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Curso Intensivo de Neuropsicologia Infantil

Módulo 04

Manual do Formando

Formadora

Manuela Páris

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Índice

Conteúdo
I. Objetivos: ................................................................................................................ 3
I. Intervenção Neuropsicológica na criança: ........................................................... 4
a) Reabilitação Neuropsicológica ........................................................................ 5
b) Reabilitação ou Habilitação infantil? ............................................................. 6
c) Passos Gerais no Planeamento da Reabilitação ou Habilitação
Neuropsicológica Infantil:.......................................................................................... 6
II. Estratégias de Intervenção: Estimulação e Reabilitação .................................... 8
a) Técnicas de Reabilitação Cognitiva: .............................................................. 9
b) Princípios da Reabilitação Cognitiva Infantil: ............................................ 10
c) Caracterização do espaço onde se desenvolve a reabilitação: ....................... 12
III. Progrmas de Reabilitação Neuropsicológica/Neurocognitiva: ...................... 13
IV. Exemplo de exercícios práticos de reabilitação cognitiva:............................. 14
VI. Bibliografia: ....................................................................................................... 22

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I. Objetivos:

Com este módulo pretende-se dar a conhecer aos formando as técnicas utilizadas na
reabilitação neuropsicológica infantil, os procedimentos a adotar na formulação de um
plano de intervenção, bem como exemploicar alguns exercícios que podem ser realizados.

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I. Intervenção Neuropsicológica na criança:

Quando se fala em intervenção neuropsicológica/reabilitação neuropsicológica


deve ter-se em conta o conceito de plasticidade cerebral que já foi discutida no módulo I.

De uma forma geral, postula-se que a plasticidade do sistema nervoso é


inversamente proporcional à idade do sujeito, quer nas crianças como nos adultos, tendo
a recuperação de funções um melhor prognóstico quanto menor for a idade em que o dano
cerebral tenha ocorrido. Por esta ordem de ideias, as crianças pequenas possuem um
metabolismo cerebral mais acelerado, apresentando uma maior plasticidade cerebral que
vai facilitar a recuperação da suas funções cognitivas após ter ocorrido uma lesão no SN.

Numa fase inicial, as consequências da lesão cerebral expressam-se na forma mais


severa. A partir deste momento, o cérebro arbitra medidas espontâneas para induzir a
recuperação espontânea, mediante mecanismos de neuroplasticidade que atuam de duas
formas:
1. Aumento da atividade metabólica das áreas adjacentes à lesão que não tenham
sido afetadas, para facilitar a recuperação da função.
2. Aumento da atividade metabólica em áreas homólogas do hemisfério oposto ao
lesionado, par facilitar a recuperação das lesões quando estas produziram um
défice cognitivo, sensitivo ou motor me importância maior no hemisfério
lesionado. Regra geral, este aumento é maior em crianças de tenra idade e tende a
decrescer com o passar do tempo.

Também os axónios afetados pela lesão tendem a fazer uma restauração espontânea e
forma a facilitarem a recuperação das conexões sinápticas perdidas, mediante
“reinervação” ou “recrescimento”
A lesão cerebral implica, ainda, uma reorganização das sinapses que acontece
paralelamente às modificações que se observam nos axónios. O processo de criação de
novas sinapses chama-se sinaptogénese reativa (Portellano, 2008).

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a) Reabilitação Neuropsicológica

A reabilitação neuropsicológica (RN) compreende um processo que envolve o


paciente com lesão ou disfunção cerebral e, simultaneamente e em cooperação com
profissionais de saúde, familiares e membros da comunidade. Pretende tratar ou colmatar
défices cognitivos resultantes de uma lesão neurológica. De uma forma geral, o objetivo
da RN é capacitar os paciente e seus familiares a conviver, lidar, contornar, reduzir ou
superar as dificuldades cognitivas resultantes de lesão neurológica (Wilson, 2003).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (World Health Organization,
2000) as patologias relacionadas com o funcionamento do cérebro traduzem a maior
causa de deficiência no mundo. Neste sentido, os recursos ligados à RN têm vindo a
crescer.
Não é fácil estabelecer estratégias padronizadas de intervenção para cada tipo de
disfunção ou distúrbio neuropsicológico por variadas razões: diversificação da população
atingida, diferentes tipos de lesão e características peculiares dos défices (Wilson, 1991).
Para além da identificação de défices neuropsicológicos, a reabilitação envolve a
aprendizagem de capacidades cognitivas e elaboração de estratégias de tratamento para
minimizar ou compensar as funções afetadas (McCoy, Gelder, VanHorn & Dean, 1997).
No caso das crianças, um programa de reabilitação neuropsicológica/cognitiva
tem como objetivo a sua reintegração no seu ambiente social, nomeadamente na
reinserção escolar (McCoy, Gelder, VanHorn & Dean, 1997).
As primeiras tentativas de reabilitação aconteceram nas pesquisas feitas em
soldados com lesão cerebral provenientes da I e II Guerras Mundiais. Aqui foram
desenvolvidas técnicas que ajudavam na recuperação funcional e estratégias
compensatórias para a realização das atividades da vida diária (técnicas e estratégias que
são, atualmente, utilizadas pela Neuropsicologia) (Bond, 1975).
Deve ter-se me conta que os ganhos apresentados pela criança estão de pendentes
quer de uma recuperação espontânea das funções cerebrais quer pela continuidade de
mudanças próprias do desenvolvimento. Neste sentido, os programas de reabilitação
necessitam de ser revistos periodicamente (McCoy, Gelder, VanHorn & Dean, 1997).
Também devem ser programas traçados de forma individual já que cada criança poderá
apresentar uma grande diversidade e variabilidade no perfil de comprometimentos
neuropsicológicos (McCoy, Gelder, VanHorn & Dean, 1997).

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Também é relevante ter em conta a administração de determinados fármacos
(como antidepressivos, anticonvulsivantes, ansiolíticos e anti-histamínicos) usados no
tratamento de sintomas residuais, já que estes podem agir de forma dupla na reabilitação
cognitiva: ou atrasar ou facilitar o processo. Os efeitos colaterais, como sonolência,
confusão, dificuldades de memÓria podem também influenciar a avaliação
neuropsicológica e, por consequência, a reabilitação (Prigatano, 1987).

b) Reabilitação ou Habilitação infantil?

Independentemente dos défices manifestados pelas crianças, deve ter-se em conta


dois grandes conceitos: reabilitar ou habilitar! Assim, em casos de lesões cerebrais, as
alterações em determinadas capacidades cognitivas ocorrem paralelamente ao
desenvolvimento das outras capacidades cognitivas, logo, a intervenção é de
REABILITAR as funções perdidas tendo em conta o desenvolvimento global. Por sua
vez, em casos de Perturbações do Desenvolvimento as crianças não possuem as
capacidades cognitivas desenvolvidas em condições ótimas, portanto, a intervenção é
direcionada a HABILITAR essas funções que não se desenvolveram adequadamente.
Deve ter-se sempre em conta que o objetivo da Reabilitação Neuropsicológica Infantil é
generalizar os efeitos da reabilitação ao mundo real e às atividades da vida diária (Miotto,
2016).

c) Passos Gerais no Planeamento da Reabilitação ou Habilitação


Neuropsicológica Infantil:
• O planeamento da reabilitação neuropsicológica infantil começa com a análise
dos dados obtidos na fase da avaliação neuropsicológica, uma vez que a análise
integrativa destes dados são o ponto de partida para a definição de objetivos para
a intervenção;

• A integração e dados anteriormente descrita deve ter em conta, também, as


informações recebidas do contexto ambiental da criança (escola, meio social e

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família). Podem e devem ser usadas as escalas de avaliação do comportamento da
criança (aplicadas à criança, pais e professores).
• um dos principais aspetos na intervenção neuropsicológica é o planeamento e a
gestão me metas, que se traduz num processo desafiador pois envolve a
negociação entre as necessidades e as expetativas individuais do paciente, da
família e da equipa multidisciplinar.
• Relativamente à frequência das sessões: é certo que a frequência das sessões deve
ser traçada em função das necessidades de cada criança aliada às condições e
disponibilidade da família ou das próprias regras de funcionamento da instituição
onde se desenrola o processo de intervenção. Contudo, há um consenso de que as
sessões devem acontecer entre 1 ou 2 vezes por semana durante 1 a 2 horas de
tratamento (estima-se que o tempo médio para que sejam alcançadas as primeiras
metas é de 4 a 6 semanas) (Miotto, 2016).

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II. Estratégias de Intervenção: Estimulação e Reabilitação

Antes de se avançar com as estratégias de intervenção propriamente ditas, é necessário


fazer a distinção entre estimulação e reabilitação cognitiva:

• Estimulação: tem como principal objetivo potenciar as capacidades cognitivas de


um indivíduo, ou seja, melhorar o funcionamento cognitivo do indivíduo (Clare
&Wood, 2004); pode ser usada em pessoas cujas funções cognitivas esteja ainda
preservadas, bem como em indivíduos que apresentem algum tipo de
comprometimento nas mesmas. Este técnica deve ser implementada por técnicos
que planeiam o treino de capacidades específicas, tendo em conta as
características e necessidades do individuo garantindo uma adequação ao grau de
dificuldade e/ou capacidade do mesmo (Tafur, 2011).

• Reabilitação: baseia-se no conceito de neuroplasticidade (D’Almeida, Pinna,


Martins, Siebra & Moura, 2004). É um processo mais abrangente que engloba a
estimulação cognitiva, muitas vezes psicoterapia o trabalho simultâneo com as
famílias (Clare & Wood, 2004). Apresenta um caráter holístico, integrando a
experiência social do indivíduo no seu ambiente social. Por outras palavras, é um
processo ativo cujo objetivo é capacitar as pessoas com défices cognitivos,
secundários a lesão ou doença, para que atinjam um nível satisfatório de
funcionamento social, físico e psíquico (Ávila & Miotto, 2002). Reabilitar é
procurar otimizar as funções cognitivas por meio do bem-estar psicológico, da
funcionalidade na realização das atividades do quotidiano e do relacionamento
social, em simultâneo com a diminuição dos défices que têm como consequência
o afastamento e isolamento social, dependência e discriminação (Ávila, 2003).
Para melhor entender este processo, serão apresentadas, de seguida, as técnicas
usadas:

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a) Técnicas de Reabilitação Cognitiva:

Como tem vindo a ser discutido ao longo dos módulos, não se pode considerar o
cérebro infantil como uma réplica em menor escala do cérebro de adulto. Por essa razão,
nem sempre os mecanismos que regulam a reabilitação cognitiva da criança são iguais
aos que se aplicam aos adultos.
Em primeiro lugar, porque o princípio da plasticidade neuronal aponta que as
possibilidades de recuperação são maiores em crianças do que em adultos e, em segundo
lugar, independentemente das características da lesão cerebral, em qualquer idade, as
melhorias são mais intensas nas semanas que sucedem a lesão e quanto maior for o tempo
decorrido entre a lesão e o inicio da intervenção reabilitativa, menor é a capacidade de
recuperação funcional do cérebro (Portellano, 2008). De acordo com Ardila, Rosseli e
Ostrosky (1991), qualquer procedimento e reabilitação deve ser iniciado o mais cedo
possível, sendo a fase mediamente a seguir ao dano é o momento ótimo para se obter
resultados mais positivos.
Embora a reabilitação cognitiva em crianças abarque variadíssimas patologias, o
princípio da intervenção precoce deve ser sempre privilegiado, de forma a minimizar as
consequências negativas e otimizar resultados.
O ponto de partida para o processo de reabilitação são os dados obtidos por meio
da avaliação neuropsicológica, tendo por base os pontos fortes (áreas preservadas) e os
pontos mais frágeis (áreas afeadas). Na fase inicial, as sessões de neuropsicologia devem
ser mais intensas incidindo, de forma especial, na componente atencional, uma vez que
esta é considerada a base de outras funções cognitivas.
De entre as técnicas mais usadas em reabilitação cognitiva, falaremos de duas em
especial: restauração e substituição de funções:

• Restauração:

A restauração consiste na exercitação de uma função cognitiva que tenha sido afetada
por lesão cerebral, com vista a uma recuperação funcional. Regra geral, a estimulação
repetida de determinada função suprimida por uma lesão cerebral melhora essa dita
função. A utilização de meios informáticos parece ser mais eficaz em crianças do que
adultos. A restauração é mais adequada em casos de lesão de menor gravidade
(Portellano, 2008).

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• Substituição:

Relacionada com o principio de Kennard que sugere que quanto mais precoce for a
lesão maior a probabilidade de recuperação funcional (exemplo: quando acontece a
transferência das funções representadas em áreas lesadas para áreas homólogas no
hemisfério oposto em casos das afasias adquiridas na infância) (Maia, Correia & Leite,
2009). O propósito das técnicas de substituição é proporcionar alternativas que
permitam compensar os défices. Como exemplo temos a utilização de próteses,
agendas, sinalizações, ajudas externas ou a utilização da linguagem mediante símbolos
em crianças com défices severos na linguagem (Portellano, 2008).

O uso de estratégias de restauração ou compensação dependerá das características


da lesão – gravidade, extensão, complicações – e da idade das criança. A alternância entre
as duas técnicas pode ir variando ao longo do tratamento mediante os resultados que se
vão obtendo. Se forem utlizadas técnicas mistas, ativam-se simultaneamente as funções
preservadas e as afetadas. Numa mesma sessão, podem e devem ser utlizadas técnicas
dos sois tipos (Portellano, 2008).

b) Princípios da Reabilitação Cognitiva Infantil:

1. Início precoce da intervenção:

A recuperação espontânea de lesões cerebrais é mais rápida, mais completa e de maior


duração em crianças do que em adultos, sendo as possibilidades de recuperação
menores quanto mais tempo for passando. A intervenção precoce na criança mediante
a implementação de um programa de reabilitação após uma lesão cerebral, melhora o
seu prognóstico. Uma intervenção precoce não sute efeitos positivos apenas em
situações de lesão cerebral mas também em outros quadros patológicos, tais como
dificuldades de aprendizagem ou perturbações da linguagem. Quando a intervenção
não é feia precocemente, perde-se a oportunidade terapêuticas importantes
(Portellano, 2008).

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2. Flexibilidade e Dinamismo:

Nos últimos anos tem vindo a crescer o interesse no estudo da aplicação de programas
de reabilitação cognitiva informatizados. Estes programas têm a vantagem de serem
adaptados à maturidade de cada criança, tendo um caráter lúdico e interativo que atrai
a população desta faixa etária. Contudo, não se pode restringir a intervenção a estas
metodologias mas sim utilizá-las em simultâneo com outras (Portellano, 2005). Deve
também ter-se em conta que a intervenção a nível da reabilitação cognitiva infantil
não deve ser estático nem repetitivo e deve ter-se em conta os níveis motivacionais e
interesses pessoais da criança. Neste sentido, os métodos de reabilitação devem ser
personalizados, flexibilizados e adaptados às características pessoais de cada criança
(Portellano, 2008).

3. Validade Ecológica:

O principio da validade ecológica afirma que qualquer tratamento deve ser adaptado
às características da criança pelo que os programas de atuação devem ser o mais
personalizados possível e generalizados à realidade do dia-a-dia. (Portellano, 2008).

4. Modificação do comportamento:

Aqui assume-se a importância do usa das terapias cognitivo-comportamentais. Umas


das principais consequências de lesão cerebral é a falta de consciência do défice –
falta de insight – principalmente quando as lesões acontecem em áreas pré-frontais.
Nestes casos, a criança pode não estar consciente das suas próprias limitações, o que
vai limitar a eficácia dos programas de reabilitação cognitiva. Neste sentido, a terapia
cognitivo-comportamental assume especial enfase (Portellano, 2008).

5. Psicomotricidade:

Sabe-se que a reabilitação neurocognitiva em crianças com lesão cerebral é mais


eficaz quando são utlizadas técnicas do tipo psicomotor. A psicomotricidade
apresenta resultados positivos em problemas percetivo-motores, cognitivos e

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comportamentais quer em criança como em adultos. Intervém também em transtornos
de equilíbrio, coordenação e fluência motora bem como em outros domínios, como
por exemplo orientação espacial, esquema corporal, ritmo, etc. (Portelano, 2008).

c) Caracterização do espaço onde se desenvolve a reabilitação:

Preferencialmente, devem existir duas salas destinadas ao processo de reabilitação


cognitiva/neuropsicológica infantil. Uma delas deve ser de dimensões pequenas, onde se
desenvolverão atividades que exijam que a criança permaneça sentada: neste espaço
podem ser desenvolvidos exercícios de reabilitação de caráter cognitivo ou percetivo-
motor que não necessitem de uma relação dinâmica; podem também ser usados aqui os
equipamentos informáticos.
A outra sala deve ser de dimensões um pouco superiores à anteriormente descrita,
onde possam ser levados a cabo, outros exercícios de reabilitação cognitiva que possam
ser desenvolvidos e vivenciados pela criança de uma forma mais dinâmica. Deve ter-se
sempre a ideia de que estes exercícios devem possuir um caráter lúdico e dinâmico. A
reabilitação cognitiva de crianças também pode ser feita em pequenos grupos, formados
por crianças principalmente com níveis de maturação equivalente e não tanto pela idade
cronológica igual, com vista a que esses grupos gerem uma maior interatividade entre as
crianças.
Relativamente à frequência das sessões, estas devem ser postuladas mediante a
magnitude disfuncional provocada pela lesão. O número de sessões pode variar entre uma
a cinco sessões semanais, determinadas em função da gravidade da lesão, com uma
duração média de 60 minutos. Os exercícios não devem ser muitos longos para evitar o
cansaço dos pequenos (é de notar que muitas destas crianças apresentam dificuldades de
atenção). É importante que se vá informando a criança acerca dos seus erros, bem como
usar o reforço positivo de forma sistemática (Portellano, 2008).

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III. Progrmas de Reabilitação Neuropsicológica/Neurocognitiva:

A reabilitação cognitiva pediátrica trabalha a reaprendizagem de capacidades


cognitivas e elaboração de estratégias de tratamento para minimizar ou compensar
funções afetadas (McCoy et al, 1997).
As atividades desenvolvidas num programa de reabilitação neuropsicológica,
segundo uma abordagem holística/compreensiva visam a promoção da mudança na vida
quotidiana quer do paciente como da sua família. Aqui incluem-se o treino cognitivo.
Aquisição de estratégias compensatórias e organização e planeamento de rotinas.
Qualquer processo de reabilitação neuropsicológica pode acontecer individualmente ou
em grupo (Abrisqueta-Gomez, 2012).
Para a estruturação de um programa de reabilitação é necessário fazer sempre uma
avaliação neuropsicológica. As capacidades do paciente devem ser avaliadas para,
posteriormente, ser possível formular, planear e implementar comportamentos dirigidos
aos objetivos, tendo por base as capacidades cognitivas preservadas McCoy, Gelder,
VanHorn & Dean, 1997). O treino deve ser totalmente individualizado e adaptado às
necessidades do paciente. É importante que o trabalho envolva a família. Devem ser
desenvolvidas atividades que se consigam generalizar às tarefas do quotidiano, de
preferência devem ser usados objetos familiares ao indivíduo. Os materiais e estímulos
(visuais, auditivos e táteis) devem ser diversificados. O nível de dificuldade deve ser
adaptado de forma a que o paciente não termine a sessão com um numero de erros superior
ao de acertos (questão da motivação). Deve explicar-se ao indivíduo que função cognitiva
se vai trabalhar e que exercício se vai usar para tal efeito. O técnico deve fornecer
feedback sobre o desempenho e evolução do paciente e usar a recompensa para vincar os
sucessos obtidos. Ter em atenção a validade ecológica – garantir a generalização para a
vida diária e não apenas para melhorar os resultados nos testes psicométricos (López-
Luengo, 2001; Ginarte-Arias, 2002).

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IV. Exemplo de exercícios práticos de reabilitação cognitiva:

a) Atenção e Funcionamento Executivo:

É frequente encontrar-se comprometimentos ao nível da atenção, lentificação dos


processos percetivo-motores e dificuldades na resolução e problemas como
consequência de lesões cerebrais na infância. Estas dificuldades estão especialmente
ligadas a lesões dos lobos frontais mas são frequentes noutros quadros patológicos
como a PHDA , epilepsia ou dificuldades de aprendizagem. A estimulação da atenção
deve acontecer ao nível das suas várias modalidades (sustentada, dividida,
focalizada…) uma vez que indiretamente favorecerá a aquisição ou consolidação de
qualquer atividade cognitiva. Devem também ser trabalhadas as várias modalidades
sensoriais (atenção visual, auditiva, verbal) (Portellano, 2008). Seguem-se alguns
exemplos:

o Exercícios de inibição:

A inibição consiste na capacidade de reter uma resposta inadequada, sendo


substituída por outro tipo de resposta mais concordante com as circunstâncias de casa
situação. Exemplos:
1) ler em voz alta a cor da tinta em que está impressa cada palavra de uma lista, tendo
em conta que em nenhum caso coincide a cor da tinta com o nome que se deve ler:

AMARELO VERMELHO PRETO AZUL AZUL


PRETO VERDE VERMELHO AMARELO VERDE
VERMELHO AZUL PRETO VERDE AMARELO

2) dar um toque na mesa quando o terapeuta lê a letra “A” numa sequência alfabética
variada:
FJGALOAATRIANAAAOQWITAVAVANHGTEPAANYADSXZA

3) dizer em voz alta quantos números há em cada conjunto (em nenhum doas casos deve
haver coincidir o número de elementos com o número escrito por extenso):
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3333 444 22 77777 999999
cinco oito três oito nove
66666666 1 8888 33333 55555555
seis oito oito três cinco

4) levantar a mão quando ouve o número 2; dar uma palmada na mesa quando ouvir o
numero 4; não fazer nada quando ouvir o número 6.

5) perante uma lista de números, assinalar todos os números 6, segundo um período de


tempo limitado:
12337647262343267263567389439836265
04843626780493273038362654132223253
85456844512487454585442269662478554
44778547885521226569875256254886322
47855222155202336988421478411225078
02589845265789547824489632542200981
98825458200269784100258751456321984
87841475212365820028796426978126321
05875852214189633216475852126698983
78545002587933021586014776978147925

o Exercícios de categorização, sequenciação e raciocínio:

Como exemplo, pode-se organizar um conjunto de 100 a 200 cartolinas, com


dimensões semelhantes a um baralho de cartas. Cada cartolina deve ter desenhados entre
um a quatro círculos, triângulos, estrelas ou quadrados em várias cores: amarelo, verde,
vermelho ou azul. Com crianças mais pequenas podem substituir-se as figuras
geométricas por desenhos de animais, frutos ou outros objetos familiares para a criança.
Podem realizar-se as seguintes tarefas:

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1) ordenar as cartolinas por categoria, sem ter em conta o número e a cor das figuras
em questão.
2) fazer o mesmo exercício agrupando as cartolinas mediante o número de elementos
desenhados ou pela cor dos mesmos.
3) realizar exercícios de complexidade crescente: por exemplo: ordenar as cartolinas
mediante uma sequência ditada pelo terapeuta – vermelho-vermelho-amarelo-verde ----
vermelho-vermelho-amarelo-verde…
4) ordenar as cartolinas de forma decrescente, mediante o numero de figuras que
constam em cada cartolina, sem ter em conta a forma e cor dos desenhos.
5) realizar o mesmo exercício mas em ordem crescente.
6) fazer sequenciações numéricas de complexidade crescente, tendo em conta o número
de elementos em cada cartolina: por exemplo – 2-1-3-4 ---- 2-1-3-4…
7) realizar sudokus de dificuldade crescente.
8) labirintos em papel.
9) Exercícios de cálculo mental.
10) unir números desenhados num papel por ordem crescente e/ou decrescente.

b) Memória:

A aprendizagem e a utilização de mnemónicas permitem estimular ou compensar


dificuldades de memória em crianças que manifestem alterações em áreas hipocampais

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que limitam a sua capacidade para realizar novas aprendizagens. As mnemónicas podem
ser do tipo verbal ou visual. Algumas das técnicas mais usadas são:

Utiliza-se para facilitar a evocação de números, mediante a


sua organização me grupos de 2 ou 3 elementos. Por
Agrupação
exemplo, os números, 3, 9, 1, 9, 5, 7, 1, 0, 5 recordam-se
mais facilmente se forem agrupados; 391 – 957 – 105.
Consiste na extração das características mais importantes
de um texto escrito ou lido, ignorando a informação
Centralização
acessória. O resumo de um texto é um exemplo desta
técnica.
Consiste em melhorar a capacidade de armazenamento de
informação mediante a repetição sucessiva do material que
Repetição
se pretende memorizar. Por exemplo, lista de palavras ou
números.
Consiste em organizar o material que se pretende
VERBAIS

Categorização
memorizar por famílias de palavras em função da sua
semântica
classe, forma, tamanho ou utilidade.
Consiste em criar imagens visuais do material que se
pretende memorizar. Quanto mais originais ou absurdas as
Visualização imagens ‘, melhor será a sua recordação e quanto maior for
o tempo que se dedica à construção da imagem visual,
melhor nos recordaremos dela.
Auxilia a recordar as coisas ao assumir que o melhor
auxílio da memória é a organização ordenada dos objetos.
Primeiro é preciso selecionar uma determinada localização
espacial previamente conhecida pela criança (casa, escola,
Lugares bairro). Depois deve-se situar o objeto nos diferentes locais
onde é frequente encontrá-lo. Por último, deve-se
estabelecer uma trajetória que recorra sempre à mesma
VISUAIS

ordem de cada um dos lugares onde se visualizaram os


objetos a memorizar.

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c) Agnosias:

As agnosias traduzem-se numa dificuldade de interpretação dos estímulos sensoriais


na ausência de défice sensorial que o justifique. São secundárias a lesões nas áreas de
associação do córtex cerebral ou outras estruturas cerebrais como o corpo caloso e
hipocampo que impossibilitam a criança de compreender o significado dos estímulos
percebidos por meio da visão, tato ou audição. As agnosias são mais facilmente
recuperadas em crianças do que em adultos, contudo, em muitos casos há uma
desvalorização da persistência destes transtornos que são fatores contributivos para o
aparecimento de diferente formas de insucesso escolar.

Exercícios para recuperação das agnosias táteis:

O objetivo é que se melhore a capacidade de reconhecimento de objetos mediante


o tato, em situações de disfunção ou imaturidade das áreas parietais. Deve sempre evitar-
se que a criança receba informação visual podendo ser utlizada uma venda, por exemplo.

1) Identificar objetos comuns em ambas as mãos ou apenas com uma delas;


2) Identificar objetos menos comuns em ambas as mãos ou apenas com uma delas;
3) Identificar letras de molde com uma mão ou com ambas;
4) Discriminar objetos mediante a sua textura: lisa, rugosa, vibrante, frio…
5) Trabalhar com diferentes materiais para melhorar as agnosias táteis: plasticina,
sacos de areia, barro, …

a. Exercícios para recuperação das agnosias auditivas:

São espacialmente relevantes em situações de disfunção em áreas temporais onde as


crianças apresentam dificuldades na discriminação de sons linguísticos, seguir séries em
rítmicas ou compreender o significado dos sons não verbais.
1) Reproduzir séries rítmicas com argolas e aumentar a sua complexidade;
2) Reproduzir em voz alta sílabas ou pseudopalavras com sons ambíguos. O
terapeuta deve tapar a boca para que a criança não veja o modo como é
articulado o fonema;

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3) Seguir o ritmo de alguma melodia musical com algum instrumento de
repercussão;
4) Reproduzir séries rítmicas com um xilofone.

b. Exercícios para recuperação das agnosias visuais:

São utlizadas com o objetivo de melhorar o reconhecimento de estímulos visuais


em crianças com alterações nas áreas de associação visual.

1) Reconhecer figuras ocultas num desenho;


2) Reconhecer desenhos que se apresentem “turvos”;
3) Seguir trajetórias no papel;
4) Copiar figuras geométricas sem sentido, de complexidade crescente;
5) Identificar figuras incompletas.

c. Exercícios para recuperação das agnosias espaciais:

Quando existe disfunção em áreas de associação parietais, particularmente, no


hemisférios direito, são visíveis perturbações na orientação que se traduzem na
dificuldade de reconhecimento espacial de letras, palavras, números, objetos e
dificuldades na orientação mo espaço circundante.

1) Seguir trajetórias no papel;


2) Fazer corridas, na sala de terapia, tendo em conta as indicações do terapeuta:
direita, atras, esquerda, frente…
3) Construção de puzzles e quebra-cabeças
4) Praticar jogos que envolvam construção tridimensional

d) Apraxias:

As manifestações práxicas em consequência de disfunção cerebral são recorrente em


crianças, de forma principal naqueles que apresentam problemas psicomotores ou

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dificuldades em desenhar e escrever. A intervenção tem como objetivo melhorar a
capacidade de representar, simbolizar e realizar movimentos sequenciados que podem
estar afetados pela lesão no córtex associativo, principalmente em áreas pré-frontais e
parietais.
1) Copiar figuras geométricas simples;
2) Imitar gestos como estalar os dedos, cruzar as mãos, colocar o dedo indicador
da mão esquerda sobre a palma da mão direita;
3) Imitar gestos mantendo os olhos fechados;
4) Imitar gestos simbólicos: acenar, pentear-se, escrever, teclar no computador,
tocar guitarra…
5) Fazer puzzles e quebra-cabeças de figuras humanas.

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V. COTRIBUIÇÕES DA NEUROPSICOLOGIA PARA A INCLUSÃO
SOCIAL

A Neuropsicologia visa, também, a inclusão social das crianças que necessitam de


novas estratégias de intervenção face a outras crianças sem qualquer comprometimento.
Quer em casa quer na escola, estas crianças com necessidades especiais devem beneficiar
de intervenções que consigam minimizar essas necessidades e promover novas
aprendizagens.
Relativamente ao ambiente familiar, a aceitação das dificuldades é o começo do
processo e intervenção e, muitas das vezes, é uma fase difícil pois para um pai/mãe
assumir que o filho apresenta alguma necessidade especial não é um processo tranquilo.
Note-se que é no contexto familiar que a criança inicia as suas experiências de
socialização.
Na escola, a criança tem a oportunidade de experienciar novas relações sociais e
fortalece aquelas que lhe foram transmitidas no seio familiar, em primeiro lugar, e
posteriormente é o local onde apreende conteúdos académicos que exigem a integridade
das funções cognitivas. Assim, as crianças com necessidades especiais devem ter
exigências académicas adaptadas às suas capacidades reais.
Por último, a própria criança é o elemento fundamental da inclusão, com a
aceitação das suas potencialidades e dificuldades (Ambrózio, Riechi, Brites, Petri, Rosa
& Fajardo, nd).

21
VI. Bibliografia:

Abrisqueta-Gomez J. Reabilitação neuropsicológica interdisciplinar: reflexões sobre a relevância da


abordagem holística. In: Abrisqueta-Gomez J (org). Reabilitação neuropsicológica: abordagem
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