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CAPITAL E TRABALHO

A Formação do Mundo Ocidental Contemporâneo (1760/1780-


1870/1880)

Lembra-se de que a Época Moderna foi um período de coexistência


do "velho" com o "novo"? Portanto, um período de transição?
O período que estudaremos foi o momento em que o "velho" foi
definitivamente suplantado pelo "novo".
Mas o que representava o "novo", nas duas últimas décadas do
século XVIII?
Tudo que estivesse ligado a burguesia emergente, dona do capital.
Capital que sustentava o Antigo Regime, mas que trazia o germe da
mudança...
E como viria a mudança?
Sabemos que ela partiu da burguesia. Mas como? Qual a situação
político-jurídica dessa burguesia?
Embora a burguesia fornecesse os recursos humanos e financeiros
das monarquias absolutas, sua posição político-jurídica era limitada pela
divisão da sociedade em Ordens ou Estados - Clero, Nobreza e Povo.
Enquadrada no Terceiro Estado, sua influência só se fazia sentir na medida
em que era importante economicamente.
No entanto, vimos claramente [no texto “O Mundo Ocidental durante
a Época Moderna (século XV ao XVIII)”] que essa emergente classe social
tinha interesses bastante contrários daqueles que dirigiam o Antigo
Regime: rei, clero e nobreza.
E havia chegado a hora de contestação!
As ideias surgiam. Era a "Época das Luzes"... Os temas discutidos
giravam em torno da liberdade, do progresso e do homem. A ideia do
Universo em. movimento, apresentada pelos racionalistas do século XVII,
favorecia essas discussões. Tudo era compreendido como mutável.
Mas a mudança seria sempre para melhor, daí a ideia do Progresso...
Era natural, e por trás disso estava a burguesia, que tinha tudo para se sentir
otimista. Os filósofos atacavam duramente as instituições do Antigo
Regime. E era o que ela precisava – uma justificação para o assalto ao
poder, e o Iluminismo veio preparar o ''clima revolucionário".
A contestação ao Antigo Regime foi em todos os níveis. No
econômico opunham ao Mercantilismo a ideia do laissez-faire, laissez-
passer, isto é, à intervenção do Estado na economia opunham a ideia de
que a economia se faz por si mesma, sendo regida por leis naturais. No
nível político-ideológico opunham ao absolutismo a ideia da soberania do
povo; rejeitando o direito divino dos reis e a religião de Estado, pregaram a
soberania do povo, a separação dos poderes do governo e a insurreição. Os
pensadores que mais se empenharam nessas críticas foram o inglês Locke e
os franceses Montesquieu, Voltaire e Jean-Jacques Rousseau. Em toda a
Europa os pensadores racionalistas afirmavam ter chegado ao "Século das
Luzes''... Sim, das luzes que iluminaram o caminho a seguir.
E qual era o caminho a seguir?
A revolução, que estabeleceria um governo liberal apoiado na
burguesia. Você sabe o que significa uma revolução?
É uma mudança profunda na estrutura social, isto é, uma
transformação que atinge todos os níveis da realidade social: o econômico,
o político, o social e o ideológico. Uma revolução é uma luta entre forças
de transformação e forças de conservação de uma sociedade. Quando
ocorre uma revolução, a vida das pessoas sofre uma mudança radical no
próprio dia a dia.
Naquele momento, o que queria a burguesia senão uma mudança
profunda na estrutura social do Antigo Regime? Mudança que a colocasse
numa posição compatível com a força econômico-social que vinha
representando – uma força de transformação.
Era chegado o momento da transformação. A burguesia percebia sua
originalidade social. Toda a contestação ao Antigo Regime foi uma
introdução às Revoluções Burguesas do final do século XVIII,
prolongando-se pelo século XIX.
Dentre essas Revoluções Atlânticas, denominação adotada por vários
historiadores, destaca-se a Revolução Industrial, que, promovida pela
burguesia triunfante, representou o momento decisivo da vitória do
capitalismo como forma de produção econômica predominante e única em
várias sociedades da Europa Ocidental. Isso é o mesmo que dizer que a
partir desse momento a sobrevivência da maioria das pessoas teria por base
um trabalho assalariado.
Mas quem receberia os salários? A burguesia?
Não. Ela era dona do capital. Capital que compra os meios de
produção, as máquinas, os instrumentos, as matérias-primas... e que paga
salários a quem não possui instrumentos próprios de trabalho. Pagando
salários, a burguesia está comprando a força de trabalho humano que
coloca tudo aquilo (os meios de produção) em movimento. Ora, quem não
possui meios de produzir tem de vender a única coisa que lhe pertence: sua
energia, sua força de trabalho. Quem tem capital – o capitalista – compra a
força de trabalho do operário. Logo é o operário quem produz, mas o
produto de seu trabalho pertence ao capitalista, que não o produziu, mas
que é o dono dos meios de produção.
Surgia, ao lado da burguesia revolucionária, uma nova classe: o
operariado – o proletariado urbano.
No plano político também tinha de haver mudanças. A burguesia
conquistou o poder através das Revoluções Liberais que resultaram na
organização dos Estados Liberais. E foi na América que se inaugurou o
processo revolucionário, quando a burguesia das Treze Colônias inglesas
comandou a luta contra a metrópole. Em sua "Declaração de
Independência", aparece a inscrição palavra até então desprezada por
pertencer ao Terceiro Estado: “Nós, o Povo dos Estados Unidos...”
Foi na França que se verificou o mais ecumênico, transcendental e
universal dos acontecimentos históricos de até então: a Revolução
Francesa. Em nome da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o povo,
liderado pela burguesia, desencadeou o processo de ruptura com o passado.
A Bastilha, símbolo da opressão do Antigo Regime, foi tomada e arrasada.
Era um ato simbólico. Mas não foi simbólica a execução dos
comprometidos com a antiga ordem opressora. Um rei, uma rainha e
algumas centenas de nobres e contrarrevolucionários foram executados...
Ou justiçados? Não importa, o "novo" ascendia e o "velho" desmoronava: a
História estava com os vencedores, com as forças de transformação...
A reação não tardou. A batalha de Waterloo representou a derrota da
França Revolucionária e a abertura de um período de reação, expressada
no Congresso de Viena e na Santa Aliança, que se propunham a manter o
predomínio das forças de conservação de um passado restaurado,
precariamente tentando manter-se no presente, deter o futuro.
As ideias revolucionárias ganhavam o mundo. A "Marselhesa" e a
bandeira tricolor tornaram-se, então, os símbolos daqueles que lutavam
contra as forças de conservação. Ondas revolucionárias sacudiram a
Europa em 1820, 1830 e 1848, abrindo brechas cada vez maiores no
sistema reacionário da Santa Aliança, que teve em Metternich seu principal
arquiteto.
O capitalismo progredia e, a partir de 1848, as forças de
transformação dividiram-se e seguiram caminhos diferentes...
Quem representava até então as forças de transformação?
O Terceiro Estado, o Povo liderado pela burguesia.
Mas o capitalismo progredia e, com ele, é claro, a burguesia dona do
capital.
Será que os donos do capital teriam os mesmos interesses daqueles
que não o possuíam? Capitalistas e proletariado estariam juntos lutando
pelos mesmos ideais?
Logo o movimento operário ganhou autonomia e o anterior
antagonismo burguesia-povo contra a nobreza feudal absolutista foi
substituído pelo antagonismo burguesia versus operários. As forças de
transformação eram agora representadas pelas forças revolucionárias
proletárias que passaram a levantar a bandeira vermelha do socialismo e a
bandeira negra do anarquismo.
O que era o socialismo? Por que os operários se ligaram a essa
bandeira?
O socialismo, criticando o capitalismo e o liberalismo, defendia nova
organização da sociedade.
As ideias socialistas surgiram devido aos problemas econômicos e
sociais criados pelo capitalismo, a chamada Questão Social, muito bern
sintetizada por Anatole France em A ilha dos pinguins (1908).
"As coisas necessárias à vida faltavam entre os que as produziam; e
superabundavam entre os que não as produziam." (Citado por scHNERB,
R., O Século XIX, tomo VI – in Hist6ria Geral das Civilizações, vol. XIV,
DIFEL, pag. 233.)
Hauptmann comenta a situação operária nestes versos:

"Nós é que somos chamados a canalha.


Estamos fartos, estamos fatigados,
Morremos de fome, não aguentamos mais,
É melhor que desapareça nossa carcaça;
Junto com nossos filhos e filhas,
É nossa mortalha que nos tecemos."
(Citada por SCHNERB, R., op. cit., p. 236.)

Diante das misérias operárias surgiu o socialismo utópico propondo


uma sociedade ideal do futuro, onde houvesse saúde, riqueza e felicidade
para todos. No capitalismo, os poucos que não trabalhavam, viviam com
conforto e luxo, graças à propriedade dos meios de produção. A solução
apresentada pelos utópicos era a propriedade comum dos meios de
produção. Esse era o ideal dos socialistas utópicos.
Surgiu, então, um alemão que não era um sonhador. Seu nome: Karl
Marx. Ele procurou estudar as instituições econômicas capitalistas e
compreendeu que o capitalismo se baseia na exploração do trabalho pelos
donos dos meios de produção. Por isso propôs a revolução como única
saída: a classe trabalhadora revolucionária implantaria o socialismo,
derrubando, pela força, todas as condições sociais existentes. Essa ideia foi
divulgada através do Manifesto Comunista redigido par Marx e Engels e
publicado em 1848. Seu lema básico: "Trabalhadores de todos os países,
uni-vos."
Será que a burguesia estaria de acordo com essas ideias socialistas?
Claro que não! A burguesia representava agora as forças de
conservação da sociedade capitalista. As forças de transformação estavam
com os operários..."de todos os países"...
O ponto fundamental do programa comunista era a abolição da
propriedade privada burguesa, base da exploração capitalista. E se faria
através da Revolução Proletária.
A burguesia tremeu com a ideia da Revolução Comunista e, por isso,
procurou se unir contra esse "terror vermelho" através do nacionalismo,
que encontrou expressão na luta pela unificação italiana e alemã, e de
reformas que amenizassem a dureza das condições de trabalho. Mas a
produtividade não podia diminuir e os donos do capital, "para manter e
mesmo aumentar seus lucros (...)", são levados "a estudar atentamente o
problema da divisão de trabalho (...)”. O primeiro método de organização
científica do trabalho é comumente atribuído ao engenheiro Taylor, que
sugere o estabelecimento da "média de tempo para cada movimento
executado pelo operário (...) Assim, o taylorismo não tem por objetivo
principal a melhoria da condição operária" e sim a "realização do
rendimento máximo mediante um automatismo rigoroso que assimila o
homem a um elemento da máquina". (SCHNERB, R., op. cit., p. 235 e 236)
A burguesia, em seu pragmatismo, passou a considerar "romântica" a
via revolucionária e, para unificar a Alemanha e a Itália, uniu-se, em nome
do nacionalismo, a tradicionais aristocracias, já então "aburguesadas" pelos
progressos do capitalismo. Eram as forças de conservação que se
concentravam em vista do terror às forças de transformação representadas
pelo proletariado.
O capital e o trabalho, imprescindíveis à formação do sistema
capitalista, estavam agora em choque. Os antagonismos cresciam ...
A Revolução Proletária viria mesmo?

FONTE: AQUINO, Rubin Santos Leão e outros. História das


Sociedades. Das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de
Janeiro: Record, 1999, p. 161-167.

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