outra ~ane1ra a emergência
da culpa. No obsessivo, tudo que surge do_ desejo vem tangido pela
culpa, de sorte que O desejo só pode surgir ~e modo denegado ou
con1 a aura de culpa. Assim, a ideia de destruir o Outro vem sempre
seguida de uma culpa, que aparece mediante um ato de cuidar e salvar.
e) Submissão: O obsessivo faz com que o seu desejo seja su-
portado pelo Outro, na medida em que esse desejo é proibido. Sendo
assim, o sujeito teme uma retaliação por parte do Outro ao manifestar
o seu desejo. Com medo de sofrer um.a agressão e ser destruído pelo
Outro, o obsessivo oculta o seu desejo e está sempre pronto para a
guerra. No entanto, é uma guerra surda e de final previsível, à qual
o sujeito sabe que terá de se submeter.
d) Oblatividade: O temor de sofrer uma retaliação favorece sua
expressão pela oblatividade, tendo em vista sua submissão ao desejo
do Outro. O sujeito oferece uma aparência de dimensão altruísta, de
um amar mítico baseado na oblatividade. Pode-se depreender desse
fato a dimensão altruísta de pura submissão ao desejo do Outro, que
ele revela ao ofertar sua imagem. Sendo assim, a hostilidade é oculta
por detrás da oblaüvidade (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 429).
e) Altruísmo: O obsessivo inibe a agressividade dirigida ao
Outro, procurando poupá-lo. Poupar o Outro está no alicerce de
todas as experiências cerimoniais, bloqueios, inibições, precauções
e desvios, que são, em última instância, as manobras do obsessivo.
O problema é que o obsessivo terµ nesse altruísmo o cerne de sua
satisfação, uma vez que o sujeito se regozija quando colhe o reconhe-
cimento do Outro, a satisfação pela demanda cumprida.
f) Proeza: O supereu inflige ao sujeito toda sorte de tarefas
árduas, desgastantes e dificeis, que ele cumpre de bom grado. No
entanto, seu desejo não reside no terreno em que ele demonstra seus
feitos, porque a proeza é uma façanha destinada a sati.sfazer o Outro.
Trata-
. se _de u ma estrateg1a
' · d e enganar a morte, pois o verdadeiro ·
pengo nao está no adversário que ele dá impressão de desafiar, como
nos esportes radicais (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 431). O que 0

0lgit11liz11docom CamSc~
CAPÍTULO V - LACAN E O SUPEREU 179

sujeito pretende alcançar com a proeza nã 0 • , . ~


. . . e senao a perm1ssao do
Outro. O obsessivo vive pedindo permissão b ~
sem O te-1a. No entanto
com a proeza, ele procura se colocar como aq 1 '
ue e que merece uma
recompensa. Mesmo que alcance o sucesso de suas ar , d uas tareias e.
e
mereça uma recompensa do Outro , é vetado ao sUJe1 · ·to d es firutar d o
prêmio: a vida.
g) Acting out: Outro fenômeno que surge no cenário do obses-
sivo é a atuação [acting out]. É sempre uma mensagem endereçada ao
analista, quando ele não está no seu lugar. Pode-se dizer que se trata
de uma relação do sujeito com a demanda. Entretanto, toda demanda
é fundamentalmente inadequada no que tano-e ao encontro com a fa]ta
b '
enfim, com o complexo de castração {LACAN, [1957-1958] 1999, p. 433).

A fantasia na neurose obsessiva

A fantasia se encontra acoplada a um uso do significante. In-


clusive quando se fala de fantasias sádicas que, em última análise,
desempenham um papel fundamental na economia do obsessivo.
O obsessivo coloca as imagens - não de uma maneira cega, mas na
forma de certos roteiros e cenários de uma história essencial arti-
culada a significantes específicos - em sua fantasia como se fosse
uma obra literária.
Lacan comenta que há sempre uma mesma e específica fantasia
de conteúdo sádico, no entanto o sujeito se apresenta con1 um roteiro
de formas diversas e expressas em imagens mascaradas, no qual eÀ"iste
sempre outro especular. Pode-se dizer ainda que se encontram pre-
sentes, de maneira não rara, as fantasias de conteúdo de flagelação.
Sobre as fantasias de flagelação, Freud já as tinha considerado como
algo específico do fantasma fen1 inino. Lacan concorda com Freud e
precisa O momento em que se constitui esse tipo de fantasia no uni-
verso feminino. Trata-se do momento específico em que intervém o
significante falo na menina (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 422). E Lacan
Vai mais além quando propõe que a fantasia de flagelação desempenha
um papel importante na neurose obsessiva e em todos os casos em
~ue se depara com as fantasias sádicas. A fantasia é essencialmente un1
imaginário preso a uma função significante.

Oifir:oliz;Jdo com CQITISCoonct"


, 180 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

A essa altura interroga-se por que as fantasias são de conteúdo


'd. E' i·mportante considerar que quem dá o tom para o conteúdo
sa 1co. ~
as fantasias é o supereu. O supereu nao como um significante
dess . , . S d .
qualquer, nias um significante en1~m~t1co. en o as_s1m, o _que é da
ordem dessa fantasia atrelada a mn s1gn1ficante essencial e emgmático
se expressa 110 exterior como sintoma. O que se pode denominar de
sintomas do obsessivo, Lacan vai caracterizar como exigências do
supereu (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 424).

A culpa para o obsessivo em Lacan

Neste momento, vale tecer algumas consideraçõ-es sobre a culpa


no Seminário 5, de Lacan ([1957-1958] 1999). Inicialmente, pode-se
afirmar que, entre a demanda (S<>D) e o Outro (A), encontra-se o d.
O desejo se expressa em forma negativa. O sujeito expressa seu desejo
agressivo ou desaprovador pela negativa: "não querendo ser agressivo
(...]". O sujeito manifesta o seu desejo, no entanto denegado. Lacan
vai pontuar essa denegação do desejo como expressão do sentimento
de culpa. No que toca ao supereu, torna-se necessária uma distinção
entre a culpa e a relação com a lei.-
Para Lacan, há sempre uma relação do sujeito com a lei. No
entanto, a culpa nasce sem nenhuma relação com a lei. Lacan con-
sidera que São Paulo deu um "passo ingênuo" ao articular o pecado
com a lei e ao afirmar que é a lei que produz o pecado. A experiência
analítica demonstra que não há necessidade de que exista Deus ou a
lei para que o sujeito se encontre imerso em culpa. Então, a frase de
Karamazov (Dostoievski) - "se não existe Deus, tudo é permitido"
- poderia ser colocada de acordo com a proposta de Lacan: "se Deus
está morto, nada mais é permitido" (LACAN, [1957-1958] 1999, p.
5~9-510). A propósito do sentimento de culpa, Lacan assinala que ele
foi ª manifestação subjetiva essencial do complexo de Édipo. O que
surge nos relatos de a ' 1· ~
_ na 1se sao ma111·fiestaçoes
~ de um desejo oculto pe1a
d e uma intervenç~ao dO pa1.· A fi1gura paterna surge sob a vertente
mae
o supereu expressa na fc d .e. •
,/ ' · orma e 1antas1as de castração.
, A culpa é uma den1 d 'd
d . h-. an ª senti a como proibida porque mata
o eseJo '. i::.la se inscrev n 1 ~
• e ª re açao do desejo com a demanda. Tudo

0.91t11l12,do com t:&m~co nner


CAPÍTULO V - LACAN E O SUPEREU 181

o qu e corre em direção à demanda contribui para O apa, gamen to d o


desejo. Na realidade, é a de1nanda que interdita O desejo, matando-o.
Dessa equação, surge a culpa. No obsessivo, tudo O que surge do desejo
vem tangido pela culpa, de sorte que só pode surgir, no inconsciente,
de maneira denegada ou com a aura de culpa.
Lacan afirma que a ·mãe benevolente emerge na medida em que
há uma atenuação do supereu feminino infantil, pois o supereu mater-
no é um supereu arcaico, conectado aos primórdios do Outro como
suporte das demandas emergentes do sujeito, que se estabelecem pela
necessidade e pelas experiências de frustrações, todas contemporâneas
da língua. Enfim, é através do supereu materno, do Outro primário,
que a criança estabelece sua dependência da demanda. Porque, no
fundo, por trás da demanda mais arcaica, está a demanda de amor,
como demanda absoluta. Portanto, são as relações de amor e de ame-
aça de perdê-lo que organizam as leis da linguagem para o sujeito.

O reino do comando

O supereu se expressa em três etapas, a saber: na etapa superior,


na etapa do desejo e na etapa da demanda. O que Lacan denomina
de etapa superior é a do reino do comando. Pode-se dizer que esse
reino do comando, apogeu do supereu, se expressa pelas leis da fala,
assim como os dez mandamentos. Os distúrbios começam a afetar o
funcionamento da fala assim que os mandamentos são desrespeitados.
Para o obsessivo esse comando funciona como ordem autônoma
1

que, no enta~to, não tem O crédito e nem é cumprida pelo sujeito


Pode-se ainda afirmar que, no obsessivo, esse comando só aparece
de maneira velada e fragmentada. Por outro lado, na psicose, esse
reino d o comando é levado a sério, e o suJelto
· · e' tenta d o a cumprir·
tais ordens. o comando do supereu não se apresenta mais velado e
fragmentado como no obsessivo, mas explicitado e completo (LACAN,
U957-l958] 1999, p. 511).
Lacan se debruça sobre O tema do supereu, a realidade e o ideal
do eu · N um certo ponto Lacan propoe ~ ,.
os tres tempos para o E' d'1po,
retom d ' . L d ,
. an o o Seminário 4 ([1956-1957] 1995). Ade1na1s, acan se etem,
lllais esp ec1ºfi1camente, na neurose obsessiva. E 1e 1oca1·1za ond e o reino
·
182 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

do comando ~~ supereu fa~ ingerências sobre o desejo e a demanda,


deixando o sujeito sub1nerg1do na culpa. Quanto ao dese, 0 0 sup
'J , ereu
0 interdita, deixando-o insatisfeito. Trata-se de um desejo zerado or

estratégias de perda da tensão libidina1, por anulação, por forma:ão


reativa e por destruição. Quanto à demanda, o sujeito busca uma
parceria co1n a morte quando estabelece com o Outro rivalidades e
estratégias de reconheci1nento com suas proezas. Se o obsessivo se
encontra diante da demanda de morte, no plano simbólico, no final
de uma análise, desvelará a 111orte da demanda, pois a demanda de
morte se localiza no campo do Outro. No final da anáHse, há um
esvaziamento do Outro, há uma morte da demanda.

O supereu no desejo e sua interpretação

N'O seminário, livro 6: o desejo e sua interpretação (1959-1960),


Lacan se ocupa discretamente do supereu. Em 19 de novembro de
1958, Lacan con1enta que Freud descobriu o supereu através de sua
expressão no discurso primitivo, puramente imposto e, ao mesmo
tempo, marcado por sua arbitrariedade básica e orígína1. De que dis-
curso primitivo imposto Lacan nos fala? De que modo esse discurso
tem, na sua origem, a arbitrariedade? Seria um discurso afásico, sem
palavras, que vem do Outro e é impresso no sujeito? Possivelmente.
Esse discurso primitivo, que vem do Outro e se impõe ao sujeito,
vem de forma contingente. Sem dúvida - continua Lacan em 10 de
dezembro do mesmo ano -, trata-se de um discurso sem enunciado,
mas que tem uma enunciação subjacente como seu suporte.
Lacan retorna com a temática do supereu ao abordar o Hamlet,
de Wil1ian Shakespeare. No seu comentário do dia 18 de março de
1958, Lacan considera que a personage1n Hamlet, para acalmar seu
sentimento de cu]pa, faz investidas frustradas sobre seu padrasto para
encontrar fora o verdadeiro cu]pado que está dentro de si. O pai surge
como fantasma superegoico para dirigir o ato de vinganç~. A direção
desse
· ato es" ta' a1·1, me d'1a d a pe]o supereu, extratumba, de maneira ·
sagrada e materializada. Esse supereu agrega autoridade, seduç.io e
, ' mas· ao n1esmo t empo, coIoca o SUJeito
grandeza · · como VJanu
'· dt!S-
possu 1da de ·seu •am or, d e seu po d er, de seu trono e de sua feJic1d.1
• · d e-

--
C:•WIIUl( V - IAC/\MI 1,•,IJl 1ll~l·II Hf1

sltt"t'n.' t ~~t-,1 prt'::-t'ntt' tambt'l\\ na psip,,._., . . • .


,· , •~ •. .• ? ' · '-·' .,t'l 0 1110 111stanc1a qui;
5e ~:-cr~ ~ .• cr..., t5 d.t ' oz. Em _Q de maio de 191:11 L· ,
- _ • •' , .1c,111 ,,rns111:1
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'\."ll: x,.._-1..,unente t" o pe$o real do su·ll't. t<>
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. no l1·1scurso . .Scnc.1o
...~~m. r one
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t..,n -$:" à fonnaçào
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da insf'i' nr i·' 1 ele, sttp
.. ercu, esse peso rca 1
c11.1 ~ - ~--cZ-é'IT.1O entr.l e1n •Jogo "--' con10 algo que rcpt·"s ~ e
--n ta a mstanc1
• • •a
ie: urn Outro no real.
Enfim, lacan Propõe_ 0 super~u como um discurso afásico,
m:i~ - O e imE~Jo sem palavras. Lacan se utiliza do texto de Hamlet
pGF~ dizer que o pai surge como fantasma superegoico para dirigir O ato
de rrugança. Assim, o supereu agrega autoridade, sedução e grandeza
::.o mesmo tempo que coloca o sujeito como vítima despossuída de
sai amor, de seu poder, de seu trono e de sua felicidade.

O supereu é uma moral

Lacan, no Seminário 7 ([1959-1960] 1988), prefere o termo


"ética'' ao termo "moral" para discorrer sobre o universo mórbido da
falta em seu mais elevado grau. A falta e a morbidez de seu universo
imprimiram sua marca em toda a reflexão moral do homem. Embora
a religião e a ciência tratem a reflexão moral com otimismo, no que
diz respeito à atenuação da morbidez e ao desaparecimento da falta, a
psicanálise não lida senão com a atração da falta. A falta de que se trata
se encontra no caminho da punição. É uma falta obscura que clan1a
por punição. Lacan pergunta se a falta se originaria no assassinato do
pai primevo de Freud- cujo mito desenvolveu a cultura-, ou se sua
origem estaria na pulsão de morte (LACAN, [1959~1960] 1988, p. 10).
A pulsão de morte se impõe como primordial e originária, an-
terior à falta. Haja vista que Freud (1920) escreve, em Além do princlpio
do prazer, que a pulsão de morte se encontra presente na natureza, nos
animais invertebrados, muito antes da civilização. Cabe assinalar ainda
que tendo a falta como estrutura - resultado da pulsão de morte-, surge
0
mito do parricídio.
.,.. · mora1, que re fcerenci·a a sanção ' situa a ação do
A expenenc1a
homem em relaçao ~ a uma 1e1· arucu
- nao · 1ada, mas '. a um
, . ideal .de
. . con-
duta. Pode-se afirmar que a dimensão ética da ps1canahse se d1st,1ngue
da reflexão moral, porque a dimensão ética se encontra para ale1n do

Diglt11IIZ.11dc cem C8mSc lllll'!ef"


184 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

mandamento, para além do sentimento de obrigação. Para a psica-


nálise, 0 sentimento de obrigação, quando onipresente, denomina-se
sentimento de culpa. E uma das finalidades da psicanálise é apaziguar
a culpa, não obstante todos os empecilhos. Afinal, o caráter exorbi-
tante do sentimento de culpa inconsciente diz respeito ao domínio
ético. Na realidade, a psicanálise, dentro de sua perspectiva, procura
domar o gozo perverso do inconsciente. A psicanálise é uma espécie
de refúgio que o sttjeito procura c~m a demanda de não sofrer, e na
qual o sujeito deposita toda a sua esperança de que, mediante o pro-
cesso analítico, será libertado de sua ignorância e de seu sofrimento.
A mitologia proposta por Freud, como a experiência formal
do assassinato do pai primevo, reflete uma transformação da energia
pulsional em culpa e punição. Diante do ser supremo, o homem se
sentiu em dívida pela sua criação. A dívida e a culpa, na língua ale-
mã, têm uma mesma palavra para traduzir os dois sentidos =- Schuld.
Sendo assim, o sujeito se sentiu em dívida e extremamente culpado.
Dívida e culpa, na realidade podem ser sinônimos. Quando há al-
guém culpado de um crime, esse alguém é devedor, isto é, tem uma
dívida para com a sociedade e deve pagá-la com uma pena. A dívida
pode ser comprovada no Antigo Testamento Bíblico, quando Deus
se insurge todo o tempo contra o homem para cobrá-la. No Novo
Testamento Bíblico, Deus envia seu único filho como um terceiro
elemento mediador do perdão. A frase bíblica 'Jesus morreu na cruz
para nos salvar" esclarece-nos que Jesus morreu na cruz para nos
salvar da ira do próprio Deus. Com efeito, Jesus é imolado na cruz
como cordeiro de Deus.
Lacan considera essa culpa como uma f élix culpaJ2 (cf. vigília
pascal), uma vez guc dela se originou a civilização. No entanto, no
que toca à gênese do supereu, Lacan discorda que ela se constitua
ª J~cna~ a partir de um registro de urna necessidade social. No fundo, a
g<:ncs<::
. do SUJJcret1 ..•·st·
. ..; ,. .. f·.1, <fe ma11e1ra
-.e•,it 1.1c · rigorosa
· ,
e autonoma, no
rcgi s~ro da rcla~·âo do sujeito co111 a ll·i do discurso. A dimensão étic~1
da P111 ca11~'disc
· ·
se colo c.1
·· so
· (>1.e a Iruuçao ~ autouoma
, .
- ddmida por Freud
- do supcreu e de •u· , ·r ,
b s ,l s lll :llllll'Sla~·oes paradoxais sob a figura foroz t'
o scc11a, lia <jtl'll ·, imr·' .. 1
. .. , . ' · · .uiua 111ora se aprt·senta quando procura por
su,1s ra1zcs. E~sa CX Jlcriê1 . ·. 1
ici.i 111ora se resume na 111:ixima freudiana:

Digltallzildo com ComSci1nnct


CAPÍTULO V - LACAN E O SUPEREU 185

Wo Es war, Soll Ich tverder. Então pode-se ded · . , .


' uz1r que o isso e a raiz
do eu, e toda vez que o eu se interroga , surge sua raiz
· ex1. m. d
6 o seus
.
imperativos estranhos, paradoxais e cruéis propostos pe1a expenenc1a A •

mórbida (LACAN, [1959-1960] 1988, p. 16).


Assim, surge para o eu um dilema de segui·r, ou nao, ~ t ais · 1m-
· ,
1
perativos do supereu, discordantes, estranhos, paradoxais e não re- 1
conhecidos pelo sujeito como seus. O sujeito, sobretudo O obsessivo \
sa~e ~e ant~~o q~e se'-! ve!dadeiro &~~) i; c~ ntra e~·se -imperati~~ 1
do ~r~~. se~pre fo_!n:!..Ula_d o _c_o~o enjgmático. O pensamento
filosófico vem como uma representação da coisa, uma vez que pro- /
curajustificar o dever. O pensamento filosófico visa justificar aquilo
que o sujeito recebe de impacto como um sentimento imediato de /
obrigação. A justificação filosófica do dever ou de um mandamento
/
imposto se encontra no centro de uma interrogação universal, uma
vez que esse mandamento imposto irrompe, sempre do supereu, de
maneira enigmática. J
A tese de Lacan é que a lei moral é estruturada pelo simbólico
e se presentifica no real. A lei moral se afirma contra o prazer e tem
no real a via régia para o ideal. A ação moral enxertou-se no real
para alcançar o ideal. Na realidade, o imperativo moral infiltrou- se
por toda a experiência até o que se chama prazer paradoxal, ou seja,
o masoquisn10 moral. O Além do princípio do praz er demonstra em sua
face opaca e obscura a verdadeira antinomia de todo pensamento -
seja biológico, seja científico-, que é a pulsão de morte.
Para Lacan:
A pulsão de morte é uma lei para além de toda a lei, que só
pode se estabelecer a partir de uma estrutura final, de um
ponto de fuga de toda a realidade possível de atingir. Entre o
pareamento do princípio do prazer com o princípio da rea-
lidade, pode parecer uma aplicação de um sobre o outro, no
entanto, um mais além governa, num sentid? mais amplo, 0
. I -
COilJU nto de nossas re açoes com o
mundo · E nesse desvela-
mento que se encontra o mais · al'en1 do princípio do prazer
(LACAN, [1959- 1960] 1988, p. 31).

Esse f unda1nento moral do supereu se afirma como lei pri-


lUordial, lei de interdição ao incesto, como aquela em que se inicia

Oigitaliudo CQffl c.amsea - ,


186 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

a cultura e se opõe à natureza. Então, as categorias da psicanálise


como: gratificação, dependência e frustração, não ~ão senão a ope-
ração da coisa materna que ocupa o lugar do das Dtng. Esse das Ding
é O que faz com que O homem busque o que ele deseja reencontrar,
sem jamais alcançar.
A lei se estabelece, segundo Lévi Strauss, de acordo com O sig-
nificante e suas combinatórias na natureza humana, por intermédio do
casamento regulado por organizações de troca qualificadas de estrutu-
ras elementares. Essa lei é expressa, em última análise, sob a forma do
decálogo de Deus. Esse decálogo mantém o sujeito a distância de toda
realização do incesto. E "essa interdição ao incesto não é outra' coisa
senão a condição que subsiste a fala". Pois o decálogo de Deus é a con-
dição para que haja vida em sociedade (LACAN, [1959-1960] 1988, p. 89).
Para confirmar essa hipótese, é importante salientar que, mesmo
após as revoluções mais radicais, as novas ordens sempre recuperam as
bases dos dez mandamentos (LACAN, [1959-1960] 1988, p. 89). É útil
salientar que, mesmo os dez mandamentos não explicitando a proibição
do incesto, Deus se ocupou disso com Moisés. A lei de Moisés, no
código das leis do Antigo Testamento, 33 deixa explícita a proibição
do incesto com a mãe e todas as mulheres consanguíneas, denotando,
assim, as leis de parentesco que tanto interessaram a Lévi-Strauss.
, . Quanto ao mal-estar na civilização, Lacan assinala que a função
p~iqmca do supereu tem a prerrogativa de incidir no sujeito, produ-
21,n~o nele um desregramento. Todo exercício de gozo comporta uma
d1v1da para com a lei M · d • , , . .
/ . · ais o que isso, e necessano que algo dessa lei
seJa ou bem paradoxo, ou b em desregrado. Lacan assinala que Freud
defende a ideia de que t d O O
u que passa do gozo à interdição passa
) para reforçar a interdiç~ S d . ,
, . " . ao. en o assim, todo aquele que se submeter
as ex1genc1as da lei mora~ d 0 " .
. supereu reforçará as cruéis exigencias
superego1cas (LACAN (1959 19
, . ' - 60] 1988, p. 216). Lacan indaga por
gue essa estrategia não se d, , . .,
medid .
a em que impele o eu fc
ª ao contrario, Jª que o supereu goza na
a transgres ~ e-.
sao e o tOrçamentO ~
ªº orçamento e à transgressão. Portanto,
se realizam d sao necessários para que a lei exista e
apenas entro do prisma d 1 .
Lacan, em 27 de ab ·1 a~-
pelo Outro ad . n de 1960, comenta que a lei fundada
quue um grau d e estran h eza e enigma. Essa questao ~
CAPÍTULO V - LACAN E O SUPEREU 187

se desenvolve, de acordo com a proposta d L b ,


. . e acan, so a formufa de
S(A), que 1mphca a resposta derradeira à garanf1
~ , ª ped"d 1
1 a pe2 0 Outro.
No entanto, se nao ha nada, apenas falta O O t . .
, . . . , u ro se esvai, e o sig-
nificante e o s1gn1ficante da morte. Os dois ide · 'd
" ais persegm os pelo
ser humano,
. amar
,, a Deus sobre
. , todas as coisas"
, e "amar ao prox1mo, •
como a t1 mesmo se esvaem Jª que o drama do cristianismo é prefi-
gurado pelo drama da Paixão de Cristo, pela morte de Deus. E, por
fim, o mandamento "Amarás o teu próximo com a ti mesmo" surge
como o mandamento mais desumano e cruel: trata-se de desejar, ao
próximo, o pior dos males, pois o que reside no âmago do ser é a
pulsão de morte na sua mais pura expressão da maldade, na forma
de um núcleo destrutivo, repleto de energia agressiva, que retorna
para o sujeito sob a vertente do supereu (LACAN, [1960] 1988, p. 237).
É sobre esse âmago do ser, onde o supereu recolhe toda a sua
e11ergia agressiva, que se situa o real. De acordo com Lacan,

(...] o supereu se inscreve concretamente no humano, digo


concretamente para assinalá-lo corno inscrição no real, de uma
forma cuja economia se torna tanto mais exigente quanto mais
sacrifícios lhe prestam (LACAN, [1960] 1988, p. 363).

O supereu tem um tipo de econo~ia que pode ser classificada


como economia do agiota, pois ele exige mais sacrifícios de quem lhe
é devedor. Todos sabem O tipo de armadilha econômica que aguar-
da o sujeito, quando esse toma emprestado algum capital do agiota.
Pode-se batizar O tipo de economia que o supereu se expressa como
a economia do agiota: quanto mais se paga mais se deve.
Lacan, em 29 de junho de 1960, relembra Freud a~ afi~m~r
que o que resta do complexo de Édipo é incorporado sob a ms~anc1~
do supereu. Lacan recorda Freud ao dizer que, quand 0 obJeto e º
incorporado, como no célebre artigo Luto e melancolia (1914), o eu
lhe
. presta nao~ apenas a louvores mas tamb e' m a toda uma sorte de
insultos. Então, quando se incorpora o pai - por ser o eu mau para
consigo mesmo - é porque o eu tem muitos reclam~s a fazer. ~ ,
. .
Apropnadamente, Lacan cons1·aera que O pai da castraçao .e
distinto do p . . . ereu Em primeiro lugar, a parur
a1 que ong1na o sup · ~ ,
{ de seus ensinos no Seminário 5 ([1957-1958] 1999), a frustraçao esta
I

Dlgrt.?l:udoccm ~ -
188 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

a cargo da mãe simbólica. E1n segundo, o pai real é responsável pela


castração, e e1n terceiro, o pai imaginário é responsável pela privação.
Se por un1 lado, o pai real é o pai "fodedor" - que opera a castração
sünbólica - , por outro, o pai in1aginário é aquele que se coloca como
nlÍtico no declínio do con1plexo de Édipo, ou seja, o pa~ imaginário é
aquele que faz essa criança -:.,,:'quelqu; chose de malfoutu" - ser assim, tão
"fodida". Assin1, ódib, t~~r e culJE são como elemem ~s edif~ s
da gênese do supereu (LACAN,] 1959-1960] 1988, p. 369).
Lacan propõe, ainda em 29 de junho de 1960, uma questão: não
será em torno da privação e do luto que o pai imaginário se fomenta,
e se forja sob a forma do supereu? Por consequência, o sujeito faz
c01n que esse pai apareça como verdadeiramente alguém de valor. E
a recrin1inação se justifica, de maneira definitiva, amalgamando-se
na estrutura fundamental do suje2to.
Portanto, Lacan afirma:

É o pai imaginário, e não o pai real, que é o fundamento da


imagem prov~dencial de Deus. E a função do supereu em
última instância, em sua perspectiva última, é o ódio dirigido
a Deus, recriminação a Deus por ter feito tão mal as coisas
(LACAN, [1959-1960] 1988, p. 369).

O luto do Édipo está na origem do supereu como um duplo


limite. O primeiro limite é dito por Lacan como a morte real arrisca-
da, e o segundo limite é colocado como a morte preferida, assumida.
Pode-se interpretar esse duplo limite do seguinte modo: a morte real
arriscada como o declínio do complexo de Édipo, e a morte preferida.
assumida como o sujeito castrado, 0 sujeito falta- a-ser. Depois, esse
duplo limite do qual Lacan nos fala não se apresenta senão como a
forma de um véu (LACAN, [1959-1960] 1988, p. 370).
Enfim, Lacan pron1ove un1 debate sobre a coisa, a lei moral, os
ideais, terminando com un1 debate sobre O pai sünbólico, imaginário
e real. No que tange ao supereu sob a égide do real, Lacan localiza
) o ~-~-~~o _coE!q _tr~n~gre§~_?_o e força1n$,m.9j'Esse real que se coloca
1 como a pulsão de morte se iinpõe coino primordial e anterior à falta,
f
1 haja ~ista que Freu~ escreve no Além do princípio do prazer (1~~0! qu~ ªJ
pulsao de morte esta presente na natureza, muito antes da c1v1hzaçao
CAPÍTULO V - LACAN E O SUPEREU 189

Sendo assim, a falta se coloca como estrut


ura - resultado da pulsão
de morte ~para desenvolver o mito do parricídio.

o analista não se livra do supereu


No Seminário 8· ((1960-1961] 1992) Lacan volta a comentar sob re
º,. s~pereu ap_enas no capítulo ~III, no artigo Crítica da co11tratransfe-
renaa, a partir de uma longa discussão sobre a função do Outro. O
inconsciente rea~arece sen1pre sob o domínio do Outro, quando 0
analista procura situar a experiência do deciframento do inconsciente.
Lacan comenta que o analista não deve se afastar do caminho
do amor e do ódio por completo, se colocando fora do alcance das
paixões. Então, quanto mais supostamente normal for o analista, mais
legitimantes poderão se produzir todas as espécies de reação
E argumenta:

[...] eu diria, mesmo, melhor, pois, quanto melhor o analista for


a_nalisado, mais será possível que ele seja francamente amoroso,
ou francamente tomado por um estado de aversão, de repulsa,
dos modos mais elementares da relação de corpos entre si, com
referência a seu parceiro (LACAN, [1960-1961] 1992, p. 186).

Lacan vai denominar essa mutação do desejo como "desejo de


analista" a partir da passagem na qual Alcebíades se enamora de Só-
crates, no texto O banquete, de Platão. Lacan comenta que o analista,
assim c~mo Sócrates, deve recorrer à imagem deon~ológica·da apatia
na medida em que estiver possuído por um desejo mais forte do que
aquele qúe se encontra em causa (LACAN, [1960-1961] 1992, p. 187).
O que coaduna com nosso pensamento, até certo ponto, é o fato
de Lacan assinalar que O analista não está livre por completo de seu
supereu. O analista pode experimentar um sentimento de depressão,
de queda geral de interesse pelo caso, de desafeição e de desafeto e~1
tudo o que ele toca, sobretudo quando não consegue responder as
dem . tigo34. que Lacan
. and as do supereu. O que é interessante e' que O ar '
cita, propõe uma espécie de supereu analítico. Por conseguinte, Lacan
localiza o supereu "A partir do grafo do desejo que essa pro~osta se
clareia um , . l' do lugar do Outro que a hnha de
b ' a vez que e no mais a em
aixo lhes representa o supereu,, (LACAN, [1960-1961] 1992, p. 191).

Olgit:ilizodo com Com Srnnncf


190 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Não obstante seja indevido que se culpe o supereu por todos


esses acontecimentos, não se pode deixar de concordar que esses efeitos
depressivos no analista podem ocorrer qua nd0 há continuidade entre
a demanda do Outro e a estrutura do supereu. O que sem dúvida
chama a atenção é O fato de que se detectam os efeitos deletérios do
supereu quando "[...} a demanda do sujeito vem se introjetar, passar
como demanda articulada naquele que é seu recepiendário, de tal
modo que ela representa sua própria demanda de forma invertida"
(LACAN, [1960-1961] 1992, p. 191).
Lacan, em 15 de março de 1961, indica que o desejo do neu-
rótico é um desejo inconsóente, isto é, um desejo recalcado. Na
realidade, o desejo do sujeito está eclipsado por uma contrademanda.
Sendo assim, essa demanda não deve ser motivo de compreensão ou
interpretação, pois o que interessa está para além da demanda. Esse
lugar, onde se situa a contrademanda e encobre o desejo, se trata do
lugar onde se edifica o supereu, e é justamente o supereu que se presta
a satisfazer essa contrademanda.
Em 31 de março de 1961, Lacan faz um breve comentário sobre
o amor e a culpa. Lacan considera que o amor é a necessidade de ser
amado por quem poderíamos nos tornar culpados. Se amado por esse
ou essa, esse amor possui mais valor. Mesmo se a culpa não está presen-
te no desencadeamento do amor, cedo ou tarde os efeitos da censura
ativa sobre O objeto amado se manifestarão. Enfim, é justamente nas
formas de um amor 1n ais · au t"enttco
· que o supereu vai. se expressar
sob ª forma mais opaca e desconcertante. No entanto, é o ideal do
eu que servirá para restituir ao sujeito os benefícios do amor. Lacan,
nesse dia, vai se debruçar sobre o ideal do eu considerando-o como
~ CUJa
o ponto axial da ident1·fiicaçao, · 1nc1denc1a
· • " •' promove o 1enomeno
c. "

da transferência · Esse campo d o ideal


• .
do eu que mtervem , sobre a
transferência se O · . . '
' rgamza no 1ntenor do sujeito.
. Lacan critica que, no momento em que Freud elabora O con-
ceito
. ,. de ideal do eu, tem mn campo constituído de maneira · bastante
tngenua ' uma vez q ue nao ~ h'a d.1st1nçao
· ~ entre o 1magmano
• · , · e o real
na fundament
. ~ d ·d
açao ·
a 1 enttficação. Quando Lacan interroga sobre a
m~tapstcologia do ideal do eu, encontra uma teoria considerando as
ongens inseparaveis
' · d o ideal do eu e do supereu, ao mesmo temp o

fli!]itnl i11:rtn r.nm 1':11m Sr.nnnf'r


C/lPITIJU) V· L/,CMI E O SUPEREU 191

que se cxprcssa111 de maneira s di stintas. Talvez seja O tema da agres-


sividade que coloque um diviimr Je :iguas entre o ideal do eu e o
supercu (LACA N, 11 ')60- 19(, 11 1'J'J2, p. 337).
O supcreu de Freud, 110s comentários de Lacan, vai ser enun-
ciado como algo ela ordem de um objeto interccptor e imperativo
interiorizado. No cntauto, é mais fácil se fazer amar pelo ideal do eu
do que pelo objeto, que, num primeiro momento, foi indistinguível
do supcrcu. O ideal do cu, doravante constituído e projetado sobre
0 objeto, pode, com bons olhos, ser remetido a um lugar de máxima
importância do investimento amoroso para a identificação. No entanto,
essas projeções são não obscuras mas contingentes, gratuitas e casuais. O
ideal do eu arrebatado pelo entusiasmo do amor pode ser considerado
equivalente ao desejo de ser amado (LACAN, [1960-1961] 1992, p. 337).
Em síntese, Lacan localiza o supereu no grafo do desejo e as-
sinala que, quando o caso clínico não anda bem, é porque o analista
está submetido às ingerências de seu supereu e propõe o desejo do
analista como forma de tratamento. O desejo do ana~ista tem origem
no ideal de apatia estoica, visto que sua finalidade é colocar o analista
fora do alcance das paixões.

A identificação e a falta de sentido no supereu

Lacan, no seminário de 14 de março de 1962, retoma a questão


do supereu, mas de maneira muito pontual. Lacan usa da topologia
para descrever os mecanismos de privação e frustração. Ele comenta
que a privação, de modo objetivo, é a privação da coisa. Essa privação
que não se 'sabe, de que não se dá conta e que não pode ser contada
nas voltas do toro. É a partir da privação da coisa que se constitui a
eStrutura do desejo e onde se situam a origem e a fundação de toda

relação simbólica já estabelecida de antemão. O passo seguinte se dá


em. ~ ao Outro e à frustração. Portanto, a primeira
, , d'treçao · · vo1ta d O t oro
se un · que não pode ser contada, pois ela não vem em d'treçao
.. ica ~
ao
Uje1to, de modo que se torna a diferença absoluta de todas as outras,
supondo-se o lugar do Outro como um laço 1rre · d utive
' l·
A fiunção imaginária se revela presente na frustraçao
~ a' me d 1'd a
· ~ se estabelece de acordo com o rea 1, d e sorte qt2e a
que a pnvaçao

Dlçl'l.ali tado c:om C.llmSc:a·m,r


192 SU PEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

din1ensão do Outro se produz entre o desejo e a demanda. Desde o


início, o neurótico se vê caído nesta armadilha: fazer passar o desejo
pela demanda. O neurótico se vê às voltas com o Outro na medida em
que espera dele o objeto de seu desejo. Isso está na origem daquilo que
se pode chamar de dependência de relações do sujeito com o Outro.
De acordo com Lacan não há outro sentido para o supereu , a
não ser aquele que a psicanálise de Freud se concentra na descoberta
da existência do supereu como tal (LACAN, 14/ 03/ 1962).
Essa falta de senti~o, que o supereu opera entre o sujeito e o
Outro, traz ressonâncias na prática através dos impasses do neurótico,
seja os impasses com o seu desejo, seja aqueles grosseiramente sensíveis
em que se vê o neurótico tropeçar todos os dias. É importante dizer,
com Lacan, que o desejo do neurótico espera a sanção de uma demanda
advinda do supereu. E é isto que o neurótico espera do Outro: que
lhe demandem desejar, sem falar no que ele espera de seus pais, de seu
parceiro, de sua descendência e de todas as formas de conformismos.
Enfim, Lacan, nessa passagem, discute a privação e a frustração,
articulando-as com o desejo e a demanda, mediante a figura topológica
do toro. Assinala que o supereu coloca armadilhas para o sujeito, pro-
piciando sempre deslizamentos confusos entre a demanda e o desejo.

Um amor de supereu

Na lição de 05 de dezembro de 1962, Lacan afirma que o amor


do supereu pelo sujeito se estende no caminho chamado fracasso,
uma vez que o que é temido se torna êxito. Se for possível identificar
algum amor do supereu pelo sujeito, sem sombra de dúvida, traca-
se de um amor que coloca o sujeito numa posição masoquista . .Mas
tratando-se de masoquismo, pode-se dizer que esse fenômeno não
coaduna plenamente o sujeito com sua identificação ao objeto, pois
tanto no masoquista quanto no sádico só ocorre uma identificação
mediante um jogo de cena, mesmo que essa cena seja um sonho. No
entanto, o sádico não se vê em cena, só vê o resto. Pode-se afirmar
0 mesmo do masoquista. Ele também não se vê em cena, pois ndª

ele se reconhece como objeto - dejeto - do próprio desejo. O supe-


reu se encontra na verdade do objeto. O objeto de desejo é sempre

d
Olgl11Utado com C.mSCaMer
roasoquista,,, uma ,ez que ele deYe ~unnr d •d
• • • • eprec-ia o, de sorte que 0
- b'L&
supereu 1ndic.a essa parncufaridade do objeto.
Lacan re~ca seu ensino quando a;1-m
. . -· ª1a que tod os conhecem
os vínculos do estagio oral e o obieto
J
,·oz• N~ •__ ...1 encontram-
".,se penvuo,
se as.manipulações_ p rimárias do supereu · N essas
. m ampu
· laçoes
- surge
a endente conexa.o
. entre o supereu e a voz . Lacan comenta que o
supereu manifesta um amor pelo sujeito. N o entanto, trata-se de um
amor masoquista que impulsiona o sujeito para o fracasso, colocando-o
numa posição masoquista.

O supereu é a voz do Outro

Em decorrência de problemas institucionais que Lacan enfren-


tava dentro da Associação Internacional de Psicanálise, ele ministrou,
em 20 de novembro de 1963, apenas uma aula no seu seminário, de-
nominado Os N omes-do,..Pai. Nesse seminário, Lacan retoma o tema
da voz como expressão do supereu, assinalando que é na fase oral
que surge a expressão da mais profunda voz caída do Outro, como
objeto pequeno a. A voz do Outro deve ser considerada como um
objeto essencial, pois é a voz, o objeto pequeno a, pequeno objeto
que se extraiu do Outro.

As relações do sujeito com o Outro

Lacan, em 15 de abril de 1964, realiza uma transmissão sobre


os quatro conceitos fundamentais da psicanálise: o inconsciente, a
repetição, a pulsão e a transferência. O que nos chama ª atenção ~ 0
fato de que ele nos traz uma nova versão do inconsciente - um m-
consciente estruturado como linguagem - dispensa nd º' em parte, ª
0
topologia tripartite da qual participa o supereu. Ele chega ª pr~por
· . · , · apenas quando disserta
inconscientefreudiano e o nosso. Nesse senunano, · ' .
sobre o conceito da transferência, é que enuncia algo do supereu, mais
propriamente no seguinte parágrafo:
, . , . d definida em diferentes níveis. Por
A pratica anahuca po e ser . ,. .
_ d lação do sujeito com as mstanc1as
exemplo, as concepçoes a re

....
Ul',lllitl1"t1<.ll/ com Ctlll \&:tlJllll'I
-' 1 1) \· t)Plcil N·i 1\ t)•, ·,11 h IJI ', IIN< J'_i
l:)-l . ii't"t~t 111 1111; 11 t " , ' '

... ,~,·c'thl d •llni11 11 ~1 St'~t111dn tt>piCí1 t omo o Ít/ga/ d(j ct, IJL/ CJ
(Jlk
supc:rc'tl s:1<) pard ais, ist<-> 6, frrtJlle!IH€llleli Cg ,lpgnwi dtio Yomentc
11111 :1 vis;io l:u~r:1lb:;1d:1 do qu~ ~ H,~g11i.;folt.tJc1Hc a rcfoçâo <:um
n ~r;tndc Outrn (LACAN, / 1904/ 1993, p. 125).

Enr}l), dl'duz...sc qt1t' :1 rd:1\:ílo do sujeito con1 o grande OutrcJ


sempre.' (Kot-rc ck' mnndr:1 parci:il, ullla v~i que ess~1 refru,:tío, uempre
incomplct:1, pod, se cbr pdn vi~1 do jd<:af do ~u, ou d~ outr;1 forma,
pd:1 via do snpt:rcu.

As atipias do supereu
Lacan também é b;1stante eco11ômko com refação ao supereu no
seminário Os problemas cruciais da psicanálise. Assim,, apenas na lição de
13 de janeiro de 1965, Lacan ded ic;1 rapklamente algumas palavras ao
supereu. A teoria sobre o supcreu é fragmentada. ao longo de seu ensíno,
com tiras mais curtas em sua maioria e, vez por outra, tiras mais longas.
.Ele comenta que o supcreu se 1nanífesta sob formas atípicas
e anômalas, e surge com cJucubrações e distorções ao redor do eu,
sobretudo nos tropeços e nas experiências egoícas. O ideal do eu é
um suporte válido, que se encontra com o supereu nas mais grosseiras
imagens, verdadeiros pontos nodais da identificação.

O supereu é um discurso sem palavras


O discurso é uma estrutura "
. ·
' · 1
necessaria, que ultrapassa a pa avra.
Um discurso sem palavras subs1· t " ~ •
. . · s e em certas relaçoes fundamentais.
Mediante a linguagem ocorre certo nu' d _ , .
. , . ' mero e re1açoes estave-is que
vai alem dos enunciados e se i • ·
· · nscreve n as enunciações primordía1s
sob a pauta do supereu. O que é u 1n p • ,
. ouco curioso e o fato de Lacan
mencionar poucas vezes o supereu num . ,. · , .
. . sem1nano quase totalmente
dedicado ao pa1. Numa de suas pouca .
. _ s passagens, ele cons1dera a
ed1ficaçao do Outro corno um receptor do d .
gozo enom.1nado Deus.
Lacan ([1969-1970) 1992, p. 93) assinala que "[ ] . ,
... o 0 utro e um recep-
tador de gozo que se chama de Deus e com quem J
. va e ap en as apostar
tudo ou nada com o m a1s gozar, quer dfaer esse fi .
• · .unc1onamento que
chamamos d e supereu".

Dl11l1:1llzado com C-,mSc,m nt,r


CAPITULO V - LACAN E O SUPERCU 195

Pouco depois, Lacan ([1969-1970] 1992, p. 93) faz considerações,


mais uma vez sobre o supereu, quando comenta a vida provisória cm
que se aposta um tudo ou nada do mais gozar com uma chance de
vida eterna. No entanto, só há mais de gozo na medida em que o
Outro não estiver barrado.

Do supereu não se trata

Na lição de 10 de março de 1971, Lacan realiza uma enuncia-


ção deveras famosa e enigmática. Numa tradução livre, Lacan diz
que, depois de ter aberto-sua alma com a escritura, vê-se obrigado a
reconhecer que a única coisa de que não tratou foi do supereu. No
entanto, ele se vê obrigado a fazê-lo para estar seguro sobre as coisas
que tem ensinado ao demonstrar sua experiência analítica.
Bem, a propósito dessa conjectura, de saída, parece um tanto
enigmático o fato de Lacan dizer que nunca tratou do supereu, já que
ao longo de seus trinta anos de ensino, embora não de maneira linear,
sempre se ocupou em pensar o supereu, mesmo que fosse através de
um pequeno comentário. Em contrapartida, considera-se que, a partir
do ensino de Lacan, o fato de ele expor que nunca tratou do supereu
talvez seja porque dele não se trata jamais. Em outras palavras, para o
supereu não há remédio ou "para o que não tem remédio, remediado
está". Indo um pouco mais além, o curioso é pensar que Lacan se vê
obrigado a tratar o supereu para estar seguro de seu ensino. Nesse
momento, o que se observa é o fato que de Lacan, mesmo com sua
inteligência ímpar, coloca seu ensino sob o crivo do rigor do supereu
rigoroso para receber uma garantia de aprovação sobre o que transmite
a partir da experiência analítica.

Mais ainda, o supereu

Ao se interrogar sobre o que é o gozo, Lacan responde que


ele é uma instância negativa que não serve para nada e assinala a
reserva que implica o direito ao gozo. Lacan adverte que direõto não
é dever. "E nada força ninguém a gozar, senão o supereu. O supereu
é O imperativo do gozo - goza!" (LACAN, [1972- 1973] 1985, p. 11).

Oigis:alit ado com ComScanncr


196 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Lacan avança um pouco 111ais quando comenta que tudo gira ern
torno do gozo fálico. O gozo fálico é aquele que define a posição da
mulher con10 não-toda, não-toda fálica. Prossegue Lacan, afirmando
que o gozo fálico é o obstáculo pelo qual O homem não chega a gozar
do corpo da n1ulher, uma vez que ele só goza do próprio órgão.
Nesse m01nento Lacan ([1972-1973] 1985, P· 16) nos surpreende
'
concluindo: "É por isto que o supereu, tal como apontei há pouco,
com o goza! É correlato da castração, que é o signo com que se pa-
ramenta a confissão de que o gozo do Outro, do corpo do Outro, só
se promove pela infinitude".
Essa enunciação nos parece um tanto enigmática. No entanto,
na tentativa de decifrá-la pode-se pensar que o supereu é correlato da
castração, pois ele é herdeiro do complexo de Édipo. Sendo correlato
da castração, o supereu se expressa como gozo fálico. Lacan propõe que
a castração é um signo, e não um significante. A castração é um signo
que adorna, que ornamenta a declaração de que o gozo do Outro, do
corpo do Outro, só se impulsiona pela infinitude, pela incompletude.

A topologia e os três tempos do supereu

Durante seus últimos seminários, Lacan tinha o hábito de


convidar alguém para desenvolver um tema sob sua assistência. Du-
rante o seminário A topologia e o tempo, inédito, de 1978-1979, mais
precisamente na lição de 05 de maio de 1979, Lacan solicita a Alain
Didier-Weill que comente a tripla concepção do supereu. O supereu
surge representado de modo sincrônico na estrutura e diacrônico
em etapas, a espera de uma palavra que possa franquear a passagem
do sujeito.
O Outro enxerta significantes no sujeito, uma vez que o sujei-
" · d o Outro. No entanto essa precedenc1a
to tem a prece d enc1a " · Pode
. d . . , . ' d. nte de
surg.ff e maneira en1gmat1ca. Então, 0 sttjeito está sempre ta "
.
uma 1nterrogaçao - ab so1uta e u, 1t1ma
. regida pelo Outro: "O que voce
oga-
fez da palavra que lhe fez um ser falante?" No fundo, essa interr
. . •w pode
ção trata do Che vuot? Para responder a essa questão, o suJel
" n1ve1s
percorrer os tres ' · d o supereu, podendo permanecer fixado et!l

qualquer um deles.

Oigis:alit ado com ComScanncr


"Nenhuma palavra"

No pr1n1c'ir0 nivd, ú supc'reu surge- - romand e m c'..'ü.•mrl


- como o primciro grito de' rt'Vult:1. lvbs h,1sr-.1 que' haj,1 um llur d~
censura e que e:q1resse: "nenhuma paJ:n-r.1!" p.1r:1 qut· :1 n.·,·olr.1 -e:-sc-.
Ê como se o Outro dissesse ..um:1 p:1hvra basta. chega. 1:-ro p.1:-:-a. \ -,1
li Em1rc /11m1,m11111 <''Sf. Entretanto, não wle-rarei uma segunda n·z ....
A p:tlavra de provocaçào surge coma me-nsage-m inYercida. ··.-\baix
o censor" se torna "Viva o censo r". Trata-se de uma iajunç,10 do
supereu arcaico que abriga a din1c>nsào do jnlgamenro silencioso. que
requer o olhar e ,1 di1nensão da voz.
O olho do supereu observa vigilante, mas também fala e u\"e
como fonna de un1 adivinho do pensamento que dessupõe o stüei-
to, pois o olhar censura, julga. reprov·1, repreende e menospreza. _'\.
censura ten1 con10 função prevenir qualquer surpresa .. despq_jando o
significante de seu alto valor psíquico. Sabe-se muiro bcn1 o efeito
que provoca, no sujeito, esse tipo de olhar que carrega uma maldição
muda, como a perplexidade, a inibição e a inàmidaçào. O rubor facial
da vergonha, o medo do ridículo e de parecer idiota representam um:1
obediência a esse primeiro momento do supereu, que se expressa pd:1
seguinte ideia: "Não insista com essa ideia, cala-te, seri:1 ridículo".
Essa subn1issão do sujeito não causa comedimento ao supereu e a
harmonia não é restituída. O sujeito desdiz, retrata-se. No entanto.
isso não basta, pois en1erge a culpa. E a culpa é proveniente do ato de
0 sujeito ceder em sua responsabilidade, ceder na atitude de responder

pelas suas escolhas e pelos seus atos. . , . . _


O fato de O sujeito dizer "sim" e ser obediente_ª lllJUil~ao
do supereu não caracterizam uma aquiescência consentida, e. sim.
fruto de uma unposs1
· .6 1.11.d ad e d e di·zer "nio"
• · O sujeito encontra-se
Petrificado
d e f:ascma
. d o d.1ante d o .sLipei·eu na' forma de uma cabeça
de Medusa · E sse supereu sera, t ra t·,do ª . de supereu medusante. Diante.
o supereu medusante, o sujeito se encontra siderado sob o efeito

.,11
----

produ'.l.ido pda i11ju11~:;"ío <lesse s11pcn:u arcaico decorrente de unia


11:io assun~~i'io si111húlica. Desse 111odo, o resultado enigmático é uma
palavra de nrdctll colll a qual o sujeito co11fro11ta: "nem uma palavra!''
Sendo assi111, o cfr-ito colhido dessa incidência pelo sujeito siderado é
a posiç;"ío de puro objeto do gozo mortífero do supereu.

"Não insista"

No segundo
....
nível, acontece uma dialética quando o sujeito diz
"não". O sujeito responde: "Não, você não é ben1-vindo". O segun-
do nível do supcreu surge através da reton1ada do grito de revolta
contra o censor: "Abaixo o censor". Trata-se da n1esma palavra. No
entanto, já não é a 111es111a palavra, pois ela se situa numa posição
topológica diferente. Essa segunda palavra vai de encontro ao que
o censor tinha programado.
Essa segunda palavra co2oca em cheque a vocação do censor e
sua função. Na rnedida en1 que há uma transgressão do mandamento,
o censor tenta responder: "Não insista" e, assim, diante de um pai
severo "pere se11cr", surge a possibilidade de persever, da perseveran-
ça. Se o sttjeito insiste, o censor se torna siderado, o cara a cara se
declina, e surge uma súbita vacância no poder. De acordo com as
memórias de Michelet - segundo informações colhidas na lição do
dia 8 de maio de 1979 - durante a revolução francesa, os an1otinados
experimentara111 por algmnas horas uma sensação de vazio ao se in-
teirarem de que o décimo sexto censor tinha fugido para Varem,es.
Paris, naquela manhã, acordou se1n voz con1 a vacância do poder,
devido à queda brusca da consistência do Outro que sustentava uma
relação persecutória.
O vazio se instala, de sorte que o sttjeito se torna desabitado pefa
censura. O sujeito se surpreende ao receber un1 contragolpe, poisª
censura se encontra agora siderada. Se antes o sttjeito podia se queixar
de um perseguidor íntimo, que ocupava a cena principal, e culp;i-lo
pelas suas mazelas, agora que esse supereu, cttja função tampão de se~
buraco se desalinhou, só resta ao sujeito o objeto da angústia, que e
fazer frente a seu cai,11111 fundamental. Agora o vazio deixado, devido
ao enodamento da censura, vai propiciar un1 can1.po extremamente

Oigl: altu do com CamScznner


CAPITULO V - LACAN E O SUPEREU 199

novo, asson1broso
. e surpreendente
. • que é escri'to sob a fcorma do gra fco
do desejo na voz magtssante do Cite vuoi?

uo desalinhamento com o supereu"


O terceiro supereu surge diante do vazfo e não tem consistência
de um censor persecutório. Trata-se de algo inteiramente novo, que
causa perplexidade ao sujeito, já que o censor não mais responde como
perseguidor. Dado que a resposta enigmática surpreende, pois é uma
pergunta e se expressa pelo Che vuoi? O Che vuoí? põe o sujeito nas
condições de sustentar seu desejo com outras coordenadas que não
aquelas pelas quais sustentava o motivo de sua re-volta, que tinha
como ponto de apoio um agente perseguidor.
Por fim, a terceira via pela qual o sujeito percorre, desalinhan-
do-se do supereu. Como o seu desejo não pode ser mais alimentado
pelo sentido de uma luta contra um inimigo interno, resta ao sujeito
uma terceira palavra: a insistência se transforma em perseverança.
Para obter esse terceiro significante, o sujeito terá de pagar caro.
Uma vez que o sujeito não cede em seu desejo diante do Che vuoi? O
que poderia ser interpretado: "como você deseja o seu desejo?". Esse
enigma, que se apresenta através do desejo, é do tipo de certeza que
ele produz. Lacan escreve esse momento de o significante do Outro
barrado, com o materna S(A), pelo qual sustenta o sujeito que, diante
do vazio, é chamado a autorizar-se de si mesmo.
Em síntese, Lacan examina o supereu ao longo do percurso
da análise até seu final e propõe três G:empos distintos. Com essa es-
tratégia, Lacan assinala a direção da cura e o destino do supereu no
final da análise. Se O supereu se coloca, num primeiro tempo, como
aquele que censura e interdita a enunciação "abaixo o censor!", "ba stª•
nenhuma palavra!", num segundo tempo há reincidência: "a~ai:o
0 censor!" De sorte que surge, assim, por parte do supereu: Nao

insisG:a!'' Sendo assim, do pai severo "pere sever" do primeiro tempo,


emerge, num segundo tempo, a perseverança "que faz cair o censor".
No derradeiro tempo, diante do vazio, do significado da falta do
Outro, há um desalinhamento do supereu, de sorte que surge O Che
vuoi? para o sujeito, remetendo-o ao cerne de seu desejo.

Olgls;olizodo co'Tl 0:imSConncr


r
us· DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS
200 SUPEREU I UEREP .

Notas
2Y Moliere citado por Lacan ([1954-1955] 1992, p. 334.
Jo Cf. Antigo Testamento, Êxodo III, vers. 14.
. psicanalista e filho do correspondente de Freud, teria publicado
-' 1 Rob ert Fl1ess, • . , . , .
· no J. ornai internacional de ps1canahse, sob o titulo Phylogenet,c
um artigo , . . , .
,•crslls Ot1toget1etíc Experience, para o numero comemorativo do centenano
de Freud. Nesse artigo, Fliess comenta que, quando o pai de Hans zanga
[.gr(>ndcr] com o seu filho, o supereu está em statu nascendi.
J~ o Sábado Santo é o dia de luto máximo para a Igreja Católica que, junto do
sepulcro de Cristo, medita-lhe a morte. É no Sábado Santo, durante a Vigília
Pascal, que se canta o Precônio Pascal - hino de glória a Cristo redivivo que
conta os mistérios da redenção: "Oh! Pecado de Adão, necessário, sem dúvida,
que o Cristo destruiu com sua morte! Oh! Cu~pa feliz, que mereceu tão grande
e excelso Redentor! Oh! Noite verdadeiramente ditosa conhecedora única
do momento preciso em que o Cristo ressurgiu do sepulcro". (Pe. Gramalia,
I. 1\fissal romano cotidiano, latim-português. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1963.)
33 C( Levítico XVIII, versículos 6 a 23. Levítico é livro do Pentateuco, que
enfei..-..,:a o Código de Leis. Os levitas são os guardiões das leis, e Levi significa
lei.
~ Para defender essa tese, Lacan cita um artigo de Roger Money-Kyrle,
psicanalista ligado a Paula Heimann, do círculo kleiniano.
35
Josef Freud (1825-1897), tio de Freud. Em fevereiro de 1866, o jornal Neue
Freie Press noticiou um processo contraJosefFreud por tráfico de dinheiro falso.
Joseffoi condenado a dez anos de prisão. Na Interpretação dos sonhos, Freud evocou
a figura do tio malfeitor, malgrado para Jacob, o pai de Freud, seu irmão não
fosse uma má pessoa, e sim um imbecil (ROUDINESCO, 1998, p. 262).

O!gll,>llu ,ck1 com CamScamcr


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C. . ' ·- , -
~.. CAPITUb:O VI

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Ul',lllitl1"t1<.ll/ com Ctlll \&:tlJllll'I
203

É um engodo considerar ,q ue não há um supereu nA mulher.


O que ocorre é que o supereu feminino se manifesta de maneira dis-
tinta do supereu da consdência moral, em vü-tude do gozo ilimitado
na mulher. Alguns homens se queixam de certa desumanidade nas
mufüeres e das infrações que provocam aos mandamentos da palavra,
assim como eles a concebem (MILLER, 1997, p. 119). Esses fatos indu-
ziram os psicanalistas a supor uma fragihdade ou a ausência de um
supereu feminino. Via de regra, o supereu feminino não tem nada de
frágil ou inexistente, contudo opera de maneira diferenciada daquele
que age sobre o masculino. Em síntese, pode-se dizer que o supereu
feminino opera na própria mulher como devastação e como agente
superegoico para com seu companheiro. Neste capítulo, abordaremos
essas duas modalidades do supereu feminino.
Quem nunca conheceu de perto ou de longe o gozo de uma
devastação, fruto da relação conflituosa entre uma mãe e sua filha
ou en~re uma filha e sua mãe? São notórias as desordens propiciadas
pelos efeitos maternos sobre as filhas e seu retorno de fascinações e
rivalidades, tentativas frustradas de aproximação e rupturas, ameaças
e culpas, ternuras e insultos, ·amabilidades e manipulações, seduções
e abandonos.
São famosas as histórias desenroladas numa tensão conflituosa
entre um amor passional e o ódio, ocorridos nos casos de Camille
Claudel e sua mãe Maria Riva sua mãe Marlene Dietrich, a condessa
de Grignan, Mm:. de Sevigné e sua filha. Nem mesmo a psicanalista
d~ criança Melanie Klein escapou a esse destino d~ ter a sua filha, tam-
bem analista da IPA Melitta Schimdeberg, como nval (LESSANA, ZOlO).
'
204 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

É dificil não perceber nas relações entre Melitta Schimdeber


e sua n1ãe, o paradig1na clínic~ da teoria kleiniana: ódio, inveja~
agressividade, perseguição, identificação projetiva, objeto bom e mau
(RouDINESCO, 1998, p. 688). Herdeira de uma linhagem de mulheres
cultas, eruditas e dominadoras, Melanie Klein foi uma filha indesejada
e objeto de intrusões de sua 1nãe Libussa, de personalidade tirânica ,
possessiva e destruidora (RouDINEsco, 1998, p. 431). Sem perceber,
Melanie repetiu con1 sua filha, o cmnportamento que sua mãe Libussa
tivera con1 ela. Conhecida como a filha trágica da psicanálise, Melitta
rompeu publicamente com a mãe, dentro do contexto da IPA, apoia-
da pelo seu analista Edward Glover (RouDINESCO, 1998, p. 433).No
campo da devastação existem os dois lados, nos quais ambas, mãe e
filha, estão alienadas. Do lado materno, encontramos uma mãe que
preferiria ter tido un11nenino no lugar de uma menina. Nesses casos,
há um amor materno que traz no seu bojo a indiferença e o ódio; em
contrapartida, a menina vai responder com a demanda de amor ende-
reçada de maneira exigente e infinita a sua mãe, da qual vai receber
como retorno a devastação. Do lado da filha, teremos uma queixa
endereçada à mãe, reprovando-a por lhe ter feito castrada, desprovida
de um órgão de valor fálico (RouDINESCO, 1998, p. 8).
Esse tipo de relação alienante, sem nenhum tipo de separação,
próprio do "gozo feminino, do qual nada se sabe" (LACAN, [1972-1973]
1975, p. 71) acarreta a devastação resultante de un1 an1or inadequado
em jogo de características obscuras, tempestuosas e possessivas, que
guarda no seu revés um ódio mortal (LACAN, [1972-1973] 1975, p. 7).
Na clínica, acerca dos conflitos com as filhas, escuta-se um excesso
fora da lei nas enunciações maternas: "Eu não sou n1ais a mesn1a";
"O yue está acontecendo cmnigo?"; "Parece que é algo 111ais forte
do que cu"; e "Eu não consigo evitar".
Na deva\taçâo, a demanda de amor dirigido à mãe, que se expressa
mediante o real fora do simbólico, tem o seu caráter potencialmente
ilimitado. Portanto, mais tarde, l)Uando a filha alcançar sua condição de
mulher, vai deslocar o objeto de amor e vai se dirigir ao seu parceiro,
reimprimindo a mesma exigência infinita de amor que endereçava à mãe
quando criança. Por conseguinte essa demanda infinita de amor, signo
da estrutura <.Jo não- todo no feminino, vai retornar de seu parceiro sobre
C "º' ULO VI - O SUPEREU FEI-IININO 205

a mulher em forma de devastação. como ante rcto •r--r1ava. A ss1m.


• o seu
Parceiro-sintonia se tornará o seu parceiro-devar;tação
. , , . d e m aneira
_, que
a de,astação é a outra face do amor (MILI.ER, 1998, p. l l4).
Deslumbramento e devastação são dois lados da m esm a moeda.
Portanto. un1 hon1e1n pode surgir para uma mulher sob a fo rma de
um deslumbran1ento. de uma paixão irrefreável até O mome nto de
eclodir uma torção, de se fazer u1n giro, no qual a devastaç;10 surgfrá
na relação por detrás da fascinação (MILLER, 1998. p. 115). Assim. a
experiência da devastação pode estar oculta por detrás de um des-
lumbramento, tal con10 descreve Marguerite Duras em se u romance
Le Ravissement de Lo/ V. Stei,1.
Entretanto, o verdadeiro pano de fundo da devastação é não o
masoquismo c01no poderían1os a princípio cogitar, mas a erotomania.
Para Miller (1998) não há dúvida de que o segredo do masoquismo
feminino é a erotomania. Miller (1998, p. 118) enuncia "[...] que ele
me bata não é o que conta, pois o que conta é que eu seja o seu objeto,
se isso me devasta tanto melhor".
Se recorrermos a Freud, pode-se dizer que, do ponto de vista pré
-edipiano, a menina vai experimentar um medo de ser envenenada pela
mãe ou de ser assassinada pela mãe, em razão de não ter nascido como um
menino. Esse fato ressurge mediante a fantasia infantil das meninas nos
contos de fadas, como no conto da Branca de 1'\Jeve, no qual a menina de-
samparada e perdida é envenenada pela sua madrasta disfarçada de bru.xa.
Posteriormente, na fase fálica, esse temor da menina será re-
coberto pelo desejo de que a mãe tenha um menino, de tal sorte que
esse desejo corresponde de ela mesma ter um filho do pai. Contudo.
Freud ressalta que, em alguns casos, esse temor de ser envenenada,
permanece como desejo inconsciente, tornando-se o núcleo formador
da paranoia da filha em relação a sua mãe (FREUD, [1933] 1980, P· 14~)-
Aliás, 0 mais obscuro na devastação em ettja base e 5tá ª erotomama
vai se escl arecer, ao convocarmos Freu d par,.1 0 deb'He • ·
Se::,0 undo
Freud, o essencial do mecanismo da paranoia ero tomania é aquele
no qual, eu (uma mulher) não o amo (um homem), mas a amo (uma
:ulher) (FREUD, [1911] 1980, p. 86). Portanto, fa z~ndo uma releitura
Freud sob o ponto de vista da devastação laca111ana, proponho ler
o Paradigma freudiano como un1a espécie de retorno à origem, da

Oigil:11ll udo cem C~m seanner


, . . .. ..

206 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

seguinte maneira: eu (uma filha) não o amo (um pai), mas a amo (uma
mãe); amor que retorna do lado da mãe sob a modalidade da devastação.
Portanto, certamente, se mais tarde essa filha como mulher en-
contrar um homem a quem endereçará sua erotomania, ele se tornará
o pivô de uma lógica paranoica, na qual ele virá desempenhar O papel
substituto da mãe como agente devastador. Enfim, a devastação ocorre
quando supereu ama, com seu amor paradoxal, com seu amor louco.
Então, deixo em aberto a questão, se a devastação não seria
a pura representação da ação do supereu encarnado no Outro. Ao
contrário do que poderíamos supor que a mulher teria um supereu
frágil ou ausente, como um dia se chegou a cogitar, pode-se dizer
que o supereu está presente de forma bem consistente, mas que ele
se expressa de maneira diferente no homem.
Como a mulher é não-toda, acrescento não-toda fálica, pode-se
dizer que, de um lado, ela tem uma porção conexa à significação fálica,
ao mundo dos semblantes, ao simbólico e ao imaginário e, de outro,
está unida ao real, a falta de representação e a falta de significação
fálica. Por essa razão, e porque elas estão fora do conjunto fálico, não
se pode compreendê-las tampouco agrupá-las, designá-las, pois se
situam apenas em parte, fora da lei, fora do escopo do Nome-do-Pai,
de tal sorte que recusam os semblantes e são amigas do real.
Se, por um lado, o homem se endereça à mulher através do
semblante, que ele julga bem munido pelos atributos fálicos, ele vai
encontrar o real. por outro lado, a mulher se dirige ao homem no
semblante a partir do real (MILLER, 2002, p. 173). Aliás, essa estraté-
gia pode responder ao enigma: Por que o homem serve de conector
para a mulher acessar o mundo dos semblantes? Por que o homem
provido de seus dispositivos e recursos do mundo dos semblantes não
consegue compreender, tampouco acessar a mulher? Essa seria urna
das explicações do axioma lacaniano, "não há relação sexual"· .
~ d pode surgir
Assim, a mulher, com seu segmento nao-to a, .~
. d le a cond1çao
para um homem sob a ótica do real, assum1n o para e
homem se
de supereu (A mulher] através do dizer. Nesses casos, 0 d
. 1 denotan °
queixa de que o dizer de sua mulher o atinge no ª vo, lo
. . do quepe
que o imperativo é veiculado mais pela voz fceminma a
. • 1 trata de ucn
comportamento da parceira. Lacan vai assina ar que se

DlplUllndo com C-,nSC..nner


Ct- PÍTULO VI O
- SUPcREU FEMININO 207

supermeutade [surmoítíé] que não ses .


upera [super 1z J f: ·1
discurso universal (LACAN, [1972] 2003 - ª aci mente pelo
' p. 469). Contud -
P
ara um homem mas também para tod
o ague1e que o
°,
nao apenas
1
de discurso ou um papel de semblante t cupa um ugar
. •fi - .c:'1· d ' a1como alguém na esfera da
sign1 caçao 1a 1ca que esempenha O pap 1d fi
_ e e uma lha ou a função
de uma mae. Logo, A mulher que está abrigad - d , .
. ª na mae po era surgir
como Outro supereg01co para a filha. Assimt b, A
, . , am em, mu1her que
esta alojada na filha podera agir como O Outro d o supereu para a mae-
resultando, em ambos os casos, em mulheres devastadas. Enfim, ~
devastação nada mais é do que um modo de gozo irrepresentável de
o supereu agir sobre aquele que ocupa uma posição fálica.
Suponho que o paradigma do supereu feminino é herdeiro
do Isso e não do complexo de Édipo, como considerou Freud a res-
peito do imperativo categórico. Pode-se verificar que a condição do
imperativo de gozo, como supereu feminino que age como Outro
[A] sobre aqueles que detêm os semblantes fálicos, está localizado no
exemplo radical de Medeia, no qual o empuxo ao gozo, atuado sobre
os próprios filhos é endereçado a Jasão. Medeia é não a mãe, mas A
mulher de verdade (SuÁREZ-SOLAN0, 2014, p. 42), expressão pura de
um desejo obscuro do supereu que devasta seus filhos e Jasão, ou seja,
todos aqueles que ocupam uma condição fálica. Assim, o veto~ do supe-
reu nA mulher se dirige ao semblante com ferocidade a parar do real
O supereu se alimenta e se fortalece pela renúnci~ _pulsional.
eontudo, Freud assinala que h a, suJe1tos
· ·
q
ueJ·uJgam queJa sofreram
.
. b d tal sorte que se avaliam
dema1s que já renunciaram o astante, e '
' d s de direitos de ser pou-
como exceções e estimam como porta ore _
. _ - declinam de suas pulsoes, se
pados de quaisquer obngaçoes e nao
. mas para com os outros
tornando exigentes não para s1 mesmoS,
(FREUD, [1916] 1980, p. 353). . d Inglaterra como
R . do III rei a '
Freud ressalta a figura de icar ' · lgando-se num
p d. . toU o trono JU
~ra_ 1gma da exceção que conquis do ca ítulo, Freud consi-
dire1to, fora da lei. Entretanto, no fim p xceção na medida
der locam como e
ª que algumas mulheres se co_ . , . osicionando-se como
ern qu . . . d. • pnv1Ieg10s, P _
e re1v1nd1cam lfe1tos a d 1 0 e por essa razao,
pr · d· · das e a g '
. eJu 1cadas, imerecidamente pnva
1 .
11.Ju stamente tratadas.
fre-...1 ,.~int ·r de ar tem ão a de -a.sr.ação, ao resum -r
e
r ,. ,, ""'''
1 - e
-·- 12.» ~ -~ ~i
't. d" . . r
na ·. rnwG2.
. ·- d , d
2:· m:ae" a ·-em e uma ce
qu a amargun
·-=- -
" f::t--h,;, u • - - . mura em fonna
...., l'=D'-6 \J?. contra es\2.s mae-s ooraue a,. trouxeram ao m .
• .. 1 uncto

muf ~res, e não ho mens ( FPECD. (i916J 19 fJ, p. 356). Ewrª _corno
, - • . • l ~tafüo. em
rrtua~ de uma clupb vra.,, o paradigma da exceção, a partir eh ló .
: .. . d d . sLa
uo na0-todo, po e op~rar uma evasr.aç20 que se or1giaa também la
-vertente de u ma decenrãor--, materna do nascimento de uma ,filh • 1.a~ e
não de um füho, como o esperado. E nrretanto, é necessirio fazer urrrJ
rdeitu ra de Freud ~ sobre a decepção de que '"a menina não s,eja um
men íno\ ~oba lente de Lacan para considerar que a decepção deva lCT
tnduzída com o um efeito de um caroço do reaL resto da partilha sexual,
ím possívd de ser recoberto seja pelo simbólico, seja pelo imaginário.
Enfim, os modos de apresentação do empuxo ao gozo do ru-
pereu são diversos, seja pela vertente do imperatívo do gozo. seja
pelo 1mperatívo categórico. Portanto, o supereu goza mediante virias
modalidades, sob todos os tipos de expressão da pulsão de morre.
Então, a devastação se incluí junto com a reação terapêutica ne~àn.
a culpa, a autopuníção, os tipos arruinados pelo êxito e a dor moral
como ex pressão pura do supereu.
Então, esta pesquisa busca investigar como lidar com o supereu
e seus avatares, particularmente, quando o supereu pode brotar do
campo feminino. Para um homem, é bem mais operoso desembara-
çar-se do imperativo vindo da mulher do que exige sua coruciencia
moral (MILLER, 1997, p. 119).
Em primeiro lugar, para se desvencilhar do supereu feminino, 0
homem crê na mulher, e não no supereu feminino. Com efeiro, parJ
st'
que uma mulher possa funcionar numa parceira amorosa como A,
torna necessário assentir que A mulher não existe, porque está barrad:1.
Portanto, cada mulher é uma exceção: não faz conjunto e se
conta uma a uma, na medida em que se aloJa ' . e:lo não-rodo
. na l og1ca ' ,
. d' e (l'io h:1
fálico, se colocando como única. Logo, resta-nos 1zer qu ·
uma soluçao ~ -
padrao para unu mulher esqmvar . do supereti no campo d
. ereu guan o
da devastação, tampouco para o homem lidar com o sup
ele emerge do feminino. . . . os
. d eutr.11izar
Afinal cada um vai ter que inventar um me10 e n ' , •a
' l ropri,
efeitos do •supereu feminino ' seia'J
para uma a mulher com e ª Pui her.
assentindo ao A, seja para a condição de um homem amar uma rn

r>i9l1nli1r:c1o r:nm r:,, mSr:nnnn


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J ·,:.
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211

A topologia e o supereu

Um texto primoroso porém um tanto esquecido, que nos serve


para uma compreensão mais profunda do conceito do supereu é O
estranho. Observe-se que se trata de um texto de 1919, época em que
Freud se encontrava às voltas com a pulsão de morte, a divisão do eu
e os fundamentos do supereu. Pode-se concluir que o supereu é um
unheimlich, já que é apenas Outro e sempre estrangeiro ao eu. O eu
sempre o capta de modo estranho nas duas modalidades: arcaica e
madura. O supereu, na modalidade arcaica (1111/ieimlich), sempre surge
de modo estranho, ameaçador, sinistro e lúgubre. Por outro lado, o
supereu do declínio do con1plexo de Édipo (heiniliclz) surge de modo
divino, íntimo, amistoso e moral.
Dessa forma, assinala Freud:

Heimlich é uma palavra cujo significado se desenvolve na dire-


ção da ambivalência, até que, finalmente, coincide com O seu
. /',e/1. U111e1111
oposto, unhe,nz I . /',eI1 e, d e t un modo ou de outro, uma
, . . . .,... l mente essa descoberta
subespec1e de l,e1111hc/1. 1.en 1amos ei11
(FREUD, [1919] 1980, p. 283).

Assim, de acordo com Freud, ltei111/ich caminha em direção a


Unheimlich , e unh eim
b . [',el1 ca1n1n , a. /,ci111/ic/1,
. l1a em direção
. . como numa
anda de M .. bº ·eu arcaico cammha na ascen-
d~ oe ms. Portanto, o super • • , .
encia em dire ~ d declínio do complexo de Ed1po, e o
çao ao supereu o

()jgitalizltáo com C;,Tl~n~r


212 ~.lJrf:.REU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS
--
supcrcu do complexo de Édipo caminha na descendência em direção
do supcreu arcaico do in1perativo do gozo.
Como a ideia de que o supereu arcaico é o avesso do supereu
do declínio do con1plexo de Édipo, pode ser algo dificil de apreender.
Um recurso é buscá-lo na topologia para explicá-lo. A topologia
surge con10 possibilidade de demonstração daquilo a que faltam
palavras. O toro é to1nado como o objeto capaz de demonstrar a
existência de un1 supereu arcaico em continuidade com o supereu do
dccl í nio do complexo de Édipo. O supereu na modalidade arcaica
está no registro do real e 111antém uma correlação com a modalidade
simbólica do recalque originário, resultado do significante Nome-
clo-Pai. A passage1n da primeira vertente arcaica para a segunda,
simbólica, se faz durante a realização do recalque. A passagem de
uma modalidade para outra acontece quando a segunda se constitui
a partir do que se recalca do real, na primeira modalidade - arcai-
ca. A proposta do toro con10 objeto de demonstração é perfeita,
j,1 que ele é uma espécie de câmara de ar com uma face externa
e m.1tra interna.
Ao se tomar a topologia do toro para descrever essa passagem,
as vertentes arcaica e simbólica do supereu ficam separadas uma da
outra por un1 corte. Ao considerarmos o toro - câmara de ar - com
um corte em sua superficie, do lado de dentro, apoiado no real, temos
o buraco do supereu arcaico em contiguidade com o lado de fora;
por outro lado, apoiado no simbólico, temos o buraco do supereu do
declínio do con1plexo de Édipo, mediado pelo significante Nome-
do-Pai em contiguidade com o fado de dentro.

Mais além do supereu

Se o homem não sabe a que porto se dirige,


nenhum vento lhe sera'fiavora'vel·
SÊNECA

Existe a possibiJidade de colocarmos as duas faces do Supereu


, . de curva. C01110 cons1"dera1nos uma face
nu111 gra fco ou nmna espec1e

Dlglt■J11:ac1ocom c,rn.sc..,..
11111"''' ..

CAPITULO VII - CON5IDERACôES FINAIS SOBRE O SUPEREU 213

a continuidade da outra, mas de maneira ínvertid . a, o supereu po de


ser exemplificado a partir de um grafo· que contém d uas curvas opos-
tas , que se encontram numa espécie de curva de· G auss. 1magme-se•
dois eixos: o da o_rdenada, que significa O campo da imagem, e O da
abscissa, que equ1va]e o campo do domínio. Na ordenada, temos a
via do significante, do sentido e do simbólico; na abscissa, 0 campo
do domínio, a via do supereu pe]o viés do real. Entre a abscissa do
supereu e a ordenada do significante, temos uma curva que representa
a pulsão, o isso, o fora do sentido e o real.
Portanto, quanto mais caminhamos com uma curva assintó-
tica para a direita na abscissa, mais o imperativo do gozo ascende
e se manifesta. Por outro lado, quanto mais nos dirigimos para a
esquerda na abscissa, mais o imperativo categórico, fruto da moral
se expressa. Assim, os dois imperativos ocorrem apenas na abscissa,
visto que o supereu é um núcleo duro que aplica a lei, contudo se
desaplica dela. O ápice da curva não é senão o encontro, pelo avesso,
dos dois imperativos.
Então, pode-se dizer que o supereu caminha do imperativo do
gozo ao imperativo categórico, pelo avesso, e vice-versa. A despeito
desse deslocamento, seja o imperativo categórico, seja o outro, ambos
ainda estão no domínio do gozo. Em síntese, o imperativo é Goza!
Se ainda estamos na base da ordenada de interseção com a
curva, temos um supereu que se expressa em seu máximo através de
uma culpa sem responsabilidade, de um complexo de inferioridade,
de um arrependimento ou de uma melancolia. Em contrapartida, se
estamos no topo da ordenada, cuja intersecção se faz com a curva,
temos um mais além do supereu, que se manifesta em seu mínimo
através de uma responsabilidade sem culpa, em que o sujeito consegue
responder por si mesmo.
A análise pode continuar percorrendo a via do significante, do
simbólico, do sentido. Indefinidamente. Se isso acontece, temos uma
análise infinita, pautada no paradigma do ideal, num saber ideal, como
preconizam os analistas da IPA. A via do significante não basta para
concluir uma análise, tampouco tratar o supereu. Em c~ntrapar~~da,
Lacan propõe um final de análise pautado na ética freudiana do Wo
es war soll ich werden".
--
E m:3-o . P21T2 que 2conreç-2 o '·Ll on<l~ o is5o esr.r.2 e-ia -COI:Lo
3U~ciro) de-.-o 2.dí.·ír"', fuz--:.{:'. necç~rio um derir- da '--20, a1m as-
li

"S-.::n.ómenro com 2 pul~o em d'.rrimeuro da d-em.anda. O s-1:i" e=_ro n20


husc2. JTI2is a permissão no supere-t1, m.25 2umriza- se iilO seu _·iml:n ::i.
Pon:.am:o, as~inah- s..e que há un1 ID2is além do superei.L N20 há ··rr
cálculo deduri..-o para essa pa,s.agem, apenas u.ma apmta r-ad:c:al.

$ a

Essa passagem se faz com um salto intuitivo, não dedutivo,


não sem antes consentir com o sinthoma e com o desprendimento
do Outro. No fundo , o falasser vai mais além do supereu quando
opera com um savoír y faire decorrente da pulsão. Quando houver
esse salto não calculado, não teremos mais uma curva assintóricJ.
3
m as uma d e G auss, 36 no seu d om1nio
, · cun,ra
positivo - uma meia ;

de Gauss38 - que inclui o gozo e o significante. Ao esgotar o sentido


do supereu, a curva de Gauss, no seu domínio positivo, concebe ª
possibilidade contingencial de assentir com seu n1odo de gozo, de
se fazer um final de análise em que se leva en1 conta o ciframento
0
das forças da pulsão em favor do sujeito. É nisto que se reSt1I11~
judô de Lacan: "[...] usar a força malévola do adversário superegoico
a favor de seu próprio bem".

a;il~ltzado com C"1mScanncr


CAPiTULO II e
- ONSIDERACôES FINAIS SOBRE O SUPER:U 215

0 destino do supereu no final de análise

011 renco11tre la des(mee,


, sot1ve111 par des chemi11s

qu'o11 prend pour l'éviter.


JEAN DE LA FONTAINE. L'Horoscope.

Os finais de análise

É com base, menos nas saídas tradicionais e mais nas conclusões


originais e surpreendentes do percurso de uma análise, que se propõe
interrogar o destino do supereu no final da análise.

É de modo muito singular que a psicanálise pode revelar ao


sujeito, de maneira muito mais rigorosa e surpreendente, suas
particularidades originais, do que as saídas tradicionais de sua
rematização edípica (LACAN, [1953] 1980). 39

Para aprofundar a pesquisa e a invest~gação sobre o destino do


supereu no final da análise, solicitei algumas contribuições de ana-
listas que concluíram sua análise e, através do dispositivo do passe
da Escola de Lacan, ofereceram formidáveis esclarecimentos à teoria
psicanalítica. Gentilmente, vários deles AE e ex-AE da Escola de
Orientação Lacaniana e da Escola Brasileira de Psicanálise, ambas
pertencentes à Associação Mundial de Psicanálise me cederam um
material inédito para este livro, no que concernem as variantes de
um final de análise e O modo como cada falasser encontrou para lidar
com o seu próprio supereu.
: 15 S-1Pi:C:~U I UER.EPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

O SUPEREU NO FINAL DA ANÁLISE

Elisa Alvarenga

Eis-n.os aqui então diante de um caso t'1p1co,


.
aquele em que a censura que alauém.fiaz a 51·
º mesmo
concernindo à pessoa amada
remete à significação infantil do desejo de morte.
LACAN, 2013, p. 72.

Meu encontro decisivo com a psicanálise de orientação laca-


niana se deu através do texto Clínica do supereu, conferência realizada
por Jacques-Alain Miller (2009, p. 127-142) em Buenos Aires, em
1981, pouco depois da morte de Lacan, cujas formulações Ana Lydia
Santiago retoma na apresentação do tema deste semestre. E meu en-
contro com aquele que seria meu analista se deu pouco tempo depois,
por ocasião de sua conferência, na École de la Cause Freudienne, que
levava por título nada menos que A censura, o erro e afalta. Posso dizer,
então, que o supereu estava em cheio na minha entrada em análise.
E minha saída não poderia deixar de evocá-lo.
Se, em Freud, pensamos inicialmente o supereu como herdeiro
do complexo de Édipo, Lacan resgatará, no próprio Freud, algumas
referências à relação do supereu com o isso, ou seja, com as pulsões.
· · d aozar
Freud ([1924] 1980) pensa que o supereu impede o suJe1to eº . '
mas ele mesmo postula a íntima relação do supereu com um masoqui~~
. , . que ch ama d e erogeno,
mo pnmano, , resi'duo d a Pulsão de morte,.
eu é muito
ponto irredutível no ser falante. Lacan mostra que O super . do N

. . . - d . d. ~ ozo· a prescnçao
mais uma mJunçao o que uma inter 1çao ao g · a
. . p . . . 1 ,f apelo ao gozo puro,
supereu se ongma nesse ai angina m1 1co, tá na
, . , 1d f1sfazer que es
não castração. Goza! E a ordem impossive e sa ' 166)-
1971] 2009. P·
origem da consciência moral, paradoxal (LACAN, ( . eio que
.. 1 . Miller, cr
A luz dos últimos cursos de Jacques-A ain do encontro
5
podemos aproximar essa injunção de gozo do upereud uill fur0 ,
, .
traumat1co . . fi cante com o corpo ' que pro uz
d o s1gni Orn 0r1g . inal
utro Esse
por um lado, e um excesso de gozo, por O ·

Oigi~lizado oom ComSCGn!l('t


CAPÍTULO VII - CONS
IDERAÇôES FINAIS SOBRE O SUPEREU 217

, logicamente anterior ao falasser. que O r b


e ' eco re com as ficções da
fantasia, que se repeten1 co1no defesa cont O. .
. ~ ra gozo, e a iteração do
sintoma, 111an1festaçao de mna fixação de gozo.
A pergunta sobre o supereu no final da ' J· ,. 1 _
.. . , . . ana ise eva-me, cntao,
a revisitar 1111nha analise, ou mais especificam t. . h ,.
. cn e, mm a analJse
depois do passe, onde tive que me haver com esse U d
. m o gozo que
se itera no s1nton1a.
"S~ seu ~ai estiv~sse aqui, você não faria isso". foram as pala-
vras contingentes de minha mãe, que marcaram meu corpo, ou ainda
meu pensamento, de forma determinante. Foi a maneira encontrada
por ela para dar um limite ao que, sem a presença viva do pai como
objeto de amor, teve que se haver com a marca significante das pala-
vras da n1ãe. Foi assim que o pai - morto, desde os meus primeiros
anos de vida - se presentificou como Outro suposto castrador, e as
palavras da mãe ressoaram no corpo, produzindo um modo de gozo.
E foi assim que o desej o de morte infantil, típico dos neuróticos,
se presentificou em minha vida, tendo como consequência lógica a
constituição de um sintoma que, por razões estruturais, tornou-se o
meu sintoma tipo: as autocensuras. O desejo de ser independente e
não ter que obedecer a um pai se tornou o modelo de uma função
de gozo, tendo como contraponto a severidade própria ao supereu,
que se manifesta no sintoma.
Isso ficou como pano de fundo de minha primeira análise, que
girou em torno do falo e da busca do significante d'A mulher. Seu
final foi marcado por um sonho no qual a contingência do falo - e
não sua necessidade - revelou a castração do Outro (A) e um furo no
saber. Nenhuma fórmula para a relação sexual e nenhum n~me pa~a 0
feminino: S(A). Restou o falo como significante do gozo 1mposs1vel
de negativar.
A nomeação como AE desencadeou angústia estancada, quando
ern supervisão pude isolar um S1, um nome do supereu - o _algoz_-
que . . d . ao qual o analista nao
,. eu tendia a encarnar no obJeto e amor, _
Pode se furtar a dar corpo. Essa nomeação efetivou a separaçao do
analista e .. d. ,.. ·a do sintoma, saber fazer com
me perm1tm tomar 1stanct d
1 r
ee l , t'a
1 forma ema-
. e •dar com a inibição desencadeada pe ª angus ' '
n1festa ~
Çao do supereu.

f
218 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Alguns anos depois, os restos sintomáticos se intensificaram,


mortificando o corpo e reativando as autocensuras, sobretudo na
relação com o parceiro sintoma. Retomei a análise, dessa vez com
uma mulher, esperando encontrar algo distinto do falo e do S1 iso-
lado ao final da prin1eira análise. Um efeito de vivificação do corpo
dialetizou o algoz, fazendo dele um oximoro. Ao escutar o primeiro
analista comentar o testemunho de um AE, surgiu para rrum um nm·o
significante: o algoz amoroso, nomeando uma discreta erotomania.
Por ocasião de um aniversário, minha filha quis me presentear
com um álbum de fotos organizado por ela. Para tanto, vasculbou
meus antigos álbuns de fotos, nos quais eu guardava, entre outras, fotos
minhas nos braços de meu pai - a menina-falo - assim como uma
grande foto dele pela qual eu tinha especial apreço. No seu avesso,
minha filha encontrou uma dedicatória amorosa dirigida à minha
mãe e, sem hesitar, devolveu a foto ao seu destino.
Irritada por tamanho atrevimento - não apenas esburacar meus
álbuns de fotos, mas retirar-me a foto mais preciosa - dei-me conta,
na análise, do que já sabia: primeiro, que o suposto algoz nada mais
era que um homem apaixonado por minha mãe, com o qual eu havia
me identificado, no seu estilo rigoroso de ser. Segundo, que era minha
mãe a viúva, e não eu! O atravessamento dessas identificações, defesas
contra a pulsão de morte, e a ênfase dada pela analista à "viúva", me
levaram ao encontro de um novo significante - a viúva alegre - e à
.
conclusão dessa análise. Não se trata de uma nova identificacào , mas de
um litoral entre o feminino e o falo, contingente, fonte de satisfação
com um gay sçavoir, um saber que passa pela pulsão.
A conclusão desse luto, no entanto, não dissolve totalmente 0
supereu. As autocensuras, modo de gozo residual, se presenrificam
ocasionalmente, quando o Outro falta. Convocar O Outro que vocifera
como forma de me fazer amar, peculiar erotomania, já 1napeada por
Freud quando dá como fórmula da fantasia fundainental Bate-se 111 111" 1
crianç~, deixou um resíduo: a voz áfona do supereu, que se trata de
desativar, uma ou outra vez. Reconheço nela uma tentativa de tomar
sobr~ mim a falta para fazer existir o Outro, da qual tomei distância, à
medida que perderam sentido as identificações. Se a primeira análise
revelou ~ue a relação sexual não existe, a segunda depurou O sinthoma
como in1nha forma singular de existir.
CAPÍTULO VII - CONSIDER
. ACOES FINAIS SOBRE O SUPEl~EU 219

pARTENAIRE-SÍNTOMA / PARTENAIRE-SUPERYÓ
Fabian Abraham Naparsterk

Hacer del síntoma un partenaire supone un paso en la cura


respecto del lazo que se tiene con el propio síntoma, aunque al mismo
tiempo, no deja de presentar la paradoja de ser un partenaire Jano. Un
partenaire que con su doble cara se puede presentar de una o de otra
forma. En todo caso, se trata de la doble faceta del síntoma.
Dicho doble perfil del síntoma tiene varias formulaciones en
Lacan a lo largo de su ensefi.anza. Uno de los lugares donde lo for-
mula es cuando plantea que se puede "[...] creer allí, en el síntoma, o
creerle" (LACAN, [1~74-1975]).41 Es la diferencia entre creer [...] que
el síntoma es capaz de decir algo (LACAN, [1974-1975]) 42 y que se lo
podría descifrar o que el síntoma se presenitifique como una voz que
habla. Una voz que habla encarnada en una mujer ya que se trata de
creerle a ella. Esta referencia es utilizada por Lacan para diferenciar la
neurosis con la psicosis, pero claramente puede ser tomada respecto
de un mismo sujeto y su lazo con el partenaire-síntoma.
Así como Lacan en el seminario de la angustia proponía que
para que el síntoma sea interpretable necesita que se le sobre agregue
la transferencia o el Otro en el Seminario R.S.I. propone creer allí.
'
Creer allí en el síntoma es lo que permite una entrada en análisis y
comenzar el camino del desciframiento. En el cree'r allí analítico se
hace del analista el partenaire- síntoma. A partir de allí el reco_rri~o
el análisis vacía de sentido a ese síntoma hasta llegar a un resto ineh-
minable del mismo· . co1or; opaco • Lo cual supone una caída del
y s1n
lazo coin lo que represent o, e1 analista en la transferencia. Llegado, a
ese Punto cabe la posibilidad de hacer de eso que ya fue y que aun
resta •
' un nuevo lazo con el partenatre. . ,
11." • h b ciado de sentido al s1n-
ivu experiencia me indica que a erva
toma abre a la posibilidad de que el partenaire se convierta e~ un ~azo
novedoso con el síntoma o bajo ciertas circunstancias en la via regia al

\r .....
Oiglto!ltodo com CornS~on~
210 surE REU I UEREPUS. DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

superyó. Esto último puede presentarse como una de las formas de


operación salvaje (LACAN, [1974-1975)) 43 del síntoma. De esta m la
anera
se puede verificar tal como lo senala Lacan que para las mujeres un
hombre puede ser un estrago mas que un síntoma y para un hombre
una mujer bien podría encarnar al superyó. ·
De hecho, la clínica muestra que ciertas parejas donde el hombre
es un estrago para una mujer, la misma mujer termina encarnando
el superyó para el hombre en cuestión. Creerle a ella hace de su voz
un sinsentido imposible de responder. La opacidad del síntoma, en
este caso, vira hacia una voz sin sentido que martiriza a quien está
"APHLIGIDO" (LACAN, [1974-1975]) 44 por el falo. En fa psicosis esa
voz aparece en la alucinación verbal y en la neurosis se presentifica
bajo la opacidad de un superyó vaciado totaln1ente del sentido.

l.ltg1U=hzado com c.imS""'ner


CAPÍTULO VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SUPEREU 221

,,5UPEREU E NOME PRÓPRIO"

Celso Rennó Lima

O ideal, e O ideal de eu, em suma, seria terminar com


o Simbólico, dito de outro modo, {não) dizer nada de
nada. Qual é aforça demoníaca que empurra a dizer
algo, dito de outro modo a ensinar? Sobre isso eu chego
a me dizer que isso é o Supereu. É o que Freud designa
como Supereu, que seguramente, não tem nada a ver com
nenhuma condição que se possa designar como natural.
[. ..) Desde o ponto de vista ético, nossa profissão é
insustentável, por outro lado é por isso que eu estou do-
ente dela, porque tenho um supereu, como todo mundo
(LACAN, L'ínsu quí sait... Lição de 08/02/ 1977).

Para falar dos destinos do supereu no final de uma análise seria


importante falar do que penso ser a função do supereu e como ele se
apresenta no começo de uma análise. Deixando claro que se trata de
um recorte particular que aponta para singularidade do sujeito em
questão, vamos trabalhar alguns conceitos que, por serem produtos
da observação e experiência clínica, não impedem de ser levados à
categoria do universal, enquanto maternas.
Tomo como referência conceituai um texto de J.-A. Miller, de
setembro de 1981. Mesmo sendo tão antigo, suas elaborações con-
tinuam atuais e encontram sua ressonância na nossa clínica do dia a
dia. Trata- se da Clínica do supereu. Recorto alguns trechos que nos
ajudarão em nosso trajeto.
Primeiro é preciso distinguir a presença do supereu a partir de
cada um dos registros: imaginário, simbólico e real. Enquanto ima-
ginário, ele se apresenta como um personagem, sombreado como diz
Lacan ao introduzir a equivalência dos três registros logo no início de
seu Seminário R. S.I. Esclareço que O faz assim ao criticar a geometria
de bolsa com a qual Freud estabelece as estruturas do id, eu e supereu
no texto O eu e o isso. No entanto, esse personagem sombreado apre-
senta uma face que é descrita pelo sintagma: figura obscena e feroz.

Oigit11lizado c em Ca-n5ean,er
assi111 que :is somhr:1s i1 ~rngi11:1ri:is acabam por encarnar um Outro
1:,:
eh história dl! u111 sujeito. Miller completa essa referência ao supereu
imagi11;1rio, dcftninclo -o pcln cotT1édja dell'arte como um Arlequim,
para dizê-lo ridículo. 'Talvez encontremos cm uma passagem do
Balâfo, de Jean Genct, texto larga1nente comentado por Lacan em
seu serninário sobre Asjormações do inconsciente (1957-1958), onde 0
ridículo da autoridade do chefe de polícia acaba no palco, transvestído
en1 grande pênis con1 as cores da bandeira nacional. Esse é o resultado
da confusão de 111uitos que se fazem identificar imaginariamente com
a autoridade do Outro.
Ton1ando a questão pela vertente do simbólico, vamos verificar,
com Miller, que Lacan lhe designou grande importância, principal-
mente no momento de seu ensino em que estabelecia a supremacia do
Simbólico sobre o imaginário. Lacan nessa ocasião tratou de localizar
o simbólico como o sustentáculo mesmo do supereu, enquanto lei
pacificadora, socializante. "Lei enquanto significante unário S1, cuja
significação desconhecemos, pois para conhecê-la seria necessário um
segundo significante, a partir do qual, retroativamente, o primeiro
toma sentido." Sendo único, o supereu acaba por parecer insensato.
Por isso, Miller propõe localizar o supereu em S(A), o que "[...] supõe
que a suposta lei total do Outro pode ser percebida em sua falha". É,
portanto, quando essa lei falha que se pode escutar a voz insensata do
Outro. Lembremos que essa referência ao grafo do desejo abre uma
possibilidade para se pensar a~gumas coisas, por exemplo, que a voz está
colocada por Lacan, em seu grafo, como aquilo que permanece depois
que o grito sofre a ação do Outro, desnaturalizando a necessidade e
transformando- a em demanda. Portanto, há uma articulação entre
0 A que se encontra no andar inferior como código, como Outro da

boa fé, garantidor de mna significação; e O S(A) que se apresenta como


ponto de basta ao gozo que está colocado na antessala do significante
em seu trajeto, para se transformar no circuito da pulsão sob a ação
da demanda do Outro.
Miller de staca que o supereu, con10 ~ei insensata, está muito
próximo ao desejo da mãe antes que ele seja rnetaforizado pelo No-
me- d 0 - P a1.· E ssa e' a pos1çao
· ~ que se encontra na psicose
.
e que 0 caso
Schreber vem testemunhar.
CAPÍTULO VII - CONSIDERAÇô
ES FINAIS SOBRE O SUPEREU 223

A terceira vertente é a do Real onde , ·


. • . .' e importante assinalar a
oxinudade que existe entre o significante un, . .
pr . ano enquanto msen-
to e O obJeto a enquanto fora do sentido Ess . .d
sa · a prox1m1 ade se dá
em função do fato de que ambos estão em dificuld d .
. a es no que d12
respeito ao sentido.
Neste momento, posso acrescentar que esses do·1s e1ementos se
articulam com o sentido, na ocasião em que uma cena se estrutura e
apreende esse significante insensato, enquanto unário, na articulação
de um sujeito com o objeto que se constrói a partir da interpretação
que se faz do encontro com o S(A), objeto de desejo, marcado pelo
significante. A cena da fantasia fundamental é consequência da se-
paração interna do campo do significante, do S(A) que poderíamos
escrever supereu (A).
Esta proposta só pode ser feita a partir de um segundo mo-
vimento no ensino de Lacan, que Miller demonstra ao nos dizer
que "o ensino de Lacan começa verdadeiramente quando deixa cair
esse termo: reconhecimento". Nesse processo de desimaginarizar
a figura do supereu, Lacan vai esclarecer que, se num momento o
supereu foi entendido como sendo o preço pago pela prevalência
do imaginário sobre o simbólico, que se caracterizava por dois tra-
ços: "a beatitude sem medida do sujeito e a ameaça que ao mesmo
tempo lhe faz o supereu", logo em seguida foi possível estabelecer
a relação que existe entre essa beatitude e o gozo, definindo que a
ameaça acontece por atribuir esse gozo ao Outro. Afinal, 0 medo
dos neuróticos, diz Lacan ([1960] 1998), é exatamente que O Outro
lhe peça seu pequeno nada. Essa ameaça se encontra tanto mais
presente quanto menos funciona o falo, enquanto significante que
coordena o desejo.
E' nesse ponto que Miller introduz o PJII• para. d·izer da presença
do desejo da mãe como função sem freio simbólico. _Em outras,:ala-
vras ' o ph.r "escreve um gozo nao
~
co ngelado
' , não cativo do falo . ,., um
.
gozo que não passa pela rede da fantasia fundamental, essa mstanc1~
que está ali, presente e trabalhando para transformar gozo en~ p_ra
zer a0 balho de fazer existir a
,, ' rnesmo tempo que insiste em seu tra · ', .
relação ,, bre no simbohco se apresenta
sexual onde a brecha que se a
coin0
ª impossibilidade mesmo desse Ob'~envo.
.

Olgl: ahzaClo com C11mScenner


224 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DES TINOS

A clínica de um sujeito mostrou, no início, a prescn ,. 1


. . \.,1 ce 11111
traço que durante sua vida havia se mostrado efic:-iz c111 sust
. · • cntar 0
funciona1nento da cena da fantasia fundamental , à medida• 11.,uc, li lc
proporcionava um prazer. Regido pelo traço, insígnia do Outro, ele
seguia sua trajetória, tentando fazer existir a "relação sexual'', sub-
metendo-se às demandas do Outro.
Dessa forma, sua ação se concentrava em aprender a escrever
para evitar a bancarrota, que se apresentava como possibilidade do
gozo materno. Regência imperativa, a bancarrota ordenava uma
vida, fazendo valer o S(A.) em sua vertente de voz, resto da operação
significante que exigia a busca constante de um olhar marcado pela
falta. "Agora é por sua conta!" Sempre "dentro da fei" do Outro, seu
desejo era postergado como forma de fazer existir esse Outro, que se
constituía do sacrifício de uma existência.
Uma reviravolta ocorrida na análise esvazia esse lugar do olhar,
deixando em evidência a falta, em torno da qual pode circular a pul-
são sem estar mais regida pelos traços do "supereu (A.)" na medida
em que pode fazer surgir um novo sujeito. A liberdade, que então
se faz presente, acaba por se estruturar em caminhos balizados por
significantes que marcam um desejo inédito, onde as insígnias do
Outro permanecem como marcas, referências que se prestam a uma
articulação lógica, sustentando um lugar vazio.
Sustentar esse lugar vazio é um dever que se estrutura na res-
ponsabilidade, fazendo com que se esteja alerta para as várias formas
.c om que o "supereu (A)" se apresenta, ofertando insígnias que favo-
recem ao processo de identificação, com promessa de garantias pelo
reconhecimento, que acabam por apagar as diferenças. Diferenç:s q_u~
- conqmsta
sao · das, un1a a uma, a partir da escritura do nome propno.

Dlgl111'.izado com Cam Scanne,


1 i\l'I 1111 () VII 11)~1· 11 )1 I • '('
, ' 1111, li '11111/11', ',( 1IJ11I t J ',IJl•I /11 1/ 17,1,

LA SUBLIMACIÓN ANAUTICA:
EL PASAJE DE LA CONSISTENCIA
OEL SUPERYÓ A LA DEL PARTENAIRE..SÍNTOMA
Guillermo Belaga

lntroducción
La recepción dej. Lacan cn la Argcntína ticnc razoncs prcds;rn
dadas por la coyuntura política y cultural de las décadas dei 1') 60- 1970.
A su vez, la recepción que hice dei mismo - adem ás ele las referencias
a Marx - se explica por el conocido pasajc de Nuestros antecedentes:
"Reside en e1 rastro de Clérambault [...] su automatismo mental [...]
nos parece en su manera de abordar el texto subjetivo, más cercano
a lo que puede construirse por un análisis estructural gue ningún
esfuerzo clínico en la psiquiatría [...]".
Clérambault conocía bien la tradición francesa, pero era
Kraepelin quien lo había formado, en quien el genio de la clínica
era llevado a lo n1ás alto.
Singularmente, pero necesariamente " [...) nos vimos conducidos
a Freud. Pues la fidelidad a la envoltura formal del síntoma, que es
la verdadera huella clínica a la que tomábamos gusto, nos llevó a ese
45
límite en que se invierte en efectos de creación".
Desde la actual perspectiva del pase, este trayecto ilustra el aná-
lisis como "clínica de la formación",46 y también permite reflexionar
sobre la diferencia que se desprende de su lectura entre psicoterapia
Y psicoanálisis.

La sublimación analítica y el deseo dei analista


Al respecto, la concepción de un final de análisis que se dife-
rencie de una psicoterapia no podría estar desvinculada de este límite,
enfatizado por Lacan, y dei consiguiente efecto de creación. _/
A partir del n1 ismo, el deseo del analista como construcc10n
temporal, tomará el estatuto ctel concepto al modo de cómo Jacques
226 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

-Alain MiJier lo menciona cn su curso: que el concepto cobra forma


acabada "realiz~ndose" 111cdi;i11te un salto, por un paso ai Jímite: 17
Asimismo, hay que entender este comentaria dei Se111inarío 11
(1964) como una i11spiració11 hegeliana de Lacan, por lo qu e la reali-
z,1ció11 es la 1~irklichkeit, y entonces se puede llegar a formular el pase
como lo que efectivamente se hizo en un análisis.
Siguiendo con el pasaje citado, en cuanto a los "efectos" se puede
delinear una misma estructura entre deseo dei analista y creación.
Ciertamente, tal relación se empieza a establecer ya desde la
ünplicación subjetiva del con1ienzo del análisis, donde se trata de
responder a la pregunta: "~cuál es tu lugar en tu goce?, 2puedes ha-
certe responsable?", para luego diferenciar entre un deseo vergonzoso
ligado a la moral del discurso amo, y un deseo que hace vivír. En
este sentido, E. Laurent plantea que en la conclusión la experiencia
analisante: "[.. .] le ensena al analista cómo se restaura el impasse dei
deseo, allí donde estaba su propio horror. Y si lo ha conducido ai
punto de reversión donde surge el efecto de creación que Ileva por
nombre "deseo del analista". 48
Tomándolo en general, en principio lo que motiva la creación
neurótica, su razón se halla en la falta-en-ser. Así se deduce que el
objeto está creado desde este vacío que se encarna como castración.
Es más, como resultado de esta operación el objeto contiene, leda
un lugar al neurótico, es con el que se envuelve, y cuya fórmula
sería a /-cj> .49
En conexión con el final de análisis, volven1os a encontrar esta
figura del falo en función de la castración, cuando llega el momento de
considerar el efecto de creación obtenido en ese tiempo, y comparJrlo
con 1a subhmación. Lo que lleva a detenerse en este concepto p:in
estab1ecer las distinciones correspondientes. En principio, se enriende
como un proceso de desubjetivación dei Otro, y correlativo ~d mismo
"vemos síempre producirse en el plano imaginario, bajo una fonn.t
más o menos acentuada según Ia n1 ayor O menor perfecciôn de r:il
5
sublimación, una inversión de Ias relaciones entre el yo y d ocro''. º
En efecto, lo que debe retenerse siguiendo lo que dice Lacan, es qu~
en este modo de creación tendríamos una alienación radical donde el
ser halla una posibilidad fundamental de olvido en e1 yo in1aginario.

Oigít11ti~1tdo C(lm Ci mScanner ◄


\
' .

CAí'll ULO VII - CONSIDER ACôES F


INAIS SOBRE O SUPEREU 227

Ahoí.l, d- arribar a este punto coincide con 1as concepc1ones


.
freudianas dei fm de la cura. Teniendo en ctienta que Freu d s1tuaba
.
d final en . el
, vector
, . • . hasta la
que va de la identificacio' n imagmana
·
identificac1on fahca.
En contraposición, si consideramos
'
lae firase d e D C 11UCstros an-
teccde11tes como el pase de Lacan - como la llegó a describir Miller_
el trayecto que lleva a ese líniite donde la envoltura formal dei sín~
toma se invierte en efectos de creación debe tener otro estatuto a lo
descripto anteriorn1ente. Pues esto surge de creer seriamente en que
existe un franqueanliento, un salto en esa tes~s que involucra al pase
y al deseo dei analista.
Por lo tanto, siguiendo con la distinción entre sublimación y
salida psicoanalítica, en la primera no habría atravesamiento dei fan-
tasma en el sentido de una "deslibidinización" de la re'tórica del yo,
ni tampoco se habrá comprometido la creencia en el Ideal.
Asimismo, a los fines de avanzar en el problema del final, segui-
ré otro binario: la relación entre sublimación !iteraria y sublimación
analítica.51 En principio coincidirían ambas en que cuando el sujeto
escribe su obra, escribe su novela, no hay posibilidad de escribirla
afuera. Pero fundamentalmente, encuentran su distancia en que en
la primera se obtiene una creencia en la obra misma, y en la segunda,
"[ ...] la ruptura con la creencia en el sujeto supuesto saber". Asimis-
mo, el literato obtendría un alivio en la posibilidad dd olvido de sí
C01112)rendida en el eje ünaginario. Mientras que desde otro nível, el
psicoanálisis tan1bién apunta a un olvido de sí, pero compatible con
lo que se llama destitución stobjetiva.
Para ilustrar este punto, recordaría que el momento del pase
clínico _ como ya relaté en otras ocasiones - coincidió con_ 1~ ~ubli-
., . , 1 b' t abaiado desde el m1c10 dei
cac1on dei hbro que reuma lo que 1a ia r. ':.i'
·1· · , · ·:1ba ya en el saber del final,
ana 1s1s via el 1natema (-~), y que conJug, ' . . ,
l0 d l :le la traged1a a la iroma -
que expresaría como las formas e paso e <
6 . • d lo (A) Pero pensando ese
ornia retórica de la incons1stenc1a e tro · '
respuestn a ln pregunta
momento sólo fue apres-cottp como o b wve una ·
'·po rque· no haberse detem·ao en eSC:! saldo
<
de saber? • ,
, ., d ido en una nueva escans1on,
Esta solo pudo rec1en ser respon ' e d l
l d l d b decisión y 1os eu:ctos e
a e tiempo del dt!sencadenanlit!nto e ' · '
pa'íc in c;títucío nal.. M e refi ero aJ. hccho d1.; que r:n 1;''5:t r:,11 um;,1: ~ ~;;

produjo la caída en la crccncía de la obra Y fa por,íbílíd:u.I 'tk cti·i4 d,:


apertura a otras agrupacíones de sabe-reri. En con,;rm:anó 4 , t/4mbi~--n
akanzaría una mayor dísy uncíón el saber refcrcncÍ:11 con. re~p'·"tr /4,
1 ' ,.,.__ ✓ )

textual, consec uencía de la ruptura en la crecncia dd Sr,S,


Por lo tanto, la subJímacíón analítica sería dcfinída por fs::~
eclipsamiento de 1a falta en ser, del cesar de poder ser analísantt\junto
con la invención de un nuevo modo-de-gozar.

La invención dei final

Retomando por otro sesgo, la consideración de sobrepasar eI


plano del Ideal en un más alia de la psicoterapia, lleva a preguntme
por la invención del final. Término que en la ensenanza de Lacan
toma la posta del de "creación" - más ligado a la conexión psicoa-
nálisis y literatura - y si justamente mantiene su orientación hacia lo
real, es una formulación más afín al intento de una diferenciación
con el real de la ciencia.
Pensando a partir de esta nueva conexión, la invención cor-
responderá a la de un deseo inédito, a la de una versión nominalista
del padre - que Lacan llama pere-versíon -, y a la resolución de una
combinatoria consistente como resulta ser e1 superyó, en tanto parte
de la opacidad del síntoma.
Entonces a partir de estas afirmaciones, si en el inicio del aná-
lisis se trata del sufrimiento del síntoma como un modo de respuesca
a la ausencia universal de una programación sexual - en el sentido
de las computadoras -, en la conclusión, e1 sínthonie será la invención
particular del sujeto para darse su propio modo de relación a1 sexo, Y
por lo tanto abierto a la variación y a la contingencia. Agregaría que
, e
°
toman d en cuenta la frase de referencia este artificio del final reun
'
la siguiente característica: lo hace el sujeto bajo la forma del síntoma, es
decir que persiste el elemento formal por su articulación significante,
pero ya en este tiempo "deslibidinizado", constituyéndose en lo que
se podría describir como una estetización del síntoma. 52
.
Por e1m1smo . 1 b. , e correh1-
cam1no, e deseo del analista tam 1en s e
·
c10na a 1a 1.ormu
e-. · ' d e " no h ay relación sexua1", punto en el qu
lac1on

ÍlÍIJil AIÍ1'11<kl r.(IITl (';,imSr.,inno11r


CAPITULO VII - CONSIDE Ô
RAC ES FINAIS SOBRE o SUPEREU 229

nuevamente Lacan se diferencia de la experi·e


' · ana I'1t1ca
nct;i • d e Freud .
Recordemos al respecto que éste recomendab ] ,
., a e acto sexua 1, o veia
en el acto sexual la soluc1011 dei impasse dei SLtiet 1
. . ., • · ~ o, o que 11 eva 6a a
un dest1110 de fipc1011 de la. identificación
• fálica
• aJ eIeseo d e1 0 tro,
que trae como consecuenc1a una cura interminable y/o el punco de
llegada de la psicoterapia.
Partiendo del concepto que el deseo dei analista tiene otra es-
tructura que la mencionada relación existente entre Ia identificación
fálica, con el N01nbre-del-Padre y el deseo del Otro. Durante e! aná-
lisis, esta conjunción se revelará sostenida esencialmente en el Otro
materno. Entonces éste, representado también en la M - que hallamos
en el Esquema R de De una cuestión preliminar... -, sería conducido en
la experiencia a su inconsistencia, resultando en la subjetivación de
la sexualidad y la muerte.
En forma breve, sobrepasar el deseo de la madre en tanto mLtjer,
permitió la emergencia de un más allá de la identificación. Cuestión
que puede esquematizarse como una doble inscripción que se re-
duce al "resto" libidinizado del final considerando que el pequeno
a designa la verdad de la estructura significante: en una se sintetiza
una versión negativa, la del goce que partiendo de la impotencia se
descubrió imposible, y en otra una versión positiva, donde se funda
el partenaire y un nuevo amor.
Finalmente para situar el problema del superyó vinculado al
síntoma, lo remitiré en principio a lo que en el recorrido analítico se
pudo localizar precisamente como la falla de la metáfora paterna. Es
decir que la misma se infirió del interés en la práctica y la formación,
por las neurociencias y el psicoanálisis, la política y el psicoanálisis, la
salud mental y el psicoanálisis, etc. Estas conjunciones, corroborarían
un índice - perceptible en general en la clínica - el de la "duplica-
ción imaginaria" que ocupa lógicamente el lugar en que se inscribe
dicha falla. s3
En este sentido, el superyó en tanto imperativo al goce, se
lhanifestaría en la historia personal como una exhortació~1 a r_esolver,
a "decidirse", en fonna contingente por alguno de los ternunos d~l
binario del m01nento. Encarnado muchas veces por un personaJe
épico, esta ley insensata _ 5 cuya significación se desconoce -, este
1

Digit~iz:ó!do com CJmSc~rvier


230 SUDê:D.EU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

fuera de sentido - objeto a entanto voz-, tomará frecuentemente


la forma de la inhibición. Así luego de varias vueltas en torno al
Otro, sería finalmente en e1 pase clínico donde se logró verificar
la resolución de lo mortífero y "el empuje-al- hombre", al com-
probarse en el origen del mismo un decir femenino específico y
su incidencia.
En conclusión, ahí ubicaría como saldo de la operación de
reducción psicoanalítica la circunstancia en que la voz de la surmoitié
- forma en que Lacan describe el superyó femenino para el hombre y
para la mujer - se demostrará incompleta, inconsistente, indemostrable,
indecidible. Se trataría también, citando a Miller, como en el final
existe una depuración generalizada a a "de todo lo que aparentaba
ser términos diferenciados del discurso". 54
AI respecto llama la atención que la construcción de lo que
"hay" en relación a la falta de relación-proporción sexual, reconoce
un "resto" investido común, n1e refiero a lo que eran en el comienzo
el síntoma y e1 superyó.
Teniendo en cuenta esto es que insistiré en cómo la decisión, y
la nominación como Analista de la Escuela permiten situar - con esta
perspectiva - la resolución del problema del lazo en el fin dd análisis,
en ese momento 1ne encontraba "dentro de los expuisados" del Otro,
salvo por un chiste dicho en la despedida de la última sesión, que
aludía a la elección de una orientación del psicoanálisis que conjugaba
a unjudío/Freud y a un católico/Lacan. Esto respondía a lo retenido
de los Nombres-del-Padre, en donde correspondientemente con el
planteo de la función nominalista de la función paterna, un elemento
de las regias de filiación fue investido por un goce, y entonces hacer
con él un buen uso del síntoma. 55
En consecuencia habiéndose instituído éste en el orden en que
se revela nuestra política, hallará en el momento crítico de 1998 su
resonancia en el St de la comunidad para formular un Witz de similar
estructura: el del pase 1·nstºt · al , y l ograr transmitir
1 ucion • · que l a E scuela
reunía una combinatoria significante con la misma "forma" dei par-
tenaire- síntoma· De esta manera se h 120 · efect1va,
• ·
sab1endo e1 pun to
en que uno se identifica al grupo, la inscripción en "la comunidad
de aquellos que no tienen comunidad ".
CAPITULO VII - CONSIDE
RACôES FitlAIS SOBRE O SUPEREU 231

conclusión

La decisión de transmitir una historia <Jll, 1 1


• e VJ e :1 pcn .:i cont.i r.
110es sin romper, una vez más, con cI circuito cl"I , cryo, qu e li cv.1
'- •up
3 "ceder en el deseo", a la renuncia 11ulsional , •a •scrJ r~r 1
, •1 " ,;e e e u 11 go e
suplementario. Como describc Miller' cl SUJJcrvo' , e ,,,
.,,.Jrop1.1
· d e' 111 -
mediato de este goce suplementaria, sirviéndole pJr;i crece r 11 1,1._ , cn
un movinüento que puede llegar a ser perpetuo. 5<,
Por el contrario, en el análisis y en el pasc, se da lug.1r y.1 n< ,d
"separarse de" sino a apropiarse de este plus vÍJ el parte11Jire-sinto m.1
que con10 dije incluye a la Escuela.
Por últin10, cada tanto sobresale la existencia de u11:1 ~tic.1 dd
superyó como terapéutica, en la vida de la comunidad. E t:1 c;c.: tr:1ducc
en un intento, cuyo principio es siempre el "ceder en d dc.:sc.: o", qul.;
apunta a acomodarse en el grupo. Como decía, en tanto tc:r:1p~utic:1
del malestar, este fenómeno colectivo se sustenta cn una renunci.1, lo
que resulta de hecho en d resorte del malestar, en un reforzamicnco
de las exigencias del superyó.
Por tanto, el AE por su extimidad, no tomJ.rÍJ plrte de este
"esquema de reciclaje del desecho", sino que en su Jporte :.il pose-a-
nalítico le opone y testimonia de un deseo decidido, deseo de saber,
en cuya fórmula no hay retorno al comienzo, y es lo que lo h:ice -
posiblemente - permanente.

Oi!3it1IIU dO CQm CamScanner


) .S) ',lJl'l Ili llllJI Ili 1'11',· IJA',r)l!l!,i M',/\IJ',',I l/' , 111 ' , 1111 11',

SUPEREU BREVE

Bernardino Horne

O únícv termv da análise é a satísfação


que marca o fim da análise.
LACAN, ([1976] 2001), p. 572, tradução livre.

E1n um con1entário feito na EOL sobre meu passe, publicado no


Correio 66 (Revista da EBP, julho 2010), eu digo tomando a satisfação
pelo viés econômico, ou seja, do gozo: Ao dizer satisfação, falamos de
gozo; de um giro no gozo, que vai do imperativo categórico do supe-
reu. Goza! goza! como satisfação de uma pulsão excessiva, de morte,
em direção ao Nome-do-Pai. Uma pere-version (LACAN, 2005) do
Nome-do-Supereu-pintinho esmagado - como nome que condena
à fobia, à inibição, ao temor, à angustia; para o Nome-do-Pai: Varón,
um varão que é um pintinho esmagado, mas não está esmagado por
esse Não! do supereu (HORNE, 2008, p. 68, tradução livre).
No último capítulo do Seminário 23 (1975-1976), Lacan retoma a
pere-version, fazendo-a equivalente à lei do amor. O pintinho esmagado,
na nova perspectiva, toma a forma do feminino dentro do Varón e o
conecta com certas sutilezas da vida, como a poesia e o amor. Freud
([1927] 1996), em seu texto sobre o humor, interessa-se por essas manobras
do sujeito diante do supereu, que permitem grandes traslados de libido.
E a satisfação da pulsão depois do final? Há um SIM, tu podes
saber que a satisfação sublimatória supera no sentido de condensar mais
quantidade do que o Gozo da impotência. A travessia do fantasma, eu a
escrevi como um saber do sujeito: $=a. Sabendo-se que O sujeito tachado
é igual ao objeto a do fantasma. Assim entende Miller, quando diz que
a travessia do fantasma significa, em termos de Freud, uma abertura
da condição de amor nas escolhas de objeto do sujeito (MILLER, 2001).
Abre-se a dimensão do amor, e tanlbém abre-se a evidência
da fixação de gozo desse Jalasser singular. Esse é seu sintoma, fixo em
um nome de gozo que vem do supereu. Saber dar a volta a esse nome
feroz com humor, com alegria, duplicada pela alegria do saber fazer,
a habilidade psíquica implica uma grande satisfação.

tllg!:olll odO com ComScon~


\\\ ..

CAPÍTULO VII - COOSIDERAÇÔES FINAIS SOBRE O SUPEREU 233

QUAL É O DESTINO DO SUPEREU NO FINAL DE ANÁLISE?


Ana Lucia Lutterbach Holck

Podemos dizer que, em Freud, o supereu, resultante da dis-


solução do complexo de Édipo, é a lei que proíbe o impossível e, ao
fazê-lo, instaura o desejo. No caso do ·m enino, a angústia de castração
condiciona uma dissolução do complexo de Édipo, e o supereu, como
seu herdeiro, perpetua a proibição da ligação incestuosa com a mãe.
O supereu se reduz, assim, a uma lei que deixa desejar.
Na menina, uma vez que a perda já foi efetuada, o complexo
de castração não produz angústia e resulta em recalque e supereu
débeis, que, juntos com a inveja, irão determinar uma peculiar
inumanidade que deixa a mulher vacilante entre a falta radical e o
excesso. Para Freud, falta-lhe o inconsciente e o senso de justiça,
falta-lhe a capacidade para sublimar e a independência. Por outro
lado, há excesso de narcisismo e de masoquismo, excesso de amor
e de ódio.
Quando a demanda em relação ao pai subsiste e persiste ende-
reçada aos seus substitutos, acarreta o que Freud chamou de rigidez
do caráter feminino, inibição e certa dificuldade para a sublimação.
Como o supereu é resultante da dissolução do complexo de Édipo,
quando ocorre essa fixidez não há também a formação dessa instância
que proíbe e instaura o desejo.
Lacan nos fala de uma face real do supereu, não um supereu
que legisia e apazigua, mas que se apresenta como um imperativo de
gozo, como um Outro tirânico que obriga a gozar "como se fosse"
uma voz vinda do real.
Em minha análise pude identificar a posição de objeto de gozo
para um Outro, uma oscilação entre uma identificação petrificante
ao objeto da fantasia masculina perversa. Vítima, forçada por um
Outro cheio de vontade e saber, adorando-o e adorando me sub1neter
ª seu gosto, produzia um resto de dor e humilhação, gozo masoquista

-
. . .-.
· ·· :..~
234 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

mortífero. Uma identificação que não bastava para recob .


. . e. , . nr o goz
feminino que se trans1onnava e1n angustia. Ou, por outro Jad . 0
.
tificada . do o b.~eto, ex1·1ada do mundo e parceira d o, iden-
ao vaz10 .~
a so1idao
caía nmn abis1110 infinito, e prevalecia o desejo de morte. '
A partir de um sonho foi possível encontrar um nome d
e gozo
"patê ", para o Outro me ter ou ser para um Outro consistente T
• anto
na identificação ao objeto da fantasia quanto ao vazio estava inteira-
mente submetida ao supereu do gozo.
A função do supereu como imperativo de gozo, então, está
associada à identificação ao objeto de gozo do Outro. A separação
entre $ e a realizada em aná~ise, e a nomeação do gozo em questão
permitiram certa transposição, agora não mais a identificação ao ob-
jeto, mas como semblante de objeto causa de desejo. Refiro-me aqui
principalmente à vida amorosa, mas isso teve ressonância em toda a
vida, queda da inibição e a aposta em cada situação relevante na vida.
Acredito que certo consentimento ao que restou como inelimi-
nável do gozo produziu uma nova relação com o desejo e o supereu.
A injunção do supereu perde sua eficácia quando a nomeação pode
cerni-lo, entre bordas, a um núcleo, e não mais como transborda-
mento infinito.

0.gÍl.1/izado <:om C-JmSc.,fW'ler


CAPÍTULO VII - CONSIDERAÇôE
S FINAIS SOBRE O SUPEREU 235

UN coMENTARIO SOBRE EL SUPERYó


Luís Tudanca

Soste~dré mi comentaria en una frase de Lacan en la que afir-


ma:"[. ..] edificar un Otro que encierra goce, generalmente llamado
Dios, con quien vale la pena jugarse a todo O nada eI plus de goce,
es decir, ese funcionamiento que se llama superyó" (LACAN, (1969-
1970) 1992, p. 104).
Tres elementos se destacan en esa definición: (a) Un fantasma
de Otro supuesto goce total; (b) Una apuesta con ese Otro; (c) Un
funcionamiento que se deduce de los dos puntos anteriores. Hago
notar que Lacan no habla del superyó como instancia psíquica sino
que lo ubica como funcionamiento. Dicho funcionamiento se dispara
a partir de un mandato: jGoza! Ese mandato sólo empuja a un goce,
pero no dice con qué gozar.
El lugar del "con qué" lo ocupa siempre un fantasma de goce
total. El superyó no pierde el tiempo con satisfacciones pulsionales
parciales. Por ello el goce privilegiado es el plus de goce, mas abierto
a los excesos sin límite que el goce fálico, que por más que se lo quiera
someter a un fantasma de goce total es muy limitado en su réalización.
Pero a la vez se trata de una apuesta a todo o nada. He aHí una
perspectiva que bascula entre la imposibilidad estructural en la ob-
tención de ese goce total y la desesperación angustiosa del desecho en
que el apostador se convierte... y vuelta a empezar. Que este proceso
lo encontremos más en la obsesión y por lo tanto en los hombres,
tiene su fundamento.
El no-todo sale jpor compneto! de esa lógica. Quizás esa sea una
raz ' . , l uieres sea menos feroz.
on para opinar que el superyo, en as m ~ '
Siem . 1 s hiios con un hombre,
pre Y cuando no se obses1onen con ° :1 '
con la ma dre y muchos otros etceteras.
,
Pero si hay una cura del superyo, se 1ª debe buscar por el lado
del no-todo. H e 1ns1st1
. . .d o en m1·s testimonios sobre una frase que
atribuyo a mi n1adre: si a vos te dejan hablar no te ahorcan p.... d .
• • ' < • <Ll..1 OJl
esenc1al
. en nu e.."\.istencia: si habfaba.
·,v vaya
· que lo hacfa
', term· n1aba
somendo a una verborr.1gia enloquecedora, si callaba, me ahorcaba(n).
_ Esa dialéctica signó nii relación con el otro hasta que pude
ub1car que callarme no era lo mismo que permanecer en silencio.
Una interpretación remató la salida de dicha dialéctica: ahora que la
vocecita se ha llamado a silencio se trata de hacerse escuchar. Implicó
un pasaje de un silencio mortal (callarme) a otro silencio mas vivifi-
cante, mas acorde con la posición del analista.
El ejemplo sirve para mostrar los elementos de los que parti. El
funcionamiento del superyó en éste caso ordena hablar sin parar, sin
pausa e implica un goce. La apuesta se nota a través de la dialéctica
hablar-callarme, vía de presentaàón del todo o nada en el que estaba
apresado. También el suponer como posible un hablar sin :fisuras, sin
falias, sin agujero, que elude lo imposible de decir. Culmina en un
fantasma de orador impecable-implacable, dueiio de todas las com-
binaciones posibles de alternativas en los argumentos, que reenvía al
Otro que se pone en juego en cada apuesta.
Así que, inyectar la lógica del no-todo a ese todismo cuasi deli-
rante disuelve cualquier aspiraàón a un cierre total. De vez en cuando
un síntoma me recuerda el superyó: una disfonía me enmudece, no
del todo, un par de días.

D~1alzado com Ca,iScctol'k!f


CAPITULO VII - CONSIDERACÓES FIN
AIS SOBRE O SUPEREU 237

o DESTINO DO SUPEREU: GOZA!


Rómulo Ferreira da Silva

Desde que se tenha um corpo, esse imperativo estará sempre


presente. O que se modifica no final da análise? Se tomarmos a
separação entre o supereu materno e o supereu paterno, como um
dia fez Lacan, podemos identificar, no meu caso, o "capitão" como
sendo o significante que impõe, o "Goza!" como o supereu materno.
e aqueles que vieram em sequência: bom menino, salvador, médico;
como os que vieram na vertente da interdição, na necessidade de abrir
mão da pulsão para a inserção numa "civilização" marcada por uma
exigência feminina de que a conduta do homem fosse conforme ,'is
expectativas delas.
Trata-se de uma inversão dos tempos freudianos de Totem e
tabu, porque é uma exigência matar o pai e desprezar os irmãos, com
a expectativa de obter todas as mulheres, inclusive aquelas submetidas
ao pai - mãe e irmãs.
Como todo obsessivo ordinário, o mito do sttieito se construiu
no sentido de seguir a uma norma estabelecida para poder fazer o
seu percurso de forma independente. Nessa via, as transgressões das
normas estavam previstas.
Ainda na via da neurose, uma tentativa de rompimento com o
supereu paterno (proibitivo) se apresentou. Só na análise foi possível
uma nova relação com O dito supereu materno. O significante "ca-
pitão", que serviu de base para a nomeação do sinthoma (sim- toma),
"d . "'T' I"
P0 e revelar no final algo do gozo imperativo: i~ma. . .
. No apres-coup
i d a ana;1•1se, 0 "Tomai"
· • que e um s1gmficante
. .
Inventado no final, que tenta dar conta do m~vimento do suJe1to
~ue obedece às regras do inconsciente, como dtz Fr~ud no texto O
inconsciente (1915), toma distância daquilo que ele voc1ferava_-
Ha, d 01s
. momentos d e i·berdade
1 ,
se assin1 posso dizer; um
Primeiro que foi não ter que dizer não ao "Toma!"; e um segundo,

Digl~alludc cem Ccim SC!l'lnt!r


233 :;•J PE:º EJ I IJE='E.PUS. DAS OP.IGEIJS /lOS SEUS DESTltJOS

que é poder dizer "Toma!", nas majs diversas possibilidades


. _ . que
esse significante pode ser aplicado. Quando digo "dizer Toma!" é
necessário precisar que não se trata de utilizar o significante, mas da
maneira com que esse "pulso" atinge o corpo. O corpo está mais
livre, muito afetado pela pulsão.
1\ '

CAPITULO VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SUPEREU 239

INDOCILIDAD

Gustavo Stiglitz

Dos referencias

Hamlet. El rey es asesinado con un veneno que le es instilado


en el oído. Ese veneno no tiene nombre, mejor dicho, tiene un nom-
bre neológico, fuera de sentido: "hebona" es un significante que no
existe en el cód~go.
Lalengua - vehiculizada por la voz - agujerea el cuerpo, mor-
tifica el goce y de este acontecimiento surge el ghost, fantasma ... del
parlêtre. Solo Hamlet ve al ghost, lo que demuestra que es su propio
fantasma.
Por otro lado, para Freud, en El yo y el ello - "[. ..] el superyó
no puede desmentir que .proviene tan1bién de lo oído [...]".57
La psiquíatría inglesa y la guerra. Lacan finaliza ese escrito con una
. advertencia en relación con el superyó y sus incidencias colectivas,
aunque nosotros lo tomaremos al nivel de un análisis. Dice allí, que
no es dei lado de la indocilidad que vendrán los peligros, sino todo
lo contrario, de la docilidad al in1perativo.
Con estas dos referencias daré cuenta de un recorrido en torno
ª la cuestión del superyó.

Un tratamiento dei amor

EI parlêtre "an1a" ese veneno de lalengua que le instilan en la


oreja. Lo ama porque es el carozo de su fantasma. En realidad ama a
ese envoltorio de sentido a ese mix de sentido - que proviene de la
.
art1cul · , S _ s _ y de' goce - el que exige
ac1on · e1 S,·
. Mi prin'1er amor
2
fue a trozos de ~alengua, unas s1'lab as: " no-
n1-n0 ,, (etorma particular de refenrse
. al sueno · ~ "h acer
~ en un nino,

Digi: aliudo com CamSc ?nner


c.o--=--1 _~re rev-olví contra cllos agregando otro " no": la voz matema
q-.::.ê omenabz: "-Dormí .._
A , t10r a. Ialengua del supe-ryó matemo, que exigía lentitud,
a!Í.:Jrmêcimienco. deseo5 inhibidos y esqu ivos. Lo ex.igía verdadera-
mentc:- El si~ i ficante e-::rige goce. La versión singular del mismo es
in:erp::ci..-ación del p~rrlétrf: '"ei Otro exige mi castración, para su goce".
Hc :: h i" la. rra.r.ros:is_
El psicoa.náli'1s no es un rratamiento por amor, aunque se apoye
c:iceP mente en el amor Yerdadero de la trans-ferencia. Es, más bien,
un crar2.II1.Iento dela.mor.
Así, Ia primer.11n:6<lelidad a ese amor llegó con el análisis. Un
sujem obses....n,o puede rener Ia suerte de salir de ahl si se encuentra,
por ej.empio, con Ia re - petición5s del signo de amor por parte de un
p2.i..ü:n2rre. Aquelfa. que al ser no toda le demanda lo imposible, que
fa. colme. Aquí también reconocemos la presencia del superyó, pero
qu:e se ma.nifiesta como un empuje a hablar.
Hay la posibilidad de un buen uso del superyó femenino, si se
cree en ella., no a ell.a... O sea, escuchar esa demanda para desestimarla
y despojada de e::rigencia: servirse, para a ir más aliá de la atadura al
tâ.Io, más ill.á de los pensamienros, amándolos un poco menos.
Se enriende que depende, también, de la relación del partenaire
con el superyó, si no, se puede esperar lo peor: "hablemos todo!".

Una nueva declinación

En la orilla opuesta a Ia de la voz del superyó materno que instila


"'Dormí", hay otra voz que despierta. Esta dice: " hablame". Del "Dor-
mi" al " hablame", media el tratamiento del amor bajo transferencia
que horada el Todo que exige el superyó. No se trata de un "Hablame
de amor" Y por eso lo escribo con minúscula. Es un "hablame" que
orienta al Otro y saca del autismo gozoso que prescribe e1 superyó:
De los vericuetos y corsiones del camino que permitió consenur
ª esa invitación - porque también se puede rechazar - dan cuenta
los tescimonios como AE. De la docilidad a la voz del superyó solo
se puede esperar lo peor. Ser indócil a él, abre a las contingencias del
encuentro con el Otro.

D,git.:tizodo com CamSc.JJlllClf"


CAPITULO VII - CONSIDER
ACôES FINAIS SOBRE O SUPEREU 241

O sUPEREU DEPOIS DO FINAL DE ANÁLISE

Lêda Guimarães

Nas vésperas do final de análise, a nomeaça~o d o o b.~eto voz


produziu uma constatação impactante: a devastação feminina era
mantida por um sentimento de culpabilidade feroz articulado ao
gozo feminino, sentimento de culpabilidade nunca subjetivado ao
longo de toda a análise. Logo depois do final da análise, uma nova
dimensão subjetiva se abriu revelando o funcionamento do supereu
ao qual estava submetida até aquele momento. Pude, então, constatar
com grande surprcs:i qm.: meu estado subjetivo neurótico anterior
alojava meu ser na função d:i exceção ao Todo, numa bipolaridade
radical: buscava ser vist:i como A Mulher ideal, porém o resultado
obtido er:t sempre a po. içiio Jc: objeto dejeto na 'exclusão' ao con-
junto <lo Todo. Lógica ncurótic:i histérica que me mantinha dentro
de uma câmara paranoica sempre ocupada com "o que os outros vão
pensar de mi1n?". O fim de: análise desfez essa câmara paranoica, na
qual me sentia sempre vista e julgada pelo Outro, e passei a me sentir
anônima diante dos outros quando desapareceu esse cenário no qual
tinha vivido até então.
. L ' imperativo de gozo',
O supereu, definido por acan como

deixou ,. • , d stador Eventualmente,
de funcionar como 1mperat1vo eva ·
, d · nto mortífero é tênue e
quando algum torn1ento advem, o pa ecime
. to subjetivo que reabre
evanescente, pois logo e1nerge um movimen , . d •
. fi al de analise pro uzm
as portas do desejo. Pude verificar que O m t
ulsão de morte, qu.e es ava
um novo dinanlismo pulsional, no quaI ª P .
fixad a no supereu, passou a fjruir·
por novas vias: .
do supereu e passou a frmr
• O gozo feminino se desatr elou . 0 especialmente
0 do erot1Sm ,
como gozo vivificante no camp d devorar e de se fazer
s impulsos e
conectado ao amor, ond e O - de morte a favor
1
"d de da pu sao
devorada utilizam a feroci ª
do prazer erótico libidinal.

0111h.1llzldo com C11mSc.1fll"M!r


• Os scntitnento~ de rniva, rancor e indiferença pas··
. .. s,1ran1 a ser
e:xpernnc.ntados se111 culpabtltdade, especialment -•
, , . . . e quando
conectados a propna d1g111dade.
• A força radical do dest:,jo passou a abrigar a ferocidade da
pulsão de rnorte. Constatei que esse 'novo' desejo foi O efeito
niais extrao_rdin~1rio que resultou da quebra da ferocidade do
supereu, pois esse 'novo' estatuto do desejo passou a conter
e1n si mesn10 un1a ferocidade que já não é rnais dirigida ao
outro nen1 a si mesma, n1as à sustentação da falta, espera,
determinação, trabalho, investin1ento, que são fundamentais
para uma posição de desejo férreo.
• Os dois estados subjetivos da bipolaridade - alegria excitante
e devastação - que vigoravam na neurose histérica, cederam
lugar a um novo estado subjetivo mais calmo relativo a uma
alegria por viver, porém contendo em seu centro um vazio
que já não é mais recoberto nem por uma alegria excitante
nem pela devastação.
• O que sobrou do supereu? Um movimento em direção à
mortificação que não se converte em imperativo, mas numa
tristeza relativa aos limites da vida humana, o que volta e meia
advém e logo mais se atenua... Algo mais ou menos assim.
CAPITULO VII - CONSIDElli\ (ôES FINAIS <:.O0RE O SUPEREU 243

MODULA OU MENOS ASSIM


(OU DA VOZ À RESSONÂNCIA)

Marcus André Vieira

Quen1 não conhece os primeiros acordes da quinta sinfonia de


Beethoven? "Tcham-tchan1-tcham Tchaam ... E novamente: Tcham-
tcham-tcham TCHAAAM ...
As 1naiúsculas e as reticências são o que melhor se pode fazer
no plano do texto para traduzir o intenso efeito dessa sequência so-
nora. Creio que ela se presta à maravilha para presentificar o efeito
do que Lacan chamou de pulsão invocante. É uma experiência de
certeza. Somos intimados, mesmo que não saibamos bem por quem
nem para quê. Foi com relação a essa exigência cega e sem corpo que
minha análise permitiu uma modulação, uma pequena separação que
mudou minha história.
Essa invocação é o _que Lacan chama de "a presença do Outro"
sob sua forma vocal, solicitando-nos no mais íntimo de nosso desejo.
Ele retoma a pulsão freudiana como o movimento desencadeado em
nós pelo Outro, que se materializa em quatro objetos típicos: oral,
anal, visual e auditivo. Os objetos definem quatro eróticas que cons-
tituem uma distribuição primeira, nada exaustiva, do modo como se
mobiliza nosso desejo. Declinam o tudo ou nada, de um objeto a ser
consumido, no objeto oral; a negociação em torno de um objeto de
dádiva, na pulsão anal; a apreensão de si como capturado por um olhar
e, finalmente, a presença da alteridade no coração da subjetividade,
sem forma ou origem clara.
Entre elas, a voz ten1 a particularidade de ressoar tão dentro
que paradoxalmente já não se sabe exatamente de onde viria. De fato,
0 som nos afeta sempre nas ondas sonoras conduzidas pelo ar que

Penetra em nossos ouvidos e ao n1esn10 te1npo por condução óssea,


Pois o crânio (assim como O corpo todo) é igualmente mobilizado
pelas o~das sonoras e vibra por ação delas. É o que Lacan dran1atiza

Oigitclizoóo com CamSC:llll'IC<'


244 SUPER EU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

ao lembrar que os ouvidos são os únicos orifícios do corpo q ~


. ue nao
podem ser fechados a não ser por ajuda externa.
O importante é destacar como, por essa razão, a presença vocal
do Outro, mais que qualquer outra, exige resposta. Do contrário, nos
perdemos de nós mesmos por apagamento da fundamental diferença
entre eu e Outro. Não é à toa que essa presença foi tomada como
divina ou den1oníaca. Freud preferiu aproximá-la de seu conceito de
supereu que, para o bem ou para o mal, exige ação, gozo nos termos
de Lacan.
A resposta do sujeito, vital para a estabilização de uma distância
mínima, passa pela estruturação inconsciente, ao longo da história,
da fantasia. No meu caso, em seu cenário repetitivo, ela estipulava
que a identidade do Outro não tinha importância, pois sua exigência
seria apenas agitação aleatória sem razão ou intenção. Em vez de pai
exigente ou cruel como no caso do Homem dos Ratos, ou das súplicas
de uma mãe carente, ou ainda os gemidos do casal no quarto ao
lado, o supereu me aparecia com as feições das crises de agitação dos
pacientes da clínica psiquiátrica de minha famElia, onde passei os
momentos mais intensos e vivos de minha infância.
Tudo me levava a crer que o real da pulsão se apresentava em
sua essência mais primitiva, desencarnada, do grito na crise, que seria
tal como um trovão, pura força da natureza. Esse foi meu engano.
O engano neurótico é acreditar que por trás de cada um deles
haveria uma intenção definida, um sentido oculto que esclareceria por
que somos tão malfeitos. É que, apesar de sermos constituídos a partir
dos desejos que sobre nossos corpos incidiram, a intenção original de
cada um não será jamais acessível, pois escapa até a seus donos. So~ws
feitos da marca contingente dos desejos, os mais variados, sem senriclo
· · l · M eu engano era me achar fora da esfera neurótica por esrar
ongina
em contato direto com o fora do sentido do real. Em vez de mais
' ·
proximo, d esenganado, duplicava-se
. para mim o desconhectm · ento
' · d o real - esquecia-me de que, para quem fala, o rea I nunca
neurot1co
e' apenas tsunami,· mas sempre presença de um desejo, mesmo se 1ouco. _
A ana'1 ise
· ve10
. d ar presença subjetiva ao trovão. Desco bri' entao,

igência
como e1e estava comigo todo O tempo, por exemplo, como ex Ern
surda de trabalho ou de buscar os perigosamente os extremos.
CAPiTULO VII - CONSIDERAÇô
ES FINAIS SOBRE O SUPEREU 245

segundo momento, pude me encontra


um . r con1 os restos de mim
rno aqueles instantes em que havia exp .
01es , . • enmentado algo fora do
rnpo dessa fantasia sobre o real, um gozo - b .
ca . nao su metido ao impe-
tivo materno e que haviam ficado até então oc lt E
ra u os. sses pequenos
momentos em que pude apenas me entregar ao vivido sem trabalho
e sem temor
_
compuseram
.
uma colagem que chamei d e " m1qmto. . ,,.
Nao, a assumi como
, nova persona · O analista 101
e · d · ·
ec1s1vo por
fazer obstacul~ .ª torna-la apenas uma forma identitária suplementar,
0 que talvez so invertesse a ordenação da fantasia sem introduzir al 0
d" . . ,, g
novo. Manten o miqu1to como colagem e não personagem, pude ir
explorando, para cada uma de suas vivências fragmentárias, a presença
do Outro como marca de desejos singulares, a que pude dar lugar
e reconhecer. Foi possível, assim, ir declinando o modo como eles
haviam deixado um traçado, que não era trauma e exigência, apenas
marca contingente e que não exigia, portanto, resposta.
Só assim, pude me deparar com esse traçado, no limite do di-
zer, não apenas como texto, paixão do significante, marca indelével
do Outro, mas escoadouro de gozo. Nesse sentido, a letra, fora do
sentido, é também corda que vibra, como de um instrumento mu-
sical ou, como prefere Lacan em seus úkimos seminários, ressonância
assemântica.
Vibr~ção apenas deduzida, pressentida, pois aquém do sentido,
do que se experimenta, esse gozo não é nem exatamente uma forma,
nem mesmo voz. Ele veio se concentrar na relação de meu pai com
os muitos cachorros de que cuidava, mais especificamente na i~age~
de sua mão mordida quando tentava separar as b[igas dos animais.
Nesse contexto a mordida parecia indicar a incidência primeira
d0 O utro como' força da natureza, anima· 1, fora do sentido.
. , Mas a
irnagem d izia
º • mais,
. pois
. a mao
- mordºd i a de meu pai ' so .o era por
"
seu desejo de pacificação. Havia ali um elemento pulsional, um ~e
faz · té então Era esse desejo
er morder" que estivera oculto para mim ª ·
qu h . do e não o dos loucos
e avia sido decisivo que me havia marca _
ou d ' . . ado à injunçao materna,
os cachorros e que eu havia incorpor -d d
1
:7ivendo-a como, agitado "mosquito elétrico" (outro ape_ i o e
bnfâ . enas para dele fugir como
ncia) buscando o risco do encontro, ap
se n~
ao fosse por ele marcado.

DiAllilllzlldo com Cam5c.111Ylc:t"


246 SUPEl<EU I UEREPU S: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

Portanto, em vez do ambiente materno e da desrazão um p


' ouco
de pai e de animalidade. Em vez de uma pseudoforaclusão do No-
me-do-Pai, o real da letra do Outro. Não importa o que quis quem
n1ordeu, se é que quis, mas in1porta que, uma vez traçada no corpo,
algo se define, com uma coloração selvagem no meu caso, mas agora
aberta ao encontro. E o supereu? Em vez de voz imperativa nos ouvidos
e no coração, apenas o ressoar do sangue nas têmporas. A exigência
do trovão, a exigência de gozo, tornou-se pressão da vida, que pede
encontro, aberta ao que virá, por isso chamei-a de "mordidavida" e
tento fazê-la, aqui, ressoar.
FIN OE ANÁLISIS Y SUPERYÓ

Marina Recalde

Considerar que hay un destino para el superyó en el final dei


análisis, presupone que un nuevo arreglo con el goce, adveniclo ai
momento de concluir, no es sin consecuencias sobre la inciclencía dei
superyó. Es decir que implica otro n1odo de arreglárselas con aquel
goce que escapa al falo, permitiendo una nueva vuelta que dialectice
esa dimensión superyoica, mortificante, n1anera neurótica que hasta
entonces se había encontrado.
En mi caso, podría ubicar un can1bio fundamental respecto a1
peso superyoico que había tenido mi lazo al Otro, al que me había
consagrado, en un intento desesperado por calmado y colmado. Nunca
nada era suficiente, me había situado a la espera de un Otro que me
pidiera, sin medir las consecuencias, de un modo sufriente y repetido.
Las vueltas ,\nalíticas me habían permitido desligar síntoma y
fantasma, obligando a la pulsión a enlazarse a otro destino.
Poder nombrar de un nuevo modo este lazo, bajo la forma del
negra "decidida" que en el último tran10 había sido puesto al trabajo,
vino a evidenciar que el circuito pulsional se había armado y que
ahora, decidida, podía decir sí o decir no. Cambio de régimen que
incide en la satisfacción y en el amor: poder decir sí o no, conforme
a mis razones, y no decir siempre sí, alocadamente, para evitar la su-
puesta crueldad o enojo del Otro, modalidad neurótica que me había
arrojado - sintomática y fantasmáticamente - al goce, alejándome del
deseo, en un intento infructuoso y sufriente de hacer existir la relación
sexual. Como si fuese posible.He podido encontrar e inventar un otro
modo de decir que sí, un sí deseante y causado, ya no sometido a las
coordenadas de la demanda de amor, ni al superyó ni a la exigencia
desmedida del Otro cruel que me había arn1ado.
Sostenida en el esfuerzo de hacer existir la relación sexual, me
hallaba capturada en el borde que im.plica decir sien1pre s{, frente al
no constante del Otro. En definitiva, era un modo que seo- ,
. . , , . :::, u1a es-
tando enredado en el si y el no, en la Iogica de Ia diferencia. Modo
superyoico de no consentir aI agujero, de intentar colmado, sin ad-
vertir que aquello que no se enlazaba aI falo, producía cada vez más
mortificación. La impotencia suplia Ia imposibilidad, ignorando que
lo mortificante es lo que uno se arma, porque lo deja en manos del
Otro que se inventa.
Encontrarse en este lugar nuevo, es más allá de decir sí o no.
Es un decir sí o no, sin el Otro. Sostenido en el hay sinthome, y ya
no en el no hay relación sexual que intentaba hacer existir. Zona
que implica un decir, y un otro modo de dar, ya no articul~do al dar
lo que se tiene. Zona que Éric Laurent a propósito de n1i segundo
testimonio en las últimas jornadas de la EOL, denominá indecidible.
Es decir, más allá del Otro. Nuevo rnodo de responder a este goce
no-todo, prescindiendo dei falo, pero no sin pasar por él.
Zona donde se inventa a partir de una enunciación, y que ya
no se articula a la demanda insacíable del Otro. Zona, en definitiva,
que bordea cada vez, un agujero. Borde que introduce el S de (A),
que lleva más allá dei falo, litoral entre lo sin1bólico y lo real, eco en
el cuerpo de una vitalidad que no cesa.
Nuevo lazo que me permite estar despierta, ya no como esa
nina ínsomne y temblorosa, sino despierta del sopor que la neurosis
inevitablemente produce. Solución que, por ahora, me permite arre-
glármelas de otro modo que aquél al que neuróticamente me había
arrojado. Nuevo Iazo a la angustia, al superyó y a la satisfacción.
Sin embargo, siempre habrá restos. Ya veremos cómo, en cada
contingencia, iré jugando las partidas.
CAPÍTULO VII - corISIDEPACôES FIIU,J', SO~PE o ';fJÇ-Ef, [IJ 249

suPEREU: VERDADE E REAL

Ram Avraham Mandíl

Quais os possíveis destinos do supereu na conclusão de uma


análise? Para essa pergunta não existe, a meu ver, uma única resposta.
Cada experiência analítica levada a seu termo, implica um rearranjo,
um reordenamento das relações com o supereu, uma vez que não se
trata de sua dissolução. Há algo de estrutural no supereu, derivado de
sua relação com a pulsão. É possível dizer, inclusive, que em muitos
aspectos, a relação com o supereu está associada aos restos sintomáti-
cos de uma análise. Por outro lado, podemos dizer que uma análise
permite produzir uma transferência da libido que se vincula ao supe-
reu em direção ao desejo, de acordo com a postulação de Lacan que
contrapõe a culpa e o desejo.
Um dos aspectos do passe do qual só fui me dando conta du-
rante o testemunho aos passadores, é verificar que a conclusão de uma
análise abre, ao mesmo tempo, um programa de trabalho a partir não
apenas do que vai se decantando da experiência, mas também sobre
o que resiste à dissolução, que insiste na forma de repetições. No que
diz respeito às relações com o supereu, constato que sua voz se faz
presente mesmo após a conclusão da análise, ainda que não no mesmo
tom do início da experiência.
Quero assinalar aqui apenas um aspecto. Creio que é possível
afirmar que O supereu é um modo de fazer o Outro existir - um
Outro reduzitlo a um objeto, a uma voz - em conexão com um gozo
sempre inadequado. Em minha experiência, pude identificar que um
dos momentos de encontro com O supereu se dava sempre ao despertar.
~abemos, desde Freud e também a partir de Lacan, que o despertar
e urna defesa contra o real que emerge no sonho, para que se possa
continuar sonhando em vigília. Durante a expenenc1a, .,. · ao ana1·1sar o
1110
lllento desse despertar foi possível diferenciar entre o que pode ser
considera do como um encontro
' · ·
com a 1nex1stenc1a d o O utro - um
A •

Dlgiteliiedo cem CamScann«


_-; _ -=
-- - - - 5
do des21Ilparo - , a angústia que sinaliza esse
. , rnornentO
_ .:=:n~rZiEuC.L.i d.2. "ºz do supereu, que, 1ogo apos O despertar e
~ .:: ~ --m.2 falha moral de minha parte acompanhada d '.sempre
:..:: _i:-c , ,;. - - - . h a Ideia de
r_:::ü2 ~:.::nç2.o que nao tardana em c egar.
- ft.. 2 náiise não fez isso desaparecer, mas certamente perrn· .
. It1u
- -:--ru= urn.a b orda para esse encontro matinal com O s
~0 L - , . . . upereu.
- --~? bord2. só foi poss1v el por poder d1st1ngu1r o caráter fie •
e. -- c1ona1
cios enunciados do supereu, vinculados a um gozo de caráter maso-
quisü.. É com o se esse circuito tivesse por função assegurar a minha
exísréncía corporal em conexão com Outro que gradativamente ia
~ recompondo a partir dessa voz recriminadora. Creio que podemos
rtconhecer, ao níve] do supereu, a distinção proposta por Lacan entre
a ,erdade (tm sua dí mensão de juízos e de injunções) e o real que
da rtcobre, a saber, o gozo do desamparo - a expressão é forte, mas
me arrí~co a propó-Ia - vinculado à existência - isso existe! - que
ante;c~cle ~i existência do Outro.

Oigl1,11lizlldo com C.mSe.a-.


CAPITULO VII - CON SIDEíll\Çô -
í:SFINAIS SOBRE O SUPEREU 251

TRAZOS
Beatriz Udenio

Tengo fresco d recucrclo dd intcrés que despertara en mí,


111uchos anos a~rás, la noción de "compacidad" que Lacan presenta
en su primera ela se dei Semina rio 20, A ân (1972-1973). No sabía por
ese entonces en qué medida esto hacfo resonar un punto enigmático
de mi relación con el goce llamado femcnino.
Me había detenido, por entonces, en su referencia a los con-
juntos abiertos que recubren un espacio cerrado - que llama espacío
del goce - donde esos conjuntos constituycn una finitud, pero no
contable - por eso rige el "una por una". Qué difícil se me hacía
comprender la noción de finitud sin utilizar la idea de número, de
serie contable, sino la de lista - que no es ]o mismo. Me enredaba la
relación entre un infinito que hallaba un tope a partir de una materia
diferente a lo contable. No lograba captar de qué finitud se trataba.
Fue el progreso de n1i análisis ]o que me permitió vincular
esa materialidad diferente con los desarroHos de Lacan sobre lógica
modal y me encontré, entonces, leyendo dos tipos de imposibilidad.
Por un lado, ese goce llamado femenino, són posibilidad de
contabilizarse, que evocaba para mí eI fuera de cuerpo dei lenguaje
mismo, que por eDlo debe encontrar en hechos de discurso su lugar.
Orientada por esta idea, me inclinaba por colegir que la "exigcncia
lógica en la palabra" no permitía concluir que la solución.a esa ajeni-
dad se jugaba en la demanda femenina de que el partenaire le h.a~~e.
~e pareda una reducción inapropiada, ligada más bien a Oa pos1c1on
histérica, donde la relación al a1nor al padre como armadura pue~e
hace ' . b ,ado paterno, el sosten
r pesar sobre el partenaire, como su rog .
de la relación imposib]e con lo ímposible de poseer dei lenguaJe, dei
cuerpo y del goce. y eso empuja, superyoicamente, a lo peor. . ,
• d'lectas
Por od:ro lado, otra de mis referencias 1 era la afirmac1on
.
freudiana afirmando una solidarídad estrecha entre goce y d1splacer

O~italiudo com CamScanner


252 SUPER EU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

(FREUD. Pulsiones y destinos de pulsión. 1915). El goce · .d


. . . o por ' VIVI
cada qu1en, s1empre t1ene un lado de pena/sufrimiento e ,
/ . . . . apta6a as1
por que Lacan 1nd1caba que la 1ntervención analítica se J·usti'fi
1ca por
ese penar de más - trop de mal (LACAN, [1964] 1973). Iba descubriendo
en mi propia experiencia como analisante, que penar de menos l no'
evita el displacer, no lo negativiza.
Me parece que si la pulsión de muerte y el goce se toman en
muchas ocasiones como sublimes, precisamos deslindar de allí una
supuesta grandiosa satisfacción que conllevaría el goce femenino -
como si pudiera quedar a salvo de ese penar intimo a todo goce. Más
bien, si se vuelve demasiado exaltado y espléndido, se acerca al estrago,
a la devastación, tan afines a la gula del SY.
De allí que fui coligiendo que: si se postula, como lo hizo Lacan,
que e1 hombre puede ser estrago para la mujer y no síntoma (LACAN,
[1975-1976]), entonces, cada mujer deberá tramar su sínthoma de alguna
manera -que no es exclusivamente la vía del partenaire. A1 menos, no
haciendo pesar sobre él la solución a·lo que no se soporta del goce._
En mi caso, se resume en un trazo (B=8 interior), en una escn-
tura que bordea, limita una deriva, en un movimiento de vaivén, de
ir y venir (aller-retour), dando la vuelta, que encuentra su localización
a nível de la palabra y de esa escritura. Escapa a lo exhaustivo (no
hay TODO ni Otro del Otro) y delimita: circunscribe, emplaza ~o
insoportable, loco, de asimilar: de lo extranjero-íntimo del lengua_Je
y lo extranjero-íntimo del goce, siempre Otros.

O.Oltallzado com CamScanl'le(


UMA SOLUÇÃO PARA O SUPEREU SEDUTOR

Jésus Santiago

Ao formular que o supereu é o herdeiro do complexo ck Édíp-o,


Freud deixa entender que se trata de uma instância confundíd.2 com
a lei do pai e cuja formação, apenas acontece tardiamente. Lacan rro
transcurso de seu ensino declara-se insatisfeito com tal formulação e
propõe que o próprio desfecho da obra de Freud denota outra concep-
ção do supereu como aquela que se baseia numa espécie de exorução
imperativa que se exprime, segundo ele, por meio da figura da - gu1a-
(LACAN, [1970] 2003, p. 528).
Ao contrário da figura da lei, a gula quase sempre é tomada
como uma falta moral, ao mesmo tempo, vil, repugnante e obscena. a
tal ponto que, segundo a tradição religiosa, a gula equiYale ao pc-e-ado.
No entanto, esse excesso abusivo do imperativo supergoico pode- nà
se fazer pela via direta do pecado. Reconheço, no n1eu c-..1so. a rre-
sença da gula que persegue o caminho do ideal próprio de tm1a nü e-
devota que busca, para os filhos, a inocência da existl!ncia virtuo..,1.
imaculada que, como a dela, deveria estar n1arcada por sacrificios.

A gula da sedução
Postulo, então, que a tradução mais precisa dessa forma da gul.~
do supereu é O que nela se inscreve por meio dos ideais da que_ dcsig:n:t
no meu prüneiro testen1unho, 59 con10 a 111ãe cio p,idrc, ou st:P, ª ntac-
que visa no filho o sacrifício do interesse erótico por outra mu lhc•r
em prol de Deus Os efeitos dos ideais se explicain pelo fato de- que"
a gula d · • d a · ·ntens·\ quanto 1nais sacrifióo
o supereu torna-se a1n a n1 15 1 ·' . ,
se interp~ . h d • •to Observo que essa d1n1t>nsao do
oe no cam1n o o suJel • .
sacrifíc1·0 d ·ngular do supereu na n11nha expc"-
." , que enota a presença 51 . . . ,, .
nencia de , . , d do aparecem as prm1e1ras corn,trnço~~
ana11se, e capta a quan
}54 'J JPl:17[1J I IJER[PIJS· DAS ORIGENS AOS SEl.)S DESTINOS

em torno do non1e próprio, sobretudo quando percebo que O nome


Jésus é fator de condensação de um gozo sacrificial.
No entanto, é preciso levar en1 conta que a manifestação su-
pergoica do sacrifício não se fez apenas sob a égide de uma renúncia
direta do gozo. Ao contrário, o sacrifício não é renúncia do gozo,
mas é gozo na medida em que se mostra correlacionado à fantasia
masoquista. Chamo de traço masoquista da fantasia as imposições e as
fixações de gozo que fazen1 com que o sujeito esteja colocado como
objeto diante do Outro. Assim, se o gozo da fantasia é sacrificial, não
é porque - como desejava a mãe - o sujeito consente em ser celiba-
tárío e, portanto, capaz de renunciar os prazeres mundanos da vida.
Muíto antes pelo contrário! Esse fator 1nasoquista da fantasia tem
como ponto de partida o nome próprio, visto que exprime a missão
salvadora que almejava o pai. Se, com a nmneação paterna, torno-me
objeto de sacrifício do pai, a fantasia, por sua vez, entende que estar à
altura dessa missão sacrificial supõe a sedução do Outro. Ser tomado
como objeto da promessa do pai, já indicava que o objeto sacrificado
apenas existia porque havia Outro a ser seduzido.

A culpabilidade da fantasia

Em sunu, o n1ais-gozar que se depreendia do tecido da fantasia


confeccionava-se tanto de sacrifício quanto de sedução. A partir daí
pode-se captar por que o masoquismo da fantasia feminiza o homem,
pois é o que força o sujeito a se fazer objeto da sedução do Outro. É 0
próprio Freud que autoriza essa tese de que O masoqu~smo é verdadei-
ramente fe1ninino, inclusive quando acontece em homens, visto que
revela de modo inexorável traços femininos bastante evidentes (FREUD,
[1933"1 1980, p. 144). Esse traço masoquista e, portanto, feminizante
da fantasia evidencia que não há gozo sacrificial sem as peripécias do
· · as
suJe1to ' votas
1 com as seduções do supereu. Se o supereu e' a gula'
ele se exprin1e também como essencialmente sedutor.
A m1n· h a expenenc1a
·" · do supereu demonstra que aqu1·10 que no
. . exige
SL1Je1to . o sacn·r,1cio é também O que conduz a sub meter- se aos
. , ponder
comandos de gozo da fantasia Ser guiado pela fantasia e res
. 'd ad e aos avanços vins
<.: om o blat1v1 . . . do Outro, quan do es te se reveste

Digitalizado cem Cem Sc !ll'M'lel'"


( .\rlTUI 0 \ 11 - CuNStDEI~ \ . , .
. ' U.ib FINAIS SOBl~I; O SUPCRÊU 255

J," 111,.1•,,-:iras do fe.niinino. Posso dizer•que •a e"·p · ~ . · d a pu sao


., er.1enc1a -
-.... 1 se
"~~~.nr.n-a anulada
:t}""- . _
pda força
_
dessa
.
fantasia que etlr·~d·lv·• . • 't
-.. • • o sq1e1 o
c-Jll l1
ma po~çao de seduçao passiva. Por outro l"do ..
t b . ~
, a1 su m1ssao
J.(1, un1 incremento. ainda maior das exio-ênci·as
ge...,..,,-a · i:, ,
do sttp ereu, Ja
·, que
a ..=..,.0•sfacào
, da fantasia tornava-se fonte de culpabi' li' dad, e, pois· me
yia impedido de estar à altura das virtudes propugnadas pelo ideal
roarerno do Grande Hon1em.
Assim, essa eÃ"'Periência do supereu tem sua fonte no laço íntimo
da criança com a mãe beata que, ao encarnar o Outro da demanda,
implica o sujeito em seus desejos e ideais, fortemente ancorados na
religiosidade cristã. Ao renunciar à satisfação da fantasia para atingir
tal ideal, deixa o sujeito à mercê dos imperativos ferozes do supereu,
pois ele também se alimenta das renúncias que exige de si próprio.
Por outro lado, consentir com a monotonia asfixiante da fantasia em-
purra o sujeito ao gozo pelo lado abjeto do desejo e relega o supereu
à ferocidade da gulodice dos ideais. É o que Éric Laurent denominou
como a "culpabilidade da fantasia" (LAURENT, 2011, p. 75). Para além
desse beco sem saída do supereu, resta considerar a culpabilidade por
meio da força da injunção do ideal materno sobre a criança e que se
elucida pela máxima do ensino de Lacan: " [...] para toda mulher santa,
há um filho perverso" (LACAN, [1968-1969] 2008, p. 23).

O impossível do sacrifício, o trauma

Um momento de passe decisivo da minha experiência de análise


acontece com O ato de 'nomeação' que atinge o próprio 'impossível
de nomear', que advém de uma forçação, pela qual o analista fez
ressoar outra coisa que não apenas o sentido: "A di~~são é co~um
nos homens mas no seu caso é um esquartejamento . Por meio do
''esquartejado" abriu-se a chan~e de desfazer o impasse da minha vida
amorosa, cuja fonte última concernia à identificação viril com a mãe,
que Por sua vez conferia um valor fálico ao objeto anal.
ão entre o olhar e o ori-
f . Interrompeu-se, dessa forma, a conex . _ , .
lcto, fazendo cair o Outro pela desfalicização da abJeçao. O efeito
fen1in izante
• , resultante do gozo sacn"fi1cia
· 1 sofreu ' por via de con-
se 9llencia
" · .61cativa
, s1gm - Se havia uma firatura na conexao
. mutaçao. -

Olgit :ilizodo com Com Srnnncf


256 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

entre o sujeito e o objeto menosprezado, depreciado isso d .


, ecorna
do fato de a abjeção se transformar em nome do impossível. O tra _
mático não se deduz do sacrificio impingido pela feição sedutora:
0
supereu. O trauma torna-se menos a incidência do Outro mat
erno
- sob a forma do culto ao Grande Homem e da obstinação no objeto
anal - que o próprio gozo.
É o gozo que é traumático, e não as imposições sacrificiais
advindas, seja da promessa do pai, seja do ideal materno. No lugar
da oferenda em sacrifício ao Outro, instala-se o gozo traumático
'
considerando-se que sua consistência reside no furo, que se apresenta
como a natureza real da montagem da pulsão. A verdadeira maté-
ria, substância da pulsão consiste essencialmente no oco, no furo,
enquanto seu objeto é, antes de tudo, semblante. Por isso mesmo,
deve-se admitir, como Lacan propõe, de modo inédito, em i\llais,
ainda ([1972-1973] 1982, p. 125) que a verdadeira natureza do objeto
a é o semblante. c,r,
A intromissão do significante "esquartejado" suscitou a de-
frontação com o sacrifício consubstanciado no retalhamento mortal.
Fazer ressoar mais que o sentido implicou propagar um efeito de
ressonância, que agregou o furo. No contexto em foco, veiculava-
se pelo equívoco de que, no ápice do sacrifício, residia sua negação.
O "esquartejado" se converteu, desse modo, no equívoco que selou
o sacrifício como impossível: "Não posso estar à altura do ideal
materno do Grande Homem; então, me despedaço!". O sacrificio
deixou de ser uma missão, uma oferta dirigida ao Outro. Quando
o impossível do sacrifício se materializou no "esquartejamento", 0
endereçamento à exigência da mãe se diluiu na abjeção intratá\·el do
gozo. Interrompeu-se, portanto, a estratégia da fantasia que con5i5tí:1
em fazer do sacrifício uma vontade de sedução. Ao se dissolver como
um correlato do apego à mãe santa, esvaiu-se do sacrificio O horror
que lhe era próprio.

Efeito feminizante e o não-todo


pon-
Como nome do irremediável da divisão e à medida queª
d.d 0 coIJl
ta para o lado intratável da cisão entre o amor - confun 1
,..

renúncia pulsional - e m a,oqui mo da ( . .• .


a . Jnt~ r.1. o t'"~quarte-pdo-
assou a conotar o .<mthoma. Sem J ahert ur d -
p . :- . . ➔ o 'll_lel o ~o OJO- t0do
n~o havena oluç:-10. vrc;to qu e o \"Jr,) corrctr nnd
_ . .
.
l.l ~
.J
uc
f:C-q pr,~ In.l d
( ontrJ o tcmmmo. No• entanto

. o viril n~o 1;,-
- Cn n 1µ H n ,L pnr ~\.
via. no aYes o do fcmm1110. A ahcrtur-1 Jn n~o- n d o rn tlll J n ,l
análise aprescntou-c;e \Cpar:ida Jo "cfenn fr,min
t.:: ,,~me .. oc.r ·0n idn
pdo sacrificio.
A ~luçào ;,uc e fez pelo intrati\·el d.1 repettç lnn r e-,,ur•~
"esquartcpmento como o nome que gerou ec de um dizer nn cor..n
que remonta ao trauma do nomc-rróprio. R elembr0 umJ ccnJ in-

fantil. que evoca essa pregnância traumáti cJ do corpo de Jc m C om


frequência, passava as férias da Semana Sam,1 num.1 ciJ .hie h uroc~ de
Minas, onde se localiza o seminário cm que meu, irm j(), recehrr.tm
formação religiosa. Sempre vivenciava urna rcaç.in dt: p.1vor J ,(11.:1 .1d~

à Procissão do Encontro, em que se representa l'pi~ódio cm que Jt. n ....


após ser condenado à morte, se encaminha ao Gól~ot.1. pln ,cr · n1-
cificado. O clímax dessa cerimônia reside num encontro c:ntrc l m.1c
e o filho condenado, que, alvo de insultos e fla gelo . exibe c.:u corpo.
em sofrimento. Além de horror, tal cerimônia contirmJ,.-.1 cfc.:1to, Jo
cristianismo sobre mim, considerando-se que. n~ t' ccn.irio , tudo
implicava excessiva exibição do corpo, o que- c-,·oc:1\-:1 gozo ucritici.11.
O lado apavorante da celebração e, em c-special. da 1bnc-g;.1ç:io w m.ic.
expostas nesse ritual, retornavam-me, a cada ,·c-z. na form.1 J e um.1
indagação: Para ostentar uma missão salvadorJ, r: necõÜrio p.1.\S1r
por toda essa sorte de sacrifícios?
Logo, o eco de um dizer sobre o corpo não concerne ;.1 um1
questão relativa à memória, mas à comemor:1ção dc- um gozo ines-
quecível com que se defrontou a conclusão d1 análi,c. Etc.-ci\'o_u:i~.
assim, o Há-Um do gozo, que se extrai do impossívd do "1Jl:"ntK10
e se decanta como resto das formas imerpredvc-i do -;incoitu. Ao ~
co11 fiun d.1r com o Um propno
, . d o gozo 1·nrrJt· 3'vd ' t'Ss"· voz
~ ..
o ·e _rt'duz
nu 511· / • l ue ido "lt' no ie hher.u
" 10111a, portanto, no consennmento 'r: ' 1 • _ ~- _ _
da repef - - - : l Em dcn.lrrt·no.1 do c-'.)qu.1rtt"J-1-
1çao, tampouco t:' 11m111.1- a. · . . i
111tnt 0 " - l · ~ ci:i ·10 se v1,;.1r a c.m~ '- t'
, configurado no final < ;i t'xpeíi'- 1l • ' • . _
o su · · - l3 • r 1· •1o st' t'Xtr.11 ;i torne dc-
~eno estar atrapalhado t'lll bc~ ' rcpe \· ' ·

um saber-fazer com o intratávd do amor.


258 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESl IN05

DO OLHAR SOMBRIO À SOMBRA DO NADA

Luiz Fernando Carrijo da Cunha

Minha análise termina precipitada por uma contingência: - mer-


o-ulho na escuridão da escada do consultório do analista que me acom-
ºpanhara até a porta do hall; o interruptor que acende a luz permanecia
ali, no mesmo lugar de sempre apenas esperando que o automatismo
se cumprisse. Mas não, desço no escuro e, ao terminar os degraus, me
dou conta do que fizera e ainda com a impressão de que o analista
ainda permanecia com a porta entreaberta testemunhando aquele de-
sarvoramento. Concluo se tratar de um acting-out, e o sonho ocorrido
na sequência daquela noite viera confirmar minha interpretação, mas
também "iluminar" a via de saída da análise em seu termo.
O sonho se desenvolve num cenário solitário onde um ponto
negro que aparece no céu vai se transformando de maneira anamórfica
numa enorme silhueta composta por um cavalo com patas gigantescas e
um pequenino cavaleiro que o monta. Na medida de sua aproximação,
vai se tornando cada vez mais ameaçadora. Entretanto, quando suas
patas tocam o telhado de minha casa, "nada acontece". Trata-se de uma
sombra sem nenhuma consistência material, e a sequencia do sonho,
matizada por uma segunda cena que repete a estrutura da primeira,
demonstra o mesmo "nada" contido numa imagem também aterrori-
zante. Diante do "nada aconteceu", desperto! A narrativa do sonho na
análise, é seguida por uma interpretação do analista: "Eis aí o real como
nada! E O nada que te desperta!". Saio atônito da sessão e novamente
começo ª descer as escadas no escuro, mas o analista ainda ali aponta
para O interruptor e diz: "É preciso acender a luz" e o faz com um gesto
muito sereno. Desço as escadas e penso que sim, é preciso acender a lu~
para que ª sombra se faça e dê contorno à opacidade de um gozo ate
então ignorado mas n ~ d .
' ao menos om1nante sobre meu corpo.
A conclusão se da ra' a1gumas poucas sessoes - ad'1ante q uando
' '
me apoderando da língua do Outro e, num lapso, posso testemunhar

0>911.tl,u do ~om Ca i,Sçann,er


CAPITULO VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SUPEREU 259

a extração do objeto que esteve en1 causa na- const't · - d e n1eu


1 u1çao
sl·nwma: um olhar encontrado
. no Outro durante u m ac1·d ente que
ferira gravemente minha perna esquerda aos cinco anos de idade. O
encontro ~om esse olhar foracluíra a dor que naturalmente haveria
de ter sentido, funcionando como um agente "anestésico" a ponto de
lançar n1inha existência no interior de uma sombra produzindo uma
cegueiracaracterizada por um sacrificio corporal quase sem limite.
A extração desse objeto permitiu verdadeiran1ente o contorno da
sombra, fazendo dela o sinthoma como resto intratável.
Considero que a libidinização ocorrida no encontro com esse
olhar funcionou como matriz da constituição de um supereu voraz
que, no limite, demandava um "cair fora da vida" onde cada ação
subjetiva era testemunha de sua presença maciça. Ora, a prisão cons-
tituída pda neurose demonstra ao final a chave de saída presentificada
pelo "nada" e, a partir dessa verificação a posteriori, constato o arranjo
sintomático em que o imperativo superegoico que produz o empuxo
ao gozo esteve, desde sempre, encarnado nas imagens portadoras das
vicissitudes de um olhar sempre sombrio. Portanto, posso dizer que
a certeza que acompanhou a conclusão fora balizada por uma leveza
corporal e pela "iluminação" que pode trazer o vislumbre do belo.

O,g,uil zado çom CemSc-.-


260 SUPEREU l UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

ENTRE A "AUTO-RISADA" E O SILÊNCIO

Sérgio de Campos·

O supereu é um acontecimento de gozo, um empuxo ao além


do princípio do prazer. Sua expressão máxima se revela pela ruptura
de um equi~íbrio, no qual parte do eu se volta sobre si mesmo e que
pode ser traduzido pelo imperativo que exorta o sujeito ao excesso ou
a uma censura. Aliás, há uma economia libidinal em jogo, visto que
ele se alimenta do sentido mediante as renúncias pulsionais. Através
de imagens que surgem nos devaneios e nas fantasias, o supereu é a
encarnação do Outro que empurra o sujeito ao gozo.
A enunciação materna "faça alguma coisa" fazia com que o
sujeito interpretasse como "um pedido de socorro" o apelo da mãe,
e a enunciação pa~erna "fique. quieto", como "não me desafie". Essas
duas enunciações se fundiram na voz do supereu: "Faça alguma coisa,
fique quieto". Assim, o supereu se constituiu para o sujeito mediante
a inibição, a submissão e s proibição equivalentes à inibição sexual,
social e intelectual.
O processo analítico, que ocorreu ao longo de dezenove anos,
se configurou mediante o declínio dos significantes mestres, o esva-
ziamento de gozo, a perda de efeitos das injunções superegoicas e 0
esvaziamento do sentido promotor de uma repetição que se ancorava
nos dramas e nos traumas. O resultado desse processo não foi outro
senão o encontro de um resto, de um inconsciente real que escapa ao
sentido e a qualquer forma de representação.
Se, por um lado, o supereu se constitui pela vertente do im_.P~ra-
tivo do gozo e, de outro lado, pela vertente do imperativo categonco,
~ . . ~ . , . oderfamos
amb os nao se constituem uma opos1çao como a prmc1p10 P
supor, mas apenas uma un1ca e a mesma c01sa. Am as as vertentes se
, . . b
expressam em conjunto num imperativo: Goza!
d d do discurso,
O Outro, como 1ugar da linguagem, da ver a e e ' }ise.
perde sua consistência, decai e deixa de existir no fim da ana

Digitalizado com camScan'"ltt


De _ _ (A) brilha O ~_1gn1.ucante
onde não há mais nada a _dizer · -h S• que

paderia ser tomado como a. 1n1c1al do Silêncio (~ htLER , -?O 11 . p.


238). Portanto, o supereu deixa de operar com sua \"OZ áfoni sobre o
Jalasser, possibilitando novos arranjos sinthomáricos do RSI. No fo1:1]
de análise, o super~u resulta no silêncio da pulsão, de modo que iüo
tem mais nada a dizer. Portanto, o supereu diz: nada. A 5sim, com 0
esvaziamento do sentido, o que se encontra no final de unu an.iJise
é um silêncio, uma ausência de semblante. uma lacuna na \"OZ .i foiu
do supereu, que possibilita encontrar o objeto \"OZ p;uticubrmente
do pareceiro-sinton1a como drii1e d::i pulsão e do desejo.
Com o esvaziamento do sentido, um humor 11011_.;w_,{' surgiu
como um dos resultados do final de análise. O _{c1/,1_.;scr n:io se leva nu is
tão a sério, já que o sintho111a-111e11i110 proporciona uma "auror-ris~1da"
de si mesmo. A partir de mna 'ingenuidade metódica', o _t;1fosser faz
travessuras com o sintho111a moleque, sem pai nem mile, que n}o se
ampara mais no Outro, tampouco aguarda sua autoriz~1çilo.
A intervenção do eu no supereu é uma estrat~gia de trata-
mento de trompel de surmoi. Ao ser enganado pelo eu, assegura um
caráter libertador, enobrecedor e de proteção do eu. É como se o
supereu protetor falasse para o eu que essa realidade cruel n}o passa
de um jogo infantil, 1nerecedora apenas de que se faça uma boa
piada. Com o humor, o supereu atenua sua agressivôdade e passa
a proteger e consolar o eu, assegurando sua dimensão de herdeiro
do agente paterno.
O humor é uma insólita engenhosidade do eu para lidar com o
supereu. "Rir é O n1 elhor remédio",já dizia m 11 antigo ditado. Quando
se consegue rir das misérias do mundo, da vida e da morte, o humor
surge como uma possível saída para a conclusão de uma análise. Uma
espécie de saldo cínico para consigo mesmo, que o stueito banca por
sua própria conta e risco. Entretanto, não se trata de qualquer humor,
mas sim de um humor negro e de morte. Rir da morte é um dom
precioso, porém raro, não acessível a todos, pois, como assevera um
antigo ditado: "O que não tem remédio, remediado está".
Quanto ao desenlace com O supereu no final de análise, pelo
lado freudiano O humor constitui uma das estratégias, senão a mais
eficaz, para lid:r com o supereu. Assim como o chiste e o cômico, o


humor tem :ligo libcrr:1dor colllo os cklll:lis, <.:ntretanto tem tarnbém
.1.lgü de dev:Hio. digno <.! nobre. l)e acordo com o comentário de
Freud. c."ss:1 gr:1ndcz:1 reside 11:1 i11vulncrabilidacle do eu e no triunfo do
narcisismo. Com o humor, o eu niio admite provocações da realidade
e n:10 permite que Sé:j:1 compelido ;1 sofrer. O humor é não resignado,
1ua s rebclde, pois :1ssegura ;10 eu o princípio do prazer contra a cruel
reaJidade e a tendência inexorável do alé111 do princípio do prazer
(FREUD, [1927] 1980, p. 190).
O humor se aproxü11a dos processos reativos ou regressivos
pela característica de possibilidade de desvio da compulsão para so-
frer, assegurando a vitória do eu sobre a realidade. O sujeito que usa
o hun1or se c01nporta com superioridade para com o semelhante
con10 u1n adulto, até 1nes1no como o pai que sorri da criança pefas
suas preocupações e sofrin1entos triviais (FREUD, [1927] 1990, p. 191).
Freud con1enta que o ponto primordial é o fato de o sujeito se
colocar como objeto de seu próprio hu1nor, de modo que o adulto
trata a si mesmo con10 criança. É uma estratégia do eu para com o
supereu, e nisso reside uma brilhante estratégia de tratamento do
supereu. Uma vez que o sujeito faz uma pilhéria sobre si próprio, ele
retira a ênfase psíquica do eu e provoca um deslocamento de uma
grande quantidade de energia psíquica para o supereu. Com essa re-
distribuição de energia, o supereu se torna inflado, desinteressado e até
condescendente para com um eu tão medíocre, a ponto de deixá-lo,
provisoriamente, em paz (FREUD, [1927] 1980, p. 192).
O humor tem como localização psíquica O supereu; sua econo-
mia libidinal é o sentimento; o raciocínio se dá de maneira indutiva, e
o humor completa seu curso dentro de um.a única pessoa, a participa-
ção de outra nada lhe acrescenta (FREUD, [1927] 1990, p. 257). Freud
comenta que o mecanismo de humor pode se dar numa só pessoa,
entretanto ele nunca se faz de modo solitário. De acordo com nossa
leitura, há um sujeito que exerce o papel de intermediador na relação
~ual entre o eu e o supereu. O sujeito, com sua pilhéria, coloca em
Jogo O eu como objeto de escárnio, dispensando-lhe humor, enquanto
0
supereu permanece passivo na assistência, penalizado com O eu.
Esse ~~mor deve ter um tom negro, sarcástico e jocoso, de sorte
a pos1c1onar o eu como objeto gozado para a morte, despertando

Oiglt1h11ao c:om C1mScanner


263

comiseração
. .
no supcrcu. Ev,c típo c,pccíal d. h
. e umor tem como agente
0 sujeito, ~o cu, como objeto c,tratéuico
n ,
e a fi 1'J r. ., , • ,
. in;i 1 :wc u 1tJma e uma
intcrvenç::io sobre o supcrcu.
Nesse momento C;'lbc uma c<m'iíckr;]ç;;<> , ,. · J e IM e 1ani·e
. . p.ut1r
,1
Klein. A autora defende a í<lcía <lc <-1uc é p ci•'>,.. 'ivcl co Ihcr o humor como
resultado do afastamento da criança de 'leu supcrcu. A mesma afirm a
que 'l ..) já escutou criançac; muito pequenas fazendo pí:ida\ sobre 0
fato de que algum tempo antes elas realmente queriam comer a mãe
ou cortá-la em pedaços" (KLEIN, [1926) 19'J 6, p. 163).
O humor pode ser tomado pelo sujeito como uma saída no final
da análise, numa amável crueldade de ír além do pai idealizado, poí
o humor é livre de culpa, vergonha e censura, e ultrapassa o sentido,
na medida em que o sujeito ri de si mesmo frente ao vazio do sem-
sentido da vida. Disso resulta uma redistribuição de energia que facu lta
uma posição de descanso e emancipação do eu, na medida em que
ele surge diminuto, como objeto rebotalho, e esmerado pela pulsão
de morte frente a um supereu neutralizado e bene\·olente.
De fato, o humor assume fundamental importância ao sinalizar
para a possibilidade de manejo com o supereu. Entretanto, fica a per-
gunta: O humor é um instrumento de um possh·el desalinhamento
do supereu ou é um efeito desse desalinhamento, quando o eu se
regozija ao safar-se da influência superegoica? Ao que tudo indica,
diferentemente de Freud, no meu caso, o humor não foi causa, ins-
trumento, mas consequência do desalinhamento e da distensão entre
o eu e o supereu.
Porém, como nada é sem gozo, ao me desapegar do sentido
foi possível remodelar O gozo, reduzi-lo, condensá-lo, deslocá- lo em
metonímia, aplicá-lo, efetuando uma nova aliança com d e, com a
finalidade de aproximá- lo da invenção de um novo amor ao reco-
nhecer que não há relação sexual. Colocar a energia do suprt'rcu a
serviço da pulsão, eis O grande desafio. É nisto que se re t~mt• o ~udô
de Lacan: "usar a força malévob do adversário supaegoico a tavor
de seu próprio bem". _ . .
No final da análise resultado da contingência, surgm a poss1b1-
lidade de um novo amor, 'livre das injunções superegoicas, no qual não
se apo1a
· mais
• na compreensao,- tampou co num novo obieto J
de amor'

Olglte!lzado com camscann&r


264 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

contudo nun1a nova 1naneira de a111ar. Ade1n:lis, com o esvazi:unento


do sentido, con1 a conclusão de que A 111ulher não existe, com O bL'lll
dizer e con1 o re1nodela1nento do gozo, pude observar que objeto ,,
con10 drive possibilitou a liberação da pulsão p:ua novos arra1tjos com
o parceiro-sinto111a, pern1itindo satisfações inéditas entre o amor. a
fantasia e o corpo. No final de análise, diante da contingt'ncia. sur~iu I,._

a possibilidade de un1 novo an1or, livre das injunções supcrrgoicas.


que não se apoia 1nais na cmnpreens5o, tan1pouco num novo objeto
de amor, contudo ntuna nova n1aneira de a 111a r.
Enfim, recupero de Lacan, unia fi.-ase de Goethe, a últinu. a
qual Lacan exprime con10 sendo a chave e o in1pulso da experienci.1
analítica, com estas palavras be111 conhecidas que Got'the pronunciou
antes de mergulhar, de olhos abertos, no buraco negro: - "1'1cl1t· lid11! ..
[Mais luz!]. 61

Notas
36 O amor e o ódio surgem nas pontas da curva de Gauss, porqut' os afi:'tos.
como quase tudo no mundo, podem ser ordenados numa c.:ttr\";\ ck Gauss
(MILLER, 1998, p. 13).
37 A curva de Gauss, no seu domínio positivo, pode ser visualizada na medida
em que divide a curva ao meio no seu sentido vertical.
38 Tomei a curva de Gauss porque todos os fonôn1enos conht·cidos pod~m ser
colocados nela (LAURENT, 2000, p. 63).
39 LACAN, (1953) 1980.
40 FREUD, (1924) 197(>, p. 201, 205, 208-209.
41 LACAN, (1974-1975) clasc dei 22/01/1975. Inédito.
42 LACAN, (1.974-1975) dase dd 22/01/1975. ln(-dito.
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CAPÍTULO VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SUPEREU 265

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55
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56
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58
LAURENT, É. Posicionesfemeninas dei ser, Buenos Aires: Tres Haches, 1999.
59
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Eolia, dez. 2013, p. 63.
60
LACAN,J. (1972-n973) 1982. p. 125. Basta levar em consideração o esquema
triangular configurado nesse seminário (p. 121), para constatar que o objeto
a se aloja no lado do semblante/aparência, e não no lado do real. Rever a
natureza do a como objeto que confere consistência ao real, para situá-lo do
lado do ser, implica destacar suas afinidades com o semblante: "Não é senão
a vestimenta da imagem de si, que vem envolver o objeto causa do desejo,
que se sustenta mais frequentemente ~-..] na relação objetal. A afinidade
do (a) com seu envolvimento é uma das articulações maiores que foram
adiantadas pela psicanálise" (Destaques meus).
61
LACAN,J. Mito individual do neurótico (1953), Lisboa: Assírio Alvim, 1980, p. 78.

O,gitalludo cem CemScannef"


267

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276 SUPEREU I UEREPUS: DAS ORIGENS AOS SEUS DESTINOS

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ÍlÍIJilAIÍ1'11<klr.(IITl(';,imSr.,inno11r
~ -

Na capa deste seu livro, Sérgio de Campos escreveu logo após


"supereu", e separada por uma barra, a mesma palavra inverti da
uerepus. E, abaixo, um subtítulo, Das origens ao seu destino. ·

Corresponde o supereu às origens, e o uerepus ao destin o? Será 0


uerepus o contrário especular do supereu, a dupla face de uma
moeda - sem esquecer que, para Lacan, há na experi ência do espelho
uma perda entre quem se olha e a própria imagem, indicando algo
que não se reflete?
Ou então, haverá entre os dois um percurso no tempo, de tal modo
que, por efeito de uma análise, o supereu terá sofrido um esvazia -
mento de sentido e se tornado um objeto que já não mais significa ou
cuja significação, tampouco, poderá ser resgatada pelo próprio sujei-
to do percurso?
Em resumo, um alívio da submissão do sujeito ao imperativo de gozo
suscita uma nova responsabilização de cada um pelo seu desejo e sua
satisfação. O livro de Sérgio de Campos é uma contribuição para que
o debate sobre o supereu continue aberto.

Romildo do Rêgo Barros

1
Participações especiais de Ana Lucia Lutterbalch, Beatriz Udênio,
Bernardino Horne, Celso Rennó Lima, Elisa AlvarJnga, Fabian Napars-
terk, Guillermo Belaga, Gustavo Stiglitz, Jésus Sahtiago, Leda Guima-
rães, Luiz Fernando Carríjo, Luis Tudanca, Marcus /André Vieira, Marina
Recalde, R~m Avraham Mandil, Romildo do Rê~o Barros e Rômulo
Ferreira da Silva.
1
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· 1 11 1 - ----
9 788563 061027

Di-.,italindo com Ca-nScarmer

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