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Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida

(Organizador)

2021
Fortaleza - Ceará
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
(Organizador)

CONSELHO EDITORIAL: COLEÇÃO DIÁLOGOS INTEMPESTIVOS


UFC/FACED

2021
Fortaleza - Ceará
Brincar e Jogar: Dimensões Teóricas e Práticas
© 2021 Copyright by Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida.
Todos os direitos reservados.

Editor Tipo de Suporte


Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida E-book
Arte da Capa Formato E-book
Hélio Cláudio de Brito Júnior PDF
Programação Visual e Diagramação Edição
Valdianio Araújo Macedo Instituto NEXOS
Revisão
Os autores

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Brincar e jogar [livro eletrônico]: dimensões teóricas e práticas / organização Marcos


Teodorico Pinheiro de Almeida. - 1. ed. - Fortaleza, CE: Instituto Nexos,
2021.
PDF

ISBN 978-65-89027-02-7

1. Brincadeiras 2. Educação 3. Jogos educativos - Atividades I. Almeida, Marcos


Teodorico Pinheiro de.

21-66193 CDD-371.397

Índices para catálogo sistemático:


1. Brincadeiras como proposta pedagógica: Educação 371.397
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

Instituto Nexos: Educação, Cultura, Esporte e Lazer


Av. Santos Dumont, 2456, sala 301, bairro Aldeota, -
Ed. Corporate Plaza - CEP: 60.160-230
CNPJ. 34.789.352-0001-90
E-mail: contato@institutonexos.com.br
Site: www.institutonexos.com.br
CONSELHO CIENTÍFICO
4º Encontro Científico do Dia Internacional Brincar

Profª. Dra Leila Lira Peters


(Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC)
Profª. Dra. Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira
(Universidade Federal do Recôncavo Baiano - UFRB)
Prof. Ms. Glaudiney Moreira Mendonça
(Universidade Federal do Ceará – UFC/SMD)
Prof. Dr. Rogério de Melo Grillo
(Centro de Estudo sobre Ludicidade e Lazer – CELULA/UFC)
Prof. Dr. José Rogério Santana
(Universidade Federal do Ceará – UFC/FACED)
Profª. Dra. Cristiane Ker de Melo
(Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC)
Profª Dra. Edmara Bazoni Soares Maia
(Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP)
Prof. Dr. Rogério Zaim-de-Melo
(Universidade Federal do Mato Grosso do Sul / CEPAN)
Profª Dra. Regina Célia Grando
(Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC)
Profª Ma. Adriana Soely André de Souza Melo
(Faculdade de Educação Superior de Pernambuco – FACESP)
Profª Dra. Ida Carneiro Martins
(Universidade Cidade de São Paulo – UNICID)
Prof. Dr. Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
(Universidade Federal do Ceará – UFC/IEFES)
Presidente do Conselho Científico
SOBRE O
ORGANIZADOR DO LIVRO

MARCOS TEODORICO
PINHEIRO DE ALMEIDA

Professor da Universidade Federal do Ceará


(UFC) do Instituto de Educação Física e Esportes
(IEFES). Doutor pela Universidade de Barcelona
(UB). Mestre em Educação da América Latina
pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre
em Educação pela Universidade de Barcelona
(UB). Graduado em Educação Física. Coorde-
nador do Centro de Estudo sobre Ludicidade e
Lazer (CELULA), Coordenador do Laboratório de
Brinquedos e Jogos (LABRINJO) e Coordenador
da Unidade Móvel Brincarmóvel da Universidade
Federal do Ceará. Conselheiro da Associação
Brasileira de Brinquedotecas (ABBri).
SUMÁRIO
PREFÁCIO.............................................................11 CAPÍTULO 5..........................................................83
BRINCAR SIM, MAS COM SEGURANÇA TAMBÉM!! SE-
APRESENTAÇÃO....................................................14 GURANÇA NAS ATIVIDADES LÚDICAS DAS CRIAN-
ÇAS EM PLAYGROUNDS E BRINQUEDOTECAS
Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira
PARTE I Juliana Reis de Oliveira

CAPÍTULO 1..........................................................18 CAPÍTULO 6..........................................................97


CENAS LÚDICAS E A ELABORAÇÃO AFETIVA INFAN-
BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO
TIL NO CONTEXTO CLÍNICO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE
Rosa Maria Lopes Affonso SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ESCOLAR
Andrea S. Frangakis Tanil
CAPÍTULO 2..........................................................31 Helenilson dos Santos
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BAL-
DRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
Gilson Santos Rodrigues
CAPÍTULO 7........................................................107
CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
Rogério de Melo Grillo Glaudiney Moreira Mendonça Junior

CAPÍTULO 3..........................................................44 CAPÍTULO 8........................................................119


EDUCAÇÃO FÍSICA ATRAVÉS DO RPG: PROMOVEN- INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O
DO A INTERDISCIPLINARIDADE EM LINGUAGENS E
BRINCAR NO SÉCULO XXI
SUAS TECNOLOGIAS
Cleber Mena Leão Junior
Luana Caetano de Medeiros Lima
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
Dmitri Antoniewsky Silva Gadelha CAPÍTULO 9........................................................130
Jeferson Antunes JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
José César Pontes Moreira
José Rogério Santana
CAPÍTULO 4..........................................................71 Fredson Rodrigues Soares
BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB
UMA PERSPECTIVA LÚDICA
Sheila Matias Barroso
Douglas Jonathan de Menezes Saraiva
8

CAPÍTULO 10......................................................143 CAPÍTULO 16......................................................244


NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELA- SABERES E FAZERES SOBRE O BRINCAR E RECREAR:
TOS E REFLEXÕES POSSIBILIDADES E BENEFÍCIOS NOS ESPAÇOS DE
Gilson Santos Rodrigues GESTÃO E TRABALHO
Rogério Zaim-de-Melo Narciso Mauricio Dos Santos
Luís Bruno de Godoy Andréa S. Frangakis Tanil

CAPÍTULO 11......................................................161 CAPÍTULO 17......................................................256


O BÁSICO DA CIÊNCIA DOS JOGOS BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO
Jeferson Antunes ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
Bernadete de Souza Porto Rogério Zaim-de- Melo
Iris Costa Soares
Ida Carneiro Martins
CAPÍTULO 12......................................................174
O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO CAPÍTULO 18......................................................269
EM SAÚDE JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS
Edmara Bazoni Soares Maia DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA
Carolline Billett Miranda PANDEMIA
Fabiane de Amorim Almeida Lúcia Maria Gonçalves Siebra
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
Flávio José Wirtzbiki de Almeida
CAPÍTULO 13......................................................194
O LÚDICO CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
PARTE II
Charlline Vládia Silva de Melo
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida CAPÍTULO 19......................................................298
(DES)CORTINANDO O PALCO DA VIDA: O BRINCAR
CAPÍTULO 14......................................................211 NA BRINQUEDOTECA DA ACACCI DURANTE A PAN-
VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES DEMIA DA COVID-19
ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA Ana Karyne Loureiro Furley
NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA Hiran Pinel
Ida Carneiro Martins Luciene Sales Senna

CAPÍTULO 20......................................................307
CAPÍTULO 15......................................................223 A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES CORPORAIS E
O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTE- BRINCANTES
MOLÓGICAS E METODOLÓGICAS Isabella de Moraes Ribeiro
Rogério de Melo Grillo Natasha Moutinho Geada
Regina Célia Grando Maria Vitória Campos Mamede Maia
9

CAPÍTULO 21......................................................314 CAPÍTULO 27......................................................359


BRINCAR: UM BEM NECESSÁRIO! ERÉPOMTECA: O BRINCAR PARA A RE-EDUCAÇÃO
Andréia da Conceição Dias de Lima DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Adriana Soely André de Souza Melo Ana Valéria de Figueiredo
Zulmira Rangel Benfica
CAPÍTULO 22......................................................320
BRINCANDO COM PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA CAPÍTULO 28......................................................367
NAS BRINQUEDOTECAS E CLASSES HOSPITALARES: A HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE
(PRÉ)SENÇA PARA ALÉM DA (IN)CLUSÃO CURRICULAR BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
Luiza Elena Candido de Almeida Letícia de Queiroz Maffei
Sirlei Anacleto Martins Simone Rosana Amaral Parodes
Ana Karyne Loureiro Furley
CAPÍTULO 29......................................................375
CAPÍTULO 23......................................................329 JOGOS E BRINCADEIRAS COMO ELEMENTOS DO
BRINQUEI ONTEM, BRINCO HOJE: CARTILHA DE PATRIMÔNIO CULTURAL: RELATO DE EXPERIÊN-
JOGOS TRADICIONAIS CIAS DO CURSO DE BACHARELADO EM TURISMO
Eduardo Barasuol (UFMA/CAMPUS SÃO BERNARDO)
Elizara Carolina Marin Karoliny Diniz Carvalho

CAPÍTULO 24......................................................337 CAPÍTULO 30......................................................382


CONSTRUÇÃO DE JOGOS PARA O ATENDIMENTO MEDIADORES DO BRINCAR: EXPERIÊNCIA DE FOR-
PEDAGÓGICO NA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA MAÇÃO SALUTAR NA EDUCAÇÃO
Viviane Lima dos Santos Marta Pereira Santos
Wilka Lara da Silva Rocha Mônica Lemos Bitencourt
Suely Nascimento de Lemos
CAPÍTULO 31......................................................390
CAPÍTULO 25......................................................344 O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JOR-
DADO DOS SENTIMENTOS: UMA BRINCADEIRA NADA DO HERÓI
CHEIA DE PSICOLOGIA E AUTOCONHECIMENTO Sílvia Cristina Varella Queiroz
Wilson Alberto Santoro Alencar
CAPÍTULO 32......................................................399
CAPÍTULO 26......................................................349 O BRINCAR NO AMBIENTE HOSPITALAR: RELATO
ENTRE TIRANOSSAUROS E TRICERATOPS: VENCEN- DE EXPERIÊNCIA DOS BENEFÍCIOS DA LUDICIDA-
DO O MEDO, A IMPULSIVIDADE E DÉFICITS INTER- DE PARA A CRIANÇA COM LONGO PERÍODO DE
PESSOAIS HOSPITALIZAÇÃO
Sandra de Fátima Barboza Ferreira Patrícia Lamounier Rêgo
Alessandra Oliveira Machado Vieira Wilka Lara da Silva Rocha
Suely Nascimento de Lemos
10

CAPÍTULO 33......................................................405
O BRINCAR NO ISOLAMENTO HOSPITALAR PEDIÁ-
TRICO
Stéfany Bruna de Brito Pimenta
Sandra de Fátima Barboza Ferreira

CAPÍTULO 34......................................................413
O BRINCAR NOS ESPAÇOS ESCOLARES: UMA ANÁ-
LISE SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
Brunella Poltronieri Miguez
Ana Karyne Loureiro Furley
Hiran Pinel

CAPÍTULO 35......................................................422
O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPE-
RIMENTOS DE BAIXO CUSTO
Milena Lira Rocha
Breno Aragão dos Santos
Nicolas Rui Cruz da Silva

CAPÍTULO 36......................................................434
O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE
EM UM PROJETO SOCIAL
Namir da Guia
Lídia Andrade Lourinho

CAPÍTULO 37......................................................443
PURPOSYUM: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A
JUSTIÇA
Gilson Schwartz

CAPÍTULO 38......................................................451
RECORDAR É VIVER AS BRINCADEIRAS DE INFÂN-
CIA: UM RESGATE DA CULTURA POPULAR
Maria Cícera dos Santos Barbosa
Maria José de Brito Araújo
11

P
refácio
Federal do Ceará, coordena projetos de extensão
focados na ludicidade, como o Laboratório de
Brinquedos e Jogos (LABRINJO) e o projeto de

´ brinquedoteca itinerante BrincarMóvel, no contexto


do Centro de Estudo sobre Ludicidade e Lazer
(CELULA). O Museu do Brinquedo de Fortaleza é
outra de suas inciativas, e uma das mais queridas
deste entusiasta da cultura lúdica. Apreende-se,
Honrada pelo convite que me foi feito pelo
neste breve relato, a coerência de foco e a consis-
Prof. Dr. Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida,
tente profundidade como qualidades na carreira
é com muita satisfação que venho introduzir aos
do ilustre organizador, a qual já anuncia a quali-
leitores a publicação “Brincar e Jogar: dimensões
dade desta nova obra.
teóricas e práticas”.
Sua motivação principal foi o 4º Encontro Cien-
Como presidente da Associação Brasileira de
tífico do Dia Internacional Brincar. Este evento,
Brinquedotecas – ABBri, pontuo aqui que a sua
destinado a discussões e reflexões sobre o brin-
missão primeira consiste justamente na defesa do
car e a infância, é parte já tradicional das come-
direito de brincar de todas as crianças, sendo tam-
morações desta data, promovidas pelo Prof. Mar-
bém de extremo valor para a qualidade de vida
cos Teodorico, na UFC.
em todas as idades. Para a concretização desta
O Dia do Brincar foi criado pela ITLA (Interna-
missão, é central em nossas ações, a formação
tional Toy Library Association), em 1999, e sua
lúdica dos profissionais que atuam ou virão a atu-
data – 28 de maio – corresponde à data da cria-
ar com a criança, tanto em brinquedotecas como
ção da ITLA, ocorrida em 1990. É um dia para
em outros espaços de brincar. Dessa forma, esta
celebrar, em todo mundo, o direito da criança
publicação representa uma significativa contribui-
de brincar, em consonância com o Artigo 31 da
ção aos nossos objetivos, enquanto Associação
Convenção dos Direitos da Criança, no qual se
nacional de referência na área do brincar.
reconhece o direito de cada criança ao descanso,
E como muito se sabe da obra por meio da-
lazer, jogos, atividades recreativas e livres e plena
quele que a concebe, convém ressaltar de pronto
participação na vida cultural e artística.
que o Prof. Marcos Teodorico, além de sua ex-
O leitor poderá constatar que o objetivo do Dia
tensa produção bibliográfica e de sua experiência
Internacional do Brincar, de mobilizar a sociedade
na docência universitária, no Instituto de Educa-
e difundir conhecimentos acerca do valor do brin-
ção Física e Esportes (IEFES) da Universidade
car para o desenvolvimento integral das crianças,
12
foi perfeitamente expresso e materializado atra- Psicologia Clínica e da Enfermagem Pediátrica.
vés dos trabalhos apresentados no 4º. Encontro Da Educação Infantil e Fundamental e também
Cientifico, aqui registrados em 38 artigos, entre do Ensino Médio Técnico, destaco as contribui-
pesquisas acadêmicas e relatos de experiência. ções de autores da Educação Física, do Ensino
Os autores são graduandos, pós-graduandos e de Ciências e de Língua Portuguesa, em projetos
profissionais das mais diversas áreas ligadas à destinados a diferentes idades e a diferentes ca-
atenção à criança, aos jovens e seus familiares. racterísticas e necessidades dos alunos.
Sendo a atividade lúdica, por sua natureza, A formação dos formadores, discussão sempre
contextualizada no espaço e tempo do ser brin- necessária quando se discute o brincar e as com-
cante, constitui-se ela em um objeto de estudo petências dos educadores na área da ludicidade
permeável a múltiplas referencias, aplicadas a está aqui presente em diversos capítulos, descorti-
variados campos de conhecimento e de atuação. nando estratégias formativas bem fundamentadas.
Nesse sentido, o circo, a brinquedoteca hos- Em diversos capítulos deste livro, os brinque-
pitalar, a universidade e a escola são os cenários dos não estruturados, o RPG e os videogames
desses projetos e os leitores terão um vasto pano- são objeto de discussão e nos fazem refletir acer-
rama acerca dos diferentes desafios, bem como ca das formas de brincar da infância contemporâ-
das soluções, ou oportunidades lúdicas, anali- nea e do que realmente consiste a cultura lúdica
sadas e discutidas mediante os aportes teóricos infantil. Entendemos por que e como a criança é
da Psicanálise, da Fenomenologia, da Psicologia autora e integrante de uma cultura, quando, ao in-
Genética de J. Piaget, da teoria de aprendizagem teragir com uma cultura lúdica, permanentemente
sócio histórica, dos estudos acerca dos jogos de a modifica, de acordo com seu tempo e espaço
tabuleiro analógicos e digitais e das metodologias e nas interações com seus pares, promovendo a
para a sua criação e aplicação. reinvenção constante dos modos de jogar e das
Os autores nos brindam com estudos e proje- relações com os objetos lúdicos.
tos lúdicos nas áreas da Educação, em suas múl- Em suma, o conteúdo das discussões muito
tiplas aplicações, tanto na educação formal como bem fundamentadas que esta obra compartilha
na educação não formal. com o leitor, o levará a compreender acerca das
O papel importante dos espaços não formais noções de infância, de hoje e de outrora, das di-
de educação, tão próximas do brincar, são ex- versidades de expressões do ser criança e do
pressas em vários capítulos de autores das áreas brincar em sua função de oportunidade de desen-
da Saúde, do Turismo e Lazer. Da área da Saúde, volvimento da auto regulação da criança, em seu
nos chegam, sobretudo, pesquisas e projetos da comportamento e em sua interação social. Sobre-
13
tudo, e como fio condutor da obra, o levará a va-
lorizar o brincar como condição essencial para a
sua humanização, processo este que implica em
sua inserção nas manifestações simbólicas de
uma cultura, seja ela local, regional ou global.

Dra. Maria Celia Malta Campos


Presidente da ABBri
24 de outubro de 2021
14

Apresentação
direito básico da criança. Seguindo os objetivos
da Declaração Universal dos Direitos da Criança
em 1959, aprovada nas Nações Unidas (ONU).

~ O 4ºECDIB teve como objetivo geral: Come-

´
morar e celebrar o Dia Internacional do Brincar
através de diálogos científicos com estudiosos,
experts e pesquisadores sobre o tema. Além dis-
so, alguns objetivos específicos foram abordados:
O Livro BRINCAR E JOGAR: DIMENSÕES
i) Compartilhar informações teóricas e estudos
TEÓRICAS E PRÁTICAS aborda a temática do
científicos, além de experiências em torno do brin-
lúdico dentro de diferentes fatores, mas o valor
car; ii) Favorecer o desenvolvimento dos vínculos
principal da obra é abordar o brincar enquanto um
afetivos e sociais positivos, condição única para
direito básico e necessário para todos. O brincar
que possamos viver em grupo, de forma pacífi-
e o jogar favorece o multiculturalismo, a diversi-
ca; iii) Promover experiências e vivências lúdicas
dade, a inclusão, a sociabilidade, enriquece o uni-
com os participantes do encontro. iv) Favorecer
verso informacional infantil, fomentando a cultura
o multiculturalismo, a diversidade, a inclusão, a
da não violência.
sociabilidade, fomentando as relações pacíficas;
O livro foi dividiodo em duas partes: Parte 1 -
v) Construir valores aproximando as pessoas e
temos os capítulos dos palestrantes e convidados
emancipando pensamentos; vi) Divulgar o brincar
do 4º Encontro Cientifico do Dia Internacional
como direito básico de todos.
Brincar e na Parte 2 – Trabalhos aprovados e
Sabemos que o brincar, em suas diferentes for-
apresentados no 4ºECDIB. Este evento foi pro-
mas, certamente desempenha papel essencial na
movido, realizado e organizado pelo Instituto Ne-
construção das relações pacíficas, contribuindo
xos e o Museu do Brinquedo de Fortaleza no for-
positivamente para o desenvolvimento humano
mato online nos dias 27, 28 e 29 de maio de 2021.
pelas diferentes formas com se apresenta, seja
O 4ºECDIB foi um evento de natureza científi-
nos jogos tradicionais mais simples ou nos mais
ca para discussões e reflexões sobre o brincar e a
sofisticados, nos jogos de construção, nos jogos
infância em comemoração ao Dia Internacional do
de faz de conta, nos jogos e brinquedos educati-
Brincar. Este dia foi criado pela ITLA (International
vos e nas diferentes brincadeiras, nos jogos co-
Toy Library Association), já há alguns anos o mês
operativos ou competitivos, nas mais variadas
de maio tem sido consagrado à comemoração lú-
manifestações culturais e até mesmo na elabora-
dica e à valorização do brincar em diferentes paí-
ção dos materiais lúdicos sejam eles estruturados
ses do mundo, inclusive no Brasil. O Brincar é um
15
ou não estruturados. Apesar de constituírem um cem. Ao brincar, a criança poderá desenvolver ca-
avanço, as atividades lúdicas e culturais, do brin- pacidades e despertar habilidades. O brincar traz
car livre, do brincar pelo prazer de brincar, ainda muitos benefícios para a criança:
não tem a devida importância dos diferentes ato-
res que compõem o cenário brasileiro. Atualmente 1. Estimula a atenção e a concentração;
este evento é uma referência para as universida- 2. Aumenta a memória;
des, escolas, prefeituras, famílias e a comunidade 3. Desperta a imaginação, a fantasia e a imi-
como um todo, e principalmente, que seja visto tação;
como um dia de descoberta, fantasia, aprendiza- 4. Convida à exploração, à criatividade e ao
gem, inclusão, cidadania, interações e ludicidade. conhecimento;
Para nós, uma criança que brinca é uma criança 5. Ajuda a criança a expressar-se e a melho-
feliz. Porque brincar é um direito. rar a sua linguagem;
Assim, consideramos que o jogo, a brinca- 6. Ajuda a criança a fazer amigos e a conviver;
deira e o brinquedo podem ser englobados em 7. Aumenta a autoestima e a autoconfiança;
um universo maior, chamado de Cultura Lúdica. 8. Proporciona autonomia e sentido crítico.
Não queremos engessar os termos e sim ampliar 9. Ensina a compartilhar, a colaborar e traba-
a perspectiva lúdica em diferentes contextos e lhar em equipe;
saberes sem limitar o ato de brincar na hora da
10. Ensina a competir e cooperar.
experiência lúdica. Sabemos que a linguagem
cultural própria da criança ontem, hoje e amanhã
Acreditamos que todo ser humano deve ter tem-
é o brincar. A criança comunica-se através dele e
po para estudar, para comer, para dormir. como
por meio dele irá ser agente transformador, sendo
também para brincar. O brincar é um direito essen-
o lúdico um aspecto fundamental para se chegar
ao desenvolvimento integral da criança. cial e uma necessidade básica dos indivíduos. O
O brincar é uma das atividades mais comuns brincar é a forma mais completa que a criança tem
da infância. O brincar diverte, educa, valoriza, so- de comunicar-se com os outroa, o meio ambiente
ciabiliza e influi positivamente no comportamento e consigo mesma. Por isso é tão importante que a
e na formação das crianças. A essência do Brin- experiência lúdica também tenha o seu espaço e
car começa na infância, todas as crianças, desde o seu momento durante o dia. Para brincar não é
que nascem, brincam naturalmente. Brincar não necessário ter brinquedos caros ou grandes quan-
só diverte como também educa as crianças. Os tidades de materiais lúdicos, o mais importante é a
brinquedos e as brincadeiras são conteúdos per- intensidade, a qualidade, o tempo e o espaço das
feitos para estimular os bebês, desde que nas- interações e das experiências lúdicas.
16
A melhor brincadeira ou brinquedo são os que Para nós, uma criança que brinca é uma crian-
convidem as crianças a explorar ou que as permi- ça feliz. Porque brincar é um direito! Negar o di-
tam expressar-se através do seu corpo, dos seus reito de brincar é negar o direito de viver, brincar
gestos, sentidos e da sua imaginação, estimu- é sinônimo de vida. Brincar é VIDA!
lando assim a sua criatividade e curiosidade. As
melhores brincadeiras são as que não custam di- Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
nheiro e que mais divertem e chamam a atenção Organizador
das crianças. E o mais importante: “é através do
brincar a criança pode aprender o que mais nin-
guém lhe pode ensinar”. O ato de brincar lhes en-
sina valores morais e culturais que muitas vezes
não reside nos exemplos dos pais, professores ou
instituições. É através da atividade lúdica que as
crianças se preparam para a vida. Além de tudo
isso, o brincar pode:

1. Favorecer o desenvolvimento dos vínculos


afetivos e sociais positivos, condição única
para que possamos viver em grupo, de for-
ma pacífica;
2. Promover experiências e vivências lúdicas
com crianças, família e comunidade;
3. Favorecer o multiculturalismo, a diversida-
de, a inclusão, a sociabilidade, fomentando
as relações pacíficas;
4. Construir valores aproximando as pessoas
e emancipando pensamentos;
5. Divulgar o brincar como direito básico de
todos é uma forma de humanizar o planeta
e suavizar as relações entre iguais.
parte
1
18
INTRODUÇÃO

A avaliação das vivências do ser humano, seja


na área da Psicologia seja na área da Educação
é um aspecto que tem ocupado inúmeros clínicos,
seja com a preocupação de entender as expres-
sões das crianças através de suas brincadeiras
seja identificando ou compreendendo determina-
dos sintomas das mesmas.
Na área da Educação, a referida avaliação tem
mostrado, segundo AFFONSO (2007), o quanto
a escola tem ou pode ter um papel preventivo e
educativo, no sentido de identificar distúrbios de
aprendizagem associados a sintomas que apre-
sentam subjacente aos comportamentos de agi-
tação ou agressividade, comprometimentos cog-
nitivos, comumente, relacionados às noções de

CAPÍTULO 1 espaço, tempo e causalidade, baseadas na teoria


de Jean PIAGET (1937, 1946).
As investigações sobre a obra A Construção
do Real pela Criança de Jean Piaget (1937) são
CENAS LÚDICAS E A realizadas a partir da análise das representações

ELABORAÇÃO AFETIVA lúdicas da criança e que foi aprofundada no livro


Ludodiagnóstico: análise cognitiva das represen-

INFANTIL NO CONTEXTO tações infantis (AFFONSO, 2011). Neste livro,


apresentamos a fundamentação de estudiosos
CLÍNICO que têm dedicado suas pesquisas na análise das
noções de espaço, tempo e causalidade aplica-
dos a vários contextos psicossociais, coordena-
Rosa Maria Lopes Affonso
dos pela Dra. Zelia RAMOZZI-CHIAROTTINO
(1984,1988,2010), uma das pioneiras do valor
teórico deste aspecto da teoria de Jean Piaget.
19 1
Discutimos, por exemplo, as pesquisas do Prof. voltada para um contexto individual sobre a inves-

Rosa Maria Lopes Affonso


CENAS LÚDICAS E A ELABORAÇÃO AFETIVA INFANTIL NO CONTEXTO CLÍNICO
MONTOYA (1996, 2005) onde a análise das re- tigação clínica de crianças que procuram ajuda.
presentações de espaço, tempo e causalidade de Vale mencionar, que o pressuposto psicanalítico
crianças oriundas de um ambiente menos favore- considerado através da interação lúdica neste
cido permite identificar a necessidade da estimu- contexto clínico está baseado na análise que a
lação cognitiva de um discurso socialmente com- criança expressa e diz o porquê de suas dificul-
preensível. Vale mencionar também a importância dades, fundamentado nos trabalhos de FREUD
das pesquisas de OLIVEIRA (2020) sobre a brinca- (1909, 1920) em que através do lúdico a criança,
deira simbólica, haja vista que é a partir da análise expressa e elabora as suas angústias.
do brincar da criança que as investigações sobre No seu trabalho de pós-doutoramento, Alguns
estes aspectos cognitivos têm se revelado. Indicadores para o Diagnóstico e Reabilitação
A nossa preocupação esteve voltada em verifi- Psicossocial de Crianças com Problemas na Re-
car como estas pesquisas sobre a Construção do presentação da Construção do Real, AFFONSO,
Real pela Criança (PIAGET, 1937) podem contri- 2006, procurou demonstrar, entre outros questio-
buir na clínica infantil, particularmente, a partir da namentos, como é possível, através do ludodiag-
análise da Técnica Psicanalítica Ludodiagnóstica nóstico fazer uma avaliação das estruturas men-
(AFFONSO, 1994, 2011, 2012), pois, além de ser tais subjacentes à vivência lúdica da criança. Evi-
um procedimento clínico para expressão da crian- denciou, também, como essas estruturas podem
ça, ou do indivíduo em geral possibilita a avalia- estar relacionadas com comportamentos adver-
ção diagnóstica de conflitos, do funcionamento sos, por exemplo, hiperatividade, depressão e que
psíquico, distúrbios e dificuldades de aprendiza- chegam às clínicas como distúrbios de linguagem,
gem ou sintomas psicopatológicos, em geral. de comportamento ou de aprendizagem em geral.
A técnica ludodiagnóstica partiu dos estudos de O desafio foi a aplicação destes conhecimentos a
KLEIN (1932), sistematizada por ABERASTURY serviços clínicos públicos, seja em hospitais, em
(1962) e EFRON et al. (1976) e que consiste num ambulatórios de atenção básica, onde o terapeuta,
procedimento de investigação clínica em que o tem apenas alguns encontros com a criança ou faz
psicoterapeuta através da utilização de brinque- observações lúdicas, como por exemplo, num con-
dos estruturados (carrinhos, bonecos, animais, texto de brinquedoteca clínica.
etc.) ou não estruturados (massinha, guaches, Partimos do pressuposto que a brincadeira li-
blocos de madeira, etc.), procura estabelecer um vre pode fornecer ao profissional brinquedista, ou
vínculo terapêutico com crianças visando o diag- profissional da saúde em geral, elementos diag-
nóstico da personalidade das mesmas, ou seja, nósticos que podem colaborar com os registros
20 1
clínicos multidisciplinares dos profissionais envol- to médico como observador. A pediatra interage

Rosa Maria Lopes Affonso


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vidos no tratamento daquela criança em situação com a criança durante o seu exame clínico e uti-
de internação ou mesmo na situação de consulta liza materiais lúdicos. Todo este trabalho tem os
clínica periódica, daí sua relevância. seus fundamentos na técnica lúdica de AFFON-
A Avaliação das Vivências do Ser Humano SO (2011, 2012), mas primordialmente na teoria
(AFFONSO 2006,2007) envolve um trabalho de Desenvolvimento Humano, que reúne corren-
grandioso com os fundamentos de várias áreas tes psicológicas e dentre elas a Epistemologia e
do conhecimento científico: Ciências Humanas, Psicologia Genética (RAMOZZI-CHIAROTTINO
Sociais, Biológicas, envolvendo, várias especia- (1984,1988)
lidades, Psicologia, Epistemologia e Psicologia Piaget dedicou várias obras (1923, 1926, 1936,
Genética, Psicanálise, Psiconeurologia, Medicina. 1937, 1946) sobre a inteligência sensório-motora,
Tal estudo considera o Desenvolvimento Humano a nossa ênfase tem sido no desenvolvimento das
na sua gênese, daí sua aplicação clínica também noções de espaço, tempo e causalidade. Nossa
em hospitais e centros de saúde. Portanto, a es- hipótese é que essas noções colaboram na iden-
colha de pesquisas com crianças de zero a doze tificação do processo da experiência vivida pelo
anos, na verdade é uma preocupação preventiva, sujeito possibilitando a compreensão de como a
podendo ser estudada em outras faixas etárias, criança vai interagindo com a realidade, e cons-
na medida que encontramos adultos com muitas tituindo-se enquanto diferenciada da mesma, di-
dificuldades na representação de suas vivências, recionada à estruturação da diferenciação eu
mas não são o alvo da presente pesquisa. Preten- não-eu, ou seja, tornando-se um sujeito social, tal
demos contribuir com a observação no ludodiag- como descreve Piaget em sua obra A Construção
nóstico para grupos de crianças em atividade livre do Real Pela Criança (1937).
em grupo em brinquedotecas e, individualmente, O diagnóstico do brincar livre pode ser enten-
nos consultórios pediátricos em serviços de saú- dido em sua profundidade ou na sua banalização,
de, ou seja, nos atendimentos que requerem um mas a literatura psicanalítica sobre ludoterapia
atendimento breve. tem demonstrado o quanto este brincar permite
A preocupação preventiva levou Affonso a se uma complexidade de investigações clínicas per-
aliar aos trabalhos da Associação Brasileira de mitindo não só o esclarecimento sobre o estado
Saúde Mental da Sociedade Paulista de Pediatria emocional da criança, mas o que o determinou
através da Profa Dra.Fernanda Pilate Kardosh e (ABERASTURY, 1962), esclarecendo e aprofun-
desenvolver um trabalho de atendimento compar- dando diagnósticos, logo, este referencial pode
tilhado, onde o psicólogo participa do atendimen- contribuir com o profissional que trabalha com a
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proposta de brincadeira livre. EFRON et al (1976) dições básicas para a construção de um discurso

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propuseram um roteiro de investigações desse socialmente compreensível.
brincar livre envolvendo desde a análise da es- Nossa proposta é a análise no comportamen-
colha do brinquedo, ou seja, se a escolha está de to lúdico da criança sobre as noções de espaço,
acordo com a idade esperada; se a capacidade tempo e causalidade e que, no nosso entender,
simbólica dos sintomas são ou não expressos e acrescenta mais elementos na investigação clí-
de que maneira ou qual a modalidade, desestru- nica onde a classificação de referência é o De-
turada, rígida ou plástica; se a criança expressa senvolvimento Humano baseada no livro Ludo-
através da representação vínculos maternos, pa- diagnóstico: análise cognitiva das representações
ternos, fraternos ou de familiares em geral. Enfim, infantis (AFFONSO, 2011). A investigação do de-
está análise psicanalítica pode ser utilizada para senvolvimento é feita segundo a análise, no brin-
fundamentar as observações lúdicas livres em vá- car livre da criança, das noções de espaço tempo
rios contextos clínicos (AFFONSO, 2012). e causalidade o que significa que encontramos
crianças que manifestam, na interação lúdica, o
DESENVOLVIMENTO comprometimento dessas noções, ou seja, suas
ações são desconexas e não conseguem se ex-
Entendemos que os registros das observações pressar, seja através do seu brincar como na sua
do profissional (brinquedista) de uma brinquedote- representação verbal. Tal comprometimento pode
ca ou na situação de atendimento clínico em geral, ser detalhado pelo clínico mas, podemos simplifi-
podem contribuir para a análise interdisciplinar, co- car esta investigação na identificação ou não de
mumente presente, nos serviços públicos de saú- uma cena na expressão livre e lúdica da criança.
de ou da educação. A análise lúdica possibilitaria A cena é entendida como a representação lúdi-
ao clínico elementos para o encaminhamento do ca de um contexto ou de uma situação, como se
caso, segundo os diagnósticos previstos pela CID- fosse um filme, onde aparecem os mesmos perso-
10 (1997), por exemplo, através da análise do lú- nagens em diferentes planos (vide Figura 1 e Fi-
dico infantil pode-se verificar se a criança tem uma gura 2). A criança, além de organizar os materiais
dificuldade na linguagem ou se apresenta uma onde é possível identificar um contexto, é possí-
ansiedade ou falha cognitiva, entre outros. Numa vel verificar a criança, muitas vezes, colocando
situação educacional um professor ou brinquedista movimento na cena, por exemplo, personagens
pode identificar, por exemplo, observando o com- conversando entre si ou se deslocando segundo
portamento lúdico, se há ou não comprometimento um contexto social reconhecível. As crianças com
nas noções de espaço, tempo e causalidade, con- dificuldades na expressão de cenas também são
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classificadas como aquelas que apresentam difi-

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culdades de se inserir no presente, passado ou
futuro, suas vivências são da ordem apenas do
fazer, do presente, ou seja, sem a noção de tem-
po. Além disso, não conseguem estabelecer uma
relação antecedente consequente, ou seja, sem
uma relação causal (AFFONSO, 2011). Para Pia-
get, tal construção ou gênese ocorre por volta dos
dois anos ou no final do período do sensório-mo-
tor, ou seja, no sexto sub- estágio deste período.
Portanto, a identificação ou não da cena é não Figura 2 - Cena de uma família reunida na sala
tem a preocupação da etapa do patamar evoluti- Fonte: Arquivo Pessoal

vo em que esta construção se encontra, embora


possa ser identificada pelo clínico já que segue A preocupação na identificação da ‘cena’ tem
as seis sub etapas do sensório motor (PIAGET, suas consequências, ou seja, estamos analisan-
1937). Essa preocupação tem o objetivo de ser do como a criança compreende a realidade, logo,
um facilitador na tomada de decisões, exigida partimos do pressuposto que: para que a criança
pelo contexto clínico diagnóstico ou mesmo da tenha o entendimento dos papéis do médico, dos
observação lúdica tanto na brinquedoteca, quan- pais e dos profissionais envolvidos neste contexto
to no serviço de pediatria. clínico, as noções de espaço, tempo e de cau-
salidade devem estar preservadas, constituídas e
são possíveis de serem identificadas nas repre-
sentações lúdicas da criança através da identifi-
cação das cenas. Quando isso não ocorrer dificul-
ta o encaminhamento psicoterapêutico, ou seja,
será necessário um encaminhamento para uma
avaliação psicológica ou médica mais específica.
Como inserir uma criança num tratamento psi-
cológico em que o psicólogo vai se referir a uma
historicidade, relacionar as suas vivências atuais
a situações do passado, se sequer a criança con-
Figura 1 - Cena de um pai e uma mãe na cozinha segue cognitivamente entender a sua vivência, ou
Fonte: Arquivo Pessoal
23 1
ainda sequer consegue atribuir o presente a um fóbicos. Nesses sintomas, a dificuldade no esta-

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passado? Entendemos que a identificação desse belecimento do impulso agressivo numa repre-
comprometimento, requer do profissional refletir sentação simbólica, pelos canais complexos do
qual intervenção é a mais adequada, por exem- inconsciente, ataca o corpo que com a psicotera-
plo: intervenções psicoterápicas sem interpre- pia vai podendo tornar possível essas conexões
tações, apenas para acolhimento; intervenções simbólicas, possibilitando a melhora do quadro
da ordem do fazer prático, estimulando apenas clínico. Nossa hipótese é que essa dificuldade de
a expressão (AFFONSO, 2011). Além disso, en- conexão simbólica está, também, relacionada ao
tendemos que a elaboração da situação traumá- comprometimento das noções de espaço, tempo
tica envolvida nestes casos está comprometida e e causalidade, podendo ser expressa na repre-
este é um aspecto que deve ser considerado pela sentação lúdica. Tais conexões aos quais a psica-
equipe médica em geral quando estamos no con- nálise se refere é, no nosso entender, identificável
texto clínico. na expressão de cenas, que quando desconexas
Por elaboração afetiva ou traumática enten- não possibilitam a compreensão do que se pas-
demos a capacidade de representação simbólica sa. Portanto, caberá ao clínico colaborar e intervir
da criança diante do contexto clínico ou do seu junto ao cliente na construção destas conexões,
sintoma. Segundo FREUD (1905), na psicanálise possibilitando o surgimento do contexto ou das
a elaboração afetiva é considerada como o traba- cenas com o seu significado.
lho psíquico para dominar as excitações podendo Na psicoterapia infantil os sintomas, no geral,
ameaçar a saúde mental do paciente. A elabora- na medida que encontram um canal de conexão
ção afetiva, consiste, portanto, em estabelecer simbólica acabam por desaparecer, como bem
conexões destas excitações com associações demonstrou Melanie KLEIN na sua obra (1930,
e o seu registro simbólico (FREUD, 1905, 1914, 1931,1932). O que é também muito interessan-
1920). A elaboração afetiva é a transformação da te é que Melanie Klein, assim como Margareth
quantidade de energia ou de pressão psíquica MAHLER (1982,1983) mencionavam a importân-
que é dominada, derivando em ligações, comu- cia da personificação na expressão da maturida-
mente num ato simbólico, ou na patologia, trans- de infantil (KLEIN, 1929, 1930, 1931). Quando
formando num sintoma, como podemos compre- oferecemos, por exemplo, materiais lúdicos de
ender nos sintomas psicossomáticos (FREUD, bichos para as crianças, como animais domésti-
1909, 1914). O sujeito durante a psicoterapia vai cos e selvagens e a criança, representa papéis
conseguindo estabelecer conexões simbólicas do ou atribui funções materna ou paterna aos bichos,
porquê, por exemplo, tem sintomas gástricos ou significa a existência de uma capacidade simbóli-
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ca baseada na sua vivência interna, inconsciente tamar cognitivo ela se encontra para fazer este

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ou consciente, efeito da sua educação familiar ou processo de elaboração. Na nossa hipótese este
condição constitucional psíquica. Uma criança que patamar se refere a capacidade da criança de re-
não consegue personificar (EFRON et al., 1976) presentar cenas e para tal é necessário verificar a
ou representar simbolicamente papéis, está num análise das noções espaço-temporais e causais.
patamar imerso em impulsos caracterizando uma A relevância dessa investigação também pode
regressão primária onde as conexões simbólicas contribuir na compreensão na dificuldade de ela-
ainda são praticamente inexistentes. Ora, a gran- boração psíquica diante das vivências traumáti-
de dificuldade para o clínico é neste contexto, ca- cas, ou seja, a criança não interage socialmente
racterizar como um problema de falha emocional ou apresenta comportamento de recusa com o
na representação ou uma incapacidade cognitiva clínico ou não apresenta as noções de espaço,
para tal ou, o que é pior dos dois. Nossa proposta tempo e causalidade? Perdeu o vínculo afetivo
é diferenciar este aspecto a partir de casos que com o meio, em função de traumas de violência
não desenvolveram as noções de espaço, tempo doméstica ou não tem as estruturas mentais de
e causalidade, ou seja, por pressuposto, a crian- um discurso psicossocial? (AFFONSO, 2018)
ça ainda está num patamar cognitivo inferior, ou Vale ressaltar que crianças numa situação de
seja, não adquiriu ainda esta possibilidade, daí a hospitalização por muitos dias e crianças abriga-
maior dificuldade na elaboração afetiva. das têm nas suas vivências condições de traumas
A psicanálise infantil tem demonstrado (KLEIN, afetivos que podem afetar o seu desenvolvimento
1932; WINNICOTT,1984) que a elaboração afetiva em geral, físico, psíquico e social. A condição da
ocorre na medida que haja um campo de expres- elaboração afetiva é algo que preocupa os pais,
são da historicidade da criança, mas no nosso en- responsáveis e toda uma equipe envolvida, mas a
tender a psicanálise não especifica, já que não é criança está deprimida, paralisada, perdeu a con-
o seu objetivo, em quais aspectos cognitivos, ou fiança básica no meio ou não tem a estrutura cog-
melhor, qual a estrutura mental da possibilidade nitiva para tal? Essa é uma distinção necessária
dessa historicidade. Se a criança tem a necessi- ao clínico.
dade de expressar uma briga dos pais através dos Entendemos que crianças comprometidas nas
bonecos lúdicos, que lhe foram oferecidos, se é noções de espaço, tempo e causalidade não ela-
verdade que a criança tem a necessidade de ex- boram suas experiências traumáticas em situações
pressar as situações que lhe foram desagradáveis onde o campo terapêutico envolva interpretações
(FREUD, 1920; KLEIN, 1932; WINNICOTT, 1984), com historicidade ou ainda intervenções com ex-
é necessário que o clínico identifique em qual pa- plicitação de vínculos terapêuticos, daí a relevân-
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cia da presente investigação. Referir-se a história uma cena, ou seja, não se sabe identificar os per-

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vivida pela criança direta ou indiretamente, contar- sonagens, ou que levou à luta.
-lhes estórias ou ainda, referir-se verbalmente ao SUJEITO B: Uma criança de 9 anos, com quei-
vínculo transferencial estabelecido entre terapeu- xa comportamental de agressividade. Escolhe vá-
ta-cliente acreditamos ser um trabalho insipiente rios brinquedos de regras, dominó e pega-varetas
e nada terapêutico para essas crianças. O grande e aceita perder e apesar de conhecer as regras
indicador de tal dificuldade é a identificação na ex- muda de jogo quando perde no jogo. Monta uma
pressão lúdica livre de não apresentarem cenas. cena com os blocos de madeira onde os bichos
Portanto, para o clínico é fundamental ter em estão dentro de um cercado, diz que é um zooló-
mãos instrumentos que auxiliem nestas diferen- gico e que os bichos querem sair, mas não podem
ciações, daí a preferência da utilização de indica- pois um está doente. Repete os jogos e a mes-
dores. Obviamente, não pretendemos com isso, ma cena do zoológico várias vezes e a terapeuta
esgotar o diagnóstico desta condição afetiva para pergunta o que fez ele ficar doente e ele diz que
um tratamento clínico, mas acrescentar um ele- comeu uma comida envenenada e a sua mãe não
mento a mais ao clínico e que colabore nestas in- estava em casa. Ele vai para o hospital, mas aca-
vestigações ou procedimentos terapêuticos, prin- ba morrendo. Não é o caso aqui de interpretar-
cipalmente, nos casos que requerem decisões mos, por exemplo, dizer que é uma criança que
breves. Vejamos alguns exemplos: não suporta competir com os amigos, além de
SUJEITO A: Uma criança de seis anos, com representar que o ambiente é perigoso, que pode
queixa de comportamento hiperativo. Interage ataca-lo. Além disso, identificamos que emocio-
com vários objetos, pega um carrinho, blocos de nalmente esta criança não acredita que o ambien-
madeira, bichos. Não foram identificadas as no- te pode ajudá-la. Cognitivamente as noções de
ções de espaço, tempo e causalidade. Por exem- espaço, tempo e causalidade estão preservadas,
plo, a criança monta blocos de madeira, diz “isso”, logo, ao clínico o prognóstico é favorável, o repetir
quando questionado não consegue expressar o das cenas pode ser entendida como a busca de
que está fazendo. Quando a brinquedista interfe- um fazer de novo, apesar da angústia de morte.
re procurando demonstrar interagir aceita. Pega No nosso entender, verifica-se que o sujeito A
os bonecos, super heróis, faz eles andarem, mas apresenta maior dificuldade na elaboração afetiva
não se consegue identificar uma cena. Quando a do que o sujeito B, ou seja, a não identificação das
terapeuta pergunta o que eles estão fazendo ape- noções de espaço, tempo e causalidade, ou seja,
nas faz movimentos e fala “puft, caiu”; coloca-os a ausência de identificação de cenas sugerem que
em luta, mas não é possível identificar novamente a criança precisa de auxilio neste aspecto.
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SUJEITO C: menina de 12 anos, abrigada por A observação lúdica da criança se deu durante

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motivo de violência doméstica sexual do padras- a consulta da pediatra, que enquanto o examina-
to. Uma vizinha avisou o Conselho Tutelar. Estão va, deu-lhe brinquedos e folhas d sulfite com lápis
avaliando a possibilidade do tratamento materno de cores. Durante a interação lúdica a criança,
para retornar ou não à família. não fala, utiliza algumas folhas e faz rabiscos e
Apresenta as noções de espaço, tempo e cau- não quer dizer nada a respeito. Recusa-se a res-
salidade. Escolheu o desenho onde conta a estória ponder para a médica que o examina, fica tenso.
de uma menina que está longe de sua mãe, mas A responsável apresenta a queixa de que ele não
que lhe irá fazer uma surpresa. A mãe fará uma gosta de estar no abrigo, está agressivo e a es-
festa no seu aniversário. A mãe no dia (do aniver- cola já fez reclamações, além disso, recusa-se a
sário) fica com outro filho e a menina fica muito comer. A responsável ainda acrescenta, à parte
triste e não brinca com as amigas. De fato, ela de- para a médica e a à psicóloga, que dificilmente
senha uma cena onde há a mãe e outro filho. Há ele retornará para a família, está na condição de
uma mesa com um bolo, desenhados fora da casa. ser adotado com seus outros dois irmãos.
Esta menina não tem irmãos. Vale lembrar que não A médica pediatra encaminha a criança para o
se desenhou, embora fizesse parte da história con- setor de nutrição, mas também para psicoterapia,
tada. Entendemos que se trata de uma criança que com o parecer da psicóloga diante da análise lúdi-
apresenta as noções de espaço, tempo e causa- ca: dificuldade na elaboração afetiva e de aderên-
lidade e uma condição positiva para elaboração cia terapêutica devido a comprometimento cogni-
afetiva de sua situação traumática. tivo nas noções de espaço, tempo e causalidade.
SUJEITO D: menino de 5 anos, abrigado por A dificuldade da criança de elaborar suas vivên-
motivo de violência doméstica de negligência e cias está no fato da não identificação de cenas. O
abandono. Morava com os pais e irmãos maio- psicólogo, que o irá atender deve evitar relacionar
res e ficava sem comer e sozinho durante muitas ou utilizar sua história, pois não tem a possibilida-
horas. O pai usava substâncias químicas e havia de do estabelecimento das conexões causais. A
suspeita que a mãe também. Os vizinhos denun- criança não demonstra compreender, não conse-
ciaram ao Conselho Tutelar. Todas as crianças gue estabelecer relações com os fatos, com o que
foram recolhidas no abrigo e estão lá por cinco se passa, demonstra atraso no desenvolvimento,
meses. As condições físicas das crianças quando faz rabiscos, não interage com os materiais lú-
abrigadas eram péssimas e somente agora estão dicos esperados para a idade e ao rabiscar não
se recuperando. Ficavam sozinhas durante dias consegue representar uma cena compreensível,
quando foram recolhidas no abrigo. ou seja, sua capacidade simbólica está prejudi-
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cada. Nem bem conseguiu elaborar a situação do CONSIDERAÇÕES FINAIS

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CENAS LÚDICAS E A ELABORAÇÃO AFETIVA INFANTIL NO CONTEXTO CLÍNICO
‘abrigamento’, já há a possibilidade de adoção,
ou seja, uma criança que mesmo diante de um Evidentemente, a hipótese de que a identi-
ambiente mais favorável não consegue entender ficação da representação de cenas através do
o que se passa, logo, a manifestação de compor- lúdico é um indicador da condição cognitiva de
tamentos negativos, tal como a agressividade, a elaboração afetiva merece maior investigação e
situação de desconforto e rejeição tendem a ser não podemos esquecer dos processos comple-
expressos, possivelmente, comprometendo tam- xos inconscientes que envolvem uma elaboração
bém a sua escolarização ou desenvolvimento afetiva, logo, uma contestação da necessidade de
cognitivo. Na escola pode estar reproduzindo esta maior investigação dos limites da presente pes-
manifestação ‘agressiva’ por não entender ou ela- quisa é esperada. No entanto, acreditamos que
borar a sua condição atual. ao menos do ponto de vista cognitivo podemos di-
A recomendação ao psicoterapeuta é apenas zer que há indicadores a serem considerados na
de acolhimento, sem objetivos interventivos, além análise do comportamento lúdico infantil: da ex-
de suas possibilidades cognitivas. O que fazer pressão do eu- não eu; na valorização estrutura-
diante de uma criança que expressa suas ações da e organizada do faz-de-conta de uma criança;
práticas de maneira desorganizada? Ajudá-la na na identificação da sua condição em conseguir
organização de suas ações práticas, tentando estabelecer ou compreender as relações entre os
montar cenas ou simplesmente deixá-la montar e fatos ou entre as suas vivências.
desmontar blocos. Aos poucos recomendamos ir Alguns podem objetar e dizer que essa análise
introduzindo personagens. As relações que tem contém um aspecto óbvio. É verdade, pois muitas
com pessoas não é positiva, além disso, ainda vezes, na clínica, diante do comportamento lúdico
não demonstra a possibilidade cognitiva de iden- de uma criança dizemos: Está confuso; apresenta
tificação com alguém, o seu eu-não eu, não está uma linguagem primitiva, enfim, analisamos como
estruturado, logo, personagens ainda estão dis- uma imaturidade lúdica pode ser expressa, mas
tantes de aparecer no seu jogo ou na sua repre- na presente pesquisa visamos detalhar e nomear
sentação. Há crianças sem as noções de espaço, esta imaturidade. Além disso, entendemos que a
tempo e causalidade em que no brincar aparecem não identificação de cenas, expressas na intera-
bichos ou personagens (como no sujeito A), mas ção lúdica com a criança, além de contribuir para
desconexos, sem estarem inseridos num contex- o diagnóstico e o encaminhamento interventivo, é
to ou cena. um sinalizador da falta de organização emocional
e/ou da imaturidade observada.
28 1
Temos constatado que essas crianças compro- Durante os primeiros meses de existência, a

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CENAS LÚDICAS E A ELABORAÇÃO AFETIVA INFANTIL NO CONTEXTO CLÍNICO
metidas nas noções de espaço tempo e causalida- criança não dissocia o mundo exterior da sua
atividade própria: os quadros perceptivos, ainda
de não conseguem elaborar sua experiência afeti-
não consolidados em objetos nem coordenados
va no plano das representações verbais ou práti- num espaço coerente, parecem-lhe ser coman-
cas, exigindo maior preocupação por parte do clíni- dados pelos seus desejos e esforços, sem que
co. A elaboração afetiva, portanto, se dá num outro estes, por outro lado, sejam atribuídos a um eu
patamar, ou seja, no plano do vivido ou de ações distinto desse universo. (PIAGET, 1973, p. 351).
práticas mais elaboradas e no nosso entender com
a representação de cenas. Se utilizarmos critérios REFERÊNCIAS
mais rigorosos, poderíamos dizer que num plano
prático, sem a expressão das noções de espaço, ABERASTURY, A. (1962) Teoria y técnica Del psico-
tempo e causalidade não há elaboração afetiva. analisis de niños. 6. ed. Buenos Aires: Paidós, 1978.
Como interagir com uma criança sem a noção de
AFFONSO, R.M.L. Da importância de se considerar,
tempo e referirmos sobre a sua história de vida?
no ludodiagnóstico, as representações da criança
Como estabelecer relações do que a criança faz
no que concerne a espaço, tempo e causalidade a
com os brinquedos e a sua problemática, uma vez
acepção de Jean Piaget. Tese (Doutorado). Instituto
diagnosticada com comprometimento na noção de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1994.
causal? “.....ver à distância o que se passa, e se
ver, teria a ver com a introjeção e formação de um ______. Alguns indicadores para o diagnóstico e
espaço mental capaz de conter experiências, de reabilitação psicossocial de crianças com proble-
observá-las e acolhê-las” HAUDENSCHILD (2015, mas na representação da construção do real. 2006.
Pós-Doutorado. Instituto de Psicologia da Universida-
p. 136) e não é o caso dessas crianças comprome-
de de São Paulo, São Paulo, 2006.
tidas nas noções de espaço, tempo e causalidade.
Aliás, verificamos que essas crianças comportam- ______. Políticas Avaliativas e as Teorias Psicogené-
-se como se o mundo não estivesse dissociado ticas: a avaliação das vivências do ser humano. In:
delas mesmas e não apresentam, portanto, per- MELO, M.M. (org), Avaliação na Educação, Pinhais:
manência no que se refere ao espaço objetivo, ao Ed. Melo, 2007, pág. 193-199.
tempo relacionando os objetos ou experiências en-
______. Ludodiagnóstico: Análise Cognitiva das Re-
tre si, ou à causalidade exterior às próprias ações,
presentações Infantis. São Paulo: Ed. Vetor, 2011.
principalmente, no plano das suas representações.
Lembram, o que diz PIAGET, ao referir-se aos pri- ______. Ludodiagnóstico: investigação clínica atra-
meiros meses de vida de um bebê: vés do brinquedo. Porto Alegre: ARTMED, 2012.
29 1
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31

INTRODUÇÃO

Ce qui définit le jeu, c’est à savoir quelque chose


à quoi l’on est tenu, non par l’obstacle, mais par
sa propre volonté. Qui joue a juré.

Alain

Inspirados por Alain (1978), nesta oportunidade


refletimos sobre a consciência de jogo sob o apor-
te teórico da Fenomenologia e apresentamos uma
proposta de mediação de jogo no contexto escolar
engranzada nos diferentes níveis da consciência
de jogo as quais serão apresentadas na primeira
parte do capítulo. Jean Vial (2015) relembra que
à exceção do jogo didático e de propostas educa-

CAPÍTULO 2
tivas “alternativas”, o jogo é interditado na escola.
Zaim-de-Melo, Santos Rodrigues e Grillo (2021)
corroboram ao alegar que o jogo ainda permaneça
denegado na escola institucionalmente, contudo,

CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA analisam que os jogos, brincadeiras, comporta-


mentos lúdicos etc., se manifestem no espaço-tem-
PARA O JOGO: BALDRAMES po escolar por meio das crianças e suas culturas
lúdicas. O elo entre as crianças ou estudantes (su-
PARA UMA FORMAÇÃO jeito e objeto do ensino e aprendizagem) e o jogo

DOCENTE é o professor ou educador1. Em outros termos, a


conexão entre o conhecimento institucionalizado
Gilson Santos Rodrigues (escolar) e os saberes das experiências discentes,
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida é o professor (mediador pedagógico) que, mobi-
Rogério de Melo Grillo lizado por uma certa concepção de realidade, de

1 Ver: Ruben Alves (1980).


32 2
humanidade (gnosiologia), de conhecimento (epis- indicados por Michelet (1985), entre outas coisas,

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
temologia) e de ensino- aprendizagem (didática), faz referência a uma pedagogia do jogo que co-
torna-se o mediador do conhecimento escolariza- meça, passe e termine no próprio jogo. Não é o
do (pedagogia). caso aqui de demonizar as pedagogias do jogo
De forma bem genérica, pode-se afirmar que a para o esporte, lutas, teatro, xadrez etc., ao in-
mediação se refere a um elemento intermediário vés, intentamos evidenciar a necessidade de uma
entre dois elementos, conectando-os numa rela- pedagogia do jogo pelo/para o jogo, como apon-
ção triádica e, entrementes, inibindo uma relação ta Grillo (2012; 2018). Ademais, Michelet (1985)
direta entre eles (DOMINGUES, 2010). De acordo sugere que para a necessária pedagogia do jogo
com Pino (1991; 2003; 2005) e Oliveira (1993), é fundamental uma formação docente condizente
a epistemologia (possibilidade do conhecimento) com a complexidade do tema. Diante disso, para
se dá por dois tipos de mediadores: instrumentos uma efetiva mediação do jogo é preciso estudar
e os signos. No âmbito educacional (socialização as teorias de jogo e lúdico, as funções, implica-
do conhecimento), além da mediação instrumen- ções, derivações e os papel do jogo na educação.
tal (trabalho) e por signos (semiótica), há a me- O objetivo do presente capítulo é avultar o de-
diação pedagógica onde professor se torna o elo bate sobre as competências para uma formação
entre o conhecimento escolarizado (selecionado, docente condizente com uma pedagogia do jogo
organizado, problematizado e avaliado) e os sa- pelo e para o jogo. De maneira mais específica
beres das experiências dos estudantes. Segun- discutimos a noção de consciência de jogo a par-
do Grillo (2012; 2018), um dos conhecimentos tir do aporte teórico da fenomenologia e as bases
pertinentes à educação escolarizada é o jogo e de uma didática de jogo pelo e para o jogo, avul-
o lúdico, entrementes, esse conhecimento ainda tando, desse modo, as competências necessárias
não é “levado a sério” na escola, incidindo, deste para lidar didaticamente com a noção de consci-
modo, na formação de professores atinente à pe- ência e pedagogia do jogo.
dagogia, didática e mediação de jogo (GRILLO;
NAVARRO; SANTOS RODRIGUES, 2020). O conceito de consciência na tradição fe-
Na visão de André Michelet (1985, p. 123): “Si nomenológica
se quiere introducir el juego en la escuela, hay que
proceder necesariamente a la reestructuración de O jogo só pode ser realmente compreendido e
una pedagogía que se nutra de esos aportes e vivenciado na sua totalidade por quem se deixa
interrogantes, lo que exige una nueva formación tomar por ele.
del personal docente.” Os aportes e interrogações François Euvé
33 2
A fenomenologia remete à Antiguidade grega, tanto, da confluência entre o sujeito que percebe

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
foi um termo citado por pensadores da enverga- e o objeto da percepção, logo, um encontro que
dura de Kant e Hegel, mas é com o matemáti- se materializa numa vivência. Destarte, é a partir
co e filósofo Edmund Husserl (1859-1938) que da intencionalidade imbricada na perspectiva da
logra um lugar de especial destaque na história vivência (experiência viva) que emerge o conceito
do pensamento filosófico ocidental (DARTIGUES, de consciência como um modo de ser-no-mundo
1973). Resumidamente, pode-se dizer que o pro- propriamente humano.
jeto husserliano foi a proposição de uma filosofia Para Silva (2009), a consciência husserliana é
com rigor de ciência (MERLEAU-PONTY, 2006) entendida como: i) “entrelaçamento das vivências
que, ademais, impactou o pensamento de auto- psíquicas empiricamente verificáveis numa uni-
res como Heidegger e Fink, na Alemanha; Sartre dade de fluxo de vivência”; ii) “percepção interna
e Merleau-Ponty, na França; Buytendijk e outros, dessas próprias vivências”, e; iii) “designação de
na Holanda (SANTOS RODRIGUES; NAVARRO; todas as vivências intencionais”. Essas definições
GRILLO, 2021). Um dos conceitos basilares da estão entrelaçadas e, deste modo, podemos en-
fenomenologia husserliana é o de intencionalida- tender a consciência como o processo intencional
de que, por sua vez, está concatenado ao concei- de estar direcionado ao mundo, às coisas e aos
to de consciência. outros, constituindo a vivência. Coelho Jr. (2002)
alega que Merleau-Ponty (1908-1961), filósofo
O princípio da intencionalidade é que a consci-
ência é sempre “consciência de alguma coisa”, francês de meados do século XX, é quem apro-
que ela só é consciência estando dirigida-para fundará no estudo da consciência, sem deixar de
um objeto (sentido de intentio). Por sua vez, o incorporar alguns “recuos críticos”, como denomi-
objeto só pode ser definido em sua relação com na Depaz (2011).
a consciência, ele é sempre objeto-para-um-su-
Segundo Coelho Jr. (2002), Merleau-Ponty assi-
jeito (DARTIGUES, 1973, p. 24, grifos do autor).
nala que a consciência intencional de Husserl em-
Nesse sentido, a consciência não é um estado bora evidencie a interdependência do sujeito com
ou condição que o sujeito adquire, é, por outro o mundo e vice-versa – dado em que a consciência
lado, a própria condição ontológica humana em é sempre consciência de (alguma coisa, em rela-
relação ao mundo e às coisas. Para Santos Ro- ção ao mundo) –, ele ainda flerta com o Idealismo.
drigues (2014) a intencionalidade refere-se a um Dito em outros termos: “[u]ma consciência como a
vetor na direção daquilo que é percebido ao mes- proposta por Husserl ainda correria o risco de ‘fu-
mo tempo em que o objeto percebido se doa à gir’ do mundo e assim transformar o mundo em um
percepção daquele que a percebe, trata-se, por- simples correlato do pensamento, das representa-
34 2
ções, retornando assim, a uma filosofia idealista” podem contribuir com a Educação Física. Seguin-

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
(COELHO JR., 2002, p. 99). O Idealismo foi uma do o exemplo exposto, a noção de consciência
perspectiva já superada, entre outros, pelo mate- no viés da Fenomenologia pode contribuir com a
rialismo histórico-dialético de Marx. mediação pedagógica de jogo e, de igual modo,
De modo a evitar a perspectiva idealista, Merle- com a formação de competências docentes para
au-Ponty (2006) avança em direção à consciência mediar o jogo.
perceptiva, pois, para o autor francês a percep-
ção mantém a consciência no plano corpóreo, por Consciência de jogo, sobre o jogo, sobre o
consequência, o corpo a mantém inteiramente em jogar e para além do jogo/jogar
diálogo com e no mundo. Assim, Merleau-Ponty
(2006) afirma que a consciência é percepção e It’s unbelievable how much you don’t know
a percepção é consciência. Diante disso, pode- about the game you’ve been playing all your life.
mos afirmar que a consciência se dá nos diversos - Mickey Mantle.
atos da percepção. Aparentemente, o educador Moneyball
brasileiro a Paulo Freire (1979) também notou a
riqueza teórica dessa noção o que lhe fez apontar Nos estudos de jogo e lúdico, o debate a res-
para os diferentes graus de consciência humana peito do jogo ou comportamento lúdico como algo
derivado dos diversos modos de perceber e se que transcende a condição humana e se encon-
perceber no mundo. tra, também, no mundo animal é algo que mobi-
Essa concepção de consciência como atos lizou estudiosos diversos. Sem adentrar nos por-
de percepção pode ser um aporte teórico impor- menores desse debate que têm a participação de
tante para os estudos no âmbito da educação, autores célebres como, por exemplo, Karl Groos
como sugerem Betti et al (2007), ao tratar das (1898), Buytendijk (1935), Huizinga (2012), entre
implicações da Fenomenologia merleaupontyana tantos outros, nos baseamos na Antropologia de
na Educação Física. O citado texto de Betti et al jogo de Buytendijk (1977) que marca a distinção
(2007) aborda, em linhas gerais, como as noções entre o jogo humano e dos animais. Em poucas
de intencionalidade temática e intencionalidade palavras, o autor holandês assinala que aquilo
operante depreendidas como reflexão sobre a que marca a distinção do jogo humano do com-
experiência já vivida (saber do objeto e saber so- portamento lúdico animal é a consciência do jo-
bre o saber) e a visada em ato, “em exercício” e gador em relação ao jogo, embora, ele, o jogador,
anterior à reflexão (“pré-reflexiva”), um amálgama não saiba que o ser do jogo é o próprio jogo, como
espaço-temporal, respectivamente; e como elas argumentam Buytendijk (1977) e, posteriormente,
35 2
Gadamer (1997) como a ideia de “assenhoramen- Essa capacidade humana de distinguir a fan-

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
to do jogador”. tasia, ilusão ou aparência da realidade cotidiana,
Conforme Santos Rodrigues, Navarro e Grillo racional e objetiva, noutros termos, a capacidade
(2021), Buytendijk (1977) marca o princípio da humana para distinguir o que é a intencionalidade
consciência de jogo como noção basilar para a de jogo em contraste à intencionalidade cotidiana
concepção do jogo humano. Para apreender a é uma construção social. Na esteira de pensa-
argumentação do autor holandês, é preciso en- mento de Buytendijk (1935; 1977), tal capacida-
tender que a epistemologia na vertente fenome- de depende de fatores biopsicológicos e sociais
nológica difere de outras concepções, pois ela e emerge na criança por volta dos quatro anos de
se baseia na premissa de múltiplas realidades na idade, embora, autores na linha de pensamento
qual o cotidiano é, tão-somente, a realidade mais de L. S. Vigotski afirme que a capacidade sim-
evidente ou aquela que “bate mais forte” (está aí, bólica depende de fatores atrelados à filogênese
à disposição) na nossa percepção, por isso que (história da espécie), ontogênese (história do in-
ela é denominada de “realidade” (BERGER; LU- divíduo), sociogênese (história dos processos de
CKMANN, 1985). Nesse sentido, o jogo está numa produção ou trabalho do grupo social) e microgê-
realidade distinta do cotidiano, ele se encontra no nese (história pessoal do processos psicológicos
entremeio entre a fantasia e o real do cotidiano. e das experiências vividas de cada indivíduo) dos
O “ingresso” para o jogo (espaço transicional en- sujeitos (OLIVEIRA, 1993). Em síntese, a cons-
tre fantasia e realidade) é o movimento lúdico ou ciência do jogo que o reconhece como fantasia
vaivém lúdico que para Buytendijk (1977, p. 67) (aparência) e o distingue da realidade (essência),
consiste em “[...] um movimento pendular contí- também é uma construção social, logo, permeada
nuo entre o jogo e a vivência da realidade”. Diante pelo ensino-aprendizagem.
disso, Santos Rodrigues, Navarro e Grillo (2021, Outro ato da percepção sobre o jogo, distinto
p. 28) destacam: da consciência de que o jogo como espaço tran-
sicional entre a fantasia e a realidade, trata-se da
[...] o jogo é um intermediário entre a fantasia e a
realidade da vida cotidiana. Em contraste, o esta- consciência de uma estrutura de jogo. Embasa-
do lúdico consiste na alternância (movimento) da do em autores como Benveniste (1947), Parlebas
aparência à realidade. À vista disso, depreende- (2008), Grillo (2021) e outros, pode-se indicar que
mos que o vaivém lúdico dos animais só permite a estrutura dos jogos diz respeito à ordem condi-
a entrada num “impulso lúdico”, isto é, na ação
cionada pelo objetivo e pelas regras que, comen-
vital do movimento físico. Somente no humano
há uma alternância ou dialética entre a aparência ta Duflo (1997), diz muito mais sobre o que não
e a realidade (princípio da consciência de jogo). se deve fazer do que sobre o que se pode fazer.
36 2
Numa concepção estruturalista dos jogos, Parle- DO, 2006; GRILLO, 2012; 2018), dado que eles

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
bas (2008) apresenta o conceito de lógica interna implicam em atos de consciências distintos que,
referente ao sistema de relações estruturadas e porventura, podem ser concatenados.
estruturantes das condutas dos jogadores. Esse A noção de lógica interna de jogo, embasada
sistema é definido pelas regras e objetivos que em Parlebas (2008), dá azo para se pensar nas
constituem os jogos, embora as condutas dos jo- lógicas externas ao jogo e as implicações da pri-
gadores (lógica de ação) não sejam aprioristica- meira na segunda e, também, da segunda na pri-
mente estruturadas pela lógica interna. meira. Como destaca Freire (2005, p. 99):
O ato de percepção ou consciência de jogo
nesse contexto está atrelado àquilo que é estru- Nada garante que o jogador habilidoso transfira
da situação de jogo para outras situações a inte-
tural no jogo específico que é ou está sendo joga-
ligência que pratica tão bem no campo. [...] Falta
do pelo jogador ou jogadores. Ou seja, nesse ato algo, falta consciência da própria ação, que é
de percepção o centro da questão é saber como por onde devem passar as ações, os conheci-
se joga, sob quais regras e visando qual objetivo, mentos, para serem generalizáveis a campos
embora nem sempre seja possível definir com a não muito vizinhos da ação prática original.
clareza necessária o objetivo ou a lógica interna
Para haver esse princípio de transferência de
do jogo. Isto implica dizer que é possível jogar um
aprendizagem parece ser necessário a intencio-
jogo, ser ou estar consciente de que se trata de
nalidade direcionada àquilo que é suscitado no
um jogo (uma realidade distinta do real do coti-
jogo e mobilizando a memória do jogador (expe-
diano) e, ainda assim, não conhecer com clareza
riência e aprendizagem) que possa transpor, por
a lógica interna desse jogo, portanto, assumindo
uma posição alheia àquilo que é o imperativo das exemplo, para o real da vida cotidiana. É nesse
regras e do objetivo da atividade. princípio da “transferência de aprendizagem”, em-
A situação exemplifica anteriormente permite bora ela não seja direta, que se baseia a perspec-
aventar outro ato da percepção que se distingue tiva do jogo educativo mencionado, entre outros,
pela intencionalidade. Pode-se dizer que a cons- por Freire (2005) e Grillo (2021). Assim, aventa-
ciência da lógica interna de um jogo representa a mos a consciência das implicações do jogo/jogar
consciência direcionada ao “saber sobre o jogo” para além do próprio jogo, isto é, para outras ativi-
(intencionalidade temática) enquanto a consciên- dades que podem ser outros jogos (por exemplo,
cia dirigida ao “saber jogar” implica numa inten- a transferência do arremesso do jogo de “quei-
cionalidade operante, em ato, no jogo. Neste sen- mada” para o jogo de handebol) ou mesmo para
tido, há que se distinguir um ato de “saber jogar outras atividades fora da realidade fantasiosa dos
bem” em contraste ao “saber jogar certo” (MACE- jogos, como a realidade.
37 2
Depreendemos que a falta de clareza sobre ou seja, embora haja menções e alguns indica-

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
esses diferentes modos de consciência pode le- tivos, não há indícios de um reconhecimento do
var professores e educadores a equívocos em jogo como um conhecimento pertinente à escola.
suas ações pedagógicas (mediação), como, por Grillo (2018), destaca que os documentos curricu-
exemplo, não diferenciar uma situação lúdica de lares em relação ao jogo, o concebe tão somente
uma situação de violência e vice-versa, a perda como uma “prática pela prática” (jogo pelo jogo ou
do estado lúdico durante o jogo, a criação de jo- jogo livre) e/ou como “prática utilitária” (jogo dire-
gos e situações lúdicas dentro dos “jogos educa- cionado para o aprendizado de outro conteúdo).
tivos” (jogos dentro do jogo e subversão do ob- Ademais, explanam que tais documentos sugere
jetivo pedagógico), o jogar fora da lógica interna uma natureza educativa imbrincada no próprio
(“café-com-leite”) etc. Portanto, faz-se necessário jogo, secundarizando a mediação e a intencio-
indicar o estudo e compreensão dessa noção de nalidade pedagógica. Não obstante, Grillo (2018,
consciência de jogo pode ajudar professores no p.81) propõe outra perspectiva:
seu processo de mediação de jogo para tanto
Defendemos que é fulcral analisar que o jogo
o professor ou educador possa potencializar as precisa ser intencionalmente planejado e orga-
suas intervenções pedagógicas quanto oferecer nizado para ser utilizado em um contexto educa-
recursos para que seus estudantes possam me- tivo. Com isso, a exploração das possibilidades
lhor se apropriar desse conhecimento histórico- e potencialidades pedagógicas dos jogos está
nas ações intencionais do professor (interven-
-cultural que é o jogo e o lúdico.
ções, variações de jogo e problematizações) e
não nas próprias situações de jogo (isso, por
Uma proposta didático-pedagógica pelo e exemplo, justificaria uma “prática pela prática”
para o jogo na Educação Física escolar com o Jogo).

Atentos a isso, alguns autores realizaram algu-


Le jeu forme autour du joueur un cercle envoû- mas propostas didático-pedagógicas com o jogo
tant: il faut être dedans pour jouer.
na escola. Grillo, Navarro e Santos Rodrigues
Jacques Henriot (2021) analisaram as propostas pedagógicas de
oito autores da década de 1990 à de 2010 e no-
Numa análise de oito propostas curriculares
taram avanços em relação aos documentos curri-
brasileiras após a Lei de Diretrizes e Bases da
culares, porém ainda as propostas para o jogo na
Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996), Grillo,
educação carecem de fundamentos mais claros
Navarro e Santos Rodrigues (2020) destacar que
para uma efetiva pedagogia e didática do jogo.
o jogo não é “levado a sério” nessas propostas,
Comentam os autores:
38 2
[...] as pesquisas analisadas deixam várias lacu- Jogo livre: Em linhas gerais, trata-se de uma

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
nas para se pesquisarem essas possibilidades proposta em que os estudantes escolhem “livre-
didático-metodológicas para o referido tema, tais
mente” os jogos para serem jogados sem a in-
como o papel do professor na organização da
situação social de ensino (ambiente de aprendi- tervenção do professor ou educador (análogo à
zagem), as formas de mediação semiótica que “aula livre”). Os objetivos da proposição deste
emergem do jogo/brincadeira, quais objetivos, processo podem ser: observação das relações
conteúdos e conhecimentos de que trata o jogo/ sociais dos estudantes, análise dos elementos da
brincadeira na Educação Física escolar. As for-
cultura lúdica do grupo escolar, mapeamento dos
mas de avaliação e valorização da cultura lúdica
das crianças e jovens-estudantes, bem como,
jogos, brincadeiras e comportamentos lúdicos do
de seu contexto histórico-cultural (GRILLO; NA- grupo etc. Deste modo, é vital ressaltar que em-
VARRO; SANTOS RODRIGUES, 2021, p. 410) bora seja uma proposta sem intervenção docente,
ela não é ausente de intencionalidade pedagógi-
Diante da lacuna supramencionada, algumas
ca no sentido de uma consciência dos objetivos a
questões precisariam ser aventadas para con-
serem logrados com esse momento de aula. É im-
cretizar uma proposta de pedagogia e didática
portante não confundir o “jogo livre” com a prática
do jogo pelo/para o jogo que possa ajudar a con-
nomeada como “rola bola” ou “desinvestimento
catenar tanto as diferentes consciências de jogo
pedagógico”. De resto, vale apontar que a “livre
na formação docente. Grillo (2018) aponta como
escolha” dos estudantes também depende de al-
pontos de atenção: o tempo de aprendizagem,
gumas circunstâncias que condicionam a escolha
o estudo e organização didático-pedagógico do
dos jogos tais como a disponibilidade material, a
jogo, a definição de objetivos e recursos didáti-
cultura lúdica na qual os estudantes estão anco-
cos, procedimentos metodológicos (momentos,
rados, os valores escolares que imitem práticas
intervenções, variações etc.), meios e métodos
que possam ocasionar prejuízos à integridade fí-
de avaliação, estratégias didáticas e a mobili-
sica e moral dos estudantes.
zação afetiva para o jogo (aprender a gostar de
No momento do jogo pelo jogo a proposta é
jogo/jogar).
que o professor ou educador engendre as condi-
Em face do que foi exposto, Grillo (2018; 2021)
ções para a vivência de jogos com intervenções
descreve uma proposta para jogo visando sanar
mínimas do professor, apenas para garantir a
as lacunas apresentadas. Para tanto, o autor or-
possibilidade de vivência. O docente, portanto,
ganiza a proposta em cinco movimentos: i) jogo
é o proponente do jogo, mas não tem por intuito
livre; ii) jogo pelo jogo; iii) jogo problematizado; iv)
problematizar o jogo junto às crianças. A inten-
jogo construído; e, jogar com competência.
cionalidade refere-se à vivência, familiarização,
39 2
compreensão da lógica interna (regras e objeti- O movimento denominado de jogo constru-

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
vos) e das possibilidades de ação no jogo (lógica ído, diz respeito ao processo de recriação do
de ação). Isto é, a consciência de jogo está volta- jogo vivenciado no contexto escolar. Em poucas
da para um jogo em específico, sua lógica interna, palavras, trata-se de devolver às crianças a pos-
seu funcionamento etc. sibilidade de criar, recriar e inventar seus jogos e
Na proposta do jogo problematizado o papel ampliar os elementos da sua cultura lúdica. Como
da mediação de jogo é ainda maior, pois o profes- afirma Grillo (2018, p. 86) “[o] ‘Jogo Construído’
sor ou educador pode intervir na proposição dos trata-se de um momento, o qual as crianças se
jogos, mas, sobretudo, nos momentos de reflexão envolvem em situações de construção de jogos,
e problematização das situações de jogo. As pro- a partir dos jogos vivenciados.” Depreendemos
blematizações de jogo podem ser de duas natu- que para alcançar esse processo é preciso uma
rezas: direta ou indireta. As problematizações di- consciência compartilhada de jogo como espaço
retas são dirigidas aos estudantes e podem ser: transicional em que jogo não se confunde com a
questionamento sobre o entendimento de regras, realidade mundana ou mesmo outras manifesta-
a criação de estratégias, problematização de ções lúdicas que não são jogos e/ou brincadeiras
conceitos e valores, documentação de planos ou pertinentes ao contexto escolar.
estratégias de ação, socialização de ideias etc. O movimento de jogar com competência, em
Quanto às problematizações indiretas são inter- síntese, corresponde ao retorno ao jogo. Quer di-
venções orientadas ao jogo, como alteração de zer, é um movimento em que as crianças retornam
regras, variações de jogo, alteração de elementos às situações de jogo vivenciadas anteriormente,
da lógica interna (por exemplo, reduzir o campo sem qualquer tipo de mediação ou intervenção
de ação, o tempo de jogo, as metas etc.). É funda- pedagógica do professor (ou com a mediação
mental nesse processo diferenciar a consciência minimizada). O escopo é analisar quais conhe-
de jogo dos jogadores e a consciência de jogo do cimentos as crianças produziram, após terem vi-
professor/educador, pois é essa distinção que po- venciado o jogo de xadrez de variadas maneiras.
derá constituir o jogo como educativo (aprender
mais do que o próprio jogo). Também se faz ne- ALGUMAS REFLEXÕES
cessário indicar a articulação do jogo problemati-
zado com o “jogo pelo jogo” visando proporcionar O jogo é, talvez, a melhor maneira de preservar
a oportunidade de os estudantes incorporar as a expressividade humana na escola.
problematizações à vivência dos jogos, possibili-
Jean Vial
tando, assim, sua ressignificação.
40 2
Considerando tudo o que foi debatido no pre- pedagógicas do jogo está nas ações intencionais

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
sente texto, iteramos que a nossa proposta pe- do professor (intervenções, variações de jogo e
dagógica indica uma organização didático-peda- problematizações) e não nas próprias situações
gógica para o jogo, de tal modo que transponha de jogo (isso, por exemplo, justificaria uma “prá-
a simples “prática pela prática” com o jogo (jogo tica pela prática” com o jogo). Sob essa perspec-
pelo jogo ou do jogo passatempo) ou a “prática tiva, propugnamos que um dos grandes proble-
utilitária” com o jogo (jogo voltado para outros mas, no que se compete ao jogo no âmbito es-
conteúdos). Nesse entendimento, ainda que haja colar, trata-se dos discursos e práticas que não
alguns estudos e projetos que possuam algumas observam a qualidade do papel do professor em
contribuições, por outro lado, não sistematizam sala de aula.
metodologias de ensino e métodos de avaliação De acordo com Grillo (2018), para se concre-
que fundamentem a prática do professor com o tizar uma proposta didático-pedagógico com o
jogo no contexto da Educação Física escola, ob- jogo, no âmbito da Educação Física escolar, faz-
jetivando à mediação semiótica, às problemati- -se peremptório analisar:
zações e variações de jogo, ao processo de pla-
nejamento, à estruturação das aulas, objetivos, • Tempo pedagogicamente necessário para
recursos didáticos e procedimentos de avaliação. o processo de apropriação e construção do
Ademais, muitos estudos e documentos curri- conhecimento pelos alunos (crianças e jo-
culares não compreendem ou explicitam o jogo vens-estudantes).
não é educativo por si só, dado que para se ter • Estudo e organização dos conteúdos de
esta conotação é basilar que se tenha uma “in- ensino quanto ao jogo.
tencionalidade pedagógica”. Essa intencionali- • Objetivos que se quer atingir.
dade parte da relação didática entre o professor • Recursos didáticos a serem utilizados nas
e o jogo, pelo fato de o professor ser o sujeito aulas.
responsável por organizar as ações pedagógi- • Procedimentos metodológicos (momentos
cas com o jogo. de jogo, intervenções pedagógicas, varia-
Em vista disso, defendemos que é essencial ções de jogo).
analisar que o jogo, na Educação Física escolar, • Formas de avaliação.
na condição de unidade temática, precisa ser in- • Uso de estratégias intentando motivar/mo-
tencionalmente planejado e organizado para ser bilizar os alunos durante as aulas.
utilizado em um contexto educativo. Com isso, a • Valorização e exploração de formas diver-
exploração das possibilidades e potencialidades sificadas de mediação semiótica (conver-
41 2
sação, explicação, problematização, expo- (unidade intelectual-afetiva); à produção de co-

Gilson Santos Rodrigues - rcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Rogério de Melo Grillo
CONSCIÊNCIA E PEDAGOGIA PARA O JOGO: BALDRAMES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE
sição de problemas, questionamento por nhecimentos e possibilidades de emancipação.
intermédio da fala, demonstração, mode-
los, esquemas teóricos, gestos coaduna- REFERÊNCIAS
dos com a fala, criação de situações-pro-
blema etc.). ALAIN. Reflexões sobre a educação (por) Émile
Chartier. Tradução de Maria Elisa Mascarenhas. São
• Construção de Ambiente de Jogo e Am-
Paulo: Saraiva, 1978.
biente de Aprendizagem. Em outras pa-
lavras, é viabilizar situações que promo- ALVES, R. Conversas com quem gosta de ensinar.
vam um ambiente de jogo que valorize o São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1980.
lúdico, ou seja, aulas no contexto do jogo
e do lúdico. Pari passu, promover um am- BENVENISTE, É. Le Jeu comme structure. Deuca-
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biente de aprendizagem que intencione à
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BETTI, M.; KUNZ, E.; ARAÚJO, L.C.G.; GOMES-DA-
• Relação professor-alunos e alunos-alunos
-SILVA, E. Por uma didática da possibilidade: impli-
(afetividade e relação com o saber).
cações da fenomenologia de Merleau-Ponty para a
educação física. Revista Brasileira de Ciências do
À vista disso, findamos o presente texto, defen- Esporte, v.28, n.2, p.39-53, 2007.
dendo que é precípuo idear o jogo na Educação
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42 2
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44

INTRODUÇÃO

Um dos grandes desafios da atualidade, para


muitos docentes, que já estão a algum tempo
afastado de suas graduações, é RESSIGINIFI-
CAR suas práticas educacionais diante das mu-
danças ocorridas em tal cenário. Quebrar para-
digmas e inovar num contexto tão inusitado que
encontramos devido as imposições decorrentes
da enfermidade epidêmica, denominada de Co-
ronavírus ou COVID-19, passou a ser o principal
objetivo do presente estudo.
Tais mudanças, fundamentam-se nas norma-
tivas apresentadas na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), no ano de 2018, que ressal-
ta que as decisões pedagógicas devem focar no
desenvolvimento de dez competências gerais
CAPÍTULO 3 para educação básica brasileira, visando à for-
mação humana integral. Para esta investigação
tomamos como base a competência 2: “Exercitar
EDUCAÇÃO FÍSICA ATRAVÉS a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem
própria das ciências, incluindo a investigação, a
DO RPG: PROMOVENDO A reflexão a análise crítica, a imaginação e a criati-

INTERDISCIPLINARIDADE vidade, para investigar causas, elaborar e testar


hipóteses, formular e resolver problemas e criar
EM LINGUAGENS E SUAS soluções (inclusive tecnológicas) com base no co-
nhecimento nas diferentes áreas” (BNCC, p.09).
TECNOLOGIAS A BNCC, do Ensino Médio, está organizada
em áreas do conhecimento, são elas: Linguagens
Luana Caetano de Medeiros Lima e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnolo-
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida gias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias,
Dmitri Antoniewsky Silva Gadelha
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Centra-
Jeferson Antunes
45 3
remos nossos olhares para área de Linguagens e consciência socioambiental e o consumo respon-

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EDUCAÇÃO FÍSICA ATRAVÉS DO RPG: PROMOVENDO A INTERDISCIPLINARIDADE EM LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS
suas tecnologias, representada pelas disciplinas sável em âmbito local, regional e global; (EM13L-
de Educação Física, Língua Portuguesa, Artes e GG305) Mapear e criar, por meio de práticas de
Língua Estrangeira. linguagem, possibilidades de atuação social, po-
A competência específica de linguagens e lítica, artística e cultural para enfrentar desafios
suas tecnologias para o ensino médio utilizada contemporâneos, discutindo princípios e objetivos
para o estudo foi: “Utilizar diferentes linguagens dessa atuação de maneira crítica, criativa, solidá-
(artísticas, corporais e verbais) para exercer, com ria e ética (BNCC, p. 493).
autonomia e colaboração, protagonismo e auto- A aplicabilidade do estudo desenvolveu-se na
ria na vida pessoal e coletiva, de forma crítica, disciplina de Educação Física e baseou-se na
criativa, ética e solidária, defendendo pontos de competência específica para o ensino fundamen-
tal: Planejar e empregar estratégias para resolver
vista que respeitem o outro e promovam os Di-
desafios e aumentar as possibilidades de apren-
reitos Humanos, a consciência socioambiental e
dizagem das práticas corporais, além de se envol-
o consumo responsável, em âmbito local, regio-
ver no processo de ampliação do acervo cultural
nal e global” (BNCC, p. 490). Essa competência
nesse campo (BNCC, p. 223).
apresenta-se fundamentada nas seguintes habi-
Com isso, chegamos nas unidades temáti-
lidades: (EM13LGG301) Participar de processos
cas da Educação Física, segundo a BNCC, são
de produção individual e colaborativa em diferen-
elas: Brincadeiras e Jogos; Esportes; Ginásticas;
tes linguagens (artísticas, corporais e verbais),
Danças; Lutas; e Práticas Corporais de Aventura.
levando em conta suas formas e seus funcio- Centralizamos nossa pesquisa na utilização dos
namentos, para produzir sentidos em diferentes jogos no processo educacional, que assume o
contextos; (EM13LGG302) Posicionar-se critica- papel de elo entre as disciplinas da área de Lin-
mente diante de diversas visões de mundo pre- guagens e suas tecnologias. Assim, objetivamos
sentes nos discursos em diferentes linguagens, com a investigação criar e validar um jogo de Ro-
levando em conta seus contextos de produção leplaying Game (RPG), que promova: a Interdisci-
e de circulação; (EM13LGG303) Debater ques- plinaridade, a contextualização das competências
tões polêmicas de relevância social, analisando socioemocionais; e avaliação da aprendizagem
diferentes argumentos e opiniões, para formular, sobre a unidade temática: brincadeiras e jogos.
negociar e sustentar posições, frente à análise de O jogo Role-playing game, também conhe-
perspectivas distintas; (EM13LGG304) Formular cido como RPG (em português: “jogo narrativo”,
propostas, intervir e tomar decisões que levem “jogo de interpretação de papéis” ou “jogo de re-
em conta o bem comum e os Direitos Humanos, a presentação”), é um tipo de jogo em que os joga-
46 3
dores assumem papéis de personagens e criam LULA), do Instituto de Educação Física e Espor-

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EDUCAÇÃO FÍSICA ATRAVÉS DO RPG: PROMOVENDO A INTERDISCIPLINARIDADE EM LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS
narrativas colaborativamente. O progresso de um tes (IEFES), da Universidade Federal do Ceará
jogo se dá de acordo com um sistema de regras (UFC), na pessoa do professor Doutor Marcos
predeterminado, dentro das quais os jogado- Teodorico Pinheiro de Almeida, para obtermos
res podem improvisar livremente. um parecer sobre as três fases essenciais para
As escolhas dos jogadores determinam a dire- validação do jogo criado pela professora de Edu-
ção que o jogo irá tomar. Os RPGs são tipicamen- cação Física e alunos de uma escola pública da
te mais colaborativos e sociais do que competi- rede Estadual de ensino do Ceará.
tivos, embora muitos deles sejam competitivos.
Um jogo típico une os seus participantes em um INTERDISCIPLINARIDADE E A BASE NA-
único time que se aventura como um grupo. Um CIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC):
RPG ocasionalmente tem ganhadores ou perde- TECENDO ELOS ENTRE AS DISCIPLINAS
dores. Isso o torna fundamentalmente diferente DE LINGUAGENS E OS TEMAS TRANS-
de outros jogos de tabuleiro, jogos de cartas co- VERSAIS
lecionáveis,  esportes, ou qualquer outro tipo de
jogo. Como romances ou filmes, RPGs agradam A Interdisciplinaridade é um assunto bem dis-
porque eles alimentam a imaginação, sem, no en- cutido atualmente por estudiosos, assim defende-
tanto, limitar o comportamento do jogador a um mos conexões entre as disciplinas e não a hie-
enredo específico. rarquização das mesmas, no ambiente formal de
Existem várias formas de RPG. A forma ori- educação, a escola. A ideia da fragmentação do
ginal, às vezes chamada de RPG de mesa (ta- conhecimento deve ser superada o mais breve
bletop RPG em inglês), é conduzida através de possível para conseguirmos alcançar os verda-
discussão, enquanto que live-action RPG (LARP) deiros anseios e necessidades do nosso público
os jogadores executam fisicamente suas ações alvo, os alunos. Compreendemos também, que o
de personagens. Em ambas as formas, um arran- conhecimento não pode ser algo fragmentado e
jador chamado mestre de jogo geralmente decide nem isolado no processo educacional.
as regras e configurações a serem usadas, atu- A necessidade de contextualizarmos e unir-
ando como árbitro, enquanto cada um dos outros mos os elementos essenciais para compreender-
jogadores desempenha o papel de um único per- mos fenômenos isolados, passa a ser o foco em
sonagem.  questão. As partes precisam se unir para formar
Contudo, buscamos a parceria do programa o TODO, o que possibilita novos conceitos sobre
Centro de Estudos sobre Ludicidade e Lazer (CE- a realidade. Segundo Darido (2005, p.81), as or-
47 3
ganizações dos conteúdos escolares podem ser údos relevantes de cada disciplina, independen-

Luana Caetano de Medeiros Lima - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Dmitri Antoniewsky Silva Gadelha - Jeferson Antunes
EDUCAÇÃO FÍSICA ATRAVÉS DO RPG: PROMOVENDO A INTERDISCIPLINARIDADE EM LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS
baseadas a partir das disciplinas e classificados temente de sua área de atuação. Por isso, con-
como: multidisciplinar, interdisciplinar, transdisci- cordamos que a fragmentação do conhecimento,
plinar, pluridisciplinar, etc. Zabala (2002), confor- por ações isoladas, enfraquece a articulação en-
me citado por Darido (2005, p. 81), conceitua as tre as disciplinas e prejudica uma aprendizagem
organizações em: significativa. A fragmentação do conhecimento,
até então tida como verdade absoluta, cede lugar
Multidisciplinar (como organização somativa
dos conteúdos escolares, que são apresentados às práticas inovadoras que promove o reconheci-
por matérias independentes umas das outras); mento e o desejo de unificar os saberes na forma-
interdisciplinares (como a interação entre duas ção plena do processo de ensino e aprendizagem
ou mais disciplinas, que podem ir desde a sim- que permeiam o âmbito educacional. Isso ocorre
ples comunicação de ideias até a integração re-
porque muitos professores acreditam que quanto
cíproca dos conceitos fundamentais e da teoria
do conhecimento, da metodologia e dos dados mais especialistas forem em sua área de atuação
da pesquisa); transdisciplinar (que é o grau má- melhor será o desenvolvimento individual de suas
ximo de relações entre as disciplinas). (ZABALA atribuições educativas.
2002, apud DARIDO, 2005, p. 81). A escola, nos dias atuais, precisa de uma vez
Neste contexto o professor deve assumir por todas buscar compreender os interesses dos
uma postura de mediador do processo de ensi- alunos, para que a formação integral tão bem de-
no e aprendizagem para que o aluno seja prota- fendida pela interdisciplinaridade possa ser efe-
gonista em sua formação e que consiga ter uma tivada de forma plena. A Base Nacional Comum
aprendizagem significativa. Para que tal feito seja Curricular (BNCC, 2018, p.471) defende que a
munida de êxito faz-se necessário conteúdos formação integral do aluno do ensino fundamen-
contextualizados e relevantes para todos envolvi- tal para o ensino médio deve ser preservada. As-
dos no ensino formal. Quanto mais a curiosidade sim, o conjunto de competências e habilidades
e desafios forem instigados, pelos professores, necessárias para o ensino médio deve favorecer
mais o alunado buscará um sentido ao seu pro- ao desenvolvimento das competências gerais da
cesso formativo e compreenderá o contexto so- Educação Básica, levando em consideração o
cial ao qual encontra-se inserido, tendo bagagem projeto de vida em consonância com os princípios
suficiente para intervir de forma precisa e coeren- da justiça, da ética e da cidadania.
te em sua realidade. Para que isso ocorra, algumas ações base-
Quando o conhecimento é algo adquirido de adas em metodologias tradicionais, o conheci-
forma integral ele perpassa por todos os conte- mento centrado no professor por exemplo, de-
48 3
vem dar lugar para metodologias que foquem no xual, trabalho e consumo, citados nos Parâmetros

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EDUCAÇÃO FÍSICA ATRAVÉS DO RPG: PROMOVENDO A INTERDISCIPLINARIDADE EM LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS
protagonismo juvenil, no caso nos referimos às Curriculares Nacionais (PCNs/Brsail 1997, 1988)
metodologias ativas, que salienta a relevância de e a autora afirma que existe a possibilidade de
centramos nas necessidades de aulas mais atra- encontrarmos outros temas de interesse que ne-
tivas e dinâmicas. A BNCC (2018, p.471) também cessitam ser discutidos e refletidos entre os com-
ressalta que o foco da área de Linguagens e suas ponentes da comunidade escolar. Diante de tal
tecnologias deve estar centrado na autonomia, no necessidade a disciplina de Educação Física não
protagonismo, na identificação e na crítica aos di- poderia eximir de suas responsabilidades sociais.
ferentes usos das linguagens, na participação em Então defendemos que não devemos trabalhar só
diversas manifestações artísticas e culturais, e no as regras esportivas, por exemplo, devemos focar
uso criativo das diversas mídias. numa formação ampla que fomenta conteúdos
Atualmente percebemos as dificuldades exis- contextualizados e que promova uma reflexão crí-
tentes, na escola, com relação ao fluxo das re- tica, fortalecendo assim, a PRÁXIS EDUCATIVA,
lações integrativas entre as disciplinas, que for- união entre a teoria e prática e não aceitarmos
taleçam a não fragmentação do conhecimento. tudo que é imposto socialmente.
Tal feito, não é comtemplado na BNCC, pois sua Defendemos que as escolhas dos conteúdos
composição é dividida em áreas do conhecimento devam ser pautadas nas dimensões conceituais
e não em componentes curriculares o que favo- (informação), procedimentais (ação) e atitudinais
rece a interdisciplinaridade, através de um traba- (reflexão), para que o processo de ensino e de
lho integrado entre as disciplinas. Para que isso aprendizagem possa ser significativo. Podemos
ocorra necessitamos desenvolver ações ou até citar o exemplo de uma aula de iniciação esportiva
mesmo projetos integradores que possam rece- sobre o futebol. Iniciamos com as informações so-
ber contribuições de todas as disciplinas, fortale- bre as regras, depois vivenciamos (aula prática) e
cendo assim os vínculos e mostrando ao aluno finalizamos coma reflexão sobre algumas atitudes
que um complementa o outro, são os chamados e as consequências de cada ato desenvolvido. Na
de temas transversais. verdade, precisamos sempre inovar nas aulas e
Os temas transversais segundo Darido (2012) quando se tem a decisão de implementar tais te-
são problemas que a sociedade brasileira enfren- mas nos conteúdos, resulta num trabalho a mais
ta e que por apresentar dificuldades para encon- ao professor, o que muitas vezes os impedem de
trar soluções cabíveis são levados para escola promover mudanças de atitudes, regadas de ex-
para ser tematizados, são eles: ética, meio am- clusão, preconceito, dentre outros.
biente, pluralidade cultural, saúde, orientação se-
49 3
JOGO, MITO E RITO nal, subjugada ao trabalho, que assume a principal

Luana Caetano de Medeiros Lima - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Dmitri Antoniewsky Silva Gadelha - Jeferson Antunes
EDUCAÇÃO FÍSICA ATRAVÉS DO RPG: PROMOVENDO A INTERDISCIPLINARIDADE EM LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS
forma de integração social. Percebemos assim, o
O ato de jogar se faz presente ao longo da his- caminho para um enfraquecimento da dimensão
tória humana, em diversas sociedades e diferen- lúdica do homem, quando esse aspecto sociopsi-
tes temporalidades. Essa prática é tão significante cológico é negligenciado ou menosprezado.
para a cultura que Huizinga (2005) cunhou o ter- Para além do lado lúdico, o ser humano é
mo homo ludens para definir nossa espécie, con- capaz de criar jogos e praticá-los devido a sua
siderando a capacidade lúdica como um elemen- capacidade de idealizá-los e dar-lhe um sentido,
to de grande importância para se compreender o ou seja, significá-los. Na antiguidade o jogo era
conceito de humanidade, ao lado da capacidade inclusive, parte integrante das atividades rituais,
de raciocinar (homo sapiens) e de fabricar uten- muitas cerimônias de iniciação eram compostas
sílios (homo faber). Com a passagem do tempo por jogos e nesses momentos ele era “fundador
e as mudanças socioculturais, essa atividade foi de um tempo próprio, por meio da evasão da vida
adquirindo conotações distintas, mas ainda man- real, abolindo a história por meio de um retorno
tendo suas características basilares. Conforme contínuo, pela repetição do ato cósmico, pelo
aponta Huizinga: ‘mais uma vez’” (RETONDAR, 2003, p.239). Con-
(...) o jogo é uma atividade de ocupação volun-
figurava-se então um ato criativo, cosmogônico e
tária, exercida dentro de certos limites de tempo mitológico por natureza.
e de espaço, segundo regras livremente con- Os mitos eram considerados histórias sagra-
sentidas, mas absolutamente obrigatórias, dota- das capazes de realizar curas e provocar a liga-
do de um fim em si mesmo, acompanhado de ção com outros mundos, imaginários e sagrados.
um sentimento de tensão e de alegria e de uma
Campbell (1990, p.4) considera que os mitos “têm
consciência de ser diferente da “vida quotidiana”
(HUIZINGA, 2005, p.33) a ver com os temas que sempre deram sustenta-
ção a vida humana, que construíram civilizações
Nas sociedades arcaicas não existia uma se- e formaram religiões através dos séculos”. Dessa
paração nítida entre trabalho e lazer, então o jogo forma poderíamos pensar nos mitos como mode-
fazia parte do cotidiano social como qualquer outra los sociais e tradutores simbólicos do que ocorre
atividade cultural. Por exemplo, nas grandes caça- no íntimo do indivíduo, oferecendo para estes e
das ou manifestações religiosas que diversos po- os agrupamentos sociais diretrizes de funciona-
vos ancestrais realizavam, unindo lazer, jogo e tra- mento. Nesse sentido,
balho. São as sociedades modernas que tendem a
[...] o pensamento mítico pode ser visto como
marginalizar o jogo, tratando-o como atividade ba-
uma força positiva de figuração e de imaginação
50 3
que é concreta para os homens e balizadora de da amarelinha não se distinguem, formalmen-

Luana Caetano de Medeiros Lima - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Dmitri Antoniewsky Silva Gadelha - Jeferson Antunes
EDUCAÇÃO FÍSICA ATRAVÉS DO RPG: PROMOVENDO A INTERDISCIPLINARIDADE EM LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS
suas vidas, na medida em que constrói um mun- te, do templo ou do círculo mágico (HUIZINGA,
do de significação e lhes fornece um modelo de 2004, p.23).
totalidade explicativo onde os indivíduos sen-
tem-se co-pertencentes daquela comunidade Pelo fato de durante as sessões de jogo os
viva (RETONDAR, 2003, p.197). participantes se deixarem levar pela fantasia e
manterem um exercício constante de imaginação
Com o decorrer do tempo, os elementos rituais
é inerente a um espaço de criação simbólico, o
do jogo foram se transformando e seus significa-
“círculo mágico” apontado por Huizinga, que o
dos originais, substituídos por outros. A mitologia
tempo flua de forma diferente do cotidiano. É o
e o símbolo, fontes de toda a organização social,
tempo do ato criativo que por si só pode ser con-
foram sendo marginalizados. O pensamento mí-
siderado um espaço sagrado e transformador.
tico sofreu uma depuração e as narrativas orais
perderam força e sua genuinidade.
ROLEPLAYING GAMES: EVOLUÇÃO HIS-
Diversos tipos de jogos surgiram e outros se
TÓRICA
modificaram, de acordo com novos padrões cul-
turais. Na sociedade contemporânea a competiti-
A primeira versão do RPG surgiu em 1974, nos
vidade foi se tornando uma característica funda-
Estados Unidos, com o ainda hoje famoso Dun-
mental dessas atividades. O RPG constitui uma
geons & Dragons (“Masmorras & Dragões”, em
das mais recentes manifestações do fenômeno
tradução livre), também conhecido como D&D. O
do jogo na atualidade e contrasta com o ideário
jogo possui uma ambientação medieval inspirada
de jogo competitivo e mecânico, pois sua consti-
na literatura de fantasia, como as obras de Robert
tuição baseia-se na cooperação, na fantasia e na
E. Howard (criador de Conan, o Bárbaro) e J.R.R.
criação de histórias.
Tolkien (autor da trilogia O Senhor dos Anéis). Os
Devido à utilização da fantasia como principal
criadores de D&D, Dave Arneson e Gary Gygax,
ferramenta e sua característica eminentemente
resolveram adaptar elementos dos populares jogos
criativa, poderíamos pensar no RPG como uma
de tabuleiro (boardgames) e jogos de estratégias de
possibilidade de resgate do mito e dos ritos em
guerra (wargames) para criar uma nova modalida-
sua dimensão simbólica, pois, para Huizinga,
de, onde os jogadores criam e interpretam o papel
De um ponto de vista formal, não existe diferen- de heróis de fantasia, protagonistas de uma jornada
ça alguma entre a delimitação de um espaço inserida em um cenário organizado para tal, ao in-
para fins sagrados e a mesma operação para vés de somente manejarem pinos e miniaturas de
fins de simples jogo. A pista de corridas, o cam-
um exército sobre uma mesa ou tabuleiro.
po de tênis, o tabuleiro do xadrez ou o terreno
51 3
Na introdução do livro Dungeons & Dragons Além da modalidade tradicional de RPG, ou

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Player’s Handbook, encontramos a seguinte de- “RPG de mesa”, existem diferentes formas de pra-
finição: ticar o jogo, dentre as quais podemos destacar as
seguintes modalidade: “livro-jogo”, também conhe-
Ele tem muita semelhança com as brincadeiras
infantis de faz de conta. Como elas, D&D tam- cido como aventura solo, é uma forma de literatu-
bém é guiado pela imaginação. Trata-se basica- ra interativa, onde o leitor-jogador decide os rumos
mente de visualizar um castelo imponente sob o que a narrativa vai seguir; “ação ao vivo”, onde os
céu de uma noite tempestuosa, e imaginar como jogadores se vestem como os personagens e os in-
aventureiros de um mundo de fantasia reagiriam
terpretam em um evento semelhante a uma repre-
aos desafios que essa cena apresenta. [...] Ao
contrário das brincadeiras de faz de conta, D&D sentação teatral espontânea; e “RPG online”, onde
dá mais estrutura às histórias, de modo que se os jogadores utilizam aplicativos que simulam uma
possa determinar as consequências das ações sala virtual, onde podem rolar dados, visualizar ma-
dos aventureiros. Os jogadores usam dados pas e demais funções inerentes ao RPG. Para efei-
para descobrir se os seus ataques acertam ou
tos práticos, quando usamos o termo RPG nesse
erram, se seus personagens conseguem esca-
lar um penhasco, se escapam de um relâmpago artigo, estamos nos referindo ao “RPG de mesa”.
mágico ou se realizam qualquer outra tarefa pe-
rigosa. Tudo é possível, mas os dados tornam RPG NO BRASIL
alguns resultados mais prováveis que outros
(MEARLS, 2019, p.5). Aqui no Brasil, estima-se que o RPG teve seus
No início, as histórias geralmente se limitavam primeiros praticantes em meados da década de
a “invadir ruínas, derrotar monstros e acumular 1980, com material apenas em inglês, geralmente
tesouros”, mas com o passar do tempo, outros como um novo hobby entre estudantes universitá-
temas foram sendo adaptadas ao jogo (ficção rios de classe média com acesso à língua inglesa,
científica, cyberpunk, horror, supers, anime/man- mas se tornou mais conhecido e editado em por-
gá e contextos históricos), diversificando cada tuguês apenas nos anos 1990. A partir de então
vez mais as possibilidades de se jogar RPG, com angariou muitos adeptos e projetos genuinamen-
novas ambientações, sistemas de regras e pro- te brasileiros foram surgindo, como Tagmar, em
postas narrativas. Dessa forma, surgiram jogos 1991, também baseado em fantasia medieval, e
como os clássicos Vampiro: A Máscara, GURPS Desafio dos Bandeirantes, em 1992, baseado em
e O Chamado de Cthulhu, para citar apenas três uma versão fantástica do Brasil colonial.
dentre as centenas de títulos disponíveis no mer- Ainda hoje o RPG continua a ser bastante di-
cado atualmente. fundido no Brasil por seus adeptos e conta com
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inúmeras produções de sucesso, como Tormenta imaginação dos jogadores e mestres é o limite,

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20, A Bandeira do Elefante e da Arara, Old Dra- desde que sejam respeitadas as características
gon e 3D&T Alpha. Além disso, o jogo figura como da ambientação e as regras do jogo.
um importante elemento da chamada cultura pop, Sobre as habilidades físicas, sociais e mentais
sendo constantemente retratado na literatura fan- dos personagens, o que eles podem fazer, os li-
tástica, quadrinhos, produções audiovisuais e vi- mites são estabelecidos de acordo com um siste-
deogames, além de possuir produtos derivados ma de regras que coordenam o processo criativo
nessas formas de linguagem. de mestres e jogadores, obedecendo a lógica do
No RPG, o jogador interpreta um personagem cenário para o qual ele está sendo criado, afinal,
criado por ele, que deve atuar na aventura imagi- RPG ainda é um jogo e como tal, precisa ser re-
nária. O personagem e os elementos da aventura gido por regras bem definidas e indispensáveis,
devem ser criados dentro de um cenário previa- conforme apontado por Huinziga (2004).
mente escolhido, que pode ter diferentes tipos de O sistema de regras tem a função de organizar
ambientação: medieval, ficção científica, terror, a ação dos personagens no jogo, determinando
cyberpunk, velho oeste e o que mais a imagina- o que pode ou não ser feito com a finalidade de
ção conseguir alcançar. Os personagens de cada simular uma realidade no jogo. Além dos livros e
cenário são criados de acordo com as “raças” criatividade, para jogar RPG utilizam-se dados
(equivalente a sua espécie), e “classes” (equiva- (configuram o elemento de aleatoriedade do jogo,
lente a sua ocupação profissional) disponíveis na- que define se um jogador conseguiu ou não re-
quele cenário. alizar determinada ação pretendida), fichas dos
Por exemplo, ao jogar um RPG situado em uni- personagens (um tipo de “curriculum” que contém
verso de fantasia medieval ao estilo O Senhor dos seus atributos qualitativos e quantitativos), den-
Anéis, os jogadores poderiam desenvolver perso- tre outros complementos e acessórios opcionais
nagens pertencentes às raças elfo, anão, huma- (miniaturas, mapas, tabuleiros, etc.) a variar de
no e hobbit, enquanto poderiam escolher entre as acordo com o RPG escolhido pelo grupo.
classes guerreiro, guardião, explorador e sábio. Outro elemento fundamental no RPG é o “mes-
Já em uma ambientação de ficção científica es- tre do jogo”. Também conhecido como narrador ou
pacial ao estilo Star Wars, os personagens pode- mediador, é um participante que possui atuação
riam ser humanos, alienígenas, droids e clones, diferenciada na prática do RPG, pois no desenro-
pertencentes a ocupações como soldados, pilo- lar do jogo, atua como condutor da narrativa e juiz
tos, contrabandistas e jedi. Esses exemplos são responsável pelo cumprimento do sistema de re-
apenas os mais comuns, pois, como já foi dito, a gras. Pode-se dizer que o mestre tem várias fun-
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ções, é ele quem apresenta o cenário e fornece o turas, animais ou outros seres. Estes são deno-

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contexto para as ações dos personagens, criando minados de NPC (no player character). É de vital
uma história para os seus jogadores. Essa aven- importância para aquele que exerce a função de
tura é como um roteiro aberto onde se associam a mestre a leitura dos livros de RPG devido à neces-
criação do narrador e as ações criativas dos per- sidade de que o mestre conheça bem as regras do
sonagens em seu desenvolvimento, sendo umas sistema e a ambientação do cenário de jogo esco-
das principais características do RPG a criação lhido. Não para “comandar” o jogo através de seu
de histórias de forma coletiva. conhecimento, mas para moderar de forma justa e
Quando o mestre começa a narrar a aventura imparcial as interações dos personagens dos joga-
para os jogadores, estes, interpretando os seus dores com a ambientação do jogo e com os outros
personagens, falam o que farão dentro da história. personagens existentes na narrativa.
Então, de acordo com a reação de cada jogador, Um livro de RPG contém basicamente a descri-
o mestre continua a contar a história, sempre em ção do cenário e o sistema de regras. Como não
determinados momentos apresentando desafios existe apenas um tipo de cenário e nem um único
aos personagens, para que estes possam esco- sistema de regras as possibilidades de jogos de
lher suas ações. Forma-se um ciclo constante de RPG crescem exponencialmente. Além dos livros
criação e recriação por ambas as partes, produ- e criatividade, para jogar RPG utilizam-se dados
zindo uma história conjuntamente. Percebemos (elemento de aleatoriedade do jogo que define se
assim a valorização e o resgate da tradição oral um jogador conseguiu ou não realizar determi-
proporcionado pelo RPG, quando reúne pessoas nada ação), fichas dos personagens (contém os
para criar uma história coletiva utilizando a pala- atributos qualitativos e quantitativos deles), den-
vra falada como elemento primordial. tre outros complementos e acessórios opcionais
(miniaturas, mapas, maquetes, etc.).
O principal elemento é a conversa, com o media-
dor narrando a situação e os participantes des- O principal objetivo do jogo não é ter vence-
crevendo as ações de seus personagens. O me- dores, mas sim contar uma história. Seu suces-
diador conduz a história, e as decisões tomadas so nasce da criação coletiva de uma narrativa,
pelos participantes definem os rumos que essa capaz de representar a fantasia dos jogadores.
história tomará (KASTENSMIDT, 2017, p. 13).
Não há um vencedor propriamente dito por que
Outra função do mestre é interpretar outros per- ao desenvolver a narrativa em conjunto, todos
sonagens que participam da aventura e que não os participantes ganham. Quando uma dessas
são os criados pelos jogadores, geralmente são histórias (chamada de aventura) chega ao fim,
antagonistas, os coadjuvantes, e eventuais cria- ela pode levar a uma continuação, se assim qui-
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serem o mestre e os jogadores. Isso gera arcos como fazem os atores. Diferente de um jogo de

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narrativos contínuos e interligados (chamados de estratégia, você não luta contra um adversá-
campanhas) que podem perdurar por meses ou rio específico, mas vive aventuras em um mun-
anos, onde os jogadores vão reutilizar seus per- do imaginário. Diferente do teatro, você não se-
sonagens (ou criar outros), seguindo a evolução gue um roteiro, mas age pelo seu personagem
de suas competências, personalidades e relações com liberdade de ação, limitado somente pelo
com aquele mundo imaginário (MEARLS, 2019). conjunto de regras do sistema em questão.
O RPG é um jogo necessariamente cooperati- Um grupo de RPG pode ter de duas a dez pes-
vo, com capacidade de integração e socialização soas, às vezes mais. Não existe um número es-
evidenciadas por ser uma atividade grupal. Essa pecífico, embora a maioria dos grupos tenha uma
é uma de suas diferenças marcantes em relação média de 4 até 6 integrantes. No RPG, existem
a outros tipos de jogos da atualidade, que comu- dois tipos básicos de participantes muito bem de-
mente possuem viés competitivo. finidos: O primeiro tipo é o jogador personagem,
normalmente chamado apenas de “jogador”, do
RPG NA ESCOLA: DA INTERPRETAÇÃO À Inglês “Player”. Ele é quem cria um persona-
REALIDADE gem  fictício, seguindo as regras do  sistema  es-
colhido por seu grupo, e controlará esse mesmo
O RPG é um jogo pouco convencional quan- personagem pelas aventuras do jogo. (Em alguns
do comparamos aos jogos habituais. No teatro, Jogos de Interpretação, jogadores podem con-
você interpreta uma personagem de  ficção, se- trolar mais de um personagem simultaneamente,
guindo o  enredo  definido em um roteiro; já em embora seja incomum.)
um jogo de estratégia, você está seguindo um O segundo tipo de jogador é o narrador, mes-
conjunto de regras onde, para vencer, você pre- tre ou GM (Game Master). Será ele quem criará
cisa vencer desafios impostos por seus adver- a história e julgará as ações de todos os persona-
sários – cada partida é única, já que é impossí- gens do jogo. O narrador normalmente não pos-
vel prever seus movimentos durante o jogo. No sui um personagem próprio, mas controla todos
RPG, esses dois universos se unem. Como em os personagens não-jogadores da aventura – que
um jogo de estratégia, há regras que o definem, seriam os coadjuvantes da peça de teatro. En-
e guiam aquilo que o seu personagem pode ou quanto o jogador tem uma atuação assemelha-
não fazer. A esse conjunto de regras chama- da àquela de um ator de teatro, o narrador seria
-se sistema. Como no teatro, cada personagem o diretor e roteirista, aquele que define o cenário,
tem uma história, e deve ser interpretado assim figurantes, ambiente e tudo mais. 
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Por isso mesmo, o narrador é aquele que terpretarão seus personagens, e momento histó-

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deve conhecer as regras mais profundamente, rico onde a história acontecerá. Os ganhadores
e deve ser o mais experiente do grupo, normal- serão aqueles que conseguirem desvendar os
mente seguindo um sistema de regras pré-de- mistérios da aventura. O jogo de RPG é como um
terminado que o ajudará com os eventuais pro- “livro”, onde alo ocorrerá, envolvendo assim seus
blemas e dúvidas que venham a surgir. Apesar personagens numa trama, e que objetiva a reso-
do narrador seguir as regras de um sistema, ele lução de problemas relevantes pelos mesmos.
pode quebrá-las, ignorá-las ou mudá-las em prol Sendo o RPG essencialmente um “jogo de
de uma fluidez no andamento da partida, base- contar histórias coletivamente”, há uma necessi-
ando-se para isso no seu bom senso. Conhe- dade de esforço criativo e planejamento para sua
cer o máximo possível sobre o sistema facilita prática. Tanto jogadores quanto mestres costu-
esse processo e evita arbitrariedades. mam estar sempre às voltas com livros e blocos
de notas (físicos ou digitais), lendo, escrevendo
RPG E NARRATIVA e pensando na maneira mais inventiva de inse-
rir seus personagens e elementos narrativos na
O RPG é um jogo de interpretações de papéis, história que desenvolverão em conjunto ao seu
onde narrativas são compartilhadas entre seus jo- grupo de jogo. Isso aproxima os autointitulados
gadores. Os mesmos são divididos em: mestre e RPGistas de produtos da literatura ficcional, o que
personagens. O primeiro citado é responsável por chega a ser quase “natural”, haja visto que desde
ensinar as regras; mediar a condução da aven- sua origem o RPG já possuía relação clara com
tura; lançar desafios aos participantes; propor fio obras de fantasia.
narrativo; e improvisar diante das escolhas dos Essa dinâmica de leitura, interação, partilha e
jogadores. Já os segundos, são responsáveis em imaginação gera um fenômeno peculiar, interno
fazer a história ocorrer e sobre as decisões que e externo, social e cognitivo, onde os indivíduos
os participantes irão fazer e dizer na aventura. interagem entre si, mas também consigo mes-
As narrativas são formadas por desafios que mos. Ao ler e criar, evocam aspectos particulares
precisam ser solucionados de forma colaborativa do que lhe formam enquanto indivíduos, parte de
pelos personagens que de certa forma precisam uma sociedade contemporânea pautada em va-
estabelecer sua origem, identidade, crenças, clas- lores próprios. Ao imaginar e interagir, vestem-se
se social e suas relações com os outros e com os de uma capa ficcional pertinente aos universos
ambientes. O RPG também precisa ser claro com fantásticos inerentes ao jogo. Esse movimento
relação ao cenário, local onde seus jogadores in- ocorre com frequência dentro dos grupos de RP-
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Gistas, geralmente formados por adolescentes e lhança e lógica devem se aplicar, afinal, os es-

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jovens, que acabam, gerando elementos identitá- forços criativos de cada membro de um grupo de
rios entre si, conforme suas preferências de jogo, RPG se unem para formar narrativas imaginárias
temas e ambientações, tal qual podemos enxer- que precisam fazer sentido, mesmo que situadas
gar na formação de outros agrupamentos sociais. em universos de fantasia. Isso se aplica tanto
Conforme aponta Rodrigues (2004), o fascí- para aqueles que escrevem os cenários de RPG
nio exercido pelos elementos narrativos fantás- e desenvolvem suas regras (os game designers)
ticos também proporcionados pelo RPG adentra quanto para aqueles que os colocam em prática
uma lacuna deixada pela escola, biblioteca e (os jogadores), afinal, ambas as atividades cria-
demais espaços formais que deveriam cumprir tivas são interdependentes e apenas se comple-
o papel de iniciação à “grande arte”. Isso não é tam quando atreladas uma à outra através da ex-
uma novidade do tempo presente, mas um fe- periência do jogar.
nômeno observado também em outros contextos A expressão da oralidade presente no RPG o
históricos, seja na forma de publicações baratas aproxima do que Machado (2015) chama de “arte
do século XIX e início do XX (penny dreadfuls da palavra e da escuta”, que ela define como
e pulp fictions) ou em narrativas mitológicas de uma prática de narrar histórias oralmente, onde
séculos atrás. Ela explica: um narrador se utiliza da fala como principal ins-
trumento para estabelecer vínculo com o público
Isto se deve à presença de arquétipos, de tipos
modelares, heróis, super-homens enfrentando que o assiste. Diversos tipos de performances
monstros ou inimigos. Esta é a marca principal narrativas e/ou teatrais (narração de histórias,
das personagens de RPG, como foi antes a do adivinhas, trava-línguas, histórias cantadas, den-
folhetim histórico e, antes ainda, da epopéia tre outros) se enquadrariam nessa modalidade.
(RODRIGUES, 2004, p.154).
No RPG, seus praticantes utilizam fundamen-
A possibilidade de consumir e produzir narra- talmente a palavra falada como o elemento ge-
tivas ficcionais de maneira não profissional confi- rador de uma narrativa imaginária, transfigurando
gura um dos atrativos do RPG, sobretudo para os seu conteúdo inerte em imagens vivas em suas
jovens, que encontram no jogo um espaço livre mentes. A diferença do RPG para outras práticas
e democrático onde podem se reunir com seus narrativas orais é que nele não há apenas um in-
semelhantes para desenvolver potencialidade divíduo que domina a narrativa e a “repassa” a
criativas fora de padrões, rótulos ou tabus que um público passivo. Ao contrário, todos os parti-
normalmente lhes são impostos pela sociedade. cipantes de uma sessão de RPG são coautores
Ainda assim, regras como coerência, verossimi- da narrativa, que está incompleta quando o jogo
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começa e só chega a uma conclusão à medida mas de nível moral também. Nas aventuras, os

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em que os jogadores, juntamente com o mestre, personagens assumem papéis específicos frente
contribuem para o seu desenvolvimento, através às demandas do grupo, na tentativa de alcançar
das ações tomadas pelos personagens, que por a melhor maneira de solucioná-las, cada um vai
outro lado, tem suas consequências determina- utilizar suas habilidades específicas de forma a
das pelo mestre. auxiliar o grupo frente aos desafios propostos
Ao estabelecer esse vínculo entre os partici- pelo mestre.
pantes, o RPG proporciona a eles uma experiên- É no embate com as situações inusitadas
cia singular, tanto criativa quanto comunicativa, que verificamos a capacidade criativa de cada
ainda em consonância com o que Machado afir- jogador/personagem na busca de saídas. Nos
ma sobre a arte da palavra: diálogos durante uma sessão fica claro a intera-
ção entre os jogadores com o intuito de alcançar
A arte da palavra, oral e escrita, permite a
transformação de um mundo de pensamentos, uma resolução adequada para o grupo como um
percepções, perguntas, intuições e afetos em todo. Várias negociações são travadas entre os
comunicação. É manifestação expressiva que participantes diante da necessidade de optar por
uma pessoa dirige a si mesma e ao outro, que uma ação que tenha em vista o objetivo comum
estabelece contatos. A arte da palavra requer o
do grupo, mas também a finalidade essencial do
exercício da capacidade de transmutar imagens
internas em configurações de linguagem, orde- RPG, que é desenvolver coletivamente uma nar-
nadas poeticamente. Tal ordenação é fruto de rativa imaginária.
um longo processo de descoberta de palavras
que podem ser encadeadas para fazer sentido, RPG NA EDUCAÇÃO
para conferir significação à experiência de vida
de outra pessoa (MACHADO, 2015, p.16).
RPG na Educação é uma ferramenta educacio-
Diante do que já foi exposto e pode ser obser- nal que pode auxiliar o processo de ensino e de
vado em grupos de RPGistas, sabemos que tanto aprendizagem dos professores e alunos, fortale-
os jogadores quanto os seus personagens pos- cendo assim, os vínculos e ajudando, através de
suem objetivos em comum. Segundo o mestre, interpretações, na compreensão ou até mesmo so-
cada jogador cria a ficha de seu personagem com lução de alguns temas transversais pertinentes na
sua história, suas virtudes, fraquezas e objetivos. sociedade ao qual os participantes estão inseridos.
Além do objetivo geral de narrar uma história co- Possibilitar situações desafiadoras e que ressalta
letiva, existem os objetivos de desenvolvimento a responsabilidade que todos devem assumir dian-
de cada personagem, não só de nível de jogo, te de tais desafios sociais é uma forma de mos-
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trar, principalmente aos alunos, que os problemas Contudo, a disciplina de Educação Física não

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sociais é responsabilidade de todos. E quando poderia deixar de utilizar como ferramenta peda-
estamos envolvidos em situações desafiadoras, gógica um de seus conteúdos tão atrativo aos alu-
precisamos fazer uma análise crítica e encontrar nos, o jogo. Muito estudos já abordam conceitos
mecanismos que possibilitem sua superação e não ou conteúdos de história, por exemplo, em sua
nos deixar levar muitas vezes pelo desespero. idealização. Mas não encontramos jogos de RPG
Ao tratarmos de forma coletiva de determi- que se fundamentam: na promoção da interdis-
nados assuntos como o suicídio, por exemplo, ciplinaridade entre as disciplinas pertencentes à
descobrimos os reais motivos que levaram o área de conhecimento Linguagens e suas tecno-
causador a ter determinadas atitudes, podemos logias; na abordagem das unidades temáticas da
fazer uma análise crítica e fazermos uma per- disciplina de Educação Física: Esportes, Danças,
gunta clássica no momento da análise da situa- Lutas, Ginásticas, Brincadeiras e Jogos e Práti-
ção: E se fosse comigo, o que eu faria? Discutir cas Corporais de Aventura; na utilização das com-
criticamente e promover uma reflexão sobre os petências socioemocionais que se encontram na
temas transversais já faz parte da rotina escolar BNCC; e que abordem os temas transversais: éti-
de muitas escolas. O diferencial do RPG nesse ca, saúde, pluralidade cultural, orientação sexual,
contexto é a dinamicidade que o jogo promove meio ambiente e trabalho e consumo. Mediante
em seus adeptos. a tudo isso, ressaltamos a necessidade da dis-
Diante do exposto acreditamos que a utilização seminação dos resultados encontrados com a in-
do RPG nas aulas presenciais ou remotas é um vestigação proposta, pois acreditamos em nossa
grande aliado na promoção de motivação, pois os responsabilidade na criação de um mundo melhor
envolvidos no processo se sentem desafiados em e mais favorável para práticas inovadoras e atra-
solucionar os mistérios que o jogo aborda. Cada tivas que fortalecem o processo de ensino e de
narrativa idealizada é fundamentada nas expe- aprendizagem.
riências anteriores de seus participantes, assim
inúmeras possibilidades, de possíveis soluções, RPG: UM JOGO COOPERATIVO DE CRIAR
podem ser relatadas. Por tudo citado anterior- HISTÓRIAS
mente percebemos e defendemos a necessidade
de que as disciplinas escolares possam desenvol- Em português, fazemos essa distinção entre
ver de forma contextualizadas tais assuntos que jogar e brincar. Em inglês, essa diferença não
interferem diretamente no processo educacional existe: brincar, jogar, atuar, interpretar um per-
de cada integrante da comunidade escolar. sonagem é to play. O RPG, ou role-playing
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game, é tanto jogo, quando brincadeira, quanto Unindo jogo e narrativa, a prática do RPG (ro-

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interpretação. É uma mistura de jogo, brincadei- leplaying game) consiste em um encontro lúdico
ra e teatro. Eu prefiro explicar o RPG de uma
onde os participantes criam coletivamente uma
forma mais simples ainda. O RPG é uma brinca-
deira de criar e contar histórias coletivamente. história. A narrativa vai tomando forma durante
(RICON apud ZANINI, 2004, p.15) as sessões de jogo e cada um dos participantes
imprime nela um pouco de si, das suas aspira-
Desde as épocas mais remotas o homem se ções e fantasias, assim vão dando vida a essa
reúne para contar histórias à beira do fogo. Povos jornada imaginária.
paleolíticos registravam narrativas através de pin-
turas rupestres nas paredes de suas habitações Neste jogo, não há ganhadores ou perdedores.
O objetivo do jogo encontra-se justamente em
nas cavernas, repletas de significados ainda hoje
desenvolver uma narrativa, em desenvolver
debatidos. O bardo é um exemplo de contador de ações que abram os caminhos da trama propos-
histórias e mitos que detinha um prestígio social e ta pelo mestre (PAVÃO, 2000, p.19).
simbólico junto à cultura celta. Usando a palavra
Do ponto de vista cultural, podemos considerar
contada, os xamãs de diversas sociedades acre-
o RPG como uma importante ferramenta para o
ditavam ser capazes de trazer de volta a alma de
resgate de uma tradição oral muitas vezes engoli-
pessoas doentes ou resgatar através da narrativa
da pela supervalorização dos modernos meios de
ritual do mito, um tempo primordial, que por si só
interação e entretenimento, cada vez mais difun-
já era curativo e gerador de um novo começo, um
didos na contemporaneidade.
ato criativo e cosmogônico.
O ato de jogar também pode ser rastreado [...] a arte de narrar caminha para o fim. Torna-
até a aurora da humanidade, presente em so- -se cada vez mais raro o encontro com pessoas
que sabem narrar alguma coisa direito. É cada
ciedades de todos os continentes habitados. É
vez mais freqüente espalhar-se em volta o em-
um fenômeno cultural intrínseco à humanidade, baraço quando se anuncia o desejo de ouvir
repleto de aspectos sociais, psicológicos e sim- uma história. É como se uma faculdade, que nos
bólicos que se manifestam em uma trama inter- parecia inalienável, a mais garantida entre todas
ligada pelo elemento lúdico. Características do as coisas seguras, nos fosse retirada. Ou seja: a
jogo se manifestam nas mais diversas áreas, de trocar experiências (BENJAMIN, 1979, p.57).

como direito, guerra, religião e poesia. Os tor- Essa troca de experiências, considerada por
neios medievais, por exemplo, eram tratados por Benjamin em declínio na civilização industrial
seus praticantes como um jogo de simulação bé- em que estamos inseridos, é proporcionada pelo
lica, tão mortíferos quanto. RPG aos participantes, através do ato criativo de
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narrar histórias. Pelo fato de ser jogado em grupo, dora através dessa prática lúdica. Para tanto, nos

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tem um grande poder de integração entre os indi- utilizaremos de alguns conceitos de diversas áre-
víduos e valorização do discurso, da tradição oral, as do conhecimento – literatura, game design, pe-
do diálogo e da troca de ideias. dagogia, psicologia, filosofia e mitologia – e seus
Nesse sentido, buscamos ao longo do artigo teóricos para embasar a importância da criação,
dissertar a respeito do RPG, através dos se- da palavra e da imaginação não só para o jogo
guintes tópicos: “Sobre os roleplaying games”, em si, mas para o homem como sujeito.
onde apresentamos um breve histórico do RPG,
desde sua criação até os dias de hoje, dando IMAGINAÇÃO E RPG
exemplos de seus títulos e modalidades de jogo;
“Como funciona o RPG”, onde apresentamos o Como já foi dito anteriormente, uma das princi-
exemplo prático de uma sessão de jogo, retra- pais ferramentas do RPG é a fantasia. Através da
tando seus elementos e sujeitos partícipes em imaginação são construídas inúmeras possibilida-
uma típica situação narrativa; “RPG e narrativa”, des de jogo. Para mostrarmos a importância disto,
onde apresentamos o processo de construção buscaremos antes com base na psicologia analíti-
coletiva das histórias no RPG e o relacionamos ca de Jung, entender a importância da imaginação
com produções ficcionais e narrações orais, ba- para o desenvolvimento da mente humana.
seado nos apontamentos de Sonia Rodrigues e Em Jung a noção de imaginação ocupa o lugar
Regina Machado quanto a essas estruturas nar- central, uma vez que para ele psique é imagem.
rativas; “Jogo, mito e rito”, onde analisamos his- O que ele chama de imagem é a realidade, ou
toricamente os conceitos de jogo, mito e rito de seja, a imaginação corresponde à realidade do
indivíduo – porque o indivíduo só tem acesso à
Johann Huizinga e Joseph Campbell, observan-
imagem. A atividade psíquica, em sua concep-
do como o RPG pode estabelecer pontes com ção, é a própria fantasia. A realidade é sempre
esses fenômenos culturais; “Imaginação e RPG”, uma realidade em nós, “um esse in anima”, e o
onde abordamos os conceitos de imaginação e que dá intensidade à impressão viva e sensí-
fantasia para Carl Gustav Jung, como elementos vel das coisas e, ao mesmo tempo, dá força às
idéias, é a fantasia. A síntese em nós entre a
inerentes à psique humana e em constante estí-
intensidade viva do real e sua respectiva elabo-
mulo na prática do RPG. ração intelectual é obra da imaginação. Esse fe-
Assim, buscamos apresentar o RPG e estabe- nômeno que se dá incessantemente é a manifes-
lecer sua relação com as diversas formas narra- tação da imaginação através de atos incessantes
tivas, fazendo um esboço sobre a importância da de criação, pois ela é um processo vital, uma ati-
vidade autônoma. Ela comporta e liga todas as
fantasia como ferramenta criadora e transforma-
61 3
funções e os opostos, é a geradora de todas as Para iniciar uma campanha e dar continuida-

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possibilidades. Tudo que tiver resposta emergirá de a ela, os participantes precisam idealizar per-
daí. Jung vê a imaginação como criadora desse
sonagens, criar e recriar constantemente o mun-
modo: o elemento vivo de ligação e a corrente de
criação contínua. (PERRONE, 2007, p.4) do habitado por estes e as diversas situações de
aventura vividas dentro deste ambiente. Dessa for-
A fantasia assume então o papel de mediadora ma podemos levantar a questão de que em todo
entre o indivíduo e a realidade, é como um cata- esse processo, levando em conta o ato da fantasia
lisador entre os potenciais arquetípicos e os ele- como elo entre o interior e o exterior, os indivíduos
mentos exteriores que servem de matéria prima envolvidos produzem significados para cada ação
para ela. Nas palavras de Jung: realizada dentro do jogo, simbolizando-as, sendo o
A psique cria a realidade todos os dias. A úni- jogo em si um processo de simbolização.
ca expressão que me ocorre para designar esta Pereira (1995) afirma que “é na interação da
atividade é a fantasia. [....] Às vezes aparece em realidade objetiva com a realidade imaginária que
sua forma primordial, às vezes é o produto últi- consiste a capacidade de criação do homem”. No
mo e mais audacioso da síntese de todas as ca-
RPG o jogador tem uma gama enorme de possi-
pacidades. Por isso, a fantasia me parece à ex-
pressão mais clara da capacidade específica da bilidades de criação, de modos diferentes de ser,
psique. [...] A fantasia sempre foi e sempre será mas no final acaba sendo ele mesmo, já que toda
aquela que lança a ponte entre as exigências expressão criativa revela o que há de mais verda-
inconciliáveis do sujeito e objeto, da introversão deiro no indivíduo. É importante lembrar o papel
e extroversão. (JUNG, 1991, p. 73)
da imaginação como criadora de realidade e doa-
O RPG utiliza a capacidade de imaginação e dora de sentidos, como fomentadora de um espa-
interpretação dos participantes para criar narrati- ço de criação simbólico e transformador. Através
vas lúdicas. A criação de seus personagens e dos da imaginação e de seus recursos simbólicos, os
cenários está intimamente relacionada com quan- jogadores buscam soluções criativas que trans-
to os participantes se identificam com a fantasia formam a configuração atual em outra que não
do jogo e de quanto a sua própria fantasia pode exclui a anterior, mas a modifica, em um processo
ser representada nesse espaço lúdico. É possí- constante de criação e ressignificação.
vel então visualizar no RPG a dinâmica da fan-
tasia da forma que Jung especificava, como um COMO FUNCIONA O RPG
elo entre os processos internos do indivíduo e os
elementos externos a ele, que tem a função de Para uma melhor visualização de como acon-
constelar e representar a realidade mais íntima. tece na prática uma sessão de RPG tradicional,
62 3
segue no Quadro 1 um exemplo de jogo, onde

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Ed, o mestre de jogo: “Enquanto conversavam distraí-
seus elementos básicos são retratados. O jogo dos, vocês nem perceberam que do meio das largas ár-
escolhido para a demonstração foi Dungeons & vores da floresta, uma criatura se esgueirava até o local
onde estavam. Vocês ouvem o farfalhar das folhas e quan-
Dragons, já apresentado anteriormente.
do se viram, notam um ser humanoide de braços longos
Quadro 1 e pele verde cheia de verrugas avançando contra vocês!
Ele levanta uma clava tosca feita com um tronco de árvo-
DUNGEONS & DRAGONS re e emite um grunhido que dói nos ouvidos, fazendo os
João, Pedro, Ana e Ed se reuniram para jogar D&D. João pássaros voarem ao longe. Vocês reconhecem a criatura
escolheu interpretar um anão guerreiro, Pedro escolheu como um troll, monstro conhecido por emboscar viajan-
um elfo arqueiro e Ana escolheu uma humana maga. Ed tes para devorá-los. E agora, o que vocês fazem?”
é o mestre de jogo. João, o anão guerreiro: “Eu levanto meu machado e es-
Ed, o mestre de jogo: “Vocês estão andando pela floresta. cudo e corro para cima do monstro com um grito de guer-
A caminhada já perdura por longas horas e vocês sabem ra na língua dos anões!”
que deveriam ter chegado à aldeia antes do anoitecer. No Pedro, o elfo arqueiro: “Eu vou me pendurar em um ga-
entanto, já está escuro e vocês notam que o caminho está lho distante do monstro, aí saco meu arco e flecha e pre-
diferente do que vocês se lembram. Parece que estão per- paro a mira pra um disparo certeiro.”
didos. E então, o que vocês fazem?”
Ana, a humana feiticeira: “Eu corro pra me proteger
João, o anão guerreiro (falando como seu personagem): atrás de uma árvore e conjuro as palavras mágicas para
“Maldição! Acho que pegamos a trilha errada. Sabia que disparar uma bola de fogo contra a fera.”
era melhor ter ficado na estrada principal. Agora vamos
demorar muito mais pra chegar na vila. Eu estava so- Ed, o mestre de jogo: “Ok. Peguem os dados e vamos ao
nhando com um belo pernil de porco e cerveja preta.” combate!”

Pedro, o elfo arqueiro (falando como seu personagem): Fonte: Autores.


“Calma, meu amigo barbudo. Caminhar pela floresta não
é problema. Apenas devemos seguir com cautela. Me dei- Nesse momento, cada jogador, incluindo o
xe tomar a frente de nosso grupo que pra um elfo eu nem
eu, não vai ser difícil encontrar o caminho que buscamos mestre, faz uma jogada de um dado de 20 la-
no meio do mato.” dos (d20) e anota os resultados, do menor para
Ana, a humana feiticeira (falando como sua persona- o maior. Seguindo em ordem crescente, cada
gem): “Já está ficando escuro, rapazes. Portanto, deve- personagem vai agir de acordo com o que o seu
mos tomar cuidado. Sugiro que fiquem com suas armas jogador desejar, rolando novamente o d20 para
em punho. Eu vou deixar preparados alguns feitiços. Ouvi
histórias de que monstros caminham livremente por essa verificar se obteve sucesso ou fracasso na ação
parte da floresta depois que a noite cai.” desejada. Após cada rolagem de dados, o mes-
tre vai descrever as cenas resultantes, de acordo
com os resultados obtidos nos dados. A rodada
se repete até que o combate chegue ao fim, en-
63 3
tão o mestre conduz para outra cena e continua transversais; competências sócio emocionais pre-

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narrando a aventura. sentes na BNCC. Justifica-se a escolha do estudo
Ao longo do jogo, à medida em que os perso- com a pretensão em conseguir despertar: a mo-
nagens se aprimoram e evoluem suas capacida- tivação dos alunos; a interdisciplinaridade entre
des pessoais, suas ações poderão desencadear Educação Física, Artes e Língua Portuguesa; a
consequências capazes de influenciar o mundo à revisão dos conteúdos desenvolvidos nas aulas
sua volta de forma mais drástica, ou por escolha de Educação Física; e a instigar o interesse dos
do próprio jogador ou por determinação do mes- alunos na criação de jogos.
tre. Em semelhança às jornadas dos heróis mito- Para o presente estudo centraremos olhares
lógicos, os personagens criados por jogadores de ao primeiro jogo criado pela professora de Educa-
RPG, ao vivenciar grandes aventuras, alcançam ção Física juntamente com alunos e sob a orien-
uma escala épica, “aquilo que supera em muito tação dos especialistas do Programa Centro de
o mediano, especialmente em tamanho, escala Estudos sobre Ludicidade e Lazer (CELULA), do
e intensidade. Algo épico tem proporções heroi- Instituto de Educação Física e Esportes (IEFES),
cas.” (MCGONIGAL, 2012). da Universidade Federal do Ceará (UFC), no ano
de 2021, segundo ano de atividades escolares re-
AVENTUCORP: DESVENDANDO OS MIS- motas, ocasionada pela Pandemia do vírus CO-
TÉRIOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA VID-19. Compreender o contexto ao qual todos os
envolvidos estão inseridos também passou a ser
O AVENTUCORP, sigla originária da união dos relevante, pois os encontros respeitaram todas
nomes: aventura com corpo e que apresentam o as orientações sobre o isolamento social. Deno-
desejo de desvendar os mistérios que perpassa minamos o primeiro jogo de AVENTUJOG, funda-
em seu contexto nas temáticas da disciplina de mentado nos conteúdos de brincadeiras e jogos e
Educação Física. AVENTUCORP são seis jogos apresenta como tema transversal saúde.
que utiliza os conteúdos didáticos da educação O jogo criado apresenta como cenário os es-
física escolar, baseado nos jogos de RPG, com o tabelecimentos que são referência aos alunos
intuito de promover a interdisciplinaridade, refle- por estarem presentes no bairro onde está inse-
xão e criticidade dos adolescentes, diante de pro- rida a escola dos mesmos. Os alunos envolvidos
blemas enfrentados diariamente. Apresenta em na criação do jogo são de escola pública e que
sua fundamentação teórica, estudos centrados objetivavam deixar um LEGADO, para todos os
em: jogos de RPG; unidades temáticas da discipli- representantes da comunidade escolar: alunos,
na de Educação Física, segundo a BNCC; temas professores, gestão escolar, funcionários e fami-
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liares. Para todos que de certa forma se permitam muitos profissionais temem em abordar que é a

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a refletir sobre problemas sociais que “batem em prática do suicídio, por se tratar de um assunto
nossa porta”, quando menos esperamos e nos tão desafiador.
obrigam a reagir diante dos acontecimentos. O presente estudo não deseja resolver as cau-
Acreditamos que essa busca por debates so- sas que levam ao suicídio e nem fazer qualquer
bre tais temas na escola, poderiam ter evitado tipo de julgamento, objetivamos levantar algumas
muitas ações desenvolvidas de forma muitas ve- hipóteses que promovam a conscientização que
zes impensadas e realizadas pelos impulsos ou temos fases desafiadoras em nossas vidas e que
momentos de desespero, sem saber lidar diante precisamos ser resilientes e que quanto mais pra-
de determinadas provações. O AVENTUJOG é ticarmos a empatia mais podemos evitar ações
um jogo que aborda os temas sobre obesidade preconceituosas e que de certa forma pode ma-
e suicídio. A aventura conta a história de Maria goar quem está ao nosso redor. Queremos enfa-
uma adolescente de 15 anos, que morava com tizar que todas as ações resultam numa consequ-
seus pais e que estava obesa. Mediante a tan- ência e que muitas vezes pode ser fatal.
tos conflitos internos e por sofrer muito bullying e
cyberbullying dentro e fora da escola, conheceu METODOLOGIA
um grupo pela internet e que desafiava os seus
integrantes a praticarem o suicídio, com o intuito Mediante a tal cenário, o presente estudo as-
de resolver seus problemas de uma vez por to- sumiu uma estrutura para que fosse desenvolvi-
das, através do suicídio. do, atendendo as normas de segurança para os
Tentamos abordar temas pertinentes à fase do envolvidos no processo. Com isso, utilizamos as
desenvolvimento dos adolescentes, que é a faixa tecnologias a nosso favor, seja ela via celular; ou
etária dos alunos da escola e contextualizamos encontros pelo Google Meet; ou até mesmo pelo
de acordo com o olhar dos criadores mediante ao grupo de Whatsapp criado com todos os alunos
contexto que estão inseridos. A obesidade é um envolvido na investigação. Com isso, o estudo uti-
tema bem discutido nas aulas de educação física lizou tais ferramentas para o êxito dos objetivos
e a reflexão sobre mudanças de hábitos alimen- previamente estabelecidos.
tares e a relevância da inserção de práticas de A pesquisa apresenta-se com uma abordagem
atividades físicas no dia a dia dos alunos são as- qualitativa e do tipo pesquisa-ação. De acordo
suntos pertinentes para discutirmos. Além de tal com Minayo (2004) a pesquisa qualitativa respon-
tema precisamos refletir também sobre um tema de a muitas questões particulares e se preocupa
que requer muita cautela em sua discussão e que com um nível de realidade que não pode ser con-
65 3
templada só com os aspectos pertinentes aos re- Quadro 2

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sultados obtidos com a pesquisa quantitativa. MO-
AÇÕES
MEN- RESULTADO
Com isso, surge o desejo de criarmos o pri- DESENVOLVIDAS
TOS
meiro dos seis jogos de RPG que atendam os
- Apresentação do que Esclarecimento de
objetivos previamente estabelecidos nesse estu- é o RPG dúvidas e elaboração
do. O mesmo foi denominado de AVENTUJOG
1 - Apresentação da pro- do cronograma de en-
(aventura + jogo) e baseia-se no mistério que posta do jogo contros.
Escolha das temáticas Obesidade, Suicídio
existe no caso da morte de uma adolescente de
para serem abordadas 3ª série do Ensino
15 anos, Maria. na criação do jogo Médio;
A proposta inicial do jogo criado foi de promo- Criação do nome do Aventura + Jogo =
ver sua idealização e conseguirmos realizar um jogo AVENTUJOG
playtest que valide sua utilização durante o final Criação da estrutura
2 do jogo (cenário, dado, Estrutura geral do
de cada bimestre escolar com os alunos da tercei-
perguntas, contexto, fi- jogo
ra série do ensino médio. Com isso, criamos três cha dos personagens)
fases: primeira fase fundamenta-se no conheci- Construção do enredo Criação da história do
mento prévio sobre o desejo dos alunos sobre a 3 do jogo jogo
relevância do brincar no contexto escolar do en- Realização do play Vivência on-line do
4 teste do jogo criado jogo AVENTUCORP.
sino médio; a segunda fase resulta na criação do
grupo de estudos, da escola, e do jogo de RPG Fonte: Autores.
que traduz os objetivos previamente estabeleci-
dos pelos idealizadores; e a fase três, busca a Contudo, as ações previamente estabelecidas
validação e a avaliação dos especialistas sobre a iniciam-se com a criação de um grupo, formado
aplicabilidade e relevância do jogo para toda co- por adesão dos participantes ao projeto. Conta-
munidade escolar. mos com a participação de 18 alunos, a profes-
Com isso, o desejo de deixarmos um LEGADO sora de Educação Física e os parceiros. Assim,
para toda comunidade escolar de uma escola pú- apresentação da fase foi realizada por meio de
blica em 2021, foi nossa maior motivação. Assim, um encontro on-line com os envolvidos e os acor-
os encontros foram divididos em quatro momen- dos foram estabelecidos.
tos como verificamos no Quadro 2. O perfil dos alunos participantes traduz-se em:
faixa etária entre 16 a 18 anos de idade; dentre
eles a maioria eram do sexo masculino e de vá-
rias séries, da escola; alguns já tinham experiên-
66 3
cias com jogos; acreditavam ser algo relevante as samentos sobre o olhar do protagonista e outro

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ações que estavam desenvolvendo; a maioria já olhar de quem estar inserido no mesmo contex-
conhecia a proposta do RPG, mas nunca haviam to, propícios a passarem por essa situação e que
criado um jogo. A proposta foi tão instigante aos afetam diretamente ao seu processo de ensino e
alunos que tivemos o interesse de uma aluna de- de aprendizagem.
ficiente visual em estar contribuindo com a cons- O jogo consiste na criação de equipes que bus-
trução e efetivação do AVENTUCORP. cam encontrar pistas para desvendar os mistérios
que embasam a morte de Maria. É um jogo ba-
RESULTADOS E DISCUSSÃO seado no lançamento de dados e que apresenta
algo a ser realizado, cada número no dado repre-
O AVENTUCORP foi criado pelos envolvidos senta uma ação: números 1 e 6 a equipe receberá
no projeto e que desejavam de alguma forma uma competência socioemocional que deve ser
contribuir com as fases de criação e testagem do contemplada na história criada; quando sair os
mesmo, para que possa ser vivenciado por ou- números 3 e 5 o mestre deve fazer uma pergunta,
tras turmas que cheguem ao último ano do ensino às equipes, sobre o conteúdo de jogo, estudados
médio da escola. A criação do jogo de RPG que nas aulas de Educação Física (por exemplo: O
aborda uma das unidades temáticas para disci- que são jogos eletrônicos?), caso a equipe acerte
plina de Educação Física (brincadeiras e jogos), a pergunta poderá escolher um local, do cenário
presente na BNCC, resultou numa experiência do jogo, para receber outra pista; e se no dado
única e relevante aos envolvidos no processo, sair os números 2 e 4 os grupos logo escolhem
pois a construção foi coletiva e mesmo à distância um local, que ainda não obteve uma pista. Ganha
possibilitou uma interação entre todos, por causa o jogo a equipe que conseguir chegar mais per-
da meta coletiva comum. to da verdadeira história sobre a morte de Maria,
Contudo, foi criado um grupo de Whatsapp através de sua produção textual.
para um contato mais rápido com todos os partici- Iniciamos o playtest, com a realização de um
pantes e envios de documentos. Logo depois foi encontro on-line entre todos os participantes,
realizado um encontro virtual para a apresenta- onde foi realizado a apresentação de como seria
ção geral das etapas que deveríamos seguir para a vivência e todos deveriam participar de cinco
alcançarmos o objetivo central: criar um jogo na momentos: o primeiro foi geral, com a participa-
estrutura de RPG que aborde temas relevantes ção de todas as equipes, para as considerações
ao público destinado e que os façam refletir quais iniciais; o segundo momento foi de forma indivi-
suas atitudes diante da situação, elaborando pen- dual, entre as equipes para organização das fun-
67 3
ções e escolha de seu personagem no jogo; o muito com minhas emoções, foi algo bem desa-

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terceiro momento, pautou-se na vivência do jogo fiador, mas a proposta se faz necessária à forma-
em si, para que as equipes acumulassem o maior ção integral dos alunos. Mexe com nossos ideais
número de pistas para ajudar na construção de também”.
sua história; e o quatro foi necessário para que as Portanto, o presente estudo faz-se contextuali-
equipes formulassem seu texto, que deveria con- zado e promove um aprendizado significativo aos
ter todas as informações e competências socioe- envolvidos no processo. Cada participante apre-
mocionais acumuladas durante o momento três; e sentava embasamento em seus argumentos por
o quinto e último momento centra-se no encontro estarem inseridos no contexto, assumindo assim,
coletivo entre todas as equipes para compartilha- um sentido na construção e conexões com algo
rem suas produções textuais que desvendem o bem maior que seus entendimentos.
mistério que ronda sobre a morte de Maria.
Todas as escolhas foram efetivadas num pro- CONSIDERAÇÕES FINAIS
cesso democrático e mediado pela investigadora.
Contudo, o jogo AVENTUJOG, foi idealizado por O Roleplaying Game, enquanto prática lúdica e
um grupo de alunos, uma professora de Educa- fenômeno cultural contemporâneo, pode ser inse-
ção Física de escola pública e os parceiros es- rido no nicho da chamada cultura pop, dialogan-
pecialistas. O grupo desejava contribuir de forma do, inclusive com suas outras linguagens, como
relevante, construindo assim um LEGADO, para cinema, videogames e quadrinhos. Porém, por se
sua escola. sustentar na palavra falada, na criatividade e na
De acordo com os resultados obtidos compre- imaginação como seus elementos fundamentais,
endemos que a criação e vivência do jogo criado se conecta com a literatura de fantasia e, sobretu-
se apresenta bem relevante aos participantes. do, com uma tradição oral que remete a séculos.
Conseguimos alguns depoimentos dos alunos O RPG possibilita, através dos processos cria-
participantes: “Que jogo massa! Quero participar tivos em grupo, um espaço simbólico que utiliza
do grupo de estudos para criar mais jogos”; “Tia a fantasia como importante ferramenta de intera-
foi muito legal, pois ficamos unidos, com muitas ção e desenvolvimento sociocognitivo. A criação
ideias, e quase conseguimos descobrir”; “Quero de histórias em conjunto e de forma cooperativa
jogar mais vezes, amei o jogo”. Alguns depoimen- que o jogo estimula assume o papel de uma jor-
tos dos idealizadores: “Que proposta interessante nada fantástica, através de uma dinâmica capaz
e relevante para o processo educacional”; “Criar de atualizar os referenciais simbólicos e imaginá-
um jogo baseado em experiências reais mexeu rios dos sujeitos.
68 3
Quando participamos de um bom jogo – ou esta- dades pessoais, tornando-se assim, mais conec-

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mos enfrentando obstáculos desnecessários –, tados com outras pessoas e à realidade em que
nos movemos em direção à extremidade positi-
estão inseridos.
va do espectro emocional. Ficamos intensamen-
te envolvidos, e isso nos deixa com a disposição Percebemos que o estudo conseguiu articular
mental e a condição física adequadas para ge- as unidades temáticas da disciplina de Educação
rar todos os tipos de emoções e experiências Física (Esportes, Danças, Ginásticas, Lutas, práti-
positivas. Todos os sistemas neurológicos e cas corporais de aventura e Brincadeiras e Jogos)
fisiológicos que estão na base da felicidade –
com os temas transversais, oriundos do contexto
nossos sistemas de motivação, nossos centros
de emoção e memória – são inteiramente ativa-
que a escola e seus componentes (gestão escolar,
dos com os jogos (MCGONIGAL, 2012, p.37). professores, alunos, funcionários e familiares) es-
tão inseridos, buscando promover a interdisciplina-
Aos construir personagens heroicos e viven- ridade entre as disciplinas que compõem a área do
ciar situações épicas em narrativas imaginárias conhecimento Linguagens e códigos (Educação
desenvolvidas coletivamente, os jogadores de Física, artes, Língua portuguesa e Língua estran-
RPG resgatam temas e estruturas narrativas e as geira), sempre incentivando a leitura, a escrita, e a
ressignificam, conforme criam seus personagens produção textual dos envolvidos no jogo.
e aventuras a partir de seus conteúdos internos e Através de práticas inovadoras, buscan-
experiências externas, em um processo de inte- do estimular a idealização de novas pesquisas,
ração sociopsicológica, pautado na fantasia e na mostrando assim, ser possível sua execução. A
imaginação ativa, criando assim um sentido pró- curiosidade e o desejo de contribuirmos de forma
prio e múltiplo. significativa com a comunidade escolar, que aten-
O sentido que cada um atribui à sua prática demos deu “asa” a imaginação e o sonho tornou-
jogando RPG definitivamente será diferente de -se realidade. Acreditamos e defendemos que ao
indivíduo para indivíduo, de acordo com seus desenvolvermos ações inovadoras que busquem
conteúdos inconscientes, suas relações sociais trabalhar as competências socioemocionais na
e vivências. Porém, como percebemos, a sen- escola, possibilitam aos alunos reconhecerem e
sação de fazer parte de um esforço coletivo, re- compreenderem suas emoções diante de situa-
alizar proezas grandiosas e construir um mundo ções desafiadoras que possam surgir diariamen-
melhor, mesmo que momentaneamente, em um te, o que pode influenciar diretamente no proces-
ambiente imaginário, tem o potencial para fazer so de ensino e de aprendizagem.
dos jogadores de RPG indivíduos mais inclina- Com base nos resultados obtidos, entendemos
dos a criar laços sociais e aprimorar suas habili- que a criação do jogo AVENTUCORP, por meio da
69 3
Educação Física escolar, pode favorecer atitudes Ao criarmos um jogo cujo o enredo é basea-

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positivas nos discentes em situações de jogo. Os do em fatos reais nos remetem a compreender
alunos participantes acreditam na relevância que de fato sua relevância, motivo que nos moveram
tais desafios, em situação de jogo, favorecem: ao para disseminar atitudes preventivas, que muitas
processo de ensino e de aprendizagem; ao forta- vezes podem amenizar certos danos causados.
lecimento de vínculos; ao trabalho em equipe; a
prática da empatia e à cooperação. REFERÊNCIAS
A maioria dos participantes enalteceram, em
seus comentários, a alegria que se manifestou BENJAMIN, Walter. O narrador. in: Textos escolhidos.
São Paulo: Abril Cultural, 1979. [coleção Os Pensadores].
diante das experiências adquiridas ao longo do en-
sino médio, durante as aulas de educação física. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Co-
Para uma das alunas participantes: “O jogo em mum Curricular. Brasília, 2018.
si trás assuntos vivenciado no cotidiano que afe-
ta muito na vida das pessoas ao mesmo tempo CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas
é um jogo que lhe tira da sua zona de conforto ti Athena, 1990.
fazendo querer descobrir, pensar, se sentir real-
mente dentro do jogo, tornando um determinado DARIDO, Suraya Cristina. Educação Física e temas
assunto interessante, fácil de aprender e dinâmi- transversais na escola. Campinas: Papirus, 2012.
co.” Já para uma segunda aluna que vivenciou o
jogo ressalta: “Bem empolgante, a experiência é DARIDO, Suraya Cristina. Educação Física na esco-
de entrar completamente na história, aamei pq o la: implicações para prática pedagógica, Rio de Janei-
último eu ganhei e tava desproporcional minha ro: Guanabara, 2005. 293 p.
equipe mas mesmo assim ganhamos”. Uma ter-
ceira fala que “Achei muito legal, pois eu nunca
HUIZINGA, J. Homo Ludens, o jogo como elemento
participei de um jogo e tinha muita vontade de
da cultura. 5ª Ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004.
participar de um jogo, só que eu vi que é muito
legal, então vou participar mais vezes, porque
JUNG, C.G. Tipos psicológicos. Petrópolis, Vozes,
eu adorei jogar, muito legal”. Para um dos alu-
nos idealizadores afirma que “Então tia pra mi- 1991.
nha primeira experiência nesse tipo de jogo eu
achei muito legal msm! Ate msm pelo fato de eu KASTENSMIDT, Christopher. A bandeira do elefante
não ter costume com esse tipo de jogo eu gostei e da arara: livro de interpretação de personagens. São
bastante! E tambem pelo fato de nos ajudarmos Paulo: Devir, 2017.
bastante uma ideia aqui outra ali e assim o jogo
foi se formando acho que assim como eu todo MACHADO, Regina. A arte da palavra e da escuta.
mundo ficou muito feliz com resultado! São Paulo: Editora Reviravolta, 2015.
70 3
MCGONIGAL, Jane. A realidade em jogo. Rio de Ja-

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neiro: Best Seller, 2012.

MEARLS, Mike et al. Dungeons & Dragons Player’s


Handbook: Livro do jogador: Edição em português.
São Paulo: Galápagos, 2019.

MINAYO, M.C. de S. Pesquisa social: teoria, método


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ZANINI, Maria do Carmo (Org.). Anais do I Simpósio


RPG & Educação. São Paulo: DEVIR, 2004.
71

INTRODUÇÃO

Entender que o ato de brincar pode estar vin-


culado ao ensino-aprendizagem é algo pouco
compreendido por muitos, porém já muito estu-
dado. Olusoga, 2011 reforça o processo de brin-
car como algo importante, não somente para
o desenvolvimento intelectual da criança, mas
também na perspectiva social e cultural. Neste
sentido, um ponto a ser considerado pelos profes-
sores mediadores proposto por Feuerstein, et al.,
(2014) é a sua ação como mediadores, nortean-
do os discentes em sua formação, podendo atuar
na relação de ensino-aprendizagem utilizando de
metodologias e recursos que possam dinamizar o
processo, sendo a utilização de oficinas uma des-
tas propostas.

CAPÍTULO 4
Logo, faz-se necessário entender como tal as-
sunto é colocado nos documentos nacionais de
referência da educação, para enfatizar a impor-
tância destas abordagens. Quando analisa-se

BRINCANDO DE TENTILHÕES: a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)1 no


currículo de Ciências da natureza, visualiza-se a
A EVOLUÇÃO SOB UMA unidade temática “Vida e Evolução” onde apenas
no 9° ano o “objetivo de conhecimento” trata real-
PERSPECTIVA LÚDICA mente de ideias evolucionistas abordando sobre
as ideias de Darwin e Lamarck, de forma superfi-
Sheila Matias Barroso cial (LARROYD, 2020).
Douglas Jonathan de Menezes Saraiva
1 BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curri-
cular. Brasília, DF: Ministério da Educação, SEB. 2018. Disponí-
vel em:https://www.alex.pro.br/BNCC%20Ci%C3%AAncias.pdf .
Acesso em: 23 jun. 2021.
72 4
As oficinas do ensino de ciências podem ser dos espaços não-formais de ciências na forma-

Sheila Matias Barroso - Douglas Jonathan de Menezes Saraiva


BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
utilizadas, corroborando ativamente como estra- ção discente, além de ratificar o benefício da uti-
tégia didática, proporcionando um incentivo ao lização de recursos dinâmicos na aprendizagem
aluno através da teoria e prática (PIRES et al., dos estudantes. Ademais, neste capítulo propo-
2014), podendo as mesmas serem mais frequen- mos uma reflexão sobre como o desenvolvimen-
temente promovidas e aplicadas quando traba- to de atividades lúdicas podem contribuir para a
lhando temáticas consideradas abstratas ou mais formação discente no ensino básico de evolução.
complexas pelos discentes. Cientes dos desafios enfrentados para aborda-
No contexto das Ciências Biológicas, a temáti- gem desta temática, alguns trabalhos neste âm-
ca sobre Evolução encontra-se como um dos pi- bito demonstram que é possível perceber com
lares fundamentais desta ciência (ALMEIDA, A.; certa frequência um dos obstáculos enfrentados
FALCÃO, J., 2005), porém quando buscada na no ensino de Evolução está no despreparo dos
educação básica sua abordagem é suprimida, ao professores, por exemplo (TIDON et al., 2004).
ensino médio, com o direcionamento para o Exa- Como um relato de experiência, o presente
me Nacional do Ensino Médio (ENEM). Ainda na capítulo tem a finalidade de explicar a atividade
década de 90, a abordagem do ensino de evolu- realizada, buscando a partir da visão e interpre-
ção era considerada pelos professores do ensino tação dos mediadores obter análise do benefício
fundamental e médio como algo pouco importan- para aprendizagem dos discentes. Compreen-
te, segundo Licatti, 2005. Porém, a evolução é dendo que em um relato de experiência o autor
considerada um eixo transversal e norteador do narra através da escrita acontecimentos vividos,
ensino de biologia (BRASIL, 2006). Em meio a este conhecimento passa a ser transmitido a par-
esses desafios, a utilização de oficinas e outros tir de uma referência científica (GROLLMUS et
recursos são pensados como auxílio pedagógico. al., 2015). Apresenta-se aqui a oficina “Brincando
O presente capítulo busca apresentar as análi- de tentilhões”, atividade que se incorpora à uma
ses obtidas na oficina “Tentilhões de Darwin’’, re- exposição itinerante promovida pelo espaço de
alizada por um espaço não formal para o ensino ciências supracitado. Esta traz em sua proposta
de Ciências localizado no município de Fortale- a abordagem da evolução humana, imergindo os
za/CE. O referido espaço busca democratizar e discentes em uma ambiência que contribua para
popularizar o conhecimento científico através de o entendimento sobre o assunto.
atividades interativas, exposições itinerantes, ofi- Sendo assim, objetiva-se apresentar a expe-
cinas, cursos, visitas mediadas entre outras ativi- riência vivenciada, buscando visualizar tal ati-
dades. Tal atividade justifica o papel importante vidade e seus benefícios aos discentes a partir
73 4
do relato dos mediadores e com isso perceber o assim, ainda mais evidente a aplicabilidade e im-

Sheila Matias Barroso - Douglas Jonathan de Menezes Saraiva


BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
impacto desta atividade na aprendizagem da te- portância da compreensão de tal temática.
mática proposta. Pode-se assim, entender o quão relevante é a
compreensão de tal conceito e suas aplicações
ENSINO DE EVOLUÇÃO para os estudos aplicados e os conhecimentos
cotidianos, sendo reforçada pela célebre frase
Um assunto que apresenta um estudo amplo, “Nada em Biologia faz sentido, exceto à luz da
como uma de suas definições entende-se Evolu- Evolução” (DOBZHANSKY, T., 1973).
ção como mudança, na forma e no comportamen-
to dos indivíduos ao longo das gerações (RIDLEY, METODOLOGIAS
2007). Sendo a Biologia o estudo da vida, enten-
der as mudanças ocorridas nestes organismos fa- As metodologias surgem como uma proposta
z-se de extrema importância. Assim, é compreen- de auxiliar o ensino-aprendizagem, sendo assim
sivo o ensino de evolução como pilar e base dos compreender uma variedade de metodologias,
conhecimentos de Biologia, sendo algo salienta- permitem uma maior compreensão e participação
do por Duarte, (2010) e Larroyd (2020). dos discentes (BRIGHENTI et al., 2014). Nes-
Quando pontua-se outros assuntos como Bo- te sentido, o docente que compreende o uso da
tânica, Zoologia, Citologia, Genética e muitos diversidade metodológica contribui para a apren-
outros relacionados a esta ciência, a Evolução dizagem e por consequência para o ensino, pois
apresenta sendo o conhecimento base onde tais o professor não é mais apenas um transmissor,
sustentam suas hipóteses, dando assim orienta- mas um atuante efetivo na construção da apren-
ções para as demais abordagens (ZAMBERLAN, dizagem junto ao discente (VEIGA, 2006).
2012). Pode-se assim entender este conhecimen- Quando tratamos de metodologias, rejeições
to sendo útil quando visualizamos a educação começam a ser parte da discussão, porém a uti-
formal, porém nota se a relevância de tal estudo lização de modelos metodológicos mesmo que
no dia a dia como na agricultura, sendo neces- simples faz-se necessário, como a exemplifica-
sário para entender como manter a variedade de ção cotidiana de um assunto, promovendo uma
espécies no cultivo e para reduzir a evolução de valorosa visão prática dos conhecimentos científi-
pragas resistentes (BURDON et al., 2014). Na cos no dia a dia (GONÇALVES, 2008).
biotecnologia os estudos evolutivos são usados As metodologias ativas apresentam-se como
para produção de biomoléculas, com característi- uma prática pedagógica efetiva na relação ensi-
cas particulares (MEYER et al., 2011). Deixando no-aprendizagem, sendo definida por Santos et
74 4
al. (2019) como “o processo de construção de apresenta a oficina “Tentilhões de Darwin”. Nesta

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BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
ação-reflexão-ação em que o estudante tem uma buscou-se por meio de um ambiente de reflexão,
postura ativa em relação ao seu aprendizado”, prática, de criação e recriação de métodos, como
corroborando com as propostas de Freire (2006), já abordados por a Anastasiou et al. (2004), inse-
que traz as problemáticas como eixo provocador rir os discentes em uma vivência onde os mes-
para a ação da pesquisa, proporcionando assim mos pudessem compreender conceitos básicos
uma solução para a realidade. Em seu trabalho de Evolução e os estudos de Darwin.
Santos et al. (2019) buscam contextualizar uma Os “tentilhões” título da oficina proposta é um
série de metodologias sendo essas: estudo de grupo de aves que habitam a ilha de Galápagos
caso, problematizações, Philips 66, aprendizagem no Equador, em seus estudos Charles Darwin o
baseada em problema, o que permite evidenciar naturalista britânico que propôs a Teoria da Evolu-
as alternativas de uso que o docente pode adotar. ção por Seleção Natural estuda tal grupo animal,
As oficinas são uma outra alternativa metodoló- o mesmo viajou pelo mundo coletando diversas
gica que propõem oportunizar experiências lúdicas amostras animais e vegetais, a partir de tão inten-
tornando possível e prazeroso o assunto proposto, sa pesquisa de campo ele publica em 1859 a obra
criando um ambiente ativo de aprendizagem em intitulada “Sobre a origem das espécies por meio
um contexto prático (LEITE; BARROS, 2013). Nes- da seleção natural ou a conservação das raças
te sentido, as oficinas podem atuar possibilitando favorecidas na luta pela vida” (SILVA, 2014).
articulações e integrações de conhecimentos im- Em seus estudos Darwin se depara com os
portantes para a aprendizagem. Compreende-se tentilhões, que o deixou intrigado após uma aná-
assim a proposta das oficinas como meios que lise sobre a morfologia do bico dessas aves. O
“possibilitam uma estimulação do saber ao criar e formato dos bicos dos tentilhões variava nas dife-
recriar situações, materiais, ferramentas e conhe- rentes ilhas do arquipélago do Pacífico. Segundo
cimentos baseando-se na relação do sujeito com Pivetta (2015) “O avanço dos estudos evolutivos
o objeto de estudo em questão” (SOUZA, 2016). mostrou que esse traço físico varia em função do
Sendo assim, um excelente espaço de aprendiza- tipo de alimentação disponível no território em
gem aos que delas participam. que os tentilhões habitam, da competição entre
as espécies e do isolamento geográfico”.
A OFICINA TENTILHÕES É neste contexto teórico que esta oficina se
insere, com a ideia de corroborar para a compre-
Compreendendo a efetividade que é o de- ensão e dessa forma para a formação dos discen-
senvolvimento de oficinas, o presente capítulo tes sobre Evolução, buscando por meio de apli-
75 4
cações práticas proporcionar uma compreensão MÉTODO: EXECUÇÃO DA OFICINA

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BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
acerca deste assunto mostrando como o mesmo
se insere no dia-a-dia. A oficina “Tentilhões de Darwin’’ apresenta-se
como uma alternativa prática para os conceitos
METODOLOGIA abordados na exposição. Nesta atividade bus-
cou-se tratar as ideias darwinianas, utilizando de
Dentre as iniciativas desenvolvidas no referido alusões e ferramentas que proporcionassem aos
espaço não-formal de Ciências, a oficina “Tenti- estudantes, reflexões equivalentes às que o pró-
lhões de Darwin” surge como uma proposta ine- prio Darwin chegou em seus estudos. Com a che-
rente a exposição sobre a evolução, trabalhando gada dos alunos ao espaço, a turma era dividida
o contexto histórico e biológico da evolução hu- em dois grupos, onde um iriam para a exposição
mana por meio da uma peça da exposição no for- e o outro para a oficina, após a atividade ocorria a
mato de uma mala com várias gavetas, em que troca dos grupos entre as atividades. Nas figuras
cada uma trazia um pouco da história da evolu- 1 e 2 pode-se ter uma percepção das duas ativi-
ção humana contada através de quadros, objetos dades e a disposição da turma nos dois espaços.
e atividades. Além disso, a exposição utilizava-se
de mediações, ambientações, esculturas, vesti-
mentas, réplicas de fósseis, instrumentos e outros
recursos que possibilitem ao público uma imersão
aos conceitos apresentados.
Esta exposição teve como público, escolas
do município de Fortaleza/CE e região metropo-
litana sendo atendidas do fundamental ao ensi-
no médio, além do ensino superior tal exposição
ocorreu presencialmente no primeiro trimestre
de 2020 nos períodos da manhã, tarde e noite,
sendo a mesma executada antes do isolamento
Figura 1- Sala da oficina
social ocasionado pela pandemia da COVID-19.
A mediação da exposição contou com uma equi-
pe de 6 professores orientadores e 6 monitores,
sendo estes profissionais das áreas de química,
física, biologia, geografia, história e matemática.
76 4

Sheila Matias Barroso - Douglas Jonathan de Menezes Saraiva


BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
Figura 3 - Etapas da oficina

Após todo o processo acima ilustrado, os alu-


nos eram indagados sobre como compreenderam
a atividade, a fim de a partir de tal questionamen-
to desenvolver uma reflexão sobre os conceitos
Figura 2 - Sala de exposição trabalhados e a compreensão dos mesmos.

A oficina iniciava-se com a divisão dos discen-


COLETA DE DADOS
tes em grupos, onde cada membro recebeu uma
ferramenta (tesouras, pinças, pregadores), que
Nesta pesquisa obteve-se dois grupos de res-
representavam os bicos dos tentilhões, pássaro
postas, os dados sobre a percepção dos media-
que Darwin dedicou parte de seus estudos sobre
dores e os que tratam das impressões da autora.
evolução, além disso, cada equipe recebia uma
A coleta dos dados destes mediadores foi feita a
porção com grãos variados para representar os
partir da plataforma Google forms, por onde foram
alimentos disponíveis no meio.
dispostas num total de 3 perguntas, uma de múlti-
Inicialmente houve uma introdução sobre a
pla escolha e duas discursivas a respeito da ofici-
temática, seguido de um momento prático onde
na. Tal alternativa de coleta, contribui para que os
cada um teria com o auxílio das ferramentas
dados pudessem ser adquiridos a distância. Além
que coletar o maior número de grãos, represen-
disso, com este formulário obteve-se um total de
tando assim a alimentação dos tentilhões, tal
5 respostas, correspondente ao número de me-
coleta ocorreu em um tempo determinado. Na
diadores participantes.
figura 3 pode-se visualizar as etapas desenvol-
vidas na oficina. ANÁLISE DE DADOS

Neste tópico serão dispostos dois grupos de


resultados, primeiramente será apresentado os
77 4
dados referentes a perspectiva dos mediadores para o ensino de ciências, o que é corroborado

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BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
que participaram desta oficina, neste contexto ao por Pauletti (2013), que apresenta a oficina como
apresentar as respostas indicaremos M1, M2, M3, eficiente no ambiente pedagógico.
M4, M5 respeitando a identidade dos participantes. Quando questionados sobre “Quais são os
O outro grupo de resultados será apresentado os ganhos na perspectiva de ensino-aprendizagem
dados referentes a reflexão e perspectiva da au- você visualiza na realização de oficinas no con-
tora sendo assim, disposto por meio do relato de texto das ciências da natureza?” Utilizando uma
experiência nos dois momentos da oficina, eviden- nuvem de palavras (Figura 4) podemos visualizar
ciando suas impressões da explanação teórica e como os mediadores compreendem os benefícios
do momento prático, salientando as falas que ratifi- pedagógicos da utilização de oficinas.
cam o processo de aprendizagem dos alunos. Am-
bos os dados serão avaliados por uma abordagem
qualitativa, sendo o pesquisador um interpretador
da realidade estudada (BRADLEY, 1993).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

PERSPECTIVA DOS MEDIADORES SOBRE


O IMPACTO DA ATIVIDADE

A oficina “Tentilhões de Darwin” dispôs de 6


mediadores, sendo um deles a presente auto-
Figura 4 - Nuvem de palavras
ra deste capítulo. Com esses dados obtém-se a
perspectiva de tais profissionais sobre o entendi-
As nuvens de palavras evidenciam pelo tama-
mento do impacto que tal atividade proporcionou
nho os termos com maior repetição em um texto,
no público participante.
neste sentido quando analisando as respostas
Quando os mediadores foram questionados se
dos participantes alguns termos foram comuns
eles “Acham que a utilização de oficinas possi-
em suas falas, sendo eles “lúdico”, “vivenciar”,
bilitam uma melhor disposição de ensino-apren-
“participação”, o que deixa evidente que os me-
dizagem para o ensino de ciências? ” obteve-se
diadores compreendem as oficinas como uma al-
um total de 100% a favor da utilização de oficinas
ternativa não tradicional de aprendizagem, termos
78 4
como “prática” “possibilidades” e “atrativo” ratifi- divisões em grupos, as decisões tomadas de for-

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BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
cam essa ideia e evidenciam um dos principais ma coletiva e as reflexões por eles elaboradas”
benefícios do trabalho com oficinas. O teor práti- mostrando que esta metodologia proporciona um
co que a mesma oferece, corroborada por Paulo desenvolvimento de diversas habilidades além do
Freire (1996) onde coloca que espaços dinâmi- conhecimento teórico em evolução. O M4 ratifi-
cos de construção do conhecimento pela promo- ca ainda essa perspectiva quando aborda que “...
ção do diálogo, favorecem o processo criativo de forma mais dinâmica, em que os alunos passam
aprendizagem, transformação da realidade. a ter uma participação ativa e interativa com os
Por fim, quando questionados sobre “Como materiais apresentados na oficina, possibilitan-
você, quanto mediador da oficina “Tentilhões de do uma melhor visualização e compreensão do
Darwin” visualiza os impactos desta prática no en- assunto abordado…”. Neste sentido, tais coloca-
sino de evolução? ”. Em uma perspectiva geral as ções salientam a relevância da atividade proposta
respostas obtidas apresentam um retorno positivo para a formação dos discentes.
da metodologia utilizada. Podemos observar tal
análise na fala do mediador M1 “Acredito que o INTERPRETAÇÕES DA AUTORA SOBRE A
impacto foi positivo e auxiliou os alunos a compre- COMPREENSÃO DOS DISCENTES
enderem de forma mais prática sobre evolução,
tanto no que concerne à Biologia quanto aos as- A mediação em uma oficina promove uma
pectos históricos em que a Teoria da Evolução foi perspectiva singular de como o público que par-
desenvolvida…” o mesmo ainda visualiza a pers- ticipa compreende a temática proposta, pois en-
pectiva interdisciplinar que a oficina apresentou, o tender as expressões faciais, as falas e gestos,
que é salientado pelo M2 quando diz que “Por se indiretamente fazem parte do papel como me-
tratar de um tema (o ensino de Evolução) com uma diador, pois com essa análise pode-se obter um
multiplicidade de efeitos causais e não-causais, retorno atualizado de como a informação está
perpassando por várias áreas do saber como a chegando no público e dessa forma adaptar e
geologia, climatologia, genética etc.”, sendo cor- mudar a estratégia.
roborado por Oliveira et al. (2017), que apresenta Com a participação de níveis de ensinos va-
a evolução como uma extensão para além da ci- riados na presente oficina, adaptar a linguagem
ências biológicas. Além disso, outras percepções apresenta-se como um dos principais desafios
evidenciadas pelo M3, fala que, “A oficina aqui ci- nesta vivência, pois deve-se levar em considera-
tada, buscou utilizar de diversas habilidades dos ção turmas que formalmente nunca foram apre-
alunos dentro do contexto da evolução, como as sentadas ao assunto de Evolução e turmas em
79 4
que o mesmo já havia sido bem explanado. Nes- Ao longo da atividade ficou nítida a utilização

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BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
te sentido, necessitou-se de estratégias rápidas por parte dos discentes da imaginação, atenção,
e domínio do conteúdo para que tal dinamismo criatividade, habilidades essas atribuídas ao uso
pudesse ocorrer sem que houvesse problemas no de atividades lúdicas, proposta essa a qual as ofi-
andamento da exposição. Nesta perspectiva um cinas encaixam-se, além de uma evidente com-
fator que se tornou evidente é de que o discente preensão da temática e uma intensa participação
mesmo não tendo acesso prévio aquele determi- dos mesmos no momento reflexivo.
nado assunto o mesmo apresenta vivência e re-
lações que também os enriquece e desta forma CONCLUSÃO
mesmo em perguntas como, “O que é evolução?
”, termos coerentes como “Mudança”, “Adapta- Com este capítulo podemos compreender a
ção”, “Vida”, “Sobrevivência” surgiam, mesmo em relevância da utilização de metodologias ativas
turmas sem o conhecimento prévio. para o melhor desenvolvimento da relação de
O que evidencia que os saberes podem ser ensino e aprendizagem. Pois as mesmas ofere-
adquiridos além dos muros da escola. Tais visões cem um ambiente dinâmico, instigante e prático
foram perceptíveis ainda na explanação teórica para a absorção dos saberes. Neste contexto, a
inicial da oficina, onde de forma geral por meio de utilização de oficinas corrobora ativamente com
questionamentos promoveu-se um Brainstorming o processo, os resultados obtidos neste capítulo
(tempestade de ideias) tal estratégia metodológi- ratificam esta afirmativa.
ca se mostrou ainda mais eficaz pois proporcio- Sendo assim, a utilização destas propostas ali-
nou um ambiente saudável e participativo. nhadas aos saberes deve ser incentivada dentro do
No momento prático onde os mesmos deve- espaço educacional, formal ou não-formal. O presen-
riam em seus grupos coletar o maior número de te capítulo norteia os conceitos de evolução, que ao
sementes possíveis, pode-se perceber o empe- longo deste é colocado como um assunto polêmico
nho dos discentes ao avaliar as colocações visi- e de difícil abordagem no espaço acadêmico nos di-
velmente empolgadas, sendo estas como: “Não ferentes níveis. Logo, utilizar-se de metodologias e
dá pra pegar nada! ”, “Só consigo pegar um tipo métodos que contribuam para tal efetivação do co-
de semente. ”, “Meu pássaro vai morrer de fome. nhecimento é algo que deve ser encorajado em as-
” Tais colocações norteiam ratificando que a ativi- suntos como evolução e muitos outros apresentados
dade causou o impacto desejado, dentro da temá- ao longo da formação escolar, que venham apresen-
tica, já que as falas acima apresentadas possuem tar alguma dificuldade em seu desenvolvimento pe-
contexto dentro do assunto de Evolução. los inúmeros fatores já mencionados.
80 4
O capítulo, pôde descortinar perspectivas sin- REFERÊNCIAS

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BRINCANDO DE TENTILHÕES: A EVOLUÇÃO SOB UMA PERSPECTIVA LÚDICA
gulares da abordagem de oficinas junto ao con-
ceito de evolução, dentre elas a proposta prática ANASTASIOU, L.G.C; ALVES, L.P. Estratégias de en-
sinagem. Processos de ensinagem na universidade:
da atividade, a interdisciplinaridade que o assunto
pressupostos para as estratégias de trabalho em aula,
proporciona e as múltiplas habilidades desenvol- v. 3, p. 67-100, 2004. Disponível em: <https://ediscipli-
vidas com a aplicação da mesma. Os resultados nas.usp.br/pluginfile.php/3203177/mod_resource/con-
trazidos pelos mediadores apresentam uma pers- tent/2/Anastasiou%20e%20Alves.pdf>. Acesso em: 29
pectiva ampla sobre esta abordagem, levando em de jun. de 2021.
consideração que os mesmos são de diferentes
ALMEIDA, Argus Vasconcelos de; FALCÃO, Jorge
áreas. Quanto à presente análise da autora pode- Tarcísio da Rocha. A estrutura histórico-conceitual
-se obter resultados quanto aos conceitos de evo- dos programas de pesquisa de Darwin e Lamarck e
lução desenvolvidos, pois o aglomerado de recur- sua transposição para o ambiente escolar. Ciência &
sos e habilidades aplicados pode proporcionar Educação, v. 11, n. 1, p. 17-32, 2005. Disponível em:
<http://www.biologia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/sim-
mesmo aos discentes que não tenham conheci-
posio/everaldo/darwin_lamarck.pdf >. Acesso em: 23
mento prévio uma perspectiva base deste saber. jun. 2021.
A partir dos resultados aqui apresentados
podemos entender a total relevância da abor- BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
dagem desta metodologia, em especial sobre Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, SEB.
2018. Disponível em:<https://www.alex.pro.br/BNCC%20
evolução, pois a mesma apresenta-se como
Ci%C3%AAncias.pdf >. Acesso em: 23 jun. 2021.
um recurso eficiente ao abordar assuntos mais
“complexos”, considerados de difícil absorção BRASIL. Ministério da Educação/Secretaria de Educa-
pelos discentes. Compreendo assim o bene- ção Básica. “Orientações curriculares para o ensino
médio; volume 2 – Ciências da Natureza, Matemática e
fício prático desta abordagem, porque tal me-
suas tecnologias”. Brasília: MEC, 2006. Disponível em:
todologia não é mais frequentemente aplicada <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volu-
no espaço escolar, partindo desta reflexão tal me_02_internet.pdf>. Acesso em: 29 de jun. de 2021.
capítulo surge como uma pesquisa base para
propor maiores estudos que busquem compre- BURDON, J.J.; BARRETT, L.G.; REBETZKE, G.;
THRALL, P.H. Guiding deployment of resistance in ce-
ender os motivos do pouco uso deste recurso
reals using evolutionary principles. In: BERNATCHEZ,
metodológico, e assim poder identificar os fato- L. Evolutionary Applications: Evolutionary approa-
res limitantes buscando assim superá-los. ches to environmental, biomedical and sócio-econo-
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Sheila Matias Barroso - Douglas Jonathan de Menezes Saraiva


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dizagem. Mestrado profissional em educação profis-
83
INTRODUÇÃO

Este artigo nasceu da inquietação acerca dos


cuidados e da proteção da criança na hora da brin-
cadeira, em especial neste contexto da pandemia
do Covid-19, no qual o acesso das crianças aos
jogos e às brincadeiras em locais coletivos min-
guaram desde março de 2020. Por outro lado, o
acesso das crianças aos equipamentos lúdicos,
por vezes sem supervisão, vem aumentando
significativamente desde em julho de 2021 com
a liberação do acesso às atividades recreativas
“permitidas” em espaços abertos como alguns
parques públicos e em condomínio, playgrounds,
quadras poliesportivas e área de circulação de
usuários. Esses espaços se tornaram, para mui-
tos, a única opção para sair do confinamento total

CAPÍTULO 5 e passar para um confinamento parcial, apesar


das restrições à circulação que ainda existem.
Outra questão que merece destaque, inclusive
BRINCAR SIM, MAS COM antes da pandemia, é o fato de que, no Brasil, a
principal causa de morte de crianças com mais
SEGURANÇA TAMBÉM!! de um ano de idade está associada a causas ex-

SEGURANÇA NAS ATIVIDADES ternas. Entre 1998 e 2012, estima-se que lesões
ocorridas durante brincadeiras em playgrounds

LÚDICAS DAS CRIANÇAS resultaram em 6.218 internações e em 45 mortes


(GARCIA NETO, 2016). Nesse sentido, o presen-
EM PLAYGROUNDS E te artigo tem como objetivo expor uma pesquisa
exploratória, a fim de discutir as questões de se-
BRINQUEDOTECAS gurança nas atividades lúdicas das crianças nos
espaços abertos (playground) e no espaço da
brinquedoteca. A metodologia utilizada foi o le-
Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira
vantamento bibliográfico.
Juliana Reis de Oliveira
84 5
A estreita relação entre o contexto sócio-histó- O BRINCAR EM ESPAÇOS ABERTOS

Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Juliana Reis de Oliveira


BRINCAR SIM, MAS COM SEGURANÇA TAMBÉM!! SEGURANÇA NAS ATIVIDADES LÚDICAS DAS CRIANÇAS EM PLAYGROUNDS ...
rico e a natureza das experiências das crianças
é há muito tempo objeto de estudo da Psicolo- É fato que as crianças precisam de espaços
gia do desenvolvimento e aprendizagem. A pan- abertos para a brincadeira literalmente “rolar sol-
demia tem forçosamente impactado no modo de ta”. Deixar o corpo livre para se projetar no am-
ser e estar das famílias e da sociedade atual: a biente sem medo de ser feliz é o sonho de todo
preocupação com a vida, naturalmente pertinen- brincante! O brincar em espaços abertos permite
te, tem impactado na organização dos espaços, que a criança dirija as atividades do seu interes-
dos objetos lúdicos e nas formas de brincar das se, decidindo como, quando e com quem brincar.
crianças, assumindo um caráter cada vez menos Essa decisão é fundamental para desenvolver o
livre e mais controlado pelos adultos, limitando as autocontrole, a autonomia e autoconhecimento
experiências interativas e criativas do brincante. ao mesmo tempo em que permite à criança ex-
Por outro lado, os esforços para manter a plorar suas potencialidades. Além de favorecer
criança intelectualmente ativa não cessaram du-
o desenvolvimento motor, cognitivo, e socioafe-
rante o período da pandemia. Observa-se um em-
tivo, a exploração do espaço aberto mobiliza os
penho em manter os conteúdos curriculares em
sentidos, facilita o processo de aprendizagem e o
dia, mesmo que isso signifique que a criança pas-
desenvolvimento de mapas mentais importantes
se muito tempo na frente de uma tela, o que pode
para o raciocínio espacial (THOMAS; HARDING,
gerar malefícios para o desenvolvimento, além de
2011). Apropriar-se do mundo em que vive por
problemas precoces de visão, coluna, cansaço
meio do seu corpo e das suas próprias experiên-
mental e físico. Para Neto (2005), há uma tendên-
cias é uma forma de garantir aprendizagens di-
cia para manter a criança intelectualmente ativa e
corporalmente passiva, numa fase em que o jogo versas à criança, em especial as competências
livre e a atividade física são fundamentais para matemáticas e científicas (WHITE, 2011). Para
o desenvolvimento de uma vida ativa, assegura- que a criança possa brincar e ser inteira nas suas
da por atividades saudáveis. Entendendo que o experiências, os adultos precisam observar algu-
brincar livre é fundamental para a saúde física e mas características próprias dos espaços abertos
psíquica da criança, White (2011) e Bento (2012) que envolvem a segurança dos pequenos, como
salientam que essa forma de brincar fortalece o é o caso dos playgrounds ou brinquedões.
sistema imunológico, estimula a produção de vi- Playground. Embora a responsabilidade da
tamina D e de serotonina, contribui com desen- manutenção seja dos órgãos responsáveis, é
volvimento da visão, do equilíbrio, da consciência recomendado que um adulto sempre vistorie os
corporal e das interações neuronais. brinquedos antes de permitir que a criança os
85 5
utilize. Observar se o brinquedo encontra-se em O BRINCAR NO ESPAÇO DA

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bom estado de preservação; escutar se há ran- BRINQUEDOTECA
gido nos parafusos, nas dobras dos balanços ou
quando a criança pisa; tocar em partes que possa A brinquedoteca é um espaço preparado e
ter farpas ou seja cortante são ações prudentes a planejado com uma grande variedade de jogos
serem tomadas nesse tipo de brinquedo. e brinquedos para o brincar acontecer de forma
Conforme ABNT (2015), a norma NBR 16.071 livre e segura entre as crianças, adolescentes e
para playground no Brasil foi dividia em sete par- suas famílias. Esse espaço precisa contar com
tes e contém as orientações necessárias para um profissional que é o gestor responsável pela
proporcionar a segurança dos brinquedos, dos brinquedoteca também conhecido como brin-
locais de instalação e orienta sobre inspeção, quedista. A função do brinquedista é a de favo-
manutenção e utilização dos playgrounds. Essas recer a brincadeira e garantir que o espaço es-
normas valem para “[...] escolas, creches, áreas teja sempre seguro e pronto para a brincadeira
de lazer públicas, restaurantes, buffets infantis, acontecer de forma a estimular a potencialidade
shoppings, condomínios, hotéis e outros espaços e as necessidades lúdicas das crianças, ado-
coletivos similares”. (ABNT, 2015, p. 2). Uma das lescentes, adultos e idosos nas diversas faixas
principais normas da NBR 16.071, que deve ser etárias. Essa é uma definição ampla da palavra
assegurada pelo órgão responsável, é a que trata brinquedoteca, mas há muitas outras que podem
dos cuidados que devem ser assegurados para ser definidas de acordo com o contexto, funcio-
a manutenção desse equipamento. Além de ser namento, e faixa etária. Para Cunha (2007), a
instalado seguindo essa norma, é preciso garantir brinquedoteca é um espaço criado para favore-
a manutenção periodicamente. No geral, há uma cer as brincadeiras de modo que potencialize
indicação de três tipos de inspeção: a diária, a re- e estimule as diversas formas de manifestação
gistrada (a cada três meses) e a certificada que das necessidades lúdicas de acordo com a faixa
deverá ser realizada por profissional especializa- etária e o sentido que cada um der ao seu brin-
do anualmente (KIPER, 2018). car na brinquedoteca.
Mesmo que a “vistoria” do adulto nos espaços Para compreender como a brinquedoteca pode
abertos não consiga evitar todos os tipos de aci- contribuir com os fazeres da criança, é preciso
dentes, esse tipo de atitude com certeza minimiza conhecer a história desse equipamento, como se
os riscos evidentes. constituiu e como tem se sustentado. A história da
brinquedoteca revela muito sobre sua importância
e sobre as necessidades de se estabelecer como
86 5
espaço de direito da infância, seja na escola, na aos seus usuários um ambiente agradável, alegre

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sociedade ou no hospital. e colorido, em que a importância maior é a ludici-
Desde a nossa existência humana, por mi- dade proporcionada pelos brinquedos.
lhares de anos, a natureza constitui-se como a Entender como e saber onde surgem esses
primeira grande brinquedoteca, alimentada com espaços chamados, no Brasil, de brinquedotecas,
recursos naturais – areia, água, pedras, paus, faz compreender a dimensão das suas possibili-
penas, ramos, folhas, arbustos, frutos, sol, som- dades dentro de uma perspectiva histórica e cul-
bra, vento, entre outros elementos – um imenso tural do desenvolvimento e da aprendizagem hu-
e inesgotável acervo de materiais lúdicos que a mana. Esse espaço, que está muito além de uma
magia da brincadeira infantil transformou nos pri- simples sala com vários brinquedos, tem suas
meiros brinquedos, e estes ainda hoje são pro- raízes firmes na história da humanidade e na do
curados para alimentar as brincadeiras das crian- brincar, como uma das principais necessidades
ças. Entretanto, adentrar na institucionalização de da criança. Para compreender a importância do
um espaço físico que detém a denominação de brincar é necessário que a criança e brincadei-
brinquedoteca requer a discussão da significação ra sejam vistas com a seriedade que merecem.
atribuída ao termo. Pensar no brincar como um agente que promove
Nos tempos passados, toda criança podia saúde física e mental é pensar também no brincar
brincar com elementos da natureza disponíveis o com segurança. Os brinquedos não precisam ser
tempo todo. Nos dias de hoje, grande parte da caros, mas alguns cuidados são essenciais para
natureza foi substituída por construções de imó- tornar a atividade lúdica no hospital, por exemplo,
veis, e as cidades, que antes eram horizontais, ainda mais interessante.
estão cada vez mais verticais, com a construção Nesse sentido, além dos jogos, brinquedos e
de prédios e a diminuição do espaço para brin- brincadeiras, o papel do brinquedista pode tornar o
car. Brinca-se cada vez menos na rua, que já não brincar no hospital mais seguro e saudável, como é
é mais segura e não dispõe espaço físico para o caso do brinquedista que faz uma pré-seleção de
brincar nem para a criança caminhar. Talvez, por acordo com a idade, com a enfermidade e o local
isso, o homem precisou criar ambientes físicos onde a brincadeira vai acontecer. Se for no espaço
para brincar. Atualmente, há uma diversidade de da brinquedoteca a atenção para a segurança no
tipos de equipamentos para favorecer a brinca- momento do brincar é diferente da atenção dada
deira infantil. O espaço físico para brincar pode à criança que não pode sair do leito. Os brinque-
ser caracterizado pela existência de um conjunto dos devem ser selecionados a fim de proporcionar
de brinquedos, jogos e brincadeiras que ofereça sentimentos de competência e realização por tra-
87 5
zerem resultados gratificantes. Para o brinquedista à fase do desenvolvimento ou mesmo pela situa-

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da brinquedoteca hospitalar, esse posicionamento ção em si. Assim, o brinquedista deve ter calma,
torna-se essencial, haja vista algumas limitações cautela e delicadeza para se apresentar e trazer
da doença, inclusive do próprio leito. sugestões para a criança. Quando ela se sentir
Pensando nisso, para as crianças que não po- fraca ou indisposta para participar de um jogo, o
dem ir até a brinquedoteca, o brinquedista deve brinquedista deve sugerir outra atividade que não
providenciar um carrinho que leve brinquedos, precise de movimento, mas que a criança possa
jogos e materiais de expressão plástica a fim interagir e se divertir, como é o caso da histori-
de que as atividades lúdicas e criativas possam nha, da música, do teatro ou outra atividade que
acontecer, verificando sempre a posição da crian- envolva a criança. A segurança dos brinquedos
ça ao brincar – se é confortável e de fácil acesso colocados à disposição das crianças deve seguir
e manuseio dos objetos. Junto com o carrinho, algumas normas básicas de segurança sugeridas
é recomendável levar também uma bandeja em por órgãos competentes.
forma de mesa que contenha as peças para que
não escorreguem para fora. Essa bandeja tam- Segurança no brincar: procedimentos e
bém pode servir de tabuleiro para diversos jogos possibilidades
ou mesmo para apoiar o braço da criança quando
ela realiza atividades expressivas. Seguir algumas recomendações sobre a segu-
O brinquedista também deve propor atividades rança dos brinquedos pode evitar acidentes em
adequadas à situação da criança, caso contrário, todo ambiente lúdico. Nesse sentido, encontrar
ele pode gerar emoções desagradáveis na crian- um brinquedo que seja divertido, seguro e de uso
ça. Outro aspecto é que o brinquedista deve se coletivo é uma prova de carinho e responsabilida-
preocupar com a sua própria higiene e abster-se de com as crianças. Ao escolher um brinquedo, é
de interagir com a criança quando estiver em si- preciso observar se está de acordo com a idade
tuação de atenção à sua própria saúde. Também e o desenvolvimento da criança a que se destina.
é inerente à postura do brinquedista a maneira Os brinquedos colocados à disposição das crian-
como vai se apresentar para a criança. Conhecer ças devem seguir algumas normas básicas de se-
um pouco sobre a criança hospitalizada facilitará gurança sugeridas por órgãos competentes como
o planejamento da melhor estratégia para aces- o INMETRO e outros. A fim de evitar possíveis ris-
sar a interação com ela. cos na hora da brincadeira, antes de adquirir um
É comum as crianças pequenas se esquiva- jogo ou brinquedo para a brinquedoteca, deve-se
rem de pessoas estranhas por questões inerentes atentar para as seguintes questões:
88 5
• Analise o brinquedo antes de entregá-lo à • A brinquedoteca é frequentada por crian-

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criança, verificando se contém o selo de ças de diferentes idades, por isso, evite
certificação de segurança INMETRO. que os mais novos utilizem os brinquedos
• Passe a mão pelas arestas, pontas e bordas. destinados aos mais velhos, pois podem
• Se for para crianças até três anos, verifique não ser adequados à sua faixa etária.
se existem peças pequenas e/ou facilmen- • Os brinquedos são bens de consumo, por
te descartáveis como, por exemplo, rodas, isso a brinquedista deve fazer uma revisão
olhos, pelos etc. de modo que evite prejudicar a brincadeira.
• Os brinquedos devem ser cuidadosamente • Os brinquedos quebrados podem ser rea-
higienizados com os produtos adequados proveitados no espaço das artes plásticas ou
e por pessoas instruídas para isso. serem remontados no espaço de oficina ou
• Os brinquedos que os pequenos levam sucatoteca, ou ainda podem ser consertados.
à boca devem ser retirados logo após a • Os brinquedos deixados no chão podem se
brincadeira para evitar contaminação de tornar uma armadilha, provocando quedas,
outra criança. por isso, depois da brincadeira o brinque-
• Os brinquedos retirados para higienização dista deve, sempre que possível, ensinar
devem ficar em local inacessível para as as crianças a arrumar os brinquedos.
crianças em qualquer idade. • Evite brinquedos pontiagudos: às vezes, a
• Evite brinquedos de materiais duros e pesados. orelha do coelhinho é suficiente para provocar
• Quando se tratar de um boneco de pano, machucados em crianças de até três anos.
verifique a costura, certifique-se de que • Na hora de organizar as prateleiras de brin-
está bem cosido e que a criança não tem quedos, procure seguir a lógica do menor
acesso ao enchimento. para o maior, isto é, ordene os brinquedos
• Evite brinquedos com cordas ou fios compri- de acordo com a idade de quem vai aces-
dos, em especial quando há crianças meno- sá-los. Ex..: coloque próximo ao chão os
res de cinco anos (caso as crianças os en- brinquedos para os menores de três anos
rolem em volta do pescoço podem ficar com e assim sucessivamente.
dificuldade de respirar ou até se sufocar). • Para diminuir ainda mais os riscos, ao esco-
• Procure guardar as embalagens, mas se ti- lher os brinquedos, jogos e materiais plásti-
ver que se desfazer delas, anote ou guarde a cos, procure verificar se são adequados para
parte da identificação do fabricante: se ocor- a situação da criança. (INMETRO, 1990;
rer algum acidente, poderá precisar dele. CUNHA; VIEGAS, 2001; TEIXEIRA, 2018).
89 5
METODOLOGIA

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Quadro 1
SEGURANÇA SEGURANÇA
BASE DE DADOS
NO PLAY- NA BRINQUE-
O presente estudo é uma pesquisa de nature- / DESCRITORES
GROUND DOTECA
za qualitativa e tem como princípio investigar os
Google Acadêmico 08 00
aspectos subjetivos da segurança do brincar, que
Teses USP 00 00
não podem ser traduzidos em números, mas nas Scielo 01 00
atitudes, nas motivações e nos comportamentos Periódicos Capes 03 00
de determinado grupo de pessoas, uma vez que Associação Brasi-
busca entender um fenômeno específico em pro- leira de Brinquedo- 00 01
fundidade, ao invés de estatísticas ou regras, tra- tecas
balha com descrições, comparações e interpreta- Fonte: Elaborada pelas autoras, 2021.
ções (LÜDKE; ANDRÉ, 2013).
Nessa perspectiva, valoriza-se a maneira pró- Como podemos observar, há poucos trabalhos
pria de entendimento do indivíduo, permite ao nesta área, em especial na área da segurança na
pesquisador uma gama de questionamentos e de brinquedoteca, indicando que o tema precisa ser
interações com o campo estudado, o qual, segun- explorado enquanto investigação para melhorar a
do Lüdke e André (2013, p. 39) “[...] são ricos em qualidade do atendimento a criança nesses espa-
dados descritivos, e focaliza a realidade de forma ços lúdicos que nasceram para promover o brin-
complexa e contextualizada por apresentar um car livre, motivo pelo qual deixamos de fazer um
plano aberto e flexível, da realidade.” Para tornar recorte temporal, a fim de ter um número razoável
o trabalho viável, foi realizado um levantamento de trabalhos para apreciação. Assim, os trabalhos
bibliográfico que consiste nas pesquisas de refe- encontrados estão entre o ano de 2002 e 2020.
rências já existentes, o que possibilitou uma visão Considerando que o objetivo da pesquisa era ex-
geral da problemática em estudo (Ver quadro 1). plorar o tema, limitou-se a cinco fontes escolhidas
Em seguida, realizou-se a revisão da literatu- com base em levantamento inicial.
ra, procedimento este que permitiu a organização A seguir, a quadro 2 mostra temas, ano, auto-
dos trabalhos selecionados a partir dos descri- res e objetivos, a fim de ilustrar as principais te-
tores (segurança no playground; segurança na máticas que estão sendo discutidas neste campo.
brinquedoteca) pesquisados nas bases de dados
previamente escolhidas conforme segue:
90 5

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Quadro 2
SEGURANÇA NO
ANO / AUTORES OBJETIVOS
PLAYGROUND
Avaliar as condições de segurança de playgrounds na
cidade de Bauru (SP), a partir de quesitos normativos
Considerações sobre segurança de (2007) DAHROUJ, L.S.; (NBR 14350-1:1999), visando identificar quais os prin-
playgrounds: uma contribuição do cipais problemas físicos encontrados, bem como, apontar
design ergonômico PASCHOARELLI, L.C. alguns critérios ergonômicos para o projeto de brinque-
dos para playgrounds, a saber: gaiola, gira-gira, gangorra,
escorregador, ponte e balanço.
Avaliação da segurança dos play-
(2016) GARCIA NETO, Avaliar a segurança dos playgrounds das escolas da cida-
grounds das escolas de uma cidade
V.M.B. de de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
de médio porte no sul do Brasil
Brinquedos de parques públicos Verificar as condições de acessibilidade e  seguran-
(2008) RENGER, C.L.;
em Belo Horizonte: levantamento ça de brinquedos  presentes em parques públicos do
CAIAFA, F.B.Q.;
da acessibilidade e segurança para município de Belo Horizonte, locais que deveriam
QUEIROZ, J.C.
a criança com mobilidade reduzida estimular a inclusão social. 
Realizar uma análise técnica sobre a funcionalidade e
Funcionamento e segurança de
segurança dos equipamentos de playground públicos da
equipamentos de playgrounds pú- (2002) CARVALHO, S.W.
cidade de Joinville – Santa Catarina – Brasil, frente as
blicos
normas técnicas e a realidade local.
Perspectiva acerca de parquinhos (2014) SANTOS, N.A.;
Descrever e discutir como os Parquinhos Públicos fun-
públicos quanto a acessibilidade NASCIMENTO, C.B.R.;
cionam enquanto contextos de desenvolvimento infantil
atratividade e segurança PINTO, P.S.P
O uso dos espaços urbanos pelas
(2012) LUZ, G.M.; Investigar de que forma as características socioafetivas do
crianças: explorando o comporta-
KUHNEM espaço público intervêm no comportamento de crianças.
mento do brincar em praças públicas
Estratégias de prevenção de aci- (2020) OLIVEIRA, B.M.;
Identificar na literatura, as estratégias de prevenção de
dentes para alunos do ensino fun- GODOY, L.B.; MORAIS,
acidentes para estudantes do ensino fundamental desen-
damental no ambiente escolar: re- S.M.; GOMES, R.G.; LIMA,
volvidas em ambiente escolar.
visão integrativa R.S.
SEGURANÇA NA BRINQUE-
ANO / AUTORES ASSUNTO
DOTECA
Guia de orientação para brinque-
(2020) - Associação Brasilei- Procedimento de segurança para a reabertura das brin-
dotecas em tempos de Pandemia
ra de Brinquedotecas quedotecas pós-pandemia.
Covid-19

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2021.


91 5
Esses dados revelam que, embora a brinque- qualificação de profissionais e do espaço da brin-

Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Juliana Reis de Oliveira


BRINCAR SIM, MAS COM SEGURANÇA TAMBÉM!! SEGURANÇA NAS ATIVIDADES LÚDICAS DAS CRIANÇAS EM PLAYGROUNDS ...
doteca seja também um espaço que merece aten- quedoteca. O trabalho trata especificamente de
ção em relação à segurança, este quesito é pou- sugerir os principais procedimentos de segurança
co estudado quando comparado com os estudos para a reabertura das brinquedotecas pós-pande-
sobre segurança no playground. mia. Esse documento foi elaborado com base nas
demandas da comunidade e órgãos responsáveis
Segurança no brincar: Playground pela segurança infantil.
e Brinquedoteca Já as pesquisas que discutem a segurança nos
playgrounds, por se tratar de um equipamento
13%
instalado em lugares públicos e privados, chama
Playground
a atenção para os cuidados de segurança, além
87% Brinquedoteca
de possuir normas próprias pela ABNT, justifica
a porcentagem de 87% dos resultados encontra-
– Segurança no brincar. Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.
Gráfico 1 – Segurança no brincar. Fonte: Elaborado pelas auto-
dos. Os estudos para esse equipamento estão
ras, 2021.que os resultados aqui obtidos se referem a uma pesquisa exploratória,
ale a pensa ressaltar voltados para as questões do que pode influen-
de à necessidade de abertura para a discussão e aprofundamento do tema.ciar Desses
na segurança, como é o caso dos estudos de
s, 13% das pesquisas encontradas sobre a segurança
Vale a pensa ressaltar que os resultados aquina brinquedoteca expressam, de certa
ue esse espaço precisa de mais atenção e as pesquisas precisam se ocupar de Dahrouj, conhecer Schaer e Paschoarelli (2007) que, sob a
lugar a fimobtidos se referem
de melhorar a qualidadea douma pesquisa
atendimento exploratória,
considerado uma conquista ótica do design ergonômico, avaliaram as condi-
no que
direitos deque atende
a criança à necessidade
brincar de abertura
em casa, no hospital, na escolapara
e naa comunidade.
dis- A única
encontrada foi resultado da inclusão da fonte da Associação Brasileira de Brinquedotecas
ções de segurança dos playgrounds da cidade de
cussão e aprofundamento do tema. Desses
ma OSCIP e atua há mais de 30 anos buscando a garantia do direito de brincar
resul- Bauru/SP
e a – a análise dos resultados apontou pro-
tados, 13%
ção de profissionais das pesquisas
e do espaço encontradas
da brinquedoteca. O trabalhosobre a
trata especificamente de
blemas graves na segurança dos equipamentos.
s principaissegurança
procedimentos de segurança paraexpressam,
na brinquedoteca a reabertura de dascerta
brinquedotecas pós-
. Esse documento foi elaborado com base nas demandas da comunidade e órgãos Nessa mesma direção, as pesquisas de Gar-
forma, que
veis pela segurança infantil. esse espaço precisa de mais atenção cia Neto (2016) sobre avaliação da segurança dos
as pesquisase que
as pesquisas precisam
discutem a segurança nos se ocupar por
playgrounds, de seconhecer
tratar de um equipamento
playgrounds das escolas de uma cidade de médio
em lugares públicos e privados, chama a atenção para os cuidados de segurança, além de
melhor o lugar a fim de melhorar a qualidade do
ormas próprias pela ABNT, justifica a porcentagem de 87% dos resultados encontrados. porte no sul do Brasil, indicam que os resultados da
os para esse atendimento
equipamento estãoconsiderado
voltados paraumaas conquista
questões do no queque
pode influenciar na
avaliação das condições de segurança dos play-
a, como é o tange
caso dosaosestudos de Dahrouj,
direitos de a Schaer
criança e Paschoarelli
brincar em (2007)
casa,que, sob a ótica do
gonômico, avaliaram as condições de segurança dos playgrounds da cidade de Bauru/SP – grounds das escolas da cidade de Pelotas mos-
no hospital, na escola e na comunidade.
dos resultados apontou problemas graves na segurança dos equipamentos. A úni- traram alto índice de inadequação nos primeiros
essa mesmaca pesquisa
direção, encontrada
as pesquisas de Garciafoi resultado
Neto (2016) sobreda avaliação
inclusãoda segurança dos
nds das escolas de uma cidade de médio porte no sul do Brasil, indicam que os resultados critérios avaliados. Ainda nessa mesma pesquisa,
da fontededasegurança
ção das condições Associação Brasileiradas
dos playgrounds de escolas
Brinquedo-da cidade deum dado que chama a atenção é que 44% das 59
Pelotas
m alto índice tecas que é umanosOSCIP
de inadequação primeiros e atua háavaliados.
critérios mais deAinda 30 nessaescolas
mesma pesquisadas não apresentam nenhum
um dado que chama a atenção é que 44% das 59 escolas pesquisadas não apresentam
anos buscando a garantia do direito de brincar e a programa de manutenção dos equipamentos.
programa de manutenção dos equipamentos.
utra pesquisa que expõe a importância da segurança nos brinquedos de parques públicos
Horizonte e verifica a acessibilidade e segurança para crianças com mobilidade reduzida
13 parques com brinquedos infantis que não se encontram adequados às normas que
am a acessibilidade e a segurança de brinquedos, e não são acessíveis e nem seguros para o
92 5
Outra pesquisa que expõe a importância da possibilita não apenas a atividade física e a socia-

Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Juliana Reis de Oliveira


BRINCAR SIM, MAS COM SEGURANÇA TAMBÉM!! SEGURANÇA NAS ATIVIDADES LÚDICAS DAS CRIANÇAS EM PLAYGROUNDS ...
segurança nos brinquedos de parques públicos lização, mas favorece o desenvolvimento de ha-
em Belo Horizonte e verifica a acessibilidade e bilidades físicas e psicológicas (LUZ; KUHNEM,
segurança para crianças com mobilidade reduzi- 2012).
da analisou 13 parques com brinquedos infantis Uma revisão integrativa, com o objetivo de
que não se encontram adequados às normas que investigar na literatura as estratégias de pre-
regularizam a acessibilidade e a segurança de venção de acidentes para estudantes do ensino
brinquedos, e não são acessíveis e nem seguros fundamental desenvolvida em ambiente escolar,
para o uso por crianças com mobilidade reduzida observou que a maioria dos estudos reportou es-
(RENGER; CAIAFA; QUEIROZ, 2008). A pesqui- tratégias educativas tais como exposição de es-
sa de Carvalho (2002), sobre a funcionalidade e a truturas ósseas; visita à unidade de emergência;
segurança de equipamentos de playgrounds pú- terapia com cães; educação interpares; programa
blicos realizada em 2001, constatou que os equi- de computador; histórias infantis; atividades lúdi-
pamentos de playgrounds em Joinville não aten- cas e pôsteres (OLIVEIRA; GODOY; MORAES;
dem a requisitos de funcionalidade e segurança GOMES; LIMA, 2020). A mesma pesquisa ressal-
da fabricação à usabilidade. ta que apenas um trabalho reportou estratégia de
Em relação às pesquisas com o uso de en- prevenção de acidentes voltada para playground.
trevistas e observações, uma pesquisa realiza- Esses dados alertam que há necessidade de
da com 38 crianças e 29 pais/responsáveis das mais investigação e comprovação dos resultados
crianças que frequentavam os parques investi- de modo que sustentem as estratégias e provi-
gados identificou diferentes aspectos a serem dências em relação à segurança dos playgrou-
melhorados nos parques, no que diz respeito à nds. Mais do que um direito é uma responsabi-
acessibilidade, atratividade dos equipamentos lidade de pais, professores, instituições e órgãos
bem como a segurança (SANTOS; NASCIMEN- públicos zelarem pela segurança das crianças,
TO; PINTO, 2014). garantido um brincar de qualidade e sem risco.
Outra pesquisa sobre o uso dos espaços urba-
nos pelas crianças e a exploração do comporta- Discussão dos resultados
mento de brincar em praças públicas foi realizada
por meio da observação de crianças de seis a 12 O perigo poderá estar sempre presente nos
anos usando a técnica de mapeamento compor- ambientes em que a criança estará inserida: em
tamental centrado na pessoa. A pesquisa mostra casa, na creche, na escola, em ambientes abertos
que um ambiente seguro, diversificado e flexível ou fechados. Mas é preciso a conscientização de
93 5
que certos equipamentos lúdicos são cercados de O perigo pode estar presente em todos os am-

Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Juliana Reis de Oliveira


BRINCAR SIM, MAS COM SEGURANÇA TAMBÉM!! SEGURANÇA NAS ATIVIDADES LÚDICAS DAS CRIANÇAS EM PLAYGROUNDS ...
riscos e devem ser observados com olhar técnico, bientes que vivermos, porém o risco existe quan-
não permitindo que as crianças interajam com os do interagimos com o perigo. “Risco é a probabi-
brinquedos sem no mínimo utilizar equipamentos lidade ou chance de lesão ou morte [...]. Perigo
de proteção. Cabe também ao adulto avaliar a ex- é uma condição ou conjunto de circunstâncias
posição, a interação com a fonte de risco de modo que tem o potencial de causar ou contribuir para
a ser prudente e não limitar as crianças ao brincar uma lesão ou morte.” (SANDERS; MCCORMICK,
por conta dos perigos. É importante que a mãe ou 1993, p. 675).
o responsável faça uma avaliação da área ou dos A percepção de risco é o processo que permi-
objetos com os quais a criança interage. É neces- te nos conectar com o ambiente a nossa volta,
sária uma avaliação antes de entregar um brinque- formado a partir das nossas experiências senso-
do para a criança, observar o selo de segurança riais e cognitivas. A partir da formação dessas ha-
do Inmetro e ainda assim avaliar a real qualidade bilidades, nos tornamos capazes de perceber e
desses objetos, pois sabemos que infelizmente antecipar situações de risco que estejam presen-
existem falsificação de selos de segurança. tes em nosso espaço físico. Saber que existem e
É importante observar a idade recomendada e quais são os riscos possibilita gerar critérios que
ainda assim verificar se de fato a criança não estará minimizem acidentes e otimizem a usabilidade e
interagindo com uma fonte de riscos, como peças a interface usuário-objeto (DAHROUJ; PASCHO-
pequenas que se soltem com facilidade e podem ARELLI, 2007).
ser levadas à boca pelos bebês, partes frágeis que Nesta pesquisa, as bases de dados seleciona-
podem se quebrar facilmente e causar ferimentos das foram nacionais, e as mais comuns, com a
na criança ou nos animais que façam parte do seu intenção de verificar o acesso desses materiais
convívio, observando também se de fato há uma para a população em geral por se tratar de um
interação da criança com aquele brinquedo, pois tema de grande impacto no bem-estar e na segu-
se não for adequado para sua idade e ela não tiver rança das crianças. Motivo que despertou maior
interesse, ou simplesmente arremessar ou quebrar interesse em discutir o tema “segurança no brin-
o brinquedo, pode haver projeção de peças nos car”, tendo em vista que as quedas são respon-
olhos e em outras partes do rosto ou corpo, cau- sáveis pelo maior número de óbito de crianças,
sando ferimentos. Nesse sentido, Shinar, Gurion conforme relatório institucional da ONG Criança
e Flascher, (1991) alertam para comportamentos Segura (2010), oriundos do DATASUS /Ministério
ou condutas que, quando não controlados, podem da Saúde:
conduzir a ocorrências nocivas.
94 5
básicas e de grande impacto para a segurança

Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Juliana Reis de Oliveira


BRINCAR SIM, MAS COM SEGURANÇA TAMBÉM!! SEGURANÇA NAS ATIVIDADES LÚDICAS DAS CRIANÇAS EM PLAYGROUNDS ...
dos pequenos. Como estratégia de prevenção,
com base na discussão dos resultados, sugeri-
mos que todos os equipamentos, ao ar livre ou
na brinquedoteca, deixem em local visível a todos
um documento de vistoria de segurança realizada
com data e assinada pelo responsável conforme
norma da ABNT (2015), NBR 16.071.
Instituições, pais e profissionais precisam ter
acesso às informações e normas de segurança
Figura 1 – Acidentes com crianças em números. Fonte: Criança Se-
e buscarem minimizar a os ricos iminentes que
gura, 2010. há em nossas brinquedotecas e parques públicos
e privados. Que esse assunto possa ganhar luz
Esse dado precisa ocupar um lugar de desta- nas políticas públicas para a infância. Garantir o
que nas pesquisas, bem como chamar a atenção direito de brincar em meio a uma grande onda de
para pesquisas que mostrem as causas dos aci- protecionismo motor e pouco ou quase nenhum
dentes com crianças. tempo livre, ao mesmo tempo em que há escas-
sez de equipamentos seguros, é desafio para
CONSIDERAÇÕES FINAIS pais, professores e instituições neste contexto.

Com base nas discussões e resultados das REFERÊNCIAS


pesquisas, se analisarmos as atividades do brin-
car de nossas crianças em relação à segurança, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS.
poderíamos imaginar que seria necessário agir- Dossiê Técnico. Playgrounds. São Paulo: ABNT, 2015.
mos como numa organização, não criando nor- Disponível em: http://abnt.org.br/paginampe/bibliote-
ca/files/upload/anexos/pdf/f1fa5c0c70bdb2d1291a5c-
mas, aplicando e monitorando procedimentos,
707c64526a.pdf. Acesso em: 29 jul.2021.
pois neste cenário os colaboradores seriam as
crianças e os gestores os pais ou responsáveis, BENTO, M.G.C.P.G. O perigo da segurança: estudo
mas entendendo que mesmo que a criança seja das percepções de risco no brincar de um grupo de
capaz de entender e seguir uma orientação de educadores de infância. Dissertação (Mestrado em
segurança, ainda assim será necessário monito- Psicologia da Educação, Desenvolvimento e Acolhi-
ramento. Pois, criança não cuida de criança! Uma mento). Faculdade de Psicologia e de Ciência da Edu-
cação. Universidade de Coimbra, defendida em 2012.
criança nunca pode ficar sozinha! Essas são leis
95 5
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Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Juliana Reis de Oliveira


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Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Juliana Reis de Oliveira


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97

INTRODUÇÃO

Este artigo, ao utilizar-se de revisão bibliográ-


fica e pesquisa em mídias eletrônicas a respeito
do tema, tem como objetivo analisar o papel do
denominado “brinquedo não estruturado” no de-
senvolvimento infantil, assim como especificar
do que se trata esta modalidade de brinquedos
e também destacar a sua possível utilização no
ambiente escolar tendo o professor, um papel de
mediador neste contato entre as crianças e este
tipo de material.
Ao decorrer da obra, tratar-se-á de esmiuçar
elementos que na visão de Kishimoto (2010) são
indispensáveis no processo de desenvolvimento
infantil sendo estes o brinquedo e a brincadeira,
mediante à necessidade de inicialmente explicar
CAPÍTULO 6 do que se trata propriamente o desenvolvimento
da criança e sua correlação com tais elementos
por meio dos quais a criança tem a possibilidade

BRINQUEDOS NÃO de inúmeras maneiras de aprendizado como en-


fatizam Costa et al. (2020).

ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO Contextualmente, estudos a serem destaca-


dos no decorrer deste, apontam que a brincadei-
DESENVOLVIMENTO INFANTIL ra, que por sua vez pode ter o brinquedo como

E A PROPOSTA DE SUA suporte, estimula o processo de desenvolvimento


social e cognitivo das crianças propiciando entre

UTILIZAÇÃO NO MEIO ESCOLAR outras coisas, a criatividade e a autonomia das


mesmas. E no aspecto criativo, o brinquedo que
não possui uma estrutura específica de utilização
Andrea S. Frangakis Tanil para o ato de brincar, em princípio, tende a poten-
Helenilson dos Santos cializar o caráter simbólico inerente ao brinquedo
98 6
que por sua vez, pode transformar-se na mão e Os anos iniciais da vida, especialmente na

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
na imaginação de uma criança que por exemplo, fase denominada como primeira infância ou mais
faz com que um cabo de vassoura se transmute recentemente, primeiríssima infância, são ain-
em uma montaria no seu enredo imaginário. da mais primordiais para o desenvolvimento da
criança, pois nesse ínterim há o favorecimento
O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA ocasionado pela plasticidade cerebral, um perío-
do sensível e importantíssimo para o desenvolvi-
Guedes et al. (2021) em sua obra definem de- mento do cérebro, como mencionam Guedes et
senvolvimento infantil como um processo de alte- al. (2021) em sua obra.
rações nas estruturas físicas, cognitivas, neuroló- Sendo assim, quando o desenvolvimento ocor-
gicas, e comportamentais, sendo que, em princí- re de maneira satisfatória, principalmente nos
pio, tais modificações surgem de modo ordenado anos iniciais da vida, isto contribui para a melhor
e relativamente duradouro. Neste contexto, o amplitude das potencialidades do sujeito, possibi-
desenvolvimento da criança tem um aspecto mul- litando que este seja um indivíduo mais apto a en-
tifatorial, resultado do amálgama de fatores bioló- frentar as adversidades inerentes à vida. Sabe-se
gicos, ambientais, familiares e sociais que acar- que múltiplos fatores influenciam no processo de
retam em um desenvolvimento único, culminando aquisição de competências, como salientam Gue-
em uma progressão teoricamente ordenada do des et al. (2021), incluindo: segurança, saúde, nu-
desenvolvimento motor, cognitivo, comunicacio- trição, cuidados e de modo relevante os estímulos
nal, socioemocional e de autorregulação. Além de aprendizagem.
disso, a passagem pela infância remete a adap- Quanto ao aprendizado, Nascimento (2020)
tações referentes à socialização e à aquisição da acrescenta que na medida em que a criança
cultura, conforme aponta Nascimento (2020). aprende a se comunicar, esta assimila os mais
De tal maneira, a infância, segundo a Organi- básicos padrões comportamentais que lhe servi-
zação Mundial da Saúde (OMS), constitui-se em rão de alicerces para aprendizados posteriores.
uma fase extremamente sensível para o desen- E Tratando-se de aprendizado, o ato de brincar
volvimento do ser humano, ao tratar-se de um para a criança é primordial para seu desenvolvi-
momento de formação de toda a sua estrutura fí- mento global e seu aprendizado, constituindo-se
sica e afetiva. Neste período, concomitantemente em uma atitude natural e inerente à infância, pois
ocorre o desenvolvimento de áreas fundamentais segundo Costa et al. (2020):
do cérebro relacionadas à personalidade do indi-
Uma criança não vive sem brincar, para ela tudo
víduo e à capacidade de aprendizado do mesmo.
se resume em brincadeira, porque é no brincar
99 6
que ela se expressa, se socializa, aprende coi- MOTO, 2010). Costa et al. (2020) comentam que

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
sas novas, se liberta e vive situações que na por meio destes elementos a criança tem a possi-
realidade, ela sendo criança, jamais consegui-
bilidade de “transformar e produzir novos signifi-
ria experimentar. Portanto, a brincadeira para a
criança é o combustível que a mantém ativa e cados”, onde o brincar não só possibilita inúmeras
é impossível uma criança viver sem brincar, é formas de aprendizagens, mas também estabe-
uma ação que faz parte de sua vida enquanto lece um espaço para que o aprendizado ocorra.
criança (COSTA et al., 2020, p.12). Dentro deste cenário lúdico, temos o que Kishi-
moto (2010) define como possível “suporte da
Faz-se notório o fato de que os primeiros anos
brincadeira” que é especificamente o brinquedo,
da vida de uma criança são profundamente mar-
cujo papel na infância merece destaque.
cados por uma série de descobertas, conquistas
e transformações e é gradativamente que elas
O PAPEL DO BRINQUEDO NO DESENVOL-
começam a compreender o mundo e tudo o que
VIMENTO INFANTIL
as cercam, aprendendo assim a lidar consigo e
com o outro. E, destaca Kishimoto (2010), que
Constata-se que o ato de brincar e os brinque-
tais descobertas são legitimadas através do ato
dos estão atrelados de maneira íntima ao chama-
de brincar, uma atividade normal, natural e com-
do “mundo infantil”, conforme também é apontada
ponente esperado da infância.
esta correlação na obra de Alduino (2021). Res-
Por sua vez, a criança que não brinca pode
salte-se que para além dos brinquedos constitu-
em decorrência disso, adquirir repercussões em
írem-se em objetos físicos, estes, em conjunto
sua vida emocional. Fora isso, a criança que não
com as brincadeiras são elementos de extrema
vivencia o brincar é consequentemente menos
importância para o desenvolvimento das crian-
estimulada do ponto de vista neuronal e tende a
ças. Em consonância, Amaral (2019) comenta
se desenvolver menos. Neste contexto, a negli-
que o ato de brincar tende a facilitar o desenvolvi-
gência, a privação social, as condições de vida
mento da criança sendo, portanto, “um indicador
estressantes e a falta de estímulo adequado po-
de saúde da criança”.
dem resultar em comportamento social e emocio-
Já comentada a descrição do brinquedo por
nalmente indesejáveis, impulsividade, violência e
parte de Kishimoto (2010) como “suporte da
déficit na capacidade de aprendizado, conforme
brincadeira”, a mesma autora comenta que este
elenca Amaral (2019) em sua obra.
elemento pode ser “(...) ideológico, concebido ou
Nesta conjuntura, percebe-se que elementos
simplesmente utilizado como tal”, ou seja, neste
indispensáveis no processo de desenvolvimento
contexto, o brinquedo é definido como um objeto
infantil são “o brinquedo e a brincadeira” (KISHI-
100 6
que pode ser de natureza industrializada ou não, brincar para as crianças não é visto apenas como

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
servindo este como componente auxiliar para que divertimento, desenfado ou distração, mas trata-se
a brincadeira ocorra, seguindo uma interpretação de algo sério, tal como o trabalho adulto, para as
semelhante à Costa et al. (2020) em seu artigo. crianças possuem um significado bem mais rele-
Em sua obra, Costa et al. (2020) em consonân- vante do que pode ser observado sob o olhar de
cia com Cordazzo & Vieira (2007) comentam sobre pessoas adultas. Estes elementos são essenciais
um certo engano que há em relação ao brinque- para o desenvolvimento infantil, pois brincar é uma
do, que de maneira corriqueira é confundido com o necessidade humana e negá-lo é impedir a efetiva-
elemento jogo, sendo que o brinquedo é um objeto, ção da constituição de um ser humano pleno.
alicerce ou auxílio para a brincadeira já o jogo está A criança, ao brincar com brinquedos de múl-
ligado à ação ou ao ato de jogar, possuindo es- tiplas formas, tem proporcionado a exploração e
trutura e regras para sua consumação. De tal ma- a descoberta de suas potencialidades. Tal ato, co-
neira, jogos, brincadeiras e brinquedos, possuem mentam Guedes et al. (2021), possibilita “(...) au-
conceitos e definições diferentes, mesmo que em mentar as oportunidades para o desenvolvimento
dicionários comumente se encontrem as mesmas da criatividade, imaginação, e desenvolvimento de
definições. É tanto que estudiosos defendem teses habilidades”. De acordo com o tipo de brinquedo
que sustentam que esses conceitos não devem pode-se aperfeiçoar a compreensão das sensa-
ser usados como sinônimos por mais que estejam ções, o domínio dos movimentos finos, e desenvol-
inseridos no mesmo universo e correlacionam-se. ver a capacidade cognitiva da criança, como pode
Estudiosos também apontam que o ato de também ser um modo de treinar sua capacidade
brincar e a interação com brinquedos estimula o de pensar, raciocinar, avaliar riscos, de forma que
processo de aprendizagem da criança, pois pro- ele possa adaptar-se a um ambiente em constante
picia a constituição da reflexão, da criatividade e mudança. E entre os tipos de brinquedos que po-
da autonomia, sendo primordial para o desenvol- dem ser utilizados pelas crianças, há os denomina-
vimento de relevantes capacidades como a aten- dos “brinquedos não estruturados”.
ção, a memorização, o mimetismo e a imagina-
ção, conforme elencam Guedes et al. (2021). CONCEITO DO BRINQUEDO NÃO ESTRU-
Corroboram com esta percepção Costa et al. TURADO
(2020) ao apontarem para o fato de que jogos,
brinquedos e brincadeiras se mostram ainda in- O brinquedo, este elemento que traz supor-
dispensáveis na contemporaneidade e especial- te à brincadeira (KISHIMOTO, 2010), também é
mente na aprendizagem infantil, pois o ato de considerado por autores como um objeto cultural,
101 6
como lembram Cordazzo & Vieira (2007). Tais podem ser os denominados “brinquedos não es-

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
definições remetem a ideia de objetos construí- truturados”. Esta categoria de brinquedos não é
dos pelos homens, sendo estes produtos de um oriunda de indústrias, e sendo assim, podem ser
contexto social com funções sociais muitas vezes simples objetos como paus ou pedras, que nas
pré-determinadas por uma constituída indústria mãos e por meio da imaginação das crianças ad-
de brinquedos. Entretanto, existe um perfil simbó- quirem novo significado, transformando-se em
lico no brinquedo que vai além de uma determina- brinquedos. Desta forma, a pedra ou a areia se
ção prévia de sua utilização, pois: transformam em “comidinha” e o pedaço de ma-
deira se transforma em “cavalinho de pau”. Sendo
Um cabo de vassoura pode exemplificar esta re-
lação entre função e valor simbólico. A função de assim, os brinquedos podem ser “estruturados” ou
um cabo de vassoura pode mudar nas mãos de “não estruturados” de acordo com a sua origem ou
uma criança que, simbolicamente, o transforma com a alteração criativa da criança sobre o objeto.
em um cavalo (CORDAZZO & VIEIRA, 2007, p.3) Brinquedos não estruturados constituem-se em
Lembremos que o brincar constitui-se em uma materiais simples que permitem às crianças trans-
ação livre por parte da criança, um ato que pode formarem objetos, oportunizando assim experi-
acontecer de qualquer forma, a qualquer momen- ências novas e enriquecedoras por meio da brin-
to e em qualquer lugar. É por meio do brincar que cadeira. Pelo fato de não serem confeccionados
a criança vem a se expressar, aprender e se de- com o intuito de serem brinquedos, os materiais
senvolver. E a liberdade inerente da brincadeira não estruturados são recursos flexíveis possíveis
ressaltada por Kishimoto (2010) simplesmente de serem encontrados em qualquer ambiente não
transborda qualquer limitação pré-definida por possuindo faixa etária específica ou prazo de vali-
adultos na confecção de brinquedos industriali- dade para os mesmos (FUNDAÇÃO FAEC).
zados, sendo que o elemento brincadeira traz à O brinquedo não estruturado, por não possuir
criança a possibilidade de organizar ou desorga- uma prévia e determinada utilização lúdica, tende
nizar, construir e reconstruir seu mundo por meio a desafiar a imaginação infantil e assim as crian-
de sua imaginação, e inserido nesta contextuali- ças aprendem a confeccionar sua brincadeira por
zação, o brinquedo deve dar base a isto. meio da exploração dos objetos. O brinquedo que
Diante de tal fato, nos traz à tona o Portal da a criança enxerga por meio do seu imaginário per-
Educação, em um artigo intitulado “Definição dos mite estimular funções cognitivas como a organi-
termos - Brinquedo, brincadeira e jogo” para a zação, o planejamento, a criatividade, a memória
constatação de que os brinquedos não precisam e a atenção, assim como também auxiliam na co-
ser sempre industrializados, pois estes também ordenação motora e socialização destas.
102 6
Os brinquedos não estruturados são propen- de possibilidades, sendo que estes temas serão

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
sos a aumentar o repertório criativo e inventivo desenvolvidos a seguir.
das crianças, pois estas têm de atribuir significa-
do às suas criações, mesmo que este seja bem A UTILIZAÇÃO DO BRINQUEDO NÃO ES-
particular. Estes brinquedos reivindicam constru- TRUTURADO NA ESCOLA
ção por parte da criança. Exigem que a criança
não apenas execute, como pense, pondere e pla- Quando pensamos no brinquedo não estrutu-
neje. Nesta conjuntura, não é o adulto que pré- rado na escola, não há como deixar de buscar sua
-determina a fantasia, mas sim a imaginação de associação à Base Nacional Comum Curricular
quem brinca, pois é este que atribui significado ao (BNCC) e quais seriam suas possíveis contribui-
brinquedo e ao brincar. ções para o cumprimento das diretrizes contidas
Tais brinquedos podem incluir em seu rol ob- neste documento.
jetos que podem ser considerados como sucata, Já na parte introdutória da BNCC, o documen-
desperdício ou materiais do próprio dia-a-dia, tais to refere-se às competências gerais da educação
como: terra, areia, água, pedras, conchas, se- básica, dentre as dez competências conseguimos
mentes, madeira, galhos, folhas, flores, palitos, destacar algumas que a oportunização do brin-
botões, rolos de papel higiênico, rolhas, potes, co- quedo não estruturado na escola poderá cooperar
lheres, tampas, pratos, canecas, tecidos, discos e para o seu desenvolvimento, dentre elas, a compe-
blocos de madeira, caixa, ou seja, qualquer mate- tência dois que indica que o indivíduo ao longo da
rial que a criança consiga manipular e utilizar para educação básica seja capaz de exercitar a curio-
vários fins dentro do seu enredo lúdico (TERRA sidade intelectual e recorrer à abordagem própria
DAS CRIANÇAS, 2020). das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a
No âmbito educacional o brincar com os ma- análise crítica, a imaginação e a criatividade. Ora,
teriais não estruturados vai na contramão de se o brinquedo não estruturado pode ser constru-
um modelo de educação que vê o brincar como ído a partir de uma ação, de uma curiosidade, en-
perda de tempo (BATLLORI, 2017) ou algo que tendemos que este poderá contribuir diretamente
muitas vezes é direcionado apenas como um para o desenvolvimento desta competência, pois,
instrumento para aquisição de conteúdos curri- elementos como a imaginação e a criatividade são
culares (KISHIMOTO, 2010) e há aqui um papel constantemente requisitados até que se construa
que o adulto, especialmente o educador, pode uma proposta lúdica para aquele material.
exercer: o de realizar mediações que estimulem Continuando, já na competência três, o indiví-
o pensamento infantil e favoreçam a ampliação duo deverá ser capaz de valorizar e fruir as diver-
103 6
sas manifestações artísticas e culturais locais e No contexto dos direitos de aprendizagem e

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
do mundo, visto isso, a medida que oferecemos desenvolvimento, a BNCC apresenta a necessi-
aos nossos estudantes diversidade nas práticas dade de oportunizar às crianças direitos de con-
e nos materiais, podemos também colaborar para vivência, utilizando-se de diferentes linguagens,
a diversidade cultural, um objeto diferente, com seja pelo contato com adultos e com outras
uma identidade cultural diversa, gerará curiosi- crianças, seja pelo contato com diferentes cultu-
dade, imaginação, pesquisa, questionamentos e ras e com a diferença entre as pessoas. Deve-
produções das mais diversas. -se também oportunizar às crianças o direito ao
Encerrando esse mergulho nas competências, brincar, neste contexto com diferentes formas,
apresentamos as competências nove e dez, que em diferentes espaços e tempos com o objetivo
citam respectivamente que o indivíduo deverá de de ampliar o repertório cultural, sua imaginação,
exercitar o diálogo, agir pessoalmente e coletiva- criatividade, experiências emocionais, corporais,
mente, o que converge com uma das propostas do
sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e re-
brinquedo não estruturado, a partir de materiais
lacionais. O que novamente reforça a importân-
diversos, constroem-se brinquedos, discute-se
cia da oferta do brinquedo não estruturado nesta
estratégias, soluções, exercita-se a comunicação,
etapa, visto que, o brinquedo não estruturado
a tomada de decisões, até mesmo os princípios
permite exponencialmente que a criança desen-
éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e
volva sua imaginação, sua criatividade, sua rela-
solidários citados na competência dez.
ção com o outro e com o ambiente.
A matrícula de todas as crianças de 4 a 5 anos
em instituições de Educação infantil é incluída na
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em 2013 e espe- A ATUAÇÃO DO PROFESSOR COMO PRO-
cificamente sobre a educação infantil a BNCC re- PONENTE E MEDIADOR
fere esta etapa como uma associação do educar e
cuidar, sendo esse processo educativo um período Por si só, o tema brincar é de grande relevância
que deve-se ampliar o universo de experiências. para a formação do educador ao proporcionar as
Quanto maior a interação da criança com os condições e conhecimentos para que vislumbre-se
brinquedos, podemos gerar qualidade na trama na criança uma vida saudável. Sendo assim, em
de sensações cinestésicas, sensoriais, emocio- sua obra, Amaral (2019) aponta que o ato de brincar
nais, entre outras, integrando a criança a si, ao e consequentemente o brinquedo, têm a possibili-
outro e ao ambiente. Estruturando de forma posi- dade de uma ampla aplicação no meio educacional.
tiva o momento da criança com suas descobertas Todavia, muitas vezes cometemos algumas fa-
(Silva, 2019). lhas em nossas propostas e mediações nas opor-
104 6
tunidades de brincar na educação infantil por não Sendo assim, é de suma importância que as

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
entender as crianças e conviver no mundo delas. práticas do professor estejam conectadas com as
Tubelo (2019) cita que a aprendizagem só é signi- necessidades e interesses das crianças, tornan-
ficativa se ela caminhar junto com as experiências do-se somente um mediador da experiência e das
do corpo e provocar diferentes sensações. múltiplas possibilidades que ela oferece.
A autora cita Jean Le Boulch quando afirma
que todo educador deve possuir uma percepção CONSIDERAÇÕES FINAIS
focalizada nas atitudes que deseja desenvolver
em seus alunos. Cada criança possui seu esque- O brinquedo não estruturado é um dos caminhos
ma de desenvolvimento, sua individualidade, car- para que o professor colabore para o desenvolvi-
regados de suas características físicas, sociais e mento da criança. O brinquedo não estruturado po-
emocionais, bem como a sua forma de se relacio- derá estimular habilidades e competências que por
nar consigo e com o mundo e por fim, de apren- vezes o brinquedo industrializado que já vem com
der. (NISTA-PICCOLO, MOREIRA, 2012). toda sua funcionalidade, formas de brincar e de se
Se todas as experiências forem conduzidas da relacionar já pré-determinada não oferece.
forma que consideramos correta, sem as possíveis Porém, cabe ao professor respeitar o seu alu-
mudanças construídas a partir do olhar da criança, no e valorizar as suas descobertas, levando em
não respeitaremos a individualidade e provavel- consideração as etapas de desenvolvimento e os
mente reduziremos suas percepções, sua imagi- saberes que este já traz consigo. Cada criança é
nação, sua capacidade de criar, bem como suas um sujeito ativo ao construir maneiras e proces-
sensações visuais, auditivas e sensoriais. sos de conhecimento e o indivíduo mais ativo e
Silva (2019) cita que devemos proporcio- criativo atua de maneira mais eficaz na socieda-
nar nos espaços de educação infantil, relação de, podendo compreender e transformar.
e contato, permitindo uma percepção mais es-
treita com os desejos de cada um, do grupo REFERÊNCIAS
e das diferenças. Segundo a BNCC devemos
ALDUINO, C.C.V., PEREZ, M.C.A. Brincar, Brinquedos
oportunizar aos nossos educandos o contato
e Relações de Gênero na Prática Docente da Educa-
com os campos de experiência, enriquecendo
ção Infantil. Revista Científica Multidisciplinar Nú-
o ambiente, não no sentido de quantidade de cleo do Conhecimento. Ano 6, 5. Ed., v. 13, p. 47-64.
materiais, mas sim, na quantidade e qualidade maio de 2021. Link de acesso: <https://www.nucleodo-
de interações da criança consigo, com o outro e conhecimento.com.br/educacao/relacoes-de-genero>
com o ambiente. acesso em 02 de julho de 2021.
105 6
AMARAL, J. Por que brincar? Brincar: diálogos, refle- PrcY3HpTTCHzpvNSvDxwxmy/?lang=pt> Acesso em

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
xões e discussões sobre o lúdico / Organizado por Mar- 20 de junho de 2021.
cos Teodorico Pinheiro de Almeida, Maria Celia Rabello
Malta Campos, Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira et al. KISHIMOTO, T.M. Brinquedos e brincadeiras na
– Várzea Paulista-SP: Editora Fontoura Ltda., 2019. educação infantil. UNISUL, 2010. Link de acesso:
https://www.unisul.br/wps/wcm/connect/4b738da-
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. Link de 1-647d-46ad-bd7e-ae486e5dee55/brinquedos_e_
acesso: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Aces- brincadeiras.pdf?MOD=AJPERES> Acesso em: 18 de
so em 01 de agosto de 2021. junho de 2021.

CORDAZZO, S.T.D.; VIEIRA, M.L. A brincadeira e NASCIMENTO, M.M. A cultura e a socialização na


suas implicações nos processos de aprendizagem formação da criança. Revista Científica Multidiscipli-
e de desenvolvimento. ESTUDOS E PESQUISAS nar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 08, Vol. 02,
EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, 2007. Disponível em pp. 88-106. Agosto de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de
<http://www.revispsi.uerj.br/v7n1/artigos/pdf/v7n1a09. acesso: <https://www.nucleodoconhecimento.com.br/
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COSTA, M.C.A. et al. O lúdico na Educação Infantil: -socializacao. Acesso em 26 de junho de 2021.
Jogar, brincar, uma forma de educar. Revista Cien-
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Ano 5, 8. Ed. 08, v. 04, p. 173-187. Agosto de 2020. movimento na educação infantil. São Paulo: Cortez,
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2017, Disponível em: <https://www.feac.org.br/brinque- cadeira-e-jogo/35529#:~:text=Os%20brinquedos%20
dos-nao-estruturados-desafiam-a-imaginacao-das-crian- n%C3%A3o%20estruturados%20n%C3%A3o%20
cas-na-amic-village/> Acesso em 15 de julho de 2021. s%C3%A3o%20provenientes%20de,comidinha%20
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REIRA, L.; SANTOS, J.N. Recursos ambientais, ti-
pos de brinquedos e práticas familiares que poten- SILVA, E.N. Recreação na educação infantil in AWAD,
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lo. Link de acesso: <https://www.scielo.br/j/codas/a/ ampl - Várzea Paulista - SP: Fontoura, 2019.
106 6
TERRA DAS CRIANÇAS. Brinquedos não estrutura-

Andrea S. Frangakis Tanil - Helenilson dos Santos


BRINQUEDOS NÃO ESTRUTURADOS: SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A PROPOSTA DE SUA UTILIZAÇÃO NO MEIO ...
dos – o que são e qual a sua importância no desenvol-
vimento infantil. 2020, Disponível em: <http://terradas-
criancas.pt/brinquedos-nao-estruturados/> Acesso em
15 de julho de 2021.

TUBELO, L.C.P. Currículo em movimento: méto-


do psicocinético na alfabetização. In: SILVA, T.A.C.
(org). Educação física escolar: práticas baseadas na
BNCC. São Paulo: Supimpa, 2019.
107

INTRODUÇÃO

Os jogos de mesa (de tabuleiro, de cartas etc.)


estão ganhando cada vez mais destaque no Bra-
sil nestes últimos anos. Segundo o site Forbes,
cerca de R$ 665 milhões do faturamento da in-
dústria nacional de brinquedos teve sua origem
nos jogos modernos (SOMMADOSSI, 2019). O
aumento de empresas especializadas em jogos
de tabuleiro e o surgimento de diversos eventos
dedicados ao hobby destacam a relevância dos
jogos de mesa na atualidade. A empresa Galápa-
gos Jogos, que recentemente foi comprada por
uma das maiores empresas mundiais de jogos de
tabuleiro (Asmodee), faturou R$ 16 milhões em
2019 com os jogos de mesa (PESSOA, 2019).
Em 2021, o financiamento coletivo nacional do
CAPÍTULO 7 jogo internacional The Witcher: Old World (CON-
CLAVE, 2022) faturou mais de R$ 2 milhões, e se
tornou o maior financiamento coletivo de jogos de

CONSTRUINDO JOGOS DE MESA tabuleiro da América Latina (CONCLAVE, 2021), ul-


trapassando a marca anterior do mexicano Dodos

UTILIZANDO MECANISMOS: Riding Dinos (DRACO STUDIOS, 2021) e do brasi-


leiro Kemet: Blood and Sand (CONCLAVE, 2021).
UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA Devido ao sucesso que o retorno dos jogos de
tabuleiro vem alcançando, muitos desenvolvedo-
res nacionais de jogos estão se destacando, in-
Glaudiney Moreira Mendonça Junior
clusive na indústria internacional. O designer bra-
sileiro Fel Barros, que atualmente trabalha na em-
presa internacional de jogos de tabuleiro CMON,
foi um dos responsáveis pela adaptação do mais
recente jogo digital da série God of War (SAN-
108 7
TA MÔNICA STUDIO, 2018) para um jogo de tos como a conscientização sobre a violência de

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
cartas: God of War: Card Game (GALÁPAGOS, gênero (SANTOS; CALDAS FILHO; CAVALCAN-
2019). E, em 2016, um jogo brasileiro – Masmorra TI; SANTOS, 2020).
de Dados (HISTERIA GAMES, 2016) – foi inse- Diante dessa profusão de usos dos jogos de
rido no universo de jogos do Arcadia Quest e lan- mesa, consideramos importante que novos mé-
çado internacionalmente com o título Masmorra: todos que estimulem a criatividade e a criação
Dungeons of Arcadia (CMON, 2016). de jogos de mesa possam surgir como ferramen-
Recentemente, muitos jogos nacionais foram tas que facilitem o desenvolvimento deste tipo
lançados por empresas brasileiras, incluindo a Es- de jogo, independente de sua finalidade. Neste
trela, precursora de jogos de mesa no Brasil. Pode- trabalho, apresentaremos uma experiência lúdi-
mos destacar os jogos: Carnavalesco (PRECISA- ca que possibilita a ideação de jogos através da
MENTE JOGOS, 2020), Paranauê (LUDENS SPI- classificação de mecanismos de jogos de mesa
RIT, 2020), Herdeiros de Khan (ESTRELA, 2021), desenvolvida por Engelstein e Shalev (2020).
ToteMonstros (ESTRELA, 2021), Brazil: Imperial
(MEEPLE BR JOGOS, 2021), entre outros.
MECANISMOS DE JOGOS DE TABULEIRO
Os jogos extrapolaram a barreira do puro en-
tretenimento e passaram a ser utilizados para ou- Até pouco tempo atrás, a categorização de
tros fins em diversas áreas. Um jogo de tabuleiro
mecanismos de jogos de tabuleiro mais aceita e
desenvolvido por pesquisadores da Universidade
utilizada pelos interessados na área era aquela
de São Paulo (USP) está ajudando empresas a
que foi desenvolvida pelos próprios jogadores em
lidar com imprevistos e a integrarem novas ten-
plataformas virtuais como BoardGameGeek1 e Lu-
dências produtivas (FONTES, 2021).
dopedia2. Consistia em um número de 31 mecâni-
A área de Educação também passou a utilizar
cas percebidas de forma orgânica pelos próprios
os jogos de mesa como uma ferramenta didática
jogadores. A classificação não tinha sido desen-
para, através do lúdico, facilitar o aprendizado.
volvida através de um estudo mais aprofundado
Todos os anos, muitas experiências são relata-
das em um dos maiores eventos acadêmicos da e, muitas vezes, misturava mecânica e temática,
área de jogos no Brasil, o Simpósio Brasileiro de ou possuía mecânicas mais gerais e outras mais
Jogos e Entretenimento Digital. Podemos citar o específicas, existindo diversas críticas ao modelo.
uso de jogos de mesa para o ensino de Design Muitas tentativas de se criar uma catalogação
de Interação (AQUINO; RIBEIRO; DARIN, 2020) mais ampla e menos ambígua foram feitas, mas
e Programação (ARAÚJO; FURTADO; ALEXAN-
DRE, 2020), além de jogos que abordam assun- 1 https://boardgamegeek.com/
2 https://ludopedia.com.br/
109 7
nenhum havia chegado a se popularizar até o • Fim de Jogo e Vitória: definem critérios

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
lançamento do livro “Building Blocks of Tabletop de fim de jogo e de vitória dos jogadores;
Game Design” (ENGELSTEIN; SHALEV, 2020). • Incerteza: apresentam métodos de inser-
O maior indício da relevância deste trabalho foi o ção de incerteza em um jogo;
anúncio de uma das maiores comunidades de jo- • Economia: determinam formas de geren-
gos analógicos do mundo (BoardGameGeek) in- ciar a economia do jogo, ou seja, como ad-
formando que iria adotar a classificação, em adi- quirir e utilizar recursos dentro do jogo;
ção a classificação tradicional desenvolvida pelos • Leilões: apresentam tipos de leilões e me-
próprios usuários (ALDEN, 2019). canismos relacionados que podem ser uti-
No livro, os autores propõem um conjunto de lizados nos jogos;
ferramentas que podem ser utilizadas para criar • Alocação de Trabalhadores: especificam
formas diferentes de se trabalhar com a
e analisar jogos de tabuleiro, de cartas etc. Or-
alocação de trabalhadores, ou seja, o uso
ganizado em treze categorias, o livro apresen-
de peças que são alocadas em espaços do
ta um total de 184 mecanismos e suas várias
jogo, possibilitando a realização de ações;
possibilidades de utilização em jogos, além de
• Movimento: definem formas de permitir o
exemplos de jogos que utilizam o mecanismo
deslocamento de componentes no jogo e
em questão. Cada categoria engloba mecanis-
as restrições de movimentação;
mos relacionados com finalidades diferentes nos
• Controle de Área: apresentam formas de
jogos de mesa:
lidar com o controle de área em um jogo,
ou seja, a dinâmica de conquistar uma re-
• Estrutura de Jogo: abordam o que sig- gião do jogo e mantê-la sob seu controle;
nifica jogar o jogo. Definem quem ganha, • Coleções: definem como avaliar cole-
quem perde e qual o escopo geral da ex- ções, ou seja, a aquisição de elementos
periência do jogo; que compõem uma coleção e como avaliar
• Estrutura e Ordem de Turno: definem as a coleção adquirida pelo jogador durante
restrições de como os jogadores podem uma partida de jogo; e
agir e qual a ordem que esses jogadores • Mecanismos de Cartas: apresenta meca-
atuam durante a realização do jogo; nismos relacionados com a manipulação
• Ações: definem o que o jogador pode fa- de cartas no jogo.
zer, aquilo que o jogador escolhe realizar;
• Resolução: apresentam opções de resolu- Dentro do escopo deste trabalho, apresentare-
ção de conflito no jogo; mos as quatro categorias que foram consideradas
110 7
mais importantes para o desenvolvimento da ex-

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO
periência lúdica, bem como os mecanismos que Jogos com três ou mais jogado-
Jogos de Único
as compõem. STR-06 res que terminam com somente
Perdedor
um perdedor.
Um tipo de jogo de times ou
Mecanismos de Estrutura de Jogo cooperativo com mecanismo de
traição. Os traidores tipicamente
Jogos com ganham alcançando a condição de
STR-07
Definem a principal dinâmica do jogo e como Traidor derrota dos demais jogadores. Um
jogo com traidor é caracterizado
ele se organiza e estrutura a relação entre os por traidores que começam o jogo
jogadores, principalmente se os jogadores com- com identidades escondidas.
petem ou cooperam, e várias possibilidades que Sistema de jogo que pode ser
aplicado a uma variedade de
misturam as duas abordagens. Também apresen- mapas diferentes, recursos e
tam características de organização dos compo- Jogos de Cená- posições diferentes, e mesmo
STR-08 rio / Missão / diferentes condições de vitória e
nentes no jogo. No Quadro 1, apresentamos os Campanha derrota. As condições variáveis
mecanismos desta categoria, seus respectivos podem ser inseridas em uma nar-
rativa ou campanha mais ampla,
códigos e descrições de seus funcionamentos. ou podem ser desconectadas.
Joga-se até alcançar uma condi-
Quadro 1: Mecanismos de Estrutura de Jogo ção de parada quando se marcam
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO Jogos de pontos, reinicia o jogo e joga
mais rodadas adicionais. O jogo
Jogos Jogos com dois ou mais jogado- STR-09 Pontuar-e-Reini-
STR-01 termina depois de um número de
Competitivos res e um único vencedor. ciar rodadas e os pontos acumulados
Jogadores coordenam suas ações é calculado para determinar o
Jogos para conquistar condições de vi- vencedor.
STR-02
Cooperativos tória comuns. Todos os jogado- Jogos que possuem várias ses-
res ganham ou perdem juntos. sões, nos quais mudanças per-
Times de jogadores competem STR-10 Jogos de Legado manentes e irreversíveis do esta-
para obter a vitória. Existe uma do do jogo são levadas de sessão
variedade de estruturas de times para sessão.
STR-03 Jogos de Times
possível incluindo: times simé-
Fonte: Engelstein; Shalev, 2020 (tradução nossa).
tricos e assimétricos, múltiplos
lados e um contra todos.
Jogos, ou modo de jogo, para Mecanismos de Estrutura e Ordem de Turno
STR-04 Jogos Solo serem jogados por um único jo-
gador.
Jogos que terminam sem vence- A maioria dos jogos de mesa possuem uma
dores ou com os jogadores ga- estrutura comum de organização dos turnos dos
Jogos Semicoo-
STR-05 nhando com um grupo, mas um
perativos jogadores. O jogo é composto de rodadas, que
único jogador sendo reconheci-
do como vencedor individual. podem ser fixas ou variáveis, e, em cada rodada,
111 7
o momento que um jogador recebe a chance de

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO
agir no jogo é chamado de turno. O turno, muitas A ordem é definida por alguma
Ordem de
vezes, é dividido em ações ou etapas nas quais os estatística relacionada com a
TRN-02 Turno por
posição ou os recursos dos joga-
jogadores agem de diferentes formas (Figura 1). Estado dores no jogo.

Ordem de Jogadores dão lances pela or-


dem do turno. Uma variedade
TRN-03 Turno por
de mecanismos de leilão pode
Lance ser usada.
Um jogador tem o marcador de
primeiro jogador. No final da
rodada, o marcador passa para o
Ordem de Turno
TRN-04 jogador à esquerda, tornando-o o
Progressiva
primeiro jogador. Durante a ro-
dada, os jogadores se revezam no
sentido horário ao redor da mesa.
Há uma ação para reivindicar
um lugar na ordem do turno
(normalmente o primeiro) para
Figura 1 – Esquema da estrutura de turno do jogo. Fonte: Engels- Ordem de Turno a próxima rodada, com o jogo
tein; Shalev, 2020 (tradução nossa). TRN-05
Reivindicada prosseguindo no sentido horá-
rio do primeiro jogador. Se nin-
Alguns jogos introduzem o conceito de Fase, guém executar a ação, a ordem
permanecerá inalterada.
que pode ser inserida em diferentes momentos do Em seu turno, os jogadores
jogo: uma rodada pode ser organizada em fases, podem realizar uma ação ou
passar. O primeiro jogador que
sendo os turnos distribuídos dentro da fase, ou as Ordem passar se torna o primeiro joga-
TRN-06
fases podem ocorrer dentro do turno de cada jo- de Passar dor da próxima rodada e assim
por diante. A reversão da ordem
gador, entre outros. No Quadro 2, apresentamos também é possível quando é
os mecanismos desta categoria, seus códigos de vantajosa.

identificação e as descrições dos mecanismos. Não há turnos. Os jogadores


agem o mais rápido possível,
TRN-07 Tempo Real
sujeitos a certas restrições, até o
Quadro2: Mecanismos de Estrutura e Ordem de Turno jogo ou a fase ser concluída.
Não há turnos. Os jogadores
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO agem o mais rápido possível,
A ordem de turno é definida no sujeitos a certas restrições, até
início do jogo e nunca muda. Os que o jogo ou fase seja concluí-
Ordem de Tempo Real
TRN-01 jogadores realizam seus turnos TRN-08 da. O jogo também pode ser
Turno Fixa Pontuado
na mesma sequência até o final interrompido por ações específi-
do jogo. cas do jogador, que são resolvi-
das antes de retomar a ação em
tempo real.
112 7

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO
Os jogadores planejam seu tur- Descreve duas estruturas di-
Seleção Simul- no secreta e simultaneamente. ferentes de meta-turno. Fase
TRN-09 Então revelam seus planos ao Fases Intercalada: todos os jogadores
tânea de Ações mesmo tempo, após todos pla- executam a primeira fase, de-
nejarem as suas ações. TRN-15 pois todos executam a segunda
Sequenciais X fase etc. Fase Sequencial: cada
Os jogadores, secreta e simul- Intercaladas jogador executa todas as fases
taneamente, selecionam uma antes de passar para o próximo
Ordem por ação, função ou prioridade. En- jogador.
TRN-10 tão elas são reveladas e as ações
Função / papéis revelados determinam Meta-mecanismo que pode ser
a ordem em que os jogadores aplicado a várias estruturas de
agem. turno. O jogador que “perde o
TRN-16 Perda de Turno turno” deve pular seu próximo
Peças de jogo ou jogadores são turno e passar para a próxima
Ordem de Tur- aleatorizados e um é sorteado de rodada ou para a próxima vez
TRN-11 cada vez. O jogador ou peça rea- que seu turno ocorrer.
no Aleatória liza o seu turno e então um novo
sorteio é feito. Meta-mecanismo que pode ser
aplicado a várias estruturas de
Coloca-se temporizadores em TRN-17 Interrupções turno. Os jogadores podem exe-
espaços ou peças para realizar cutar uma ação que interrompe
Temporizador uma ação. Quando o tempo aca- o fluxo normal do turno.
TRN-12 ba, pode-se movê-lo. Não há
de Ação turnos, move-se seus próprios Fonte: Engelstein; Shalev, 2020 (tradução nossa).
temporizadores a qualquer mo-
mento após expirarem.
Em uma trilha linear, jogador Mecanismos de Ação
posiciona um marcador indi-
cando onde está “no tempo”. O
jogador com o marcador mais Definem as ações que os jogadores podem
distante no tempo realiza ação.
TRN-13 Trilha de Tempo O marcador avança de acordo realizar e como essas ações estão organizadas
com o custo de tempo de cada
ação. O próximo marcador mais dentro do jogo. Ação é uma etapa atômica re-
atrás executa uma ação. É pos-
sível que o mesmo jogador faça alizada pelo jogador a fim de alcançar os obje-
várias jogadas consecutivas, se tivos do jogo e pode depender da sorte ou da
suas ações gastam pouco tempo.
Jogadores possuem um ou mais
habilidade do jogador. A forma como as ações
marcadores de ação que permi- são disponibilizadas dão ao jogo uma experiên-
tem realizar um turno e, em se-
guida, passam o marcador, per- cia diferente e define sua complexidade. Esses
mitindo que o próximo jogador
TRN-14
Marcador de
execute uma ação. As ações são mecanismos devem ser vistos em conjunto com
Ação Passado realizadas em tempo real. Para os mecanismos de ordem de turno da seção an-
manter o jogo em movimento,
sofre penalidade quem estiver terior. No Quadro 3, apresentamos os mecanis-
com ambos os símbolos no mes-
mo momento. mos desta categoria, seus códigos de referência
e seus funcionamentos.
113 7

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
Quadro 3: Mecanismos de Ações
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO
Os jogadores colocam marcado-
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO res de ordem em regiões, indi-
Um jogador recebe um número de cando o que querem fazer nessa
Contadores de
pontos de ação em seu turno que ACT-09 região específica. Depois que
ACT-01 Pontos de Ação Ordem
podem ser gastos em uma varieda- todos os marcadores são colo-
de de ações, com custos variados. cados, eles são executados em
sequência.
Os jogadores selecionam uma
ação entre uma variedade de As ações disponíveis são re-
ações em um espaço comparti- presentadas como fatias em um
Seleção de lhado. As ações disponíveis são círculo. Cada jogador tem um
ACT-02 ou mais marcadores nas fatias.
Ação limitadas em quantidade e, de-
pois que um jogador escolhe uma ACT-10 Rondel Eles podem mover seu marcador
ação, ela não pode ser escolhida ao redor do Rondel e executar a
novamente naquela rodada. Ação indicada na fatia onde pa-
ram. Normalmente, é mais custo-
Cada jogador tem um conjunto de so avançar mais no Rondel.
ações à sua disposição, incorpo-
rado em cartas, fichas ou algum Os jogadores possuem restrições
Restrições de em relação a quais ações podem
Recuperação de outro elemento. Uma vez execu- ACT-11 Seleção de
ACT-03 tadas, elas são gastas e não podem escolher em um determinado
Ação Ação
ser executadas novamente até se- momento do jogo.
rem recuperadas. A recuperação Cada jogador tem ações espe-
de ação geralmente é uma ação, Jogadores ciais que somente eles podem
ou pode demorar um turno inteiro. ACT-12 com Poderes executar ou que modificam ações
Variados
Em seu turno, o jogador joga comuns.
uma carta que mostra Pontos de Habilidades Os jogadores têm habilidades es-
Ação e um Evento. Ele deve op- ACT-13 Uma-vez-por- peciais que eles podem usar uma
tar por usar os Pontos de Ação -jogo vez por jogo.
ACT-04 Ação / Evento ou realizar o Evento. Se escolher
os Pontos de Ação, normalmente O jogador possui um marcador
o Evento pode ser realizado por que lhe permite executar uma
Marcador de
outro jogador. ACT-14 ação especial ou modificar uma
Vantagem ação. Uma vez usado, o marca-
Os jogadores têm cartas que lhes dor passa para outro jogador.
Cartas de Co- permitem ativar e executar ações
ACT-05 Em certos momentos, ações di-
mando com um subconjunto de suas uni-
dades disponíveis. ferentes são disponibilizadas. As
ações podem se tornar disponí-
Os jogadores criam filas de ação veis por: atingir um determina-
ACT-06 Fila de Ação Bloqueio e
e as executam em sequência. ACT-15 do turno, esvaziar uma reserva
Desbloqueio
Todos os jogadores adicionam ações compartilhada ou fazer com que
Fila de Ação algumas trilhas ultrapassem um
ACT-07 a uma fila central. As ações são exe-
Compartilhada limiar através de efeitos cumu-
cutadas por todos os jogadores.
lativos.
Um jogador seleciona uma ação.
Outros jogadores podem então Árvores / Durante o jogo, novas ações fi-
executar essa ação, ou uma versão Trilhas de
ACT-16 cam disponíveis ou as ações exis-
modificada dela. Está relacionado Tecnologias /
ACT-08 Seguir à Seleção de Ação (ACT-02) e à Bônus de Trilha tentes são aprimoradas.
Seleção de Turno (TRN-10) e é
frequentemente implementado
juntamente com esses sistemas.
114 7

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
Quadro 4: Mecanismos de Fim de Jogo e Vitória
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO
Ações que ocorrem fora do con- CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO
trole dos jogadores e causam um Um evento faz com que o Es-
ACT-17 Eventos efeito imediato, alteram o estado tado do Jogo seja avaliado em
do jogo ou afetam as ações sub- Pontos de Vitória relação a alguma condição
sequentes.
VIC-01 do Estado do de pontuação. Os jogadores
Escolha Narra- Várias opções de ação são apre- Jogo ganham pontos com base em
ACT-18 sentadas aos jogadores através de
tiva como ele corresponde à con-
um formato narrativo.
dição.
Fonte: Engelstein; Shalev, 2020 (tradução nossa). Pontos de Vitó-
Jogadores ganham pontos exe-
VIC-02 ria de Ações do
cutando ações.
Jogador
Mecanismos de Fim de Jogo e Vitória
Alguns Pontos de Vitória nun-
Pontos de Vitória ca são perdidos. Outros depen-
Definem os objetivos dos jogadores, os crité- VIC-03 Temporários e dem do estado do jogo e podem
rios de encerramento do jogo e as condições de Permanentes ser perdidos se esse estado mu-
dar.
vitória e de derrota dos jogadores. Normalmente,
Pontos de Vitória Os Pontos de Vitória podem
o jogador que primeiro alcança os objetivos, ou VIC-04 como um Re- ser gastos como moeda para
aquele que realiza os objetivos da melhor forma, curso impactar o estado do jogo.
Pontos de Vitória Os Pontos de Vitória podem
é considerado o vencedor. O fim do jogo e os ob-
VIC-05 Escondidos e ser informações públicas ou
jetivos, na maioria dos casos, estão interligados, Expostos privadas.
ou seja, quando algum jogador alcança os objeti- Jogadores ganham Pontos de
Bônus de Fim- Vitória adicionais no final do
vos o jogo termina. VIC-06
-de-jogo jogo seguindo determinados
É muito comum a utilização de Pontos de Vitó- critérios.
ria para definir o vencedor de um jogo. As ações O vencedor é o primeiro joga-
dos jogadores possibilitam a aquisição de pontos VIC-07 Corrida dor a chegar ao final de uma
trilha.
que são acumulados e, no final do jogo, aque- Eliminação de O vencedor é o único jogador
VIC-08
le que possuir mais pontos ganha. Em caso de Jogador restante no jogo.
empate, o jogo normalmente indica critérios de VIC-09
Número Fixo de O jogo termina após um núme-
Rodadas ro definido de rodadas.
desempate, que são discutidos na categoria de
O final do jogo é acionado por
Resolução. No Quadro 4, apresentamos os me- um recurso esgotado. Os joga-
Recursos
canismos de Fim de Jogo e Vitória, seus respecti- VIC-10
Esgotados
dores podem afetar a duração
do jogo pela forma como esses
vos códigos e as descrições de como funcionam. recursos são usados.
O jogo termina após a conclu-
Metas
VIC-11 são de um número definido de
Concluídas
metas ou objetivos.
115 7
de jogos. A proposta foi desenvolvida como um

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
CÓDIGO MECANISMO DESCRIÇÃO
Número Fixo de O jogo termina após um evento ateliê lúdico durante o 4º Encontro Científico do
VIC-12
Eventos ocorrer um número de vezes. Dia Internacional do Brincar, realizado no dia 29
VIC-13
Tempo Real O jogo termina depois de de- de maio de 2021, com duração de 2h. Seu objeti-
Decorrido corrido um tempo definido.
vo é possibilitar um espaço criativo e lúdico para a
O jogo termina quando uma
VIC-14 Conexões quantidade de conexões é con- geração de ideias de jogos, utilizando como restri-
cluída. ções criativas os mecanismos apresentados.
O jogo possui uma condição de Devido ao tempo do ateliê e para um melhor
Disjuntor / Morte vitória fixa e conhecida, e uma
VIC-15
Súbita variável especial que encerra o
aproveitamento da experiência, selecionamos as
jogo prematuramente. quatro categorias que mais auxiliariam na etapa
Quando o jogo principal ter- inicial do processo de criação de jogos. Além dis-
mina, um minijogo especial é
VIC-16 O Final
jogado para determinar o ven-
so, utilizamos um elemento que instigasse a in-
cedor. serção de uma ambientação ou temática ao jogo,
Jogadores ganham pontos ocu- a fim de facilitar e direcionar o processo criativo.
VIC-17 Rei da Montanha pando uma posição especial no
tabuleiro.
Sendo assim, a atividade foi dividida em etapas
O jogo beneficia os jogadores que podem ser vistas na Quadro 5, juntamen-
VIC-18 Pegar o Líder
que estão atrás ou prejudicam te com o tempo de realização em minutos e as
os jogadores que estão na fren-
te.
ações realizadas.
Um marcador é movido para Quadro 5: Etapas da experiência lúdica desenvolvida
frente e para trás em direção
VIC-19 Cabo de Guerra
ou para longe de uma posição
neutra. ETAPA T (M) DESCRIÇÃO

A pontuação de cada jogador Recepção dos participantes e organização


é igual ao valor mais baixo de das equipes.
Maior Valor Mais Recepção 15
VIC-20 várias categorias. Quem tiver Sugerimos, no máximo, seis equipes com
Baixo quatro integrantes.
o maior valor mais baixo é o
vencedor. Apresentação dos facilitadores.
Apresen- Explicação do funcionamento da atividade.
10
Fonte: Engelstein; Shalev, 2020 (tradução nossa). tação Apresentação do livro de mecanismos e
das categorias.
Escolha em equipe de um tema para o jogo
em desenvolvimento a partir de três ima-
A EXPERIÊNCIA LÚDICA
Tema 5 gens que provoquem a criatividade.
Recomendamos as cartas do jogo Dixit,
Utilizando os mecanismos de jogos de tabulei- Mysterium ou similares (Figura 2).
ro, propomos uma experiência lúdica de criação
116 7

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
ETAPA T (M) DESCRIÇÃO
Apresentação da categoria de Estrutura de
Jogo.
Explicação de três mecanismos seleciona-
dos.
Estrutura 10
Escolha em equipe de um dos mecanismos
para adaptar ao jogo.
Sugerimos escolher dentre os mecanismos
STR-01, 02, 03, 05, 06 ou 09.
Apresentação da categoria de Estrutura e
Ordem de Turno.
Explicação de três mecanismos seleciona-
dos.
Ordem de
10 Escolha em equipe de um dos mecanismos
Turno
para adaptar ao jogo.
Sugerimos escolher dentre os mecanismos
TRN-01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 09, 12 ou Figura 2 – Exemplos de cartas do jogo Dixit. Fonte: Ludopedia.
13.
Apresentação da categoria de Ações.
Explicação de três mecanismos seleciona-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
dos.
Ações 10 Escolha em equipe de um dos mecanismos A experiência mostrou-se satisfatória e os par-
para adaptar ao jogo.
Sugerimos os mecanismos ACT-01, 02, ticipantes compartilharam ideias interessantes de
06, 10 ou 18. jogos advindos da prática. Este tipo de atividade
Apresentação da categoria de Fim de Jogo instiga os participantes a sair de suas zonas de
e Vitória.
Explicação de três mecanismos seleciona- conforto e trabalharem diferentes formas de jogos
Fim de
Jogo e 10
dos. de mesa. É comum que o desenvolvedor se ins-
Escolha em equipe de um dos mecanismos
Vitória
para adaptar ao jogo. pire em jogos que já conhece e muitos possuem
Sugerimos os mecanismos VIC-02, 07, 09, uma experiência limitada de jogos de mesa, o que
10, 11, 12, 13, 14, 17, 19 ou 20.
acarreta jogos que utilizam mecanismos muitas
Apresen- Apresentação das ideias desenvolvidas pe-
tação dos 35 las equipes.
vezes incompatíveis com os objetivos idealizados
Jogos Breve discussão das ideias. para o jogo.
Encerra-
15
Fechamento da atividade. Os mecanismos possibilitam novas dinâmicas
mento Comentários sobre a experiência.
para a criação de jogos que podem se adequar
Fonte: autor. de uma forma mais orgânica aos objetivos preten-
didos, além de proporcionar experiências lúdicas
mais diversificadas. Os elementos já bastante uti-
117 7
lizados de trilhas, pinos em tabuleiros quadricula- gos de Tabuleiros Modernos para Aprimorar a Re-

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
dos e cartas com perguntas e respostas, por mais solução de Problemas em Alunos de Programação.
que sejam ferramentas úteis, reutilizam e repetem Proceedings of SBGames – Simpósio Brasileiro de
Jogos e Entretenimento Digital, 643-652, 2020. Dispo-
uma experiência que pode até se tornar exausti-
nível em: https://www.sbgames.org/proceedings2020/
va, se muito explorada.
EducacaoFull/209341.pdf. Acesso em: 06 jul. 2021.
Esperamos que, com esta proposta de expe-
riência seja possível conhecer cada vez mais os CONCLAVE. The Witcher: Old World bate todos os
elementos lúdicos disponíveis nos jogos de mesa Recordes. Disponível em: https://www.conclaveweb.
e as experiências diversas que esses recursos com.br/2021/06/18/the-witcher-old-world-bate-todos-
podem proporcionar. Como trabalhos futuros, es- -os-recordes/ Acesso em: 05 jul. 2021.
peramos refinar o método e transformar a expe-
ENGELSTEIN, Geoffrey; SHALEV, Isaac. Building
riência em uma ferramenta cada vez mais lúdica, Blocks of Tabletop Game Design: An Encyclopedia
interativa e promissora para a prática de criação of Mechanisms. CRC Press, Taylor & Francis Group,
de jogos. 2020.

REFERÊNCIAS FONTES, Henrique. Jogo de Tabuleiro Ajuda Em-


presas a se Adaptarem à Indústria 4.0. Jornal da
ALDEN, Scott. Upcoming Changes to BGG Mecha- USP, 2021. Disponível em: https://jornal.usp.br/univer-
nics / Mechanisms. BoardGameGeek, 2019. Disponí- sidade/jogo-de-tabuleiro-ajuda-empresas-a-se-adap-
vel em: https://boardgamegeek.com/thread/2277587/ tarem-a-industria-4-0/ Acesso em: 06 jul. 2021.
upcoming-changes-bgg-mechanics-mechanisms.
PESSOA, Daniela. Empreendedores faturam R$ 16
Acesso em: 12 jun. 2021.
milhões com jogos de tabuleiro. Pequenas Empre-
AQUINO, Felipe Rocha de; RIBEIRO, Raul Carvalho; sas & Grandes Negócios, Globo.com, 2019. Disponível
DARIN, Ticianne de Gois Ribeiro. Desafio de Design em: https://revistapegn.globo.com/Empreendedorismo/
Goople: Um Jogo de Cartas para Ensino Contextual noticia/2019/05/empreendedores-faturam-r-16-milhoes-
do Design de Interação. Proceedings of SBGames – -com-jogos-de-tabuleiro.html. Acesso em 07 jul. 2021.
Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital,
SANTOS, Luiz Cláudio Machado dos; CAVALCANTI,
575-584, 2020. Disponível em: https://www.sbgames.
João Paulo Lemos; CALDAS FILHO, Jeã Tavares;
org/proceedings2020/EducacaoFull/209631.pdf. Aces-
SANTOS, Maria Adélia Icó M. dos. Liberte a Rosa:
so em: 06 jul. 2021.
Jogo Enigmático com Reflexão sobre Relacionamen-
ARAÚJO, Elvis Azevedo de; FURTADO, Júlio Cezar tos Abusivos. Proceedings of SBGames – Simpósio
Costa; ALEXANDRE, Gustavo Henrique da Silva. Jo- Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital, 673-681,
118 7
2020. Disponível em: https://www.sbgames.org/proce-

Glaudiney Moreira Mendonça Junior


CONSTRUINDO JOGOS DE MESA UTILIZANDO MECANISMOS: UMA EXPERIÊNCIA LÚDICA
edings2020/EducacaoFull/209455.pdf. Acesso em: 06
jul. 2021.

SOMMADOSSI, Guilherme. Mercado de Jogos de


Tabuleiro Ganha Espaço no Brasil. Forbes, 2019.
Disponível em: https://forbes.com.br/colunas/2019/07/
mercado-de-jogos-de-tabuleiro-ganha-espaco-no-bra-
sil/ Acesso em: 05 jul. 2021.
119

INTRODUÇÃO

A fim de obter subsídios para essa discussão


deste capítulo, apresento que meus estudos so-
bre a temática referente aos jogos eletrônicos re-
lacionados a Educação Física e sobretudo o brin-
car da criança, vem sendo construído desde 2011.
Em minha formação continuada (Pós-Graduação
Lato e Strictu Senso) continuo me dedicando aos
estudos sobre essa temática. Bem como, produ-
zindo pesquisas de campo, publicando artigos
nos mais diferentes congressos nacionais e inter-
nacionais e ministrando cursos e palestras sobre
a temática pelo Brasil.
Portanto, este capítulo tem como foco princi-
pal, discutir sobre o brincar das crianças do sé-
culo XXI, pois não é difícil escutarmos do sen-
CAPÍTULO 8 so comum os seguintes pensamentos: “hoje as
crianças não brincam mais, elas só ficam no vi-
deogame”; “ao invés das crianças brincarem, elas

INFÂNCIA E VIDEOGAMES: só ficam jogando em aparelhos tecnológicos”; “no


meu tempo brincávamos na rua, hoje só ficam em

REFLEXÕES SOBRE O casa e na frente do computador”. Bom, primeira-


mente, qual o conceito que a grande maioria das
BRINCAR NO SÉCULO XXI pessoas tem sobre o brincar? Ou até mesmo os
profissionais da área tem sobre o brincar? Reflita!
No decorrer desse capítulo perceberemos algu-
Cleber Mena Leão Junior
mas questões sobre essa temática atual na edu-
cação e no movimento de crianças de hoje.
Em um primeiro momento, é necessário obser-
var o crescimento aparente das mídias nos dife-
rentes espaços sociais, pois, as crianças fazem o
120 8
uso delas, sejam, computadores, tabletes, celula- Para podermos entender as transformações

Cleber Mena Leão Junior


INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O BRINCAR NO SÉCULO XXI
res, videogames, etc. Cultivando uma cultura ele- ocorridas no tempo presente, se faz necessário
trônica. Essa geração, conforme aponta, Bremm, obter um breve resgate histórico da infância e seu
Dal-Forno e Chiappa (2013) atua com grande fa- brincar desde a antiguidade, até a contempora-
cilidade no universo digital, e que os jogos, são neidade, para refletirmos sobre as transforma-
uma das suas atrações prediletas. ções sociais atuais.
Diante disso, teremos como objetivo, apresen-
Nascer e crescer na era digital traz consigo gran-
des mudanças em relação aos objetos lúdicos das tar dois marcos históricos da infância e refletir so-
crianças, que acabam por se refletir em suas brin- bre os jogos e brincadeiras contemporâneas, sen-
cadeiras e brinquedos. Os jogos eletrônicos já são do resultado de uma revisão bibliográfica, embora
a brincadeira favorita de muitas crianças, pelo fácil não exaustiva.
acesso e manuseio. Levando em conta tais con-
tribuições é que se busca olhar para os proces-
sos de aprendizagem e de desenvolvimento da- DE ARIÈS A POSTMAN OU DO SENTIMEN-
dos na criança, também, a partir do mundo virtual TO AO DESAPARECIMENTO DA INFÂNCIA
(BREMM, DAL-FORNO, CHIAPPA, 2013, p. 9).
Estudar história, ou se aprofundar nela, não é
Prensky (2010) relata que para as crianças
uma tarefa fácil, porém, é necessário para enten-
nascidas no século XXI, normas e comportamen-
dermos a atual situação educacional no que tange
tos estão mudando mais rapidamente do que no
a criança. No entanto, dialogaremos a respeito de
passado, devido a mudança rápida da tecnologia,
momentos históricos do sentimento de infância,
e também, por que as crianças já estão progra-
até o processo de transição que levou ao conceito
madas para acompanhá-las. Alguns de nós te-
do desaparecimento da mesma.
mem nosso futuro eletrônico, e outros, poderão
Ferreira e Sarat (2013), discorrem sobre uma
questionar o seu valor.
preocupação eminentemente, em relação aos es-
No entanto, teremos como hipótese ao discutir
tudos que tangem a história da criança e a infân-
nesse capítulo a possibilidade de que o brincar
cia. A partir de 1960, com a publicação da obra,
da criança, se configura de forma diferenciada no
L’enfant et la vie familiale sous l’Ancien Regime,
século XXI, do que ocorria nos séculos passados,
tendo sua primeira edição Brasileira em 1978 inti-
pois, atualmente, vivemos em um momento de
tulada como “História Social da Criança e da Fa-
transição e imersão das tecnologias. Tais tecno-
mília. Nesta obra, o historiador frances Philippe
logias são inúmeras, portanto, nesse momento,
Ariès aborda sobre a ausência do sentimento da
concentraremos nossos esforços nas tecnologias
infância até o fim da Idade Média.
referentes aos jogos eletrônicos de videogames.
121 8
Ariès (1978), em seu escrito, aponta para o fato Segundo Ariès (1978), o sentimento pela infância

Cleber Mena Leão Junior


INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O BRINCAR NO SÉCULO XXI
de que, no Ocidente, com o início do Renascimen- inexistia na idade antiga, porém, com o passar dos
to, novas formas de percepção sobre a infância anos, ou seja, na modernidade, o sentimento de
são instauradas, não existindo um sentimento ou infância se dividiu em dois conceitos: a percepção
consciência de infância, as crianças eram perce- sobre a criança, intitulada de “paparicação”, que
bidas como adultos em miniatura. Na interpreta- está relacionada ao novo sentimento das famílias
ção de Barbosa e Magalhães (2008), Ariès traçou quanto às crianças. Nesse momento, a criança é
um perfil das características da infância desde o vista como um ser inocente e puro, como um ani-
século XII, no que diz respeito ao sentimento so- malzinho, cuja tarefa era distrair os adultos.
bre a infância, seu comportamento no meio social Posteriormente, esse sentimento foi substitu-
na época e suas relações com a família. No en- ído pelo de “exasperação”, em que Cruz (2008),
tanto, por meio dos materiais descritos, é visível aponta como um sentimento da concepção ecle-
constatarmos a fragilidade da criança, bem como siástica em que a criança é um ser imperfeito e
sua desvalorização. incompleto, que necessita ser educado. Logo, os
Ariès (1978), destacava que as mulheres e adultos passaram a irritar-se com a presença das
as crianças eram consideradas como seres hu- crianças em determinados espaços, perceben-
manos inferiores, e sobretudo, não mereciam do ser insuportável ocupar o mesmo espaço que
nenhum tipo de tratamento diferenciado, sendo elas. Cruz (2008), aborda que nessa concepção,
inclusive, reduzida a duração da infância. No en- há um sadismo pedagógico com a utilização do
tanto, ressalta o autor supracitado, que por volta castigo físico, como por exemplo, por meio da pal-
do século XII, era provável que não houvesse lu- matória e do chicote.
gar para a infância, uma vez que a arte medieval Podemos compreender, com base em Barbo-
a desconhecia. sa e Magalhães (2008, p. 3), que:
Dessa perspectiva, Barbosa e Magalhães
O sentimento de infância, de preocupação com
(2008, p. 3) constatam que a “criança era tida a educação moral e pedagógica, o comporta-
como uma espécie de instrumento de manipula- mento no meio social, são idéias que surgiram
ção ideológica dos adultos e, a partir do momento já na modernidade e que nos leva a crer na
em que elas apresentavam independência física, existência de todo um processo histórico até a
sociedade vir a valorizar a infância. Ariès é bem
eram logo inseridas no mundo adulto”.
claro em suas colocações quando diz que a par-
Já na modernidade com o surgimento do sen- ticularidade da infância não será reconhecida e
timento de infância, as crianças passaram a ocu- nem praticada por todas as crianças, pois nem
par um espaço de destaque perante a sociedade. todas vivem a infância propriamente dita, de-
122 8
vido às suas condições econômicas, sociais e criança devia frequentar espaços, ter vestimen-

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INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O BRINCAR NO SÉCULO XXI
culturais. Assim, os sinais de desenvolvimento tas, brincadeiras próprias à sua idade, desen-
de sentimento para com a infância tornaram-se cadeando, assim, a necessidade de se criar os
mais numerosos e mais significativos a partir do colégios. Assim como as crianças passaram
fim do século XVI e durante o século XVII, pois a ocupar um espaço na sociedade, os adultos
os costumes começaram a mudar, tais como os passaram a exercer os seus papéis de pais,
modos de se vestir, a preocupação com a edu- possuindo responsabilidades pela formação e
cação, bem como separação das crianças de preparação da criança para o mundo simbólico
classes sociais diferentes. Toda essa preocupa- adulto (RAVASIO; FUHR, 2013, p. 222).
ção e cuidado com o comportamento de crian-
ças e adolescentes estava ligada ao modelo de No decorrer dos séculos, ao chegar na moder-
civilidade da época, e isso significava ter boas nidade, surge a tese sobre o possível desapareci-
maneiras e regras de etiqueta (BARBOSA; MA- mento da infância, não havendo novamente diferen-
GALHÃES, 2008, p. 3).
ciação entre a infância e a fase adulta. O sociólogo
No entanto, Ravasio e Fuhr (2013), apontam norte-americano Neil Postman, se impôs ao campo
que, houveram várias invenções tecnológicas du- das ciências sociais com a proclamação da morte
rante a Idade Média, porém, nenhuma que mu- da infância. Nem bem se estava assimilando as no-
dasse a concepção ou o ritmo de vida dos adul- vas concepções sobre a infância como uma cons-
tos, sendo importante ressaltar que, por meados trução social, apontada por Ariès (1978) a partir do
do século XV, surgiu uma invenção que mudaria século XVII, quando Postman (1999) já declarava
completamente as concepções da vida adulta, ou sua morte na primeira edição Brasileira intitulada
seja, a prensa tipográfica. como “O Desaparecimento da Infância” em 1999.
Para Postman (1999), com a criação “prensa Na perspectiva de Ravasio e Fuhr (2013), tais
tipográfica” iniciou-se uma divisão da sociedade concepções se desenvolveram simultaneamente
em dois mundos: o dos que “sabiam ler” carac- com desenvolvimento social, pois, a cada perío-
terizados pelos adultos e o dos que “não sabiam do da sociedade, desenvolvia-se uma concepção
ler” caracterizado pelas crianças. Posteriormen- de infância, acompanhada pelo desenvolvimento
te a essa separação, reconheceu-se que existia da ciência, da economia e da política. “O estudo
uma classe diferente da dos adultos, a qual foi deste processo de desenvolvimento possibilitou
chamada de infância. refletir sobre o modo como a criança era vista no
passado e de como ela é vista atualmente” (RA-
Após o surgimento da infância, desencadeou-
VASIO; FUHR, 2013, p. 221).
-se uma necessidade de haver separação entre
adultos e crianças, pois havia a preocupação em No entanto, sobre o desaparecimento da infân-
manter a pureza original do infante. Com isso, a cia, Postman (1999), destaca que a infância surge
123 8
após uma revolução tecnológica e deixa de existir parecimento da infância, discorreremos no próxi-

Cleber Mena Leão Junior


INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O BRINCAR NO SÉCULO XXI
a partir da criação da televisão, que também, é mo momento, se essas tecnologias influenciaram
outra revolução tecnológica. Com o surgimento no brincar das crianças de hoje.
da televisão, a divisão, a separação, a diferen-
ciação intelectual entre adultos e crianças deixou VIDEOGAMES DE MOVIMENTO CORPO-
de existir. Ambos (crianças e adultos) assistem e RAL: UMA NOVA CONFIGURAÇÃO DO
obtém informação dos mesmos programas. Em BRINCAR NO SÉCULO XXI
consequência do compartilhamento das informa-
ções, os adultos deixam de ocupar um lugar de [...] com a evolução dos brinquedos, surgem os
destaque na sociedade por possuírem mais co- videogames, juntamente com uma variedade de
nhecimento que as crianças. Dessa forma, a dife- modelos e jogos. As crianças são atraídas em
rença é eliminada, pois, para assistir à televisão, virtude dos “poderes” por eles apresentados.
Por meio desse instrumento, elas encenam,
as crianças não precisavam frequentar a escola.
transformam-se nos personagens do jogo, acre-
Diferentemente dos livros que possuíam uma ditando que podem fazer o que quiserem com o
adequação a cada idade, a televisão poderia ser aparelho [...] (RAVASIO; FUHR, 2013, p. 223).
visualizada e compreendida por qualquer criança
ou adulto. Desde a década de 1970, os jogos eletrônicos
Ainda na perspectiva do autor, o fator central atraem adeptos de todas as idades. Nessa pers-
para as alterações dos conceitos de infância, está pectiva, Zagui Filho (2012), aponta que entre os
nas produções tecnológicas. No entanto, aponta anos de 1968 e 1970, Ralph Baer tentou conven-
duas tecnologias fundamentais: a “prensa tipo- cer, sem sucesso, diversas empresas, a fim de
gráfica” e a “televisão”. A primeira produz a “sepa- que, elas fabricassem e posteriormente vendes-
ração” do mundo do adulto e o da criança, e a se- sem o Brown Box (nome dado por ele ao videoga-
gunda, da início a uma “igualação” entre adultos me criado) até que, em 1971, a Magnavox (uma
e crianças, e que pode ser entendido como um empresa de produtos eletrônicos de baixo custo)
possível desaparecimento da infância. concordou em distribuir a invenção, mudando o
Tais conceitos e momentos históricos delimi- nome para Magnavox Odyssey. O produto come-
tados acima, nos mostra uma transição que as çou a ser comercializado em 1972 e ficou marca-
crianças vivenciaram por meio das revoluções do como o primeiro console doméstico.
tecnológicas. Atualmente, a tecnologia está pre- Atualmente, os jogos eletrônicos avançaram
sente no brincar da criança. Assim como para muito em termos de gráficos, histórias, modo de jo-
Postman (1999), a tecnologia possibilitou o desa- gar. Desde de 2006, com a criação do Nintendo Wii,
124 8
os videogames passaram a ser comandados pelo um desenho animado), mas, acabam obtendo

Cleber Mena Leão Junior


INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O BRINCAR NO SÉCULO XXI
movimento do corpo, e não mais, pelo movimento o poder de escolher o que aparecerá na tela,
dando às crianças a possibilidade de interferir
das mãos. O primeiro a ser criado foi o Wii da Nin-
no andamento do jogos e nas ações que neles
tendo: a principal diferenciação do Wii é a utilização se desenvolvem. Por exemplo, passar uma fase
de controles sem fio para detectar os movimentos pegando todas as moedas disponíveis, ou, pas-
do usuário e, dessa forma, obter o controle sobre sar pela mesma fase, sem pegar nenhuma mo-
o jogo; em seguida o Playstation da Sony: que se eda (LEÃO JUNIOR, 2013, p. 42).
utiliza do controle sem fio para a realização das ati-
Essa característica de exigir uma participação
vidades, porém, o captador de movimento é uma
tão decisiva para o seu funcionamento é, dentre
web can, diferente do Wii que é um sensor infra-
outros fatores, aquilo que transformou o videoga-
vermelho; e por último, e não menos importante, o
me, em um dos passatempos mais completos da
Xbox 360 Kinect da Microsoft: criado em 2010, ele
configuração social contemporânea (EHRLICH,
se tornou diferente dos demais pois, possibilidade
1986). Ainda relata o autor, que na década de
interagir com os jogos eletrônicos sem a necessi-
1980, nenhum brinquedo fez tanto sucesso em
dade de ter em mãos um controle, levando assim,
todo o mundo quanto o videogame, e, milhões de
jogadores de diferentes idades a uma experiências
aparelhos foram vendidos pelos cinco continentes
nunca vivenciada antes, utilizando simplesmente e
para divertir pessoas de todas as idades.
apenas o movimento do corpo para jogar.
A quase três décadas depois, o videogame
Vale ressaltar que, segundo Ehrlich (1986),
vai além do entretenimento, e torna-se objeto de
uma das fortes características dos videogames
estudo, conforme relata o norte americano Wolf
domésticos está em permitir aos seus usuários
(2006), que a partir do século XXI, observou-se
uma nova e agradável forma de relacionamen-
um aumento nos número de livros e revistas de-
to com o aparelho de televisão. No entanto, por
dicadas ao estudo dos jogos de videogame, pois,
intermédio do videogame, as pessoas puderam
tem-se demonstrado um crescente interesse no
passar de espectadoras, para usuárias do televi-
que está a tornar-se um campo de estudo aca-
sor, com o poder de escolher o que apareceria
dêmico. Para constatar a fala do autor, segundo
na tela do televisor e ainda interferir na ação que
Nathália Larghi da Valor Investe (2019), o Brasil
nela se desenrolaria devido aos jogos.
versa o 13º maior país em número de jogadores
A partir dessa reflexão, notamos que as crianças:
do mundo, com o total de 75,5 milhões de usuá-
[...] perceberam que com o videogame, elas não rios, além de ser o maior da América Latina.
tornam-se espectadoras do televisor (como sim- Fato esse, que destaca o Brasil, como um dos
plesmente ver um filme, uma novela ou assistir maiores consumidores de jogos eletrônicos. Ou
125 8
seja, há um expressivo número de consumidores infantil, do arcabouço psíquico, cognitivo, motor,

Cleber Mena Leão Junior


INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O BRINCAR NO SÉCULO XXI
dos jogos eletrônicos, podendo assim, gerar um sensorial e social das crianças.
aumento no número de pesquisadores. Devido a Huizinga (2001), ao analisar o jogo como ele-
isso, os videogames, jogos eletrônicos, mídias e mento da cultura, mostra que o lúdico não é uma
tecnologias têm ganho um campo de estudo sig- atividade inata, biológica, não surge de forma
nificativo, seja por meio de publicações científicas natural, na criança. Descreve o jogo como uma
e/ou grupos de pesquisas sobre a temática dos atividade ou ocupação voluntária, exercida den-
jogos eletrônicos. tro de certos e determinados limites de tempo/es-
Conforme aponta alguns estudos (LEÃO JU- paço, por meio de regras livremente convertidas,
NIOR, 2012a, 2012b; LEÃO JUNIOR; LAZIER, mas obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo,
2012; LEÃO JUNIOR; LAZIER; CARVALHO, acompanhado de um sentimento de tensão e de
2012; ZAGUI FILHO, 2012; NASCIMENTO, 2012; alegria, e por fim, de uma consciência de ser dife-
LEÃO JUNIOR, 2013; LEÃO JUNIOR et al., 2013, rente da vida quotidiana.
LEÃO JUNIOR, 2015), percebermos que no ano Tendo em vista, os jogos e brincadeiras como
de 2012 iniciaram-se pesquisas no que tange aos fundamental para o desenvolvimento da criança,
jogos eletrônicos de videogame, relacionados Kishimoto (1999), aponta que a partir do momen-
com atividades recreativas em vários ambientes, to que se fixa a imagem da criança como um ser
como por exemplo, aniversários, colônia de fé- que brinca, o jogo faz parte dela. Sendo portadora
rias, acampamentos, eventos, escolas, gincanas, de uma especificidade que se expressa pelo ato
hotéis, atividades de aventura, terceira idade, en- lúdico, a infância carrega consigo as brincadeiras
tre outros. que se perpetuam e se renovam a cada geração.
E os diversos ambientes estudados nas refe- A expressão geração, citada anteriormente, pede
ridas pesquisas, em especial o que refere-se as uma definição mais aprofundada, em que buscamos
crianças, possibilita o ato de brincar, que essen- tal definição com o norte-americano Marc Prensky
cialmente é um dos alimentos mais importantes (2001), considerado um dos principais especialistas
para elas e o brincar sempre ocupa um lugar pri- na conexão entre jogos eletrônicos e aprendizagem.
vilegiado no universo infantil. No entanto, atual- Em seu clássico artigo “Nativos Digitais, Imigrantes
mente, o entendimento sobre o valor do brincar Digitais”, ela retrata o perfil tecnológico de crianças
constitui objeto de estudo entre diversas áreas: e jovens do mundo todo, em uma tentativa de nos
historiadores, psicólogos, sociólogos, antropólo- ajudar a compreender melhor esta “nova geração”
gos, educadores que asseguram, por intermédio que é realidade em nossas vidas e em especial em
de jogos e brincadeiras, a construção da cultura nossas áreas de ensino.
126 8
Para Prensky (2001), são considerados na- ferramenta interativa (jogos eletrônicos de vide-

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INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O BRINCAR NO SÉCULO XXI
tivos digitais, aqueles que já nasceram em um ogames, computadores, tabletes, celulares na
universo digital, em contato com a internet, com- forma de utilização individual ou em grupo) com
putador e jogos eletrônicos. São jovens que “fa- o objetivo educacional. Outra forma possível, é
lam” com naturalidade e sem “sotaque”, o idioma transpor as atividades dos jogos eletrônicos para
digital destes recursos eletrônicos, como se esta as atividades práticas (jogar tênis no Nintendo Wii
fosse a língua materna deles. Encaram com faci- e depois jogar tênis na quadra, por exemplo) com
lidade as frequentes mudanças e novidades do o objetivo de utilizar os jogos eletrônicos como
mundo tecnológico e se adaptam a esta realidade fator motivacional para realização das atividades
inconstante com a mesma rapidez com que ela práticas. No entanto, o seu desenvolvimento está
se transforma. Vale ressaltar que esta adaptação relacionado à tecnologia contemporânea e, está
dos nativos ocorre sem medos, sem receios e em constante mudança pela descoberta de novos
sem traumas, em contraponto com os Imigrantes aparatos eletrônicos (LEÃO JUNIOR, 2013).
Digitais que, segundo o mesmo autor, consegui- No entanto, os jogos eletrônicos possuem ca-
ram (uns mais, outros menos) se introduzir no racterísticas bastante peculiares, mas não fogem
ambiente das novas tecnologias mais cedo ou do contorno desenhado por Huizinga (2001, cita-
mais tarde em suas vidas. do por Mattar, 2010, p. 16) para caracterizar os
Partindo do pressuposto de que os jogos e jogos como um todo. Para ele, os jogos represen-
brincadeiras se eternizam, e em contrapartida, se tam uma atividade sem imposições, livre, voluntá-
renovam a cada geração, gostaríamos, a título de ria e prazerosa; são um mundo imaginário, sendo
conhecimento e informação, conceituar os Jogos capazes de absorver inteiramente o jogador e,
e Brincadeiras Tradicionais, que na perspectiva além disso, criam momentos e situações de or-
de Leão Junior (2013), a base das atividades tra- dem provenientes da aplicação de suas regras.
dicionais está na cultura popular, perpassando de Ordem, imersão e prazer são também propostas
geração a geração. Não exige recursos materiais dos jogos eletrônicos, mas o uso de tecnologias
sofisticados e, fazem alusão ao folclore, ritos e avançadas na elaboração destes os leva muito
costumes de uma comunidade. além desta proposta. Leva-os para o caminho da
Já as atividades desta geração – século XXI interação, colaboração, criatividade e principal-
– conhecidos como “Jogos e Brincadeiras Con- mente conectividade.
temporâneas”, pode se entendido ainda pelo au- Bittencourt (2007), em seu trabalho, faz a se-
tor supracitado, como sendo atividades que refe- guinte pergunta – Qual a diferença entre o brincar
rem-se a utilização dos jogos eletrônicos como de antigamente e o brincar da era do vídeo-ga-
127 8
me? – com isso, ele quer nos chamar a atenção componentes do jogo, ainda continuam. E o que

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INFÂNCIA E VIDEOGAMES: REFLEXÕES SOBRE O BRINCAR NO SÉCULO XXI
para a questão: será mesmo que as brincadeiras fica claro, é essa diferente forma de brincar, como
mudarão? Será que o brincar mudou? Ou, será aponta Kishimoto (1999), no momento em que fri-
que existe mesmo brincadeiras de hoje ou elas sa que a infância carrega consigo, brincadeiras
são simplesmente brincadeiras? que se perpetuam e se renovam a cada geração.
Ao decorrer de sua análise, o autor responde Logo, as crianças do século XII, brincar da
a questão, apontando que inicialmente, essa di- mesma forma que as crianças de séculos pas-
ferença não pareceu tão grande em observações sados, porém, com tecnologias que antigamente
realizadas durante os jogos em grupo realizados não existiam. Reinventam o seu brincar, sendo
na hora do recreio, em diferentes escolas da zona esse brincar com o videogame ou com outros
sul do Rio de Janeiro. Foi possível identificar a equipamentos tecnológicos.
prática de antigas formas de brincadeiras, antes
conhecidas, respectivamente, como pique-pega, REFERÊNCIAS
pião, jogo de ossinhos, trunfo, rebatizadas con-
temporaneamente com novos nomes como pique ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio
de Janeiro: LTC, 1978.
ameba, bay blade, tazo, Yu-Gi-Ho.
BARBOSA, A.A.; MAGALHÃES, M.G.S.D. A concep-
CONSIDERAÇÕES FINAIS ção de infância na visão Philippe Ariès e sua relação
com as políticas públicas para a infância. Revista Ele-
O conteúdo que compõem o conceito de jogo trônica de Ciências Sociais, História e Relações
descritos por Huizinga (2001), não se diferenciam Internacionais, Roraima, RR, v. 1, n. 1, p. 1-7, 2008.
dos jogos e brincadeiras tradicionais para os jo-
gos e brincadeiras contemporâneos. Em ambas BITTENCOURT, M.I.G.F. Brincando na era da tecnolo-
gia. Revista Eletrônica Polêmica. Rio de Janeiro, n.
encontramos uma ocupação voluntária exercida
22, out./dez. 2007.
dentro de limites de tempo e espaço; construídas
por meio de regras que devem serem cumpridas; BREMM, C.I.; DAL-FORNO, J.P.; LEAL, M.F.; CHIAP-
tendo um fim em si mesmo; sempre com senti- PA, M.B.A utilização de jogos digitais na infância. In:
mento de tensão e alegria, com consciência de VIDAL, C.D.; ELIAS, I.M.; HEBERLE, V.M. (Orgs.).
não ser real. Pesquisas em games: ideias, projetos e trabalhos.
Contudo, o que podemos perceber é que, as Florianópolis: UFSC/LLE/CCE, 2013. p. 108-117.
crianças do século XXI, as nativas digitais, ainda
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continuam brincando, e nos jogos eletrônicos, os desenvolvimento moral e cognitivo nas crianças. 2008.
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130
INTRODUÇÃO

Quando se escreve sobre jogos, é recorrente


que os leitores vinculem a ideia de divertimento e
educação. É natural essa vinculação, visto que os
jogos são práticas antigas da humanidade, para
transmitir lições de sobrevivência, estratégias,
cultura e conhecimentos de geração em geração,
ao mesmo tempo ajuda na formação social dos
indivíduos, potencializando o desenvolvimento de
habilidades e servindo ao interculturalismo.
Segundo Gomes (2003, p.119), o jogo é uma
“atividade lúdica que... permite a expressão da
individualidade e da cultura, da subjetividade na
intersubjetividade e mobiliza, ao mesmo tempo,
o pensamento, a ação e a afetividade do sujeito”.
Para Múrcia (2005, p.9) apud Castro (Castro,
CAPÍTULO 9 2021) o jogo é:
Um fenômeno antropológico que se deve con-
siderar no estudo do ser humano. É uma cons-

JOGOS EDUCACIONAIS E A tante em todas as civilizações, esteve sempre


unido à cultura dos povos, a sua história, ao má-

PRÁTICA PEDAGÓGICA gico, ao sagrado, ao amor, a arte, a língua, a


literatura, aos costumes, a guerra. O jogo serviu
de vínculo entre povos, é facilitador da comuni-
cação entre seres humanos.
José César Pontes Moreira
José Rogério Santana Já Castro (2021) argumenta que, “tanto Aris-
Fredson Rodrigues Soares tóteles (385-322 a.C.) quanto Platão (427 – 347
a.C.) já percebiam o potencial presente no uso
dos jogos, que instruem e também divertem, con-
figurando-se numa atividade de crescimento pes-
soal e social”. Assim, evidencia-se a importância
131 9
dos jogos no contexto social, seja criando diverti-

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
mento, e interação entre as pessoas e proporcio-
nando o desenvolvimento de competências úteis
para o crescimento do indivíduo. Família Escola
Se o homem é um animal social, ele também
JOGOS
é um animal que precisa e gosta de jogos para
desenvolver sua sociabilidade e construir o seu
bem-estar social e desenvolver habilidades cogni-
tivas. Principalmente, se esses jogos ajudarem a Comunidade
potencializar suas virtudes e habilidades que favo-
reçam a socialização, com a valorização da con-
Figura 1 – Jogo e suas interações.
fiança, da comunicação, motivação, bem como, Fonte: elaboração própria, 2021.
Figura 1 – Jogo e suas interações.
no ensino da colaboração e de práticas culturais e Fonte: Embora
elaboração própria,
os jogos 2021.
tenham a dimensão da ludicidade, no âmbito pedagógico, os jogos
ganham uma intencionalidade e técnica, que objetivam desenvolver habilidades pessoais e
educacionais que possam ser sustentáveis. interpessoais, que se externalizam, no modo de ser e fazer atividades que envolvam raciocínio
O jogo como instrumento de aprendizagem Embora
estratégias, os jogos
memória, táticas de ação etenham a dimensão da ludi-
tomada de decisões.
Nos jogos educacionais remotos, os alunos interagem utilizando computadores e/ou
que pode envolver em suas atividades, a colabo- cidade,e outros
smartphones no âmbito
dispositivospedagógico, os jogos
digitais, com o objetivo ganham
de estimular os comportamentos de

ração, a cooperação, as regras e restrições, situ- uma Este intencionalidade e técnica, que objetivam
colaboração, criatividade, comunicação, confiança, iniciativa e estratégia.
artigo, trata da dimensão pedagógica e andragógica dos jogos e em seus aspectos

ações de pressões e de satisfação emocional. O desenvolver


comunitários e famíliares.habilidades pessoais
Para isso, é importante e acadêmicos
saber o que os interpesso- do curso de pedagogia
futuros professores, percebem e conhecem sobre os jogos digitais, e como estão sendo utilizados no
jogo educacional está atrelado a princípios teóri- ais, daque
contexto se externalizam,
pandemia no modo
da Covid-19, que se iniciou no Brasilde
em ser
2020 eesefazer
prolonga ao longo de
2021.
co-metodológicos bem fundamentados (TAROU- atividades
Os jogos que envolvam
e materiais pedagógicosraciocínio,
funcionam comoestratégias,
recursos de “pluralização” das
modalidades de aprendizagem e são voltados muitas vezes, aos desenvolvimentos cognitivos e de
CO et al, 2004). memória,
habilidades voltadostáticas de ação
ao aprimoramento e tomada
do jogador das diversasde decisões.
formas da inteligência (BARBOSA
1997).
Por meio dos jogos, a criança e adultos podem Nos Nessejogos
contexto,educacionais remotos,
de aulas remotas, a utilização os éalunos
de jogos uma opção efetiva para

incorporar e aprende os seus hábitos motores interagem utilizando computadores e/ou smar-
envolver os alunos e oferecer maior dinâmica na resolução de problemas e aprendizagem de
conteúdo. Pode ser que alguns professores não utilizem, por não conhecerem a conexão dos jogos
o processo deeensino-aprendizagem,
comtphones outros dispositivos digitais, com o ob- que pode se
havendo um potencial para transformação
(jogo de exercício), as necessidades do eu (jogo explorado à medida que passa a ser conhecido. Esse é um dos motivos que torna a pesquisa sobre
simbólico) e as demandas das relações sociais jetivo
jogos de estimular
educacionais e sua divulgação oscomocomportamentos
modo de elucidar questões dee subsidiar
cola- a didática do
ensino para professores das diferentes áreas do conhecimento.
(jogo de regras). boração, Almeidacriatividade,
et al (2021, p. 207), comunicação, confiança,

O construtivismo enfatiza a participação do sujei- iniciativa e Os


estratégia.
jogos, no contexto educacional, buscam de forma fidedigna possibilitar a absorção do
conhecimento através da ludicidade, independentemente de seu público-alvo. Cada jogo

to na construção de seu próprio conhecimento atra- Este artigo, tratanada


desenvolvido dimensão
escola, pedagógica
de forma contextualizada pode facilitare an- de ensino e de
o processo
aprendizagem, pois o alunado acaba vivenciando outras formas de adquirir conhecimentos

vés de suas relações e interações com o ambiente dragógica dos jogos e em seus aspectos comuni-
conforme objetivos e interesses (GOMES, 2003, tários e famíliares. Para isso, é importante saber o
p.120). Os jogos podem ajudar na aprendizagem que os acadêmicos do curso de pedagogia, futuros
nas dimensões familiar, escolar e da comunidade. professores, percebem e conhecem sobre os jogos
132 9
digitais, e como estão sendo utilizados no contexto sobre o que motiva ou as formas mais atrativas

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
da pandemia da Covid-19, que se iniciou no Brasil que os impulsionam a sanar a curiosidade dos
envolvidos no processo educacional passa a ser
em 2020 e se prolonga ao longo de 2021.
um dos objetivos primordiais dos educadores
Os jogos e materiais pedagógicos funcionam que estão abertos ao novo.
como recursos de “pluralização” das modalidades
de aprendizagem e são voltados muitas vezes, Nesta primeira seção, tem-se por objetivo
aos desenvolvimentos cognitivos e de habilidades apresentar a importância dos jogos para a so-
voltados ao aprimoramento do jogador das diver- ciabilidade das pessoas; na Figura 1 acima, há
sas formas da inteligência (BARBOSA, 1997). a apresentação de relações entre comunidade e
Nesse contexto, de aulas remotas, a utilização família por meio das estruturas dos jogos, e prin-
de jogos é uma opção efetiva para envolver os cipalmente dos jogos digitais,
alunos e oferecer maior dinâmica na resolução de Na segunda seção, coloca-se os jogos como
problemas e aprendizagem de conteúdo. Pode ser recurso pedagógico nas diferentes áreas das ci-
que alguns professores não utilizem, por não co- ências; na terceira seção, mostra-se os procedi-
nhecerem a conexão dos jogos com o processo de mentos metodológicos da sondagem acerca da
ensino-aprendizagem, havendo um potencial para percepção de alunos de graduação do curso de
transformação que pode ser explorado à medida pedagogia da Universidade Federal do Ceará so-
que passa a ser conhecido. Esse é um dos motivos bre a utilização de jogos nas práticas pedagógi-
que torna a pesquisa sobre jogos educacionais e cas, contou-se com a participação de 21 alunos.
sua divulgação como modo de elucidar questões
e subsidiar a didática do ensino para professores OS JOGOS COMO INSTRUMENTOS DE
das diferentes áreas do conhecimento. MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
Almeida et al (2021, p. 207),
Os jogos, no contexto educacional, buscam Como exemplificação, citamos o caso descrito
de forma fidedigna possibilitar a absorção do por Grillo et al (2021) que estudou o jogo de Xa-
conhecimento através da ludicidade, indepen- drez como mediador para a construção de conhe-
dentemente de seu público-alvo. Cada jogo de-
cimento matemático. Segundo Grillo et al, houve
senvolvido na escola, de forma contextualizada
pode facilitar o processo de ensino e de aprendi- uma construção de soluções criativas nas situa-
zagem, pois o alunado acaba vivenciando outras ções apresentadas durante o jogo.
formas de adquirir conhecimentos diferentes de Segundo Grillo et al (2021, p. 134) descreve que:
aulas baseadas exclusivamente em metodolo-
gias tradicionais. Assim, o conhecimento prévio
133 9
as ações dos alunos corroboraram com a produ- onça. A onça é mais forte e possui habilidades.

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
ção de conhecimentos matemáticos, especifica- O(s) jogador(es) que representa(m) a onça tem
mente, nos momentos de levantamento e apre-
que utilizar essas habilidades e força de modo a
sentação de hipóteses, de (re)formulação e de
comunicação de procedimentos, nos momentos escapar das armadilhas dos cães ao mesmo tem-
de análises das possibilidades de jogadas, inter- po que capturar os cinco cachorros; do outro lado,
pretação e conjecturas, e, enfim, nas argumen- o(s) jogador(es) que representa(m) a matilha tem
tações sobre as resoluções. que imobilizar a onça utilizando estratégias de
caça e defesa ao mesmo tempo.
Um ponto interessante, no caso acima, é que
Abaixo, citamos alguns exemplos de jogos que
os alunos não perceberam “os erros” nas jogadas
mediam de forma pedagógica conteúdos das dis-
como algo negativo, mas como situações que se
ciplinas como: geografia, português, matemática
deve analisar e aprender. O erro é um evento na-
e economia.
tural em se tratando de aprendizagem tanto nos
jogos como também na vida. O papel do professor
também ficou evidente, nos processos de organi- Quadro 1 – Jogos pedagógicos.

zação, problematização e de acender o espírito de


NOME DESCRIÇÃO DISPONIBILIDADE
reflexão e investigação. Logo, só erra quem faz, É um quis de WEB: Seterra - Jogo
SETERRA
quem joga e vive. Dessa forma, nos jogos, o erro geografia. Geográfico Educativo
tem que encarado como um processo natural. VEM
Para aprender
WEB: Jogo Vem Apren-
APRENDER der Matematica (jogose-
Noutra área, da história dos povos indígenas, MATEMATICA
matemática
ducativos24.com.br)
verifica-se que o uso do jogo, serviu para preser- É um jogo
var a história. Como exemplo: o jogo da onça, le- para aprender
algumas coisas
gado cultural dos povos indígenas, segundo San- sobre economia.
tos (2021), apresenta em seu artigo, como um Os problemas WEB: Jogo Shopping
SHOPPING
jogo que percorreu uma antiga trilha indígena e propostos Economia (jogoseducati-
ECONOMIA
são muito vos24.com.br)
chegou às plataformas digitais. No jogo da onça, interessantes de
duas equipes ou dois indivíduos/jogadores, repre- desenvolvimento
mental, cálculo e
sentam, respectivamente, uma onça poderosa e matemática.
com várias habilidades e uma matilha constituída Encontrar to-
de 14 cachorros. das as cidades WEB: www.jogos360.
JOGOS360
perguntadas no com.br/geoquiz.html
A onça vence o jogo ao capturar pelo menos mapa múndi. 
cinco cachorros dos catorze; os cachorros, ven-
cem o jogo quando eles conseguem imobilizar a
134 9

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
Quadro 2 – 7 tipos de jogos educativos para ensinar.
Ajuda os estu-
dantes da pré-es-
cola e dos anos TIPO DESCRIÇÃO
iniciais do ensino De construção usados para explicar alguma coisa
fundamental a existem de todos os tipos e são mais prá-
WEB: alfabetizacao. Online
GRAPHOGAME aprender a ler as ticos e de fácil acesso
mec.gov.br/grapho-game
primeiras letras,
sílabas e pala- são mais estratégicos, ajudam a criança
vras, com sons De tabuleiro a pensar melhor, achar soluções e tomar
e instruções em decisões
português ajudam os pequenos a se expressarem
Corporais e
A criança apren- melhor, a perder timidez, na coordena-
dinâmicos
de noções sobre ção motora e relações sociais
educação finan- ajudam na memória. No caso das crian-
BANCO Em lojas de brinquedos
ceira, trabalhan- De treinamento ças de até 5 anos, o mais indicado é o
IMOBILIÁRIO e jogos
do as questões quebra-cabeça
práticas de per- ajudam na rapidez de raciocínio, na lógi-
das e ganhos. Perguntas e respostas
ca e na memorização.
É um jogo de introduz a criança no mundo dos núme-
tabuleiro para Matemáticos
ros desde pequenos.
adolescentes e
adultos. Ajuda Fonte: canaldoensino.com.br/blog/7-jogos-educativos-para-ensinar-
a desenvolver -brincando, 2021.
JOGO DA
dimensões Em lojas de brinquedos
VIDA COM
psicossociais e jogos
APLICATIVO
como: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA
socialização,
raciocínio,
SONDAGEM SOBRE A PERCEPÇÃO DOS
estratégia e ALUNOS DO CURSO DE PEDAGOGIA SO-
atenção. BRE A UTILIZAÇÃO DOS JOGOS COMO
Fonte: elaboração própria, 2021. MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA

Quanto ao tipo de jogos educativos, apresen- Nesta seção aborda-se a metodologia da pes-
tamos a seguinte classificação, no Quadro 2, ex- quisa, tratando-se portanto de uma pesquisa ex-
posto a seguir. ploratória e bibliográfica, pois buscou-se na lite-
ratura tais como: artigos, revistas, sites diversos,
dentre outros, informações e fundamentação teó-
rica para a realização da mesma. Gil (2010, p. 27)
esclarece que:
135 9
A pesquisa exploratória tem como propósito pro- das respostas, além de assegurar o anonimato ao

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
porcionar maior familiaridade com o problema, interrogado. Pesquisa de abordagem Qualitativa,
com vistas a torná-lo mais explícito ou construir
que tem o ambiente natural como fonte direta de
hipóteses”, o que nos permite entender que fa-
vorece a checagem de hipoteses e proporciona dados e o pesquisador como seu principal instru-
maior aproximação do pesquisador com a coleta mento. A pesquisa Qualitativa supõe o contato di-
dos dados para a investigação que estar sendo reto e prolongado do pesquisador com o ambien-
objeto de estudo. te e a situação que está sendo investigada via de
regra, por meio do trabalho intensivo de campo.
Pesquisa de abordagem quantitativa e qua-
Para Minayo (2002), a pesquisa qualitativa tra-
litativa, a qual foi realizada durante a disciplina
balha com o universo de significados, motivos, as-
de informática educativa do curso de Pedago-
pirações, crenças, valores e atitudes, o que corres-
gia 4° semestre da Universidade Federal do Ce-
ponde a um espaço mais profundo das relações,
ará (UFC), turma esta composta por 24 alunos.
dos processos e dos fenômenos que não podem
Para a realização da pesquisa foi elaborado
ser reduzidos à operacionalização de variáveis. A
um questionário contendo 9 questões no Goo-
pesquisa terá também uma abordagem Quantita-
gle Forms, sendo estas mescladas entre ques-
tiva, pois recorrerá à linguagem matemática para
tões objetivas e subjetivas, aplicadas na turma
quantificar dados e condensação deles para pos-
a partir da disponibilização do link do referido
terior análises. A utilização conjunta da pesquisa
questionário via Google Classroom, ambiente
Qualitativa e Quantitativa permite recolher mais
no qual estar acontecendo o desenvolvimento
informações do que se poderia conseguir isolada-
e acompanhamento das atividades realizadas
mente. Conforme Minayo (2002), “o conjunto (Qua-
pela turma. O fato de termos optado pelo ques-
litativa-Quantitativa) não se opõem, ao contrário se
tionário no Google Forms, deve-se ao fato de
complementam”, pois segundo a autora a realida-
que neste contexto de pandemia da COVID-19
de abrangida por elas interagem dinamicamente,
inviabiliza o ensino presencial, estando o mes-
excluindo assim qualquer dicotomia.
mo acontecendo de forma remota.
A pesquisa quantitativa centra-se na objetivi-
Marconi e Lakatos (2011, p. 88) definem o
dade, influenciada pelo positivismo, considerando
questionário estruturado como uma “série orde-
que a realidade só pode ser compreendida com
nada de perguntas, respondidas por escrito sem
base na análise de dados brutos, recolhidos com
a presença do pesquisador”. Assim, por meio de
o auxílio de instrumentos padronizados e neutros.
perguntas padronizadas, objetivas e subjetivas,
A pesquisa quantitativa recorre à linguagem ma-
possibilitou-se a interpretação dos respondentes,
temática para descrever as causas de um fenô-
facilitando assim a comparação e condensação
136 9
meno, as relações entre variáveis, etc. A pesquisa

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
quantitativa, que tem suas raízes no pensamento
positivista lógico, tende a enfatizar o raciocínio de-
dutivo, as regras da lógica e os atributos mensu-
ráveis da experiência humana. (POLIT, BECKER
E HUNGLER, 2004, p. 201).

RESULTADOS E DISCUSSÃO Gráfico 1 – Resposta da questão utilização de jogos educacionais


Fonte: Produzido pelos autores, 2021.
Nesta seção, apresentam-se os resultados al-
cançados, na turma de Pedagogia da Universida- É notório a percepção dos alunos do curso de
de Federal do Ceará (UFC), coletados durante o Pedagogia quanto a importância dos jogos no pro-
andamento da disciplina de Informática educati- cesso de ensino-aprendizagem, sendo que 90,5%,
va, 4° semestre, por meio de questionário estru- ou seja, 19 alunos responderam ser muito impor-
turado produzido no Google Forms e enviado a tante, e apenas 9,5%, que corresponde a somente
turma para a coleta dos dados acerca da temática 2 alunos, que responderam ser importante. A partir
em estudo. A turma de Pedagogia é composta por dos dados apresentados, percebe-se que os par-
24 alunos, sendo que 2 alunos trancaram a dis- ticipantes da pesquisa já conhecem e/ou já utili-
ciplina e 1 aluno não respondeu ao questionário, zaram jogos durante sua durante as vivencias no
mas contamos com a participação de 21 alunos contexto social ou em sua formação pedagógica.
participantes da pesquisa, sendo os dados repre- A segunda questão, perguntou-se qual a per-
sentados logo abaixo. cepção sobre a utilização de jogos educacionais
A primeira questão do questionário, indagou- virtuais nesse período de pandemia, conforme os
-se aos alunos sobre a utilização de jogos educa- estudos e experiências pedagógicas. Abaixo, se-
cionais, no tocante a considerar não fundamen- gue um quadro com algumas respostas coletadas:
tal para o processo de ensino-aprendizagem, ou
Quadro 3 – resposta da questão 2.
muito importante no processo, tendo como op-
ções e peso de respostar, numa escala de 1 a 5, “Os alunos do presente contexto histórico, estão imersos em
e as respostas estão representadas no gráfico 01. um ambiente virtual e conectado, é necessário trazer a educação
formal para dentro contexto. Vivo com duas crianças ainda no
fundamental. Não ter a tecnologia como ferramenta educativa é
como um distanciamento dessa geração atual.”
137 9
que os mesmos são nativos digitais e têm maior

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
“Os jogos educacionais online são de grande valia no âmbito edu-
cacional virtual, eles permitem ao professor repassar seu conteúdo conectividade eletrônica do que a geração dos
de maneira didática e divertida para a maiorias dos discentes. En-
tretanto por vezes o aparelho ao qual o aluno utiliza não suporta professores. Na perceção dos alunos responden-
tais jogos por ser muitas vezes obsoleto ou não possuir um acesso tes, os jogos com conteúdos educacionais poten-
ideal de internet. Quando utilizados os materiais virtuais trazem
cializa os trabalhos em equipe, gerando maior
grande interesse por parte dos alunos e complementam a captação
do conteúdo estudado, se sanadas as dificuldades técnicas.” aprendizagem e auto-motivação.
“Acho que é uma excelente ferramenta para manter a atenção dos Abaixo, segue algumas respostas com relação
alunos mesmo fora da sala de aula e para mostrar que aprender
a questão 3, acima discutida.
pode ser divertido e interessante”
“Acredito que seja muito importante, pois proporciona o apren- Quadro 4 – respostas questão 3.
dizado de maneira mais leve e prazerosa para o estudante, princi-
palmente nesse momento de pandemia.”
“Confeção com a geração atual, ferramenta interativa, nova visão
“Os jogos podem ser bastantes enriquecedores durante o período de abordagem de conteúdo.”
de pandemia, desde que sejam jogos de qualidade e utilizados de
Eles introduzem os alunos em um ambiente tecnológico e os fa-
forma bem planejada e com intencionalidade pelos professores.”
miliarizando com o virtual pode-se explorar diversos programas
“Muito importante para facilitar o processo de aprendizagem. e aplicativos que irão incentivar e aprimorar conteúdos estuda-
Além disso, é uma forma divertida de aprender, entrando na rea- dos. Os jogos educacionais despertam o interesse da maior parte
lidade da criança” dos alunos e quando estão imersos no novo e divertido mundo
“Os jogos educacionais no atual contexto pandêmico, são de virtuais aprendem com mais facilidade.
grande importância, pois podem ser um recurso motivador da Aumento do foco, sensação de recompensa e opção de repetir.
aprendizagem”
Permitir o aluno aprender brincando, estimular a criatividade e
“No atual período que estamos, teoricamente deveríamos estar raciocínio lógico.
isolados em casa e assim utilizando dos mais diversos recursos
Facilitam a aprendizagem e a associação do conhecimento ad-
para a distração da mente. Os dispositivos estão inseridos em
quirido com a vida diária.
quase todas as atividades, jogos educacionais ajudam a dinami-
zar o aprendizado e não cair no tédio de você e uma tela apenas Aprender brincando/jogando, desenvolver o respeito, a empatia, etc.
ouvindo e tendo que armazenar as informações.”
“São de extrema importância, pois reduzem a distância entre os
conteúdos e o dia a dia” A quarta questão tratou sobre cinco tipos de
jogos: de ação, memória, de estratégia, de lógica
A terceira questão apresentada aos participan-
e de aventura. Quais foram os tipos vivenciados
tes da pesquisa, foi quanto aos benefícios dos jo-
pelos respondentes em sua formação pedagó-
gos educacionais. As respostas apontam que há
gica? As respostas obtidas estão representadas
vários benefícios para alunos e professores. Para
no gráfico 02.
os alunos é um método dinâmico de aprender
brincando, onde se pode aprender com os erros e
retro-alimentar de forma positiva. A realização de
jogos se encontra mais próxima da vivências, já
138 9
trabalham a concentração, o pensamento rápido

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
diante de uma situação inesperada, o reflexo men-
tal e a coordenação motora. Os jogos de aventu-
ra, ficaram em último lugar. Geralmente, utilizam
a simulação de vivências e cenários, trabalham a
empatia, a autonomia e a curiosidade. Somente,
4,8% dos participantes não usaram jogos durante
a formação pedagógica e no período de pandemia.
Gráfico 2 – Resposta da questão dos cinco tipos de jogos abaixo
Na quinta questão, foi apresentado a turma
descritos. Marque quais você já vivenciou/utilizou em sua formação
pedagógica. o seguinte questionamento: quais os jogos edu-
Fonte: Produzido pelos autores, 2021. cacionais que você utilizou ou utilizará em suas
práticas pedagógicas? Os participantes respon-
Em primeiro lugar, com 66,7% de retorno por deram de forma satisfatória, apontando vários jo-
parte dos alunos, os jogos de lógica, estes são gos, quais sejam: software GeoGebra usado por
mais populares, pois são utilizados em várias do 4 alunos participantes, Geompris, Childsplay, Dr.
conhecimento, pois desafiam a mente e trabalham Geo, GeoNext, Stellarium, Duolingo, Grassho-
a classificação, ordenamento e análise de padrões pper, show do Milhão, Sudoku, Brain Test, Josos
de um sistema de eventos. Os jogos de memória, de lógica, Jogos de memória, xadrez virtual, Can-
também são populares, e tiveram um percentural dy Crush, Farm heroes saga, Bubble witch saga,
de uso elevado, com 57,1%; refere-se ao desen- dominó, palavras cruzadas, pega varetas, Tan-
volvendo de habilidades de percepção e memória. gram virtual, Futebol e Kahoot.
Os jogos de estratégias, são interessantes e 38,1% Importante notar que o software GeoGebra, foi
dos respondentes responderam ter vivenciado du- o que apareceu com maior frequência, isso pode
rante a trajetória acadêmica, embora o percentual ser resultado das inúmeras aplicações que o geo-
não seja insignificante, mas já aponta para uma gebra possibilita, principalmente, no campo da ma-
certa deficiência na utilização desse tipo de jogo temática, que segundo os alunos é a matéria mais
que é tão importante para exercitar a tomada de difícil aprendizagem apontada pelos alunos.
decisões assertivas e estabelecer planos de traba- O GeoGebra é uma junção de geometria com
lho e trajetórias para alcançar objetivos. álgebra, foi criado na Universidade de Salzburg,
Em quarta posição, os jogos de ação, com Áustria. O GeoGebra é a ferramenta que está
33,3% de participantes que vivenciaram em sua disponível em português e dar acesso livre para
formação pedagógica, é o tipo de jogo que auxilia utilização, permite que o usuário possa desenhar
no desenvolvimento psicomotor. Os jogos de ação figuras com pontos, vetores e curvas. Pode-se
139 9
equações matemáticas e fazer representação de Na sétima questão, busca-se saber sobre a

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
funções em gráficos. percepção dos alunos sobre a dificuldade de apli-
O GeoGebra possui uma plataforma interativa cação de jogos em sala de aula. As respostas co-
que propicia a aprendizagem da matemática de locadas foram claras ao definir os seguintes pon-
modo simples e lúdico. Pode ser utilizado por alu- tos que dificultam a utilização dos jogos em sala
nos em qualquer grau de ensino. Disponibiliza 4 de aula:
tutores básicos: Learn GeoGebra Classroom, Le-
arn Graphing Calculador, Learn Calculator Suite e 1. quanto ao aspecto formal, há uma neces-
o Learn GeoGebra Classic. sidade de atualizar a matriz curricular do
Na sexta questão da pesquisa, tratou-se do pro- curso de pedagogia de modo a contemplar
cesso de formação pedagógica. Fez-se a seguinte o letramento educacional em jogos e infor-
pergunta: quantas disciplinas você experimentou mática. Os professores precisam ser capa-
para a formação de utilização de jogos educacio-
citados para ensinar os alunos a utilizarem
nais como proposta efetiva de aprendizado.
os jogos como recurso pedagógico.
Somente, 28,6% dos respondentes da turma
2. quanto ao aspecto logístico, dificuldade de
de 21 alunos cursaram disciplinas que de alguma
acesso a Internet, aparelhos e materiais que
forma ensinavam a utilizar os jogos como propos-
facilitem a utilização de jogos em sala de
ta de mediação pedagógica. As respostas encon-
aula. Há uma necessidade de computado-
tram-se apresentadas no gráfico 03. Somente um
res e de aparelhos compatíveis com a ope-
aluno não teve contato com disciplina que ensina
racionalização dos jogos, pois geralmente
a utilização de jogos como recurso pedagógico.
requerem maior capacidade de memória e
um sistema operacional mais rápido.
3. há uma ausência de políticas de inclusão
digital, tanto nas universidades quanto nos
ambientes comunitários, de modo a disponi-
bilizar Internet com qualidade e equipamen-
tos adequados para a operacionalização de
jogos de modo mais acessível a todos.
Gráfico 3 – Resposta da questão no processo de sua formação 4. aspecto familiar, há uma certa dificuldade
pedagógica. Quantas disciplinas você experimentou a formação
dos familiares entenderem que os jogos
para a utilização de jogos educacionais como proposta efetiva de
aprendizado são ferramentas para desenvolver habilida-
Fonte: Produzido pelos autores. des mentais (exemplo: memória e lógica)
140 9
e psicomotoras. Os pais dos alunos preci- A última questão da sondagem realizada, foi

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
sam entender que os jogos não são, unica- quanto a dificuldade de operacionalização dos jo-
mente, atividade de divertimento, mas que gos no ambiente virtual. As respostas se repetem,
envolve habilidades mentais como capaci- por isso, condensamos. As dificuldades dos alunos
dade de análise, tomada de decisão, lógica no ambiente virtual, quanto ao aspecto da utilização
e utilização de princípios de várias áreas dos jogos pedagógicos, são as seguintes: acesso
do conhecimento humano. à Internet e dispositivos com memória que permita
5. a distração no ambiente virtual. Os alunos operações digitais rápidas; falta de dispositivo ele-
são “bombardeados” com uma série de in- trônico para todos, ou seja, inclusão digital; falta de
formações e atrações que podem reduzir dispositivo eletrônico nas escolas e universidades
ou até mesmo impossibilitar as atividades atender as demandas de todos; os alunos não pos-
pedagógicas virtuais. suem smartphone e conexão compatíveis; e, por
ultimo, segurança no ambiente virtual.
Abaixo, apresentamos algumas respostas da- No Quadro 6, abaixo, estão relacionadas algu-
das pelos alunos, quanto a esse ponto. mas respostas que sintetizam as perceções dos
alunos respondentes à pesquisa.
Quadro 5 – Dificuldades de jogos na sala de aula.

Quadro 6 – Dificuldade de uso dos jogos no ambiente virtual.


“Uma Internet e aparelho que sustente os softwares e uma for-
mação mais efetiva nesses.”
“Temos que levar em conta a situação de cada aluno, temos
“Um fator é que na formação acadêmica, futuros professores
normalmente aparelhos obsoletos e um preparo real para os
não são familiarizados com essas ferramentas pedagógicas, a
professores e alunos de noções básicas de Internet e softwares
universidade não atualiza os currículos para uma nova reali-
também seriam ideais.”
dade educacional o que dificuldade a formação dos professores
quando se trata de tecnologias. Também acredito que os profes- “Acredito que a maior dificuldade seja o acesso, esses jogos pedem
sores que já lecionam a um bom tempo sentem um certo pre- dispositivos tecnológicos que muitas vezes a escola não dispõe ou
conceito sobre essas ferramentas tecnológicas, temendo perder se dispõe não é para todos. O acesso a internet também pode ser
sua função para as tecnologias e não buscam se atualizarem um fator, caso o site ou aplicativo exija. Falta também estímulo,
sobre essas ferramentas.” incentivos por jogos voltados para o ensino, nunca vi divulgação
sobre esses jogos, os incentivos econômicos também são poucos.”
Acesso à Internet ilimitada e de qualidade tanto à professores
quanto à estudantes, além da libertação de aparelhos eletrônicos “Nas escolas, as aulas voltadas para a tecnologia, quando tem,
para a utilização com fins educativos. tratam de somente ligar o computador e deixar que os alunos
matem o tempo em frente a tela, ignorando muitas possiblidades
A falta de instrumentos, como computadores e tablets, além da
de desenvolver estratégias de ensino através das tecnologias.”
falta de formação dos professores para trabalhar esse tipo de ativ-
idades em sala de aula. “Todos disponibilizarem de um aparelho eletrônico e uma boa
Internet.”
A falta de materiais e condições financeiras.
A disponibilidade de equipamentos adequados para essa finalidade.
141 9
tante, porém esbarra na necessidade de forma-

José César Pontes Moreira - José Rogério Santana - Fredson Rodrigues Soares
JOGOS EDUCACIONAIS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
“Muitas vezes as limitações principalmente do professor em
relação ao manuseio das tecnologias.” ção dos professores e alunos em letramento de
“...nem todos os alunos possuem recursos para usufruir de tais jogos nos mais diversos tipos: memória, de estra-
meios.”
tégias, de aventura, de ação, de exercício sensó-
“Limitação da qualidade da Internet e aparelhos que possam su-
portar as plataformas digitais.” rio-motor, de lógica e de simulação.
“O acesso à internet e dispositivos com boa memória.” Os jogos como mediadores pedagógicos são
“Nem todos terem acesso por não haver dispositivo eletrônico instrumentos que reforçam, motivam e potenciali-
para todos.”
zam o aprendizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M.T.P.; LIMA, L.C.M.; ROCHA, J.G. O de-


Conclui-se que os jogos como recurso pedagó-
senvolvimento de um game cooperativo e suas impli-
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sidade de se criar e desenvolver projetos gover- híbridos [livro eletrônico]: experiências e reflexões.
namentais que financiem estruturas, equipamen- Organização: Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida.
tos e materiais para a sustentação de laboratórios -- 1. ed. -- Fortaleza, CE:  Instituto Nexos, 2021. 
e disponibilização de aparelhos eletrônicos para
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a educação. Revista Educação & Sociedade, ano
potencialização das diversas formas da inteligên-
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cia de crianças, adolescentes e adultos, revelam
habilidades em trabalhos individuais e em equipe. CASTRO, E. Considerações históricas dos jogos
Os jogos devem ser estimulados na escola, no âmbito educacional: A importância dos jogos
no ambiente domiciliar e comunitários, pois eles como recurso didático. Disponível em: meuartigo.bra-
servem ao entretenimento sadio, à educação e silescola.uol.com.br/educacao/consideracoes-histori-
desenvolvimento psicossociologico do indivíduo. cas-dos-jogos-no-ambito-educacional.htm. Acessado
Assim, a utilização de jogos como recurso de me- em: 20/04/2021.

diação pedagógica para o processo de aprendi- GOMES, M.A.M. A utilização dos jogos na educação_
zagem que tem por virtudes a automotivação, a diferentes abordagens. Revista Argumento, Ano V, N
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capacidade de trabalho em equipe.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pes-
Verificou-se que o uso de jogos na pedagogia,
quisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
segundo a percepção dos alunos é muito impor-
142 9
GRILLO, R.M.; MELO, A.S.A.S.; RODRIGUES, G.S.,

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mas. In: Jogos analógicos, digitais e híbridos [livro
eletrônico]: experiências e reflexões. Organização:
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida. – Fortaleza,
CE: Instituto Nexos, 2021. 

LAKATOS, E.M.; MARCONI, M. de A. Metodologia


científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MINAYO, M.C. de L. (Org.) Pesquisa social: teoria,


método e criatividade. 21ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

POLIT, D.F.; BECK, C.T.; HUNGLER, B. P. Fundamen-


tos de pesquisa em enfermagem: métodos, avalia-
ção e utilização. Trad. de Ana Thorell. 5. ed. Porto Ale-
gre: Artmed, 2004.

SANTOS, H.A curiosa trajetória do jogo da onça: um


jogo ancestral que percorreu o caminho de peabiru,
dos andes ao litoral brasileiro e chegou ao mundo di-
gital. In: Jogos analógicos, digitais e híbridos [livro
eletrônico]: experiências e reflexões. Organização:
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida. – Fortaleza,
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TAROUCO, L.M.R.; ROLAND, L.C.; FABRE, M.C.J.M.;


KONRATH, ML.P. Jogos educacionais. CINTED-U-
FRGS, Novas Tecnologias na Educação. V. 2, N⁰ 1,
março/2004. Disponível em: www.lume.ufrgs.br/bits-
tream/handle/10183/12990/000572691.pdf
143

PORQUE ASSOCIAMOS O CIRCO SOMENTE


ÀS CRIANÇAS?

Pinta de vermelho teu nariz


Olha lá no espelho
E sorri feliz
Pinta um bigode com carvão
Pega o travesseiro
Faz um barrigão
Turma do Balão Mágico

A canção Dança sim do grupo musical infan-


til Turma do Balão Mágico (1982), representa um
bom preâmbulo para este texto. Em primeiro lugar,
por apontar uma representação de criança e se-
cundarizar outras tantas concepções. Em segundo

CAPÍTULO 10 lugar, por evidenciar certa alusão da infância com


o Circo. Diante disso, no presente capítulo atemo-
-nos às imagens da criança e da infância atrelada
ao jogo/brincar e à cultura lúdica; apontamos uma
NOTAS SOBRE O CIRCO E O dessas imagens que, em geral, é associada ao

BRINCAR1: ATOS, RELATOS E Circo e relatamos duas experiências atravessadas


por essas imagens e representações.

REFLEXÕES Pensadores como Ariès (1986; 2006) e Postman


(1999) alicerçam bases para compreendermos a in-
fância como uma “invenção” humana moderna. Evi-
Gilson Santos Rodrigues dentemente que as crianças sempre fizeram parte
Rogério Zaim-de-Melo do cotidiano, porém, o tratamento socialmente dado
Luís Bruno de Godoy a elas foi se modificando ao longo do tempo. Para
Martins Filho (2012), se olharmos ao longo do tem-
1 Este texto traz reflexões sobre quem somos, nossas pes-
quisas e o bate papo que tivemos durante o 10º Brincar na po numa perspectiva histórica da longa duração,
UFC - um direito de todos
144 10
notamos que a sociedade concebeu e concebe a questões que orientam este estudo é: porque as-

Gilson Santos Rodrigues - Rogério Zaim-de-Melo - Luís Bruno de Godoy


NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
criança e a infância de diversas formas. sociamos o Circo somente às crianças? Como o
Na Antiguidade, argumenta Martins Filho brincar/jogar, como atributos representativos da
(2012), o infanticídio era aceito e até incentivado infância, inspira às experiências corpóreo-expres-
como método de controle de filhos indesejados. sivas com a arte circense?
Após o Renascimento, o infanticídio por maus tra- O objetivo deste texto é apresentar elementos
tos e/ou negligência familiar já não era mais acei- para um debate sobre a alusão da “criança feliz
to, porém o abandono era socialmente permitido2. e encantada no circo”. Especificamente, aborda-
Nas sociedades industrializadas dos séculos XVIII mos como a ideia de criança e infância que brinca/
e XIX, o trabalho infantil era uma prática comum. joga é uma “invenção” adulta; que o brincar/jogar
No decorrer do século XX, a criança passou a ser é, de modo ambíguo, uma forma “impregnação”
uma detentora de direitos sociais conforme a Or- cultural de imagens e representações da criança,
ganização das Nações Unidas (ONU), embora, a
da infância e do Circo, mas que no brincar de Cir-
legalidade não esteja amalgamada à realidade de
co avultam-se potências para outras experiências
muitas crianças. No fim do século XX e início do
circenses, e; por fim, relatamos duas formas de
XXI, derivados de “mal-estares da civilização” co-
“brincar de Circo” não restritas à infância.
meçou a aparecer a “tirania da infância”3, apesar
Do nosso ponto de vista, o presente capítulo
de haver muitos casos de “infâncias terceirizadas”
não almeja apresentar respostas ou soluções, pelo
pelas famílias. Destarte, as ideias e imagens da
contrário nossa intenção é compartilhar saberes
criança e do que significa ter infância nem sempre
e experiências. Nós autores, como artistas, edu-
foi a mesma ao longo da história.
É nesse contexto que o Circo emerge também cadores, praticantes e entusiastas dos Circo nos
como uma mídia de massas que (re)produz cer- deparamos com questões e problemáticas, assim,
tas concepções de infância e, de modo propa- nosso intuito é apontar ideias que têm nos ajudado
gandístico, se torna promotor de uma “nostalgia em nossas ações como “cirqueros”5 - expressão
da infância encantada no circo”4. Posto isso, as adotada a partir do texto de Bortoleto e Barreto
(2021) - nos mais distintos espaços sociais.
2 Um símbolo dessa prática é a roda dos expostos ou roda dos
enjeitados.
3 Segundo Martins Filho (2012) alguns pais/mães que viveram
uma educação familiar muito restritiva e rígida, em certos casos,
criam seus filhos atendendo todos os seus impulsos e vontades
e com total a ausência limites e regras, levando à denominada 5 Inspirando-nos em Bortoleto e Barreto (2021), no presente tra-
“Síndrome do Imperador”. balho depreendemos por “cirquero” os diversos “fazedores” de
4 A obra Dez semanas no Circo, de James Otis (1880/1970) publi- Circo, tanto os “fazedores” de espetáculos (artistas) quanto os
cada originalmente em 1880 indica que essa representação da “fazedores” de outras manifestações circenses (pesquisadores,
“infância encantada no Circo” também é uma invenção histórica. produtores, educadores, professores, etc.).
145 10
A criança/infância e o brincar de Circo: al- As culturas da infância surgem no bojo das in-

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NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
gumas ideias terações humanas e convivência em grupo das
crianças com adultos e outras crianças mais ex-
Não obstante a infância ser concebida como perientes ou não. Na convivência em grupo, a
uma invenção moderna (ARIÈS, 1986; 2006; criança “[...] realiza atividades em comum, em
POSTMAN, 1999), há um indicativo de que o sé- que repetem suas ações, proposições e reiteram
culo XX presenciou uma perda do “sentimento de suas conquistas. As culturas infantis também são
infância” dado que as marcas que a distinguem vinculadas à ludicidade, ao trânsito entre o imagi-
de outras fases da vida se mostram borradas. A nário e o real tão característico da infância” (BAR-
perda desse sentimento é apontada quando nota- BOSA, 2014, p. 657). Conforme Zaim-de-Melo,
-se que as crianças se tornaram consumidores de Santos Rodrigues e Grillo (2021), as crianças
produtos outrora destinados só aos adultos. Ou- neste contexto são produtoras de cultura.
tros autores, todavia, discordam da noção de uma Para Barbosa (2014, p. 655, grifo do autor):
mentalidade moderna da infância, pois para eles
Sob a expressão culturas infantis, observam-se,
o mais adequado seria conceber infâncias no plu- principalmente, dois tipos de manifestações: as
ral ao longo da história e culturas6 (COHN, 2005). culturas elaboradas por adultos, tendo em vista
Independentemente de ser tratado como in- a transmissão para as crianças — cultura para
fância ou infância(s), há indícios de que trata-se as crianças e cultura sobre as crianças —, e, por
outro lado, as culturas elaboradas pelas crianças.
de uma categoria social concebida e, sobretudo,
gerida pelos adultos. Ou seja, em que pese as Ante o exposto, depreende-se que as culturas
diferentes condições sociais e culturais, é a adul- da infância não são nem estão livres da influência
tidade que na maioria das vezes costuma idear das culturas adultas, da indústria cultural, da mí-
e organizar as concepções de infância, embora dia ou da cultura material (objetos). O que difere
haja resistências7. Em linhas gerais, as crianças das culturas infantis das adultas é que as primei-
são desprovidas de autossuficiência para sobre- ras são estruturadas de outra maneira ao modo
viver e crescer, porém, assumem uma parcela da de produção da segunda (BARBOSA, 2007). Isto
dimensão simbólica nas mais diversas culturas da significa, que as culturas infantis são engendra-
infância (SARMENTO, 2002). das nas relações com as culturas dos adultos
ideadas para e sobre as crianças (impregnação
6 Pode-se indicar o documentário A Invenção da Infância dirigido cultural) e engranzadas nas produções culturais
por Liliana Sulzbach (2000), como uma amostra dessa pluralida-
de de infâncias. geradas pelas crianças em interações com seus
7 A obra literária Capitães da Areia de Jorge Amado (2009) ilustra
pares (SARMENTO, 2002).
infâncias outras, em resistência a uma concepção única de criança.
146 10
Deste modo, na categoria cultura produzida próprios espetáculos artísticos) e também uma

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NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
para as crianças encontra-se, entre outras, a in- excelente estratégia de marketing comercial. Bol-
dústria cultural infantil. Como argumenta Oliveira ton (2004) e Rocha (2004) dão bases para idear
(1986), a infância representa não apenas um mer- o Circo como imagens e ideias, e seguindo o ra-
cado consumidor, mas, sobretudo, um dos nichos ciocínio de Oliveira (1986), concebemos que es-
de mercado mais lucrativos8. Podemos indicar sas imagens e ideias como uma cultura produzida
como produtos de mercado feitos para o consumo para as crianças e comercializada para elas.
das crianças: a literatura infantil; os jogos e brinque- Santos Rodrigues (2018), Bolton (2004) e ou-
dos; as produções cinematográficas; programas de tros, sugere a possível existência de uma indús-
TV (Gloob, Discovery Kids e outros); videogames; tria da produção de imagens e representações
sites, dispositivos da Internet e serviços digitais va- circenses. Tal indústria trabalharia de forma rela-
riados; buffets, acampamento e colônias de férias; tivamente autônoma aos grupos e Companhias
atividades para tempos livres, de comemoração de circenses9. Bolton (2004) mostra algumas dessas
aniversário, de festas; escolinhas de esporte etc. imagens nas metáforas do cotidiano, mídia de
Como exemplo, podemos citar The Walt Disney massas, discursos acadêmicos, literatura juvenil
Company (ou simplesmente Disney) e a Maurício e adulta, artes plásticas, música, teatro e no ci-
de Sousa Produções, a primeira uma multinacional nema. Santos Rodrigues (2018) também mencio-
norte-americana e a segunda brasileira, como duas na os videoclipes musicais e os cartoons. Rocha
das maiores e mais renomadas indústrias de produ- (2004) mostra imagens e representações circen-
tos e serviços para o mercado infantil. ses (re) produzidas na literatura infantil. Destarte,
Podemos pensar que o Circo, no bojo dessa aventamos a ideia de uma indústria da produção
indústria cultural para a infância, com frequência de imagens e representações circenses que po-
é convertido em chamariz para o consumo de pro- dem ser consonantes com os espetáculos circen-
dutos. Segundo Santos Rodrigues (2018), na es- ses reais ou não, e que são direcionadas comer-
teira de pensamento de Bouissac (2012) e Rocha cialmente para as crianças, ademais, tal indústria,
(2013), o imaginário circense consiste num con- por sua vez, (re) produz certa representação da
junto de imagens e representações que peram- infância, amalgamando certas imagens do Circo
bulam em paralelo aos espetáculos circenses. com certas imagens das crianças.
Logo, depreende-se que as imagens do Circo se
tornaram elementos de consumo (para além dos 9 O livro infantil O circo chegou! de Bedicks e Bortoleto (2015) é
um exemplo que atua na contramão desse modo de produção
de imagens na indústria cultural infantil, dado que os persona-
8 Sobre este tema vale a pena indicar o documentário Criança, a gens do livro são inspirados em artistas reais. O livro está dispo-
alma do negócio de Estela Renner (2008). nível em: http://www.circonaescola.com.br/livro
147 10
Na categoria cultura produzida pelas crian- se encontram com frequência quase diária e com-

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NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
ças encontra-se, entre outras, a cultura lúdica. partilham brinquedos, jogos, experiências, músi-
Entende-se por cultura lúdica as várias práticas, cas, etc. Em síntese, entende-se que as crianças
comportamentos, atividades, regras e linguagens internalizam, criam, recriam, resistem e ressignifi-
que definem a identidade de um determinado gru- cam os diversos elementos culturais intencional-
po de pessoas - nesse caso crianças, embora a mente direcionados a elas ou não.
cultura lúdica não se restrinja a elas, afirma Zaim- No seio da cultura lúdica infantil, o brincar/jo-
-de-Melo, Santos Rodrigues e Grillo (2021) - na gar, embora também seja o meio de “impregnação
sua relação com comportamentos lúdicos que se cultural” (BROUGÈRE, 2010), é o lócus por ex-
expressam em variados contextos histórico-cultu- celência de produção de cultura. Assim, ideamos
rais (GRILLO; SPOLAOR; PRODÓCIMO, 2016; que é no brincar de Circo, atravessado pelas mais
GRILLO, 2018; GRILLO; SANTOS RODRIGUES; imagens e representações circenses infantilizadas
NAVARRO, 2019). Por sua vez, os comporta- pela indústria cultural que repousa uma potência
mentos lúdicos estão intimamente atrelados às educativa, como indica Freire (1994, p. 50).
manifestações lúdicas, tais como, os jogos, brin-
Um dia, uma das crianças sugeriu brincarmos
cadeiras, parlendas, festas, danças, piadas etc. de circo. O circo ainda excita muito a imagina-
possíveis de serem vivenciados nas diferentes in- ção das crianças [...]. Muitas crianças sabiam
fâncias, como destacam Grillo e Almeida (2021), descrever um circo, suas personagens, seu
entre outros. funcionamento, sua música... Em pouco tempo
transformaram os materiais disponíveis (caixas,
Zaim-de-Melo, Santos Rodrigues e Grillo
cordas, arcos, bastões) em trapézios, corda
(2021) afirmam que a cultura lúdica infantil, por- bamba, material de mágica, objetos para acro-
tanto, está concatenada às manifestações sim- bacia etc. [...] Foi uma brincadeira levada tão a
bólicas das crianças e que são personificadas na sério que fica difícil acreditar nos adultos que di-
forma de jogos, brincadeiras e outras formas de zem que essas atividades das crianças não são
coisas sérias
expressão, que, no bojo da cultura, é ensinada/
aprendida (socializada) entre as crianças quase Nota-se, portanto, que o brincar de Circo re-
sempre de maneira intergeracional, por vezes presenta, de forma ambígua, tanto a possibilidade
até escapando da intervenção adulta, mas sem- de internalização das imagens e representações
pre em diálogo com ela. Como sugere Corsaro circenses quanto a chance de criar e recriar essas
(2011), os grupos infantis são cruciais nesse pro- imagens circenses. Não podemos olvidar, toda-
cesso de internalização da cultura lúdica, dado via, que as imagens e representações produzidas
que as crianças com idade aproximada ou não, pela indústria cultural infantil é apenas uma das
148 10
possibilidades de experiências circenses, mas Afora isso, há outras formas de jogar/brincar

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NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
outras são possíveis. Vale a pena indicar que a de Circo, como, por exemplo, os jogos e brinca-
experiência contemplativa dos espetáculos tam- deiras das crianças que vivem nos circos itineran-
bém (re) produz imagens e representações atre- tes de lona. Embora o tema seja carente de mais
ladas às crianças ou não, e colocam em cena estudos, pode-se dizer que há particularidades na
uma possibilidade para o lúdico dos espectado- cultura lúdica infantil das crianças, filhos e filhas
res/contempladores dos atos circenses. de artistas de grupos e companhias circenses iti-
Roger Caillois (2017) já apontava que os atos nerantes. Deveras, em seus jogos e brincadeiras,
circenses - o autor menciona o “jogo” cômico dos essas crianças se apresentam, treinam, ensaiam
palhaços e os voos aéreos - como formas institu- e, em suma, representam e auto-representam na-
cionalizadas do espírito lúdico. Ante ao exposto, quilo que é labor de seus familiares. Como afir-
ma Macedo (2008, p. 110) “[...] uma criança no
pode-se dizer que no Circo joga-se e brinca-se
circo brinca de ser artista, joga com instrumentos
o tempo todo, pois quando o mestre de pista10
e aparelhos e até o treino pode ser considerado
convida a plateia para o espetáculo, no diálogo
uma atividade lúdica”. Ainda sim, esse tema ainda
com o “respeitável público”, cria-se uma realidade
está envolto em vários debates que precisam ser
fantasiosa que, na opinião de Rocha (2013), colo-
melhor estudados, como aponta Silva (2013).
ca em suspensão a realidade cotidiana e avulta a
fantasia. Na realidade da fantasia, muitas vezes o
Porque devemos desconfiar do Circo da
mestre de pista recorre à imagem da infância dos
Xuxa e do Patati Patatá?
espectadores, como na abertura do famoso Circo
Orlando Orfei:
A alusão às crianças é um discurso que os ar-
Como uma criança que grita e bate palmas / tistas circenses reiteram nas apresentações. Por
quando o palhaço faz piruetas e cai, / nós quere- exemplo, Alberto Orfei (1996) comenta que seu
mos que vocês, / nesse mundo fantástico, / que
abram os olhos / como todas as crianças do circo, pai, o famoso e renomado Orlando Orfei11, ter-
/ que acreditem nos pombos / e lenços vermelhos minava o espetáculo com a seguinte palavras: “-
e azuis / que sairão das cartolas dos mágicos, / Enquanto houver uma criança no mundo, o circo
e respirem a felicidade dos circos, / e antes das
viverá! Crianças, o circo nasceu por vocês, vive e
cortinas se fecharem, / início da eterna fábula /
sempre com final feliz, / nós queremos que vocês viverá sempre por vocês. Assim a última sauda-
/ por mais uma vez / voltem a ser cccrrriiiaaannn- ção é de vocês” (ORFEI, 1996, p. 12). Em segui-
çççaaasss!!! (ROCHA, 2012, p.15).
10 O mestre de pista, também é conhecido como “mestre de ceri- 11 Ver documentário “Orlando Orfei - o homem do circo vivo”
mônias” ou “apresentador”, é o artista responsável por anunciar (2014), sobre a vida e obra de Orlando Orfei: < https://es-la.fa-
os números ou atos circenses. cebook.com/circoorlandoorfei/videos/821981494561857/ >
149 10
da, adiciona o autor, os adultos quando desejam síntese, a diversidade de instituições, propostas

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NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
ter uma forma de entretenimento livre da violência de ensino, agentes, objetivos e utopias pedagógi-
e pornografia (ou seja, “infantilizada”) vão ao circo cas que entram em contato com as imagens e re-
e voltam a ser crianças. Em resumo, a alusão do presentações circenses atreladas às crianças ou
Circo com as crianças é um discurso que os pró- não (ROCHA, 2013). É diante dessa diversidade
prios espetáculos circenses endossam. de possibilidades que devemos desconfiar do Cir-
Silva e Abreu (2009) e Lopes e Silva (2018) co da Xuxa (2004), do Patati Patatá12 e outras re-
afirmam que os grupos e Cias. circenses sempre presentações que tendem a negligenciar a gama
estiveram atentos e em permanente diálogo com de possibilidades de experiências corporais, artís-
as produções culturais do seu tempo. Destarte, ticas e estéticas circenses.
pode-se supor que foi na efervescência dessas De resto, destaca-se que embora não seja
trocas simbólicas que avultou-se as representa- específico para as crianças, tanto os âmbitos re-
ções do Circo atreladas às crianças. Como indi- creativo, educativo, social e, em certa medida, o
cado anteriormente, essas imagens e represen- terapêutico dispõe das potencialidades lúdicas
tações oferecem algumas experiências, contudo, de jogo, brincadeiras, danças, músicas, cantigas
outras possibilidades são possíveis. etc. A partir de autores como Bortoleto, Pinheiro e
Historicamente, pode-se afirmar que a possi- Prodócimo (2011), depreende-se que o âmbito re-
bilidade de experiências corporais com as ativi- creativo e educacional inclui atividades circenses
dades circenses derivada do movimento históri- permeadas pelo lúdico visando o lazer, a educa-
co-cultural de abertura das escolas de Circo, no ção, o encantamento pela vida e a transformação
Brasil e no mundo, iniciado em fins da década social. A experiência circense, na maioria desses
de 1970 e início de 1980 (SILVA; ABREU, 2009; âmbitos, portanto, almeja o enfoque lúdico, em
SILVA, 2011). Resumidamente, foi a partir desse poucas palavras, a intencionalidade é brincar de
movimento que se criou uma série de possibilida- Circo para alcançar certos objetivos.
des de experiências. Para Bortoleto e Machado
(2003) dentre os âmbitos de experiências circen-
ses pode-se indicar aqueles concatenados aos
objetivos recreativos, educativos e profissionais.
Duprat (2014) retomou esse debate e atento
a outras manifestações do Circo no século XXI,
acrescentou os âmbitos social (Circo Social) e o 12 Patati e Patatá trata-se de uma dupla de palhaços brasileiros,
terapêutico. Esses diversos âmbitos mostram, em criadores e produtores de uma série de produtos e serviços para
o público infantil. Ver: https://www.patatipatata.com.br/#
150 10
O BRINCAR DE CIRCO EM DUAS EXPERI- ribeirinhas situadas em regiões de difícil acesso,

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NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
ÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS como melhor relata Zaim-de-Melo et al (2020).
Em 2009 houve um período de lacuna nas
ações de extensão, mas em 2010 elas foram re-
Brincando de circo na Extensão Universitária tomadas. De 2010 em diante, uma série de ações
extensionistas com Circo foram oferecidas à co-
O fascínio despertado pela contemplação do munidade acadêmica da UFMS, aos cidadãos de
Circo, transformou-se em ensino primeiramente Corumbá-MS e Ladário-MS. O quadro 1 mostra
nas aulas do Ensino Fundamental e posteriormen- as ações feitas ao longo dos anos.
te na Universidade. Nesta seção tratamos de uma
experiência empreendida nos projetos de extensão Quadro 1- Ações de Extensão com a arte circense na UFSM (2010-2021)

universitária desenvolvidos na Universidade Fede-


MODALIDA-
ral do Mato Grosso do Sul (UFMS). De antemão ANO DE
PROJETO PÚBLICO DE CIRCENSE
EXECUÇÃO
esclarecemos que no desenvolvimento dos pro- OFERECIDA
Acrobacias no
jetos a intenção foi que o estudante extensionista Redescobrin- solo; Trampoli-
(universitários) brincassem de circo, ou seja, que do o circo nismo; malabares
2010/11 38
como recurso com bolinhas e
buscasse na sua memória afetiva as sensações e pedagógico clave; equilibris-
sentimentos que possibilitasse a magia do encon- mo no rola-rola
Oficina de
tro do seu corpo com a arte circense. Tecido Acro- 2010 22 Tecido Acrobático
O primeiro projeto de extensão O papel inter- bático
disciplinar do circo no processo educativo ocor- Acrobacias no
Da lona do solo; malabares
reu entre os anos de 2007 e 2008. O projeto foi com lenços e boli-
circo aos mu- 2011 18
nhas; equilibrismo
oferecido aos alunos da graduação do UFMS - ros da escola no rola-rola; Teci-
Campus Pantanal (CPAN) e aos professores da do Acrobático
educação básica das escolas de Corumbá/MS e Acrobacias no
solo, Trampoli-
Ladário/MS. Em 2008, com suporte financeiro do Os Sal- nismo, malabares
com bolinhas e
Ministério da Educação (MEC) e da UFMS, ocor- timbancos
clave, equilibris-
– Grupo 2012 30
reu a ação “Navegando no Rio dos Sonhos” que Circense Uni-
mo no rola-rola,
em pernas de pau
levou a arte circense para as comunidades ribei- versitário e monociclo, Te-
rinhas que vivem nas margens do Rio Paraguai. cido Acrobático e
Trapézio Fixo
O projeto envolveu mais de 380 pessoas e levou
arte e entretenimento para as escolas e crianças
151 10
de todos participarem respeitando os limites pes-

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Acrobacias no
solo; Paradismo soais quanto na busca pela cultura de seguran-
em mão-jota;
Trampolinismo; ça entre os participantes. Ou seja, o grupo tinha
Ginástica Ge- malabares com
ral e Ativida- 2018-2021 446 bolinhas e clave;
como objetivo comum ajudar os colegas na exe-
de Circense equilibrismo no cução dos exercícios, desde os alongamentos até
rola-rola, em
pernas de pau e os movimentos acrobáticos mais complexos.
monociclo; Tecido “Simetria Invertida”: Esse princípio consis-
Acrobático; Lira
Acrobacias no
te numa prática pedagógica em que todo par-
solo; malabares ticipante (universitário ou não) assume o papel
com bolinhas e
O circo vai a
clave; equilibrismo de professor em algum momento durante o seu
uma “Escola 2020 90
das Águas”
no rola-rola, em percurso no projeto. Esse processo, certamente
pernas de pau e
monociclo; Tecido concedeu uma maior responsabilidade dos parti-
Acrobático; Lira cipantes para com o grupo.
Fonte: Elaborado pelos autores Em todos os encontros há um roteiro planejado,
porém, a aula é “aberta”, pois todos participam das
O processo pedagógico de desenvolvimento decisões coletivas. Ou seja, após conhecer a pro-
com as atividades circenses no CPAN, foi organi- posta de aula o estudante individualmente ou em
zado segundo os seguintes princípios: pequenos grupos, busca ressignificar a atividade
Criatividade: os participantes sempre foram proposta. O objetivo dessa proposta é que os par-
estimulados a estudar e explorar corporalmente ticipantes experimentem momentos de autonomia
os aparelhos circenses. Entre nós nunca tivemos (re) criando a arte, a partir do seu corpo e suas
especialistas, então nossos estudos se baseavam percepções no tempo e espaço cênico circense.
em vídeos disponíveis na internet e em alguns li- No início as ações eram restritas à UFMS/
vros, como Circo y Educacion Fisica: otra forma CPAN, mas com o andamento dos projetos fomos
de aprender de Invernó (2003), Juegos y ejerci- saindo dos muros da universidade. No ápice des-
cios de malabares de Bernal (2003), Introdução à se processo de saída dos muros universitários, le-
pedagogia das atividades circenses de Bortoleto vamos a “magia do circo”, durante um ano, a uma
(2008; 2010), entre outros. escola margeada pelo Rio Paraguai. Os extensio-
Segurança: uma das questões fundamentais nistas se apresentaram para os alunos e funcio-
nos projetos foi a segurança. Esse princípio se nários da escola tendo o rio como cenário e toda
materializou tanto nos cuidados para não incitar a comunidade escolar pôde apreciar e vivenciar a
constrangimentos e na garantia da possibilidade “magia” das modalidades circenses.
152 10
1990 e representa um conjunto de ações desen-

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volvidas por fundações e Associações sem Fins
Lucrativos que dispõe da arte, em especial, da
arte circense como mediadora de um processo de
arte-educação. Para Lobo e Cassoli (2006), o Cir-
co Social é um exemplo singular de como Organi-
zações da Sociedade Civil (OSC) têm encontrado
na arte e, especificamente no Circo, uma aliada
de suas ações filantrópicas.
Segundo Perim (2010, p.208) no interior das
instituições de Circo Social há a “[...] oferta de am-
bientes criativos, lúdicos, produtivos, integradores
e de expressão” que, na ótica do autor, ajudam
Figura 1 - O cenário é o Rio Paraguai
valorizar as identidades, a mobilizar as comuni-
Fonte: acervo dos autores dades, a enfrentar as diversas vulnerabilidades
sociais, bem como a reinventar os modos de ser,
Brincar de circo na universidade oportunizou pensar e agir. Conforme Santos Rodrigues et al
aos participantes extensionistas a conhecer, apren- (2021), uma das premissas dos projetos de Cir-
der e vivenciar a arte circense. Nessa experiência co Social é o diálogo com as comunidades locais,
eles puderam explorar o “universo fantástico” das entre elas, com a cultura lúdica infantil e juvenil (o
apresentações circenses, a vivência do processo público alvo das instituições são majoritariamente
de produção da magia (criação de apresentações) crianças e jovens, mas não só). Neste relato va-
e ainda pode vivenciar a chance de tratar do Circo mos apresentar as ações educativas desenvolvi-
como uma possibilidade pedagógica. das com crianças de 6 a 10 anos de uma cidade
do interior de São Paulo.
Brincando de Circo no Circo Social Dentre as várias ações empreendidas com
as crianças há as oficinas de Circo cujos eixos
Uma das várias possibilidades de experiências orientadores são o fomento da autonomia, a va-
circenses contemporâneas ao século XXI é o Cir- lorização do brincar, a formação de valores e in-
co Social. De acordo com Dal Gallo (2009; 2010) trodução à experimentação artística. Nas ações
o movimento que passou a ser denominado de de Circo o intuito é fomentar o espírito lúdico das
Circo Social teve seus primórdios na década de crianças dando ênfase no contato delas com a
153 10
cultura corporal circense, enfatizando [...] os as- dade, os grupos tiveram como tarefa relembrar

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NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
pectos relativos à expressão corporal, como ca- as acrobacias estudadas e juntos criar uma se-
pacidade criativa [...] à estética do movimento, quência de movimentos acrobáticos para ensaiar.
finalizando com o aumento dos conhecimentos Na atividade final, os grupos se apresentavam no
[...] próprios do circo” (BORTOLETO, MACHADO, picadeiro um para o outro, assumindo ora o papel
2003, p. 55). Portanto, o brincar de Circo no Circo de “artistas” do Circo da turma ora o papel de pla-
Social assume outras conotações, dado que essa téia ou público dos colegas.
prática é intencionalmente orientada a objetivos Durante toda a oficina buscou-se criar uma
mais amplos, pois como assinala Santos Rodri- “ambientação lúdica”, ou seja, um lugar em que
gues et al (2021, p. 6) “[...] é uma aposta na ale- as crianças pudessem adentrar no mundo da fan-
gria e no potencial educativo da arte circense [...] tasia. Dito em outras palavras, a oficina intencio-
como meio e processo de educação social.” nalmente foi acompanhada de músicas típicas de
No dia 2 de junho de 2021, ainda em contexto Circo, usou-se um paraquedas educativo colori-
pandêmico, mas com todos os cuidados e proto- do, objetos (caixas, colchões, bambolês, cordas
colos sanitários sendo respeitados, realizou-se etc.) coloridos para montar e decorar o picadei-
uma aula de Circo. A proposta da aula foi con- ro. Em resumo, criou-se um ambiente de fantasia
cluir os estudos sobre os acrobatas circenses e cujo bilhete de ingresso é o “estado lúdico”, em-
sua arte, as acrobacias. Como síntese do proces- bora saibamos que esse estado é como andar na
so pedagógico a proposta de aula era fazer uma corda bamba, pois a qualquer momento a criança
apresentação com as acrobacias estudadas. pode cair na realidade cotidiana. E isso ficou pa-
A aula foi planejada para conter três atividades tente nas reações das crianças.
pelo tempo de uma hora e dez minutos. A primei- Dentre os objetivos da oficina havia: o trabalho
ra atividade foi a montagem do picadeiro circense em grupo, a capacidade de resolver conflitos, a
(palco circular), a segunda a criação de uma co- empatia e socialização de ideias. Nas atividades,
reografia acrobática e a terceira, a apresentação notamos que os educandos constantemente se
da coreografia no palco montado pelas crianças. depararam com divergências de opiniões, falta de
Os educandos foram divididos em dois grupos. atenção e concentração dos colegas, “bloqueios”
Na montagem do palco, um grupo ficou respon- criativos e dificuldades de trabalhar e se organi-
sável pelo picadeiro (palco circular) e o outro pela zar em grupos. Alguns educandos se mostraram
plateia, dispondo de materiais que estavam dis- dependentes dos adultos para tomar decisões, se
poníveis na própria instituição - os educadores concentrar e ajudar os colegas. Nas apresenta-
montaram o fundo do palco -. Na segunda ativi- ções, houve nervosismos para se apresentar e,
154 10
sobretudo, por parte daqueles no papel de públi- tora ao manipular o barro com as mãos, desenhis-

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co, a falta de atenção e dispersão, indicando a ta ao passar seu giz de cera pelas folhas brancas
urgente necessidade de uma “Pedagogia do es- do papel, artista plástica ao lançar tinta pela pare-
pectador” como processo educativo necessário de, e, atriz/ator ao interpretar de maneira intensa
aos educandos. os personagens de seu imaginário, ali encontra-
De resto, pode-se indicar que as dificuldades mos. Se pensarmos a partir de Piaget (1973), o
apontadas eram esperadas, pois o processo de processo de formação cognitiva da criança passa
autogestão e a autonomia é uma aprendizagem por estádios e é justamente nesse processo de
contínua. Para muitos educandos foi a primeira formação onde adquirimos parte daquilo que nos
experiência com essa proposta de atividades, as- formará enquanto sujeitos. Pode-se dizer que é
sim, entendemos que é preciso fomentar mais di- aí, nesses estádios do desenvolvimento cogniti-
nâmicas de falar e escutar, de disciplina e respei- vo, que a arte se faz mais presente. Não há nada
to, de criação em grupo para, talvez, formar pes- tão próximo ao artista quanto a criança criadora
soas que sejam capazes de ver, pensar e agir no de mundos, de realidades, propensora de afetos,
mundo de uma forma mais coletiva, com respeito e, é particularmente nesse local de intensidade e
às diferenças, capaz de dialogar e agir em prol de de trocas onde a vida artística pode acontecer.
uma sociedade melhor. Por fim, é na ambienta- Brougère (2002) de maneira breve dirá que a
ção lúdica circense e por meio das experiências criança cria arte justamente por se afastar das
de brincar de Circo que esses valores e intencio- necessidades imediatas do cotidiano, ou, poderí-
nalidades ganham materialidade nesse projeto amos adicionar, a criança cria arte por não estar
de Circo Social. Sem dúvida, conhecer o brincar enclausurada nas representações já instituídas.
de Circo no âmbito do Circo Social pode ampliar De modo mais incisivo, a criança não brinca de
nossos horizontes do que significa ser criança e ser artista, ela o é. Ela toma a realidade cristaliza-
do brincar de Circo. da do mundo adulto e dá a ela outra possibilidade
representativa para além da representação que a
O brincar de circo no horizonte da forma- constitui (SCAGLIA; FABIANI; GODOY, 2020). A
ção do artista criança se reafirma frente às incertezas e assu-
me esse terreno profuso de criação, na qual, a
O caminho a ser percorrido pelo artista passa liberdade rompe com o sentido único das coisas.
pela infância, pela necessidade de brincar e, é ali, Como afirma Nietzsche, a criança é a inocência,
neste terreno fértil de potencialidades no qual o a potência para um novo começo e um esque-
artista começa a surgir. A criança se torna escul- cimento “[...] um jogo, uma roda que gira por si
155 10
mesma, um primeiro movimento, um sagrado di- contando apenas com o poder de sua própria

Gilson Santos Rodrigues - Rogério Zaim-de-Melo - Luís Bruno de Godoy


NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
zer-sim” (NIETZSCHE; 2010, p. 53), uma abertura visão como a única chance de a possibilidade
artística obter o controle da realidade estética
para o novo, para o sempre novo e em movimento
(BAUMAN, 1998, p. 138).
de criação e afetos.
Se pensarmos no artista, este estaria numa A partir de Berger (2017), pode-se dizer que
posição muito próxima à criança, pois tal qual os ambos se apropriam dos signos e os ressignifi-
infantes ele toma aquilo que é dado e o ressig- cam, criando um novo espaço suspenso na re-
nifica conforme seus desejos, sensibilidades e alidade cotidiana e no qual, a potência de suas
afetos. O artista, portanto, regressa à condição ações ganham intensidade. Nesse sentido, o ar-
genuína e criadora, ele assume este espaço pe- tista é quem assume os processos criativos, as-
rene da vida e o potencializa criando condições sim como a criança, por gerar tensionamentos na
para que outras e novas potências surjam. O que realidade da vida corrente, ou seja, abrir campos
movimenta o artista a esse campo de criação é a de possibilidades sensíveis, ou como diz Bauman
sua interação com o ambiente, assumindo-o, mo- (1998, p.136) ao tratar da arte, “[...] por não rea-
dificando-o e dando a ele outras e novas formas firmar a realidade como um cemitério de possibili-
de sensibilidades e de interpretações. dades não provadas”. A criança desde a mais ten-
Tanto a criança quanto o artista experimen- ra infância, explora, busca conhecer, se apropria
tam, não apenas no sentido de conhecer, mas na do mundo em sua inteireza, cria, remonta, destrói,
intensidade da experiência e de todos os afetos constrói, traz os símbolos do mundo ao campo de
gerados por ela. Eles experimentam, no sentido jogo e os interpreta de acordo com essa cultura
de viver intensamente (de corpo e alma), frente lúdica, que passa a se constituir neste duplo mo-
às incertezas e inseguranças, eles conhecem a vimento - interno e externo (BROUGÈRE, 2002).
fundo, pois são inteiramente afetados pela expe- Na maioria dos casos acabamos olhando para
riência que lhes passa e marca (LARROSA, 2017; a criança como um adulto em construção. Pro-
GODOY et. al, 2020). jetamos na criança a imagem do homem ideal
como padrão para tal construção, ancorado nos
O que hoje se entende por experimentação é
uma atividade totalmente distinta. O artista que padrões de moralidade e da lei, no qual, as facul-
experimenta age no escuro, esboçando mapas dades e intelecto, atrelados a força física, o leva-
para um território de existência ainda não com- rão ao sucesso que dará, então, a formação do
provada e que não se garante se emerge do padrão de humano a ser seguido (CECCIM; PA-
mapa ora esboçado. Experimentação significa
LOMBINI, 2009). Ao falarmos do artista, o proces-
admissão de riscos, e admitir riscos em estado
de solidão, sob sua própria responsabilidade, so é inverso, não se trata da projeção do adulto
156 10
enquanto imagem para a formação da criança, ao cognitivas e afetivas, para extrair conhecimentos

Gilson Santos Rodrigues - Rogério Zaim-de-Melo - Luís Bruno de Godoy


NOTAS SOBRE O CIRCO E O BRINCAR: ATOS, RELATOS E REFLEXÕES
contrário, é um devir-criança, conforme Deleuze e vivências intensivas, reencontrando real e ima-
ginário (CECCIM; PALOMBINI, 2009, p. 308).
e Guattari (2011), do adulto para sua constituição
como artista. Este processo se dá justamente O palhaço gera esses deslocamentos, pois seu
para que este espaço de liberdade possa ser no- mundo se constitui a partir do exterior. De fato, o
vamente experienciado. Nesta acepção, a criança mundo do palhaço é arquitetado na relação da sua
é potência, desejo manifestado no jogar/brincar, subjetividade com as relações múltiplas de afetos
onde o que fica em evidência é a intensidade de naquilo que está fora de si, eu e do outro, sendo
suas expressões, o experimentar constante em que este outro pode ser tudo e todos aqueles que
jogo que, como consequência, a leva a apropria- constituem tal universo (KASPER, 2009; GODOY,
ção de novas interpretações de mundo, a novos 2020). O palhaço é, em suma, este corpo visce-
ral e esponjoso, que é permeável e permissível,
aprendizados (CECCIM; PALOMBINI, 2009).
aberto aos fracassos provenientes das tentativas
Aos remetermos ao Circo, especificamente à
e dos erros constantes. Ele é totalmente aberto à
figura do palhaço13, tal “estado” de criança ao qual
experiência, mas como assinala Larrosa (2017),
o artista se dispõe, fica ainda mais em evidência. não está livre de riscos e, é precisamente neste
Todavia, é importante ressaltar que ao referirmos à ponto que a figura plural do palhaço se abre aos
criança não se trata de uma infantilização do artis- encontros, aos acasos, aos outros e ao mundo,
ta, muito pelo contrário, a criança ou o devir-crian- numa troca mútua e constante (GODOY, 2020;
ça para o artista torna-se um “estado”. Este “es- ZAIM-DE-MELO; GODOY; BRACCIALLI, 2020).
tado” de devir-criança, antes de qualquer coisa é: Assim, o artista cômico ou palhaço se aproxima
desse universo, justamente por estar no espaço de
[...] aceitar a ousadia das viagens nômades, a co-
ragem de se transportar para diferentes universos
criação e experimentação, em um jogo constante
incessantemente, ao sabor de suas experiências e no “jogo do possível” devido a essa disposição
do artista às incertezas. Certamente, o que aproxi-
ma o universo do artista e do artista cômico ao da
13 Optamos aqui pela utilização do termo palhaço, pois como dito
por tantos estudiosos da palhaçaria, entre eles Burnier (2009) criança é, justamente, este espaço perene e em
e Castro (2005) clown e palhaço designam uma mesma figura,
no entanto, originadas em tempo e espaço distintos. O clown
constante metamorfose. Se o jogar/brincar pressu-
origina-se na Inglaterra a partir do termo clod, que faz referência põe liberdade de expressão, o artista e a criança
ao camponês e seu meio rústico, a própria terra. Por outro lado,
o palhaço vem de paglia que faz referência a palha, pois os cô-
é quem cria ao produzir novas potencialidades de
micos utilizavam revestimentos de colchão para fazerem suas mundo, novas interpretações da realidade. Resu-
calças e nelas inseriam palha para amortecer as quedas. No
entanto, Burnier (2009) também destaca que os trabalhos carre-
midamente, é nesta flexibilidade do jogar/brincar
gavam certas características, especialmente no que diz respeito em consonância com elementos da vida, que a
à forma dos trabalhos, mas que ambos faziam referência a um
mesmo tipo cômico.
arte e os artistas podem ser encontrados.
157 10
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TURMA DO BALÃO MÁGICO. (Álbum). gravadora:


CBS Records, 1982.
161

INTRODUÇÃO

Os jogos, sejam eletrônicos, físicos, de realidade


aumentada ou virtual trazem consigo referencias e
jargões próprios das gerações que interagem com
o fenômeno de jogar. Space Invaders, Asterioids,
Pac-man, Breakout pertencem a primeira geração
de jogos eletrônicos, criados para o console Atari,
mas antes, Pong já era jogado em computadores.
Quando Dave Arneson e Gary Gygax propuse-
ram a imersão nos War Games1, em vista a contar
histórias sobre uma miniatura de soldado em meio
a um tabuleiro repleto de outras miniaturas, temos
os surgimentos dos role playing games (RPG).
Não obstante, além dos War Games, os board
games fazem parte da história dos jogos em todo
mundo, principalmente em regiões de clima muito
CAPÍTULO 11 frio, onde as pessoas se isolavam por meses. Mo-
nopoly, Game of Life, Clue, Scrabble, Battleship,
Risk são todos board games que fizeram um

O BÁSICO DA enorme sucesso em seus contextos.


Com a revolução do game design, tanto os

CIÊNCIA DOS JOGOS board games quanto os role playing games e os


jogos digitais se desenvolvem com novas mecâni-
cas, interações, plataformas e regras, se tornan-
Jeferson Antunes do a maior indústria cultural global.
Bernadete de Souza Porto Essa pequena e reduzida história, contada
nos últimos quatro parágrafos, está repleta dos
termos e jargões próprios do universo dos jogos.

1 War Games são jogos físicos de estratégia que utilizam miniatu-


ras para simular eventos reais ou fictícios de guerras, geralmen-
te jogados em tabuleiros ou cenários pré-construídos, normal-
mente são jogos competitivos.
162 11
Para leitores e leitoras que não conhecem esse DESIGN DE JOGOS E DOCUMENTOS DE

Jeferson Antunes - Bernadete de Souza Porto


O BÁSICO DA CIÊNCIA DOS JOGOS
mundo, essas palavras podem passar desaten- DESIGN DE JOGOS
tas. Já para especialistas no assunto, essa pe-
quena passagem soa reducionista e imprecisa. O game design, design de jogos, compreende
Isso ocorre pela falta de uma linguagem co- o processo de criação de artefatos e também o
mum, como expressa Silva (2000), em que pes- campo de estudos sobre esses artefatos, a inte-
quisadores e pesquisadoras, de diferentes campos ração das pessoas mediadas pelos artefatos e a
de estudos, na investigação de um mesmo objeto, interpretação das pessoas acerca desses artefa-
tem referências teórico-conceituais que não dialo- tos (BJÖRK, 2008; SCHELL, 2011).
gam, uma vez que as áreas de referência formati- Schell (2011) usa o termo artefato para descre-
va são dicotomizadas, disciplinadas, no sentido de ver o jogo, uma vez que este só se torna jogo na
produzir saberes muito específicos que pouco ou experiência de jogar. O artefato é a estrutura que
nada dialogam com outros campos do saber.
medeia experiência de jogar. A autora (SCHELL,
Esse é um fator limitante na construção do co-
2011) se refere ao termo artefato quando discute
nhecimento, uma vez que a realidade não é ex-
o design de jogos no sentido de criação de jogos.
pressa em moldes separados, mas um todo que
Björk (2008) entende o artefato como jogo, uma
inter-relaciona diversas partes que o compõem
vez que a autora busca descrever, explicar, com-
(MORIN; CIURANA; MOTTA 2003). Apartar os jo-
preender, analisar e avaliar os jogos como um ob-
gos, ciência dos jogos, termos, conceitos, áreas de
jeto de estudo, que pode ou não estar em um pro-
pesquisa, disciplinas e categorias analíticas da re-
cesso de relação e interpretação com pessoas. A
alidade a ser estudada, para produzir uma preten-
sa ciência desligada de valores mundanos, além autora, (BJÖRK, 2008), se refere a design de jogos
de dificultar essa linguagem comum de comunica- como um campo de estudos acerca de jogos.
ção entre pesquisadores e pesquisadoras dos jo- Partindo do design de jogos como um proces-
gos, não responde as questões contemporâneas so criativo, esse é o ato de tomada de decisão
que superam, historicamente, essa necessidade sobre o que um artefato será e o que ele não será,
de uma ciência da neutralidade (SANTOS, 2010). decidindo sobre quais serão suas metas, regras,
Partindo dessa inquietação, temos por objetivo mecânicas, plataforma, de que forma as pessoas
apresentar os jogos, seus termos e jargões de for- podem interagir com o jogo e de que forma o jogo
ma a ensaiar a construção de uma linguagem co- medeia a interação entre as pessoas que explo-
mum a pesquisadores e pesquisadoras que tem ram esse artefato (SCHELL, 2011).
interesse nos jogos e em design de jogos como Dessa forma, o design de jogos como processo
objeto de pesquisa. criativo é a planta baixa do jogo (SCHUYTEMA,
163 11
2008), a base em que são inseridos os diversos vez, é a relação que jogadoras e jogadores têm

Jeferson Antunes - Bernadete de Souza Porto


O BÁSICO DA CIÊNCIA DOS JOGOS
elementos utilizados nessa construção: A mensa- com o próprio jogo onde, a partir de suas ações,
gem do jogo, sua função, o fator diversão e a pla- emergem os significados que geram resultados
taforma utilizada como interface (SCHUYTEMA, discerníveis a partir do contexto mediado pelo
2008). Esses elementos são inseridos na planta jogo (SALEN; ZIMMERMAN, 2012).
baixa através de processos criativos de tomada Podemos sintetizar as ideias de Salen e Zim-
de decisão, que podem ou não ser realizados por merman (2012) sobre design de jogos como um
uma equipe de designers2 de jogos. processo criativo de sistematização de símbolos
O design de jogos é compreendido por Salen e e signos que tem um contexto próprio a ser inter-
Zimmerman (2012), a partir da teoria da comple- pretado por quem joga, em que esses símbolos e
xidade, como “o processo pelo qual um designer signos adquirem sentido de acordo com as ações
cria um contexto a ser encontrado por um [uma] executadas, os resultados apresentados e a inter-
participante, a partir do qual o significado emer- pretação de participantes.
ge” (SALEN; ZIMMERMAN, 2012, p. 57). Na plan- O processo criação de jogos é composto por
ta baixa do jogo são inseridos diversos signos e etapas, métodos, técnicas que pode obter refe-
símbolos, que são interpretados e reinterpretados rências em outros artefatos, em que os símbo-
pelas pessoas que jogam, podendo apresentar los e signos estão dispostos na planta baixa do
um valor diferente do que o tido como óbvio, de jogo e adquirem sentido através de mecânicas,
acordo com o contexto apresentado, que influ- regras, objetivos, formas de participação e intera-
ência esse processo gerando novos significados ção, propostos por quem desenvolve o jogo. Os
(SALEN; ZIMMERMAN, 2012). documentos de design de jogos são um tipo de
Essa interpretação de signos e símbolos é par- documentação utilizada para manter um registro
te do desenvolvimento de um jogo, do processo desse processo criativo, dos elementos utilizados
de design de jogos, que resulta das relações en- e da tomada de decisão (COLBY; COLBY, 2019).
tre o jogo e a interação lúdica significativa (SA-
O documento de design de jogo, ou GDD
LEN; ZIMMERMAN, 2012). O jogo seria então o (game design document) é uma ferramenta
sistema em que as pessoas se envolvem na re- textual produzida por um [uma] game designer
solução de desafios, indicados pelas metas e re- que descreve todas as características de um
gras do jogo, que resultam em um valor (SALEN; jogo, desde informações básicas de premissa,
conceitos, passando por personagens e cená-
ZIMMERMAN, 2012). A interação lúdica, por sua
rios, informações mais detalhadas como proje-
to de levels e até sons (MOTTA; TRIGUEIRO
2 Designer de jogos, game dev e game designer dizem respeito a JUNIOR, 2013, p. 115).
profissionais que desenvolvem jogos.
164 11
O registro do processo de design, no entanto, ses documentos de design são importantes tanto

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O BÁSICO DA CIÊNCIA DOS JOGOS
não responde em muitos casos a uma metodologia para a investigação científica do design de jogos,
e sistematização específica, mas varia de acordo como no sentido de referências, que subsidiam
com as necessidades de designers de jogos, das processos criativos de confecção de jogos. Atra-
empresas de jogos e também do tamanho dessas vés desses documentos de design de jogos po-
empresas. Essa documentação pode estar na for- demos compreender as motivações que levam a
ma de um livro digital, uma página de Wiki3, uma escolhas de mecânicas, regras, objetivos, arte,
apresentação Prezi4, uma série de notas e figuras som, visual e como esses elementos se entrela-
em um arquivo eletrônico de texto, tendo como çam para construir jogos.
função ser um elo de comunicação para a equipe
criativa centralizar as ideias e referências do jogo UMA PEQUENA TIPOLOGIA DE JOGOS
que está sendo produzido, de forma a subsidiar
a tomada de decisão (MOTTA; TRIGUEIRO JU- Além dos documentos de design de jogos,
NIOR, 2013; COLBY; COLBY, 2019). compreender um jogo a partir de seus componen-
O acesso a esses documentos por pesquisa- tes sem, no entanto, mitigar as inter-relações, nos
dores e pesquisadoras interessados em inves- auxilia a compreender de forma intuitiva o proces-
tigar jogos específicos, ou mesmo processos so de criação e tomada de decisão sobre o que
produtivos, é dificultado uma vez que, em gran- um jogo pretende ser. Formas de participação,
des estúdios de produção de jogos, são tratados mecânicas, regras, sistema de feedback e plata-
como segredos industriais. Por sua vez, peque- forma, são alguns desses elementos que pode-
nos estúdios e designers de jogos independen- mos utilizar para observar, descrever, compreen-
tes acabam por não publicar essas informações der, explicar e analisar o processo de criação de
(MOTTA; TRIGUEIRO JUNIOR, 2013) e, mesmo jogos, sendo úteis também para o processo de
quando os documentos são publicados, não exis- investigação científica acerca de design de jogos.
te uma base centralizada para consulta. Quanto as formas de participação mediadas
Em se tratando de design de jogos como cam- pelo artefato, os jogos podem ser individuais,
po de pesquisa científica, o documento de design competitivos, colaborativos e cooperativos. Essas
de jogos ainda é um objeto raro para análise. Es- categorias nos ajudam a compreender como as
pessoas interagem entre si e com o jogo (MCGO-
3 Uma página de site do tipo Wiki funciona como um verbete es- NIGAL, 2012).
pecífico, como na Wikipédia. Nos jogos individuais, as pessoas jogam sozi-
4 Prezi é uma plataforma de criação de apresentações dinâmicas,
similar ao Microsoft Power Point, mas que usa elementos de de- nhas, geralmente tendo o jogo como proponen-
sign mais imersivos e em rede.
165 11
te do desafio ou mesmo, partindo de uma lógica série de voltas no circuito, delimitadas pelo objeti-

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O BÁSICO DA CIÊNCIA DOS JOGOS
centrada nas regras (ALMEIDA, 2011). Em paci- vo do jogo, vence a primeira pessoa que ultrapas-
ência, um jogo de cartas que pode ser físico ou sarem a linha de chegada na última volta.
digital, o objetivo do jogo é organizar as cartas em
montes com uma ordem numérica e simbológica
específica, a pessoa pega cartas de uma pilha, as
organiza, saca novas cartas e repete o processo,
até que todas as cartas estejam organizadas ou
não seja mais possível organizar essas cartas.

Figura 2 - Jogo Mario Kart 8 Deluxe


Fonte: Canal do YouTube MK8 Records.

Em jogos cooperativos e colaborativos, as pes-


soas jogam unas com as outras, em que o esforço
coletivo as ajuda a vencer o jogo, ou todos ganham
Figura 1 - Jogo de cartas Paciência ou todos perdem (ALMEIDA, 2010, 2011). A dife-
Fonte: Site do Techmundo.
rença entre cooperação e colaboração está na in-
teração entre as pessoas. Nos jogos cooperativos
Nos jogos competitivos as pessoas jogam
a primazia da relação está no compartilhamento
umas contra as outras, para uma pessoa ou um
em que existe um menor nível de contradições a
grupo vencer, a outra pessoa ou grupo deve, ne-
serem exploradas entre as pessoas. Nos jogos co-
cessariamente, perder (ALMEIDA, 2010, 2011).
laborativos, por sua vez, entende-se a existência e
No jogo eletrônico Mario Kart 8 Deluxe, cada pes-
a necessidade da mediação das contradições en-
soa escolhe um personagem para lhe represen-
tre as pessoas, para a tomada de decisão colabo-
tar, um veículo e alguns itens de customização
rativa, uma dialógica para a tomada de consensos
para realizar corridas em um circuito repleto de
(BARKLEY; MAJOR; CROSS, 2007).
recursos que podem ser coletados para aumentar
Hanabi é um jogo cooperativo físico de cartas,
a facilidade de ganhar o jogo ou dificultar que as
suas cartas possuem as cores azul, vermelho,
outras pessoas ganhem o jogo, depois de uma
166 11
verde, amarelo e branca; cada carta tem número

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O BÁSICO DA CIÊNCIA DOS JOGOS
entre 1, 2, 3, 4 e 5. O objetivo do jogo é que as
pessoas façam pilhas de números sequenciados
nas cores idênticas, por exemplo, uma pilha de
cartas brancas, com a sequência de números 1,
2, 3, 4 e 5. Entre as regras do jogo, as pesso-
as não podem ver as cartas que estão em suas
mãos, a parte que contém as informações fica vi-
sível para as outras pessoas, cada pessoa só vê
a ilustração cinza padronizada da parte de trás
de suas cartas. Na sua vez você pode jogar uma Figura 3 – Jogo de cartas Hanabi, ilustração cinza das costas das cartas
carta da sua mão, gastar uma das oito cartas de Fonte: Site Boardgame Quest.

dica que ficam na mesa ou descartar uma carta


No jogo colaborativo do tipo RPG Thordezi-
da mão para recuperar a carta de dica.
lhas (GONÇALVES, 2021), as pessoas se reú-
Para que as pessoas possam baixar suas car-
nem para contar histórias colaborativas sobre
tas de forma organizada, o uso de cartas de dica
piratas, pirataria e heroísmo em viagens pelos
possibilita que a pessoa informe a outra pessoa
mares e continentes fictícios do jogo. As histó-
quais cartas da sua mão são de uma determinada
rias são contadas por um grupo de pessoas, em
cor ou têm uma determinada numeração. Sempre
que uma assume o papel de narrar a história,
que uma carta é colocada na mesa, ela deve es-
no sentido de introduzir um preâmbulo que será
tar na ordem de cor específica, se isso não ocor-
explorado por demais participantes que, em con-
rer, uma carta de explosão é descartada, quando
junto, contam essas histórias a partir de perso-
três cartas de explosão forem descartadas ou to-
nagens que elas desenvolvem.
das as pilhas concluídas, o jogo termina. As car-
A título de exemplo, em uma dessa histórias,
tas de dicas são a única forma de interação entre
jogadores e jogadoras tem de tomar a decisão de
as pessoas que jogam, não se pode apresentar
como personagens da história podem combater
informações sem o uso da carta de dica na sua
um maligno pirata que saqueia as cidades costei-
vez que jogar.
ras de um determinado local. Essas personagens
descobrem, em um dado momento, que este ini-
migo é na verdade o grande amor da vida de um
personagem que, agora, está em contradição en-
167 11
tre ser um herói ou derrotar o vilão que é a grande da tripulação pode consertar a nave, enquanto

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paixão de seu personagem. A história ainda é co- quem é impostor e/ou impostora pode destruir a
laborativa, afinal todas e todos contam em grupo, nave e tripulantes. Esse mesmo jogo apresenta
no entanto, existe uma contradição que deve ser em suas escolhas, a participação de forma indi-
mediada para que a história possa prosseguir. vidual, mas que contribui de forma coletiva e tem
elementos de competição.

Figura 5 – Jogo eletrônico Among Us


Fonte: Site Techmundo.

Figura 4 – Mockup do livro Thordezilhas, edição Oceano desconhecido


Fonte: Página do site Catarse de financiamento coletivo de Thorde- Referente a plataforma de interação entre as
zilhas: Oceano desconhecido. pessoas e o jogo, com o advento de diversas
tecnologias que permeiam o universo dos jogos,
Essas formas de participação, no entanto, não
podemos destacar a participação presencial e a
são monolíticas. Um exemplo é do jogo eletrônico
participação online. Existem jogos que você ne-
para computadores e celulares Among Us. Nesse
cessita estar presente de forma física, como jo-
jogo, cada pessoa faz parte de um time de per-
gos de tabuleiro, cartas, dados e até mesmo jo-
sonagens que deseja consertar sua nave, todas
gos eletrônicos em que mais de uma pessoa pode
as pessoas colaboram/cooperam nesse sentido,
participar. Em outros jogos, a participação se dá
cumprindo missões individuais para conseguir
utilizando meios eletrônicos de comunicação,
ajustar a nave e vencer o jogo. No entanto, em
como a internet, que reúne milhares de pessoas
meio ao jogo, são escolhidos pelo sistema de jogo
para jogarem em conjunto ou individualmente.
pessoas que assumem o papel de impostores e
Wakfu, um jogo eletrônico online de estratégia,
impostoras, que tem o objetivo de destruir a nave.
é jogado através de computadores. Nesse jogo as
Cada personagem tem suas mecânicas, quem é
pessoas criam avatares e têm como objetivo reu-
168 11
nir as dofus, ovos que tem relevância na história gerenciar os jogos, as fichas de personagens, as

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do jogo, para salvar o mundo. Esse é um massive regras e as mecânicas. Com a pandemia de CO-
multiplayer online role playing game (MMORPG), VID-19, utilizar VTT para jogar RPG tem se tor-
jogo de interpretação de personagens massivo e nado comum, as pessoas se comunicam através
online, onde diversas pessoas do mundo aces- de plataformas de vídeo conferência ou usam os
sam computadores que contém o jogo, chamada instrumentos de vídeo conferencia disponíveis
de servidores, para escolher um avatar e partici- nesse VTT, dessa forma, as pessoas podem jogar
par da aventura. de suas casas. Nada impede que pessoas que
residam em uma mesma casa joguem juntas e, a
seu jogo, via VTT, incluam mais jogadores e joga-
doras espalhados pelo mundo.

Figura 6 – Tela do jogo eletrônico Wakfu


Fonte: Site do Reddit de VicMain.

Você pode escolher, simplesmente, não intera- Figura 7 – Tela de um jogo de RPG jogado através do VTT Foundry
gir com qualquer personagem, ou constituir parte Fonte: Acervo da autoria.

de um grupo para jogar e ainda, seu grupo pode


Como exemplificado no jogo Wakfu, as formas
competir com outros grupos e facções do jogo.
de participação em um jogo podem estar imbrica-
Todas essas interações são mediadas no jogo a
das, bem como, os meios de participação, como
partir de servidores online.
exemplificado na relação entre VTT e RPG.
Existe ainda, quanto a participação ligada a
Quanto ao tipo de jogo, podemos destacar
estrutura em que o jogo se apresenta, a possibili-
os jogos digitais ou eletrônicos, os jogos analó-
dade de misturar o presencial e o virtual. Os jogos
gicos ou físicos, os jogos mistos ou de realida-
de RPG utilizam encontros presenciais, mas tem
de aumentada e os jogos de realidade virtual.
a possibilidade de utilizar plataformas digitais on-
Esses tipos de jogos estão ligados a tecnologia
line conhecidas como Virtual Tabletop (VTT), para
169 11
empregada que medeia a experiencia de jogar ses seres virtuais são adicionados pelo software

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com as pessoas. a uma realidade que só existe na interação entre
Os jogos eletrônicos ou digitais são aqueles o físico e o digital possibilitada pelo jogo.
produzidos para vídeo games, também chama-
dos de consoles; vídeo games portáteis, conso-
les portáteis; arcades, popularmente conhecidos
como fliperama; computadores, celulares, tablet e
televisores, que são criados através de linguagem
de programação, em que o mesmo jogo pode es-
tar presente em uma ou mais dessas plataformas.
Os jogos analógicos ou físicos, normalmente
presenciais, são constituídos a partir de elementos
físicos, sejam livros-jogo, tabuleiros, dados, cartas,
marcadores. Essa categoria engloba os board ga- Figura 8 – Imagem da tela de Pokémon Go apresentando um Poké-
mes, conhecidos como jogos de tabuleiro; card ga- mon inserido em uma localidade
Fonte: Site TechTudo.
mes, jogos de cartas; dice games, jogos de dados;
os role playing games, jogos de RPG conhecidos Os jogos de realidade virtual também são jo-
também como jogos de interpretação de perso- gos digitais, mas estes propõem uma interação
nagens; jogos com peças como dominó, xadrez, diferente, em que jogadores e jogadoras podem
dama, gamão; e uma variedade de jogos que utili- imergir em universos digitais através de uma sé-
zam elementos físicos para compor o artefato. rie de equipamentos, usando a interface do jogo,
Os jogos mistos ou de realidade aumentada, para interagir com objetos virtuais (KIRNER; SIS-
por sua vez, reúnem elementos de jogos digitais COUTTO, 2007). Em Resident Evil Biohazard,
e jogos físicos, sobrepondo esses elementos de jogo eletrônico para Playstation 4, você utiliza um
forma complementar (KIRNER; SISCOUTTO, capacete com telas que projetam a imagem em
2007), em uma experiência de jogar. Pokémon todo o seu campo de visão, esse mesmo capa-
Go é um jogo de realidade aumentada, em que cete reproduz o som, utiliza-se uma câmera que
as pessoas utilizam seus celulares com o jogo captura seus movimentos, dois controles segu-
instalado e acesso à internet, através da câmera rados nas mãos também capturam o movimento
do celular e do gps, para encontrar e capturar, a das mãos e tem botões para interação.
partir das imagens do mundo real exibidas na tela Todo esse aparato é utilizado para que você
do celular, seres conhecidos como Pokémon. Es- controle um/uma personagem, que tenta sobrevi-
170 11
ver a uma infestação de zumbis em uma pequena o desafio. A criatividade está em organizar esses

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cidade. Todas as imagens são apresentadas em símbolos de tal forma que, mesmo com as inte-
seu campo de visão completo, você escuta todos rações dos outros símbolos da pessoa que com-
os sons do jogo a partir do capacete, à medida pete, você consiga organizar linhas, colunas ou
que a pessoa se move, o jogo responde a esses diagonais sequenciadas de três símbolos para
comandos, somados aos comandos realizados vencer o jogo.
nos controles, em uma experiência sensorial e vi- As mecânicas de jogo, por sua vez, são deter-
sual de interação entre quem joga e o próprio jogo minantes das formas como, a partir das regras,
em um universo simulado. as pessoas interagem com o artefato (MUNHOZ;
BATTAIOLA, 2017). No jogo da velha, as regras
dizem que cada pessoa só pode jogar na sua vez
e só pode utilizar seu símbolo, a inserção do sím-
bolo em uma tralha, é a mecânica do jogo.
Existe uma discussão conceitual entre regras
e mecânicas, em que podem ser consideradas
sinônimos ou conferir uma distinção entre as ter-
minologias. Nesse sentido,
As regras descrevem os procedimentos, infor-
mam como as ações devem ocorrer bem como
Figura 9 - Imagens do jogo Residente Evil Biohazard as restrições, sendo uma norma de conduta. [...]
Fonte: Canal do YouTube MaxMRM Gameplay. Mecânicas são as implementações das regras,
são os meios disponíveis para que o jogador [e/
O fator que engloba todos esses artefatos são ou jogadora] tome decisão e a aja no jogo (MU-
NHOZ; BATTAIOLA, 2017, p. 4).
as regras. Elas limitam as interações óbvias que
jogadores e jogadoras têm com os jogos, para As mecânicas seriam as bases de implementação
que possam explorar os desafios apresentados das regras, ao utilizar a mecânica, você está condu-
de forma criativa (MCGONIGAL, 2012). Em um zindo um procedimento dentro das regras do jogo.
jogo da velha, cada pessoa tem sua vez de jogar As mecânicas e regras também nos ajudam a
representada por um círculo ou um xis que é de- categorizar os jogos por gênero, de acordo com
senhado, na vez de jogar de cada pessoa. Sem a tecnologia envolvida e as formas de participa-
as regras, nada impede que uma pessoa assinale ção, podemos utilizar esses recursos para melhor
uma sequência de círculos, o que removeria todo compreender os jogos.
171 11
O RPG é um jogo de contar histórias e as re- na mesa de forma a conectar essas peças. A

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gras do jogo limitam as formas óbvias de contar cada peça colocada no jogo, mais perto da vitória
essas histórias. Existem mecânicas que utilizam a pessoa está, sendo possível comparar as peças
os resultados em um conjunto de dados rolados da mão de cada pessoa e as peças em jogo, para
para saber se uma cena proposta para a história poder preparar suas jogadas de acordo com esse
pode ou não ser realizada, suas interações com sistema de feedback.
personagens e resultantes. Além de ser um jogo Os jogos contem objetivos ou metas que de-
colaborativo, normalmente físico, ele pode ter vem ser cumpridos para que as pessoas possam
mecânicas de rolagens de dados e de narrativa; vencer o jogo, esses objetivos são conduzidos
dessa forma, podendo ser categorizado como um pelas formas de participação e interação, admi-
jogo narrativo. nistrados pelas regras, movidos pelas mecânicas,
Para cada uma das tecnologias utilizadas em em que o sistema de feedback informa a proximi-
jogos existem sites de referência, que categori- dade da vitória (MCGONIGAL, 2012). Essas me-
zam esses jogos a partir de vários parâmetros, tas devem ser discerníveis e quantificáveis para
entre eles regras e mecânicas, que podem ser que, através da interação lúdica significativa, as
consultados para subsidiar designers de jogos, pessoas possam compreender seu estado atual
pesquisadoras e pesquisadores nas suas ações. na partida (SALEN; ZIMMERMAN, 2012).
Podemos citar, para jogos eletrônicos, Game Alguns jogos têm objetivos mais complexos
Faqs5 e Metacritic6; para jogos físicos, Ludopédia7 de se entender do que outras. Enquanto em uma
e Boargame Geek8. partida de dominó você ganha quando não tiver
As mecânicas e regras também informam as mais peças na mão, em jogos como Tetris, um
pessoas que jogam o quão estão próximas de jogo eletrônico individual de montar peças, o jogo
vencer o jogo, o sistema de feedback, que auxilia apresenta várias peças que parte do topo para a
na experiência de jogar, informando, portanto, o base da tela, a pessoa deve organizar essas pe-
quão próximo o jogo está do seu desfecho (MC- ças para formar linhas, sempre que estas linhas
GONIGAL, 2012). Em um jogo de dominó ganha se formam elas são apagadas e os pontos são
o jogo a primeira pessoa sem peças na mão, para marcados, quanto mais pontos você marca, mais
isso, na sua vez a pessoa coloca uma peça que rápido as peças surgem na tela, até que você não
tenha uma numeração similar a outra que já está consiga mais organizar as peças, e uma peça vin-
da do topo toque em outra peça e no topo da tela.
5 Site Game Faqs https://gamefaqs.gamespot.com/
6 Site Metacritic https://www.metacritic.com/ O objetivo de Tetris é saber quem marca mais
7 Site Ludopédia https://www.ludopedia.com.br/ pontos.
8 Site Boardgame Geek https://boardgamegeek.com/
172 11
um artefato, e também auxiliam pesquisadores e

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O BÁSICO DA CIÊNCIA DOS JOGOS
pesquisadoras dos jogos a descrever, explicar,
compreender e analisar jogos, a experiência de
jogar e a interpretação das pessoas sobre os jo-
gos (BJÖRK, 2008).

CONCLUSÃO

Nossa intenção, com esse texto, é subsidiar


pesquisadores e pesquisadoras com conhecimen-
tos mínimos sobre design de jogos, documentos
de design e tipologia dos jogos. Esses são ele-
mentos importantes, que não podem passar desa-
percebidos em uma pesquisa acerca de jogos, em
Figura 10 - Tela do jogo Tetris na edição para o console portátil
Game Boy vistas a uma melhor compreensão dos elementos
Fonte: Site da Nintendo. que compõem os jogos como objeto de estudos.

Fora desse padrão apresentado por McGoni-


REFERÊNCIAS
gal (2012) e Salen e Zimmerman (2012), os jogos
colaborativos narrativos de RPG podem não apre- ALMEIDA, Marcos Teodorico Pinheiro de. Brincar Co-
sentar uma meta específica que encerra o jogo. operativo: Vivências lúdicas de jogos não competiti-
Nesses jogos as pessoas contam histórias, e sua vos. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
duração não é facilmente delimitada, uma vez que
participantes podem escolher que suas narrativas ALMEIDA, Marcos Teodorico Pinheiro de. Jogos Co-
operativos: Aprendizagens, métodos e práticas. Vár-
colaborativas não tenham um fim específico, já
zea Paulista, São Paulo: Fontoura, 2011.
que entre as regras e mecânicas do jogo, normal-
mente, não se tem a possibilidade de vitória. BARKLEY, Elizabeth; MAJOR, Claire Howell; CROSS,
As tipologias descritas e explicadas, mesmo Kathryn Pacricia. Técnicas de aprendizaje colabora-
que de forma breve e incompleta, ilustram os tivo: Manual para el profesorado universitario. Madrid:
elementos que estão envolvidos em um sistema Ediciones Morata, 2007.
de jogos e fazem parte de seu processo de de-
BJÖRK, Staffan. Games, Gamers, and Gaming: Un-
sign. Essas tipologias servem de referências para
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o processo de design de jogos, em vistas a criar
173 11
2008, Tampere. Anais... New York: Association for jogo com base na literatura do design de jogos. In: SB-

Jeferson Antunes - Bernadete de Souza Porto


O BÁSICO DA CIÊNCIA DOS JOGOS
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MUNHOZ, Daniella Rosito Michelena; BATTAIOLA,


André Luiz. Distinção entre regras e mecânicas de
174

INTRODUÇÃO

A ludicidade tem papel fundamental na vida do


ser humano, permeando todo o seu processo de
desenvolvimento, desde o nascimento até o final
da vida. Ao participar de uma atividade lúdica, a
pessoa entrega-se totalmente, sentindo-se intei-
ra, plena, flexível, alegre e saudável (GIMENES,
PERRONE, 2020).
Segundo Viegas (2020), o brincar pode ser
compreendido com um “momento livre e de sonho,
criativo, imitando ou não o que já se aprendeu so-
cialmente...é uma maneira de se conhecer a vida”.
Por meio da brincadeira, as crianças aprendem
o que ninguém é capaz de ensinar. Elas aprendem
sobre o mundo, as pessoas a sua volta e sobre si
mesmas, conseguindo se comunicar de maneira
CAPÍTULO 12 efetiva e estabelecendo relacionamentos satisfa-
tórios. A brincadeira é, para a criança, como o tra-
balho para o adulto (FRANKLIN, PROWS, 2018).

O IMPACTO DAS PRÁTICAS Para a criança, a importância do brincar é tal


que o leva a ser reconhecido como uma necessi-

LÚDICAS NO CUIDADO EM dade básica, junto à alimentação, sono, elimina-


ções, afeto e segurança, entre outras. E quando
SAÚDE ela não brinca, seu desenvolvimento pode ser
comprometido de maneira significativa. Portanto,
a atividade lúdica precisa ser favorecida nos dife-
Edmara Bazoni Soares Maia
rentes contextos da vida da criança, especialmen-
Carolline Billett Miranda
Fabiane de Amorim Almeida te quando ela adoece e necessita de cuidados de
saúde (MAIA, SOUZA, MELO, RIBEIRO, 2021).
As instituições de saúde podem se configurar
como assustadoras para a criança e adolescente,
175 12
uma vez que a experiência vivenciada por eles, de e promovido por uma escuta qualificada, in-

Edmara Bazoni Soares Maia - Carolline Billett Miranda - Fabiane de Amorim Almeida
O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
principalmente quando são hospitalizados, é mui- tegral, que considera preocupações e angustias.
to diferente do seu cotidiano, além de ter que li- A ambiência, por sua vez, não deve ser somente
dar com a dor, a limitação física, a passividade, o considerada como espaço físico, mas também
sentimento de culpa, medo da morte e a punição. um lugar social, interacional, confortável, que
Nesse sentido, os profissionais de saúde podem deve promover a privacidade e a afetividade entre
contribuir sobremaneira para tornar esse momen- as pessoas. Já a perspectiva da Clínica Ampliada
to menos traumático e estressante, ao garantir prevê a necessidade de ultrapassarmos o cuida-
as condições ideais para que o brincar aconteça do biológico para o cuidado integral considerando
(MAIA, SOUZA, MELO, RIBEIRO, 2021). a pessoa e sua subjetividade no centro do cuida-
Existem diferentes atividades lúdicas que podem do (BRASIL, 2004).
ser desenvolvidas pelo profissional com a criança, Essas diretrizes iluminam os caminhos para
adolescente ou adultos durante o cuidado prestado, que o brincar e suas práticas sejam protagonistas
não apenas no hospital, mas em qualquer ambiente e mobilizadores de uma relação empática e lúdica
de assistência à saúde, como ambulatórios, salas entre clientes e profissionais.
de vacinas, serviços de coleta de exames laborato- Discutiremos, a seguir, sobre as diversas pos-
riais e realização de exames de imagem, entre ou- sibilidades de se desenvolver atividades lúdicas
tros. Sempre há lugar para o brincar. no contexto de saúde, desde as transformações
Contudo, embora as práticas lúdicas aconteçam da arquitetura hospitalar com ênfase na humani-
há muito tempo no cuidado em saúde, foi a partir zação e na ludicidade, as práticas lúdicas que tem
da Política Nacional de Humanização (PNH) do Mi- sido destaque na literatura atual, como a arte dos
nistério da Saúde, instituída no ano de 2004, que clowns, o uso da a música, a pet terapia, a artete-
estas ações ganharam maior visibilidade e impor- rapia, o brinquedo terapêutico, a distração, o uso
tância. Passaram a ser implementadas no cuida- dos fantoches, robôs e a realidade virtual.
do em saúde norteadas por essa política nacional,
que tem como pressuposto valorizar os diferen- DESENVOLVIMENTO
tes atores do sistema, usuários, trabalhadores e
acompanhantes e suas dimensões subjetivas, cul-
turais e clínicas. Entre suas diretrizes que norteiam As transformações da arquitetura hospitalar
as práticas lúdicas destacamos, o acolhimento, a
ambiência e a clínica ampliada (BRASIL, 2004). Os hospitais entre outros locais de atendimen-
O acolhimento deve reconhecer o que o outro to à saúde são espaços cujo design deve consi-
traz como legítima e singular necessidade de saú- derar o efeito do ambiente físico sobre o bem-es-
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tar das pessoas que transitam por eles, quer seja nível para o acesso dia, noite e fins de semana,

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
pacientes, famílias e equipe médica. Neste sen- projetam pinturas nas paredes refletindo o univer-
tido as artes visuais tem sido destaque como um so infantil e assim, ofereça maior alegria e des-
elemento que pode melhorar a qualidade estética contração. Ainda, desejam espaços ao ar livre,
e simbólica desses locais, com impacto positivo como solários, com flores, árvores, parquinhos in-
na experiência da família e do cliente e promoção fantis e por fim, sala de música para compartilhar
de seu bem-estar. (ULLAN, BELVER, 2021). com amigos, distrair e aliviar o fato de estarem
Segundo Ullan e Belver (2021) esses recursos hospitalizados. (CASSEMIRO, OKIDO, FURTA-
são concebidos como uma estratégia privilegiada DO, LIMA, 2020).
para a promoção de uma cultura de atenção à saú- No Brasil, a organização dos espaços físicos
de do paciente, que presta atenção especial às ne- de atendimento a criança em regime hospitalar
cessidades emocionais dos clientes e suas famílias ou ambulatorial ganhou uma nova perspectiva, a
durante os processos de doença e cura. Nos am- partir do ano de 2005. Neste ano, foi promulgada
bientes físicos dos hospitais, recursos artísticos e a Lei Federal n. 11.104/2005, que tornou obriga-
lúdicos podem melhorar a qualidade dos processos tória a presença de brinquedotecas em ambientes
de comunicação se puderem transmitir suporte e hospitalares, o que foi uma valiosa conquista de
significados positivos aos usuários. Quando se trata cunho humanizador na assistência às crianças
de crianças, esses recursos podem promover hu- doentes e hospitalizadas (BRASIL, 2005).
mor, brincadeira, distração, imaginação e tornam-se As brinquedotecas como espaços lúdicos pos-
aliados para promover uma experiência mais positi- sibilitam às crianças a socialização por meio do
va de ida aos cenários de cuidado em saúde. brincar e jogar com seus pares e assim, é um es-
O olhar diferenciado e valorizador das ne- paço potente para a preservação e recuperação da
cessidades das crianças, tem provocado inicia- saúde emocional dos mesmos. Tem como objetivo
tivas importantes dos profissionais na busca de preparar a criança para situações novas que irá
melhorar esses espaços, como ouvir os desejos enfrentar, quando por meio da brincadeira e explo-
das crianças e o que consideram importante so- ração de materiais, brinquedos, roupas e instru-
bre o design de hospitais infantis. Estudo eviden- mentos hospitalares previstos no acervo da brin-
ciou que as crianças e adolescentes projetam um quedoteca, podem familiarizar-se com os mesmos
espaço hospitalar de dupla função, de cura e de que são, em geral, desconhecidos e amedrontado-
interações sociais e, portanto, idealizam espaços res. Este espaço permite ainda, dar sentido de nor-
lúdicos destinados a recreação que esteja dispo- malidade a vida e continuidade para que a criança
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continue a se desenvolver brincando, apesar da A arte do palhaço

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
doença e hospitalização (CUNHA, 2020).
Reconhecer a criança como ser lúdico e conse- A presença do palhaço no ambiente de saúde
quentemente, interagir com ela dessa forma, tem traz inúmeros benefícios para crianças, adultos e
mobilizado pesquisadores a buscar alternativas idosos, dentre eles a construção de vínculos e a
para melhorar sua experiência por meio das prá- melhora no bem-estar (BRITO, SILVEIRA, MEN-
ticas lúdicas, como por exemplo, a implementa- DONÇA, JOAQUIM, 2016; DIONIGI, CANES-
ção do uso de carrinhos infantis motorizados para TRARI, 2016). Palhaços buscam criar um elo com
transporte da criança ao centro cirúrgico, momen- o paciente, seus acompanhantes e também com
to que é considerado de risco para aumentar a a equipe de saúde, estabelecendo uma relação
ansiedade pré-operatória. Os minis carrinhos mis- de confiança mútua. Desse modo, as pessoas
turam-se com o colorido e os desenhos das pare- desenvolvem suas potências por meio de cenas
des, o que amplia a energia lúdica do local. teatrais criadas a partir da lógica do palhaço pro-
Liu e colaboradores (2018) verificaram que o fissional em consonância com os acontecimentos
transporte de crianças pré-escolares da enferma- hospitalares (BRUM, PORPINO, 2017).
ria para o centro cirúrgico, em um hospital chinês, As visitas de “palhaços hospitalares” promo-
por meio de um carrinho de brinquedo motorizado, vem alegria e descontração no ambiente, alivian-
reduziu significativamente a ansiedade pré-opera- do o estresse de pacientes e acompanhantes, es-
tória. Este modo de transporte mostrou-se seme- pecialmente nas unidades pediátricas, trazendo
lhante ao efeito ansiolítico da medicação midazo- tranquilidade para as mães das crianças interna-
lan, um sedativo de uso oral utilizado como rotina das. Ainda contribuem para o enriquecimento das
no pré-operatório de crianças que são submetidas relações entre profissionais e estudantes com os
a cirurgia. Outra pesquisa koreana corrobora os pacientes e, ainda, dos pacientes entre si (SATO,
achados de que o transporte de crianças em va- RAMOS, SILVA, GAMEIRO, SCATENA, 2016).
gões específicos, de aspecto lúdico, podem ser No universo do palhaço, utilizam-se diferentes
uma boa alternativa para reduzir a ansiedade pré- estratégias com o intuito de modificar a rotina hos-
-operatória das crianças, além de ter a vantagem pitalar, ajudando crianças e seus acompanhan-
da simplicidade em seu uso. (PARK et al, 2020) tes, ao proporcionar momentos de distrações e
subversão da lógica hospitalar, por meio de criati-
vidade, imaginação, humor e ressignificação das
emoções (LINGE, 2013).
178 12
No contexto hospitalar, Michael Christensen, O uso da música

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
diretor do Big Apple Circus de Nova Iorque, uma
organização circense norte-americana, foi o pio- Como visto anteriormente, as crianças quando
neiro em atuar sistematicamente e de modo es- ouvidas sobre suas expectativas quanto à arqui-
truturado como palhaço, apresentando-se em tetura hospitalar projetam salas de música e defi-
1986 para crianças internadas, realizando paró- nem esse espaço como local de relaxamento e de
dias médicas (MASETTI, 2001). interações sociais.
Surgiu, então, o Clown Care, um programa De fato, a música tem sido utilizada como uma
destinado a levar palhaços para o contexto hos- estratégia para ajudar as pessoas a melhorar ou
pitalar e colocar em prática um método diferen- manter sua saúde. Pode ser utilizada como uma
ciado, utilizado para crianças hospitalizadas. No estratégia para promoção de um momento rela-
Brasil, Wellington Nogueira fundou o grupo “Dou- xante durante um atendimento em saúde, provo-
tores da Alegria”, em 1991, após nove anos de cador de ansiedade e preocupações ou ainda,
trabalho com Michael Christensen (BRUM; POR- como terapia e neste caso, há a necessidade de
PINO, 2017; MASETTI, 2001). um profissional especializado, com formação em
Mais recentemente, algumas universidades da Musicoterapia (YINGER, 2016).
saúde têm introduzido a linguagem do palhaço No campo da imunização infantil, pesquisado-
em seus currículos, com o objetivo de aprimorar res tem utilizado a música para distrair a criança
as habilidades socioemocionais de futuros pro- no momento da aplicação da vacina e encorajar
fissionais, muitas vezes subestimadas no ensino os pais a cantarem junto as canções que são sele-
tradicional. A literatura mostra que essas vivên- cionadas conforme as preferências das crianças.
cias se revelam transformacionais, contribuindo O estudo demonstrou que cantar com a criança
para que profissionais se tornem mais empáticos, durante o procedimento de aplicação de vacinas
sensibilizando-se às necessidades do outro (AL- e incluir instrumentos reais como violão clássico,
MEIDA; LOURO, 2021). maracas de plástico, tambores, pandeiros, casta-
Embora os benefícios dessa prática hospitalar nholas e tambores tem o potencial de normalizar
estejam consolidados na literatura, ressaltamos a e humanizar um ambiente potencialmente ame-
importância de se conhecer como as crianças rea- açador, melhorando a experiência das crianças,
gem a presença dos palhaços, uma vez que, mui- seus pais e membros da equipe de saúde (YIN-
tas delas, a depender da faixa etária e de suas ex- GER, 2016; ORTIZ et al, 2019).
periências, demonstram medo e resistência a sua Em outros cenários como o atendimento às
presença, o que deve ser acolhido e respeitado. emergências em saúde, a música no ambiente ou
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aplicada por um instrumento interativo têm apre- observado na prática diária e deveria ser consi-

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
sentado efeito na redução da percepção de dor e derada na prescrição médica, especialmente para
integração da consciência mental e corporal. Um pacientes em unidades de terapia intensiva. Os
estudo envolvendo a parceria dos profissionais autores sugerem mais estudos para investigar o
Child Life e musicoterapeuta com o objetivo de tipo, número e tempo das sessões de música.
preparar a criança para a punção venosa no aten-
dimento de emergência e ajudá-la no momento A presença de animais em ambientes de
da punção por meio da música foi potente na re- cuidado em saúde
dução do seu sofrimento, medo e possibilitou o
aumento no nível de cooperação, conforto e tran- A presença de animais nos serviços de saúde
quilidade. Os instrumentos utilizados para a inter- tem contribuído significativamente para amenizar
venção musical foram um piano elétrico, violão e o impacto da doença e da hospitalização na vida
instrumentos de percussão (ORTIZ et al, 2019). das pessoas. Há algumas décadas, esta ativi-
Além de setores como a emergência, há evi- dade era vista como totalmente inapropriada ao
dências cientificas benéficas sobre os efeitos da ambiente hospitalar, pela crença de que poderia
música em pacientes críticos hospitalizados em aumentar o risco de infecção para os pacientes.
terapia intensiva. Esta promove a modulação efi- Entretanto, a relação entre ser humano e ani-
caz das respostas do organismo frente ao estres- mal existe desde os primórdios da civilização e a
se, reduzindo os sinais e sintomas de ansiedade, presença de animais em ambientes terapêuticos é
promoção do relaxamento e redução nas medi- descrita desde o século XVII (MANDRÁ, MORET-
das fisiológicas marcadoras desses eventos (UM- TI, AVEZUM, KUROISHI, 2019; IAHAIO, 2013).
BRELLO et al, 2019). A inserção dos animais nos serviços de saú-
A revisão sistemática realizada por Umbrello de podem ocorrer de diferentes maneiras, sendo
e colaboradores (2019) aponta a música como uma delas a Terapia Assistida por Animais (TAA),
uma ferramenta barata e de fácil administração, um tipo de intervenção direcionada por profissio-
com provavelmente nenhum efeito adverso e que nal habilitado, individualizada e com critérios es-
pode reduzir a ansiedade e sedação em com- pecíficos, cujo animal é parte integrante. Todavia,
paração com o cuidado usual, sem o uso desse observa-se com frequência na prática o desenvol-
recurso, tanto em pacientes que são ventilados vimento de atividades com animais apenas volta-
mecanicamente e aqueles que não são. No en- das ao entretenimento e à recreação (MANDRÁ,
tanto, apesar dos efeitos benéficos, este tipo de MORETTI, AVEZUM, KUROISHI, 2019; ALMEI-
intervenção não farmacológica é ainda raramente DA, NASCIMENTO, DUARTE, 2019).
180 12
São inúmeros os benefícios da presença de expressão, capaz de promover o alívio da tensão

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
animais em ambientes de saúde, principalmente não apenas para crianças e adolescentes, mas
em hospitais, com efeitos positivos independen- também para adultos e idosos. A comunicação
te do gênero e faixa etária (MANDRÁ, MORETTI, mediada pela arte favorece a expressão mais di-
AVEZUM, KUROISHI, 2019). Destaca-se o impac- reta de conteúdos emocionais, por não sofrerem
to de suas visitas para crianças hospitalizadas, a ação da racionalização que acompanha o dis-
como uma experiência extremamente prazerosa, curso verbal (REIS, 2014).
contribuindo para melhorar a interação destas No contexto da educação, a arte estimula a
com os profissionais e as outras crianças. Estu- criatividade da criança, desenvolvendo a imagi-
do evidencia que após receber as visitas de cães nação por meio do emprego de formas e cores e
as crianças se mostraram mais felizes, relaxadas auxiliando na expressão oral e escrita, na medida
e confiantes, cooperando muito mais durante os em que ela conta a história de seu desenho (YA-
procedimentos (VACCARI, ALMEIDA, 2007; AL- VORSKI, 2019).
MEIDA, NASCIMENTO, DUARTE, 2019). Em brinquedotecas hospitalares ou qualquer
A redução da dor e do desconforto é outro be- outro espaço destinado ao brincar nos serviços
nefício identificado, pois os animais atuam como de saúde, pode-se utilizar recursos expressivos
estratégia de distração, desviando a atenção e aplicá-los em atividades lúdicas pré-elaboradas
do foco da dor, além de descontrair o ambiente ou espontâneas com pacientes pediátricos. Estas
(VACCARI, ALMEIDA, 2007). Para os profissio- atividades promovem prazer e alegria, tornando-
nais, a comunicação com a criança torna-se mais -se viáveis especialmente para crianças que não
efetiva durante as visitas dos animais, que provo- podem sair do leito ou que se encontram em pre-
cam uma mudança significativa no clima do am- cauções de isolamento, não podendo frequentar
biente, que se torna mais divertido e descontraído a brinquedoteca ou locais compartilhados com
também para eles e para os acompanhantes das outras crianças (PIZZO, KIYAN, 2020).
crianças internadas (ALMEIDA, NASCIMENTO, Considerando a pandemia por COVID-19, o
DUARTE, 2019). emprego destes recursos expressivos com crian-
ças internadas foi bastante utilizado como forma
A arteterapia de tornar o cuidado mais humanizado, uma vez
que não era possível o compartilhamento de brin-
Entende-se por arteterapia o uso de diferen- quedos e as brinquedotecas mantiveram-se fe-
tes formas de expressão artística com uma fina- chadas neste período. Destaca-se o uso do dese-
lidade terapêutica. A arte é um meio genuíno de nho e da pintura por algumas equipes de brinque-
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distas e profissionais de saúde na construção de o aprendizado. Devem ser organizados a partir

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
atividades lúdicas previamente elaboradas, com do objetivo a ser alcançado pelo profissional, por
materiais descartáveis, oferecidas às crianças exemplo, se a meta for ensinar a criança a fazer
diariamente, como ocorreu na unidade pediátrica a auto aplicação de insulina, os materiais e brin-
do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo. quedos devem atender os passos para o ensino
dessa intervenção. Em geral, usa-se bonecos e
O uso do Brinquedo Terapêutico materiais hospitalares reais para a dramatização
do procedimento inicialmente pelo profissional e
O Brinquedo Terapêutico (BT) é uma tecnolo- depois pela criança (MELO et al, 2021).
gia de cuidado, que envolve a proposta de uma A literatura especializada destaca a impor-
brincadeira estruturada, planejada pelo profissio- tância do BT para a criança hospitalizada, au-
nal de saúde para proporcionar a criança um meio xiliando-a a enfrentar as dificuldades, a dor e o
seguro para expressar seus sentimentos, dúvidas estresse gerado por essa experiência e recomen-
e anseios decorrentes de situações desconheci- da que esta estratégia lúdica faça parte da assis-
das e ou ameaçadoras. É indicado também, quan- tência de enfermagem (LI, CHUNG, HO, KWOK,
do o profissional quer informar a criança a neces- 2016). Tendo em vista todas as funções que pos-
sidade de algum procedimento, ensiná-la sobre sui e os seus diferentes tipos, e buscando tornar
as estratégias para enfrentamento do medo e da o seu uso rotineiro uma realidade, foi elaborado
dor e tirar suas dúvidas a respeito, tornando algo um projeto de implementação do BT no setor de
mais familiar e menos amedrontador. (MELO et pediatria de um hospital de grande porte na ci-
al 2021; MAIA, SOUZA, MELO, RIBEIRO, 2021) dade de São Paulo. Dentre as várias iniciativas
Por meio da brincadeira com brinquedos do- deste projeto, destaca-se a criação de um Gru-
mésticos, materiais reais hospitalares, materiais po interdisciplinar denominado “BrinqueEinstein”,
artísticos para desenhar e colorir, massinhas para que exerce um papel fundamental em motivar os
modelar, entre outros, as crianças têm liberdade profissionais envolvidos a tornar a realização do
para fazer escolhas e tomar decisões com auto- BT uma prática diária nesta instituição, garantin-
nomia, apoiada por um adulto que aceita suas do o direito de a criança brincar e contribuir para
decisões enquanto brinca. Essa é a riqueza das melhorar a experiência da criança que necessita
sessões de BT! ficar hospitalizada.
Os materiais escolhidos para as sessões de Assim, neste projeto o BT é utilizado de dife-
BT podem ser os mais diversos possíveis, para rentes maneiras, explorando todas as suas pos-
facilitar a expressão de sentimentos e favorecer sibilidades, seja na modalidade de BT dramático,
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ao propiciar a criança vivenciar suas experiências e a medida vai mostrando as páginas do livro, o

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
no hospital enquanto brinca, como na modalida- profissional vai contando a história para a criança.
de instrucional, quando o profissional lança mão O livro também permite a realização do BT
da brincadeira para explicar a criança o que está dramático, visto que, em uma de suas páginas,
acontecendo ou o que será feito com ela. Ou, ain- a criança encontra vários materiais utilizados no
da, o emprego do BT como capacitador de função hospital como medicamentos, seringas e termô-
fisiológica, por exemplo, para otimizar a função metro, entre outros. E em outra página, há uma
respiratória, quando uma atividade terapêutica boneca que ela pode dramatizar as situações vi-
é transformada em brincadeira, favorecendo de venciadas durante a hospitalização. Ainda na pá-
maneira significativa o engajamento da criança gina final, são disponibilizados “dedoches” que a
que, de outra forma, não se mostraria tão cola- criança também pode utilizar para a dramatização
borativa (MAIA, SOUZA, MELO, RIBEIRO, 2021). e criar sua própria história.
Na prática assistencial, uma das situações mui- A função interativa do livro estimula o raciocí-
to frequentes em pediatria é a punção venosa, que nio, a criatividade, a imaginação e a coordenação
demanda um cuidado especial dos profissionais no motora da criança, além de desenvolver a percep-
sentido de tornar a experiência menos traumática ção de cores, formatos e texturas. As peças po-
e dolorosa (BIRNIE et al, 2018). E o BT atende ple- dem ser removidas e encaixadas, formando uma
namente essa necessidade. Na tentativa de criar história e dando a ela liberdade para criar. Esta
experiências cada vez mais inovadoras no con- experiência estimula a participação e iniciativa,
texto do brincar, foi criado, por duas enfermeiras possibilitando-lhe construir a sua própria história
que atuam nesta unidade pediátrica e compõem e refletir a respeito enquanto brinca. Já a função
o grupo “BrinqueEinstein”, o livro “Fiquei dodói e educativa, proporciona à criança entender um
agora?” tendo como base os princípios do BT. pouco mais sobre o processo da hospitalização, a
A escolha pelo formato de livro deu-se pelo necessidade da realização dos procedimentos e
fato de que a contação de histórias é uma prática o papel de cada profissional, desmistificando pen-
lúdica que faz parte do universo infantil, favore- samentos errôneos que possam existir.
cendo a comunicação entre o adulto e a criança. O projeto do livro idealizado pelas enfermeiras
Além do mais, o livro atua como um guia, pois foi executado por uma artesã, que também é uma
o profissional de saúde realiza a sessão de BT enfermeira aposentada. O livro possui oito pági-
instrucional, explicando para a criança sobre a nas e sua estrutura foi construída em pano, de
hospitalização e os procedimentos que serão re- modo a acomodar diferentes peças em miniatura,
alizados com ela, dentre eles a punção venosa, que são higienizadas a cada uso.
183 12
Na primeira página do livro, a figura do hospital Nas páginas 3 e 4, encontra-se a figura do pro-

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
representa o momento da internação da criança fissional da saúde e um armário com máscara,
que pode ser de ambulância, permitindo que ela luva, óculos e touca que podem ser destacadas
brinque com a ambulância móvel (Figura 1). e colocadas na boneca. É uma oportunidade de
apresentar os equipamentos de proteção para
que a criança se familiarize e não tenha medo
desse contato (figura 3).

Figura 1 - Chegada ao hospital.


Figura 3 - Enfermeira / profissional da saúde e sua paramentação.

A segunda página do livro possui várias figuras


Nas páginas 5 e 6, estão dispostos materiais
cobertas por pedaços de tecido sobre os possí-
comuns utilizados no hospital para que as crian-
veis serviços do hospital pelos quais ela passa-
ças possam explorá-los e fazer perguntas, assim
rá, além da maca e cadeira de rodas como meios
como dramatizar livremente as situações vividas,
para se deslocar entre eles (figura 2).
deixando a criatividades fluir.

Figuras 2 - Locais e transporte do hospital.


184 12
Ao explorar as páginas 7 e 8, a criança encontra

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
uma boneca no leito e, nesse momento, podem ser
utilizados os materiais da maleta para conversar
sobre a punção venosa, permitindo que ela reali-
ze o procedimento na boneca. Ao lado, estão fa-
ces representando as reações esperadas durante
a realização do procedimento, reforçando que a
Figura 5 - Por quê precisam do meu sangue?
criança pode chorar, gritar, ficar triste, com raiva,
explicando sobre a importância de se expressar,
no entanto, reforça-se para não movimentar o bra-
ço no momento da punção (Figura 4).

Figura 6 - Para onde vai o meu sangue vai?

A página que se segue possui uma bolsa com


medicamentos do tipo xarope, comprimidos, in-
jeção intramuscular e ou até mesmo medicação
Figura 4 - Procedimentos e punção venosa endovenosa, quando então é explicado à criança
que o tratamento dependera do que foi encon-
Já nas figuras 5 e 6 são apresentados à crian- trado no seu sangue, que foi coletado e enviado
ça os componentes sanguíneos, bactérias e vírus, para o laboratório (Figura 7).
quando então, é explicado a ela sobre a necessi-
dade de colher sangue para saber mais sobre sua
condição de saúde.

Figura 7 - E agora o que fazer?


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Na última página, estão os dedoches como fato de que ao mudar o foco de atenção de uma

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
super-heróis, representando que a criança agora criança para algo atraente, divertido e interessan-
está forte, recebeu alta e pode voltar para casa. te, geralmente por meio de uma ação lúdica pre-
(Figura 8). judica a capacidade de perceber estímulos dolo-
rosos, reduzindo ou amenizando a dor, angústia e
ansiedade. (BIRNIE et al, 2018; KOLLER, GOLD-
MAN, 2012)
Pode ser considerada uma estratégia de en-
frentamento que redireciona passivamente a
atenção da pessoa ou a envolve ativamente em
um assunto ou uma tarefa. Possibilita oferecer
uma outra alternativa que é mais positiva e diver-
Figura 8 - Estou mais forte.
tida, dando a criança a possibilidade de partici-
par da atividade brincando, promovendo senso
O livro teve grande aceitação por parte das de controle sobre o ambiente enquanto o proce-
crianças, famílias e dos gestores da instituição, dimento está sendo realizado (KOLLER, GOLD-
que apoiaram a divulgação e replicação deste ma- MAN, 2012).
terial para ser usado em unidades de pronto aten- A distração tem se destacado como um méto-
dimento e de coleta de exames. Essa iniciativa foi do efetivo, simples, viável e sobretudo apresenta
premiada na Exposição da Qualidade e Segurança relação custo benefício sustentável. Pode ainda,
do Hospital Israelita Albert Einstein (1º lugar), no ser aplicada por profissionais de saúde em parce-
1 Simpósio Internacional da Associação Brasileira ria com os pais e não requer treinamento especia-
de Brinquedotecas e 3º Simpósio do Grupo de Es- lizado (BIRNIE et al, 2018)
tudo do Brinquedo (Menção Honrosa). Na prática, a distração tem sido aplicada de
forma ativa, quando as crianças são envolvidas
O uso da distração como medida não far- nas atividades, como por exemplo, assoprar bo-
macológica linhas de sabão ou um catavento enquanto sua
veia é puncionada pelo profissional. Neste caso,
A distração é uma estratégia cognitiva ou ensinar a criança a respirar profundamente antes
comportamental, não farmacológica, que afasta de assoprar tem um efeito relaxante associado.
a atenção da criança dos estímulos nocivos da Na modalidade ativa, vários instrumentos são in-
dor (FELLUGA et al, 2016). Seu uso se baseia no dicados como brinquedos musicais, brilhantes,
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vibrantes, livros interativos, bolas ante estresse ídos pela própria criança e usados com ou sem

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
para que a criança aperte e foque sua atenção cenários específicos. Independentemente do tipo
no movimento e ainda, brincadeiras de contar, de fantoche usado, as evidências mostram bene-
cantar, fazer adivinhação, imaginar entre outros. fícios semelhantes para a experiência da criança.
Já as formas passivas incluem atividades como Sua utilização tem mostrado efeitos positivos
ouvir músicas, ler um livro, assistir desenhos e fil- na prática clínica, como recurso para expressão
mes por meio da televisão, ipads, celulares entre de sentimentos, redução de medo e ansiedade
outros. (MAIA, SOUZA, MELO, RIBEIRO, 2021; em crianças, favorecimento do enfrentamento da
KOLLER, GOLDMAN, 2012) doença, hospitalização e cirurgias e ainda, como
As evidências cientificas colocam a distração importante estratégia para promoção de saúde e
em posição privilegiada dentre as medidas não conhecimento das preferências e necessidades
farmacológicas para o manejo da dor, ansiedade das crianças. Além disso, é um recurso diverti-
e estresse frente a procedimentos dolorosos e por do, oferece a possibilidade de escolhas, respeita
isso, devem ser valorizadas pelos profissionais. a autonomia da criança e a incentiva a aprender
Seus resultados são satisfatórios e elevam o brin- enquanto brinca (BURS-NADER, HERNANDEZ-
car como uma pratica lúdica de distração emer- -REIF, 2016).
gencial no cuidado às crianças que passam por Pesquisas que utilizaram os fantoches como
procedimentos potencialmente dolorosos (BIR- estratégia para a coleta de dados com crianças
NIE et al, 2018). reforçam o quanto essa forma de comunicação
facilitou a expressão, permitindo maior aproxima-
Os fantoches ção e vínculo entre o pesquisador e a criança, o
que também pode ser utilizado para facilitar a in-
O uso de fantoches como prática lúdica tem teração durante o tratamento de crianças doentes
sido destacado como um instrumento efetivo para ou hospitalizadas. No entanto, quando o objetivo
interagir, apoiar e mediar a comunicação com a de seu uso é a coleta de dados, o entrevistador
criança e sua família. São pequenas figuras se- deve ser qualificado e ter habilidades para a con-
melhantes a bonecos, que podem representar dução da entrevista com os fantoches, adequan-
seres humanos ou animais, manipulados pelas do-a a faixa etária investigada (LEITE et al, 2019).
mãos e podem ser usados para dramatização na Embora os fantoches possam ser usados ​​de
forma de teatros (LEITE et al, 2019). forma criativa, devem ser consistentes com a fun-
Existem vários tipos, por exemplo, fantoches ção motora, cognitiva e o desenvolvimento emo-
de mão, de dedos, com varas, cordas ou constru- cional das crianças, respeitando sua autonomia.
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Dessa forma, os profissionais de saúde podem Contudo, há escassez de evidências empíri-

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
usar os fantoches ou marionetes para simular ce- cas do uso de fantoches pelos serviços de saú-
nários da vida real, facilitando a aprendizagem das de, apesar de múltiplas recomendações de que
crianças e suas famílias sobre o cuidado em saú- é uma técnica de sucesso (TILBROOK, DWYER,
de. Ao brincarem juntos, o uso de bonecos e fanto- REID-SEARL, PARSON, 2017).
ches proporcionam um excelente recurso para pro-
fissionais de saúde compreenderem as reações e Os robôs interativos
sentimentos manifestados pelas crianças, além de
estreitar o relacionamento entre ambos. A robótica socialmente assistida ou o uso de
As evidências até o momento sugerem que robôs interativos na área da saúde representa ou-
o teatro com fantoches é uma ferramenta útil e tra oportunidade lúdica, inovadora, com potencial
pode ser utilizado em uma variedade de contex- para melhorar a experiência de pessoas que ex-
tos. Essa forma de brincadeira é uma importan- perimentam a hospitalização, sofrimento e dor du-
te ferramenta para preparar crianças para hos- rante procedimentos médicos. Por meio de uma
pitalização e/ou procedimentos potencialmente interação divertida e afetiva, os robôs tornam-se
dolorosos ou angustiantes, como por exemplo, ferramentas úteis para ajudar as pessoas a en-
a punção venosa periférica, um dos procedi- frentarem e superarem os desafios por determi-
mentos mais aterrorizantes na perspectiva das nadas condições de saúde.
crianças. (TILBROOK, DWYER, REID-SEARL, Nos ambientes hospitalares os robôs estabe-
PARSON, 2017). lecem a comunicação e criam um relacionamen-
Fantoches representando os animais de es- to que envolve expressividade, personalidade,
timação são uma forma de dar voz às crianças dialogo, empatia e habilidades de adaptação.
com algo que é conhecido e afetivo, ainda mais Eles podem ser programados para envolverem
quando ela é o operador, podendo usar o fanto- as crianças por meio de uma fala encorajado-
che como uma ferramenta para agir contra seus ra, com reforços para comportamento positivos
medos e ansiedade. Ressalta-se que, indepen- e guia-las por meio de exercícios de respiração
dentemente de quem seja o operador, criança profunda para relaxar e distrair durante um pro-
ou o profissional de saúde, essa conexão lúdica cedimento. Ainda não se sabe os mecanismos
ajuda a minimizar as relações hierárquicas entre que produzem as mudanças comportamentais e
as crianças e os adultos no ambiente hospitalar, fisiológicas resultantes de tal interação, no en-
deixando as crianças mais confortáveis e seguras tanto revela-se benefícios promissores (JIBB et
na interação (LEITE et al, 2019). al, 2018).
188 12
Em ambientes de cuidado em saúde de ido- para recreação, distração ou até mesmo associa-

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O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
sos, os robôs têm sido utilizados para melhorar as do ao brinquedo terapêutico, como forma de pre-
habilidades cognitivas em pacientes com Alzhei- parar a criança para a realização de procedimen-
mer, reduzindo sentimentos de solidão e depres- tos hospitalares, entre outras finalidades.
são. Já em cenários pediátricos estes tem sido Embora tenha chegado ao Brasil recentemen-
amplamente explorados no contexto do diagnósti- te, os óculos de realidade virtual têm sido usados
co e terapia do Autismo e demonstrou aumentar a cada vez mais durante a coleta de sangue e vaci-
verbalização, a socialização e a expressão emo- nação em alguns laboratórios e serviços de saú-
cional (JIBB et al, 2018). de, melhorando significativamente a experiência
Crianças que foram submetidas a punção veno- da criança frente a procedimentos que geram dor
sa e puderam interagir com o robô durante o pro- e, consequentemente, medo e apreensão.
cedimento, relataram que ele as ajudou a expres- Um estudo realizado com a aplicação da reali-
sar sentimentos e a sentir menos dor, demonstra- dade virtual como técnica não farmacológica para
da pelo auto relato e por medidas de escore de alívio da dor durante a punção venosa em crianças
dor menores no grupo que participou da atividade com câncer apontou resultados positivos desta es-
(TROST, CHRYSILLA, GOLD, MATARIC, 2020). tratégia lúdica como forma de distração. Além de
A robótica socialmente assistida é um campo se mostrarem mais colaborativas no momento da
promissor, com inúmeras aplicações potenciais punção, as crianças também consideraram a expe-
para a saúde infantil. Uma revisão de escopo ve- riência como muito divertida (ATZORI, HOFFMAN,
rificou o potencial dessa intervenção para a re- VAGNOLI, ALHALABI, MESSERI, GROTTO, 2018).
dução do sofrimento em crianças em ambientes Crianças queimadas atendidas em um Cen-
médicos, contudo concluem que ainda não há tro de Tratamento ao Queimado (CTQ) do Sul
uma base de evidências suficientes para apoiar do Brasil também se beneficiaram com o uso da
quaisquer recomendações clínicas atuais e novos realidade virtual, verificando-se diminuição da
estudos são necessários a partir da união de dis- intensidade dolorosa referida por elas durante a
tintas áreas como a engenharia, ciências sociais troca de curativos. Além da maior colaboração da
e medicina (TROST et al, 2019). criança durante o procedimento, a realidade virtu-
al contribuiu para minimizar o estresse da equipe
O uso da realidade virtual de saúde, pois o procedimento transcorre de for-
ma mais tranquila e em menor tempo (SCAPIN,
A realidade virtual constitui-se em uma exce- ECHEVARRÍA-GUANILO, FUCULO JUNIOR,
lente opção lúdica para crianças no hospital, seja MARTINS, BARBOSA, PEREIMA, 2017).
189 12
A realidade virtual também tem sido emprega- dado lúdico e tornem-se competentes para essa

Edmara Bazoni Soares Maia - Carolline Billett Miranda - Fabiane de Amorim Almeida
O IMPACTO DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO CUIDADO EM SAÚDE
da na reabilitação de crianças na área da fisiote- utilização desde as práticas acadêmicas. Das ins-
rapia. Os seus efeitos no equilíbrio e no desempe- tituições de saúde espera-se que o brincar seja
nho motor de crianças com paralisia cerebral são reconhecido e promovido nos ambientes de cui-
descritos na literatura, contribuindo no tratamento dado, aprimorando suas práticas e que gestores
de forma inovadora com o uso de jogos lúdicos assumam seu papel na gestão, capacitação dos
virtuais (PEREIRA, SANTOS, BRANDÃO, SILVA, profissionais e promoção de um ambiente lúdico
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194
INTRODUÇÃO

A patologia resultante da infecção causada


pelo Sars-CoV-2, denominada pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), foi identificada primei-
ramente em humanos em meados de dezembro
de 2009, na cidade de Wuhan, na China (WHO,
2021). O vírus da Covid-19, tem se propagado por
todo o mundo em uma velocidade devastadora,
deixando um cenário de muitas percas e implica-
ções das mais diversificadas no cenário social/
familiar, educacional, econômico e político.
Em março de 2020, formos submetidos a um
distanciamento social em razão da propagação do
vírus letal que ganhou as fronteiras de Wuhan, e
chegou em todas as regiões do mundo, começava
assim a ser noticiado em todas as mídias sociais
CAPÍTULO 13 a pandemia da Covid-19, e rapidamente o cenário
mundial de estudo e trabalho mudou de posição
tendo que adequar-se as novas formas de ensinar

O LÚDICO CIENTÍFICO EM e trabalhar, a escola e o trabalho foram parar den-


tro das residências, os espaços internos da casa

TEMPOS DE PANDEMIA: se tornaram salas de aulas e escritórios, alteran-


do a rotina dos humanos que passaram a estar
POSSIBILIDADES E DESAFIOS 24:00h00min confinados com essa nova realidade
e o mais agravante de tudo além das percas fa-
miliares e financeiras o lazer e convívio social nos
Charlline Vládia Silva de Melo
espaços foram interrompidos bruscamente. (MO-
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
REIRA; HENRIQUES; BARROS, 2020).
Com cenário de confinamento é a necessidade
de manter o mínimo da prestação dos serviços,
fomos nos adaptando à nova realidade: vídeos,
195 13
conferências on-line, mensagens via Whatzapp, CENÁRIO DA PANDEMIA E A NECESSIDA-

Charlline Vládia Silva de Melo - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


O LÚDICO CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
lives, áudios, imagens e sons, tudo incluído no DE DE ADAPTAÇÃO
mesmo ambiente, onde docentes, discentes, tra-
balhadores e responsáveis passaram a buscar Em meados de fevereiro de 2020, o mundo re-
sobreviver no mesmo espaço domiciliar de for- cebeu de forma surpreendente a notícia nos mais
ma interligada escola/emprego/família, porém na diversos tipos de meios de comunicação a inau-
educação os impactos causados pela pandemia guração de um hospital construído em uma área
ultrapassou as fronteiras das desigualdades so- de 25.000m², com capacidade de 1.000 leitos
ciais, em função da falta de preparo para esse acompanhados por uma equipe médica de 1.400
momento sanitário, o remoto chegou e nem todas pessoas, erguido a exatos dez (10) dias em um
as crianças/ jovens e ou adultos poderão se ajus- prazo nunca visto antes na cidade de Whuan ca-
tar a esse momento para continuação de suas ati- pital da província de Hubei (BBC, 2020). A exatas
vidades, muitos ficaram ociosos e as patologias
72:00h:00min de sua construção e estruturação
mentais ganharam destaque nesse momento
o hospital já possuía em média cerca de mais de
(GARCIA et al., 2020).
cinquenta (50) pessoas para hospitalização com
Frente a este contexto, em busca de novas
sintomas de uma infecção por vias aéreas ainda
experiencias que possam contribuir para superar
não identificada com sintomatologia grave e de
inúmeras dificuldades impostas pelo isolamento
rápida propagação na população local onde já se
social e melhorar as relações professor/estudan-
descrevia no cenário mundial milhares de pes-
te/responsáveis, as atividades dentro das resi-
soas com as mesmas queixas sintomatológicas
dências precisam ser repensadas e adaptadas a
esse novo momento, baseado nesse cenário su- espalhadas por todo o mundo. Levando as au-
gerimos nesse trabalho, atividades, jogos, livros, toridades a declarar uma Emergência em Saúde
plataformas e aplicativos que possam além de fo- Pública de Importância Internacional – ESPII (ou
mentar os obstáculos ocasionado pelas dificulda- Public Health Emergency of International Concern
des pedagógicas do remoto, melhorar o convívio - PHEIC), pela Organização Mundial da Saúde
e as relações sociais dentro de casa, através de (OMS) (OPAS/OMS, 2020).
condutas que possam ser socializadas de forma O surto foi pronunciado pela OMS uma PHEIC
individual ou em grupo com intuito de minimizar em janeiro de 2020 (GORVETT, 2020). Vários no-
o impacto na conivência em decorrência do novo mes foram descritos para o causador dessa pneu-
cenário mundial presente na vida de todos aco- monia em todo o mundo, entretanto somente em
metidos pelo isolamento social em virtude da pan- fevereiro de 2020, a OMS finalmente através do
demia de Covid-19. comitê internacional de taxonomia de vírus pro-
196 13
pôs o nome de Síndrome Respiratória Aguda Gra- Hoje, usar um tablet, o twitter, o foursquare, os

Charlline Vládia Silva de Melo - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


O LÚDICO CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
ve Síndrome Coronavírus Dois, ou Sars-CoV-2. mapas e o GPS embutidos em smartphone re-
(OMS, 2020b). velam, irredutivelmente, as dimensões locais,
Entretanto em março de 2020, após a com- sociais e lúdicas da cultura da convergência
provação da Covid-19 em todo mundo, um vírus digital. Compreender a comunicação contem-
com alto grau de propagação e letalidade, surge porânea, em suas múltiplas facetas, passa não
a pandemia e com ela o início de uma mudan- apenas pelas análises do impacto midiático na
ça histórica, política, econômica e social, com a nossa percepção temporal, mas pelo reconhe-
presença do isolamento social restrito, onde fo- cimento de que as mídias em geral, e as digitais
mos acometidos a ficar em nossas residências em particular, produzem relações locais e es-
e mudar de forma rápida a abrupta a maneira paciais específicas que, sem essa perspectiva,
de se relacionar com o próximo, a cidade parou a análise comunicacional das tecnologias de
no aspecto presencial e forçados a aprender de informação e comunicação estará incompleta.
modo rápido e tecnológico a modificar nossa con- Em meio a toda essa crise sanitária mundial,
vivência individual e coletiva, muitas mudanças que afeta o globo terrestre e abala a sociedade
começaram a ocorrer, escolas foram fechadas o do século XXI a retomar as atividades agora não
ensino presencial foi substituído pelo remoto de mais da maneira de antes mais em um novo con-
forma ainda bem empírica e adaptada a realidade texto, as tecnologias que estavam em passos
de cada região, o comércio e a indústria também lentos agora aceleraram para acompanhar o mo-
tiveram suas atividades modificadas para o home mento em que estamos inseridos. O trabalho pre-
office, transportando as atividades laborais para sencial virou home office a escola virou hibrida,
dentro das residências de formato rápido e desor- as atividades físicas ao ar livre, ficaram dentro de
denado desafiando e reinventando as estratégias casa, as saídas para alimentação viraram delivery
de ensino e trabalho (GARCIA et al., 2020). e as compras pela internet ganharam o mundo do
Com os processos de espacialização pro- e-commerce, e até as consultas médicas aderi-
porcionados pelas novas tecnologias de infor- ram a telemedicina conforme relata a Federação
mação e comunicação, particularmente com a das Indústrias e do Comercio (FIEC,2020). Tudo
popularização da internet e das tecnologias di- isso em um curto espaço de tempo e que requer
gitais móveis e sem fio, e com os novos forma- dos humanos não só um pensar atualizado, mas
tos lúdicos da cultura global do entretenimento, principalmente a coragem de se reinventar para
em especial, os vídeo games e suas derivações esse novo futuro, a rotina antiga de vida não será
(ARG, games sociais, MMORPG, Wii, Kinect...). excluída, mas sofrerá mudanças que dependerá
197 13
de todos criar possibilidades e atitudes inovado- diano, passando a estimular soluções criativas

Charlline Vládia Silva de Melo - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


O LÚDICO CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
ras para aderir a esse novo convívio em socieda- para as dificuldades impostas pelas atividades
de pós pandemia. remotas e pelo confinamento.
Mesmo durante a prática do distanciamen- Um dos principais impactos dessa cultura da
to social, com toda a família em casa, vivenciar experimentação “Maker” é sem dúvida a demo-
momentos de brincar de forma coletiva pode ser cratização do conhecimento e a agilidade na con-
além de uma grande oportunidade para novos fecção de materiais e o acesso aos meios digitais
aprendizados, tanto para as crianças como para com a pandemia da Covid-19, ampliou embora
seus responsáveis (OLIVEIRA, 2020). Isso por- ainda desigual em virtude de questões sociais
que a ocupação do brincar permite não só a cons- e políticas, mas mesmo diante desses entraves
trução das relações, mas potencializa o processo essa informação tecnológica está chegando de
do autoconhecimento associado a relação da re- forma gradativa as comunidades proporcionando
alidade e sua interação com o mundo a sua volta o acesso à informação causada por essa revolu-
(PIERRE; KUDO,1990 apud OLIVEIRA, 2020). ção digital em meio ao confinamento social.
O ato de brincar conecta e ensina, quando
brincamos nos conectamos demais com o apren- PRÁTICAS LÚDICAS EXPERIMENTAIS EM
dizado, e nesse momento de pandemia nada TEMPOS DE PANDEMIA.
melhor que brincar e aprender em família no con-
vívio do lar, estreitando os laços de afetividade As práticas lúdicas e experimentais descritas
que sejam capaz de desenvolver o pensamento abaixo foram expostos no 4º Encontro Científico
criativo, colaboração, empatia e desenvolver a li- do dia Internacional do Brincar (2021), promovi-
vre experimentação na resolução de problemas, do pelo Instituto Nexos e Museu do Brinquedo de
e muitas delas estão a nossa disposição para Fortaleza em parceria com o Centro de Estudo
conhecer, aprender, socializar e experimentar de sobre Ludicidade e Lazer (CELULA) da Univer-
forma integrada a escola e ao contexto domiciliar, sidade Federal do Ceará (UFC), como sugestão
quando vencermos essa pandemia , certamente de atividades remotas e digitais em tempos de
estaremos mais conectados com “eu”. Por tanto isolamento social, com a perspectiva de propor-
façam, busquem, nas atividades mão na massa/ cionar aos participantes do evento um momento
faça você mesmo, através do desenvolvimento de descontraído e didático para favorecer uma maior
projetos significativos e colaborativos, de forma integração entre os momentos de confinamento.
cientifica, livre e divertida, usando as ferramentas Foram apresentados na formação sugestões
disponíveis e espaços que já integram seu coti- de práticas tais como: jogos produzidos com ma-
198 13
teriais de baixo custo que podem ser facilmente ginação se relaciona com regras estabelecidas,

Charlline Vládia Silva de Melo - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


O LÚDICO CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
encontrados em suas residências, sites de jogos seja em jogos de mesa, ou em suas transposi-
online disponível para acesso de forma gratuita, ções para o digital.
jogos físicos, jogos impressos para download, e No sentido de identificar e visualizar melhor os
aplicação de laboratórios remotos e simuladores elementos de jogo vamos utilizar como parâme-
virtuais também de acesso gratuito através de tro a estrutura de quatro dimensões desenvolvida
plataformas digitais de ensino, como proposta de por Munhoz e Battaiola (2018): CONTEXTO, ARTE-
leitura foram sugeridos livros como referencial bi- FATO/GAME, ATIVIDADE/PLAY E AGENTE/JO-
bliográfico para consulta e novas possibilidades GADOR. (Ver Quadro 1). Nesta estrutura temos
para tornar a convivência entre escola/trabalho/ duas dimensões concretas: o objeto (ARTEFATO/
laser em família mais lúdicas e interativas. GAME) e o sujeito (AGENTE/JOGADOR) e duas
Esses tipos de jogos analógicos (agora híbri- dimensões sutis e dinâmicas (ATIVIDADE/PLAY e
dos) atualmente migraram de mídia, e assim al- CONTEXTO). Nós sabemos da natureza comple-
cançaram um novo público, os amantes dos vide- xa do jogo, sendo assim, faz com que as dimen-
ogames. O contrário também é possível, games sões tenham limites tênues onde uma dimensão
que migram para o tabuleiro, se tornando produ- se mescla com as outras. É importante considerar
tos transmidiáticos. É importante compreender os que o jogo, na verdade, é o conjunto todo, a estru-
graus de imersão desses jogos, e como a ima- tura completa com todas as dimensões.

Quadro 1
ESTRUTURA PARA MAPEAR AS RELAÇÕES ENTRE OS ELEMENTOS DE JOGO
Dimensão Características da dimensão
O contexto é a rede social, cultural, econômica e tecnológica em que o jogo ocorre. Comporta a infraestrutura física,
material e sociocultural para a ocorrência dos jogos. Contém valores, determina comportamentos e o senso comum.
A dimensão do contexto trata de “quando” e “onde” o jogo pode ocorrer, bem como, o “porque” da sua ocorrência.
O contexto está associado à ideia de metajogo, ou seja, o que não faz parte do jogo, mas o influencia. Esta dimen-
são é composta por estudos centrados no contexto social inaugurado por Johan Huizinga (2001) que posicionou o
CONTEXTO
jogar (play) no âmbito da cultura. Bjork e Holopainen (2003) fazem referência a “componentes holísticos” do jogo.
Salen e Zimmerman (2004) chamam esta dimensão de esquema contextual e resumem na palavra “Cultura”. Jull
(2005) chama de “resto do mundo”. Jarvinen (2008) especifica o “contexto” como um elemento comportamental. A
dimensão do contexto antecede o jogar, pois antes da sessão de jogo começar é necessário combinar a possibilidade,
o momento, o local, o equipamento e os participantes.
199 13

Charlline Vládia Silva de Melo - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


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O termo foi escolhido como rótulo para o objeto, o jogo propriamente dito. O jogo entendido como um objeto
projetado resultante da inteligência humana. Coisa criada e construída seja analógica-material-física ou digital-ima-
terial-lógica. Sistema criado para oferecer uma experiência particular aos jogadores. Esta dimensão abrange um
nível referente ao objeto (game) e um nível referente ao projeto (game design). A dimensão do artefato contempla
aspectos narrativos (tema, história, mundos, personagens, conflitos), aspectos ludológicos (regras, objetivos, proce-
dimentos, obstáculos, condição de vitória, espaço de possibilidades, aleatoriedade) e aspectos tangíveis ou visíveis
(componentes, ambiente, mecânicas, informações, interface, feedback). Esta dimensão trata de “o que é” o jogo. A
dimensão é composta por estudos centrados no objeto e/ou no projeto, abordados por diversos autores, dos quais
ARTEFATO/
destacamos: Avedon (1971), Crawford (1982), Costikyan (1994, 2002), Rollings e Morris (1999), Rolling e Adams
GAME (2003), Brathwaite e Schreiber (2009). Bjork e Holopainen (2003) fazem referência aos “componentes objetivos”
do jogo. Salen e Zimmerman (2004) chamam esta dimensão de esquema formal e a resumem na palavra “Regras”.
LeBlanc (2003) a resume na palavra “Mecânicas”. Jull (2005) chama de “nível do jogo”. Jarvinen (2008) propõe
a “teoria dos elementos de jogo”. Schell (2008) faz referência ao designer, ao processo e ao jogo. Cabe dar ênfase
aos termos “regras” e “mecânicas” como metonímias, onde as palavras tomam a parte pelo todo. Este aspecto será
aprofundado na revisão de literatura. O objeto (game/jogo) existe antes da sessão de jogo começar, sendo o jogo
um produto de consumo, ou seja, um artefato encapsulado em uma caixa ou em um pacote de software, que vai ser
adquirido pelo jogador e ativado na sessão de jogo (play).
O termo foi escolhido como rótulo para o ato de jogar – play. Assim, ele pode ser visto como um encontro fugaz
entre sujeito e objeto que resulta em um evento passageiro. Pode ser uma sessão dinâmica entre os jogadores e o
jogo. Ou ainda, uma atividade com características próprias em que se instaura o círculo mágico (HUIZINGA, 2001;
SALEN; ZIMMERMAN, 2004). Esta é uma dimensão temporal, é efêmera: inicia com a ação do sujeito sobre o
objeto e tem fim quando a condição de término do jogo ocorre. A dimensão play trata do “como” a atividade ocorre,
o que acontece durante o jogar. Esta dimensão é composta por estudos centrados na atividade (play). Na literatura,
os limites entre o jogo e o jogar (game and play) são tênues, mas aqui manteremos a distinção entre o objeto (game)
ATIVIDADE/
e a atividade (play). Esta também é uma dimensão de interesse projetual, entretanto é a parte não manipulável do
PLAY projeto, aquela que Salen e Zimmerman (2004) chamaram de “design de segunda ordem”. Assim, na literatura, esta
dimensão é tratada pelos mesmos autores citados na dimensão do artefato/game. Bjork e Holopainen (2003) fazem
referência aos “componentes temporais” e “componentes delimitadores” do jogo. Salen e Zimmerman (2004) cha-
mam esta dimensão de esquema experimental e resumem na palavra “Play” ou “Interação lúdica” na tradução para
o português. LeBlanc (2003) resume na palavra “Dinâmicas”. Jull (2005) chama de “nível de relação”. Schell (2008)
faz referência à “experiência”. A dimensão play só existe durante o ato de jogar, ela começa com o início do jogo e
acaba com seu término (game over).
Essa dimensão contém a especificidade do sujeito, o indivíduo que interage com o objeto e promove a dinâmica do
jogo. O termo agente foi escolhido como rótulo pela natureza do fenômeno onde é necessária a ação do sujeito para
que a atividade (play) ocorra. A dimensão do agente trata de “quem” joga, o que ocorre com este indivíduo, o que
ele sente, experimenta, como reage. Mesmo que a experiência ocorra na dimensão da atividade (play), mantemos
separada a figura do jogador como o sujeito que age através de estímulos e recebe respostas emocionais decorrentes
AGENTE/ da experiência. Esta dimensão é composta por estudos centrados no jogador. A maioria das obras trata conjuntamen-
JOGADOR te o jogador e a experiência de jogar (play), entretanto alguns autores estabelecem certa separação como: LeBlanc
(2003) que resume esta dimensão na palavra “Estéticas”, referenciando as respostas emocionais evocadas pelo jogo;
Jull (2005) chama de “nível do jogador”; Jarvinen (2007) propõe a “teoria da experiência do jogador” e Schell
(2008) faz referência ao “jogador”. A dimensão do sujeito existe antes da sessão de jogo começar, com o indivíduo
em sua vida cotidiana, até que ele entra no jogo e passa a agir e atuar no círculo mágico. Ao sair, ele leva consigo
os efeitos do jogo.
Fonte: Munhoz e Battaiola (2018, pp. 24-27).
200 13
Atividades Experimentais propostas foram: com a presença da absorção de água pelo

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material, foram pintados no meio do papel
1. Desenho no plano cartesiano: utilizado imagens de emotions com as sensações
para produção de atividades sobre plano para o momento, após feito o desenho do-
cartesiano disponível em:< http://solanis- bre de forma que a parte branca não pinta-
roliveira.blogspot.com/>. e já com adapta- da fique por cima da parte pintada, utilizan-
ções a outras metodologias de ensino na do a dobradura de papel, assim com o con-
matemática, além de favorecer o aprendi- tato com a água o mesmo será revelado.
zado da disciplina ainda proporciona o de- 5. Palavra Secreta: Num pedaço de papel
senvolver artístico. modelo A4 pode ser oficio ou papel Kraft,
2. Labirinto: impressões de material do mo- desenhe ou escreva uma mensagem com
giz de cera branco e deixo por alguns ins-
delo de labirinto disponível para download
tantes descansar, num recipiente coloque
em:< https://www.kidipage.com/> e cola-
um pouco de tintura de iodo, com auxílio de
dos em uma bandeja recoberta de papel
um pedaço de algodão ou pincel, revela a
alumínio, com um par de imãs unidos a
mensagem passando o iodo sobre o giz de
uma moeda de prata, na qual o participan-
cera e veja o que acontecer.
te terá que fazer o percurso em um tempo
6. Gulosos: Experimento usado para demos-
cronometrado, trabalhando assim a con-
trar uma substancia capaz de derreter o iso-
centração, coordenação e aspectos físicos
por, em um copo de vidro adicione um pou-
do magnetismo. co de acetona (propanona) P.A e em outro
3. Ilusão no copo: para essa atividade suge- copo e vidro adicione somente água, corte
rimos dois copos de acrílico, um persona- dois pedaços de isopor e coloque em cada
gem e roupas para serem usadas, em um copo, irá observar que no copo que contém
copo cole o personagem, e no outro copo a acetona que irá reagir com o isopor e der-
cole as roupas escolhidas, sobreponha um rete-lo (pois o isopor e acetona são seme-
copo sobre outro e rotacione o mesmo de lhantes, pois, são apolares e um dissolve o
modo que se possa encaixar a roupa no outro), porém na água não irá ocorrer esse
personagem, trabalhando a sobreposição fenômeno. Os canudos utilizados estão cor-
de objetos e orientação espacial de rota- tados ao meio e inseridos um sobre o outro
ção, concentração e ilusões óticas. para demostrar que uma substancia pode
4. Revelando as sensações: Desenhos re- passar de um lado a outro do copo sem pre-
produzidos em papel toalha e revelados cisar usar o mesmo canudo.
201 13
7. Caixa Cientifica: Foi apresentado aos par- Jogos virtuais

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ticipantes a ideia de socializar entre os pro-
fessores e curiosos da ciência, caixas con- No entanto, o meio virtual se apresentou como
tendo sugestão e material de experimentos um tipo de escape para pessoas durante a qua-
que possam ser reproduzidos em vários lo- rentena e passou a ser uma das principais for-
cais do mundo, com a ideia de popularizar mas de interação social, como também de en-
a ciência recebendo sempre um feedback tretenimento, porém mesmo diante desse pro-
positivo ou negativo da aplicação e suges- cesso avassalador dos jogos virtuais sempre se
tões de novas metodologias, a caixa cien- faz necessário verificar o nível, a aplicabilidade
tifica apresentada consta de dez (10) jo- e principalmente a que se destina esse jogar, se
gos/ desafios produzidos por artesões em e para aprendizado, socialização, brincar dentre
Fortaleza-Ce, encontrados em feiras livres outros. O jogo apresentado nessa proposta onli-
disponíveis na cidade. A ideia e fazer uma ne, foi produzido pela Prof.º Marcelo Guimarães
troca de culturas cientificas através dessas Sampaio, para aplicação em sua turma de fun-
caixas, outra sugestão e o envio de um damental I na prática das aulas de Educação Fí-
experimento para outros locais parceiros sica, o jogo consta de um caça palavras na qual
como forma de popularização científica. o participante devera encontrar a palavra chave e
clicar na fotografia ao lado conhecendo assim um
pouco da história daquele esporte, ou seja, um
caça palavras oculto.

Figura 1 – Atividades experimentais propostas na formação. Figura 2 – Jogo Online.


Fonte: Autores. Fonte: wordwall.net/, Prof.º Marcele Guimarães Sampaio.
202 13
Jogos Físicos como vídeos descritivos sobre os mesmos, vários

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são os materiais postados pela equipe para auxiliar
Valente et al. (2005), descreve que os jogos não a aprendizagem e também favorecer a aprendiza-
são apenas simples atividades; são os agentes gem a socialização em tempos de confinamento. O
responsáveis pela criação de estratégias, de senso Clube do Tabuleiro de Campinas também disponi-
crítico e desenvolvimento de confiança. Dessa for- biliza um e-mail para contato (clubetabuleirocps@
ma os jogos não são algo que surgiu de uma hora gmail.com) ou se preferir pode acessar diretamen-
para outra, mas nesses tempos de isolamento so- te a página: (http://clubedotabuleirocampinas.blo-
cial foram utilizados com diversas funcionalidades, gspot.com.br/ ou pelo Whatzapp + 55 (19) 99463-
desde o brincar até a amenização de patologias 1645. O jogo COVID 19 é um jogo de tabuleiro
geradas com o confinamento social em tempos de para crianças em idade de 03 (três) a 04 (anos) na
pandemia. Com isso muito se viu o crescimento da qual ele depende única e exclusivamente da rola-
indústria de games e os jogos se tornaram alicerce gem de dados, o material utilizado nesse contexto
para muitos Gunnel et al (2020). E nada mais im- foi a impressão colorida do tabuleiro em papel de
portante para os tempos que vivemos do que cui- gramatura 170mm como opção para durabilidade
dar da nossa saúde emocional a fim de enfrentar pode encapá-lo com papel contact além de doze
os desafios impostos pelo isolamento social utili- (12) tampinhas para colagem da figura represen-
zado no combate à Covid-19, os jogos foram uma tativa do vírus da Covid e mais vinte e quatro (24)
dessas estratégias de adaptação. Os jogos sugeri- tampinhas para colagem das crianças que serão
dos como prática foram: Pandemic, Uno, Evolution a parte representativa do jogo, e para rolagem um
e Cartas vírus dentre outros a literatura dispõe de dado que pode ser montado de acordo com mate-
várias sugestões de jogos que podem ser aplica- rial que possuam em suas residências , e deverá
dos a metodologias de aprendizagem através do ser colorido por conter as quatro (04) cores das ca-
uso dos mesmos. sas descritas no tabuleiro. O objetivo central do
jogo e as crianças que estão brincando impe-
Jogos impressos para download direm a entrada do vírus em suas casas, como
estamos em meio a isolamento social, as crian-
O jogo apresentado nessa proposta faz referên- ças deverão voltar as suas casas antes da che-
cia a COVID-19, produzido pelo Clube do Tabuleiro gada do vírus, com a rolagem de dado através
de Campinas, na qual através do Facebook e ou da orientação do tabuleiro, esse mesmo jogo já
do Canal do Youtube, o grupo de pesquisa disponi- está disponível em outras duas variações tais
biliza os jogos de tabuleiro para downloads assim como a Dengue e Colheita.
203 13
virtuais, divulgando pesquisas e projetos. Labora-

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tórios Online consistem em laboratórios virtuais e
remotos, ferramentas tecnológicas que permitem
atividades de experimentação, seja ela por meio
de simulação, ou manipulação real do experimen-
to, viabilizadas por dispositivos conectados à in-
ternet (SILVA, 2006)
De acordo com Silva (2006), laboratórios virtu-
Figura 3 - Tabuleiro e peças do jogo COVID-19. ais, ou melhor, “laboratórios baseados em simula-
Fonte: https://www.facebook.com/clubedotabuleirocampinas.
ção”, reproduzem o funcionamento dos aparatos
que se encontra em um laboratório, possibilitando
Laboratórios Remotos e Simuladores
que o aluno aprenda sobre seu funcionamento. Já,
(virtuais)
laboratório remoto, o aluno é capaz de “manejar os
aparatos que se encontram no laboratório físico” a
O chamado Ambiente Virtual de Ensino Apren-
partir de qualquer lugar. Dessa forma foi apresen-
dizagem (AVEA), ainda está bastante associado
tado ao grupo sugestões de laboratórios remotos
ao ensino à distância, no entanto, esse modelo
e virtuais (simuladores) que podem ser acessados
vem se tornando uma ferramenta tecnológica e
de forma gratuita para enriquecimento de sua pra-
inovadora para ser usado não somente em cursos
tica ou de sua própria formação individual através
à distância, mas também em cursos presenciais,
da necessidade de investigação científica de di-
oferecendo autonomia e exigindo disciplina não
versos conteúdos disponíveis, segue sugestões
só de estudantes, mas a quem interessar o apren-
de laboratórios remotos e virtuais para acesso e
dizado os chamados ‘caçadores de informações”.
aplicabilidade de conceitos científicos.
Moran (2003), ensinar e aprender, hoje, não
Rexlab (Laboratório de Experimentação Re-
se limita ao trabalho dentro da sala de aula. Esse
mota) da Universidade Federal de Santa Catarina
processo sugere uma transformação do que fa-
(UFSC), criado desde 1997, com objetivo de  aten-
zem dentro e fora dela, no presencial e no virtual,
der a necessidade de apropriação social da ciên-
além de um planejamento das ações de pesqui-
cia e da tecnologia, popularizando conhecimentos
sa e de comunicação que possibilitem continuar
científicos e tecnológicos, podendo ser acessado
aprendendo em ambientes virtuais, acessando
pelo link: https://rexlab.ufsc.br ou http://relle.ufsc.
páginas na Internet, pesquisando textos, rece-
br/labs, sua navegação e de fácil acesso através
bendo e enviando novas mensagens, problema-
de cadastros, possuindo acesso as práticas labo-
tizando questões em fóruns ou em salas de aula
204 13
ratoriais em Física. Biologia e Robótica, o Rexlab cente ou também agendada da uso com a equipe

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ainda disponibiliza cursos, formações e ativida- responsável, além da criação de salas virtuais de
des que podem ser realizadas ao longo de várias compartilhamento científico.
propostas pedagógicas em ambiente escolar ou
doméstico. Em duvidas de acesso e aplicação a
equipe responsável pelo projeto de forma muito
presente responde os e-mails através do conato:
rexlab@contato.ufsc.br / rexlabufsc@gmail.com
ou pelo acesso ao canal do youtube onde está
Figura 5 - Laboratório Remoto de Física (Universidade Federal de
disponível os vídeos explicativos. Itajubá).
Fonte: https://labremoto.unifei.edu.br/.

Laboratórios virtuais para utilização em


práticas e acesso pedagógico na populariza-
ção cientifica. Os Virtual Labs são softwares que
permitem realizar experimentos realistas e sofis-
ticados com os principais recursos de um labo-
ratório físico. Os alunos/participantes têm acesso
Figura 4 - Laboratórios de Experimentação Remota (UFSC).
a um ambiente virtual em que podem fazer es-
Fonte: https://rexlab.ufsc.br/. colhas como se estivessem em um laboratório
real, observando todas as reações com absoluta
Laboratório Remoto de Física da Universida- segurança e precisão das informações científicas
de Federal de Itajubá (UNIFEI), através do insti- através de simuladores.
tuto de Física e Química, criado em 2012, com
objetivo de desenvolver experimentos que pos-
sam ser reproduzidos por qualquer instituição.
Buscamos sempre reutilizar materiais provindos
de lixo eletrônico e revitalizar montagens expe-
rimentais sem uso. podendo ser acessado pelo
https://labs-ifq.unifei.edu.br/ ou labremoto.unifei.
edu.br/ sua navegação e de fácil acesso através
Figura 6 - Laboratório Virtual PHET.
de cadastros, possuindo acesso as práticas labo- Fonte: https://phet.colorado.edu/.
ratoriais em Física que podem ser feitas pelo do-
205 13
Leituras Científicas e Lúdicas pandemia. Como a leitura é um processo de aqui-

Charlline Vládia Silva de Melo - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


O LÚDICO CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
sição de dados mais lento que o áudio e o vídeo,
Freire (2005), descreve que o ato de ler é a este tempo permite a maturação de pensamentos
forma de interpretar a realidade particular e pro- mais tranquilos e menos ansiosos (CNN, 2020).
blematizar a realidade do mundo em suas ações.
Com isso objetivando a importância da leitura
como fonte de aprendizagem da qual pela simples
capacidade de decodificar signos, mas aprimorar
o seu conhecimento levando a fatores cruciais
para a formação pessoal, educacional, profissio-
nal do indivíduo através da prática de leitura pro-
porcionando cadê vez mais as relações sociais.
Já Carvalho et.al. (2006), relata que através de
uma leitura eficiente na sociedade d conhecimen-
to, o humano precisa realizar leituras das mais
diversas para melhorar sua qualidade de conhe-
cimento global. Entretanto no momento atual aco-
metido pela pandemia da Covid-19 e importante
ressaltar que se faz necessário não sobrecarre-
gar de leituras, mas escolher as mais interessan-
tes para sua prática o que resultará num melhor Figura 7 – Sugestões de leitura para práticas experimentais diversas.
aproveitamento na obtenção da informação. As- Fonte: Acervo Autores.

sim, conclui-se que a prática da leitura é funda-


Aplicativos
mental para a construção de um indivíduo com
melhor senso crítico. No contexto atual da pandemia, é de extrema
Portanto para o médico neurologista Fernan- importância incentivar e ensinar o conhecimento
do Gomes Pinto a prática da leitura em meio ao faz ferramentas tecnológicas usadas no cotidia-
isolamento social além de fortalecer o conheci- no, a importância desse recurso em meio ao iso-
mento proporciona uma sensação de calma, pro- lamento social e de suma adaptação para estudo
piciada pelo exercício da leitura que é capaz de e trabalho além de manter o seu corpo e sua men-
desviar o foco de atenção para outros aspectos te ativos principalmente nas relações de contato
além da realidade preocupante com o contexto da com familiares e amigos em momentos de confi-
206 13
namento. Existe hoje grandes possibilidades de suas possibilidades, além do desenvolvimento

Charlline Vládia Silva de Melo - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


O LÚDICO CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
aplicativos e plataformas para todos os tipos de da imaginação... É uma atividade única e singu-
aparelho que se disponha, como meio informati- lar, mas que depende, sobretudo do tempo e das
vo abaixo sugerimos alguns aplicativos para pro- relações, isto é, supõe brincantes de brincantes.
fessores em sua prática docente mais que pode Por essa razão, trata-se de um processo comuni-
servir de base para o conhecimento e aplicação cacional que deve envolver pelo menos duas pes-
em outras realidades. Silva (2017, p. 42 considera soas, permitindo a criação de vínculos.
que “ensinar, agora, para além do conteúdo, é es-
tar conectado, a esta nova realidade. Surge, en-
tão, uma nova cultura, que ocupa nosso lar, nosso
trabalho, a vida das pessoas”.

Figura 9 – Brincando de ser TV.


Fonte: Acervo Autor(a) (2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Figura 8 – Sugestões de APPS e Plataformas para professores.
Fonte: https://partilhagenial.blogspot.com.(adptada) Estamos esperando ansiosos para voltar à ro-
tina, ao ambiente escolar, trabalho e de laser por
O Brincar na Pandemia inteiro, porém as pesquisas cientificas apontam
pelas mídias socias que ainda não é animador
O brincar resiste a tudo inclusive o confina- esse retorno, porém estamos caminhando cien-
mento causado pela pandemia da COVID-19, por tificamente para vencer essas barreiras ocasio-
tanto o ato de brincar e um direito de todos e não nadas pela presença e letalidade do vírus Sar-
deve ser excluido em função dessa necessidade s-CoV-2 causador da pandemia da Covid-19 no
sanitária. Para Carneiro (2002) o brincar é difí- mundo, precisamos retomar nossas atividades de
cil defini-lo, mas fácil identificá-lo, pois só quem modo seguro, embora alguns países já tenham
brinca sabe que o está fazendo. É um momento retomando gradualmente suas atividades, ainda
ímpar que envolve descoberta, liberdade, intera- não podemos descuidar dos protocolos de bios-
ção, conhecimento de seus próprios limites e de segurança principalmente no Brasil onde ainda
207 13
temos que lhe dar com muita desiguale social. BRASIL. DIRETRIZES PARA DIAGNÓSTICO E TRA-

Charlline Vládia Silva de Melo - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


O LÚDICO CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Porém devemos potencializar o uso com respon- TAMENTO DA COVID-19. Ministério da Saúde, Se-
sabilidade os protocolos de biossegurança em cretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos
Estratégicos em Saúde – SCTIE, 2020.
relação a esse agente patogênico, para que não
seja necessário retornar ao estágio inicial de con- BBC Brasil. Construção de hospital na China em 10
finamento total e fechamento de todas as ativida- dias. Disponível em: <https://www.bbc.com/portugue-
des como ocorreu em meados de março de 2020. se/internacional-51354870.>. Acesso em: 18 de apr
Todavia a principal caraterística desse momento 2021.
atual e que ele e muito mais remoto e tecnológico
CARVALHO, Lafaiete da Silva et al. A Leitura na so-
é isso vai permanecer nos pós pandemia ganhan-
ciedade do conhecimento. Revista ACB: Biblioteco-
do protagonismo na sociedade e ganhando des-
nomia em Santa Catarina, Florianópolis, v. 11, n. 1,
taque nas mais diversas áreas do conhecimento. p. 19-27, jan./jul. 2006. Disponível em: < http://revis-
Portanto, mesmo nesse momento de adaptações ta.acbsc.org.br/index.php/racb/article/view/459/576>.
e confinamento e preciso sim, criar estratégias de Acesso em: 8 mar. 2021.
sobrevivências das mais variadas possíveis para
deixar o ambiente do lar harmonioso para ade- CARNEIRO, M.A.B.. O espaço e o tempo de brincar,
quação das atividades coletivas que temos que um tesouro a ser preservado. Abceducatio, São Pau-
lo, v. 2, n.18, p. 10-15, 2002.
desenvolver em momentos de isolamento social,
mas precisamos ajudar e principalmente acredi- CLUBE DO TABULEIRO DE CAMPINAS.: jogos de ta-
tar na ciência para que no mundo pós pandemia buleiro. Blogspot. Campinas, 11 mar.2011. Disponível
estarmos preparados para as novas demandas e em: https://clubedotabuleirocampinas.blogspot.com/.
rotinas em sociedade, mas nunca esquecendo Acesso em: 07 apr. 2021.
da essência do contato entre pessoas, o quanto
CDC/EUA. Interim U.S. guidance for risk assessment
e necessário e importante para as relações do
and public heath management of healthcare personnel
cotidiano e para a formação do indivíduo como
with potential exposure in a healthcare setting to pa-
ser social. tients with Coronavirus Disease (COVID-19). Centers
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WHO. COVID-19 Weekly Epidemiological Update.


World Health Organization, 2021.
211

PARA COMEÇO DE CONVERSA...

Ao perguntarmos, para qualquer pessoa que es-


teja envolvida com o processo educacional relativo
à criança pequena, se o brincar e a ação corporal
infantil são importantes ao seu desenvolvimento,
acreditamos que a resposta, com frequência, será
afirmativa. No entanto, mesmo que tais atividades
sejam consideradas relevantes, a importância que
lhes é atribuída se manifesta mais em discurso, do
que no cotidiano educativo das instituições de edu-
cação infantil (MARTINS, 2009).
Todavia, se o objetivo maior da escola deve-
ria ser a promoção das melhores qualidades hu-
manas infantis, se o brincar e a ação corporal
são fundamentais ao desenvolvimento da crian-
ça, a escola deveria lhes dar papel de destaque
CAPÍTULO 14 (MELLO, 2007).
Ao observarmos o cotidiano das instituições
de Educação Infantil, podemos verificar que as

VAMOS BRINCAR DE FAZ DE condições dadas às crianças, em diferentes con-


textos, nem sempre são favorecedoras para as

CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE suas atividades, em especial, àquelas que são re-
lativas ao brincar e à ação corporal infantil. Mes-
O JOGO E A AÇÃO CORPORAL mo que este ciclo de ensino seja mais promissor

DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA para o encaminhamento de brincadeiras do que o


Ensino Fundamental, ainda assim, elas não são

INFÂNCIA contempladas em todo o seu potencial educativo,


pois não garantimos as condições necessárias
para o desenvolvimento dessas práticas infan-
Ida Carneiro Martins tis (MAKIDA-DIONÍSIO; MARTINS; GIMENEZ,
2016; SANTOS; MARTINS, GIMENEZ, 2019).
212 14
Os impeditivos para o brincar e para a ação um controle exagerado da ação corporal infantil,

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
corporal infantil podem ser observados em dife- é o medo que a criança se machuque, pois se
rentes contextos e decorrentes de diversas con- isto acontecer será preciso comunicar aos pais ou
dições, tais como: a falta de condições físicas, responsáveis, haverá o julgamento de seus pares
já que as escolas da infância, nem sempre, são e, até alguma advertência por parte de gestores
projetadas arquitetonicamente para que a crian- (MARTINS, 2009; SILVA, 2019).
ça possa se movimentar livremente; a falta de Tais questões acabam por determinar os (não)
condições materiais, pois nem sempre existem lugares do brincar e da ação corporal na educa-
brinquedos disponíveis; o pouco tempo destinado ção da infância. Considerando que estas são de
para o brincar, porque na rotina do cotidiano esco- fundamental relevância para a Educação Infantil
lar as crianças passam muito tempo sentadas, em é que desenvolveremos o presente trabalho, bus-
filas ou em tarefas que, nem sempre, atendem a cando trazer argumentos que fortaleçam a sua
necessidade que elas possuem de se movimentar presença nas práticas educativas deste ciclo de
e brincar (FREIRE, 1992; MARTINS, 2009; SAN- ensino e, ainda, reforçando a relação necessária
TOS; MARTINS, GIMENEZ, 2019). entre eles e a mútua influência para o desenvolvi-
Ainda mais, em decorrência da preocupação mento da criança (MARTINS, 2017).
com a preparação para o Ensino Fundamental e Pensamos que tal discussão é importante,
com a antecipação de alguns conteúdos escola- pois a influência mútua de tais práticas infantis
res, as brincadeiras são utilizadas, muitas vezes, determina uma experiência cultural mais ampla,
de modo puramente utilitário, ou seja, se “defor- que traz ao jogo um conteúdo mais alargado. Do
ma” a brincadeira comprometendo a sua função mesmo modo, o jogo de faz de conta traz o motivo
lúdica. Também, se estabelece o “silenciamento” para a realização da ação corporal infantil, o que
corporal, quando se considera que a criança só sofistica a execução dos movimentos, dando-lhes
aprende se estiver sentada e quieta. Todas es- melhor qualidade e, por sua vez, a possibilidade
tas questões são decorrentes da constituição das de realizar movimentos mais complexos favorece
concepções dos diferentes sujeitos envolvidos na a melhoria da base sensório-motora que propicia-
educação da criança, que acabam por impedir o rá maiores recursos para a função de represen-
seu melhor desenvolvimento (KISHIMOTO, 1994; tação presente no jogo (ZAPOROZHETS, 1987).
MARTINS, 2009; SILVA, 2019; ZANATO; GIME- Considerar tal questão, de modo efetivo, nas
NEZ, 2017). práticas educativas cotidianas da Educação In-
Outra questão que, também, impede que os fantil requer especial atenção à formação de pro-
professores favoreçam brincar, estabelecendo fessores de educação física, pedagogos e outros
213 14
profissionais que trabalham nestas instituições, vo e as turmas de 3 e 4 anos de idade ingressavam

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
pois para que a proposta se concretize é neces- pela primeira vez na escola. Em decorrência disso
sário que se compreenda a relevância da inter-re- era necessária a adaptação das crianças ao proces-
lação entre o jogo e ação corporal da criança e so escolar, inicialmente com a professora da turma
sua real contribuição ao desenvolvimento infantil. e, depois, com os professores especialistas, dentre
eles os de Educação Física. Todavia, essa não era
VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? uma demanda fácil, pois depois de adaptadas à pro-
fessora e à sala de aula, as crianças tinham que en-
É muito frequente ouvirmos nas instituições de frentar novos professores e espaços diferenciados,
Educação Infantil que o brincar é natural na infân- o que acarretava muito choro. Não nos parecia que
cia. Não concordamos com tal afirmação, já que esse seria o começo adequado para as crianças na
o brincar é uma prática social que se apoia nos escola. Assim, levamos nosso desconforto para a
modos de agir cultural e, portanto, requer condi- reunião com a coordenadora e, depois de alguma
ções para que ele alcance todo o seu potencial conversa, fomos desfiadas a promover algo diferen-
educativo. (ALMEIDA, 2017). ciado e mais positivo para as crianças.
É preciso, pois, compreender que a “base do Então surgiu a ideia de se trabalhar com perso-
jogo é social devido precisamente a que também nagens que fizessem a ligação entre as crianças,
o são sua natureza e sua origem, ou seja, a que o os professores e o novo espaço, convidando-as
jogo nasce das condições de vida da criança em para adentrar ao jogo, esse tempo e espaço de-
sociedade”. (ELKONIN, 1998, p. 36-37) terminado de suspensão em relação à vida coti-
Essa compreensão, nasceu da inter-relação en- diana. (CAILLOIS, 1990).
tre a teoria estudada e as nossas práticas educati- Daí é que criamos a estratégia de utilizarmos
vas vivenciadas enquanto professora de Educação do personagem da Fada para convidar as crian-
Física na Educação Infantil e surgiu da real neces- ças para visitar a casa do Mago (pequena sala de
sidade de encaminhamento de nossas aulas. materiais ao lado da quadra). E assim se deu...
entramos na sala de aula vestida como Fada e,
Como tudo começou... imediatamente as crianças se votaram para nós,
sendo que as estavam chorando naquele mo-
A nossa compreensão inicial sobre a relevância mento, também, pararam. A Fada aproveitou o
da utilização do jogo de faz de conta enquanto es- momento e logo falou: - Meu amigo Mago tem
tratégia para as aulas de Educação Infantil se deu uma casa muito legal, com muitos brinquedos! Al-
de modo inusitado. Estávamos no início do ano leti- guém quer ir na casa dele comigo?
214 14
sa aqui da minha cabeça. Novamente a Fada, fa-

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
lou: - Eu sou feita dessa coisa! Finalizada a aula,
sentou-se numa escada, ainda saboreando o que
havia acontecido, um tanto emocionada.
Podemos perceber que, no processo vivido,
aceitar o convite da Fada fez com que as crianças
aderissem ao jogo e adentrassem neste espaço
imaginário. Seguir o enredo foi o motivo para a
ação infantil, o que permitiu que pudessem par-
ticipar do processo sem chorar e se engajassem
na aula de modo prazeroso. O diálogo ocorrido
entre a Fada e a criança no final da aula mere-
Figura 1 – Alguém quer ir na casa dele comigo? ce destaque, pois na transição entre o espaço do
jogo e a saída dele, a criança busca compreender
Prontamente, elas foram se levantando e se
a constituição da personagem, dando indícios de
colocaram próximas à personagem. No percurso,
ser um possível fruto de sua imaginação. (CAIL-
a cada brinquedo do parque, a Fada transformava
LOIS, 1990; VIGOTSKI, 2021).
as crianças em diferentes animais que as crian-
Outra aula que nos marcou foi a da do Peter
ças passavam a representar. Quase ao final do
Pan e do Capitão Gancho, nela pudemos per-
percurso encontraram o Mago que as convidou
ceber com clareza como o jogo de faz de conta
para brincar com alguns objetos de sua casa. A
contribuiu à qualidade da ação motora realizada
professora não acreditava no que estava aconte-
pela criança e, dialeticamente, como a qualidade
cendo, as crianças brincaram todo o tempo, sem
da ação motora contribuiu para ao processo de
nenhuma situação de choro sequer.
representação infantil.
Mas o melhor estava por vir! Depois de deixa-
Esta aula teve enquanto objetivo deslocar-se
rem a casa do Mago, junto à professora, as crian-
em equilíbrio em superfície elevada (trave do
ças retornaram à sala de aula. Em determinado
Banco Sueco invertido). Em situações anteriores
momento, uma delas lhe deu a mão e, acarician-
à essa aula pedimos às crianças que realizassem
do seu antebraço, lhe disse: - Do que você é fei-
a mesma tarefa, todavia, a partir da proposta: -
ta? A Fada respondeu: - Do que você acha que
Quero ver quem é capaz de atravessar a trave,
eu sou feita? A criança falou, depois de parar para
caminhando para frente e depois para trás. Re-
pensar um pouco: - Não sei, acho que é uma coi-
sultante dela encontramos a franca maioria das
215 14
crianças se deslocando para frente com passos

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
pequenos e vagarosos, braços abertos e exi-
bindo certa tensão (claro, pois pelo modo como
foi feita a proposta, quem caísse seria incapaz),
quando se deslocaram para trás o fizeram arras-
tando os pés, sem dar passos. Em suma, uma
qualidade de ação corporal inferior ao que elas
tinham enquanto potencial. Além do mais, não
enxergávamos a razão, o motivo para as crian-
ças cumprirem a proposição. Não nos parecia ter
sentido uma tarefa com o encaminhamento deste
tipo para crianças desta faixa etária. A partir das
análises sobre este tipo de aula é que realizamos Figura 2 – Eu pego você Peter Pan!

a mudança para outras que tivessem como base


As crianças se dirigem para a quadra e lá se de-
o jogo de faz de conta. A aula da luta entre o Pe-
param com Peter Pan e o Capitão Gancho lutando
ter Pan e o Capitão Gancho, assim como outras,
sobre a trave do Banco Sueco invertido. Capitão
surge neste contexto.
Gancho vira-se para elas e diz: - Ah seu bando de
Ela começa com as crianças assistindo o filme
Peter Pan, vieram lutar contra mim, não é? Então,
em sala de aula1, com o intuito de mobilizar o ima-
peguem suas espadas (que foram fabricadas num
ginário infantil, convidando-as para participar do
momento anterior) e venham para o mastro. Elas
jogo. A professora da sala para o filme no momen-
rapidamente o obedecem e se colocam em fila, es-
to em que os dois estão lutando sobre o mastro
perando a sua vez de lutar. (MARTINS, 2002).
do Navio Pirata e diz: - Nossa, nem percebi! Já
O que se observa agora, de modo diferente da
está na hora da aula de Educação Física! Vamos,
situação anterior, é que as crianças se deslocam
depois continuamos o filme!
para frente com maior velocidade, com um bra-
ço empunhando a espada, revelando o desejo de
vencer o Capitão. O deslocamento para trás nos
pareceu mais surpreendente ainda, pois as crian-
ças o faziam em pequenos saltitos em passo-u-
1 PETER Pan. Direção de Hamilton Luske, Clyde Geronimi, Wil- ne-passo, demonstrando uma grande capacidade
fred Jackson. Produção de Joe Roth e Jim Whitaker. Roteiro:
Winston Hibler, Bill Peet. Glendale - Ca: Walt Disney Animation
de estabilização.
Studios, 1953. (77 min.), VHS, son., color. Legendado.
216 14
Passado algum tempo o Capitão disse mitir a sua satisfação ou desconforto para o adul-

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
para as crianças: - Vocês estão lutando muito mal! to se dá por meio da atividade de comunicação
Precisam treinar mais. Escolham um parceiro e emocional direta, inicialmente feita pelo choro e,
um lugar que vocês precisem se equilibrar. Assim, posteriormente, por expressões tais como o sorri-
as crianças escolheram diferentes lugares: beira so, possibilidades de manifestação que se cons-
da calçada, pequenas muretas, raízes de serin- tituem a partir de relações afetivas, geradoras de
gueiras e passaram a lutar com seu companheiro. empatia (CHEROGLU; MAGALHÃES, 2016).
À medida que ganhavam desenvoltura na ação Ao nascer, o bebê apresenta um aparato sen-
corporal, elas passavam a utilizar expressões si- sorial que lhe permite começar a perceber a si
milares àquelas próprias aos personagens, o que mesma, ao outro e ao mundo que a cerca. Ini-
nos dava o indício que elas estavam realmente cialmente, sua ação corporal acontece de modo
entregues ao jogo, o que potencializava a sua ca- integral, como todo o seu corpo, sem diferencia-
pacidade de representação. ção entre a sensação e a percepção. Todavia, na
medida em que a criança passa a tocar-se e a
Brincar e ação corporal infantil, caminho manipular pequenos objetos que são oferecidos
para o desenvolvimento humano pelos adultos, tais processos vão se diferenciado
e constituindo a base sensório-motora, que lhe
A inter-relação entre o brincar e a ação cor- possibilita uma ação corporal com maior controle
poral infantil se estabelece desde muito cedo na e qualidade. (ELKONIN, 2012).
vida da criança e vai se modificando de acordo Nesta fase de vida da criança há um grande
com o período de desenvolvimento em que ela se esforço para a estabilização corporal, assim a
encontra, em especial, considerando a atividade interação com o adulto é fundamental para que
dominante, a atividade-guia, pela qual ela estabe- esse processo aconteça, pois é ele que vai or-
lece suas relações com o mundo. A atividade do- ganizar os espaços e ações para com o bebê e
minante, como o próprio nome diz, é a atividade por sua mediação é que se dá o estímulo para a
que se encontra mais presente nas relações que ação corporal infantil. Em tal contexto a atividade
a criança estabelece com o meio social, todavia lúdica toma grande relevância, todavia, a criança
não é a única. (TULESKI; EDIT, 2016). é, inicialmente, “brinquedo” para o adulto, só mais
No início da vida o bebê se encontra num es- à frente no tempo é que ela passa a ser parceira.
tado de grande contradição, entre a necessidade (BROUGÈRE, 2013).
que ela tem de se comunicar com os outros e a
falta de recursos que possui para tal. Assim, trans-
217 14
manipulativos voluntários, já com maior precisão

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
(ELKONIN, 2012).

Figura 3 – Brincando com a criança

Brincar com o bebê permite educar os senti-


dos, pois tocá-lo, falar com ele, cantar para ele, Figura 4 – Brincando com objetos

proporciona o seu desenvolvimento. Não é à toa


É o adulto que apresenta para a criança os
que em nossa cultura, cantar para o bebê e movi-
brinquedos, os objetos e os modos de brincar e
mentá-lo é algo tão presente. Ao brincarmos com
se relacionar com eles, pois a criança não apren-
o bebê, por exemplo, de “Serra, serra, serrador;
de tais ações sozinha, é o adulto que ensina a
quantas tábuas já serrou; eu serrei vinte e qua-
brincar e confere sentido aos seus gestos e movi-
tro; um, dois, três, quatro...” e, ao mesmo tempo,
mentos. (CRUZ, 2015)
embalarmos a criança para frente e para trás e,
A manipulação dos objetos permite o ajusta-
como é próprio da brincadeira, abraçarmos ela ao
mento postural da criança aos tamanhos, pe-
final, estimularemos os sentidos auditivos, visu-
sos, texturas, proporcionando a coordenação vi-
ais, táteis e contribuiremos para a constituição e
so-motora, ou seja, o desenvolvimento de suas
o desenvolvimento de sua sensório-motricidade.
habilidades manipulativas. Ainda, conquistada a
Com o crescimento do bebê, o que era comu-
estabilização, as habilidades de locomoção aca-
nicação emocional direta vai dando lugar à uma
bam por ser determinantes para a ampliação do
colaboração prática entre o adulto e a criança, o
universo lúdico infantil. No entanto, o jogo de faz
que permite a passagem para um novo período
de conta só se origina verdadeiramente, quando
de desenvolvimento, o da atividade objetal ma-
as coordenações sensório-motoras da ação cor-
nipulatória, onde se identificam os movimentos
218 14
poral relativa ao que se vai representar estão con- jogos e brincadeiras, porque, tendo se desenvol-

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
solidadas, pois a criança só pode fazer de conta vido um pouco mais, a criança ainda mantém a
que está nanando a boneca, se ela conseguir se- características do período anterior, ou seja, quer
gurá-la de forma que a possa nanar. Do mesmo ser atendida em suas necessidades, o que nem
modo, vai melhor representar que está galopando sempre é possível e para resolver tal tensão, ela
um cavalo se tiver desenvolvido a habilidade de brinca de faz de conta. Essa é a forma possível
deslocar-se saltitando. (ELKONIN, 2009). de satisfazer suas necessidades, representando
Percebemos, então, que a constituição de uma nas situações imaginárias as suas experiências
boa base sensório-motora é fundamental ao pro- sociais. (VIGOTSKI, 2021).
cesso de representação no jogo de faz de con- Em geral, o jogo de faz de conta se inicia com
ta e, do mesmo modo, cumprir o enredo do jogo pequenas ações domésticas, numa ação lúdica
traz o motivo, a razão de ser, para a realização do sintética, com o tempo o enredo vai se amplian-
movimento e isto possibilita que a ação corporal do e a criança passa a protagonizar os papéis
infantil apresente uma melhor qualidade de exe- sociais, como diz Elkonin (2009, p.259) “Há co-
cução, ou seja, o jogo e a ação corporal infantil lher; dar de comer com a colher; dar de comer
exercem mútua influência positiva. com a colher à boneca; dar de comer à boneca
como a mamãe”. Assim, gradativamente, no jogo
de faz de conta as crianças vão incorporando os
papéis e as normativas sociais, o que colabora
efetivamente ao seu desenvolvimento. (SILVA et
al, 2018).
Se no início objeto é que determina a ação,
paulatinamente ele vai perdendo a sua força e o
que passa a definir a atuação infantil é o campo
das ideias, acontecendo inclusive a substituição
de um objeto por outro, todavia esta troca não é
livre, tem que comportar a ação corporal que está
sendo representada pela criança.
Figura 5 – Brincando de faz de conta Na medida em que o enredo vai se ampliando,
as crianças passam a compreender as normati-
Esta é uma das condições da transição para vas sociais, entendendo as “regras do jogo”. Des-
o período no qual a atividade dominante são os ta forma o jogo evolui de uma situação na qual a
219 14
representação é explícita e as regras são implíci- venha com delicadeza no processo e reconheça

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
tas – no jogo de faz de conta –, para uma situa- a sua plasticidade, de modo a não prejudicar o
ção em que as regras são explícitas – no jogo de seu encaminhamento, potencializando o desen-
regras –, jogos típicos do próximo período de de- volvimento da criança por meio da inter-relação
senvolvimento, o período no qual a atividade do- do jogo com a ação corporal da criança. (CRUZ,
minante é o estudo, fase própria dos anos iniciais 2005; SILVA et al, 2018).
do Ensino Fundamental. (ELKONIN, 2009; 2012). Neste sentido brincar e a ação corporal infantil
No período em que a atividade dominante é devem ser considerados na educação das crian-
o estudo e o estímulo para que o se estabeleça ças, em especial nas aulas de Educação Física
o desejo da criança em aprender a ler e a escre- na Educação Infantil, pois não fossem todos os
ver é a preocupação da comunidade na qual a ganhos que se pode promover ao desenvolvimen-
criança está inserida, começa uma transição do to infantil, ainda mais, a atmosfera lúdica.
jogo de faz de conta para o jogo de regras, sendo
que neles estão incluídos os tradicionais infantis, CONSIDERAÇÕES FINAIS
os competitivos, os cooperativos, dentre outros.
Neles as regras é que determinam o objetivo a Compreender o brincar, suas teorias, suas
ser alcançado e, assim, fazer o ponto, acertar o categorias e características e, também, a diver-
gol, conquistar a cesta, demonstram a melhor ha- sidade de jogos e brincadeiras, é fundamental ao
bilidade passa a ser motivo para a ação corporal desenvolvimento de práticas educativas que se-
infantil. Todavia, nesta fase de vida, em especial jam promotoras do melhor desenvolvimento das
na escola, tais jogos podem servir para restringir qualidades humanas das crianças. Reconhecer a
a ação corporal infantil, justamente se a criança plasticidade do processo e a necessidade de se
não possuir habilidade, daí que é fundamental a atuar com delicadeza em sua mediação, para que
constituição de um bom repertório motor e do cui- não se interrompa o jogo ou o deforme com vistas
dado do professor no encaminhamento das práti- ao alcance dos objetivos educacionais, precisa
cas educativas. ser observado. (MELLO, 2007; CRUZ, 2015).
Nesse contexto, a intervenção do professor Tais questões tornam-se mais urgentes na me-
durantes as práticas educativas, nos diferentes dida em que as transformações sociais têm promo-
períodos de desenvolvimento, requer especial vido o encurtamento da infância e modificado os
atenção, pois é importante que ela consiga esta- significados que são dados ao brincar na socieda-
belecer o diálogo entre a teoria e sua ação pe- de contemporânea, furtando das crianças algo que
dagógica, em especial é relevante que ele inter- lhe deveria ser dado por direito, em especial no
220 14
espaço escolar, já que brincar tem grande poten- REFERÊNCIAS

Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
cial educativo e permite a ampliação do repertório
lúdico e cultural infantil. (ALMEIDA, 2017) ALMEIDA, Marcos Teodorico Pinheiro de. O brincar, a
criança e o espaço escolar. In.: SCHLINDWEIN, Lu-
Sabemos que em nossa sociedade, mais espe- ciane Maria; LATERMAN, Ilana; PETERS, Leila (Or-
cificamente, sobre a condição do brincar dentro
ganizadoras). A criança e o brincar nos tempos e
da escola, entendendo o brincar no seu sentido
espaços da escola. Florianópolis: NUP, 2017. 236 p.
amplo, como uma ação/manifestação/necessi-
dade humana e um direito social da criança. É
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. 8. ed. São
necessário rever o papel social, cultural e políti-
Paulo, Editora Cortez, 2013. 110 p.
co da escola na nossa sociedade e reconstruí-la
como um espaço privilegiado da infância e da
CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara
cultura lúdica. (ALMEIDA, 2017, p.52)
e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990. 228 p.
Ainda, há de se considerar a inter-relação en-
CHEROGLU, Simone, MAGALHÃES, Giselle Modé.
tre o brincar e ação corporal infantil no processo
In: MARTINS, Lígia Márcia, ABRANTES, Angelo Anto-
educativo de crianças, já que eles se influenciam nio; FACCI, Marilda Gomes Dias (Org.) Periodização
mutuamente e podem potencializar a capacidade Histórico-Cultural do Desenvolvimento Psíquico:
de representação infantil, assim como, propiciar o do nascimento à velhice. Campinas, SP: Autores As-
alcance de uma melhor qualidade de movimento e sociados, 2016. 368 p.
a ampliação do repertório motor da criança, ainda
mais em tempos em que estas passam mais tempo CRUZ, Maria Nazaré da. O brincar na educação infan-
til e o desenvolvimento da criança. In: SILVA, Danie-
do que o indicado em frente à diferentes tipos de
la Nunes Henrique da; ABREU, Fabrício Santos Dias
telas, muitas vezes sentadas e de modo passivo.
de. Vamos brincar de quê? cuidado e educação no
Ainda, o trabalho com brincar e a ação cor- desenvolvimento infantil. São Paulo: Summus, 2015.
poral são campos de atuação, tanto de pedago- Cap. 3. p. 67-90.
gos, como de professores de Educação Física
e, assim, é preciso que consideremos em sua ELKONIN, Danni. Psicologia do jogo. São Paulo:
formação, na constituição da matriz curricular Martins Fontes, 2009.
dos cursos, componentes que discutam as teo-
ELKONIN, Danni. Enfrentando o problema dos está-
rias relativas aos jogos e à ação corporal infantil, gios no desenvolvimento mental das crianças. Educ.
os fundamentos para a estruturação de práticas rev., Curitiba, n. 43, p. 149-172, mar. 2012. Disponível
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Ida Carneiro Martins


VAMOS BRINCAR DE FAZ DE CONTA? AS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A AÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
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222 14
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Ida Carneiro Martins


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In: MARTINS, Lígia Márcia, ABRANTES, Angelo Anto-
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Psicologia Evolutiva y Pedagógica en la URSS (An-
tologia). Moscou: Editorial Progresso, 1987. p. 104-124.
223

INTRODUÇÃO

No xadrez existe uma infraestrutura que não va-


ria (a lei, a trama, a norma) e uma estrutura va-
riável que é o resultado das combinações sobre
o tabuleiro.
Fernando Arrabal

O xadrez é considerado um dos jogos mais


estratégicos produzidos historicamente e jogado
até hoje. O seu valor estratégico propicia inúme-
ras possibilidades de se desenvolver um trabalho
pedagógico escolar. A nossa experiência com o
ensino de xadrez nas escolas tem nos proporcio-
nado defender a concepção de que um jogo por si
só não é pedagógico.
Por essa razão, faz-se basilar construir uma

CAPÍTULO 15
proposta pedagógica que considere o xadrez
uma importante manifestação histórico-cultural,
cujo valor educativo, para crianças e jovens-estu-
dantes, concerne à valorização da expressividade

O XADREZ PEDAGÓGICO: (lúdico), da leitura de mundo, da afetividade e da


autonomia; ao reconhecimento de sua historicida-
PROPOSIÇÕES de no bojo da sociedade; ao desenvolvimento das

EPISTEMOLÓGICAS E interfaces entre as funções psíquicas (unidade in-


telectual-afetiva); à produção de conhecimentos e

METODOLÓGICAS possibilidades de emancipação.


À luz dos fatos expostos, nosso objetivo, no
presente texto, é esboçar uma vertente didáti-
Rogério de Melo Grillo co-metodológica para se trabalhar com o xadrez
Regina Célia Grando no contexto escolar, seja como componente cur-
ricular ou conteúdo. Para tanto, dividimos este
capítulo em subseções que tratam, primeiramen-
224 15
te, da nossa concepção teórica atinente ao jogo ação fictícia em si tem regras de comportamento,

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
e ao jogar, ao lúdico, ao jogo pedagógico e ao ainda que seja um jogo de faz de conta e/ou pro-
ambiente de jogo. Na sequência, analisamos esta tagonizado (igualmente entendido como brinca-
estruturação teórica e sua essencialidade ao en- deira de faz de conta) e não requeira um conjunto
tendimento no que tange ao Xadrez Pedagógico. apriorístico de regras formuladas por convenção.
O fato de uma criança assumir um papel (e.g.,
Nossa construção teórica sobre o jogo1 imitar uma personagem de desenho animado ou
uma situação cotidiana vivenciada no âmbito fa-
Der Mensch spielt, wo er das Dasein feiert. miliar ou escolar) já se pressupõe a existência de
Eugen Fink regras latentes na ação, ou seja, não são regras
formuladas e combinadas antecipadamente, mas
sim regras decorrentes da própria situação fictí-
Na presente seção, não temos o escopo de
cia (condutas, formas de agir etc.). Ademais, vale
esgotar o termo jogo, discutindo vários preceitos
aludir que essas regras latentes podem transmu-
teóricos, visando estruturar essa manifestação
tar-se no decorrer do jogo. Vigotski (2009, 2021)
histórico-cultural, ou ainda, deslindar variados
reforça que é impossível conjecturar que uma
conceitos atinentes ao jogar em diferentes esfe-
criança possa se comportar em uma situação fic-
ras de conhecimento (Filosofia, Sociologia, Pe-
tícia sem regras.
dagogia ou outras). Pelo contrário, analisaremos
Por este motivo, inferimos, em consonância
algumas características do jogo e do jogar com o
com Vigotski (2021), Grando (1995), Grillo (2018),
fito de contribuir com a nossa construção teórica
Fink (2016a, 2016b) e Elkonin (2003), que o jogo
correspondente ao Xadrez Pedagógico.
não é inato, nem mesmo totalmente turbulento
Entendemos, tal qual Vigotski (2021), que todo
e desordenado (uma atividade sem regras). Em
jogo, seja de faz de conta, protagonizado e/ou de
contraposição, é aprendido e estruturado cultural-
regras/estratégia, possui duas características ba-
mente com base na unidade inseparável “imagi-
silares: situação fictícia2 e regras. No jogo, a situ-
nação-regra” (ou fantasia-regra). Sob esse ponto
de vista, o jogo não é uma manifestação instinti-
1 Trataremos, mormente, dos jogos de regras, porquanto o xadrez
se enquadra nessa categoria de jogo. va, em razão de que a “imaginação-regra” é uma
2 Arthur Petrovsky (2017), considerado como um dos mais céle- construção sociocultural e compõe a condição sui
bres seguidores de Vigotski, sustenta que a situação imaginada
(ou fictícia) é um elemento indispensável tanto ao jogo de faz generis para o nascimento do jogo.
de conta quanto ao jogo de regras explícitas (como o xadrez,
queimada etc.). Esse autor entende que o jogo é uma espécie Atinente ao jogo de regras, as crianças tendem
de atividade criadora, por essa razão, afirma que sem a situação a estabelecer tais regras previamente por con-
imaginada (ou fictícia) é impossível jogar.
225 15
venção, como também, por via do envolvimento ação, os jogadores se põem em movimento, ma-

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
em jogos propostos por outras crianças ou adul- nuseiam o material de jogo, e, por fim, o espaço é
tos, cujas regras são apresentadas antes do in- transformado e o tempo vivenciado.
tercorrer do jogo. Apesar disso, em alguns tipos Em conformidade com a nossa ideia de jogo
de jogos, as regras podem ser alteradas no trans- como uma heterotopia, Derrida (1967) e Elko-
cursar do jogo, desde que seja pela vontade do nin (2003) pontuam que o jogo é uma forma de
grupo de jogadores. Nesse tipo de jogo, a regra “disrupção” da presença, porquanto existe uma
é manifesta e a situação fictícia torna-se então espécie de descentramento do tempo e espaço
latente. Nessa conjuntura, podemos mencionar o comuns durante o jogar. Isto significa que o jogo
jogo de xadrez, que possui a situação fictícia re- é, concomitantemente, ausência e presença. Na
presentada pela ação de abstração, isto é, condiz ausência de certos elementos (objetos), a imagi-
ao processo de imaginação e criação. nação (uso de signos) é utilizada pelos indivíduos
Para além das características expostas, obser- presentes (jogadores). Nesses moldes, Derrida
vamos que o jogo é uma manifestação histórico- (1967) reforça que o jogo é um tipo de espaço
-cultural, heterotópica e dialética. Heterotópica3, reconstruído momentâneo e em movimento, em
pelo fato de o jogo ser um “fora do espaço dentro que se efetuam inúmeras significações (circula-
do espaço” e um “fora do tempo dentro do tempo”. ção e significação de signos) a todo o instante.
Com isso, o espaço-tempo do jogo é uma constru- À guisa de entendimento, indicamos a seguin-
ção a partir do espaço já existente (real). O jogo te passagem do livro “Gambito da Rainha”, de
é, nesse viés, uma criação a partir da relação do Walter Tevis:
sujeito com o mundo, com o outro e consigo.
Não abriu os olhos para ver o tempo que restava
Em função desta peculiaridade, o espaço-tem- no relógio nem para ver Borgov do outro lado do
po do jogo decorre numa fronteira invisível e sem- tabuleiro ou a multidão enorme que tinha vindo a
pre deslocada, entre o real e a fantasia, entre o esse auditório assisti-la jogar. Deixou tudo isso
espaço de “dentro” e o de “fora”, entre a subje- fora da mente e se permitiu ver apenas o tabu-
leiro de sua imaginação com esse impasse com-
tividade corporal (atitude lúdica) e a consciência
plicado. Na verdade não importava quem estava
de jogo (situação objetiva). Por exemplo, no jogo jogando com as pretas nem se o tabuleiro ma-
há um movimento de ir e vir dos jogadores face terial estava em Moscou, em Nova York ou no
às situações de jogo. Assim, emerge a complexi- porão de um orfanato; essa imagem essencial
dade no jogo. Em outros termos, por intermédio era um domínio só seu (TEVIS, 2021, p. 297).
do jogar, as regras do xadrez são colocadas em

3 Cf. Grillo (2018).


226 15
Por esse prisma, consideramos que essa dis- produz conhecimentos, expõe emoções, interage,

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
rupção da presença é o Estado Lúdico. Isto sig- arrisca-se, de resto, vivencia o lúdico como uma
nifica que acontece uma espécie de intervalo em forma privilegiada de expressão que, por seu tur-
relação à realidade, pois a imaginação toma a no, possibilita que o jogo aconteça.
realidade momentaneamente, engendrando um Sob essa perspectiva, propugnamos que o
“vaivém lúdico”. Dessarte, a personagem do ex- jogo é um modo de o sujeito agir no mundo, com-
certo supracitado (Elizabeth Harmon), numa dada preender a realidade, emancipar-se por interven-
situação de jogo (partida de xadrez descrita no ção do desenvolvimento psíquico e da produção
excerto), não cria um mundo à parte ou se trans- de conhecimentos, afora ser uma maneira parti-
porta para outra dimensão, porém, transforma o cular dele se relacionar consigo, com os outros
mundo (sua realidade) ao produzir novas possibi- e com o seu contexto sociocultural. Diante disso,
lidades em seu contexto (intervalo como espaço- dissertamos que o jogo é um processo dialético.
-tempo heterotópico), isto é, ela está em Estado Outro aspecto do jogo interligado à unidade “fic-
Lúdico, que é o ato de abstrair-se (situação fictí- ção-regra”, relaciona-se à liberdade. O jogo não é
cia) a partir de uma situação concreta (disposição liberdade desregrada, menos ainda fantasia irres-
das peças do xadrez). trita. Como foi dilucidado, todo jogo tem um con-
No mais, defendemos que o jogo é dialético junto de regras patentes ou latentes. Por isso, todo
porque o ideamos como um processo contraditó- jogo possui imprevisibilidade, imaginação, risco e
rio, no qual coexistem características tidas como liberdade. Sobre a liberdade no jogo, Euvé (2000)
contrárias, nomeadamente, liberdade e restri- exemplifica que esse conceito não quer dizer “fazer
ção, fantasia e realidade, prazer e desprazer, o que quiser”, pelo contrário, é toda ação articula-
riso e seriedade. De modo suplementar, desta- da com a regra. Em consonância, Bataille (1951),
camos que no jogo os opostos, as contradições Henriot (1969), Grillo (2018) e Duflo (1997), no que
e as antíteses passam a ser encarados como lhes concerne, discorrem que a liberdade no jogo é
estreitamente complementares. a inventividade (criatividade) e, de igual maneira, a
Nesse entendimento, sustentamos que o jogar capacidade para se arrebatar a qualquer momento
xadrez é um movimento, uma espécie de dina- (subjetividade no jogo).
mismo que sinaliza uma ação, ou melhor, uma di- Vejamos como exemplificação, uma passa-
nâmica particular e complexa, pelo qual o sujeito gem do livro “Quando eu voltar a ser criança”, de
(jogador) se arrebata (estado lúdico), distancia-se Janusz Korczak:
da realidade sem sair dela, expressa diferentes
formas de comportamento, interpreta situações,
227 15
Agora vou andando sozinho, devagar, e procu- joue a juré4. Nessa concepção, o contrato lúdico

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
ro andar de modo a pisar sempre no meio de estabelece a “legaliberdade”, mediante a atitude
uma pedra do calçamento. Assim como no jogo
de cada pessoa (jogador) em ter a vontade de se
de amarelinha, onde a gente não pode pisar no
risco de giz. A coisa em si seria fácil, mas é pre- submeter às regras do jogo (ou de outro compor-
ciso esquivar-se das pessoas que passam. E tamento lúdico estruturado ou semiestruturado)
nem sempre se consegue mudar de repente o e em querer vivenciar o jogo (lúdico). É precisa-
tamanho do passo sem pisar na linha. Tenho o mente esse processo que desenvolve o mundo
direito de errar dez vezes. Se errar mais, perdi.
do jogo ou o ambiente de jogo (estado lúdico).
Vou contando os erros: dois, três, quatro. Ain-
da tenho direito a seis, agora a cinco. Fico com
Complementa Bonenfant (2015, p. 52), argu-
medo, mas é bom sentir medo quando se está mentando que [...] sans liberté ludique, le joueur ne
brincando (KORCZAK, 1981, p. 45-46). joue plus: il exécute un ensemble d’actions dont le
sens est défini a priori. E continua: le jeu est néces-
Analisando o excerto susodito, existe um mo-
sairement basé sur une liberté accordée au joueur
vimento que concatena regra, liberdade e inven-
d’avoir un rôle dans l’actualisation du jeu (idem, ibi-
tividade. Essa vinculação é concebida por Duflo
dem, p. 54)5. Para finalizar esse pensamento, em
(1997) como “legaliberdade”. Aludido de outro
outro trecho de seu livro, Bonenfant (2015. p. 81)
modo, quer dizer que no jogo a liberdade não
alude que o estado lúdico seria análogo a um [...]
simboliza ausência de regras. Para este autor, no
l’espace de liberté nécessaire pour le joueur afin
jogo a própria regra é a produtora de uma forma
de s’approprier le jeu, le faire sien et devenir alors
de liberdade, ou seja, a regra viabiliza o ato criati-
le créateur de sa propre expérience ludique6.
vo do jogador (e.g. o próprio jogo de xadrez). Des-
Nesse contexto, o jogo de xadrez (ou outro
sarte, a liberdade no jogo não é uma “liberdade
comportamento lúdico estruturado) possui um
total”, longe disso, é a capacidade do jogador em
conjunto de regras, porém, é a pessoa (jogador)
criar, expressar-se (lúdico) e tomar suas decisões
que interpreta tais regras, explorando as suas
em conformidade com certas condições estabele-
cidas pelo jogo, como as regras, o espaço-tempo 4 Tradução: “[...] o que define o jogo, é saber ao que se está vin-
culado, não pelo desafio colocado, mas pela própria vontade.
e os objetivos do jogo. Quem joga, jurou” (ALAIN, 1927 p. 177).
Coadunando com o pressuposto teórico de 5 Tradução: “[...] sem a liberdade lúdica, o jogador não joga mais:
ele executa um conjunto de ações cujo significado é definido a
Duflo (1997) e com o exemplo referenciado, Alain priori” (BONENFANT, 2015, p. 52). E continua: “o jogo é neces-
(1927, p. 177) profere que [...] ce qui définit le jeu, sariamente baseado em uma liberdade concedida ao jogador,
para ele dispor de um papel na atualização do jogo” (BONEN-
c’est à savoir quelque chose à quoi l’on est tenu, FANT, 2015, p. 54).
6 Tradução: “[...] espaço de liberdade necessário para o jogador se
non par l’obstacle, mais par sa propre volonté. Qui apropriar do jogo, fazendo-o seu e depois se tornando o criador
de sua própria experiência lúdica” (BONENFANT, 2015, p. 81).
228 15
lacunas e produzindo estratégias possíveis no Alguns estudos relativos ao jogo, como os

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cerne das situações de jogo. Ora, o estado lúdico trabalhos de Henriot (1969, 1989), Euvé (2000),
não existe sem esse liame dialético entre contrato Bataille (1951), Grillo (2018) e Duflo (1997),
lúdico, interpretações, ações e arrebatamento da tencionaram não tão-apenas estruturar o jogo
pessoa (jogador). É nesse movimento de confron- (como fez Huizinga, Benveniste, Zondervan,
to entre a aceitação do contrato lúdico (regras e Suits ou Caillois), mais do que isso, empenha-
objetivos) e as ações criativas e intencionais da ram-se em estudar o jogo como um sistema
pessoa (jogador) para superar os desafios do complexo, como um processo dialético, em que
jogo, que reside a liberdade de expressão (lúdico) o ponto de partida não é concentrar-se em ques-
da pessoa (jogador). tões amplas como “o que é jogo?” ou “quais as
Por sua vez, Buytendijk (1974) explicita que a principais características do jogo?”. Esses traba-
regra refere-se à “liberdade restrita” (ou liberdade lhos, conquanto alguns deles tenham partido de
na aparência). Portanto, trata-se da expressividade características estruturais do jogo, propenderam
e da criatividade existentes dentro do espaço per- à busca por uma compreensão do “jogo jogado”,
mitido pelas regras do jogo ou de outras manifesta- do jogo como um movimento, da dinâmica e diá-
ções lúdicas. Condiz ao que é criado, expressado e logo entre jogador e jogo.
vivenciado consoante ao que é admitido pela regra. Com fundamento nestes pressupostos deslin-
O excerto indicado, alusivo ao livro de J. dados nesta seção, defendemos que a essência
Korczak, similarmente enfatiza que ao tornar-se do jogo é o lúdico (manifestação de livre expres-
jogador, o sujeito fica interdependente do jogo, por são – experiência subjetivo da pessoa), haja vista
intermédio de uma relação dialética, pelo qual ele essa característica ser elemento substancial para
expressará seus anseios, (des)prazeres, incerte- que o jogo transcorra na sua plenitude. Sendo as-
zas, seriedade, comicidade, contradições, vivên- sim, depreendemos que o jogo resulta de:
cias, de modo sintético, a sua criatividade mani- - Uma estrutura histórico-cultural, logo, o
festada na liberdade dentro do jogo. À guisa de jogo é precipuamente criado no bojo de determi-
explanação, o jogo de xadrez se retroalimenta da nadas culturas consoante a certos conhecimen-
combinação inseparável entre imaginação (abs- tos, objetivos, objetos e regras.
tração) e realidade concreta (situação objetiva de - Uma situação imaginária (situação fictícia),
jogo), produzindo uma unidade dialética, visto que pelo qual possibilita ao sujeito abstrair-se no jogo,
o jogo somente acontece se tais polos (imaginação interpretar, criar e atribuir significados para sua
e realidade concreta) se coadunam em um diálogo ação (consciência de jogo). Por isso, pode-se in-
permanente (unidade dialética do jogo). ferir que o jogo é puramente humano.
229 15
- Uma atitude lúdica (ação, mobilização), isto ado por ele de play-attitude, manifestar-se-ia não

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é, o jogo exige um agir (jogar), requer uma atitu- só no jogo ou na brincadeira, porém, no próprio
de de superação ante desafios, uma análise de trabalho, nas tarefas diárias, nos exercícios esco-
possibilidades (Como jogar? Com o que jogar?), lares etc. Ele conclui a sua análise, discorrendo
demanda outrossim uma tomada de decisões e, que quando alguém está em estado de play-at-
de resto, necessita de envolvimento por parte do titude, então, está vivenciando uma espécie de
sujeito que joga (processo dialético entre jogo e experiência singular, ou seja, está absorvido em
jogador). Desse modo, é precípuo um colocar-se uma conjuntura imaginária.
em movimento continuamente por parte do sujeito,
This play-attitude may be deliberately assumed
engendrando um estado lúdico (arrebatamento). in the face of the tasks of life. A boy who was
- Uma margem de incerteza e de indetermi- compelled to work in the wood-shed showed
nação (fator que causa tensão e conflito), dado his imagination by pretending that the blocks of
que jogar é um arriscar-se na incerteza constan- wood were indians whom he was attacking. The
difference in attitude made the whole difference
temente. Ainda que o sujeito pudesse supor ou
in the enjoyment of the work (GULICK, 1920, p.
tentar antecipar tudo com antecedência, ele não 271)7.
conseguirá conhecer a totalidade das causas du-
rante a dinâmica do jogo. Por consequência dis- Em outra linha de pensamento, Gusdorf (1967,
so, o jogo é incerto e desafiador e, possivelmente, p. 1157) frisa que “la forme extérieuere ne suffict
essa seja a “sedução” do jogo. donc pas por identifier l’élément ludique”8. Em ter-
mos gerais, o autor defende que o lúdico é algo
Algumas reflexões sobre o Estado Lúdico pertencente à pessoa, portanto, não está fora dela.
e o Ambiente de Jogo Não é um objeto, um discurso, um meio para adje-
tivar coisas externas às pessoas. Isto significa que
o lúdico é inerente à condição humana, “[...] pois as
Jouer est un acte créateur, une invention d’um
individu, qui permet une infinité de variations. práticas culturais não são lúdicas por si mesmas:
elas são construídas na interação do sujeito com a
Rémi Bailly experiência vivida” (GOMES, 2014, p. 13).
7 Tradução: Essa atitude lúdica pode ser assumida deliberada-
mente em face das tarefas da vida. Um menino que foi obrigado
No entre décadas 1910-20, Gulick (1920) pre- a trabalhar no galpão de madeira, fingiu, por meio de sua ima-
concebeu o lúdico como play-attitude. Para este ginação, que os blocos de madeira eram índios que ele estava
atacando. A diferença de atitude fez toda a diferença na satisfa-
autor, o lúdico seria uma espécie de impulso à ex- ção do trabalho.
pressividade. Nesses moldes, o fenômeno, nome- 8 Tradução: “a forma externa, portanto, não é suficiente para
identificar o elemento lúdico” (GUSDORF, 1967, p. 1157).
230 15
À vista disso, sintetizamos que o lúdico se con- Não temos o escopo de haurir o termo, entre-

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cretiza via relação da pessoa com um comporta- mentes, compreendemos a essencialidade de se
mento lúdico, sendo uma espécie de afeto que se construir um conceito de lúdico, tendo em vista
dá nessa relação. Em outros termos, defendemos alicerçar a nossa concepção de Estado Lúdico e
que o lúdico é um sentimento de livre expressão ambiente de jogo. Ressaltamos que estes dois
manifestado em situações de comportamentos lú- últimos são fundamentais na nossa proposta de
dicos. Sumariamente, o lúdico ocorre a partir de Xadrez Pedagógico. A partir disso, defendemos
uma “entrega” da pessoa (arrebatamento) a uma que o lúdico é uma forma de expressividade (livre
destas manifestações de comportamento lúdico expressão) da pessoa na sua relação com o mun-
(de jogo, de dança, de cantigas, de parlendas ou do, que emerge por intermédio do sentido que a
de desafios, por exemplo). Essa “entrega” engen- pessoa atribui a uma dada vivência de um compor-
dra o Estado Lúdico, quer dizer, momento pelo tamento lúdico (e.g. jogo, brincadeira). Em outras
qual a pessoa está arrebatada/absorvida pela si- palavras, o lúdico surge da experiência significati-
tuação e, contiguamente, faz sentido para ela. va da pessoa, que somente pode ser vivenciada e,
Nesse entendimento, podemos interpretar assim, sentida por ela própria (pode ser externa-
que todas as manifestações de comportamento mente observável, por via de indícios). Ora, é algo
lúdico, muitas vezes, indicadas como lúdicas, subjetivo da pessoa, porque é uma experiência
poderão não ser lúdicas. Ora, o lúdico é algo simbólica-emocional direta e singular (biocultural),
subjetivo, portanto, requer da pessoa certo en- que ocasiona sentidos diante das mais diversas
volvimento, atitude, vontade em querer fazer e situações de comportamento lúdico vividas. Dito
estar, sentido e, por ser desafiador, incita a pes- isso, depreendemos que o lúdico é também algo
soa a querer permanecer numa dada atividade. desafiador a ponto de nos arrebatar, de nos tocar/
A título de exemplo, no filme “Lances Inocentes” mobilizar causando nosso envolvimento subjetivo.
(1993), Josh (que até então era apaixonado pelo Após as devidas colocações teóricas atinentes
jogo de xadrez), por uma série de circunstân- ao lúdico, faz-se precípuo analisar o fenômeno do
cias, não atribuía mais nenhum sentido no ato Estado Lúdico. Buytendijk (1935, 1974), um dos
de jogar. Por consequência, o lúdico não se fazia primeiros autores a dar ênfase ao estudo sobre
mais presente (para ele, jogar não era mais de- este fenômeno, usando o jogo e o comportamen-
safiador e nem um meio de se expressar). Desse to lúdico para exemplificá-lo, sumariza que ambos
modo, entendemos que é o lúdico que mobiliza a são intermediários entre a fantasia e a realidade
pessoa para a relação afetiva com uma ativida- da vida cotidiana. Este autor usita a concepção de
de, nesse caso, o jogo de xadrez. vaivém lúdico (no ser humano), como uma forma
231 15
de explanar a entrada de uma pessoa num “Esta- (no sentido de ser ator – agir – e não espectador),

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do Lúdico”, isto é, na fantasia vital do movimento é tornar-se parte destas manifestações. Repre-
físico, oportunizando uma relação dialética entre senta um colocar-se em risco que “[...] pode ter o
a aparência e a realidade. caráter de uma probabilidade relativamente ele-
Buytendijk (1974, p. 67), assumindo o jogo vada, mas também uma probabilidade totalmente
como modo explicativo, analisa que o vaivém lúdi- misteriosa” (BUYTENDIJK, 1974, p. 82).
co é “[...] um movimento pendular contínuo entre Fink (2016b) trará à luz do debate que o Esta-
o jogo e a vivência da realidade”. Nesse sentido, o do Lúdico é um “rapto”. Seria um tipo de entrega
vaivém lúdico indica que o jogador está, continua- da pessoa. Ser “raptado” por uma manifestação
mente, em movimento nesse “intervalo”, ora arre- como o jogo de xadrez, por exemplo, é propiciar
batando-se, ora abandonando o estado lúdico por a entrada em um Estado Lúdico (ação de entrega
livre vontade ou por outro motivo interno e/ou ex- do jogador ao jogo – assenhoramento ou arreba-
terno ao ambiente de jogo9. Ou ainda, dependen- tamento). Por outro lado, este autor propugna que
do das situações de jogo, pode retornar ao jogo o lúdico (spielhafte) é a base para a liberdade.
(ser arrebatado novamente). Convém dizer que, Isto denota que o lúdico no jogo é a liberdade do
mesmo sendo totalmente absorvido pelo jogo o jogador em decidir se entregar ou não a situação
sujeito (o jogador) não deixa a realidade. objetiva do jogo. Ao se subordinar à situação ob-
Por esta razão, Buytendijk (1935, 1974) sinte- jetiva, o jogador (pessoa) se imbrica ao jogo, em
tiza que o Estado Lúdico advém do “assenhora- uma concatenação dialética. Ou, nas palavras de
mento”. Esta noção tem como pressuposto a von- Lambros Couloubaritsis (1997, p. 55): “[...] l’hom-
tade do sujeito em arriscar-se, isto é, de colocar-se me qui joue est toujours en même temps joué”10.
à prova, testar-se a si mesmo, como afirmação de
A criança não simboliza na brincadeira, mas
si no devir, ou seja, num futuro incerto e misterio- deseja, realiza vontades, vivencia as principais
so. Ser assenhorado pelo jogo, pela brincadeira, categorias da atividade. Por isso, numa brin-
pela dança ou por outros comportamentos lúdicos cadeira, um dia transcorre em meia-hora e 100
quilômetros são percorridos com cinco passos.
Ao desejar, a criança realiza; ao pensar, age
9 No comercial José +10 da Adidas, veiculado em 2006, temos
um exemplo ideal. Numa dada situação do jogo protagonizado (VIGOTSKI, 2021, p. 231-232).
pelas crianças, a mãe interrompe o jogo (desmancha prazer),
chamando José para casa. Pode-se inferir que foi um motivo Esse belo exemplo de Vigotski consubstancia
externo que findou com o estado lúdico das crianças que jo-
gavam. Algo análogo acontece no filme Billy Elliot (DALDRY, as ideias referentes ao assenhoramento/arreba-
2000), quando o pai aparece e Billy começa a dançar para ele.
Na sequência, o pai despreza-o, ficando indiferente no que cor-
responde à performance que Billy faz para ele. Esta atitude faz 10 Tradução: “[...] o homem que joga é sempre ao mesmo tempo
com Billy abandone o seu estado lúdico. jogado” (COULOUBARITSIS, 1997, p. 55).
232 15
tamento, que foram supra-aludidas por Buytendijk pelo próprio jogador o transforma em “objeto”

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e, analogamente, complementa o ideário de Fink da sua própria ação (ser jogado pelo jogo). Di-
sobre o Estado Lúdico. Em suma, os autores su- zemos que a articulação entre jogo (estrutura,
pramencionados, em consonância com Huizinga manifestação histórico-cultural), jogar (atitude
(2019), Scheuerl (1954) e Caillois (1990), inferem lúdica, agir do sujeito, tomada de decisão cons-
que o principal atrativo do jogo é a fascinação ciente) e jogador (sujeito com as suas vivências,
pelo risco e pela incerteza que esse exerce, por- emoções, anseios) é dialética.
que o jogo se assenhora/rapta/arrebata o jogador, Por esse prisma, consideramos que no Estado
ou seja, absorve-o, deixando o sujeito (jogador) Lúdico não sobrevém uma espécie de intervalo em
em um estado lúdico. relação à realidade (como se houvesse um mundo
Na concepção de Gadamer (2002), ao ocor- do jogo à parte da realidade). Em contraposição, a
rer a absorção do jogador pelo jogo (Estado Lú- associação inseparável entre imaginação e realida-
dico), ele deixa de ser jogador e torna-se um “ser de fomenta um “vaivém lúdico”. Sob a égide das te-
jogado” pelo jogo, isto é, estabelece um diálogo orizações de Fink (2016a, 2016b), Buytendijk (1974)
permanente com o jogo. Analisamos que a ideia e Euvé (2000), o jogo de xadrez, desse modo, não
de “ser jogado” pelo jogo, não quer dizer que o suscita um intervalo no sentido de criar um espaço
jogador é um sujeito passivo, mas sim que o jogo de cisão entre o dito “opostos complementares” –
o arrebata, envolvendo-o a qualquer momento “imaginação e realidade11. Pelo contrário, ocasiona
(desde que o sujeito se permita). De símil forma, um nexo indissociável entre ambas.
o jogo somente acontece (movimento no jogo) Cabe iterar que no jogo, a própria regra é pro-
como consequência de um “ser que joga o jogo”, dutora da liberdade, isto é, a regra viabiliza o ato
ou seja, de um “poder fazer” do jogador (consci- criativo do jogador. No xadrez, por exemplo, essa
ência de jogo). Ora, “usufruímos [no jogo] de uma liberdade é desenvolvida dentro de uma margem
liberdade de decisão” (GADAMER, 2002, p. 181. de regras (estrutura do jogo) que, subsequente-
Grifos nossos). mente, desdobra-se da necessidade em segui-las
Em linhas gerais, o jogador é o sujeito da
ação ao jogar (toma decisões, cria, recria, in- 11 Vigotski (2021), Elkonin (1998), Henriot (1989) e Petrovsky
(2017) arrazoam que o jogo é ancorado na realidade, posto que
terage, expressa-se etc.), entrementes, ao se a fantasia ou imaginação é o fundamento para toda atividade
arrebatar, transforma-se, ao mesmo tempo, em criativa e essa só ocorre por meio de um processo de apropria-
ção e significação do sujeito sobre elementos da cultura que ele
objeto (ser jogado, joguete) sobre o qual o jogo vivencia (situações cotidianas em geral). Dessarte, a fantasia
ou imaginação não resulta de nenhum descobrimento fora da
age. O jogador é, à vista disso, sujeito da ação realidade, de nenhuma invenção mágica, até que se criem as
e, por seu turno, a ação (jogar) desencadeada condições materiais e psíquicas fundamentais para seu apareci-
mento.
233 15
(jogar certo) à essencialidade em resolver proble- Reconhecemos que o arrebatamento (ou as-

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mas (jogar bem). Em outros termos, é superar os senhoramento) é o princípio basilar que ocasiona
obstáculos que o jogo apresenta (conteúdo). A ri- e retroalimenta o Estado Lúdico. Por conseguinte,
queza da liberdade no jogo, dessa maneira, está este resulta das motivações intrínsecas do sujeito
ligada ao lúdico, como livre expressão do jogador. (jogador), decorrentes do seu processo de inte-
Em referência ao arrebatamento, Bataille ração, diálogo, entrega e desejo por vivenciar a
(1951), Huizinga (2019), Henriot (1969) e Grillo situação lúdica. Nesse embasamento, um sujei-
(2018) explanam que no jogo, e.g., a qualquer to ao vivenciar um comportamento lúdico (jogo,
instante o sujeito (jogador) pode ser arrebatado. esporte, brincadeira, dança etc.) e se permitir ser
Mesmo que ele não seja compelido a jogar, isso absorvido por ele, tornar-se-á parte dele.
não o impede de se arrebatar12. Nesse mote, ana- Tomando o jogo de xadrez como exemplo, este
lisamos que o arrebatamento (Estado Lúdico) é se retroalimenta da combinação inseparável entre
uma característica fundamental para que o lúdi- imaginação e situação objetiva do jogo (realidade
co possa acontecer na sua plenitude e, com isso, concreta), produzindo uma unidade dialética. Ora,
constituir um ambiente de jogo. reiteramos que o jogo somente acontece se tais
Como foi dilucidado anteriormente, ratificamos polos (fantasia/imaginação e realidade) se coadu-
que o lúdico é um modo de expressividade (sendo nam em um diálogo permanente (unidade dialéti-
um sentimento singular, um “estado de espírito” ca do jogo). Resumidamente, é a fascinação pelo
pessoal) que está fundamentalmente associado risco e a incerteza que esse desempenha, que
ao arrebatamento, em virtude de que um sujei- propicia ao sujeito (jogador) estar em um Estado
to (jogador) somente se arrebata a partir de livre Lúdico13. Ora, o jogo só se completa no jogador
vontade própria (livre expressão). Ora, o arreba- e, para que haja essa completude, o lúdico faz-se
tamento não é imposto e sim assumido pelo sujei- fundamental. Em termos mais sintéticos, é precí-
to que vivencia a situação de jogo. pua uma atitude lúdica do sujeito (agir do jogador
de modo intencional e com sentido para ele), em
12 À guisa de ilustração, citamos o longa-metragem “Em busca da
terra do nunca” (2004), dirigido por Marc Forster, e o livro “Me-
ninos de Kichute” (2003/2010) de Márcio Américo. Em ambos 13 Como exemplo, citamos o belo longa-metragem francês, “Baía
há situações pelos quais as crianças eram convencidas por ou- dos Anjos” (La baie des anges), de 1962. Neste filme, a perso-
tros a jogarem, conquanto contra a vontade. Ao se envolverem nagem Jackie, uma pessoa que abdicou de tudo por sua pai-
nas situações de jogo, logo as crianças eram arrebatadas (es- xão (vício) pelos jogos de sorte e aposta, explica que o motivo
tado lúdico). Para nós, esse aspecto ilide a ideia de Huizinga de sua atração pelo jogo não se deve ao dinheiro ganho nas
(1938/2019) de que todo jogo é livre, quer dizer, é uma atividade apostas, mas a incerteza e a tensão do jogo simbolizada pela
voluntária assumida unicamente pelo jogador sem imposições “ficha” de aposta. Ganhar uma ficha e não saber se a perderá,
externas. Acreditamos que fatores externos podem intervir no subsequentemente, é o que a deixa feliz e atraída pelo mistério
jogar, tais como ordens, convenções, atitudes de “fazer drama” do jogo (espírito lúdico). Ora, todo esse movimento representa
ou chantagem emocional, dentre outras. um Estado Lúdico (arrebatamento).
234 15
confronto direto com uma situação objetiva de de aprendizagem, é primordial utilizamos da ideia

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jogo (estruturas – forma). Destacamos que o Es- de ambiente de jogo. Defendemos que a relação
tado Lúdico permeia este confronto. imanente entre ambiente de jogo e ambiente de
A partir destas elocubrações, como poderí- aprendizagem, oportuniza o predomínio, em sala
amos trabalhar o Estado Lúdico, em especial, o de aula, dos processos de jogar e investigar (refle-
ambiente de jogo, em aulas de xadrez escolar? tir sobre o jogo e seus problemas).
Quais as contribuições destes preceitos teóricos A título de exemplificação, nesse ambiente de
ao Xadrez Pedagógico? aprendizagem, o “erro” é ideado como um objeto
Em primeiro lugar, defendemos que, no con- de estudo e reflexão, opondo-se a ideia do “erro”
texto de um ambiente de jogo, o lúdico é um ele- como algo negativo, passível de reprovação. Nes-
mento fundamental, dado que não é o jogo que se sentido, o “erro” ou o “acerto” no xadrez fomen-
mobiliza para a relação afetiva com o conheci- tam reflexões. No caso, se for um “erro”, o aluno
mento, mas sim o lúdico. O Xadrez Pedagógico (jogador) refletirá e refará as suas jogadas futu-
necessita da construção de um ambiente de jogo ras. Se “acertar”, ele utilizará esse “acerto” até o
atrelado a um ambiente de aprendizagem. Isto momento em que for questionado, ou ainda, apri-
significa que é essencial viabilizar situações di- morar esse “acerto”, refazendo a sua estratégia.
dáticas que fomentem um ambiente de jogo que Em segundo lugar, no âmago do Xadrez Peda-
valorize o lúdico e de um ambiente de aprendiza- gógico, defendemos a exploração pedagógica da
gem que explore o Estado Lúdico, visando à mo- oralidade, presente nesse ambiente de jogo e de
bilização das funções psíquicas, à socialização aprendizagem, por meio do diálogo argumentati-
de ideias, à construção de conhecimentos de e vo (ou não), do debate e/ou da apresentação de
pelo jogo de xadrez. ideias. Estas qualidades causam a socialização
O xadrez, nesta conjuntura, é explorado por das ideias, indiscutivelmente, uma perspectiva
nós como um problema “aberto”14. Sendo assim, fundamental em um trabalho que prioriza tanto a
um desafio propício para haver mais de uma reso- interação, quanto um espaço livre para os alunos
lução, intentando utilizar esses diferentes “olhares” terem liberdade para expressar as suas ideias,
dos alunos acerca de um único “ponto” (problema). correspondentes às diferentes resoluções e estra-
Com isso, promovendo, consequentemente, varia- tégias criadas. Dito isso, os alunos têm a liberda-
das formas de investigação e debates (socializa- de para se expressarem durante o jogo (lúdico) e,
ção das ideias). Para se concretizar esse ambiente tal-qualmente, suas maneiras de pensar, resolver
problemas e agir, propiciando o aparecimento de
14 Problemas abertos: são problemas que admitem duas ou mais so- diferentes estratégias de resolução de situações
luções e, sobretudo, valoriza um processo aberto e investigativo.
235 15
de jogo. Nesse contexto, os alunos compreendem modo, o problema tão-só será “um problema”

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que para um similar momento de jogo, podem co- para o sujeito se ele o assumir como tal, por con-
existir variadas estratégias de resolução, resul- seguinte, buscando meios para resolvê-lo. No
tando em diferentes análises, abstrações, testes jogo não é diferente. O sujeito também tem uma
e erros, sistematização de hipóteses etc. necessidade ao assumir-se como parte do jogo,
Idealizamos que esse tipo de trabalho, no con- porque torna-se jogador e, consequentemente,
texto do Xadrez Pedagógico, engloba a argumen- tem que criar estratégias para jogar e vencer.
tação e a oralidade, mediante um processo de A competição é outra peculiaridade de um am-
intercâmbio de conhecimentos. Por isso, enten- biente de jogo, por ser uma característica ineren-
demos que esse movimento é essencial ao de- te ao jogo. Em nossa concepção, a competição
senvolvimento da interação social, comunicação não é boa e nem má, mas é o que se fizer dela.
entre os alunos e da conscientização e aprendi- Por isso, ela é uma qualidade que não podemos
zagem do trabalho em equipe. obliterar nas situações de jogo, em função de ser
Em terceiro lugar, defendemos que a consti- indissociável dele. Assim, supõe-se que “a com-
tuição de um ambiente de jogo, em sala de aula, petição possui todas as características formais
não pode deixar de trazer à discussão uma ideia e a maior parte das características funcionais do
peremptória de Huizinga (2019): “[...] todo jogo é jogo” (HUIZINGA, 2019, p. 62). Por seu turno, Du-
capaz, a qualquer momento, de absorver intei- flo (1997, p. 225) sintetiza que “dans la plupart
ramente o jogador” (idem, ibidem, p. 10). Esse des jeux, le prope du contrat ludique est d’être,
ideário é, para a composição de um ambiente de lorsqu’il est passé entre les participants, un pacte
jogo, o ponto inicial, uma vez que o aluno ao jogar de compétition, un contrat d’agon”15. Portanto, é a
permite ser absorvido pelo jogo, de tal modo que competição que torna o jogo desafiante.
se torna parte dele, ou seja, um jogador. Nessa Grando (2000) sustenta que:
acepção, o aluno, ao tornar-se jogador, fica inter-
É pela competição que se estabelece a neces-
dependente do jogo em uma relação pelo qual ele sidade, no aluno, de elaboração de estratégias,
exporá seus anseios, prazeres, experiências, sua a fim de vencer o jogo. O aluno, por exemplo,
criatividade manifestada na liberdade dentro do observa que é mais fraco que o seu adversário
jogo. Ora, é “no jogo [...] que tornamos senhores num determinado jogo, mas existe a vontade de
vencer. Então, procura estabelecer estratégias
de nós mesmos” (BENJAMIN, 2009, p. 101).
que o levem a superar tal deficiência e, possi-
Levando isso em consideração, percebemos
15 Tradução: Na maioria dos jogos, a essência do contrato lú-
que, seja em situações-problema, seja no jogo, dico concerne, quando acordado entre os participantes, a um
existe uma necessidade de mobilização. Desse pacto de competição, ou seja, um contrato de agon (ou con-
trato agonístico).
236 15
velmente, vencer o outro (GRANDO, 2000, p. partidas (registro); construir problemas e sociali-

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
29-30). zá-los, entre outras ações.
Resumidamente, a nossa proposta de Xadrez De modo lacônico, é garantir aos alunos a
Pedagógico valoriza uma competição no sentido oportunidade de terem liberdade que, muitas
educativo, reforçando o respeito, os valores éti- vezes, não é evidenciada e/ou oferecida no coti-
cos, a leitura de mundo de cada aluno. Em outros diano da sala de aula. Dessa forma, favorecendo
termos, favorecendo a reflexão e a autoavaliação, a criatividade dos alunos por intermédio de um
sem priorizar mecanismos de seleção, exclusão e espaço livre, criativo, de investigação e debates.
rendimento (meritocracia). Sob esta ótica, a com- Por este motivo, defendemos que o ambiente de
petição precisa estar relacionada ao processo de jogo/ambiente de aprendizagem proporciona aos
ensino e aprendizagem, de maneira a atender a alunos trabalharem em grupos. Esse processo
todos os alunos e não só os mais habilidosos. corrobora na comunicação e argumentação de
Além do mais, é impossível ensinar o xadrez, por ideias, quer dizer, é fazer com que os demais co-
exemplo, desvinculando-o da competição. legas acompanhem seus respectivos raciocínios
Em vista disso, o ambiente de jogo, no e produzam suas estratégias e conhecimentos
contexto da sala de aula, precisa ser propício ao em equipe, interagindo com as ideias advindas
desenvolvimento das vinculações entre as fun- dos outros colegas.
ções psíquicas superiores, como criatividade, No mais, depreendemos que em grupo existe
imaginação, memória lógica, atenção voluntária a possibilidade de amenizar os desafios, os er-
etc. Afora proporcionar à competição, à coopera- ros e as dificuldades, por meio da distribuição de
ção e à comunicação entre os alunos de modo tarefas e/ou do trabalho em conjunto. Ademais,
ético. Destarte, acreditamos que para se organi- os alunos, trabalhando em grupos, demonstram
zar um ambiente de jogo engranzado a um am- diferentes maneiras de jogar e resolver situações-
biente de aprendizagem, faz-se precípuo oferecer -problemas que vão emergindo no jogo. Esse mo-
um espaço para os alunos criarem diferentes ma- vimento proporciona o desenvolvimento da refle-
neiras de se expressarem, como: movimentar-se xão, da argumentação, da socialização, da criati-
livremente em sala de aula; dialogar com os cole- vidade e do raciocínio, sendo aspectos inerentes
gas acerca de seus raciocínios e/ou problemas de à resolução de problemas.
jogo; expor as suas estratégias utilizando a lousa Ora, incontestavelmente, esse ambiente rom-
ou outro dispositivo; terem um caderno de jogo pe, primeiramente, com o ideário de que o xadrez
para anotações e registro das partidas; jogar xa- é um jogo individual e elitizado, pautado no trei-
drez em grupos; videogravar e/ou fotogravar as namento de técnicas, ou como sugerem alguns
237 15
professores, que o jogo por si só é educativo. por outro lado, não aludem sistematicamente

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
Segundamente, abre espaço para as práticas de metodologias de ensino e métodos de avaliação
argumentação e oralidade em sala de aula, posto que fundamentem a prática pedagógica do pro-
que na escola existe uma predileção por ativida- fessor com o jogo de xadrez escolar, engloban-
des que envolvem, sobretudo, a escrita. Enfim, o do a mediação semiótica, as problematizações e
Xadrez Pedagógico fundamenta-se na visão de variações de jogo, o processo de planejamento,
que os alunos, em um ambiente de jogo, jogam e a estruturação da aula, os objetivos, os recursos
produzem conhecimentos e os exploram de forma didáticos e os procedimentos de avaliação.
significativa, construindo, assim, seus próprios Essas pesquisas e projetos de xadrez escolar
conceitos, suas analogias, nexos conceituais e as não proporcionam uma reflexão e/ou comprova-
suas formas de pensar, sentir e refletir, conside- ção de que o jogo de xadrez praticado, conforme
rando as suas leituras de mundo. seus preceitos didáticos, propicia a produção de
conhecimentos e o desenvolvimento de capacida-
Compendiando a nossa proposta didático- des psíquicas, sociais, éticas e afetivas nos alu-
-metodológica para o Xadrez Pedagógico nos. Consequentemente, não depreendem que o
jogo de xadrez não é educativo por si só, dado
O olho vê, a lembrança revê e a imaginação que para se ter esta conotação é precípuo que se
transvê. É preciso transver o mundo. tenha uma “intencionalidade pedagógica”.
Essa intencionalidade parte da relação didáti-
Manoel de Barros
ca entre o professor e o jogo de xadrez, pela ra-
zão de o professor ser o sujeito responsável por
Tendo em consideração tudo o que foi debati- organizar a ação pedagógica com o jogo. Sendo
do, reforçamos que a nossa proposta de Xadrez assim, defendemos que é basilar analisar que o
Pedagógico sistematiza uma proposta didático- jogo de xadrez precisa ser intencionalmente pla-
-metodológica para o jogo de xadrez escolar, de nejado, estudado e organizado para ser usitado
tal modo que transponha a simples “prática pela em um contexto educativo. Com isso, a explora-
prática” com o xadrez (jogo pelo jogo ou do jogo ção das possibilidades e potencialidades pedagó-
passatempo) ou a “prática utilitária” com o Jogo gicas do xadrez está nas ações intencionais do
(jogo voltado para outros conteúdos). Analisamos professor (intervenções, variações de jogo e pro-
que, conquanto algumas pesquisas e projetos de blematizações) e não nas próprias situações de
xadrez escolar16, tenham algumas contribuições, jogo (isso, por exemplo, justificaria uma “prática
pela prática” com o jogo). Por esta ótica, conce-
16 Cf. Grillo et al. (2021).
238 15
bemos que um dos grandes problemas, no que se viabilizar situações que promovam um

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
refere ao jogo de xadrez escolar, trata-se dos dis- ambiente de jogo que valorize o lúdico, ou
cursos e práticas que não observam a qualidade seja, aulas no contexto do jogo e do lúdico.
do papel do professor em sala de aula. E, conjuntamente, promover um ambiente
Para se consolidar a nossa proposta de Xa- de aprendizagem que propenda à mobili-
drez Pedagógico, é necessário reflexionar sobre: zação de saberes e habilidades, à sociali-
zação de ideias, à construção de diferentes
• Tempo pedagogicamente necessário para conhecimentos. Quer dizer, explorando o
o processo de apropriação e construção do jogo no contexto da sala de aula.
conhecimento pelos alunos (crianças e jo- • Relação professor-alunos e alunos-alunos
vens-estudantes). (afetividade e relação com o saber).
• Estudo e organização dos conteúdos de
ensino quanto ao xadrez. Conjecturamos que um trabalho didático-peda-
• Objetivos que se quer atingir. gógico com o xadrez escolar deve considerar, de
• Recursos didáticos a serem utilizados nas modo apriorístico, quais objetivos se quer atingir
aulas. com a sua prática na escola. Por este motivo, na
• Procedimentos metodológicos (momentos nossa proposta de Xadrez Pedagógico, argumen-
de jogo, intervenções pedagógicas, varia- tamos que o jogo deve ser estudado, problema-
ções de jogo). tizado, tematizado e sistematizado pedagogica-
• Formas de avaliação. mente, objetivando endossar o desenvolvimento
• Uso de estratégias intentando motivar/mo- dos alunos (em termos socioafetivos, culturais,
bilizar os alunos durante as aulas. psíquicos), de acordo com as premissas da Edu-
• Valorização e exploração de formas diver- cação Escolar. Propugnamos a essencialidade de
sificadas de mediação semiótica (conver- se fomentar um espaço para a produção de co-
sação, explicação, problematização, expo- nhecimentos, proporcionando a socialização de
sição de problemas, questionamento por ideias, a construção de valores e a interação com
intermédio da fala, demonstração, mode- vistas à formação da personalidade.
los, esquemas teóricos, gestos coaduna- Não podemos olvidar da perspectiva metodoló-
dos com a fala, criação de situações-pro- gica da Resolução de Problemas no cerne do Xa-
blema etc.). drez Pedagógico. Esta metodologia tem um papel
• Construção de Ambiente de Jogo e Am- relevante à produção de conhecimentos em sala
biente de Aprendizagem. Isto significa, de aula e no desenvolvimento de inúmeras habili-
239 15
dades e capacidades psíquicas, afetivas, éticas e jogo de xadrez em sala de aula, faz-se basilar

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
socioculturais, posto que é uma metodologia ca- apresentar uma estrutura de trabalho com o jogo,
paz de colocar o aluno em um movimento de ques- em termos metodológicos. Para tal, utilizamos
tionar, explorar, investigar, refletir, observar regu- dos sete momentos de jogo propostos por Grando
laridades, analisar diferentes situações-problemas (2000, 2008), a fim de se desenvolver um traba-
e produzir sínteses, buscando criar resoluções e/ lho metodológico com o Xadrez Pedagógico no
ou estratégias. E, nomeadamente, precisa do pro- âmbito escolar.
fessor como um organizador e problematizador, o Sublinhamos que estes momentos foram ela-
qual fica responsável por criar um ambiente que borados sob a égide da Resolução de Problemas
promova desafios, questionamentos, problema- e utilizados nas ações pedagógicas de: jogos
tizações, contestações, reflexões e, em especial, pré-enxadrísticos; situações-problemas de jogo;
que valorize o lúdico como uma forma de “liberda- puzzles; jogo de xadrez propriamente dito. Cabe
de de expressão” dos alunos no jogo. assinalar que estas ações pedagógicas foram tra-
Aventamos outrossim que o xadrez, por ser balhadas, em consonância aos conteúdos curri-
complexo e possuir infinitas combinações, favo- culares delineados para o jogo de xadrez: finais
rece a organização, a investigação e a verifica- de jogo; meio-jogo; aberturas; lances especiais;
ção de hipóteses, tendo o entendimento de que movimentação das peças; temas como sacrifício,
as exequibilidades de jogadas são arquitetas por cravada, peão avançado, duplo ataque, bloqueio,
intermédio das conjecturas elaboradas pelos alu- zugzwang etc.17
nos. Subsequentemente, o jogo de xadrez auxi- À guisa de síntese, seguem os sete momentos:
liará como uma espécie de atividade-guia, porque
conduzirá o desenvolvimento psíquico dos alunos 1. Familiarização com o material do jogo.
(juntamente com outras atividades escolares e 2. Reconhecimento das regras.
não escolares), ocasionando neoformações, mo- 3. O “Jogo pelo jogo”: jogar para garantir re-
dificando e reestruturando as funções psíquicas gras.
(resolução de problemas, memória lógica, aten- 4. Intervenção pedagógica verbal.
ção voluntária, reconhecimento de regularidades, 5. Registro do jogo.
criatividade etc.); 6. Intervenção escrita.
Essa supramencionada teorização relativa ao 7. Jogar com “competência”.
Xadrez Pedagógico, fundamentalmente, consoli-
da-se com base nos fatores explanados. Entre- 17 Para mais detalhes sobre a aplicação desta proposta didático-
mentes, para se concretizar um trabalho com o -metodológica, consultar as pesquisas: Grillo (2012) e Grillo et
al. (2020).
240 15
Esses setes momentos foram metodizados em - Retorno ao jogo: condiz ao sétimo momen-

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
quatro movimentos de jogo: to de jogo (jogar com competência). De maneira
- Vivenciar o jogo de xadrez: concerne aos sucinta, é um movimento em que os alunos re-
três primeiros momentos de jogo. O escopo é tornam às situações de jogo vivenciadas anterior-
proporcionar aos alunos situações de “jogo pelo mente, sem qualquer tipo de mediação do profes-
jogo”, de jogar para se familiarizar e para garantir sor (ou com a mediação minimizada). O escopo é
as regras do jogo, no mais, é um espaço para se analisar quais conhecimentos os alunos produzi-
entender a lógica interna de jogo. É um momento ram, após terem vivenciado o jogo de xadrez de
em que se vivencia jogo de xadrez sem problema- variadas maneiras.
tizações por parte do professor. Esses momentos e movimentos não compõem
- Problematizações de jogo: refere-se aos uma ação pedagógica de forma linear, diretiva e/
momentos 4, 5 e 6. Em suma, é o movimento pelo ou etapas a serem seguidas inflexivelmente em
qual o professor faz diversas problematizações. sala de aula. Pelo contrário, é a organização de
Assim, propiciando aos alunos análises e reflexões um conjunto de ações, que possibilitam sistema-
relativas ao jogo de xadrez, por meio da explora- tizar procedimentos metodológicos com o jogo de
ção de diferentes modos de mediação semiótica xadrez, no sentido do planejamento, mediação,
(de modo intencional), na problematização de registro, análise, problematizações e avaliação
acontecimentos no jogo, nos processos de varia- pelo professor.
ções de jogo, nos momentos de análise de registro Desse modo, a nossa proposta de Xadrez
de jogo e de socialização de ideias, na avaliação Pedagógico não intenciona ao quanto os alu-
das ações/jogadas e das estratégias construídas nos armazenam, mas o que eles podem fazer
(registro escrito e fichas com problemas de jogo). com isso, como eles usam esses conhecimentos
- Construção de problemas: também corres- apropriados e construídos em situações de jogo
ponde aos momentos 4, 5 e 6. Contudo, trata-se para questionar, criticar, observar, experimentar,
de um movimento, em que os próprios alunos se interpretar, ressignificar e resolver problemas.
envolvem em contextos de construção de proble- Ora, em nossa concepção, o jogo de xadrez não
mas de jogo, a partir de suas vivências com jogos é algo para se buscar uma reprodução fiel ou
pré-enxadrísticos, problemas de jogo, puzzles e/ meio de treinar conceitos e habilidades. Mais do
ou com o xadrez propriamente dito. Pontuamos que isso, defendemos uma transposição dos co-
que, nesta pesquisa, o uso do caderno de xadrez nhecimentos do jogo de xadrez que foram apren-
em grupos foi peremptório para a concretização didos, para contextos diferentes e variáveis. Por-
desse terceiro movimento. tanto, defendemos:
241 15
• Um ensino de Xadrez Escolar para todos nalidade de construir diferentes conhecimentos e

Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
os alunos. conceitos em sala de aula a partir do jogo.
• A substancialidade em se ensinar e explo-
rar o Xadrez de forma profícua, abarcando REFERÊNCIAS
todos os alunos.
• A importância de se ensinar mais do que o ALAIN. Les Idées et les Âges. Paris: Gallimard, 1927.
próprio Xadrez no contexto da sala de aula
BATAILLE, G. Sommes-nous là pour jouer ou pour être
(ampliar uma leitura de mundo dos alunos sérieux? Critique, n. 49, 1951.
por via desse jogo/esporte).
BENJAMIN, W. Reflexões sobre a criança, o brinque-
De resto, reiteramos que o Xadrez Pedagógico do e a educação. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.
é sustentado mediante a relação inseparável en-
BONENFANT, M. Le libre jeu: réflexion sur l’appro-
tre o jogo como uma manifestação histórico-cul-
priation de l’activité ludique. Montréal: Liber, 2015.
tural (processo heterotópico e dialético, proble-
ma dinâmico no bojo da cultura), a atitude lúdica BROUGÈRE, G. Jogo e Educação. Porto Alegre: Art-
(jogar) como uma forma de os alunos agirem no med Editora, 1998.
mundo e construírem conhecimentos, e, por fim,
BUYTENDIJK, F.J.J. O jogo humano. In: GADAMER,
o lúdico como um meio privilegiado de expressi-
H. G.; VOGLER, P. Nova antropologia. São Paulo:
vidade e condição peremptória para que o jogo
EPU/Edusp, v. 4, 1974.
ocorra (ambiente de jogo).
A partir dessa triangulação, acreditamos ser BUYTENDIJK, F.J.J. El juego y su significado. El
possível analisar o Xadrez Escolar de modo mais juego en los hombres y en los animales como mani-
pedagógico e proficiente, e o lúdico de forma mais festación de impulsos vitales. Madrid, Revista de Oc-
aprofundada e profícua. Essa triangulação, atrela- cidente, 1935.

da aos pressupostos discorridos no presente texto, CAILLOIS, R. Os jogos e os homens: a máscara e a


proporciona-nos postular que o Xadrez Pedagógi- vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990.
co tende a romper com uma visão reducionista do
jogo voltado ao treinamento de habilidades cogni- CAILLOIS, R. Nature des jeux. In: CAILLOIS, R. Jeux
tivas, como se esta fosse a única justificativa de et Sports. Paris: Encyclopédie de la Pléiade, 1967.
se ensinar o xadrez na escola. No mais, o Xadrez
COULOUBARITSIS, L. La question du jeu du monde.
Pedagógico dá azo para se trabalhar didático-me- PUF – Kostas Axelos et la question du monde, n. 18,
todologicamente com o jogo de xadrez, com a fi- pp. 51-85, novembre 1997.
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Rogério de Melo Grillo - Regina Célia Grando


O XADREZ PEDAGÓGICO: PROPOSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS
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244

INTRODUÇÃO

“Se se enxerga tudo com os olhos da razão, já


não é possível brincar. E se não se brinca, que
nos resta, então?” [León Tolstoi] 1.

Verbalizar os sentimentos e discutir sobre o


brincar e recrear como atividades sociais são pro-
postas desse estudo o qual refletimos e aponta-
mos sugestões mais abrangentes que abordam
e apresentam possibilidades, opções, ações e
discussões profícuas, nos campos dos saberes e
fazeres desses atos lúdicos e seus benefícios aos
espaços de gestão e trabalho.
Vale ressaltar, que a temática e desenvolvi-
mento do artigo, surgiu a partir das experiências

CAPÍTULO 16 de um dos autores em seu espaço de gestão es-


colar, cuja a essência do trabalho desenvolvido foi
articulado com prática lúdica.
Ficou evidente nas intervenções realizadas
SABERES E FAZERES SOBRE com os funcionários (servidores públicos estadu-

O BRINCAR E RECREAR: ais) que participaram destas atividades, o quanto


foi eficaz no que tange integrar, alterar o humor e

POSSIBILIDADES E BENEFÍCIOS socializar reflexões, mesmo dentro do momento


de pandemia da covid-19 e a partir os protoco-
NOS ESPAÇOS DE GESTÃO E los exigidos. Em suma, notou-se um despertar da
espontaneidade para que todos pudessem exer-
TRABALHO cessem o direito daquele espaço de fala, intera-
ção “com” o outro e “pelo” outro, e a presença da
Narciso Mauricio Dos Santos afetividade no coletivo.
Andréa S. Frangakis Tanil 1 Leon Tolstói (1828-1910) foi um escritor russo, autor de “Guerra
e Paz”.
245 16
Buscamos, nesse contexto, analisar e propor No que diz respeito a contextualizarmos sabe-

Narciso Mauricio dos Santos - Andréa S. Frangakis Tanil


SABERES E FAZERES SOBRE O BRINCAR E RECREAR: POSSIBILIDADES E BENEFÍCIOS NOS ESPAÇOS DE GESTÃO E TRABALHO
algumas possibilidades articuladas para esses es- res e fazeres sobre o brincar, nos apoiamos no
paços de gestão e trabalho, e a partir disso, com autor da epígrafe, usado como disparador de re-
muito cuidado e pesquisa, didatizamos algumas flexões e leque dos modos de pensar, para re-
situações possíveis de atividades lúdicas e recrea- fletirmos sobre o questionamento: “E se não se
tivas nas reuniões e formações com os grupos de brinca, o que nos resta, então?”
trabalho, sinalizando seus benefícios socioemocio- Nesse contexto e na intencionalidade de tran-
nais e ferramenta de auxílio na produção. sitarmos por algumas vias, nota-se que o brincar
Para tanto, e com base nesses apontamentos apresentado por esse autor a partir dessa cono-
iniciais, justificáveis a partir dos pensamentos de tação apontada, coaduna com as intenções da
Vygotsky (2002), defende-se o brincar e recrear proposta dessas nossas reflexões e é visto como
como atividades que promovem desenvolvimento uma solução viável.
físico, emocional e cognitivo, e não podemos dei-
Desse modo, é importante sabermos reconhecer
xar de mencionar que brincar traz consigo muitos
as vantagens advindas de práticas lúdicas e recre-
elementos que contribuem e auxiliam para a for-
ativas e entendermos que não ocorrem de maneira
mação e formulação de nossas identidades, se-
unânime dentro de espaços corporativos, não são
jam elas pessoais e profissionais.
perceptíveis por muitos, além do que, alguns nem
Reforçando ao exposto, Tanil e Montrezol
notam e não acreditam nos seus benefícios.
(2019) citam as correlações do estado depressi-
Mas, é preciso salientar que se compreende e
vo com reduções da capacidade cognitiva, e isso
observa-se divergências a respeito dessa aceita-
ocorre, considerando a redução da capacidade
de concentração e pensamento. ção sobre o brincar e recrear, visto que, na roti-
O contributo deste diagnóstico apresenta- na da maioria dos indivíduos, aparece como uma
do pelos autores e associado com o brincar é possibilidade no tempo livre, onde se prioriza não
um elemento a ser considerado nos espaços de fazer nada, no entanto, a nossa ideia será con-
gestão, pois se uma das habilidades da gestão cebida de forma consensual e das mais diversas
é saber concentrar-se e refletir sobre caminhos possibilidades e perspectivas interpretativas para
mais eficientes e saudáveis para o trabalho e dire- esses espaços apontados.
cionamentos de equipes; e se o brincar contribui Um aspecto imprescindível desse delineamento
para a saúde emocional, podemos através desta proposto com o brincar e recrear nas reuniões e
proposição reforçar a importância de ações nesse formações com os grupos nesses espaços alter-
cenário, não só no ambiente familiar, social e es- nativos ligados a gestão do trabalho, sejam elas
colar, mas, também no ambiente corporativo. nas grandes, médias e pequenas corporações e
246 16
gestão de espaços escolares, é aproximar as pes- teriza como um modo de relaxamento ou deses-

Narciso Mauricio dos Santos - Andréa S. Frangakis Tanil


SABERES E FAZERES SOBRE O BRINCAR E RECREAR: POSSIBILIDADES E BENEFÍCIOS NOS ESPAÇOS DE GESTÃO E TRABALHO
soas, com isso, criando possibilidades afetivas em tressor que restaura toda a energia perdida nas
melhorar a relação dos grupos de trabalho. atividades cotidianas de trabalho.
Outro aspecto importante é colaborar com uma Ainda nesse sentido, entendemos que as
comunicação mais assertiva e não violenta, visto ações advindas desse processo é uma contrapo-
que a partir do momento em que ocorre a aproxi- sição aos preceitos fatigantes do trabalho e au-
mação e a afetividade com os indivíduos através xilia e restaura as forças vitais do indivíduo, tan-
do brincar, teremos uma grande possibilidade de to em seus aspectos de ordem físicas, mentais,
praticar uma comunicação mais sincera, cuidado- emocionais e psicológicas.
sa e humanizada. Na literatura, no que tange o conhecimento
Para Tanil & Santos (2020, p.77), “a ludicida- sobre o brincar e recrear, alguns autores (BRO-
de associada ao ato de brincar se caracteriza em CK, DODDS, JARVIS & OLUSOGA, 2008; VI-
uma imprescindível estratégia pedagógica” além GOTSKI, 2007) se posicionam e apontam esses
de contribuir de forma positiva com os relacio- objetos de ações como a base psicológica utili-
namentos interpessoais, através de propostas zada para habilidades sociais e intelectuais pe-
mais audaciosas. los adultos em seus ambientes sociais e de tra-
Assim, sabemos que esse objeto de estudo e balho, características fundamentais e inerentes
construção, também auxilia e favorece possíveis do ser humano, e este fato é comumente retra-
intervenções sobre a saúde biológica e social tado pelas memórias daqueles que já passaram
dessas pessoas frente ao ambiente de labor. do momento de infância.
Nesse ínterim, é importante mencionar que Tanil & Montrezol (2019) correlacionaram em sua
a recreação e o brincar aparecem como impor- obra o trabalho com o humor, que é um dos possí-
tantes instrumentos pedagógicos, cujo propósito veis resultados do brincar no ambiente corporativo.
é animar o corpo no sentido de oferecer energia Salientaram a importância do brincar e do
vital para que não se aproxime da preguiça em humor para a saúde emocional, pois é possí-
realizar as ações cotidianas dos espaços corpo- vel através de algumas práticas lúdicas recar-
rativos que o trabalho oportuniza. regar energias, deixando os indivíduos mais
Nesta perspectiva e de acordo com os estu- dispostos para as atividades diárias, inclusive
dos da teoria da recreação postulada por Mouritz nas atividades laborais que envolvem esforços
Lazarus 2 (1883), o brincar e/ou recrear se carac- mentais e/ou físicos exagerados levando à fa-
2 Filósofo e psicólogo judeu, um dos principais oponentes do anti- diga, estresse, lesões e surgimentos de vários
-semitismo em sua época e fundador da psicologia comparada. distúrbios psicológicos.
Fonte: https://www.britannica.com/biography/Moritz-Lazarus
247 16
Assim, quando enfatizamos sobre “saberes3”, relaxar, ao descontrair-se, sendo assim, alguns

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SABERES E FAZERES SOBRE O BRINCAR E RECREAR: POSSIBILIDADES E BENEFÍCIOS NOS ESPAÇOS DE GESTÃO E TRABALHO
essa nomenclatura pode e deverá ser compreen- questionamentos ainda se fazem presente:
dida a partir da função social que irá desempe- - Como podemos associá-lo ao trabalho?
nhar benefícios para um grupo em específico, e - Como associá-lo nas estratégias de gestão?
tendo como objeto de intervenção, maneiras de Segundo Maciel (2009) os primeiros registros
brincar e ou recriar (fazeres) visando o bom rela- de lazer corporativo aconteceram no ano de 1901
cionamento das pessoas envolvidas. em uma fábrica de tecidos em Bangu (RJ), onde,
Portanto, compreender os conceitos e entender foram desenvolvidas atividades físico-desporti-
os propósitos são fundamentais para refletirmos vas4, os quais aconteciam fora da jornada de tra-
que a teoria e a experiência estão intrinsecamente balho, assunto esse que converge com a associa-
ligadas. Inclusive que há estudos (OLIVEIRA, et. ção do tempo livre.
al. 2010; MACIEL, 2009) que buscam conceituar Já no ano de 1970 o lazer começa a dialogar
o brincar e recriar como alternativa plausível para com as políticas institucionais, visto que focam
o bom desenvolvimento profissional nos espaços no desenvolvimento de recursos humanos, com
de gestão, assunto que buscaremos discorrer e ações que sinalizam para a melhora e aperfeiço-
apresentar detalhes mais específicos ao longo do amento do desempenho laboral e no desenvolvi-
trajeto dessas nossas reflexões. mento pessoal.
Isso posto, e a partir dessas premissas apon- Importante destacar que essas iniciativas si-
tadas e com as reflexões que iremos provocar nalizadas na década de 70 através do lazer e po-
ao longo do texto, reafirmamos a importância do líticas institucionais possuem elementos e conjec-
brincar e recrear enquanto alternativa para tem- turas que dialogam com a proposta deste artigo
pos de novas mudanças nos campos do trabalho que tem objetivo em apresentar e discutir possibi-
e da gestão. lidades da utilização do brincar como caminhos e
meios para o desenvolvimento de competências
BRINCAR NAS GRANDES CORPORAÇÕES individuais e coletivas, desse modo, oportunizan-
do realizar discussões e ações com essa temática
Oportunizar o brincar dentro das corporações nos encontros de gestão, nas reuniões estratégi-
ainda gera um certo estranhamento para alguns
líderes e colaboradores, afinal o brincar está as- 4 Nessa terminologia optamos em esclarecer que a “Atividade
Física” é entendida como qualquer movimento corporal produ-
sociado ao tempo livre, ao lazer para recrear e zido pelos músculos esqueléticos do qual resultam dispêndio
energéticos (Caspersen et. al, 1985). “Desportivo” – desporto: “a
3 Conhecimentos; a reunião do que expressa sabedoria, sapiên- palavra desporto tem origem francesa, deport, significando pra-
cia; conjunto de conhecimentos sobre algo ou alguém: saberes zer, descanso, espairecimento, recreio”. (Junior, 2005, p. 126).
científicos. Fonte: https://www.dicio.com.br/saberes/ Fonte: GONZÁLEZ & FENSTERSEIFER (2005).
248 16
cas e ou nos treinamentos de recursos humanos e, para mudarmos o cenário, necessitamos de

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SABERES E FAZERES SOBRE O BRINCAR E RECREAR: POSSIBILIDADES E BENEFÍCIOS NOS ESPAÇOS DE GESTÃO E TRABALHO
nos espaços de trabalho constantes inserções daquilo que pretendemos
Sá (2007) por sua vez apresenta o lazer como modificar. Essa constatação evidente acende um
forma gerencial, cita as contribuições positivas nas alerta para a fragilidade da aplicação de propos-
empresas em relação a produtividade, na qualida- tas lúdicas de tempo em tempos e a necessidade
de das relações interpessoais, no desenvolvimento de uma imersão verdadeira associadas com su-
e no desempenho dos colaboradores. Nesse con- gestões a partir de finalidades direcionadas.
texto, e ainda sobre o assunto, Dumazedier (1973, Libâneo et.all (2005. P 319) reforça que:
p.34), contribui e defini o lazer como:
A cultura é um conjunto de conhecimentos, va-
[...] um conjunto de ocupações às quais o indiví- lores, crenças, costumes, modos de agir e de se
duo pode entregar-se de livre vontade, seja para comportar adquiridos pelos seres humanos como
repousar, seja para divertir-se, recrear-se e en- membros de uma sociedade. Esse conjunto cons-
treter-se ou ainda para desenvolver sua forma- titui o contexto simbólico que nos rodeia e vai for-
ção desinteressada, sua participação social vo- mando nosso modo de pensar e de agir, isto é,
luntária, ou sua livre capacidade criadora, após nossa subjetividade. As práticas culturais em que
livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações estamos inseridos manifestam-se em nossos com-
profissionais, familiares e sociais. portamentos, no significado que damos às coisas,
em nosso modo de agir, em nossos valores.
Percebe-se a destacada importância atribuída
ao lazer e com isso, torna-se fundamental pro- Assim, propostas esporádicas de lazer dentro
blematizar o entendimento hegemônico de lazer das empresas, aplicação de dinâmicas nos pro-
como uma importante ferramenta e ou contrapon- cessos da área de recursos humanos, podem
to com o trabalho. contribuir para a empresa no que tange o clima
Diante desses apontamentos, sabe-se tam- organizacional e no trabalho, porém faz-se neces-
bém que a aplicação de dinâmicas já faz parte sário que estas experiências sejam mais constan-
dos processos de recrutamento e seleção nos tes e sustentadas por comportamentos lúdicos
espaços de recursos humanos (RH), nos treina- por parte dos líderes e consequentemente ser
mentos, porém acreditamos que ainda precisam refletidas em e pelos seus liderados.
fazer parte efetivo do cotidiano corporativo, ou Outro ponto de vista importante, é desenvolver
seja, precisam fazer parte direto e indiretamente dentro de propostas lúdicas nas empresas e es-
na “cultura” institucional das empresas.  paços de gestão, a horizontalidade5 nas relações
Maturana e Verden-Zöller (2004) sustentam entre os funcionários.
que a cultura é uma rede fechada de conversões 5 Caráter, estado do que é horizontal: a horizontalidade de um
plano. Fonte: https://www.dicio.com.br/horizontalidade/
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O estado lúdico, também chamado de estado preendimento humano empregado a atingir de-

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interno de prazer6, pode ser gerada durante as terminados objetivos. Já na função administrativa
propostas oferecidas “pelo” e “através” do brincar. tem com foco e pretensões, organizar, estruturar
Isso promove a espontaneidade, que naturalmen- e integrar recursos e órgãos. Assim, convém des-
te oferece uma condição de quebrar barreiras hie- tacar que:
rárquicas, onde muitas vezes dificultam a comuni-
As organizações são unidades sociais (e, por-
cação assertiva, a apresentação de novas ideias, tanto, constituídas de pessoas que trabalham
projetos, mudanças dos fluxos de rotinas etc. juntas) que existem para alcançar determina-
Nesse contexto, relacionado com o estado lú- dos objetivos. Os objetivos podem ser lucro, as
dico, o funcionário se mantém inteiro, ou seja, vi- transações comerciais, o ensino, a prestação de
serviços públicos, a caridade, o lazer etc. Nos-
vencia com o seu trabalho uma experiência que
sas vidas estão intimamente ligadas às organi-
integra sentimento, pensamento e ação, de forma zações porque tudo o que fazemos é feito den-
plena e motivacional. tro de organizações. (CHIAVENATO, 1989, p.3).

BRINCAR NO ESPAÇO DE GESTÃO A partir dessa citação, destacamos alguns ar-


gumentos que sinalizam as organizações enquan-
Quando apontamos “espaço de gestão” impor- to uma estrutura que tem funções especificas fo-
ta situar que o entendimento sobre o assunto está cadas em planejar, organizar, dirigir, e controlar,
diretamente ligado as atividades pela qual são mo- tanto recursos físicos, materiais e humanos.
bilizados ações, meios e procedimentos para atin- Desse modo, importante mencionar que a ins-
gir os objetivos das corporações e envolvendo al- tituição escolar como bem destaca Paro (1996)
gumas características que envolvem basicamente são organizações, e nelas ocorrem interações
aspectos gerenciais e técnico-administrativos. entre as pessoas e com as pessoas na intencio-
Chiavenato (1989) apresenta significados de nalidade de uma formação humana e social, as-
organização e deixa claro que estão ligados a sim, é nesse sentido que o brincar e recrear vem
uma unidade social e funções administrativas. auxiliando nas relações humanas.
Nesse contexto, no viés ligado a unidade so- O autor também destaca sobre as organiza-
cial, uma organização se caracteriza em um em- ções sinalizando a finalidade em sintetizar a ta-
refa de administrar a partir de dois conceitos, ou
6 O sentido atribuído a palavra “Prazer”, nesse contexto apresen- seja: racionalização de recursos e a coordena-
tado, se relaciona especificamente a: “Estado afetivo agradável
de ordem física no sentido estrito [...], Júbilo, alegria, contenta- ção do esforço coletivo em função dos objetivos.
mento. Sentimento ou sensação agradável; deleite, satisfação,
delícia; distração, divertimento, entretenimento. Fonte: https:// (PARO, 1996).
sites.google.com/view/sbgdicionariodefilosofia/prazer.
250 16
Sobre essa questão o autor justifica que: As intervenções lúdicas durante a jornada de

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SABERES E FAZERES SOBRE O BRINCAR E RECREAR: POSSIBILIDADES E BENEFÍCIOS NOS ESPAÇOS DE GESTÃO E TRABALHO
trabalho se caracterizam como mais uma possibili-
[...] em seu sentido geral, podemos afirmar que
a administração é a utilização racional de recur- dade, o que poderá colaborar principalmente para
sos para a realização de fins determinados. [...] a socialização entre os colaboradores e por fim, as
envolvem, por um lado, os elementos materiais dinâmicas de grupos que atuam como caminhos
e conceptuais que o homem coloca entre si e para o desenvolvimento de habilidades e compe-
a natureza para dominá-la em seu proveito; por
tências, aplicadas geralmente pelas áreas de re-
outro lado, os esforços despendidos pelos ho-
mens e que precisam ser coordenados com vis- cursos humanos e treinamento na busca de identi-
tas a um propósito comum [...]. A administração ficar os perfis dos trabalhadores e o quanto podem
pode ser vista, [...] como dois amplos campos colaborar com a empresa em termos de produção.
que se interpenetram: “a racionalização do tra- Apresentamos a seguir três sugestões de prá-
balho” e a coordenação do esforça humano co-
ticas lúdicas para os espaços de gestão. 
letivo”. (PARO, 1996, p. 18-20).
Tais sugestões fazem parte da obra literária
Embora reconheçamos o papel da administração de Tanil e Montrezol (2019) lançada pelo Conse-
enquanto campo da gestão, precisamos entender lho Regional de Educação Física de São Paulo
e aprofundar discussões que tratem das relações (CREF-4/SP).
humanas nesses espaços e que isso é fundamen-
tal para a formação de um ser humano diferente. I - Jogo de apresentação: Stop laboral
Assim, nossos esforços vão na direção do brincar
e recrear como ferramenta que irá articular a intera- Para jogar Stop em uma folha de papel dese-
ção entre as pessoas e sua participação efetiva nos nha-se uma tabela em tópicos. Cada coluna cor-
objetivos coletivos das corporações. responde um tema, só que diferente da brincadei-
Desse modo, vamos apresentar de que forma ra original, os temas deverão relacionar-se com a
o brincar pode ser desenvolvido dentro das em- possibilidade de conhecer um pouco mais o colega
presas e algumas sugestões de atividades que de trabalho, como por exemplo, comida que mais
poderão ser desenvolvidas nestes espaços, bem gosta, esportes que pratica ou praticou, nome dos
como o objetivo principal de cada sugestão. colegas de infância, uma brincadeira etc.
A primeira possibilidade do brincar dentro da Assim que as tabelas estiverem feitas, joga-se
empresa é em eventos, festas comemorativas,
o “adedonha”, os participantes colocam a mão
confraternizações etc.
para trás e falam ‘adedonha’ e mostram as mãos
A segunda sugestão são as propostas esporti-
e os dedos e conforme a quantidade de dedos é a
vas, que poderão colaborar para o bem-estar físi-
letra que vai ser direcionada para o jogo.
co, social e emocional dos participantes.
251 16
Assim que sabe a letra, os participantes de- O TRABALHO E O CLIMA ORGANIZACIONAL

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verão preencher os temas com palavras que te- DA GESTÃO NOS ESPAÇOS ESCOLARES
nham o início da letra sorteada.
Neste caso, como o objetivo é conhecer o ou- “Comerás o teu pão com o suor do teu rosto
tro, não há necessidade de contagem, nem tão (...)” (Gênesis 3:19).
pouco uma quantidade mínima de sorteios, a du-
ração da atividade respeitará a duração da moti- Ao contextualizarmos o termo “trabalho” em
vação dos participantes na brincadeira. sua base conceitual nos permitimos avaliarmos
algumas vertentes, inclusive a partir da epígrafe
II - Jogo de integração: Construção coletiva apresentada com a frase divina do Gênesis7, onde
caracteriza o trabalho como uma atividade árdua
O gestor deve oportunizar peças de lego para de esforço físico na busca da sobrevivência.
os colaboradores, se forem muitos colaborado- Nesse mesmo caminho, Arendt (1989) em
res, formar equipes, dar a eles um tempo para seus estudos, analisa duas formas de trabalho
construírem um objetivo criativo com as peças re- que se caracterizam em “labor” e “work”. No pri-
cebidas, pode-se inclusive negociar com as equi- meiro termo temos uma função instrumental, ou
pes parceiras.  seja, o homem enquanto operário alienado, sa-
crificado e desenvolvendo funções fundamentais,
III - Jogos de comportamento: Se eu fosse trabalho repetitivo, dia após dias para atender as
você! necessidades diversas, no entanto, tais ações lhe
impede emancipação, ou seja, coíbe sua ação de
Em duplas um de frente para o outro, decida ser ou de se tornar independente.
com o grupo quem irá começar a atividade da du- No segundo termo, “Work” ou obra, se carac-
pla, o facilitador da atividade, deve citar uma situa- teriza por uma atividade explicitamente criativa,
ção, aquele que irá começar a atividade deve olhar onde temos a combinação de dois elementos im-
nos olhos do outro e falar “se eu fosse você….” portantes: permanência e liberdade. Nesse caso,
Por exemplo, o facilitador fala: “sai com os ami- existe uma disposição ordenada na produção de
gos e tomei duas taças de vinho….” quem está coisas8 para o uso que vão além do mero consu-
na vez inicia a frase olhando nos olhos do outro e mo.
diz: “se eu fosse você eu….” como por exemplo, 7 Primeiro livro da Bíblia que, no Antigo Testamento, narra e des-
“chamaria um uber para não colocar em risco a creve a criação do Mundo, da Terra, da humanidade. Fonte: ht-
tps://www.dicio.com.br/genesis/
mim e os outros”. 8 O termo “coisas” nesse texto tem a conotação de: “Tudo o que
existe ou que pode ter existência (real ou abstrata)”.
252 16
Nesse contexto, é importante frisar que tra- (LECHAT, 2005). Ou seja, fica evidente a visão

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balho se caracteriza por toda atividade física ou do trabalho a partir do esforço físico, desgastante
mental realizada pelos humanos e que tem a fina- e produtivo em larga escala com finalidades di-
lidade em produzir bens ou serviços. Essa inter- recionadas para a transformação da natureza e
pretação é versada por alguns autores como algo produção de bens.
determinante para a manutenção da vida do ho- Face a esses apontamentos expostos, Cattani
mem, tanto individual como coletiva. (JACQUES, (1996, p.39) salienta e destaca que:
1996), (OVEJERO, 2010). Chegam a mencionar
O trabalho constitui e explica grande parte da
ser impossível separar o trabalho da existência e sociedade capitalista. Facetas essenciais do
vida dos seres humanos levando em conta a im- processo de socialização, da construção identi-
portância e o impacto que ele oferece e incita. Do tária, das formas de dominação e de resistência,
ponto de vista de uma sociedade capitalista o ter- enfim, da dinâmica contraditória da economia de
mercado, têm origem nas situações laborais e
mo trabalho tende a ser visto como meio pelo qual
nas relações sociais estruturadas na atividade
os membros da sociedade sobrevivem em função produtiva.
do seu suor e labor e outra parte, acumula bens.
Assim, como destacado por Lechat (2005, p. 404), O trabalho, como ato concreto, individual ou co-
letivo, é, por definição, uma experiência social.
A noção de trabalho como a conhecemos hoje é
Opressão e emancipação [...] prazer, alienação
relativamente recente e nasce com a Revolução
e criação são suas dimensões ambivalentes,
Industrial. O trabalho artesanal, nas sociedades
que não se limitam à jornada laboral, mas que
pré-capitalistas, não era separado da vida fami-
repercutem sobre a totalidade da vida em so-
liar, da religião e do lazer. Com o nascimento da
ciedade.
fábrica e a exploração da classe operária pelos
proprietários dos meios de produção, o ritmo e
Partindo desses preceitos apresentados pelo
a intensidade do trabalho só conheciam o limite
da exaustão física e psíquica do trabalhador. A autor entendemos a importância do trabalho, no en-
atividade econômica tornou-se uma busca in- tanto se faz necessário ações de intervenções para
cansável pelo lucro. além de uma atividade produtiva, e que, em grande
parte, “realiza-se sob a coação de uma relação eco-
Para a autora, em suas considerações apre-
nômica específica”. (CATTANI, 1996, p. 39).
sentadas e com o espírito do capitalismo impe-
Essas ações têm como ponto de partida en-
trado a partir da exploração de classes operárias
tendermos o brincar e recrear como estratégias
através da força do trabalho, e visando especifi-
de formação do ser humano para o trabalho. Es-
camente a produção e lucro, ocorreu o rompimen-
tamos imbuídos a pensarmos “tudo quanto nos
to do vínculo entre o trabalho e a vida humana.
253 16
perfaz por dentro e por fora, nos pensamentos dever espiritual e de escolha divina”. (KUMAR,

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e atos, nos sentimentos e gestos, nos ideais e 1997 apud LIEDKE, 2002, p. 344).
nas palavras, nas emoções e reações”. (BENTO, Contudo, essas compreensões se fazem ne-
2004, p. 35). cessário para que possamos compreender que
Assim, e pela intencionalidade, estamos “a o trabalho enquanto processo de transformação
pensar no Homem-Todo, na pessoa de fora e na humana, no entanto não esquecer que as ativi-
expressão da sua beleza e grandeza na pessoa dades lúdicas (brincar e recrear) transcendem as
de dentro”. (BENTO, 2004, p. 35). necessidades imediatas da vida social.
Para além de pensarmos o termo trabalho so-
mente na “produção e acumulação de uma fan- POSSIBILIDADES DO BRINCAR PARA A
tástica quantidade de riquezas e o desenvolvi- MELHORIA DO CLIMA ORGANIZACIONAL
mento de forças produtivas”, temos que observar
que se “transformou numa espécie de cimento Não há como falar sobre o proposto neste
social”, assim, temos que fortalecer o seu papel subtítulo, sem passarmos pelo conceito de clima
“básico de socialização [...] na atividade principal organizacional, que nada mais é a percepção ge-
e no elemento definidor, embora não exclusivo, neralizada que o indivíduo forma da organização
de boa parte do sentido da vida dos indivíduos”. e que esta é o resultado das experiências viven-
(CATTANI, 1996, p. 40). ciadas por ele (SANTOS, 1999). 
Portanto, no que tange nossos objetivos a par- Se estas experiências são positivas há uma
tir dessas discussões sobre trabalho e clima or- grande possibilidade, de que o clima organizacio-
ganizacional nos espaços de gestão escolar, op- nal daquela empresa também seja positivo, claro
tamos por direcionar nosso foco para uma visão que outros fatores influenciam nesta percepção,
mais humanística, onde, o trabalho se articula a como por exemplo, as experiências pessoais de
um ato divino de criação. Trabalho como neces- cada colaborador.
sidade humana, mas, também como obra criativa Diante deste conceito e das contribuições do
que dignifica, prospera a humanização e realiza brincar para as relações pessoais e profissio-
o homem. nais, podemos afirmar a partir dos estudos que
Nessa análise, caracteriza-se como uma dis- oportunizar propostas lúdicas no ambiente cor-
ciplina ou conhecimento que visa obter a prática porativo, pode colaborar no processamento das
perfeita em alguma coisa e os seus resultados informações mais próximo do clima organizacio-
tendem a expressar “a recompensa pelo trabalho nal considerado ideal para a gestão e aos profis-
a ser entendida como sinal de cumprimento do sionais envolvidos.
254 16
CONSIDERAÇÕES FINAIS DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. São Pau-

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SABERES E FAZERES SOBRE O BRINCAR E RECREAR: POSSIBILIDADES E BENEFÍCIOS NOS ESPAÇOS DE GESTÃO E TRABALHO
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se tratando desse período de pandemia onde o
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para o momento, não podemos esquecer que as lação indispensável. In: TAMAYO, A.; BORGES-AN-
relações interpessoais ainda são necessárias e DRADE, J.E.; CODO, W. (Orgs.). Trabalho, Organiza-
fazem parte da engrenagem para a fluidez de um ções e Cultura. Rio de Janeiro: Associação Nacional
processo e que estas, poderão trazer resultados de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia, 1996.
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mais positivos se estiverem inseridas em um ce-
nário harmonioso e feliz. LECHAT, N.M.P. Trabalho. In: GONZÁLEZ, F.J.; FENS-
Sendo assim, insistimos em defender a importân- TERSEIFER, P.E. Dicionário Crítico de Educação Físi-
cia do brincar para a humanidade e a sua inserção ca. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2005.p. 403-405.
em qualquer época e cenários de nossas vidas, seja
LIBÂNEO, J.C. Educação escolar, políticas, estrutu-
ele em casa, na rua, na escola ou no trabalho, sen-
ras e organização. 2 ed. SP: Cortez, 2005.
do que neste último, se caracteriza em um impor-
tante caminho para a formação de relacionamentos LIEDKE, É.R. Trabalho. In: CATTANI, A.D. (org.) Di-
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Narciso Mauricio dos Santos - Andréa S. Frangakis Tanil


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senvolvimento dos processos superiores. Trad. José
Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange
Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
256
A cada bela estação uma formiga incansável
levava para sua casa os mais abundantes man-
timentos: quando chegou o inverno, estava far-
ta. Uma cigarra, que todo o verão levara a can-
tar, achou-se então na maior miséria. Quase
a morrer de fome, veio esta, de mãos postas,
suplicar à formiga lhe emprestasse um pouco
do que lhe sobrava, prometendo pagar-lhe com
o juro que quisesse. A formiga, que não é de
gênio emprestador; perguntou-lhe, pois, o que
fizera no verão que não se precavera.
– No verão, cantei, o calor não me deixou trabalhar.
– Cantastes! tornou a formiga; pois agora dançai.
(A Cigarra e a Formiga, Esôpo)

Assim como as formigas, nós os autores pas-


samos o período de pandemia, buscando tornar
mais abundante o nosso acervo de materiais di-

CAPÍTULO 17 dático-pedagógicos, poderíamos ter sido cigar-


ras, e passado a maior parte do tempo cantando
(que fique claro em isolamento social), mas não
fomos, todavia diferente da formiga temos prazer
BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: em dividir aqui o que fizemos.
A Educação Infantil é um dos períodos mais
A FÁBULA COMO ENREDO EM importantes, se não for o mais, de toda a esco-

AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA larização básica e, muitas vezes, tem lhe sido
dado menor importância. Em relação à afirmação
INFANTIL podemos citar como exemplo as casas que são
adaptadas para serem “escolinhas” ou a neces-
sidade imposta pelos órgãos governamentais em
Rogério Zaim-de-Melo alfabetizar a criança cada vez mais cedo.
Iris Costa Soares Nas escolas observamos os professores re-
Ida Carneiro Martins
gentes preocupados com o Pacto da Alfabetiza-
ção na Idade Certa (PNAIC), levando cada vez
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menos a criança a brincar, e quando ela brinca ria de 0 a 6 anos, deve permitir que os mesmos

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
quase sempre é uma atividade direcionada com desempenhem um papel mais ativo em seus
movimentos, respeitando os seus interesses e
fins utilitários mesmo sabendo que o brincar é
necessidades e que, nesta faixa etária, só pode
essencial. A brincadeira “embora ‘inútil’, ‘fútil’, do se caracterizar pela brincadeira, ampliando as-
ponto de vista imediato, ela tem enorme impor- sim as culturas infantis de movimento (BUSS-
tância a longo prazo. A necessidade de garantir -SIMÃO, 2005, p. 168).
espaço para o gesto ‘inútil’ adquire enorme impor-
Na Educação Infantil os professores de Edu-
tância” (DANTAS, 2014, p.115).
cação Física possuem várias possibilidades para
Neste cenário, um dos espaços que a crian-
desenvolver as aulas com seus alunos dentro da
ça ainda1 brinca, é na aula de Educação Física,
esfera das práticas corporais que compõem a cul-
não importa como ela seja nominada: movimento,
tura corporal. Neste texto destacamos a utilização
jogos e recreação, educação corporal, gestos e
do Jogo de Faz de Conta, como um dos principais
movimento, dentre outras.
aliados nesse processo, enfatizando o trabalho
Vários autores relatam experiências positivas
com crianças de 4 a 5 anos.
com trabalhos desenvolvidos nesta etapa de ensi-
no (AYOUB, 2005; RICHTER, VAZ; 2012; FLORIA-
O JOGO REPRESENTADO/ O JOGO DE
NO, PEREIRA, 2018). O que esses trabalhos têm
FAZ DE CONTA E A EDUCAÇÃO FÍSICA
em comum? A premissa que a Educação Física na
Educação Infantil não deve ter como objetivo ape-
O jogo de Faz de Conta é a linguagem própria
nas o desenvolvimento motor, não que esse não
da criança que frequenta a Educação Infantil, as-
seja importante, mas os professores devem ir além
sim precisa ser considerado no processo educati-
entendendo as crianças como seres artísticos,
vo deste ciclo de ensino. A criança de 4 a 5 anos
que “se expressam à sua maneira, criam, vivem
de idade, faixa etária enfocada neste trabalho,
o presente brincando, se-movimentam de várias
encontra-se no período que tem enquanto a sua
formas, algo que se torna pura expressão de suas
atividade principal os jogos e as brincadeiras, ou
emoções” (FARIAS et al, 2020, p. 3).
seja, ela tem o brincar como o modo primordial de
Diante disso, uma Educação Física comprometi- se relacionar e compreender o mundo (ELKONIN,
da com o respeito aos interesses, necessidades 2012; VIGOTSKI, 2008).
e direitos dos meninos e meninas na faixa etá-
Na fase pré-escolar a criança ainda apresenta
1 Utilizamos aqui o advérbio, porque temos desconfianças que características da fase anterior, ou seja, possui a
com a institucionalização da infância e os defensores da dicoto- necessidade que os seus desejos sejam satisfei-
mia criança/educação possa encontrar uma maneira de raciona-
lizar até o movimento. tos de imediato. Como isso nem sempre é possí-
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vel, para satisfazer tal tensão, a criança brinca de Assim, durante a brincadeira, a criança se sub-

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
Faz de Conta. Tal tipo de brincadeira é decorrente mete ao enredo e às normativas dos papéis re-
de um processo psicológico que só é encontrado presentados, segundo o modelo da realidade que
em humanos, ou seja, a capacidade de imaginar. ela imita, e estas se tornam uma regra de compor-
Observando tal questão, podemos afirmar que o tamento a ser seguida. Continuamente, por meio
brincar de Faz de Conta não pode ser considera- da brincadeira, a criança controla seus impulsos
do como uma subcategoria da atividade humana. na busca de se adaptar às “regras do jogo”, o que
O brincar de Faz de Conta começa a aparecer a impede de agir como gostaria, pois cumprir as
quando a criança passa a se interessar pela rea- regras torna-se desejo e quanto mais estrutura-
lidade que a cerca e tem a necessidade de agir das elas forem, maior regulação exigirá da crian-
sobre ela, com o intuito de conhecer o mundo que ça. Em decorrência disso é que podemos afirmar
a rodeia. É quando a criança passa a separar o que o jogo de Faz de Conta obriga a criança a se
pensamento dos objetos e, então, a ação infantil comportar de uma maneira superior ao que está
passa a ser regida pelo campo das ideias. Para habituada, para cumprir o papel social que está
tal, ela se apoia nos papéis e normativas sociais, representando, o que a eleva a níveis superiores
se sujeitando a elas, sendo os brinquedos e os de pensamento e ação, promovendo o seu de-
objetos os “pivôs” que permitem essa separação senvolvimento (VIGOTSKI, 2008).
e servem de apoio para o que a criança imagi- Observando tal contexto é que podemos afir-
na. Todavia, não é qualquer objeto que serve mar que o jogo de Faz de Conta é promissor en-
para qualquer coisa, o objeto tem que compor- quanto estratégia para as aulas de Educação Fí-
tar a ação que a criança empreende (FONTANA; sica na Educação Infantil, pois, em seu processo,
CRUZ, 1997; VIGOTSKI, 2008). a criança se emprenhará em cumprir o enredo e,
Observando tal condição, o jogo de Faz de desta forma, ela se entregará à proposta se utili-
Conta possui sempre “o mesmo conteúdo, ou zando, inclusive, de sua melhor qualidade de mo-
seja, a atividade do homem e as relações sociais vimento. Ainda, a mediação do professor encami-
entre as pessoas”, já as temáticas são variadas nhando o enredo, enquanto um personagem ou
e “refletem as condições concretas da vida da até como elemento do grupo, pode elevar pode
criança, as quais mudam conforme as condições elevar o movimento a níveis consideráveis a exe-
de vida em geral e à medida que a criança vai in- cução do movimento, pois existe grande diferen-
gressando num meio mais vasto a cada novo dia ça entre ser capaz de atravessar o banco sueco,
de sua vida, com o que se ampliam seus horizon- deslocando-se para frente e para trás e, de outro
tes” (ELKONIN, 2009, p. 35). modo, ser o Peter Pan e lutar contra o Capitão
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Gancho no mastro do Navio Pirata. Vencer o Ca- Por fim, na finalização da aula é importante

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
pitão Gancho, passa a ser o motivo para a ação que se leve as crianças a refletirem sobre o que
infantil, muito mais do que ser ou não ser capaz vivenciaram, ou seja, que elas possam compre-
de realizar a tarefa proposta. (MARTINS, 2002) ender em pensamento, aquilo que vivenciaram na
Observar tal condição é fundamental ao de- ação corporal (FREIRE, 1992).
senvolvimento da motricidade infantil, pois “al- Para o desenvolvimento do jogo de Faz de Con-
guns movimentos que são formados na idade pré- ta, nas aulas de Educação Física na Educação In-
-escolar, como sua realização e desenvolvimento fantil, o professor pode se apoiar em filmes, de-
dependem do caráter da tarefa colocada diante senhos animados, narrativas da literatura infantil,
da criança e dos motivos para atividade infantil” dentre outros e podemos, também, citar os traba-
(ZAPORÓZHETS, 1987, p. 73 – tradução nossa). lhos apontados, tais como os exemplos nos relatos
Ao se utilizar o jogo de Faz de Conta enquan- de Martins e Venâncio (2005), Fabiani, Scaglia e
to estratégia para as aulas de Educação Física
Almeida (2016) e Goulart (2018). O nosso desta-
na Educação Infantil, é preciso observar alguns
que nesse capítulo, é a utilização da fábula como
procedimentos. Inicialmente, é relevante que haja
enredo para as aulas de Educação Física infantil.
um convite para que a criança adentre ao jogo, já
que uma de suas características é que ele acon-
FÁBULAS, CONTOS DE FADAS E LEN-
tece em um espaço e tempo determinado. Assim,
DAS: NARRATIVAS DE FAZ DE CONTA
para se introduzir a criança no jogo é preciso um
chamado à sua participação, um atrativo insólito
Lendas, contos de fadas e fábulas são gêneros
que a tome pelo imaginário, tais como: uma histó-
narrativos da literatura infantil que levam a criança a
ria contada, um filme, o professor enquanto per-
sentir emoções, sorrir, sentirem-se curiosas com o
sonagem, dentre outras possibilidades (CRUZ,
desfecho das personagens (ABRAMOVICH, 1997).
2015; USOVA, 1979).
Outra questão que é muito relevante para se Através de histórias abre-se a possibilidade de se
observar durante as práticas educativas é a me- descobrir um mundo novo, sonhar, imaginar... voar
diação do professor no encaminhamento do jogo, como uma fada ou lutar contra um dragão.
na condução do enredo, pois é preciso que sua As lendas são formas de narrativas antigas que
mediação tenha delicadeza, que ele reconheça a consistem em relatar fatos nos quais o maravilho-
plasticidade do processo, de modo que a sua inter- so e o imaginário se sobressaem à verdade. São
venção não deforme o jogo que ali se desenvolve transmitidas e conservadas pela tradição oral e
e, até, que a ação que ali se desenvolve, deixe de estão, muitas vezes ligadas a certos espaços ge-
ser jogo e passe a ser simplesmente tarefa. ográficos e determinado tempo (COELHO, 2000).
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Já os contos de fadas têm sua origem entre No Brasil, os contos de fadas foram narrados

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
os celtas, com heróis e heroínas, com aventuras em compactos de vinil coloridos, a chamada cole-
ligadas ao sobrenatural, partindo sempre de uma ção Disquinho, lançada em 1960. A coleção tinha
situação real, concreta para o fantasioso, em um como compositor o carioca Braguinha. As histó-
lugar fora do tempo e do espaço, mas que todos rias narradas nos discos coloridos, encantaram
podem caminhar (ABRAMOVICH, 1997; COE- várias gerações de brasileiros.
LHO, 2000). Além dos contos de fadas, na coleção Disqui-
nho eram narradas fábulas. As fábulas, também
Se há personagem que apesar dos séculos e
da mudança de costumes continua mantendo se são narrações literárias direcionadas às crianças.
poder atração sobre homens e crianças, essa é O que difere as fábulas dos contos de fadas? As
a fada [...] ocupa um lugar privilegiado, encarna fábulas são histórias curtas, cuja as personagens
a possível realização dos sonhos ou ideais ine- são animais, aludindo a uma situação humana
rentes a condição humana. Limitado pela mate-
com objetivo de transmitir certa moralidade.
rialidade de seu corpo e do mundo em que vive,
é natural que o homem tenha desejado sempre A moral contida nas fábulas é uma mensagem
uma ajuda mágica. Entre ele a possível realiza- animada e colorida. Uma estória contém mo-
ção de seus sonhos, aspirações, fantasia, ima- ral quando desperta valor positivo no homem.
ginação... sempre existiram mediadores e opo- A moral transmite a crítica ou o conhecimento
sitores (COELHO, 2000, p. 173). de forma impessoal, sem tocar ou localizar cla-
ramente o fato. Isso levou a pensar que essa
Nas histórias há sempre o embate entre o bem narrativa da moralizante nasceu da necessidade
e o mal, é o mundo das transformações, fusão crítica do homem, contida pelo poder da força e
entre o real e o espiritual. Convivem seres ma- das circunstâncias. (GÓES, 1991, p. 144)
ravilhosos (fadas, magos, bruxas, duendes...) su-
O primeiro fabulista que se tem registro foi o
periores (reis, rainhas, princesas, príncipes...) e
grego Esopo, que inspirou outros autores o ro-
inferiores (servos, escudeiros, lacaios, guardas,
mano Fedro e o francês La Fontaine. As fábulas
gente do povo) (COELHO, 2000).
mais famosas são A cigarra e a formiga, A lebre
Os principais autores dos contos de fadas são
e tartaruga, A raposa e a cegonha, O leão e o
o francês Charles Perrault, o dinamarquês, Hans
rato, dentre outras. No Brasil o principal autor de
Christian Andersen e os alemães Jacob e Wi-
fábulas foi Monteiro Lobato, que fez releituras das
lhelm Grimm (os Irmãos Grimm). Muitos desses
narrativas de Esopo e La Fontaine e as publicou
contos foram transformados em longas metragem
em formato de livro em 1922.
de animação, cujo principal produtor são os Estú-
dios Disney.
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A FÁBULA NAS AULAS – A AÇÃO PRO- eram iniciadas com a leitura da fábula, logo de-

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
PRIAMENTE DITA pois perguntava-se as crianças:
- Vocês conhecem esses animais?
A proposta de utilização das fábulas como en- - Onde vocês os viram?
redo nas aulas de Educação Física foi desenvolvi- - Qual os barulhos que eles fazem?
da em um Centro de Educação Infantil, com uma - Vamos tentar andar como eles?
turma de Pré II (alunos de 4 e 5 anos), com 24 No segundo dia da unidade, a fábula era con-
alunos, 10 meninos e 14 meninas. tada novamente, mas agora as crianças esco-
A escola possui quatro salas de aula, uma sala lhiam que animal eles irão ser. O professor fazia a
para secretaria, uma cozinha, um laboratório de contação da história de forma bem compassada,
informática, sala de professores, três banheiros dando ênfase nos diálogos, e imitando as vozes
sendo um masculino e um feminino e um para os dos animais.
professores e um amplo pátio, com árvores fron-
FÁBULA 1
dosas que durante o verão fazem sombra para
as crianças e um parquinho (com escorregador, Fábula: A lebre e a tartaruga
balanço, trepa-trepa, gira-gira e gangorra).
Autor: La Fontaine
Com a de duração 5 unidades, composta
Local de acesso: http://www.metaforas.com.br/infantis/a_
de duas aulas cada, totalizando 10 aulas. Cada lebre_ea_tartaruga.htm
unidade tinha 1 fábula, utilizada como referência Habilidade Motora correr, saltar, engatinhar
para 2 aulas, como base, que foi escolhida pen- Capacidade Física velocidade, agilidade e força
sando nas possíveis ações motoras poderiam ser
desenvolvidas e também na moral da história, A lebre vivia a se gabar de que era o mais ve-
que auxiliaria na dimensão atitudinal dos conteú- loz de todos os animais. Até o dia em que encon-
dos2. Para cada história foi construída uma ficha trou a tartaruga.
que continha o nome da fábula, o autor, o local de Tartaruga: Eu tenho certeza de que, se apos-
acesso, e as ações motoras e capacidades físicas tarmos uma corrida, eu serei a vencedora.
que seriam realizadas. No final da unidade os alu- A lebre caiu na gargalhada.
nos faziam um desenho da fábula. As unidades Lebre: Uma corrida? Eu e você? Essa é boa!
Tartaruga: Por acaso você está com medo de
2 No Brasil, em meados dos anos 2000, baseados na reforma perder?
educacional espanhola, os conteúdos escolares passaram a ser Lebre: É mais fácil um leão cacarejar do que
desenvolvidos em três dimensões (conceitual – aprender a co-
nhecer, procedimental – aprender a fazer, e atitudinal – aprender eu perder uma corrida para você.
a ser).
262 17
No dia seguinte, a raposa foi escolhida para

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
FÁBULA 2

ser a juíza da prova. Bastou dar o sinal da largada Fábula: O Canguru que saltava para trás
para a lebre disparar na frente a toda velocidade.
Autor: Desconhecido
A tartaruga não se abalou e continuou na disputa.
Local de acesso: http://www.metaforas.com.br/infantis/can-
A lebre estava tão certa da vitória que resolveu guru.htm 08/10/2010
tirar uma soneca. Habilidade Motora saltar na horizontal, correr,
“Se aquela molenga passar na minha frente, é Capacidade Física velocidade, agilidade e força
só correr um pouco que eu a ultrapasso”.
Num país muito longínquo, nasceu um dia
A lebre dormiu tanto que não percebeu quando
um canguruzinho que tinha uma qualidade muito
a tartaruga, em sua marcha vagarosa e constan-
curiosa. Saltava para trás, ao contrário de todos
te, passou. Quando acordou, continuou a correr
os outros animais de sua espécie. Isso fazia dele
com ares de vencedora. Mas, para sua surpresa,
alvo da zombaria dos outros.
a tartaruga, que não descansara um só minuto,
O canguruzinho, que era muito sensível, sofria
cruzou a linha de chegada em primeiro lugar.
muito e, todas as noites, chorava desconsolado,
Desse dia em diante, a lebre tornou-se o alvo
sem que ninguém visse. Um dia, o mocho, sábio e
das chacotas da floresta. compreensivo, aproximou-se dele, dizendo:
Quando dizia que era o animal mais veloz, to- Mocho: De nada adianta ficar chorando pelos
dos a lembravam de uma certa tartaruga... cantos. Se você se esforçar e treinar um pouco
Moral: Quem segue devagar e com constância será capaz de saltar para frente como os outros
sempre chega à frente. cangurus. É uma questão de perseverança.
O canguruzinho compreendeu que o mocho
tinha razão. Nessa mesma noite, começou a pra-
ticar no seu cantinho. Progredia rapidamente e,
num belo dia, no meio da admiração geral, o can-
guruzinho deu uma autêntica exibição de saltos
para frente.
Satisfeito e orgulhoso, o canguruzinho passou
a considerar-se igual aos demais. Mas, na reali-
dade, ele era mais capaz que os outros, porque
A lebre e a tartaruga
Fonte: acervo dos autores era o único que sabia também saltar para trás!
Moral: Não adianta chorar, é preciso se esfor-
çar para conseguir o que quer.
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Leão caiu numa armadilha. Como os caçadores

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
o queriam oferecer vivo ao Rei, amarraram-no a
uma árvore e partiram à procura de um meio para
o transportarem.
Nisto, apareceu o ratinho. Vendo a triste situa-
ção em que o Leão se encontrava, roeu as cordas
que o prendiam.
E foi assim que um ratinho pequenino salvou o
Rei dos Animais.
Moral: Não devemos subestimar os outros.

Ganguru
Fonte: acervo dos autores

FÁBULA 3

Fábula: O leão e o rato


Autor: Esopo
Local de acesso: http://www.metaforas.com.br/infantis/
oleaoeoratinho.htm
Leão
Habilidade Motora engatinhar
Fonte: Acervo dos autores
força, equilíbrio, coordenação
Capacidade Física
motora ampla
FÁBULA 4
Num certo dia, estava um Leão a dormir a ses-
Fábula: O leão e o mosquito
ta quando um ratinho começou a correr por cima
dele. O Leão acordou, pôs-lhe a pata em cima, Autor: Esopo

abriu a bocarra e preparou-se para engoli-lo. Local de acesso: http://www.metaforas.com.br/infantis/


oleaoeoratinho.htm
Ratinho: Perdoa-me! Gritou o ratinho - Perdo-
Habilidade Motora correr, engatinhar
a-me desta vez e eu nunca o esquecerei.
força, velocidade, coordena-
Ratinho: Quem sabe se um dia não precisarás Capacidade Física
ção motora ampla
de mim?
Um leão ficou com raiva de um mosquito que
O Leão ficou tão divertido com esta idéia que
não parava de zumbir ao redor de sua cabeça,
levantou a pata e o deixou partir. Dias depois o
mas o mosquito não dava a mínima.
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Mosquito: Você está achando que vou ficar

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
FÁBULA 5

com medo de você só porque você pensa que é Fábula: O cachorro e o burro
rei? Disse ele altivo e, em seguida, voou para o Autor: La Fontaine
leão e deu uma picada ardida no seu focinho. Local de acesso: http://fabulasdiversas.blogspot.
Indignado, o leão deu uma patada no mosqui- com/2013/07/o-cachorro-e-o-burro.html
to, mas a única coisa que conseguiu foi arranhar- Habilidade Motora
correr, engatinhar, saltar hori-
zontal
-se com as próprias garras. O mosquito continuou
picando o leão, que começou a urrar como um Capacidade Física
força, agilidade, coordenação
motora ampla
louco. No fim, exausto, enfurecido e coberto de
feridas provocadas por seus próprios dentes e Na fazenda viviam muitos bichos: patos, por-
garras, o leão se rendeu. cos, galinhas... além de um burro e um cachorro.
O mosquito foi embora zumbindo para contar a Todos eles ficavam esperando a hora em que o
todo mundo que tinha vencido o leão, mas entrou dono voltasse do trabalho. No entanto, quando
direto numa teia de aranha. Ali o vencedor do rei ele chegava, somente o cachorro corria para lhe
dos animais encontrou seu triste fim, comido por dar as boas-vindas e fazer festa. O dono passava
uma aranha minúscula. a mão na cabeça de seu fiel amigo.
Moral: Muitas vezes o menor de nossos inimi- Mas o burro, olhando a cena, pensava com
gos é o mais temível tristeza:
Burro: Meu dono não liga para mim! Ele só
acaricia o cachorro!
Um dia, querendo receber carinho, o burro fi-
cou à espera do dono para também recebê-lo com
festas. Assim, quando o homem chegou, o burro
relinchou festivamente e, para imitar o cão, ergueu
as patas. O que aconteceu foi um desastre: desa-
jeitado, ele acabou derrubando o dono no chão.
O homem, surpreso, deu ordens para que o
burro fosse amarrado na cerca. E ficou pensando:
Leão 2 Homem: Afinal, o que deu nesse bicho? Ficou
Fonte: Acervo dos autores louco? Está achando que é cachorro?
No dia seguinte, ele precisou do burro para le-
var cestos de verdura à feira. E então, passando
265 17
a mão carinhosamente na cabeça do animal, dis- sonagem era o leão, esse foi o papel que todos

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
se-lhe, para consolá-lo: queriam interpretar por se tratar do rei da floresta,
Homem: Meu amigo, um burro é um burro e independente dele ter caído em uma armadilha
um cão é um cão. Um serve para carregar, o ou- ou ter sido picado pelo mosquito.
tro, para vigiar. E isso ninguém vai mudar. Quanto aos sons dos animais, houveram for-
Moral: Cada um é o que é. Não se pode forçar tes rugidos dos leões, zurros dos burros, caca-
a própria natureza. rejar das galinhas. Aliás, os sons dos animais da
fazenda eram conhecidos por todas as crianças,
CONFABULANDO por se tratar de uma cidade interiorana, com mui-
tas chácaras, ou seja, esses animais faziam parte
Após apresentar como as fábulas foram do cotidiano das crianças. O barulho mais curioso
utilizadas nas aulas de Educação Física na Edu- feito pelas crianças foi o zunido do mosquito, eles
cação Infantil, chegou a hora de confabularmos, e faziam e davam risadas, e algumas vezes tenta-
contarmos os resultados da proposta na escola. vam bater um nos outros, como se estivessem
As crianças adoraram as fábulas, desde a pri- acertando o mosquito.
meira aula elas ficavam eufóricas aguardando o Um outro fator importante observado foi a agili-
professor. Com relação às fábulas trabalhadas dade que as crianças desenvolveram em relação à
houve aceitabilidade de todas as crianças e a habilidade motora de engatinhar, a maioria dos ani-
única em que os alunos afirmaram não conhecer mais das fábulas eram quadrupedes, assim, a velo-
o animal da história foi O Canguru que saltava cidade de execução foi aumentando, gradativamen-
para trás, nesse momento a professora regente te. Outra habilidade que foi possível perceber um
interviu explicando que o Austin, personagem do grande ganho no desenvolvimento motor das crian-
desenho Backyardigans3, era um canguru. Essa ças foi o saltar horizontal. No pátio da escola tem
também foi a fábula que fez o maior sucesso, as amarelinhas desenhadas no chão, e o desempenho
crianças adoraram saltar para frente e para trás. no salto entre os espaços melhorou e as crianças
Na fábula “A lebre e a tartaruga”, num primeiro começaram a ter mais sucesso no jogo.
momento, todos queriam ser a lebre, porque era Crianças com 4 e 5 anos, segundo Galhahue e
a mais rápida, mas ao perceber que quem vencia Ozmun (2003) as crianças são ativas e enérgicas,
a corrida era a tartaruga, rapidamente eles mu- preferindo correr a andar, achamos que isso seria
daram de ideia. Já nas histórias em que o per- um problema nas aulas, o que não ocorreu, espe-
cula-se que a entonação vocal utilizada na conta-
3 Uma vez a cada 15 dias, as crianças assistiam vídeos e naquela ção das fábulas, tenha feito com que as crianças
semana a escolhido foi o desenho Backyardigans.
266 17
ficassem mais atentas e se preocupassem menos que a criança apreende os modos de agir de seu

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BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
em correr. grupo social, os internaliza e dá a eles novo sig-
Do ponto de vista atitudinal, a moral da histó- nificado, os animais mais significativos, de maior
ria, a ideia de não ficar chorando pelo que se quer, valor são aqueles escolhidos por elas. (VIGOT-
desenvolvida na fábula Canguru que saltava para SKI, 2008)
trás foi a mais interessante. Também se percebeu como representar os ani-
Na unidade que desenvolvemos as ações a mais, cumprindo o enredo das fábulas, foi o moti-
partir do Leão e o Rato, em uma das atividades vo para a realização do movimento, assim como
para que as crianças diferenciassem a maneira aponta Zaporozeths (1997) e, como tal condição
de representar (a quadrupedia) do leão para o impulsionou o desenvolvimento das habilidades
ratinho, colocamos algumas cadeiras na sala, e motoras das crianças.
eles deviam, quando rato, engatinhar por baixo Iniciamos esse texto nos referindo a fábula da
da cadeira. Uma das crianças não estava conse- cigarra e a formiga, de Esôpo, que traz como mo-
guindo e começou a chorar, o garoto a seu lado ral da história: é importante trabalhar e dar valor
falou “Lembra do Canguru, para de chorar e ten- ao esforço. O trabalho na Educação Infantil pre-
ta de novo!’ Nesse momento percebemos que as cisa ser realizado sob essa ótica, como muito
crianças estavam prestando atenção em toda a trabalho e fundamentalmente planejamento. Mas
história, inclusive na moral da história. também nesta etapa da educação básica, as ve-
zes precisamos ser cigarra, e cantarmos e, princi-
MORAL DA HISTÓRIA palmente brincar junto com nossas crianças, para
que a sisudez do ensino formal, não tire delas o
Uma questão a ser observada nas manifesta- que elas têm de melhor, o brilho nos olhos (de
ções que aconteceram nas práticas educativas foi quem acabou de fazer arte) e o riso solto. Pois o
o apreço das crianças pelas fábulas, o que é con- que mais desejamos para os nossos alunos, que
dizente com o período de desenvolvimento que assim como o Menino Maluquinho, do Ziraldo,
elas estão, ou seja, fase na qual o jogo de Faz de eles cresçam e se tornem adultos legais, pois fo-
Conta é a linguagem pela qual elas estabelecem ram crianças felizes.
suas relações com o mundo. (ELKONIN, 2012)
Outro aspecto relevante é o fato das crianças
quererem representar, justamente, aquele perso-
nagem que possuía maior importância na história.
Considerando que é pelo jogo de Faz de Conta
267 17
REFERÊNCIAS ELKONIN, D.B. Psicologia do Jogo. Tradução: Álva-

Rogério Zaim-de-Melo - Iris Costa Soares - Ida Carneiro Martins


BRINCANDO DE FAZ DE CONTA: A FÁBULA COMO ENREDO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INFANTIL
ro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 447 p
ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e
bobices. São Paulo: Scipione, 1997. FABIANI, D.J.F.; SCAGLIA, A.J.; ALMEIDA, J.J.G. O
jogo de faz de conta e o ensino da luta para crianças.
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269

INTRODUÇÃO

Sem que ninguém pudesse imaginar, no ano


2020, o mundo praticamente parou. Ficará marca-
do na história como um período no qual fomos obri-
gados a reinventar e ressignificar nossas vidas. A
Pandemia da Covid-19 provocou muitas emoções,
sentimentos, sensações, além das mortes e adoe-
cimentos. Destaque para o medo que se espalhou
entre os indivíduos. Tal emoção foi a mais apontada
entre noticiários e redes sociais. Algo que parecia
estar distante de nós, traduzido em quantidade de
óbitos, foi se transformando em “rostos”, nomes, até
ganhar endereços. Um parente, um amigo distante,
e logo depois, nossos próprios familiares foram sen-
do alvos de uma doença silenciosa e muitas vezes
solitária. Doença que não escolhe raça, cor, situa-
CAPÍTULO 18 ção financeira e muito menos gênero ou religião.
Vimos a sociedade se isolar e se entristecer. Difícil
abrir a cortina e buscar o bem-estar.
JOGOS E GAMES1 E SUAS O artigo aqui proposto tem como objetivo dia-

RELAÇÕES COM ESTADOS DE logar e refletir sobre a importância dos jogos e ga-
mes e suas relações com estados de bem-estar
BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO no contexto da pandemia COVID-19. Acreditamos
que o lúdico é um impulso da vida e também uma
CONTEXTO DA PANDEMIA representação social e humana. O brincar é uma
Lúcia Maria Gonçalves Siebra possibilidade de compreender, conviver e estimu-
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida lar a interação entre iguais. O lúdico é um refe-
Flávio José Wirtzbiki de Almeida rencial para a socialização e integração humana,
além de promover a aprendizagem de valores e
1 Termo em inglês que se refere aos jogos que podem ser jogados em
diferentes plataformas como: celulares, computadores, notebook,
convivência. No lúdico estimulamos as diferentes
smartphones, tablets e similares. Para este artigo iremos usar o ter- linguagens e potencializamos o amadurecimento
mo “Games” no sentido dos jogos eletrônicos, virtuais e videogames.
270 18
das estruturas do desenvolvimento humano, esti- Game Brasil (PGB, 2020), o mercado de jogos é

Lúcia Maria Gonçalves Siebra - Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Flávio José Wirtzbiki de Almeida
JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
mulamos a imaginação e inovamos os conceitos o que mais cresce em entretenimento online. O
da nossa realidade. mercado global de mídia e entretenimento deve
Sabendo do relevante impacto dos jogos na vida faturar US$ 2,6 trilhões até 2023, com um cres-
humana, o nosso trabalho nos leva a uma reflexão cimento médio de 4,3% ao ano entre os anos de
sobre o tema “Play on lockdown”, suscitando im- 2019 e 2023, segundo dados da pesquisa Global
portantes reflexões acerca da implementação dos entertainment and media outlook 2019-2023, da
jogos considerando as mais distintas modalidades consultoria PwC (2020). (SANTOS, H.R., 2021)
e possibilidades de acesso frente ao cenário de Esses dados apresentados mostram que o mer-
distanciamento social da pandemia da COVID-19, cado gamer se manteve aquecido e não parou por
como também os novos cenários da cultura lúdica. motivo algum. Ultimamente os jogadores querem
Percebemos durante a pandemia que os vi- cada vez mais otimizar suas peças de hardware
deogames clássicos, jogos online, analógicos e em seus PC’s e por outro lado a venda de consoles
híbridos passaram a ser aliados e ajudaram mui- aumentou em mais de 100% no varejo.
ta gente a superar esse momento de isolamento Durante o isolamento social a interação dos
social de forma mais leve, equilibrada e criando jogos com a saúde aumentou significativamente,
proximidade entre os familiares e amigos. Além trazendo assim, contribuições positivas no bem-
disso, com o fechamento das escolas e de ou- -estar dos players (jogadores) através das expe-
tras instituições, os jogos ganharam ainda mais riências lúdicas.
relevância como instrumento educacional e social Ultimamente as pessoas vem buscando os
(mesmo remotamente). Sabemos que os jogos/ jogos/games como uma maneira de desligar um
games são fundamentais para o desenvolvimento pouco da realidade e imergir em um mundo to-
cognitivo, social, motriz, afetivo e cultural do ser talmente diferente e com coisas novas a serem
humano. Durante a pandemia, os jogos se fortale- descobertas, esse é um dos motivos que mais
ceram como uma experiência importante no am- cativa os jogadores a comprarem ou se tornarem
biente familiar e nos espaços da casa. jogadores de um jogo.
No período de isolamento social o mercado de No universo dos games temos infinitas possibi-
games aumentou significativamente na economia lidades para brincar em casa. Um exemplo muito
brasileira e mundial. De acordo com a Super Data bom, são os jogos FPS2, ou First Person Shooter
os gastos com jogos no ano de 2020 ultrapas-
saram a marca dos US$ 10 bilhões de dólares. 2 A maioria dos jogos FPS são jogados como jogos de co-up, jo-
gos multiplayer, e alguns são jogos de um jogador. Muitos jo-
Segundo dados de pesquisa da Newzoo (2020), gadores hardcore jogarão os três tipos, mas algumas pessoas
Super Data Research (SDR, 2020) e Pesquisa jogarão apenas um tipo. O seu desempenho no jogo dependerá
do desempenho do seu rato quando jogar estes jogos.
271 18
(Tiro em primeira pessoa)  onde cada vez mais e absorva as estruturas mais antigas das experi-

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
jovens se reúnem para jogar em time e criarem ências humanas. Neste sentido, o brincar permite
suas próprias estratégias para vencer o time ini- maior contato com as fontes criadoras da poesia,
migo, que geralmente são grupos de 5 pessoas. dos sentidos, do mito, dos sonhos.
Ou mesmo os jogos MOBA3, ou melhor muti- O lúdico é um conteúdo modelo e permanente
player online battle (arena de batalha online para para estimular nossa compreensão sobre o jogo,
vários jogadores), que são League of Legends o brinquedo e brincadeira. O impulso lúdico está
(jogo da Riot Games) ou o game da Valve DOTA4 intimamente ligado ao impulso da vida. O ato de
(Defense of the ancients), que também tem um brincar é uma manifestação da vida, negar o di-
universo enorme de campeões que você pode reito de brincar seria negar o direito à vida. O im-
jogar e se divertir, jogo que também é munido pulso lúdico necessita de interações e de convi-
por estratégias para chegar até o objetivo final vência para que possa expressar o mais puro e
(NEXUS - última torre, e mais importante). Jogar genuíno comportamento humano, que é, viver em
com esses tipos de jogos foi o que muitos players sociedade. No impulso lúdico caminhamos para a
fizeram desde os jogos como Atari até jogos ul- evolução e para a criatividade, e, nele promove-
trarrealistas como Fly simulator. mos a inclusão de cada um e de todos sem igno-
O jogo, em suas diferentes formas, certamente rar as diferenças, sem homogeneizar e sempre
desempenha papel essencial na construção das afirmando as identidades.
relações pacíficas, contribuindo positivamente
para o desenvolvimento humano. O jogo é uma GAME E JOGO – CONCEITOS, SIGNIFICA-
atividade humana, que sempre fez parte de todas DOS E POSSIBILIDADES
as civilizações, sociedades e culturas, sendo uma
manifestação que foi e é capaz de estimular a Para iniciar nossas reflexões vamos começar
cognição, a sensibilidade, a criatividade, a afetivi- com o pensador Johan Huizinga (1872-1945) pes-
dade e a emoção humana. O jogo faz com que o quisador holandês extremamente importante e seu
indivíduo e em especial a criança sinta, conheça livro “Homo Ludens”, até nos dias atuais, é uma
referência para todos os estudiosos sobre games.
3 MOBA é um gênero de jogos eletrônicos que mistura elementos
Em Homo Ludens, Huizinga (2001) discute que o
de ação, estratégia e RPG (Role Playing Game). A sigla MOBA “jogar” é um elemento nuclear de formação da cul-
vem do inglês “Multiplayer Online Battle Arena” que significa “are-
na de batalha online para vários jogadores”, nas quais os joga- tura humana e observa como os elementos lúdicos
dores dividem-se em times e disputam partidas que duram em
estão presentes na política, na guerra, no amor, na
média entre 30 minutos à 1 hora.
4 Defense of the Ancients (DotA) no qual os jogadores devem se poesia e em tantas outras facetas do humano.
enfrentar online em acirradas batalhas entre equipes.
272 18
Partindo destas características elementares, fora dos arquétipos (padrões de comportamento).

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
Huizinga (2001) apresenta o conceito de “círculo Os jogos possuem elementos como regras,
mágico”, onde mostra que quando se participa de conflitos, objetivos, definição de pontos e tomadas
algum tipo de atividade de entretenimento entra- de decisões e estes elementos são constituintes
-se nesse círculo deixando para trás os proble- da vida humana em geral. O jogo é um objeto de
mas, preocupações e aflições do cotidiano, mer- entretenimento como cinema, literatura e televisão
gulhando em outro universo. em que o sujeito se diverte de várias formas. Entre-
Os jogos, na melhor de suas possibilidades, tanto se difere dos demais, pois, apresenta aspec-
proporcionam experiências altamente interativas tos como: interatividade, agência e transformação.
e sociais. Sabemos que nem todos os jogos apre- A ideia do jogo é impactar no comportamento
sentam todas as características citadas anterior- do jogador de forma que gere respostas e alcance
mente e nem todos os jogos são bons, no jogo transformações no ambiente do jogo e no contex-
temos virtudes e pecados. Uma coisa é certa, se- to cognitivo e afetivo do próprio jogador. Assim,
jam as crianças, ou sejam os adultos, todos ado- o material lúdico utilizado para jogar é um objeto
ram os jogos, de corpo e alma. evocativo que desperta no jogador – no jogo e
Os jogos, por sua vez, são o resultado das para com o jogo – emoções, pensamentos, com-
inter-relações entre o jogo e a interação lúdica, portamentos e uma capacidade de inserção no
sendo o primeiro um sistema no qual os partici- mundo da fantasia (uma propriedade que é po-
pantes se envolvem na resolução de situações tencializada no jogo analógico e digital).
problemas, proposto pelas regras e metas do É fundamental e urgente realizar um debate
jogo, que resultam em algo que possa ser valora- sobre o potencial dos jogos digitais/videogames e
do. O segundo surge na relação entre o jogador e os benefícios que o uso moderado destes tipos de
o desfecho do próprio jogo, de suas regras, onde jogos traz. Sabemos que este tema já é bastante
só é significativa quando a relação entre as ações comentado por diferentes estudiosos (ALMEIDA,
e os resultados são discerníveis e integradas ao M.T.P., 2021; WIRTZBIKI, F.; ALMEIDA, M.T.P.,
contexto (SALEN & ZIMMERMAN, 2012). 2020; SPERHACKE, 2019; MCGONIGAL, 2012;
Sabemos que a nossa forma de jogar pode mu- PRENSKY, 2012; SALEN & ZIMMERMAN, 2012;
dar o mundo para melhor ou para pior. O jogar é SCHELL, 2011; SCHUYTEMA, 2011; ADAMS,
tão essencial quanto a comida, o ar e tudo que nos 2009; HUIZINGA, 2001).
mantêm vivos. Além disso, o jogar é terapêutico, Sabemos também, que mesmo com as adver-
engaja o cérebro e põe o corpo e a mente em har- tências sobre os efeitos negativos associados aos
monia. Os jogos devem incentivar o pensamento videogames e jogos digitais, as crianças e ado-
273 18
lescentes ainda passam muito tempo na frente do tamentos similares nas pessoas enquanto ati-

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
console ou computador. vidades que proporcionam prazer e bem-estar,
estas características ocorriam no momento em
É de nosso conhecimento que há muitos
que o participante julgava estar em Flow. O au-
preconceitos sociais quando tratamos de videoga- tor apresenta, a partir desta análise sete sinais
me, jogos virtuais e jogos eletrônicos, o que aca- presentes quando se está em Flow, são eles:
ba tornando fundamental buscar o conhecimento foco e concentração, êxtase; feedback; habilida-
e ter informações, para compreender e entender des; crescimento; perda da sensação de tempo;
motivação intrínseca.
sobre o tema e desmistificar alguns tabus. Com
os jogos digitais aprendemos a cada momento, Observando estas colocações, a pergunta que
eles ensinam a resolver problemas relacionados se dirige aos diferentes contextos da educação é:
com uma tarefa específica e a tomar decisões; Como então atingir o Flow nas atividades educa-
incentivam a criatividade; desenvolvem perspec- cionais? Como atingir o Flow em nossa vida con-
tivas objetiva e subjetiva da cognição; facilitam a tidiana? Bem, o que se pode dizer a este respeito
construção de conhecimento; proporcionam inte- é que não há uma “receita de bolo”, até porque
ração lúdica; tudo está intimamente relacionado aquilo que proporciona prazer e bem-estar para
com o jogo simbólico, que é de grande importân- uma pessoa pode não proporcionar para outra, no
cia no desenvolvimento do ser humano. entanto, há uma combinação de fatores externos
Segundo Saraiva et al (2021, p.249), o eleva- e internos que levam à esta disposição (CSIKS-
do estado de atenção e bem-estar ao qual nos ZENTMIHALYI,1990).
referimos é denominado pelo psicólogo húngaro As sensações de bem-estar de acordo com
Mihaly Csikszentmihalyi como ‘Flow’. Saraiva et al (2021, p.250),
Para o autor o referido estado é “a forma como apoiados nos trabalhos de Mihaly Csikszent-
as pessoas descrevem seu estado de espírito mihalyi (1990) passamos a entender, que alguns
quando a consciência está harmoniosamen- elementos quando integrados contribuem para a
te ordenada e elas querem seguir o que estão identificação do momento em que estabelece a
fazendo para seu próprio bem” (CSIKSZENT- chamada ‘experiência ótima’ ou ‘experiência má-
MIHALYI, 1990). Com base nesta definição, o xima’. No entanto, o elemento central pode ser
conceito de Flow é descrito como um estado de apontado como o ajuste perfeito entre desafio e
envolvimento em dadas atividades, a um ponto habilidade, este posicionado no momento exato
em que os demais elementos ao redor não mais tende a cooperar para que a pessoa alcance o
apresentam importância, pois a experiência em estado de Flow. Outro aspecto muito marcante
si, proporciona bem-estar, felicidade e prazer. que o autor revela, é que além da sensação de
Os dados analisados das pesquisas de Mihaly bem-estar as atividades que dispõe desta com-
Csikszentmihalyi (1990) identificaram compor-
274 18
binação trazem um caráter de descoberta que tais e analógicos como jogos híbridos, porém

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
transportam aqueles que dela participam a uma esse tipo de jogo engloba muitas tecnologias
nova dimensão da realidade. diferentes e por isso recebe muitos nomes: per-
vasivos, de realidade aumentada, de realidade
O jogo digital, videogames e virtual, analógi- mista, locativos etc. (KANKAINEN; ARJORAN-
cos e principalmente os jogos híbridos fazem TA; NUMMENMAA, 2017). Os jogos que unem
parte das discussões feitas por estudiosos que componentes analógicos (físicos) e digitais em
um novo contexto devem utilizar esses ele-
procuram entender o jogo, o lazer e a diversão. A
mentos de forma a auxiliar e fortalecer o outro,
partir das teorias abordadas neste artigo, compar- não apenas substitui-lo. Arjoranta, Kankainen e
tilhamos reflexões, análise e olhares com outros Nummenmaa (2016) argumentam que existem
pesquisadores, que na atualidade e em especial outras misturas de elementos que também po-
durante a Pandemia da COVID-19, buscam revi- deriam ser consideradas como jogos híbridos,
como a junção de habilidade e sorte, ou quan-
sar seus conceitos acerca do que é lúdico. Como
do um jogo mistura características conhecidas
manter o lúdico na vida cotidiana na sociedade dos Eurogames e dos Ameritrashes (estilos de
atual, favorecendo que seja esta uma opção de jogos de tabuleiro que possuem características
lazer no tempo livre ou disponível, gerando uma próprias e, em alguns casos, antagônicas).
sensação de bem-estar?
O mesmo autor comenta que
Para Junior (2021, p. 262) a evolução e o de-
senvolvimento de diferentes produtos lúdicos se (...), Jogos Híbridos são aqueles que misturam
devem aos elementos digitais e aos sistemas tec- diferentes domínios conceituais de jogos. Domí-
nio conceitual diz respeito a um tipo de metá-
nológicos cada vez mais portáteis e interativos
fora que a nossa cognição assimila e aprende,
quando se fala de jogos analógicos e híbridos. relacionando este domínio com o elemento que
devido ao grande sucesso atual do mercado de proporcionou o aprendizado. A mistura de dois
jogos de tabuleiro (BUTILHEIRO, 2019), o de- domínios conceituais cria um domínio novo, no
senvolvimento deste tipo de produto começou qual o indivíduo consegue utilizar seus conheci-
a utilizar os benefícios dos elementos digitais e mentos dos domínios anteriores para assimilar
sistemas computacionais cada vez mais portá- o novo ambiente misturado. Porém, esse novo
teis e interativos (ALEGRE, 2016). A evolução domínio também possui características pró-
tecnológica constante e a grande popularidade prias, que surgem da combinação dos domínios
dos dispositivos como celulares e tablets pos- anteriores. (p.263).
sibilitaram que os jogos de tabuleiro usassem
esse potencial computacional sem precisar
Jogos analógicos e digitais despertam e in-
inseri-los dentro da caixa do jogo. Atualmente centivam um comportamento de curiosidade e
consideramos jogos que unem elementos digi- necessidade de informações, além de permitir ao
275 18
jogador vivências de situações que não seriam clo sem fim, onde nunca podemos parar, sempre

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
possíveis ou permitidas no mundo real. O jogo é “precisamos” de mais e mais.
uma ponte ou janela entre a realidade e a fantasia Somos bombardeados o tempo todo por “ne-
possibilitando o “Círculo Mágico” e o estado de cessidades”, muitas vezes imaginárias, criadas
“Flow” criando estados de bem-estar. pelo mercado de consumo. A felicidade, um con-
Nos tópicos posteriores iremos abordar com ceito abstrato, relativo e de significado próprio
mais profundidade o contexto da pandemia e para o sujeito, tornou-se algo concreto, “alcan-
sua relação coma a saúde mental. Além disso, çável facilmente” através da aquisição de bens e
traremos algumas discussões sobre o bem-es- serviços, a casa, o carro, a viagem, a roupa, o
tar e suas abordagens para a qualidade de vida. celular, a bebida, e outro carro, outra viagem, ou-
Acrescentamos em nosso trabalho estudos rela- tro celular....Será?
cionados aos jogos/games e suas implicações na A vida se tornou uma gestão complexa de pro-
saúde mental e no bem-estar de jovens e idosos cessos, não nos damos conta, mas isso toma todo
em especial durante o período pandêmico. nosso tempo. Recebemos e respondemos uma
infinidade de e-mails e mensagens todos os dias,
SAÚDE MENTAL E BEM-ESTAR – NOVAS terceirizamos todos os serviços possíveis e ainda
(VELHAS) PRÁTICAS NA PANDEMIA assim, não temos tempo. Muitas das “necessida-
des” criadas talvez nem sejam reais. A simplicida-
O processo civilizatório da humanidade trouxe de deixou de fazer parte das nossas referências, a
conhecimento, progresso, transformações e uma palavra simples quase não faz parte do nosso vo-
infinidade de criações fantásticas. Os Séculos XIX, cabulário e, quando faz, nem sempre é bem vista.
XX e XXI foram responsáveis por profundas mu- Nossa sociedade é reconhecida como Socieda-
danças no planeta, na Geopolítica, na Economia, de do Consumo, este (o consumo) é um processo
na Medicina para destacar apenas algumas áreas. fundamental de um sistema econômico capitalista.
As Ciências avançaram e muito dos esforços acu- Para Bock et al (2019, p.219) “na sociedade narcí-
mulados fazem hoje parte do nosso dia a dia. sica, em que é cultivada a satisfação plena de cada
Construímos grandes cidades, criamos indús- um dos seus membros, a felicidade é uma obses-
trias, inventamos “coisas”, adaptamos a vida aos são. Está associada particularmente com a capaci-
novos hábitos e adotamos um estilo de vida nem dade de consumir objetos, produtos e serviços”.
sempre saudável. Ao mesmo tempo que adota- Investimos nosso tempo, energia e esforços
mos uma série de comodidades facilitadoras para adquirindo símbolos de status, nunca temos tem-
nossas vidas, nos tornamos escravos de um ci- po de parar e pensar, é isso mesmo? A vida é
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isso? Correr para ter, acumular, participar eterna- como um constructo de natureza subjetiva, for-

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
mente dessa competição? temente influenciado pela cultura. A OMS define
saúde mental como “um estado de bem-estar no
Aí o mundo parou. O ano 2020 ficará na nossa
qual um indivíduo percebe suas próprias habili-
memória e na história. A Pandemia da Covid 19 dades, pode lidar com os estresses cotidianos,
nos obrigou a parar. Passado o primeiro momento pode trabalhar produtivamente e é capaz de
de incredulidade, começamos a sofrer, fomos en- contribuir para sua comunidade”.
tendendo que não ia passar tão cedo, estávamos
Cada pessoa viveu/vive essa pandemia de
agora em casa com o trabalho remoto (aqueles
maneira única, subjetiva, às vezes absolutamente
que podiam), as aulas remotas, os contatos pes-
solitária. Por outro lado, do ponto de vista coletivo,
soais e sociais remotos. A palavra de ordem era
fomos capazes de sentir empatia, sofremos pes-
“remoto”. Pararam as atividades sociais, de lazer,
soalmente e sofremos com o outro. Uma parcela
os encontros familiares, as festas, as viagens. Pa-
da população investiu tempo e energia para aju-
raram até os cuidados médicos, adiamos consul-
dar outros mais prejudicados, mais vulneráveis,
tas, exames, tratamentos e prevenções.
mais sofridos. Para alguns houve a descoberta de
Mas não demorou muito e voltaram as pres-
que estamos todos sujeitos a essa nova ordem e
sões profissionais. Voltaram muito rápido, reuni-
não superaremos o problema se as soluções não
ões remotas, cobranças remotas, e os níveis de
forem por e para todos.
estresse cada dia mais altos. Nossos diferentes
Mas o fato é que o contexto da pandemia levou
papéis sociais, antes vivenciados separadamen-
muitas pessoas a buscarem novos (velhos) cami-
te, se misturaram numa rotina maluca. Ansiedade
nhos para enfrentar o turbilhão de emoções com
e medo, da doença, de perder o emprego, de per-
mais equilíbrio, compreendendo a importância da
der a casa; tristeza e medo de adoecer, de morrer,
saúde física e mental.
de perder alguém.
Nesse contexto, aumenta a busca por práti-
A Saúde Mental se tornou tema diário nas con-
cas de bem estar e muito mais se passa a fa-
versas, notícias e depoimentos das pessoas em
lar em qualidade de vida. E afinal, como falar de
qualquer oportunidade e através de diversos canais.
qualidade de vida vivendo uma pandemia sem
Sobre os conceitos de bem-estar e saúde
precedentes? Como pensar em bem-estar viven-
mental da OMS - Organização Mundial de Saúde,
do um confinamento? Mas a humanidade tem
Gaino et al. (2018, p.110) comentam que:
caminhado sempre em busca de soluções e ago-
O termo ‘bem-estar’, presente na definição da ra não seria diferente. Para além das pesquisas
OMS, é um componente tanto do conceito de e produção das vacinas, as sociedades, grupos
saúde, quanto de saúde mental, é entendido
277 18
e pessoas se mobilizaram e foram em busca do canais e formas de comunicação, como ativida-

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
que estava ao seu alcance para enfrentar a rea- des/práticas promotoras de bem-estar nesse mo-
lidade que estava imposta. mento específico, caracterizado pelo isolamento
A Teoria do Bem-Estar, desenvolvida por Mar- social, pelas restrições ambientais e pelo stress
tin Seligman e apresentada em seu livro Florescer da experiência de uma pandemia.
– Uma Nova Compreensão sobre a Natureza da Importante pontuar que uma prática, uma ati-
Felicidade e do Bem-Estar (2012) critica os traba- vidade, ou mesmo um momento de ócio pode ser
lhos anteriores do próprio autor sobre a felicidade. produtor de estados de bem-estar quando para
Adota a partir daí o termo Bem-Estar como central aquele indivíduo aquilo fizer sentido. Precisamos
na sua teoria. descobrir o que faz sentido para cada um de nós,
A Teoria do Bem-Estar é composta por cinco às vezes é preciso passar pela experiência para
descobrir, pois estamos falando de sensações,
elementos: emoção positiva, engajamento, senti-
emoções e não só de pensamentos e racionali-
do, relacionamentos positivos e realização. Cada
dade. Estamos falando de corpo e mente, de uma
um dos elementos, somente será considerado
forma absolutamente integrada.
como tal se, individualmente, possuir três pro-
Vamos destacar apenas alguns segmentos,
priedades: “1. Ele contribui para a formação do
entre tantos outros, que geraram mudanças de
bem-estar; 2. Muitas pessoas o buscam por ele
hábitos e comportamentos como: atividades fí-
próprio, e não apenas para obter algum dos ou-
sicas regulares, práticas em saúde mental, há-
tros elementos; 3. É definido e mensurado inde-
bitos alimentares/nutricionais, lições ambien-
pendentemente dos outros elementos (exclusivi- tais aprendidas e cuidados com o lar.
dade)”. (SELIGMAN, 2012, p.14). As atividades físicas regulares, já praticadas
Considerando nosso contexto atual, vamos por uma razoável parcela da população, seja em
apenas nos inspirar na Teoria do Bem-Estar e, ao academias e clubes, seja em espaços públicos,
mesmo tempo, vamos focar mais no que denomi- foram adaptadas à nova realidade. Praticantes
namos de Práticas de Bem-Estar. Estamos mais criaram alternativas em casa, organizaram es-
atentos ao sentido de observação ativa da reali- paços, buscaram aplicativos e soluções on line.
dade. As reflexões se pautam no período pandê- Outros, que não conseguiram criar alternativas,
mico vivido a partir de março de 2020 no Brasil. sentiram efeitos da falta de atividade física como
Sendo assim, elencamos algumas atividades aumento de peso, falta de disposição, dores, en-
que têm sido destacadas pelas pessoas em geral, tre outros sintomas.
por formadores de opinião e por especialistas em A prática de atividades físicas regulares é am-
entrevistas, vídeos, lives, podcasts, entre outros plamente recomendada por médicos devido aos
278 18
efeitos preventivos quanto a saúde em geral, in- tha Yoga, Mantra Yoga e Kundaliní Yoga. Cada uma

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
clusive melhorando a imunidade dos pacientes, delas propõe um caminho direcionado, a maioria
quando não há contraindicação específica. tem em comum a busca da autorrealização.
Em artigo publicado pelo OBS - Observató- No Brasil, a Hatha Yoga foi amplamente di-
rio Socioeconômico da Covid-19, Daronco et al vulgada pelo Prof. Hermógenes. Segundo o au-
(2021, p.9) aconselham “a manutenção da práti- tor, “a sabedoria hindu, fundamento filosófico da
ca de atividades físicas, respeitando-se as regras Hatha Yoga, ensina que o espírito e o corpo não
de distanciamento social e ocupação de espaços são mais que aspectos diferentes de uma mesma
fechados, visando manter o efeito preventivo que unidade essencial; por isso, não é o corpo me-
a prática de atividades físicas apresenta”. Ainda nos digno de cuidados e reverência” (HERMÓGE-
segundo a publicação, os profissionais da área de NES, 2017, p.34).
Educação Física estão habilitados a adaptarem O Yoga trabalha posturas físicas, respiração,
as atividades às circunstâncias propostas pelas meditação e relaxamento, trata-se de uma prática
autoridades no período da pandemia. que coloca o sujeito em contato consigo mesmo,
Em um sentido amplo, consideraremos como possibilitando momentos verdadeiros de encontro
práticas em saúde mental, atividades, ferramen- com o corpo e a mente. No período da pandemia,
tas e práticas, que possam colaborar para que as onde as escolas e estúdios de Yoga precisaram
pessoas se sintam acolhidas, conscientes, otimis- parar as atividades, práticas on line e através de
tas, tranquilas e equilibradas. Entre tantas possibi- aplicativos, inclusive gratuitos, foram alternativas
lidades, e considerando que para cada sujeito, po- viáveis para os praticantes e novos interessados.
derá haver uma prática com a qual se identifique, Considerando que aqui vamos falar mais das
vamos destacar aqui o Yoga e o Mindfullness. práticas do que das teorias, um bom começo
Para Brown (2009, p.9) o Yoga é um “estado para a prática de Mindfullness é um programa
mental”. Tem como propósito aquietar a mente e de oito semanas desenvolvido por Williams, M. &
busca realizar esse objetivo inicialmente através Penman, D. (2015) denominado Atenção Plena:
do corpo, das posturas e da respiração, para en- como encontrar a paz em um mundo frenético.
tão alcançar o estado de quietude mental. Esse programa está baseado nos estudos Jon
De acordo com Packer (2009, p.25) “o Yoga é Kabat-Zinn, criador do mindfullness e que assi-
um caminho que se abre diante de nós na busca na o prefácio do referido livro. A obra traz ainda
profunda de nossa real natureza”. Segundo a au- um CD com oito meditações guiadas. Para os
tora, existem sete escolas clássicas do Yoga: Rãja Williams, M. & Penman, D. (2015, p.19): “A aten-
Yoga, Jñãna Yoga, Karma Yoga, Bhakti Yoga, Ha- ção plena nos encoraja a romper com os hábitos
279 18
de pensamento e comportamento que nos impe- Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional –

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
dem de aproveitar plenamente a vida.” OPSAN/UnB) no qual ela apresenta resultados da
Na perspectiva a que chamamos de práticas pesquisa “Comensalidade em tempos de pande-
de saúde mental, são muitas as possiblidades, in- mia por Covid-19”.
clusive os grupos ou comunidades terapêuticas, A pesquisa teve como objetivo identificar quais
as terapias individuais, tradicionalmente mais fa- as mudanças que ocorreram nas práticas de co-
cilmente associados ao tema da saúde mental e mensalidade5 e como foram vivenciadas algumas
que também precisaram ser reestruturados du- atitudes também relacionadas a essas práticas.
rante o período de isolamento social, passando a Como principais resultados a pesquisa destacou:
fazer uso do modelo remoto no atendimento. 1. Comer em companhia e cozinhar foram práti-
A preocupação com o desenvolvimento de no- cas que aumentaram no grupo de participantes
vos hábitos alimentares/nutricionais tem sido da investigação; 2. Comer em companhia teve
demonstrada também nesse período de pan- como segmento mais presente a família. Outras
demia. A busca pela saúde e pelo aumento da opções como solicitar comida por aplicativos e
imunidade nos coloca diante de um paradoxo: 1. diretamente em estabelecimentos também foram
Por um lado, uma preocupação maior com a ali- citados como opções. De acordo com Rizzolo
mentação e melhor nutrição: a compreensão de (2021) a investigação concluiu que:
que se alimentar de maneira saudável é também
as práticas de comensalidade produzem signi-
importante para a imunidade e aquisição de no- ficados, identidades e pertencimento social, e
vos hábitos como cozinhar em casa; 2. Por outro a necessidade de isolamento e distância social
lado, estamos vendo uma parcela importante da pode ter provocado nas pessoas a percepção
população sem acesso mínimo à alimentação, da importância dos encontros e das trocas, e
assim, a função social e coletiva da alimentação
são moradores de rua, desempregados, morado-
pode ter ganhado uma outra expressão e uma
res de comunidades sem acesso a renda, enfim, ressignificação do bem viver em sociedade.
pessoas para as quais não chegam as políticas
5 “Comensalidade deriva do latim “mensa” que significa convi-
públicas, e que têm sido assistidas por grupos de ver à mesa e isto envolve não somente o padrão alimentar ou
voluntários de diferentes origens e configurações. o quê se come mas, principalmente, como se come. Assim, a
comensalidade deixou de ser considerada como uma conse-
O Observatório Brasileiro de Hábitos Alimenta- quência de fenômenos biológicos ou ecológicos para tornar-
res – OBHA compartilha em seu site (https://obha. -se um dos fatores estruturantes da organização social. A ali-
mentação revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo
fiocruz.br/?p=916) um vídeo com a Profa. Anelise mais íntimo e mais compartilhado. A sociabilidade manifesta-se
sempre na comida compartida (6;7)”. Moreira, Sueli Apareci-
Rizzolo (professora da Universidade de Brasília da. Cienc. Cult. vol.62 no.4 São Paulo Oct. 2010. Disponível:
e Pesquisadora Associada do Observatório de http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0009-67252010000400009
280 18
As lições ambientais aprendidas não podem paços de moradia, para os cuidados com o lar.

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ser consideradas exatamente como práticas de Inicialmente, imaginamos que o período de iso-
bem-estar, quem sabe seja muito mais um processo lamento social duraria pouco tempo, talvez 15 dias
de conscientização a respeito da nossa relação com ou um mês. A realidade mostrou que não seria
o planeta. Talvez alguns fenômenos observados bem assim, e os prazos foram sendo postergados.
pelo mundo, no período de lockdown em diversos Parte das pessoas encara as atividades do-
países, tenha despertado uma nova consciência em mésticas como algo pesado composto por tare-
alguns de nós. Assistimos nos jornais, lemos maté- fas desagradáveis, muitos continuarão pensan-
rias e já temos documentários abordando os efeitos do e sentindo assim. Outros, conseguiram atri-
positivos dessa parada obrigatória com a queda dos buir novos significados e se adaptaram ao novo
índices de poluição do ar em grandes cidades. momento. Limpeza, organização, compras on
line, estabelecimento de novas rotinas e distri-
Segundo levantamento do Projeto Carbono Glo-
bal, organizado pelas Nações Unidas, a emis- buição de tarefas na família.
são de dióxido de carbono diminuiu 7% mun- Os locais de moradia se transformaram, ao
dialmente. Essa foi a maior queda já registrada. mesmo tempo, em espaços: de trabalho, de es-
(FADDUL, Juliana. CNN Brasil, 11.12.2020). tudos, de estreita convivência familiar, de lazer
Esses dados são referentes ao período de lo- e de práticas de exercícios físicos. Novos signi-
ckdown vivenciado pelos países em 2020, com ficados em nossas relações com os espaços da
a parada das indústrias, dos transportes e das casa e novas aprendizagens com a permanente e
viagens. Ainda segundo a matéria, os cientistas intensiva convivência familiar.
recomendam que algumas aprendizagens do Sobre o home office ou trabalho remoto, de
período podem ser incorporadas no pós-pan- acordo com a pesquisa Gestão de Pessoas na
demia, como as reuniões on line e o trabalho Crise Covid-19, da Fundação Instituto de Admi-
remoto, evitando viagens e deslocamentos des- nistração (FIA), o trabalho em casa foi adotado
necessários. Somente esse exemplo trazido na por 46% das empresas durante a pandemia no
publicação citada, pode impactar positivamente Brasil. (LEODOVICO, M., 2021)
o planeta com a economia de combustível, me- Na mesma matéria referida, o consultor do
nos poluição do ar e a melhoria da mobilidade no Sebrae - SP Éder Max citado por Leodovico, M.,
trânsito das grandes cidades. (2021) relata que:
Outra atividade que pode ter impactado positi- O mercado vinha de altos e baixos, mas, quan-
vamente as pessoas no enfrentamento da pande- do chegou a pandemia, os empreendedores do
mia foi um olhar para dentro de casa, para os es- setor se assustaram. Praticamente todo mun-
281 18
do teve o mesmo pensamento, de que haveria Segundo dados da Pesquisa Mensal do Comér-

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estagnação, o que não aconteceu. Passando cio (PMC), do IBGE, o segmento de materiais de
mais tempo em casa, as pessoas começaram construção é um dos que mais crescem desde
a perceber detalhes que antes não observavam março, início da disseminação do novo corona-
por causa da rotina e isso motivou reformarem vírus no país. (Disponível:https://veja.abril.com.
o espaço onde vivem. Eu mesmo fui um desses br/economia/pandemia-mudou-relacao-com-lar-
conta Max, que adaptou todo seu escritório para -e-estimulou-reformas-diz-ceo-da-telhanorte/)
continuar atendendo os clientes a partir de sua
casa. (Disponível:https://exame.com/pme/com- Na matéria referida, o entrevistado Juliano
-o-home-office-empresas-de-reforma-crescem- Ohta, CEO da Telhanorte Tumelero, afirma que:
-40-na-pandemia/. Acesso em 10/10/2021.)
Pandemia mudou relação com lar e estimulou
Os espaços precisaram ser modificados, fez- reformas...Nosso faturamento tem crescido
-se necessário estruturar um cantinho que fosse entre 30% e 40% em relação ao que vendía-
mos antes da pandemia. O consumidor pegou
para o home office, outro cantinho para as crian-
o hábito de comprar pela internet. Ele gostou
ças e jovens em idade escolar com computador e dessa conveniência. (Disponível:https://veja.
conexão de internet, no mínimo. Cada um sabe o abril.com.br/economia/pandemia-mudou-rela-
quanto teve que se virar para que tudo funcionas- cao-com-lar-e-estimulou-reformas-diz-ceo-da-
se junto e misturado. Haja resiliência. -telhanorte/)
Foi preciso aprender a partilhar tudo, es- Infelizmente, para muitos a realidade foi diferen-
paço, equipamentos, tempos, silêncios. Im- te, perderam o emprego, a casa, e sua luta foi a
pressionante a capacidade de adaptação que busca pela sobrevivência. Ficaram desassistidos.
muitos de nós demonstramos. Estruturamos, Outra parcela ainda da população buscou
dividimos, juntamos, reestruturamos, criamos novos espaços de moradia. No período do iso-
regras, modificamos regras e fomos trans- lamento social, pessoas que podiam ter acesso
formando, como podíamos, nossos lares. Os a ambientes próximos à natureza, fizeram essa
cuidados com o lar, como denominamos aqui, opção. Buscaram viver fora dos grandes cen-
fizeram parte das práticas que podem ter im- tros, em ambientes abertos, arborizados, praias,
pactado positivamente a saúde mental de uma montanhas, zona rural.
parcela da população. Certamente para alguns Silva et al (2020, p.5), em estudo realizado
o que houve foi uma sobrecarga de trabalhos, sobre a “Influência das condições de bem-estar
especialmente quando não há o envolvimento domiciliar na prática do isolamento social duran-
de todos os membros da família. te a pandemia da Covid-19”, apontam que:
De acordo com a Revista Veja (13.10.2020),
282 18
A possibilidade de ter acesso, em suas residên- Para Bock et al (2019, p.99)

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
cias, a áreas abertas ou verdes, com condições
que facilitem a prática de atividades físicas e o que interessa aos estudiosos dos grupos, sejam
com condições de um descanso e sono ade- eles de convivência diária (relações face a face),
quados parecem contribuir para a redução dos de rua ou pela internet, são os processos grupais,
incômodos gerados pela necessidade de um pe- ou seja, tudo aquilo que acontece quando os sujei-
ríodo prolongado de quarentena. tos se sentem pertencendo a um conjunto de pes-
soas com o objetivo de partilhar objetivos, tarefas,
Já vimos que é muito provável que uma práti- resultados, hábitos, costumes e valores.
ca/atividade diferenciada traga benefícios positi-
Os processos grupais vividos nos jogos virtu-
vos e promova estados de bem-estar, elencamos
ais podem promover socialização, disputas, pla-
algumas poucas, entre tantas. O mais importante
nejamento grupal e compartilhamento de valo-
é que cada um de nós encontre a(s) sua(s) prá-
res comuns. Os jogadores e seus personagens
tica(s), incluindo hobbies, clubes (de leitura, de
(quando é o caso) são transportados para dentro
jogos etc.), trabalho voluntário, engajamento em
do ambiente virtual do jogo, criando um processo
causas sociais, e tantas outras possibilidades.
de grupo que também produz emoções e desafios
Somos seres complexos, precisamos nutrir nosso
como nas experiências de jogo presenciais.
corpo e nossa mente, e cada um pode encontrar
Como comenta Coutinho & Alves (2016) atual-
seu próprio caminho de equilíbrio e bem-estar.
mente fazemos parte de uma “Cultura Gamer” e
Vamos a seguir apresentar pesquisas realizadas
vivemos em um contexto onde o jogo cria comuni-
com jovens e idosos acerca do uso de jogos e vide-
dades lúdicas que interagem visando a promoção
ogames e sua relação com estados de bem-estar.
de suas necessidades de jogar, da construção e da
oportunidade de compartilhar suas experiências
JOGOS E VIDEOGAMES E SUA RELAÇÃO
para evoluírem no jogo, bem como jogarem juntos.
COM ESTADOS DE BEM-ESTAR DO JOVEM
Muito se tem discutido e pesquisado sobre
os jogos e videogames, especialmente sobre os
Desde os primórdios, os jogos tem sido cria-
efeitos adversos que o uso excessivo de tempo
dos e utilizados principalmente como atividade
dedicado a eles poderia trazer. Além do tempo
de lazer, o que por princípio tem como objetivo
de uso, questões como agressividade e impactos
o entretenimento, o prazer e o bem-estar. Ainda
negativos na saúde mental de jogadores tem sido
que tenhamos disponíveis muitos jogos para uso
amplamente discutido por pais, educadores e le-
individual, é no uso em grupo que eles assumem
gisladores, sem dúvida temas de importância no
maior protagonismo, sendo meio de interação so-
momento atual.
cial entre jogadores parceiros e/ou competidores.
283 18
Fazendo um contraponto aos possíveis efeitos relatada, duas escalas validadas. A primeira de-

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
negativos dos jogos virtuais na saúde mental dos nominada Escala de Experiências Positivas e
jogadores, acreditamos que vale a pena compar- Negativas (SPANE) mede a dimensão afetiva do
tilhar uma pesquisa realizada em plena pandemia bem-estar; e, a segunda, denominada Escala de
da Covid-19 em 2020, e publicada em 2021 por Experiência e Satisfação das Necessidades
um grupo de pesquisadores da Universidade de dos Jogadores (PENS) que mede senso de au-
Oxford que traz como resultado a correlação po- tonomia, competência, relacionamento, motiva-
sitiva entre jogo de videogame e bem-estar. ções extrínsecas e intrínsecas (prazer).
Johannes, N., Vuorre, Matti & Przbylski, A.K. Enfim, a pesquisa realizada por Johannes, N.,
(2021. p.2) investigaram “a relação entre o tempo Vuorre, Matti & Przbylski, A.K. (2021, p.4) investi-
real que as pessoas dedicam a jogar um jogo e gou “as relações entre os videogames e a saúde
sua sensação subjetiva de bem-estar”. O público mental positiva, nomeada bem-estar afetivo dos
investigado na pesquisa era composto por joga- jogadores (doravante denominado bem-estar)” e
dores de dois videogames amplamente conheci- apontou os seguintes resultados que avaliamos
dos: Plants vs. Zombies: Battle of Neighbourville como mais relevantes para o nosso artigo.
e Animal Crossing: New Horizons. Na Figura 1 encontramos uma pequena rela-
O estudo foi realizado em colaboração com as ção positiva entre o tempo de jogo e o bem-estar
empresas Eletronic Arts e Nintendo of America, para ambos os jogos.
fabricantes dos jogos e responsáveis pelo for-
necimento de dados de telemetria (frequência e
tempo de uso do jogo) dos jogadores que partici-
param do estudo.
Ao se referirem à importância dos dados de
telemetria dos jogadores fornecidos pelas empre-
sas, os autores afirmam que:
os dados nos permitiram explorar a associação
entre tempo de jogo objetivo e bem-estar, entre-
gando uma exploração muito necessária da rela-
ção entre comportamento lúdico medido direta- Figura 1 – Histogramas de variáveis ​​centrais. O eixo y indica con-
mente e saúde mental positiva (JOHANNES, N., tagens de respostas em cada compartimento, dimensionado para
VUORRE, Matti & PRZBYLSKI, A.K. 2021, p.4). o compartimento com maior número de respostas. As frequências
superiores indicam as respostas dos jogadores PvZ, as frequências
inferiores indicam as respostas dos jogadores AC: NH. Triângulos
Os pesquisadores utilizaram como medidas, pequenos indicam médias.
Fonte: JOHANNES, Niklas; VUORRE, Matti e PRZYBYLSKI, An-
além da telemetria e da experiência de jogo auto drew K. (2021, p. 6)
284 18
Podemos observar na Figura 2 as associações

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JOGOS E GAMES E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS DE BEM-ESTAR: REFLEXÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA
entre o tempo objetivo (dados da telemetria) para
jogar e o bem-estar foram maiores do que do que
o tempo auto relatado para jogar e o bem-estar.

Figura 3 – (a) Relação entre o tempo objetivo jogado e as estimativas


dos participantes do tempo gasto jogando. Pontos indicam indivídu-
os, linha sólida e tonalidade são a linha de regressão e seu IC 95%.
A linha tracejada indica um relacionamento perfeito. (b) Relação en-
tre o tempo objetivo gasto jogando e o bem-estar. (c) Relação entre
o tempo estimado dos participantes gasto jogando e bem-estar.
Fonte: JOHANNES, Niklas; VUORRE, Matti e PRZYBYLSKI, An-
drew K. (2021, p. 8)
Figura 2 – Histogramas do tempo real de jogo (sólido; superior) e
estimativas subjetivas do tempo de jogo (luz; inferior) para ambos os
jogos. Pequenos triângulos indicam médias sobre os participantes
que tinham dados para ambas as variáveis. O eixo x nesta figura é
Na Figura 4 os pesquisadores obtiveram re-
truncado em 80 h para fazer a grande parte dos valores mais fáceis sultados significativos através da Escala de Ex-
de discernir. Os valores de tempo 65 AC: NH (7 [0,3%; máx = 99,8]
periência e Satisfação das Necessidades dos Jo-
reais, 58 [1,0%; máx = 161,0] estimados) foram acima deste corte e,
portanto, não são mostrados nesta figura. gadores (PENS) condicionada ao tempo de jogo,
Fonte: JOHANNES, Niklas; VUORRE, Matti e PRZYBYLSKI, An- a satisfação da necessidade de autonomia e de
drew K. (2021, p. 6)
relacionamento, bem como o prazer estiveram
positivamente relacionados ao bem-estar.
Segundo os pesquisadores os jogadores que
jogaram objetivamente mais (dados da teleme-
tria) nas últimas duas semanas também relataram
maior bem-estar (Ver Figura 3).
285 18
de mental global. No entanto, a fonte de dados

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mais importantes, os comportamentos objetivos
dos jogadores, não são usados em pesquisas
científicas...Estamos otimistas de que colabora-
ções desse tipo fornecerão as evidências neces-
sárias para avançar nossa compreensão do jogo
humano e fornecer aos formuladores de políticas
os insights sobre como eles podem moldar, para
o bem ou para o mal, nossa saúde.

Todos os materiais, dados e código do estudo


estão disponíveis nos seguintes endereços: Proje-
Figura 4 – Estimativas de parâmetros do modelo de regressão linear to - https://osf.io/cjd6z/; Documentação das Análises
múltipla que prevê o bem-estar afetivo. Parâmetros com dois pontos - https://digital-wellbeing.github.io/gametime/; Docu-
indicam efeitos de interação (por exemplo, autonomia: horas indica
o grau em que as experiências de autonomia moderam a relação
mentação e código - https://doi.org/10.17605/OSF.
entre a hora da brincadeira e o bem-estar afetivo). Barras de erro IO/5EF8H.
indicam ICs de 95%.
Fonte: JOHANNES, Niklas; VUORRE, Matti e PRZYBYLSKI, An-
drew K. (2021, p. 9) GAMES E IDOSOS: ENTRE O SURPREEN-
DENTE E O IMPROVÁVEL
Johannes, N., Vuorre, Matti & Przbylski, A.K.
(2021) destacaram aspectos importantes rela- Indiscutivelmente a expectativa de vida vem au-
cionados aos limites do estudo e aplicações de mentando de forma expressiva em todo o mundo,
resultados. Apontam a necessidade de realizar afirmativa que é corroborada por, dentre muitos pes-
estudos em parceria com as empresas de jogos, quisadores e cientistas Alvarez, M. L. (2016), Cardo-
face aos dados de telemetria serem fonte impor- so, N.O. et al, (2015), Crespo, A. B., et al (2016),
tante e que trazem a objetividade dos dados aos Dawson-Hughes, B., (2016), Fried, L. P. (2016), Hei-
estudos. Advertem ainda que os estudos desen- kkinen, E., et al. (2015), Erkkola, R. U.,Vasankari,
volvidos nessas condições de parceria devem T., Erkkola, R. A., (2021). Muitas pesquisas estão
cuidar da transparência e da ética considerando sendo desenvolvidas em todo o mundo, porque à
objetivos, dados e resultados. Para Johannes, N., medida que a expectativa de vida vai aumentando,
Vuorre, Matti & Przbylski, A.K. (2021, p.12), progressivamente vai aumentando o interesse por
dados mais específicos relativos ao tema.
os formulares de políticas exigem urgentemente
Segundo a Organização da Nações Unidas
evidências robustas e confiáveis que iluminem a
influência que os videogames podem ter na saú- (ONU, 2021) a população de idosos cresce mais
286 18
do que qualquer outra faixa etária no mundo, a

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uma taxa de 3% ao ano. A população acima de 60
anos de idade deverá mais que duplicar até 2050,
e deverá mais que triplicar no final do presente
século, devendo passar dos 962 milhões em 2017
alcançando 2,1 bilhões em 2050 e 3,1 bilhões em
2100. Percentuais semelhantes deverão ser dar
com as pessoas com 65 anos ou mais, especial-
mente em países em desenvolvimento, o que su-
gere idosos em situação de pobreza. Ao mesmo
tempo, o número de pessoas com 80 anos ou
mais deverá triplicar até 2050 passando de, 137 Figura 5 – Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
milhões, em 2017, para 425 milhões em 2050.
Avalia-se que este fenômeno está relaciona- No entanto, o aumento da expectativa de vida,
do ao aumento da expectativa de vida em todo óbvia pelo consequente aumento da qualidade de
o mundo, desigual e de acordo com suas res- vida na maioria dos países do mundo, vem acom-
pectivas situações econômicas e de qualidade panhada, em regra, de muitas fragilidades, ou
de vida oferecida a seus cidadãos. De acordo seja, e, ironicamente, de pouca qualidade de vida.
com o Instituto Brasileiro de Geografia6 e Estatís- Veras, R.P. (2012, p. 3) aborda essa questão
tica (2018) em 2017, o Brasil contava com 28 mi- afirmando que
lhões de pessoas nessa faixa etária, e se estima
as transformações sociais e econômicas das úl-
que em 2050 serão 90 milhões. timas décadas e suas consequentes alterações
nos estilos de vida das sociedades contempo-
râneas como mudanças dos hábitos alimenta-
res, aumento do sedentarismo e do estresse e
a maior expectativa de vida da população cola-
boraram para o aumento da incidência das do-
enças crônicas, que hoje constituem um sério
problema de saúde pública.

Isso significa que à medida que a população


6 ALVES, José Eustáquio Diniz . O Índice de Envelhecimento no mundial envelhece, essa mesma população, ga-
Brasil e no mundo. Disponível em: https://www.portaldoenve-
lhecimento.com.br/o-indice-de-envelhecimento-no-brasil-e-no- nha problemas de saúde, dependência de familia-
-mundo. Acesso em 24/10/2021.
287 18
res e internações hospitalares, enquanto o mundo al (2017, p. 71), asseguram “que a atividade física

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ganha em problemas de custos em saúde. Fraser regular é um dos principais componentes de um
et al (2015, p. 413) afirmam que “a expectativa estilo de vida saudável. Está associada a um me-
de vida de idosos com doenças mentais é pior lhor funcionamento físico e cognitivo na vida adulta
do que a da população em geral e se deve em e ao aumento da expectativa de vida.
grande parte ao mau estado de saúde física e, Muitos autores, como veremos a seguir, sus-
portanto, é importante e necessária a prática de tentam a necessidade do exercício física, como
exercícios físicos”. No mesmo sentido, Van Baal uma ferramenta fundamental e não medicamen-
(2016, p.81), afirma que a tosa para um envelhecimento bem-sucedido,
quer em se tratando de aspectos relacionados às
prevenção da demência por meio da atividade
física, aumenta a expectativa de vida e diminui qualidades físicas, quer naqueles relacionadas às
os gastos com saúde e assistência social. Se a funções cognitivas.
prevenção for direcionada aos fisicamente inati- A relação entre incapacidades físicas, espe-
vos, a economia nos custos direcionados à de- cialmente na marcha e no equilíbrio como indica-
mência, supera os gastos adicionais em anos de
dores de problemas mentais é muito íntima como
vida ganhos.
podemos concluir em Aguiar e Assis (2009) que
A relação entre vários níveis de comprometi- encontraram, utilizando o MEEM (Mini Exame do
mento cognitivo e mortalidade foi pesquisada por Estado Mental), presença de déficits cognitivos
An, R.P. e Liu, G.G., (2016) em chineses com 80 em 52% maior na população que sofreu queda,
anos de idade ou mais no período entre 1998 e ou seja, trata-se de uma relação direta muito for-
2012. A relação entre a gravidade do comprometi- te. No mesmo sentido, Da Cruz, D.T. et al., (2015)
mento cognitivo e o índice de mortalidade foi evi- complementam e reforçam essa relação ao afir-
dente, de modo que o comprometimento cognitivo mar que os sistemas sensoriais e motor são inter-
básico foi inversamente associado à longevidade ligados por processos neurológicos, que são fun-
entre os chineses mais velhos. damentais para o planejamento motor, necessário
Segundo Hernandez, D.C. e Johnston, C.A.  para que se tenha atenção na execução em dupla
(2017, p. 21), “a pedra angular para o envelheci- tarefa e respostas às circunstâncias do ambiente.
mento bem-sucedido é a manutenção de uma roti- Assim, idosos com declínio cognitivo apre-
na consistente de atividade física e dieta saudável. sentam maior lentidão nos movimentos e menor
Esses aspectos são particularmente importantes tempo de reação aos desequilíbrios impostos.
para preservação da independência em adultos Isso significa que qualquer diminuição na veloci-
mais velhos”. No mesmo caminho, Gomes, M. et dade e/ou desequilíbrio da marcha já representa
288 18
e identifica algum prejuízo cerebral no idoso como as habilidades cognitivas e protegendo o cérebro

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podemos verificar a seguir. contra processos neurodegenerativos.
Sob o mesmo aspecto, considerando que a mo- E com relação aos Games? Depois de suas prá-
bilidade reduzida não só indica uma vulnerabilida- ticas entre os jovens serem tão combatidas, questio-
de aumentada por declínio fisiológico associado ao nadas e provocarem tanta polêmica, será que ido-
envelhecimento, mas ainda ao comprometimento sos os praticam? Existem pesquisas e publicações
cognitivo e à depressão em chilenos mais velhos, sobre seus eventuais benefícios como acabamos
Albala, C. (2017), afirma que, o risco de morte é de ver com a prática de exercícios físicos? Se sim,
maior para pessoas mais frágeis, mas que o com- há benefícios para a aptidão física, funções cardio-
prometimento cognitivo subjacente é um compo- vasculares, funções cognitivas, para a coordenação
nente-chave da menor taxa de sobrevivência. motora, para o equilíbrio, por exemplo?
Em situações como essa, o exercício físico é As respostas são “sim” às perguntas acima. Isso
capaz de recuperar o dinamismo metabólico, di- também significa que sob certas e específicas con-
minuindo a vulnerabilidade e o comprometimento dições, os benefícios da prática de games podem
cognitivo subjacente, aumentando assim a taxa ser os mesmos dos exercícios físicos (por exemplo:
de sobrevivência. Exergames), o que coloca nas mãos da saúde, da
Clark, C. et al (2019) estabelecendo as rela- Educação Física e da Psicologia, por exemplo, op-
ções entre exercício aeróbio, função cognitiva e ções que facilitam a abordagem de saúde, qualida-
a microestrutura da substância branca no enve- de de vida e longevidade saudável dos idosos.
lhecimento, afirmam que declínios precipitados
na microestrutura da substância branca, como
geralmente ocorrem no envelhecimento, foram
associados ao declínio cognitivo e ao aumento do
risco de doenças neurodegenerativas como de-
mência vascular e doença de Alzheimer.
Danos à microestrutura da substância resultam
em parte, de fatores de risco vascular e o exer-
cício físico, especialmente o exercício aeróbio, é
muito promissor na prevenção, ou mesmo rever-
são, desse dano e suas consequências. Assim, o
exercício aeróbio seria capaz de aumentar a mi-
Figura 6 – Imagem tudocelular.com 19.12.17.
croestrutura da substância branca, aumentando
289 18
Antes de expormos e discutirmos os resulta- há outros benefícios já comprovados com os

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dos das pesquisas aos sites científicos de busca jogos de videogame. O videogame interativo
investimos na leitura de alguns periódicos para disponibiliza à pessoa idosa a oportunidade de
melhora do condicionamento físico, da força, do
verificar as abordagens e reações ao tema. En-
equilíbrio e desenvolve também o lado social e
contramos no ano de 2015 (Revista do Serviço cultural. Assim, permite que o idoso possa exer-
Social do Comércio-Sesc), dois artigos sobre ga- citar-se através dos movimentos típicos de cada
mes Terra (2015) e Souza e Felix (2015), onde esporte simulado nos jogos dos videogames.
são consideradas, com muita propriedade, as
Souza e Felix (2015, p.3), sobre suas experi-
qualidades dos games para os idosos.
Sobre os sinais mais evidentes do processo de ências com idosos na prática de videogames, re-
envelhecimento do cérebro que são a redução da latam o seguinte:
velocidade de absorver novos conhecimentos, da Com os chamados Exergames, games con-
velocidade dos reflexos e da coordenação moto- trolados com movimentos corporais e que pri-
ra, Terra (2015, p. 2), afirma: vilegiam a prática de exercícios físicos, foram
apresentadas pontualmente questões como o
Durante anos, os médicos acreditavam que isso equilíbrio, coordenação motora, ação e reação
se devia à perda de neurônios. Pesquisas re- e treinamento cardiovascular. Além de demons-
centes apontam em outra direção: a queda do trar a possibilidade da prática de exercícios
número de sinapses. Por sorte, ao identificarem de maneira lúdica, tivemos a preocupação em
o problema, os cientistas também apontaram a apontar o relacionamento dos videogames com
solução. Em qualquer idade, a criação de novas tais aspectos relacionados à saúde e bem-estar.
sinapses é uma decorrência do esforço que se
exige dos neurônios. Trata-se de um processo De acordo com Crespo et al (2016), assim
similar ao do fortalecimento dos músculos em como a terapia e a atividade física, que ajudam
resposta à intensificação de atividades físicas. a melhorar a saúde e o bem estar dos idosos,
Assim, a leitura com reflexão, o aprendizado de
melhorando a qualidade de vida e trazendo lon-
uma nova língua, o convívio social, a informá-
tica, a realização de exercícios físicos, a reali- gevidade, os jogos de wii tiveram um impacto po-
zação de palavras-cruzadas, jogos de memória sitivo no bem estar geral dos idosos. Cardoso et
e mais modernamente os jogos de videogame al (2017, p.14) nas considerações finais de uma
induzem a novas conexões entre os neurônios. revisão sistemática sobre o uso de jogos eletrôni-
Sem contar a melhora cognitiva, da função cos como ferramenta de intervenção no declínio
executiva no cérebro, necessária para memória, cognitivo, afirma observar-se
atenção, percepção e resolução de problemas,
Terra (2015, p.2), afirma ainda que
290 18
que os jogos eletrônicos são capazes de gerar jogatina com os filhos e netos “um momento para

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aprimoramento cognitivo tanto em idosos sau- a família”.
dáveis, como em idosos com declínio cognitivo.
Para os pesquisadores da GWI que entrevista-
Ainda não se sabe ao certo se estes benefícios
são idênticos em quantidade e qualidade em to- ram 19.500 pessoas de várias regiões do mundo,
das as faixas etárias. Os jogos eletrônicos utili- a pandemia da covid-19 pode ter aumentado os
zados como treinamentos e intervenções cogni- números, mas é improvável que seja responsável
tivas precisam ser estudados dentro de todas as por todo o crescimento. Durante a Covid-19 os
faixas etárias, pois é possível que alguns jogos
videogames foram utilizados até na recuperação
eletrônicos aprimorem melhor a cognição de de-
terminada faixa etária do que outros.
física de idosos. Imersos nas experiências lúdi-
cas, ficam distraídos pela animação ao intera-
Assis et al (2015, p. 2) nas considerações fi- gir com as imagens, sofrendo menos para fazer
nais de uma revisão sistemática sobre efeitos do exercícios recomendados pelos fisioterapeutas.
treino com videogames na cognição de idosos, Segundo Hugo Tourinho Filho, professor da
afirma que Escola de Educação Física e Esporte de Ribei-
o treino cognitivo com uso de jogos de video- rão Preto no seu artigo “Videogames (ativos)
game como uma modalidade de intervenção e pandemia” em tempos de combate ao Sars-
cognitiva, apresentou efeito positivo em dife- -CoV-2 (COVID-19), o isolamento social mostra-
rentes domínios da cognição, com destaque em -se como uma das estratégias mais eficazes e
funções executivas, atenção e velocidade de
importantes para se buscar o controle dessa epi-
processamento. Esses benefícios cognitivos po-
dem ter impacto na vida do idoso, melhorando demia; no entanto, não se pode negar a preocu-
seu desempenho em diferentes atividades roti- pação com o avanço do sedentarismo provocado
neiras. Para esse efeito na cognição é preciso por essa nova modalidade de vida imposto pelas
empenho no treino, porque o efeito depende da atuais circunstâncias pandêmicas.
intensidade de ocorrência da atividade cognitiva
em um período de tempo suficiente para resultar Nesse sentido, os videogames ativos, também
em plasticidade neuronal. conhecidos por exergames, podem ser uma al-
ternativa interessante para ser usada durante o
De acordo com estudo feito pela Global Web isolamento social na luta contra o sedentarismo
Index (GWI), empresa que trabalha com pesqui- que caracteriza este nosso “novo estilo de vida”
sas de marketing, nos últimos três anos, houve – a vida em quarentena. (FILHO, Hugo Tourinho
JORNAL USP, em 13/08/2020. https://jornal.
alta de 32% entre os jogadores da faixa etária de
usp.br/artigos/videogames-ativos-e-pandemia/
55 e 64 anos. Outro dado importante do estudo é Videogames. Acesso em: 30/10/2021)
que 24% dos pais e avós estão considerando a
291 18
Sabemos que estudos desta natureza permitem sendo realizada a partir do acompanhamento dos

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trazer evidências científicas da importância dos processos vivenciados pelas sociedades e apre-
exergames como uma ferramenta fundamental de sentados diariamente nos diversos meios de co-
combate ao sedentarismo e que pode ser usado municação.
neste momento de isolamento social não só como Para esse trabalho focamos em dois públicos
forma de exercício físico, mas também como diver- específicos, os usuários de jogos e games nas
são e envolvimento social com toda a família. categorias: 1. jovens e, 2. idosos.
Por fim, e, necessariamente, será preciso fa- A Pandemia trouxe incertezas, medos, e per-
zer algumas inevitáveis considerações, tendo em das significativas. Esse estado de sofrimento co-
vista que quando nos referimos ao ser humano, letivo não poderia se instalar de forma definitiva,
há aspectos relacionados à individualidade bioló- pois aí sim, sucumbiríamos. Para dar conta dessa
gica, à individualidade psicológica, assim como, nova realidade, as pessoas buscaram de diversas
aspectos de natureza funcional e muitas outras formas a superação da insegurança, do medo, da
especificidades, sem as quais não se pode fazer instabilidade, do desconhecimento e, do grande
abordagens científicas. Tampouco, deixar de con- sofrimento trazido pela pandemia com as mortes,
siderar as diferenças que todo ser humano tem o perdas e incertezas a respeito do futuro.
direito de exercer e, nossas prescrições, o dever A busca por práticas de bem-estar foi aconte-
de respeitar, em função dos resultados que preci- cendo “naturalmente” à medida que as angústias
samos conquistar. iam se instalando e paralisando parte considerá-
vel das populações. Possivelmente, muitos esfor-
CONSIDERAÇÕES FINAIS ços não foram em vão e, podem ter significado
(para muitos) uma mudança de estilo de vida para
Esse artigo buscou refletir sobre as relações levar para a vida toda.
dos jogos e games com estados de bem-estar, Os jogos e games tem papel fundamental na
considerando o contexto excepcional da Pande- vida dos jovens, sendo assim, vimos na pesquisa
mia da Covid 19. de Johannes, N., Vuorre, Matti & Przbylski, A.K.
Para tanto, buscamos referências na literatura (2021) que foi identificada uma pequena relação
sobre o tema dos jogos e games, da saúde física positiva entre o tempo de jogo e o bem-estar dos
e mental e dos estados de bem-estar. Por outro jovens usuários de games, além de que condicio-
lado, parte das reflexões estão pautadas na ob- nada ao tempo de jogo, a satisfação da neces-
servação da realidade a partir de março de 2020, sidade de autonomia e de relacionamento, bem
quando teve início o período de isolamento social, como o prazer estiveram positivamente relacio-
292 18
nados ao bem-estar. Além disso, identificaram a rior, rede fronto parietal, lobo temporal e regiões

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relação entre comportamento lúdico medido dire- insulares. Os efeitos dos jogos estimularam fun-
ções mentais de atenção, movimento, emoções,
tamente e saúde mental positiva.
memória, planejamento e tomada de decisões.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) in- Houve benefícios nas funções cognitivas e de
centivou os idosos a jogar videogame em tempos aprendizado com melhorias da arquitetura neu-
de coronavírus. A OMS preocupada com a propa- ronal e diminuição da distração.... Conclusão: A
gação do coronavírus (COVID-19) e com o bem- prática regular de jogos eletrônicos mostrou ser
eficiente na reabilitação física e contra o enve-
-estar mental das pessoas, lançou uma campa-
lhecimento devido ao estímulo e melhorias das
nha, incentivando a jogar videogame com o lema funções mentais. Foram verificados benefícios
“Play apart together”, que significa “Joguem se- em várias funções cerebrais em geral, podendo
parados e juntos”. Segundo a OMS ter contribuído com maior plasticidade funcional
e neuronal.
A #PlayApartTogether está sendo divulgada nas
redes sociais por iniciativa da OMS, para que as Por fim, sem minimizar todas as dores vivi-
pessoas se socializem jogando online. Uma ma-
das pelas sociedades e cidadãos do mundo com
neira prática, divertida e saudável, de manter o
contato entre amigos e parentes, mesmo estan-
a Pandemia da Covid 19, destacamos algumas
do separados fisicamente por conta do corona- aprendizagens em curso, vamos dizer assim, no
vírus. Essa é uma excelente maneira de comba- que se refere à: 1. busca do autoconhecimento:
ter o sofrimento emocional causado pelas me- 2. consciência quanto à existência de limites e a
didas preventivas do isolamento. (OMS, 2020. necessidade de respeitá-los; 3. redescoberta de
OMS incentiva a jogar videogame em tempos
práticas de bem-estar, quer sejam apaziguado-
de coronavírus (estacaonerd.com). Acesso em:
20/10/2021) ras, quer sejam lúdicas. Tudo isso com o objetivo
de produzir nas pessoas estados de bem-estar
No estudo da plasticidade neuronal com o uso e benefícios para a saúde física e mental. Como
de jogos eletrônicos, Pessini, R.A. et al (2018, p. meio para tudo isso destacamos a tecnologia, que
25) apresentaram os seguintes aspectos dessa tão importante papel exerceu, e exerce, de inter-
relação, cujo estudo embora não tenha sido di- mediação das relações, das aprendizagens, nos
recionado especificamente aos idosos, suas con- processos vitais a todos nós. O cuidado está na
clusões lhes interessam assim como àqueles que medida do uso, os meios tecnológicos estão aí
com eles trabalham: para nos ajudar a viver melhor, não para nos es-
O treinamento com jogos eletrônicos proporcio- cravizar. E por enquanto, ainda nada supera um
nou aumento de atividade em regiões cerebrais abraço apertado, um piquenique no parque, um
como córtex pré-frontal, córtex cingulado ante- banho de mar, ao vivo, a cores e em tempo real.
293 18
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297

parte
2
298

APRESENTANDO O CENÁRIO...

Apresentamos nesse tempo presente, um re-


lato de experiência norteado pelas atividades
desenvolvidas nos espaços da Associação Ca-
pixaba Contra o Câncer Infantil (ACACCI), vivido
e sentido pela equipe de profissionais que atuam
nessa instituição, assim como por crianças , ado-
lescentes e acompanhantes acolhidos, em um
existir pandêmico em decorrer da covid-19.
A ACACCI é uma Organização Não Governa-
mental (ONG) e está em funcionamento desde o
ano de 1990, acolhendo crianças, adolescentes
que estejam em tratamento onco-hematológico, e
seu devido acompanhante. Com a mudança para a

CAPÍTULO 19 nova sede (atual) no ano de 2009 passou a funcio-


nar com melhorias na estrutura e na qualidade dos
serviços prestados, incluindo em sua estrutura, uma
brinquedoteca hospitalar e uma classe hospitalar.
(DES)CORTINANDO O PALCO Faz-se necessário pontuarmos que, enquanto
uma ONG, essa instituição desenvolve seus pro-
DA VIDA: O BRINCAR NA jetos por meio também de parcerias com a socie-

BRINQUEDOTECA DA ACACCI dade civil e empresas. É o caso das atividades lú-


dicos pedagógicas, que acontecem nos espaços
DURANTE A PANDEMIA DA da brinquedoteca e da classe hospitalar. A empre-
sa ArcelorMittal Tubarão apoia o Projeto “Classe
COVID-19 Hospitalar Canto do Encanto” desde o ano de
2001, possibilitando assim, a aquisição de mate-
Ana Karyne Loureiro Furley riais lúdico pedagógicos; o custeio de seminários
Hiran Pinel e capacitação de professores, a contratação de
Luciene Sales Senna
299 19
estagiários para atuarem na Classe Hospitalar; a ciplinar em Abril de 2021. Durante o ano de 2020

Ana Karyne Loureiro Furley - Hiran Pinel - Luciene Sales Senna


(DES)CORTINANDO O PALCO DA VIDA: O BRINCAR NA BRINQUEDOTECA DA ACACCI DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
contratação do pedagogo da instituição, que den- acompanhei as atividades da instituição por meio
tre funções, organiza o Plano de Desenvolvimen- das redes sociais e participei como voluntária de
to Institucional (PDI) , documento essencial para uma live realizada no dia do professor. Enquan-
o funcionamento de um espaço de ensino formal to pesquisadora sei que deixei um pouquinho de
em espaço não formal. mim, pois enquanto professores e pedagogos sa-
Parcerias nessa esfera possibilitam ao estudan- bemos o quanto a partilha verdadeira deixa mar-
te em período de tratamento o acesso ao recurso cas profundas em um caminhar. Posso afirmar, a
financeiro para o custeio dos estudos, visto que partir da minha experiência enquanto pedagoga
por enquanto, ainda não possuímos políticas públi- e professora, que levo comigo um pouco de cada
cas que norteiam verbas municipais, estaduais ou aluno e a missão que nos une, pautada em um
nacionais para essa demanda educacional. Sabe- código de ética e ancorada em direitos legais.
mos que em relação à educação estamos passan- Nesse liame, objetivamos a partir de um en-
do por um processo de melhorias, no que tange a foque fenomenológico-existencial, apresentar o
legislações e políticas públicas de direito ao aces- brincar e cotidiano de uma brinquedoteca hospi-
so e a continuidade à educação, em decorrência talar da Associação Capixaba Contra o Câncer
da aprovação da lei nº 13.716/18 (BRASIL, 2018). Infantil (ACACCI) no período da pandemia da
A brinquedoteca dessa instituição foi o meu ló- covid 19. Espaço esse garantido pela lei federal
cus de pesquisa de mestrado intitulada: Ser crian- nº 11.104/05:
ça com câncer em uma brinquedoteca hospitalar:
Art. 1º Os hospitais que ofereçam atendimento
um estudo em Merleau-Ponty (FURLEY, 2019), pediátrico contarão, obrigatoriamente, com brin-
na linha de Educação Especial e Processos In- quedotecas nas suas dependências.
clusivos, pelo Programa de Pós Graduação em
Educação (PPGE), da Universidade Federal do Parágrafo único. O disposto no caput deste ar-
Estado do Espírito Santo (UFES), sob a orienta- tigo aplica-se a qualquer unidade de saúde que
ção do professor Dr. Hiran Pinel (PPGE/UFES). A ofereça atendimento pediátrico em regime de
internação (BRASIL, 2005).
pesquisa supracitada está registrada na Platafor-
ma Brasil CAAE nº 04351518.8.0000.5542 obte- Regulamentado pela portaria nº 2.261 de 23
ve o Parecer Consubstanciado do CEP, número de Novembro de 2005, na qual:
do parecer: 3.147.737.
Considerando o disposto na Lei nº 11.104, de 21
Após a pesquisa trabalhei como pedagoga du- de março de 2005, que dispõe sobre a obriga-
rante o ano de 2019, retornando a equipe multidis- toriedade de instalação de brinquedotecas nas
300 19
unidades de saúde que ofereçam atendimento direito garantido pela lei nº 11.104/05, violado em

Ana Karyne Loureiro Furley - Hiran Pinel - Luciene Sales Senna


(DES)CORTINANDO O PALCO DA VIDA: O BRINCAR NA BRINQUEDOTECA DA ACACCI DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
pediátrico em regime de internação; [...] Con- nome da segurança à vida, mediante ao cumpri-
siderando que toda criança hospitalizada tem
mento dos protocolos de segurança estipulados
direitos especiais após a promulgação do Esta-
tuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
de 13 de julho de 1990, da Resolução nº 41, de Muitas vezes é alívio psicológico para pais e fi-
13 de outubro de 1995, do Conselho Nacional lhos hospitalizados ou em tratamento que, por
dos Direitos da Criança e do Adolescente, e da meses ou anos, são afastados do mundo real
Declaração dos Direitos da Criança e do Ado- e da infância, mesmo que no seu imaginário
lescente, ressaltando-se o direito de ser acom- os castelos continuem sendo cor de rosa e os
panhado por sua mãe ou responsável, durante príncipes lutam com dragões. Instituições não
todo o período de sua hospitalização, o direito governamentais como a ACACCI são mais que
de desfrutar de formas de recreação, formas de uma casa de apoio para essas crianças e ado-
educação para a saúde, acompanhamento do lescentes em tratamento, são asas que abra-
currículo escolar durante sua permanência hos- çam e acalentam, cuidam, estimulam o seguir
pitalar, e o direito a receber todos os recursos em frente não apenas do adoecido, mas de
terapêuticos disponíveis para a sua cura e rea- toda a família dando suporte emocional e social
bilitação, resolve:[...] (BRASIL, 2005). (FURLEY, 2019, p. 29).

Segundo Furley; Pinel (2020) essa casa de Posto isso, como possibilitar a essa criança e
apoio dispõe em suas instalações de uma brin- adolescente, o acesso não apenas ao direito do
quedoteca hospitalar em espaço não hospitalar, brincar enquanto verbo, mas o direito do brincar
por estar em consonância com as regulamenta- em uma totalidade que representa o existir vivi-
ções conforme orientações da Agência Nacional do na finitude da vida e suportando no sentido na
de Vigilância Sanitária (ANVISA). carne? Brincar é mais que necessário! É urgente.
A brinquedoteca hospitalar tem a finalidade de
tornar a estadia da criança no hospital menos Nossas bases de sustentação...
traumatizante e mais alegre, possibilitando as-
sim melhores condições para sua recuperação Dialogando com as obras de Cunha (2011),
(CUNHA, 2001, p. 96).
Lindquist (1993), Pérez-Ramos; Oliveira (2010)
De acordo com os dados do site da instituição, Gimenes; Teixeira (2011), Furley; Pinel (2020)
no ano de 2019, 3.294 pessoas tiveram acesso faz-se evidente a partir dos relatos apresentados
a esse espaço, e consequentemente acesso ao nesse artigo que o espaço da brinquedoteca hos-
brincar e a tudo o que ele representa. Com a pan- pitalar da ACACCI perpassa a concepção de uma
demia da covid 19 esse espaço foi fechado, e o sala colorida e cheia de brinquedos.
301 19
Esses estudos citados apresentam a impor- Dialogar com as autoras Ivonny Lindquist e

Ana Karyne Loureiro Furley - Hiran Pinel - Luciene Sales Senna


(DES)CORTINANDO O PALCO DA VIDA: O BRINCAR NA BRINQUEDOTECA DA ACACCI DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
tância e a seriedade desse espaço, mediante a Aidyl M. Queiroz Pérez-Ramos é muito mais que
capacitação do profissional; a organização, a se- apresentar conceitos, é apresentar a você leitor,
leção e a higienização e catalogação do acervo; o um pouco da trajetória desse espaço chamado
direito ao brincar livre; à segurança em relação ao brinquedoteca hospitalar. Lindquist (2010) com-
brinquedo e ao brincar. O brincar perpassa cate- partilha conosco a trajetória da implementação
gorização, ele é terapêutico, é inerente ao ser hu- no ano de 1956 da primeira brinquedoteca em
mano, é alegria, é resignificação de dor, é tempo ambiente hospitalar a partir de práticas nortea-
de ser sendo ser brincante. No entanto é preciso das pela Ludoterapia, no Hospital Universitário de
que o profissional que media o brincar permita a Umeo (Suécia). Uma trajetória de muita persis-
criança “sempre uma oportunidade de sucesso” tência donde revela que durante 15 anos passou
(LINDQUIST, 1993, p. 28). por 15 espaços diferentes, e nos chama atenção
Não obstante, Pérez-Ramos; Oliveira (2010) ao relatar: “meu primeiro paciente foi um garoto
apresentam em sua obra, o lúdico como estraté- gravemente vítima de câncer” (p.17).
gia preventiva no contexto da saúde “em situa- Também, no ano de 1956, a psicóloga e pe-
ções críticas, como a doença e a hospitalização, dagoga Dra. Aidyl Macedo de Queiroz Pérez-Ra-
desde que lhe sejam dadas condições de agir, de mos, implementou na Seção de Higiene Mental
se expressar e de se comunicar” (p. 17), favore- (atual Instituto da Criança) da Clínica Pediátrica
cendo o resgate da humanização e da alegria me- do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medici-
diante a dor e ao sofrimento. na da USP, no departamento de psicologia clínica
Nesse sentido, observa-se a partir de estudos do hospital, na área de saúde pediátrica a primei-
nas autoras que essa prevenção está relacionada ra sala de brinquedos em hospital brasileiro. Ela
às deficiências provocadas pela segregação so- começou o atendimento atendendo bebês em si-
cial da criança, visto que as condições de vulnera- tuação de risco e a partir da técnica psicoterápica
bilidade as impedem de estar com seus pares em de Ludoterapia, do qual relatou melhoras psicoló-
um convívio geral e de continuidade ao proces- gicas da criança enferma desenvolvida através da
so natural da vida de uma criança como ser em interação médico-brinquedo-paciente enfatizando
plenitude, o brincar em todas as situações, como a importância do brincar no espaço de internação
“guardião da saúde da criança, sejam quais forem hospitalar (FURLEY; PINEL, 2020).
as suas condições e estado evolutivo em que ela Falamos com você, a partir desse texto, de um
esteja” (p. 25). lugar ocupado por nós enquanto pesquisadores e
profissionais. Pontuamos nesse tempo presente,
302 19
um olhar de cuidado, de conduta ética e profissio- rantia desse brincar, visto que “considerar apenas

Ana Karyne Loureiro Furley - Hiran Pinel - Luciene Sales Senna


(DES)CORTINANDO O PALCO DA VIDA: O BRINCAR NA BRINQUEDOTECA DA ACACCI DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
nalismo como alicerce em nossa práxis. Somos to- o tratamento médico, deixando de lado o psiquis-
dos demasiadamente humanos e a finitude da vida mo, é retardar a cura” (LINDQUIST, 2010, p. 24).
da vida contempla não apenas a doença, e sim a
própria existência. Portanto de modo algum dese- O TEMPO DA TRAVESSIA...
jamos romantizar nossas práticas profissionais,
tampouco o espaço da brinquedoteca hospitalar. Há um tempo em que é preciso abandonar as
Por isso a importância de estar preparado para roupas usadas que já têm a forma do nosso cor-
atuar na brinquedoteca hospitalar, faz-se neces- po… e esquecer os nossos caminhos que nos
sário conhecer sobre o desenvolvimento humano levam sempre aos mesmos lugares… É o tem-
po da travessia… e, se não ousarmos fazê-la,
e sobre as teorias construtivistas piagetianas, não
teremos ficado para sempre à margem de nós
as tendo como única verdade, não é essa a nossa mesmos (ROSA, 1994, p. 409-413).
intenção, mas agregar conhecimento as possibili-
dades de atividades lúdicas a serem desenvolvi- No intuito de minimizar essa perda, a insti-
das nesses espaços. tuição buscou alicerces que pudessem de certa
Ademais se faz necessário que o profissional forma, alcançar não apenas o público acolhido
que atua na brinquedoteca garanta a segurança pela instituição durante o período, mas também
do brincar, seja por meio do controle de desin- aqueles pacientes que estavam em seus lares e
até mesmo no hospital. “Por onde e como vou co-
fecção mediante procedimentos estabelecidos
meçar, quando tudo falta?” (LINDQUIST, 2010, p.
também pela Agencia Nacional de Vigilância Sa-
28). Nesse sentido, ao contrário do Hospital Uni-
nitária-ANVISA (ABBri, 2020), seja pela própria
versitário de Umeo, que encontrava-se cheio de
capacitação como brinquedista pela Associação
crianças e com poucos recursos, a brinquedoteca
Brasileira de Brinquedotecas (ABBri), estando
hospitalar da ACACCI, mesmo com abundância
apto não apenas para atuar junto às pessoas que
de recursos, encontrava-se vazia. Vazia de pré-
frequentam o espaço, mas preparado para orga-
-sença, vazia de sorrisos, como um cesto vazio.
nizar, montar e gerir uma brinquedoteca hospita-
Nos tempos antigos, o cesto era utilizado para
lar em suas particularidades. carregar as crianças como uma extensão corpó-
Diante disso, buscar um diálogo com os de- rea do ventre materno. Nesse liame donde “tudo
mais setores que acolhem essa criança ou ado- falta”, nos percebemos enquanto sociedade, nus
lescente, como o serviço social, o médico, a equi- diante nossa impotência.
pe e enfermagem (no caso do hospital) a equipe Nesse tempo vivido em meio a uma pandemia
multidisciplinar é relevante para o sucesso da ga- mundial, a instituição enquanto equipe num mo-
303 19
vimento indissociado, sentiu a necessidade de ano tão desafiador;

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(DES)CORTINANDO O PALCO DA VIDA: O BRINCAR NA BRINQUEDOTECA DA ACACCI DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
irromper barreiras e como equipe multidisciplinar, • A vez da Literatura através da história do
trançaram um novo cesto entrelaçado por muitas Caio, ele achou uma moedinha! O que será
mãos que se uniram para ser-com-o-outro em que vai acontecer? Ficou curioso? ;
meio às vicissitudes da vida. Nesse emaranhado • McDia Feliz 2020 já está no ar: Qual a sua
de sentidos, almejavam a travessia, na certeza história com o McDia? Conte pra gente!;
que “se não ousarmos fazê-la, teremos ficado • Com o tema: “DiversON para a criançada”, a
para sempre à margem de nós mesmos”. Acacci em parceria com a pedagoga e con-
Para tal, o uso dos recursos tecnológicos (RTs) tadora de história, Ingrid Sabrina Trancoso;
foi utilizado pela instituição para minorar essa • No mês das crianças a Acacci, em parceria
perda, a partir da oferta de atividades lúdicas no com a Livraria Conectar promoveu uma live
decorrer do ano de 2020, por meio de projetos especial para toda a família, tendo como
intersetoriais entre brinquedoteca hospitalar, clas- convidada a professora universitária e es-
se hospitalar, fisioterapia, nutrição, comunicação, critora de livros infantis, Eliana Zandonade;
voluntariado/colaboradores e serviço social com • A Turma do @macakids apresentou para
o objetivo de continuar oferecendo, mesmo que criançada uma live falando de sustentabi-
em outros moldes, suporte psicossocial, integra- lidade;
tivo e complementar às crianças e adolescentes • Comemorando o dia do pedagogo, foi con-
em tratamento contra o câncer e às suas famílias. vidada a Me. Ana Karyne Loureiro para fa-
A equipe multidisciplinar apontou necessidades a lar do “direito à educação” durante o trata-
serem apresentadas através de lives, disponibili- mento oncológico nos espaços da classe e
zadas nas redes sociais da instituição (ACACCI, brinquedoteca hospitalar;
2021b), dentre elas: • O humorista Tonho dos Couros presenteou
a todos com muita alegria;
• Movimento Colorindo o Cuidado. O show • No canal do youtube, foram disponibili-
retratou uma mistura de expressões artís- zados vários conteúdos, uma série es-
ticas como a música e a poesia, reunindo pecial de brincadeiras para toda família
diversos artistas capixabas; brincar em casa. A proposta está dentro
• Show beneficente com o Padre Ander- do Projeto Classe Hospitalar em parceria
son Gomes foi um momento singular de com o Brincar é o Melhor Remédio (NAIF/
solidariedade e oração cantado por todos UFES), e teve o objetivo de trazer toda
juntos, em agradecimento e louvor por um semana atividades lúdicas pedagógicas
304 19
para diversão de toda família. O serviço

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(DES)CORTINANDO O PALCO DA VIDA: O BRINCAR NA BRINQUEDOTECA DA ACACCI DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
Classe Hospitalar é realizado na ACACCI
e no Hospital Infantil Nossa Senhora da
Glória, e tem o apoio da empresa parceira
ArcelorMittal Tubarão;
• A fisioterapeuta da instituição, Fernan-
da Moura, apresentou dicas de alguns
exercícios voltados para os idosos so-
bre atividades durante o período de iso-
lamento social;
• A nutricionista da ACACCI Adriana Henri-
ques, compartilhou dicas de como montar
um planejamento para as refeições.

Nesse cenário, pontuamos algumas atividades


e enfatizamos que essas atividades buscaram
possibilitar uma melhora da qualidade de vida de
crianças, adolescentes e acompanhantes atuan-
do como potencializador de cura mediante conti-
nuidade do tratamento. Verdade seja dita, pacien-
tes, familiares e equipe multidisciplinar buscaram
condições de se adaptarem ao vivido e (re)sig-
nificarem sentidos em suas práxis e existências,
tanto profissionais quanto pessoais.

Imagens: Atividades desenvolvidas na pandemia/ano 2019. Fonte:


ACACCI, 2021b.
305 19
Atualmente, possui a ACACCI em seu quadro DESPEDIMOS-NOS COMPARTILHANDO

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(DES)CORTINANDO O PALCO DA VIDA: O BRINCAR NA BRINQUEDOTECA DA ACACCI DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
de funcionários, em sua equipe multidisciplinar, MAIS UMA VEZ O NOSSO VIVIDO...
uma pedagoga formada brinquedista e afiliada a
Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri). A importância do brincar hoje, experienciado
Sendo assim, tendo conhecimentos e instruídos em plenitude por crianças e adolescentes dema-
pelo Guia de Orientações para as brinquedotecas siadamente humanos, é algo que irrompe a pan-
em tempos de Pandemina da Covid-19, organi- demia, não pertence ao tempo cronos, tampouco
zado pela ABBri, retomou-se, em Abril de 2021, o à finitude da vida. Assim como Ivonny Lindquist
funcionamento desse espaço com uma nova es- relatou “transferimos nosso espaço quinze vezes
trutura. No qual, foi estipulado como brinquedote- em quinze anos...” (2010, p.19), também precisa-
ca hospitalar, um ambiente de brincar no qual os mos nos readaptar as necessidades vividas. O
brinquedos e os jogos a partir de um acervo res- brincar irrompe obstáculos, e torna-se uma exten-
trito, estivesse à disposição de usuários mediante são corpórea de um ser vivente, que carrega em
precauções e cuidados em espaços de paredes si um sentido da vida, e nesse tempo presente, o
coloridas, no entanto, com prateleiras vazias. medo da morte e a ressignificação de existência.
Diante disso, podemos afirmar que esse brincar
nos dias de hoje, em meio a uma imensa sala
vazia (des)vela para além da garantia ao brincar
enquanto verbo. Esse brincar em meio a pande-
mia da covid 19 (des)cortina o palco da vida, e
nos (re)vela crianças e adolescentes capazes
de desejosos de realizarem a aposta no sentido
1. 2. da vida: ser-sendo seres brincantes no mundo,
seja brincando na brinquedoteca hospitalar, seja
brincando na brinquedoteca da escola, seja brin-
cando na rua. Brincar é direito, e isso deve ser
respeitado!

3. 4. REFERÊNCIAS
Imagens 1 e 2: brinquedoteca ano 2019; Imagens 3 e 4: brinquedo-
teca ano 2019. Fonte: acervo da ACACCI.
ABBRI. Associação Brasileira de Brinquedotecas. Guia
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306 19
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Ana Karyne Loureiro Furley - Hiran Pinel - Luciene Sales Senna


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Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). 2018.

CUNHA, Nylse Helena Silva. Brinquedoteca: Um


mergulho no brincar. São Paulo: Aquariana, 2011.
307

INTRODUÇÃO

Este trabalho surgiu de uma pesquisa maior


do grupo de pesquisa Criar e Brincar: o lúdico no
processo de ensino e aprendizagem (LUPEA),
intitulada de Criatividade e educação: diferentes
linguagens no espaço de ensino-aprendizagem,
que tem como conceitos primários: ludicidade,
criatividade e afetividade. Buscando desdobrá-la,
pretendemos, nesta pesquisa, investigar o papel
da afetividade e das diferentes expressões da
criança no contexto da primeira infância, assim
como também o brincar, que está relacionado à
capacidade de comunicação.
A partir do objetivo acima citado, o mesmo,
para que a pesquisa pudesse ser realizada, se
desdobrou em quatro objetivos secundários, quais
CAPÍTULO 20 sejam: i) compreender a relação entre afetividade
e manifestações corporais na primeira infância; ii)
apontar de que forma o corpo se constitui como

A AFETIVIDADE NAS uma linguagem; iii) analisar como o brincar pode


auxiliar os movimentos corporais; e iv) identificar

RELAÇÕES CORPORAIS E possíveis problemas de um impedimento da lin-


guagem corporal. A metodologia utilizada neste
BRINCANTES trabalho é de cunho qualitativo do tipo revisão bi-
bliográfica, pois a mesma foi desenvolvida “com
base em material já elaborado, constituído prin-
Isabella de Moraes Ribeiro
cipalmente de livros e artigos científicos” (GIL,
Natasha Moutinho Geada
Maria Vitória Campos Mamede Maia 2002, p. 44). Nesse sentido, no decorrer do texto,
este trabalho busca contemplar alguns aspectos
do desenvolvimento infantil, bem como suas di-
ferentes linguagens, assim como, principalmente,
308 20
a afetividade pode auxiliar na comunicação entre mundo interno e o mundo externo para que este

Isabella de Moraes Ribeiro - Natasha Moutinho Geada - Maria Vitória Campos Mamede Maia
A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES CORPORAIS E BRINCANTES
adulto e criança. não a invada de forma intrusiva e destrutiva. Para
o autor base de nossa pesquisa, Winnicott, este
DESENVOLVIMENTO manejo entre o mundo interno e subjetivo de uma
criança e o mundo real e objetivamente percebi-
A afetividade aparece como fator central da pes- do por ela, na idade certa e no momento certo, é
quisa, pois é a partir deste conceito que é possível intermediado por um objeto transicional. O objeto
compreender a expressividade corporal da criança mantém a ideia daquele adulto, no qual ela con-
como uma linguagem. E os conceitos que se ligam fia, presente por um tempo. Esta área é denomi-
a afetividade e serão explicitados ao decorrer do nada pelo mesmo autor como área de manobra,
texto, são: criança, linguagem, corpo e brincar. uma área transicional que faz emergir formas de
Utilizamos como referência para falar sobre lidar com esses dois espaços-tempos separados,
criança, o autor base do LUPEA, D. W. Winnicott, porém, paradoxalmente juntos. (WINNICOTT,
psicanalista e pediatra inglês, pesquisador sobre 1975). Destaca-se, aqui, a fundamental importân-
desenvolvimento infantil do século XX. O autor cia desta transição, visto que a mesma possibilita
nos traz que “é essencial encarar a criança como a construção de um vínculo entre o objeto e o su-
um ser humano que começa com todos os sen- jeito, transmitindo uma sensação de segurança e
timentos intensos dos seres humanos, embora estabilidade, que também pode ser estabelecida
sua relação com o mundo esteja apenas princi- com um ser humano, caso a criança permita.
piando” (WINNICOTT, 1964, 1982, p. 62). Dessa Buscando refletir sobre a sensação de segu-
forma, se faz necessário compreender a criança rança e estabilidade na criança, é necessário
no seu próprio estado, não a transformando num compreender de que maneira isto pode ser es-
pequeno adulto, mas sim, entender que é um ser tabelecido e de como a criança demonstra a pre-
humano se constituindo e necessita de um adul- sença ou a ausência deste ambiente seguro por
to para a auxiliar nessa caminhada. Por isso, é meio da comunicação, que é subjetiva e própria
fundamental a instauração da confiança de um da mesma. A criança estabelece uma comunica-
adulto para com ela, porque, só dessa maneira, ção com o meio a partir do seu corpo e revela pis-
o seu aprendizado se tornará mais efetivo e se tas acerca de suas necessidades e experiências
transformará em um saber próprio. (WINNICOTT, adquiridas ao longo do processo. Estas pistas
1986, 1999). são observadas, por exemplo, no ato de brincar,
Além da confiabilidade humana, a criança tam- nas brincadeiras escolhidas e em como a criança
bém necessita ter um intermediário entre o seu cria uma relação com estes fatores. Assim, po-
309 20
demos ressaltar o brincar como uma linguagem esta imobiliza o corpo infantil para fazer valer os

Isabella de Moraes Ribeiro - Natasha Moutinho Geada - Maria Vitória Campos Mamede Maia
A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES CORPORAIS E BRINCANTES
característica da infância, um ato que representa seus interesses, ainda que os desejos relativos
as subjetividades da criança, que transforma em ao movimento corporal existam e sejam por ela
símbolo as experiências vividas com o seu corpo reprimidos. Exemplo disto são as crianças consi-
(GARANHANI, 2004). deradas por este ambiente como “agitadas”, por
Sendo, a partir do exposto, o corpo o principal não se encaixarem no padrão disciplinador que a
meio pelo qual a criança se comunica, podemos escola apresenta. O ato de querer brincar nas au-
destacar os conceitos que Arenhart (2018) desen- las, levantar constantemente da cadeira e correr
volveu: o corpo brincante e o corpo oprimido. são mecanismos de resistência da criança para
O corpo brincante é aquele que se movimenta perpetuar e manter vivo este corpo brincante.
e que encontra, nele mesmo, a “possibilidade de Já o corpo oprimido é consequência deste ces-
experienciar-se como brinquedo” (ARENHART, sar impositivo ao corpo demandado pela escola,
2018, p.66), como podemos observar no contexto que rotula e categoriza cada vez mais aqueles
escolar. A escola é marcada por questões cotidia- que se encaixam em seus moldes e aqueles que
nas tais como: a presença da rigidez de discipli- não se encaixam, os agitados e os comportados,
nas e o formato de ficar sempre sentado, estando os que brincam muito e os que são mais disci-
o espaço do brincar somente reservado para as plinados. Montessori (s/d) discorre acerca desta
horas vagas em intervalos ou recreio. O brincar limitação do corpo como um fator que impossibili-
e a aprendizagem ainda são fatores polarizados ta a criança de se conectar com este, o que pode
atualmente, onde o corpo e suas expressões são gerar problemas no desenvolvimento infantil. Para
vistos como menos importantes do que os conte- a pediatra italiana, os movimentos do corpo não
údos escolares, como se ambos não se misturas- servem somente para as funções orgânicas, mas
sem. A relevância da linguagem corporal não é re- sim são fatores essenciais “para a elaboração da
conhecida pelas instituições escolares, que aca- inteligência, que se alimenta e vive de aquisições
bam por cessar ou impedir que a criança vivencie obtidas no ambiente exterior” (MONTESSORI,
suas experiências corporais de forma mútua com s/d, p. 109), conforme foi anunciado acima por
os conteúdos, o que acarreta uma série de ques- esta pesquisa.
tões no processo de ensino-aprendizagem em Montessori traz uma reflexão muito interessan-
relação às dimensões afetiva, cognitiva, relacio- te sobre a movimentação do corpo, principalmen-
nal e contextual. Diante deste cenário de impedi- te porque se relaciona diretamente com o concei-
mentos, Arenhart (2018) afirma que a criança cria to de corpo oprimido. A autora reflete sobre o sen-
uma forma de resistência à cultura escolar, pois tido da palavra ‘animal’, sendo que a mesma traz
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um sentido de animação, os diferenciando dos “um relacionamento vivo entre duas pessoas que

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A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES CORPORAIS E BRINCANTES
vegetais. Estes são fixos na terra, sem a possi- abre espaço ao crescimento” (1964, 2005, p. 47).
bilidade de movimentação por conta própria, dife- Esse espaço só se abrirá com o tempo, pois a
rente dos animais, feitos para se animarem. Com criança precisa de alguém que esteja por ela e
essa reflexão de que os seres humanos necessi- propicie esse ambiente suficientemente bom.
tam do movimento, a autora questiona: “como é Uma vez o ambiente instaurado e a seguran-
possível querer impor restrições à atividade moto- ça estabelecida, a criança consegue viver cria-
ra da criança?” (MONTESSORI, s/d, p.112). tivamente, abrindo dentro de si o que Winnicott
Dessa forma, não é possível cessar os movi- (1975) denomina de espaço transicional, que é
mentos da criança, até porque é impossível para a uma “transição/transposição entre a realidade in-
mesma conseguir fazer isso, pois se ela é privada terna e a realidade compartilhada, [...] um espaço
no qual todo ser humano vive grande parte do seu
de seus movimentos, perde totalmente a conexão
tempo quando está se divertindo” (MAIA, 2007,
do seu corpo (MONTESSORI, s/d). Por isso, acre-
p. 66). Ou seja, é um espaço em que a criança
ditamos que o brincar permite que essa movimen-
pode utilizar para ficar só na presença de alguém,
tação não cesse e, assim, impeça de acontecer
ficar consigo mesma, caso ela não queira ou não
algo ruim no desenvolvimento da mesma. A brinca-
tenha sido possível estar comungada com a reali-
deira é algo essencial para qualquer ser humano,
dade compartilhada do mundo que a cerca, que é
mas para a criança tem um valor muito maior. Des-
a convivência com os outros sujeitos.
tacamos três tópicos importantes que conversam
Dentro desse espaço, a criança se sente pro-
com o brincar: o ambiente suficientemente bom, a tegida e pouca coisa do exterior pode interromper
transicionalidade e a criatividade. Falaremos agora o que a criança faz ou deixa de fazer dentro dele.
sobre esses conceitos winnicottianos para bem po- Maia et al (2014) afirma, a partir dos estudos fei-
dermos nos aprofundar na questão da afetividade tos sobre a teoria winnicottiana, que a criança se
nas relações corporais e brincantes sente, no espaço transicional, aconchegada, pois
O ambiente suficientemente bom é caracteri- ela “pode modificar as experiências e vivenciar a
zado por ter um adulto que transmite confiança raiva e a dor sem efetivamente atuar na realidade
e permite que se instaure um ambiente em que a externa esses sentimentos” (MAIA et al, 2014, p.
criança se sinta segura e consiga brincar de ma- 22). Quando a criança sabe que pode modificar
neira saudável (DAVIS & WALLBRIDGE, 1982). as suas experiências, mesmo que seja sem exter-
É de suma importância que o adulto proporcione nalizar, ela está sendo criativa, pois estará apta a
esse ambiente, porque só assim a criança irá se ter em si a “capacidade de produzir ideias novas”
sentir segura. Segundo Winnicott (1964, 2005), é (MAIA & VIEIRA et al, 2020, p. 146).
311 20
Winnicott, segundo Abram (2000, p. 113), pressões corporais e brincantes pode ocasionar

Isabella de Moraes Ribeiro - Natasha Moutinho Geada - Maria Vitória Campos Mamede Maia
A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES CORPORAIS E BRINCANTES
descreve a criatividade como “ver o mundo com problemas sérios, sendo um deles descrito por
novos olhos o tempo todo”. Sendo assim, o ato Montessori (s/d): a depressão infantil. Winnicott
criativo é inerente a cada ser humano, ainda mais (1982) também enfatiza sobremaneira a impor-
factível e perceptível para aqueles que obtiveram tância do brincar, sendo este sempre considerado
um ambiente seguro e confiável. Todos os seres como algo saudável para a criança:
humanos possuem a capacidade de serem criati-
que estimulemos a capacidade de brincar da
vos, porque a criatividade não está ligada somen- criança para que ela possa lidar com todas es-
te à área artística e tampouco pode ser ensinada sas dificuldades e não desenvolva nenhum pro-
por alguém (MAIA & VIEIRA et al, 2020), mas sim, blema grave. Porque para ele, se uma criança
deve ser encarada “como um valor social que é ne- brinca imaginativamente, ela será capaz de de-
senvolver um modo de vida pessoal e finalmen-
cessário desenvolver” (TORRE, 2005 apud MAIA
te converter-se num ser humano integral, dese-
& VIEIRA, 2020, p. 147), ou seja, a criatividade se jado como tal e favoravelmente acolhido pelo
aprimora enquanto o ser humano se desenvolve. mundo em geral, mesmo que urine na cama,
O sujeito brincante é, antes de tudo, o sujeito que gagueje, demonstre explosões de mau humor,
possui a certeza de que seu gesto espontâneo ou repetidamente sofra de ataques biliosos ou
depressão. (p.147)
dirigido ao mundo e ao outro será acolhido e sig-
nificado. O valor da autoria de pensamento e da Com a ausência do acolhimento, o fato de vi-
autonomia fica neste ser que brinca, diferente do venciar a criatividade, que “é a base do estar vivo
ser com corpo oprimido ou paralisado, fica assim e do viver a vida de forma digna” (MAIA, 2007, p.
assegurado e posto. 89), se torna difícil e acaba se direcionando para
a agressividade ou o ato antissocial (MAIA, 2007).
CONCLUSÃO Por isso, é imprescindível que esta base esteja
consolidada, principalmente no indivíduo que
Objetivando compreender a afetividade como pode viver em um ambiente, considerado por si
o cerne dos processos que ocorrem na infância mesmo, suficientemente bom, seguro e confiável.
e sobretudo no brincar, cabe destacar que esta Dessa forma, a afetividade, que de acordo
deve ser vista como uma possibilidade para o cor- com Cunha (2017, p. 19) é uma “atitude que se
po brincante emergir, principalmente no contexto reveste em um estímulo para o aprendizado, dan-
escolar. Se o corpo oprimido está presente con- do clareza e entendimento à consciência”, facilita
sequentemente a afetividade não o acompanha. a construção de vínculo entre o adulto e a criança.
A ausência de um acolhimento afetuoso das ex- Sem o afeto, não é possível constituir um ambien-
312 20
te suficientemente bom, muito menos permitir que GARANHANI, Marynelma Camargo. Concepções e

Isabella de Moraes Ribeiro - Natasha Moutinho Geada - Maria Vitória Campos Mamede Maia
A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES CORPORAIS E BRINCANTES
a comunicação aconteça de forma efetiva. práticas pedagógicas de educadoras da pequena
Portanto, reiteramos que a afetividade precisa infância: os saberes sobre o movimento corporal da
criança. 2004. 155 f. Tese (Doutorado em Psicologia)
ser o centro de todas as relações, para que o in-
- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
divíduo se desenvolva de forma saudável e pos-
Paulo, 2004.
sa também estender esse afeto para o próximo.
No ambiente escolar, local onde são observadas DAVIS, Madeleine, WALLBRIDGE, David. Limite e es-
diferentes expressões corporais, é essencial que paço: uma introdução à obra de D.W. Winnicott. Rio de
exista um olhar de respeito do adulto para a crian- Janeiro: Imago, 1982.
ça, a considerando um sujeito de fato e de direito
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pes-
e não inferior a ele, mas que precisa sim de sua
quisa (4ª ed.). São Paulo: Atlas, 2002
presença afetiva, sua escuta e a compreensão de
seus diferentes atos corporais, já que estes refle- MONTESSORI, Maria. A criança (s. ed.). (s.l): Círculo
tem um dos principais meios de comunicação da do livro, (s.d).
criança com o seu meio externo podendo, futura-
MAIA, Maria Vitória Campos Mamede. Rios sem dis-
mente, ser fatores cruciais para o desenvolvimen-
cursos. São Paulo: Vetor, 2007.
to saudável da mesma.
MAIA, Maria Vitória Campos Mamede (org.). Criar e
REFERÊNCIAS Brincar - o lúdico no processo de ensino e aprendiza-
gem. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2014.
ABRAM, Jan. A linguagem de Winnicott: dicionário
das palavras e expressões utilizadas por Donald W. MAIA, Maria Vitória Campos Mamede; VIEIRA, C.N.M
Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. (orgs.). O brincar na prática docente. Rio de Janeiro:
Wak Editora, 2020.
ARENHART, Deise. A linguagem do corpo na Educa-
ção Infantil: sentidos e modos de ser corpo pelas crian- MAIA, Maria Vitória Campos Mamede; NAGEM, C.
ças. In: Patrícia Corsino; Maria Fernanda R. Nunes. Criatividade e educação: articulação possível?. Re-
(Org.). Linguagem, leitura e escrita: por uma poética vista Práticas em Educação Básica, Rio de Janei-
da Educação Infantil. (1ª ed.). Rio de Janeiro: Edigrá- ro, Vol. 1. 2016. Disponível em: https://www.cp2.g12.
fica, 2018. br/ojs/index.php/peb/article/view/696/607 Acesso em:
29/06/2021.
CUNHA, Eugênio. Afeto e aprendizagem: Relação de
amorosidade e saber na prática pedagógica (4ª ed.). WINNICOTT, Donald Woods. O brincar e a realidade.
Rio de Janeiro: Wak Editora, 2017. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
313 20
WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mun-

Isabella de Moraes Ribeiro - Natasha Moutinho Geada - Maria Vitória Campos Mamede Maia
A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES CORPORAIS E BRINCANTES
do. (5ª ed.). Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

WINNICOTT, Donald Woods. Tudo começa em casa.


(3ª ed.). São Paulo: Martins Fontes, 1999.

WINNICOTT, Donald Woods. A família e o desen-


volvimento individual. São Paulo: WMF Martins
Fontes 2005.
314
INTRODUÇÃO

O direito de brincar proporciona a aquisição


de novos conhecimentos, desenvolve habilidades
de forma natural e agradável. É uma das neces-
sidades básicas da criança, é essencial para um
bom desenvolvimento motor, social emocional e
cognitivo (MALUF, 2003, p. 9). Todavia, o brincar
tem sido incompreendido por muitas famílias e o
quanto este é importante para o desenvolvimento
emocional e cognitivo da criança no seu processo
formativo. A negligência quanto ao direito de ser
criança, na essência epistemológica da termino-
logia, traz em seu cerne uma série que questões
que cabem ser problematizadas, entre elas, uma
é exponencial, as questões sociais econômicas
que agridem em primeira instância este direito.
CAPÍTULO 21 É comum presenciar em bairros periféricos a in-
versão de papeis, muitas famílias têm em seus la-
res como pequenos adultos, crianças que são obri-

BRINCAR: gadas por circunstâncias diversas a assumirem o


papel da pessoa que limpa, cozinha e cuida dos

UM BEM NECESSÁRIO! irmãos menores, o que silencia a infância e mutila


a inocência de vivenciar brincadeiras onde podem
ser príncipes, princesas, aviadores, motoristas de
Andréia da Conceição Dias de Lima caminhão, policiais, a tão praticada docência nas
Adriana Soely André de Souza Melo brincadeiras de escolinha, pois não há tempo em
sua pequenez de ser pequeno, de ser criança e de
desfrutar de todas as prerrogativas que esta condi-
ção oferece. Chateau (1987) diz que “uma criança
que não sabe brincar, será uma miniatura de velho,
será um adulto que não saberá pensar”.
315 21
O processo de abstração assegura a pos- lativas a metodologias de ensino, o lugar do lúdi-

Andréia da Conceição Dias de Lima - Adriana Soely André de Souza Melo


BRINCAR: UM BEM NECESSÁRIO!
sibilidade de deslocamento, inclusive desloca- co, da motivação, do como despertar o interesse
mento geográfico, nutre sonhos e anseios que se para a construção do saber.
distanciam do momento por ora vivenciado, no Todas estas inquietações são asseveradas
entanto, quando a criança, apesar da afirmativa quando o cenário de estudo é uma escola pequena
de que o brincar é inerente a esta fase da vida, da periferia de Petrolina e o desafio da docente se-
não tem experienciado o brincar com todas as ria ministrar aula de língua portuguesa para crian-
suas possibilidades, são neutralizadas na infân- ças do ensino fundamental séries finais, quando os
cia, assumem uma totalidade do real que ainda discentes não demonstravam nenhuma intimidade
não caberia a sua faixa etária, bem como possibi- com os mecanismos de composição da língua por-
lita descrença e descrédito em um futuro promis- tuguesa, ainda eram crianças, estavam no sexto
sor e diferente do vivenciado cotidianamente. ano, faixa etária entre onze e catorze anos, o maior
O brincar oferece a criança nesta fase inicial desafio era ter que incluir a técnica de escrita, divi-
os processos de socialização que ainda não são dir regras entre literatura e produção.
com outros indivíduos de sua mesma idade, mas Os primeiros contatos de anamnese foram bem
indivíduos imaginários, nesta hora da brincadeira marcantes, exibiram um panorama que apesar de
que a criança desenvolve aspectos da cognição conhecido ainda causava tristeza, crianças com
da criatividade, da Imaginação e da própria e afe- crianças no colo, crianças que eram responsáveis
tividade, no entanto, é muito comum ver crianças por si mesmas e por outras crianças, os relatos
que não podem brincar por conta de todas as res- eram de uma realidade castradora, onde passa-
ponsabilidades abraçadas, mas isto não deve ser vam por um processo de adultificação, crianças
normal, é preciso que o ato de brincar receba sua que eram pequenos adultos, não tiveram o mo-
efetivação na importância formativa. mento de descobrir ao mundo e a si mesmo por
Esse entendimento que o brincar não é novo1, meio da brincadeira, por meio de um momento
mas que tem levando debates desde antes de seu, sem compromisso, sem pressão.
Cristo é algo significativo, quando se reflete os O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
processos de instrumentalização educacional e o traz em seu corpo, vários artigos sobre o direito a
quanto o brincar tem se destacado nas pautas re- brincar, ao tempo livre, ao lazer, como expresso
no artigo 16, inciso IV: “brincar, praticar esportes e
1 No manuscrito Book of Games, cuja tradução em português
significa “Livro de jogos”, que consiste num compilado entre os divertir-se” (BRASIL, 1990). Bem como, a Declara-
anos de 1635 e 1672, o teórico inglês Francis Willughby já des-
crevia a brincadeira em que crianças pulavam sobre linhas no ção Universal dos Direitos da Criança, aprovada na
chão cujo percurso simbolizava a trajetória do homem através Assembléia Geral das Nações Unidas em 1959 e
da vida (SOARES, 2013, 2017).
316 21
fortalecida pela Convenção dos Direitos da Criança Cada aula era um desafio, como ensinar brin-

Andréia da Conceição Dias de Lima - Adriana Soely André de Souza Melo


BRINCAR: UM BEM NECESSÁRIO!
de 1989, que reiteram o direito ao brincar quando cando, brincar não parecia atrativo, nem mesmo
assegura em seu princípio 7º, que “a criança terá a gincana motivava. Em um dos dias em que a
ampla oportunidade para brincar e divertir-se, vi- proposta foi de se assistir um filme, para na se-
sando os propósitos mesmos da sua educação; a qüência pontuarem os destaques, o que havia de
sociedade e as autoridades públicas empenhar-se- mais engraçado, um aluno que sempre ficava ca-
-ão em promover o gozo deste direito” (ANA, 1959, lado, não interagia, arrancou com uma voz rouca
apud MPPR, 2021). Com base nesses pressupos- um eu posso ir para casa, o estranhamento não
tos, nasce a questão que norteará este ensaio: se o foi o pedido, mas por ser o pedido dele, desco-
brincar é algo inerente da condição de criança por brimos naquele momento que Júlio, estava todo
que necessitar de leis que assegurem este direto? arranhado e com a clavícula deslocada, mas a
dor que sentíamos na sua voz era de medo, pois
A EXPERIÊNCIA EM SI disse que tomava conta da casa, ainda com onze
anos e que o irmão de oitos anos estava em casa
Retomando a experiência em sala de aula, era sozinho, relatou que machucou o ombro porque
desafiador, ter uma classe de crianças que não o armário da cozinha estava caindo, e que para
foram e não são crianças em atitudes, responsa- não quebrar e por medo de apanhar da mãe o
bilidades e principalmente na falta de entusiasmo, segurou, recebendo todo o impacto no seu frágil
tudo isto refletia negativamente nas propostas pe- corpo. E a mãe onde estava? Foi o que perguntei,
dagógicas de aquisição do saber. ele disse que a mãe trabalhava em fazendas de
Depois de muitas tentativas fracassadas trans- manga, por isso saia de casa às cinco da manhã
formei a aula em um jogo, passou a ser uma gin- e só retornava no início da noite.
cana, cada aula era uma etapa da gincana, a de- Ainda chocada sem saber o que fazer, apenas
saprovação da maioria da turma era latente, sem- o encarava, nunca havia visto um sorriso naquela
pre que chegava à hora da aula a pergunta era face, nem nos lábios e menos ainda nos olhos,
se só teria brincadeira, pois se a resposta fosse sempre tristes. A proposta do filme acabará de
positiva queriam ser dispensados para irem para mudar, peguei Alex um leão de fantoche que sem-
casa lavar a louça do almoço e fazerem o jantar pre carregava comigo na bolsa, mas ainda não o
antes que os irmãos saíssem da creche, enquan- havia utilizado naquela sala, sentei no chão por
to outros pegariam irmãos e filhos em casa de trás da mesa e quem começou o dialogo com a
vizinhos, avós e tias, bem como tinham os que turma foi Alex, eu fazia as vozes mais bobas, no
deixavam os irmãos menores sozinhos. entanto, pela primeira vez ouvi alguns risos, não
317 21
sei quem sorria, mas o som da risada foi conta- do ano embaixo da mesa, as atividades passaram

Andréia da Conceição Dias de Lima - Adriana Soely André de Souza Melo


BRINCAR: UM BEM NECESSÁRIO!
giante e logo muitos alunos começaram a partici- todas a serem xerocadas, pois quando eu apare-
par da conversa, Alex perguntou por que não qui- cia e utilizava o quadro mesmo com o auxilio de
seram participar da gincana, assistir o filme dentre Alex, a aula não fluía.
outras aulas que até então eu julgava divertida. O brincar está dentro de todos os indivíduos
Os relatos dos alunos eram ainda mais profun- humanos, apesar de atribuirmos a relação direta
dos que os colhidos na anamnese, alguns nunca ti- a criança, mas quando os adultos não cresceram,
nham assistido a desenho animado, pois não tinha o desejo do brincar, ou ainda a necessidade do
TV em casa, outros eram agredidos física, mental brincar é presente, bem como quando crianças
e emocionalmente por seus familiares, brincar era que não tiveram a oportunidade de ser crianças
algo que não fazia parte daquelas vivencias, não e endurecem frente as dificuldades da vida pode-
sobrava espaço nem mesmo para o riso. rão brincar, é importante encontrar o espaço e as
O brincar é muito importante para a constru- condições para que isso aconteça.
ção emocional, bem como norteia uma série de Em uma experiência dialógica entre Alex e os
relações de interação social, Ferrero (1988), nos alunos, descobrimos que apesar de não gosta-
descreve de forma simples o que é brincar “é di- rem das comédias e desenhos animados, por não
vertir-se e entreter-se infinitamente em jogos de conseguirem se permitir a brincar, ainda havia
criança”, Lúdico - “que tem caráter de jogos, de um espaço lúdico naquele universo, falaram so-
aprender brinquedo e divertimento; é uma neces- bre seu Lunga2 e o quanto achavam engraçado,
sidade básica da personalidade, do corpo e da o estereótipo de um nordestino ignorante, caso
mente, faz parte das atividades essenciais da pudéssemos neste momento analisar o discurso
dinâmica humana” (FERREIRO, 1988, p.139). e toda a intencionalidade que produz um estrei-
Cabe destacar que o lúdico não é apenas sinô- tamento entre aqueles discentes e o tipo de pro-
nimo de brincar, mas é por meio da brincadeira dução que os motiva, veríamos uma caricatura
que a criança evolui e desenvolve a criatividade, deles mesmos, de como eram tratados pela vida
a imaginação, dentre outras habilidades. e como eles tratavam a vida.
Alex era muito insistente, conseguiu estabele-
cer uma relação de confiança com aqueles alu- 2 Joaquim dos Santos Rodrigues (Caririaçu,  18 de agos-
nos, inclusive quem passou a ministrar aula foi to de 1927 – Barbalha,  22 de novembro de 2014),[1] mais
conhecido como Seu Lunga, foi um poeta  brasileiro,  repen-
Alex, missão bem inusitada, mas os alunos agora tista e vendedor de sucata residente em Juazeiro do Norte.
Seu Lunga se tornou personagem recorrente na literatura de
acompanhavam a aula e até falavam, isso durou cordel,[2] a ele sendo atribuídas inúmeras piadas sobre seu
um mês inteiro, mas eu não podia passar o resto temperamento mal humorado e ranzinza. (https://pt.wikipedia.
org/wiki/Seu_Lunga)
318 21
A gincana reviveu depois disso, Alex se des-

Andréia da Conceição Dias de Lima - Adriana Soely André de Souza Melo


BRINCAR: UM BEM NECESSÁRIO!
pediu e eu passei a usar adornos e trejeitos de
seu Lunga para criar um projeto com os alunos,
fizemos um projeto grande que se tornou interdis-
ciplinar, o Riso de seu Lunga, saiu teatro, cordel,
dança, poesia, releitura histórica sobre a visão de
seu Lunga entre outras atividades, teve até o des-
file do guarda roupa de seu Lunga.

Figura 2: Ensaio para a apresentação na gincana.


Foto: Acervo pessoal.

E o direito de brincar? O direito de brincar pre-


cisa de uma lei que o assegure, pois as mazelas
sociais retira este direito das crianças, principal-
mente as que vivem em situação de vulnerabili-
dade. Por mais que pareça que cresceram e que
brincar não é importante, sempre estará lá em al-
gum lugar o desejo de sonhar, o desejo de sorrir,
Figura 1 – Os alunos construindo o cenário para o teatro. o brincar possibilita conhecer possibilidades.
Foto: Acervo pessoal.

O projeto trouxe o real, seu Lunga, idealizado


CONCLUSÃO
pela imaginação de varias crianças que nem sa-
Ao vivenciarmos os momentos de construção
biam sorrir, mas que agora davam gargalhadas e
e culminância do projeto “O riso de Seu Lunga”,
buscavam estratégias para permanecerem mais
fomentamos vários conceitos importantes princi-
tempo na escola, a produção de cordel deu ori-
palmente o desenvolvimento da habilidade de so-
gem a uma coletânea com direito a xilogravura
cialização, o incentivo para o gosto pela leitura foi
e lançamento, bem como uma parada para apre-
o diferencial, pois a partir da ludicidade, do brin-
ciar a vida de Lampião contada por seu Lunga em
car, garantimos um território onde aqueles jovens
uma peça de teatro.
de vidas tão áridas perceberam que há um lugar
319 21
na escola para seus anseios e que o brincar não FERREIRO, E. Educação e Ciência. Folha de S. Pau-

Andréia da Conceição Dias de Lima - Adriana Soely André de Souza Melo


BRINCAR: UM BEM NECESSÁRIO!
é perder tempo, pois há tempo para brincar e se lo, 3 jun. 1998, p.139.
construir enquanto indivíduos, dentro de uma es-
MALUF, Ângela Cristina Munhoz, Brincar prazer e
trutura social excludente, mas que por meio do
aprendizado. Petrópolis, RJ:Vozes,2003.
brincar todos foram incluídos e construíram ou-
tros espaços de convivência e do brincar. MINISTÉRIO Público do Paraná. Declaração Univer-
Como resultado das atividades desenvolvidas, sal dos Direitos da Criança. Centro de Apoio Opera-
tivemos uma melhora significativa no aproveita- cional das Promotorias da Criança e do Adolescente.
mento pedagógico dos discentes envolvidos no Disponível em: http://crianca.mppr.mp.br/pagina-1069.
html#. Acesso em: 25 de mai de 2021.
projeto, não apenas na Língua Portuguesa, mas
nas outras disciplinas também, inicialmente o di- SOARES, Jéssica. Conheça a origem de 6 brinca-
álogo ocorreu com as disciplinas de artes e histó- deiras populares. 2017. Super Interessante. Disponí-
ria, mas não ficou apenas nestas, todas as outras vel em: https://super.abril.com.br/blog/superlistas/co-
passaram a fazer parte do projeto que deu conti- nheca-a-origem-de-6-brincadeiras-populares/. Acesso
nuidade mesmo depois da culminância que seria em: 30 de jun de 2021
o encerramento do projeto.
Os alunos ficaram muito motivados, mantive-
ram o grupo de teatro e desenvolveram por meio
do Riso de Seu Lunga várias outras atividades na
escola, abrindo inclusive as portas da escola para
a comunidade que era convidada a prestigiar as
atividades desenvolvidas, as apresentações artís-
ticas e as mostras culturais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Estatuto da Criança e do adolescente. Lei nº


8.069/1990, de 13 de julho de 1990. São Paulo: CBIA-
-SP, 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 30 de jun de 2021.

CHATEAU, Jean. O jogo e a criança. São Paulo:


Summus, 1997.
320

INTRODUÇÃO

Apresentamos aqui-agora, um relato de expe-


riência a partir da realização de um projeto pen-
sado/elaborado por três profissionais com licen-
ciatura em pedagogia que compactuam com a
mesma ideia, o de direito ao componente curricu-
lar educação física como pertencente ao plano de
trabalho desenvolvido nos espaços das classes
hospitalares. De certa forma, estamos envolvidas
com a educação escolar em espaços variados,
sendo atuando no lócus, sendo por estar atuando
como equipe de gestão na Secretaria do Estado
da Educação do Espírito Santo (SEDU), seja por
estar atuando como professora do Ensino de jo-
vens e adultos da rede municipal.
Essa proposta de inclusão do professor de edu-
CAPÍTULO 22 cação física nos espaços hospitalares foi pensa-
da a partir de uma reunião entre a Assessoria de
BRINCANDO COM PROFESSOR Educação Especial (ASEE/SEDU) e Associação
Capixaba Contra o Câncer Infantil (ACACCI), na
DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS qual foi citado o Projeto “Classe Hospitalar Clas-

BRINQUEDOTECAS E CLASSES se do Encanto”, que é uma parceria desde o ano


de 2001, entre a Associação Capixaba Contra o
HOSPITALARES: A (PRÉ)SENÇA Câncer Infantil (ACACCI), situada na cidade de
Vitória, e a empresa ArcellorMital Tubarão. Nesse
PARA ALÉM DA (IN)CLUSÃO desenho, está integrado um projeto de extensão

CURRICULAR desenvolvido por um grupo de estudos do curso de


Educação Física da Universidade Federal do Es-
pírito Santo (UFES) abarcando atividades lúdicas
Luiza Elena Candido de Almeida
pedagógicas desenvolvidas nos espaços da brin-
Sirlei Anacleto Martins
quedoteca hospitalar em ambiente não hospitalar
Ana Karyne Loureiro Furley
321 22
e da classe hospitalar dessa Organização Não Go- Público em regulamento, na esfera de sua com-

Luiza Elena Candido de Almeida - Sirlei Anacleto Martins - Ana Karyne Loureiro Furley
BRINCANDO COM PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS BRINQUEDOTECAS E CLASSES HOSPITALARES: A (PRÉ)SENÇA PARA ALÉM ...
vernamental que acolhe crianças e adolescentes petência federativa. (BRASIL, 2018).
em tratamento oncológico e hematológico. Apresentamos, nesse espaço tempo, não ape-
Mediante o conhecimento da importância do nas da Classe Hospitalar (CH), mas também o
supracitado projeto para os estudantes que se en- espaço da Brinquedoteca Hospitalar. Diante dis-
contram em ambiente hospitalar, a ASEE/SEDU, so, Cunha (2011, p. 13) descreve esse ambiente
manifestou-se favorável a cessão do profissional como “um espaço criado para favorecer a brinca-
com formação específica da área de licenciatura deira” e garantindo pela lei federal nº 11.104/05
em Educação Física, para atuação neste espaço, (BRASIL, 2005), que:
a ser contratado por meio de edital.
As pesquisadoras se reúnem periodicamente Art. 1º Os hospitais que ofereçam atendimento
pediátrico contarão, obrigatoriamente, com brin-
como grupo de estudo acadêmico diante o fato que
quedotecas nas suas dependências.
todas estão incluídas em programas de mestrado
e doutorado e o campo da educação está em con- Parágrafo único. O disposto no caput deste ar-
tigo aplica-se a qualquer unidade de saúde que
sonância com a temática das três pesquisadoras.
ofereça atendimento pediátrico em regime de
Durante um desses encontros foi apresentado ao internação (BRASIL, 2005).
grupo a aprovação da lei nº 9. 221, sancionada no
Estado do Rio de Janeiro no dia 23 de Março de Isto posto, cabe ressaltar que a educação bá-
2021, que “cria o programa pedagógico hospitalar sica segue normas obrigatórias constantes pelas
destinado a crianças e adolescentes hospitaliza- secretarias estadual e municipais, com vistas ao
dos” (ALERJ, 2021). Esse direito é garantido atra- planejamento curricular das escolas e dos siste-
vés da Lei nº 13.716/ 2018, que alterou o Artº 4º da mas de ensino, norteada pela Base Nacional Co-
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional mum Curricular (BNCC). Assim como esses es-
(LDB), para assegurar “atendimento educacional paços que seguem normas específicas, as brin-
ao aluno da educação básica internado para trata- quedotecas e classes hospitalares também pos-
mento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar suem normativas no que tange o espaço físico, a
por tempo prolongado” (BRASIL, 2018): seleção de recursos pedagógicos, a segurança,
os protocolos da Agência Nacional de Vigilância
Art. 4º-A. É assegurado atendimento educacio-
Sanitária (ANVISA), a formação e capacitação
nal, durante o período de internação, ao aluno
da educação básica internado para tratamento para atuarem nesses espaços, dentre outras.
de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por Na linha dos ensinamentos de Freire (2003,
tempo prolongado, conforme dispuser o Poder p. 47), no sentido de que “ensinar não é trans-
322 22
ferir conhecimento, mas criar possibilidades para Sim, é devastador!

Luiza Elena Candido de Almeida - Sirlei Anacleto Martins - Ana Karyne Loureiro Furley
BRINCANDO COM PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS BRINQUEDOTECAS E CLASSES HOSPITALARES: A (PRÉ)SENÇA PARA ALÉM ...
sua própria produção ou a sua construção”, ve- Uma luta diária com a quimioterapia, com a
radioterapia, com os fármacos e ainda as vezes
rifica-se que a utilização de diversas linguagens
precisam encarar as amputações de membros,
(corporais, verbais e artísticas) e competências a perda da oralidade, a perda da visão
específicas para que o/a aluno/a possa exercer A vida é finita, no entanto ainda é vida
codificações e significações sociais inseridos no Não só a delas, mas a minha e a sua
âmbito da cultura para uma consciência de cuida- É um choque de realidade ver a alegria repre-
sentada pelo brinquedo em meio ao silêncio, a
do de si e do outro desenvolvendo uma autono-
dor física e emocional
mia para a sua participação na sociedade. A criança brinca quando está triste
Também brinca quando está feliz
INICIANDO NOSSO DIÁLOGO... Tampouco, não deixa de ser feliz só porque
não sorri
Ancorados nos estudos de Cunha (2011), Lovi- Quando a criança sorri e brinca, seu sorriso
parece ter poderes mágicos de iluminar o brin-
saro (2011), Mattos (2018), Oliveira; Solé; Fortuna
quedo
(2010); Dantas; Castanho (2019), Brites (2020) E quando não consegue sorrir, a mágica do
enfatizamos aqui-agora, nesse tempo presente, brincar a transporta para bem longe e acolhe
que o brincar torna-se extensão do ser, inerente seu ser infantil
a condição humana e desvelado em meio a ima- Que brincar mais triste, não é?
ginação e a ludicidade. Através de estudos em Engano! Puro engano achar que o brincar pre-
cisa ter sorriso e conversa
pesquisas realizadas por capixabas que estudam
Forças físicas não são a essência do ser criança,
a temática, dentre eles, Trugilho (2003), Furley; a essência é sua totalidade, não um fragmento
Pinel (2019), Miguez (2020) percebe-se o espaço Tempo de descanso também é tempo de exis-
das CHs como um espaço de direitos que sem tência
dúvida, faz a diferença na vida escolar das crian- E na infância...
Áh doce infância do brincar!
ças e adolescentes que passam por ele, a curto
Brincando a criança se mostra ao outro e a si
ou longo prazo. mesmo
Furley (2019) nos revela um aluno enquanto Através do brinquedo percebe o mundo e pro-
sujeito de direitos, que me meio a finitude da vida, jeta-se ali enquanto ser no mundo, entregando-
precisa ser acolhido, respeito e dignamente ga- -se ao vivido
Silencia-se por vezes e divide consigo mesma
rantidos, donde:
a dor, a perda, a superação a resiliência de
A criança ou adolescente com câncer não dei- mais um dia vivido
xa de ser criança ou adolescente por ter câncer Nesse silêncio comunica-se através de gestos,
323 22
de toques, de olhares, de um sorriso preso na presente no espaço da brinquedoteca, garantindo

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face, mas ela está ali, no espaço tempo do o componente curricular língua portuguesa. Por
brincar.
que não garantir também o componente curricular
Corporeidade, experiência e percepção indisso-
ciadas tendo o corpo como elo de existência educação física?
Corpo como possibilidade de sentidos, de Diante disso, apontamos aqui a importância e
conduta, de intencionalidade em benefício da a necessidade da pré-sença desse profissional de
expressão e de simbologia das coisas da vida e educação física para além da (in)clusão curricular,
das coisas do brincar
apenas como conteúdos. Faz-se necessário, pen-
A criança desvela-se quando brinca,
Torna-se “herói” e mesmo que tenha como es-
sarmos o aluno “na sua globalidade: corpo, cogni-
cudo e espada, apenas seu corpo e o brinque- ção, emoção, criando, agindo, vivendo, aprenden-
do, segue a batalha encarando o percurso e a do a aprender”. (LOVISARO, 2011, p. 13). Como
chegada mesmo que distante isso seria possível? O que precisamos garantir?
Ser criança é ser criança e isso deve ser res- Falamos aqui agora, da estruturação do esque-
peitado (FURLEY; PINEL, 2020, p. 225-227).
ma e da imagem do corpo para a organização do
Nesse liame, destacamos a obra de Furley; esquema corporal e da importância do desenvol-
Pinel (2020) que descrevem o espaço da brinque- vimento psicomotor para o aprendizado. As prá-
doteca hospitalar da Associação Capixaba Contra ticas psicomotoras em decorrência das funções
o Câncer Infantil (ACACCI) e salientam a inter-re- terapêutica e preventiva foram trabalhadas na
lação dos espaços da brinquedoteca hospitalar e obra Lovisaro (2011) por meio do Projeto Floresta
da classe hospitalar a partir de projetos lúdicos Encantada no qual “a unidade integradora foi ofe-
pedagógicos mediados pela contação de histórias recida pelo caráter lúdico que a investe, motivada
e ações pontuais norteados pela BNCC e conse- pela história que a compõe” (p.22).
quentemente registrado na organização curricular Destacamos que projetos como esse traba-
dos conteúdos e das atividades desenvolvidas lham o jogo dramatizado e por meio dele desen-
pelo professor e aluno. volvem atividades que potencializam o equilíbrio
Partimos da premissa que essa criança ou corporal; o equilíbrio corporal e o salto; as disso-
adolescente é um sujeito de direitos, mesmo dian- ciações dos movimentos corporais; o equilíbrio
te da finitude da vida. Direito esse, também ga- corporal nas diversas posições; a lateralidade; o
rantido pelo currículo escolar. Se atividades como equilíbrio corporal parado e oscilando; o equilíbrio
o desenvolvimento de contação de histórias e corporal e a percepção do espaço; a noção de
interpretação textual são desenvolvidas interse- volume corporal; o arremesso e precisão; o equi-
torialmente, possibilitando por meio da ludicidade líbrio, o arremesso e a precisão; o equilíbrio, a
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atenção e a coordenação; a percepção visual e de sua vivência, sejam potencializados a sua par-

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marcha; a percepção do espaço-corporal; o reco- ticipação no lazer e na saúde. Neste caso, fica
nhecimento e representação do corpo; a ausência evidenciada a vivência da prática como geradora
e a presença do movimento corporal; o equilíbrio de novos conhecimentos sobre a cultura corporal.
corporal e ritmo; a coordenação viso-motora; a Para tanto, faz-se necessário problematizar e res-
percepção das formas; a coordenação motora, significar a cultura do corpo em movimento como
equilíbrio e autoexpressão; equilíbrio temporal, leitura e produção do indivíduo.
espaço e temporalidade; o desenvolvimento viso- O brincar espontâneo ou o brincar dirigido,
-motor; a coordenação de movimentos; a laterali- enquanto atividade lúdica envolve a oportunida-
dade; a coordenação de movimentos; o equilíbrio de da descoberta e possibilita dentre muitas, o
e presteza; o ritmo e movimento; a locomoção e desenvolvimento da coordenação motora e das
equilíbrio; as habilidades psicomotoras; as revi- habilidades cognitivas, aspectos indispensáveis
sões das coordenações motoras. para a vida adulta. Embora os estágios do desen-
No decorrer da história sociocultural, os movi- volvimento humano, dentre eles: Período sensó-
mentos corporais ganharam destaque, apontando rio (0 a 2 anos), Período das operações concretas
para estudos e pesquisas, culminando na institu- (2 a 12 anos), Período das operações formais (12
cionalização da disciplina Educação Física como anos em diante) nos aponte características a se-
componente curricular, que visa oportunizar aos rem trabalhadas, é importante destacarmos que
estudantes conhecimentos relativos aos movi- embora semelhantes cada criança possui sua in-
mentos corporais e espacialidades; desenvolven- dividualidade.
do consciência no cuidado de si e do outro, bem As fases do brincar devem ser observadas
como adquirir autonomia para apropriação da cul- mediante ao processo de maturação corpórea, do
tura corporal promovendo sua participação ativa desenvolvimento psicomotor e das relações so-
na sociedade. ciais/meio em que está inserida, na elaboração de
Portanto, conforme preconiza a Base Nacional atividades direcionadas como aliado a motivação
Comum Curricular – BNCC, o componente curri- e interesse, e não como meios de exclusão.
cular Educação Física, compreende aquisição de
saberes corporais, experiências estéticas, emo- PERCORRENDO O CENÁRIO...
tivas, objetivando a orientação e as práticas pe-
dagógicas na escola. A funcionalidade da Educa- A Brinquedoteca “é um espaço criado para
ção física está pautada em desenvolver práticas favorecer a brincadeira” (CUNHA, 2011, p. 13).
corporais que permitem que os estudantes, além Sendo assim, brincando a criança aprende a ma-
325 22
nipular, a explorar, a descobrir, a xeretar, a se Hospital da Polícia Militar (HPM) como extensão

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relacionar, a compartilhar o brincar. Esse espaço do atendimento da CH do HINSG no espaço das
deve ser alegre, organizado, limpo, seguro, pos- enfermarias; na Associação Capixaba Contra o
suir profissionais capacitados a fim de promover Câncer Infantil (ACACCI) e no Hospital Infantil e
a inventividade. Nesse ínterim, promover ativida- Maternidade Dr. Alzir Bernardino Alves (HIMABA).
des que envolvam também o direito ao compo- Nesse liame, ressalta-se que a este atendimento
nente curricular Educação Física. Para tal, faz-se assenta-se sob a base legal da legislação Nacio-
necessário um planejamento mediante reuniões nal 13716/2018, a legislação Estadual, sendo a
multidisciplinares visto que crianças e adoles- Portaria Nº 168-R, de 23 de Dezembro 2020 e as
centes em tratamento e/ou internação hospitalar, Diretrizes operacionais para a Educação Especial
possuem peculiaridades, dentre elas: (SEDU, 2021). Portanto, cabe destacar que esse
profissional é contratado mediante edital e deve-
Os professores apontaram que, em muitos ca-
sos, têm de retomar novamente todo o conteú- rá atuar em ambos os espaços mediante plane-
do ministrado na última aula, porque a criança jamento com a equipe pedagógica perfazendo a
não obteve rendimento satisfatório em virtude, carga horária de 25 horas/semanais.
por exemplo, de medicações. Assim, não raras A Educação Física, possui uma singularidade
são as vezes em que o professor não consegue
de favorecer a expressão corporal, as quais evi-
avançar com o conteúdo, tampouco lecionar o
que planejou para o dia. Além disso, os docen- denciam-se nas multiplicidades de sentidos e sig-
tes da classe têm ciência de que é preciso rea- nificados dos grupos sociais, sendo manifestada
lizar uma triagem antes de iniciar o atendimento como cultura corporal que possibilita articulação
dos alunos internados para avaliar se é possí- com área da Linguagem cultural favorecendo o
vel dar continuidade ao conteúdo ou retornar a
desenvolvimento da leitura e escrita.
matéria que foi dada anteriormente (MIGUEZ,
2020, p.127). Atividades pedagógicas teóricas aliadas ao
uso dos Recursos tecnológicos (RTs) permitem
Assim sendo, as atividades a serem desenvol- uma aproximação (maior) entre professor e aluno
vidas pelo professor de educação física na brin- no contexto hospitalar, proporcionando ao profes-
quedoteca hospitalar devem ser pensadas para sor práticas inovadoras através de instrumentos
um dia, com início, meio e fim. Vale ressaltar que digitais como celulares, computadores e outros
além da brinquedoteca, temos as classes hospi- favorecendo a prática pedagógica inclusiva.
talares no Estado do Espírito Santo (ES) locali- Corroborando com Oliveira, Solé, Fortuna
zadas nos hospitais da grande Vitória: no Hospi- (2010, p.17) que enfatizam o brincar com o ou-
tal Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG); no tro, o brincar com os pares, e brincando somos
326 22
envolvidos pelo aprendizado, onde “[...] aprender origem, isso é inclusão, é pertencimento.

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supõe, portanto, trocar ideias, discutir, investigar, O adoecimento representa para a criança a
criticar, perceber que há varias formas, diferentes penetração compulsória em um estranho mundo
meios de se chegar a um fim, descobrir a riqueza asséptico: o hospital. Em contrapartida, a libe-
de usar a imaginação e criar algo e também para ração deste mundo, sinaliza pela alta hospitalar,
se enfrentar desafios. [...]”. aciona o medo do enfrentamento da condição de
Nestes termos, jogos e brincadeiras possibili- normalidade (ORTIZ; FREITAS, 2002, p.1 apud
tam uma construção coletiva no estabelecer cri- DANTAS, CASTANHO, 2019, p.41). Dessa ma-
térios específicos para momentos e grupos cultu- neira, ser professor de Educação Física em Clas-
rais diversos, o que vêm enriquecer o patrimônio se e Brinquedoteca Hospitalar requer humaniza-
cultural ao ter conhecimento das brincadeiras e ção, requer humanizar, dando condição humana
jogos populares. Essa proposição desenvolvida a uma situação posta que por vezes, está centra-
em ambiente hospitalar coaduna com a proposta da na cura.
desenvolvida no âmbito escolar. Quando esse ser-professor é incluído não é
A utilização Tecnologia Assistiva (TA), também apenas mais um professor, não é apenas mais
é um recurso que pode ser utilizado pelo professor um componente curricular que está sendo inseri-
de Educação Física como ferramenta pedagógica do ao espaço escolar, seja ele formal ou extra-es-
no processo de ensino-aprendizagem. As tecno- colar. Desejamos apresentar um ser de relações
logias assistivas são dispositivos, equipamentos, que sustenta um saber transversalizado por um
recursos, estratégias, metodologias, práticas e currículo rizomático que, como raízes se retroali-
serviços, tem como finalidade promover a aplica- mentam por meio de múltiplas conexões nas rela-
bilidade, relativa à participação e à atividade e da ções socioeducativas. Lima; Brito (2012) pontuam
pessoa com deficiência ou com mobilidade redu- o currículo como rizoma, quando ele é “aberto e
zida, visando à sua independência, autonomia, múltiplo, não possui ponto de partida e nem de
qualidade de vida e inclusão social. chegada, mas, múltiplos “nós” de conexão, numa
Isto posto, com a interlocução setorial em um teia de mestiçagem, um emaranhado de saberes,
trabalho pedagógico multi (disciplinar) as autoras cujo poder é plural, diluído em toda a parte”. Esse
do projeto pensam ser possível estabelecer um currículo nos permite enquanto pedagogos, pro-
currículo que garanta a pré-sença desse profis- fessores, educadores a abertura para as experi-
sional para além da (in)clusão curricular, garantin- ências vividas, a abertura para a escuta, a abertu-
do também a integralidade no que tange ao retor- ra para a humanização curricular.
no desse aluno da educação básica a escola de Diante da fragilidade vivenciada, o jogo, o brin-
327 22
quedo e o brincar tornam-se não apenas instru- a inclusão da disciplina no Plano de Desenvolvi-

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BRINCANDO COM PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS BRINQUEDOTECAS E CLASSES HOSPITALARES: A (PRÉ)SENÇA PARA ALÉM ...
mentos culturais de linguagem, mas de (re)signifi- mento Institucional (PDI) da classe hospitalar da
cação corpórea por meio de uma relação eu-cor- instituição e garantindo o acesso ao currículo por
po e eu-mundo. Nesse emaranhado de (re)signifi- meio da ludicidade.
cações esse corpo atingido pelo câncer, também
percebe a perda de sua vivacidade motriz. Nesse REFERÊNCIAS
contexto, de saúde, brincar e inclusão evidencia
a necessidade do desenvolvimento de projetos BRASIL. Base Nacional Comum Curricular/Minis-
tério da Educação. Secretária de Educação Básica.
e atividades que envolvam as interlocuções se-
Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília:
toriais, desde o professor de educação física, o
MEC, 2017.
brinquedista, o professor da classe hospitalar, o
fisioterapeuta, a família e o ser brincante. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular/Ministé-
rio da Educação. Lei Nº 13.716, de 24 de setembro de
CONCLUSÃO 2018. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
A observação nos revela a importância da
CUNHA, Nylse Helena Silva. Brinquedoteca: Um
presença do profissional de educação física pela
mergulho no brincar. São Paulo: Aquariana, 201.
competência no desenvolvimento de ativida-
des que possibilitam o desenvolvimento da psi- DANTAS, Márcia Alves Simões; CASTANHO, Marisa Ire-
comotricidade tão necessária ao longo de nos- ne Siqueira. Psicopedagogia nos (com)textos hospi-
sa existência, seja para falar, andar, melhorar a talares e de saúde. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2020.
autoestima na compreensão do limite do corpo,
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
habilidades sociais e emocionais desenvolvidas
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Ter-
através do jogo funcional, jogo construtivo, jogo
ra, 1996.
faz-de-conta, jogo de formas com regras, visando
o desenvolvimento integral do estudante. Tam- FURLEY, Ana Karyne Loureiro; PINEL, Hiran. Por uma
bém possibilita por meio de jogos e brincadeiras fenomenologia do brincar. Curitiba: Appris, 2020.
a interação entre os pares nos espaços extraes-
LIMA, Tatiane de Lucena; BRITO, Luzia Maria de Aze-
colar, uma vez que esta temática emerge da cul-
vedo. O currículo como teoria rizomática do conheci-
tura popular. Conclui-se que projetos como esse
mento na prática da educação on line. Anais XVI Co-
possibilitam a presença do profissional de educa- lóquio Internacional Educação e Contemporanei-
ção física em espaço extraescolar, favorecendo dade. São Cristovão- SE. 2012.
328 22
LOVISARO, Martha. A psicomotricidade aplicada na

Luiza Elena Candido de Almeida - Sirlei Anacleto Martins - Ana Karyne Loureiro Furley
BRINCANDO COM PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS BRINQUEDOTECAS E CLASSES HOSPITALARES: A (PRÉ)SENÇA PARA ALÉM ...
escola: guia prático de prevenções das dificuldades
de aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.

MATTOS, Vera (org.). Desenvolvimento infantil: 130


ideias para estimular brincando. Rio de Janeiro: Wak
Editora, 2018.

MIGUEZ, Brunella P. Classe Hospitalar e efetivação


do direito à educação da criança hospitalizada: um
estudo de caso. Dissertação (Mestrado em Políticas
Públicas e Desenvolvimento Local) – Programa de
Pós-Graduação em Políticas Públicas e Desenvolvi-
mento Local da Escola Superior de Ciências da Santa
Casa de Misericórdia de Vitória – Emescam, 2020.

OLIVEIRA, Vera Barros de; SOLÉ, María Borja i; FOR-


TUNA, Tânia Ramos. Brincar com o outro: caminho
de saúde e bem-estar. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vo-
zes, 2010.

Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo


(SEDU). Diretrizes Operacionais para a educação
Especial. Vitória, ES. 2021. Disponível em: https://
sedu.es.gov.br/Media/sedu/EscoLAR/diretrizes%20
ed%20especial.pdf Acesso em: 15 de Junho de 2021.

Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo


(SEDU). Portaria Nº 168-R, de 23 de Dezembro de
2020, estabelece normas e procedimentos comple-
mentares referentes à avaliação, recuperação de estu-
dos e ao ajustamento pedagógico dos estudantes das
unidades escolares da Rede Estadual de Ensino do
estado do Espírito Santo, e demais providências. Di-
ário Oficial do Estado do Espírito Santo, Vitória, 23
dezembro de 2020, p. 55.
329

INTRODUÇÃO

O relato de experiência apresentado é resul-


tante do trabalho didático desenvolvido em con-
junto por docentes e discentes na disciplina de
Pedagogia do Lazer, do curso de Licenciatura em
Educação Física da Universidade Federal da Pa-
raíba (UFPB) no ano de 2020.
A atividade envolveu duas Instituições de Ensi-
no Superior (IES): a UFPB, através da professora
ministrante da disciplina Profª Dr. Elizara Carolina
Marin, e a Universidade Federal de Santa Maria/
RS (UFSM), por meio da docência orientada, dis-
ciplina obrigatória do Programa de Pós-gradua-
ção em Educação Física, em nível de mestrado,
da mesma universidade, realizada pelo acadê-
mico Eduardo Barasuol. A colaboração entre as
CAPÍTULO 23 instituições, potencializaram as trocas culturais e
pedagógicas, vinculando os propósitos elencados
para a pesquisa do mestrando sobre os Jogos

BRINQUEI ONTEM, BRINCO Tradicionais (JTs), permitindo o compartilhamento


da sua vivência docente e formativa com os dis-

HOJE: CARTILHA DE JOGOS centes da UFPB.


Segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP)
TRADICIONAIS do curso de Educação Física da UFPB, a discipli-
na de Pedagogia do Lazer, ofertada no sexto pe-
ríodo, faz parte dos conteúdos básicos da forma-
Eduardo Barasuol
ção pedagógica e tem como objetivos: compre-
Elizara Carolina Marin
ender as categorias sociais do fenômeno lúdico,
tempo livre, trabalho e lazer e suas imbricações;
compreender as relações entre educação e lazer;
planejar e organizar vivências de lazer no âmbito
330 23
da escola; desenvolver práticas curriculares com pliação de pesquisas sobre os jogos tradicionais

Eduardo Barasuol - Elizara Carolina Marin


BRINQUEI ONTEM, BRINCO HOJE: CARTILHA DE JOGOS TRADICIONAIS
ênfase nos procedimentos de observação, regis- para o fortalecimento da memória cultural de um
tro e análise DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO povo, partindo do pressuposto de que o JT faz
FÍSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PA- parte do patrimônio da humanidade e por muitas
RAÍBA, 2020). vezes carece de reconhecimento.
Concernente aos objetivos da disciplina, uma
Assinalamos a relevância de pesquisas sobre
das propostas didático-pedagógicas foi elabora- jogos tradicionais e a necessidade de registro e
ção coletiva de uma Cartilha de Jogos Tradicio- difusão cultural de tal conhecimento, ainda con-
nais vivenciados pelos acadêmicos no percurso siderado marginal, porém parte do patrimônio da
de suas vidas. A partir da seleção de um jogo humanidade, cabendo às instituições científicas,
às instituições de gestão pública, entre outras, a
marcante, os discentes realizaram a sua descri-
produção de pesquisas e o desenvolvimento de
ção e, ainda, de toda produção editorial e cons- políticas culturais (MARIN; RIBAS, 2013, p. 22).
trução gráfica da Cartilha.
O trabalho de produção com os 16 (dezesseis) O processo de construção da Cartilha ora apre-
acadêmicos da turma foi antecedido pelo conhe- sentada registra jogos vivenciados no contexto do
cimento produzido historicamente sobre o jogo nordeste brasileiro, mais especificamente, da Pa-
tradicional e suas especificidades, e, portanto, raíba. A Cartilha testemunha que o jogo é trans-
presente nas relações humanas e socioculturais mitido fundamentalmente, pela via da oralidade,
e, com papel destacado, no âmbito da formação entre gerações, etnias e distintas geografias. No
educativa e profissional. jogo, sempre tem algo que subverte, que foge à
Segundo Huizinga (2007), em sua obra intitu- cristalização. Pode ser adaptado em seus mate-
lada Homo Ludens, o jogo riais, espaços, regras e nomenclaturas, escrevem
Marin e Gomes-da-Silva (2016).
é uma atividade ou ocupação voluntária, exer-
cida dentro de certos e determinados limites
de tempo e espaço, segundo regras livremente DESENVOLVIMENTO
consentidas, mas absolutamente obrigatórias,
dotado de um fim em si mesmo, acompanhado As aulas foram conduzidas sob a perspectiva
de um sentimento de tensão e alegria e de uma da Pesquisa-ação (FRANCO, 2005), vinculando
consciência de ser diferente da vida cotidiana eixos teóricos e práticos. Utilizando de estudos
(HUIZINGA, 2007, p. 33).
sobre a formação e composição dos JTs e ações
Por tal relevância, Marin e Ribas (2013) enfati- práticas na pesquisa, descrição e construção da
zam sobre a necessidade e a importância da am- Cartilha, produzindo uma interação entre os dis-
331 23
centes e docentes, cujo conteúdo e temática são

Eduardo Barasuol - Elizara Carolina Marin


BRINQUEI ONTEM, BRINCO HOJE: CARTILHA DE JOGOS TRADICIONAIS
Síncrona: Aprendizagem
os JTs. a partir das TICs/Game-
ficação/Jogos Eletrônicos
Segundo Franco (2005, p. 491), a pesquisa- (Relação Jogos/Tecnolo- Sala de aula
-ação é “um processo eminentemente interativo, gias/ferramentas de cons- (Google Meet)
Aula 2 trução). – 1h30min.
a análise da qualidade da ação entre os sujeitos
que dela participam é fundamental para definir Assíncrona: Conhecimen-
to de ferramentas digitais
sua pertinência epistemológica e seu potencial
e entrega do Jogo Tradi-
praxiológico”. Logo, o uso desta metodologia ga- cional pesquisado.
nha destaque pela intencionalidade colaborativa Síncrona: Construção de
Cartilha Virtual de Jogos
da aula. Busca-se possibilitar que os alunos e os
Tradicionais na Paraíba.
professores interajam na coprodução do material Sala de aula
Aula 3 (Google Meet)
gráfico, constituindo uma possibilidade tanto pe- Assíncrona: Revisão or-
– 1h30min.
tográfica das descrições e
dagógica quanto formativa. explicação da escolha do
Assim, as aulas foram divididas em dois mo- jogo tradicional.

mentos (Quadro 1): o primeiro caracterizou-se Síncrona – Finalização da


Cartilha – “Brinquei ontem,
pela interação teórica e contextualização sobre o Brinco Hoje: Jogos Tradi- Sala de aula
tema JT (aulas 1 e 2). O segundo momento foi Aula 4 cionais na Paraíba. (Google Meet)
-1h30min.
constituído pela construção propriamente dita Assíncrona – Revisão estru-
da Cartilha, dialogando sobre os elementos ne- tural da Cartilha.
cessários para confecção do material, os quais Sala de aula
Encerramento e apresenta-
Aula 5 (Google Meet)
incluem a catalogação, descrição, produção edi- ção do Projeto Final.
-1h30min.
torial, edição, revisão textual e projeto gráfico da
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
Cartilha (Aulas 3 e 4).

Quadro 1 - Planejamento para Coleta de Dados


Devido à pandemia de Covid-19, as aulas
LOCAL E
ENCONTROS OBJETIVO DURAÇÃO aconteceram de forma remota, vinculando ativi-
DA AULA dades síncronas e assíncronas, estando descri-
Síncrona: Praxiologia
Sala de aula tas no Quadro 1. Os pressupostos de cada aula
Motriz e Classificação dos
Jogos Tradicionais.
(Google Meet) estão expostos a seguir, os quais orientaram o
Aula 1 – 1h30min.
desenvolvimento da experiência.
Assíncrona: Pesquisa e des-
crição de Jogo Tradicional
Aula 1 – Esta aula foi orientada pelas expli-
cações metodológicas para descrição dos jogos,
332 23
pautada na Praxiologia Motriz de Parlebas (2001),

Eduardo Barasuol - Elizara Carolina Marin


BRINQUEI ONTEM, BRINCO HOJE: CARTILHA DE JOGOS TRADICIONAIS
que utiliza como base o estudo das ações motri-
zes, com foco nos jogos e esportes.
De acordo com Ribas (2005, p. 113), a Praxio-
logia Motriz busca “desvelar o mundo dos jogos,
esportes e outras práticas motrizes a partir do
estudo da lógica interna dessas atividades”, uti-
lizando de instrumentos próprios, para avaliar as
peculiaridades envolvidas nas atividades físicas.
Segundo Araújo, Franchi e Lavega (2020, p. 3), a
lógica interna de um jogo ou esporte, é como uma
“carta de identidade que o caracteriza e exige que
qualquer pessoa deva relacionar-se com os ou-
tros participantes, com o espaço, com o material
e com o tempo”. Tais relações são vinculadas pe-
las regras dos jogos ou esportes, as quais servem
como sustentação para Praxiologia Motriz.
Sabemos que as explicações sobre a Praxio- Figura 1 – Quadro descritivo para os Jogos Tradicionais pesquisa-
logia Motriz não se findam aqui, mas apresentam dos – Jogo 7 pecados
um esboço inicial ao leitor, destacando algumas
características centrais, as quais permearam a A partir da explicação sobre a Praxiologia Mo-
descrição dos JTs. Nesse sentido, a exposição triz e como funcionaria a descrição dos jogos,
dos elementos constituintes dos JTs pesquisados os alunos ficaram responsáveis por selecionar e
estão demostrados no quadro descritivo (Figura pesquisar um JT importante da sua vida e descre-
1) construído por Lavega (2017), na Disciplina de ver os modos de funcionamento do jogo contem-
Teoria e Prática do Jogo Motor, ofertada no Insti- plando os seguintes aspectos:
tuto Nacional de Educação Física de Catalunha
(INEFC-Lheida) e adaptado pelos autores. • Nome do Jogo;
• Relacionamento com o Espaço;
• Relacionamento com o Material;
• Relacionamento com o Tempo;
• Relacionamento entre Jogadores;
333 23
• Objetivos do Jogo; cipalmente nas possibilidades para confecção

Eduardo Barasuol - Elizara Carolina Marin


BRINQUEI ONTEM, BRINCO HOJE: CARTILHA DE JOGOS TRADICIONAIS
• Como Jogar; da Cartilha, que perpassa por um prévio conhe-
• Ações complementares; cimento dos editores gráficos disponíveis, para
• Imagem Ilustrativa; ser utilizado como apoio pedagógico. Assim, foi
• Outras maneiras de jogar; consensual, por parte dos docentes e discentes,
• Observações. a escolha pelas ferramentas que mais se encai-
xariam no desenvolvimento do projeto proposto.
Aula 2 – Na segunda aula, a discussão foi per- Neste caso optou-se pela plataforma Canva, de-
meada pelos conhecimentos sobre ferramentas signada como uma ferramenta de design gráfico
tecnológicas passíveis de uso nas aulas de Edu- online, lançada no ano de 2013 e que tem a mis-
cação Física e a sua utilização na construção da são de garantir que qualquer pessoa possa criar
Cartilha de jogos. qualquer design para publicar em qualquer lugar
(CANVA, 2021).
Com efeito, a tecnologia apresenta-se como
meio, como instrumento para colaborar no de- Aula 3 – A terceira aula configurou-se por um
senvolvimento do processo de aprendizagem. A trabalho coletivo, para elaborar o projeto inicial;
tecnologia reveste-se de um valor relativo e de- definir a estrutura da Cartilha, os itens textuais, as
pendente desse processo. E Ela tem sua impor- cores, a fonte das letras e as imagens para com-
tância apenas como um instrumento significativo
por a capa e demais partes da Cartilha; realizar a
para favorecer a aprendizagem de alguém. Não
é a tecnologia que vai resolver ou solucionar o correção ortográfica, dando especial atenção aos
problema educacional do Brasil. Poderá colabo- aspectos éticos de direitos autorais, e a revisão
rar, no entanto, se for usada adequadamente, referente a compreensão das regras e funciona-
para o desenvolvimento educacional de nossos mento do jogo; e a finalização gráfica.
estudantes (MORAN; MASETTO; BEHRENS,
É importante destacar que todos os segmen-
2000, p. 138).
tos presentes na Cartilha foram organizados de
Essa convicção também é fortalecida por Ma- forma coletiva, partindo da interação entre dis-
chado e Lima (2017), para quem o uso da tec- centes e docentes, potencializando as trocas de
nologia é visto como de “primordial necessidade, conhecimento entre os envolvidos e constituindo
pois promove oportunidades de aprendizagem e a materialização de um produto tão significativo.
interatividade tanto para o professor como para o Para a atividade assíncrona, os discentes fica-
aluno” (MACHADO; LIMA, 2017, p. 45). ram responsáveis por revisar todo o projeto, des-
Neste seguimento, a aula foi direcionada sob tacar mudanças necessárias e escrever uma fra-
a perspectiva do uso de tecnologias, focada prin- se autoral, destacando as marcas da experiência
334 23
pessoal que testemunham a emoção e a alegria nos e representam o valor peculiar e íntimo do

Eduardo Barasuol - Elizara Carolina Marin


BRINQUEI ONTEM, BRINCO HOJE: CARTILHA DE JOGOS TRADICIONAIS
de jogar o jogo escolhido. jogo nas vivências.
Muitas frases destacadas pelos alunos mos- Aula 4 – Nesta aula, buscou-se finalizar a Car-
tram a importância que os JTs têm em suas vidas tilha com a organização dos elementos gráficos,
e a sua relevância para a relação familiar e como texto e demais materiais produzidos. Também
componentes presentes em suas infâncias, reservamos um momento para avaliar o proces-
so de realização da Cartilha e o produto e refletir
Aluno 1 – “Escolhi o jogo bola de gude por ter
sido uma das brincadeiras mais populares du- sobre as potencialidades na utilização dos JTs no
rante a minha infância. Sempre no final da tarde, contexto escolar e social.
muitas crianças, adolescentes e até adultos da Ficou evidenciado que os discentes se senti-
minha rua se reuniam para jogar. O espaço es- ram presentes e envolvidos nas aulas. A proposta
colhido era as calçadas de areia, de barro, pois
de articular experiência pessoal e trabalho acadê-
possibilitavam as marcações do jogo, como o tri-
ângulo. Recordo do tempo que jogava no quintal mico potencializou alegria nos encontros, traba-
da casa dos meus avós com os meus primos, lho coletivo e uma experiência formativa singular.
era um espaço de diversão e passatempo”. Ademais, resultou num produto, melhor dizendo,
numa ferramenta pedagógica a ser acessada pe-
Outro elemento presente nas frases são as
los próprios discentes, assim como para todos os
relações culturais e sua relevância social, o que
profissionais que se sentirem tocados.
demostra a potencialidade e abrangência que os
Outros aspectos destacados pelos discentes
JTs podem atingir
dizem da sensação prazerosa de revisitar o brin-
Aluno 2 – “Os jogos típicos da cultura corporal car da sua infância e, nela, as relações com os
indígena são bem presentes na vivência dos po- quintais, ruas, bairros, amigos e familiares; dos
vos indígenas brasileiros. escolhi a “corrida de
sentimentos alegres aflorados ao descreverem
tora”, por que pertenço à etnia potiguara e por
ser um jogo vivenciado na minha comunidade. o jogo; da graça do jogo; da memória lúdica que
A corrida de tora e as demais modalidades que está presente e só precisa ser ativada.
compõem a nossa historicidade propiciam a fa- Em último momento, na atividade assíncrona,
miliarização entre os integrantes e fortalecem os observamos a necessidade de uma revisão final,
valores”.
buscando aprimorar detalhes, que por ventura po-
As demais frases os leitores podem acessar deriam ter permanecido equivocadas nas atuali-
junto à Cartilha, as quais são compostas por es- zações e correções realizadas na Cartilha.
critas singulares, pois expressam os sentimentos Aula 5 – Por fim, foi apresentado aos alunos o
pessoais oriundos das memórias lúdicas dos alu- resultado final da Cartilha: Brinquei ontem, Brinco
335 23
Hoje: Cartilha de Jogos Tradicionais, cuja capa é CONCLUSÃO

Eduardo Barasuol - Elizara Carolina Marin


BRINQUEI ONTEM, BRINCO HOJE: CARTILHA DE JOGOS TRADICIONAIS
apresentada na Figura 2.
O título, escolhido consensualmente pelo coleti- Dessa forma, a construção da Cartilha “Brin-
vo envolvido, foi assim denominado por referenda à quei ontem, Brinco Hoje: Jogos Tradicionais na
alegria do jogo que impele a jogar de novo, ontem, Paraíba” se constituiu de uma oportunidade de
hoje e amanhã. Como escreve Benjamim (2002, p. formação aos acadêmicos em Educação Física,
101), a graça do jogo, do brincar, está no fazer de além de resultar em um produto instrutivo e peda-
novo. Talvez por que desejamos, como faz a crian- gógico, ampliando os estudos que tematizem os
ça, que “toda e qualquer experiência mais profunda JTs e suas extraordinárias possibilidades.
deseja insaciavelmente, até o final de todas as coi- Esperamos que essa experiência possa servir
sas, repetição e retorno, restabelecimento da situa- de estímulo para outros projetos e outras pesqui-
sas, ampliando a sistematização e propagação da
ção primordial da qual ela tomou o impulso inicial”.
memória lúdica, tão abundante e importante para
a humanidade. Como referenda a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (UNESCO, 2015, p. 14) os “jogos, dan-
ças e esportes, tradicionais e indígenas, também
em suas formas modernas e emergentes, de-
monstram o rico patrimônio cultural do mundo e
devem ser protegidos e promovidos”.
A Cartilha de Jogos Tradicionais apresenta-se
da como um objeto concreto de contribuição à
área, onde seu desenvolvimento produz a visibili-
dade dessa riqueza cultural, reflexo dos 14 jogos
descritos, disponíveis ao acesso livre e gratuito,
Figura 2 – Capa da Cartilha.
podendo ser utilizados para os mais diversos fins.
Por fim, essa experiência se apresentou como
“Brinquei ontem, Brinco Hoje: Jogos Tradicio-
uma excelente possibilidade metodológica de
nais na Paraíba” conta com 14 Jogos Tradicio-
contribuição à área, pois possibilitou a colabora-
nais e pode ser acessada pelo link <https://dri-
ção entre docentes e discentes, desenvolvendo
ve.google.com/file/d/1dkpf5s6FtIFmEolTX8ZHe-
pesquisas e ações na preservação, propagação e
VZ6UyOYUVZq/view?usp=sharing>, sendo seu
fortalecimento da memória lúdica desencadeada
uso público e gratuito. pelo Jogo Tradicional.
336 23
REFERÊNCIAS MARIN, E.C.; RIBAS, J.F.R. (Orgs.). Jogo Tradicional

Eduardo Barasuol - Elizara Carolina Marin


BRINQUEI ONTEM, BRINCO HOJE: CARTILHA DE JOGOS TRADICIONAIS
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nology-of-educacional-use-an-educacional-do-in-s-
chool-everyday.html>. Acesso em: 10 jun. 2021.
337

INTRODUÇÃO

Os pacientes infantis portadores de Insuficiên-


cia Renal Crônica (IRC) são submetidos à Terapia
Renal Substitutiva (TRS), o que acarreta mudan-
ças no seu cotidiano que estão relacionadas ao
contexto familiar, social e escolar advindas do tra-
tamento. Durante o tratamento existe um impacto
emocional que atinge tanto crianças quanto ado-
lescentes com IRC o que desencadeia estresse,
desorganiza suas vidas, afetam a autoimagem,
assim como modificam suas percepções da vida
(FROTA et.al, 2014).
Na Unidade de Terapia Renal Substitutiva o
paciente pode ficar ligado à máquina por um perí-
odo de no mínimo duas horas e no máximo quatro
horas, podendo ocasionar desconfortos e inquie-
CAPÍTULO 24 tude já que precisam ficar em uma poltrona sem
poder se locomover. Sendo assim, em um hospi-
tal pediátrico é necessário criar estratégias para

CONSTRUÇÃO DE JOGOS PARA entreter a criança e/ou adolescente, e envolvê-los


em um ambiente lúdico é a melhor alternativa.

O ATENDIMENTO PEDAGÓGICO Segundo Schultz, Muller e Domingues (2006)


o lúdico está relacionado ao brincar, que é um as-
NA TERAPIA RENAL pecto predominante na vida das crianças desde

SUBSTITUTIVA os tempos mais remotos da humanidade, sendo


assim merece ênfase na educação como instru-
mento facilitador de ensino. A atividade lúdica en-
Viviane Lima dos Santos volve o entretenimento, onde se leva em conside-
Wilka Lara da Silva Rocha ração o divertimento, prazer e a interação entre
Suely Nascimento de Lemos os pares. Isto desenvolve a criatividade e várias
habilidades e conhecimentos imensuráveis. O lú-
338 24
dico contribui com a aprendizagem e desenvolve METODOLOGIA

Viviane Lima dos Santos - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
CONSTRUÇÃO DE JOGOS PARA O ATENDIMENTO PEDAGÓGICO NA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA
o físico, o cognitivo e o social, isto é, desenvolve
o sujeito como um todo.  Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo
Desta forma, os jogos são recursos metodoló- exploratória e descritiva.  O trabalho foi realiza-
gicos de grande relevância para ajudar o media- do em um hospital pediátrico, especificamente na
dor no processo de construção do conhecimento. Unidade de Terapia Renal Substitutiva. O estudo
Construir jogos não é uma tarefa fácil, requer todo se deu com a participação de 15 pacientes com a
um planejamento acerca dos objetivos que corro- idade de 1 a 18 anos.
boraram com a aprendizagem.  Foram construídos cinco jogos que contribuí-
A utilização do lúdico como recurso para o ram para o atendimento pedagógico realizado na
atendimento pedagógico possibilita que a criança unidade acima citada. Para realização da pesqui-
sa foi necessário estreitar a relação com os pa-
e/ou adolescente aprenda de uma forma menos
cientes da Unidade de Terapia Renal Substitutiva
rígida, e sim mais tranquila e prazerosa, possibili-
por meio da observação participativa, que acon-
tando o alcance dos diversos níveis do desenvol-
teceu, de segunda a sexta-feira, durante um perí-
vimento. Cabe assim, uma estimulação por parte
odo de aproximadamente uma hora. A estagiária
do adulto para a criação de ambiente que favore-
de pedagogia propunha atividades lúdicas aos
ça a propagação do desenvolvimento infantil, por
pacientes ligados à máquina de hemodiálise para
intermédio da ludicidade (RIBEIRO, 2013).
realização do procedimento. 
Desta forma, este trabalho tem como objetivo
Somente após dois meses de convivência es-
demonstrar a importância de construção e utiliza- treitaram-se os laços entre a estagiária e os pa-
ção dos jogos para o atendimento pedagógico na cientes. O que permitiu que as atividades lúdicas
Terapia Renal Substitutiva.  fossem trabalhadas de forma eficaz. Todas as
A presença de um profissional da educação no atividades desenvolvidas pela estagiária foram
ambiente hospitalar pode favorecer aos pacien- planejadas a priori, e não foram utilizados apenas
tes no que tange os aspectos sociais e cogniti- jogos construídos para fins pedagógicos, várias
vos, pois estes não se contentaram apenas com atividades foram desenvolvidas para ajudar no
os materiais lúdicos industrializados, mas criaram desenvolvimento desses pacientes, como conta-
seu próprio material, levando em consideração as ção de histórias, brincadeiras, datas comemora-
questões da realidade que se encontra o pacien- tivas e outros.   Para coleta dos dados foram re-
te, permitindo assim para facilitar a aquisição de alizados registros internos por meio de relatórios
conhecimento do paciente.  mensais realizados no período de 12 meses entre
o ano de 2019 a 2020.
339 24
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ção, e na aprendizagem escolar (como na es-

Viviane Lima dos Santos - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
CONSTRUÇÃO DE JOGOS PARA O ATENDIMENTO PEDAGÓGICO NA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA
crita, leitura, interpretação de texto e contexto,
As atividades lúdicas foram utilizadas como resolução de operações matemáticas, sistemas
recurso para aproximação dos pacientes da Uni- numéricos, raciocínio lógico, noção espacial, en-
dade de Terapia Renal Substitutiva (TRS). A prin- tre outros). Doravante, sendo necessário realizar
cípio as crianças e adolescentes apresentavam atendimentos pedagógicos para estimular e re-
vergonha, timidez, tristeza, traumas sociais e/ou forçar essas carências. 
escolares. Por esses motivos muitos tinham re- É importante salientar que muitos desses
sistência em conversar um com os outros na sala atrasos cognitivos ou de aprendizagem escolar
durante o tratamento e com os multiprofissionais ocorrem devido à falta estimulação em casa, de-
que trabalhavam no setor.  sinteresse em comparecer na escola ou dar se-
A partir dessa observação alguns jogos indus- guimento aos estudos, problemas familiares ou
trializados foram oferecidos (jogo da memória, relacionados a patologia. Cada paciente tem sua
dominó diversos, cara a cara, entre outros) para singularidade relacionada a dificuldades, tem-
estreitar a relação entre a estagiária de pedago- po e jeito de aprender e o lúdico foi fundamental
gia e os pacientes. Desta forma, essa interação para que tivessem o encantamento e o prazer em
tinha o objetivo de aproximar e criar um vínculo de aprender e que não se perdessem a ludicidade
confiança entre os pares. Os jogos duravam para introduzida desde o início da interação. 
cada atendimento cerca de 15 a 20 minutos. Com Pensando nisso, foram criados e construídos
o tempo, após esse contato individual passou-se jogos para utilizar nos atendimentos pedagógicos
a ter atividades lúdicas coletivas para que hou- para isto foram levados em consideração a idade,
vesse a interação de todos. Vale ressaltar que as a dificuldade escolar, o desenvolvimento cogniti-
idades dos pacientes variam, bem como o nível vo, a condição física e emocional. A partir desses
cognitivo, sendo necessário realizar adaptações critérios estabelecidos para criação dos jogos, fo-
para que todos participem das brincadeiras. ram planejados cinco jogos.  
Após dois meses de convivência com os pa- O primeiro jogo confeccionado foi denomina-
cientes, estes já demonstravam maior abertura na do “Colheres de Aprendizagem” que foram cria-
relação interpessoal, os mesmos conversavam, se das para ajudar os pacientes que apresentavam
animavam para comparecer e realizar o tratamento. dificuldades em reconhecer o alfabeto, sílabas
Percebemos no período de observação que simples e complexas e os números; cores secun-
os pacientes apresentavam algumas dificulda- dárias e primárias. Este jogo foi aplicado aos pa-
des cognitivas, na linguagem, memória e aten- cientes a partir de 4 anos. 
340 24
desenvolver também o raciocínio lógico, mas isto

Viviane Lima dos Santos - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
CONSTRUÇÃO DE JOGOS PARA O ATENDIMENTO PEDAGÓGICO NA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA
apenas para pacientes a partir de 08 anos. 
O nível de dificuldade era variável de acordo com
cada participante. Foi observado que os pacientes
com idade superior a 7 ou 8 anos apresentavam
as mesmas dificuldades que os pacientes menores
quando utilizavam as operações de multiplicação
e divisão. Nesse caso, foram reforçadas as opera-
ções de maior dificuldade, trabalhando individual-
mente para que o paciente pudesse ter o seu tem-
po e pudesse tirar as dúvidas para aprender sem
timidez e vergonha independente da resposta. Este
Figura 1 – Jogo Colheres de Aprendizagem
jogo em especial, foi um dos prediletos dos pacien-
tes, apesar de precisarem de várias partidas para
Neste jogo os pacientes demonstravam ani- finalizar o jogo, a dificuldade intrigava os pacientes
mação e curiosidade pois a cada conteúdo, as e isto deixava a brincadeira interessante. 
Colheres de Aprendizagem eram confecciona-
das de acordo com a necessidade sendo usado
como jogo da memória; jogo palavra secreta que
compara entre figuras-palavras/sílabas, além de
usar as colheres em canções como “Abecedário
da Xuxa”, “Patinho Tuga - Os números”, “Mundo
Bita - Magia das cores” e outros. 
O segundo jogo criado foi o “Picolés da Mate”
planejado para pacientes com idade a partir de 6
anos.  Para confecção foram utilizados palitos de
picolé que contém na sua estrutura as quatro ope-
rações matemáticas em que o jogador terá como
Figura 2 – Jogo Picolés da Mate
objetivo vender mais picolés. Porém o jogo não
é tão simples quanto parece, existem níveis de O outro jogo criado foi o “Dados da Leitura” em
dificuldade com relação a operação que está dis- que o paciente joga os dois dados, um dos dados
tribuído nos palitos de picolé. A intenção do jogo é possuía diferentes cores e o outro dado era tradi-
341 24
cional, assim que joga o dado e obtém o resultado, vel os níveis de dificuldade alternavam e o resul-

Viviane Lima dos Santos - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
CONSTRUÇÃO DE JOGOS PARA O ATENDIMENTO PEDAGÓGICO NA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA
é necessário transferir a resposta na tabela e ler a tado foi satisfatório. Havia leitura das palavras e
palavra sorteada. Existem dois níveis de dificulda- sempre sugeria formular frases para incentivar na
des e estão relacionadas ao tipo de escrita, havia escrita e na leitura. 
palavras escritas em bastão e outras em cursiva. O  Vale destacar que no período de permanência
jogo foi planejado para pacientes a partir de 7 anos na Terapia Renal Substitutiva alguns pacientes re-
de idade, principalmente para os que precisavam alizaram transplante e tiveram alta do tratamento,
de reforço na escrita e na leitura de palavras.   surgindo outros pacientes, mas dessa vez eram
pacientes menores de 4 anos de idade. A partir
daí foi necessário planejar alguma atividade lúdica
para ser desenvolvida com essa nova realidade. 
O quarto jogo criado foi o “Pote da Calma”,
este pote foi confeccionado para crianças de 1
a 5 anos, é uma ferramenta proposta no método
Montessoriano que tem a função de acalmar as
crianças quando estão em momentos de choro,
birras e agitações. Durante o tratamento, essas
crianças tendem a ficar estressadas, com medo,
Figura 3 – Jogo Dados da Leitura inquietas e que acabam chorando e ficando
agressivas quando um profissional de saúde se
Este jogo era utilizado em momentos diferen- aproxima para realizar algum procedimento. 
tes, no primeiro momento os pacientes tinham Quando é oferecida essa ferramenta a crian-
mais dificuldade em ler as palavras escritas em ça fica mais tranquila, pois o glitter, os objetos
letra cursiva. Alguns adolescentes não conse- coloridos dentro do pote, prendem a sua aten-
guiam ler palavras que continham sílabas com- ção. Enquanto observam o objeto, a respiração
plexas, apenas as palavras que tinham figuras e o temperamento da criança se alteram, além
eram possíveis obter uma resposta. Semanal- de ajudá-la a regular suas emoções. O Pote da
mente o “dado da leitura” era utilizado para aju- Calma pode proporcionar benefícios aos pacien-
dar esses pacientes que tiveram dificuldade na tes em tratamento na TRS, já que estimula a
leitura das palavras.   atenção e isso faz com que a criança aos pou-
Com o passar do tempo, foi possível perceber cos se desconecte daquilo que está causando
uma melhora ao utilizar o jogo, sempre que possí- irritação ou agitação. 
342 24
Uma brincadeira muito conhecida mundial- vo. Cada etapa está relacionada a um tipo de ati-

Viviane Lima dos Santos - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
CONSTRUÇÃO DE JOGOS PARA O ATENDIMENTO PEDAGÓGICO NA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA
mente que se chama “Esconde/achou” em que o vidade lúdica que se sucede da mesma maneira
bebê é desafiado a lembrar quem está escondido para todos os indivíduos.
e a esperar que a pessoa se revele, é um jogo No decorrer da atividade lúdica o paciente pre-
muito divertido que pode ser realizado utilizando cisa de concentração para realizá-la. Muitas das
a ferramenta “pote da calma”, assim é só usar a vezes, no atendimento pedagógico poucos dos
criatividade para esconder.  pacientes atendidos tendem a ter dificuldade em
O quinto e último jogo construído foi o “Saco prestar atenção, mas os que têm, sempre é algo
Sensorial”, é um tipo de estimulação que auxilia relacionado ao ambiente que estão inseridos pois
os sentidos sensoriais internos e externos das contém muitas pessoas, conversas paralelas, som
crianças. Foram confeccionados dois sacos sen- da televisão que acabam levando a distrações, de-
soriais que continham objetos para reforçar os sentendimento e prolongação nas atividades. 
quatro sentidos: olfato, audição, visão e tato.  O uso do brinquedo/jogo educativo com fins pe-
Nesta brincadeira é possível estimular a coor- dagógicos remete-nos para a relevância desse ins-
denação motora fina enquanto a criança manipula trumento para situações de ensino-aprendizagem
os sacos sensoriais, além de desenvolver a con- e de desenvolvimento infantil. Se considerarmos
centração contribuindo para o desenvolvimento que a criança pré-escolar aprende de modo intui-
neurológico. Foram utilizados para pacientes de tivo adquire noções espontâneas, em processos
8 meses a 5 anos. interativos, envolvendo o ser humano inteiro com
Em todas as atividades lúdicas desenvolvidas cognições, afetivas, corpo e interações sociais, o
na TRS, a estagiária de pedagogia esteve pre- brinquedo desempenha um papel de grande rele-
sente e foi a mediadora para que todos os objeti- vância para desenvolvê-la” (KISHIMOTO, 1997)
vos dos jogos fossem alcançados.  Por fim, ao longo do atendimento pedagógico,
Na Unidade de Terapia Renal Substitutiva, há houve vários momentos em que foi trabalhado a
uma variação de quatro a cinco atendimentos de função executiva, uma habilidade cognitiva que
pacientes por dia. Cada paciente era atendido in- permite controlar e regular pensamentos, emoções
dividualmente ou quando havia uma oportunidade e ações. Friedmann (1996), afirma que é necessá-
era proposto uma interação coletiva. No decorrer rio dar atenção especial ao jogo, pois as crianças
da atividade alguns pacientes demonstraram difi- têm o prazer de realizar tarefas através da ludicida-
culdades em manter o foco no jogo. de. E quando isto acontece vive o mundo imaginá-
Para Piaget (1973), ludicidade é a manifesta- rio e assim se afasta da sua vida habitual.
ção do desenvolvimento da inteligência que está O jogo é instrumento de grande importância
ligada aos estágios do desenvolvimento cogniti- para aprendizagem no desenvolvimento infantil,
343 24
pois se a criança aprende de maneira espontânea, criatividade, assim, o jogo contribui para a aquisi-

Viviane Lima dos Santos - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
CONSTRUÇÃO DE JOGOS PARA O ATENDIMENTO PEDAGÓGICO NA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA
o brinquedo passa a ter significado crucial na for- ção de conhecimento. 
mação e na aprendizagem (KISHIMOTO, 1997).
REFERÊNCIAS
CONCLUSÃO
FRIEDMANN, A. Brincar: crescer e aprender. O res-
O objeto deste estudo foi a construção de jo- gate do jogo infantil. São Paulo: Moderna, 1996.
gos para atendimento pedagógico na Unidade de
Terapia Renal Substitutiva que contribuíram no FROTA, M.A.; VASCONCELOS, V.M.; MACHADO,
desenvolvimento cognitivo e social, além de aju- J.C.; LANDIN, F.L.P.; MARTINS, M.C. [Life quality
dar na aquisição de conhecimento dos pacientes.  of children with chronic renal failure]. Esc Anna Nery
O jogo pode possibilitar a aprendizagem, esti- [Internet]. 2010;14(3):527-533. Available from: http://
mular a criatividade, o raciocínio, a socialização www.scielo.br/ pdf/ean/v14n3/v14n3a14 Portuguese.
e interação dos envolvidos. Além disso, por meio
KISHIMOTO, T.M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a
dos jogos é possível que a criança e/ou adoles-
educação. São Paulo: Cortez, 1997.
cente tenha uma dimensão de tempo, quantida-
de e compreensão da sequência, servindo como PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. 3ª
equilíbrio entre a realidade que a criança está in- ed. Rio de Janeiro: ed. Zahar, 1973.
serida e o mundo imaginário. 
Desta forma, a criação de jogos para ser utili- RIBEIRO, Suely de Souza. A Importância do Lúdico
zado em atendimentos pedagógicos não é uma no Processo de Ensino-Aprendizagem no Desen-
tarefa fácil. Precisa-se conhecer a realidade do volvimento da Infância. 2013. Disponível em:https://
paciente e quais as dificuldades que precisam ser psicologado.com/atuacao/psicologia-escolar/a-importan-
trabalhadas para ajudar na sua aprendizagem. cia-do-ludico-no-processo-de-ensino-aprendizagem-no-
No ambiente hospitalar pediátrico o profissional -desenvolvimento-da-infancia. Acesso em: 22 jun. 2021.
que constrói jogos pode demonstrar ao paciente
SCHULTZ, S.; MULLER, Cristiane; DOMINGUES, A.A
que há uma preocupação com suas necessida-
ludicidade e as suas contribuições na escola. Jornada
des, que não é apenas um jogo industrializado e Educação. Centro Universitário Franciscano. C3, v.
que será utilizado sem um fim específico, pelo 87, p. C3, 2006.
contrário, existe uma valorização por parte dos
pacientes para com que está sendo proposto. UEHARA, E.; LANDEIRA-FERNANDEZA, J. Um pano-
A construção e utilização de jogos no ambien- rama sobre o desenvolvimento da memória de traba-
te hospitalar possibilita desenvolver habilidades, lho e seus prejuízos no aprendizado escolar. Ciência
além da imaginação, espontaneidade, atenção, e Cognição, Rio de Janeiro, v. 15, n.2, ago. de 2010.
344
INTRODUÇÃO

Formado em licenciatura em Educação física


pela faculdade de São Vicente – SP, as disciplinas
como psicologia, sociologia e filosofia, trouxeram-
-me boa experiência conceitual para expressar a
interdisciplinaridade nas minhas aulas de educação
física. Voluntário há 4 anos na extensão da Asso-
ciação Santista Paradesportiva: Fast Wheels Kids,
onde aconteciam as aulas presenciais. A metodo-
logia do FWK era as brincadeiras e jogos, o espor-
te paralímpico e o adaptado para as pessoas com
deficiências. A partir do dia em que as aulas não
puderem ser mais presenciais devido a pandemia
do COVID-19, os professores tiveram que fazer as
aulas pela plataforma Google Meet. No começo,
um desafio enorme, se já era difícil propor uma aula
CAPÍTULO 25 presencial com uma diversidade de pessoas, imagi-
ne on-line. O esporte adaptado e o paralímpico era
algo que não podíamos propor, mas as brincadei-

DADO DOS SENTIMENTOS: ras e jogos poderíamos inserir de forma virtual, e


foi aí que eu criei a atividade do Dado dos senti-

UMA BRINCADEIRA mentos. Nesta atividade relacionei conhecimentos


de psicologia e de competências socioemocionais,
CHEIA DE PSICOLOGIA E atualmente difundida nas escolas. O objetivo da

AUTOCONHECIMENTO brincadeira criada foi estimular o autoconhecimen-


to dos sentimentos através do resgate simbólico da
memória dos participantes, visando com que eles
Wilson Alberto Santoro Alencar soubessem os conceitos dos sentimentos positivos
e negativos, bem como a compreensão de como
que eles lidavam e tiravam de aprendizagem de
suas experiências passadas.
345 25
REFERENCIAL TEÓRICO OU DESENVOL- são conceituadas como a percepção do sistema

Wilson Alberto Santoro Alencar


DADO DOS SENTIMENTOS: UMA BRINCADEIRA CHEIA DE PSICOLOGIA E AUTOCONHECIMENTO
VIMENTO sensorial humano (olfato, audição, visão, paladar e
tato) para um estímulo externo ou interno, ou seja,
A atividade criada teve dentro da metodologia: nossas interpretações dos sentidos para o mun-
A criação de 2 dados de papelão, um com senti- do ao nosso redor e do nosso próprio organismo.
mentos positivos e o outro com negativos. Além Exemplo: Ao sentirmos algo que caiu no nosso pé,
dos nomes, cada dado tinha fotos de pessoas fa- estamos decodificando uma informação sensorial:
zendo a expressão facial daquele sentimento es- quente, frio, muito pesado, leve e etc.
pecífico. Claro, foi pintado e utilizado caneta piloto Bock, Furtado e Teixeira (2008) relatam que a
para o acabamento. A imagem a seguir, ilustra emoção é um fenômeno de curta duração e que
como é o dado, porém sem a foto da representa- contém afeto por parte da pessoa com o estímulo,
ção do sentimento, por proteção aos direitos au- é uma resposta do organismo para os estímulos
torais do dono. externos e internos. O organismo transmite res-
postas através de expressões corporais que são
perceptíveis aos olhos de quem observa. Para a
pessoa demonstrar uma emoção, o acontecimen-
to deve ser imprevisto ou muito esperado. Por
exemplo: Uma pessoa “fazendo cara de surpresa”
ao ver uma pessoa inesperada à sua volta.
Ledoux (2007) diz que os sentimentos têm 3
componentes inerentes: A representação do que
causou a emoção, o resgate dos significados re-
lacionados à causa da emoção e a consciência de
condições do corpo. Pensando nesses conceitos,
Figura 2 – Dado dos sentimentos em papelão imaginemos um sentimento de surpresa. Pressu-
ponhamos que estamos numa selva e de repente
Antes de partimos para como foi realizada a um leão aparece. Vamos ter emoções de medo
atividade, é de extrema importância entender- e surpresa representadas pelas nossas expres-
mos a diferença entre certos conceitos para uma sões faciais. Logo após alguns segundos desse
melhor aplicação da brincadeira, pois esses con- ocorrido, a emoção se reverterá em sentimentos.
ceitos são muito confundidos pelas pessoas. Se- A representação seria a imagem do leão, o sig-
gundo Ries (2004) e Reeve (2006), as sensações nificado por exemplo seria a surpresa, o perigo,
346 25
a morte. Já a consciência seria o entendimento As interações foram bem positivas, embora

Wilson Alberto Santoro Alencar


DADO DOS SENTIMENTOS: UMA BRINCADEIRA CHEIA DE PSICOLOGIA E AUTOCONHECIMENTO
daquilo que nós experienciamos. fossem de forma remota, minha percepção para
Para deixar mais claro as diferenças, Damá- a cerca da aula foi que houve muita vontade dos
sio (2000) fala que os sentimentos são vivências participantes em contar seus sentimentos e o
subjetivas e internas ao sujeito que sente, as sen- mais interessante disso tudo, é que eu nunca vi
sações são fenômenos da atividade dos sentidos, tanta comunicação entre alunos que não eram
isto é, respostas dos órgãos internos do ser hu- próximos nas aulas presenciais. Essa aula remo-
mano, e as emoções podem ser percebidas por ta, de fato proporcionou que pessoas conheces-
outras pessoas através das expressões corporais sem mais as outras pessoas.
da pessoa que sofre a emoção. As possibilidades pedagógicas são infinitas.
Imaginem, o que não poderia ser feito em aulas
presenciais. Na verdade, essa brincadeira foi cria-
da para um ambiente físico e não digital. Podemos
misturar a educação física com esse dado. Pen-
sem em uma aula de educação física escolar que
acontece numa quadra. Podemos fazer com que
os alunos “andem casas” através de bambolês que
ficam no chão e que tenham um início e uma che-
gada. Para isso, fazemos uma pequena modifica-
ção no dado, além dos sentimentos, acrescenta-
mos números para cada lado, do 1 ao 6. O formato
seria competitivo com duas equipes com o mesmo
Figura 3 – Dado dos sentimentos em papelão número de alunos, Chegou no bambolê final, vol-
ta para o fim da fila, tem que pensar rápido para
Partindo destes conceitos, a atividade foi realiza- resgatar uma memória daquele sentimento e falar
da da seguinte maneira: 2 dados eram jogados, um para o professor. O docente anotará o tempo que
tinha sentimentos positivos e o outro, negativos. O cada equipe leva para responder e dirá no final a
resultado era apresentado na câmera ao aluno da equipe que levou menos tempo para concluir suas
vez. Exemplo: caiu a raiva em um e a alegria no ou- respostas. É uma forma de trabalhar o resgate da
tro. Como mediador, eu explicava conceitualmente memória de forma rápida.
o que era cada um desses sentimentos e o aluno Outra possibilidade de fazer de forma remota
da vez relatava suas experiências com base neles. é fazer da mesma forma que fiz originalmente,
347 25
mas com uma única mudança: enquanto o aluno quando participou de uma competição de atletis-

Wilson Alberto Santoro Alencar


DADO DOS SENTIMENTOS: UMA BRINCADEIRA CHEIA DE PSICOLOGIA E AUTOCONHECIMENTO
da vez responde os seus sentimentos, os demais mo, acabou tropeçando na pista e quando caiu,
alunos da sala do Google Meet, ficam fazendo atrapalhou o colega adversário que também foi ao
exercícios. Exemplo: polichinelos, fazer agacha- chão. Por ter levantado um pouco depois o colega
mentos e etc. adversário para continuar correndo, o atleta que
Na área da pedagogia, o dado pode ser um ins- tropeçou ao final da corrida disse que começou
trumento muito bacana para se trabalhar com os a se sentir culpado, pois o adversário poderia ter
pequenos de 6 a 10 anos, principalmente por ser ganhado, já que era um dos principais competi-
uma época em que eles imitam muito as coisas. dores. Para lidar com o sentimento de culpa, pri-
Podemos fazer uma roda com os alunos peque- meiramente, pediu desculpas ao final da prova.
nos e colocar cada um para jogar o dado, após Já em casa, algumas vezes essa lembrança ne-
ser jogado, explicamos o sentimento que caiu e gativa de culpa, vinha à tona. Falou que persistiu
pedimos para que ele expresse de forma facial o mais alguns dias esse sentimento, mas que com
respectivo sentimento. o tempo começou a pensar consigo mesmo que
Outra forma de expressar a pedagogia nas au- acidentes acontecem, e nunca estamos prepara-
las de educação física é através de metodologias dos para evitar, pois é um acidente.
ativas. Imaginem uma aula no ensino médio, cujo o Um outro relato interessante foi de uma alu-
objetivo é trabalhar o lado socioemocional dos ado- na que disse que sentia medo de andar de moto,
lescentes. Em uma roda, o primeiro aluno joga os embora fosse motoqueira. Ela sofreu um acidente
dados e explica conceitualmente esses sentimen- e sempre se lembrava ao andar de moto. O inte-
tos que caíram e relata quando sentiu os mesmos. ressante foi ela contrapondo que o sentimento de
.Logo, os outros alunos devem tentar escrever em medo não podia ser somente algo negativo, po-
um papel a solução para o enfrentamento daque- deria ser algo positivo também, ou seja, o medo
les sentimentos do colega. Assim que terminarem, dela era para um bem maior: evitar ter um outro
o aluno da vez explica como enfrentou, e por fim os acidente. Outros alunos disseram que levaram
demais alunos leem suas respostas. muito tempo para controlar seus sentimentos. Um
desses alunos disse que não tinha nenhuma defi-
CONCLUSÃO ciência, e que após ficar paraplégico, a sua adap-
tação psicológica foi muito difícil, não conseguia
O resultado foi formidável, alguns alunos rela- aceitar suas condições físicas e que encontrou
taram que quando sentiam o sentimento negativo, através do esporte uma nova forma de enxergar a
buscavam enfrentá-lo. Um dos alunos relatou que vida. Um outro discente disse que ainda se sentia
348 25
triste pela perda de um familiar para o COVID-19. DAMÁSIO, Antônio. O mistério da consciência. São

Wilson Alberto Santoro Alencar


DADO DOS SENTIMENTOS: UMA BRINCADEIRA CHEIA DE PSICOLOGIA E AUTOCONHECIMENTO
Assim, de uma forma geral os alunos mostraram Paulo: Cia. das Letras, 2000.
nessa atividade: o saber lidar, o saber o que de
LeDOUX, Joseph. Unconscious and conscious con-
fato nos faz bem ou mal.
tributions to the emotions and cognitive aspects of
Apesar de estarmos distantes através de um emotions: a comment on Scherer’s view of what an
aplicativo de celular, a atividade do Dado dos emotion is. Social Science Information, v.46, 2007. Dis-
sentimentos proporcionou também o conheci- ponível em: http://ssi.sagepub.com/content/46/3/395.
mento de novas histórias. Esta brincadeira pode Acesso em: 15 jun. 2021.
ser replicada em outros ambientes educativos:
REEVE, Johnmarshall. Motivação e emoção. Rio de
faculdades, escolas de idiomas, ambientes em
Janeiro: LTC, 2006.
família, projetos sociais em geral. Em algumas fa-
culdades já existem disciplinas voltadas para as RIES, Bruno Edgar. Sensação e percepção. In: RIES,
habilidades socioemocionais, e utilizer esse dado Bruno Edgar.; RODRIGUES, Elaine Wainberg (Orgs).
pode ser uma ferramenta lúdica para estimular a Psicologia e Educação: fundamentos e reflexões.
reflexão dos discentes. Nas escolas de idiomas, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 49-66.
as unidades podem usar o dado na versão em
inglês para os estudantes se familiarizarem com a
nova língua. No ambiente familiar, os pais podem
brincar com seus filhos pequenos, ensinando so-
bre os sentimentos, contribuindo para a inteligên-
cia emocional.
Projetos sociais podem usufruir de diversas
formas, como citado anteriormente, as possibili-
dades são infinitas, e utilizar esse dado misturan-
do com outras brincadeiras, pode ser uma exce-
lente estratégia de ensinoaprendizagem.

REFERÊNCIAS

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEI-


RA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma intro-
dução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva,
2008.
349

O BRINCAR NA CLÍNICA PSICOLÓGICA: A


LUDOTERAPIA

O presente trabalho, que adota uma abor-


dagem qualitativa, deriva da experiência clíni-
ca no atendimento a crianças com queixas e/
ou diagnóstico formalizado de transtornos do
neurodesenvolvimento1. Neste estudo destacar-
-se-á o papel da clínica psicológica como espa-
ço psicoeducativo. A ludoterapia é um recurso
psicoterápico fundamentado na concepção e
na evidência de que brincar é uma maneira na-
tural de expressão da criança. Trata-se de uma
técnica amplamente utilizada por psicólogos das
mais diversas orientações teóricas, como Freud
(1907/1980a; 1920/1980b) Klein, (1945/n/d),
Winnicott (1945/1975), Axline (1964), Aberastury
CAPÍTULO 26 (1992), Affonso (2012); Anauate; Glozman (2017),
Bratton; Swan (2021).
De acordo com Leontiev (2010) e Vigotski

ENTRE TIRANOSSAUROS E (1998), brincar é uma forma de atividade, portan-


to, é preciso identificar as condições e o sentido
TRICERATOPS: VENCENDO O da atividade da criança para compreender as ne-
cessidades e os motivos de sua ação. Através
MEDO, A IMPULSIVIDADE E do brinquedo, a criança pequena começa a ex-

DÉFICITS INTERPESSOAIS perimentar tendências irrealizáveis, inicialmente


buscando satisfação imediata de desejos e, mais
tarde, apresentando a situação imaginária como
Sandra de Fátima Barboza Ferreira 1 Transtornos do neurodesenvolvimento são um grupo de condi-
Alessandra Oliveira Machado Vieira ções com início no período do desenvolvimento e que acarre-
tam prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou
profissional. Nesta categoria ampla estão incluídos transtornos
motores, de atenção, de linguagem oral e escrita, deficiência in-
telectual, autismo, etc (APA, 2014, pp 31-86).
350 26
um processo psicológico novo, uma atividade PICCOLO, 1981; AFFONSO, 2012; BORGES;

Sandra de Fátima Barboza Ferreira - Alessandra Oliveira Machado Vieira


ENTRE TIRANOSSAUROS E TRICERATOPS: VENCENDO O MEDO, A IMPULSIVIDADE E DÉFICITS INTERPESSOAIS
consciente, originária da ação (LEONTIEV, 2010; BAPTISTA, 2018; BRATTON; SWAN, 2021).
VIGOTSKI, 1998). O objetivo do trabalho é relatar a experiência
Conforme destaca Diaz (2019), entre o se- de ludoterapia, destacando-se a função de brin-
gundo e terceiro anos de vida, a relação que a quedos e brincadeiras no espaço psicoeducativo
criança estabelece com os objetos, mediada por da clínica psicológica mediados pela relação te-
processos sociais, produzirá transformações sig- rapeuta/paciente captados pelo percurso teórico
nificativas nos processos de representação men- do terapeuta. Destaca-se neste estudo o prota-
tal e, entre os quatro e seis anos, a aprendizagem gonismo da brincadeira mediada por animais
ocorre principalmente pela atividade lúdica, rea- selvagens e, especificamente, dinossauros, com
lizada sozinha ou compartilhada. Enquanto brin- vistas a acessar aspectos simbólicos que povoam
ca, a criança reproduz o mundo adulto, observa o universo infantil e que podem expressar suas
as consequências e recria a experiência em um percepções sobre medo, agressividade e confli-
nível superior de aprendizagem. Os jogos e brin- tos em situações vividas.
cadeiras caracterizam-se como atividade reitora Para Capellari e Garcia (2018), a escolha de
deste período e são, através deles, que proces- objetos transicionais permite a expressão da
sos neuropsicológicos, incluindo sua capacidade criança, a partir da qual se pode acessar seus pro-
cognitiva, afetiva e comportamental constituirão cessos inconscientes. Segundo Leontiev (2010),
sua futura personalidade. na brincadeira, “os animais figuram como possui-
Participaram deste estudo três crianças com dores das funções e propriedades humanas em
idade entre três e cinco anos, cujas queixas re- geral; nessas histórias e nesses jogos apenas o
lacionavam-se a sentimentos de medo (fobia), sujeito concreto da ação é alterado, bem como a
envolvimento em comportamentos impulsivos e própria ação e as relações de que ela participa,
explosivos (transtorno de déficit de atenção/hipe- enquanto o mundo circundante permanece pro-
ratividade – TDAH) e prejuízos na interação so- fundamente humano e realista” (p. 133).
cial (transtorno do espectro autista – TEA). Há
evidências de que a ludoterapia como construção A TRIANGULAÇÃO DE FONTES E MÉTO-
histórica constitui parte significativa da avaliação DOS, A MEDIAÇÃO DO TERAPEUTA E A
e do tratamento e/ou estratégias efetivas no en- EMERGÊNCIA DA APRENDIZAGEM
frentamento à sintomatologia de etiologias diver-
sas. Estas evidências vêm se mostrando de forma Conforme destacado, a ludoterapia é uma
cada vez mais robusta, ensejando a combinação construção histórica que tem seus fundamentos no
de aportes e metodologias (OCAMPO, ARZENO; modelo clínico e que orienta fortemente a atuação
351 26
profissional do psicólogo. Em um estudo basilar, dologia e a define como a ciência do desenvol-

Sandra de Fátima Barboza Ferreira - Alessandra Oliveira Machado Vieira


ENTRE TIRANOSSAUROS E TRICERATOPS: VENCENDO O MEDO, A IMPULSIVIDADE E DÉFICITS INTERPESSOAIS
Efron et al (1981) formularam algumas categorias vimento, com ênfase nos processos orientados
de análise que devem orientar a atenção do tera- para o futuro, isto é, no desenvolvimento pros-
peuta durante a sessão lúdica, a saber: a escolha pectivo e na emergência da novidade, evidencia-
de brinquedos e brincadeiras, modalidades de da pelo surgimento de uma organização psicoló-
brincadeiras, aspectos relativos à motricidade, ca- gica qualitativamente nova, superior. Seu método
pacidade simbólica, de personificação, criatividade clínico no estudo do desenvolvimento da criança
e tolerância à frustração. Trata-se de um modelo integrava diversas metodologias como observa-
multidisciplinar fundado na clínica pediátrica, na ção, experimento, entrevista, e envolvia estudo
epistemologia genética e na psicanálise. de casos, numa versão longitudinal, assim como
No presente estudo admite-se a influência des- análise longitudinal comparativa, intracasos e in-
se aporte e enfatiza-se a participação ativa do te- tercasos (VAN DER VEER; VALSINER, 2006).
rapeuta na mediação da sessão lúdica e isso in- Assim, baseado no papel do brinquedo no
clui buscar múltiplas fontes de informação sobre desenvolvimento (VIGOTSKI, 1998) e nos fun-
o caso: a própria criança, dados fornecidos pelos damentos pedológicos (VIGOTSKI 2018a), des-
pais, pela escola e serviços de saúde, bem como taca-se que, no contexto da clínica, a situação
organizar a sessão a partir do contexto acessado. lúdica desencadeada imita e recria a realidade.
Desse modo, a proposta deste trabalho é apresen- Numa situação de jogo a criança pode expressar
tar a ludoterapia numa perspectiva integradora das o conteúdo de situações vividas, experimentar
possibilidades de análise e desfechos, como ge- diferentes papéis e simular inúmeros desfechos.
radoras do processo dinâmico de transformação Dessa maneira, o brinquedo fornece ampla estru-
do desenvolvimento infantil. Psicólogos e pesqui- tura para mudanças das necessidades e da cons-
sadores contemporâneos, como Leal (1999), Dias ciência. A brincadeira proporciona aprendizado e
(2005), Delari Junior (2006), González-Rey (2007), desenvolvimento. Um outro aspecto de extrema
Marangoni, (2012), Lima e Carvalho (2013), entre relevância é que no brinquedo a ação está subor-
outros, inspirados no modelo holístico, clínico e ge- dinada ao significado e na vida real, a ação domi-
nético-comparativo de Vigotski (VAN DER VEER; na o significado.
VALSINER, 2006), apontam para a natureza dialó- Ainda conforme Vigotski (1998), “o prazer não
gica e dialética da psicoterapia como um processo pode ser visto como uma característica definidora
de aprendizagem dinâmico. do brinquedo” (p. 122). Nesse sentido, o brinque-
Buscando uma posição antirreducionista dos do não é uma atividade aleatória, relacionada e
estudos sobre a criança, Vigotski dedica-se à pe- determinada pelo prazer, porque nem toda brin-
352 26
cadeira é agradável para qualquer criança, em disparando o objeto contra os elementos da sala

Sandra de Fátima Barboza Ferreira - Alessandra Oliveira Machado Vieira


ENTRE TIRANOSSAUROS E TRICERATOPS: VENCENDO O MEDO, A IMPULSIVIDADE E DÉFICITS INTERPESSOAIS
qualquer contexto. Na brincadeira a criança pode e em direção à terapeuta. Testa incessantemen-
experimentar frustrações e perdas. Por exemplo, te os limites. O terapeuta intervém... “parece que
os jogos de regras, que envolvem resultados de você tem muita raiva dos dinossauros? Tudo bem
desprazer. Além disso, segundo o autor, outras você expressar sua raiva, mas não pode me ma-
experiências de prazer podem ser mais intensas chucar, ok? O ataque físico não é permitido. Você
que o brincar. quer falar sobre isso? De quem você tem raiva?
Com intuito de exemplificar as possibilidades ” Paulatinamente, um vínculo terapêutico vai se
de expressão e estruturação cognitiva, nas ses- estabelecendo e limites claros entre o que pode e
sões de ludoterapia serão apresentados recortes não pode vão estruturando a brincadeira orientan-
de três estudos clínicos destacando-se o papel do uma interação mais dialógica até que na nona
dos brinquedos, da estruturação da brincadeira sessão, ele manifesta interesse em realizar o jogo
e da mediação do terapeuta como elementos de Detetive, mais estruturado e que contém regras
aprendizado e desenvolvimento. Para a narrativa pré-definidas e que precisam ser compartilhadas.
foram utilizados nomes fictícios. Vigotski (2018b) afirma que “a imaginação ad-
CRONOS – cinco anos, sexo masculino, com quire função muito importante no comportamento
diagnóstico multidisciplinar de transtorno de défi- e desenvolvimento humano” (p. 26). Este autor
cit de atenção/hiperatividade – TDAH. Mantém um nos apresenta o caráter emocional da relação en-
contato exploratório e fugaz com os brinquedos da tre a atividade de imaginação e a realidade, com
caixa lúdica. Apresenta interesse pela caixa que a lei da expressão dupla dos sentimentos. Sa-
contém os dinossauros. Despeja o conteúdo da be-se que as pessoas expressam externamente
caixa no chão e elege um objeto (um brinquedo os seus estados internos, a partir da seleção de
rosa de borracha, que ao ser manuseado emite ideias, imagens e impressões.
uma luz) para atacar os dinossauros. Apresenta Para inferirmos sobre o brincar de Cronos com
uma brincadeira marcada por forte conteúdo de os dinossauros, recorremos a Vigotski (1998),
destruição (figura 1), motricidade exacerbada com para quem a compreensão da singularidade do
explosões de agressividade dirigidas a objetos da brinquedo como uma forma de atividade expressa
sala e à terapeuta. O padrão violento é repetido o caráter de sua necessidade. Neste caso, repre-
em várias sessões. Em princípio, não engaja em sentada de forma impulsiva, destrutiva, explosi-
atividades que envolvem trocas de turno da fala va, dirigida ao objeto e à figura do terapeuta. Não
ou negociação de objetivos. Insere o terapeuta na nos prendemos ao significado do brinquedo, mas
brincadeira, mas dirige ataques verbais e físicos ao significado da ação da criança na situação
353 26
imaginária, às regras de comportamento envolvi- com o tamanho do tiranossauro. Identifica-se com

Sandra de Fátima Barboza Ferreira - Alessandra Oliveira Machado Vieira


ENTRE TIRANOSSAUROS E TRICERATOPS: VENCENDO O MEDO, A IMPULSIVIDADE E DÉFICITS INTERPESSOAIS
das na situação imaginária e a que se prestam. o tricerátops e durante algum tempo, em várias
A ação impulsiva de Cronos foi dando lugar ao sessões, apenas segura os exemplares em cada
autocontrole na situação de brinquedo, com a su- uma das mãos. Esporadicamente, os dois exem-
bordinação às regras do jogo, gerando uma nova plares se enfrentam. Normalmente, o tiranossau-
forma de desejo, fonte de prazer e domínio do ro vence. A terapeuta então pega um tiranossau-
próprio comportamento (VIGOTSKI, 1998/2021; ro e inicia uma briga com o tricerátops... “nossa,
FRAWLEY, 2000; LEONTIEV, 2010). como você é forte e tem estes chifres...nossa eu
estou lutando com todas as minhas forças, mas
está difícil resistir”. Ele pôde, então, simular a vitó-
ria do tricerátops (figura 2), utilizando os atributos
de superioridade desse (chifres). As brincadeiras
envolvendo conteúdos de medo e enfrentamen-
to foram permitindo abordar outros medos (medo
do escuro, medo de perder), outras dificuldades e
formas de enfrentamento. Paulatinamente, a mãe
trouxe informações de superação do medo e dimi-
nuição dos episódios de enurese noturna.
Em seu capítulo sobre criação e imaginação,
Vigotski (2018b) afirma que por meio da brinca-
Figura 1 - Cronos e os impulsos de destruição
deira, as crianças reproduzem muito do que viram
ou experienciaram anteriormente, porque existe
HÉRCULES – sexo masculino, cinco anos,
relação entre imaginação e realidade, porém, não
queixas de comportamento fóbico, episódios re-
se trata de uma simples imitação, porque não é
correntes de enurese noturna. Mora com a mãe e
uma cópia da realidade. Há produção por parte da
avós maternos. Relação tumultuada com a figura
criança, em que ela opera com significados, ba-
masculina, que se mostra autoritária. Inicialmen-
seada em suas necessidades e motivos. Nas pa-
te, apresenta uma escolha por brincadeiras retra-
lavras de Vigotski, “A brincadeira da criança não
ídas, marcadas por baixa motricidade. Retira da
é uma simples recordação do que vivenciou, mas
caixa apenas um exemplar de um tiranossauro rex
uma reelaboração criativa de impressões viven-
e um exemplar de um tricerátops. Verbaliza que
ciadas. É uma combinação dessas impressões e,
supõe que o tiranossauro seja mais forte e o tera-
baseadas nelas, a construção de uma realidade
peuta infere que essa afirmação seja relacionada
354 26
nova que responde às aspirações a aos anseios nação da criança é mais pobre que a do adulto, o

Sandra de Fátima Barboza Ferreira - Alessandra Oliveira Machado Vieira


ENTRE TIRANOSSAUROS E TRICERATOPS: VENCENDO O MEDO, A IMPULSIVIDADE E DÉFICITS INTERPESSOAIS
da criança. Assim como na brincadeira, o ímpeto que se explica pela maior pobreza de sua experi-
da criança para criar é a imaginação em ativida- ência” (p. 24). Essa citação nos leva a pensar no
de” (p. 18). potencial de transformação da vida emocional e
Hércules, em seu processo simbólico e imagi- psíquica das crianças em vivências sociais do co-
nativo, apoiado pelas representações históricas tidiano, especialmente entre pares. Mas, também
dos dinossauros, resolve o medo criando uma em situação psicoterapêutica, que aqui estamos
situação em que o dinossauro menor vence o di- chamando de psicoeducativa, porque a organiza-
nossauro maior e mais forte. Por meio de suas vi- ção propositiva e intencional de diferentes situa-
vências na ludoterapia, foi reestruturando, cogni- ções interativas entre a criança, a terapeuta e os
tivamente, afetos que o paralisava, apresentando dinossauros (e suas representações) ampliam a
expressão da fantasia, através de uma atividade experiência e possibilitam mudança de necessi-
combinatória imaginativa e criativa, representada dades e motivos para a criança.
pela troca de posições e a mudança de desempe-
nho entre os dois dinossauros, na brincadeira. A
relação entre sentido (representada pela necessi-
dade emocional da criança) e significado (definido
pelas características reais e conhecidas sobre os
dinossauros) não é dada a priori, surge no proces-
so de brincar. Temos então, as condições da ação
no brincar originando e tornando necessário o jogo
imaginativo, o “sentido lúdico”, refletindo a unidade
da consciência da criança (LEONTIEV, 2010).
Para Vigotski (2018b), a imaginação, assim
como a criatividade, são funções psíquicas supe-
riores. Porém, “a atividade criadora da imaginação Figura 2 - Hércules e o enfrentamento do medo
depende diretamente da riqueza e da diversidade
da experiência anterior da pessoa, porque essa KENZO – sexo masculino, três anos, diagnós-
experiência constitui o material com que se criam tico médico e neuropsicológico formalizado de
as construções da fantasia. Quanto mais rica a transtorno do espectro autista – TEA. Gravidade:
experiência da pessoa, mais material está dispo- leve. Foi encaminhado para avaliação e nas pri-
nível para a sua imaginação. Eis porque a imagi- meiras sessões apresentou excessivo apego a
355 26
garrafas. Não tinha interesse por brinquedos do bem pequena, inicialmente regulada pelas restri-

Sandra de Fátima Barboza Ferreira - Alessandra Oliveira Machado Vieira


ENTRE TIRANOSSAUROS E TRICERATOPS: VENCENDO O MEDO, A IMPULSIVIDADE E DÉFICITS INTERPESSOAIS
consultório. Mantinha um interesse restrito por ções situacionais, em que os objetos determinam
garrafas e apenas os objetos com semelhança às a ação, até o momento em que a criança apre-
garrafas chamavam sua atenção. No seu conta- senta certa emancipação de ação em relação ao
to exploratório com o ambiente apenas interagia objeto, com a emergência da imaginação, que a
com a terapeuta quando era do seu interesse usá- liberta da percepção imediata dos objetos.
-la para acessar algum objeto. A terapeuta passou
então a desenhar os objetos (garrafas) que des-
pertavam seu interesse, ainda que momentâneo,
repetitivo e monótono no conteúdo relacionado às
garrafas. Decidiu-se então apresentar as garrafas
para os dinossauros (figura 3) e introduziu-se o
tiranossauro rex e o tricerátops no repertório de
interesses. No entanto, Kenzo passou a chegar
às sessões com as garrafas e buscar apenas os
mesmos personagens. Observou-se uma transfe-
rência do brincar rígido das garrafas para os di-
nossauros. Ofereceu-se a ele outros dinossauros
e introduziu-se também um livro de dinossauros
com os personagens do interesse e outros, no in- Figura 3 - Apresentando os dinossauros às garrafas

tuito de promover maior flexibilidade. A brincadei-


Discutiu-se que a disponibilização destes mate-
ra evoluiu para uma categorização, ordenamento
riais durante a sessão clínica possibilitou uma pro-
por atributos. Gradativamente, foram tentados
gressiva reorganização da brincadeira. Promoveu
outros brinquedos até que no terceiro mês de te-
o acesso à função simbólica e a busca de novos
rapia ele, espontaneamente, interessou-se pelo
significados, alívio da angústia, elaboração de sen-
jogo de pescaria. As condutas estereotipadas em
timentos, estruturação cognitiva, maior controle
relação às garrafas e aos dinossauros não desa-
sobre as condutas impulsivas de Cronos e maior
pareceram, mas ele aceitava, esporadicamente,
plasticidade e flexibilidade mentais nas condutas
experimentar algum novo brinquedo. Mais ao final
tímidas e estereotipadas de Hércules e Kenzo.
da ludoterapia, seu interesse pelo livro dos dinos-
Promoveu generalização com diminuição das
sauros e pelo jogo estruturado confirma a ideia
queixas. Também no caso de Kenzo observamos
de Vigotski (1998; 2021) sobre a ação da criança
356 26
mudança no seu nível real de desenvolvimento, de brincadeira atuou na zona de desenvolvimen-

Sandra de Fátima Barboza Ferreira - Alessandra Oliveira Machado Vieira


ENTRE TIRANOSSAUROS E TRICERATOPS: VENCENDO O MEDO, A IMPULSIVIDADE E DÉFICITS INTERPESSOAIS
pois a organização funcional da brincadeira, ao to imanente das crianças. Este estudo converge
categorizar e ordenar os dinossauros, demonstra com as ideias de Vigotski (1998; 2021) mostran-
uma função mais elaborada do pensamento. Sua do que a ação da criança no brincar modifica a
ação passou de um modo totalmente desorgani- própria brincadeira, numa fronteira psicológica
zado a uma forma de brincar também mediada e dinâmica entre situações predominantemente
por regras, a partir da percepção das característi- imaginárias, para situações compartilhadas por
cas e significados dos objetos. regras, mediadas pela fala e reestruturação cog-
nitiva. E, dialeticamente, a brincadeira provoca
CONCLUSÃO transformações internas no desenvolvimento cog-
nitivo e socioafetivo da criança, servindo como
Os resultados indicaram a diminuição na fre- uma atividade-guia para um nível superior de de-
quência das queixas relacionadas aos compor- senvolvimento (VIGOTSKI, 2021).
tamentos de medo, explosividade e déficits inter- Desse modo, podemos concluir que a brinca-
pessoais. Discutiu-se que a disponibilização des- deira com dinossauros, no contexto psicoterapêu-
tes materiais durante a sessão clínica mediados tico, funcionou como atividade principal (LEON-
pela ação intencional do terapeuta possibilitou TIEV, 2010), caracterizada não pelo resultado da
uma progressiva reorganização da brincadeira e ação, mas pelo processo interpsíquico promovido
indicadores de autorregulação das crianças (TU- enquanto se brinca.
LESKI; FRANCO, 2017). A introdução de animais Os estudos clínicos trazem consigo o parado-
selvagens mostrou-se eficaz no acesso à função xo da idiossincrasia e, por isso mesmo, da impos-
simbólica. A evolução dos casos apresentados sibilidade de generalizações. De todo modo, as
mostra o surgimento de novos mecanismos psi- narrativas da evolução de cada caso em particu-
cológicos e adaptativos no brincar das crianças, lar fortalecem a evidência de que a atividade lúdi-
mobilizados pela situação lúdica, pela comunica- ca, capturada pelo percurso teórico do terapeuta,
ção, interação e relação afetiva estabelecidas en- pode cada vez mais trazer luz a uma ação rigoro-
tre criança e terapeuta. A intervenção da terapeu- samente construída pela técnica e pela ética.
ta possibilitou às crianças novas representações
simbólicas dos dinossauros, reorganização e fun- REFERÊNCIAS
cionalidade das brincadeiras. Infere-se que houve
uma síntese dialética das funções psicológicas, ABERASTURY, A. A criança e seus jogos. Porto Ale-
porque a intervenção psicoeducativa nas sessões gre: Artmed, 1992.
357 26
AFFONSO, R.M.L. (Org.). Ludodiagnóstico: inves- DIAS, M.H.S.S.M. A psicologia sócio-histórica na clí-

Sandra de Fátima Barboza Ferreira - Alessandra Oliveira Machado Vieira


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senvolvimento dos processos psicológicos superiores.
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359

INTRODUÇÃO

Apresentamos o Projeto de Iniciação Científica


como componente da Licenciatura em Pedagogia
da Universidade Estácio de Sá (UNESA RJ), a ser
desenvolvido no Laboratório Brinquedoteca Brin-
cArte Estácio Nova Iguaçu. O projeto em questão
foi aprovado pela Vice-reitoria de Pós-graduação,
Pesquisa e Extensão da UNESA RJ e encontra-se
em sua etapa inicial, qual seja, a de levantar os
dados para posterior análise. É um estudo insti-
tucional filiado ao Grupo de Pesquisa Estratégias
Pedagógicas de Aprendizagem (GEPA UNESA)1
e com uma bolsa CNPq na equipe de pesquisa e
mais três bolsas UNESA2.
O Laboratório Brinquedoteca BrincArte Estácio
Nova Iguaçu foi fundado em 2005 e revitalizado

CAPÍTULO 27 em 2017 sob nossa coordenação. Desde então,


conta com a participação de cursistas, estagiários
e voluntários egressos e externos em seus qua-
dros, todos brinquedistas em formação.
ERÉPOMTECA: O BRINCAR O projeto se constrói tomando por base duas
palavras-chave que encerram mundos: Eré – brin-
PARA A RE-EDUCAÇÃO DAS car em Iorubá e Pom – brincar em Tupi. Assim, ao
conceber o projeto como caminho, partimos de
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS ideias que ultrapassam tempos e ancestralidades
que ainda hoje celebramos no nosso dia a dia.
Ana Valéria de Figueiredo 1 Espelho do grupo de pesquisa disponível em: http://dgp.cnpq.br/
Zulmira Rangel Benfica dgp/espelhogrupo/242946. Acesso em: 05 jul. 2021
2 Equipe de Pesquisa composta por: Ana Valéria de Figueiredo
(Coordenadora da Brinquedoteca BrincArte e do Projeto); Zul-
mira Rangel Benfica (Coordenadora do Curso de Pedagogia);
Simone Cordeiro (Licencianda em Pedagogia Bolsista CNPq);
Míriam Costa (Licencianda em Pedagogia Bolsista UNESA); Val-
quiria Camargo (Licencianda em Pedagogia Bolsista UNESA);
Letícia Santos (Licencianda em Pedagogia Bolsista UNESA).
360 27
O lúdico faz parte da natureza humana. Huizin- nos espaços formais de educação infantil3 e suas

Ana Valéria de Figueiredo - Zulmira Rangel Benfica


ERÉPOMTECA: O BRINCAR PARA A RE-EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
ga (1980) e Caillois (1990) apresentam o jogo e a origens sociohistóricas? Como esses jogos, brin-
brincadeira como elementos que compõem as re- quedos e brincadeiras vêm sendo adaptados na
lações e interações humanas em sua diversidade contemporaneidade? Quais os aspectos pedagó-
de ser e estar no mundo nos diversos grupos so- gicos desses jogos, brinquedos e brincadeiras?
ciais. Partindo desse ponto, o projeto EréPomte- Sobre o lúdico, os autores que inicialmente
ca: o brincar para a re-educação das relações ét- embasam a proposta são Huizinga (1980), Cail-
nico-raciais objetiva investigar jogos, brinquedos lois (1990) entre outros; sobre a Educação para
e brincadeiras de origem africana e indígena [e as Relações Étnico-Raciais e Educação Antirra-
outras etnias] nas práticas educativas entre licen- cista documentos oficiais tais como as Diretrizes
ciandos do Curso de Pedagogia, Educação Física Curriculares Nacionais para a Educação das Re-
e Letras do campus Nova Iguaçu da Universidade lações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
Estácio de Sá. Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004ª;
O projeto parte da necessidade social de uma 2004b), a LDBEN 9394/96, as leis 10.639/03 e
educação antirracista por e para a diversidade 11.645/08 serão fundamentais em sua articulação
em prol de uma melhor qualidade de vida para nas Licenciaturas dentre outros; ainda autores tais
todos que deve ser praticada e incentivada nos como Araújo e Dias (2019), Domingues-Lopes,
espaços de formação educativa, formais e não Oliveira e Beltrão (2015) e outros que discutem
formais. Buscar entendimentos sobre como os jo- aspectos conceituais relativos ao lúdico sob as
gos e brincadeiras de matrizes africana e indíge- matrizes africanas e indígenas, respectivamente.
na estão presentes em nossa composição como O projeto pretende criar campos de aproxi-
povo pode trazer aos licenciandos opções para mação com redes nacionais de pesquisa sobre
uma intervenção pedagógica mais potencializada o tema no sentido de dialogar sobre o lúdico e
e efetiva nos processos de ensinoaprendizagem seus desdobramentos, buscando a troca de expe-
fortalecendo a Educação para as Relações Étni- riências nesse processo. Investigar tal campo de
co-raciais (BRASIL, 2004b). estudos fortalece as ações de ensino, pesquisa e
São questões norteadoras da pesquisa: quais extensão que vêm sendo empreendidas nos cur-
os conhecimentos prévios dos licenciandos so- sos de formação de professores em nível superior
bre jogos, brinquedos e brincadeiras de matrizes e médio bem como no âmbito da Brinquedoteca.
africana e indígena brasileira? Quais os princi-
3 Utilizamos aqui a expressão educação infantil como sinônimo
pais jogos, brinquedos e brincadeiras praticados de educação da criança, tomando a definição legal do Estatuto
da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) que aponta crian-
ça até 12 anos incompletos.
361 27
Como percurso metodológico, iniciaremos uti- As dimensões que compõem a cidadania de

Ana Valéria de Figueiredo - Zulmira Rangel Benfica


ERÉPOMTECA: O BRINCAR PARA A RE-EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
lizando o levantamento dos jogos, brinquedos e forma plena passam pela qualidade de vida de
brincadeiras citados pelos licenciandos no proje- maneira ampla, trazendo ao centro do debate a
to Memórias do Brincar no Curso de Pedagogia proposição de educação das e para as relações
e Licenciaturas, realizado entre 2018-2019 por étnico-raciais desde a infância em seus aspectos
Figueiredo e Equipe (2019) para ter acesso aos sociais, culturais, históricos, educacionais, como
seus conhecimentos prévios das origens desse direitos políticos de garantia do bem-estar pesso-
material lúdico e, posteriormente, categorizar e al e social.
analisar o material elencado buscando, em sua Assim, o projeto parte da responsabilidade e
vocação inovadora, a sugestão da construção de necessidade social de uma educação antirracista
um compêndio digital com o mapeamento das ori- e pluriétnica que deve ser praticada e incentiva-
gens sociohistóricas dos jogos, brinquedos e brin- da em todos os espaços de formação educativa,
cadeiras e suas regras de uso. formais e não formais. As Diretrizes Curriculares
A investigação proposta se insere nas Áreas Nacionais para a Educação das Relações Étni-
de Tecnologias Prioritárias do Ministério da Ciên- co-raciais e para o Ensino de História e Cultura
cia, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MC- Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004b) em
TIC), especificamente em Tecnologias para Qua- sua apresentação rezam que:
lidade de Vida, pois que se trata de fomentar uma
a educação constitui-se um dos principais
educação antirracista para que todas as crianças ativos e mecanismos de transformação de
tenham oportunidade de viver plenamente sua in- um povo e é papel da escola, de forma demo-
fância e sua ancestralidade étnica. crática e comprometida com a promoção do ser
Investigar tal campo de estudos fortalece as humano na sua integralidade, estimular a for-
mação de valores, hábitos e comportamentos
ações de ensino, pesquisa e extensão que vêm
que respeitem as diferenças e as características
sendo empreendidas nos cursos de formação próprias de grupos e minorias. Assim, a educa-
de professores em nível superior e médio bem ção é essencial no processo de formação de
como no âmbito da Brinquedoteca. Destaca-se qualquer sociedade e abre caminhos para a
ainda que o projeto que se apresenta é filiado ao ampliação da cidadania de um povo (BRASIL,
2004, p. 7; grifos nossos).
GEPA UNESA – Grupo de Pesquisa Estratégias
Pedagógicas de Aprendizagem, autorizado pela Nesse sentido, o brincar tem centralidade como
UNESA e certificado pelo CNPq e dialoga com elemento componente deste rol de direitos garanti-
o Laboratório Brinquedoteca BrincArte Estácio dos na etapa da Educação Infantil previstos no Es-
Nova Iguaçu. tatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu
362 27
artigo 16: “o direito à liberdade compreende os se- ciandos sobre os preconceitos e racismo muitas

Ana Valéria de Figueiredo - Zulmira Rangel Benfica


ERÉPOMTECA: O BRINCAR PARA A RE-EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
guintes aspectos: [...] IV - brincar, praticar esportes vezes embutidos em práticas costumeiras e re-
e divertir-se; [...]” (BRASIL, 1990; grifos nossos). correntes nos espaços de atuação com crianças e
Além do brincar como um direito inalienável outras faixas etárias. E, a partir dessas reflexões,
da infância é de suma importância nos processos experienciar a ação repensada de novas manei-
educativos compreender que há diversidade nes- ras de educação para as relações étnico-raciais.
ta infância posta muitas vezes como única. Mais Em face dessas questões centrais, o proje-
adequado é enfatizar infâncias, categoria multifa- to também se fundamenta nas leis 10639/03
cetada composta por múltiplas possibilidades e e 11645/08 que alteram o artigo 26ª da LDBEN
formações sociohistóricas e de matrizes culturais 9394/96 que preconiza como obrigatório o estudo
diversas. Esse ponto se fundamenta no artigo 58 da história e cultura afro-brasileira e indígena nos
do ECA que aponta que “no processo educacio- currículos nos estabelecimentos de ensino funda-
nal respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos mental e de ensino médio, públicos e privados,
e históricos próprios do contexto social da criança trazendo aos cursos de Licenciatura a responsa-
e do adolescente, garantindo-se a estes a liber- bilidade dessa formação, pois são estes licencian-
dade da criação e o acesso às fontes de cultura” dos que atuarão nos espaços de educação, como
(BRASIL, 1990). docentes, gestores e profissionais da educação.
No sentido que aponta a lei, pensar uma edu-
cação antirracista e para a educação das rela- REFERENCIAL TEÓRICO OU DESENVOL-
ções étnico-raciais perpassa por ações e artefa- VIMENTO
tos relacionados ao lúdico, este inerente ao ser
humano, qualquer que seja seu pertencimento Como parte da condição humana, o lúdico é
étnico-racial, envolvendo sobremaneira as matri- pensado também de acordo com a diversidade
zes histórico-culturais africanas, afro-brasileiras e de cosmopercepções de mundo. Nas sociedades
indígenas que compõem a população brasileira. indígenas, de maneira geral, não há, como nas
Ainda, os licenciandos em Pedagogia, Educa- sociedades ocidentais produtivistas, a interrup-
ção Física e Letras se preparam para atuar como ção para a brincadeira, visto que trabalho e lazer
docentes em classes da educação infantil, bem não são pensandas como categorias antagônicas
como ocupar funções de gestão em espaços es- complementares (DOMINGUES-LOPES, OLIVEI-
colares e não escolares de educação. Por esta RA e BELTRÃO, 2015). Pelas matrizes africanas
razão, destacamos o projeto em tela como central e afrodiaspóricas, o lúdico é um dos valores civili-
nesta formação, proporciando reflexões aos licen- zatórios que compõe esse pensar e não pertence
363 27
somente à condição infantil, mas é intergeracional O tempo da memória relacionado ao lúdico nos

Ana Valéria de Figueiredo - Zulmira Rangel Benfica


ERÉPOMTECA: O BRINCAR PARA A RE-EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
(ARAUJO e DIAS, 2019). faz indagar: por que sabemos tão pouco das brin-
Assim é que pensar o lúdico na educação é cadeiras de matrizes africana e indígenas? Por
buscar nas raízes desse processo o desenvolvi- que nos currículos dos cursos de licenciaturas é
mento que permeia a formação do ser como hu- raro o estudo curricular da história da África e dos
mano em sua constante interação com o meio povos indígenas/originários? Questionamentos
que o cerca, suas construções individuais e co- que se acentuam ainda mais quando se pensa o
letivas e, dessa forma, buscar a estética da vida, Brasil como um país de ancestralidade indígena
pensando com a derivação do grego aísthesis, no e africana, bem como de outros povos de origem
sentido radical de “sentir com os sentidos” na ela- europeia, estes últimos os que vêm tendo mais
boração poética, cotidianamente. O ambiente de destaque nos currículos escolares. Desses últi-
formação, seja este escolar ou não escolar, é per- mos, nossa herança ibérica nos fala mais explici-
meado de ações lúdicas que, desde a mais tenra tamente nas cantigas, nas bonecas de tez clara,
idade, têm centralidade nas interações humanas. nas rimas populares e quadrinhas, dentre outras
Somos um povo multi/plurétnico formado por manifestações histórico-culturais. Entretanto
várias matrizes socioculturais que transversa- quando começamos a investigar mais a fundo al-
lizam as interações e construções humanas e, gumas dessas manifestações e artefatos, enten-
dessa forma, as relações e artefatos que funda- demos que os substratos que mantêm a estrutura
mentam nossas práticas cotidianas – dentre es- aparente deitam raiz na etnicidade afroindígena.
sas as brincadeiras, os jogos e os brinquedos – Esse ponto se apoia na Resolução CNE/CP n°
evocam traços ancestrais que, muitas vezes não 01/2004b artigo 2º parágrafo 2º quando aponta
localizamos tão facilmente, soterrados que foram que “o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
pelo tempo. e Africana tem por objetivo o reconhecimento e
Nas palavras de Peralta (2007, p. 5), “a me- valorização da identidade, história e cultura dos
mória não pode apenas ser conceptualizada do afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhe-
ponto de vista ‘instrumental’, mas antes deve ser cimento e igualdade de valorização das raízes
entendida como um sistema de significado que africanas da nação brasileira, ao lado das indíge-
se produz ao longo do tempo”, ou seja, a memó- nas, europeias, asiáticas”.
ria social permeia e se constrói em pedaços indi- Dessa forma, se trata também de enfatizar a
viduais que se tecem juntos e criam recordações justiça curricular conforme aponta Torres-San-
e lembranças que podem ser estudadas frente tomé (1998), possibilitando que as vozes deli-
ao presente. beradamente apagadas e subalternizadas nos
364 27
desenhos curriculares tradicionais falem por si zão, tornam-se material privilegiado de estudo,

Ana Valéria de Figueiredo - Zulmira Rangel Benfica


ERÉPOMTECA: O BRINCAR PARA A RE-EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
mesmas, estabelecendo diálogos contra-hege- que será potencializado com o mapeamento so-
mônicos e de valorização da diversidade na/da ciohistórico dos jogos, brinquedos e brincadeiras
formação humana tendo como objetivo as pre- ressaltando o caráter pluriétnico que perpassa as
missas de uma educação antirracistas em suas práticas e a vida cotidiana dos futuros professo-
práticas cotidianamente desenvolvidas. res, sem que os mesmos muitas vezes saibam da
Formar professores para trabalhar com jogos, rica e diversa origem étnico-racial que os compõe.
brinquedos e brincadeiras de origem africana e in- Com o material de pesquisa categorizado,
dígena significa sensibilizá-los para a importância analisado e mapeado em suas origens o projeto
das mesmas no desenvolvimento das infâncias e, pretende, em sua vocação inovadora, a sugestão
nesse momento da sua formação, é importante da construção de um compêndio digital com o
que busquem a origem socio-histórica dos jogos e mapeamento das origens sociohistóricas dos jo-
brincadeiras em seus elementos fundamentais, o gos, brinquedos e brincadeiras e suas regras de
que poderá ampliar o diálogo intercultural de seus uso. A apresentação sistemática dos resultados
conhecimentos e, como consequência provável, da pesquisa para Universidade pode possibilitar
das classes escolares nas quais vão desenvolver a prática e efetivação das ações de formação
as atividades propostas. inicial e continuada através da pesquisa, ensino
Nesse sentido, pensar o universo do brincar e extensão, fortalecendo as potencialidades da
como espaços e dimensões da reflexão e da prá- pesquisa como forma de construção e circulação
tica de uma educação para a re-educação das do conhecimento, além de ser um dos pilares da
relações étnico-raciais (BRASIL, 2004a) torna-se formação acadêmica.
fundamental no processo educativo do profissional
bem como da criança, fundamentada nas premis- CONCLUSÃO
sas de uma educação antirracista, tarefa de todos.
O material de análise será composto de ban- Como indicamos inicialmente neste texto, aqui
co de dados já coletados e não categorizados apresentamos um projeto que se encontra em sua
do projeto inicial Memórias do Brincar no Curso etapa inicial de pesquisa. Esperamos, ao final do
de Pedagogia e Licenciaturas, realizado entre estudo, organizar um compêndio digital com o ma-
2018-2019 por Figueiredo e Equipe (2019), com peamento das origens sociohistóricas dos jogos,
94 respondentes ao questionário aplicado. Esses brinquedos e brincadeiras e suas regras de uso
dados previamente coletados são representativos para ampla divulgação na www, pois entendemos
das experiências dos licenciandos e, por esta ra- que o conhecimento circulante é também um dos
365 27
caminhos de construção de novas ideias, pensan- BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-

Ana Valéria de Figueiredo - Zulmira Rangel Benfica


ERÉPOMTECA: O BRINCAR PARA A RE-EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
do nas articulações não-formais e não institucio- cional de 20 de dezembro de 1996. Brasília: MEC,
nais como dimensões ampliadas de formação. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 14 mar. 2021.
Além desse ponto, como os licenciandos tam-
bém podem atuar/lecionar em turmas de Formação BRASIL. Lei 10639 de 09 de janeiro de 2003. Brasília:
de Professores em Nível Médio – Curso Normal e MEC, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
Pós-médio de Complementação Pedagógica -, en- vil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 14 mar. 2021.
tendemos como fundamental organizar e dinamizar
cursos e ações para este nível/modalidade de ensi- BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-raciais e para o En-
no, bem como para outros cursos de licenciaturas,
sino de História e Cultura Afro-brasileira e Africa-
além dos níveis tradicionais da Educação Básica.
na. Parecer CNE/CP 3/2004, de 10 de março de 2004.
Acreditamos que a educação antirracista deve Brasília: MEC, 2004a. Disponível em: http://portal.mec.
ser compromisso de todos os profissionais da gov.br/dmdocuments/orientacoes_etnicoraciais.pdf.
educação, independentemente do nível e da mo- Acesso em: 21 abril 2021.
dalidade em que atuam, pois assim teremos uma
força motriz que soma esforços e cria possibilida- BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
des reais de mudança. Educação das Relações Étnico-raciais e para o En-
sino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africa-
na. Brasília: MEC, 2004b. Disponível em: http://portal.
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em: 14 mar. 2021.
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Ana Valéria de Figueiredo - Zulmira Rangel Benfica


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ralta%5B1%5D.pdf>. Acesso em: 04 abril 2019.
367

INTRODUÇÃO

Este estudo aqui apresentado é parte de tra-


balho realizado em parceria entre pedagoga e
psicóloga que atuam no Hospital Universitário Dr.
Miguel Riet Corrêa Jr. - HU-FURG/EBSERH, em
Rio Grande, no Rio Grande do Sul. O material
elaborado como fruto da pesquisa realizada con-
siste em um guia com dicas de brincadeiras para
serem realizadas com o bebê - 0 a 18 meses. O
brincar ainda que prazeroso e, por vezes, natu-
ral vai sendo gradativamente esquecido frente à
‘seriedade’ da vida adulta e, portanto, requer que
sejamos relembrados ou instigados a nos permi-
tirmos brincar novamente.
O público para o qual o guia foi elaborado são
as mães, os pais e/ou os responsáveis pelos pe-
CAPÍTULO 28 quenos que são atendidos na brinquedoteca e
no ambulatório pediátrico de nosso hospital. É
pensando na importância do brincar destes com

HORA DE BRINCAR! seus bebês, na potencialidade deste vínculo


afetivo propiciado pelo ato de brincar juntos e,

CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE também, no estímulo que tais atividades podem


proporcionar, que buscamos elaborar um mate-
BRINCADEIRAS PARA FAZER rial com dicas que conduzam a esta interação.

COM O BEBÊ As sugestões variam desde abraços, cantigas,


brincadeiras de esconde-esconde ou até mesmo
aquelas que requeiram algum objeto lúdico, po-
Letícia de Queiroz Maffei rém sempre priorizando baixo-custo e criativida-
Simone Rosana Amaral Parodes de. O guia foi elaborado com o objetivo de ser
distribuído na versão impressa ou compartilhado
em meio digital.
368 28
De modo a situar melhor o leitor no am- No que tange ao serviço de atendimento ambu-

Letícia de Queiroz Maffei - Simone Rosana Amaral Parodes


HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
biente no qual tal proposta está inserida, trazemos latorial pediátrico, mais especificamente o atendi-
aqui uma breve explanação acerca do contexto mento voltado aos egressos da Unidade de Tera-
de atuação junto à brinquedoteca e ao ambula- pia Intensiva Neonatal (UTIN), este projeto no qual
tório pediátrico do HU-FURG/EBSERH, hospital ocorrem esses atendimentos foi criado em 2005.
da rede federal e com atendimento 100% SUS. Frente a evolução da neonatologia, vieram gran-
A Brinquedoteca foi estruturada visando atender des mudanças na assistência ao recém-nascido
à Lei nº 11.104 de 2005, que dispõe sobre a obri- de alto risco, intensificando a sua sobrevivência,
gatoriedade de existência de brinquedotecas em assim, diminuindo o risco de mortalidade infan-
unidades de saúde que ofereçam atendimento til, revertendo de forma significativa a sobrevida
pediátrico em regime de internação. Em confor- desse público através do acompanhamento siste-
midade com a lei, tem-se a brinquedoteca como mático durante os primeiros anos de vida, possi-
“o espaço provido de brinquedos e jogos educati- bilitando detectar alterações precoces no desen-
vos, destinado a estimular crianças e seus acom- volvimento e suprir com as devidas intervenções
panhantes a brincar” (BRASIL, 2005). necessárias, também realizando orientações aos
Nossa Brinquedoteca funciona sob a respon- cuidadores quanto às suas incumbências.
sabilidade técnica de uma pedagoga e conta com O projeto atende cerca de 80 crianças mensais
uma auxiliar administrativa, que atuam em perío- e suas famílias, nas segundas e quartas à tarde,
do integral junto ao espaço. Dão suporte ao fun- no ambulatório pediátrico. O encaminhamento é
cionamento do espaço, voluntários e uma equipe realizado logo no momento da alta hospitalar na
multiprofissional de apoio, formada por pedagoga, UTIN e, os pacientes permanecem em acompa-
psicólogas, profissionais de Educação Física, nu- nhamento até os 12 anos em média. Esse projeto
tricionista, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga e tem a intenção de garantir aos seus usuários a
odontólogas. O espaço atende as crianças de 0 a oportunidade de melhor desenvolver suas poten-
12 anos internadas na Pediatria sendo priorizado o cialidades, reduzindo comorbidades e agregando
brincar livre e proporcionado o empréstimo de ob- orientação e suporte aos pais. Conjuntamente, o
jetos lúdicos para serem utilizados em seus leitos, projeto possibilita várias atividades de ensino e
em períodos nos quais o espaço não está aberto. pesquisa para os estudantes de graduação e pós-
No âmbito da brinquedoteca percebe-se fortemen- -graduação de diferentes especialidades como:
te a presença e participação do acompanhante medicina, psicologia, nutrição, fonoaudiologia,
dos bebês de 0 a 18 meses como mediadores da entre outros, permitindo um vasto conhecimento
brincadeira para estes, enquanto que os maiores na prática de neonatologia e pediatria, integrando
já apresentam mais autonomia para este brincar. ensino, pesquisa e extensão.
369 28
O serviço prestado conta com o reconhecimen- dente de outra pessoa. (SPITZ, 1960). Dependem

Letícia de Queiroz Maffei - Simone Rosana Amaral Parodes


HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
to da comunidade atendida, não só pela redução das interações e trocas com o outro para adquiri-
dos sintomas de comorbidades dessas crianças, rem experiências, novas habilidades e estabeleci-
mas também, pelo acolhimento aos familiares. mento de limites das próprias capacidades, o que
compõem o serviço médicos pediatras, geneticis- leva a criança a criar os seus próprios mecanis-
ta, neurologista, pneumologista, cardiologista, fo- mos de defesa e, desenvolver-se como ser social.
noaudiólogo, nutricionista, odontologista, oftalmo- Para Spitz, a relação mãe-filho aparece também
logista, psicóloga, estudantes e residentes. Alguns na raiz da linguagem e comunicação da criança.
dos profissionais que acompanham as crianças Nos estágios de desenvolvimento, na medida da
no ambulatório pós alta, também fazem parte da sua evolução o bebê aumenta e diversifica suas
unidade de tratamento intensivo da UTI Neonatal. respostas, conferindo ao objeto um novo signifi-
A psicologia do ambulatório também é referência cado. Nas linhas que seguem, apresentaremos
na UTI Neonatal, consequentemente, acompanha
as principais características destes três estágios
o bebê e a sua família desde a entrada nesta uni-
- pré-objetal, precursor do objeto e objeto real -
dade, portanto, quando a criança chega ao ambu-
os quais permitem uma melhor compreensão das
latório a psicóloga já tem conhecimento do caso
formas como poderemos interagir com os bebês.
da criança e vínculo com a família, facilitando a in-
Primeiro estágio, Pré-Objetal, até 3 meses de
formação para os demais profissionais da equipe.
idade, a interação é fisiológica com o ambiente
É nesta proximidade com as famílias e na pers-
externo, isenta de vontade, representação psíqui-
pectiva do acolhimento e buscando proporcionar
ca ou consciência, não se diferencia do meio, não
uma otimização dos cuidados à infância que o
guia foi elaborado. Dentre os principais motivos existe um objeto. A boca é sua única região que
para a elaboração do material foi a necessidade atua para a alimentação e para os futuros cinco
de um instrumento de apoio para a orientação sentidos: visão, paladar, olfato, tato e audição, ten-
dos pais e cuidadores no sentido de estimular o do a cavidade oral como ponto intermediário entre
brincar e a brincadeira com os seus bebês, com a percepção interna e externa, com a amamenta-
indicações de atividades adequadas à idade e de- ção ele terá experiências da pele e mensagens ao
senvolvimento da criança. ouvido, procedendo enorme prazer para mãe e fi-
lho. Seu primeiro sinal de memória será o rosto da
REFERENCIAL TEÓRICO mãe, mobilizando afeto e capaz de provocar sor-
riso, indicando a maturidade emocional do bebê.
O ser humano é incapaz de sobreviver sozinho, Segundo estágio, Precursor do Objeto, dos 3
pois nasce completamente desamparado, depen- aos 8 meses de idade, desponta o tônus muscu-
370 28
lar levando à sustentação da cabeça e do tron- go favorecedor do desenvolvimento biopsicoafeti-

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HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
co, mais tarde a criança mantém-se sentada com vo saudável e seguro da criança. Segundo o autor
habilidade de pegar e largar voluntariamente ob- a relação da criança com os pais é estabelecida
jetos. Aos 4 meses o bebê pode tocar a boca e por um composto de sinais inatos do bebê, que
os dedos. Entre 4 e 6 meses aparece a reação reivindicam intimidade e, com o passar do tem-
de medo, de pessoas, coisas ou objetos que lem- po, formam um legítimo vínculo afetivo, assegu-
bram experiência negativa. Aos 6 meses ele toca rado pelas capacidades cognitivas e emocionais
os membros inferiores, seus pés. Começam as da criança e pela perseverança dos métodos de
imitações dos pais, estalar a língua, bater palmas, cuidado e pela sensibilidade e responsividade
fundamental para o desenvolvimento da criança. dos cuidadores. Sendo assim, uma das inferên-
Terceiro estágio, Objeto Real, 8 a 12 meses cias básicas da Terapia do Apego é que o estilo
de idade, a criança prefere a mãe, mostra ansie- de apego do indivíduo ao longo de sua vida vai
dade frente a estranhos. A comunicação entre a depender das primeiras relações de apego esta-
mãe e a criança fica mais direcionada e os ges- belecidas na infância (BOWLBY, 2006). Cortina e
tos passam a ter significado mutuamente. Como Marrone (2003) consideram que
balançar a cabeça indicando negação. Por volta
a Terapia do Apego organiza o comportamento
dos 8 meses, quando a mãe balança a cabeça em termos de um sistema motivacional e que as
indicando “não” a criança entende o sinal. Dos 12 idéias de Bowlby representaram o ponto de par-
aos 18 meses de idade surge a linguagem na vida tida para o desenvolvimento de uma nova teoria
da criança, começando por palavras incompletas, da motivação humana, que integra aspectos da
biologia moderna e inclui afeto, cognição, siste-
até próximo aos 18 meses. Inicia a fase da teimo-
mas de controle e de memória, além dos aspec-
sia, agora a criança sabe usar o “não” decidindo tos envolvidos no desenvolvimento, sustentação
o que quer e o que não quer, a mãe deixa de ser e provimento dos laços de apego. Essa conside-
o ego externo. Se na infância, obtivemos vincu- ração se baseia no fato de que a proposta dessa
lações familiares seguras, a percepção será afir- teoria organiza o comportamento em termos de
um sistema motivacional.
mativa da realidade, levando-nos a autoestima e
vínculos afetivos adequados na vida adulta. Ainsworth (1963) destaca a respeito do
Bowlby (2006) reforça que para a saúde men- desenvolvimento socioemocional durante os pri-
tal do bebê e da criança pequena é de fundamen- meiros anos de vida que “o modelo de apego que
tal importância ter relação próxima, sucessiva de um indivíduo desenvolve durante a primeira infân-
satisfação e prazer com a mãe ou com pessoa cia é profundamente influenciado pela maneira
cuidadora substituta estável, configurando o ape- como os cuidadores primários (pais ou pessoas
371 28
substitutas) o tratam, além de estar ligado a fato- novo ou manufaturado. Do mesmo jeito que a

Letícia de Queiroz Maffei - Simone Rosana Amaral Parodes


HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
res temperamentais e genéticos”. Nesta perspec- criança é capaz de ouvir a mesma história várias
vezes e repetir rimas, ela pode brincar com o
tiva, entendemos que uma importante forma de
mesmo objeto. A brincadeira solitária, mas perto
estabelecer essas relações entre criança e cuida- de outro adulto, é a mais comum. (MELIS, 2018,
dores primários pode ser a brincadeira e o brincar. p. 34-35). 
Brougère (2002, p.20) enfatiza que “brincar não é
uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma ati-  Diante do exposto por Melis (2018) podemos
vidade dotada de uma significação social precisa perceber o quanto é viável favorecer este brincar.
que, como outras, necessita de aprendizagem”. A autora reforça que não são necessários brin-
O pesquisador afirma que “esquecemo-nos facil- quedos novos e que por vezes a própria repetição
mente de que quando se brinca se aprende antes é algo prazeroso à criança. Em algumas literatu-
de tudo a brincar, a controlar um universo simbó- ras e materiais que sugerem atividades e objetos
lico particular” (BROUGÉRE, 2002, p. 23).  lúdicos há a sugestão de que, temporiamente,
alguns brinquedos sejam trocados e retirados do
Todo adulto deve levar a sério o brincar da crian- uso imediato da criança para que possam ser ofe-
ça. Por meio do brincar, ela articula a realidade
recidos novamente depois, como algo novo e que
e a fantasia. A brincadeira começa bem cedo na
vida da criança. Pode-se falar em brincadeira retorne a despertar interesse. “O brinquedo apa-
já nos primeiros meses de vida. As mãozinhas, rece como um pedaço de cultura colocado ao al-
quando descobertas pelos olhos do bebê, po- cance da criança. É seu parceiro na brincadeira. A
dem ser dirigidas e se tornam o primeiro brin- manipulação do brinquedo leva a criança à ação e
quedo e depois os pés que são ainda mais di-
à representação, a agir e a imaginar” (BOMTEM-
vertidos. Chocalhos, cubos, argolas se transfor-
mam em brincadeiras muitas vezes barulhentas. PO, 2011, p. 75). E no caso das sugestões que
Brincar é a atividade mais importante em todo o buscamos apresentar em nosso guia a prioridade
desenvolvimento infantil. [...] Conforme a criança foi de dar ênfase ao contato e a atenção com o
cresce, aprende a brincar sozinha, cria amigos bebê, bem como um incentivo para que este adul-
imaginários, canta e olha com atenção brinque-
to volte a brincar e se permita brincar, usando por
dos e utensílios domésticos na busca de sons
e movimentos. Brincando com o mingau, com vezes objetos do cotidiano que de forma segura
caixotes vazios e até com o pedaço de pão es- sirvam como brinquedos.
tamos permitindo que a criança faça a leitura de
Acreditamos que a capacidade lúdica do adulto
seu mundo, ou seja, compreenda o mundo onde
está diretamente relacionada a sua pré-história de
ela vive e expresse seus pensamentos criados e
vida; é, antes de mais nada, um estado de espí-
nomeados com os gestos. Ao brincar, a criança
rito, relacionado à cultura do corpo. Faz parte de
não precisa, necessariamente, de um brinquedo
apropriação de um saber, que progressivamente
372 28
vai se instalando na conduta do indivíduo, face ao Para a criança, o brincar é a atividade principal

Letícia de Queiroz Maffei - Simone Rosana Amaral Parodes


HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
seu modus vivendi. A concepção de que o brincar do dia-a-dia. É importante porque dá a ela o po-
está reservado às crianças nada mais é do que a der de tomar decisões, expressar sentimentos e
perda da naturalidade humana, imposta pelo ho- valores, conhecer a si, aos outros e o mundo, de
mem ao próprio homem, já que – a história nos repetir ações prazerosas, de partilhar, expres-
diz – o adulto costumava dedicar muitas horas ao sar sua individualidade e identidade por meio de
lazer. As mutações decorrentes do mundo moder- diferentes linguagens, de usar o corpo, os senti-
no vão progressivamente afastando os indivíduos dos, os movimentos, de solucionar problemas e
do convívio lúdico, principalmente nas grandes criar. Ao brincar, a criança experimenta o poder
metrópoles. Diria ainda mais: que estas mutações de explorar o mundo dos objetos, das pessoas,
alteram radicalmente a relação que os povos an- da natureza e da cultura, para compreendê-lo
tigos mantinham através da atividade lúdica. Os e expressá-lo por meio de variadas linguagens.
tempos modernos impõem outras formas de lazer, Mas é no plano da imaginação que o brincar se
deslocando o eixo do lazer compartilhado com destaca pela mobilização dos significados. En-
os outros para formas de lazer individual. Estes fim, sua importância se relaciona com a cultura
últimos podem ser caracterizados nas relações da infância, que coloca a brincadeira como fer-
do homem com a máquina (computador, televi- ramenta para a criança se expressar, aprender
são, etc) (NEGRINE, 2011, p. 21).  e se desenvolver (KISHIMOTO, 2010).

Em ‘Brincar para Todos’, material produzido Reiterando a importância do olhar para a infân-
pelo Ministério da Educação, é reforçada a im- cia já nos primeiros meses de vida e compreen-
portância da brincadeira, sendo esta considerada dendo o brincar como essencial no processo de
“a vida da criança e uma forma gostosa para ela formação humana, o trabalho aqui apresentado
movimentar-se e ser independente. Brincando, a busca compartilhar essas perspectivas. E o guia
criança desenvolve os sentidos, adquire habilida- mais precisamente, visa atingir a este público de
des para usar as mãos e o corpo, reconhece obje- mães, pais e acompanhantes que por vezes des-
tos e suas características, textura, forma, tamanho, conhecem a importância de tais interações jun-
cor e som”. Ao brincar, “a criança entra em contato to a seus bebês ou até mesmo não se sentem
com o ambiente, relaciona-se com o outro, desen- confiantes para conduzir tais práticas. A intenção
volve o físico, a mente, a auto-estima, a afetivida- é ter um material instrucional, porém contar com
de, torna-se ativa e curiosa”​(SIAULYS, 2005). o aporte profissional da equipe de saúde para a
Kishimoto (2010) além de colocar o brincar mediação e orientação adequados, sendo o guia
como algo que a criança gosta, destaque o fato (Figura 1) uma referência e estímulo para esta
de que brincar é também um de seus direitos e prática do brincar com o bebê de 0 a 18 meses.
reforça que:​
373 28
a oportunidade de desenvolver um material nesta

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HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
perspectiva em ambiente hospitalar reforça tam-
bém a ideia da atenção à saúde como um cuida-
do integral com a vida. Pensar nas práticas que
podem vir a ser desenvolvidas tendo o guia como
suporte faz emergir as noções de humanização
em torno do cuidado com a saúde.

REFERÊNCIAS

AINSWORTH, M. The development of infant-mother in-


teraction among Ganda. In: FOSS, B. M. (Org.). Deter-
Figura 1 - Capa do guia de brincadeiras para fazer com o bebê. minants of infant behavior. New York: Wiley, 1963.
pp. 67-104.
CONCLUSÃO
BOWLBY, J. (1969) Cuidados Maternos e Saúde
Mental. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes; 2006.
A elaboração do guia e o pensar no brincar jun-
to aos bebês de 0 a 18 meses coloca em evidência BOMTEMPO, E. A brincadeira de faz de conta: lu-
necessidades de olhares e cuidados para situa- gar do simbolismo, da representação, do imaginário.
ções que por vezes são relegadas à naturalidade, KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a
porém permeadas por dúvidas e silêncios. Brincar educação. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 
com os pequenos, e neste caso, bem pequenos
BROUGERE, G. A criança e a cultura lúdica. In: KISHI-
mesmo, acaba sendo um benefício daqueles que
MOTO, T. (org.). O brincar e suas teorias. São Paulo:
têm perfil brincante, já aqueles os quais a brinca- Pioneira, 2002. 
deira e o lúdico foram perdidos na rotina da vida
adulta, a relação com o bebê se reduz a cuidados CORTINA; MARRONE. Attachment theory and
básicos de higiene, alimentação e proteção. the psychoanalytic process. London: Whurr Pu-
A possibilidade de apresentar o guia e orientar blishers, 2003.
em atividades e brincadeiras que possam estrei-
KISHIMOTO, T. M. Importância do brincar para a crian-
tar o vínculo com o bebê acaba por potencializar ça de 0 a 5 anos e 11 meses. In: SEMINÁRIO NACIO-
o resgate do espírito lúdico nesta mãe, pai ou NAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO - Perspectivas
acompanhante e otimizar as trocas afetivas. Ter Atuais, I, 2010. Anais… Belo Horizonte, 2010.
374 28
MELIS, V. Espaços em Educação Infantil. 2. ed. São

Letícia de Queiroz Maffei - Simone Rosana Amaral Parodes


HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
Paulo: Scortecci, 2018.

NEGRINE, A. O lúdico no contexto da vida humana:


da primeira infância à terceira idade. In: SANTOS, S.
M. P. (Org.) Brinquedoteca: a criança, adulto e o lúdi-
co. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. 

SIAULYS, Mara O. de Campos. Brincar para todos.


Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educa-
ção Especial, 2005. 152 p.

SPITZ, R.A. ([1954] 1960) Desenvolvimento emocio-


nal do recém-nascido. Biblioteca Brasileira de Psica-
nálise. São Paulo: Pioneira.
375
INTRODUÇÃO

A Universidade Federal do Maranhão (UFMA)


iniciou as atividades no município de São Bernar-
do em 2008, como parte do movimento de inte-
riorização dos campi das universidades federais.
Inicialmente, o campus oferecia 03 cursos de
graduação: Licenciatura em Ciências Naturais,
Licenciatura em Ciências Humanas e Licenciatu-
ra em Linguagens e Códigos. A partir da valori-
zação turística das regiões maranhenses e, pelo
fato do município estar situado numa localização
estratégica entre dois pólos turísticos do Estado,
emergiu a necessidade de estender a atuação do
campus na formação de profissionais para atuar
no campo do planejamento e da gestão turística
na região do Baixo Parnaíba Maranhense.
CAPÍTULO 29 Sendo assim, o curso de Bacharelado em
Turismo foi criado no ano de 2015 com o obje-

JOGOS E BRINCADEIRAS COMO tivo de formar profissionais com sólida formação


humanística, interdisciplinar, crítica e reflexiva,
ELEMENTOS DO PATRIMÔNIO para atuar em áreas diretamente relacionadas

CULTURAL: RELATO DE ao fenômeno turístico: planejamento e gestão de


destinos turísticos, marketing turístico, eventos,
EXPERIÊNCIAS DO CURSO DE hospitalidade e lazer. No âmbito da formação do

BACHARELADO EM TURISMO Bacharel em Turismo, o lazer é visto não somente


como campo de pesquisas e de atuação profis-
(UFMA/CAMPUS SÃO sional, mas constitui elemento importante da di-
nâmica social.
BERNARDO) O lazer parte do universo das motivações tu-
rísticas; o turismo cultural e o turismo urbano, por
Karoliny Diniz Carvalho exemplo, são segmentos que utilizam as expres-
376 29
sões comunitárias – tradições religiosas, manifes- São Bernardo e os moradores, buscou-se promo-

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HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
tações artísticas, patrimônio urbano e imaterial – ver ações de valorização e promoção dos jogos
para a estruturação de ofertas baseadas na evasão, e das brincadeiras populares e da Universidade
na ludicidade, na criatividade e no entretenimento. como espaço qualificado para o lazer por meio da
Essas experiências estão contempladas de modo oferta de atividades sociais, artísticas, esportivas
transversal no universo dinâmico e polissêmico do e culturais. Partiu-se da ideia da educação pelo
lazer. Sendo assim, a dinâmica socioespacial das e para o lazer de modo a oportunizar benefícios
cidades atrai grupos de visitantes interessados em tanto para a comunidade local, como para os mo-
vivenciar situações de intercâmbio cultural, educa- nitores envolvidos.
ção e aprendizado. A interface lazer e turismo é o A partir da identificação da dinâmica do lazer
foco dos debates e das reflexões que atravessam em São Bernardo, da caracterização das práti-
a disciplina Gestão de empreendimentos de lazer cas e dos conteúdos culturais, vislumbrou-se,
e recreação. A carga horária da referida disciplina neste projeto, ampliar a visão dos moradores so-
é distribuída em conteúdos teóricos e práticos, nos bre o papel desempenhado pelo lazer no desen-
quais os acadêmicos tem a possibilidade de elabo- volvimento comunitário, buscando a valorização
rar e executar programas recreativos para a comu- dos jogos, dos divertimentos populares e das
nidade a partir das demandas locais. brincadeiras tradicionais como práticas sociais
A necessidade de um projeto de extensão vol- que integram o repertório de referências cultu-
tado ao lazer e à participação comunitária emer- rais da cidade.
giu das reflexões teóricas e das atividades prá-
ticas da disciplina Gestão de empreendimentos REFERENCIAL TEÓRICO OU DESENVOL-
de lazer, na medida em que se vislumbrou a pos- VIMENTO
sibilidade de atuar a cultura lúdica como prática
que favorece o patrimônio cultural local. O diálogo Compreender a dinâmica sociocultural de uma
entre a teoria e a prática do lazer e da recreação cidade perpassa pelo entendimento acerca das
motivou o interesse em realizar uma ação a longo diferentes formas de vivência e convivência co-
prazo que se configurasse também num espaço munitária. Dentre elas, destaca-se o lazer como
para o exercício profissional dos acadêmicos de importante componente da vida social. Como ex-
turismo em ambientes reais a partir da interação pressão cultural, o lazer possui múltiplas nuan-
e da escuta cultural com a comunidade. ces, uma natureza complexa e interdisciplinar que
Partindo dessa premissa e, de modo a con- abrange diferentes significados e perspectivas
tribuir para estreitar as relações entre o campus teóricas. O conceito inicial sobre o lazer propos-
377 29
to por Dumazedier (1999) parte da ideia de um momento de múltiplas possibilidades para o de-

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HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
tempo livre ou disponível das obrigações profis- senvolvimento dos aspectos lúdicos, cognitivos,
sionais e sociais, o qual pode ser utilizado para emocionais e educacionais de um determinado
o desempenho de atividades desinteressadas e grupo social, uma “atividade crítica e criativa de
prazerosas, de caráter subjetivo. sujeitos historicamente situados”. Os momentos
Polato (2003, p.141) entende o lazer como de lazer emergem como oportunidades de vi-
uma “forma específica de relação social, um es- vências lúdicas, valorização do meio ambiente,
paço de qualificação humana, ou seja, de desen- desenvolvimento pessoal e interação social (GO-
volvimento das condições físicas, mentais, afeti- MES, 2008; BONALUME, 2001).
vas, estéticas e lúdicas.” Já Gomes (2008) amplia Nesse contexto, os jogos e as brincadeiras
esse olhar ao tecer considerações sobre o lazer populares são práticas culturais que remetem ao
como uma dimensão da cultura que se manifesta lúdico, ao divertimento, mas também à aprendi-
por meio dos aspectos tempo, espaço-lugar, ma- zagem, sociabilidade, ao fortalecimento dos vín-
nifestações culturais e atitude. As suas reflexões culos e dos afetos (CAILLOIS, 1990; CARVALHO
enfatizam o caráter interdisciplinar, dinâmico e e PONTES, 2003). Ainda, podem ser apreendidos
polissêmico do lazer, uma vez que ele estabele- como suportes de memória (LE GOFF, 1990) e
ce diálogos com os diversos campos da realidade de identidade (HALL, 2001) para um determinado
social. De acordo com a autora: grupo social, tendo em vista que “[...] como ex-
pressão da história e da cultura, pode nos mostrar
[...] O lazer vai além da mera realização de ati-
vidades, sendo um campo da vida humana e estilos de vida, maneiras de pensar, sentir e falar
social dotado de características próprias, que e, sobretudo, maneiras de brincar e interagir, con-
ocorrem em um tempo/espaço específico. As- figurando-se em presença viva de um passado no
sim, o lazer inclui a fruição de diversas mani- presente” (FANTIN, 2000, p. 70).
festações da cultura, tais como o jogo, a brin-
Assim, estabelece-se uma associação entre a
cadeira, a festa, o passeio, a viagem, o esporte
e as diversas formas de artes, entre inúmeras cultura lúdica e as novas concepções em torno
outras possibilidades. Inclui ainda o ócio, uma do patrimônio cultural. Como elementos integran-
vez que esta manifestação cultural pode cons- tes do patrimônio cultural, as diversas nuanças
tituir em nosso meio social, notáveis experiên- do brincar revelam as representações sociais, os
cias de lazer – não como um privilégio de classe
simbolismos, os imaginários, possibilitando, as-
(GOMES, 2008, p.125).
sim, a compreensão dos processos e das dinâ-
Seguindo essa perspectiva que estabelece di- micas socioculturais. Os jogos, os brinquedos e
álogos com Marcellino (2000, p.45), o lazer é um brincadeiras “[...] são quase sempre criações co-
378 29
letivas, de domínio público, de origem dificilmente terdependentes: o primeiro consistiu na pesquisa

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identificável e transmitidas oralmente pelos mem- exploratória de cunho bibliográfico sobre os sen-
bros da sociedade. (TAVARES, 2004, p. 16). tidos e signficados do lazer, sobre as vivências
As vivências e experiências de lazer fortale- lúdicas como patrimônio cultural, bem como nas
cem as redes de sociabilidade e os vínculos dos reflexões e debates teóricos desenvolvidos em
cidadãos com a cidade. Os espaços tornam-se sala de aula.
significativos, o lugar de moradia ganha um novo No segundo momento, os estudantes foram di-
sentido: o lugar de exercício da cidadania, de per- vididos em grupos a fim de realizar o planejamen-
tencimento, de apreço, da preservação dos luga- to da proposta de intervenção junto à comunida-
res de convivência e intercâmbio cultural. Confor- de. Cada grupo definiu o público alvo, selecionou
me argumenta Negrine (2008, p.35) “a atividade os jogos e as brincadeiras de acordo com o perfil
lúdica é indispensável à vida humana quando si- e as características dos participantes e realizaram
tuada como um ingrediente que oferece melhoria a divulgação do projeto.
para a qualidade de vida”
Os jogos, brinquedos e brincadeiras tradicio-
nais contribuem para a construção da identidade
dos atores sociais, pois eles expressam a pro-
dução cultural de uma comunidade, os saberes,
as memórias e as técnicas intergeracionais, pos-
suem uma significância cultural. Constituem uma
prática social singular num contexto historica-
mente produzido (OLIVEIRA, 2007; CARVALHO,
2007). O conhecimento sobre o universo lúdico
Figura 4 – Acadêmicos de turismo e participantes do projeto.
possibilita uma participação ativa da comunidade
na preservação do seu patrimônio cultural e nos O desenrolar das ações ocorreu no campus
projetos de desenvolvimento. universitário no turno matutino e envolveu a parti-
Partindo desses pressupostos, iniciou-se as cipação de grupos de jovens da comunidade com
atividades foram desenvolvidas por um grupo de idade entre 17 e 22 anos e grupos de idosos. Os
26 acadêmicos do 3º período do curso de Bacha- monitores desenvolveram atividades lúdicas – jo-
relado em Turismo sob a supervisão da profes- gos, brincadeiras e dinâmicas de grupo utilizando
sora titular da disciplina. Os caminhos metodo- elementos da cultura local com o objetivo de va-
lógicos giraram em torno de dois momentos in- lorizar os repertórios lúdicos como elementos da
379 29
identidade coletiva e da construção das subjetivi- na realidade do município de São Bernardo, Ma-

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HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
dades. A escolha recaiu, portanto, nas cantigas ranhão. Parte-se do entendimento de que os mo-
de roda, advinhas, brincadeiras tradicionais como mentos de lazer contribuem para a formação de
amarelinha, pião, damas, contação de histórias, uma consciência cidadã e fortalecem os vínculos
além de atividades esportivas e culturais com o dos moradores com o patrimônio local.
objetivo de ampliar a percepção dos participan- Na condição de fenômeno social, o lazer é per-
tes sobre a importância de valorizar as manifesta- cebido como lócus de compartilhamento de expe-
ções culturais tradicionais. riências, ampliação das redes de sociabilidade e
As noções de memória, pertencimento, culturas de solidariedade comunitária, aspectos que forta-
populares, lazer e cidadania circunscreveram as lecem a autoestima dos moradores. As atividades
atividades lúdicas, na medida em que as vivências lúdicas desenvolvidas propiciaram interações sig-
do lazer fazem parte da construção das subjetivi- nificativas entre os participantes, sobretudo entre
dades e da construção da dinâmica sociocultural os monitores do projeto e o grupo de idosos.
do município. O lazer foi entendido como instru-
mento de fortalecimento da cidadania e autonomia
comunitária, momento singular para o exercício da
criatividade e da criticidade dos diferentes atores
sociais. Na visão de Mascarenhas (2004, p. 160) a
democratização do lazer consiste em:
[...] Expressar a possibilidade de apropriação
do lazer como um tempo e espaço para a práti-
ca da liberdade, para o exercício da cidadania,
busca traduzir a qualidade social de uma so-
ciedade cujo direito ao lazer pode ter seu reco-
nhecimento alicerçado sobre princípios como
planificação, participação, autonomia, organi- Figura 5 – Dinâmica de grupo.
zação, justiça e democracia, deixando de ser
monopólio ou instrumento daqueles que con- Como extensão universitária de produção, so-
centram poder econômico.
cialização e democratização dos conhecimentos e
Seguindo a perspectiva de Mascarenhas (2004) circulação de saberes, o projeto congrega ações
do lazer como espaço para fortalecer a cidadania de pesquisa, de diálogos e de fortalecimento co-
e a autonomia comunitária, vislumbra-se a propos- munitário. Entende-se que a extensão é “[...] resul-
ta de valorizar o lazer como dimensão importante tante do confronto teoria e realidade, conhecimen-
380 29
to científico e saber popular, que é concretizado na de lazer e recreação para os moradores da cida-

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HORA DE BRINCAR! CONSTRUÇÃO DE UM GUIA DE BRINCADEIRAS PARA FAZER COM O BEBÊ
transformação cotidiana e permanente da socieda- de de São Bernardo, Maranhão.
de” (SARAIVA, 2007, p.228). Seguindo essa pers- A ação extensionista proposta alcançou os
pectiva, dar visibilidade aos jogos e brincadeiras seguintes resultados: a) sensibilização da co-
como elementos do patrimônio cultural consiste em munidade local sobre a importância dos jogos e
valorizar o lugar, as pessoas e os seus saberes, for- brincadeiras como elementos definidores do pa-
talecendo a sua identidade, além de avançar nas trimônio imaterial; b) aproximação da UFMA com
teorizações acerca do tema, a partir dos diálogos a comunidade; c) reconhecimento das potenciali-
que são estabelecidos com as comunidades. dades entre turismo, lazer e educação; d) desen-
A participação dos estudantes nas ações ex- volvimento de habilidades práticas entre os aca-
tensionistas possibilita uma reflexão crítica sobre dêmicos do curso de turismo e e) interesse dos
determinado aspecto da realidade social e uma estudantes em participar de projetos de ensino,
experiência formativa responsável, compromis- pesquisa e extensão.
sada e ética (SOUSA, 2000; TAVARES, 2001). Ressalta-se que esta iniciativa, em virtude de
Seguindo essa perspectiva, o projeto de exten- seu baixo custo e potencialidades, pode ser re-
são LAESPI congrega as dimensões do ensino, plicada em outras localidades que pretende de-
da pesquisa e da extensão de modo a fortalecer senvolver a atividade turística, ou que os gestores
as relações entre a universidade e a sociedade, percebem a necessidade de senisbilizar a comu-
gerando possibilidades futuras de ações da co- nidade sobre a importância do seu patrimônio hi-
munidade em prol da conservação e valorização sótórico e cultural.
do patrimônio cultural. Pretende-se, a longo prazo, ampliar o público
atendido pelas ações do projeto e estender para ou-
CONCLUSÃO tros espaços sociais – praças públicas, universida-
de, escolas da zona urbana e rural– com o objetivo
Tendo em vista o fenômeno do lazer como di- de ampliar as oportunidades de acesso ao lazer. Ao
reito social e fator promotor da cidadania, bem mesmo tempo, pretende-se fortalecer a relação de
como da necessidade de estreitar as relações en- afetividade entre os moradores e a cidade.
tre os moradores e os espaços de vivência e con- Entende-se que a articulação entre cultura lú-
vivência cultural, propôs-se a realização do proje- dica e a atividade turística torna-se promissora ao
to de extensão Lazer nos espaços comunitários permitir a mobilização dos diferentes saberes no
e inclusão social por meio do turismo – LAESPI, exercício crítico da cidade pelos moradores na
com o objetivo de promover atividades e práticas perspectiva da cidadania e da inclusão social.
381 29
REFERÊNCIAS SARAIVA, J.L. Papel da extensão universitária na

Letícia de Queiroz Maffei - Simone Rosana Amaral Parodes


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sília. Ministério do Esporte, 2007, v. I, p.127-138.
382

INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa e extensão – LUDARTE,


tem como um dos campos de ação, a Brinquedo-
teca Cora Coralina, situada na região Metropolita-
na de Salvador, representado no Campus Avan-
çado de Lauro de Freitas- CALFRE/Universidade
do Estado da Bahia – UNEB.
Acreditamos que a Universidade é um espa-
ço fundamental para a geração de novas ideias
mobilizadoras, na qual Educação e Saúde cons-
tituem eixos fundamentais no processo ensino-
-aprendizagem. Com isso temos como foco prin-
cipal do projeto, organizar, criar e pensar ações
pedagógicas e complementares para a educação
e saúde através da Arte-Educação, Ludicidade
e Corporeidade visando atender inicialmente as
CAPÍTULO 30 comunidades externa e interna do Município de
Lauro de Freitas e cidades circunvizinhas, atu-
almente por conta da pandemia que vivemos do

MEDIADORES DO BRINCAR: COVID-19, expandimos nossas ações para ou-


tros espaços empíricos na forma remota.

EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO Descreveremos aqui, de maneira reflexiva, nos-


sas experiências enquanto coordenadoras, a partir
SALUTAR NA EDUCAÇÃO do eixo de formação profissional com estudantes
de graduação e professores de diversas áreas, ob-
jetivando contribuir com o debate sobre o brincar
Marta Pereira Santos
na educação formal e não formal e formação lú-
Mônica Lemos Bitencourt
dica, articulando a Educação e Saúde, através do
conceito da Salutogênese (Antonovsky, 1987).
  No percurso de nossa prática formativa dos
Mediadores do Brincar, ao longo de cinco anos,
383 30
diversos aprendizados vem sendo forjados, nas lhando o aprender/ensinar, desafiando seus ato-

Marta Pereira Santos - Mônica Lemos Bitencourt


MEDIADORES DO BRINCAR: EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO SALUTAR NA EDUCAÇÃO
construções, desconstruções e reconstruções res a seguirem buscando caminhos melhores.
próprios do processo criativo. Organizamos a A salutogênese1 quanto conceito, destaca as
formação em seus princípios, metodologia e fun- fontes de saúde e de cura, a nível individual e so-
damentos a partir dos eixos que compõe o pro- cial, acreditando que cada ser humano faz parte
jeto - ludicidade, arte- educação e corporeidade. de um todo e influencia este todo, mesmo tendo
Metodologicamente nos direcionamos para es- consciência ou não. Sendo assim, segundo An-
paços multirreferenciais de aprendizagem (AR- tonovsky (1987), a saúde vem e é mantida pelo
DOINO, 1998). Nossa fundamentação perpassa sentido/senso de coerência - capacidade de in-
por diversos autores nas três áreas facilitadoras tegrar os acontecimentos - ruins ou bons - a sua
de aprendizagens, elencadas no projeto, dentre experiência de vida de maneira a reordenar e
eles: Luckesi, 2000; Almeida, 2010; Huizinga, dar sentido a estes, alinhando-se de maneira in-
1980, Barbosa, 2002, 2000; Bernardes, 2016. tegral. Este sentido é exercitado na observação
Ressaltaremos nesse artigo: Rogers, 1961, consciente da maneira como lidamos, interior e
1973; Steiner, 2013; Bach Júnior, 2012 e Kichi- exteriormente, consigo mesmo e com as outras
moto, 1996. pessoas, gerando uma pratica que eleva o grau
de adaptabilidade, experiência própria do brincar.
EDUCAÇÃO E SAÚDE NO PROCESSO EN- Conforme Kishimoto,
SINO - APRENDIZAGEM
O jogo é um instrumento pedagógico muito sig-
nificativo. No contexto cultural e biológico é uma
O projeto exercita, possibilidades metodológi- atividade livre, alegre que engloba uma signifi-
cas na busca de inovações no processo ensino cação. É de grande valor social, oferecendo inú-
– aprendizagem, onde o brincar livre, arte-educa- meras possibilidades educacionais, pois favore-
ção e a corporeidade, venham transcender como ce o desenvolvimento corporal, estimula a vida
psíquica e a inteligência, contribui para a adap-
área de conhecimentos, a concepção reducionis-
tação ao grupo, preparando a criança para viver
ta e instrumental que permeia a escola e outros em sociedade, participando e questionando os
ambientes educativos. pressupostos das relações sociais tais como es-
Percebemos no processo educacional que tão postos. (KISHIMOTO, 1996 p. 26).
cada vez mais as pessoas têm menos capacidade
1 A Salutogenese é um termo cunhado por Aaron Antonovsky
de adaptação, adoecem com celeridade, resistem (1987), para designar a busca das razões que levam alguém
a estar saudável. Esse conceito representou uma mudança
menos e cultivam sofrimentos (principalmente em
de  paradigma nas ciências da saúde, que até então busca-
tempos pandêmicos). Condição que vem atrapa- vam uma explicação apenas para a razão de alguém estar
doente (patogênese).
384 30
Na educação de uma criança ou de um adulto inteligibilidade, significância e manuseabilidade.

Marta Pereira Santos - Mônica Lemos Bitencourt


MEDIADORES DO BRINCAR: EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO SALUTAR NA EDUCAÇÃO
em formação, é possível primar em favorecer o É perceptível que estas apresentam um parale-
sentido de coerência, decisivo para esse potencial lismo claro com a proposta de integralidade que
de saúde. Para isso, é preciso estabelecer limites trazemos: pensar (inteligibilidade – ter consciên-
de acordo com a fase de vida que se encontram, cia de si e do mundo), sentir (significância – re-
assim como, é decisivo o exemplo dado pelo for- lacionar-se consigo e com o mundo) e fazer/agir
mador. No processo formacional os parceiros são (manuseabilidade – está atuante a partir de si no
importantes, quando atentos, podem auxiliar a as- mundo) tudo isso permeado pelo ritmo natural
sumirem os desafios, lidando com eles, abrindo que rege a vida e nossas relações, a expansão e
possibilidades de supera-los. a contração.
O professor ou qualquer adulto que esteja junto Nosso ritmo corporal físico é todo permeado
às crianças, é uma valiosa referência que poderá por um movimento continuo de ação expansiva,
trabalhar para consolidar o sentido de coerência de troca externa, alargamento, extroversão, movi-
em relação a si próprio e ao mundo. Encontrar sen- mento e, de ação de contração, de troca interna,
tido no processo de construção de conhecimentos compressão, introspecção, pausa. Vemos isso no
possibilita transformar a nefasta cultura, de ir à es- funcionamento de todo nosso corpo físico, princi-
cola para tirar notas ou conseguir um diploma. palmente nos sistemas cardíacos e respiratórios,
os quais tem a função constante de manter essa
Educar é também humanizar, ou seja, auxiliar
mudanças pessoais para o desenvolvimento de troca – interno/externo, eu/mundo, inspira /expira
qualidades humanas específicas, que impulsio- – mantendo o fluxo de vida.
nem o crescimento pessoal e social, a amplifi- Assim também, utilizamos esses ritmos nas
cação da consciência crítica e mudanças com- vivencias sociais, com experiências de expansão
portamentais. Pode e deve ocorrer de maneira
- voltadas para o outro, em nossos contextos coti-
formal e informal em um processo multidimen-
sional complexo (GARCIA, 2017, P.98). dianos, e quando realizamos uma ação direta de
atuação no mundo. Nos ritmos internos desenvol-
Apoiamos nossas praticas nos saberes da vemos as experiências conosco, com nosso mun-
aprendizagem significante de Rogers (1973) e na do interno e realizamos ações diretas voltadas a
Pedagogia Waldorf (Steiner, 2013 e Bach Júnior, nós mesmos (práticas de autocuidado).
2012), quanto a integração entre ações rítmicas
O ritmo é uma lei universal. Ele mantém as coisas
e vivências do pensar, sentir e fazer na integra-
funcionando após serem criadas: no Universo e
lidade do ser. O senso de coerência, citado an- no homem. Tudo o que expressa ordem possui
teriormente, é composto por três características: em si princípios rítmicos. (...) o ritmo é a garantia
385 30
de que algo terá não só continuidade, mas evolu- enquanto sujeitos biopsicossociais e espirituais,

Marta Pereira Santos - Mônica Lemos Bitencourt


MEDIADORES DO BRINCAR: EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO SALUTAR NA EDUCAÇÃO
ção. (GIMAEL e CREPALDI, 2013, p. 20) há nessa experiencia uma vivencia própria de
A sociedade por si é caracterizada pela preparação para vida. Como afirma Steiner,
dinamicidade, pela mudança, que mescla com a Aquilo que a seriedade posterior da vida exige,
tradição e até com a rigidez, sendo esta última ge- e que também entrelaça ao trabalho, é pratica-
radora de adoecimento assim como a dificulda- do pela criança no brincar (...), mas num brincar
que para ela é, antes de mais nada, cheio de
de instalada de não saber lidar com o ambiente
seriedade. E a diferença entre a brincadeira da
que está continuamente mudando. Neste con- criança e o trabalho da vida consiste pura e sim-
texto a educação tem um papel fundamental em plesmente em que, no trabalho da vida, conside-
promover experiências rítmicas que nos levem a ra-se primeiro o ajuste às conveniências exterio-
aprender a aprender, o que nos torna mais aptos res do mundo – com o trabalho temos de entre-
gar-nos às necessidades do mundo exterior. Já
a nos adaptarmos e mudar, fontes geradoras de
a criança quer converter em atividade aquilo que
saúde (senso de coerência). A arte ensina que é se desenvolve partindo de sua própria natureza,
possível transformar continuamente a existência, de sua própria vida humana. A brincadeira atua
buscando novas referências. Criar e conhecer, de dentro para fora; o trabalho atua de fora para
requer flexibilidade como condição fundamental dentro (STEINER, 2013, p 74).
para aprender. (BARBOSA, 2002) Entendendo-nos como seres ricos de possibi-
Segundo Carl Rogers (1961), nós seres huma- lidades, perpassando pela natureza estruturante
nos somos racionais, socializados, progressivos, do brincar, chegamos ao conceito de aprendiza-
relacionais, ativos e construtivos, todos nasce- gem significante que, para Rogers (1973), é uma
mos com uma tendência de realização que, se potencialidade natural do ser humano e acontece
na infância não nos for “retirada”, pode resultar quando provoca alguma modificação na pessoa
em uma pessoa integral, ou seja, aberta a novas que a vivencia, para além da mera acumulação
experiências, reflexivas, espontâneas e que valo- ou ampliação de conhecimentos conceituais. O
rize a si e aos outros. Quando não, pode torna-se aprendizado dessa maneira, desperta a compre-
uma pessoa não adaptada com traços opostos, ensão de que somos integrais, utilizando todas as
demonstrando ser fechada, rígida e desmerece- nossas capacidades.
dora de si mesma e dos outros.  Nesse sentido, a aprendizagem envolve a pes-
Juntando a essa perspectiva, vemos o poten- soa inteira do aprendiz (sentir, pensar e fazer) o
cial do brincar na infância e para toda vida, en- que a torna mais duradoura e penetrante. Além
quanto construtor e fortalecedor dessa tendencia disso, promove o aprender a ser aprendiz em
à realização. Brincando seguimos nos formando
386 30
suas potencialidades, isto é, ser independente, Assim, a proposta de pratica pedagógica no

Marta Pereira Santos - Mônica Lemos Bitencourt


MEDIADORES DO BRINCAR: EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO SALUTAR NA EDUCAÇÃO
criativo e autoconfiante, aspectos que são mais projeto, segue exercitando metodologicamente um
facilitados quando a autocrítica, autoavaliação e planejamento voltado a permitir a concretização do
a retro avaliação são exercitadas como base. A exercício da autoeducação e a nos percebemos na
avaliação realizada por outros pessoas, tem im- construção de uma ação autocrítica, que também
portância secundária, agindo muito mais como re- é própria do processo de promoção da aprendiza-
ferência para a anterior, do que como um fim em gem significante, como explicitado anteriormente.
si mesmo (ROGERS, 1973).  Na autocrítica temos um olhar pra si cada vez
A aprendizagem significante vem se juntando mais consciente, permitindo observar as limita-
em nosso projeto com a perspectiva de Steiner ções a serem lidadas e/ou superadas nos aspec-
(2013) ao afirmar que toda educação é antes de tos cognitivos, afetivos e volitivos. Proporcionan-
tudo autoeducação, sendo o professor - ambien- do assim, uma atenção às estratégias efetivas em
te e instrumento que faz o aluno se conhecer e mim e nos demais com quem convivo durante a
construir seu processo educativo. Como afirma o experiência educativa, tendo ênfase no processo,
professor Bach Júnior, não apenas nos resultados finais.
Ensinar, na Pedagogia Waldorf, tem por orien-
tação a busca individual por uma identidade A FORMAÇÃO DO MEDIADOR DO BRINCAR
sempre em construção no ato pedagógico. Este
ideal não encontra comparação em qualquer en- Organizamos o trabalho com práticas median-
tendimento que espera por uma formatação ou te duas vertentes: Laboratório permanente na
padronização da ação pedagógica. Assim, a au- formação de professores - ensino, pesquisa e ex-
tenticidade da Pedagogia Waldorf está imedia-
tensão e aprofundamento no Sujeito Lúdico e ar-
tamente relacionada com a individualidade que
aprende a ensinar. Ambos estão num eterno tístico (aquele que constrói conhecimentos como
começo quando se efetivam no aqui e agora do SER inteiro e criativo) - inovação.
contexto escolar. Não existe individualidade que Apoiamos o estudo vivencial em áreas do co-
se realize fora das relações sociais. A realização nhecimento (ainda incompreendidas na escola e
depende da dinâmica interativa. O conteúdo de
em outros espaços educativos), como Ludicida-
ensino é previamente preparado como suporte
dentro do espectro individual. Sua efetivação de, Arte e Corporeidade. Elegendo-as como áre-
no ato pedagógico é tanto mais perfeita quanto as inerentes a todo ser humano e para todas as
mais vivificado pela intensidade interacional... idades. Na formação de mediadores do brincar,
(Bach Júnior, 2012, p. 215). estimulamos aprendizagens dialógicas desper-
tando o protagonismo, favorecendo um olhar para
387 30
as potencialidades criativas e lúdicas, sempre Desenvolvemos nosso ritmo através dos ele-

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atentas as questões sociais, seguindo para um mentos pedagógicos definidos nos encontros
conhecimento além do cognitivo. Despertando e formativos e deliberativos entre a coordenação e
desenvolvendo o que denominamos sujeito lúdi- a equipe de monitoria e professoras, que acon-
co e artístico (ser inteiro - físico, emocional, cogni- tecem semanalmente. Nos encontros, desenvol-
tivo, sociocultural e psicoespiritual). vemos atividades com ritmos de expansão volta-
Desenvolvemos a pesquisa na perspectiva dos as trocas eu/mundo e de contração ligados
multirreferencial (ARDOINO, 1998), onde os su- as trocas internas, promovendo vivencias que
jeitos em formação exercitam a autoria trazendo nos mantenham em contato com o ritmo natural
uma visão plural registrando no processo suas gerador de saúde. No laboratório permanente
impressões, emoções, desejos, fazeres, apren- na formação de professores priorizamos ativida-
dizagens e questionamentos, refletindo sobre des de expansão, onde vivenciamos: bate papo
diferentes temas. Utilizamos como instrumento informal, momento lúdico com muitas brincadei-
de pesquisa a observação participante, diário de ras, mediado por um ou mais sujeitos participan-
campo, fotografias e vídeos; tes, interpretação da produção grupal, brains-
O grupo atual (existe sempre uma grande ro- torming, criações compartilhadas, orientamos o
tatividade de pessoas), está constituído com duas plano de ação, trocamos experiências, refletimos
professoras responsáveis e coordenadoras peda- as ações da brinquedoteca,  realizamos oficinas,
gógicas de áreas diferentes - arte- educação e psi- palestras, fazemos visitas externas ( antes da
cologia, catorze monitores (sendo dois bolsistas), pandemia da covd-19) e convidamos diferentes
duas professoras do ensino superior e uma técnica. profissionais para construir conhecimentos dire-
A pratica formativa aqui desenvolvida, está cionados para os eixos elencados.
embasada nos princípios voltados a uma educa-
ção salutar conforme apresentamos no tópico an-
terior. Nessa perspectiva, considera-se o apren-
diz como individualidade, único e diferente dos
outros. A apropriação do seu aprendizado de for-
ma significativa acontece quando este envolve-se
como um todo na experiencia. Consideramos que
a aprendizagem fica melhor se for participativa,
na qual o aprendiz decide, move seus próprios
recursos e assume a responsabilidade pela cons-
Figura 1 – momento lúdico e troca de experiencia com profissionais
trução do seu conhecimento. da Pedagogia Waldorf.
388 30
No processo de inovação aprofundamos no Su- CONSIDERAÇÕES FINAIS

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jeito Lúdico e artístico com as atividades de con-
tração realizando leituras do texto de abertura dos Podemos afirmar a partir de nossas reflexões,
encontros voltado ao alinhamento grupal, estudos que as atividades de ensino, extensão, pesquisa
dirigidos sobre temáticas selecionadas, acompa- e inovação constituem experiências importantes
nhamento e orientação das produções em grupo para a formação profissional permitindo a práxis
ou individuais, exercícios de respiração, alonga- necessária para se adquirir e exercitar habilidade
mentos, meditação e autoavaliação.  Estamos e competências. Nossos resultados nos permitem
sempre reavaliando o processo em grupo e nas perceber o enriquecimento da experiência discen-
coordenações. Atualmente desenvolvemos um te em termos teóricos e metodológicos quando in-
cronograma mensal com atividades remotas seridos em práticas de atuação social, seja pela
como: encontros formativos e deliberativos, lives ampliação do universo de referência, por meio
formativas, contação de histórias, culinária, cria- dos estudos teóricos realizados, no contato direto
mos vídeos com diversas temáticas, o brincar em com questões práticas do seu fazer profissional,
tela e ateliês brincantes com as mãos. Ações que na reflexão sobre assuntos diversos que surgem
são viabilizadas pelas redes sociais: @brinque- dos fenômenos vivenciados ou, simplesmente,
doteca_cora_coralina, @projetoludarte e platafor- por constatar o resultado do seu fazer para a
mas interativas. transformação social.
Nos desafios para realização dessa proposta
de formação, fica perceptível que o primeiro pas-
so está em nós formadores exercitarmos todas
essas experiencias em nosso fazer junto aos su-
jeitos em formação. É imprescindível que temos
que abrir mão de querer formar pessoas para
serem o que somos e com base apenas no que
confirma nossas crenças pessoais, é caminhar
seguindo na mediação em lidar com a liberdade
de cada um ser o que se é, experiencia que viven-
ciamos espontaneamente no brincar.
Figura 2 – Brincar em tela
Notadamente percebemos que uma formação
salutar para os mediadores do brincar é condição
imprescindível na educação, entendendo que o
389 30
ser saudável busca encontrar integração consigo Educação, do Setor de Educação, da Universidade

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MEDIADORES DO BRINCAR: EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO SALUTAR NA EDUCAÇÃO
mesmo através do alinhamento do sujeito lúdico Federal do Paraná. Curitiba, 2012.
e artístico. Acreditamos que esta pratica pedagó-
GARCIA DA COSTA, Elaine Marasca. Pedagogia Wal-
gica pode ser aplicada junto a todos os grupos
dorf e Salutogênese: o ensino como fonte de saúde.
que desejam se tornar ou aprimorar sua ação na Utopía y Praxis Latinoamericana, 2017, vol. 22,
mediação do brincar. Salientamos que os media- núm. 79, October-December, ISSN: 1315-5216 2477-
dores deste processo formativo precisam seguir 955 Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.
atentos na promoção dos princípios apresentados oa?id=27956721008
aqui, desde o planejamento.
GIMAEL, Patricia S. e CREPALDI, Selma de A. Infân-
Entendemos nesse percurso que mediar o
cia Vivenciada. São Paulo: Paulinas, 2013.
brincar enquanto adulto é, antes de tudo, entrar
em contato com seu Eu brincante, aquele que KICHIMOTO, Tizuko Morchida Jogo, brinquedo, brin-
mesmo em privações, possíveis de acontecerem cadeira e a educação. SP: Cortez, 1996.
na vida, sempre está conosco pronto para brincar.
Nossa estrutura formativa passa em despertar, no ROGERS, C.R. Torna-se Pessoa (1961). São Paulo:
Martins Fontes, 2 ed. Brasileira, abril 1987. trad. Ma-
adulto, essa força através do que seguimos no-
nuel José do C. Ferreira.  
meando de sujeito Lúdico e Artístico.
ROGERS, C.R., Liberdade para aprender. Belo Hori-
REFERÊNCIAS zonte: Interlivros, 1973. 

ANTONOVSKY, Aaron. Unraveling the mystery of STEINER, Rudolf. A pratica pedagógica: segundo
health: how people manage stress and stay well. San o conhecimento cientifico-espiritual do homem. 2 ed.
Francisco: Jossey-Bass, 1987. São Paulo: Antroposófica, 2013.

ARDOINO, Jacques. Abordagem multirreferencial (plu-


ral) das situações educativas e formativas. In: BARBO-
SA, Joaquim Gonçalves (Org.). Multirreferencialida-
de nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFS-
Car, 1998.

BACH JÚNIOR, Jonas. A pedagogia Waldorf como


educação para a liberdade: reflexões a partir de um
possível diálogo entre Paulo Freire e Rudolf Steiner.
Tese apresentada Programa de Pós-Graduação em
390

INTRODUÇÃO

Ao longo de minha jornada profissional, como


especialista na área do Brincar, trabalhei na im-
plantação de Brinquedotecas de diversos tipos,
à partir dos estudos realizados com a pedagoga
Nylse Cunha, criadora das Brinquedotecas, minha
maior referência em educação. Em cada local tra-
balhado, utilizei histórias e arte para me comunicar
com crianças e seus familiares, experiências es-
tas que me deram a primeira graduação em artes
plásticas. Especialmente nos trabalhos realizados
em hospitais, as histórias contadas precisavam ser
devidamente escolhidas, de forma que seus perso-
nagens pudessem se transformar em aliados dos
pacientes e visitantes, abreviando o tempo de in-
ternação e aumentando o bem apesar da situação.
CAPÍTULO 31 Identifiquei a necessidade do cuidado com a
escolha das histórias, recursos expressivos utili-
zados e linguagens brincantes para a dramatiza-

O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS ção. Isto também ocorreu em escolas e em inter-


venções artísticas, na mediação das mensagens

DA EMÍLIA E A JORNADA e valores intrínsecos contidos nas narrativas. Por


este motivo, estudei arteterapia Junguiana. Nes-
DO HERÓI sa perspectiva, a função da atividade artística é
mediar a produção de símbolos do inconsciente,
e apreender conceitos fundamentais para este
Sílvia Cristina Varella Queiroz
trabalho tais como: significado do inconsciente
coletivo, arquétipos, sombras, self, entre outros.
A força de um personagem pode tornar um in-
divíduo, muitas vezes, um verdadeiro herói. Mas,
o que é, de fato, um herói? O herói é aquele que
391 31
vence as etapas e chega ao pico, e ainda se per- Estes e outros personagens do autor, também

Sílvia Cristina Varella Queiroz


O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JORNADA DO HERÓI
mite acrescentar algo para o desenvolvimento da personagens do folclore brasileiro, convidam o pú-
humanidade e, consequentemente, sua evolu- blico a desfrutar de sua vida bucólica, com a pleni-
ção. Segundo Carol Pearson, “Todo aquele que tude da natureza e a inventividade, elementos im-
empreende uma jornada já é um herói”. (PEAR- portantes para a transformação pessoal. É através
SON, Carol S. O despertar do herói interior, ano das aventuras, brincadeiras e reinações que os
de edição, p. 19). valores éticos, culturais, comportamentais e espiri-
Referindo-me as histórias, me aprofundei na tuais vão se instalando. Desta forma, o significado
obra literária de Monteiro Lobato, e com asserti- dos personagens é fundamental e complementar
vo repertório das histórias originais, pude dialogar o resgate de si mesmo e a idealização de que que
com várias pessoas, utilizando a imagem arquetí- todos somos heróis nesta jornada.
pica da Emília, que tem personalidade peculiar e
vestimenta compatível a sua persona de boneca, JUSTIFICATIVA
alter ego do escritor Monteiro Lobato. Nela perce-
bi o quanto podia colaborar com a evolução das A ideia central deste relato é possibilitar a com-
pessoas, já que a própria personagem personifi- preensão de sua própria trajetória, identificada
cada por mim, também viveu seu amadurecimen- como Jornada, ajudar os indivíduos a se aceita-
to, sem perder o encantamento genuíno e lúdico rem tal como são, e não como poderiam ser par-
da personagem, sua essência. O mote do meu tindo de pontos chave das suas próprias histórias,
trabalho consiste em: “Evolua com a Emília!” vivendo adversidades ou surpresas da vida com
Na dinâmica dos personagens de Monteiro Lo- mais naturalidade, tendo sempre em mente seus
bato, o pai da literatura Infantil brasileira e criador objetivos e, no momento oportuno, o herói retor-
do Sitio do Pica-pau Amarelo, homem visionário na para compartilhar seu aprendizado com a hu-
para sua época, escritor de obras infantis e adul- manidade, ou seja, o indivíduo sai da banalidade,
tas, preocupado com o Brasil e com a capacida- busca o sagrado, encontra sua identidade e ainda
de imaginativa dos leitores, comprovou que uma volta fortalecido para uma nova aventura, tendo
boneca de pano ou um sabugo de milho, são in- sempre em mente seus chamamos aqui de ciclos.
completos como forma, porém com criatividade. Para evidenciar esta trajetória, utiliza-se frases
A boneca de pano, com 100 anos de existência, inspiradoras de Lobato e trechos inspiradores e
criada em 1920 permite às crianças novas perso- cheios de ação contextuados em sua obra, obje-
nalizações, muito mais ricas que os brinquedos tivando mostrar, que a vida tem algo a nos dizer;
acabados. Ambos estimulam a fantasia infantil. não é o Caos, e sim o Cosmos. Jamais os perso-
392 31
nagens poderiam deixar de existir, quando estes Etapa 3: O retorno: O Governante – O Mago –

Sílvia Cristina Varella Queiroz


O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JORNADA DO HERÓI
podem trazer alegria e esperança às pessoas. O Sábio – O Bobo
Esta é minha meta na construção inconsciente
dos insigths que emergem a cada desafio vivido Para a releitura, definição e escolhas das ima-
pelo personagem, por exemplo, e seus atos heroi- gens, dos personagens do Sitio do Pica-pau Ama-
cos. Se os personagens conseguem resolver con- relo e de outros do folclore brasileiro, estudei e
flitos, nós, humanos também temos a capacidade pesquisei profundamente cada um deles e trans-
de solucioná-los! miti para o ilustrador Ricardo Howard que desen-
Os arquétipos têm suas características pró- volveu ícones das imagens arquetípicas e apre-
prias, não só no sentido das qualidades, mas tam- sentou como resultado as imagens do quadro 1,
bém de suas sombras, muitas vezes registradas agora incluídas no meu acervo de autoria pessoal.
em nosso inconsciente coletivo. O inconsciente
Quadro 1
está além do que registramos na mente ou das
influências cósmicas, climáticas, ou seja, é o que SITIO DO PICA-PAU AMARELO E DE OUTROS DO FOL-
CLORE BRASILEIRO: IMAGENS ARQUETÍPICAS
se desconhece, mas atua sobre o indivíduo.
PERFIL DOS PERSONAGENS IMAGENS
Para se criar os “Arquétipos da Emília”, foi uti- DO SITIO DO PICA-PAU ARQUETÍPICAS
lizado o conhecimento literário da autora em con- O Inocente = Personagem = Flor das
sonância com as fundamentações publicadas Pela Alturas – Anjinho
autora Carol Pearson, através de uma releitura das Flor das Alturas = Flor das Alturas é
o nome do anjinho da asa quebrada,
3 etapas elaboradas por ela, para compreender
que  desceu no  Sítio do Pica-Pau
os arquétipos que contribuem para o desenvolvi- Amarelo, caído de uma cauda de
mento da psique, embora ela deixe claro que não cometa, num tempo que Pedrinho,
Visconde, Emília e tia Nastácia reali-
existem, necessariamente, apenas os 12 arquéti- zaram uma Viagem ao Céu, nome de
pos oriundos das pesquisas de Carl Gustav Jung, um livro, por sinal.
considerados os mais comuns, nem precisam es- O Órfão = Personagem =Narizinho

tar nesta ordem sequencial e também podem ser Narizinho = Narizinho é uma per-
sonagem fictícia da obra Sítio do
encontrados com outros nomes, sendo: Picapau Amarelo de Monteiro Lo-
bato, criado em 1920 no livro da A
Menina do Narizinho Arrebitado.
Etapa 1: A preparação: O Inocente – O Órfão Chama-se Lúcia, tem 7 anos, mas é
– O Guerreiro – O Caridoso conhecida mesmo como Narizinho, e
ganhou esse apelido por conta de seu
Etapa 2: A Jornada do Herói: O Explorador – O
nariz arrebitado. Mora com sua vovó
Destruidor – O Amante – O Criador e tia Nastácia no Sitio.
393 31

Sílvia Cristina Varella Queiroz


O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JORNADA DO HERÓI
O Guerreiro = Personagem = Pedrinho
Pedrinho = Pedrinho é um persona- O Amante = Personagem = Iara
gem fictício das obras de Monteiro
Iara = Iara, Uiara ou Mãe-d’água é,
Lobato, criado em 1920 no livro A
segundo o folclore brasileiro, uma
Menina do Narizinho Arrebitado, tem
linda sereia que vive no rio Amazo-
10 anos e gosta de aventuras, é estu-
nas. Sua pele é parda, possui longos
dante e mora com sua mãe Antonica,
cabelos verdes e olhos castanhos.
em São Paulo. Suas férias são emocio-
nantes no Sitio do Picapau Amarelo,
com sua vovó e prima.
O Criador = Personagem = Emília

O Caridoso = Personagem = Tia Emília = Emília é uma das princi-


Nastácia pais personagens da obra infantil de
Monteiro Lobato, do Sítio do Pica-
Tia Nastácia = Tia Nastácia é uma -pau Amarelo, boneca de pano feita
personagem da obra de Monteiro Lo- pela tia Nastácia para a menina Na-
bato, exímia cozinheira e muito habi- rizinho, tagarela, justa e irreverente.
lidosa. Foi de suas mãos de fada que
surgiu a boneca Emília.

O Explorador = Personagem = Curupira O Governante = Personagem = Vovó


Benta
Curupira = Curupira é uma figu-
ra do folclore brasileiro. Ele é uma Vovó Benta = Dona Benta Encerra-
entidade das matas, um moleque de bodes de Oliveira é uma personagem
cabelos compridos e vermelhos, cuja da obra Sítio do Pica-pau Amarelo
característica principal são os pés vi- de Monteiro Lobato, é a vovó das
rados para trás. crianças e governante do Sitio do Pi-
ca-pau.

O Destruidor = Personagem = Cuca O Mago = Personagem = Visconde


Cuca = A Cuca é um dos principais de Sabugosa
seres mitológicos do folclore brasi- Visconde de Sabugosa = Visconde
leiro. Ela é conhecida popularmente de Sabugosa é um personagem do Sí-
como uma bruxa que rapta crianças e tio do Pica-Pau Amarelo, criado por
que pode ter a forma de uma velha ou Monteiro Lobato, um sabugo de mi-
de uma feiticeira com cabeça de jacaré. lho, sábio, amante dos livros.
394 31
É sempre útil repetir a célebre frase da peda-

Sílvia Cristina Varella Queiroz


O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JORNADA DO HERÓI
O Sábio = Personagem = Tio Barnabé goga Nylse Cunha (em memória), para justificar a
Tio Barnabé = Ele é um homem da importância do brincar: “Brincar “Brincar é coisa
roça, que mora nas propriedades de
Dona Benta com o consentimento da Séria”! Conforme se lê no livro O direito de brin-
boa senhora, onde ajuda nas diversas car: a brinquedoteca”, de Friedmann, Adriana e
tarefas do  sítio. Um negro velho que
vive fumando cachimbo e sabe tudo so-
Cunha Nylse, São Paulo: Scritta/Abrinq, 1992,
bre a floresta, o folclore e superstições. p.26: “a brincadeira constitui-se basicamente, em
um sistema que integra a vida social das crianças”.
O Bobo = Personagem = Saci Ressalto a importância de associar ao Brincar, a
Saci = O Saci-pererê, ou simplesmen-
recente formação em Arquétipos pela metodolo-
te saci, é um menino negro e traves- gia - O jogo da Vida – de Nickson Gabriel, com o
so, que fuma cachimbo e carrega uma
conhecimento do Jogo de autoconhecimento de
carapuça vermelha que lhe concede
poderes mágicos. Uma das importan- Maha Lilah, que será mencionado a posteriori.
tes características desse personagem é Esta metodologia, bem como a prática expe-
que ele possui apenas uma perna.
rienciada com crianças, adultos, professores, pais
cuidadores e todos interessados no processo de
A partir destas imagens arquetípicas, o facilita- evolução cognitiva, além dos especialistas em arte
dor da atividade, neste caso, a autora, pode contar terapia, contribuem com o objetivo deste trabalho
e recontar histórias que situem determinado arqué- no autodesenvolvimento pessoal, a partir desta
tipo no ponto de sua trajetória, além de proporcio- brincante atividade, que seguirá exemplos de sua
nar a contemplação das imagens e o que elas po- aplicabilidade na sequência deste relatório.
dem significar enquanto cenário e objetos pontuais
na caracterização das personagens, vestimentas, METODOLOGIA
adereços e outros. É importante perceber que tudo
faz parte da história. Por exemplo, o capuz do Saci A temática utiliza técnicas de autodesenvolvi-
que não está inteiramente vermelho, detalhe co- mento e brincar, teatro e arte terapias e cursos,
mum na história, mesmo na última etapa da Jor- considerando seu público-alvo. Pode ser apre-
nada, com o ciclo fechando, ele ainda tem algo a sentada de forma presencial ou adaptada ao
aprender. Isto só será possível, no novo ciclo que novo cenário analógico e digital, utilizando estas
iniciar. Os arquétipos são orientações para o pú- técnicas acompanhadas pelos pelos arquétipos
blico; enquanto os personagens são mensageiros dos personagens. As versões utilizadas na práti-
das histórias que justificam a Jornada do Herói. ca até então, foram:
395 31
• Intervenções artísticas diversas ao lon- baú, onde estão os “escritos da Emília”, as

Sílvia Cristina Varella Queiroz


O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JORNADA DO HERÓI
go de 24 anos, com a personagem Emília imagens arquetípicas impressas, para con-
representada pela autora e outros perso- textualizar o significado de cada uma de-
nagens representados por outros atores, las, após o sorteio coletivo de uma carta;
relacionados à obra literária do escritor • As evidências aconteceram no ano de
Monteiro Lobato, em estruturas de teatro 2021, em 4 de maio, no SIEEESP (Sindica-
– educação e entretenimento - para crian- to dos Estabelecimentos de Ensino Comer-
ças, muitas vezes com a presença de adul- cial no Estado de São Paulo) e outra apre-
tos, familiares ou professores, por todo o sentação na data de 23 de maio do mesmo
Brasil, cujo resultado pode ser avaliado ano, em Live aberta para o 10º Brincar, na
como altamente positivo, considerando as UFC (Universidade Federal do Ceará).
reações e os diálogos entre o público e os • No caso do curso do SIEEESP, a avalia-
personagens ao final de cada sessão; ção foi feita online com o público inscrito
• Live Aberta de divulgação para o Curso presente, e o resultado foi positivo, tendo
Online de duas horas, com o formato de recebido as explanações dos alunos, com
uma linguagem de *Vivência Criativa*, um resultados práticos que poderão inserir em
Mergulho no reino das Águas Claras, faci- suas aulas, também lembranças e saudo-
litado pela autora (personagem Emília), e sismos à época em que a história passava
pelo ator e mímico Wagner Cavalleiro que na televisão, versão datada de 1978;
representa diversos personagens na lin- • Live aberta com duração de 1 hora na data
guagem da mímica, além de contracenar de 29 de maio 2021, com a presença exclu-
com com a boneca Emília, desde a partida siva da personagem Emília, no 4ª Encontro
do Sitio do Picapau Amarelo e mergulho no Científico do Dia Internacional do brincar,
inconsciente coletivo, proposta da vivência, promovido pelo Instituto Nexos, nas datas
ou seja, rumo as profundezas do Reino das de 27, 28 e 29 de maio, com a presença
Águas Claras, na hipotética e imaginária de diversos profissionais especializados da
vivência de alguns desafios e armadilhas área, onde a personagem Emília vai contar
pré-planejados como um plano de aula ro- micro histórias dos personagens represen-
teirizado. Desta forma, os alunos-público, tados nas 12 imagens arquetípicas, cada
depararam-se com os personagens (ima- história mostrará um ciclo da jornada de
gens arquetípicas) e, ao final, em busca de Herói do referido arquétipo;
um tesouro perdido, eis que encontram um • Divulgação de produtos sublimados Escul-
396 31
pindo Arte, empresa da autora, que estão Posts de divulgação:

Sílvia Cristina Varella Queiroz


O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JORNADA DO HERÓI
sendo comercializados através da plata-
forma Shopee, em link divulgado na rede
social instagram: https://www.instagram.
com/silviavqueiroz/
• Aplicação das imagens arquetípicas em
treinamentos online de jovens aprendizes
e aspirantes ao mercado de trabalho, nes-
te caso, sem a exposição da personagem
Emília, feito pela autora com temas rela-
cionados a cidadania, variação linguística,
técnicas de apresentação dentre outros,
inserindo a construção da Persona dos
jovens com a metodologia dos arquétipos
da Instituição *O Jogo da Vida* – trabalho
este realizado em empresa seguradora do
estado de São Paulo – que tem como re-
ferência a amostragem da construção do
projeto da autora – Arquétipos da Emília
- que serve como base para o desenvol-
vimento pessoal e estudo, bem como no
incentivo à pesquisa dos alunos.
• Utilização das imagens arquetípicas - Ar-
quétipos da Emília - na construção de ce-
nas individuais em curso presencial, extra-
curricular, teatro & autoconhecimento, mi- É possível afirmar que não existe um limite de
nistrado pela autora-professora, a grupos público atingido porque, supostamente, são even-
de alunos do ensino fundamental 2 e ensi- tos pontuais presenciais ou online, mas ao longo
no médio de escola particular do estado de destes 24 anos, certamente já obtive resultados
São Paulo. memoráveis.
Como dito anteriormente, a pesquisa está em
andamento e muitas possibilidades novas pode-
397 31
rão ser inseridas na proposta, de acordo com as a felicidade e a harmonia em sua jornada da vida,

Sílvia Cristina Varella Queiroz


O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JORNADA DO HERÓI
demandas que surgirem. considerando-a como um mérito e não demérito, ou
Na proposta de autoconhecimento, os perso- seja, graças a tudo o que foi vivido e feito, o indi-
nagens são importantes para a leitura ou iden- víduo está apto a recomeçar um novo ciclo, numa
tificação de características similares entre as nova Jornada do Herói, para que se processe a sua
crianças, professores ou adultos, pois leva os evolução. A ideia é entender as crises como possi-
participantes a se apropriarem das imagens ar- bilidades de crescimento e agradecer as maravilhas
quetípicas e simbólicas que poderão permitir a vividas com as pessoas em torno e contemplar a
reconstrução de hábitos, atitudes e aprimoramen- natureza, em busca de harmonia e equilíbrio.
tos, pois é na infância que os personagens são Por fim, concluir que podemos somar com as
essenciais na fixação de valores e no processo pessoas para melhor conduzir nossas vidas, cons-
de individuação. Brincar e representar é saudável cientizando-nos da gratidão pela oportunidade de
e deve ser estimulado desde a primeira infância. viver. Este jogo simbólico, permite que você se co-
Os arquétipos são guias orientativos com base nheça profundamente e, com seu self ativado irá
nos preceitos de Carl Gustav Yung e na “Jornada compreender a impermanência das coisas e das
do Herói”, pesquisada por Joseph Campbell para situações, concluindo que sempre existe a possi-
servir de apoio à transformação do ser humano. bilidade de recomeçar. Cada um tem um caminho
Por isto, é recomendada a pesquisa e o aprofun- e cada um enxerga por um ângulo, mas podemos
damento do tema com estes autores, também na ampliar esta visão utilizando o lúdico como agen-
de Carol S. Pearson, na obra “O Despertar do te transformador, para acionar as percepções dos
Herói Interior”. Cabe salientar que foi utilizada indivíduos na forma mais genuína do ser, através
a metodologia de “O Jogo da Vida”, de Nickson do afeto, elemento fundamental para esta interven-
Gabriel, https://www.instagram.com/ojogodavida/ ção. Recomendo estudos científicos diversos com
para aprofundar em estudos mais recentes de novas metodologias que acessem fraternalmente
Carol Pearson e Joseph Campbell. e sem julgamentos pessoais como forma de abo-
lir críticas às ferramentas existentes para buscar
CONCLUSÃO adaptá-las aos novos tempos, criando os comple-
mentos necessários para alcançar sinceramente
Com uma perspectiva de utilização com maior a essência genuína de cada ser, traduzida como
aproveitamento dos personagens para o desenvol- Amor, no caminho deste propósito!
vimento da auto percepção e desenvolvimento pes-
soal, concluo que os personagens são facilitadores “Para a treva só há um remédio, a luz.”
para dialogar com os conteúdos internos dos indiví- - Monteiro Lobato.
duos e possibilitar novas descobertas, objetivando
398 31
REFERÊNCIAS

Sílvia Cristina Varella Queiroz


O BRINCAR E OS ARQUÉTIPOS DA EMÍLIA E A JORNADA DO HERÓI
CAMPBELL, Joseph. O Herói de mil faces. Cultrix:
Pensamento, 1989.

CUNHA, Nylse Helena Silva; FRIEDMANN, Adriana et


al. O direito de brincar. São Paulo: Scritta/ABRINQ,
1992.

JUNG, Carl G. O Homem e seus símbolos. Rio de


Janeiro. Ed. Nova fronteira,1964.

MACHADO, Marina Marcondes. A Poética do Brin-


car. São Paulo. Ed. Loyola, 1998.

PAIN, Sara; JARREAU, Gladys. Teoria e Técnica da


arte terapia: a compreensão do sujeito. Porto Alegre:
Editora Artes Médicas, 1996.

PEARSON, Carol S. O despertar do Herói Interior.


Editora Pensamento Cultrix Ltda, 2020.

QUEIROZ, Sílvia Cristina Varella. A utilização de


recursos arte terapêuticos para pacientes depen-
dentes de assistência hospitalar em seu domicílio.
Universidade São Judas Tadeu, 2003.
399

INTRODUÇÃO

O adoecimento infantil é um fato que muda


toda a rotina da criança e dos seus familiares, e
a permanência no ambiente hospitalar ocasiona
medo, estresse e angústia. Isto, ocorre com a ne-
cessidade de permanecer por um longo período
de hospitalização para o tratamento de saúde. Os
inúmeros procedimentos invasivos, a quantidade
de profissionais que comparecem ao leito, a au-
sência dos familiares, amigos, escola, bichos de
estimação, e brinquedos causam uma experiên-
cia traumática à criança.
Uma forma de minimizar essa situação é por
meio da ludicidade - termo que tem origem na pa-
lavra latina “ludus”, que significa jogo ou brincar.
Isto é, a ludicidade não pode se restringir apenas
CAPÍTULO 32 aos jogos e brincadeiras, podendo ser qualquer
atividade que permita momentos de prazer, inte-
O BRINCAR NO AMBIENTE gração, divertimento, entre outros. Além de propor-
cionar acalento ao paciente, pode trazer benefícios
HOSPITALAR: RELATO DE ao tratamento e garantia ao direito do brincar.

EXPERIÊNCIA DOS BENEFÍCIOS Para Bacelar (2009) a ludicidade é interna ao


indivíduo. É o estado interno que se processa
DA LUDICIDADE PARA A enquanto o indivíduo realiza uma atividade lúdi-
ca. A atividade lúdica, como expressão externa,
CRIANÇA COM LONGO PERÍODO só será lúdica internamente se propiciar ao su-

DE HOSPITALIZAÇÃO jeito a sensação de plenitude, prazer, alegria. A


ludicidade, como experiência interna, integra as
Patrícia Lamounier Rêgo dimensões emocional, física e mental e, portan-
Wilka Lara da Silva Rocha to, é de relevância significativa para a vida em
Suely Nascimento de Lemos todas as suas fases.
400 32
A ludicidade como ferramenta pode proporcio- Este trabalho tem como base a pesquisa qua-

Patrícia Lamounier Rêgo - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
O BRINCAR NO AMBIENTE HOSPITALAR: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOS BENEFÍCIOS DA LUDICIDADE PARA A CRIANÇA COM LONGO ...
nar mudanças, principalmente no ambiente hos- litativa, do tipo relato de experiência. Foi utiliza-
pitalar, sendo um catalisador no tratamento da do como instrumento metodológico a observação
criança durante sua hospitalização. Neste sen- participativa e os registros internos dos momen-
tido, o ato de brincar proporciona recursos para tos de interação entre a paciente e a pedagoga.
elaborações afetivo-cognitivas que podem auxi-
liar na saúde psicológica da criança hospitaliza- BENEFÍCIOS DA LUDICIDADE NA HOSPI-
da. Esses benefícios se dão devido à modificação TALIZAÇÃO INFANTIL
do cotidiano e da rotina hospitalar, refletindo no
humor e na diminuição do estresse durante sua Devido a condição da paciente que se en-
estadia no local (ÂNGELO E VIEIRA, 2010) contrava no leito de isolamento em decorrência
Este trabalho tem o objetivo de relatar os be- do tratamento de saúde, não podia sair para na
nefícios da ludicidade para a criança com longo brinquedoteca da internação. De acordo com a
período de hospitalização. resolução nº41/95 dos Direitos da Criança e do
Entender que a alegria é uma sensação saudá- Adolescente Hospitalizados, toda criança tem o
vel, pois o sentimento de felicidade provoca a ma-
direito de usufruir de alguma forma de recreação
nifestação de potencialidades, desperta coragem
no ambiente hospitalar, por isso as brincadeiras
para enfrentar desafios e motivação para criar um
e brinquedos são essenciais e obrigatórios nesse
fator imprescindível para a operatividade. Com o
processo de hospitalização.
brincar as crianças e os adolescentes hospitaliza-
Percebendo a necessidade de brincar dessa
dos podem ter momentos mais alegres, o que é um
criança, foram oferecidos brinquedos no leito.
fator positivo para a recuperação (CUNHA, 2008).
Com o passar do tempo, os brinquedos estavam
voltando da mesma forma que eram entregues,
MÉTODO
ou seja, a paciente não tocava e nem se interes-
O trabalho foi realizado em um hospital público sava pelos brinquedos que estava recebendo.
pediátrico, na cidade de Brasília - DF, ao perce- Foi necessário antes de qualquer estratégia e/
ber a situação de uma paciente do sexo femini- ou planejamento estreitar a relação entre a pacien-
no, com 7 anos de idade, que devido à introdução te e a pedagoga, nos primeiros encontros, ocor-
de uma nova medicação experimental, teria um riam apenas conversas para entender quais eram
longo período de permanência. Isso se deu nos suas preferências, como era sua rotina fora do
meses de fevereiro, março e abril de 2021, diaria- hospital, além de buscar informações como: quais
mente no turno matutino. jogos gosta, o que gosta de fazer em casa, com
401 32
quem gosta de brincar e outros assuntos que fo- demonstrava mais alegria, interesse, dinamismo,

Patrícia Lamounier Rêgo - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
O BRINCAR NO AMBIENTE HOSPITALAR: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOS BENEFÍCIOS DA LUDICIDADE PARA A CRIANÇA COM LONGO ...
ram surgindo, porém, as respostas eram sucintas. comunicação, abordando sobre vários assuntos,
Com o tempo a paciente começou a abrir-se entre eles o gosto pelos animais, e em conhecer
ao diálogo e informou quais os seus principais in- novos jogos, porque gostava de aprender. Gos-
teresses com assuntos referentes a jogos, dese- tava de mostrar alguns vídeos que ensinavam
nhos favoritos, vídeos que ensinavam a desenhar como desenhar.
e outros. A partir daí a pedagoga elaborou uma Assim, o brincar funciona como um espaço de
estratégia para utilizar a ludicidade como princi- socialização e interação com outros indivíduos, per-
pal ferramenta para minimizar os efeitos negati- mitindo a criação de uma rede social e a possibilida-
vos que a internação estava causando à criança. de de sair do isolamento que a internação provoca.
Outro fator observado foi a condição física, emo- Tem grande importância na socialização da criança,
cional e educacional, bem como o espaço físico pois é brincando que o ser humano se torna apto a
que estava internada. viver numa ordem social e num mundo culturalmen-
Durante esses momentos de conversa, ofere- te simbólico (ÂNGELO E VIEIRA, 2010).
cia brinquedos e jogos, mas a paciente se mos- A partir do momento que tanto os pais quanto
trava sempre quieta, indisposta ou não estava à a equipe multiprofissional perceberam mudanças
vontade para conversar. Após muita insistência a positivas na condição física e emocional da pa-
paciente resolveu aceitar brincar, porém a brin- ciente, e que isso se deu com a inserção do brin-
cadeira não durava muito tempo, pois a paciente car no dia-a-dia da criança, ou seja, os momentos
logo sinalizava cansaço. de brincar acarretaram benefícios significativos
As semanas foram passando e a mãe da pa- no tratamento dessa paciente. E isto foi perceptí-
ciente comentou que percebia a filha mais dis- vel após a equipe multiprofissional avaliar a pos-
posta principalmente no período vespertino, sen- sibilidade de continuar o tratamento na sua casa,
do que a própria criança perguntava quando iria sendo que no início da internação não havia uma
brincar de novo, com a mãe ou com a pedagoga. previsão de alta hospitalar para a criança.
Um certo dia houve uma grande surpresa, É importante destacar que os jogos utilizados
pois, a criança estava arrumada usando uma tia- nas visitas foram estabelecidos conforme as solici-
ra na cabeça, usava batom, sombra nos olhos, tações da paciente, como: dominós (tradicional, das
entusiasmada e disse: “estou pronta para jogar, e sombras, frutas e verduras, dos animais), jogos da
eu vou ganhar tudo” e o mais importante ela esta- memória, Pizzaria Maluca, era seu preferido, Cara
va sentada na mesa e bem-disposta para iniciar a a Cara, Genius, Imitatrix, Batata Frita, quebra-cabe-
brincadeira. A partir daí, era nítido que a paciente ças com diferentes tamanhos e imagens.
402 32
mento adequado do processo e de acordo com

Patrícia Lamounier Rêgo - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
O BRINCAR NO AMBIENTE HOSPITALAR: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOS BENEFÍCIOS DA LUDICIDADE PARA A CRIANÇA COM LONGO ...
as necessidades e características do paciente.
O jogo nessa ocasião ofereceu oportunidade de
mais interação, tranquilidade e confiança de que
o tratamento estava dando certo, e foram muitos
relatos acerca da positividade que os momentos
de recreação estavam proporcionando.
Além dos jogos foram disponibilizados mate-
riais como massinha de modelar, balões, folhas
para desenhar, desenhos para colorir e outros que
ficavam à disposição para que fossem utilizados
conforme a vontade e criatividade da criança. As
massinhas de modelar com forminhas de animais
e criar desenhos eram seus momentos preferidos,
pois podia enfeitar o quarto com suas atividades.
Figura 1 – Jogos utilizados nas primeiras visitas com a paciente Assim, para Paula et al. (2007), os brinquedos
devem estimular a curiosidade, a imaginação, de-
Foi percebido que durante a brincadeira com senvolver as capacidades que as crianças podem
os jogos preferidos ela conseguia se abrir para apresentar e explorar seus sentidos.
falar das brincadeiras que mais gosta, das comi- Os jogos são recursos que despertam as fun-
das preferidas e situações vivenciadas no seu ções cognitivas colocando-as em atividade, pois
dia-a-dia. Por exemplo, ao brincar com o jogo de faz parte do jogo a competição, o ganhar e o per-
pizzaria maluca, ela confidencia que adora comer der, o obedecer às regras direcionadas. Podem
pizza, mas que apenas pode comer o que a mãe ser adaptados de acordo com a realidade social
faz. O tempo da brincadeira sempre era respeita- de cada indivíduo, o ambiente que se encontra
do a disposição e vontade pelo brincar da criança, e tem aqueles que se mantêm inalterados desde
caso se sentisse cansada a brincadeira era en- sua origem até os dias de hoje. Para Visca (1996),
cerrada e combinamos para o próximo dia. as operações exigidas nos jogos não são distintas
Weiis (2015) diz que o jogo é usado no traba- das requeridas na vida cotidiana e consequente-
lho terapêutico em diferentes situações, em di- mente das que se estimulam nos tratamentos, por
versas faixas etárias de pacientes, da criança ao isso que os jogos são tão úteis para o desenvolvi-
adulto ou idoso. O importante é o seu uso no mo- mento e a recuperação.
403 32
tivamente no tratamento de saúde, proporcionan-

Patrícia Lamounier Rêgo - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
O BRINCAR NO AMBIENTE HOSPITALAR: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOS BENEFÍCIOS DA LUDICIDADE PARA A CRIANÇA COM LONGO ...
do benefícios e mantendo o vínculo com a vida
que ocorre fora do hospital. Outros benefícios
estão relacionados ao desenvolvimento físico,
de habilidades e coordenação, além de propi-
ciar imaginação, criatividade, memória, identificar
suas emoções e assumir o ponto de vista do ou-
tro, entre outros pontos positivos.

CONCLUSÃO

O longo período de internação para a criança


pode ser um momento que ocasiona traumas,
sofrimentos e privações, pois, nesse período a
criança está impedida de viver no seu cotidiano
normal e saudável, sendo afastada do seu am-
Figura 2 - Paciente recebendo materiais para brincar no final de semana
biente familiar, escolar e principalmente do brin-
Os pais também foram envolvidos nos momen- car. Independente da condição física, emocional
tos de brincar, desde os jogos até nas atividades ou educacional da criança em tratamento de saú-
com materiais que foram oferecidos à criança. de, é fundamental que o brincar esteja presente
Eles também vivenciaram restrições, incertezas, no seu dia-a-dia. Sendo assim, é importante a
dúvidas e ansiedade. E a interação da família no presença do pedagogo no ambiente hospitalar
contexto do brincar, favorece no tratamento. Oli- para oferecer atividades lúdicas adequadas à re-
veira (2010) a interação estabelecida por meio de alidade da criança.
brincadeiras e jogos pode interferir positivamente A presença da ludicidade no tratamento de
em seu desenvolvimento saudável, motor, cogni- saúde facilita o trabalho da equipe multiprofis-
tivo e afetivo, além de possibilitar a aproximação sional e isto foi possível confirmar durante os
de todos os envolvidos no processo, contribuindo, depoimentos dos fisioterapeutas, psicólogos,
assim, para a humanização e o enriquecimento terapeutas ocupacionais, enfermeiros e médi-
do ambiente hospitalar. cos, já que foi nítido a mudança no comporta-
Por isso, todos os jogos e materiais utilizados mental na paciente. Com a inserção do brincar
são ferramentas lúdicas que contribuem significa- a paciente tornou-se mais comunicativa, dis-
404 32
posta, acessível ao tratamento e mais interativa PAULA, E. M.A.T. de. et al Brinquedoteca hospitalar:

Patrícia Lamounier Rêgo - Wilka Lara da Silva Rocha - Suely Nascimento de Lemos
O BRINCAR NO AMBIENTE HOSPITALAR: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOS BENEFÍCIOS DA LUDICIDADE PARA A CRIANÇA COM LONGO ...
com a equipe multiprofissional. o direito de brincar, seu funcionamento e acervo. In:
Portanto, podemos afirmar que a ludicidade CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 7.; En-
contro Nacional sobre atendimento Escolar Hospitalar,
é fundamental para o bem-estar da criança, pois
5., 2007, Curitiba. Anais. Curitiba: Educere, 2007. p.
por meio deste ocorreu resultados positivos em
1399-141. Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/
relação ao tratamento, ou seja, ficou nítido que o
educere/educere2007/anaisEvento/arquivos/CI-195-
momento de brincar foi o mais esperado pela pa- 12.pdf. Acesso em: 27 de maio de 2021.
ciente. Foram momentos de descontração e pra-
zer melhorando a qualidade de vida da paciente VISCA, Jorge colaboracion Tuli Visca. Introduccion a
no ambiente hospitalar. lon juegos lógicos em El tratamento psicopedagó-
gico – su historia, reglas y significado psicopedagógi-
co. Buenos Aires: Arg., 1996.
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ÂNGELO, T.S., VIEIRA, M.R.R. (2010). Brinquedoteca
dagógica nas Dificuldades de Aprendizagem Esco-
hospitalar: da teoria à prática. Arquivos de Ciências
lar. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2015.
da Saúde (Online), 17(2), 84-90. Recuperado em 01
de junho, 2014, de http://repositorio-racs.famerp.br/ PÉREZ – RAMOS, Aidyl M.; OLIVEIRA, Vera Barros
racs_ol/vol-17- 2/IDO4_%20ABR_JUN_2010.pdf de. (Org.) Brincar é saúde: o lúdico como estratégia
preventiva. In: OLIVEIRA, Vera Barros de. O brincar
BACELAR, V.L. da E. Ludicidade e educação infan-
da criança hospitalizada e a família: o que dizem os
til. Salvador: EDUFBA, 2009. Disponível em: < https://
trabalhos? Rio de Janeiro: Editora Wak, 2010. p. 41-76
repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/23789/1/Ludicidade-
Educa%C3%A7%C3%A3oInfantil_VeraL%C3%BA-
ciaDaEncarna%C3%A7%C3%A3oBacelar_EDUFBA.
pdf>. Acesso em: 27 de maio de 2021.

BRASIL. Direitos da criança e do adolescente hospi-


talizados. Resolução n.º 41, de 13/10/ 1995. Brasília:
Imprensa Oficial, 1995.

CUNHA, N.H. da S. O Brincar e as necessidades espe-


ciais. In: SANTOS, S.M.P. dos (Org). Brinquedoteca:
a criança, o adulto e o lúdico. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
2008.p. 29-36.
405
INTRODUÇÃO

Este artigo parte das indagações das autoras


que atuaram enquanto estagiária de psicologia e
orientadora de estágio, respectivamente, na clí-
nica pediátrica do Hospital das Clínicas da Uni-
versidade Federal de Goiás – HC-UFG-EBSERH
durante o ano de 2014. Algumas das inquietações
dessa experiência tornaram-se objeto de pesqui-
sa, que neste estudo desdobrou-se em uma entre-
vista semidirigida realizada no ano de 2021 com
a preceptora de psicologia da clínica pediátrica.
O HC-UFG fica localizado na região leste de
Goiânia e atende à demanda referenciada de
todo o estado e outas regiões do país. A nova ins-
talação física do HC-UFG/EBSERH foi inaugura-
da em 2020, com 300 leitos de internação com
CAPÍTULO 33 capacidade de 600 leitos no total de 76 leitos de
unidade de terapia intensiva – UTI. Está entre os
hospitais brasileiros que são referência no contro-

O BRINCAR NO ISOLAMENTO le de infecção hospitalar (GOIÁS, 2021).


A clínica pediátrica conta com diversas en-

HOSPITALAR PEDIÁTRICO fermarias (21 leitos no total) e atuação de uma


equipe multiprofissional composta por precepto-
res, residentes e estagiários. Na Pediatria, assim
Stéfany Bruna de Brito Pimenta como em diversas outras Clínicas do Hospital, o
Sandra de Fátima Barboza Ferreira trabalho de assistência é realizado por uma equi-
pe multiprofissional, o que exige diálogo e troca
entre os profissionais para a assistência integral
ao paciente. A equipe da Pediatria é composta
por profissionais da Medicina; Enfermagem; Nu-
trição; Fonoaudiologia; Psicologia; Odontologia;
406 33
Serviço Social e Pedagogia. A equipe também

Stéfany Bruna de Brito Pimenta - Sandra de Fátima Barboza Ferreira


O BRINCAR NO ISOLAMENTO HOSPITALAR PEDIÁTRICO
conta com apresentações esporádicas do grupo
de teatro do Serviço Social da Indústria (SESI) e
com atendimentos semanais do Projeto Hoje, que
oferece assistência pedagógica à criança hospita-
lizada (GOIÁS, 2021).
A enfermaria de isolamento (figuras 1 e 2) se-
gue o padrão que estabelece a necessidade de um
quarto privativo na enfermaria pediátrica que ser-
ve de isolamento (BRASIL, 2000; BRASIL, 2006;
WHO, 2016). Na Clínica Pediátrica o quarto de
isolamento é utilizado, sobretudo, no caso de do-
enças infecto-contagiosas para a prevenção e con-
trole do contágio. Todavia, o isolamento também é
Figura 2 – Antessala da enfermaria de isolamento
utilizado em outras situações como o isolamento
protetor para os imunossuprimidos ou em pós-ope-
A enfermaria do isolamento conta com um
ratório, bem como para pacientes que estão fazen-
quarto pequeno que possui uma entrada com
do uso de diversos aparelhos e monitores.
pia e equipamentos de proteção armazenados.
A antessala é importante para amenizar o fluxo
de contato entre o quarto e o corredor externo.
No quarto há um leito grande para o paciente, um
pequeno que é utilizado pelo acompanhante e um
banco de apoio. Há uma mesa para apoio dos ob-
jetos pessoais. O quarto conta com um banheiro
privativo de porte médio.
As precauções específicas para o atendimento
no quarto são prescritas pelo médico responsável
e controladas pela equipe de enfermagem, assim,
às vezes é necessário procurar a enfermeira para
saber precisamente quais as exigências para o
atendimento na enfermaria, tendo em vista que a
Figura 1 – Corredor da Clínica Pediátrica precaução é especificada na porta do quarto. Devi-
407 33
do às precauções, os atendimentos nesta enferma- tos nocivos desse processo no desenvolvimen-

Stéfany Bruna de Brito Pimenta - Sandra de Fátima Barboza Ferreira


O BRINCAR NO ISOLAMENTO HOSPITALAR PEDIÁTRICO
ria são mais pontuais e não seguem o padrão de to infantil. (SPITZ, 1991; COPOBIANCO, 2003;
visitas médicas. Geralmente, os pacientes perma- CARDIM; SANTOS; NASCIMENTO; BIESBRO-
necem em isolamento por mais de uma semana, EC, 2008; CHIATTONE, 2009; PIMENTA, 2014).
tendo em vista a quantidade de dias necessários O reconhecimento da relevância do brincar no
para o tratamento com os antibióticos e antivirais. contexto hospitalar instituiu a lei federal nº 11.104
O isolamento hospitalar pediátrico é prescrito de 21 de março de 2005 (BRASIL, 2005), que pre-
pela equipe médica e deve ser aplicado pela en- vê a obrigatoriedade de instalação de brinquedo-
fermeira do setor seguindo as normas da Comis- tecas, espaço provido de brinquedos e jogos edu-
são de Controle de Infecção Hospitalar – CCIH. As cativos, em instituições de saúde que oferecem
crianças em isolamento hospitalar permanecem atendimento pediátrico em regime de internação
em quarto privativo, têm suas visitas restritas e a (TEIXEIRA & OLIVEIRA, 2021). No entanto, em
circulação destes pacientes pelo hospital deve ser regime de isolamento o acesso à brinquedoteca
ao máximo evitada. Os itens e superfícies ambien- também é restringido. Desse modo, o brincar nes-
tais em contato com o paciente devem ser sub- te contexto representa um desafio a mais para a
metidos à limpeza rigorosa diariamente. Todos os equipe de saúde. Pensar alternativas e possibi-
artigos e equipamentos devem ser de uso exclusi- lidades é uma questão central, considerando-se
vo para cada paciente, sendo preferível materiais o hospital como locus também de promoção da
descartáveis (BRASIL, 2000; MIRANDA, 2019). saúde mental.
A hospitalização por si configura-se numa situ- O objetivo deste trabalho é relatar a experiên-
ação adversa para a criança e o isolamento hos- cia de atendimento na clínica pediátrica do refe-
pitalar, para além da adversidade imposta pelo rido hospital e identificar alternativas lúdicas que
adoecimento físico traz também implicações psi- visam diminuir a angústia da internação no am-
cossociais. Nas facetas do sofrimento pela hospi- biente restritivo do isolamento hospitalar.
talização, encontra-se uma criança que terá que
conviver com a dor e o mal-estar, os procedimen- LIMITES E POSSIBILIDADES DO BRINCAR
tos invasivos, afastamento do meio familiar, social NA CLÍNICA DE ISOLAMENTO HOSPITALAR
e escolar, alteração na rotina, bem como diversas
restrições. Estudos comprovam que a hospitaliza- Este estudo tem como referencial teórico as
ção provoca efeitos deletérios sobre a saúde psi- produções existentes no campo da clínica pedi-
cológica das crianças, exigindo aos profissionais átrica hospitalar, com ênfase nos temas da hos-
intervenções e manejos que diminuem os impac- pitalização da criança, do isolamento hospitalar
408 33
pediátrico, do papel do psicólogo hospitalar e da assistência profissional diversa – psicologia, tera-

Stéfany Bruna de Brito Pimenta - Sandra de Fátima Barboza Ferreira


O BRINCAR NO ISOLAMENTO HOSPITALAR PEDIÁTRICO
equipe multiprofissional e da ludoterapia hospita- pia ocupacional, pedagogia – com foco nas ativi-
lar (COPOBIANCO, 2003; VIEGAS, 2008; PAR- dades lúdicas (BRASIL, 2005).
CIANELO & FELIN, 2008; GIMENES & TEIXEI- Na entrevista realizada com a psicóloga, foi
RA, 2011; MAIA, MIRANDA & ALMEIDA, 2021; relatado que os profissionais buscam recursos e
MAIA, SOUZA, MELO & RIBEIRO, 2021). materiais que são oferecidos pela instituição, per-
A parte prática deste trabalho foi desenvolvida manecendo com a criança e sendo descartados
por meio de observação de campo e uma entre- após a alta desta enfermaria, tais como papel,
vista realizada com uma profissional de psicolo- giz de cera, lápis de cor, massa de modelar. Na
gia da clínica pediátrica do Hospital das Clínicas ausência de recursos, é possível desenvolver al-
da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG). Na guns jogos com uso de materiais recicláveis com
entrevista, procurou-se compreender a atual di- a própria criança.
nâmica de atendimento psicológico à enfermaria A psicóloga entrevistada ressaltou que foi ela-
de isolamento, sobretudo no que se refere ao uso borado um Procedimento Operacional Padrão
de recursos lúdicos. Por meio da observação de (POP) sobre o manuseio de brinquedos na enfer-
campo e da entrevista com a profissional, iden- maria pediátrica e de isolamento para ser entre-
tificou-se o desafio de seguir cautelosamente as gue às famílias na admissão. Assim, os cuidado-
normas da CCIH e, ao mesmo tempo, implemen- res são orientados a respeito da possibilidade de
tar práticas lúdicas que estimulem o desenvolvi- trazer algum objeto de casa e quais tipos de obje-
mento da criança e amenizem seu sofrimento. tos são permitidos. Todavia, durante a pandemia
As normas de biossegurança são imprescindí- da COVID-19, a possibilidade de a criança trazer
veis para o cuidado à saúde, todavia para uma consigo um brinquedo pessoal foi restringida.
assistência humanizada é preciso considerar as Outro recurso identificado é o uso das tecno-
necessidades psicossociais do paciente. logias da comunicação. Apesar da enfermaria de
O projeto nacional Humaniza-SUS visa à hu- isolamento não contar com aparelho televisor, o
manização do atendimento e a melhoria das rela- cuidador acompanhante pode fazer uso de seu
ções entre os profissionais e os usuários do ser- telefone celular. Este dispositivo pode ser um ins-
viço, destacando os aspectos subjetivos e sociais trumento de interação social via chats e videocha-
presentes em cada ação de saúde. Assim, no madas, bem como de estimulação e conectivida-
que se refere ao Serviço de Pediatria, busca-se de através de jogos lúdicos.
garantir o acompanhamento do cuidador na inter- Este esforço conciliatório entre proibições e
nação da criança, bem como procura-se fornecer possibilidades tem promovido práticas exitosas e
409 33
convergência de esforços entre a equipe multidis- No isolamento hospitalar alguns limites são

Stéfany Bruna de Brito Pimenta - Sandra de Fátima Barboza Ferreira


O BRINCAR NO ISOLAMENTO HOSPITALAR PEDIÁTRICO
ciplinar. (G1 SÃO PAULO/ARARAQUARA, 2021; impostos no que se refere ao contato da crian-
MAIA, SOUZA, MELO & RIBEIRO, 2021). ça com outras pessoas e objetos. Contudo, dian-
Nessa situação restritiva, orienta-se a acompa- te da importância da ludicidade para regulação
nhante e a equipe multiprofissional engajar-se em emocional e desenvolvimento da criança, é pre-
atividades lúdicas em suas interações ainda que ciso promover práticas lúdicas alternativas. O uso
marcadas pela brevidade e pelas restrições de efetivo de um instrumento se dá pela mediação
contato. Estudos comprovam a importância do lú- adequada. Neste sentido, ressalta-se a importân-
dico como elemento promotor de desenvolvimen- cia da orientação ao cuidador para se atentar às
to na infância, bem como um recurso terapêutico necessidades psicossociais das crianças, atuan-
fundamental para expressão e elaboração subje- do como um promotor de seu desenvolvimento.
tiva da criança (VIEGAS, 2008; GIMENES e TEI- Com a internação o foco do cuidador se volta para
XEIRA, 2011; MAIA, MIRANDA e ALMEIDA, 2021; a saúde física da criança. Ao acolher suas dores
RIBEIRO 2020). Com as restrições do isolamento e preocupações os profissionais de saúde podem
hospitalar, quais possibilidades do brincar podem orientar o cuidador sobre sua relação com a crian-
ser desenvolvidas pela equipe de saúde? ça, que não pode ser vista apenas como paciente
O brincar pode ser utilizado como meio de liga- com necessidades físicas. O cuidador pode can-
ção entre a criança e sua realidade cotidiana, entre tar, brincar e interagir. Mesmo sem brinquedo, a
ela e a equipe, visto que quando nos aproximamos atividade do brincar pode ser realizada, fortale-
do universo do brincar adentramos no universo in- cendo a relação cuidador-criança.
fantil (MITRE e GOMES, 2003; PARCIANELLO e Através do brincar, a criança pode se liberar das
FELIN, 2008; MAIA, SOUZA, MELO & RIBEIRO, restrições impostas pelo seu ambiente imediato.
2021; RIBEIRO, VILLAÇA, OHARA, 2021). Brincando, a criança manipula seu ambiente de
A função terapêutica do brincar não apenas fa- modo a favorecer seu próprio bem-estar, elabo-
cilita a permanência da criança no hospital, mas rando ludicamente sua experiência de desprazer.
também favorece seu desenvolvimento e recupera- Conforme Vigotiski (2018) “a imaginação adqui-
ção. Ao brincar, a criança se expressa como sujeito re função muito importante no comportamento e
e não como objeto de tratamentos e procedimen- desenvolvimento humano” (p. 26). Este autor nos
tos; assim, o brincar pode conservar a integridade, apresenta o caráter emocional da relação entre
a autoestima e autonomia da criança. Brincar no a atividade de imaginação e a realidade, com a
hospital tem uma função terapêutica e também de lei da expressão dupla dos sentimentos. Na brin-
estimulação e promoção do desenvolvimento. cadeira, a criança expressa seus conflitos e re-
410 33
estrutura-se cognitivamente (FRAWLEY, 2000; experimenta possibilidades de desenvolvimento

Stéfany Bruna de Brito Pimenta - Sandra de Fátima Barboza Ferreira


O BRINCAR NO ISOLAMENTO HOSPITALAR PEDIÁTRICO
Vigotski, 2018). condensadas, sendo que ela mesma é uma gran-
Além disso, o brinquedo permite uma familia- de fonte de desenvolvimento, visto que, ao brin-
rização com o ser criança, rompendo com a es- car, a criança vai além do habitual.
tranheza que o ambiente hospitalar pode imprimir A garantia de espaços físicos destinados a
à criança. No brincar, a imaginação da criança é brincar e a disponibilização de recursos materiais
estimulada, constituindo-se como um importante são conquistas importantes e legítimas, mas res-
recurso. Na brincadeira, a criança pode ser quem salta-se aqui o aspecto da imaginação, da inte-
quiser e ir para onde desejar, de modo que, em ração e da mediação social como fundantes da
sua fantasia, o quarto de isolamento não é mais atividade lúdica.
um limite (BARROS, 2003; VIGOTSKI, 1998; VI- Apesar das repercussões psicossociais da hos-
GOTSKI 2018;). pitalização e isolamento, não se pode desconside-
Mitre e Gomes (2003) ressaltam que a impor- rar suas inúmeras potencialidades. O tratamento
tância desse espaço para o resgate da condição hospitalar é um evento necessário diante de mui-
de ser criança como um direito no hospital, tor- tos quadros clínicos, capaz de suspender a dor e
nando-se um contraponto às experiências dolo- trazer a possibilidade de cura física. Mas além dos
rosas. O brincar também funciona como espaço progressos físicos, se manejada de modo integra-
de socialização e interação com outras crianças e do às necessidades da criança, a hospitalização
com a equipe, sendo um veículo de expressão e pode viabilizar à criança a aquisição de recursos
comunicação. de enfrentamento, aumentando sua capacidade
de superar e lidar com os problemas.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
O lúdico, no contexto hospitalar, pode ser visto
tanto como uma defesa contra o sofrimento, tanto BARROS, L. Psicologia pediátrica: perspectiva de-
como um meio para a elaboração dos conflitos. senvolvimentista. Lisboa: Climepsi, 2003.
Ressalta-se, também, que um espaço lúdico e te-
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rapêutico no hospital não possibilita apenas que a gilância Sanitária. Curso Básico de Controle de In-
criança elabore melhor este momento específico fecção Hospitalar. Brasília: ANVISA, 2000.
em que se encontra, mas também propicia a con-
tinuidade de seu desenvolvimento, de exercitar e BRASIL. Ministério da Saúde. Lei 11.104/2205. Dispõe
vivenciar sua infância. Na brincadeira, a criança sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedote-
411 33
casnas unidades de saúde que ofereçam atendimento MAIA, Edmara Bazoni Soares; MIRANDA, Carolline

Stéfany Bruna de Brito Pimenta - Sandra de Fátima Barboza Ferreira


O BRINCAR NO ISOLAMENTO HOSPITALAR PEDIÁTRICO
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413

INTRODUÇÃO

Apresentamos, aqui-agora, um texto que obje-


tiva a priori analisar e refletir o brincar para além
da perspectiva da educação, porque antes de
tudo trata-se de um direito. Assim, trazendo uma
perspectiva interdisciplinar – em conformidade
com a formação e a prática dos autores, no âmbi-
to do direito e da educação – o estudo se propõe
reflexionar sobre o brincar, como um direito, so-
bretudo, no contexto dos espaços escolares.
Para tanto, apresentamos um breve histórico
das normativas que contribuíram para garantia do
direito de brincar e, na sequência, engendramos
uma discussão sobre a importância do brincar
para o desenvolvimento cognitivo da criança e sua
essencialidade nos espaços escolares da educa-

CAPÍTULO 34 ção infantil. Pretendemos, assim, demonstrar por


meio de pesquisa bibliográfica e documental que
o brincar pode estar integrado ao educar.
Partimos da premissa de que a infância é um
O BRINCAR NOS ESPAÇOS período que imprime marcas significativas na vida
da criança, daí a importância da construção de
ESCOLARES: UMA ANÁLISE singularidades próprias a esta etapa, sobretudo,
com vivências e práticas (inclusive pedagógicas)
SOB A PERSPECTIVA DOS infantis. Isso porque é na fase da primeira infância

DIREITOS HUMANOS (que vai até os seis anos de idade) que a criança
irá receber os primeiros estímulos e, em contra-
partida, irá desenvolver as primeiras funções cog-
Brunella Poltronieri Miguez nitivas, bem como aspectos da personalidade,
Ana Karyne Loureiro Furley hábitos alimentares e perfil emocional.
Hiran Pinel Além disso, é na infância que as crianças pas-
sam a ser consideradas como atores sociais de
414 34
sua própria história e, não bastasse isso, também Por isso, é fundamental que a escola com-

Brunella Poltronieri Miguez - Ana Karyne Loureiro Furley - Hiran Pinel


O BRINCAR NOS ESPAÇOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
são consideradas como sujeitos de direito. Assim preenda a importância do brincar, oportunizando
sendo, a partir do momento em que se reconhece essa experiência, que é direito, mas que, muitas
a relevância da infância, bem como o fato de que vezes, é excluída da prática educativa ou vista
a criança é sujeito de direitos, torna-se impres- como menos importante. Daí a importância do es-
cindível que a esta seja oferecida uma atenção tudo, ou seja, apresentar que o lúdico pode ser
integral, global, ou seja, faz-se necessário que a explorado não de forma isolada, ou fragmentada,
escola seja um ambiente não somente voltado à mas como uma proposta de caráter educacional-
educação de qualidade, mas que deve criar con- -pedagógico capaz de propiciar o desenvolvimen-
dições para o desenvolvimento pleno da criança. to global da criança.
E é nesse contexto que se insere o brincar:
DESENVOLVIMENTO
No decorrer do tempo, tem-se que as crianças
passaram a ser pensadas historicamente como
fruto das mudanças que ocorrem na sociedade A construção dos direitos da criança é fruto
mais ampla, mas também, como indivíduos que de um processo histórico e social que culminou
nos seus modos de viver a infância engendram com a edição de normativas protecionistas, que
novas perspectivas de ser no mundo. As crian- reconheceram não somente as vulnerabilidades
ças passam a ser compreendidas enquanto
desse grupo – aqui nos referimos também aos as-
sujeitos históricos e culturais que, nas relações
que estabelecem e na produção da própria exis- pectos biológicos –, mas as particularidades sub-
tência, interferem na vida social, reinterpretam, jetivas que nos remetem ao modo de ser e estar
produzem e reproduzem a vida em sociedade e no mundo infantil. Já afirmava Rosseau (2014, p.
que, ao participarem, constroem a história. Uma 81), no século XVIII, a criança não é como um
história que, de acordo com Ujiie (2014), tem o
adulto, uma vez que tem capacidades e necessi-
brincar como direito e manifestação cultural da
infância. (CAMARGO; DE SANTA CLARA; PE- dades distintas, mas traz em si a natureza huma-
ROZA, 2017, p. 173). na, “ela não deve ser nem animal, nem homem e
sim criança mesmo”.
Machado (2003) ressalta que o brincar é um Ao destacar a infância e ao delegar à criança
grande canal para o aprendizado, senão o único um lugar no mundo, Rosseau rompe com o para-
para verdadeiros processos cognitivos. Isso por- digma que vigorava à época, no qual a criança era
que para aprender nos distanciamos de nós mes- vista como um “adulto em miniatura”. O filósofo
mos e isso a criança pratica desde as primeiras também enfatizou a importância de proporcionar
brincadeiras, à proporção que se distancia da mãe. a criança condições para o brincar: “Amai a infân-
415 34
cia; favorecei suas brincadeiras, seus prazeres, Essas iniciativas ressaltam que a “menoridade,

Brunella Poltronieri Miguez - Ana Karyne Loureiro Furley - Hiran Pinel


O BRINCAR NOS ESPAÇOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
seu amável instinto.” (ROUSSEAU, 2014, p.72). é, pois, um estado excepcional em que o Direito
A partir dessa revolução no conceito de infân- deve dispensar toda proteção ao indivíduo duran-
cia, a sociedade voltou os olhos para esta fase te as primeiras etapas de seu desenvolvimento”
da vida humana, produzindo, ao longo do tem- (RESENDE, 1989, p. 45). Desse modo, são ex-
po, diversos instrumentos normativos, tais como pressivos os direitos da criança em nosso sistema
a Declaração Universal dos Direitos da Criança, normativo (direito à saúde, à educação, ao lazer,
aprovada na Assembleia Geral das Nações Uni- ao descanso, à alimentação, à convivência fami-
das em 1989, a Convenção Internacional dos Di- liar e comunitária, à liberdade) e políticas públicas
reitos da Criança (1989), a Constituição Federal devem ser implementadas para a efetivação des-
de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescen- ses direitos.
te (1990), com o objetivo de conferir à criança Mais especificamente, o direito de brincar
normativa própria, como forma de assegurar a encontra previsão expressa em instrumentos in-
dignidade e a condição peculiar da criança como ternacionais, como no princípio VII da Declara-
pessoa em desenvolvimento. ção Universal dos Direitos da Criança; no artigo
A título ilustrativo, no tocante a Constituição 31 da Convenção Internacional dos Direitos da
Federal de 1988, depreende-se que grupos da Criança (1989); no âmbito do direito interno, o
sociedade civil (o Movimento Nacional dos Meni- brincar está disposto no artigo 227 da Constitui-
nos e Meninas de Rua, a Confederação Nacional ção de 1988; no artigo 16, inciso IV, do Estatuto
dos Bispos do Brasil, a Associação de Fabrican- da Criança e do Adolescente (1990) e nos arti-
tes de Brinquedos, por exemplo) se mobilizaram gos 5 e 17 da Lei 13.257/2016, conhecida como
para mudar o sistema normativo retrógrado. Vale Marco Legal da Primeira Infância, sendo, pois,
registrar que a partir da regulamentação constitu- dever da sociedade e do Estado garantir o exer-
cional houve uma grande descentralização de po- cício pleno desse direito.
líticas de proteção à criança e do adolescente. A Ainda, existem orientações curriculares, como os
doutrina sugere, inclusive, que a Constituição de Referenciais Curriculares Nacionais de Educação
1988 inaugurou a doutrina da proteção integral, Infantil (1998), que buscam apresentar e refletir “o
segundo a qual as crianças e os adolescentes direito das crianças a brincar, como forma particular
são sujeitos de direito e devem ser protegidos de de expressão, pensamento, interação e comunica-
forma ampla, global pela família, pela sociedade ção infantil (v. 1, p. 13); que apresentam o brincar
e pelo Estado, para que tenham condições de um como eixo de trabalho, “o brincar é uma das ativida-
desenvolvimento adequado. des fundamentais para o desenvolvimento da iden-
416 34
tidade e da autonomia (v. 2, p.22); que apresentam cimento. Franco e Batista (2007, p. 1450) apon-

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O BRINCAR NOS ESPAÇOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
o brincar como conhecimento de mundo a partir de tam que o brincar é a manifestação da liberdade
seis diferentes linguagens “Movimento, Música, Ar- da criança, tratando-se, pois, “essencialmente de
tes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e um direito de liberdade”. A nosso ver, é essa liber-
Sociedade e Matemática” (v.3, p.9). dade que faz com que a criança seja protagonista
Nesse sentido, merece atenção o direito de de suas vivências. Dito de outro modo, o brincar
brincar, igualmente importante como os direitos à possibilita a construção da autonomia, na medida
saúde, à alimentação e à educação da criança. em que a criança pode estabelecer vínculos, co-
Mais que isso, a nosso ver, o brincar, enquanto nhecer, imaginar, criar e desenvolver habilidades
direito, bem como enquanto experiência huma- por si, ou com o apoio e estímulo do adulto.
na primeira, resgata a dimensão da dignidade da Faz-se necessário pontuarmos que o brincar é
pessoa humana. Faz-se oportuna a lição de Fer- um direito, não é uma obrigação, é uma ativida-
ronato, Bianchini e Proscêncio (2017, p. 457), de “lúdica espontânea e prazerosa, que envolve a
oportunidade da descoberta, da criatividade e da
A criança reconhecida em si como pessoa tem um
fim em si mesma, ou seja, como realidade ontoló- autoexpressão” (MATTOS, 2018, p.13). A criança
gica ela possui as condições e competências para é livre para acolher o brincar enquanto verbo, as-
viver de forma plena a sua infância. Essa infância, sim como para recusá-lo.
única e irrepetível, não tem um valor relativo, pois Por essas razões, o brincar deve ser pensa-
ela é o fundamento absoluto da dignidade do ser
do em diferentes espaços (públicos ou privados),
infantil. Garantir o direito à infância por meio do di-
reito de brincar é assegurar à criança a possibilida- vivências (na família, na escola) e em diferentes
de de manifestar vivências insubstituíveis que pro- formas e realidades (o brincar individual, entre
piciam o desenvolvimento integral de sua pessoa. crianças, entre adultos e crianças). Partindo des-
Considerar o brincar como um direito é reconhecer se pressuposto, nos debruçamos sobre o brincar
a dignidade da pessoa da criança, que tem o direi-
no âmbito escolar, especialmente com base nos
to de liberdade para vivenciar essa possibilidade
na sua infância. O princípio constitucional da digni- constructos de Kishimoto (1996), Oliveira (2000),
dade da pessoa da criança fundamenta a ideia de Bomtempo; Antunha; Oliveira (2006), Cunha
que a infância não pode ser substituída por outras (2011) e Friedmann et al (1998) que nos revelam
atividades que não lhes são próprias como, por o brincar como sentido de existência.
exemplo, o trabalho infantil.
O brincar está intrinsecamente relacionado ao
Com efeito, garantir e efetivar o direito de brin- processo de desenvolvimento do ser humano, por
car é propiciar o bem-estar e a valorização da indi- isso tão necessário no espaço escolar, através do
vidualidade da criança como cidadã desde o nas- brincar livre ou dirigido, principalmente na edu-
417 34
cação infantil. Segundo Vygotsky (1991), a brin- da linguagem (oral, corporal), a autonomia (com

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O BRINCAR NOS ESPAÇOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
cadeira é vista como atividade social da criança, quem brincar, como brincar, onde brincar, com o
sendo, portanto, elemento essencial para cons- que brincar), as sensações (alegria, poder, con-
trução da personalidade e para a compreensão fiança) e as interações sociais da criança?
da realidade em que ela se insere. Essa triste realidade também é sentida no
Para Friedmann et al. (1998), a brincadeira chão da escola. O controle excessivo da escola
tem papel significativo na relação da criança com sobre as crianças e a escolha pedagógica por
seus pares, na relação criança-adulto, uma vez uma produção homogênea (aulas, atividades e
que criam e recriam brincadeiras antigas, adap- rotina padronizadas), somado ao fato de que o
tando-as aos seus “modos de ser no mundo’, se- brincar gera dispersão e bagunça são fatores que
quenciando um legado como patrimônio lúdico- têm impedido ou minimizado, em alguns casos, o
-cultural por meio do brincar. brincar no espaço escolar. Como se não bastas-
Nesse sentido, consideramos que o brincar re- se, existem pais que se posicionam contrários ao
presenta o mundo da criança. Haverá sempre um brincar, por desconhecerem a importância dessa
brinquedo, um ambiente, um enredo, uma outra atividade na vida dos filhos.
criança, ou um adulto ou um professor que es- Ocorre que, o brincar é essencial, é natural,
timula, media esta relação, pelo que respeitar a é espontâneo, é peça-chave para a formação da
criança em sua integralidade significa não sacri- criança. É ao mesmo tempo a linguagem secreta
ficar essa etapa tão importante e propulsora do da criança e a forma de inserção desta no contex-
desenvolvimento infantil. to social. Isso porque ao interagir com o brinque-
Cunha (2011) ressalta que, infelizmente, mui- do/jogo, a criança desenvolve afetividade, cons-
tas crianças deixam de brincar, porque precisam trói representações mentais e sociais, desempe-
trabalhar, ou porque são tratadas como adultos nha atividades físicas e motoras, estabelece tam-
em miniatura, ou porque precisam de notas altas bém interações (com outras crianças ou adultos).
na escola. Nessa perspectiva, também se cons- Segundo Kishimoto (1996, p. 24) quando uma
tata que com o advento da tecnologia os brinque- criança brinca, ela “não está preocupada com a
dos foram substituídos pelo mundo digital dos aquisição de conhecimento ou desenvolvimento
smartphones, tablets, games, dentre outros. As de qualquer habilidade mental ou física”. Impera,
crianças se tornaram consumidores exaustivos portanto, uma perfeita simbiose entre o ser e o
de produtos tecnológicos e não “seres brincan- objeto (o brinquedo, o brincar), o que desvela a
tes”. Resta nos perguntar: como fica o imaginário subjetividade e a espontaneidade como meio na-
(o mundo do “faz de conta”), o desenvolvimento tural de expressão, que o brincar possibilita.
418 34
É importante esclarecer que quanto mais a de ser de cada uma, deve inserir a brincadeira em

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O BRINCAR NOS ESPAÇOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
criança brinca, maior é o benefício cognitivo. E, primeiro plano; deve dispor de tempo e espaços;
ainda que ela não sinta, é levada constantemen- deve disponibilizar materiais simples e variados,
te a organizar e a reorganizar o pensamento. Ao como tecidos, caixas de papelão, panelas, semen-
brincar a criança ativa a atenção, a memória, faz tes, galhos, areia, garrafas plásticas, tampinhas,
imitações, explora o ambiente. Diante disso, cor- bonecas, carrinhos, corda e peão. Em síntese, a
roboramos com Cunha (2011, p. 12) que afirma: organização do espaço-tempo da escola, dos ma-
“Então é preciso brincar, brincar seriamente, brin- teriais disponíveis e das formas de mediação rea-
car profundamente”. E por que não brincar alian- lizadas pelo educador são elementos cruciais que
do a ludicidade ao desenvolvimento cognitivo? podem fazer a diferença no brincar da escola.
Se a escola é espaço de aprendizagem, o brincar O brincar é necessário, justamente porque o
torna-se componente curricular. De acordo com a lúdico alimenta a imaginação, a fantasia, a criati-
Base Nacional Comum Curricular (BNCC): vidade, o senso crítico, os quais ajudam a moldar,
esculpir a vida da criança e futuramente do adul-
Brincar cotidianamente de diversas formas, em
diferentes espaços e tempos, com diferentes to. Oportuno registrar que a cultura adultocêntrica
parceiros (crianças e adultos), ampliando e di- nos leva ao esquecimento da infância, daí porque
versificando seu acesso a produções culturais, passamos a exigir da criança uma postura de se-
seus conhecimentos, sua imaginação, sua cria- riedade, imobilidade, o que acaba por limitar a
tividade, suas experiências emocionais, corpo-
autenticidade da personalidade da criança, mar-
rais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais
e relacionais (p. 36). cada pela espontaneidade, pela criatividade, pela
expressão por linguagens (movimentos e gestos).
Isto posto, o direito de brincar nos espaços es- Assim, o direito de brincar pode e deve ser
colares está entrelaçado a garantia de acesso à garantido de diversas formas, seja por meio de
educação visando ao aluno como ser um ser in- jogos, de atividades lúdicas recreativas, seja pelo
tegral e único. Para tal fim, esse direito deve ser contato direto com o brinquedo, ou pelo brincar
inserido nos planejamentos de atividades interdis- livre, pelo brincar individual ou em grupo e até
ciplinares objetivando potencializar o desenvolvi- mesmo pelo brincar dirigido (com intencionali-
mento cognitivo, emocional e social não apenas dade pedagógica – concepção que aqui defen-
de crianças, mas de toda a comunidade escolar. demos). No pátio, no corredor, na sala de aula,
Para Leite e Medeiros (2014), se a escola se fato é que “os ambientes se diversificam e multi-
assume como responsável pelo desenvolvimento plicam” (OLIVEIRA; SOLÉ; FORTUNA; 2010, p.7)
particular e coletivo das crianças, atenta ao modo favorecendo a inclusão.
419 34
Por isso, a importância do planejamento das de apropriação de espaços e, especialmente, de

Brunella Poltronieri Miguez - Ana Karyne Loureiro Furley - Hiran Pinel


O BRINCAR NOS ESPAÇOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
atividades lúdico pedagógicas a partir de um olhar criação e de (res)significação, brincar significa
sensível e direcionado realidade psicossocial de direito de liberdade, ainda que com estímulo ou
alunos que, muitas vezes, não adentram sozinhos apoio do adulto.
os espaços escolares, levam consigo alegria e os No espaço escolar, é comum que o brincar
dessabores da vida cotidiana permeado por uma seja permeado por sentidos e fazeres pedagó-
educação intercultural. gicos mediado pelo professor por meio de uma
Desse modo, tendo em vista que o brincar é um intencionalidade lúdico pedagógica. Nesse liame,
efetivo caminho para a aprendizagem na infância, a escola como espaço de ensino, de transmissão
cabe a escola, aos professores e, sobretudo, a famí- de saberes, não consiste em apenas transmitir
lia reconhecer a brincadeira como direito da criança, conhecimentos curriculares, mas, como aponta
garantindo condições para o seu desenvolvimento. Oliveira; Solé; Fortuna (2010, p. 102), é “lugar de
Entendemos, assim, que não é necessário so- resistência à crueldade do mundo e um modo de
mente disponibilizar à criança brinquedos e jogos, praticar a dignidade humana”.
faz-se imperioso criar um cenário lúdico-educativo Possibilitar o brincar na escola, seja ele livre ou
para alcançar melhor proveito com a brincadeira e mediado, é romper com estereótipos relaciona-
então possibilitar e aprimorar o desenvolvimento dos ao brincar enquanto uso do tempo, enquanto
cognitivo da criança. A equipe escolar como um produtividade. Nas palavras de Carlos Drummond
todo deve propiciar a qualidade no brincar. de Andrade (1997): “Brincar com crianças não é
perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos
CONCLUSÃO sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados
enfileirados em sala sem ar, com exercícios esté-
Reconhecer a criança como sujeito de direi- reis, sem valor para a formação do ser humano”.
tos e, especialmente, destinatária do direito de Assim, entendemos que assegurar o direito de
brincar, é entender que ela tem direito pleno a brincar no espaço escolar implica salvaguardar o
esta manifestação de vivência tão singular e que, desenvolvimento pleno da criança e, sobretudo,
em contrapartida, cabe a sociedade e ao Estado respeitar a dignidade da pessoa humana.
dispor de meios para garantir prioritariamente o
exercício deste direito. REFERÊNCIAS
A partir do estudo, concluímos que o brincar é
um elemento essencial para o desenvolvimento ANDRADE, Carlos Drummond de. Marinheiro. A se-
cognitivo da criança, constituindo também forma nha do mundo. Rio de Janeiro: Record, 1997.
420 34
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422

INTRODUÇÃO

As dificuldades e desafios que muitos docen-


tes da Educação Básica se deparam ao lecionar
conteúdos de Ciências para crianças e jovens são
notórias, uma vez que esses profissionais neces-
sitam, frequentemente, buscar novas estratégias
e recursos didáticos lúdicos que contribuam para
uma aprendizagem mais significativa para os es-
tudantes. Alguns fatores que estão associados a
essas dificuldades são o despreparo dos docen-
tes em relação aos conteúdos de Ciências a se-
rem ministrados, preferência de utilização do livro
didático como único guia no preparo e desenvol-
vimento das aulas, falta de atividades práticas e o

CAPÍTULO 35 foco direcionado aos conteúdos de Biologia (VIE-


CHENESKI; CARLETTO, 2013).
O Ensino de Ciências deve oportunizar aos
alunos a compreensão do mundo a partir dos co-
O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS nhecimentos científicos contidos nos conteúdos
de ciências, proporcionando, dessa forma, a visu-
ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS alização e interpretação dos diversos fenômenos

DE BAIXO CUSTO cotidianos, incentivando-os a se desenvolverem


profissionalmente nas áreas da Ciência (ROSA;
LOPES; PIGATTO, 2017).
Milena Lira Rocha Uma estratégia de aproximação entre as crian-
Breno Aragão dos Santos ças e o conhecimento científico é a abordagem de
Nicolas Rui Cruz da Silva atividades práticas lúdicas, capazes de proporcio-
nar experiências divertidas, atrativas e, sobretudo,
vivências que despertem o interesse pela Ciência.
423 35
Nessa perspectiva, os docentes têm um papel im- rimentos se torna uma alternativa viável para os

Milena Lira Rocha - Breno Aragão dos Santos - Nicolas Rui Cruz da Silva
O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
prescindível: serem os mediadores desse proces- docentes de muitas instituições de ensino, tendo
so de aprendizado munindo-se de atividades lúdi- em vista que estas, na maioria das vezes, não
cas que garantam às crianças e aos adolescentes provêm de recursos materiais nem de infraestru-
o contato direto com experiências, brincadeiras e tura para realização adequada de atividades prá-
materiais que promovam a assimilação de diferen- ticas experimentais.
tes saberes, tornando o processo de aprendiza- Dessa forma, o presente trabalho objetiva o re-
gem mais prazeroso e atrativo (MATOS, 2013). lato de uma experiência vivenciada pela equipe
Nesse contexto, os experimentos científicos do Sesc Ciência (Sala de Ciências – Fortaleza/
surgem como estratégias eficientes para con- CE) durante um curso de Formação Pedagógica
tribuir com o processo de aprendizagem, tendo que proporcionou estudo e desenvolvimento de
em vista que a abordagem experimental facilita experimentos científicos lúdicos utilizando mate-
a compreensão de fenômenos e transformações riais de baixo custo.
que ocorrem constantemente ao nosso redor.
Além disso, a experimentação é capaz de motivar MARCO TEÓRICO
e atrair os alunos na direção de construir conhe-
cimentos através de problematizações, observa- Ensino de Ciências
ções e interações com mediações feitas pelos
docentes, tornando o processo de aprendizagem O Ensino de Ciências é uma vivência cotidiana
mais dinâmico e significativo (TAHA et al., 2016). dos docentes, em que o conhecimento científico é
A implementação de experimentos científicos baseado nos fenômenos naturais observados no
que agregam ludicidade ao Ensino de Ciências, dia a dia, de forma abstrata, passando a ser nota-
estimula nos alunos maior interesse pelos conhe- do como efetivo e significativo dentro da realidade
cimentos científicos, tendo em vista que a prática de todos, desde os anos iniciais do Ensino Funda-
interligada com a teoria contribui com uma apren- mental até Ensino Médio (CAMARGO; BLASZKO;
dizagem mais contextualizada, divertida, atrativa UJIIE, 2015). No entanto, caracteriza-se, ainda,
e compreensível. Além disso, os estudantes têm por ser praticado através da individualização das
a oportunidade de alcançar os conteúdos espon- áreas da Ciência, baseada na memorização e,
taneamente, desenvolvendo habilidades que não consequentemente, a não compreensão dos con-
são possíveis somente a partir de aulas teóricas. teúdos abordados (LEITE; GRADELA, 2017).
Numa perspectiva de custos, a utilização de ma- Em 1946, pelo Decreto Federal nº 9.355, foi
teriais de baixo custo para a realização dos expe- implantado na sociedade brasileira o Instituto Bra-
424 35
sileiro de Educação, Ciências e Cultura (IBECC), profissional (LIBÂNEO, 2007 apud BLASZKO;

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O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
localizado na Universidade de São Paulo, em que SILVA; UJIIE, 2017).
sua função era proporcionar ao Ensino de Ciên-
cias o desenvolvimento de atividades práticas Formação continuada de professores
associadas à teoria, além de atualizar os livros
didáticos utilizados na época. Contudo, apenas A formação continuada de professores se dá
na década de 50, o Ensino de Ciências se solidi- logo após sua formação inicial, a qual tem como
ficou no Brasil, sendo regido de forma expositiva, objetivo sempre manter o graduado atualizado,
com materiais didáticos obsoletos, baseados em proporcionar qualificações para novas funções,
textos internacionais e sem a abordagem das ati- ressaltando, ainda, que esse processo é perma-
vidades práticas (LOREZ, 2008 apud SILVA-BA- nente e de aprimoramento contínuo dos saberes
TISTA; MORAES, 2019). necessários à atividade profissional (CHIMEN-
Carvalho e Rezende (2013) ao pesquisarem TÃO, 2009). Portanto, a formação deve ser en-
sobre o Currículo de Ciências do Ensino Médio, carada como um processo de desenvolvimento
evidenciaram que a maioria dos professores re- profissional e trabalhar com ideias autônomas,
lataram que a prática docente era inoportuna, em que o profissional estará totalmente cativado
devido à ausência de estímulo aos profissionais (TOZETTO, 2017).
e ao número reduzido de aulas. Conforme Demo Candau (1997) apud Chimentão (2009), apre-
(2010), existe uma linha tênue em ministrar maior senta três aspectos fundamentais para o processo
quantidade de aulas e com isso ser mais efeti- de formação continuada de professores: a escola,
vo no Ensino de Ciências. No entanto, o fato da como locus privilegiado de formação; a valorização
maior carga horária de aula não implica na ga- do saber docente; e o ciclo de vida dos professo-
rantia do aprendizado de conteúdo, mas sim na res. O que nos leva a crer que os três pontos ado-
reprodução das mesmas. tados e citados estão ligados, primeiramente, às
Neste contexto, os docentes em Ciência ne- vivências do cotidiano escolar, em seguida é pre-
cessitam estar constantemente atualizados nas ciso reconhecer o conhecimento do docente e por
práticas educacionais vigentes na atualidade. fim unir a teoria e a prática.
Dessa forma, a formação continuada é o prolon- No contexto da formação continuada de profes-
gamento da formação inicial, visando o aperfei- sores, a progressão dentro das vivências, sobre-
çoamento profissional teórico e prático no próprio tudo na inovação docente sempre será constante.
contexto de trabalho e o desenvolvimento de uma Desse modo, a atividade desenvolvida dentro do
cultura geral mais ampla, para além do exercício contexto escolar deve proporcionar uma partici-
425 35
pação ativa e sobretudo curiosa da parte dos dis- camente no último momento da aula visando a

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O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
centes, a qual desempenha uma postura crítica, comprovação do que antes foi desenvolvido no
capacidade de observação e análise da realidade estudo teórico ou a demonstração de conceitos
em que vive (OLIVEIRA, 2017). (TAHA et al., 2016), para que assim o aluno com-
preenda com mais facilidade o que lhe foi apre-
Atividades práticas experimentais sentado naquele momento (SALES et al., 2019).
Semelhante à investigação científica, a expe-
As atividades práticas, sobretudo as experi- rimentação do tipo “investigativa” propõe-se a fa-
mentais, permitem aos alunos melhor compreen- zer coleta de dados, desenvolver interpretações
são dos conteúdos de Ciências abordados, em sua e análises, além de observar e colher resultados.
maioria, teoricamente em sala de aula, permitindo Nessa situação, o aluno necessita de um aprendi-
a participação ativa dos discentes na construção zado prévio de determinado conteúdo para poder
dos processos do experimento (SILVA, 2017). executá-la com clareza (TAHA et al., 2016; SA-
No entanto, ressalta-se que as atividades prá- LES et al., 2019).
ticas experimentais podem ser abordadas de di- Por fim, temos a experimentação do tipo “pro-
versas maneiras a depender do objetivo que se blematizadora” que é a mais extensa para ser em-
deseja alcançar (TAHA et al., 2016). pregada na vivência do discente. Fundamenta-se
A experimentação do tipo “show” objetiva na pedagogia problematizadora de Paulo Freire,
despertar o interesse dos alunos pela Ciência, que fala que “o professor deve suscitar nos estu-
motivando-os através de experimentos conside- dantes o espírito crítico, a curiosidade, a não acei-
rados bonitos, que apresentam cores (TAHA et tação do conhecimento simplesmente transferido”
al., 2016), sendo empregada apenas para fins de (FREIRE, 2005 apud SALES et al., 2019). Além
apresentações sem relação acadêmica como o de promover a investigação, esse tipo de experi-
conhecimento contextualizado em sala pelo pro- mentação visa instigar uma curiosidade mais am-
fessor. Portanto, durante a abordagem desse tipo pla nos alunos, promovendo o despertar da critici-
de experimento, o professor é responsável por dade em relação à transferência de conhecimento
contextualizá-lo e problematizá-lo, uma vez que (TAHA et al., 2016).
aquele deve ser trabalhado como fonte de cons- As diferentes classificações de experimenta-
trução de conhecimento (SALES et al., 2019). ção permitem ampla abordagem dos conhecimen-
A experimentação do tipo “ilustrativa”, ge- tos científicos, permitindo, ainda, ao professor uti-
ralmente, ocorre após a abordagem teórica do lizar-se da ludicidade no momento do desenvolvi-
conteúdo de Ciências, sendo utilizada estrategi- mento de atividades práticas experimentais. A lu-
426 35
dicidade no Ensino de Ciências está diretamente possibilitam a interação humana, dispondo aos

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O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
ligada às diversas possibilidades na abordagem mesmos a busca pela liberdade. Sem liberdade
dos diversos assuntos da Ciência. A ludicidade é não há ludicidade e sem o lúdico perdemos um
inerente à criança, atuando no contexto educa- elemento educativo potencial (ALMEIDA; LIMA;
cional como uma forma de transitar em direção a RODRIGUES, 2015) que deve ser vivenciado nas
algum conhecimento que se reorienta na compo- diversas práticas educacionais.
sição do pensamento individual em permutações A motivação através da ludicidade beneficia
constantes com o pensamento coletivo (FILHO; a conduta e a autoestima do aluno, permitindo
ZANOTELLO, 2018). que o processo de ensino-aprendizagem ocorra
de forma positiva. Além disso, colabora com as-
LUDICIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS pectos de suas vivências, como aprendizagem,
desenvolvimento pessoal, social e cultural, contri-
A ludicidade é uma estratégia que irá entusias- buindo também com a saúde mental, a socializa-
mar o engajamento dos alunos, tornando a par- ção, a comunicação, a expressão e a construção
ticipação dos mesmos, durante a construção do de conhecimentos (SOARES et al., 2014).
conhecimento, significativa à medida que incita a
mudança de atitude e aumenta a motivação em METODOLOGIA
participar das atividades propostas. No que lhe
concerne, o ensino passa a ser mais atrativo e Este ensaio trata-se de um estudo de caso de
menos exaustivo, uma vez que o discente cons- abordagem qualitativa, uma vez que, de acordo
trói o seu conhecimento e brinca ao mesmo tem- com Severino (2017), “se concentra em um caso
po (SOARES et al., 2014). particular, considerado representativo de um con-
O lúdico pode ser utilizado como promotor da junto de casos análogos, por ele significativamen-
aprendizagem, nas práticas escolares, possibili- te representativo.”
tando a aproximação dos alunos com o conheci- O curso de Formação Pedagógica foi de-
mento. Portanto, deve estar bem claro os motivos senvolvido pela equipe do Sesc Ciência (Fortale-
e os objetivos pelos quais a atividade está sendo za/CE) na esfera da Sala de Ciências - Fortaleza/
realizada, respeitando também os níveis de desen- CE, no ano de 2020. As inscrições para o curso
volvimento dos alunos, além de sempre estar aten- de formação ocorreram através do preenchimen-
to ao tempo da atividade (SOARES et al., 2014). to de formulário virtual. A transmissão do curso foi
A ludicidade está diretamente associada à li- realizada na modalidade remota, através da pla-
berdade, aos ambientes que proporcionam e taforma do Google Meet.
427 35
A Formação Pedagógica foi conduzida quarto copo. Por fim, com o auxílio de uma pipeta

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O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
com o auxílio de slides interativos, abordando os de pasteur, transferiu-se cerca de 2 mL da solu-
principais aspectos que circundam o Ensino de ção de repolho roxo para cada copo.
Ciências atualmente, seguido da apresentação
dos experimentos científicos utilizando materiais Experimento 2: Luz através da água
de baixo custo, evidenciando quais conteúdos Os materiais utilizados para o desenvolvimen-
podem ser relacionados com cada experimento e to deste experimento foram:
onde estes conhecimentos científicos podem ser a) garrafa PET;
encontrados no cotidiano humano. Ao todo, foram b) canudo de plástico;
abordados 4 experimentos, sendo eles: c) pistola de cola quente;
d) água;
Experimento 1: Indicador natural ácido-base e) apontador laser;
Os materiais utilizados para o desenvolvimen- f) bacia.
to deste experimento foram: g) tinta spray marrom.
a) folhas de repolho roxo;
b) copos transparentes; Antes de iniciar este experimento, perfurou-se
c) vinagre; uma garrafa PET (aproximadamente na metade
d) água; de sua altura) na espessura de um canudo de
e) amônia; plástico, onde o mesmo foi acoplado com o au-
f) hidróxido de sódio; xílio da pistola de cola quente. Em seguida, pin-
tou-se a garrafa com tinta spray marrom (proce-
Inicialmente, preparou-se uma solução de re- dimento necessário visando o não espalhamento
polho roxo a partir da extração de substâncias do feixe de luz na garrafa), deixando um pequeno
(antocianinas) presentes neste vegetal, mergu- espaço sem pintar paralelo ao canudo de plástico
lhando algumas de suas folhas em aproximada- acoplado, atrás da garrafa PET. Após a completa
mente 1L de água fervida. Reservou-se 4 copos secagem da garrafa, vedou-se a parte exterior do
transparentes, em que no primeiro copo foi adi- canudo acoplado à garrafa para que fosse possí-
cionado cerca de 10 mL de vinagre, no segundo vel enchê-la de água por completo e tampou-se
50 mL de água, no terceiro 10 mL de amônia e com a tampa. Por fim, colocou-se a garrafa fecha-
no quarto 1 colher de chá de Hidróxido de Sódio da dentro de uma bacia rasa.
(sólido). Em seguida, acrescentou-se aproxima-
damente 50 mL de água no primeiro, terceiro e
428 35
Experimento 3: Líquido não newtoniano CE) obteve um total de 56 inscritos, dentre eles:

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O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
Os materiais utilizados para o desenvolvimen- estudantes de graduação, pós-graduação e pro-
to deste experimento foram: fessores, alcançando, dessa forma, 13 diferentes
a) prato raso; estados do Brasil.
b) amido de milho; Inicialmente, uma abordagem teórica foi reali-
c) água. zada com o auxílio de slides interativos, eviden-
ciando-se a problemática do Ensino de Ciências
Neste experimento, utilizou-se amido de milho, (quais fatores influenciam na aprendizagem dos
água e um prato raso. Primeiramente adicionou- conteúdos de Ciências? Como a abordagem
-se 5 colheres de sopa deste ingrediente no prato destes conteúdos podem ser melhorados?) e os
e, em seguida, adicionou-se água em pequenas desafios encontrados pelos docentes durante o
quantidades, até formar uma mistura com aspec- processo de aprendizagem de crianças e jovens.
to fluídico (que apresenta fluidez). Durante a abordagem, enfatizou-se os tipos de
experimentos científicos (show, ilustrativo, inves-
tigativo e problematizador) (TAHA et al., 2016),
Experimento 4: Lente Mágica
evidenciando, dessa forma, as diferentes formas
Os materiais utilizados para o desenvolvimen-
de abordagem e discussões que podem ser de-
to deste experimento foram:
senvolvidas durante a realização de atividades
a) recipiente transparente;
práticas envolvendo experimentos científicos.
b) água;
Durante todo o momento de formação, os par-
c) folha de papel branca.
ticipantes interagiram através do chat do Google
Meet através de perguntas, relatos de dificulda-
Utilizou-se para este experimento, um reci-
des em realizar atividades práticas experimentais
piente transparente com água até a metade de
na sala de aula e também sobre desafios de atrair
seu volume e 1 pedaço de papel, em que neste
a atenção dos alunos.
estava escrito a palavra “ANULA”. Cada papel foi
colocado atrás do recipiente transparente conten-
Experimentos e Ludicidade
do água para observação do fenômeno.
Experimento 1: Indicador Natural Ácido-Base.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A alteração da coloração em cada copo, de-
A Formação Pedagógica realizada pela equi-
veu-se à presença de substâncias ácidas ou
pe do Sesc Ciência (Sala de Ciências - Fortaleza/
429 35
básicas encontradas nos líquidos utilizados. Isso

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O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
ocorre, pois, as antocianinas presentes no extra-
to do repolho roxo interagem de diferentes formas
na presença de substâncias ácidas ou básicas, de
modo a modificar a cor dos líquidos em cada copo,
como pode ser observado na Figura 1 abaixo.

Figura 2 - Curvatura do feixe de luz no fluxo de água.

Experimento 3: Líquido Não Newtoniano.

Neste experimento, foi possível observar um


fenômeno físico relacionado à força aplicada so-
bre um fluído Não Newtoniano (material que não
Figura 1 - Copo 1: solução de vinagre, copo 2: água, copo 3: solução
possui viscosidade bem definida). Ao misturar
de amônia, copo 4: solução de hidróxido de sódio. amido de milho e água, as partículas do amido
irão ocupar os espaços vazios entre as molécu-
Experimento 2: Luz Através da Água. las de água e, dependendo da força aplicada em
sua superfície, a mistura apresentará um aspecto
Neste experimento, a tampa da garrafa foi re- de sólido (rigidez) ou características de um líqui-
movida lentamente para que a força da gravidade do (fluidez). Quanto maior a pressão exercida na
agisse sobre a água, permitindo sua fluidez atra- mistura, maior a resistência em penetrar em seu
vés do canudo de plástico. Em seguida, o feixe de conteúdo material, por outro lado, quanto menor a
luz proveniente do apontador laser foi mirado no pressão, mais facilmente penetra-se nesta mistu-
pequeno espaço que não foi pintado atrás da gar- ra ou percebe-se seu escoamento, por exemplo,
rafa, sendo possível observar a curvatura do fei- suspendendo-a (Figura 3).
xe de luz através do fluxo de água, alcançando a
mão do expositor, como ilustra a Figura 2 abaixo.
430 35

Milena Lira Rocha - Breno Aragão dos Santos - Nicolas Rui Cruz da Silva
O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
Figura 3 - Líquido Não Newtoniano com aspecto fluídico.

Figura 4 - Palavra lida sem a Lente Mágica (1), palavra lida através
Experimento 4: Lente Mágica. da Lente Mágica (2).

Neste experimento, um recipiente cilíndrico Ludicidade e Formação Pedagógica


contendo água funciona como uma “lente” que in-
verte a imagem gerada quando um objeto (neste A demonstração dos experimentos possibili-
caso, uma ficha contendo uma palavra) é posi- tou o seguinte questionamento aos professores:
cionado na sua parte de trás. Este fato deve-se “Quais dos tipos de abordagem (show, ilustrativa,
ao fenômeno de refração da luz, que pode ser investigativa e problematizadora) você, docente,
observado quando a luz passa de um meio para faria utilizando cada experimento apresentado
outro, alterando sua velocidade e trajetória. A fi- com os seus alunos?”. Nesta circunstância, foi
cha contendo a palavra “ANULA” (Figura 4.1), ao proposto aos docentes, que assistiam à forma-
ser posicionada atrás da “lente”, observa-se a in- ção, um momento de reflexão sobre as diversas
versão desta palavra, sendo possível ler, agora, possibilidades de abordagem dos experimentos
a palavra “ALUNA” (Figura 4.2). Outras palavras científicos demonstrados, promovendo, dessa
que podem ser utilizadas nesta atividade experi- forma, perspectivas lúdicas no desenvolvimento
mental são: osso, arara, ovo, radar etc. de atividades práticas experimentais.
Os participantes da formação puderam inte-
ragir através do chat da plataforma Google Meet
com comentários, sugestões, críticas e opiniões
sobre conceitos teóricos, bem como sobre as
431 35
possibilidades de abordagens dos experimentos. tes no emprego dessas práticas em sala de aula

Milena Lira Rocha - Breno Aragão dos Santos - Nicolas Rui Cruz da Silva
O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
Alguns participantes sugeriram o desenvolvimen- ou laboratórios de Ciências, impulsionando-os em
to das atividades experimentais das quatro ma- abordá-las durante as aulas, promovendo o de-
neiras apresentadas (show, ilustrativa, investiga- senvolvimento de novas aptidões e habilidades,
tiva e problematizadora), como está evidente no além de proporcionar momentos divertidos que
comentário abaixo da participante P., atraem a curiosidade e interesse dos alunos em
conteúdos de Ciência, como é visto nos comen-
“Eu acredito que qualquer experimento pode tários de P. e A., respectivamente, “Nossa, esse
ser utilizado para trabalhar as quatro ideias apre- experimento vai deixar os alunos loucos de curio-
sentadas [...], depende dos objetivos que se quer sidade” e “Os alunos adoram.”
atingir com os alunos. Se for apenas fazer uma
demonstração, ou trabalhar um conceito, ou che- CONCLUSÃO
gar a uma conclusão.”
Atividades práticas experimentais apresen-
indicando as diversas maneiras como o docen- tam-se como estratégias que permitem às crian-
te pode utilizar a prática experimental. ças vivências com fenômenos que são apresen-
Outros comentários, ainda, evidenciam como
tados em sala de aula apenas através da teoria.
a ludicidade está presente na realização dos ex-
A abordagem lúdica de experimentos científicos
perimentos propostos, como é notório no comen-
permite o desenvolvimento da imaginação de
tário da participante C., ao declarar que é possível
quem os contempla, além de proporcionar mo-
mentos de diversão.
“[...] brincar de Ciência”, tonificando o papel da
Portanto, visando a necessidade de levar ex-
ludicidade no processo de aprendizado dos alu-
perimentos científicos de fácil realização para a
nos, ao completar com “brincar e aprender.”
sala de aula (ou qualquer outro ambiente que fa-
A apresentação de experimentos científicos voreça a aprendizagem na esfera da instituição
que requerem materiais de baixo custo mostrou- de ensino), o curso de formação para professo-
-se enriquecedora na bagagem de conhecimento res desenvolveu um conjunto de experimentos
já pertencente aos docentes, visto que parte des- que demandam materiais de fácil aquisição,
sas atividades não faziam parte de suas realida- além de possibilitar ao docente a demonstração,
des pedagógicas diárias. ilustração, problematização e investigação de fe-
A estratégia da utilização de experimentos nômenos cotidianos com seus alunos, de forma
científicos aliados à ludicidade motiva os docen- lúdica e dinâmica.
432 35
Diante disso, conclui-se que a experimentação tal. In: EDUCERE: XII CONGRESSO NACIONAL DE

Milena Lira Rocha - Breno Aragão dos Santos - Nicolas Rui Cruz da Silva
O ENSINO LÚDICO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DE EXPERIMENTOS DE BAIXO CUSTO
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gógico de professores do ensino médio. Ciênc. Educ.,
em sala de aula ou laboratório de Ciências, auxi-
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perior) AVM - Faculdade Integrada, Universidade Cân-
dido Mendes, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: <ht-
tps://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/
posdistancia/54358.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2021.
434

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi realizada como projeto de


dissertação de mestrado apresentado ao Curso
de Mestrado Profissional em Ensino na Saúde
(CMEPES) vinculado ao Centro de Ciências da
Saúde (CSS) da Universidade Estadual do Ceará
(UECE), como requisito parcial à obtenção do tí-
tulo de mestre em Ensino na Saúde. Eu, Namir da
Guia, sou o autor e fui orientado pela professora
doutora Lídia Andrade Lourinho e tem como título:
“O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA
SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL”.
A nossa ideia surgiu do desejo de aliar a práti-
ca esportiva, no caso uma aula de futsal, ao ensi-
no na saúde. Pretendíamos aproveitar o momen-
to em que os alunos estavam descontraidamente
CAPÍTULO 36 praticando um esporte coletivo e simultaneamen-
te inserir uma ação de promoção da saúde. Pla-
nejamos uma aula transversal que desde o aque-

O FUTSAL COMO MEIO DE cimento até a parte principal da atividade o tema


escolhido estivesse sempre presente, com uma

PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM proposta lúdico pedagógica em formato de ginca-


na com duas equipes brincando/jogando entre si,
PROJETO SOCIAL aliada à educação em saúde.
Intencionamos aliar o desenvolvimento de uma
Atividade Física (AF) ao ensino na saúde, já que
Namir da Guia
a AF se configura como uma importante estraté-
Lídia Andrade Lourinho
gia para a promoção da saúde nas mais diferen-
tes faixas etárias da população. A recomendação
para as crianças e adolescentes, que é o público
alvo da nossa intervenção, é de uma média de
435 36
60 minutos de atividades diárias. Estatísticas da centes na Saúde do CEMEPS que tem como um

Namir da Guia - Lídia Andrade Lourinho


O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL
Organização mundial de Saúde (OMS) apontam dos seus objetivos centrais acolher à demanda de
que de quatro em cada cinco adolescentes não qualificação de profissionais da área da saúde ca-
praticam atividades físicas necessárias para obter pacitando-os para a gestão de atividades docentes
os benefícios à saúde que a AF propicia (WORLD em serviço, além de produzir conhecimentos prá-
HEALTH ORGANIZATION, 2020). ticos e metodológicos inovadores, voltados para a
Almejamos que a nossa ação fosse a mais superação de modelos tradicionais de ensino.
lúdico possível, já que a atividade física que de- Sendo assim, esta pesquisa apresenta como
corre do brincar exige da criança um significativo objeto de estudo a interface entre promoção da
consumo de energia que contempla habilidades saúde, ensino na saúde e futsal e tem como ob-
sensoriais e motoras necessárias ao seu desen- jetivo: Analisar uma ação de promoção da saúde
volvimento, pondo em teste diferentes habilida- baseada no ensino e prática da modalidade es-
des que irão proporcionar ganho de força, agilida- portiva futsal, através de jogos e brincadeiras.
de e maior domínio sobre o seu corpo. Constata- Nesse sentido, expõe a considerável questão
-se que com relação ao aspecto físico que ocorre norteadora: O futsal pode ser utilizado como uma
dentro do ambiente escolar, as brincadeiras mais ferramenta para oportunizar conhecimentos e
frequentes entre os jovens são o basquete, o fu- práticas saudáveis em adolescentes?
tebol e as brincadeiras de pegar que favorecem Foi realizada uma pesquisa participante em
que a criança desenvolva e aprimore diversifica- um dos núcleos sociais do Projeto Manoel Tobias
das habilidades como: chutar, correr, agarrar, ar- Futsal Sesc, localizado na cidade de Fortaleza,
remessar e saltar (CORDAZZO; VIEIRA, 2008). para intentar responder a tais questionamentos.
Portanto, nesta faixa etária, podemos relacio-
nar o brincar à introdução da prática esportiva DESENVOLVIMENTO
que se configura especialmente pelos aspectos
físicos e aos fatores de satisfação que são capa- Materiais e Métodos
zes de desenvolver em seus praticantes, fato que
vem sendo fundamental para a iniciação e o de- Trata-se de uma pesquisa participante, de na-
senvolvimento dos esportes coletivos (VILARINO tureza qualitativa. A pesquisa participante estabe-
et al., 2017). lece a sua investigação a partir da introdução e
Este estudo se voltará para a discussão da interação do pesquisador na comunidade, institui-
modalidade esportiva futsal e sua relação com a ção ou grupo estudado. A pesquisa participante,
saúde, que está inserida dentro da área de con- assim como a pesquisa qualitativa, se enquadra
centração: Formação e Desenvolvimento de Do- nos estudos em que os métodos e técnicas di-
436 36
recionados a obter informação quantitativa e “ob-

Namir da Guia - Lídia Andrade Lourinho


O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL
jetiva” não conseguem analisar eficientemente,
já que as ações processuais possibilitam uma
melhor análise deste tipo de conhecimento (HA-
GUETTE, 2005; PERUZZO, 2017). O projeto da
referida pesquisa foi devidamente submetido à
Plataforma Brasil e posteriormente foi deferido
pelo Comitê de Ética da Escola de Saúde Pública
do Ceará (CEP/ESP-CE), sob o parecer de nú-
mero 4.199.696 e em virtude de envolver seres
humanos, a pesquisa, respeitou as resoluções do
Conselho Nacional de Saúde (CNS).
O cenário definido para a execução da inter-
venção foi o núcleo social denominado Sapiran-
ga do Projeto Manoel Tobias Futsal Sesc, que
foi inaugurado no ano de 2019 e se localiza no
bairro Sapiranga/Coité, na cidade de Fortaleza,
no estado do Ceará.

Figura 1 - Perfil sociodemográfico e escolaridade dos participantes


do estudo.

Após delimitar os participantes do estudo foi


definida a temática e para um melhor entendimen-
to de como se realizou a escolha do tema que foi
desenvolvido durante a aula, em primeiro lugar se
considerou trabalhar com um conteúdo atual e a
prioridade foi que a temática fosse relevante para
os alunos. Durante a intervenção enfrentávamos
a pandemia contra a COVID-19 com algumas va-
437 36
cinas ainda na fase de testes. Segundo Guima-

Namir da Guia - Lídia Andrade Lourinho


O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL
Teve como meta avaliar, por in-
rães (2020), foram encontradas diversas dificul- termédio de uma roda de conversa
dades para que a vacina contra o SARS-CoV-2 com os alunos, com o objetivo de
provocar reflexões, discussões e
fosse desenvolvida, e em junho de 2020 existiam Fase 3: relatos de experiência, o tema apre-
23 vacinas sendo testadas em seres humanos. avaliação sentado durante a intervenção lú-
Portanto o tema escolhido foi o da vacinação, dico-pedagógica no que se refere à
prática do futsal como meio de pro-
já que a promoção da saúde e a prevenção de
moção da saúde para adolescentes
riscos necessita o auxílio de procedimentos pre- participantes de um projeto social.
ventivos, entre eles o da vacinação que deve ser
realizada mediante atividades programadas que Os dados foram analisados por meio da técni-
proporcionem o cuidado necessário no momento ca de análise de conteúdo de Minayo (2014).
apropriado no transcorrer da vida dos indivíduos.
O Ministério da Saúde estabelece os calendários AÇÃO PEDAGÓGICA
de vacinação que são planejados em atenção aos
grupos prioritários respeitando o ciclo de vida dos O início da ação pedagógica foi a elaboração
pacientes (DUARTE et al., 2020). do plano de aula pois o planejamento no ensino
No Quadro 1 apresentamos a coleta de dados evidencia uma construção coordenadora do tra-
que ocorreu em três momentos. balho docente que enquanto método, alicerça e
norteia a prática adequada indo de encontro aos
Quadro 1 - Fases da coleta de dados objetivos almejados. Uma eficiente ação pedagó-
FASE OBJETIVO DA FASE gica não deve ser improvisada sem o devido pla-
nejamento, já que o ato de planejar é inerente à
A primeira fase da coleta de dados
Fase 1: educação (BOSSLE, 2002).
consistiu no planejamento de uma
elaborar o plano de Para que o planejamento consiga facilitar a
ação com base no ensino e prática
aula
da modalidade esportiva futsal. preparação e a organização das aulas, aconse-
lha-se o desenvolvimento de um plano de aula
Consistiu na aplicação da interven- que inclua em sua estrutura, ao menos um roteiro
ção que foi realizada e se subdivi- com estratégias pré-estabelecidas (TAKAHASHI;
diu em três etapas: escolha do tema FERNANDES, 2004).
Fase 2:
que foi utilizado no planejamento
ação A seguir apresentamos o planejamento de
de aula; elaboração do planejamen-
to de aula e a ação em si, que con- uma das quatro atividades desenvolvidas duran-
siste na execução da aula. te a aula, que consiste em uma competição entre
438 36
duas equipes que devem contornar os cones em

Namir da Guia - Lídia Andrade Lourinho


O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL
condução de bola, ler o nome da vacina e a res-
pectiva doença a que se relaciona e trazer a bola
para o próximo companheiro. Vence a corrida a
equipe que chegar em primeiro lugar.

Figura 3 - Materiais desenvolvidos pelos alunos durante a oficina.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Figura 2 - Fundamento de condução de bola abordando o tema da Atividade Física, saúde e vacinação
vacinação.

O desenvolvimento esportivo pode ser consi-


A intervenção foi iniciada com uma oficina, derado como uma das principais Atividades Físi-
momento no qual os alunos foram convidados a cas (AF) no período da infância conseguindo pro-
montar o material que seria utilizado na ativida- porcionar de maneira significativa a expansão do
de. Foi um momento de trocas de experiências e vocabulário motor das crianças. Buscam-se estí-
informações muito produtivo já que nesta fase se mulos adequados para que se consiga alcançar
iniciou descontraidamente o processo de ensino- padrões adequados de movimentos fundamentais
-aprendizagem. que possibilitam a iniciação esportiva, de jogos e
Na imagem a seguir demonstramos um cone tra- de atividades recreativas (SANTOS et al., 2015).
balhado durante a oficina que de um lado apresen- A prática regular de AF pode agregar significa-
ta o nome da vacina (BCG) e do outro o nome da tivos benefícios à saúde, contribuindo como um
doença (tuberculose) que ela se destina a proteger. valoroso aliado na prevenção de doenças já que
crianças que não tem a possibilidade de realizar
brincadeiras com atividades físicas podem se ex-
por a problemas de saúde, como apresentar as
aptidões físicas e cardiovasculares comprometi-
das (CORDAZZO; VIEIRA, 2008).
439 36
Um estilo de vida ativo associado à prática re- O Ministério da Saúde realiza o planejamen-

Namir da Guia - Lídia Andrade Lourinho


O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL
gular de atividades físicas consegue produzir há- to dos calendários de vacinação em atenção aos
bitos saudáveis que objetivam refinar a qualidade grupos prioritários e aos ciclos de vida da popu-
de vida das pessoas, pois, além de contribuir com lação como meta de se tornar uma ação preven-
a prevenção de doenças, as práticas regulares tiva que promova a saúde e preserve vidas me-
das atividades físicas atuam como uma importan- diante intervenções programadas. Os jovens e as
te ferramenta que contribui no progresso do de- crianças pertencem aos grupos prioritários, já que
senvolvimento da educação e da promoção em além da vacinação infantil reduzir a possibilida-
saúde (FERREIRA; DIETTRICH; PEDRO, 2015). de de surtos epidêmicos funciona como um im-
A vacinação pode ser entendida como outro portante procedimento de prevenção de doenças
importante aliado para a promoção de saúde da imunopreveníveis. Pretendendo a imunização em
população atuando de forma profilática intentan- massa, calendários vacinais são desenvolvidos
do que a população sadia não adoeça. As vacinas conforme a faixa etária das crianças objetivando
realizam a imunização, de forma artificial, com o o controle e a erradicação das doenças (DUARTE
propósito de prevenir as doenças infecciosas e se et al.,2020; SOUSA; VIGO; PALMEIRA, 2012).
apresentam eficazes na contenção de doenças
Eu me sinto bem porque ainda de ajudar a nos
como: tuberculose, tétano, sarampo, rubéola, po- livrar de alguma doença pode nos prevenir de
liomielite, hepatite B, febre amarela, coqueluche outras coisas como muitas doenças, infecções,
e caxumba (SANTOS; ALBUQUERQUE; SAM- aí toda vida que tem a campanha nosso respon-
PAIO, 2012). sável nos leva para nos vacinar e nos prevenir
mais ainda ‘’ (A 14).
Sempre fui obrigado a ir tomar vacina, tinha
medo e não gostava, agora que aprendi que é A infecção causada pelo Papilomavírus Huma-
importante vai ser diferente (A 01). no (HPV) é tida como a infecção viral com maior
incidência entre as pessoas sexualmente ativas.
Achei bom, porque é, as vacinas, é...nós pre- Em virtude da probabilidade de relacionamento
cisamos saber o nome delas porque as vezes com inúmeros parceiros sem a utilização de pre-
precisamos, é, ter a responsabilidade de ir ao
servativos, a possibilidade de infecção aumenta
posto só , porque a vacina BCG protege contra
as formas da tuberculose, a VIP/VOP contra a durante a adolescência (OLIVEIRA et al., 2020).
poliomielite […] a GRIPE protege contra o vírus A Organização Mundial de Saúde (OMS) reco-
influenza e as vezes nós vamos precisar porque menda a vacinação contra o HPV antes do início
nós nunca vamos ter o nosso responsável para das relações sexuais e a proteção vacinal reali-
sempre (A 10).
zada nas meninas consegue reduzir a incidência
440 36
de infecção por HPV nos meninos. O HPV é res- CONCLUSÃO

Namir da Guia - Lídia Andrade Lourinho


O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL
ponsável por cânceres que se desenvolvem em
distintas partes do organismo humano: câncer de Uma das principais incumbências do professor
ânus, de colo de útero, de vagina, de vulva e de consiste no desenvolvimento de habilidades faci-
pênis. A organização vacinal recomendada é de litadoras que fomentem e edifiquem os saberes
duas doses com intervalo de seis meses. Apesar dos alunos, inseridos dentro do processo de for-
de um número elevado de diagnósticos de cân- mação acadêmica, já que uma ação pedagógica
cer de colo de útero, em adolescentes, originados eficiente requer uma análise sistemática sobre a
pela elevada incidência de infecções por HPV, atividade e as metodologias de ensino que estão
ainda constatamos uma pequena cobertura vaci- sendo aplicadas.
nal (CARVALHO et al., 2019). Objetivando contemplar às necessidades so-
ciais no campo da educação, da saúde e da cultu-
Eu achei importante, o HPV é a infecção sexual ra, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), do
mais comum, são vírus que atacam a pele pro-
ano de 2018, ratificam que no âmbito da gradu-
vocando verrugas ou lesões que podem causar
ação em Educação Física deve-se privilegiar as
câncer
(A 11). mais variadas formas e modalidades do exercício
físico, de jogos e de esportes.
Porque pode prevenir do câncer e até da morte Este trabalho solidificou a eficácia de se inserir
porque ele pode trazer a morte e pode até trans- o esporte coletivo, através de jogos e brincadei-
mitir para outras pessoas (A 6). ras, como instrumento facilitador para o ensino na
saúde. Acreditamos que o estímulo que a educa-
Para que as vacinas possam ser comerciali-
ção em saúde aliada a prática esportiva nos traz,
zadas e aplicadas, elas devem ter sido aprova-
contribui significativamente para auxiliar no aper-
das na fase de testes que é supervisionada pela feiçoamento da prática pedagógica das aulas de
agência sanitária do país, que no caso do Brasil Educação Física.
é a Anvisa. A eficácia de uma vacina está direta- O mérito da pesquisa origina-se no fato de ser
mente relacionada a longa memória imunológica uma área ainda muito pouco explorada e se con-
que deve ser capaz de oferecer, demonstrando solida nos resultados que demonstram que tive-
segurança com efeitos colaterais reduzidos, pos- mos êxito ao conseguir utilizar o futsal como fer-
sibilitando uma proteção de pelo menos dez anos ramenta que proporcionou conhecimentos e práti-
(GUIMARÃES, 2020). cas saudáveis nos adolescentes do núcleo social
Sapiranga. Buscou-se conciliar a alegria de jogar
à promoção da saúde e o resultado foi fascinante.
441 36
Conclui-se com a pesquisa que por se tra- Conceição. Vacinação como demanda programada: vi-

Namir da Guia - Lídia Andrade Lourinho


O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL
tar de uma abordagem divergente que abrange vências cotidianas de usuários. Revista Brasileira de
paradigmas inovadores, para que o ensino na Enfermagem, Brasília, v. 73, n. 4, p. 1-19, abr. 2020.
saúde possa ser desenvolvido simultaneamente
FERREIRA, Joel Saraiva; DIETTRICH, Sandra Helena
com o esporte coletivo teríamos que realizar alte-
Correia; PEDRO, Danielly Amado. Influência da prática
rações na perspectiva com que os profissionais
de atividade física sobre a qualidade de vida de usuá-
da Educação Física trabalham com a temática. rios do SUS. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39,
Ambicionamos que este estudo possa servir de n. 1, p. 792-801, jan. 2015.
norte atuando como instrumento facilitador para
iminentes intervenções pedagógicas que inten- GUIMARÃES, Reinaldo. Vacinas anticovid: um olhar
cionem contemplar a demanda social, cultural e da saúde coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de
de saúde dos nossos alunos se convertendo em Janeiro, v. 25, n. 9, p. 3579-3585, set. 2020.
uma tendência promissora que ofertará muitos
HAGUETTE, Teresa Maria Frota. Metodologias quali-
benefícios aos nossos jovens.
tativas na sociologia. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

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Namir da Guia - Lídia Andrade Lourinho


O FUTSAL COMO MEIO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM PROJETO SOCIAL
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WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines on


physical activity and sedentary behaviour. Geneva:
World Health Organization, 2020.
443
INTRODUÇÃO

“Purposyum - Desafios da Justiça” é um jogo


de cartas colaborativo para estimular narrativas
orientadas pelos objetivos, iniciativas e estraté-
gias de resolução de problemas identificados à
campanha “Educação para a Justiça” do Escri-
tório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC). Os participantes, em equipes tri-pla-
netárias, buscam o desenvolvimento humano em
escala cósmica, começando pelo Sistema Solar.

CAPÍTULO 37
PURPOSYUM: DESAFIOS DA
EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA Figura 1 - Alunos da ETEC Parque da Juventude, São Paulo, co-
-criaram roteiro e mecânicas do jogo com estudantes da USP sob a
coordenação do laboratório “Cidade do Conhecimento”.

Gilson Schwartz
A iniciativa teve início em 2017 quando a ONU
realizou a chamada internacional United Nations
Office on Drugs and Crime (UNODC), um concur-
so de jogos não-digitais educativos para comuni-
dades com eletricidade e internet precárias que
promovessem a consciência crítica sobre direi-
tos humanos, racismo, porte de armas, guerras,
444 37
violência de gênero, corrupção e uso de drogas. Um grupo de alunos da Escola Técnica Esta-

Gilson Schwartz
PURPOSYUM: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA
Foram selecionados 10 projetos de jogos no mun- dual (Etec) Parque da Juventude (situado onde
do todo, entre eles, o Purposyum, Challengers of outrora existiu o presídio do Carandiru) aceitou o
Justice, que serão distribuídos mundialmente em desafio de resgatar a popularidade dos jogos de
escolas associadas à UNESCO em 2019. tabuleiro no ambiente escolar. Em parceria com a
A expectativa é que o projeto desempenhe Universidade de São Paulo (USP), os estudantes
impacto real e seja um instrumento inovador que participaram ao longo de um ano de oficinas de
dissemine a universalização da tolerância. Para a criação de jogos não digitais para abordar direitos
comunidade da USP, o desejo do núcleo de pes- humanos e justiça.
quisa é aproximar pessoas apaixonadas por ga- O próprio contato com a direção da escola foi
mes e jogos, ampliando a rede de conhecimento feito por um ex-aluno da ETEC e graduando no
e fomento. O horizonte comum está no desafio Curso Superior do Audiovisual da USP, Luigi Riz-
de criarmos jogos integrados a processos audio- zon. A proposta era atuar no desenvolvimento do
visuais que transformem nossa sociedade, mobi- projeto aprovado no concurso de jogos não digi-
lizando para a justiça e a igualdade essa força de tais para incentivar a consciência crítica sobre as-
futuro que são nossas crianças e jovens. suntos como direitos humanos, racismo, porte de
armas, guerras, violência de gênero, corrupção e
uso de drogas.
Inicialmente 25 estudantes do Ensino Técnico
Integrado ao Médio foram divididos em dois gru-
pos, realizaram reuniões após as aulas regulares
para desenvolver os jogos, sob a orientação de
alunos e professores da USP.
Elvirley de Oliveira, conhecido como “Elvis”, foi
o professor e coordenador na ETEC, reforçando
junto aos alunos a importância da abordagem dos
direitos humanos como uma temática historica-
mente importante para a continuidade na trans-
formação do local onde a escola está localizada:
o Parque da Juventude abrigou o Complexo Pe-
Figura 2 - Purposyum, Challengers of Justice “Purposyum - Desafios nitenciário do Carandiru. A opção de fazer jogos
da Justiça”.
não digitais também promoveu a interação ‘cara a
445 37
cara’ entre os alunos e permitiu discussões impor- sal e nacionalismo individual foram trabalhadas, e

Gilson Schwartz
PURPOSYUM: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA
tantes sobre questões sociais. perguntas como “Salvar a todos ou salvar a mim
mesmo? A minha nação é mais importante que as
DESENVOLVIMENTO outras? Quais são os conflitos que perpetuam a
rivalidade entre algumas nações?” surgiram para
Desde, o início do desenvolvimento do jogo foi nortear o design do jogo.
feito o diálogo com as escolas públicas e parti- Ficou evidente que é possível aprender, brin-
culares, com a ajuda do mediador Luigi Rizzon, cando, sobre justiça, igualdade, respeito e reco-
bolsista do grpo de pesquisa Cidade do Conhe- nhecimento, estado de direito, tolerância, diversi-
cimento (www.cidade.usp.br). Ex-aluno da ETEC dade. Claramente os desafios são temas mons-
Parque da Juventude, Rizzon fez a conexão com truosos. Mas brincar não é também aprender a
a escola para que os alunos criassem um jogo de matar monstros? Os obstáculos de integrar temas
tabuleiro. O grupo inicial de 25 estudantes chegou complexos em uma lógica não tão exata, mas lú-
a quatro ideias diferentes de jogos. Além disso, dica, tornam-se claros na discussão entre os alu-
estudantes da Faculdade de Direito e uma parti- nos. É preciso também enfrentar a dificuldade
cipante da Universidade Aberta à Terceira Idade, de transformar o sistema pedagógico tradicional
matriculados na disciplina Seminário Temático, a partir de uma visão orientada por plataformas
participaram do processo criativo do projeto. criativas, diversificadas e empreendedoras, em
Christian Alexsander Martins, aluno do Departa- que o objetivo seja ampliar horizontes ao invés de
mento de Artes Cênicas (CAC), foi um dos orienta- condicionar os alunos ou simplesmente “fazer a
dores do projeto na ETEC. O desafio foi enfrentado cabeça” da garotada.
por meio de pesquisas e brainstorms, deixando os A concepção dos projetos é baseada na meto-
estudantes livres para desenvolver o projeto. dologia das game jams – reuniões nas quais pes-
Uma das ideias iniciais era de um jogo em que soas de diferentes áreas de conhecimento criam
as nações podem se unir para construir uma má- um jogo em torno de um tema específico, em um
quina juntas e salvarem a órbita dos planetas do tempo predeterminado. Nesse contexto, a equipe
sistema solar, impedindo que o sol consuma tudo, de apoio deu voz à experiência de cada aluno,
ou uma nação, separadamente da outra, pode jun- além de resgatar memórias de jogos e brincadei-
tar seus artefatos e maquinarias, criar uma outra ras para que as ideias tomassem corpo.
máquina e simplesmente se safar, sozinha, dessa Os estudantes chegaram a quatro protótipos:
situação de destruição. Por meio do processo de o  Jogo da Consciência, o Diário de Dandara,
criação do jogo, a noção de comunidade univer- o PlanIt e o CourtSymulator.  A partir daí teve iní-
446 37
cio um trabaho de consolidação dos protótipos o grau de consciência desse problema que pode

Gilson Schwartz
PURPOSYUM: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA
para chegar a uma versão final, encaminhada à ser solucionado apenas superando os egoísmos.  
agência da ONU. Cada time propõe, por meio de planejamento
A criação de jogos é uma dimensão essencial e trabalho em equipe, iniciativas ou soluções aos
da alfabetização midiática e informacional. Criar riscos sistêmicos, os Desafios de Justiça. Fenô-
jogos é estar preparado a decifrar e atuar em sis- menos como racismo extremo, genocídios, “fake
temas, digitais ou não, que são vitais e nos dão news” em larga escala e em todos os setores da
muitas vezes uma sensação de controle, sobe- vida (não apenas na política), liberalização irres-
rania e conhecimento que é apenas superficial. trita do porte de armas de todos os tipos, aque-
O projeto ficou pronto em 2019 e foi contou com cimento global e dependências comportamentais
apoio da Reitoria da USP para uma primeira edi- as mais variadas tornaram-se epidêmicas, amea-
ção de 5 mil exemplares já em circulação, ape- çando a natureza e as culturas, a humanidade e
sar das dificuldades decorrentes da pandemia de sua evolução no Cosmos.  
Covid19. Além do jogo em portugês, há versões
disponíveis online para inglês e árabe.
A partir do momento em que exercitamos uma
pedagogia lúdica, seja qual for o tema do jogo,
seus recursos retóricos ou mecânicas de ‘jogabi-
lidade’, estamos reconhecendo o direito do outro
jogar. Com isso, aceitamos que toda a diversida-
de é possível, tolerável e respeitável.
Desenvolvemos ao longo de milhares de anos
um conhecimento da natureza e uma diversidade
de culturas, uma capacidade de controle tecno- Figura 3 - O jogo foi lançado em Londres em janeiro de 2020, sema-
nas antes do “lockdown”, como atividade da bolsa CAPES-PRINT-
lógico e uma percepção de que existem experi-
-USP 2019-2020 em parceria com o King´s College de Londres em
ências comuns. Como usar esses recursos para seu Departamento de Humanidades Digitais.
aumentar a consciência em cada indivíduo das
experiências e desafios dos outros? MARCO TEÓRICO
Em “Purposyum”, o reconhecimento de direi-
tos é uma experiência individual e coletiva em Não basta criar e alimentar redes digitais se
cada um dos Desafios da Justiça. Ao ativar os elas atendem a objetivos de homogeneização de
Desafios, é preciso encarar o problema, aumentar comportamentos. O jogo não digital abre essa
447 37
oportunidade para uma crítica do desenvolvimen- -se partes de um processo dinâmico de formação

Gilson Schwartz
PURPOSYUM: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA
to de redes sociais dominadas por agendas que de redes abertas foi desde o início um pressu-
não exigem real participação política dos envolvi- posto do projeto da “Cidade do Conhecimento”,
dos. Mais que nunca a dimensão lúdica precisa que surgiu como projeto em resposta a um con-
estar associada à necessidade de fazer pontes curso público do Instituto de Estudos Avançados
entre o desenvolvimento econômico, social e cul- da USP, em 1999.
tural de uma comunidade. Ao longo de mais de 20 anos, o projeto evoluiu
Estamos na era da “iconomia”, ou seja, a eco- para tornar-se um grupo de pesquisa com foco na
nomia dos ícones. Para que possamos avançar, experimentação com novas mídias e grande ênfase
é urgente uma nova perspectiva teórica, novos na dimensão lúdica do aprendizado, conectando as
conceitos de educação profissionalizante, uma tecnologias de informação e comunicação a áreas
nova prática nas áreas de cultura e extensão na aplicadas de humanidades e empreendedorismo.
universidade, uma aproximação não apenas en- É um laboratório de redes, sempre voltado para
tre áreas do conhecimento, mas também entre a inovação e a formação de parcerias estratégi-
práticas sociais no setor privado, no setor público, cas com outros grupos e diferentes unidades na
na academia e no chamado terceiro setor. USP e fora do campus, no Brasil e internacional-
Ainda estamos presos no Fla-Flu dos discursos mente, como a rede “Games for Change”. Desde
de ódio em torno da propriedade privada, de um 2005, o grupo está associado ao Departamento
lado, e do aparelhamento ideológico do Estado, de de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunica-
outro. A mudança cultural e prática ocorre aos pou- ções e Artes da USP e a partir de 2010 integra-se
cos e, sempre é bom lembrar, com recuos, fracas- ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
sos e desvios. O anjo da história avança olhando Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades da
para trás; o progresso se faz a contrapelo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma-
Além da questão teórica e política, o Brasil está nas (FFLCH).
muito atrasado no investimento em infraestrutura O propósito essencial é transformar a própria
tecnológica e formação profissionalizante voltada experiência de produção de conhecimento univer-
para a emancipação digital (ou seja, a inclusão sitário projetando desafios e soluções em redes
digital que gera riqueza, identidade e conheci- estratégicas de cooperação e inovação que pas-
mento, não apenas oportunidade de consumo de sam, mas não se limitam à esfera digital.
máquinas ou serviços de massa). O futuro da educação está na ampliação des-
A busca de um marco teórico através do qual sas redes, consagrando uma metodologia par-
a educação, a tecnologia e a cidadania tornam- ticipativa e com prioridade para a diversidade,
448 37
algo que se conhece como multistakeholderism e escola pode e precisa ser transformada, o pro-

Gilson Schwartz
PURPOSYUM: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA
poderia ser bem traduzido como pluralismo. Não fessor tem um papel de liderança e mentoria, e
basta criar e alimentar redes se elas atendem a estudar pode ser não apenas divertido, mas em-
objetivos de homogeneização de comportamen- polgante e inseparável de nossos sonhos, proje-
tos. Dessa perspectiva, as ditas redes sociais do- tos e atitudes.
minadas por agendas que não exigem real parti- Criatividade é o nome do jogo. Fala-se muito
cipação política dos envolvidos é um horizonte de em educação a distância como principal horizonte
liberdade superficial. da convergência entre tecnologia e educação. É
Trata-se de uma perspectiva inovadora, com- uma visão parcial, que privilegia a massificação,
prometida com a crítica social e com a crítica à ou seja, o aumento no acesso ao conteúdo, po-
chamada “cultura gamer”. Tornou-se urgente pro- rém geralmente como forma de reduzir custos do
mover oficinas e cursos de game design, orienta- lado da oferta, sem necessariamente tornar mais
ção para professores sobre uso de games e ativi- criativa a participação dos alunos.
dades especiais para crianças e adolescentes em Os profissionais de design instrucional pode-
escolas, ONGs e empresas. O objetivo é formar rão ampliar significativamente a participação cria-
pessoas com capacitação para colocar o Brasil no tiva dos alunos quando integrarem suas platafor-
mapa global dos games com foco em criatividade, mas ao universo dos games. Jogar, brincar, fazer
cultura, política, economia e cidadania. a imersão em mundos virtuais é ir muito mais lon-
Para entender a emergência dos games como ge do que a mera transmissão em larga escala
forma cultural, como atividade econômica e até de conteúdos pré-gravados, de conteúdos dispo-
como estratégia para mudar o mundo, é preciso ter níveis em ambientes como o Moodle etc.
consciência das relações entre o virtual e o real. O O professor deixa de ser um mero gerente de
foco é digital, mas a abordagem é interdisciplinar e plataformas de massificação da distribuição de
tem como horizonte a chamada internet das coisas conteúdo para participar, literalmente, do jogo, ar-
conectadas, ou seja, a criação de um novo mundo bitrando, mediando, promovendo e organizando
em que as conexões entre máquinas, pessoas e a brincadeira.
lugares contribuem para melhorar a sociedade e O principal desafio está na criação de empre-
aprimorar nossa vida individual e coletiva. go, renda e novos circuitos de geração e acumu-
Tem gente que acha que a escola é uma ins- lação de capitais que traduzam práticas de mer-
tituição falida, que o professor é um personagem cado na economia da cultura, do audiovisual e do
ultrapassado e que estudar é para quem não tem conhecimento digital. Um novo capitalismo surge
mais o que fazer. Vamos jogar em outra linha: a no século 21 animado por uma redução radical
449 37
nos custos de coordenação numa variedade im- sas globalizadas, quem ficar fora da “mesh” será

Gilson Schwartz
PURPOSYUM: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA
pressionante de atividades humanas. A colabora- incapaz de competir por não saber compartilhar.
ção no mercado chegará a níveis inéditos, privile-
giando o acesso compartilhado em detrimento da CONCLUSÃO
propriedade pura e simples.
O capitalismo se reinventa valorizando uma A decodificação das mensagens propositais a
nova forma de coletivismo. No entanto, em oposi- partir das cartas de “Purposyum” envolve a coo-
ção ao coletivismo totalitário que predominou até peração na compreensão dos recursos de cada
a queda do Muro de Berlim, trata-se a partir de planeta do Sistema Solar e também na sua apli-
agora de um novo modelo de relacionamento hu- cação a cada Desafio da Justiça. Não há mági-
mano que busca inspiração na cooperação livre e cas, azar ou receitas, mas busca de consensos.
na criatividade responsável. Para superar os bloqueios, resistências e pre-
No centro dessa nova formação social e eco- conceitos necessários para uma atitude positiva
nômica está a “mesh”, ou seja, um tipo de cola- diante dos Desafios da Justiça, é importante que
boração que se torna viável e ganha potência por todos os indivíduos vivenciem, pelo diálogo, pe-
meio da rede digital, das tecnologias de informa- las narrativas e pelas decisões individuais e co-
ção e comunicação (a “network assisted sharing”). letivas, essa confiança no tempo necessário para
A coordenação, privada ou pública, substituirá a que aconteça uma autêntica e sustentável supe-
propriedade privada de um número enorme de ração das injustiças que impedem a evolução da
ativos por parte dos indivíduos, das famílias e das espécie humana no Cosmos.
empresas. É algo que passa, mas não se esgota A principal dificuldade para quem está interes-
no que, hoje, se conhece popularmente como “re- sado numa atitude crítica no mundo dos games
des sociais”. está na cultura ora bacharelesca, ora paternalista
A “mesh” revoluciona profundamente a ativida- de quem fala e propõe mudanças sociais. De um
de humana gerando disrupção na maior parte das lado, há uma turma de intelectuais e tecnocratas
indústrias e instituições, não apenas na chamada que acredita na transformação social como resul-
indústria cultural ou economia criativa. Para os tado de decisões geniais adotadas de cima para
empreendedores criativos será uma oportunidade baixo. De outro, há muita gente que ainda asso-
histórica sem precedentes para gerar valor rein- cia  transformação social  a filantropia, caridade
ventando setores e abrindo novas fronteiras de ou, pior, demagogia.
mercado. Do jovem que ainda está nos bancos Para jogar o jogo da mudança, é preciso
da faculdade aos dirigentes das grandes empre- evoluir para uma cultura em que todos façam
450 37
parte do jogo da mudança. É um jogo de ga- ZAMBARDA, P. Projeto da USP lança, com parcerias

Gilson Schwartz
PURPOSYUM: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA
nha-ganha, enquanto as visões tecnocráticas globais, o game Purposyum Challengers of Justice.
ou paternalistas partem do pressuposto de que 2020. Disponível em https://dropsdejogos.uai.com.br/
noticias/exclusivo-projeto-da-usp-lanca-com-parcerias-
uma parte da sociedade está pronta e apenas o
-globais-o-game-purposyum-challengers-of-justice/.
“resto” precisa mudar.
Vamos mobilizar pessoas, empresas e institui-
ções para fazer do vídeogame, dos jogos sociais
e das interfaces digitais uma fronteira tecnológica
comprometida com a mudança do mundo e a su-
peração da violência que, gostemos ou não, quei-
ramos ou não, habita cada um de nós como um
risco potencial, recorrente e inevitável.

REFERÊNCIAS

Folha de São Paulo. Evento discute economia criativa


e mundo em rede, 26/03/2011. Dsponível em: https://
www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2603201131.htm.

Purposyum, Desafios da Justiça (disponível para


download, “print and play”) https://www.unodc.org/e4j/
en/secondary/non-electronic-games/purposyum.html

Purposyum, Replay Mix 04, Gamechangers, Disruptive


Media Learning Lab (DMLL). Universidade de Coven-
try, Inglaterra. Depoimentos de alunos do Colégio
Pestallozzi. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=la4DUwJcZFE

SCHWARTZ, G. Beyond the Digital: Games for Hope,


Change and Emancipation, in Fantasy Animation. Dis-
ponível em: https://www.fantasy-animation.org/curren-
t-posts/2020/4/28/beyond-the-digital-games-for-hope-
-change-and-emancipation. 2020.
451

INTRODUÇÃO

A brincadeira é uma atividade corriqueira que


faz parte da vida da criança e desde os tempos
remotos as brincadeiras populares perpassam
por grandes modificações e em pleno século XXI
são perceptíveis na sociedade contemporânea
que essas brincadeiras têm perdido seu espa-
ço para a tecnologia, sobretudo o ato do brincar
na infância faz alusão a melhor fase da vida da
criança, ao qual tem um papel fundamental no de-
senvolvimento do ser humano aos aspectos cog-
nitivos, motores, sociais, culturais e individuais,
assim “Tanto os brinquedos, quanto as brincadei-
ras trazem a imagem do seu tempo” (SILVA et al.,
2017, p. 64). Desse modo, as crianças, jovens,
adultos carregam consigo lembranças vividas em
CAPÍTULO 38 suas épocas e a manifestação do brincar.
Outrossim, as brincadeiras de infância recorrem
e fazem parte do dia a dia de muitas gerações, pois

RECORDAR É VIVER AS os momentos afáveis nos remontam a reviver lem-


branças que foram prazerosas na infância através

BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA: do lúdico, das brincadeiras, dos jogos, ao passo,


que são atividades que contribui de forma signi-
UM RESGATE DA CULTURA ficativa para as ações educativas e sociais, bem

POPULAR como, “O “brincar” esteve sempre ligado ao ato de


educar e ensinar”, Vieira (2019, p. 18).
Indubitavelmente, as brincadeiras populares
Maria Cícera dos Santos Barbosa se destacam pelas características lúdicas, dinâ-
Maria José de Brito Araújo micas, interativas e significativas em seus afins,
assim sendo, as brincadeiras como amarelinha,
pula-corda, bandeirinha, cabra cega, cabo de
452 38
guerra, caiu no poço, esconde-esconde, jogo das de vida, cuja ramificação é autobiográfica, en-

Maria Cícera dos Santos Barbosa - Maria José de Brito Araújo


RECORDAR É VIVER AS BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA: UM RESGATE DA CULTURA POPULAR
pedrinhas, mestre mandou, pula elástico, morto fatizando as contribuições e a importância das
vivo, passa anel, pega-pega, pula-saco, telefone brincadeiras populares. Nesse sentido, é uma
sem fio, ainda se fazem presentes em algumas pesquisa do tipo, qualitativa, justificando essa
situações em pleno tecido social e educacional. tipologia por meio da descrição e análise pre-
De conformidade com as ideias de Freire sentes como afirma Minayo (1994), abordando
(2002) o ser humano em sua essência tem o seu relatos e experiências vivenciadas na cultura em
lado criança e o ato de brincar nunca passa, pois, conjuntura com a construção dos valores éticos,
o futuro é o que nos move, a fim de que possamos estéticos, políticos e culturais. Assim, caracte-
crescer, mesmo com a idade avançada a mente rizando como acervo cultural e regional, a qual
nunca falha ao relatar e recordar brincadeiras vi- deu sentido a temática abordada.
venciadas ao longo da vida quando criança.
Este trabalho tem como propósito resgatar as A IMPORTÂNCIA DAS BRINCADEIRAS
contribuições significativas das brincadeiras tradi- POPULARES NA INFÂCIA
cionais, bem como refletir historicamente as situ-
ações vividas na infância no que se refere a ludi- As brincadeiras na vida da criança é uma fer-
cidade. Uso, para tanto a primeira pessoa (Eu), ramenta indispensável para os momentos de lu-
como protagonista da ação, me identificando atra- dicidade, educativos e do brincar, pois se inicia
vés das iniciais de meu nome (M. C.) e, nesse desde o nascimento com o auxílio do adulto e
percurso, faço menção a orientadora, identifica- vai se perpetuando ao longo da vida, de acordo
da por (M.J.B.), a qual lembra que essa pesquisa com Piaget (2003), pelo brincar a criança é inse-
está centrada na história de vida, portanto auto- rida na cultura social, a mesma se encarrega de
biográfica, pois, trazem relatos da infância perti- promover a discussão no momento da ludicidade,
nentes as questões concernentes as lembranças descontração, interação e as regras são extrema-
pessoais do ato de brincar e suas contribuições mente importante para poder participar, além de
para o desenvolvimento integral da protagonista, serem flexíveis no ato de realizar as brincadeiras
quando criança. podendo assim os participantes definir as regras
Para realização deste trabalho, utilizou-se ou dificultar o nível da mesma. De acordo com as
uma pesquisa bibliográfica, através das contribui- Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
ções dos teóricos da área, entre eles, destaca-se Infantil (2010) as crianças devem ser vistas como:
Fonseca (2002), bem como documentos oficiais, [...] sujeito histórico e de direitos que, nas intera-
em destaque se fez uso da abordagem história ções, relações e práticas cotidianas que viven-
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cia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, mentos provêm da imitação de alguém ou de

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brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, ob- algo conhecido, de uma experiência vivida na
serva, experimenta, narra, questiona e constrói família ou em outros ambientes, do relato de um
sentidos sobre a natureza e a sociedade, produ- colega ou de um adulto, de cenas assistidas na
zindo cultura (BRASIL, 2009, p.12). televisão, no cinema ou narradas em livros etc.
(BRASIL, 1998, p. 27).
Sobretudo, efetiva-se as contribuições das
brincadeiras na construção da identidade e au- É perceptível que as brincadeiras são passa-
tonomia do sujeito em seu desenvolvimento psí- das de geração a geração e conforme são viven-
quico, cognitivo e intelectual, para tanto reviver é ciadas na infância se caracterizam pela cultura
recordar as brincadeiras de infância constituídas local, regional, compondo assim as tradições fa-
quando criança para inibir de forma prazerosa a miliares do cantar brincando, das gargalhadas,
autenticidade do brincar, em seus espaços, ruas, alegria, a empolgação das crianças que envolve
sítios, bairros, escolas, parque, praças públicas, o seu entorno, das cantigas de roda, do pegar nas
ambiente familiar, no quintal, ações livres aos mãos, da euforia, porém, se sabe que conforme
quais podiam e podem correr, pular, gritar, saltar os anos se passam vão se modificando confor-
e viver momentos felizes e eufóricos. me a cultura contemporânea. De conformidade
Nessa harmonização Kishimoto (2010, p.1) com Almeida (2012, p. 12-13): “Com as mudan-
enfatiza que: “o brincar é uma ação livre, que ças da sociedade desde os homens primitivos até
surge a qualquer hora, iniciada e conduzida pela os dias atuais o brincar também se transformou e
criança; dá prazer, não exige como condição um se adaptou aos novos contextos, [...] contribuindo
produto final; relaxa, envolve, ensina regras, lin- para que muitas atividades lúdicas não só se mo-
guagens, desenvolve habilidades e introduz a dificassem, mas até desaparecesse”.
criança no mundo imaginário”. É mister salientar Comumente, a família deve cumprir o seu pa-
a importância das brincadeiras e ações para o de- pel de passar para seus filhos as brincadeiras
senvolvimento integral da criança, em diferentes que vivenciaram e cresceram brincando livre-
espaços e meios onde esteja inserida. De acordo mente, ainda convém destacar que os ambientes
com Brasil (1998): educacionais garantam em seus currículos os
direitos das interações e brincadeiras, metodo-
Nas brincadeiras, as crianças transformam os
logias, planejamento e atividades educacionais
conhecimentos que já possuíam anteriormen-
te em conceitos gerais com os quais brincam. momentos lúdicos intencionais que envolva os
Por exemplo, para assumir um determinado pa- jogos, brinquedos e brincadeiras que favoreça o
pel numa brincadeira, a criança deve conhecer desenvolvimento integral em diferentes espaços
alguma de suas características. Seus conheci-
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e ambientes, pois as brincadeiras e os jogos pre- EU, ASSUMINDO O PROTAGONISMO-RE-

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cisam da interação social e grupal, como descrito LATOS DE EXPERIÊNCIAS
por Almeida (2012, p. 82) “Educar é preparar para
a vida”. O contexto histórico e as narrativas enfatizam
Em face a realidade da era digital as crianças as lembranças vivenciadas concernentes as brin-
estão se apropriando dos meios tecnológicos cadeiras tradicionais na infância aos quais corro-
muito cedo, não apenas utilizem jogos eletrônicos boraram para os momentos de alegria, interação e
e multimídias, mas sim, devem conhecem a cul- socialização vivenciadas juntamente com irmãos,
tura popular e se apropriar da mesma em conjun- amigos e vizinhos, momentos esses que contribuí-
tura das relações humanas. Assim, Cunha; Khun ram de forma significativa para o desenvolvimento
(2016, p. 653) “As crianças são, assim, hoje, pro- cognitivo, social, intelectual, interacional e para a
duto e produtoras de cultura, têm papéis e fun- construção da personalidade como sujeito históri-
ções (reais e simbólicas) na dinâmica familiar, na co de direitos. De acordo com Vieira (2019, p.19),
da vida privada e pública, bem como nos novos “A cultura presente nas “brincadeiras populares”
cenários das relações humanas do mercado, in- não é só um conjunto de modos de vida, mas tam-
dústria cultural etc.” bém de práticas que expressam significados que
Dessa forma, é de suma importância que as permitem aos grupos humanos, regularem e orga-
brincadeiras sejam passadas para as futuras ge- nizarem todas as relações sociais”.
rações, a família estabeleça em seu lar o brincar Dessa forma, exploro algumas brincadeiras
como atividade corriqueira da criança para o de- vivenciadas na infância, tendo como aporte teó-
senvolvimento saudável, bem como os ambientes rico Vieira (2019) que dar significado as brinca-
educacionais. Pois, estudos e pesquisas apontam deiras populares e, sobretudo, é nessas brinca-
que as crianças que brincam são mais felizes, ale- deiras que enfatizo o quanto o desenvolvimento
gre, espontânea, curiosa, divertida, comunicativa, infantil aos poucos foi se construindo, aprimo-
realizada, tornando-se um indivíduo cooperativo e rando e gerando impactos positivos na aprendi-
sociável. Contudo, serão estabelecidas as brinca- zagem e na vida social, ao passo que em alguns
deiras vivencias na infância quando criança, sua lugares e regiões as brincadeiras citadas tem
importância e seus objetivos. nomenclaturas diferentes.
Assim, trago inicialmente a brincadeira cha-
mada “Amarelinha” –consiste em desenhar, qua-
drados ou retângulos no chão, numerados de
1 a 10, contendo no topo do desenho “o céu”,
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em formato oval. A brincadeira é realizada indi- vivenciada na infância, desenvolveu habilidades

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vidualmente, ou seja, um membro de cada vez, como o tato e a percepção, a mesma pode ser tra-
segundo Vieira (2019, p, 26). Essa brincadeira, balhada em vários ambientes e contextos de for-
muito corriqueira para a época, favoreceu na ma significativa no desenvolvimento integral, na
psicomotricidade, equilíbrio, e em especial na atual conjuntura muito utilizada pelos educadores
socialização, na contagem dos números, pois além de ser adaptada por faixa etária.
no momento que estamos conversando, nossa “Cabo de guerra” – Brincadeira popular utiliza-
linguagem vai adquirindo um repertório de pa- da na época, que contribuiu para formação social,
lavras novas, significados a pronúncia melhora, interação, compreensão e o trabalho em grupo;
além da atenção no ato de jogar e a coordena- a mesma dispõe de habilidades como força, coo-
ção motora e, certamente, há pontos positivos, peração e equilíbrio, além do mais proporcionou
apesar de ser uma brincadeira tradicional. momentos interativo em conjunto da formação do
“Bandeirinha” - Brincadeira realizada no con- sujeito referente a cultura popular que pode ser
texto histórico, sobretudo de suma importância adaptada para trabalhar com crianças da educa-
para o desenvolvimento infantil, proporcionou mo- ção básica e em espaço social. Conforme atesta
mentos que despertou a imaginação, linguagem, Almeida (2012, p. 82) “O brincar é a essência da
imitação, atenção e a percepção; assim em con- infância é uma necessidade humana”.
junto com os amigos nos momentos do recreio, “Caiu no poço” – Brincadeira tradicional que
contudo na infância foram adquiridos aspectos traz significados de afetividade grupal, Oliveira
significativos para o desenvolvimento cognitivo, (2000), destaca a importância da afetividade na
social e cultural, bem como, trabalhou habilida- infância e principalmente no brincar através de
des como; agilidade, velocidade, coordenação vínculos duradouros concernentes a amizade
motora e resistência, ao qual os benefícios para em determinados ambiente no processo apren-
a criança são favoráveis e pouco vista na socie- dizagem da criança e construção da autonomia
dade contemporânea. e formação social. Brincadeira que oportunizou
“Cabra cega” – De acordo com Piaget (1976), momentos de alegria e descontração vivenciado
o brincar desperta nas crianças a assimilação, com amigos, irmãos e vizinhos; ao qual trabalhou
acomodação e equilibração, bem como desper- habilidades como socialização e consciência cor-
ta na realidade a livre expressão das brincadei- poral, verificam-se a pouca utilização da mesma
ras, ou seja, a saída para o meio, aprendizagem, na atualidade, talvez em razão dos professores
mudanças nos esquemas, processo de entrada não terem vivenciado esse momento e, até mes-
e compreensão de algo novo. Assim, brincadeira mo os cursos de formação no momento atual não
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se debruçarem nessas questões consideradas re- amigos, como discuti Friedmann (1995) que é de

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motas, ultrapassadas. fundamental importância a brincadeira na vida da
“Esconde-esconde” – Utilizada no tempo re- criança o resgate histórico cultural e reviver mo-
moto e, faz alusão ao brincar; despertava grande mentos que foram marcantes na vida familiar e,
interesse e prazer em correr, se esconder em lu- como instrumento de desenvolvimento de coope-
gares diferentes e ser encontrado, que tinha como ração, agilidade e velocidade.
premissa agilidade e velocidade, a mesma era de “Morto vivo” – O ato do brincar despertou re-
grande relevância na hora do recreio e como pla- sultados positivos e principalmente no desen-
nejamentos educacionais em campeonatos educa- volvimento corporal, visto que além de trabalhar
tivos desenvolvidos na escola e brincantes com os habilidades como; força, movimento, agilidade e
amigos e vizinhos. De conformidade com as ideias atenção, eleva a autoestima da criança, corriquei-
de Vygotsky (2014), a brincadeira em seus aspec- ra nas práticas educacionais e no inovar dos pro-
tos contribui para a soluções de problemas, ações fissionais de educação; por ser uma brincadeira
corriqueiras e assumem seus papeis diante no ato tradicional é perceptível nos ambientes educati-
do brincar comumente no dia a dia, outrossim con- vos. Como pontua Almeida (2012, p. 82) “O de-
tribuiu para a formação nos aspectos cognitivos, senvolvimento do aspecto lúdico facilita a apren-
social e nas interações sociocultural, porém nos dizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cul-
dias atuais é baste utilizada pelas crianças. tural, colabora para uma saúde mental, prepara
“Jogo das pedrinhas” – jogo utilizado na práti- para um estado interior fértil, facilita os processos
ca em conformidade com a cultura local, ao qual de socialização, comunicação, expressão e cons-
tinha como habilidades o desenvolvimento da trução do conhecimento”.
atenção visora motora, agilidade, percepção tátil “Pula elástico” – Praticada em decorrência do
e tempo de reação, era contundente nos momen- contexto histórico em momentos adversos com os
tos livres o jogo estar presente, o mesmo teve amigos e irmãos, proporcionou como prática o de-
grande contribuição para a prática da ludicidade senvolvimento da coordenação motora, agilidade
ao passo que é de grande relevância resgatar e flexibilidade momentos vivenciados no cotidiano
brincadeiras tradicionais no cotidiano da criança escolar, na rua ao qual obteve resultando favorá-
com características diversas, práticas lúdicas, in- veis em detrimento da linguagem e interação com
terativas e sociais. as demais crianças.
“Mestre mandou” – Brincadeira tradicional que “Pula-corda” – O ato de pular-corda com as
reverberou por anos, ao qual foi praticada nas ho- crianças da época configurava um período que o
ras de recreio e nos momentos brincantes com os brincar estava presente em qualquer ambiente e
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nas pequenas coisas, ao qual despertava grande cia, velocidade, coordenação motora e interação.

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interesse entre os participantes em consonância Ferramenta indispensável do cotidiano da criança
da brincadeira com a finalidade de trabalhar vá- e verificada nos dias atuais em ambientes escola-
rias habilidades como agilidade, ritmo, coordena- res, nas ruas e em ambiente familiar.
ção motora, impulso e resistência, assim Almeida “Pula-saco” – Comumente praticada, possibili-
(2012). A princípio por ser uma brincadeira tradi- tou experiências vivenciadas que contribuiu de for-
cional, porém muito corriqueira para época e na ma positiva para as habilidades adquiridas como
conjuntura atual em ambientes escolares, sociais velocidade, resistência, coordenação motora e
e em academias. força, era utilizada na hora do recreio, praticas pe-
“Passa anel” – Brincadeira utilizada na época dagógicas e projetos escolar. Segundo Kishimoto
que tinha como foco principal o desenvolvimento (2010, p. 1), “Ao brincar, a criança experimenta o
da linguagem e a importância do brincar na infân- poder de explorar o mundo dos objetos, das pesso-
cia em síntese das habilidades evolutivas como o as, da natureza e da cultura, para compreende-lo e
tato e a percepção, com a finalidade de aprimorar expressá-lo por meio de várias linguagens”. Dessa
a aprendizagem e a linguagem no contexto so- forma, a brincadeira popular tem pontos relevantes
cial. Do ponto de vista de Vieira (2019, p. 17), “[...] na formação do indivíduo e em pleno tecido social;
“brincadeiras populares” junto às próprias raízes, pois o mesmo se encarrega dos acervos culturais
mães, pais, avós, avôs”. Dessa forma, resgate vivenciados que podem ser utilizados nas práticas
histórico que perpassa de geração a geração e cotidianas das crianças.
que tem resultados positivos das brincadeiras uti- “Telefone sem fio” – Resgate histórico das brin-
lizadas ou caracterizada na região local, em con- cadeiras antigas a mesma tinha grandes contri-
formidade da prática estabelecida. buições na vivencia grupal cotidiana, evidenciou
“Pega-pega” – Brincadeira antiga e ao mesmo na construção do desenvolvimento e habilidades
tempo marcante que evidenciou momentos opor- como a comunicação, percepção auditiva, inte-
tunos em diversos lugares. Para Kishimoto (2010) gração e atenção envolvia grande número de par-
toda brincadeira consiste em ações livre, ao passo ticipantes. Brincadeira que contribuiu para a for-
que a brincadeira pode iniciar a qualquer momento mação na infância. Como afirma Kishimoto (2010,
individualmente ou coletivamente em consonância p. 1), “A criança não nasce sabendo brincar, ela
com as regras, o ato de ensinar existe um propó- precisa aprender, por meio das interações com
sito que consiste no desenvolvimento integral da outras crianças e com os adultos”.
criança, que envolve o meio social e linguístico, Assim, as brincadeiras citadas foram relevan-
visto que há habilidade adquirida como; resistên- tes para época, pois a cultura popular se destaca
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na amostragem e no relato de vida, experiências vimento da criança aos quais os momentos brin-

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e suas contribuições para o desenvolvimento na cantes foram em diversos espaços, estruturas em
infância, bem como despertar aos professores da diferentes espaços e ambientes como resultados
educação básica, pais e educadores a relevância positivos e relevantes para as práticas do dia a
das brincadeiras na formação do indivíduo e sua dia das crianças, aos quais evidenciam estudos,
essência para a vida da criança, se perpetuou por experiências e relatos de vida, que favoreceram
anos e tais brincadeiras não são mais vista corri- na construção da identidade e autonomia do su-
queiramente. Segundo, Fantin (2000, p. 22): jeito, em decorrência do resgate histórico cultural.
Ao passo que, na atualidade as crianças estão se
Resgatar a história de jogos tradicionais infantis,
como a expressão da história e da cultura, pode apropriando dos jogos eletrônicos e multimídias
nos mostrar estilos de vida, maneiras de pensar, cada vez mais, na atual conjuntura vem sofren-
sentir e falar, e sobretudo, maneiras de brincar e do influências e sendo esquecidas e o tempo da
interagir. Configurando-se em presença viva de criança reduzido em decadências das novas tec-
um passado no presente.
nologias. Porém não tem conhecimento das de-
Assim sendo, recordar é viver momentos que terminadas brincadeiras e seus benefícios para
remete as lembranças adquiridas conforme o um desenvolvimento saudável, onde a criança
passar do tempo, ao qual faz parte, a cultura, in- possa gastar suas energias e vivenciarem mo-
teração, socialização e a comunicação, fica evi- mentos felizes e eufóricos.
dente as contribuições da ludicidade comumente Pois, a brincadeira é de fundamental importân-
as brincadeiras, em suas múltiplas funções que cia nas ações cotidianas e na infância da crian-
o brincar estabelece em suma a formação total e ça, além de proporcionar momentos brincantes,
global das crianças, jovens e mesmo dos adultos. lúdicos e interativos ao vivenciar a cultura local,
regional e experiências vividas por gerações em
CONCLUSÃO ambientes educacionais, familiares e sociais. Os
relatos e experiências evidenciam a construção
Esta pesquisa tem como ponto principal mos- para um olhar cauteloso em decorrências das
trar a importância das “Brincadeiras populares”, brincadeiras e suas contribuições para o desen-
considerando os relatos da própria autora, quan- volvimento sócio histórico cultural da infância e o
do criança, vivenciando esses momentos sem brincar como a construção do sujeito.
conhecimentos tecnológicos, portanto são brin-
cadeiras clássicas, tradicionais. Assim sendo,
considera-se de suma importância no desenvol-
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Formato: 21 x 21. Av. Santos Dumont, 2456, sala 301 – Bairro: Aldeota,
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