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VIA SACRA

I ESTAÇÃO - JESUS É CONDENADO À MORTE

℣. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.


℟. Porque, por vossa santa Cruz, redimistes o mundo.

–Eis aqui o homem. O vosso rei. Ainda não vos basta?

Jesus está ereto. E eu lhes asseguro que Ele não havia mostrado a nobreza como nesta hora. Nem
mesmo quando fazia os mais estupendos milagres. A nobreza na dor. Mas de tal modo divino, que
bastaria para pôr-lhe o nome de Deus. Mas para dizer esse Nome é preciso que se seja, pelo menos,
homens. E Jerusalém hoje não tem homens, só tem demônios.

Jesus passa o olhar sobre a multidão, procura e encontra, no meio dos rostos odientos, os rostos
amigos. Quantos são? Menos de vinte amigos no meio de milhares de inimigos... E inclina a cabeça
ferido por esse abandono. Uma lágrima cai... depois outra... e mais outra... A vista do seu pranto não
gera piedade, mas um ódio ainda mais feroz. Ele é levado de novo para o átrio.

– E então? Deixai-o ir. É justiça.

– Não. Ele vai para a morte. Crucifica-o.

– Eu vos entrego Barrabás.

– Não. O Cristo!

– E, então, prendei-o vós. E por vós mesmos, crucificai-O. Porque eu não encontro culpa alguma nele
para fazer isso.

– Ele se disse Filho de Deus. E a nossa lei castiga com a morte o réu de tal blasfêmia.

Pilatos fica pensativo. Depois torna a entrar. Vai assentar se em seu trono. Põe uma mão na fronte e
o cotovelo sobre o joelho, e fica perscrutando Jesus:

– Aproxima-te – ele diz.

Jesus vai para os pés do estrado.

– É verdade? Responde-me.

Jesus fica calado.

– De onde vens? Quem é Deus?

– É o Tudo.

– E daí? Que quer dizer o Tudo? Que é o Tudo para quem morre? Estás doido... Não há Deus. Eu o
sou.

Jesus fica calado. Ele deixou sair a grande palavra e depois volta a fechar-se em seu silêncio.

– Pôncio, a liberta da Cláudia Prócula está pedindo para entrar. Ela traz um escrito para ti.

– Senhores! Até as mulheres agora! Que venha.


Entra uma romana e se ajoelha, apresentando-lhe uma tabuinha encerada. Deve ser aquela na qual
Prócula pede ao marido que não condene a Jesus. A mulher se retira, andando para trás, enquanto
Pilatos lê.

– Estão me aconselhando a evitar a tua morte. É verdade que Tu és mais do que um mágico? Tu me
causas medo.

Jesus fica calado.

– Mas não sabes que eu tenho o poder para te livrar ou para te crucificar?

– Nenhum poder terias se não te fosse dado lá do alto. Por isso, quem me entregou em tuas mãos é
mais culpado do que tu.

– Quem foi? O teu Deus? Eu tenho medo...

Jesus fica calado.

Pilatos está andando sobre espinhos. Quereria e não quereria. Tem medo do castigo de Deus, tem
medo do castigo de Roma e tem medo das vinganças dos judeus. Por um momento o que vence é o
medo de Deus. E assim ele vai para frente do átrio e troveja:

– Ele não é culpado.

– Se dizes isso, és inimigo de César. Quem se torna réu é inimigo dele.

Tu queres libertar o Nazareno. Nós vamos fazer que César fique sabendo disso.

Pilatos se vê tomado pelo medo do homem.

– Quereis vê-lo morto, então? Pois que seja. Mas que o sangue deste justo não esteja em minhas
mãos.

E tendo feito que lhe levassem uma bacia, lavou suas mãos na presença do povo, que parece estar
tomado por um frenesi, enquanto grita:

– Sobre nós caia, sobre nós o sangue dele. Caia sobre nós e sobre os nossos filhos. Nós não temos
medo. Seja crucificado! Seja crucificado!

Pôncio Pilatos volta para o seu trono, chama o centurião Longino e um escravo. Pelo escravo ele faz
que seja levada uma tábua sobre a qual coloca um cartaz, e manda que se escreva nele: “Jesus
Nazareno, Rei dos Judeus.” E o mostra ao povo.

– Não. Assim, não. Não escrevas rei dos judeus, mas que ele disse que seria rei dos judeus –gritam
muitos.

– O que eu escrevi está escrito –diz com dureza Pilatos.

E, de pé, estende a mão com a palma virada para a frente e depois para baixo, e ordena:

E desce sem nem mesmo virar-se para a multidão tumultuada nem para o pálido Condenado. E ele
sai do átrio.

Jesus fica no centro do átrio sob a guarda dos soldados, esperando a cruz.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

II ESTAÇÃO- JESUS TOMA A CRUZ AOS OMBROS

℣. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.


℟. Porque, por vossa santa Cruz, redimistes o mundo.
Já vão levando as cruzes. As dos dois ladrões são mais curtas. A de Jesus é muito maior. Eu acho que
a peça vertical não tem menos de quatro metros.

Eu vejo a cruz quando ela já foi montada e vai sendo levada. Eu estou vendo uma verdadeira cruz, já
bem montada e bem reforçada com pregos, parafusos e porcas.

Antes de entregarem a cruz a Jesus, penduram-lhe ao pescoço a tabuinha com estes dizeres escritos:
Jesus Nazareno, Rei dos Judeus. E a corda que a prende se embaraça na coroa, que fica se movendo
e arranhando por onde ainda não foi arranhado, e os espinhos vão penetrando em novos pontos,
causando novas dores e fazendo o sangue escorrer de novo. O povo ri, com uma alegria cheia de
sadismo, e o insulta, dizendo blasfêmias contra Ele.

Agora estão prontos para sair. E Longino dá ordens para se pôrem a caminhar:

– Na frente vai o Nazareno. Atrás dele os dois ladrões. Uma decúria ao redor de cada um deles. E as
outras sete decúrias vão abrindo alas ou prestando serviços, e será responsável qualquer dos
soldados que ferir de morte os condenados.

Jesus desce os três degraus, que do vestíbulo levam para a praça. E logo se torna evidente que Jesus
está em uma condição de grande fraqueza.

Vacila ao descer os três degraus, impedido pelo peso da cruz, que está calcando seu ombro todo
ferido, pela tabuinha com os escritos que fica balançando na frente e esfregando o seu pescoço,
pelos solavancos que imprime ao seu corpo o longo madeiro, que vai sendo arrastado e fica pulando
de uma para outro degrau e sobre o chão irregular.

Os judeus riem ao vê-lo como um embriagado que vai cambaleando, e gritam aos soldados:

– Batei nele! Fazei-o cair. Que caia na poeira o blasfemador!

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

III ESTAÇÃO - JESUS CAI PELA PRIMEIRA VEZ

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

Junto à Porta Judiciária já se aglomeraram pessoas e mais pessoas. Os que são previdentes
escolheram bem antes um bom lugar de onde possam ver. Mas, pouco antes de chegarem lá, Jesus
dá sinais de que vai cair. Somente a pronta intervenção de um soldado, sobre o qual quase Ele cai, é
o que impede que Jesus leve um tombo. O populacho ri e grita:
– Deixa-o cair. Ele dizia a todos: “Levantai-vos.” Que se levante Ele agora...

Para lá da porta, há uma pequena torrente e uma pequena ponte. É uma nova dificuldade para Jesus
ir por cima daquelas tabuinhas soltas, sobre as quais vai batendo fortemente o longo madeiro da
cruz. E ali está uma nova mina de projéteis para os judeus. E as pedras da torrente voam e vão ferir o
pobre Mártir...

Tem início a subida do Calvário. É um caminho nu, sem nem um fio de sombra, calçado com pedras
soltas que formam a subida.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

IV ESTAÇÃO - JESUS ENCONTRA SUA MÃE

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

[...] Vê Maria, que está suplicando aos soldados que a deixem passar. Ele [Longino] fica com dó dela,
e grita:

– Deixa passar a mulher.

[...] Ele [Jesus] está se virando para a Mãe, que só agora Ele vê que está vindo ao seu encontro, pois
Ele ia andando tão inclinado e com os olhos quase fechados, como se estivesse cego, e grita:

– Mãe!

Esta é a primeira palavra, desde que foi torturado, que exprime o seu sofrimento. Porque naquele
grito está a confissão de tudo e de cada uma das tremendas dores do seu espírito, de seu moral e de
sua carne. É um grito dilacerado e dilacerante de um menino que está morrendo sozinho, entre
agudos tormentos, no meio das piores torturas... e que chega a ter medo até do seu próprio respiro.
É o lamento do menino que delira, que é dilacerado com as visões de um demônio... e que quer a
mãe, a mamãe, porque só o seu beijo amoroso pode acalmar o ardor de sua febre, só a voz dela
espanta os fantasmas, só o abraço dela torna a morte menos assustadora...

Maria leva a mão ao seu coração, como se tivesse recebido uma punhalada, e sente uma leve
vacilação. Mas Ela se reanima, apressa o passo enquanto vai com os braços estendidos na direção de
sua Criatura dilacerada, Ela grita:

– Filho!

Mas diz isso de uma maneira tal que quem não tem um coração de hiena o sente rasgar por aquela
dor. Eu vejo que até entre os romanos existe uma inclinação à piedade... No entanto, são homens
que lidam com armas, para eles não é coisa nova terem que matar, visto que são portadores de
cicatrizes... Mas as palavras “Mãe” e “Filho” são sempre aquelas; e para todos aqueles, eu repito,
que não são piores do que as hienas, são palavras ditas e compreendidas por toda parte, e por toda
parte elas fazem que se levantem ondas de compaixão.

[...] Mas Maria não pode beijar o seu Filho... Até o toque mais leve seria uma tortura para aquelas
carnes machucadas, e Maria se abstém de fazê-lo, e também... porque até os sentimentos mais
santos são acompanhados de um profundo pudor, e exigem respeito ou, pelo menos, compaixão.
Mas no caso presente é curiosidade ou escárnio. Beijam-se somente as duas almas angustiadas.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

V ESTAÇÃO - JESUS É AJUDADO POR SIMÃO DE CIRENE

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

Penso que foi um pouco de curiosidade da parte do Cireneu e dos seus filhos que os fez subirem até
lá, pois ele não tinha nenhuma necessidade de fazê-lo. Seus dois filhos, deitados por cima do grande
volume de verduras, estão olhando e rindo, atrás dos judeus fujões. Mas o homem, — muito
robusto com os seus quarenta ou cinquenta anos, em pé ao lado do burrinho que, espantado, trata
de recuar — olha atentamente para aquele cortejo.

Longino o está observando. Ele pensa que o homem lhe possa ser útil, e lhe ordena:

– Homem, vem cá!

O Cireneu faz que não ouviu. Mas com Longino não se brinca. Ele repete a ordem de um modo tal
que o homem entrega as rédeas a um dos seus filhos e vai para perto do centurião.

– Estás vendo aquele homem? –pergunta-lhe ele. [Longino refere-se a Jesus)

[...] – Ele não pode mais andar com toda aquela carga. Tu és um homem forte. Toma a cruz dele e
leva-a para ele até lá em cima.

– Eu não posso... Estou com aquele burro... ele é teimoso... os meninos não são capazes de retê-lo...

Mas Longino lhe diz:

– Vai, se não queres perder o burro e levar vinte vergastadas de castigo.

O Cireneu não tem coragem de reagir. E diz aos rapazes:

– Ide para casa, e logo. E dizei lá que eu volto logo, – e depois vai.

[...] Ele [Cirineu] está vendo que Maria não pode abraçar o seu Filho por causa da cruz, e que depois
de ter estendido os braços, os deixa cair de novo, tendo a certeza de não poder fazer o que queria
{...} E se apressa em remover a cruz, fazendo isso com a delicadeza de um pai, a fim de não esbarrar
na coroa nem ficar roçando nas feridas.

O cortejo se põe de novo em movimento empurrado pelas ondas de um povo furioso e os separa,
empurrando a Mãe para um lado do monte, exposta à zombaria do povo todo...

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

VI ESTAÇÃO - A VERÔNICA ENXUGA O ROSTO A JESUS


V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.
R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

As mulheres vão chorando e se viram ao ouvirem os gritos e ao verem que o cortejo vem vindo por
aquele lado. Elas, então, se agrupam e se encostam no monte, por temerem ser jogadas lá embaixo,
no despenhadeiro, pelos violentos judeus. Puxam ainda mais os seus véus sobre os rostos.

[...] Elas se aproximam de Jesus chorando e se ajoelham a seus pés, enquanto Ele para ofegante... e
ainda consegue sorrir para aquelas almas piedosas e para o homem que as escolta

[...] Ela [uma das mulheres] tem na mão uma ânfora de prata e a oferece a Jesus. Mas Ele a recusa.
Aliás, é tão forte a sua falta de ar, que Ele não pode nem beber. Com a mão esquerda Ele enxuga o
suor e o sangue que lhe cai nos olhos e que, escorrendo ao longo das faces arroxeadas e o pescoço
das veias inchadas pela pulsação ofegante do coração, molha toda a sua veste no peito.

Uma outra mulher, tendo perto de si uma menina que a serve, com um cofrezinho nos braços, abre
o cofrezinho, tira de lá um pano de linho muito fino, como um lenço, e o oferece ao Redentor. E Ele
o aceita. Mas visto que Ele não pode só com uma mão fazê-lo por Si mesmo, a piedosa mulher o
ajuda, tomando cuidado para não esbarrar na coroa, que lhe está caindo sobre o rosto. E Jesus
aperta o linho fresco sobre sua pobre face e lá o segura, como se nele encontrasse um grande
conforto.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

VII ESTAÇÃO - JESUS CAI PELA SEGUNDA VEZ

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

[...] Jesus sofre de forma aguda por ter que subir com o peso da cruz que, sendo comprida como é,
deve também ser muito pesada.

Ele vai contra uma pedra saliente e, enfraquecido como está, levanta o pé muito pouco, tropeça nela
e cai para o lado do joelho direito, conseguindo, porém, sustentar-se apoiando a mão esquerda. O
populacho grita de alegria... Afinal, Ele se levanta. E continua a andar. Sempre mais inclinado e
ofegante, congestionado, febril...

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

VIII ESTAÇÃO - JESUS CONSOLA AS PIEDOSAS MULHERES

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

Depois Ele lhe entrega o linho, e fala:

– Obrigado Joana, obrigado Nique... Sara... Marcela... Elisa...Lídia... Ana... Valéria... E tu... Mas... não
choreis... por Mim... filhas de Jerusalém... mas pelos pecados... os vossos e os... da vossa cidade... Dá
graças a Deus... Joana... por não teres... mais filhos... Vê... é piedade de Deus... não... não ter filhos
para que sofram com isso. E tu, Isabel... Melhor... Como foi... que entre os deicidas... E vós... Mães...
chorai sobre... os vossos filhos, porque esta hora não passará sem castigo... E que castigo... se assim
fazem... com o Inocente... Chorareis, então... por terdes concebido... por terdes dado de mamar e
de... terdes ainda... os filhos... As mães... de então... chorarão... porque... em verdade Eu vos digo...
que será feliz... quem, então... cair... debaixo dos escombros... em primeiro lugar. Eu vos abençoo...
Ide... para casa... rezai... por Mim.

Adeus, Jônatas... Leva-as embora...

E, no meio de um alto clamor de pranto feminino e de imprecaçõe judaicas, Jesus se põe de novo em
movimento.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

IX ESTAÇÃO - JESUS CAI PELA TERCEIRA VEZ

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

O cartaz que vai balançando à sua frente lhe perturba a visão; sua veste longa, agora que Ele vai
inclinado, se arrasta pelo chão e lhe torna difícil dar o passo. Ele torna a tropeçar e cai sobre os dois
joelhos, ferindo-se de novo onde já estava ferido; e a cruz escapa de suas mãos e cai, depois de ter-
lhe dado uma forte pancada no dorso, obrigando-o a inclinar-se para levantá-la e a ter dificuldade
para pô-la de novo no ombro. Enquanto Ele faz isso, aparece claramente visível sobre o seu ombro
direito a chaga feita pela cruz ao cair, e que reabriu as feridas feitas pelos flagelos, unindo-as todas
em uma só, que solta soro e sangue, de tal modo que a sua túnica branca fica toda manchada
naquele lugar. O povo até bate palmas pela alegria de vê-lo cair de mau jeito...

Longino o anima a apressar-se, e os soldados, batendo nos pratos com as adagas, pedem a Jesus que
prossiga. Continua o caminho, com uma vagareza cada vez maior, ainda que continuem a ser feitos
os pedidos.

Jesus parece estar completamente bêbado, pelo tanto que vai cambaleando, esbarrando ora em
uma, ora em outra das filas dos soldados, que ocupam todo o caminho. O povo nota isso e grita:

– Sua doutrina lhe subiu à cabeça! Vede como Ele vai oscilando.

E outros, e esses não são do povo, mas sacerdotes e escribas, riem-se dele com escárnio, dizendo:

– Não. São os festins na casa de Lázaro que ainda estão lançando fumaças. Eles eram bons? Pois que
Ele coma agora o nosso alimento... –e outras frases semelhantes.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

X ESTAÇÃO - JESUS É DESPOJADO DAS SUAS VESTES


V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.
R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

É dada a ordem aos condenados para que se dispam. Os dois ladrões logo o fazem, sem nenhum
pudor. Eles até se divertem, fazendo gestos obscenos, virados para a multidão, especialmente para o
grupo dos sacerdotes, todos candidamente vestidos com suas vestes de linho, e que foram voltando
para a pracinha mais baixa fazendo uso da licença que tinham de ficar por ali. Aos sacerdotes
uniram-se dois ou três fariseus e outros prepotentes personagens, que o ódio fez que ficassem
amigos.

[...] Os carrascos oferecem aos condenados três trapos, para que eles cubram as suas virilhas. E os
dois ladrões os pegam com as mais horríveis blasfêmias. Jesus vai-se despindo lentamente, por
causa do espasmo que lhe causam as feridas, e os recusa. Talvez Ele pense em conservar as ceroulas
curtas, com que Ele estava durante a flagelação. Mas, quando lhe foi dito que as tirasse também, Ele
estende a mão, para mendigar o trapo aos carrascos, a fim de proteger sua nudez. Ele é o
Aniquilado, chegando ao ponto de ter que pedir um trapo a uns delinquentes.

Mas Maria viu aquilo e foi tirando o seu longo e leve pano branco, que lhe cobre a cabeça e está por
baixo do manto escuro sobre o qual Ela já derramou tantas lágrimas. Ela o tira, sem deixar cair o
manto, entrega-o a João para que o passe a Longino a fim de que o entregue ao seu Filho. O
centurião pega o véu sem criar dificuldades e, quando vê que Jesus está para desnudar-se
completamente, estando Ele virado, não para a multidão, mas para o lado onde não está o povo,
pondo assim à mostra as suas costas cheias de equimoses e de empolas, sangrando pelas feridas
recebidas e ainda abertas, ou pelas crostas escuras, estende-lhe o pano da Mãe. E Jesus o
reconhece. E se envolve com ele, dando muitas voltas ao redor do abdome, e atando-o bem para
que não caia... E sobre aquele linho, que até agora só foi molhado pelo pranto, caem as primeiras
gotas de sangue, porque muitas daquelas feridas, recobertas ainda pelos coágulos, ao inclinar-se
para tirar as sandálias ou a roupa, abriram-se de novo e o sangue recomeçou a pingar.

A multidão zomba dele em coro:

– Oh! Oh! Que belo! É o mais belo dos filhos dos homens. As filhas de Jerusalém te adoram...

E eles riem, e gritam também:

– O leproso! O leproso! Então tu fornicaste com algum ídolo para que Deus te tenha castigado
assim? Murmuraste contra os Santos de Israel, como Maria de Moisés, para seres assim punido? Oh!
Oh! Ele é o perfeito! És tu o Filho de Deus? Isso, não! És o aborto de Satanás! Pelo menos ele,
Mamon, é poderoso e forte. Tu... tu és um trapo impotente e nojento.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

XI ESTAÇÃO - JESUS É CRUCIFICADO

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

Os ladrões estão amarrados às suas cruzes, e são levados para o seu lugar, um à direita e o outro à
esquerda do lugar destinado para Jesus. Eles gritam, dizem imprecações, maldizendo, especialmente
quando as cruzes são transportadas, cada uma para o buraco para ela preparado, e as sacodem
violentamente, fazendo que sejam cortados os pulsos deles com as cordas, e, então, as suas
blasfêmias contra Deus, contra a Lei, contra os romanos e contra os judeus, são infernais.

Chegou a vez de Jesus. Ele se estende mansamente sobre o madeiro. Os dois ladrões estavam tão
rebeldes, que, não bastando os quatro carrascos para segurá-los, tiveram que intervir alguns
soldados, para que com pontapés eles não acertassem nos carrascos que lhes estavam amarrando
os pulsos. Mas para Jesus eles não tiveram necessidade de ajuda. Ele se agacha e pousa a cabeça
onde eles dizem que deve fazê-lo. Ele abre os braços, como eles lhe ordenam e estende as pernas
como eles mandam. Ele só se preocupou com a colocação bem-feita do seu véu. Agora seu longo
corpo, delgado e branco, fica sobre a madeira escura e o chão amarelado.

Dois carrascos se assentam sobre o peito dele, para segurá-lo quieto. Um terceiro lhe segura o braço
direito sustentando-o com uma mão sobre a primeira parte do antebraço, e com a outra, na parte
dos dedos. O quarto, que já tem na mão o longo cravo aguçado na ponta e terminando do outro
lado em uma chapa redonda e chata, da espessura de uma moeda dos tempos passados, olha se o
buraco que já foi feito na madeira vai dar certo com o ponto da juntura do pulso. Tudo certo. Aí o
carrasco apoia a ponta do cravo no pulso, levanta o martelo e dá a primeira batida.

Jesus, que estava com os olhos fechados, ao sentir aquela dor aguda solta um grito e faz uma
contração, arregala os olhos que estão nadando em lágrimas. Deve ser uma dor atroz a que Ele
sente. O cravo penetra, despedaçando os músculos, as veias, os nervos e quebrando os ossos...

Maria responde ao grito do seu Filho torturado com um gemido, que se parecesse com o lamento de
um cordeiro degolado e se inclina, como se tivesse sido despedaçada, segurando a cabeça entre as
mãos. Jesus, para não torturá-la, não grita mais. Mas os golpes continuam, compassados, ásperos,
de ferro contra ferro... mas ficamos a pensar que por baixo há um membro vivo que os recebe.

A mão direita já está pregada. Passa-se para a esquerda. O buraco não está no rumo do carpo.
Então, eles apanham uma corda, amarram-na no pulso esquerdo e puxam, até que se desloque a
articulação e se arranquem os tendões e os músculos, além de lacerar a pele, já cortada pela corda
da captura. Também a outra mão deve estar sofrendo, pois está esticada para o rumo oposto e, ao
redor do seu cravo, vai-se alargando o buraco. Por enquanto, ficam apenas no começo do
metacarpo, isto é, entre o polegar e os outros dedos, justamente no centro do metacarpo. Aqui o
cravo entra mais facilmente, mas produzindo um maior espasmo, porque ele tem que cortar nervos
importantes, tanto que os dedos ficam inertes, enquanto os outros, os da direita, entram em
contrações e tremores, que são sinais de sua vitalidade. Mas Jesus não grita mais, tem somente um
lamento rouco, atrás dos lábios fortemente fechados, e as lágrimas do espasmo caem por terra,
depois de terem caído sobre a madeira.

Agora é a vez dos pés. A uns dois metros ou mais da ponta da cruz, há uma pequena cunha, que dá
somente para um pé. Sobre ela são puxados os dois pés, para ver se a medida está certa. Mas, visto
que ela ficou um pouco baixa, e os pés não chegam até ela, eles esticam pelo tornozelo o pobre
Mártir.

Agora aqueles que estavam sentados no peito de Jesus se levantam, e vão colocar-se sobre os
joelhos, visto que Jesus fez um movimento involuntário para encolher as pernas, ao ver brilhar ao sol
um cravo muito comprido, com o dobro do comprimento e da grossura do que aquele que foi usado
para as mãos. Eles põem os seus pesos sobre os joelhos esfolados e fazem compressão sobre as
pobres canelas contundidas, enquanto os outros dois executam a operação, muito difícil, de pregar
um pé sobre o outro.
Por mais que eles fiquem olhando e segurando com firmeza os pés, ao baterem o martelo sobre os
dedos contra a cunha, o pé que fica por baixo muda de lugar, por causa da vibração do cravo, e eles
precisam quase arrancá-lo, porque o prego, depois de ter entrado nas partes moles, já sem ponta
por ter perfurado o pé direito, deve ter-se deslocado um pouco para o centro. E eles batem, batem,
batem... Só se ouve o atroz rumor feito pelo martelo sobre a cabeça do cravo, pois todo o Calvário
está com seus olhos e ouvidos atentos para apreciarem as ações e o rumor, e se divertirem com
aquilo...

Ao som áspero do ferro se une o lamento de uma pomba, à surdina: é o gemido rouco de Maria que
fica cada vez mais inclinada, a cada batida, como se o martelo estivesse ferindo a Ela, a Mãe Mártir.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

XII ESTAÇÃO - JESUS MORRE NA CRUZ

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

Agora a cruz está sendo arrastada para o buraco, e vai balançando, sacudindo o pobre crucificado,
pois o chão é muito acidentado. Por fim, é levantada a cruz, que por duas vezes escapou das mãos
dos que estavam levantando, e cai, uma vez, de repente, e outra vez sobre o braço direito da
mesma, causando um áspero tormento a Jesus, porque uma sacudida repentina move de lugar os
membros feridos.

Mas quando depois deixam a cruz escorregar e ela cai em seu buraco, antes ainda de ser socada ao
redor com pedras e terrões, e ainda está bambeando para todos os lados, causando contínuas
mudanças de posição ao pobre Corpo, que está pendurado por três cravos [...] Todo o peso do corpo
se desloca, ora para frente, ora para baixo, e os buracos vão-se alargando, especialmente o da mão
esquerda; e se alarga também o furo dos pés e, com isso, o sangue esguicha com mais força. E se o
dos pés goteja, indo ao longo dos dedos até o chão e ao longo da cruz, o das mãos vai pelos
antebraços, porque estão mais altos os pulsos do que as axilas por causa da posição, e passa até
pelas costelas, descendo das axilas para a cintura. A coroa, enquanto a cruz bambeia antes de ser
fixada, muda de lugar, porque a cabeça bate para trás, fincando na nuca o grosso nó de espinhos no
qual termina a torturante coroa, e depois torna a voltar para a fronte, e arranha, arranha sem
piedade.

Finalmente a cruz é firmada no terreno e não há outro tormento senão o de ficar pendurado. Agora
estão levantando também os ladrões, os quais, uma vez que ficaram na posição vertical, gritam
como se estivessem esfolados vivos, pela tortura das cordas que apertam os pulsos e fazem que as
mãos fiquem escuras, com as veias inchadas.

Jesus está calado. Ao invés, a multidão não se cala mais. Mas recomeça aquele vozerio infernal.

[...]

Mas o ladrão da esquerda, lá de sua cruz, continua a insultar. Parece que ele se tornou agora o
maior colecionador de todas as blasfêmias dos outros, e as vai repetindo todas, para terminar
dizendo:
– Salva-te, e salva a nós também, se queres que se creia em Ti. Tu és o Cristo? Tu és um doido! O
mundo é dos mais espertos, e Deus não existe. Eu sim, que existo. Isto é verdade, e a mim tudo é
permitido. Deus?... Isso é uma fábula. Inventada para fazer-nos ficar quietos. Viva o nosso eu! Só ele
é que é rei e deus!

O outro ladrão, que está à direita, e tendo Maria quase a seus pés, olha para Ela quase mais do que
para Cristo, e há alguns momentos chora e murmura: “É a Mãe.” e diz ao companheiro:

– Cala-te! Não temes a Deus nem mesmo agora que estás sofrendo este castigo?

[...]

Jesus parece ir empalidecendo sinistramente como se já fosse um começo de decomposição, como


se estivesse morto. Sua cabeça começa a inclinar-se sobre o peito. Suas forças vão-lhe faltando
rapidamente. Ele está tremendo, não obstante a febre ardente em que está. E, em sua fraqueza, Ele
murmura o nome que antes dizia apenas no fundo do seu coração: “Mãe!”, “Mãe!”. Ele o murmura
em voz baixa, como num suspiro, como se estivesse já em um leve delírio que o impedisse de conter
aquilo que sua vontade gostaria. E Maria, cada vez que isso acontece, faz o gesto irrefreável de
estender os braços para socorrê-lo. E aquela gente cruel ri dos espasmos de quem está morrendo e
do que Ele diz durante os espasmos.

[...]

A cabeça está inclinada para frente, e tão pesada, que o pescoço parece estar dividido em três
partes. A respiração está sempre mais ofegante e entrecortada. De vez em quando lhe sobrevém o
ataque de uma tosse muito penosa que traz sobre os lábios uma espuma levemente rosada. E as
distâncias entre uma respiração e outra vão ficando cada vez mais longas. O abdomen já não tem
movimento. Somente o tórax tem ainda alguns movimentos feitos com dificuldade, extremamente
fracos... A paralisia pulmonar vai-se acentuando cada vez mais.

E cada vez mais enfraquecido, voltando a emitir o lamento infantil, ouve-se a invocação:

– Mamãe!

E a infeliz murmura:

– Sim, meu Filho, eu estou aqui.

E quando a vista dele não a vê mais, isso o faz dizer: “Minha Mãe, onde estás? Não te estou vendo
mais. Também Tu me abandonas?” — e não diz mais nem uma palavra, mas um murmúrio que mal é
ouvido por quem, mais com o coração do que com o ouvido, recolhe cada respiro do Moribundo —,
Ela diz:

– Não, não, meu Filho, eu não te abandono! Escuta-me, querido... Mamãe está aqui, aqui está... e só
sente não poder ir para onde estás....

[...]

Um silêncio. Depois, bem claras no meio da escuridão total, ouvem-se estas palavras:

– Tudo está consumado!

E depois a respiração torna-se cada vez mais estertorosa, com pausas de silêncio entre um estertor e
outro, cada vez mais prolongadas.
O tempo vai passando nesse ritmo angustioso. A vida volta, quando o ar é cortado pela respiração
áspera do Moribundo... E sua vida cessa quando aquele som penoso não se ouve mais. Sofre-se ao
ouvi-lo e sofre-se... ao não ouvi-lo... E se diz: “Basta com esse sofrimento!” e se diz: “Ó Deus! Que
não seja este o ultimo suspiro.”

[...]

Depois, pronunciada com uma grande doçura e com uma ardente oração, ouve-se esta súplica:

– Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!

Continua o silêncio. Também os estertores estão diminuindo. Só há um curto sopro nos lábios e na
garganta.

Depois vem o último espasmo de Jesus. Uma convulsão atroz, que parece querer arrancar o corpo
que está pregado com os três cravos no madeiro..

Faz a cabeça virar-se violentamente para trás, uma, duas, três vezes, batendo duramente contra o
madeiro. Contrai, em um espasmo, todos os músculos do rosto, evidenciando o desvio da boca para
a direita, a abertura e dilatação das pálpebras, sob as quais se vê rodar o globo ocular e aparecer a
esclera. O corpo se estica todo; na última das três contrações ele é como um arco esticado que vibra,
horroroso de se ver; depois, um grito potente, impensável naquele corpo extenuado, exala, fere o
ar. É o “grande grito” do qual falam os Evangelhos, e que é a primeira parte da palavra “Mamãe”... E
nada mais...

A cabeça torna a cair sobre o peito e o corpo para a frente, o frêmito cessa, cessa a respiração... Ele
expirou...

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

XIII ESTAÇÃO - JESUS É DESCIDO DA CRUZ E ENTREGUE A SUA MÃE

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

Maria, então, vai-se pôr aos pés da cruz, sentada de costas para ela e assim pronta para receber ao
seu Jesus no colo. Mas despregar o braço direito é mais difícil. Mesmo com todo o esforço de João, o
corpo pende todo para frente e a cabeça do cravo vai-se afundando na carne. E como não quereriam
feri-lo ainda mais, os dois, compadecidos, esforçam-se muito. Finalmente o cravo é agarrado pela
tenaz e vai sendo tirado pouco a pouco.

João continua a segurar Jesus pelas axilas, com a cabeça virada para as suas costas, enquanto
Nicodemos e José o pegam, um pelas coxas e o outro pelos joelhos e, com cuidado, vão descendo
assim das escadas.

Tendo chegado ao chão, quereriam colocá-lo no lençol que eles estenderam por cima de seus
mantos. Mas Maria o quer para si. Ela abriu o seu manto, deixando-o ficar pendurado de um lado, e
está com os joelhos abertos o tanto que é preciso a fim de fazer um berço para o seu Jesus.
Agora Ele está no colo da Mãe... E parece um menino grande e cansado que está dormindo, todo
abrigado sobre o seio materno. Maria o sustenta com o braço direito passado por detrás das costas
do Filho, e o esquerdo por cima do abdome, para segurá-lo por baixo dos quadris.

A cabeça está sobre o ombro materno. E ela o chama... Chama com uma voz cheia de dor. Depois o
tira de debaixo do ombro e o acaricia com a esquerda, une e estende as mãos e, antes de cruzá-las
sobre o colo, as beija e chora sobre as feridas. Depois lhe acaricia as faces, especialmente nos pontos
em que estão lívidas e inchadas, beija os olhos encovados e a boca que ficou levemente torcida para
a direita e entreaberta.

Ela quereria pentear-lhe os cabelos, como já lhe penteou a barba cheia de grumos secos de sangue.
Mas, ao fazer isso, encontra os espinhos. Ela se espinha ao tirar aquela coroa, e somente Ela é que o
quer fazer, com a única mão que está livre, e afasta todos disso, dizendo:

– Não, não! Eu! Eu!

E parece que tem entre seus dedos a tenra cabeça de um recém-nascido, pois tão grande é a
delicadeza com que o faz. E quando pode tirar esta coroa que tortura, inclina-se para medicar todos
os arranhões feitos pelos espinhos com os seus beijos.

Com a mão tremendo, ela divide os cabelos desalinhados, ajeita-os e chora, e fala baixinho, enxuga
com os dedos as lágrimas que vão caindo sobre as carnes geladas e sangrentas, e pensa em lavá-las
com seu pranto e com seu véu, que está ainda nas costas de Jesus. Ela puxa uma ponta dele e com
ela se põe a limpar e enxugar os membros santos. E sempre volta a fazer-lhe carícias no rosto,
depois sobre as mãos, depois acaricia os joelhos contundidos e se põe a enxugar o Corpo, sobre o
qual caem lágrimas e mais lágrimas.

Ao fazer tudo isso sua mão vai de encontro ao rasgão do tórax. A pequena mão de Maria entra
quase toda na larga abertura da ferida. Maria se inclina para ver, à meia luz, e vê. Ela vê o peito
aberto e o coração de seu Filho. Grita, então. Parece que uma espada esteja abrindo o seu coração.
Grita, depois se debruça sobre o Filho e parece morta também Ela.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

XIV ESTAÇÃO - JESUS É SEPULTADO

V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.


R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

José, todo encurvado em uma inclinação reverente, com a mão aberta posta sobre o peito, diz:

– Conforta-te, ó Mulher! O meu sepulcro está novo e digno de um grande. Eu o doo a Ele. E isto é o
que Nicodemos, amigo, já levou para o sepulcro com os aromas, coisas que ele quer oferecer de seu.
Mas eu te peço, porque a tarde se avizinha, deixa-nos agir... Estamos na Parasceve. Sê boa, ó Mulher
Santa!

Também João e as outras mulheres fazem o mesmo pedido, e Maria, então, deixa que tirem do seu
colo o seu Filho, e se levanta, ofegante, enquanto eles o envolvem em um lençol, e ela recomenda:

– Oh! Ide devagar!


Nicodemos e João, do lado das costas, José do lado dos pés, levantam o corpo envolto, não somente
no lençol, mas apoiado também sobre os mantos que servem de liteira e, descendo, eles se põem a
caminho.

Maria, ajudada pela cunhada e por Madalena, acompanhada por Marta, por Maria de Zebedeu e por
Susana, que recolheram os cravos, as tenazes, a coroa, a esponja e o caniço, vai descendo para o
sepulcro.

[...]

Ele está tão frio e tão rígido, que quando, mais uma vez, Ela olha o rasgão feito pela lança que,
depois que o corpo ficou de costas sobre a placa de pedra, está aberto como uma boca, deixando
que se veja melhor ainda a cavidade torácica. Maria grita de novo, como no Calvário. Fica parecendo
que a lança a está traspassando, pelo tanto que Ela se contorce em sua dor, levando as mãos ao
coração, traspassado como o de Jesus. Quantos beijos deu naquela ferida a pobre Mãe!

Depois Ela volta à cabeça, que está virada, e a acerta em seu lugar, pois tinha ficado levemente
tombada para trás e bem mais para a direita. A Mãe procura fechar aquelas pálpebras, que teimam
em ficar sempre abertas, e a boca que ficou também aberta, meio contraída e um pouco torcida
para a direita. Penteia os cabelos, que ontem estavam tão bonitos e em ordem, mas que agora
viraram um emaranhado, embaraçados e grudados pelo sangue. Ela desenrola as madeixas mais
longas, torna-as mais macias ao passá-las por entre os dedos, e as enrola para restituir-lhes aquela
forma dos belos cabelos do seu Jesus, antes tão macios e anelados. E Maria geme, porque se lembra
de quando Ele era menino... E é esse o motivo principal de sua dor: a lembrança da infância de Jesus,
de seu amor por Ele, dos seus cuidados que tinham medo até do ar mais forte para aquela
Criaturinha divina, e a comparação entre o modo como o tratava naquele tempo com o trato que lhe
deram agora os homens.

Ela, gemendo, diz:

– Que foi que te fizeram, meu Filho?

[...]

– Podeis fazer [Aqui Maria se refere do embalsamento do corpo de Jesus]. Mas ele ressurgirá. É
inútil que desconfieis do que eu digo e fiqueis cegos diante da verdade, que Ele vos disse. É inútil
que Satanás tente armar ciladas contra a minha fé. Para redimir o mundo falta ainda a tortura a ser
dada ao meu coração por Satanás vencido. Eu estou passando agora por ela e a ofereço pelos que
vierem depois de mim. Adeus, meu Filho! Adeus, minha Criatura! Adeus, meu Menino! Adeus...
Adeus... Santo... Bom... Amadíssimo e amável... Beleza... Alegria... Fonte de saúde... Adeus... Aos
teus olhos... Aos teus lábios... aos teus cabelos dourados... aos teus membros gelados... Oh! Ao teu
coração traspassado... o meu beijo... o meu beijo... o meu beijo... Adeus... Adeus... Senhor! Tem
piedade de mim!

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

XV ESTAÇÃO - JESUS RESSUSCITA COMO TINHA DITO


V. Nós Vos adoramos e Vos bendizemos, Senhor Jesus.
R. Porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.

No céu, que está com um trecho todo rosado do lado do oriente, e que se espalha cada vez mais no
céu sereno, onde ainda não se vê nenhum raio de sol, se apresenta — vindo de profundidades
desconhecidas — um meteoro esplêndido, que desce como bola de fogo de insustentável esplendor,
seguida por um rastro cintilante, que talvez seja só a lembrança do seu fulgor em nossa retina.
Precipita-se rapidamente em direção à terra, emanando uma luz tão intensa, fantasmagórica,
amedrontadora em sua beleza, que a luz rosada da aurora se anula, suplantada por essa
incandescência branca.

Os guardas levantam a cabeça, espantados, também porque, com aquela luz, ouve-se um estrondo
muito forte, mas cheio de harmonia, solene, que enche por si mesmo todo o mundo. Ele vem das
profundezas do Paraíso. É o aleluia, o glória dos anjos que acompanha o espírito de Cristo que volta
em sua Carne gloriosa.

O meteoro bate contra o inútil lacre do Sepulcro, o desfaz, o enterra, fulmina de terror e de fragor os
guardas lá colocados como carcereiros do Dono do Universo, produzindo, com aquele seu retorno
sobre a Terra, um novo terremoto, como aconteceu quando havia fugido da terra o Espírito do
Senhor. Entra no sepulcro escuro, que fica todo claro por aquela luz indescritível, e, enquanto ela
continua no ar, imóvel, o Espírito se infunde de novo no Corpo rígido que está sob as bandagens
fúnebres.

Tudo isso se dá não em um minuto, mas numa fração de minuto, de tão rápido que é o
aparecimento, a descida, a penetração e o desaparecimento da Luz de Deus...

E o “quero” do Espírito Divino dito à sua Carne fria não produz rumor. É pronunciado da Essência à
Matéria imóvel. Mas nenhuma palavra é percebida pelo ouvido humano. A Carne recebe o comando
e obedece com um respiro profundo... Nada mais por alguns minutos.

Por baixo do Sudário e do Lençol, a Carne gloriosa se recompõe em beleza divina, desperta do sono
da morte, volta do “nada” em que estava, torna a viver depois de ter estado morta. Certamente o
coração desperta e dá a primeira batida, empurra para dentro das veias o sangue gelado que ainda
existe e repentinamente cria a medida total das artérias esvaziadas, nos pulmões imóveis, no
cérebro obscurecido, e faz voltar o calor, a saúde, a força e o pensamento.

Mais um instante, e eis que se faz um movimento repentino por baixo do pesado lençol. É tão
repentino o movimento que, do momento em que Ele move as mãos cruzadas até o momento em
que Ele aparece em pé, imponente, esplêndido em sua veste de matéria imaterial,
sobrenaturalmente belo e majestoso, com uma gravidade que o muda e eleva, embora deixando-O
como é, os nossos olhos mal têm tempo de perceber a transição. E agora o admira: Ele está tão
diferente de tudo o que nossa mente recorda, bem arrumado, sem feridas nem sangue, mas
somente fulgurante daquela luz que irrompe em jatos das cinco chagas e emana de todos os poros
de sua epiderme.

Quando Ele dá o primeiro passo — e nesse movimento os raios jorram das Mãos e dos Pés,
formando ao redor dele uma auréola de lâminas luminosas: da Cabeça coroada de uma guirlanda
feita de inúmeras pequenas feridas, que não vertem mais sangue mas somente fulgor, até a orla da
veste, quando Ele, abrindo os braços cruzados no peito, deixa à mostra a região de uma
luminosidade vivíssima, que atravessa a veste acendendo-a como um Sol na altura do coração —
então realmente é a “Luz” que tomou corpo.
Não é a pobre luz desta Terra, não é a pobre luz dos astros, não é a pobre luz do Sol. Mas é a Luz de
Deus: todo o fulgor do Paraíso que se concentra em um só Ser e lhe doa os seus azuis inconcebíveis
para as pupilas, os seus fogos dourados para os cabelos, os candores angelicais como veste e
colorido, e tudo o que existe de indescritível por meio de palavras humanas, o supereminente ardor
da Santíssima Trindade, que, com o seu poder ardente, anula todo o fogo do Paraíso, absorvendo-o
em Si para gerá-lo de novo em cada um dos momentos do Tempo eterno, Coração do Céu, que atrai
e espalha o seu sangue, as inumeráveis gotas do seu sangue incorpóreo: os bem-aventurados, os
anjos, tudo o que há no Paraíso: o amor de Deus, o amor a Deus, tudo isso é a luz que existe, que
forma o Cristo ressuscitado..

Pai Nosso, Ave Maria, Glória


Ó santa Mãe da dor, gravai no meu coração as chagas do Salvador.

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