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Po eee Teng Perea Ey Caer regia eae CaS Peeioirccar ey Saieeae Sree rca) eee een Peer nec enero Coe aia oace) ets Nomen ura ores Leer INFANCIA (IN)VISIVEL oto LEE ere aes Bara Roemer eT tuend Pee retort re ren arora ecto rok Daueutery ee ere teed Crees en ernie Pesnvts errors ee eatek ec Coc es eee INFANCIA (IN)VISIVEL vasconcettos & saRMENTO ~_ Manuel Jacinto Sarmehto Lordentzadores )\ * VISIBILIDADE SOCIAL EESTUDO DA INFANCIA Manuel Jacinto Sarmento A conhecida historia contada por Walter Benjamin um bébado pracurava afanosamente sod um candeeira uma mmoeda que perdera. Perguntado onde a tinha deixado cai Fespondeu que hava sido algures soba sombra: mas procurava ali, sobo candeeiro, nao porque ela i estivesse, mas porgue Sai havialuze esta era condicao para aachar Demasiada luz encandein, a possibilidade de encontrar a moeda sob uma luz que exclu! para a sombra o fespaco que nao alingeéaltamente remota. Nesta relaedo, entre tuma iu2 que aumenta a escuridio do-que nao atinge @uma Sombra que aumenta a sua inacessibildade pela vizinhanca de ‘uma area iluminada,enconteamos um das fests perversos do ‘onhecimento constituido. O que é uminade pelactenciatorna Guplamente desconhecido tudo aqullo que 2 cléncia (ainda ho pode alcancar"desconhece-se9 que esta oculto © nao & Susceptvel de ser procurado, porque néo esta prevsto 0 seu achamento, mesmo que esteja at ao lado, como a moeda, escondida pela escurdao redobrada pela luz vizinha, 'Ainfaneia tem sofrido um pracesso Idéntio de ocultacdo. Esse pracesso decorre das concepeaes 25 rnc sve 26 historcamente consrudas sobre as cancas © dos modos Teas from nscitas env imagens socks. ue tanto SUieccem Soe os seus produroresfoconiunto de sisemas ‘iitturados Ue cencas,eoas ees, em diversas epocas Sutorcas) quanto ocutam arealdade dos mundos socials © ‘nan da canca nacomplondage da sua este soca suUfrceess de luminacloocacaoexpime eros saberes Srsiidossobveascrancase nanc anto dels sabemo= Suunto, uma Ciencia que fem sido predominantemente Frodusida‘a pat de uma perspective adultocentrada, a8 Theancis caltraserepresetaces as chancasescapar-se Seonhotiments que dela temas, Una upturaepistemologicn Zo conhecimenlsoores infancia« bre as craneas - que {Eo ase dtedia na meny campe dos ‘sudos sntdnca*em plenaconstucaoecanaiea0esenctal para ‘hocurrs as qe nos peta taceando ss sombas Uinjvistllidade historiea (© interessehistrico pela infancia€relativamente recente. A referencia historiea 4 lnfancia aparece muito tarciamente, eersa6 alas, umadas razes que evaram P. Aries SSirmar a inexistencia do vsentimento da inca’ até 20 alba da maderidade. Apenas referéncias avtobiograficas ‘nde # infancia aparece evocada pelo filtro, frequentemente friteo, do adulza que se conta - e registos dispersos em estamentos, dlarios, documentos funerarios ou evocagbes hnovelstieas assinalam a presenca de crlancas no passado [eresce a essa auséncia a apfoblematicidade do conceito de ifancla na construede eientiica de uma ontologia social (30 Cntrario do que aconteceu Com a nocdo de pessoa humana! fou nouteas dimensBes, com aconstrucdo da dela de génera & 2 problematicidade da condicio de mulher, ou a eriacho das ‘epresentacoes socials sabre dasses socials como a producSo {da-Povo, Bourdieu, 1083) ~aarraia miuda’ ja referenciada por Femao Lopes no século XIV ou do Proletario, por Pempio} tfancia £0 ser em devi enesta tansitoriedade se “Inu por demasiado tempo a complexidade da realidade soci as erangas ha uma margialidade conceptual no que respeita ‘ideia ou imagem de infancia no passado, que € corelata da nranci sive, ‘marginaldade social em que fol tds, invsivel no passada, em suma,¢ quando aparece {ou come memériainfiel au cama legataria de uma tradicao, ‘de um poder ou de bens a prossequir como heranca familiar Salvo na imagem sagrad de um menino-Deus frequentemente Sotado de caracteristas adultas com que a escultura © a imagistica medievatsrepresentaram a cranga~omeninoque é mais sdbio que os sdbios, que detem sob 2 mao a lio do onhecimento, que olha fixamente em frente e no olhar se ‘espelha um poder incomensuraval, que apesar de pré-pubere ‘exe no rosto a barba que dignifica a condicao varonil, que ‘presenta uma cabeca enorme num corpo agi ete. - aauséncla sie da imagem infanea expressao mar do que Ares (1973) sesignou como ausencia da conscigncla da idela da infancia ‘durante a maior parte da Mistora sta ese de Aries concttou [até hoje uma enorme cantrovesi, qu incde quer nos aspectos metodolagicos do trabalho do historiador ances, quer na ‘uséncia de uma ftcagem teorica que permitisse interoretar 05 ‘ados historicos recolhidas a luz da sua natureza, dependente {a classe sociale do tipo de relacbes socials donde emanam por exemplo, # criticado frequentemente o facto de Ariés {eorizar sobre toda a categoria socal nfancia, tendo util2ado reajstos documentals provenientes do clero e da nobreza, havendo, par consequéncia, uma ausencia de referencia as ‘ancas das classes populares quer, ainda, finalmente, na ‘generalizacio interpretativa que produz sobre a alegada Susenciade conscgncia da infncia no passado, especialmente ra dade Media cf Heywood, 2002), Indepenidentemente da critica histariogréfica aque bora de Ares tem sid submetida, ha. noentanto, im cant de aspectos pelos quas ela¢considerada como uma referencia incontornavel, a ponte de, de alguma manera, nao apenas a Histonada inne, mas os estudas dainfaneia em geral, teem Sofrido, partir dela. uma mudanca de rumo sigifatva. Desde logo, a chamada da nfancia& Historia, quer coma objecto de Conhecimento historiografico, quer como problematica de Interesse mats geral no conhecimento da candicao humana fue concepedes. que imagens, que prescricdes, que praticas Socials foram historicamente produaidas sobre/com as crlancas? De que modo a emergencia ou as mudancas na concepeaa de 27 res nsiver, 28 Infancia alteraram as condigbes socials de existéncla na {ociedade? De que forma tudo isso modificou as formas de ‘ida da sociedade, no seu conjunto? Se as concepcbes de inféneia padem exist mochficar se ediversificarse, se elas S80 uma construcgo historia, e ao decorrem de uma natureza, autoevidente,o que é que est na origem dessas concencoes? {Que peso tem essas conceprdes, quals s20 08 seus vectores de transformacdo e de mudanca? Essas questOes tomnaramse possivels, depots de Ares. Alias, ele mesmo se apropriou do Conhecimento que dealgum modo inaugurou para se merrogar Sobre arelacio mais vasta entre infnciae sociedad, num texto {que publicou anos apas sua obra seminal num artigo para publicacdo nica na Enciclopedia Eunauc ries, 1986). ‘Anistoriografia mais recente sobre infancia e.g Pollock, 1983; Hendrick, 1994; Beech e Julia, 1098; Heywood 2002) tem considerada que, mais do que auséncia da ‘onscléncia da Infancia, na lade Media e na pré-modernidade ‘existiam concepgdes que foram profundamentealteradas pela ‘emergéncia do captalismo, pela cragdo da escola publica e pela vasta renovacao das idelas coma crise do pensamento teacéntrico ¢ 0 advento do racionalismo Os séculos Xvll @ XU, que assistem aessas mudancas profundas na sociedad, Constituem 9 perioda historia em que a moderna idela da Infancia se cristaliza definitivamente,assuminda um earacter| distintvae consttuindo-se como referenciadora de um grupo hhumano que ndo se caracteriza pela imperteiao,incompletude fu miniaturizacao do adult, mas por uma fase propria do Sesenvolvimento humano, ‘Acontece ue adstinglo da infanciada adulez, ue a modernidade ocidental produziu, no corresponde a uma s6 ideal infanca, nem origina uma ina norma da nfancia NO apenas varios autores tém chamadoa atencio para diversidade ize formas e modos de desenvaivimenta das cranes, em funcdo da sua pertencacuitural-isto€,sustentam que aceitura mold a infancia, por contraponto a ideia de uma natureza Universal dainfanicla,suposta a partir de estudos centrados no Ocidente (e.g. Rogoff, 2003) - coma a norma da Infancia Deidental e 2 evalucio das concepcaes da infancia nao fequivalem a0 que ocorre noutras partes do mundo ou nas Culturas no ocidentais (eg, Mead, 1970), orem, mesmo no Ineancia sve Interior do mesmo espaco cultural a vaviagio das cancepcbes Ga infincia fundada em varivels como a classe social, 0 grupo se pertenca etnica ou nacional, aeligiao predomnante, ove Ge Instrucdo da popula etc (stud das concepcoes da infnca deve, por isso, ter em canta of factores de heterogeneldade que a1 geram, sinda que nem todas se equivalham, navendo sempre. num ontexto espaco temporal dado, uma (ou, por vezes, mais do ‘Que uma) que se torna dominante-C estida dessas concepcbes fob a forma de imagens socials da infancia, torma se Indspensavel para construr uma reflexividae fundante de um ‘olhar nao ofuscado pela luz que emana das concepeses Implicitasetécitas sobre ainfancia, Imagens soca infra Uma panorimica da construcio histérica das Imagens sociais da infarc, desde odealbar da moderridade acidental, & proposta por James, Jenks e Prout (1998, p. 3-34) ‘sua abrangéndia ecompreensiidade facilta o entendimento da tese que temos vindo a expor ~ a criaczo de sucessivas representacdes das crlancas ao longo da Historia produziu um tfeito de mvsitilizacto da realidage social da infancia Esse trabalho de "imaginacao" da Infancia estruturou-se segundo principios de reducao da complexidade, de abstracizaczo das, Fealidades e de interpretacao para fins normativas da crianga "ideal Os autores eistinguem dots periodos fundamentals 0 das imagens da “cana presociologica’e o das imagens da ‘crianga sociologiea” A distincao Gecorre do facto de, no primeira periodo, trabalho de imaginaeio" socal da rianca onsiderar 0 sujeito infantil como uma entidade singular abstract, analsada nao apenas sem recurso a idela da infancla como categoria social de pertenca mas com exclusao do pr6prio ontexto socialenauanto produtor de condicSes de existent fede formacao simbolca. As imagens da crianca socioldgica Sao produces contemporsneas e resultam de um juizo Interpretativo das riancas a partirdas propostasteoricas das Ciencias socials. Constituem, de facto, pracessos de feinterpretaczo das representacoes anteriormente formladas, om revsao do seu fundamenta pela compreensae da categoria 29 30 geracional. Entre as imagens da “crianea présocioldgica"e as Imagens da "crianca sociologica’. 4 imagem da “erianea socialmente desenvolvda- referente aconcepeao da infancia abject do pracesso de sacializaczo - covresponde a uma "eorizaco transacciona” i, lb, p22), entre representagoes tradicional dainfanciae a concepeaa ds criancas como seres Socials que integram ua categoria geracional distint, Interessa'nos sabretudo tomar em consideracao aqui as imagens pré-sociolégicas porque elas correspondem 3 tipos ideals de simbolizagBes hstoricas da cranga, a partir do inicio da modernidade oeidenta, com expressao conceptual na obra de fildsofos ou outros homens do pensamento © da Elencia, mas gue se disseminaram no quotidiana, foram apropriados pela senso.comume mpregnam as relacdes entre [Adulto e crianeas nos mundos de vida comuns. As imagens da ‘cance sociolagica" correspondem, de facto, a diferentes teorias sociologieas e nao tém nem a mesma expessura histérica nem ainfluénca social ue as imagens da crianca pre Sociologia” possuem, come constuctosInterpretativos que $0 dos diferentes mados modemnos de-perceber' as crancas de, em consequencia dessa percepcao, administiar a sua ‘existéncia no quoticiano." "Antes de sumarizarmos, com alguma liberdade interpretatva as imagens da clanca pre socolagle”propostas por James, Jenks © Prout, convam também reter que elas nao Correspondem a etapas ou estaglos historcos,ultrapassados fu em tansito, de eonstrucao simbélica de imagens socials Gas eriancas.Essas Imagens, porventura daminantes num ou noutra momento historico considerado, coexistem © Sobrepoem-se, por vezes de forma tensa, outras vezes de mode sinertica.AS imagens socais das clangas, por estranhas Ou arcaicas que possam parecer (pelo menos algumasdelas), Continuam, como dizem os sociblogos briténicos, a -moldar ‘c¢es quotidianas e pratieas” id. p21), 30 send, por isso, negligenciivels os seus efeitos na configuracdo dae condicoes de existenca conereta das erancas Sdo as seguintes as imagens propostas como “imagens da crianga presociolbgica = A eranca ma (the evil chile -baseada naidela do ‘pecado ‘original’, aimagem da crianca ma esta associada a toda uma onceptualizacza do corpo © da natureza como realidades {que necesstam de sercontoladas proxima da natureza, no ‘domesticada” pela razao mas dominada pelo instinto, crianga € coneebida como uma expressio de forcas Indomadas, donisacas, com potencialidade permanente pata ‘oral A referencia fsofica #2 teora de Hobbes sobre a ‘exiggncia de controle dos “excessos", pelo poder absoluto do Estado sobre os cidadios e dos pals sobre as ciancas, como meio de evitaraanarqula socal ou o ransbardamento individual. Contemporaneamente, a cranga mae wslumorada has Imagens produaldas sobre as criancas das classes populares, em particular quando ¢ mobilizasa uma ideoo Tremenda esecurtava que refee as Tamils disfuncionals fevoca accbes de viimizagao perpetradas por criances ou ‘onvoca 0s “perigos'da Sociedade maderna para propor 0 Feforco das intervencbes paternalistas e mesmo a adopca0 de medidas de repressao infant (descida da idade penal, reforco dos regulamentosdiscplinares ete) Ucrianga mocente”contraponda se 8 change ma crianca ‘nocente fonda se no mitaromantco da nfancia como aidade dda inocéncia, da pureza, da Deleza e ea bondade Com ‘expressdo vasta na pintura romantica, bom como em muitos Tomances, encontra na Emilio de Rousseau o seu paradigma flos@fico. A tese aqui daminante @ 2 de que a natureza é ‘enuinaments boa e s6 2 sorledade a perverte. 0 que se ontrapse a concepeio oposta da necessidade da raza0.e ‘da norma social para controlar a: foreas ‘monstrugsas” da natureza indomada. As concepcdes rousseaunianastém uma amps expressdo contemporanea nos modelos pedagogicos ‘entrados nas criangase, nao por caso, concitam ainda hoje lm importante debate politico © pedagagico," do mesmo modo, a ideta das criangas como 0 Tuturo do mundo” esta frequentemente aseociada a uma concepcto salvifiea que ‘entzonca numa crenca romantica da bondade infant 4 crianca imanente- a idela de um potencial de desenvolvimento da cianca, nao a partir de uma natureza Intrinsecamente boa, mas da possibiidade de aquisicao da razao eda experiencia, aparece na formulacdo ilosafica da teoriada sociedade de John Locke, Paraofilasofoinolés do 31 ravi cysiver 32 século XVI acrianga é uma rabula rasa na qual podem ser Inseitos quero vice quer avitude, a arto ou a desrazio, senda missao da Sociedade promover 0 crescimento com vistaa.uma ordem social coesa A manéncia da crianeatorna Cada ser humana um projecto de futuro, mas que depende sempre da moldagem’ aque seja submetido nainfanca. A ‘concepcdo lockiana propde uma atencao as disposicaes © motivacBes infantis © nesse sentido precede concepcses desenvolimentistas que so vdoflorescerseculos mals tarde A crianca naturalmente desenvolide — a psicologia do desenvolvimento, a pati especialmente dos trabalhos de | Piaget, constitui-se como o principal referencial de fentendimentoe interpretacao da crianca no século Xx, com rofunda inluencia na pedagogia, nos culdados medicos © Socials, nas poiticas publicas e na relaczo quatidiana dos adultos coms criancas. Os autores sinalizam essaimagem fem torno de duas Kelas centras: as criancas sdo seres raturais, antes de serem seres socials, e @natureza infant Sofre um processo de maturaczo que se desenvolve pat estadios (id, ib. 17-19). Apsicologia do desenvolvimento nao apenas responsavel pela constituiczo de uma feflexvidade institucional sobre ainféncia, mas também pela proposta de uma norma de constitulca0 do conheciment Elentifico sobre a ciancas,ataves do fecurso a um conjunto Sofisticado de escalas e testes de "medicio” do ‘desenvolvimento natura” da crianca A critica ~ interna & propria psicolagia do desenvolvimento, nomeadamente por fatto da influgncia do construtivsmo social de Vygotsky Sobreascaracteristcasnaturalista, biologists, univerelstas, a-sociologicas, teleologicas e positvistas da corrente hhegemaniea da psiclagia do desenvolvimento nao obsta a {que esta imagem da lofancia seja molto provavelmente aque mais poderosa contemporaneamente “Aeranca inconsciente”assente na psicandlise,¢ tendo por Freud a sua igura de referencia, estaimagem socal imputa 40 inconsciente 0 desenvelvimenta de comportamento hhamang, com incdénia no confit elacional na fade infant ‘especialmente na elagao com as figuras materna epaterna, ‘A riancaé wsta como um preditor do aduto, mals do que ‘como um ser humana completo e um actor socal com a Sua, Inrdnci wosive, ‘especicidade, de modo que a psicandlise introduz um viés Interpretative cue impede a analise dacriangaa patirdo seu proprio campo. Acresce ainda o determinism que leva Jrequentemente a imputar comportamentos desviantes 2 viveneias infantis, o que nao desxa de ser uma inesperada eriva da imagem da “eranca ma” que se revela quando Sault As diversas imagens sociais da infancia frequentemente se sobrepdem e confundem no mesma plan deinterpretacao pratia dos munos das criancas ena preseriedo| ide comportamentos e de normas de actuacio. Nao si0 Compariimentos simbdlicas estanques, mas disposttivos de Interpretacao que serevela,finalmente, no pian dayustieacto| da acczo dos adultos com as criancas. A busca de um ‘onhecimento que se desgarre das Imagens consttuidas © historicamente sedimentadas nio pode dear de ser operad Sendo a partir de um trabalho dle desconstrucao Gos seus fundamentos, essa perscrutacao da sombra que um conhecimento empenhado no resgate dainfancia échamado a fazer Deine da infncia ensgaidace Em correspondéncia, por vezes indirecta, com a5, imagens socials da infanciaem distintas epacas hstoricas 0 interior das varias formacoes socials, € possivel encontrar todos diferenciados de distribu os papels geracionars, de Gefiniroestatuta das criancas ede conceber as relagBes entre “tiangas adultos. © que ndo pote dear de ser anotado sero Como um paradoxo, com expressive significado social, @ Ue 85 distintas representacoes da infancia se caracterizam especialmente pelos tracos de negaividade, mais do ave pela {efinicdo de contetidosibol6gicos ou simbéicos| especiicas 2 crianca e considerada como 0 nao-adulto ¢ este olhar adultocenrico sobre ainfanciaregista especialmente a auséncia, ' incompletude ou a negacdo das caracteristcas de um ser ihumana'completo" A infineia como a dade do ndoesta Ice desde 0 étimo da palavra latina que designa esta geracao: in fans oque ndo fala 33 Inravcn erosive 34 a notagio simbolica da infncia como idade da auséncia da linguagem, a modernidade, numa das suas mais importantes le tiunfantes) adicoes ada espitoraconalsta ue emergiu e se desenvolveu na segunda metade do milénio anterior -, consagrou a Infancia como a idade da néovazito ipatente na teora hobbesiana referida ainda em miltipios escritos de iluministas como Montaigne e Montesquieu, entre btos, ef Narodowski, 2001),em torn da quale para garantie 2 “formaczo de uma sa raza0") se insttucionalizou a escola & Se"inventou oaluno” (Gimeno Sacristin, 2003), ‘Arevolucio industrial, por seu turn, trouxe consigo a mobilzacdo activa das criancas para a produgio industrial Suborainando crancas e adultos a uma acionalidade ecanemica| Capitalista, que frequemtemente se exprimu na mobiizacao de Tegides de crancas inserdas, de sol aol, em oficinasefabricas| fu exploradas em outras multplas actividades produtivas. A Fegulacdo fordista da economia, em especial @controlo da indo-de-abra excedentaria que se segulu ao crash da bolsa de Nova Yark no perlodo entre ambas ae querras, retirou a= Criancas das Fabricas (mas, curosamente, nao a5 Fetirou logo {dos campos), sobretudo nos paises centrals da Europa e da ‘América do Novte, 0 que teve por efelto promover uma nova exclusao simbolica da infancia ada economia. Nesta Conformidade, as crancas foram consideradas como seres afastados da produgioe do consumo ea infanciainvestida da hatureza da loade do ndo-vabalho.& Importante considerar Camber 0. papel de movimentos sociais e ONGs que se ‘mobilizaram contra 9 trabalho infantil © lograram, em Consequéncia, leancar, sobretudo nos paises centrais, uma tfectiva condenacao social ejuridica da exploracao de criancas, Porem. as formas especifiens de trabalho dos criancas a aprendizagem escolar, a ajuda fama algumas actividades, Sazonais. por exemplo - tornaramse acultas na andlise da Givisdo social de trabalho e produziam essaideracomum, anal Nluséria de que as crancas nao rabalham Na segunda modernidade, odesenvolvimento activo ée uma industria cultural para as criancas, frequentemente ominada pela comunicaczo da violencia, pela erctizaczo Induzida pela comunicacaede modelos de referencia via med ede uma forma geral pela complexiicacao crescente das rani ove condicdes de vida das criancas, com estruturacéo dos seus {qotidianos segunda dinamicasindutoras de comportamentos Agressivos, competitas e agonisticos, tem produzido, oma {ue num encerramente do circulo da negatvidade, a dela de {Que as crianeas ectuals vive, definitvamente, um praceseo de adultizacdo precoce eireversvee, por consequéne's,habtam 3 vdade da ndovinfancia tsta\dea ¢expressa na metafora da ‘morte da infancia’, proposta por Nell Postman (1983), mas difundida ‘por varios. outros. autores, Para alem do conservadorisma inerente | caracterizagao” da ‘ontemporaneidade como época da “rise de valores”, por Contraponto a uma putativa idade passada de harmonia © consenso moral, esta concepcao da morte da Infancia fescamoteia a natureza activa das criangas ~ coma sujeltoe Socials que saa, e ndo meros receptores passivas da cultura de massas - e obscurece 0 facto de que as criancas, nas omplexas @ adversas condigbes socials da sua vida actual vivemna na espeaiicidage da sua geracao Por isso, encorecto| Falarem morte dainfancia, andacue,efectvamente, a nfancia contemporanea sofra constrangimentos poderosos ese ‘presente especialmente vulneravel A colonizagao dos seus ‘undos de vida pelos adultos. Para uma critica tese da'morte da infancia’ vejase Buckingham (2000), ‘anul chegados, importa sublinhar que todos os processos de qualficacao da infincia por neqacao constituem efectivamente, um acto simbélico de expresso de Adultocentrismo e a projeceao ideologica sobre a infancia de Concepeoes ideologicas essencialistas sobre a condicao humana. Com efeito, a infancia deve a sua diferenca nao 3 ‘uséncia de caracteristicas (presumidamente) proprias do ser fhumano adulto, mas a prasenca de outras earacteristicas sistintivas que permitem que, para alem de todas as distineSes Doperadas pelo facto de pertencerem adiferentes classes socials, 30 genera masculino ou feminino, a seja qual for 0 espaco ‘Seagratico onde residem, cultura de orem etna. todas ss {rianeas do munde tenham algo em comum, ‘Assim sendo, a infancla nda 3 idade da ofa todas as criangas, desde bebes. tem maltiplas inguagens (gestuats, corporal, plasticas e verbais) porque se expressam ‘Anfancia nao aidade dando razéo paraalem daracionaidade 35 wane sive técnicosnstrumental, hegeménica na sociedade industrial, futras racionalidades se constroem, designadamente as interacedes de criangas, com a incorporacao de afectos, da fantasia © da vinculaego 20 real. A infancla no & a idade do ho trabalho: todas as craneas trabalham, nas multolas arefas tue preenchem ot seus quotidianos, na escola, no espaco oméstio e, para muitas,tambem nos campos, nas oficinas ou he rua. A infancia no vive a idade da nagunfancia est a presente nas multiplas dimensBes que a vida ds crancas (na Sua hetecogeneldade) continuamente preenche ‘infncae, simultaneamente, uma categoria socal, do tipo geracionale um grupa socal de sujeltos actives, ue interpretam e agem no mundo. Nessa accio estruturam & tstabelecem padres cultura. As clturas Infants consttuem, Eom efeto, 0 mals Impartante aspecto na diferenciaca0 da infincia Na medida em que as culturas infantis si intenpelantes das visdes do mundo dos adultos, questionando muito dor seus adquirdos e Interrogando muitas das suas hidenclae(aspecto este que se torna especialmente rlevante Se considerarmos 0 “principio do mercado" na configuracao Ideologica do mundo cantemporaneo, promavendo a limbricacda do interessenavsao Jo mundo adulto, 20 contrrio| {do que sucede com as criancas, menos impregnavess por esse principio), paderemos falar aqui de um outro sentido de fegtividade Uma negate postr aguela pela qualomund Social &Interpretado # desconstruida em multos dos seus pressupostos plas cultuas infantis (lnyvisibitidads civiea be acord com aja eferia pola, abrangente, por vvezescontrastantehistonografadainfancia, umn elemento entre ‘vais tem vindo a produatr uma ealidae socal aracterizadora {a stuacdo da infanela a partir do dealbar da modernidade: 0 afastamento do mundo da infancia do mundo dos adultos, a Separagio de areas de actvidade, reservadas para a accio ‘xelusiva dos adultos e interditas, por consequencia, 8 aces das crianeas, ea colocacao, 5b forma directa especialmente na espaco familar ou 8 forma institucional (especialmente rane mnvsves no caso da escola) das criancas sob proteccio adulta. 0 fonfinamento da infancia a um espaco social candicionado & fontrolad pelos adultos produziu, como consequeéncla, 0 entendimento generalizado de que as criancas esto raturalmente” privadas do exericio de direitos politicos Tas eancas permanecem senda tinco grupo social verdadeiramente excluido de direitos politicos expressos, Sobretuda 2 partir do inicio do século XX, com uma sinuosa, historia de lutas,avangos.¢ recuos, movimentos civicos de grande dimensao, graves conflitas eanfentamentos, 0 direito fe participacao politica, especialmente sab a forma de escalha epresentativa dos dirigentes politicos, foi sendo Sucessivamente atribuido, especialmente na Europa e na ‘America Norte, as responsavels pelos agregadas familiares, ‘todos os homens brancos, a anafabetos, 35 mulheres, 205 negros ¢ 25 minotias etnias, aos imigrantes, aos jovens de fnais de 18 anos fem alguns poucos cases, as malores de 16) Drestriczo de direitos politicos 4 infancia, caracteristica da rmodernidade ocidental, a0 tem, todavia, um caracter universal Sociedades e comunidades vadicadas no Oriente © no hhemisfero sul ou mesmo grupos étnios minarttios na Europa, rn se caracteriaam pela excluso das criancas dada colectva © inclusive, integram as criancas nas assembleiase espacos de Mecisdo colectiva, com efectwa parteipacao civica (eg. Siva, Macedo e Nunes, 2001) [No entanto, a partcipacéo politica nao se restringe 20 poder de voto. O que importa aqui acentuar & 0 facto de ‘gue as crianeas privadas de detox politicos diectos tendem ‘Teer, emansequenca da sux austnctaforcada da cena poltica ‘epresentativa(governo,parlamento, cimaras municipal ec), insisibiizadas enquanto actores politicos concreios. Na fhiaie, pele de areosoaitns nde snénina de [auséncla de participacio politica, Aistoria de todos os grupos, Socias que sucessivamente foram inseridas no grupo dos {idada0s dotados de direltos politicos ~ nomeadamente as, mulheres € 05 eidadaos privados de direitos civicos que Construiram 0s grandes movimentos politic-seciais das Drimeiras decadas eda década de 1960, nos EUA ena Europa Contem provas evidentes de uma participacaa sem reconhecimentolegitimo, A participacao,ndiidual ecolectva, 37 38 festa para além do enquadramento jurdice das democracias| Ccidentaisrepresentativas. Por conseguinte, nao é de auséncia Ge aceao polltiea que se tata, mas de invsibilzacao na cena publica Ainvisibiliade tem uma extensSo correspondente pa auséneid-da_consideracao dos Impactos das decisbes politcas sobre as diferentes geracdes, especialmente a infant ‘Nie votanda nem sencoeleitas. a= crianeas a0 tematlzadas fora do quadra do referencial de destinatarios politicos, ‘esignem se les coma cida0a08",“contribuintes”“pariios feu mesmo ‘pavo" ,no entanto, qualquer medida de politica afecta dferenciadamente a varias geracoes (Qvortrup. 1398), Ainvisbiidade ¢, no caso, hombloge da exclusdo: as ciancas Sao 9 grupo geracional mais afectado pela pobreza, pelas Sesigualdades socials e peas carencias das palitias pbieas {eg Annan, 2001; Unicef, 2005). Nao €, por isso, sem onsequencia, que a exclusdo das crlancas da acca poitia | firecta caminha'a par doefeca simbelica da suainvisiozacao politica Para arecusa da compreensio das criangas como actores socials com competéncias poiticas concorre um Conjunto de factores, que se articulam'e conjugam no mesmo feito, emboratenham proveniéncia em momentos histericos fistincos e correspondam a sitvaches verdadeiramente fiferenciagas Em primeirlugar,ano¢o mederna de cidadania. A partir da flosofa das Luzes ¢ da configuracao politica que as Fevalugbes emocratias do século XVI aribuitam a0: Estados tmodernos, a cidadania foi sendo entencida como 0 estatuto| legal da identidade oficial” dos membros de uma comunidade com capacidade soberana de autogovernacao. A cidadania correspond, por definiaa, a um estatuto politico, confinado so espaco nacional, embora o cidadio velareconheciga a sua pertenca a comunidade nao apenas pelo vinculo que com ela stabelece e que he permite 0 usuftto de diets cvicas © politicas, mas tambem em consequéncia da sua propria ondicao individual, que Ihe atribu gireitos individuais de hatureza social proteccao, alimentacdo, educagi, saude ee). (estate de membro da comunidad mpe, ao mesma temp, obrigacbes deveres do cidaddo para com a comunidade ekncin wsive Dentro desta tradicdo liberal, a cidadanla é \wadiconalmenteclassfiada,apartr de Marshall (19671, como ‘idadaria civil (Sreitos de iberdade indinidual de expres sao, Ge pensamento, de erenca, de propriedade individual e de facedso ajustcal,cidadania politica (reco de elegere ser leita {de participar em organizacces epartides politicos) «cidadania Social acesso individual a bens socias basics) Marshall fem lima concepede evoluconista destes tes ipos de cidadania, Cconsiderando, na verdade, cada um deles como uma fase Sequencial que ampli alaiga o mbito do que anteriormente estava concedido aos cidaddos. € essa sequenclalidade fvolucionista que tem sido objecto de maior controvérsia no ‘debate contemporaneo (e.g. Wexler, 1990), bem como Festal da etadania a um ambite meramente nacional Beck 2003), Por outra lado, no & clara que a sociedade tenha ‘evoluido numa logics de ampllacao de direitos; tdo pouco & ‘certo que eles se tenham alargedoindiferencadamente a todos, Para o que nos intressa, a concepcaa liberal de cidadania, de que Marshal um dos mais reputadosinterpretes Palfusores, assenta no pressuposto do vinculo do individu para com a comunidade (nacional vinculo esse forjado em prineiposcilzatoros comummente aceite, pressupando da parte dele uma vontade livre, pensamento rationale sentido Se soldariedade. Ora, aimexistenciadeconsenso social acerca ‘estes trés pressupostes na nfancia na verdade, como aciante feferiremos, a dominacio paternalisa,expressaina construczo (imagens sociaiscontemporaneas da infancla noemativamente brientadas, firma precsamente as crlancas como desprovidas Ge vontade ou racionalidade proprias e como portadoras de lmaturidade socal legitma a recusa da cidadania da infancia, pelo menos da totaidade ga cdadania politic e, parciamente, ‘a cidadania cl Em suma, uma concepcio classica de cidadania Navverdage, nao tapenas esse estatuto aue ¢ recusado propsta, a parr a concep de menage da Intnce nto apenas tela mare stm deacon. come ‘mos ua cones de aesza utr cdagania lena cue nao assenta apenas oela simses Panaoeos anos, mas Secore da compulsindade da Fequenca dlescola, Espace 39 mean erosive. 40 institucional onde cabem todas as utopias igualitiias, tanto ‘quanto 0s processos mals reinados de dominacao, a escola {oi sendo historicamente tematizada pela madernidade como (lugar da formagio de jovens cidadaos, plenos de diets, capacidade © competéncia, para competirem e/ou se Sclidarizarem numa sociedade com iguadade de oportunidades Nao necessario recordar agul mod como a linearidade do raciocinioque suporta oprojecto escolar enquanto "abrica de idaddos"originau tantos equivocose fez desperdicartantas| fnergias efectivamente mobilizadas na consteucao de uma ‘idadania plena. A referencia a0 “declinio do programa institucional’ da escola (Dubet, 2002) €suficiente para revelar come a “formacao de cidadios’ & na realidade um frag fubstituta 4 cidadania efectiva, Em contrapartida, a escola

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