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O PAPEL DA BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA

artigo de revisão
COMO ESPAÇO DE AFILIAÇÃO
ESTUDANTIL E O BIBLIOTECÁRIO COMO
EDUCADOR E AGENTE INCLUSIVO

Antonio Jose Barbosa de Oliveira*


Daniela Carvalho Cranchi**

RESUMO O artigo reflete sobre o uso do espaço e dos serviços oferecidos


pelas bibliotecas universitárias no processo de afiliação de estudantes,
sobretudo se considerarmos as novas realidades advindas do * Doutor em Memória Social pela Uni-
REUNI e da política de Ações Afirmativas. Nesse sentido, tem uma versidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Brasil. Professor Adjunto do
abordagem teórica interdisciplinar, ressaltando que a biblioteca Departamento de Biblioteconomia da
universitária pode e deve ser um ambiente facilitador da formação Universidade Federal do Rio de Janeiro,
acadêmica em seus aspectos científico, técnico e humanista. Destaca Brasil.
E-mail: antoniojose@facc.ufrj.br.
o papel da biblioteca na gestão universitária e a importância da
participação ativa do profissional bibliotecário-educador no processo ** Bacharel em Biblioteconomia e Ges-
tão de Unidades de Informação pela
de autonomia intelectual do estudante universitário. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Brasil. Graduanda em Licenciatura em
Biblioteconomia na Universidade Fede-
Palavras-chave: Biblioteca Universitária. Afiliação Estudantil. Gestão ral do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Universitária E-mail: ddcranchi@gmail.com

1 INTRODUÇÃO práticas pedagógicas e mecanismos de gestão


mais efetivos para acompanhamento da nova
realidade.

O
ensino superior público brasileiro sempre Partimos do princípio de que a
foi marcado por um certo elitismo e universidade é local privilegiado para
muitas vezes servindo como instrumento construção de redes de sociabilidades e
à reprodução dos padrões culturais dominantes. de interações entre práticas culturais e,
No entanto, internamente, a universidade consequentemente, construção de redes de
pública sempre conviveu com o embate entre produção de conhecimento que contribuam
grupos que defendem a permanência de para a formação holística de seus estudantes.
sua “tradicional vocação para a excelência” Nesse sentido, a formação acadêmica não é
e aqueles que defendem sua abertura e sua dissociada da formação humanista-cultural e,
democratização, particularmente no que diz a partir de uma concepção dialógica entre os
respeito à diversificação do perfil do público diversos grupos que formam o corpo discente,
discente que recebe. docente e administrativo das universidades,
As políticas de Estado ligadas à poder-se-á encontrar mecanismos para que tais
Democratização do acesso e à ampliação do novas práticas sirvam de ponte na formação
sistema federal de Ensino Superior trouxeram interdisciplinar e multicultural dos estudantes.
novas realidades. A adesão integral ao ENEM/ Apesar da sociedade, de um modo
SISU, associada às políticas de Ação Afirmativa, geral, ver o sistema escolar como um fator
com inclusão crescente de alunos egressos de para mobilidade social, Bourdieu (2002, p. 20)
escolas públicas e/ou com renda per capita subverte esse conceito ao considerá-la como um
de um salário mínimo nacional, trouxeram dos legitimadores das desigualdades sociais
um novo perfil de aluno às universidades ao atribuir aos dons e talentos predicativos
federais que demandará da instituição novas que são próprios e cultivados pelo convívio

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e acesso à cultura reconhecida e valorizada [...] à saída de casa, muitos passam a


pelas elites, que se tornam “naturais” aos morar em repúblicas ou residências
indivíduos. Mas, na realidade foram habitus universitárias; o ingresso na vida
acadêmica, com regras sociais e culturais
cultivados pelas convivências e oportunidades. específicas; as mudanças em si mesmo,
A sociedade, em particular as instituições de em que os estudantes percebem suas
ensino, ao não reconhecerem que “[...] cada próprias alterações de comportamento e
família transmite a seus filhos, mais por vias a aquisição de algumas responsabilidades;
indiretas que diretas, um certo capital cultural e a adaptação ao curso, através da lógica
de desenvolvimento da aprendizagem.
e um certo ethos [...]”(BOURDIEU, 1998, p. 42), (NERY, 2011, p. 32)
que valorizados pelos sistemas educacionais,
podem contribuir para manutenção das Podemos notar que são muitas as variáveis
desigualdades que provavelmente se refletirão que interferem no processo de adaptação do
no sucesso ou insucesso educacional, na futura novo aluno nessa nova realidade à qual estará
atuação profissional, na inserção no mercado de ao mesmo tempo exposto e supostamente
trabalho e no capital social do indivíduo e, assim, inserido. E entender essas transformações e
possivelmente na manutenção do status quo. saber tirar proveito delas torna-se crucial para
A importância da conjuntura familiar, sua sobrevivência universitária e seu sucesso
derivada de seu capital cultural, capital social e acadêmico.
ethos, é percebida através da predisposição dos As hipóteses teóricas de Coulon (2008,
pais ou responsáveis à valorização e incentivo ao p. 32) sobre o processo de afiliação estudantil
conhecimento escolar, bem como ao cultivo de procuram compreender esse fenômeno, que
um ambiente disciplinar favorável ao contexto envolve processos intelectuais, institucionais
escolar e processo ensino-aprendizagem. Esse e culturais. Ele o analisa sob duas dimensões:
fenômeno é um elemento importante para se Afiliação Intelectual e Afiliação Institucional.
alcançar um futuro sucesso acadêmico. Seguindo Segundo sua análise, esse fenômeno inclusivo
essa lógica, aqueles provindos de famílias mais / excludente ocorre em três tempos que
abastadas, e com maior acesso aos bens culturais, compõem o processo que pode culminar na
seriam os que provavelmente teriam maiores afiliação estudantil: tempo do estranhamento,
chances de obter um bom desempenho na escola tempo da aprendizagem e tempo da afiliação.
e, posteriormente, na universidade. A consolidação dessa espécie de “profissão
Tendo em conta esses fatores, no Brasil, temporária” é crucial para a manutenção da
recentemente e de forma progressiva, adotaram- condição estudantil de jovens em instituições
se políticas de ações afirmativas para aumentar dessa natureza.
o número de ingressantes no Ensino Superior O ingresso na universidade per si pode
daqueles candidatos, histórica e economicamente não se constituir na realização de um sonho,
menos favorecidos, ou em posição de pois nem sempre o aluno permanece no curso
vulnerabilidade social. Porém, ter acesso à até sua conclusão. Um dos fatores que pode
universidade não é garantia de conclusão do contribuir para esse abandono é a necessidade
curso, nem de sucesso profissional, nem na vida de trabalhar por motivos financeiros; a
futura. não adaptação ao ambiente e ao contexto
Coulon (2008) ressalta que ao chegar universitário; o sentimento de inadequação ao
ao universo acadêmico, muitas vezes distante curso por diversos motivos; ou imprevistos que
de seus referencias familiares, o ingressante provoquem mudanças de cunho pessoal / social
precisa passar de sua condição de aluno para a que dificultem seu permanecer na universidade.
de estudante. Esse processo de adaptação dos Segundo Sampaio e Santos (2014, p.1-4), o
calouros à universidade é, geralmente, confuso Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação
e doloroso. A forma e intensidade como esse e Expansão das Universidades Federais
começo é experienciado depende de diversas (REUNI) requer a implantação de um sistema
variáveis e circunstâncias. de gestão acadêmica voltado para a abertura da
Nery (2011, p. 32) destaca quatro grandes educação superior, possibilitando entrada de
aspectos importantes para a adaptação dos um contingente maior de alunos cujo ingresso
calouros à universidade da seguinte forma: antes era menos provável, principalmente por

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O papel da biblioteca universitária como espaço de afiliação estudantil e o bibliotecário como educador e agente inclusivo

conta do processo seletivo. Porém, possibilitar rito de passagem ao final do qual supostamente
o acesso efetivo desses alunos requer uma nova o jovem terá a oportunidade de ingressar na
postura acadêmica / institucional, a fim de vida adulta ativamente produtiva e reconhecida
oferecer-lhes subsídios para superarem suas por sua função. Atualmente, um dos principais
dificuldades acadêmicas e de adaptação ao motivos pelos quais a maioria dos jovens é
ambiente universitário. As autoras ressaltam impulsionada a empreender todo esforço para
que os estudantes, com origem em segmentos ingressar e se formar no Ensino Superior é a
historicamente segregados, requerem da lógica de mercado, que geralmente eles tentam
instituição universitária uma atenção especial seguir. Isso muitas vezes pode gerar frustrações,
para maior adaptação às tarefas acadêmicas. pois nem sempre sua escolha, tendenciosamente
a mais provável por diversos fatores, se baseia
Isso implica enfrentar, com novas em seus desejos e anseios.
estratégias, o abandono e o fracasso
Muitos ritos de passagem se constituem
na educação superior. A perda de um
contingente de estudantes que não se numa forma de superação de limites ou porta
mantém na universidade é um resultado de entrada para um novo grupo ou status
que custa caro, tanto no plano humano, social no qual o sujeito deseja ver-se inserido
como no plano socioeconômico. e reconhecido. Para maioria dos jovens
No plano humano, isso produz
universitários, e principalmente após as políticas
desmotivação, o medo do futuro, um
déficit de formação e, frequentemente, de ampliação de acesso através das cotas, a
menores chances de emprego num aprovação, a conquista de uma vaga (apesar de
mundo extremamente competitivo, nem sempre ser a mais desejada) e o ingresso
com consequências sobre a qualidade na instituição universitária, atende a todos os
do nosso desenvolvimento como nação.
pressupostos e propósitos de um ritual.
Sobre o plano socioeconômico, os
investimentos públicos tornam-se “não O desejo e a importância de pertença são
produtivos”, ou seja, não repercutem, explicitados no processo pelo qual o estudante
como deveriam, na redução das passa, podendo culminar na afiliação, quando
desigualdades e na inclusão das novas ele se apropria dos conceitos inerentes ao
gerações no sistema produtivo e de
campo universitário e incorpora o habitus
serviços. (SAMPAIO; SANTOS, 2014,
p.2) academicus. De uma forma geral, isso ocorre
progressivamente entre o primeiro e segundo
Assim, elas destacam que a entrada semestre do seu ingresso na universidade.
para a vida acadêmica acarreta uma série Quando isso não acontece, ele tende a abandonar
de mudanças profundas na vida dos alunos, os estudos logo no início, ou troca de curso ou
impactando no seu desenvolvimento psicológico de instituição. Assim, o processo de afiliação
e psicossocial, principalmente nos mais jovens. estudantil requer do estudante sua adaptação às
Esse momento pode ser o primeiro em que eles exigências universitárias, em termos de conteúdo
têm oportunidade de exercer sua autonomia intelectual, de métodos de exposição do saber e
através da escolha da futura profissão, em qual de adequação aos habitus estudantis, incluindo a
universidade irá ingressar, se curso integral percepção e domínio do novo espaço geográfico;
ou em tempo parcial, dentre outras possíveis identificação das atribuições dos mesmos e da
escolhas. Porém, esse não parece ser o único ato, maximização do uso de seu tempo; compreensão
nem o mais importante nessa etapa transitória dos códigos e regras do jogo no campo social e
para a vida adulta; muitas vezes, o ingresso na intelectual universitário.
universidade significa ter que deixar de residir Coulon (2008) estudou o impacto do
com seus responsáveis, e até mesmo em outra ingresso à instituição universitária na vida
região, impondo assim que eles assumam uma cotidiana do aluno e de seu processo de afiliação,
responsabilidade sobre o cuidado de si mesmos condição para sua transformação em estudante.
e seus atos, quando antes estavam acostumados Para desenvolver seus trabalhos sobre a temática,
aos cuidados e ao “tutelamento” de um adulto. o sociólogo utilizou reflexões baseadas na
Podemos considerar o ingresso à etnometodologia sobre os processos intelectuais,
universidade, cujo privilégio não contempla a institucionais e culturais que cercam a adaptação
todos, nem no mesmo período de vida, como um dos estudantes à educação superior. Esse

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transcurso, estudado por Coulon, foi resumido decorreu após sua conclusão do ensino básico,
por Nery (2011, p. 36) da seguinte forma: têm pouca familiaridade com o espaço biblioteca
e com os hábitos de leitura. Com o uso cada vez
A passagem para a universidade também mais intensivo das tecnologias da informação
solicita do jovem que organize três
e comunicação (TIC) e, tento a população mais
aspectos fundamentais da sua vida: o
tempo, pois é preciso compreender que jovem como foco, podemos trazer a problemática
as aulas não têm mais a mesma duração, da literácia ou competência em informação e os
que o volume e o tipo de trabalho a ser usos não críticos das tecnologias da informação
realizado demandarão um maior esforço e comunicação para o campo universitário. A
intelectual e uma melhor organização;
geração atual utiliza intensamente as TIC para
o espaço, pois a estrutura de uma
universidade é consideravelmente suprir as suas necessidades de informação e
maior do que a de uma escola de ensino de relacionamento com os outros. São jovens
médio e, por isso, os estudantes devem nascidos depois de 1993, que cresceram num
aprender a localizar espaços como mundo dominado pela internet, e conhecidos
departamentos, secretarias e bibliotecas,
como a ‘geração Google’. Manipulam com
que freqüentarão cotidianamente; e
as regras e o saber, pois eles devem destreza as novas tecnologias, porém, apesar
desenvolver uma capacidade de dessa familiaridade, não desenvolveram a
interpretação das normas institucionais, literácia necessária para ir além do copy/paste.
porque a não compreensão de algumas Esses usuários demonstram não possuírem a
delas gera uma ignorância em relação
competência em informação necessária e exigida
a uma quantidade desconhecida de
situações problemáticas que eles terão pelo meio acadêmico para explorar corretamente
que solucionar. (NERY, 2011, p. 36) (de forma ética, eficiente e eficaz) os recursos
informacionais, em especial os de acesso à
Essas novas experiências são fundamentais informação promovido pelas TIC (MENDONÇA,
e impactantes na formação do estudante 2010, p. 28-35).
universitário como sujeito de sua própria Segundo Mendonça (2010, p. 32), a falsa
história acadêmica. Assim, quanto maior for «literácia informacional» dos jovens de hoje,
sua prontidão para responder positivamente como exímios utilizadores dos computadores
a essas mudanças e quanto maior for seu grau e da internet, “está a reduzir os estudantes a
de resiliência para superar problemas, mais níveis mínimos de sobrevivência em termos
capaz ele será de aproveitar as oportunidades de informação”. O agravante é que a maioria
proporcionadas pela e na vida universitária como considera sua capacidade de buscar, avaliar e
pessoa e como graduando. Mas este estudante selecionar informações como suficientes para
não está só: encontrar, na vida universitária, responder às necessidades pessoais e escolares,
profissionais que facilitem seu processo de porque “sentem-se auto-suficientes [...] dominam
afiliação poderá ser um grande diferencial. o acesso e as condições de acesso tecnológico.”
Aqui surge nossa perspectiva do novo papel A universidade deve ser um espaço
que também deverá ser desempenhado pelo de ensino, aprendizagem, produção e
profissional bibliotecário: o bibliotecário compartilhamento de conhecimento que vão
educador. além do cumprimento de tarefas acadêmicas
previamente estipuladas para atender
determinados quesitos de avaliação. E, ao realizar
2 A BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA suas tarefas cotidianas, espera-se do estudante
NO PROCESSO DE AFILIAÇÃO uma visão crítica na busca das informações no
ESTUDANTIL que tange sua veracidade, pertinência, validade
da fonte de informação e questões éticas. Assim,
É papel de extrema importância a estudar e pesquisar não se resume em encontrar
conscientização das bibliotecas universitárias um dado ou informação, compilá-lo e replicá-
sobre a necessidade de se conhecer seus diversos lo, espera-se uma postura crítica e investigativa
usuários, reais e potenciais, pois muitas vezes diante do fazer acadêmico e do ser pesquisador.
os estudantes oriundos do ensino médio, ou Veríssimo (2012, p. 23) critica a postura
que deles estão distanciados pelo tempo que de usuários, do ensino básico e superior, que

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O papel da biblioteca universitária como espaço de afiliação estudantil e o bibliotecário como educador e agente inclusivo

ao considerar o motor de pesquisa da Google mudança é a palavra-chave do atual


como uma fonte de referência e uma biblioteca período de transformações pelo qual
por excelência, não o realizam de forma crítica, as bibliotecas estão transitando. Como
unidades que refletem as transformações
construtiva e ética: da sociedade, as bibliotecas devem estar
em constantes mudanças para atender às
[...] ao utilizar este processo, o sujeito alterações políticas, sociais, econômicas,
não cruza os dados com outras fontes e culturais e tecnológicas da sociedade
invalida a articulação e validação crítica para qual está voltada. (ALVES, 2006,
dos dados obtidos. Apesar de terem p.6)
disponíveis recursos infindáveis de
informação, os alunos não têm perante
essa mesma informação uma atitude Essa mudança envolve toda biblioteca e,
crítica e construtiva que os conduza a principalmente o setor de referência. O papel de
elaborar um texto original. O facilitismo educador do bibliotecário, sua ação como gerente
leva-os a “copiar e colar”. Esta iliterácia e promotor de marketing na ∕ e da biblioteca
informacional irá manifestar-se, mais merecem destaque. Assim, as intervenções vão
tarde, nos trabalhos acadêmicos e
científicos e o plágio, por exemplo, será além da implementação e atualizações das TIC
recorrente. (VERÍSSIMO, 2012, p. 23, nas bibliotecas; há de se implementar serviços
grifo nosso) voltados para as necessidades informacionais e
cognitivas de seus usuários.
A origem desse problema é anterior ao Como Campello (2003, p. 32) aponta,
acesso à universidade, sendo decorrente da falta “os bibliotecários são incitados a tomar atitude
de hábito de leitura, não desenvolvido no âmbito proativa, a fim de participar do esforço educativo
familiar e escolar. O ambiente educacional que requer mais do que a visão ingênua
poderia ser um espaço para minimizar a e simplista do processo de busca e uso da
deficiência do acesso aos livros e a leitura por informação”. Sua ação vai além de ser fornecedor
certa parte da população e, em particular, a de informação, pois essa pode ir além de sua
biblioteca escolar um instrumento pelo qual recepção simples por parte do usuário.
esse processo se daria ao integrar as atividades Assim, o estudante também deve
curriculares e extra-curriculares através da desenvolver um olhar crítico sobre a informação
ação conjunta dos professores e profissionais e suas fontes, bem como, ampliar sua capacidade
da biblioteca. Porém, tal oportunidade não é de síntese e análise para ser capaz de produzir
plenamente explorada. Isso ocorre em vários novos conhecimentos a partir das fontes
níveis educacionais. consultadas, concluindo, assim, o ciclo do uso
Segundo Milanesi (1983, p. 64), o uso da da informação, contribuindo para ampliação
biblioteca universitária tem origem na Educação ou enriquecimento do conhecimento. Nesse
Fundamental. processo, o bibliotecário pode atuar como
A deficiência das bibliotecas escolares mediador da informação e agente educador
e públicas encontra um sucedâneo à na formação do ser estudante. A biblioteca
altura: a biblioteca universitária. Da universitária deve ter como princípio
mesma forma que o ensino superior institucional a:
está precariamente assentado sobre a
frágil estrutura do ensino do primeiro e
segundo graus, a biblioteca universitária [...] necessidade de propiciar aos seus
é uma sequência coerente. (MILANESI, usuários a competência necessária para
1983, p. 64) que esses possam usufruir dos benefícios
dos recursos informacionais [...] bem
como [...] capacitar o estudante de
Alves (2006, p.6) ao estudar as bibliotecas graduação no meio acadêmico tanto no
digitais reconhece que as tradicionais, de seu caráter formal quanto informal, ou
um modo geral, necessitam passar por seja, dentro ou fora do plano curricular
transformações. Em um mundo em constante estabelecido. (PASQUARELLI, 1996,
apud ASSIS, 2010, p.4)
transformação, diante da complexidade da atual
sociedade da informação ou do conhecimento,
deve-se ponderar que as bibliotecas universitárias Assim, os estudantes habilitados, com
não podem refutar-se a essa responsabilidade: literácia desenvolvida, poderiam extrair maior

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benefício dos serviços e produtos informacionais anteriormente, as bibliotecas escolares e públicas


oferecidos pelas bibliotecas universitárias bem constituem-se em frágil estrutura e não arcam
como por outros oferecidos aos quais possam com o ofício de ser um instrumento e espaço
vir a ter acesso em outras instâncias e situações. para aquisição de uma espécie de capital cultural
Nesse círculo virtuoso estaria incluído seu maior e habitus reconhecido e desejado pelo meio
aproveitamento das atividades em classe e acadêmico. Estas bibliotecas devem promover
curriculares de um modo geral. o hábito de leitura, da busca de informações, da
É preocupante constatar que mesmo se sistematização do conhecimento, dentre outros
aproximando do final do curso, o estudante relacionados à competência em informação.
pode não ter se apropriado de todo instrumental Deve-se considerar a presença no ensino
acadêmico, competência na busca e uso da superior de muitos alunos oriundos do ensino
informação que dele é esperado. Em sua básico não serem tradicionalmente usuários
experiência na orientação de monografias, Délcio de bibliotecas. Alguns, por vezes, podem nem
Salomon comenta sobre o processo de elaboração ter tido a oportunidade de tê-las visitado até o
das mesmas: “infelizmente, ainda se ensina momento de sua entrada na universidade. Neste
pouco, em nossos cursos superiores brasileiros, sentido, retorna-se ao conceito de capital cultural
‘como se usa uma biblioteca’, e, no entanto, a de Bourdieu, onde se destaca a importância de
documentação é a mola real de qualquer trabalho mecanismos de desenvolvimento ou apropriação
científico e da própria formação superior”. cultural desejada pelo sistema educacional e certo
(SALOMON, 1999, p.252). ethos que impactam sobre o processo educacional.
Ao analisar a relação da biblioteca Esse processo é formado por situações que são
universitária com a produção do conhecimento naturalizantes e se tornam naturalizadas quando
científico, Almeida (2013) ressalta a necessidade são incorporadas pelos estudantes. Assim, nesse
da divulgação dos produtos e serviços que caso, poderia o aluno ingressante, desprovido
a biblioteca oferece aos seus usuários para dessa experiência e formação, estar em
formação de pesquisadores. Ela também ressalta desvantagem provisória em relação àqueles cujo
a importância da formação do profissional habitus incorpora a biblioteca como um ambiente
bibliotecário, suas funções, competências e familiar e é capaz de reconhecer os mecanismos
formas de auxílio aos acadêmicos, trabalhando e estruturas de seu funcionamento, bem como
em conjunto com professores e direção da as possibilidades de produtos e serviços que ela
instituição. possa lhe ofertar.
A despeito da falta de consenso sobre Na contemporaneidade, a economia, a
o termo “sociedade do conhecimento ou da ciência, as relações sociais, a sociedade em geral,
informação”, como prerrogativa dos dias atuais, estão cada vez mais baseadas no conhecimento e
consideramos imprescindível que a educação na comunicação, demandando um novo modelo
e seus atores, incluindo-se as bibliotecas e de ensino/aprendizagem. Amante (2010, p.2)
seus profissionais, estejam preocupados com recorda que para cumprir sua missão
a autonomia de seus usuários ∕aprendizes∕
estudantes e com as especificidades que […] as instituições de Ensino Superior
caracterizam as atuais tecnologias informacionais. devem preparar seus diplomados
De acordo com as considerações oriundas com as competências, conhecimentos
e resultados de aprendizagem que
do Relatório da Comissão Internacional sobre promovam o desenvolvimento individual
Educação para o século XXI, da UNESCO, e de que a sociedade necessita de
a educação deve ser estruturada em quatro forma a garantir o desenvolvimento
alicerces: aprender a conhecer, aprender a fazer, econômico, social e cultural . (AMANTE,
aprender a viver junto e aprender a ser. Esse 2010, p.2)
processo transformador deve se prolongar por
toda vida. (DELORS, 1996). A universidade tem como seu papel
Neste sentido, a importância de um principal o desenvolvimento da sociedade que
olhar mais cuidadoso em relação ao usuário lhe sustenta e custeia suas atividades. A formação
nas e das bibliotecas universitárias é um fator de pessoal capacitado, o desenvolvimento de
crucial no processo educacional, pois como visto pesquisas, tanto as básicas quanto as aplicadas,

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O papel da biblioteca universitária como espaço de afiliação estudantil e o bibliotecário como educador e agente inclusivo

e de atividades de extensão são formas de da biblioteca no campo acadêmico, dentro e fora da


retribuir todo dinheiro nela investidos. Assim, instituição. Ela deve fazer parte do processo de
a participação do bibliotecário é crucial nesse ensino/aprendizagem, pesquisa e extensão.
processo de ensino/aprendizagem, sua atuação O papel do bibliotecário há muito superou
deve coadunar com a dos professores em um o paradigma de suas funções tradicionais como
envolvimento multidisciplinar, interdisciplinar, exclusivamente disponibilizador de acervo e
ou até transdisciplinar, indispensável na gestor de coleções. Além disso, sua atuação
formação de futuros profissionais, equipe de envolve:
pesquisadores e, principalmente, cidadãos
conscientes, éticos, críticos e participativos. Esses [...] desenvolvimento e fornecimento
de serviços de referência em linha,
atores também devem atuar de forma transversal
produção de metadados, validação e
a fim de tornarem suas ações significativas para mediação da informação, gestão do
sociedade. conhecimento e edição de conteúdos,
As bibliotecas universitárias devem estar gestão de relacionamentos, formação
voltadas para sua instituição de ensino (ou em literácia da informação, contribuindo
assim para o sucesso da aprendizagem
coordenação dos cursos aos quais estão mais
e, finalmente, o desenvolvimento de
próximas ou das instâncias universitárias às quais ações culturais que contribuam de forma
estão subordinadas) contribuindo positivamente positiva para o sucesso da biblioteca e da
para sua principal razão de existência que é o universidade. (VERÍSSIMO, 2012, p.77)
desenvolvimento nas áreas de ensino-pesquisa-
extensão. Essa tríade é indissociável, nela todas Nesse novo paradigma, a biblioteca
as políticas, ações e prospectivas do sistema de universitária se destaca como um aparelho
bibliotecas devem estar focadas. O papel da indispensável à possibilidade de equidade ao
biblioteca dentro do campo universitário é crucial, acesso e usos da informação e os profissionais
pois dela também depende a reputação da da biblioteca como instrumentos para promoção
instituição, sendo peça central reconhecida pelo da cidadania. A integração da atuação desses
Ministério da Educação (ME) para validação e profissionais e a dos demais atores da instituição
avaliação dos cursos universitários. Contudo, leva a um resultado mais efetivo, potencializando
seu papel vai além de ser repositório de suas ações individuais na promoção da cidadania
material bibliográfico/de referência ou ponto ao preparar cidadãos capazes de responder aos
para permitir o acesso às redes de informação. desafios e exigências colocados pela Sociedade
Ela deve ser um lugar de disponibilização, da Informação/Conhecimento. Essas novas
divulgação, produção e compartilhamento funções conferem aos bibliotecários um papel
de conhecimento. Muitos tradicionalmente de relevo no processo formativo e de construção
classificam a biblioteca como um setor de suporte do conhecimento, valorizando assim os serviços
ou apoio para as atividades universitárias, porém prestados, seu desempenho, sua carreira, seu
seus profissionais podem trazê-la para uma papel institucional, cidadão e humanitário.
visibilidade mais central incorporando aspectos Assim, Veríssimo (2012, p. 55) analisa
pedagógicos, culturais, políticos e sociais no seu esse papel mais amplo que a biblioteca e seus
fazer biblioteconômico cotidiano. profissionais devem assumir:
Para alcançar esse objetivo, as bibliotecas
universitárias devem ampliar seu domínio de Esta janela que se abre e dita a
ação para coincidir com a missão, os objetivos possibilidade de poder interagir com os
e políticas da universidade e, neste sentido, outros agentes do processo educativo
os bibliotecários deverão diversificar seus e formativo, é uma oportunidade para
o bibliotecário afirmar a sua importância
conhecimentos, competências e expandir o seu no ambiente acadêmico, mostrando que
portfólio para atrair a atenção e confiança do tem o conhecimento e as competências
usuário. Assim, será mais reconhecido o trabalho necessárias para ajudar a universidade
que desempenha tecnicamente e seu papel como a cumprir sua missão. Neste contexto,
intermediário da informação, bem como sua cabe à biblioteca universitária e ao
bibliotecário um papel mais proativo no
importância no processo pedagógico de forma a quotidiano da universidade. Para muitos,
contribuir para visibilidade e imprescindibilidade a biblioteca ainda é encarada como uma

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Antonio Jose Barbosa de Oliveira e Daniela Carvalho Cranchi

simples unidade de apoio e não como um As bibliotecas, incluindo-se as


organismo produtor de conhecimento. universitárias, devem atuar como espaços
(VERÍSSIMO, 2012, p. 55) para o desenvolvimento dessas articulações de
informações, habilidades, competências, saberes,
Ao considerarmos o Relatório da UNESCO
posturas e convivências que são enriquecedoras
e suas proposições em relação aos pilares da
na formação científica e humanista do estudante
educação, observamos que algumas lacunas
e dos demais atores pertencentes ao campo
ficam muito aparentes quando lemos com mais
universitário.
atenção as suas propositivas. Um dos pontos que
podemos ressaltar, a partir desse relatório, está
afeto ao objeto deste trabalho, qual seja: o uso e 3 REVISITANDO RANGANATHAN E
a importância das bibliotecas universitárias e a APLICANDO SUAS LEIS
presença do bibliotecário no campo acadêmico
como profissional da informação e agente
Para melhor compreensão do universo
educador. Todavia, tal caso não se refere somente
biblioteconômico e das competências
às bibliotecas universitárias, como também a
pretendidas para os profissionais, revisitamos
todas as modalidades de bibliotecas e similares.
Ranganathan e suas 5 Leis da Biblioteconomia.
Desconsidera, portanto, o papel desses aparelhos
Sobre a importância de suas obras em relação à
de educação e cultura como instrumentos
atualidade e à realidade brasileira, o bibliotecário
contribuintes para o processo formador do
e editor Briquet de Lemos (2009, p. xiii) escreveu:
conhecimento que busca a integralidade do ser
e é sustentador dos quatro pilares da educação [...] Clássico porque permanece atual
quando inseridos nos espaços institucionais [...]. Clássico no universo brasileiro, tão
escolares/educacionais. distante da Índia, tanto histórica como
Sendo assim, alguns protagonistas não culturalmente, suas palavras encontram
ressonância e parece refletir a realidade
podem e não devem ser esquecidos no contexto de muitas de nossas bibliotecas e a
da educação que busca qualidade e pretende ser visão de muita de nossas autoridades.
continuada, inclusiva, e que prima por objetivos (LEMOS, 2009, p. xiii)
claros de maior e melhor formação, não somente
para o atendimento das necessidades do trabalho Ao estudar e vivenciar as bibliotecas,
e mercado, mas, sobretudo para formação Ranganathan (2009, p. xi) postulou as cinco leis
pessoal e humana. Por isso lançar luz à biblioteca da Biblioteconomia, que continuam atuais e
universitária como espaço de informação, servem de diretrizes para uma atuação efetiva
formação e transformação é tema crucial para dos bibliotecários e dos responsáveis pelas
consolidação desses espaços de composição, políticas em bibliotecas até hoje. Sua visão
divulgação e disseminação da informação e sobre esse universo incluiu a dimensão cultural,
compartilhamento do conhecimento. Porém, de profissional, social, política, ética, dentre outras.
forma genérica, o relatório da UNESCO aborda Seu postulado reza:
brevemente a importância das bibliotecas e
museus no processo formador do conhecimento Os livros são para usar
e cidadania. A cada leitor o seu livro
A cada livro seu leitor
Poupe o tempo do leitor
Por um lado, as instituições culturais A biblioteca é um organismo em
como os museus ou as bibliotecas crescimento
tendem a reforçar as suas funções (Ranganathan, 2009, p. xi)
educativas, já não se limitando apenas
a tarefas científicas ou de conservação
do patrimônio. [...] E neste sentido Ele elaborou seus estudos a partir
há que explorar, por exemplo, as de observações próprias e pelo recurso da
sinergias possíveis entre o saber e o Biblioteconomia comparada, onde pode ser
saber-fazer, ou entre o saber-ser e o considerado um dos pioneiros. Para tornar seus
saber-viver juntos, por consequência,
a complementaridade das formas e dos trabalhos mais didáticos e alcançar um diálogo
espaços educativos correspondentes. mais direto com seus leitores ele “não vacila
(DELORS, 1996, p.115-116) ao antropomorfizar as leis da Biblioteconomia,

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O papel da biblioteca universitária como espaço de afiliação estudantil e o bibliotecário como educador e agente inclusivo

em criar um elenco de personagens exemplares segunda Lei da Biblioteconomia “A cada leitor


(as diversas autoridades, os leitores potenciais, o seu livro”; assim ele preconiza que “os livros
cidadãos comuns etc.) e colocá-las num espaço são para todos”, o que muda o paradigma
dramático”. (LEMOS, 2009, p. xiv). antigo do “livro são para poucos eleitos”, pois
Em seus estudos, Ranganathan aborda deve haver uma diversidade capaz de atender
diversas variáveis e aspectos que interferem às necessidades e interesses de seus diversos
na qualidade das bibliotecas e na atuação de usuários. Esse conceito deve ser ampliado para
seus usuários e profissionais. Ele correlaciona todo tipo de suporte e meio de comunicação
a Primeira Lei com as condições físicas das no qual a informação útil possa ser armazenada
bibliotecas. Sobre o conforto e estética das e disponibilizada. Sua preocupação com
bibliotecas para o usuário, Ranganathan (2009, relação ao acesso da informação era intensa e
p. 20) relembra a época em que esses aspectos inclusiva. Assim, a acessibilidade e usabilidade
não eram considerados importantes e que “o são conceitos que devem nortear os trabalhos e
leitor não devia esperar por conforto”. Porém, espaços dos ambientes e recursos informacionais.
ele pondera logo a seguir: “Mas o advento da Para otimizar os recursos financeiros,
Primeira Lei da Biblioteconomia lançou sobre geralmente parcos, bem como os espaços
essas regras, a de menor espaço e de menor físicos das bibliotecas, Ranganathan postulou
custo, um agradável feitiço, e as transformou na Terceira Lei “A cada livro o seu leitor”,
por completo.” Ele conclui que essa mudança procurando prever a usabilidade e efetividade
de paradigma foi essencial para a atração dos no uso de seu acervo. Assim, ele exorta para
usuários, estando esses mais estimulados para a necessidade de se conhecer o usuário da
melhor usufruir os espaços, serviços e produtos biblioteca, tanto o real quanto o potencial, para
oferecidos pelas bibliotecas. Ele vai além ao melhor escolher e dimensionar o acervo e a
afirmar: “A localização da biblioteca pode, utilização da biblioteca e dos seus serviços. Hoje
em geral, ser tomada como um índice do grau devemos ampliar esse conceito para o acesso
de confiança que os órgãos responsáveis por às fontes digitais/virtuais e às bases de dados,
biblioteca têm na lei ‘os livros são para usar’”. levando em conta questões como acessibilidade
(RANGANATHAN, 2009, p. 100). e usabilidade, considerando características
Também em relação à Primeira Lei, e condições físicas, cognitivas e culturais de
Ranganathan (2009, p. 48) recomenda uma seus usuários. Em especial, as bibliotecas
postura positiva aos bibliotecários aconselhando- universitárias devem selecionar seus acervos,
os que “os funcionários devem ter personalidade, fontes ou recursos informacionais levando em
tato, entusiasmo e simpatia”. Ele acrescenta que conta sua provável demanda; porém também
“o bibliotecário deve ser amigo, filósofo e guia devem se empenhar ativamente na promoção
para todo aquele que vier a usar a biblioteca. É dos mesmos e na divulgação de seus serviços.
um serviço pessoal simpático junto com essa Dessa maneira, as dificuldades da Terceira Lei
hospitalidade é o que torna grande uma biblioteca, serão minimizadas, justificando os investimentos
não o seu tamanho”. Assim vemos a importância nela aplicados.
da atitude acolhedora para o engrandecimento A Quarta Lei, ao pedir “poupe o tempo do
da biblioteca, tornando-a um ambiente no qual leitor” também prevê “poupe o tempo do pessoal
o sujeito se sinta bem-vindo e queira sempre da biblioteca” e, assim, que sejam otimizados os
estar ou ao qual queira recorrer quando assim recursos nela e através dela disponíveis. Essa Lei
precisar. Com a Primeira Lei, Ranganathan quebra foi e tem sido responsável por muitas reformas
o paradigma de sua época onde a biblioteca era da administração e gerenciamento de bibliotecas.
exclusivamente um espaço para guarda do acervo; (RANGANATHAN, 2009, p. 211). Como
ele destaca a necessidade ao seu acesso e uso de exemplo no anseio do cumprimento dessa lei
seu espaço e de seus conteúdos. Aqui podemos podemos citar a informatização das bibliotecas,
incluir os recursos digitais, lembrando-se da a catalogação coletiva, o acesso remoto aos
necessidade dos leitores junto aos suportes e do metadados e aos acervos digitais, dentre outras
acesso às TIC de um modo geral. mudanças.
Ranganathan (2009, p. 50) destaca a A quarta lei reforça a importância
importância do acesso ao livro também na da indicação da posição da biblioteca e de

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Antonio Jose Barbosa de Oliveira e Daniela Carvalho Cranchi

sua localização na instituição. Devemos precioso tempo dos seus melhores


lembrar que, ao permitir o acesso direto às cérebros. Que esta seja uma proposição
estantes, a sinalização e a organização são economicamente válida e possa inferir
ao fato de bibliotecas especializadas
muito importantes para guiar o usuário na mantidas por empresas pagarem sem
busca do material; isso também se aplica aos pestanejar o salário de seu pessoal
espaços virtuais. É muito importante divulgar de referência. Elas conhecem o valor
quais serviços a biblioteca pode oferecer e econômico do tempo. Mas parece que as
onde se encontram disponibilizados, física e bibliotecas universitárias não conseguem
perceber o valor do tempo e, por isso,
virtualmente. Porém, quando sua estrutura não hesitam em admitir a necessidade desse
permitir o acesso livre a seu acervo, isso pode tipo de pessoal. (RANGANATHAN,
dar origem a muitas frustrações e perda de 2009, p. 226).
tempo por parte do usuário, e até do bibliotecário
que pode dispender tempo em busca de um Pelos argumentos até aqui levantados,
material que não atenda às expectativas. Por podemos perceber o quanto as condições das
isso, principalmente quando o acesso livre bibliotecas incidirão diretamente na qualidade
ao acervo não é possível, uma catalogação e da prestação dos seus serviços que se refletirão,
indexação padronizada e bem pertinente à área por sua vez, na percepção dos usuários, no
do conhecimento a ser abordado (podendo-se aproveitamento dos recursos disponíveis na e
incluir a indexação analítica e os resumos), são através da biblioteca, na vontade dos usuários
capazes de minimizar os prejuízos causados pela em recorrem aos seus profissionais e aos seus
falta de contato direto entre o usuário e o acervo, serviços, interferindo na qualidade dos cursos e
diminuindo possíveis frustrações na busca de na formação dos discentes.
materiais e conteúdos. (RANGANATHAN, 2009, A Quinta Lei lembra que, como ser vivo,
p. 212-222) a biblioteca é um organismo em crescimento. Por
Ranganathan (2009, p. 225-226) ressalta consequência, essa Lei pode ser uma das mais
que para poupar o tempo do leitor é necessário diretamente relacionada às mudanças pelas
que ele se familiarize com o uso correto dos quais as universidades brasileiras vêm passando:
recursos informacionais, suas formas de busca seu processo de expansão e democratização. O
e recuperação. Assim, o papel educador do Plano de Reestruturação e Expansão (REUNI)
bibliotecário passa a ser imprescindível para provocou o aumento no número de vagas
atender às exigências dessa Lei, proporcionando e, através das políticas de ações afirmativas,
ao usuário mecanismos para o desenvolvimento ampliou e diversificou o acesso nas universidades
de sua autonomia e pró-atividade. Porém, o públicas, incluindo um público que antes era
autor prevê que “mesmo após esse aprendizado, substancialmente minoria. Assim, a oferta dos
a maioria dos leitores recorrerá ao serviço de espaços e serviços oferecidos pelas universidades
pesquisa bibliográfica do pessoal de referência”. também precisa se adaptar a essa nova realidade. A
Podemos atribuir como qualidades favoráveis esse processo de adequação e atualização ao novo
a esse comportamento por parte dos usuários, o papel das universidades diante dos novos desafios,
fato dos bibliotecários terem maior intimidade devemos destacar as bibliotecas universitárias
com acervo e, por experiência, possuírem uma como um centro nevrálgico, que além de estarem
percepção mais aguçada na montagem das sensíveis a essas transformações, devem atender
estratégias de busca que serão construídas em às demandas do mercado e de internacionalização
parceria com o usuário. Ranganathan (2009, p. do processo ensino/aprendizagem e pesquisa. Sua
226) resume a importância das Quatro Primeiras atuação pode ir além das fronteiras de suas paredes
Leis da Biblioteconomia da seguinte forma: e permear toda a instituição e vários de seus
processos acadêmicos, técnicos e institucionais,
Portando, a Quarta Lei também se podendo estabelecer diálogos entre as várias
unirá às 3 primeiras leis, insistindo instâncias universitárias.
na necessidade de um quadro de
pessoal de referência adequado em Além de todos os aspectos até agora
todas as bibliotecas. O dinheiro gasto destacados dos trabalhos de Ranganathan,
com esse pessoal retorna à nação, de devemos ressaltar a importância que ele deu ao
modo crescente, com economia do aspecto educacional no fazer biblioteconômico e

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O papel da biblioteca universitária como espaço de afiliação estudantil e o bibliotecário como educador e agente inclusivo

seu impacto social. Esse fato pode ser observado mais fácil para eu fazer com que os
pelo tempo e atenção dedicados a essa área em graduandos que leem continuem lendo
suas investigações. Segundo Sayers (2009, p, xxi), do que reconquistá-los para leitura
depois de pessoas feitas. Em troca, nada
Ranganathan “não estava interessado somente tenho a opor a que você dependa de
em livros e bibliotecas, e usou parte de seu tempo mim, mais amplamente, durante suas
de lazer para examinar os métodos pedagógicos aulas; na verdade, estou bem preparada
adotados nas escolas das cidades e as relações para ficar ao seu lado em seu trabalho
destes com as bibliotecas.” diário e dar a mão ao graduando,
levando-o a andar com suas próprias
Para Ranganathan (2009), o papel pernas quando a deixar para trás.
do bibliotecário é indissociável do papel (RANGANATHAN, 2009, p. 91)
de educador, pois para ele todo aquele que
estiver incumbido de uma biblioteca deverá Esse processo educativo vai além do
ser capaz de lecionar. Assim, ele ressalta a período em que o aluno está ligado por vínculos
importância da biblioteca ir além do seu papel institucionais à universidade. Os serviços e
de disponibilizar seu acervo ou permitir o acesso produtos da biblioteca devem estar disponíveis por
à informação; ela deve contribuir, por meio toda vida do ex-aluno. Ele ressalta a necessidade
da ação de seus funcionários, para a melhor da universidade reconhecer que o interesse pela
educação de seus usuários. Decorrente de sua educação dos seus estudantes não deve terminar no
preocupação com os aspectos pedagógicos e dia em que ela lhes confere seus diplomas; compete-
educacionais das bibliotecas, voltando seu olhar lhe continuar educando seus alunos egressos. Para
mais detalhadamente para o Ensino Superior, formar uma ligação efetiva e permanente com
Ranganathan (2009, p. 47) destaca a importância os alunos, a biblioteca precisa ir além das tarefas
dos bibliotecários terem familiaridade em relação requeridas em sala de aula ou para o cumprimento
a sua área de atuação e ter a sensibilidade em de quesitos obrigatórios para colação de grau dos
perceber as necessidades do usuário a fim estudantes. O sucesso nessa tarefa inclui o êxito dos
de contribuir no processo de construção do investimentos aplicados que devem apresentar um
conhecimento dos estudantes. retorno à nação que o custeou.

[...] a biblioteca do futuro será um Deve haver uma ligação intelectual mais
serviço de inteligência da comunidade. elevada. Sim, do ponto de vista nacional,
Exigirá pessoal altamente especializado, e afinal de contas é o tesouro nacional
que deverá, assim como os professores que a mantém, este serviço é, aos ex-
de uma faculdade, estar familiarizado alunos essencial, se não quiser jogar fora
com a literatura de um campo o dinheiro gasto no ensino de graduação
estritamente delimitado e ter além disso por falta de acompanhamento dos
aquela aptidão que frenquentemente alunos formados. (RANGANATHAN,
falta por completo ao professor, qual 2009, p. 91)
seja a capacidade de rapidamente
captar a bagagem intelectual do
consulente e entender intuitivamente Sendo assim, evidenciamos a biblioteca
a natureza de sua necessidade pessoal. universitária como um espaço e instrumento
(RANGANATHAN, 2009, p. 47). de inclusão intelectual, cultural e social
cuja efetividade maior será quanto mais
Para complementar a importância necessária se der sua intervenção e participação
dos aspectos pedagógicos na atuação dos no processo acadêmico e de afiliação do
bibliotecários e dos impactos que a biblioteca estudante contribuindo no seu processo de
pode causar nos métodos de aprendizagem, autonomia universitária e cidadã. A biblioteca
Ranganathan ressalta que: universitária é um instrumento que pode
estimular a necessidade no sujeito pela busca
O melhor que você pode fazer pelos por informação, produção e estruturação do
seus imaturos graduandos é despertar
neles o entusiasmo pelo pensar e pelo conhecimento, devendo esse hábito ir além dos
hábito de leitura. Lembre-se, a educação bancos universitários, perdurando por toda vida,
não termina na sala de aula. Tenho contribuindo para construção de um mundo
que começar onde você terminou. É melhor.

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Antonio Jose Barbosa de Oliveira e Daniela Carvalho Cranchi

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS quais passam os estudantes universitários,


a biblioteca pode apresentar-se como um
O papel do bibliotecário é primordial para espaço de divulgação, promoção e produção
fazer da biblioteca um espaço e instrumento do saber acadêmico e científico, enriquecido
de acolhimento dos alunos, bem como ser um também como um local de convivência e de
elo articulador entre o ensino e aprendizagem, cultura. A biblioteca contribui e fundamenta
participando do campo universitário no âmbito o fazer universitário, ao promover e ampliar a
da tríade indissolúvel formada pelo ensino- literácia ou competência em informação e visão
pesquisa-extensão como agente facilitador e de mundo do estudante, disponibilizando
promotor da autonomia do aluno/estudante subsídios e ferramentas para que os futuros
e na sua formação acadêmica cidadã. Nesta profissionais se tornem cidadãos críticos, éticos
perspectiva, defendemos a necessidade de relação e atuantes no seu cotidiano.
dialógica entre os profissionais bibliotecários, Há que se somar a todos os atributos à
professores e estudantes, buscando transformar biblioteca como um espaço do saber dedicado
a biblioteca universitária em ambiente real de não somente às buscas intelectuais, culturais
aprendizagem. e de lazer, mas também um lugar de práticas
É certo que as bibliotecas universitárias reflexivas, pessoais e compartilhadas, visando o
devem ser ambientes acolhedores para os desenvolvimento do indivíduo e da coletividade.
estudantes aos quais possam recorrer na busca Os serviços prestados pelas bibliotecas são
de orientação e apoio em seu processo de vitais para a melhor gestão das universidades
formação. Deve ser também um ambiente em que nestes tempos de mudanças, bem como para a
eles se vejam intelectual, cultural, socialmente formação dos estudantes e para o aprimoramento
representados, e emotivamente incentivados a da qualidade profissional dos egressos das
frequentar e acessar seus recursos. universidades. Enquanto lugar de gestação e
Nesse mix de processos de descobertas, compartilhamento de saberes, a biblioteca é um
aprendizagens e vivências em geral, pelos bem coletivo, inclusivo e promotor da cidadania.

Artigo recebido em 31/01/2017 e aceito para publicação em 10/07/2017

THE ROLE OF THE UNIVERSITY LIBRARY AS A SPACE FOR STUDENT MEMBERSHIP


AND THE LIBRARIAN AS AN EDUCATOR AND AN INCLUSIVE AGENT

ABSTRACT The article reflects on the use of space and services offered by university libraries in the student
affiliation process, especially considering the new realities coming from REUNI and the Affirmative
Action policy. In this sense, it has an interdisciplinary theoretical approach, emphasizing that the
university library can and should be an environment that facilitates the academic formation in
its scientific, technical and humanistic aspects. It highlights the role of the library in university
management and the importance of the active participation of the professional librarian-educator in
the process of intellectual autonomy of the university student.

Keywords: University library. Student affiliation. University. Management.

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