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DANIEL HERWITZ ty 3. @ Marne-a-Yallee, Franca, iNersidade Federat da Rio Grande do‘ de Federal do Ria Grande ‘Sorbonne, Franca. Mas Bock. Diretor de Deserwolvimento de FundagSo ULBRA. Missouri, EUA, com pés-doutora- tria Europeis em Mainz, Alemanha, 'den. Doutore Uvre-docente em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande s-dautarado na Universidade de Minter, Alemanha, Professor ttular de Filese Wwersidade Luterone do Bresi, Ble Herwite, Daniel Estetica: conceitos-chave em filosofia / Daniel Herwitz ; ~ rradugao Felipe Rangal Elizalde ; revisdo técnica; Delamar José Volpata Dutra, ~ Porto Alegre : Artmed, 2010 200°p. 23 cm. ISBN 978-85-363-2365-7, 1. Filosofia ~ Estética, 2, Filosofia come arte. I. Thule cou 101.1 Catalogagao na publicagao Ana Paula M. Magnus = CRB-10/Prov-009/10 esteéetica CONCEITOS-CHAVE EM FILOSOFIA Daniel Herwitz Diretor do Instituto de Humanidades: da Universidade de Michigan, EUA. Traduca Felipe Rangel Elizalde Consultoria, supervisao e revisao técnica desta edigdo: Delamar José Volpato Dutra Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Ria Grande do Sul, com estagio de doutorada na Université Catholique de Louvain, Bélgica Pés-doutorado na Columbia University, New York. Professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina nos programas de pés-graduacao em Filosofia e em Direito, 2010 2 0 Nascimento da Estética 4 disciplina da estéticafloséfica surge no século XVIII. Porém, note-se bem, essa nao é a primeira vez.em que os filésofos esereveram sobre ane o beleza. Platdo escreveu extensivamente ~ e de modo negativo ~ sobre oo octas de seu tempo ¢ teria-os banido de sua repiiblica ideal, pois ele sere. Gheva que a poesia é uma forma de sedugo, uma manifestagzo da lingua, gem que solta anéis de fumaca diante da mente, em vez de argumentas on Provar, insinuando sua influéncia sobre as paixées no calor da performance (G poesia era recitada, em vez de lida), gerando o culto, em ver da civ: Se racional. Para Plato (ver seu didlogo fon), o pocta é um hipdctita, bem. porque ele é conhecimento dessas verdades ideals que compreenders 2 erdadeira realidade das coisas. Sendo nosso mundo uma mera aparéin $2 04 aproximacio das formas ideais (nossa justica, uma eépia esmaecida £2 Gaia Teas nosso estado, uma pobre réplica do ideal), a arte é tudo que 5 de plot pois, sea poesia é uma droga performativa, entdo, a pintuse Sscultura sdo meras cépias de c6pias, tentativas de simular o mnunde de Ban MMe indecifrével a partir de seu modelo. Passariam séculos antes que Hegel interpretasse a escultura grega (se nao a pintura) como uma ence, Basse da harmonia idealizada (entre os deuses e © mundo dos homens), Gevando-a ao status de representagao admirével, cm ver de simulagae inadequada e fraudulenta, Platio teria considerado insano pensar que a beleza, e muito menos a Hie, constitu um objeto de estudo filosdfico genuino (8 maneira da justi, S, da ret6rica, do bem, mesmo do amor). J mais atento as variedados da “da do que seu mestre, Aristételes discordava, Escrevendo sobre o dana Sakic? (Seu tratado conexo sobre a comédia, infelizmente, est perdido), AssSreles argumentou que apoesia (pelo que ele queria dizera encantacao simica do drama trégico), de fato, se aproxima da filosofia, sendo, om programa de televiséo a asso que a poesia rama trigico) narra o mundo de acordo com as leis da probabilidade e da necessidade. Tratando o drama como qualquer outro objeto de estudo (como, a alma, por exemplo), Aristételes delineia suas caracteristicas essenciais em uma hierarquia de importancia. O enredo e a personagem sio mais cessenciais, visto que o drama é uma historia que se desenvolve por meio da ersonagem, o elemento trégico consistindo da rujna que acontece por meio de uma combinagao do fracasso humano (a desmedida, o citime, a paixo excessiva) ¢ do destino. Poderia nao ter acontecido desse modo, ‘mesmo as personagens principais sendo como séo. No entanto, o destino também desempenha seu papel, com resultados tragicos. O drama tragico Janca luz sobre as leis da vida humana que nos levam (ou podem nos evar) & ruina, tidipo tinha o defeito da desmedida (autoconfianca arro- gante, um desprezo pelas incertezas do mundo), mas também a mii do destino atuou para que ele matasse seu pai e desposasse a propria mae! Também a firia de Prometeu deveri lo a ser acorrentado em uma pedra para que o abutre picasse seus olhos e dilacerasse sua carne. Isso envolveu uma citeunstancia especifica. Quando a circunstancia tem um desenlace, mas sem conexao com uma falha do caréter humano, 0 drama nao é trégico, mas simplesmente horripilante, patético, relato de vitimizacao, como o de um raio que atinge um homem bom. 0 elemento moral da tragédia esté associado a0 modo pelo qual as préprias falhas pessoais esto implicadas nos resultados de- Yastadores que, pode-se dizer, extrapolaram qualquer tipo de recompensa Justa para o protagonista envolvido. O elemento moral (a falha de cardter da pessoa) a lancou na teia do destino, de tal modo que, sem saber, ela estava tecendo seu proprio fim: o destino que se torna seu destino, Esse tipo especifico de histéria — escreve Aristételes ~ é 0 que toma o drama Uudgico a coisa que ele é, a coisa que desempenha um profundo papel na conduta da vida humana (a vida social de seu lugar e de seu tempo), pois Aristételes também entende que a vida ¢ o teatro no so a mesma coisa, ¢ que, quando esses eventos trégicos sao representados no teatro piblico, nada realmente acontece, exceto uma peca, Nenhuma pessoa real morre no teatro, somente a personagem que esté ali para ser eternamente repre- sentada, eternamente destruida. Essa experiéncia da arte em forma de ficgao é decisiva — diz Aristételes = para o poder que ela tem sobre nds e para seu beneficio social. Por saber- ‘mos, vendo o paleo, que aquilo que estd acontecendo, est acontecendo no dominio da ficeo (ndo esta realmente acontecendo na vida, nao é real), somos livres para exercitar nossas capacidades de temor e tremor, piedade wvé-uma experiéncia tinica, pois o que e r ima forma de reconhecimento e uma forma de purgagao c nds perdemos essa experiéncia com ual Aquela da religiso, e a questio di fagio concomitantes ue ela pode ser enc 105 no teatro aberto na actépole grega.' Mui mudou a experiéncia e a nds propri iedade nao é mais capaz de encontrar dispo n de consumo, alguma coisa a ser controlada mediante o ci logias médicas, farmacopela, botox, confissio, terapia. Ou ei ‘a anuneia, e assim muitos, americanos pelo menos, seguem a lacente de acreditar. possivel que tenhamos su deslocando-o para outra parte ~ chame-se lo que o esteta Mich: da poesia de seu tem dela, depende de a po s6fico. O ieonoclasmo, na concepcao de Kelly, consiste na assimilagao de objeto tem valor apenas s cor pelo sujeito. E assim Platio fustiga o artista/poeta do teatro de seu tempo como uma fraude, alguém que pretende oferecer conhecimento quando esse poeta é um traficante de naredticos. Isso pode ou nao ter sido ver deiro em relagio a esses poetas: houve, depois disso, toda profusio de fraudes, bufSes, sedutores, charlataes, vendedores de dleo de cobra, pior so, na histéria das artes. O ponto é que o tinico modo de a poesi lor conforme a concepcio de Plato ¢ ela oferecer conheci mento (isto é, ser como a filosofia). Aristételes aprecia a poesia (o drama Agico) por conta de sua profundidade de reconhecimento, do fato de ela ais filoséfica do que a histéria”.* Aristételes tem a dizer até mesmo lo que isso: a tragédia ocasiona uma experiéncia profunda e tinica, 0 que é central para seu valor para a vida. No entanto, € decisivo para Aristételes que a poesia proporcione conhecimento — e conhecimento filo- séfico. Um filésofo bane 0 poeta, o outro o apresenta como orgulho do lugar dentro do estado. Ambos medem a arte da perspectiva de sua capacidade de produzir conhecimento, Daf o iconoclasmo. Plato considera a poesia fraudulenta, porque ela mesmeriza 0 conhecedor racional ¢ estimula seu declinio & forma mais baixa da alma, a forma “apetitiva’, sob a ilusio de que alguma coisa est sendo aprendida. Para Aristételes, 0 conhecimento & um tipo de reconhecimento (das leis provaveis ou necessirias do que acontecerd a certos tipos de personagens que possem certas falhas). Curiosamente, nenhum desses fildsofos considera a beleza um assunto ‘que tenha relevancia para a arte. Pode-se generalizar (com certo risco, mas ‘com certo mérito) e grosseiramente dizer que até 0 perfodo medieval a bele- za esti associada & seducéo e & manipulacio, e no ao valor estético — a menos que se trate da beleza da forma ideal concebida pelo fildsofo, da organizacéo matematica, da virtude. A unidade do bom, do verdadeiro e do belo é uma unidade de filésofo, a qual 0 poeta, a menos que seja um quase- filésofo, nao consegue realizar em sua obra. Antes, sta beleza é uma forma de seducio por meio dos sentidos, de manipulacao mediante a voz meliflua. Seriio os medievais (Santo Agostinho, So Tomas de Aquino), com seu dese- ode estetizar o mundo de Deus, que apelardo para a beleza como um modo {que a associa com o modelo, e nao com 0 conhecimento, e suas discussbes sero quase sempre inteiramente teol6gicas (sobre Deus como um arquiteto divino), Somente no século XVIIL a beleza sera celebrada como uma experi- éncia distinta dos sentidos, e celebrada a parte de qualquer conexao neces- sdria com o conhecimento ou mesmo com 0 modelo. A discussio grega sobre a arte, em vez disso, incide sobre a funcdio social da arte da época, sobre a virtude puiblica dessas formas de represen- ‘Toda generalidade que ele faz 1 tipo é negativa. Essas representagées siio degener pias de cépias, e nao formas integrais que possam ser conheci ie, do mesmo modo que a justica ou a matemdtica podem ser te é um objeto menos do que apropriado do estudo filos6; Aristételes, mais afeito as coisas particulares, néo despreza o dram o do mesmo modo que Plato despreza a poesia. Ele escreve sobre rigico do mesmo modo que escreve sobre a p 0 uma espécie de coisa a ser estudada como q enhum deles chega ao fim do dia vindo de uma discusstio das sulares com uma definigdo categorica da arte, cada qual por iprias razées. Iss0 acontecerd somente no século XIX, depois que 0 I tenha tevisitado a experiéncia estética, redefinido seus ter~ lerando-a, entdo, digna de definicao categérica. A definigao pode 10-papo (bugaboo), a obsessao do filésofo. No entanto, a estética te pode ser libertada da priséo da definigéo depois que tenha sido ida como um objeto de estudo que possui uma forma categérica 1reu historicamente quando se presenteou a estética com o poder i¢do. Iss0 estabelecido, a tarefa agora (e somente agora) pode ser ibertar a estética da priséo da definicao. Como veremos no Capitulo 4 a preocupacéo compreensiva (overriding) n as coisas particulares, presente na literatura grega sobre as artes, a virtude que tetorna no século XIX, quando o moderno sistema das lizava a atengio filoséfica sobre os meios especificos ~ a lit a pintura, o drama trdgico, a poesia, a arquitetura, Nessa altura, as rrdagens aristotélicas da tragédia se mostram modelares para o estudo ses meios especificos. Contudo, sempre haverd na literatura do século arte ser combinado com a pretensio di do século XVII, Esse ser um entre intimeros modos pelos quais o modo grego de abor- dar as artes retornard como legado filosofico. Ha outros. Hegel retornard 20 foco de Platio ¢ de les sobre o valor das artes, contra a nocio especifica do século XVIII. E retornaré ao iconoclasmo grego: @ alegacio segundo a qual a arte tem valor, porque ela gera conhecimento ou reco- mhecimento. Esse retorno ao classicismo é também uma marca do Romantismo nas artes. A arte romantica do século XIX pretendeu recapturar a experiéncia coletiva do drama grego para a vida modema. Ela foi longe o bastante nesse sentido a ponto de construir um templo em Bayreuth para os deuses da musica, onde os europeus pudessem reunir-se para a experiéncia de uma autorrenovacdo nacionalizante mediante o reconhecimento das dilacerantes tragédias do mundo e, de um certo modo, reeditar 0 mito germanieo. Meio século depois, aconteceu novamente em Salzburgo, onde o simples drama medieval Everyman tornou-se a pega central de uma con- gregacdo de devociio coletiva, Contudo, note-se bem, essas extravagancias wagnerianas e austrfacas foram de mil modos uma corrupgio do ideal rego, como protestou Nietzsche em seus ensaios contra Wagner’, pois, entre a Grécia antiga e a Europa do século XIX, sobreveio a histéria do catolicismo, o qual suplanta a humildade da posicao trigica diante dos deuses por um zelo messidnico de conquista do mundo em torno da vio- Heneia da cruz (assim disse Nietesche, em todo caso). A tragédia grega no tinha relacéo com o nacionalismo nem com a modernidade em progresso expansionista ao longo dos continentes com elites da classe alta que paga- iam grandes patacdes para assistit a esses alas de black tie e desmaiar diante da descarada baixa retérica satisfeita de ura Bayreuth sem ar con- dicionado (naqueles dias). Nao tinha nada a ver com a conversao da tragé- dia em mitos do poder por meio da linhagem (a descendéncia dos deuses, o legado de Everyman) nem com a transformagio da admiragio em devo- go e da devocdo em culto, Bayreuth cruzou a fronteira do poeta de Aristételes para o poeta de Plato, tomando-se um delitio formador de culto e sedutor de mundos cujo drama ritual desde entao tem sido repre sentado em intimeros outros eventos culturais de massa, da Nuremberg nazista ao (alguém ousaria drama em torno da princesa Diana (Princesa do Povo, rainha do castelo e do tabloide, em si mesma bondosa, atormentada, desesperada, seu culto evidenciando um anseio por religido, pela monarquia ¢ pela novela televisiva em seu desenlace fatal). Plato ¢ foco sobr no sol 1m stia posicio individualista, libertéria, que celebra jinson Crusoe, que se langam como barcos no mar da vida, n seus proprios dese} reresses, cada um com seu desejo de ais e de felicidade, de virtude © recompensa. Esse & 0 s io em nome da representagio do pove pelo povo, o que sign dla pessoa conta como qualquer outra. Fo século no qual a aul sroclamada, pelo menos de forma constitucional e para os wrancos de idade (e de classe). fo século (do predominio) das per econdmicas sobre os valores humanos. Esse século também comeca a libertar a experiéncia individual do cer iento da teligiio e do controle monérquico. No dominio da estética fica, isso consiste em libertar a beleza do énus do conhecimento. A. para identificar 0 conhecimento com a ciéncia e com a economia isso talvez inevitével. \Veremos também que 0 nacionalismo, 0 colonialismo ¢ o nascimento eu desempenham papéis decisivos na solicitacio desse novo con- de experigncia estética. Seu ponto serd considerar algo belo que no vve ser considerado como conhecer ou aprender algo, mas, em ver. disso, smo um tipo de experiéncia que tem valor em virtude de suia maravilhosa idade. A grande intuigao (insight) do século XVIII é libertar a expe- nncia sensual (de rosas, topos de montanha, belas pinturas) para ter va~ em e por si mesma. A estética nasce como uma disciplina quando a eza se torna o foco central. A beleza somente pode tornar-se © foco ntral, porque a filosofia esta pronta para libertar sua experiéncia do co- nnhecimento, quando ela esté pronta para entender o valor da experiéncia que o valha, somente quando o sujeito é considerado como a base da expe- iéncia, do conhecimento, da vida, pode a experiéncia estética s uum tdpico para a filosofia, para além do que os gregos j tinham feito escrevendo sobre a arte, A estética nasee como uma disci que € tatefa da filosofia moderna produzi-la, no apenas porque ela nasce nos tempos modernos, tempos de desenvolvimento capital, de acumula- fo cientifica de fatos, de nacionalismo € de colonialismo. Essa tarefa de realizacao da filosofia modema depende da Renascenca, com sua posicio hhumanista diante da vida. Fla depende de René Descartes, com sua rever- sto dos termos da filosofia: a origem de todo 0 conhecimento esté no yjeto humano (a mente cognoscente), e nao no estado, nas formas, em 1m Deus caprichoso, transcendental. As verdades da ciéncia (sobre as 4quais escreve Descartes) sio derivadas da razo, e ndo da teologia. De fato, a existéncia de Deus ¢ “provada” por Descartes a partir da existéncia do ser pensante (ele préprio), e nao de outra maneira. A estética depende da rejeigéo dos empiristas briténicos do racionalismo cartesiano e de sua énfase na experiéncia dos sentidos como a origem de todo conhecimento e da virtude, de Locke e sua derivacio da ciéncia a partir da percepcio humana. A sensibilidade é libertada da negatividade e avaliada como uma de confirmacéo empitica e, dese modo, de ganho cientifico, ico como a base do eral. A sociedade liberal da Inglaterra & aquela na qual o direito adotado como a base do contrato entre 0 cidadao e 0 algo que Sécrates j4 havia proposto em germe, mas sem 0 coni direitos conferido por natureza a todos os sujeitos de um Estado ind tamente. Essa dignidade coletiva atribufda aos individuos em virtude de suas capacidades como atores morais e conhecedores depende da autori- dade e da liberdade da experiéncia individual, e néo da racionalidade preordenada, concedida por Deus. Os préprios agentes podem, com base ‘em sua prépria experiencia, rejeitar o contrato oferecido pelo Estado. Seus juizos, derivados de suas experiéncias, os autorizam. Tudo isso depende de uma revisao dos sentidos, dignificados pela confirmagio cientifics as de arte dos locais de sua producdo e do curso da vida em pela justiga politica. sdo apresentadas e as coloca em relagdes ordenadas (cron © Bstado moderno também foi formutado sob a alegaciio constitucio~ is, segundo o meio utilizado para produ: nal ideal segundo a qual as pessoas sio em si mesmas um fir, um objeto 1s de arte ~ algumas das quai de respeito em virtude de serem os seres que sao. Essa ideia geral de hu- ‘om as outras quando vistas in situ. Tendo tirado as obras de arte manidade (na realidade, oferecida apenas aos machos brancos da classe is de sua urdidura e transformado-as em visdes para serem vistas ina moderna, porque se assume que cu usarei a palavra “se pensar diferentemente dos gregos e dos da beleza, pois a experiéncia estética é parte do ‘05 empregados para capturar os mecanismos € as Vi humano considerado como um objeto de est nnceitos € legitimo, pois os seres humanos sio de estarem progressivamente tornando-se objeto de ento disciplinar, Esse é um resultado natural da posicio \s sistemas de controle que essas ciéncias procuram sobre as faculdades humanas surgiu ~ essas pai emocio e da reacdo, que a ciéncia deveria detalhar dessas experiéncias. As faculdades so o que tornam, ¢ auténomos, atores poclerosos na economia de antes da vida; elas também sio ensaios conceituais elas novas ciéncias e filosofias para transformar os seres hu- jetos de estudo e de manipulacio, , com sua énfase sobre a experiéncia individual em e para si ambém dé origem as instituigdes da vida do século XVI concertos com a sala de concerto, com 0 museu € com as insti- nagio-estado europeia que abstraem a arte do local de sua de qualquer outro propésito associado a ela. O museu moderno s nobres, Hé uma raziio de adoracdo surja em torno a pilhagem do museu (0 favorecido pelos irmaos Goncourt), pois esses objetos tor i mesmo io, um santudrio para a experiéncia em © museu autoriza o interesse europeu pela permitindo que o orientalismo surja como uma io que ~ tendo retirado objetos indianos, médio-ori- , es, japoneses, africanos, de seu envolvimento com a evorio, a magica, a adoragio, a prética da religido, a guarda da casa e do racdo da guerra ¢ tudo mais - o prdprio objeto pode ser ido pelo olhar onipotente do espirito europeu experimentador e ‘nar-se um correlato de seus sentimentos. Do mesmo modo, a arte, la em mero objeto estético (o objeto da experiencia estética em ¢ { mesma), pode ser reinterpretada de acordo com qualquer fantasia, que se apodere do espiito europeu e seja associada ao objeto. Inocente ¢ monstrueso, licencioso e puro, 0 objeto torna-se um mero suporte para essa experiéncia, As atitudes estétcas formuladas no século XVIII também correspondem rte da época, com o surgimento das classes burguesas empenhadas em inter interesses e prazeres no mereado e no museu cultural, junto com tores como Watteau, Constable e Reynolds, cujo genio esté na celebra- ‘fo da cena, da figura, da crianga que joga bola e tudo mais de que essa gente desfrute e que cultive em termos de prazeres da visio, A ela a arte & experiencia, e a experiéncia a algo que acontece va abstragio do &mbito social mais amplo das fumgoes que a arte tem desempenhado na vida (drama trégico grego), Similarmente, a arte dda época é feita para isso, exatamente como a misica da época (o tococd) 6 feita para o prazer & mesa e o digestivo servido apés o jantar. 0 século XVIII também inventou a distingéo entre artes wtlitirias © belas-artes, que era uma distingio em tipo e categoria associada com 0 desenvolvimento dos museus ¢ das salas de concerto. AS artes utilitarias produziam coisas para o uso na vida; as belas-artes eriavam coisas dignas io em e por si mesmas. A distingo nunca ficou clara, nem em sua formulaco abstrata (o que é para uma coisa ter, enquanto oposto a ndo ter, um Uso?), nem em sua aplicagdo 8s coisas titeis altamente oma: ‘mentadas que pareciam cronicamente turvar a distincao (tao confusa quan to aquela entre arte e oficio), coisas como mesas folhadas a ouro, com o passo que casas nao o eram, Posteriormente, os surgiriam (0 Museu de Artes Decorativas de Pa- , era autorizar institucionalmente uma mo os objetos deveriam ser tratados, de ma- lieo um novo modo de relacionar-se publi- 5 objetos. Em um sentido, um novo modo de experiéncia ido, de acordo com o qual as artes eram meramente apreciadas, em starem presentes na igreja (para devogao por meio da beleza), no -0 (para a purgacdo trégica), ou revestiam fachadas de igrejas medo ou autoridade. A estética como um novo movimento da foi motivada por esse mundo mais amplo ao qual ela pertencia e npenhou seu papel em dar forma a esse mundo, 1ra as (assim chamadas) experiéncias em e por si mesmas. or meio dessa distingao que a beleza pode ser libertada como uma iéncia que possui seu préprio valor, em seu préprio nome, indepen- emente de todas as finalidades “utilitdrias’. A faculdade articulada (e diversamente debatida) pelo século XVI jona nos seres humanos a experiéncia da beleza, ¢ chamada 60 conceito central do século XVIII em sua reflexdo sobre a estética, to © préprio sustentéculo conceitual que subjaz ao novo conceito da ica, Essa faculdade do gosto é o que permite a invengao do termo “esté- Esse termo é adotado a partir da palavra grega “aisthesis”, um termo ado por Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762) em seu livro Es- (Aesthetica) (1.750). “Aisthesis” traz.o significado de “faculdade de per- io pelos sentidos”. Para Baumgarten, a estética era o estudo da sensibi- como um tipo especitico de eognicio, a cognigao de coisas particula- ., em ver. de conceitos abstratos. A sensibilidade & sensagio (0 uso dos (co sentidos), mas também é algo mais, um tipo de intuigao/cogni¢aio/ mulacao da coisa que é julgada bela. Um poema traria uma mensagem jacente a ele (os poetas metafisicos sempre ofereciam uma), mas 0 que nava 0 poema belo era seu estilo espectfico de linguagem, sua invocacéo ritmo pelo enjambment, seu uso das formas (soneto, villanella). Tudo ;pende das virtudes do poema no sentido de encarnat, de como ele aconte- ‘cee o prazer desfrutado em sua leitura e recapitulagao na meméria. O termo isthesis” foi adotado tendo em vista capturar a caracteristica essencial da cexperiéneia sensual pot si mesma na experiéncia da beleza. E assim a beleza veio a ser entendida como possuindo sua prépria esfera, a parte dos concei: tos gerais, tendo seu fundamento nas coisas especificas. A cognicao do poe- Ao colocar o foco sobre a ser ue os conceitos pod beleza. que ele esta dizendo € que eles ndo so centrais para o que faz dessa experiéncia o que ela é. A cognigao da beleza é de particulares sen siveis, sejam ou no eles personificacées de ideias, Fla é em e por si mes. ma, tem valor em si mesma, sensfvel e completamente envolvente. Essa faculdade opera néo importando se o “objeto da beleza” 6 uma rosa ou um poema, um eéu azul ou uma igreja. Ela é a faculdade do gosto, em tipo, de modo a tornar esse tipo tinico de experiéncia possi que a experiéncia € tnica, ela pode apresentar-se sob uma definigio filo- séfica. Finalmente, a filosofia pode dar uma resposta categérica A questo. “O que éa beleza?”, pois ela tem um conceito do tipo de experiéncia e dos ‘mecanismos/faculdades que a produzem, o que pode tornar essa experién- cia essencialmente diferente. O século XVIII muda o foco: do drama grego. para o encontro individual com a rosa. E ele o faz por causa de seu interes- se em redefinir 0 sujeito humano como uma criatura dos sentidos e da liberdade e por causa de seu interesse em estabelecer um campo de repre- sentacéo no qual a definicdo se tore possivel. estética como um tipo distinto de experiéncia e a estética como um assunto filoséfico surgem ‘como um tecic sensivel, em e por si mesma, e a parte de todo conhecimento, pode a meta de defini-la tornar-se possivel. Essa faculdade de cognicio pela qual a experiéncia sensivel da beleza é& formada é mais do que mera percep¢ao, pois ela é também uma faculdade formadora, uma faculdade imaginativa, uma faculdade que tem total discernimento (cognizance) de seu objeto. Porém, ela é menos que con tual, pois nao trata de conhecer esse objeto, Peter Kivy caracteriza essa fa. culdade em seu livro sobre o século XVIII como um sétimo sentido (0 titulo de seu livro).* Ela € distinta da cognicao per se (conhecer), vai além da mera ercepetio (0s cinco sentido) ¢ é também distinta do sentido moral (0 sexto sentido). Assim, onde a beleza é central, a arte ¢ inferior Se quisesse deter-se nisso, Arist6teles poderia ter posto o foco sobre aspectos do drama tragi que sao belos: a antifonia rtmica das vozes individuais e corais, 0 mo ‘mento das figuras sobre o palco, a linguagem meliflua. Estivesse alguém em um estilo de espirito, poderia tentar evitar focalizar sobre qualquer coisa ao assistir a uma peca de Séfocles. E muito dificil, em virtude da Profunda integracdo entre voz, personagem e histéria. Nao h nenhuma experiéneia dos aspectos belos da peca de Séfocles que seja distinta da cexperiéncia mais rica de sua arte que Aristételes tao brilhantemente explo- ro. Apenas quando a experiéncia é entendida como gal 15 casos cle experién: jaculdade percept a, cujo fim esté em si mesmo, Baumgarten inaugt investigagdo sobre a beleza como objeto de estudo, embora a do livro suas relacdes organicas com o fato mais amplo ‘um artigo’ recente, Paul Guyer, especi sofia do século XVII argumentou que a pi aquele século foi a articulagao de uma teoria da im: modo de entender a abordagem da filosofia a faculdade em ques: cla 6 idéntica a ou profundamente integrada com a imaginaca Adaion esereveu sobre os vrios prazeres da imainagio (em aio com esse titulo) que inciuem aqueles relativos & grandeza e le, bem como aqueles relativos a beleza. Esse amplo escopo da ex ia estética levard As categorias posteriores do sublime e do pit como fascinagao por colegies, colénias e bens que afluen desde o império. Além disso, Addison Baumgarten enfatizam 0 sintético da experiéncia da beleza. Ela vai além da percepcao ida em que ela combina ativamente elementos em um tipo especi forme, ¢ 0 reconhecimento desse too, juntamente com 0 proc vo de sintetiz4-1o na imaginacio, é a experiéncia da beleza. Se nos mos como a beleza mostra-se nas propriedades das coisas e, mes sim, vai alm de suas propriedades (ordinéris), « funefo da imag (0 fundida com a dos sentidos & um assunto que vem a baila na expli- 850, ssa dois levam Kant, lésofo que concebe a exten como o abe a imaginagio, assunto que abordaremos no Captulo 3. © ponto aq ibilidade, a imaginacdo e 0 juizo si jos na teoria di Kc. Hata é outa dns Inovagbes Go seeulo XVII: eonceber a prspria petiéncia da eleza como um tipo de juto, coneeber 0 prazer desfruta- do em uma coisa bela como base para um juizo, de fato, o préprio jul de uma do perfume de orvalho no ar como o épio de um cachimbo de prata ue as pednias sao belas, que elas dao prazer (¢ talvez alergia). Quando Julgo que as pednias s80 belas, esse juizo esté baseado no - de fato, ¢ constituido pelo ~ prazer que eu experimento nessas flores. Esse prazer no juizo significa que a faculdade de cognico ou o sétimo sentido (seja lé qual for o termo usado por qualquer filésofo que escreve esse género) opera como uma declaracio, uma forma de asserciio, sem qualquer base que nao seja a pripria experiéncia. Como pode o gosto de luma pessoa fiar-se no dos outros? Isso se toma a questio filoséfica central da estética, dado que ela trata das experiéncias individuais nas quais 0 Prazer obtido € 0 juiso em si mesmo. Pode alguém fomecer uma razao Convineente para julgar que alguma coisa é bela, sem contar com 0 apelo & propria exper Ue 0 outro parece nao compartilhar se discorda des- Se jufzo)? © fornecimento de uma razdo para julgar alguma coisa bela é ido pessoal (como “Eu sinto dor em meu dente” ? A beleza é uma propriedade da coisa julgada (a flor) ou da pessoa que julga (“Eu sinto prazet aqui”)? E se ela nao for ada mais que a experiéncia que um individuo tem de uma coisa, como woderia alguma ve7,existir um padrao de beleza? A beleza &, por isso, nada que acontece no olho do espectador? Ao levantar esse conjunto de preocupacées, o século XVIII, com efe to, retornou a uma circularidade central, eonéctando-se a v Sécrates tinha ja entendido em seu didlogo, futifron. (Dir-se-ia: sempre le o ini os gregos.) Butifron é um sacerdote que Sécrates encontra na corte de Atenas e com quem ele se envolve em uma longa discussao sobre a virta. de da piedade. Como por acaso, ambos esto na corte, devido a acusagdes de impiedade, Eutifron, um sacerdote, acusou seu prdprio pai disso; Socrates foi acusado por um grupo de antagonistas da mesma coisa, serd, em breve, levado & morte por isso (e por acusagées conexas) depois de seu famoso julgamento, A acusacdo ¢ séria © ndo deve set tomada Jevianamente; no entanto, futifron parece tratar sua entrada com as acu. Sages contra 0 préprio pai (algo que um grego fatia apenas em circuns. Aincias calamitosas) com toda a seriedade de uma crianga que caga bor. as. Uma vez mais, Sécrates vé que esta falando com um homem que ta questdes sérias de maneira leviana, que nao sabe quio ignorante ele acerca do préprio assunto da piedade, cuja arrogéncia Ihe assegura, como um sacerdote, que ele sabe tudo, Eutifton, um perfeito candidato ao, objetivamente? que consiste 0 E esse enredo é -vando a um problema nento e de gosto (cuja opinifo conta). Esta a beleza no otho do lor espectador ou na coisa observada? Quando encontramos uma wdlelo, 1,92m, pesando 45 quilos, perambulando na passarela (como tears rer enbidos em ums vine), vestindo um figurino ao ‘de Hollywood de indios americanos em couro at eta eaaues ay eens eo ea a natureza! O século XIX favoreceu baila- ha favorecido o homem desocupa- sea ce juventude evera, quer dizer, una juventude crlada por gias € medicagées, dietas e cremes faciais, que, sendo fabricada cio, pode, entao, ficar sendo fabricada para sempre (tanto para de 80 anos quanto para uma de 13 anos). Quando nos afasta- do utltéro prono-parausar para o campo e par a fo, no entant odemos nos surpreender que a natureza seja em si mesma bela, pois todo do em toda parte parece consideré-la desse modo. E bom que assim o \gam? Eu vivi uma década na Africa do Sul, nos anos de 1990, e so os tas ingleses, aficdmeres, curopeus, ou os americanos em saféiri, que stam do deserto e da savana. Os africanos nao gostam: para eles, so lo violentos, um perigo muito cotidiano para © encantamento da disposigao estética, Eles estio errados? O que é certo ou mal NS eee org a eat ae poderia convencer alguém de que o rio Sabie — serpenteando seu caminho ares Ja ae eno ne ec submersos ¢ scus elefantes machos afundados até os joelhos em sua lama enquanto o céu verte violéceo para 0 opulento ctepisculo — seja algo mais mos a 5 outro lado, diga a alguém que, mi inteiramente no olhar do observador, que ela nao é de modo coisa objetiva; pois eis uma coisa que eu acho bela: um acidente miével na estrada com corpos de crianca mutilados e pendurados na porta frontal abalroada. A pessoa dird que isso é uma piada ruim e supord que héi alguma coisa errada comigo. Aparentemente, existem restricdes sobre aquilo ‘que a imaginagao humana possa desejar (e queira estabelecer como uma. norma que habilite o individuo a dizer 0 que) considerar como belo. Isso torna a beleza objetiva? Bem, primeiro é preciso uma explicagao da ok vvidade, do que significa essa observacao abstrata para além do dbvio: exis, tem normas humanas relativas ao que estamos dispostos a considerar como belo, normas que tem consequéncias morais e psicoldgicas. A beleza é meramente um artefato para meu prazer, algo criado por mim ¢ dirigido minha atitude? Ou existe algum tipo de norma objetiva para a questao, e, se assim é, como ela deve ser justificada, que razdes devem ser dadas em sua defesa, onde ela pode ser encontrada? Além dis: 50, Se 0 gosto é puramente subjetivo, 0 que significa chamar o juizo segun: do 0 qual alguma coisa é bela (0 juizo de gosto) de o produto de uma faculdade de cognigo? Toda ver. que alguém atribui uma faculdade a uma pessoa, isso implica dizer que essa faculdade pode falhar, ou que alguém, pode perceber erroneamente, identificar erroneamente, pensar incorreta ‘mente, e assim por diante. A prépria atribuiedo de uma faculdade do gosto sugere que, assim como ocorre com a viséo, a audicéo ou com o pensa: ‘mento abstrato, algumas pessoas a tenham em melhores condigées do que ‘outras (pessoas que podem ver, ouvir, pensar melhor); ou que algumas pessoas a tenham em condiedes precarias ("Eu ndo vi propriamente”, “Eu nao ouvi vocé”, “Minha audi¢do estava falha”, “En estou completamente aturdido hoje”, “Fu nao posso pensar direito”). Essa questo da objetivida- de do gosto e da prépria natureza do juizo constitui o assunto a ser aborda. do no préximo capitulo. NOTAS 1. Cf, Steiner, George, The Death of Tragedy (Hi i shers: New York, 1968), e Lambropoulos, Vassilis, The Tragic Idea (Duckworth: London, 2006), para diseussdes sobre a histéria desse assunto e sobre seu legado nos tempos mociemos. ‘Michael, Iconoclasm in Aesthetics (Cambridge University Press: New York, 2003). sh (Vintage: New York, 1979). Seventh Sense (Burt Franklin and Co: New York, he Origin of Modern Aesthetics: 1711-1735”, Guide to Aesthetics, ed. Peter Kivy (Blackwell: Oxford, 2004), p. 15-44. Ibid., p. 32-5.

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