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APRENDIZAGEM E

CONTROLE MOTOR

autor do original
ROGER DE MORAES

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  sérgio cabral, alexandre trindade, roberto paes, gladis linhares

Autor do original  roger de moraes

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  alexandre trindade

Imagem de capa  bezikus | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
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Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. Organização do Controle Motor 9


1.1  Introdução 11
1.2  Padrões básicos dos movimentos do corpo 14
1.2.1  Movimentos reflexos 15
1.2.2  Movimentos voluntários 16
1.2.3  Movimentos rítmicos 17
1.3  Regulação medular do movimento 17
1.3.1  Sistema de Renshaw 17
1.3.2  Reflexos medulares 18
1.4  Fuso muscular e reflexo miotático 18
1.5  Sistema gama-motor 20
1.6  Orgão tendinoso de Golgi e reflexo miotático inverso 21
1.7  Outros reflexos posturais complexos 23
1.8  Núcleos do tronco 24
1.9  Receptores sensoriais no controle da postura 26
1.10  Regulação cortical do movimento 28
1.11  Córtex Motor 30
1.12  Córtex motor 31
1.13  Integração das áreas motoras do córtex cerebral –
A construção do movimento 33
1.14  Organização funcional do córtex pré-motor 34
1.15  Estruturas subcorticais que participam do refinamento motor –
Cerebelo e gânglios da base 37
1.16 Cerebelo 38
1.16.1  Cerebelo – Aspectos motores, afetivos e cognitivos 39
1.16.2  Organização funcional do cerebelo 39
1.17  Núcleos da base 42
2. Desenvolvimento Sensorimotor 47

2.1 Introdução 49
2.2  Aprendizagem nos primeiros anos 53
2.3  Sensação e aprendizado motor 56
2.4  Unidades funcionais de Alexander Romanovich Luria 60
2.5  Fases do desenvolvimento motor 62
2.6  Fase dos movimentos reflexos
(primeiro ano de vida) 64
2.7  Fase de movimentos rudimentares – 1 a 2 anos 65
2.8  Fase de movimentos fundamentais na
primeira infância – 2 a 6 anos 67
2.9  Fase de movimentos especializados 71
2.10  Estágio de utilização permanente 74
2.11  Sensações, percepções e aprendizado motor 74

3. Características Fisiológicas da Criança 79

3.1 Introdução 81
3.2  Crescimento e desenvolvimento da criança 83
3.2.1  Composição corporal 87
3.2.2  Pele e glândulas sudoríparas 88
3.2.3  Músculo esquelético e tendões 90
3.2.4 Ossos 91
3.3  Funções cardiorrespiratória e metabólica na infância 93
3.3.1  Rendimento cardíaco 93
3.3.2  Função pulmonar 94
3.3.3  Efeitos do treinamento 95
3.3.4  Capacidade anaeróbica 97
3.3.5  Habilidades motoras 97
3.4  Acesso da maturação sexual – Escala de Tanner 98
3.5  Características fisiológicas e motoras da senescência 103
3.6  Atividade física e envelhecimento 104
3.7  Envelhecimento motor 119
4. Aprendizagem Motora 133

4.1 Introdução 135
4.2  Estágio da aprendizagem motora 138
4.3  Identificação do estágio de aprendizado 139
4.4  Classificação das tarefas motoras 140
4.5  Comportamento habilidoso 141
4.6  Teorias De Controle do Movimento 142
4.6.1  Teoria do Circuito Fechado 142
4.6.2  Teoria do Circuito Aberto 143
4.7  Princípios de controle motor e precisão de movimento 146
4.8  Sensação e percepção no processo de ensino e
aprendizado motor 147

5. Memória 167

5.1 Introdução 169
5.2  Estruturas anatômicas 171
5.3  Armazenamento sensorial de curto prazo 172
5.4  Memória de curto prazo 173
5.5  Memória de longo prazo 173
5.6  Memória motora 176
5.7 Motivação 183
5.8 Ansiedade 184
5.9  Como preparar para a experiência de aprendizagem 188
5.10  Transferência da aprendizagem 189
5.11  Como estruturar a experiência de aprendizagem 191
5.12  Variação da prática 193
5.13  Práticas em bloco e randômicas 194
5.14  Interferência contextual 194
5.15  Prática mental 197
6. Retro-Alimentação e Componentes e
Processos do Aprendizado Motor 201

6.1 Introdução 203
6.2  Princípios fundamentais do aprendizado sensorimotor 215
6.3  Componentes do aprendizado motor 217
6.3.1  Extração da informação 217
6.3.2  Decisões e estratégias 219
6.3.3  Controle de classes 220
6.4  Processos de aprendizado motor 222
6.4.1  Aprendizagem baseada no ensaio e no erro 223
6.4.2  Aprendizado por reforço 224
6.4.3  Aprendizado dependente do uso 225
6.4.4  Representações no aprendizado motor 225
6.4.5  Comandos motores primitivos 225

7. Psicomotricidade e Avaliação Psicomotora 229

7.1 Introdução 231
7.2  Avaliação em Psicomotricidade 236
7.3  Bateria de avaliação psicomotora de Vítor da Fonseca 236
7.3.1 Tonicidade 238
7.3.2 Equilibração 240
7.3.3 Lateralidade 242
7.3.4  Noção do Corpo (Imagem corporal) 244
7.3.5  Estruturação Espaço-Temporal 248
7.3.6  Praxia Global 249
7.3.7  Praxia Fina 250
7.4  Escala de Desenvolvimento Motor de Rosa Neto 253
7.5  Teste de proficiência motora de Bruininks-Oserestsky 255
7.6 Eurofit 256
Prefácio

Ensinando, aprende-se.
Sêneca

Os seres humanos são especializados em aprender com o ambiente. O


aprendizado motor depende da maturação e do desenvolvimento de estruturas
do córtex cerebral e cerebelar, assim como outros mecanismos do sistema ner-
voso, também participam no controle do movimento voluntário.
Um dos principais objetivos deste livro é compreender de que maneira o
sistema nervoso se organiza para controlar o movimento, e como podemos
aprender novas habilidades motoras que colaboram para o desenvolvimento
do próprio cérebro.
No primeiro capítulo, estudaremos o controle da motricidade humana,
com destaque para os movimentos controlados pela medula, pelo tronco cere-
bral e pelo córtex cerebral, bem como a participação do cerebelo e dos gânglios
da base nesse processo.
No segundo capítulo, enfatizaremos os estímulos sensoriais e a sua parti-
cipação no controle e aprendizado motores, com destaque para as unidades
funcionais de Alexander Luria, renomado neuropsicólogo soviético, especialis-
ta em Psicologia do desenvolvimento.
Estudaremos, no terceiro capítulo, as fases do desenvolvimento motor pro-
posto por David Gallahue (um dos mais importantes pesquisadores do assun-
to), bem como as características motoras e fisiológicas de crianças e idosos.
No quarto capítulo, discutiremos os principais conceitos relacionados ao
aprendizado motor e o processamento das sensações e percepções necessá-
rias à aprendizagem, as quais dependem dos processos de atenção do sistema
nervoso.
Abordaremos, no quinto capítulo, o papel da memória de curto e longo pra-
zos no processo de aprendizado motor, além de suas correlações cerebelares.
Discutiremos, ainda, temas importantes da psicologia associados à motivação
individual durante a aprendizagem, bem como as diferentes práticas que in-
fluenciam no aprendizado.

7
No sexto capítulo, após estudarmos a influência das fontes de feedbacks
intrínseco e extrínseco no aprendizado de movimentos habilidosos e comple-
xos, apresentaremos os principais meios utilizados para aprendermos e rea-
prendermos novos movimentos e as modificações estruturais e funcionais que
ocorrem no sistema nervoso de indivíduos muito habilidosos.
Por fim, no sétimo capítulo, integraremos o conceito de psicomotricidade
ao desenvolvimento motor humano, descrevendo as principais capacidades
avaliadas em baterias de teste que visam identificar atrasos na maturação e
direcionar a reeducação psicomotora para grupos de maior risco de atraso do
desenvolvimento.

Bons estudos!
1
Organização do
Controle Motor
10 • capítulo 1
1.1  Introdução

Tudo quanto estamos por aqui a dizer é um produto das capacidades do cérebro: a lin-
guagem, o vocabulário mais ou menos extenso, os amores, os ódios, Deus e o diabo,
tudo está dentro da nossa cabeça. Fora da nossa cabeça não há nada.
José Saramago

O sistema nervoso é o resultado de milhões de anos de evolução filogenética


que permitiram a transformação dos elementos ancestrais de irritabilidade,
condutibilidade e contratilidade – presentes até mesmo em organismos uni-
celulares primitivos – em estruturas extremamente sofisticadas, as quais pos-
sibilitam as manifestações motoras, afetivas e cognitivas tão singulares dos
seres humanos.
Em animais, o sistema nervoso consiste em duas divisões principais, co-
nhecidas como sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico
(SNP).O SNC compreende estruturas como medula espinhal, tronco cerebral,
cerebelo, gânglios da base, e córtex cerebral onde grande número de neurônios
e células de suporte encontram-se anatomicamente justapostas para execução
de suas funções integrativas.
Todo cérebro de vertebrados apresenta estruturas comuns que integram
suas regiões frontal, medial e dorsal. A região frontal é subdividida em telen-
céfalo e diencéfalo. O telencéfalo encerra as estruturas dos gânglios da base, o
córtex olfatório, o hipocampo, o sistema límbico e o córtex cerebral, este último
também conhecido como neocórtex. Já o diencéfalo compreende o tálamo, o
hipotálamo e a neurohipófise. A parte medial é representada apenas pelo me-
sencéfalo, onde encontramos estruturas de integração visual e auditiva locali-
zadas respectivamente nos colículos superior e inferior.
Por fim, a parte dorsal é subdividida em metencéfalo e mieloencéfalo. O me-
tencéfalo inclui a região da ponte que faz parte do tronco encefálico. Nessa mes-
ma área, localizada posteriormente ao tronco, encontramos o cerebelo, órgão
responsável pela coordenação motora, e o núcleo motor pontino, que controla
a maioria dos neurônios descendentes. O restante da parte dorsal é represen-
tado pelo bulbo, onde se situam áreas de controle autonômico e respiratório.

capítulo 1 • 11
A medula espinhal estende-se a partir da cintura até a base do cérebro. Seus
nervos transmitem mensagens deste para os neurônios medulares e vice-ver-
sa através do trato espinhal. O próprio cérebro se desenvolve a partir do alto
da medula espinhal, em cuja base se localiza o tronco encefálico. Essa região
também controla reações elementares – como piscar e mamar – e as funções vi-
tais de respirar e dormir, apresentando-se bastante desenvolvida no momento
do nascimento.
O tronco cerebral ou encefálico não responde a estímulos sensoriais isola-
dos, mas mistura várias fontes de produção sensorial com impulsos de outras
regiões do cérebro e do corpo. Dessa maneira, a estimulação sensorial que atin-
ge essa região é sempre modulada e reorganizada, o que aumenta a complexi-
dade dos comportamentos que o cérebro pode sustentar.
Todas as estruturas medulares e do tronco cerebral se comunicam com o
córtex cerebral – dividido em dois hemisférios, cada qual com quatro seções
ou lobos separados por sulcos profundos. Embora os dois hemisférios devam
atuar em harmonia funcional, o esquerdo está associado ao processamento e
reconhecimento de informação verbal e simbólica. Evolutivamente mais pre-
coce, o hemisfério direito é preferencialmente orientado para o processamen-
to e reconhecimento de informaçõesposturais, espaciais e faciais não verbais e
não simbólicas.
O córtex cerebral é uma estrutura com número extremamente elevado de
sinapses e de grande complexidade. Por meio dele, é possível a integração de
todos os estímulos sensoriais com experiências passadas que tenham sido ar-
mazenadas na memória, o que resulta no comportamento humano de pensar e
agir. Em condições normais de desenvolvimento, os lobos occipitais são espe-
cializados para visão; os temporais, para a audição e a fala; os parietais, para a
percepção espacial; e os frontais, para o controle motor e a coordenação execu-
tiva de outras áreas corticais.
O SNC possui número elevado de corpos de células neuronais, assim como
de axônios e dendritos, além de algumas células conhecidas como interneurô-
nios – confinados no interior do SNC; outras podem ser encontradas parcial-
mente fora do SNC, como as que captam informações aferentes e as que en-
viam informações eferentes para o sistema motor.
A complexidade morfológico-funcional do controle da motricidade huma-
na aumenta à medida que ascendemos na hierarquia do SNC. A dimensão e a
organização do córtex cerebral representam o resultado da pressão evolutiva,
que pode ser recapitulada durante a ontogênese.

12 • capítulo 1
O SNP consiste em todos os processos e corpos celulares de neurônios
sensoriais e motores fora do SNC, além dos gânglios do sistema nervoso au-
tônomo e do sistema nervoso entérico. No SNP, o nervo consiste em feixes de
muitos neurônios unidos em uma estrutura semelhante ao cabeamento de li-
nhas telefônicas. Apesar do neurônio ser muito pequeno para observação ao
microscópio, é possível visualizar o nervo macroscopicamente, sem o auxílio de
aparelhos de microscopia, pois consiste de múltiplos axônios. Dentro do SNC,
estruturas que compreendem feixes de neurônios não são chamadas de nervos,
mas, sim, de tratos ou comissuras.
Fisiologistas reconhecem duas principais divisões no SNP de vertebrados:
os sistemas somático e autônomo. Enquanto o sistema somático controla o
músculo esquelético, sendo este também chamado de efetor somático, o au-
tônomo controla os músculos cardíaco e o liso, bem como glândulas e outros
efetores autonômicos. Do ponto de vista prático, o sistema somático controla
nosso comportamento observável, e o autônomo controla estruturas internas
que não podem ser acessadas pela visão de um observador.
Em animais, o sistema nervoso se origina da camada embrionária do ecto-
derma, e todos com divisão simétrica bilateral apresentam as características de
centralização e cefalização. Centralização se refere à organização estrutural na
qual neurônios integradores são concentrados em áreas centrais, em vez de fi-
carem dispersamente distribuídos pelo corpo. Cefalização, por sua vez, é a con-
centração de estruturas e funções neurais em uma parte específica do corpo, a
cabeça. Ambas as tendências ocorrem nos platelmintos, considerados os mais
antigos detentores da divisão bilateral e simétrica do sistema nervoso.
Do ponto de vista funcional, toda atividade neural do sistema nervoso con-
verge para o SNC através de neurônios sensoriais aferentes e diverge para ou-
tras partes do corpo pelos neurônios motores eferentes (motoneurônios). Não
existem interações entre neurônios sensoriais e motores no SNP; por isso, so-
mente no SNC há integração e processamento neuronal.
Histologicamente, o SNC de todos os vertebrados consiste em dois tipos de
tecidos: a substância cinzenta e a substância branca. A primeira delas é com-
posta de corpos celulares de neurônios e sinapses, enquanto a segunda é cons-
tituída inteiramente de tratos de axônios mielinizados. Na medula espinhal, a
substância branca é externa, e a cinzenta, interna. Essa organização, entretan-
to, modifica-se no cérebro,onde a substância branca é mais interna em relação
à cinzenta,que, por sua localização externa, é chamada de córtex.

capítulo 1 • 13
A organização funcional medular apresenta circuitos de neurônios ascen-
dentes, descendentes e locais. Os circuitos locais podem existir em cada seg-
mento medular e determinam as respostas reflexas primitivas. Já os circuitos
ascendentes levam informação ao cérebro; além disso, níveis hierarquicamen-
te superiores do SNC e vias descendentes controlam os circuitos locais medu-
lares, sobretudo os moto neurônios alfa e gama, responsáveis pelo tônus e pela
contração do músculo esquelético.

1.2  Padrões básicos dos movimentos do corpo

A nossa natureza consiste em movimento; o repouso completo é a morte.


Blaise Pascal

Com base na organização do sistema nervoso, podemos classificar os movi-


mentos em: reflexos, rítmicos e voluntários. Enquanto os movimentos reflexos
são organizados predominantemente pela medula espinhal, os voluntários são
elaborados com a participação de outros níveis, que incluem as áreas do córtex
cerebral e cerebelo.
Em termos de complexidade de organização, os movimentos reflexos são os
mais simples; em contrapartida, os voluntários representam os de maior com-
plexidade. Ao observarmos uma minhoca, percebemos que o comportamento
motor predominante é o reflexo motor que afasta a parte do corpo afetada para
longe de algum estímulo lesivo. Nesse anelídeo há neurônios sensitivos conec-
tados ao neurônio motor através de sinapse na medula central que caracteriza
os elementos básicos de um arco reflexo simples, segmentar.
Nos organismos mais complexos, a possibilidade de locomoção foi obtida
por meio da aquisição de movimentos produzidos por estruturas que geram
contrações estereotipadas, alternadas e rítmicas da musculatura. Nesses seres,
movimentos mais elaborados são possíveis graças à aquisição de estruturas
neurais que participam da geração e do controle motor.

14 • capítulo 1
1.2.1  Movimentos reflexos

Os reflexos são respostas motoras involuntárias, estereotipadas, provocadas


por estímulos específicos e extremamente simples, pois estão relacionadas à
participação de poucos grupamentos musculares. Uma vez que são inatos, sua
ocorrência não depende de experiência prévia. Portanto, recém-nascidos mani-
festam, nos primeiros meses de vida, inúmeros reflexos primitivos adquiridos
ainda durante o período intrauterino e que possibilitam sua sobrevivência, ape-
sar da imaturidade de várias áreas corticais superiores.
Os arcos reflexos podem ter a complexidade aumentada quando envolvem
vários neurônios, interneurônios e músculos do corpo. Nesses casos, poderão
existir reações reflexas motoras mais sofisticadas, como as de extensão do cor-
po, manifestadas quando somos repentinamente empurrados pelas costas e
procuramos recuperar o equilíbrio perdido para não cair no chão.
O reflexo diz respeito ao recrutamento de circuitos neurais de maneira in-
consciente, mas que precisam ser desencadeados por estímulos sensoriais es-
pecíficos, os quais podem ser provenientes da pele, do músculo esquelético, de
articulações e vísceras (glândulas e músculos liso e cardíaco). Ainda que perce-
bamos a ocorrência dessa resposta, seu início não depende de áreas associati-
vas do córtex motor.
Sempre que um receptor sensorial é estimulado, ele deflagra impulso atra-
vés de neurônio aferente, que, ao atingir o SNC, se comunica inicialmente com
um interneurônio capaz de ativar o neurônio motor para produzir uma respos-
ta rápida de proteção. É o que ocorre quando subitamente somos espetados por
uma agulha na parte posterior do braço. A lesão da pele ativa no cirreceptores
cutâneos e aciona o envio de estímulo sensorial para a substância cinza medu-
lar, onde um ou mais interneurônios se comunicam com os neurônios motores
do braço, promovendo eficiente resposta de retirada desse segmento corporal
do local da lesão (reflexo de retirada).
Arcos reflexos podem ser polissinápticos – incluindo, no mínimo, um inter-
neurônio entre o neurônio sensorial e o motoneurônio – ou monossinápticos,
em cuja comunicação não há interneurônios. Existem também arcos reflexos
unissegmentares (como o miotático) e plurissegmentares (como o reflexo de
retirada), que, como a denominação sugere, envolvem um ou vários segmentos
corporais.

capítulo 1 • 15
É fácil perceber que, quanto mais interneurônios participam em um arco
reflexo, maior sua complexidade organizacional e funcional. O fato de os arcos
reflexos funcionarem sem a participação cortical é extremamente útil, pois,
como o planejamento motor é desnecessário, a resposta poderá ser mais rápi-
da, apesar de estereotipada.
Mesmo assim, os neurônios motores medulares estão constantemente sob
influência tônica de neurônios descendentes originados de núcleos motores
superiores, localizados no tronco cerebral e no córtex encefálico. Desse modo,
apesar de, por exemplo, a agulha de um tatuador também estimular no cirre-
ceptores cutâneos e ativar nossos neurônios sensoriais primários – capazes de
induzir o reflexo de retirada –, podemos decidir enfrentar a dor e não remover o
braço para que a tatuagem tenha o resultado desejado. Decisões como essa só
podem ser tomadas no córtex cerebral.

1.2.2  Movimentos voluntários

Os movimentos voluntários são complexos, intencionais e dependem da von-


tade do indivíduo. Uma vez aprendidos, determinam o automatismo do movi-
mento e armazenamento do plano motor em estruturas cerebrais e cerebelares
que nunca mais poderão ser esquecidas. Por essa razão, mesmo que fiquemos
30 anos sem andar de bicicleta, ao tentar fazê-lo, teremos sucesso depois de
alguns minutos de prática e sem a necessidade de rodinhas e do auxílio de
alguém.
Não esquecemos porque o plano motor generalizado para andar de bici-
cleta (que inclui as exatas competências de equilíbrio, decisão e ordenamento
motor) está armazenado em nossa memória não declarativa como resultado da
prática relacionada à sincronia de neurônios do córtex cerebral, cerebelo e gân-
glios da base.
Entretanto, se modificarmos o padrão de direção de uma bicicleta, nosso
sistema nervoso terá enorme dificuldade para conduzi-la. É o que ocorre quan-
do instalamos engrenagens que modificam o efeito do movimento do guidão
em relação ao movimento da roda, fazendo o direcionamento do guidão para
direita girar a roda dianteira para esquerda e vice-versa. Para andarmos nes-
se tipo de bicicleta, devemos aprender novos parâmetros totalmente diferen-
tes dos anteriores a fim de incorporar à ação novos planos motores. Apesar
de as tarefas voluntárias serem automaticamente executadas após terem sido

16 • capítulo 1
aprendidas, elas nunca se tornarão um reflexo que seja de natureza inata e, por-
tanto, não possa ser aprendido.

1.2.3  Movimentos rítmicos

Os movimentos rítmicos combinam características de atos reflexos e voluntá-


rios; classicamente, enquadram-se nessa categoria o caminhar e o correr, bem
como o mastigar, coçar e copular, entre outros. Para serem iniciados, precisam
de um comando voluntário e, uma vez que isso ocorre, passam a seguir um pa-
drão reflexo de movimentos repetitivos. É fácil perceber que um cão realiza to-
das essas ações anteriormente descritas, mas, apesar da complexidade do seu
córtex cerebral, que o torna um animal social, ele é incapaz de apresentar as
mesmas manifestações afetivas, cognitivas e motoras dos seres humanos.

1.3  Regulação medular do movimento


A regulação das contrações baseia-se essencialmente em como o SNC coordena
o recrutamento, a frequência e a sincronização das unidades motoras. A ativa-
ção e a frequência de despolarização do neurônio motor decorrem do equilí-
brio entre forças excitatórias e inibitórias provenientes de vias descendentes e/
ou periféricas. Nesse contexto, os motoneurônios recebem influência sináptica
das fibras aferentes Ia, II e Ib provenientes dos músculos agonistas, sinérgicos
e antagonistas, de interneurônios e células de Renshaw, e de fibras descenden-
tes originadas nos níveis superiores e provenientes dos diferentes centros corti-
cais e subcorticais com participação no controle motor. Desse modo, o controle
da motricidade é resultado de múltiplas influências provenientes do SNC e do
SNP, que resultam no movimento do corpo.

1.3.1  Sistema de Renshaw

As células de Renshaw são pequenos neurônios inibitórios, localizados no cor-


no anterior da substância cinzenta medular. Recebem ramos colaterais de mo-
toneurônios alfa e fazem sinapse com outros motoneurônios do mesmo gru-
pamento muscular e de outros músculos sinérgicos. Apesar de suas funções

capítulo 1 • 17
serem ainda mal compreendidas, sua ação inibidora pós-sináptica pode supri-
mir as descargas de motoneurônios fracamente estimulados.
Assim, o sistema de Renshaw reduz a quantidade de movimentos desne-
cessários, suprimindo a tendência de disseminação dos sinais e contribuindo
para o melhor desempenho da atividade muscular nos movimentos precisos e
breves. As células de Renshaw podem também ser ativadas e desativadas por es-
tímulos supraespinhais provenientes da formação reticulada, podendo partici-
par na inibição dos músculos antagonistas quando um agonista está em ação.
Para que tenhamos ideia da importância do sistema de Renshaw no con-
trole do movimento, o bloqueio de suas influências medulares provoca exten-
são tônica do corpo e dos membros, convulsão e morte por parada respiratória.
Nesse sentido, esse sistema representa um primeiro avanço evolutivo no que
se refere a integrar os estímulos neurais para produzir um movimento rítmico
e harmonioso que, em seres humanos, dependerá também da colaboração do
cerebelo e dos gânglios da base, como veremos diante.

1.3.2  Reflexos medulares

Presentes em todos os vertebrados, os reflexos medulares são mediados por cir-


cuitos neurais na medula espinhal, onde os estímulos sensoriais provenientes
de receptores na pele, nos músculos, nos tendões e nas articulações ingressam
na medula pelo corno dorsal da substância cinzenta. Desse modo, influenciam
neurônios agonistas e antagonistas, a fim de produzir resposta motora rápida
e involuntária.
A seguir, estudaremos dois importantes reflexos medulares mediados por
estruturas conhecidas como proprioceptores que auxiliam na manutenção do
tônus postural e na conscientização individual das partes do próprio corpo.

1.4  Fuso muscular e reflexo miotático


O fuso muscular é uma estrutura sensorial localizada paralelamente às fibras
contráteis do músculo esquelético. Em sua região central, existem receptores e
neurônios aferentes sensoriais do tipo Ia e II, que informam constantemente
ao SNC o comprimento do músculo esquelético. Toda vez que as fibras muscu-
lares são esticadas, despolarizam-se, transmitindo a informação a neurônios

18 • capítulo 1
motores medulares responsáveis pela contração dessas mesmas fibras. Essa
resposta motora é um arco reflexo monossináptico conhecido como reflexo
miotático de estiramento.
O reflexo miotático apresenta duas formas de manifestação: a dinâmica e
a estática. O reflexo miotático dinâmico é produzido por um alongamento rá-
pido do músculo. Nesses casos, um forte sinal é imediatamente transmitido à
medula pelas fibras Ia, determinando potente estimulação dos motoneurônios
agonistas. Fibras aferentes Ia são aquelas com maior velocidade de condução
no sistema nervoso; seus axônios mielinizados transmitem a informação sen-
sorial com velocidade entre 72 e 120 m/s.
Embora o reflexo de estiramento dinâmico termine uma fração de segundo
após o músculo ter sido estirado, o reflexo miotático estático, ainda que mais
fraco, mantém-se por um período mais prolongado. Esse reflexo – relacionado
à informação fornecida pelas fibras sensoriais do tipo II também provenientes
da região central do fuso – continua exercendo estímulos excitatórios para a
contração do músculo enquanto ele for mantido com comprimento excessivo.
A ramificação terminal das fibras provenientes do fuso neuromuscular não
se limita aos neurônios motores do músculo agonista, podendo influenciar
também os neurônios motores dos seus antagonistas pelo interneurônio inibi-
tório Ia. Assim, quando as fibras aferentes do fuso muscular são estimuladas,
ocorre não apenas a excitação dos neurônios motores dos músculos que estão
sendo alongados, mas também a inibição dos neurônios que comandam mús-
culos com ação oposta. Esse processo, conhecido como inervação recíproca,
possibilita o movimento reflexo, pois impede que o músculo antagonista inter-
fira na ativação do agonista.
O reflexo miotático influencia no desempenho motor. A perfeita execução
de tarefas motoras – como saltos ou lançamento de objetos – depende de esti-
ramento dos músculos agonistas precedentes à ação e contribui para o ganho
adicional de força durante a fase de aceleração do movimento. Nos casos em
que o reflexo miotático se oponha à ação pretendida, os centros superiores de-
verão interferir reduzindo ou até mesmo inibindo a manifestação medular do
reflexo miotático.
Alguns neurologistas, a fim de avaliar a integridade funcional dos neurônios
sensoriais e motores, induzem o chamado reflexo patelar disparado após súbi-
to estiramento das fibras musculares do quadríceps produzido por uma leve

capítulo 1 • 19
“martelada” no tendão patelar. A resposta motora é o movimento de extensão
do joelho, que pode ser normal, exacerbada (hiperreflexia), fraca (hiporreflexia)
ou ausente (arreflexia) e, em cada um dos casos, revelar o grau de influência
cortical sobre os motoneurônios medulares.
A densidade de receptores do fuso muscular está intimamente associada ao
grau de precisão das tarefas motoras executadas pelo músculo. Desse modo,
músculos posturais apresentam menos fusos que os músculos intrínsecos dos
dedos humanos. Além disso, outra importante função do reflexo miotático é a
manutenção do tônus muscular, que contribui para o equilíbrio postural.
De fato, ao monitorar ininterruptamente o comprimento das fibras mus-
culares, o fuso exerce papel relevante na manutenção do tônus postural para
vencer a força gravitacional, que, constantemente, tende a nos “prender” ao
solo. Nesse contexto, toda vez que músculos posturais do pescoço, da coluna
vertebral e da musculatura posterior da coxa sofrerem ligeiro estiramento pela
ação da gravidade, o reflexo miotático produzirá rápida contração dos mesmos
músculos, necessária à manutenção da postura e do equilíbrio corporal.

1.5  Sistema gama-motor


Embora o fuso muscular não desempenhe função contrátil e sua região central
concentre neurônios aferentes, suas extremidades apresentam sarcômeros ne-
cessários à manutenção de sua função sensorial. Apesar de o estiramento do
músculo ativar o fuso, seu encurtamento reduziria a tensão na parte central
dessa estrutura sensorial impossibilitando sua ativação.
De fato, o tensionamento da parte central do fuso muscular, também cha-
mado fibra intrafusal, indispensável para que as fibras Ia e II permaneçam
sensíveis ao estiramento das fibras contráteis. Nesse contexto, sempre que um
neurônio motor alfa é ativado, ocorre também a ativação de motoneurônios
gama, cuja função é, por meio da contração das extremidades do fuso, mantê
-lo esticado e sempre capaz de monitorar o comprimento do músculo, mesmo
quando este se encontra encurtado.
O sistema gama exerce, assim, papel fundamental na organização da ati-
vidade muscular, estando em grande parte sujeita ao controle da formação
reticular localizada no tronco cerebral. Sua estimulação interfere no limiar
do reflexo miotático e, nesse sentido, influencia no tônus muscular. Assim,

20 • capítulo 1
as terminações sensoriais do fuso não registram o comprimento do músculo,
mas, sim, a diferença de comprimento entre o músculo e o fuso muscular.
Quando as vias descendentes corticais iniciam o movimento voluntário,
ocorre ativação simultânea dos motoneurônios alfa e gama em processo de-
nominado coativação alfa-gama, que representa um meio pelo qual os centros
superiores modulam os circuitos medulares a fim de produzir uma contração
mais intensa. Maior estimulação dos motoneurônios gama produz, pelo au-
mento de excitabilidade do fuso neuromuscular, aumento da magnitude de
contração que potencializará a contração produzida pela estimulação dos mo-
toneurônios alfa.
As fibras aferentes do fuso muscular também podem ativar os motoneurô-
nios gama – embora essa ação não seja monossináptica, sendo feita através de
interneurônios – e produzem efeito mais fraco que o que estabelecem sobre
os motoneurônio alfa. Cumpre salientar que os motoneurônios gama são mais
sensíveis à estimulação dos receptores sensoriais da pele e nervos cutâneos que
às aferências musculares.

1.6  Orgão tendinoso de Golgi e reflexo


miotático inverso

Os órgãos tendinosos de Golgi (OTGs) são receptores sensoriais encapsulados


que se encontram na junção miotendínea, onde fibras colágenas originadas no
tendão se prendem às extremidades de grupos de fibras musculares contráteis.
É inervado pelo axônio aferente Ib, e seu estiramento ocorre sempre quando há
tensão no músculo, seja por contração seja por alongamento. Apesar disso, o
alongamento passivo do músculo não é tão efetivo na ativação dos OTGs.
O OTG origina resposta oposta ao reflexo protagonizado pelo fuso muscular,
sendo, por isso, designado como reflexo miotático inverso. Diante da contração
intensa do músculo, as fibras Ib conduzem à medula os estímulos detectados
no OTG e, por meio do interneurônio inibitório Ib, inibem os motoneurônios
alfa e promovem relaxamento desse músculo. Esse processo, também deno-
minado inibição autogênica, produz um mecanismo de retroalimentação ne-
gativa, impedindo o desenvolvimento de tensão demasiada no músculo. Além

capítulo 1 • 21
disso, os neurônios motores antagonistas são facilitados através de interneurô-
nio excitatório Ib em processo conhecido como excitação recíproca.
A organização reflexa do OTG provoca inibição do agonista e de seus si-
nergistas, sugerindo um tipo de função protetora capaz de evitar microrrup-
turas espontâneas dos tecidos musculotendinosos. O interneurônio Ib recebe
influências não apenas do músculo sob tensão, mas também de sinergistas,
antagonistas, fibras Ia e II, fibras provenientes de receptores articulares e cutâ-
neos e fibras corticoespinhais, rubroespinhais e reticuloespinhais. Isso, entre-
tanto, sugere que, além da função de proteção, o OTG participe de sistema de
feedback contínuo, capaz de regular a tensão muscular da mesma forma que
fuso neuromuscular regula o comprimento do músculo.
Um comando particular para o músculo pode acarretar ampla variação da
força durante a contração. Os OTGs, ao fornecerem ao SNC um sinal propor-
cional à tensão desenvolvida pelo músculo, procuram compensar todas essas
variações, e, caso o sinal por ele enviado não corresponda ao valor especificado
pelo sinal de controle, a discrepância é detectada pelos motoneurônios, que
imediatamente corrigem o erro.
A importância funcional dessa convergência pode ser considerada no con-
texto do controle fino da força de preensão durante a manipulação física de ob-
jetos. Por exemplo, ao segurarmos um livro entre os dedos indicador e polegar,
se nossa força for insuficiente para sustentar o objeto e ele começar a deslizar
entre esses dedos, receptores cutâneos poderão enviar estímulos inibitórios ao
interneurônio Ib e reduzir a ação dos dedos a fim de promover aumento da for-
ça de preensão que interrompa esse deslizamento.
Anormalidades no funcionamento das fibras Ib que diminuam suas in-
fluências medulares podem ter participação nas alterações do tônus e mani-
festam-se por meio da espasticidade e rigidez muscular. Nesse sentido, a es-
pasticidade é normalmente acompanhada pela resistência em canivete, e os
reflexos de contração são exagerados; logo, ocorre aumento da responsividade
dos neurônios motores alfa ao estímulo sensorial do tipo Ia. O fenômeno do
canivete refere-se à grande resistência durante a faixa inicial de amplitude de
movimento frente à manipulação passiva dos membros e ao rápido declínio da
resistência quando a amplitude da movimentação do membro é aumentada.
A resistência da resposta inicial em canivete decorre da hiperatividade do
reflexo miotático, enquanto o OTG provavelmente está relacionado ao desen-
cadeamento súbito desse reflexo de estiramento. É provável que tal fenômeno

22 • capítulo 1
seja mediado por efeitos inibitórios centrais dos grupos aferentes III e IV prove-
nientes das fibras musculares que respondem a estímulos térmicos, químicos
e mecânicos.
Em síntese, o OTG participa no processo de regulação da intensidade da con-
tração muscular e possibilita controlar o grau de cooperação entre os músculos
sinérgicos. Tal como acontece com as fibras do fuso muscular, as fibras Ib uti-
lizam um processo de inervação recíproca que torna sua ação mais abrangente.
As conexões que se estabelecem com interneurônios excitatórios constituem a
base de reflexos polissinápticos facilitadores dos músculos antagonistas.
Metodologias de treinamento esportivo que objetivam aumentar a flexibili-
dade utilizam,há várias décadas, aplicações da facilitação neuroproprioceptiva
relacionada à execução de intensa contração muscular com auxílio externo de
contenção sobre um músculo previamente estirado. Tal medida visa ativar o
OTG e induzir resposta reflexa de relaxamento que possibilite maior amplitude
articular . Apesar disso, a aplicação da inibição autogênica ainda não é muito
compreendida nos esportes, principalmente a respeito das necessárias adapta-
ções sobre músculos treinados e com maior capacidade de desenvolver tensão.

1.7  Outros reflexos posturais complexos


Outros reflexos são muito mais complexos e contribuem de maneira efetiva na
recuperação do equilíbrio postural subitamente perdido. Suponhamos que, ca-
minhando descalços por uma rua, quando iniciamos a fase de apoio do pé no
solo, sintamos a ponta de um prego espetar a epiderme do dedo direito; ime-
diatamente ativamos nocirreceptores que enviam rapidamente a informação
à substância cinzenta localizada na medula. Nesse local, o neurônio aferente
faz sinapse com o motoneurônio alfa que ativa os músculos responsáveis pela
flexão do quadril e do joelho. Ao mesmo tempo, o neurônio aferente precisa
comunicar-se com um interneurônio capaz de inibir a contração dos músculos
extensores da mesma perna, a fim de que não haja oposição a esse movimento
reflexo de proteção.
O processo anteriormente descrito é denominado reflexo de inibição recí-
proca e quase sempre está associado ao reflexo de extensão cruzada. Neste úl-
timo, percebe-se que o mesmo neurônio aferente, cujo receptor dendrítico foi
ativado com o prego, também se comunica com interneurônios que cruzam a

capítulo 1 • 23
medula para o lado esquerdo do corpo. Isso induz a inibição dos músculos fle-
xores e a ativação dos músculos extensores da perna esquerda para que mante-
nhamos a postura ortostática independentemente da ativação de outro reflexo,
que retira do solo uma de nossas pernas.

1.8  Núcleos do tronco


O córtex motor é capaz de controlar a motricidade humana pelas vias piramidal
e extrapiramidal. A via extrapiramidal é composta pelos tratos vestibuloespi-
nal, reticuloespinal, tetoespinal e rubroespinal e representa um meio de con-
trole indireto do córtex sobre os motoneurônios medulares. Ambas as vias se
originam no tronco cerebral; isso possibilita que essa região seja responsável
pelo controle de inúmeros reflexos posturais sem necessidade de participação
de áreas de processamento cortical.
Os núcleos motores do tronco cerebral influenciam diretamente os neurô-
nios motores da medula e os núcleos motores dos nervos cranianos. Na medu-
la, os núcleos do tronco exercem controle sobre o grupo de neurônios na região
central da substância cinzenta (formando a via medial), podendo também in-
fluenciar os grupos de neurônios localizados nas laterais da substância cinzen-
ta (formando a via lateral). As vias medial e lateral controlam respectivamente
a musculatura axial e apendicular proximal (antebraço e ombros), bem como a
musculatura apendicular distal (braços, pernas, mãos e pés), e, conforme dito,
representam uma possibilidade de controle extrapiramidal do movimento.
O núcleo rubro é o único pertencente ao sistema lateral e localiza-se no me-
sencéfalo, recebendo constantes influências corticais e cerebelares. Origem o
trato rubroespinhal, que desce contra lateralmente pela via lateral, influencian-
do os interneurônios medulares, que facilitam diretamente a flexão do mem-
bro superior contralateral e, indiretamente, os núcleos reticulares bulbares.
A formação reticular é uma área situada longitudinalmente entre a ponte
e o bulbo, a qual concentra os núcleos reticulobulbar e pontino. Ambos agem
de maneira antagônica por meio dos tratos reticulobulbar e reticulopontino,
e recebem influências do córtex motor, do vestíbulo-cerebelo e de núcleos
vestibulares.

24 • capítulo 1
O trato reticulopontino envia sinais excitatórios para os motoneurônios dos
músculos axiais e proximais que sustentam o corpo contra a gravidade como os
extensores da coluna e dos membros inferiores. Colaboram para manutenção
do bipedismo em humanos bem como da postura dos demais mamíferos qua-
drúpedes. Estes núcleos além de serem facilmente excitados, são tonicamente
estimulados pelos núcleos vestibulares e pelos núcleos profundos do cerebelo
(vestíbulo-cerebelo).
Já o trato reticulobulbar, envia sinais inibitórios para os mesmos neurô-
nios motores controlados pelo trato reticulopontino, amortecendo os efeitos
excitatórios dele provenientes e, com isso, facilitando os movimentos de flexão
dos membros. O núcleo reticulobulbar recebe influências dos tratos corticoes-
pinhal e rubroespinhal, mantendo-o em estado de ativação tônica necessária
para que nossos músculos não fiquem rígidos.
Entretanto, quando pretendemos nos levantar de uma cadeira, o córtex
motor reduz o efeito inibitório sobre o núcleo reticulobulbar, que libera a ação
do núcleo reticulopontino, resultando na contração dos músculos extensores.
Em outras ocasiões, o córtex pode gerar influências sobre os núcleos bulbares
a fim de que a musculatura extensora não se oponha ao movimento pretendi-
do. Assim, influências corticais garantem, por meio de ajustes antecipatórios,
o equilíbrio entre essas duas ações antagônicas.
A formação reticular – apesar de estar primitivamente associada a regula-
ções posturais por meio de influências reticuloespinhais –, posteriormente,
com o desenvolvimento das estruturas nervosas superiores, tornou-se também
responsável pelo ciclo sono-vigília e pela atenção necessária a fim de que o cór-
tex cerebral receba as informações sensoriais relevantes para tomada de deci-
são, constituindo o chamado sistema reticular ativador ascendente (SRAA).
De igual modo, as fibras dos feixes reticuloespinais desempenham papel es-
pecialmente importante na regulação da excitabilidade da medula, sobretudo
no que concerne à atividade dos motoneurônios gama, sendo fundamental na
manutenção da contração dos músculos antigravitacionais e do tônus.
O trato vestibuloespinhal origina-se no núcleo vestibular do bulbo para
onde convergem aferências do labirinto necessárias ao equilíbrio somático. O
núcleo vestibular apresenta uma divisão lateral (responsável pelos ajustes pos-
turais para manutenção do equilíbrio de todo o corpo) e uma divisão medial
(responsável por ajustes posturais da cabeça e do tronco).

capítulo 1 • 25
Aferências vestibulares também chegam ao vestíbulo-cerebelo, região do
cerebelo capaz de influenciar o trato vestibuloespinhal. Dessa maneira, quan-
do sofremos súbitas acelerações ou mudanças de orientação espacial da cabe-
ça, a manifestação dos reflexos vestibulares evita a nossa queda.
Um último núcleo do tronco cerebral integrante do sistema medial e res-
ponsável pela orientação sensorimotora da cabeça é o núcleo do colículo supe-
rior. Localizado no mesencéfalo, ele recebe influências da retina, dos córtices
visual e auditivo, bem como de áreas somestésicas de associação sensorial lo-
calizadas no córtex cerebral. Origina o trato tetoespinhal, que possibilita movi-
mentos de orientação da cabeça em direção a estímulos visuais e auditivos de
natureza tanto reflexa como voluntária.
Assim como na medula, existe no tronco cerebral extensa rede de neurô-
nios que possibilitam a integração entre os neurônios dos núcleos sensitivos
e motores, sendo, por isso, responsáveis por vários dos reflexos descritos. Tais
conexões integrativas – de um modo geral, realizadas pela formação reticular
e pelo fascículo longitudinal medial – possibilitam que, com exceção do olfa-
to, informações originadas em vários órgãos sensoriais sejam utilizadas não só
para estruturar as reações reflexas do tronco cerebral, mas também para man-
ter o equilíbrio postural do nosso corpo.

1.9  Receptores sensoriais no controle da


postura

A manutenção da postura bípede de seres humanos desafia a força da gravidade


e só pode ser mantida pela contração de determinados grupamentos muscula-
res, que estabilizam a posição das articulações do tronco e do membro inferior.
Os músculos que desempenham essas funções são designados antigravitacio-
nais, e sua contração é determinada subconscientemente.
Os receptores sensoriais dos fusos musculares e também os receptores ves-
tibulares, articulares, cutâneos, visuais e auditivos informam sobre as altera-
ções de posição e movimento corporal, sendo capazes de desencadear, prin-
cipalmente na medula e nos núcleos vestibulares, mecanismos inconscientes
muito rápidos que atuarão nos motoneurônios medulares, promovendo os
ajustamentos necessários para manutenção postural. Só assim conseguimos

26 • capítulo 1
produzir compensações quase imediatas, que nos permitem manter o equilí-
brio em situações repentinas de grande instabilidade como no exemplo ante-
rior quando recebíamos um súbito empurrão pelas costas.
A posição da cabeça também parece importante para o equilíbrio, pois in-
fluencia na posição das partes restantes do corpo. Contribuição fundamental
para a informação sobre a posição da cabeça é fornecida pelos receptores vesti-
bulares do ouvido interno, sensíveis às alterações de posição e velocidade desse
segmento e que, como vimos, se conectam diretamente com o núcleo tetoespi-
nhal, o qual integra a via medial e contribui para expressar reflexos posturais.
Conforme abordado, o fuso neuromuscular e o reflexo miotático também
têm ação muito importante na regulação automática do comprimento dos
músculos antigravitacionais, especialmente no pescoço. Dada a sua grande
velocidade, o reflexo miotático constitui um mecanismo que vigia constante-
mente o comprimento do músculo, contrariando imediatamente toda força
inesperada que produza o seu alongamento. Mais uma vez, cumpre salientar
que a sensibilidade ao reflexo miotático varia em função do nível de atividade
dos motoneurônios gama, que dependem em grande parte do controle exerci-
do pela formação reticular.
Os receptores articulares informam acerca da posição e do movimento re-
lativo dos diferentes segmentos corporais, fornecendo também informações
importantes para a manutenção do equilíbrio. Destacam-se os receptores
articulares da coluna cervical, que possibilitam controlar a orientação da ca-
beça em relação ao resto do corpo, e os receptores de pressão localizados na
região plantar dos pés, que informam constantemente como o peso do corpo
se encontra distribuído em sua base de sustentação, antecipando, assim, pos-
síveis desequilíbrios.
Apesar de dispensável para manter o equilíbrio, a visão pode exercer tam-
bém um papel importante nesse processo. A percepção da posição e do movi-
mento relativo do corpo em relação aos objetos abrangidos por nosso campo
visual é uma das maneiras de nos localizarmos no espaço e de se determinar a
nossa posição em relação ao eixo vertical. Do mesmo modo, a audição contri-
bui para a identificação da posição do corpo no espaço por meio da determina-
ção da origem dos sons.
Todas essas vias aferentes sensoriais que informam o posicionamento e a
movimentação do corpo no espaço controlam o tônus postural e a manifesta-
ção de reflexos de endireitamento do corpo, são integradas no tronco cerebral e

capítulo 1 • 27
produzem reflexos posturais por meio da comunicação com diferentes núcleos
motores ali localizados. Mesmo assim, as informações sensoriais acerca do am-
biente interno e externo precisam alcançar as áreas corticais superiores para
que sejam adequadamente processadas, possam modificar o comportamento
e, consequentemente, você de fato possa aprender, apresentando respostas
motoras mais eficientes do que os reflexos.

1.10  Regulação cortical do movimento

A cabeça é ingênua. O corpo é genial. Não sei porque não aprendi mais cedo sua
força criadora, por que não compreendi, quando mais jovem, que somente um corpo
glorioso poderia ser real. Eu celebro esse porquê no crepúsculo de minha vida para
que meus sucessores tenham conhecimento dele. Estudem, aprendam, certamente
sempre restará alguma coisa, mas, sobretudo, treinem o corpo e confiem nele, pois
ele se lembra de tudo, sem qualquer dificuldade ou impedimento. O que nos distingue
das máquinas é unicamente nossa carne divina; a inteligência humana se distingue da
artificial apenas pelo corpo.
Michel Serres

Com o desenvolvimento do neocórtex dos mamíferos há cerca de 230 milhões


de anos, o progressivo aumento do número e da complexidade dos estímulos
sensitivos gerais (sensibilidade tátil, térmica, dolorosa e profunda) e sensoriais
(gustação, audição e principalmente visão) – que passaram a ser processados
pelo SNC – requereu também o desenvolvimento de uma estrutura receptora e
integradora de todas essas eferências.
Antes disso, a via corticoespinhal servia apenas para ajustar o nível da ati-
vidade das aferências sensoriais sobre os interneurônios e motoneurônios da
medula, função que se mantém atualmente, mesmo nos organismos mais so-
fisticados. Essa é uma via que evoluiu paralelamente ao uso coordenado dos de-
dos, tendo o maior grau de dimensão e complexidade sináptica nos primatas,
especialmente nos seres humanos.
Os conglomerados de núcleos desenvolvidos na base de cada hemisfé-
rio cerebral – ali localizados para receber e integrar os estímulos sensoriais

28 • capítulo 1
– constituíram os tálamos que então se situaram sobre o topo do sistema ner-
voso já preexistente. O desenvolvimento evolutivo dos tálamos ocorreu conco-
mitante com o dos hemisférios cerebrais dada as estreitas inter-relações destas
estruturas. Tal integração se constitui principalmente por projeções talâmicas
e geram situação de interdependência entre o diencéfalo e o telencéfalo, que se
refletem praticamente sobre todas as funções corticais.
Vias descendentes originárias do córtex motor podem influenciar os neurô-
nios motores da medula ou do tronco cerebral direta ou indiretamente através
de interneurônios, sendo sua principal função recrutar motoneurônios do gru-
po lateral responsáveis pelos movimentos finos e precisos da mão, dos dedos
e da fala.
A principal via descendente de controle motor cortical é o trato corticoes-
pinhal. Cerca de metade dessa via origina-se da área motora primária (área
A4), 30% da área pré-motora e o restante de áreas somestésicas adjacentes que
também regulam as entradas sensoriais para diferentes partes do cérebro. Esse
trato, também chamado de via piramidal, passa pelo telencéfalo, diencéfalo,
mesencéfalo, e, em seguida, a maioria das fibras cruza a linha média sobre as
pirâmides bulbares, formando a chamada de cussação das pirâmides para, a
partir daí, continuar descendo pela medula através do funículo lateral chama-
do trato corticoespinhal lateral.
O trato corticoespinhal lateral influencia os motoneurônios contralaterais,
que controlam os músculos distais dos membros. Os colaterais dessa via in-
fluenciam o núcleo rubro (que origina o trato rubroespinhal), funcionalmente
associado ao controle dos mesmos músculos distais dos membros. Desses co-
laterais também partem fibras que influenciam os núcleos motores contralate-
rais dos nervos cranianos, dentre os quais se destaca o sétimo, responsável pela
contração dos músculos da face e manifestação das expressões faciais para a
comunicação não verbal.
Alguns neurônios provenientes do córtex motor que não cruzaram as pirâ-
mides bulbares descem homolateralmente pelo funículo ventromedial para
originar o trato corticoespinhal medial, porém, na medula, essas fibras cruzam
para o lado contralateral. Assim todos os neurônios corticais motores exercem
controle sobre os músculos do lado oposto do corpo. O trato corticoespinhal
medial tem projeção bilateral e influencia os motoneurônios que controlam os
músculos axiais e proximais dos membros.

capítulo 1 • 29
Percebe-se, com isso, que o córtex motor possui projeções de neurônios ca-
pazes de controlar diretamente os motoneurônios medulares e também indi-
retamente, através dos núcleos motores do tronco cerebral, sejam eles perten-
centes ao sistema lateral ou ao sistema medial.
Os tratos que partem do córtex motor para influenciar núcleos motores do
tronco cerebral são o corticorreticular e o corticovestibular e como explicado
anteriormente, irão constituir a via extrapiramidal. O trato corticorreticular
influencia os neurônios dos núcleos da formação reticular (pontino e bulbar)
originando o trato retículo-espinhal e o corticovestibular influencia o núcleo
vestibular, dando origem ao trato vestibuloespinhal. De modo geral, as influên-
cias corticais sobre os núcleos motores do tronco cerebral são de natureza ini-
bitória, modulando as respectivas atividades de controle da postura e do equi-
líbrio do corpo.

1.11  Córtex Motor

O cérebro é o parasita ou o pensionista do organismo inteiro.


Arthur Schopenhauer

O funcionamento completo do sistema motor não se restringe a comandos di-


retos sobre os músculos através dos motoneurônios medulares. Diz respeito,
também, a influências corticais que planejam e elaboram o plano motor ideali-
zado, que modula os reflexos e refina o movimento a ponte de ele se manifestar
fluida e coordenadamente.
Enquanto o sistema nervoso sensorial nos proporciona uma representação
do mundo exterior e do estado interno do corpo, o processamento motor ela-
bora o plano motor de um movimento desejado e, com o auxílio de estruturas
moduladoras como o cerebelo e gânglios da base, estabelece as características
do comportamento motor.
A imagem mental do mundo exterior e do nosso próprio corpo colabora para
a elaboração do plano motor com suas posturas e combinações de movimentos
e partes do corpo. Ao contrário do sistema sensorial, que transforma os sinais
físicos e químicos do ambiente em sinais neurais, o sistema motor processa os

30 • capítulo 1
sinais neurais em comandos ordenados que determinarão no músculo a força
contrátil necessária para determinado movimento. Assim como nossa percep-
ção reside em detectar, analisar e estimar o significado dos estímulos ambien-
tais, nossa habilidade motora reflete a capacidade do sistema motor em pla-
nejar, coordenar e executar os movimentos. Nessa linha de produção, as fibras
musculares são os elementos finais que traduzem em força contrátil os códigos
neurais do movimento pretendido.

1.12  Córtex motor


Em seres humanos, o córtex motor encontra-se anatomicamente localizado
em extensa área do lobo frontal no giro pré-central dorsal imediatamente ante-
rior ao sulco central. Intimamente associado ao córtex somestésico sensorial,
o córtex motor inicia-se na fissura silviana e se espalha superiormente para a
região cerebral, onde se dobra para dentro da fissura longitudinal. Cada uma
das áreas funcionalmente responsáveis pelo planejamento, controle e execu-
ção dos movimentos voluntários já foi adequadamente identificada.
Localizada na porção dorsal do lobo frontal e responsável pela execução do
movimento através do envio de sinais para os núcleos motores do tronco cere-
bral e/ou para neurônios motores medulares está a área motora primária (A4).
Essa região funciona intimamente ligada às áreas de elaboração dos planos
motores conhecidas como área pré-motora (APM) e área motora suplementar
(AMS). Localizada anteriormente à área A4 está a área motora cingulada (A24
ou MC), associada à conotação afetiva da motricidade.
O planejamento motor realizado pelas áreas APM e AMS recebe informa-
ções do lobo pré-frontal e córtex parietal, de onde provêm os estímulos voliti-
vos, representados pela intenção do movimento. Essas áreas recebem auxílio
do cerebelo e de gânglios da base, estruturas que colaboram para a coordena-
ção, o controle e o ajuste fino do movimento, assegurando que este ocorra de
forma fluida e precisa.
A organização e o envio do plano motor podem requerer, antes da sua execu-
ção, uma estratégia motora, seguida da elaboração dos seus aspectos táticos. Se
estivermos sentados em sala de aula e precisarmos sair para ir ao banheiro, sa-
bemos o que fazer: levantar, andar até a porta, abri-la e sair. Essa descrição abs-
trata corresponde à estratégia necessária à emissão daquele comportamento

capítulo 1 • 31
motor. Se a sala estiver cheia, estivermos longe da porta e não quisermos inco-
modar o professor, esse aspecto estratégico deverá incluir o planejamento do
caminho a ser percorrido entre as cadeiras para chegarmos até a porta.
Já o aspecto tático se refere ao padrão de ativação sequencial dos músculos
necessários à realização do plano motor, cujo aspecto estratégico já está defi-
nido. Portanto, no exemplo aqui considerado, precisamos inicialmente nos le-
vantar da cadeira e só então iniciar o movimento de marcha na trajetória que
nos levará até a porta. A definição do conjunto de músculos, e de que forma
deverão ser recrutados e ativados para chegarmos ao nosso destino, é o que ca-
racteriza o aspecto tático do plano motor. Uma vez definidos os aspectos estra-
tégicos e táticos do plano motor, passa-se à execução do movimento por meio
de estruturas que converterão esse plano em uma sequência de contrações e
relaxamentos musculares, os quais comporão a atividade motora propriamen-
te dita.
As áreas corticais de associação e os gânglios da base são estruturas neurais
envolvidas mais diretamente na preparação de uma estratégia motora. Já a ela-
boração dos aspectos táticos é responsabilidade mais direta do córtex motor e
do cerebelo. A ativação de interneurônios e motoneurônios participa tanto da
geração quanto das correções dos movimentos; logo, a execução do plano mo-
tor é de responsabilidade da medula espinal e de núcleos do tronco cerebral.
Um aspecto muito importante do comportamento motor é que ele não pode
ser caracterizado apenas por movimentos dos membros. A estabilidade postu-
ral e axial também é um aspecto de extremo valor na sua organização. Podemos
entender a importância da estabilidade quando nos lembramos de que a postu-
ra de um indivíduo é parte integrante de qualquer movimento.
No exemplo anterior, se estamos sentados e decidimos ir à porta, não inicia-
mos a execução dos movimentos de marcha antes de nos levantarmos e adotar-
mos a postura ereta, sobre a qual os movimentos de marcha serão realizados.
Muitas vezes, nosso objetivo é a adoção de uma postura na qual a estabilidade
seja o resultado motor que se deseja – por exemplo, quando queremos escrever
em pé no quadro-negro ou precisamos picar salsa sobre a bancada da cozinha.
Nesse contexto, a motricidade voluntária deve ser compreendida como a suces-
são de posturas e movimentos: os movimentos eficazes são possíveis desde que
realizados sobre posturas adequadas, que, por sua vez, só são obtidas por meio
de movimentos previamente planejados.

32 • capítulo 1
1.13  Integração das áreas motoras do córtex
cerebral – A construção do movimento

A área A4 inicia o movimento voluntário depois que as áreas APM e AMS o pla-
nejaram. Todas essas regiões estão densamente conectadas entre si e com as
áreas somestésicas e associativas dos lobos frontal e parietal. Para que se reali-
ze o movimento desejado, é necessária uma via pela qual o córtex possa enviar
os comandos neurais para a medula e para o tronco encefálico.
Conforme mencionado, o córtex motor primário inicia o movimento volun-
tário, enviando seus axônios em direção à medula pela via piramidal. Os corpos
neurocorticais que originam essa via estão situados na camada V (neurônios
piramidais magnocelulares ou células de Betz) e podem constituir vias que in-
teragem com os núcleos motores do tronco cerebral e com os neurônios moto-
res da medula.
No córtex motor primário, existe representação topográfica das partes do
corpo, conhecida como homúnculo motor. A área responsável pelo controle
dos músculos da face e da boca localiza-se perto da fissura silviana, aquela res-
ponsável pelo controle dos braços e das mãos em sua porção média e a área res-
ponsável pelo controle do tronco, próximo ao ápice cerebral. Ao lado da fissura
longitudinal, encontram-se as áreas responsáveis pelo controle das pernas e
dos pés. É importante ressaltar que mais da metade de todo o córtex motor está
relacionado com o controle das mãos e dos músculos da fala.
De fato, assim como para área somestésica, que também possui um homún-
culo sensorial, na área A4 as partes do corpo envolvidas com movimentos de
alta precisão, como as mãos e a face, apresentam representações mais privi-
legiadas. Nesse sentido, encontra-se bem evidenciado que tanto o homúnculo
sensorial como o motor são estruturas plásticas que podem modificar-se em
função da experiência.
Do ponto de vista clínico, o homúnculo motor explica porque rupturas da
artéria cerebral que nutre a face medial do giro pré-central causam complica-
ções motoras nas pernas, e rupturas da artéria que nutre a face dorso-lateral
geram distúrbios no controle dos músculos da fala.
Apesar de responsável pela execução do movimento, a estimulação de re-
giões do córtex motor primário não provoca contração de um único músculo,
mas, sim, de todo o movimento planejado. Mesmo quando estimulamos um

capítulo 1 • 33
único neurônio cortical, a resposta requer a contração de vários músculos.
Assim, os motoneurônios corticais são capazes de influenciar vários neurônios
motores, compondo os chamados circuitos divergentes.
Por outro lado, já se evidenciou a existência de circuitos convergentes, em
que vários axônios da área motora primária convergem para um único moto-
neurônio medular. Dessa maneira, lesão em determinadas regiões da área A4
pode afetar de imprevisivelmente a manifestação motora de um indivíduo.
Graças à chegada de informações sensoriais provenientes da área somesté-
sica, quando o movimento já está sendo executado, os neurônios corticais mo-
tores são informados constantemente sobre as características do movimento
que está sendo realizado. Isso ocorre com a colaboração de percepções senso-
riais visuais, auditivas, táteis e principalmente proprioceptivas.
Tais informações aferentes durante o movimento alcançam o córtex motor
primário através do tálamo, região por onde também chegam as influências
aferentes do espinocerebelo, com as reprogramações necessárias que tornem
o movimento mais próximo do plano motor idealizado.

1.14  Organização funcional do córtex pré-motor


O plano motor – um conjunto de parâmetros necessários para a realização de
um movimento complexo e aprendido – define o objetivo, a velocidade e a força
dele. É elaborado no córtex pré-motor com o auxílio das informações cerebela-
res e dos gânglios da base, que inibem os excessos de movimento.
O córtex pré-motor é representado pelas áreas APM e AMS,que também pos-
suem organização somatotrópica e certa capacidade de controlar o movimen-
to. Estímulos elétricos na APM provocam contrações musculares coordenadas
em mais de uma articulação, enquanto que, na AMS, programam as sequências
motoras e coordenam os movimentos bilaterais.
Evidências recentes sugerem que a área A4 recebe projeções neuronais de
pelo menos seis áreas pré-motoras: duas localizadas na superfície lateral de
cada hemisfério (áreas pré-motora ventral e dorsal) e quatro localizadas na par-
te medial dos hemisférios (a área motora suplementar e três áreas cinguladas).
Todas essas áreas também podem comunicar-se diretamente com a medu-
la espinhal, fazendo sinapses principalmente com neurônios ou circuitos de
controle dos movimentos das mãos. Dessa maneira, é possível que cada área

34 • capítulo 1
pré-motora funcione como um sistema eferente distinto, capaz de gerar e con-
trolar aspectos específicos do comportamento motor.
Tradicionalmente, acredita-se que a APM esteja envolvida no controle dos
músculos proximais que projetam os braços para o alvo. Essa região é ainda
pouco compreendida, mas sabe-se que recebe muitas aferências do córtex as-
sociativo parietal e da AMS, e como dissemos, projeta axônios para a área A4.
Essa área também envia projeções para os motoneurônios medulares que con-
trolam os músculos axiais e proximais e para os núcleos motores do tronco,
especialmente os núcleos reticulares.
Pelas conexões, deduz-se que a APM participe no controle da estabilização
do corpo no sentido de posicioná-lo para uma tarefa específica dos músculos
distais. Nesse contexto, acredita-se que essa área planeje os movimentos com
base nas informações sensoriais, sendo de grande relevância para o aprendiza-
do motor.
As estimulações elétricas na AMS requerem alta intensidade e precisam ser
duradouras; quase sempre resultam em movimentos que orientam o corpo, a
abertura e fechamento das mãos de ambos os lados do corpo. Enquanto os mo-
vimentos dos músculos proximais são recrutados diretamente pelas projeções
corticoespinhais originadas nessa área, os movimentos dos músculos distais
são mediados indiretamente pelo córtex motor primário. Acredita-se que a área
AMS planeje os movimentos com base na memória motora ou nas experiências
previamente vivenciadas.
Enquanto lesões no córtex motor primário promovem alterações discretas
na execução do movimento, aquelas referentes ao córtex pré-motor produzem
deficiências motoras graves, pois comprometem o planejamento dos movimen-
tos voluntários. Indivíduos com lesões no córtex pré-motor podem ser capazes
de realizar tarefas voluntárias de baixa complexidade, como pegar uma chave
em cima da mesa, porém são incapazes de realizar tarefas coordenadas, como
abotoar uma camisa. Tais déficits motores relacionados ao comprometimento
das tarefas motoras amplamente aprendidas são chamados apraxias motoras.
Acredita-se que o maior ou menor envolvimento de áreas corticais e de ou-
tras regiões do sistema nervoso dependa fundamentalmente dos fatores inter-
nos e externos que guiam a execução de um movimento. Assim, a AMS seria re-
crutada,na maioria dos casos, em tarefas guiadas internamente. Em contraste,
a APM tornar-se-ia mais dominante em tarefas que dependessem de informa-
ções externas quando o movimento precisa ser guiado por aferências visuais,
auditivas ou somáticas.

capítulo 1 • 35
Consistente com essa concepção teórica é a evidência anatômica de que a
área motora suplementar recebe extensas projeções do córtex pré-frontal e dos
núcleos da base. Em conjunto, essas estruturas integrariam informações rela-
cionadas ao estado motivacional e associadas aos objetivos internos do orga-
nismo. Por outro lado, o córtex pré-motor é muito inervado pelo córtex parietal
posterior e pelo cerebelo, áreas relacionadas à construção de representações
perceptivas extraídas de várias modalidades sensoriais, tais como a visão, a au-
dição e a somestesia.
Em resumo, um circuito que inclui o córtex parietal posterior, o córtex pré-
motor e o cerebelo é essencial na elaboração de movimentos externamente
guiados por pistas espaciais. Esse circuito provavelmente domina a integração
motora durante os estágios iniciais da aprendizagem motora. Outro circuito
– associado ao córtex pré-frontal, à área motora suplementar, aos núcleos da
base e também ao lobo temporal – torna-se dominante quando uma tarefa mo-
tora já aprendida é desencadeada pela representação interna de uma ação que
se deseja executar.
Se considerarmos esses dois circuitos em conjunto, sem distinguir um
comportamento motor quanto ao grau de habilidade com que é executado,
podemos expressar muito sistematicamente a essência do papel cortical na
integração motora. A porção mais anterior do lobo frontal (áreas pré-frontais)
é considerada a mais diretamente relacionada à elaboração de pensamentos
abstratos, decisões a serem tomadas e antecipação das possíveis consequên-
cias de uma ação a ser executada. Essas áreas pré-frontais, em conjunto com
o córtex parietal posterior, representam os níveis mais elevados na hierarquia
do controle motor, onde decisões são tomadas quanto a qual ação executar, e
considerações são ponderadas quanto às suas possíveis consequências.
Tanto as áreas pré-frontais quanto o córtex parietal posterior projetam-se
sobre a área 6, que abrange a área pré-motora e a área motora suplementar.
Ambas, que também contribuem com axônios do trato corticoespinhal, co-
locam-se como intermediárias que possibilitam que sinais codificando as
ações desejadas sejam convertidos em sinais codificando as ações que serão
executadas.
No entanto, no processo de elaboração e execução de um plano motor, os
vários circuitos do córtex cerebral, são maciçamente auxiliados por estruturas
subcorticais, destacando-se o cerebelo e os núcleos da base, estruturas impor-
tantes por sua participação fisiológica na organização motora.

36 • capítulo 1
Quando executamos determinado movimento voluntário, somente nos
preocupamos conscientemente com uma parte muito restrita das ações muscu-
lares que desenvolvemos. Para que o movimento seja possível, tem de ser asse-
gurado todo um conjunto de aspectos, como o equilíbrio, a regulação do tônus
muscular e a estabilidade das articulações corporais. O conjunto de respostas
automáticas controladas pela medula e tronco cerebral liberta o córtex cere-
bral que só tem de se preocupar com a iniciação e o fim dos movimentos dos
segmentos mais distais, e a regulação da sua velocidade, direção e sequência.
A aquisição evolutiva do córtex cerebral possibilitou que os organismos não
se restringissem a organizar apenas reflexos motores estereotipados, em res-
posta a estímulos sensoriais, e padrões rítmicos e pré-programados de movi-
mento. Os circuitos neurais permitem que um organismo execute movimentos
complexos, em função de objetivos internos relacionados ao seu estado moti-
vacional, controlando a execução de um plano motor a partir de múltiplas afe-
rências sensoriais, e aperfeiçoando a elaboração desse plano em função de um
processo de aprendizagem.
Já as estruturas subcorticais, tais como o cerebelo e os núcleos da base, es-
tão menos envolvidas na escolha de um plano motor e mais relacionadas a pro-
cessos que garantam a execução do plano motor selecionado, da maneira mais
eficiente possível. Essas ideias encontram suporte na verificação de que lesões
corticais podem levar a desordens da representação dos movimentos, tais
como as observadas na apraxia, onde são criadas respostas incorretas. Lesões
de estruturas subcorticais interferem menos com a seleção de uma resposta
motora, fazendo a ação motora escolhida ser executada de maneira menos efi-
ciente ou otimizada.

1.15  Estruturas subcorticais que participam


do refinamento motor – Cerebelo e gânglios
da base
As informações sensoriais necessárias à construção da imagem do movimento
provêm do córtex associativo parietal posterior, onde as informações somesté-
sicas visuais são integradas. Essas áreas são intensamente conectadas com o
lobo frontal, particularmente com a área pré-frontal, que desempenha funções

capítulo 1 • 37
complexas como pensamento, tomada de decisões e a antecipação das conse-
quências das ações (previsão).
Os neurônios corticais dessas áreas associativas se direcionam para o córtex
pré-motor, que seria o ponto de convergência da vontade de realizar determi-
nado movimento do corpo e o local onde esse movimento seria esquematiza-
do. Após a colaboração das mencionadas estruturas subcorticais, vias descen-
dentes representadas pelos tratos corticoespinhal e corticonuclear recrutam
neurônios motores medulares específicos para a execução da tarefa voluntá-
ria, mas não sem, antes, consultar o cerebelo e os gânglios da base, estrutura
responsáveis pelos ajustes finos necessários ao movimento voluntário fluido
e preciso.
Discutiremos, agora, o importante papel das estruturas subcorticais repre-
sentadas pelos núcleos ou gânglios da base e pelo cerebelo, que possibilitam
tais ajustes do movimento e de sua coordenação temporal.

1.16  Cerebelo
O cerebelo é uma estrutura com córtex superficial intimamente conectado ao
tronco cerebral que contém dois terços dos neurônios de todo o SNC . Apesar
da elevada densidade neuronal, que supera inclusive a do córtex cerebral, o
cerebelo só funciona em nível inconsciente, dedicando-se exclusivamente aos
ajustes das motricidades voluntária e involuntária.
Apesar de nunca iniciar o movimento, o cerebelo influencia indiretamente
os neurônios motores medulares por meio de comunicações com o tronco e
o córtex cerebral. Nesse sentido, existem evidências de que o cerebelo partici-
pe na ordenação temporal da motricidade e na programação sequencial dos
movimentos voluntários, auxiliando no controle da intensidade da contração
durante a execução do movimento e colocando o movimento planejado em
uma sequência ordenada, ao mesmo tempo em que realiza ajustes necessários
durante a execução. Sua lesão provoca alterações da motricidade, como incoor-
denação dos movimentos dos membros e dos olhos, atonia muscular e dese-
quilíbrio postural.
Para desempenhar suas funções, o cerebelo recebe aferências do córtex
associativo e do pré-motor, além de informações vestibulares, somestésicas,
visuais e auditivas. Ao receber das áreas pré-motoras informações acerca das

38 • capítulo 1
características do movimento a ser executado, ele pode realizar correções ante-
cipadas que se aproximem do movimento pretendido e também ajustes duran-
te a própria execução, no intuito de suavizar as transições entre os movimentos,
regulando a atividade dos músculos agonistas e antagonistas. Além disso, o ce-
rebelo armazena as informações motoras em um banco de memória implícita,
pois é fundamental ao aprendizado motor.

1.16.1  Cerebelo – Aspectos motores, afetivos e cognitivos

O cerebelo parece ter participação não apenas no controle de tarefas motoras,


mas também naquelas de natureza cognitiva e afetiva. O dano cerebelar está as-
sociado a disfunções em tarefas executivas, de aprendizagem,memória proces-
sual e declarativa, processamento de linguagem e funções visuais e espaciais,
além de disfunções na personalidade, no afeto e na cognição.
Acredita-se que o lobo flóculo-nodular esteja envolvido juntamente com
áreas do córtex cerebral, incluindo os gânglios da base, no controle da cognição
e da emoção, sendo responsáveis pelos mecanismos primitivos de preservação,
como manifestações de luta, emoção, sexualidade e, possivelmente, de memó-
ria emocional.
Os hemisférios laterais cerebelares parecem responsáveis pela modulação
do pensamento, planificação, formulação de estratégias, aprendizagem,memó-
ria e linguagem, características somente identificadas nos mamíferos. Desse
modo, o cerebelo vem sendo considerado importante coordenador, capaz de,
graças às conexões que estabelece com regiões encefálicas, contribuir tanto
para a manifestação das habilidades motoras como das sensoriais e cognitivas.
Nesse contexto, é interessante salientar que lesões das conexões entre o cé-
rebro e o cerebelo em indivíduos com riso e choro patológicos sugerem que
esse órgão seja uma estrutura responsável pela associação entre a execução do
riso e do choro e o contexto cognitivo e situacional em questão.

1.16.2  Organização funcional do cerebelo

O cerebelo é uma estrutura dividida em áreas funcionais responsáveis pelo


controle do equilíbrio e diferentes níveis de complexidade coordenativa. A área
mais antiga do ponto de vista evolutivo é o arquicerebelo, responsável pela ma-
nutenção do equilíbrio exercendo a mesma função em outros vertebrados.

capítulo 1 • 39
O arquicerebelo, também conhecido como vestíbulo-cerebelo, é represen-
tado por uma pequena estrutura conhecida como lóbulo flóculo-nodular e co-
labora para a manutenção do equilíbrio, integrando as aferências provenientes
do aparelho vestibular para, em seguida, produzir respostas que aumentem a
estabilização do corpo pela ativação de núcleos motores do tronco cerebral, es-
pecialmente o núcleo vestibular.
O paleocerebelo é representado pelas zonas medial e intermédia, que re-
cebem aferências medulares pelos tratos espinocerebelares, os quais trans-
mitem informações somestésicas e proprioceptivas. É responsável pela coor-
denação motora ampla e desempenha esse papel em todos os mamíferos.
Especificamente em seres humanos, ao receber informações do movimento
que está sendo realizado, é capaz de efetuar correções durante a própria execu-
ção, sem que, para isso, os centros corticais de planejamento sejam novamente
solicitados. Em geral, os ajustes durante o próprio movimento ocorrem através
de influências espinocerebelares sobre as vias descendentes.
Das vias aferentes para o cerebelo, os tratos mais importantes são os espino-
cerebelares (dorsais e ventrais). Essas vias podem transmitir impulsos com ve-
locidade de até 120 m/s, sendo importante para o conhecimento instantâneo,
pelo cerebelo, das alterações nas ações musculares periféricas.
Os sinais dos tratos espinocerebelares dorsais são provenientes, principal-
mente, dos fusos musculares e, em menor escala, de outros receptores somáti-
cos em todo o corpo, como OTG, grandes receptores táteis na pele e receptores
articulares. Por outro lado, os tratos espinocerebelares ventrais são excitados
principalmente pelos sinais motores que chegam dos cornos anteriores da me-
dula espinal a partir do cérebro (pelos tratos corticoespinal e rubroespinal).
Assim, a via de fibras ventrais tem o papel de informar ao cerebelo que sinais
motores chegaram aos cornos anteriores.
Nesse contexto, as zonas medial e intermédia do cerebelo possuem neurô-
nios conhecidos como células de Purkinje, que exercem eferência sobre os nú-
cleos fastigial e interpósito, controlando respectivamente as vias descendentes
medial e lateral. Dos núcleos fastigiais partem axônios para o núcleo reticulo-
bulbar e para os núcleos vestibulares e através dos tratos reticuloespinhais e
vestibuloespinhais, o cerebelo regula os motoneurônios mediais que inervam a
musculatura axial e proximal dos membros. Isso ocorre pra que se exerça o ne-
cessário controle sobre a coordenação, bem como colaborar na manutenção do
equilíbrio postural. Do núcleo interpósito partem fibras para o núcleo rubro,

40 • capítulo 1
de onde se origina o trato rubroespinhal e, através do tálamo, também para o
córtex motor. Por esses dois caminhos o cerebelo influencia as vias descenden-
tes laterais e os motoneurônios que controlam os sistemas medial e lateral de
controle do movimento.
O neocerebelo, por outro lado, só pode ser encontrado em primatas, ten-
do desenvolvimento significativo em seres humanos. Corresponde à área mais
lateral em uma visão de corte transversal do cerebelo, estando envolvido nos
ajustes motores necessários para produzir movimentos de alta complexidade
de coordenação motora.
Através de núcleos da ponte, recebe aferências de várias regiões corticais –
como córtex frontal, córtex parietal, córtex occipital, todos eles relacionados à
idealização do movimento voluntário. Dessa maneira, durante a elaboração do
plano motor no córtex pré-motor, o cerebelo não apenas toma conhecimento
das características gerais, como também os influencia, corrigindo os detalhes
de acordo com a experiência adquirida. Nesse sentido, o cerebelo é dotado de
área de memória motora capaz de armazenar planos bem-sucedidos de movi-
mentos já aprendidos, que poderão servir de molde para outros movimentos
mais complexos.
O cerebelo é uma importante estrutura envolvida no processo de aprendi-
zagem motora. A prática repetitiva de tarefas motoras possibilita o aperfeiçoa-
mento das manifestações motoras no contexto de que os erros diminuem e a
coordenação aumenta cada vez mais automática e involuntariamente.
Apesar de nossa habilidade em armazenar informação declarativa semân-
tica poder ser facilmente ultrapassada por simples computadores caseiros,
nossa habilidade de aprender movimentos e expressar o conteúdo de memória
motora é inigualável. Nenhum robô consegue solucionar os problemas moto-
res que o ser humano é capaz, tampouco aprende a diversidade e complexidade
de movimentos que o corpo humano expressa.
Não é incorreto considerar o cerebelo como uma estrutura envolvida no
controle indireto de movimentos complexos e dotada de capacidade para de-
senvolver a plenitude da expressão de movimentos de um indivíduo. O cerebe-
lo, assim como os gânglios da base, que ainda discutiremos, contribuem para
eliminar os excessos de movimento e, portanto tornam-nos fluidos e precisos.
Lesões em qualquer uma das partes do cerebelo produzem ataxia, represen-
tada pela ausência de coordenação motora. Lesões específicas no vestíbulo-ce-
rebelo provocam ataxia troncular e alterações significativas na postura ,como a

capítulo 1 • 41
necessidade de adotar base alargada para conseguir manter-se de pé. Já lesões
no espinocerebelo produzem, além de ataxia, erros de execução motora e mar-
cha instável, cambaleante e oscilante. Por fim, lesões no cérebro-cerebelo pro-
duzem redução no tônus muscular e os chamados distúrbios no planejamento
motor, como o tremor de intensão, erros na força (dismetria), dificuldade de
realizar movimentos rápidos e alternados (disdiadococinesia) e dificuldades
em controlar voluntariamente os músculos extensores posturais.

1.17  Núcleos da base


Os núcleos da base são massas nucleares de substância cinzenta derivados do
colículo embrionário do telencéfalo, que compõem estruturas subcorticais in-
terconectadas ao telencéfalo, mesencéfalo e diencéfalo. Esses núcleos são o
caudado, o putâmen e o accumbens, os quais constituem o estriado; o globo
pálido, dividido em segmentos externo (lateral) e interno (medial); o núcleo
subtalâmico, localizado no diencéfalo, e a substância nigra, dividida em parte
compacta e parte reticulada.
As lesões ocorridas nos núcleos da base podem originar patologias, cujo
quadro clínico expressa disfunções motoras, cognitivas e emocionais. Nesse
contexto, os gânglios da base encontram-se envolvidos nas respostas emocio-
nais e motivação do indivíduo, ao lado de estruturas como hipotálamo, amígda-
la, área pré-frontal e cerebelo, que constituem o sistema límbico se conectando
diretamente ao hipocampo,onde ficam armazenadas as memórias.
Regiões corticais responsáveis pela elaboração do plano motor enviam as
definições e características do movimento pretendido para os gânglios da base,
a fim de que os ajustes necessários sejam realizados. Esse processo começa
pelo estriado, que tem a função de gerar efeitos inibitórios sobre o globo páli-
do lateral. Recentemente se demonstrou que o aparelho vestibular também se
conecta aos gânglios basais e,à semelhança do cerebelo, essas estruturas cola-
boram para a manutenção do equilíbrio corporal .
A área compacta da substância nigra secreta dopamina sobre o estriado,
a fim de modular a atividade do estriado. A dopamina estimula a ativação de
neurônios inibitórios localizados no estriado e determina o grau de influência
sobre o globo pálido lateral.

42 • capítulo 1
Na doença de Parkinson – condição neurodegenerativa que acomete cerca
de 1% da população global com mais de 50 anos de idade – a secreção de do-
pamina sobre o estriado encontra-se diminuída, tornando-o funcionalmente
hiperativo . Como o estriado se encontra diretamente conectado ao globo pá-
lido lateral, exercendo efeito inibitório sobre ele, sua hiperatividade promove
redução significativa da função do globo pálido lateral.
O globo pálido lateral, por sua vez, envia sinais inibitórios ao núcleo sub-
talâmico, que, em condições normais, deveria estimular o globo pálido medial
a exercer influências inibitórias sobre o tálamo, reduzindo a quantidade de
movimentos excessivos propostos pelo córtex motor. Na doença de Parkinson,
como o globo pálido lateral se encontra disfuncional, o núcleo subtalâmico
não recebe as influências inibitórias necessárias ao funcionamento normal,
tornando-se ele mesmo, hiperativo.
Sempre que o núcleo subtalâmico hiperestimular o globo pálido lateral,
existirão inibições excessivas sobre o plano de movimento e, de fato, a doen-
ça de Parkinson caracteriza-se por tremor de repouso, rigidez, bradicinesia e
distúrbios na marcha. Nesses casos, o paciente também não apresenta quase
nenhuma expressão facial, e sim alterações psicoafetivas e cognitivas associa-
das ao envolvimento dos gânglios da base no sistema límbico. De maneira inte-
ressante, na doença de Parkinson, a estimulação de alta frequência dos núcleos
subtalâmicos, é capaz de restaurar a reduzida inibição autogênica observada
desses pacientes e produzida em parte pela baixa frequência das fibras aferen-
tes Ib do OTG.
Diferentemente da doença de Parkinson, a doença de Huntington caracte-
riza-se por degeneração do estriado, que, nesse caso, é incapaz de exercer in-
fluências inibitórias sobre o globo pálido lateral. Em consequência, o globo
pálido lateral envia sinais inibitórios em quantidade excessiva ao núcleo sub-
talâmico, tornando-o praticamente inoperante.
A disfunção do núcleo subtalâmico impede a adequada estimulação do glo-
bo pálido medial, que, por sua vez, é incapaz de desempenhar sua função de
inibir os movimentos desnecessários; nesse caso, ao contrário de Parkinson,
a manifestação do plano motor ocorre com excessos de movimento. Situação
semelhante ocorre no balismo, condição em que lesões diretas sobre o núcleo
subtalâmico o deixam com funcionamento marginal, resultando na manifesta-
ção de movimentos involuntários violentos com os membros.

capítulo 1 • 43
Os gânglios basais, em conjunto com o cerebelo, estão associados a fun-
ções cognitivas e podem desempenhar importante papel juntamente com o
sistema reticular para a manutenção da atenção necessária ao processo de
aprendizado. Também estão relacionados à elaboração de planos motores
coordenados e sequenciais, e contribuem para sensações de desgosto, comum
nos enfermos com esquizofrenia e depressão.
Em razão das funções motoras, os gânglios basais parecem também estar
envolvidos na coordenação de respostas apropriadas ao estímulo original, ten-
tando fazer com que o organismo alcance seu objetivo (adoção de comporta-
mento de aproximação ou de retraimento). De modo interessante, o centro de
recompensa localizado no núcleo accumbens possui confecções com os gân-
glios da base que já foram envolvidos nas manifestações motoras de alegria
e prazer.

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46 • capítulo 1
2
Desenvolvimento
Sensorimotor
48 • capítulo 2
2.1  Introdução

Que era a vida? Não se sabia. Tinha ela consciência de si mesma, indubitavelmente,
desde que era vida, mas ignorava o que era. Era incontestável que a consciência, sob
o aspecto da propriedade de reagir a estímulos, despertava até certo ponto já nas
fases mais baixas, menos adiantadas, da vida; não era possível fixar em determinado
ponto da sua história coletiva ou individual a primeira aparição de fenômenos cons-
cientes, e, por exemplo, fazer a reação consciente depender da existência de um sis-
tema nervoso. As formas animais mais inferiores não dispunham de nenhum sistema
nervoso, e muito menos de um cérebro; ninguém se atreveria, contudo, a negar-lhes a
capacidade de sentir estímulos.
Thomas Mann em A Montanha Mágica

Os seres humanos, ao nascerem, apresentam funções sensorimotoras parcial-


mente desenvolvidas no sistema nervoso central (SNC).No período intrauteri-
no, fetos humanos já são capazes de reagir a diferentes sons e se movimentam
involuntariamente. Acredita-se que, entre a décima e a vigésima sexta semana
de gestação, o cérebro cresça a uma velocidade de 250.000 neurônios por minu-
to e alcance aproximadamente 86 bilhões de neurônios ao nascimento. Desse
total, cerca de 12 a 15 bilhões estariam no telencéfalo, 70 bilhões no cerebelo e
menos de 1 bilhão no tronco cerebral .
O amadurecimento de um neurônio encontra-se associado ao crescimento
dos dendritos e à formação da bainha de mielina e de sinapses de interação
com outros neurônios, aspectos determinantes para o desempenho integral de
suas funções de comunicação e integração de estímulos e respostas. Em geral,
as áreas inferiores do SNC representadas pela medula e pelo tronco cerebral
amadurecem antes do córtex cerebral, e, na ocasião do nascimento, os circui-
tos corticais são imaturos e inadequadamente conectados a outras partes do
sistema nervoso.
Apesar disso, a maturidade relativa do tronco cerebral e da medula espinhal
possibilitam a recepção sensorial e a manifestação de movimentos involuntá-
rios sem a participação do córtex cerebral. De fato, a plenitude da capacidade
motora, cognitiva e até mesmo afetiva só poderá manifestar-se no final da mie-
linização dos neurônios corticais, um fenômeno que ocorre apenas ao final
da puberdade.

capítulo 2 • 49
O padrão de desenvolvimento humano ocorre no sentido cefalocaudal e do
centro para a periferia. Dessa maneira, a maturação do córtex cerebral e o con-
trole de músculos estabilizadores se processam muito aceleradamente no pri-
meiro ano de vida. A primeira região do córtex a se desenvolver é a área motora
primária, responsável pelo controle do movimento voluntário do tronco e de
alguns movimentos do braço.
Com apenas três meses de idade, essa área já contém muitos neurônios
mielinizados e pode conduzir os estímulos de modo mais eficiente. Regiões
corticais associadas ao controle dos movimentos da perna desenvolvem-se
mais lentamente e só alcançam a maturidade durante o segundo ano de vida.
Tais características influenciam o comportamento motor da criança durante
esses 2 primeiros anos.
As áreas sensoriais primárias do córtex responsáveis pela análise inicial
das informações sensoriais também amadurecem alguns meses após o nasci-
mento. As fibras nervosas responsáveis pela sensação do tato são as primeiras
a amadurecer, seguidas pela área visual primária e, posteriormente, pela área
auditiva primária. Aos três meses, todas as áreas sensoriais primárias estão re-
lativamente maduras.
Assim, recém-nascidos são especialmente sensíveis ao toque da mãe e, por
meio dele, exercitam o processamento cortical necessário a respostas motoras
ainda ausentes, mas que se manifestam silenciosamente pela modulação do
tônus muscular e de emoções básicas de contentamento e pesar; emoções adi-
cionais surgem pela diferenciação desses dois estados originais .
De fato, em resposta a diferentes estímulos provenientes do ambiente,
gradativamente começam a expressar alegria, medo, raiva, surpresa, tristeza,
interesse, nojo, desprezo, confirmando a hipótese de que existe um conjunto
universal de emoções básicas e expressões faciais com representação universal
entre seres humanos. Por essa razão, tem sido sugerido que a alegria se torna
diferenciada do contentamento por volta dos três meses, e a raiva e o medo di-
ferenciam-se do descontentamento respectivamente entre quatro e seis meses .
Os bebês, com o passar do tempo, têm seu repertório rudimentar de emo-
ções associado a habilidades intelectuais e motoras em desenvolvimento e a
seus relacionamentos sociais, dando origem a novas emoções, como orgulho,
vergonha e culpa, que se manifestam em suas próprias ações sobre o mundo e
com as pessoas.
Organismos vivos recebem informações ambientais por meio de sistemas
sensoriais, e o recém-nascido da espécie humana, quando nascido a termo,

50 • capítulo 2
ingressa no mundo com sistemas sensoriais com diferentes níveis de matura-
ção . Assim, são capazes de virar a cabeça em direção a ruídos, sugerindo que
percebem a localização do som no espaço, porém a audição não é tão eficiente.
De fato, a sensibilidade auditiva melhora consideravelmente durante o primei-
ro ano de vida, mas ainda precisará de cerca de 10 anos de desenvolvimento
lento e gradual para alcançar o padrão maduro.
Apesar disso, bebês humanos prestam atenção quando falam com ele e são
capazes de reconhecer alguns sons mesmo dentro da barriga da mãe. Parecem
extremamente sensíveis a fonemas de vários idiomas, porém, quando expos-
tos a apenas um deles, passam a ficar indiferentes aos demais, sugerindo que
nasçam com habilidades especiais sintonizadas para o aprendizado de diferen-
tes idiomas.
Embora presentes no momento do nascimento, os elementos anatômicos
do sistema visual funcionam rudimentarmente. A retina está imatura, e os mo-
vimentos dos olhos não são bem coordenados, o que impossibilita a formação
focalizada da imagem. Além disso, a imaturidade da retransmissão das infor-
mações da retina para o cérebro limita ainda mais a capacidade visual do bebê.
Há indícios de que sejam míopes ao nascimento e capazes de enxergar obje-
tos à distância máxima de 30 cm ou o suficiente para ver o rosto da mãe enquan-
to mamam e com ela estabelecemos primeiros contatos sociais. Somente por
volta do terceiro mês o bebê é capaz de coordenar a visão com os dois olhos, e,
aos oito, quando são capazes de engatinhar, apresentam acuidade visual muito
próxima à do adulto.
Mesmo com tais deficiências visuais, o bebê parece explorar o ambiente
desde os primeiros dias de vida; no entanto, esse padrão de movimentação
ocular parece ser endogenamente provocado e pouco relacionado a objetos
capazes de chamar a atenção no ambiente, muito embora mudanças de ilumi-
nação associadas a extremidades e ângulos dos objetos despertem o interesse
do bebê.
Recém-nascidos parecem atraídos por rostos, sendo capazes de discriminar
faces de seres humanos e também de outros primatas, bem como igualmente
aptos a reconhecer faces, mesmo que as partes que a compõem estejam grafi-
camente misturadas. Entretanto, com o desenvolvimento, especializam-se no
rosto humano– com olhos, nariz e boca em seus devidos lugares –, não fazendo
mais qualquer sentido aos quatro meses de vida as faces de outros primatas ou
mesmo o rosto humano com alteração esquemática das partes.

capítulo 2 • 51
Nos primeiros dias de vida, são capazes de reagir e distinguir diferentes
odores – especialmente do leite materno –, demonstrando sentidos do olfato e
do paladar bem amadurecidos; uma vez expostos a sabores amargos, apresen-
tam respostas faciais de aversão semelhante à de adultos, o que sugere ser essa
mais uma característica humana inata de comunicação .
A capacidade para detectar um toque na pele e mudanças na temperatura e
no posicionamento corporal desenvolve-se muito cedo, no período pré-natal, e,
embora tais capacidades sensoriais não tenham recebido tanta atenção quanto
a visão e a audição, não são menos importantes para a sobrevivência do bebê.
Na verdade, acredita-se que representem o arcabouço necessário para o pro-
cessamento de informações que originarão as respostas motoras voluntárias,
confirmando que o desenvolvimento depende da entrada de informações sen-
soriais no SNC.
Recém-nascidos reagem com movimento distinto dos olhos a mudanças
abruptas em sua posição física, sugerindo que o mecanismo de identificação
dessas mudanças esteja no sistema vestibular. Assim, combinando-se as ha-
bilidades de captar informações do ambiente com as de reagir a ele, torna-se
possível começar a delimitar o ponto do início do desenvolvimento motor e
também o cognitivo e afetivo do ser humano.
Os reflexos são componentes importantes do crescimento, a partir dos
quais serão construídas várias capacidades comportamentais complexas.
Bebês recém-nascidos manifestam ao nascimento grande variedade de refle-
xos com reações integradas, involuntárias e específicas ao tipo de estimulação.
Alguns desses reflexos constituem o aparato de sobrevivência do bebê e in-
cluem o reflexo de piscar o olho,que o protege de forte iluminação e de objetos
que possam lesioná-lo, os reflexos de sugar e engolir, essenciais à alimenta-
ção, e os reflexos de fechar os dedos em torno de um objeto ou esticar brusca-
mente os braços para frente, como se tentasse agarrar algo quando seu corpo é
repentinamente modificado de posição (reflexo de Moro); apesar do aparente
despropósito na sociedade humana, este último parece ter sido herdado de es-
tágios evolucionários anteriores.
Alguns meses após o nascimento, a maioria dos reflexos é inibido por vias
corticais descendentes que amadurecem durante o primeiro ano de vida.
Assim, o reflexo de Moro só pode ser observado nos dois primeiros meses após
o nascimento, estando sua persistência relacionada a dano no SNC. Desaparece
no terceiro mês de vida o reflexo que reproduz o movimento da marcha aquele

52 • capítulo 2
realizado quando os pés do bebê são apoiados levemente sobre superfície só-
lida com o avaliador segurando-o por de baixo das axilas; posteriormente,no
final do primeiro ano de vida,esse reflexo de marcha é incorporado ao movi-
mento voluntário e rítmico de caminhar .
O córtex cerebral é essencial à ampla variedade de comportamentos– in-
cluindo aqueles que requerem planejamento – e, embora comece a desempe-
nhar suas funções já na fase de bebê, continua a desenvolver-se por toda a in-
fância. Apesar da aparente fragilidade, acredita-se que as crianças nasçam com
maiores habilidades para perceber e agir no mundo do que seu comportamen-
to normalmente observado é capaz de revelar .

2.2  Aprendizagem nos primeiros anos

É fazendo que se aprende aquilo que se deve fazer


Aristóteles

A interação do bebê com o ambiente ocorre de maneiras cada vez mais comple-
xas devido ao amadurecimento do cérebro. Seu sucesso ao mamar exercita mo-
vimentos reflexos, que gradativamente vão sendo controlados pelas áreas mo-
toras do córtex cerebral; o gradual aumento dos intervalos entre as mamadas e
dos períodos de sono elevam suas possibilidades de interação com o mundo .
Bebês humanos são máquinas de aprender e se especializam naquilo que
lhes é necessário à sobrevivência. Por volta dos três meses de idade, e coincidin-
do com alterações de maturação nas áreas visual e motora do córtex cerebral,
o reflexo de alcançar iniciado visualmente é transformado em movimento vo-
luntário. Assim, ao localizarem um objeto por meio da visão ou da audição, eles
podem usar a resposta de seus próprios movimentos para ajustar a trajetória
do seu alcance e atingir o objeto com as mãos. Pouco tempo depois, começam a
abrir as mãos assim que iniciam o movimento para alcançar um objeto e come-
çam a fechá-las pouco antes de alcançá-los, evidenciando a coordenação entre
o alcançar e o agarrar.
Por mais que a biologia contribua para o desenvolvimento motor do bebê,
é necessária alguma forma de adaptação, e, de fato, bebês parecem ajustar-se
sozinhos a diferentes situações. É o que ocorre no momento da amamentação,

capítulo 2 • 53
quando os posicionamentos do colo da mãe nem sempre são reprodutíveis de
um dia para o outro e exigem esforço adaptativo da criança,o que possibilita o
aprendizado por condicionamento.
O condicionamento pode ser clássico ou operante. No primeiro deles, com-
portamentos previamente existentes são despertados por novos estímulos
conforme demonstrado pelo fisiologista russo Ivan Pavlov em 1927. Naquela
ocasião, ele demonstrou em um cão que, após várias exposições ao ruído de
uma campainha antes de o alimento ser colocado à boca, o animal começava
a salivar com o simples ato de ouvir o som, mesmo sem ter recebido qualquer
alimento.
O alimento,nesse caso, seria o estímulo não condicional, pois incondicio-
nalmente provocava salivação. Esta, que ocorria em resposta ao alimento na
boca, seria chamada de resposta não condicional. Já a campainha seria o estí-
mulo condicional, uma vez que o comportamento que provoca salivação, nessa
circunstância, é condicional ou dependente da maneira com que foi associada
ao estímulo não condicional.
O condicionamento clássico explica como bebês desenvolvem expectativas
sobre as conexões entre os eventos que ocorrem no ambiente, mas não expli-
ca como ocorrem mudanças no comportamento do bebê. O condicionamento
operante ajuda a explicar como mudanças comportamentais são moldadas pe-
las consequências dos próprios comportamentos.
Nesses casos, organismos tenderiam a repetir os comportamentos que
conduzem a recompensa e abandonariam os que não produzem recompen-
sas ou que levem à punição. Assim, chamamos de reforço a consequência que
aumente a probabilidade de um comportamento ser repetido – como receber
uma recompensa. Dessa maneira, nos bebês, comportamentos como afastar
da mamadeira a cabeça ou enterrar o nariz no seio da mãe vão tornando-se cada
vez menos frequentes, pois o próprio bebê irá considerá-los insatisfatórios. Ao
mesmo tempo, a respiração bem coordenada, a sucção e o ato de engolir tor-
nam-se mais frequentes por sua probabilidade de serem recompensados com
uma valiosa premiação: o leite materno.
Seres humanos parecem mais inaptos do que outros animais que já nascem
com capacidade motora bastante desenvolvida e sabendo quase tudo o que
precisam fazer para sobreviver. Seres humanos, ao contrário, aprendem com o
ambiente e, para isso, precisam interagir com ele. Assim, a maturação biológi-
ca possibilita o processamento de mais informações, e os estímulos motivam

54 • capítulo 2
novos comportamentos que vão sendo reforçados ou eliminados por meio do
contato com o ambiente. Quanto mais interação ambiental, maiores os estímu-
los para maturação do córtex cerebral e seu ulterior desenvolvimento.
Jean Piaget foi um dos mais importantes defensores da chamada perspecti-
va construtivista. Para ele, o aprendizado dos bebês é construído com a ação e a
maturação do sistema nervoso. Segundo sua teoria, os reflexos do recém-nasci-
do seriam esquemas primitivos ou estruturações mentais que proporcionavam
ao organismo um modelo para ação.
Durante o primeiro mês de vida, os esquemas reflexos com os quais os be-
bês nascem proporcionam-lhes o arcabouço para a ação, que pouco a pouco se-
ria desencadeada pela experiência. Esses esquemas iniciais são gradativamen-
te fortalecidos ou transformados em novos esquemas por meio da adaptação,
um processo que Piaget chamou de assimilação e acomodação.
Durante a assimilação, várias experiências são mentalmente armazenadas
e incorporadas aos esquemas existentes,ao passo que na acomodação ocorrem
modificações de um esquema prévio para que o mesmo possa ser aplicado a no-
vas e velhas experiências. Um bom exemplo é a capacidade dos bebês em “assi-
milarem” uma chupeta em substituição ao mamilo, mas a impossibilidade de
fazerem o mesmo com o travesseiro. Por não ser possível sugarem o travesseiro
da mesma maneira que o mamilo ou a chupeta, os bebês fazem uma acomoda-
ção em que ajustam o padrão motor às novas características do objeto, sugan-
do a ponta da fronha do travesseiro ou o próprio dedo.
A teoria de Piaget pode ser resumida como o desenvolvimento em resposta
à adequação das possibilidades criadas pela criança para resolver a luta entre
assimilação e acomodação. Tal processo exige equilíbrio entre o entendimento
do mundo por parte do indivíduo e suas novas experiências, criando um tipo
mais complexo de conhecimento que varia de acordo com os estágios de matu-
ração do sistema nervoso.
Para Piaget, a fase de bebê corresponde ao estágio sensorimotor, pois, nesse
período, a adaptação consiste na coordenação entre as percepções sensoriais e
os comportamentos motores simples, a fim de adquirir conhecimento do mun-
do. Assim, os progressos do bebê originam-se de atos como agarrar reflexiva-
mente um objeto como uma colher, bater com ela em alguma superfície para
produzir barulho, deixá-la cair para ver até onde vai e depois usá-la para levar
comida à boca.

capítulo 2 • 55
O estágio sensorimotor abrange os 2 primeiros anos de vida e compreen-
dem seis subestágios em que os bebês passam a reconhecer a existência de um
mundo externo e a interagir com ele de diferentes maneiras.
O próximo período de desenvolvimento da criança ocorre entre 2 e 6 anos.
Piaget o chamou de estágio pré-operatório, pois nele as crianças podem repre-
sentar a realidade para elas próprias com o uso de símbolos, incluindo imagens
mentais, palavras e gestos. Apesar disso, elas não conseguem distinguir seus
pontos de vista em relação à opinião dos outros, tornando-as facilmente in-
fluenciáveis pelas aparências e confusas no entendimento das relações causais.
Entre 6 e 12 anos, quando ingressam na segunda infância, as crianças se
tornam capazes de operações mentais que possibilitam a internalização de
ações em ordenação lógica. O pensamento operatório possibilita que as crian-
ças mentalmente combinem, separem, ordenem e transformem objetos e
ações. Tais características constituem o estágio de operações concretas, assim
denominadas por serem realizadas diante de objetos e eventos que estão sen-
do considerados.
Por fim, no estágio operatório formal, entre 12 e 19 anos, o jovem adquire a
habilidade de pensar sistematicamente sobre todas as relações lógicas em um
problema, demonstrando interesse por ideias abstratas e pelo próprio processo
de pensamento. Parece evidente a influência que cada uma dessas etapas exerce
no repertório de habilidades motoras e capacidade de aprendizado da criança.
Por meio da interação com o ambiente, a criança adquire novas representa-
ções mentais baseadas em informações sensoriais das partes do corpo durante
o movimento, e, se o processo for bem implementado em todas as etapas, con-
segue alcançar a vida adulta com ampla variedade de programas motores e um
corpo bem representado mentalmente.

2.3  Sensação e aprendizado motor

Aprendizagem é a mudança do comportamento produzida pela experiência; é o con-


junto de atividades e habilidades que animais e homens adquirem através do contato
com seu meio.
Mallot

56 • capítulo 2
Todas as informações que temos em relação ao nosso próprio corpo e ao
mundo que nos cerca são conduzidas centralmente para o cérebro por meio
de um elaborado sistema sensitivo. Diferentes tipos de receptores atuam como
transdutores, que modificam os estímulos físicos e químicos gerados nos re-
ceptores, criando impulsos nervosos que o cérebro pode reconhecer e atribuir-
lhes um significado .
A capacidade de discriminação entre estímulos de diferentes modalidades
sensoriais constitui uma das bases fundamentais do aprendizado. De fato, a
aprendizagem resulta da presença e integração de estímulos ambientais sobre
o SNC a fim de produzir um comportamento esperado de natureza motora,
afetiva e cognitiva. Assim, impulsos sensoriais aferentes ingressam no SNC e
alcançam, via tálamo, as regiões sensoriais do córtex cerebral .
O córtex cerebral possui áreas sensoriais que recebem todas as informações
aferentes provenientes de exterorreceptores, proprioceptores e interorrecep-
tores que monitoram constantemente os meios interno e externo. Os exterro-
ceptores respondem a estímulos externos e situam-se na superfície do corpo,
detectando variáveis como luz, calor, tato, odores, pressão, dor e som.
Os proprioceptores são encontrados nos músculos, tendões, ligamentos e
cápsulas articulares, e nos informam acerca da orientação do corpo e dos mem-
bros no espaço. Já os interroceptores, localizam-se nas vísceras e nos vasos e
originam sensações viscerais, como fome, sede e prazer sexual, além de forne-
cer informações inconscientes, como teor de O2, pressão osmótica do sangue e
pressão arterial .
As áreas corticais sujeitas à recepção dos estímulos sensoriais são denomi-
nadas áreas primárias, sendo responsáveis pelo que se entende como sensação:
a informação em sua forma básica desprovida de significado e que representa
passagem obrigatória para a percepção. O estímulo elétrico de áreas primárias
sensoriais auditivas caracteriza-se por um som semelhante a zunido. Se o estí-
mulo for sobre áreas visuais, vemos pequenos pontos luminosos; se sobre áreas
somestésicas, sentimos formigamento .
A informação sensorial precisa ser transmitida à área secundária para ser
adequadamente interpretada e possibilitara gênese da percepção, que consiste
na formação de imagens sensoriais correspondentes ao estímulo após breve
processamento com informações armazenadas na memória. Na percepção, as
sensações auditivas, visuais e somestésicas recebem significados que permi-
tem sua compreensão .

capítulo 2 • 57
A sensação é comum no recém-nascido, já que suas áreas secundárias ainda
se encontram imaturas. No adulto, por outro lado, como a informação passa rapi-
damente pelos neurônios mielinizados para estruturas corticais amadurecidas,
dificilmente experimentamos as sensações. Após a concretização da percepção,
o estímulo é novamente transmitido para a área terciária, onde ocorre a integra-
ção de todos os aspectos afetivos e cognitivos associados ao estímulo .
Assim, a informação sensorial produz estímulos desprovidos de significa-
do, e sua forma consciente é chamada de percepção, que ocorre quando a aná-
lise e a integração dos diferentes tipos de sensação possibilitam uma concei-
tuação simbólica, consciente, a respeito da natureza e das qualidades do objeto
estimulante .
Dessa maneira, a percepção é formada pela interpretação e apreciação de
uma sensação relacionadas com as características do estímulo e fatores exter-
nos, cognitivos e psicológicos do indivíduo. Os fatores cognitivos que intervêm
na percepção são: o grau de lucidez, que percebe ou confunde; o estado de aten-
ção, que melhora ou diminui; e estados afetivo-emocionais, como ansiedade,
angústia ou agitação, que deturpam a percepção .
Os órgãos dos sentidos constituem canais para a manifestação motora ne-
cessária à satisfação das necessidades básicas e afetivas do ser humano. Nesse
contexto, recém-nascidos dependem dos cuidados maternos para compor a
memória sensorial que servirá de arcabouço para outros processos mentais.
Assim, é possível compreender as sensações através das manifestações moto-
ras que elas proporcionam .
Tato e propriocepção representam, de fato, importante mecanismo de co-
municação, uma vez que por meio delas o ser humano inicia a exploração do
mundo externo e interno. Da mesma maneira, o modo como a mãe acaricia,
toca e explora o corpo do filho tem importância no despertar da vigilância e
da reciprocidade do bebê para a comunicação e a interação social, assumindo
papel essencial na constituição da autoconfiança.
Os estímulos proprioceptivos e provenientes do tato chegam ao córtex so-
matossensorial (área S1), localizado no lobo parietal, através de fibras aferen-
tes e, como a maioria das sensações, obrigatoriamente precisam passar pelo
tálamo. Apesar disso, as sensações provenientes dos receptores olfativos são
uma exceção, pois ingressam no córtex sensorial sem passar pelo tálamo. Por
isso, evocam recordações e associações muito fortes, possibilitando que mui-
tas mensagens sejam recebidas mais rapidamente pelo olfato do que por ex-
pressões vocais ou gestuais.

58 • capítulo 2
O olfato encontra-se profundamente associado a situações de prazer, des-
prazer e sobrevivência, e os odores colaboram para a orientação espacial no-
turna, possibilitando a formulação de mapa territorial para a deambulação na
escuridão e a elaboração de planos mentais de ação; quando associado à audi-
ção, desencadeia processos de atenção seletiva e comparativa importantes ao
aprendizado. Nesse contexto, o sentido auditivo representa o fundamento para
compreensão da linguagem falada.
A dificuldade motora na fala de deficientes auditivos ilustra bem a impor-
tância dos estímulos sensoriais para a aprendizagem verbal. Associação seme-
lhante parece existir em relação aos estímulos somestésicos determinantes no
aprendizado de movimentos corporais complexos e cuja carência na infância
limita a expressão e a comunicação corporal, bem como o desempenho de ha-
bilidades motoras.
O sentido da visão apresenta o mais importante papel de vigilância, atenção
e prontidão para a comunicação; ele possibilita a percepção espacial, que, para
muitos, desempenha papel primordial no desenvolvimento motor e linguís-
tico. Na visão de Luria, as conexões existentes entre áreas sensoriais e outras
regiões do cérebro responsáveis pelo controle do comportamento motor, cog-
nitivo e afetivo demonstram a necessidade de se abordar o sistema nervoso de
maneira global, e não como um sistema dividido em partes específicas associa-
das a determinada função .
Desse modo, os processos mentais que incluem sensações, percepções,
linguagem, pensamento e memória não devem ser considerados simples fa-
culdades localizadas em áreas particulares e concretas do cérebro, mas, sim,
sistemas funcionais complexos e interligados. Assim, o cérebro é um sistema
aberto em constante interação com o meio e que transforma suas estruturas e
mecanismos de funcionamento durante esse processo de interação .
Nessa perspectiva, é impossível pensar no cérebro como um sistema fe-
chado com funções predefinidas que não se altera no processo de relação do
homem com o mundo. A motricidade projeta possibilidades de vida social, e,
nesse contexto, a consciência emerge das ações intencionalmente realizadas
para a resolução de problemas no espaço exterior e a relação com os outros,
fomentando a dinâmica psicológica que também influencia os tipos de comu-
nicação e aprendizagem.
O processo de construção do conhecimento pressupõe que as sensações de-
vam integrar-se em esquemas de ação, o que requer a participação da percepção

capítulo 2 • 59
e a estruturação das representações mentais. Na área primária responsável pe-
las sensações, estabelece-se o tom cortical necessário ao sistema. Na área se-
cundária associada à percepção, processam-se a análise e a síntese da informa-
ção recebida para, finalmente na área terciária,ocuparmo-nos dos movimentos
de busca que darão à conduta perceptiva seu caráter ativo.

2.4  Unidades funcionais de Alexander


Romanovich Luria

Com base em conceitos de sistema funcional e plasticidade cerebral, Luria, um


neuropsicólogo soviético especialista em psicologia do desenvolvimento, dis-
tinguiu três unidades funcionais no cérebro cuja participação é necessária ao
aprendizado. De acordo com a abordagem luriana, o processo neural de apren-
dizado motor ocorre em três unidades funcionais.
A primeira delas encontra-se localizada no tronco cerebral, sendo represen-
tada pelo Sistema Reticular Ativador Ascendente (SRAA) e um conjunto difuso e
interligado de estruturas na formação reticular responsáveis pelo ajustamento
do alerta cortical e pelas funções de sobrevivência, vigilância tônico-postural,
filtragem e integração das aferências sensoriais, bem como pelo controle emo-
cional e motivacional das situações.
Essa primeira unidade também inclui a medula espinhal, o cerebelo, o sis-
tema límbico e o tálamo; sem ela, o cérebro é incapaz de responder aos estímu-
los do mundo, e nenhuma aprendizagem simbólica é possível. Nesse sentido,
ela funciona como um filtro de seleção sensorial, impedindo que o cérebro re-
ceba informações desnecessárias que possam interferir negativamente no pro-
cessamento cognitivo mais elaborado. Participa, dessa forma, da concentração
e integração das experiências com suas emoções. Desordens dessa unidade po-
dem explicar vários casos de déficits de atenção, de hiperatividade e de hipoati-
vidade em muitas crianças com dislexia.
A segunda unidade associa-se à recepção, à análise e ao armazenamen-
to da informação pelos órgãos sensoriais. É constituída pelos lobos tempo-
rais, parietais e occipitais, bem como por seus respectivos centros para as
habilidades auditivas, tátil-cinestésicas e visuais, compreendendo, também,

60 • capítulo 2
hierarquicamente,as áreas primárias, secundárias e terciárias dessas habilida-
des (associação parietal–temporal–occipital).
Enquanto a área primária representa uma região de recepção sensorial em
estreita conexão com os órgãos sensoriais periféricos, a área secundária possi-
bilita a análise e retenção por meio do armazenamento na memória e da inte-
gração da informação recebida nas áreas primárias com base em processos per-
ceptivos. A área terciária, por sua vez, encontra-se localizada no lobo parietal de
ambos os hemisférios, sendo responsável pela síntese sensorial em oposição à
integração sequencial característica da área secundária.
Tal processo integrativo associa todas as percepções sensoriais, combinan-
do-as em processos cognitivos necessários ao desenvolvimento da leitura, es-
crita e de habilidades motoras. Desse modo, receber, analisar e armazenar os
estímulos de natureza auditiva, tátil-cinestésica e visual e recodificar as infor-
mações recebidas são atividades inerentes à segunda unidade funcional e pos-
sibilitam a construção de cenários e situações no tempo e no espaço .
A terceira unidade funcional é representada pelos lobos frontais, que de-
sempenham importante papel na formação da atividade consciente, com ín-
tima participação na formação das intenções e nos programas de ação. Assim,
os lobos frontais são essenciais na regulação consciente do comportamento,
influenciando a atenção seletiva e controlando conduta, autocontrole e o julga-
mento social que avaliam as consequências das nossas atitudes .
Cada uma dessas unidades está envolvida em todos os tipos de aprendiza-
gem e opera conjunta integradamente, sendo as relações entre elas modifica-
das durante o processo de desenvolvimento em interação com o contexto his-
tórico e cultural do indivíduo. A percepção visual, por exemplo, depende de um
nível adequado de atividade do organismo (primeira unidade), subsequente
análise e síntese da informação recebida pelo aparelho visual (segunda unida-
de), bem como da intenção do indivíduo de olhar para determinado local ou
objeto por algum motivo, o que está relacionado a movimentos estabilizadores
do corpo, cabeça e olhos para a completa percepção (terceira unidade).
Ainda para Luria, o desenvolvimento motor da criança requer estímulos
sensoriais e um sistema nervoso apto a recebê-los; entretanto, durante a pri-
meira infância, as unidades funcionais ainda não operam em plena capacidade
e têm dificuldades integrativas. Nesse sentido, é importante salientar que os
estímulos do ambiente e a maturação biológica do cérebro encontram-se inte-
grados, possibilitando os diferentes contextos e caminhos da aprendizagem.

capítulo 2 • 61
Por exemplo, crianças criadas por seres que não falam nem leem – na au-
sência de um sistema simbólico de comunicação verbal ou escrita – nunca
aprenderão a falar, ler ou pensar criticamente com fluência. Situação seme-
lhante pode ser verificada na ausência de estímulos para o desenvolvimento
de habilidades motoras rudimentares e fundamentais que tendem a limitar a
possibilidade de aprendizado do movimento em outras fases da vida.

2.5  Fases do desenvolvimento motor

A vida é uma aprendizagem diária. Afasto-me do caos e sigo um simples pensamento:


Quanto mais simples, melhor!
José Saramago

O desenvolvimento motor da criança expressa contínua alteração comporta-


mental diretamente relacionada à maturação dos centros de controle do cór-
tex motor. Em cada período da infância, as manifestações motoras possuem
importante repercussão no desenvolvimento por meio da experiência e da tro-
ca com o ambiente. Todo comportamento diz respeito à percepção de estímu-
los e à seleção da resposta mais adequada, processos neurais que possibilita-
mo aprendizado.
A aprendizagem é a mudança de comportamento viabilizada pela plasti-
cidade dos processos neurais cognitivos. Considerando que a aprendizagem
motora é complexa e está relacionada a praticamente todas as áreas corticais
de associação, é necessário compreender o funcionamento neurofisiológico na
maturação a fim de fornecer bases teóricas para a estruturação de um plano de
ensino que considere as fases de desenvolvimento neural da criança, maximi-
zando assim o aprendizado.
À medida que determinada área do córtex cerebral amadurece, a pessoa exi-
be comportamentos correspondentes àquela área madura, desde que tal função
seja estimulada. Dessa maneira, o desenvolvimento comportamental é restrin-
gido pela maturação das células do sistema nervoso, e, muito embora crian-
ças sejam capazes de fazer movimentos complexos, os níveis de coordenação e

62 • capítulo 2
controle motor fino só serão alcançados após o término da formação da mieli-
na, na adolescência.
Uma vez que o processo de mielinização é individual e acontece durante
a infância e puberdade, de modo que diferentes neurônios se mielinizam em
épocas distintas do desenvolvimento do organismo, o desenvolvimento motor
é individual e não deve suscitar ansiedade no professor que conduz o processo.
De acordo com o seu objetivo, o movimento observável varia de acordo com
o estágio de maturação do sistema nervoso e com as influências ambientais re-
cebidas, podendo ser agrupado em três categorias funcionais. Assim, em todas
as fases do desenvolvimento motor, podem ser identificados movimentos esta-
bilizadores, locomotores, manipulativos ou uma combinação dos três.
Movimentos estabilizadores estão relacionados àqueles que requerem a
manutenção do equilíbrio e da postura do corpo, tal como ocorre com qua-
se todas atividades motoras amplas. Incluem os movimentos de girar, rodar,
puxar e empurrar, que não podem ser considerados manipulativos ou loco-
motores – ou seja, qualquer movimento com ênfase na recuperação ou na ma-
nutenção do equilíbrio em relação à força gravitacional. Assim, movimentos
com músculos axiais – como permanecer em pé em um só pé ou simplesmente
sentado enquanto lê esta obra –, bem como posturas invertidas ou de rolamen-
to do corpo, utilizados em muitas lutas de solo,são considerados movimen-
tos estabilizadores.
A categoria de movimentos locomotores refere-se àqueles envolvidos na
modificação na localização do corpo em relação a um ponto fixo na superfície.
Para transportarmos nosso corpo de um ponto a outro, realizam os movimen-
tos locomotores, como correr, galopar, saltar e saltitar. Nesse contexto, o rola-
mento para frente ou para trás pode ser considerado tanto estabilizador como
locomotor, uma vez que o corpo está indo de um ponto a outro, mas precisa ser
mantido agrupado e estabilizado para ser executado perfeitamente.
Por fim, movimentos manipulativos estabelecem manipulação motora fina
e grossa. Enquanto a manipulação grossa engloba a utilizada para receber ob-
jetos ou aplicar força sobre eles com as mãos ou os pés, a fina se restringe a
atividades em que utilizamos os músculos da mão e do punho em movimen-
tos precisos.
São exemplos de movimento manipulativo grosso o pegar, arremessar, qui-
car ou bater em algum objeto como uma bola de vôlei. Movimentos finos, por
outro lado, podem ser representados por costurar com linha e agulha, cortar
com o uso de tesouras ou digitar o teclado do computador.

capítulo 2 • 63
Um grande número de movimentos combina movimentos manipulativos,
estabilizadores e locomotores. É o caso de pular corda, que requer deslocar o
corpo para cima e para baixo (locomotor), segurar e girar a corda (manipula-
tivo) e se manter equilibrado a cada salto (estabilizador). Da mesma maneira,
jogar futebol implica a necessidade de correr, saltar (habilidades locomotoras),
driblar, passar a bola, cabecear, chutar (habilidades manipulativas), esquivar,
alcançar, girar, torcer-se (habilidades estabilizadoras).
Se o movimento é o reflexo do processo de desenvolvimento motor, uma
maneira de estudá-lo é analisar a progressão sequencial de movimentos que
ocorre durante a vida.

2.6  Fase dos movimentos reflexos


(primeiro ano de vida)

Conforme mencionamos, os primeiros movimentos do feto são reflexos. Mani-


festam-se de maneira involuntária, sendo controlados subcorticalmente. À se-
melhança do proposto por Piaget, Gallahue acredita que, pela manifestação dos
reflexos, o bebê adquire importante informação acerca do ambiente.
Tais movimentos, quando associados com o desenvolvimento cortical nor-
mal, desempenham importante papel em auxiliar a criança a conhecer mais
profundamente sobre o mundo externo e também acerca do seu próprio corpo.
Na opinião de Gallahue, reflexos primitivos podem ser classificados em refle-
xos de alimentação e de proteção, que asseguram a sobrevivência, e em reflexos
coletores de informação, que auxiliam a estimular a atividade cortical, viabili-
zando o desenvolvimento do sistema nervoso.
Nesse contexto, reflexos primitivos – como o de busca e de sucção – repre-
sentam mecanismos primitivos de sobrevivência, sem os quais o bebê seria
incapaz de se alimentar. Reflexos posturais parecem úteis para o treinamento
de habilidades estabilizadoras, locomotoras e manipulativas que serão poste-
riormente utilizadas de maneira voluntária, como os reflexos da marcha e de
rastejar, que preparam o corpo para os movimentos voluntários de caminhar,
rastejar ou engatinhar. Do mesmo modo, o reflexo de flexão palmar parece um
treinamento para o movimento voluntário de segurar e soltar, e o reflexo de

64 • capítulo 2
endireitamento labiríntico, o prenúncio das habilidades voluntárias que exi-
gem equilíbrio postural.
A fase de movimentos reflexos pode ser dividida em dois estágios que se
sobrepõem: o estágio de codificação e o estágio de decodificação. O primei-
ro – também chamado estágio de coleta de informações – é caracterizado por
movimentos observáveis e ocorre desde o período fetal até aproximadamente o
quarto mês de vida pós-natal.
Nesse período, conforme discutimos, os centros subcorticais encontram-
se mais desenvolvidos do que as áreas motoras do córtex e podem promover
reações involuntárias a grande variedade de estímulos, com diferente duração
e intensidade.
Já o estágio de decodificação da informação inicia-se a partir do quarto mês
e está relacionado à gradual inibição dos reflexos primitivos em fenômeno in-
timamente associado ao amadurecimento cortical. Assim, o tronco cerebral
gradualmente abandona o controle do movimento, e a área motora primária
assume o comando dos movimentos voluntários.
É importante ressaltar que esse estágio envolve o processamento de infor-
mações que antes eram exclusivamente sensorimotoras, mas agora se tornam
perceptivo-motoras, com acesso a informações armazenadas na memória du-
rante a primeira fase. Dessa forma, o bebê não reage simplesmente de maneira
involuntária ao estímulo, mas processa a informação sensorial, atribuindo-lhe
um significado com base em associações com outras experiências.

2.7  Fase de movimentos rudimentares – 1 a


2 anos

Os primeiros movimentos voluntários manifestam-se de maneira rudimentar,


sendo observados desde o primeiro até o final do segundo ano de vida pós-na-
tal. Esses movimentos são determinados pela maturação e parecem apresentar
sequência altamente previsível, embora a época de surgimento e a velocidade
de transição de um movimento para o outro sejam extremamente variáveis de
acordo com a criança, pois depende de influências biológicas e ambientais.
Esses movimentos representam as formas básicas dos movimentos vo-
luntários necessários à sobrevivência e estão relacionados a habilidades

capítulo 2 • 65
estabilizadoras no controle dos músculos do pescoço e do tronco, habilidades
manipulativas associadas como alcançar, pegar e largar, bem como movimen-
tos locomotores de rastejar, engatinhar e caminhar.
À semelhança da anterior, a fase demovimentos reflexos pode ser dividi-
da em dois estágios que representam o progressivo desenvolvimento cortical
atuando sobre o controle do movimento voluntário. São os estágios de inibição
dos reflexos e o de pré-controle.
O estágio de inibição dos reflexos inicia-se no nascimento, momento em
que os reflexos primitivos dominam completamente o repertório motor. A par-
tir de então, à medida que as estruturas do córtex motor primário amadurecem
rapidamente, esses reflexos são inibidos, e o movimento voluntário começa a
se expressar sob o domínio cortical. É importante, entretanto, perceber que
áreas de planejamento e controle motor que garantirão alta precisão e comple-
xidade no movimento em outros estágios da vida encontram-se extremamente
imaturos no córtex cerebral do bebê.
Dessa maneira, reflexos primitivos e posturais são inibidos e substituídos
por comportamentos motores voluntários, apesar de estes se apresentarem
pobremente diferenciados e fundidos um ao outro, pois o estágio de desenvol-
vimento é – como o próprio nome diz –rudimentar. Isso significa, em termos
práticos, que os movimentos, embora executados com alguma finalidade, não
são adequadamente controlados e carecem de precisão. Por exemplo, para fa-
zer contato com um objeto, a criança apresentará atividade motora global não
apenas das mãos, mas também dos punhos, braços, ombros e tronco.
Por volta do primeiro ano de vida, a precisão e o controle do movimento
aumentam, e a criança ingressa no estágio rudimentar de pré-controle. Essa
fase diferencia-se da sensorimotora por envolver a integração de outras infor-
mações que dão significado e interpretam as sensações. São as percepções que
se manifestam pelo processamento central da informação.
Nessa fase, a criança conquista o equilíbrio postural e consegue mantê-lo
por tempo determinado; além disso, locomove-se pelo ambiente com impres-
sionante grau de destreza e controle, se considerarmos o curto tempo que
ela teve para desenvolver tais habilidades. Essa fase também é importante
para auxiliar a preparação da criança para a execução das habilidades moto-
ras fundamentais.
Escolas de judô no Brasil treinam crianças a partir dos 3 a 4 anos, mas
se caracterizam por promoverem atividades lúdicas que possibilitam o

66 • capítulo 2
conhecimento e controle corporal sem perder de vista o currículo básico da
progressão de ensino dessa arte marcial. É importante estruturar uma grande
diversidade de movimentos a fim de que a criança constitua programas moto-
res gerais para todos os movimentos fundamentais com ênfase na distribuição
equitativa de atividades que envolvam habilidades locomotoras, manipulativas
e estabilizadoras.
Nessa idade, as crianças devem ser encorajadas a experimentar, com a devi-
da supervisão, todas as formas de manifestação motora que, além de possibili-
tarem a conquista de amplo repertório de movimentos, promovem benefícios
cognitivos e afetivos associados à prática para o desenvolvimento holístico do
ser humano. Pelas possibilidades de experimentação e vivência motora que o
judô e a ginástica artística proporcionam à criança, eles são consideradas ativi-
dades apropriadas para o desenvolvimento motor de maneira eficiente.

2.8  Fase de movimentos fundamentais na


primeira infância – 2 a 6 anos

Essa fase inclui movimentos que já vinham sendo praticados muito rudimen-
tarmente na fase anterior e representa um período no qual a criança está bas-
tante envolvida na exploração e experimentação das diferentes possibilidades
de ação motora. É, portanto, o momento para aperfeiçoar movimentos funda-
mentais locomotores, estabilizadores e manipulativos, a princípio de maneira
isolada e em seguida, combinando-os para aumentar o grau de complexidade
da tarefa.
Ao desenvolver os padrões fundamentais do movimento, crianças estarão
aprendendo como responder adequadamente – com controle e competência
motora – , a uma grande variedade de estímulos e com isso, ampliando o con-
trole sobre habilidades discretas, seriadas e contínuas.
Movimentos fundamentais são padrões básicos do comportamento motor
observável e incluem todas aquelas já mencionadas de natureza locomotora
(como correr e saltar), manipulativa (como arremessar e pegar) e estabilizado-
ra (como ficar sobre um único pé). É importante salientar que tais habilidades
não são determinadas pela maturação e prescindem de estímulos ambientais
para poderem desenvolver-se adequadamente.

capítulo 2 • 67
Apesar da progressiva maturação das áreas de controle cortical do movimen-
to, tais habilidades fundamentais não serão assimiladas caso sejam inexisten-
tes as oportunidades de prática, encorajamento e instrução. Assim, o ambiente
é determinante para a estruturação das habilidades motoras fundamentais e
quase sempre requer a intervenção de professores de Educação Física devida-
mente capacitados.
As habilidades fundamentais para o indivíduo são importantes não apenas
durante o período pré-púbere, mas também durante toda a vida adulta. De fato,
exigências diárias – como subir escadas, caminhar até o colégio, se equilibrar
em posições estáticas ou dinâmicas dentro de um ônibus em movimento – são
habilidades básicas essenciais ao longo da vida.
Crianças dessa fase de desenvolvimento apresentam as habilidades percep-
tomotoras em pleno desenvolvimento, mas ainda confundem direção, esque-
ma corporal, temporal e espacial. A variabilidade das habilidades fundamen-
tais está desenvolvendo-se de modo que movimentos bilaterais, como saltar e
saltitar, não apresentam tanta consistência como as atividades unilaterais. O
controle motor refinado ainda não está totalmente estabelecido, e os olhos ain-
da estão inaptos a períodos extensos de trabalhos minuciosos.
Nessa fase, a maturação da área terciária ainda não está completa, e as áreas
executivas do cérebro (lobos frontais) – a principal região envolvida no plane-
jamento e na execução das tarefas – ainda não estão totalmente mielinizadas.
Isso, além de prejudicar na organização e no planejamento das tarefas, com-
promete a capacidade de concentração, pois a área pré-frontal é importante
para a atenção. A imaturidade dessa região dificulta a manutenção da atenção
de forma que ela não consegue realizar uma de suas funções principais (a inibi-
ção de estímulos irrelevantes), aumentando a distração da criança.
Os movimentos fundamentais parecem manifestar-se por meio de três es-
tágios bem definidos (inicial, elementar e maduro) e ser influenciados pelo
processo de maturação entre os 2 e 6 anos de idade. Considera-se que o está-
gio inicial vá dos 2 aos 3 anos de idade representando os primeiros esforços
organizados no sentido de executar os movimentos fundamentais com algum
objetivo.
Entretanto, o movimento apresenta componentes ausentes ou organização
imprópria de sua sequência. Nesse contexto, a integração espacial e temporal
do movimento é deficiente, e o movimento tem ritmo e coordenação pobres,
podendo manifestar-se de maneira exagerada ou muito restrita, e envolver a

68 • capítulo 2
utilização de outras partes do corpo que não precisariam ser utilizadas para a
sua execução.
No estágio elementar, a criança apresenta maior controle e coordenação
rítmica das habilidades motoras fundamentais, sendo capaz de sincronizar al-
guns elementos temporais e espaciais do movimento. Entretanto, os padrões
de movimento ainda permanecem restritos ou exagerados, apesar de mais
bem coordenados.
Embora saibamos que a idade cronológica nem sempre é uma boa repre-
sentação da idade biológica do indivíduo, crianças com inteligência e saúde
normais tendem a avançar para o estágio elementar por volta dos 3 anos e aí
permanecem até aproximadamente os 5 anos. Infelizmente, muitas crianças
e até mesmo adultos fracassam em ir além desse estágio em várias habilida-
des motoras.
O estágio maduro ou de proficiência é caracterizado pela execução de mo-
vimentos fundamentais de maneira eficiente, coordenada e controlada. Com
a continuidade da prática, podem seguir melhorando não apenas em termos
qualitativos, mas também quantitativos, e o jovem pode interessar-se em saber
o quão longe uma bola de ferro pode ir, ou quanto tempo consegue diminuir
em cada volta de 400 m de uma pista de atletismo.
Esse estágio, que normalmente ocorre entre os 5 e 6 anos de idade, repre-
senta muitas vezes o momento de início do movimento especializado; entre-
tanto, as habilidades manipulativas que requerem busca visual e interceptação
objetos em movimento tendem a se desenvolver mais tardiamente, pois estão
relacionados a requisitos visuomotores mais sofisticados.
Diante do exposto, examinemos o movimento de correr. Devido à maturida-
de apenas parcial dos sistemas de controle do equilíbrio, no estágio inicial do
movimento fundamental de correr, a criança apresenta uma fase de voo muito
curta com o pé sendo apoiado no solo em um ponto muito além do centro de
gravidade. Tal fase também é feita com toda a planta do pé no chão, e a criança
realiza uma corrida saltada quando o corpo é propulsionado para frente.
No estágio elementar do correr, a fase aérea é maior, e o pé de apoio é co-
locado quase sobre o centro de gravidade, mas os braços ainda cruzam a linha
média do corpo, e nota-se ligeira flexão do cotovelo. A corrida é menos saltada e
há aumento na elevação do joelho da frente e da extensão do quadril, do joelho
e do tornozelo da perna de propulsão.

capítulo 2 • 69
No estágio maduro, em corridas mais aceleradas, o apoio é feito na ponta
do pé e diretamente sob o centro de gravidade, demonstrando maior eficiência
no controle postural e do equilíbrio. A fase aérea é máxima, e a extensão do
quadril, joelho e tornozelo da perna de propulsão é aumentada. Além disso,
em razão de o controle da coordenação ser mais eficiente, os braços oscilam
em oposição às pernas em posição anteroposterior, e os cotovelos se flexionam.
Processo semelhante ocorre em outros movimentos fundamentais, como o
salto. Nesse caso, a criança salta mais no plano vertical do que no horizontal,
durante o estágio inicial, havendo pouco uso dos braços, na oscilação para trás
ou para cima. Os pés, em geral, não deixam a superfície simultaneamente, e
existe pequena flexão preparatória nos tornozelos, joelhos e quadril, além de
pouca flexão dessas partes na aterrissagem.
No estágio elementar do salto, a distância horizontal dele aumenta, en-
quanto a vertical diminui e os braços são usados, porém não se estendem para
trás do corpo durante a fase preparatória. Já no estágio maduro, a flexão dos
tornozelos, joelhos e quadril aumenta durante a fase preparatória e a de ater-
rissagem, e o ângulo de impulso é menor, havendo completa extensão dos tor-
nozelos, joelhos, quadril e braços na fase de impulsão; durante a fase prepara-
tória,os braços são estendidos ao nível do ombro, para trás e para cima, bem
atrás do corpo.
Talvez a maturação das áreas envolvidas no controle de aspectos temporais
e espaciais do movimento seja bem exemplificada pela análise da habilidade de
agarrar. Ao receber uma bola no estágio inicial, a criança costumar girar o rosto
para trás para protegê-lo, e as mãos e os braços são estendidos e levados à frente
do corpo,realizando o agarrar com o uso de todo o corpo. As mãos, por sua vez,
não são utilizadas na ação de receber, e os dedos ficam estendidos e tensos.
No estágio elementar, a ação de evitar o objeto é limitada tanto ao fecha-
mento dos olhos ao contato com a bola quanto à elevação dos cotovelos para os
lados; as tentativas iniciais para o contato com as mãos, apesar de frequentes,
acabam permitindo que a bola seja recebida com os braços. Notam-se coorde-
nação rudimentar e incapacidade de análise do tempo de voo da bola e de posi-
cionamento dela e do corpo a criança no espaço.
Já no estágio maduro, não mais se observa a reação de evitar a bola; os olhos
agora a seguem até que ela seja recebida pelas mãos, confirmando avanços sig-
nificativos na coordenação oculomanual. Os braços ficam relaxados para os
lados, e os antebraços posicionam-se à frente do corpo para absorver a ação da

70 • capítulo 2
bola, ajustando-se o braço ao voo da bola. Os polegares são colocados em opo-
sição, e as mãos agarram a bola no seu devido tempo, simultaneamente com a
pressão mais efetiva dos dedos.
Dessa maneira, cada movimento fundamental poderá apresentar, duran-
te a primeira infância, um estágio inicial seguido do elementar e do maduro,
porém, a concretização desse processo depende da intervenção do professor.
De fato, apesar de crianças poderem alcançar esse estágio com o mínimo de
influências ambientais, a grande maioria necessita de orientação, encoraja-
mento e prática em ambiente que estimule o aprendizado. Na ausência desses
fatores, os movimentos fundamentais permanecem estagnados no estágio ele-
mentar. Nesse contexto, parcela significativa da população adulta é incapaz de
desempenhar o padrão adulto de alguns movimentos fundamentais.
Principalmente durante a infância, como a plasticidade cerebral é bastante
evidente e existe sobreposição de áreas responsáveis pelo controle motor e cog-
nitivo, tem-se sugerido que a carência de estímulos de movimentos fundamen-
tais também compromete o desenvolvimento cognitivo normal do ser humano
. De fato, algumas evidências demonstram que a prática dessas atividades pode
auxiliar crianças com problemas de desenvolvimento, principalmente aquelas
com transtornos de déficit de atenção .

2.9  Fase de movimentos especializados

Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de
agir, mas um hábito.
Aristóteles

Essa fase de movimentos decorre da continuidade do desenvolvimento cortical


e representa uma progressão natural da fase anterior. Os movimentos especia-
lizados podem ser aplicados durante atividades recreativas, mas também na
preparação para competições esportivas.
Nesse período da infância –dos 7 anos à puberdade –, as habilidades mani-
pulativas, locomotoras e estabilizadoras sofrem grande avanço, possibilitando
a combinação dos movimentos fundamentais. Desse modo, a criança se sente

capítulo 2 • 71
encorajada a testar suas habilidades em atividades desafiadoras, como salto tri-
plo ou mesmo danças folclóricas, que incluem saltitos, equilíbrio em uma das
pernas e alternância de ritmos.
Os padrões motores desenvolvidos na fase de movimentos fundamentais
representam a base para realização de vários gestos esportivos,facilmente
adaptados à necessidade. Por exemplo, arremessar a bola com uma das mãos
por cima da cabeça é um padrão de movimento transferido com facilidade para
o aprendizado técnico do saque no tênis. Apesar da óbvia complexidade técnica
do saque do tênis, a criança tem certa referência motora armazenada na memó-
ria para iniciar a transferência de seu aprendizado.
Essa fase corresponde à segunda infância, no início da vida escolar, quando
são observadas melhorias na velocidade de deslocamento corporal, tempo de
reação e coordenação,mais elevada massa corporal e altura, além das influên-
cias culturais e emocionais que possibilitam atividades mais estruturadas, sen-
do considerada uma janela aberta para o aprimoramento de habilidades fun-
damentais .
A fase de movimentos especializados compreende os estágios de transição,
aplicação e utilização para toda a vida. O estágio de transição – que ocorre entre
os 7 e 9 anos – caracteriza-se pela transição entre a combinação de movimen-
tos fundamentais sem objetivo definido; os movimentos realizados nessa fase
são os mesmos realizados na anterior, porém com maior eficiência, controle e
acurácia.
Trata-se de um empolgante momento da vida para pais, professores e crian-
ças, pois estas se esforçam para conhecer a ampla variação de combinação de
movimentos e percebem que estão expandindo rapidamente suas habilidades.
Entretanto, a superespecialização esportiva ainda deve ser evitada. Isso porque
restringirá a execução de outros movimentos importantes para assegurar o de-
senvolvimento de outras áreas corticais responsáveis pela elaboração e pelo
controle do movimento; além disso, porque, como veremos adiante, existem
riscos iminentes de lesão a outras estruturas ainda não amadurecidas no corpo
da criança. De fato, jovens que praticam múltiplas atividades esportivas sem se
especializar em nenhuma delas apresentam maior coordenação motora global
e equilíbrio do que aqueles que já sofreram especialização.
O estágio de aplicação dos movimentos ocorre entre os 11 e 13 anos, re-
presentando o ingresso na fase de operações formais proposta por Piaget. No
estágio anterior, as limitadas habilidades cognitivas e afetivas, bem como a

72 • capítulo 2
inexperiência, combinadas com a tendência natural de se manterem fisica-
mente ativas, promovem um interesse em todos os movimentos.
No estágio de aplicação, a sofisticação cognitiva que possibilita o raciocínio
lógico e sistemático promove a criação de novos movimentos, uma vez que o
próprio jovem pode criar meios particulares de solução dos problemas moto-
res enfrentados em atividades esportivas, recreativas ou mesmo do cotidiano.
Também há, nessa fase, influências culturais que agem no interesse e na espe-
cialização em alguns tipos de movimento.
Por exemplo, no Brasil – em que o futebol é paixão nacional –, a maioria dos
jovens dessa faixa etária se interessa por esse e outros esportes com tradição
cultural na região em que vivem. É natural, entretanto, que os mais habilidosos
tenham tido contato mais precoce com movimentos fundamentais básicos que
permitiram o desenvolvimento de habilidades específicas do futebol.
O mesmo ocorre no caso do jiu-jitsu no Rio de Janeiro, onde academias re-
cebem anualmente grande quantidade de jovens de 11 e 12 anos para desenvol-
ver habilidades artísticas marciais que somente serão bem desempenhadas se
o repertório de movimentos fundamentais tiver sido bem estruturado.
Nessa idade, o indivíduo toma decisões conscientes acerca de sua parti-
cipação ou do abandono de certas atividades. Nesse contexto, sua decisão é
amplamente influenciada por sua percepção das possibilidades de sucesso
ou fracasso em determinadas atividades. De fato, o jovem nessa idade já co-
meça a se autoavaliar, examinando fraquezas e qualidades, oportunidades e
restrições que reduzem o número de escolhas em determinada área de interes-
se esportivo.
Por exemplo, crianças mais introvertidas podem sentir-se mais à vontade
praticando esportes individuais e solitários, enquanto aquelas mais extrover-
tidas e comunicativas podem ter preferência por esportes coletivos que valo-
rizem o grupo. Tal observação não é, entretanto, uma regra, pois sabemos que
mesmo em esportes individuais existe a formação de grupos e, nos coletivos, a
possibilidade de isolamento.
De um ponto de vista geral, nesse período da vida, habilidades motoras
complexas e específicas são refinadas e utilizadas em esportes selecionados.

capítulo 2 • 73
2.10  Estágio de utilização permanente
O estágio de utilização permanente inicia-se por volta dos 14 anos de idade e
continua por toda a vida adulta, representando o zênite dos estágios de desen-
volvimento motor. Caracteriza-se pela aquisição do repertório motor que será
utilizado durante toda a vida. Assim, interesses, competências e escolhas feitas
na fase anterior são levados adiante e refinados para serem aplicados no coti-
diano, em atividades recreativas e principalmente em competições esportivas.
Evidentemente, fatores como disponibilidade de tempo e dinheiro, facili-
dades para a prática recreativa ou esportiva e limitações mentais afetam pro-
fundamente as manifestações motoras desse estágio. Entre outros, o nível de
participação em determinadas modalidades esportivas dependerá do talento
genético, de oportunidades, condições fisiológicas e motivação pessoal para
aprender e se desenvolver. O nível de rendimento pode variar desde atividades
esportivas recreativas até o treinamento sistematizado adotado por atletas de
alto nível competitivo.
Nesse sentido, Gallahue formulou a chamada Teoria da Ampulheta, segun-
do a qual todas as oportunidades de aprendizado“enchem de areia” a parte su-
perior da ampulheta e a manifestação do nível de rendimento; ou, no simbolis-
mo de Gallahue, o estreitamento central da passagem dos grãos de areia para
a parte de baixo do compartimento é modulado pela hereditariedade e estilo
de vida do jovem. Aqueles com genótipo favorável e possibilidade de dedicação
integral ao treinamento com estruturação de repouso, alimentação favorável
e apoio sociofamiliar construíram uma base sólida de movimentos nas fases
anteriores e apresentam também mais chances de sucesso esportivo.

2.11  Sensações, percepções e aprendizado


motor

Estamos usando nosso cérebro de maneira excessivamente disciplinada, pensando só


o que é preciso pensar, o que se nos permite pensar.
José Saramago

74 • capítulo 2
Uma vez que a informação sensorial ingressa no córtex, é direcionada para uma
de duas áreas: o córtex pré-frontal, que podemos chamar de cérebro “pensan-
te”, capaz de processar conscientemente e refletir sobre alguma informação;
e o cérebro “automático”, mais reativo, localizado em níveis anatomicamente
inferiores, que reage ao estímulo instintivamente sem participação cognitiva.
Enquanto o córtex pré-frontal representa apenas 17% do cérebro, todo o
restante constitui o córtex reativo. Quando não somos influenciados por emo-
ções negativas e o nível de estresse é baixo e o interesse, alto, as informações
sensoriais mais relevantes tendem a ser processadas no córtex pré-frontal; no
entanto, quando estamos ansiosos, frustrados ou entediados, o cérebro filtra
as informações sensoriais, direcionando-as para o cérebro reativo, que pode ig-
norar, evitar ou reagir inapropriadamente em relação ao estímulo.
Do ponto de vista prático, a abordagem luriana sugere que os três principais
elementos que controlam a entrada de informações sensoriais no cérebro são o
SRAA, o sistema límbico e a dopamina. O primeiro filtro da informação senso-
rial, como vimos, é o SRAA, localizado no tronco cerebral e que recebe informa-
ções aferentes dos olhos, ouvidos, boca, face, pele, músculos e órgãos internos.
O sucesso no aprendizado motor depende da abertura do filtro do SRAA,
que viabilizará o ingresso da informação no córtex pré-frontal. De fato, a ma-
nutenção do estado de atenção consciente é fundamental para que sinais rele-
vantes alcancem as partes do cérebro responsáveis pela integração e associação
das informações, impedindo respostas instintivas que seriam dadas caso esti-
véssemos nos sentindo pressionados e sobrecarregados.
A informação sensorial aferente, ao passar pelo SRAA, é direcionada ao cór-
tex sensorial, onde será analisada e comparada com outras sensações a fim de
que, posteriormente, ser armazenada na memória. Para isso, estruturas como a
amígdala e o hipocampo avaliam se a informação que chega é útil à sobrevivên-
cia ou se é capaz de produzir prazer e bem-estar.
Amígdala, hipocampo e cerebelo fazem parte de uma estrutura conhecida
como sistema límbico – o centro das nossas emoções. Nesse sentido, quando
experimentamos emoções negativas, como medo, ansiedade ou mesmo tédio,
a amígdala aumenta a demanda por nutrientes e oxigênio, bloqueando a en-
trada de informações no córtex pré-frontal. Dessa maneira, o aprendizado em
ambiente tenso e emocionalmente desconfortável pode dificultar o acesso sen-
sorial ao córtex pré-frontal e aos centros de memória, pois os sistemas SRAA e
límbico bloquearam as informações relevantes.

capítulo 2 • 75
Próximo à amígdala, encontramos o hipocampo, que integra os estímulos
sensoriais a memórias do passado e conhecimentos já armazenados, a fim de
elaborar novas memórias associativas, as quais serão processadas no córtex pré-
frontal. O córtex pré-frontal contém redes de comunicação nervosa que proces-
sam as novas informações em centros executivos que desempenham operações
criativas e de julgamento, análise, organização e planejamento,podendo alocar
informações da memória de curto prazo nos arquivos de longo prazo.
Quando a experiência de aprendizado é prazerosa, o cérebro libera quanti-
dade adicional de dopamina, que estimula a secreção de outros neurotransmis-
sores, como a acetilcolina, os quais intensificam o alerta e otimizam a memória
e as funções executivas do córtex pré-frontal, sugerindo que o ambiente lúdico
pode ser essencial ao aprendizado cognitivo e motor, especialmente para jo-
vens pré-púberes ainda sem metas sociais bem estabelecidas.

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capítulo 2 • 77
78 • capítulo 2
3
Características
Fisiológicas da
Criança
80 • capítulo 3
3.1  Introdução
A sofisticação das funções superiores do córtex cerebral de seres humanos,
como percepção sensorial, comandos motores sofisticados, controle da lingua-
gem e manifestação da consciência, deve-se ao desenvolvimento evolutivo do
neocórtex, que alcançou dimensões extraordinárias. O cérebro humano con-
tém cerca de 100 bilhões de neurônios e mais de 100.000 Km de conexões neu-
ronais que evoluíram de um conjunto de estruturas com tamanho e capacidade
maiores para armazenar e processar informações.
De fato, o ser humano apresenta a maior relação de tamanho do cérebro
para suas dimensões corporais entre todos os seres vivos. A habilidade do or-
ganismo em processar informações do ambiente representa a força motriz por
trás da evolução, e, quanto mais rápido o cérebro puder processar e responder
aos estímulos sensoriais, mais adequadamente será capaz de solucionar os de-
safios do ambiente, elevando, com isso, as chances de sobrevivência do homem.
Pelos primeiros dois terços da evolução hominídea, o tamanho do cérebro
de nossos ancestrais esteve na mesma faixa do observado em outros prima-
tas dos dias atuais. Espécies como o famoso fóssil Lucy, um Australopitecus
afarensis, apresentavam crânio com volume interno entre 400 e 550 ml.
Comparativamente, o crânio do chimpanzé tem cerca de 400 ml, e o do gorila,
entre 500 e 700 ml.
Durante esse período da história humana, o cérebro dos Australopitecos
começou a sofrer súbitas alterações na estrutura e no formato, quando com-
parado com o de outros primatas. Da mesma maneira, o neocórtex passou a
expandir, reorganizando suas funções para além da possibilidade de processa-
mento visual.
O terço final da evolução hominídea foi palco da maior parte da história da
evolução do córtex cerebral de mamíferos, que, em seres humanos, alcançou
dimensões formidáveis. O Homo habilis, que surgiu há cerca de 1,9 milhão de
anos, foi o primeiro do gênero Homo e já apresentava ligeiro aumento do tama-
nho do cérebro, incluindo a expansão de áreas associadas ao processamento da
linguagem (área de Broca).
Desde então, as espécies embarcaram em uma lenta caminhada evoluti-
va que possibilitou alcançar 1.000 ml há aproximadamente de 500.000 anos.
Apesar do fóssil de crânio do Homo erectus – de 1,8 milhões de anos – sugerir
que seu cérebro tivesse capacidade de 600 ml, os primeiros ancestrais do Homo

capítulo 3 • 81
sapiens já possuíam volume craniano na mesma faixa que os humanos de hoje,
em torno de 1200 ml de volume craniano.
À medida que nossa complexidade linguística e cultural avançava, nossas
necessidades dietéticas e habilidades tecnológicas possibilitaram que o cére-
bro continuasse a se expandir em convoluções, adaptando-se aos constantes
desafios do ambiente. Tais alterações no formato do cérebro, além de possibi-
litarem aumento da área, promovem, também, maior sofisticação de regiões
associadas ao planejamento motor e cognitivo, comunicação e funções avan-
çadas afetivas.
A nítida diferença entre o tamanho do cérebro de primatas nos dias atuais
influencia diretamente o ritmo de crescimento e desenvolvimento desses or-
ganismos. Chimpanzés, por não terem o córtex cerebral tão volumoso, não en-
frentam tanta dificuldade em passar pelo canal vaginal da mãe no momento
do nascimento.
No entanto, o mesmo não ocorre com bebês humanos. A dimensão do crâ-
nio na quadragésima semana de gestação é muito grande para a criança passar
no canal vaginal sem ajuda externa para rodar a cabeça. Isso explica, na maior
parte da história da humanidade, a alta taxa de mortalidade de mães e bebês no
momento do parto.
O ser humano nasce na quadragésima semana, mas ainda permanece como
um feto em desenvolvimento nas 60 semanas seguintes. Isso ocorre porque
9 meses é o limite de tempo para que o crânio em franco crescimento possa
passar no canal vaginal. Por outro lado, nascer prematuramente, apesar de re-
duzir as chances de acidentes relacionados à passagem da cabeça pela cavida-
de pélvica, reduz as chances de sobrevivência, pois o sistema nervoso e outros
órgãos encontram-se excessivamente imaturos, conforme aprendemos na ob-
servação do desenvolvimento de prematuros.
Nascemos na época certa e, apesar de imaturos, apresentamos grande ca-
pacidade adaptativa. Nossos bilhões de neurônios apresentam plasticidade
e se ajustam durante o crescimento, de acordo com a interação com o meio
ambiente. O ser humano, diferentemente de outras criaturas vivas, nasce sem
saber muito e incapacitado de executar ações motoras que se estendam muito
além dos reflexos arcaicos.
Entretanto, aprendemos com o ambiente e nesse processo, o cérebro se
“molda” aos estímulos recebidos, tornando o organismo mais capacitado para
interagir com o meio. Depreende-se do exposto que o meio ambiente é mutável

82 • capítulo 3
e seres humanos podem desenvolver-se diferentemente de acordo com os estí-
mulos a que foram expostos.
A imaturidade humana no momento do nascimento não se restringe ao
sistema nervoso e abrange todos os órgãos. De certa maneira, isso se deve ao
fato de a bainha de mielina ainda estar em desenvolvimento, impedindo que
o sistema nervoso – também em fase de crescimento e desenvolvimento – se
comunique adequadamente com os outros órgãos.
Conforme discutimos, os estímulos que possibilitam a ampla manifestação
de movimentos corporais contribuem para o desenvolvimento saudável do cé-
rebro da criança. Apesar disso, crianças não são adultos em miniatura e apre-
sentam peculiaridades fisiológicas associadas ao estágio de maturação.
As crianças, quando crescem durante a infância, alcançam conquistas sig-
nificativas no equilíbrio, agilidade e coordenação, que se expressam à mesma
medida que o sistema nervoso se desenvolve. A mielinização do córtex cere-
bral ocorre mais rapidamente durante a infância, mas continua também após
a puberdade. Embora a prática esportiva possa melhorar certas habilidades e
o desempenho, a máxima expressão dessa habilidade ou do potencial atlético
humano depende da maturação completa do sistema nervoso.
Apesar dos benefícios da prática esportiva para crianças e adolescentes,
algumas vezes a especialização precoce resultante da expectativa social com o
alto rendimento pode gerar prejuízos no crescimento e desenvolvimento nor-
mal. Enquanto crescimento diz respeito ao aumento das dimensões celulares
e somáticas, desenvolvimento representa as alterações da função dos sistemas
orgânicos no decorrer da vida.

3.2  Crescimento e desenvolvimento da criança


O crescimento está relacionado à transformação ordenada de nutrientes em
tecido vivo, sendo representados pelo predomínio dos processos anabólicos so-
bre os catabólicos. Nesse contexto, as alterações somáticas são classicamente
representadas pelos aumentos na estatura e na massa corporal, devido a modi-
ficações na composição corporal com o crescimento.
O crescimento durante a infância e a puberdade ocorre com padrão bem de-
finido, sendo representado por uma curva sigmoide (em formato em S). Assim,
nos dois primeiros anos de vida, o tamanho da cabeça e do corpo, além do peso

capítulo 3 • 83
corporal, aumenta rapidamente. Esse período representa a taxa mais elevada
de crescimento da criança após o nascimento e possibilita que ela alcance 25%
da sua estatura adulta.
O organismo humano apresenta ritmos diferentes de crescimento dos teci-
dos do corpo, os quais obedecem ao princípio de crescimento cefalocaudal. De
fato, a cabeça da criança é a estrutura que mais cresce nos dois primeiros anos
de vida; esse processo reflete o alto ritmo de crescimento do cérebro no período
intrauterino. Com apenas dois meses de vida intrauterina, o crânio já represen-
ta 50% das dimensões corporais.
Apesar de o cérebro humano ser responsável por cerca 20% do metabolis-
mo basal em adultos, em recém-nascidos sua demanda alcança 80% do total
de energia consumida no organismo. Essa elevada atividade metabólica está
associada às necessidades de crescimento e desenvolvimento das estruturas do
córtex cerebral, o qual, nessa época da vida, diante da ausência de nutrientes ou
na presença de substâncias tóxicas, pode ter suas funções sabotadas.
Após o sexto mês de vida, a taxa de crescimento da cabeça diminui, e a do
tronco e das pernas acelera. Assim, ao final do segundo ano, as pernas e o tronco
têm aproximadamente o mesmo tamanho. A partir daí, o ritmo de crescimento
decai e permanece estável durante a primeira e a segunda infância. Acredita-se
que o ritmo mais lento de crescimento seja importante para a aquisição gra-
dual das habilidades motoras fundamentais e combinadas,possibilitando o
adequado desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo do indivíduo.
A razão relativamente constante entre estatura e peso provê um ambiente
estável para o desenvolvimento de habilidades de coordenação neuromuscu-
lar; portanto, na infância, o professor deve ter especial atenção em desenvol-
ver movimentos fundamentais, como correr, saltar e arremessar. Apesar disso,
como veremos adiante, ele deve estar ciente das limitações da força muscular e
da fragilidade dos discos epifisários, adequando de maneira apropriada a carga
do treinamento ao nível de maturação da criança.
Meninos tendem a ser mais altos e pesados do que meninas, apesar de elas
terem as pernas mais compridas, o que reflete nível de maturidade mais adian-
tado. Durante a infância, a taxa de crescimento entre meninos e meninas é si-
milar, porém eles tendem a ser um pouco mais largos, ao passo que a idade
óssea das meninas é mais adiantada. Entre os seis e os dez anos de idade, meni-
nas apresentam progressivo aumento da largura da cintura pélvica, enquanto

84 • capítulo 3
meninos aumentam mais expressivamente o tamanho do tórax e antebraço.
Apesar disso, as diferenças antropométricas são mínimas.
A criança só voltará a apresentar nova aceleração na taxa de crescimento du-
rante a puberdade, porém sem nunca se igualar à velocidade com que vinha
crescendo nos dois primeiros anos de vida. Enquanto nos primeiros meses a
estatura da criança aumenta a uma taxa de 25 cm/ano, esse ritmo decai apenas
para 4 cm ao final do primeiro ano, alcançando o valor de 12 cm por ano no
final do segundo ano. Até a puberdade, o ritmo de crescimento permanece es-
tável entre 6 cm por ano para, na puberdade, voltar a aumentar e alcançar uma
média de 10 cm por ano em meninos e 7,5 cm por ano em meninas (estirão
do crescimento).
A puberdade representa o período que antecede a maturidade e quando
ocorre a segunda maior taxa de crescimento da vida do indivíduo – fenômeno
conhecido como estirão do crescimento. A maturação dos órgãos sexuais tam-
bém ocorre nessa época e encontra-se diretamente associada ao aumento da
velocidade de crescimento. Quanto mais precocemente ocorrer o estirão, mais
intensa é a taxa de crescimento.
De fato, meninos que maturaram precocemente tendem a ter maior mas-
sa muscular (mesomorfos dominantes), apresentando-se com pernas curtas e
quadris estreitos. Ao contrário, meninas que maturam precocemente possuem
pernas mais longas e ombros mais estreitos do que aquelas que maturam mais
tardiamente. De fato, apesar da menor intensidade do estirão de crescimento,
jovens que maturam tardiamente acabam tornando-se adultos mais altos por
terem ficado mais tempo em crescimento.
As diferenças antropométricas entre os gêneros surgem na puberdade, com
meninos alcançando maior peso, altura, massa muscular e ombros mais lar-
gos que meninas, que, por sua vez, apresentam maior quantidade de gordura
corporal e quadril mais largo. Tais alterações melhoram o rendimento dos me-
ninos em todas as habilidades motoras e manifestações esportivas e, ao contrá-
rio, deteriora o das meninas.
Os aumentos do peso corporal tendem a preceder os aumentos de estatu-
ra, e a taxa máxima de crescimento de altura na puberdade ocorre por volta
dos 12 anos nas meninas e dos 14 anos nos meninos. Se durante a infância o
crescimento é dependente da contínua secreção de hormônio do crescimento,
que atuava na proliferação das cartilagens ósseas e em células de outros teci-
dos do organismo, na puberdade os aumentos de tamanho são dependentes da

capítulo 3 • 85
liberação de hormônios sexuais, como testosterona nos meninos e estrogênio
nas meninas.
É importante ressaltar que o início da puberdade nas meninas pode ser re-
tardado caso os níveis de energia corporal da jovem estejam muito reduzidos
por restrições calóricas ou exercício excessivo. Tal condição conhecida como
amenorreia primária é frequente entre pacientes portadores de doenças men-
tais como anorexia e bulimia, mas também pode ocorrer com taxa relativamen-
te elevada em jovens atletas.
Entre os estímulos para secreção hipofisária de hormônios gonadotróficos
estão os aumentos nos níveis de leptina, hormônio secretado pelo tecido adi-
poso quando este sintetiza e armazena gordura suficiente para atender às de-
mandas de energia do organismo. Assim, meninas com reduzida quantidade
de gordura corporal e elevado nível de estresse psíquico interrompem o pro-
cesso de maturação sexual, sendo incapazes de ovular e secretar as quantida-
des de estrogênio necessárias ao desenvolvimento das características sexuais
secundárias.
Tais condições podem estar presentes durante o processo de treinamento
de algumas modalidades esportivas e integram a tríade da mulher atleta, que
reúne baixos níveis de energia na presença ou ausência de distúrbios alimenta-
res, irregularidades menstruais e reduzida densidade óssea.
Apesar de todos os seres humanos seguirem curva de crescimento padrão,
diferenças ambientais podem afetar o ritmo de aumento da estatura, peso e de-
senvolvimento fisiológico. Por exemplo, nos últimos 100 anos tem havido um
progressivo aumento na taxa de crescimento de crianças residentes em nações
industrializadas ocidentais em processo acompanhado pela maturação preco-
ce. Essa tendência não parece evidente em países menos desenvolvidos e pro-
vavelmente associa-se às piores condições de saúde pública e nutrição nesses
locais.
Essas tendências de crescimento certamente repercutem em manifesta-
ções de habilidades motoras e esportivas. De um modo geral, o rendimento no
atletismo e natação tem melhorado expressivamente no último século, sendo
parcialmente atribuídos aos aumentos de peso, estatura e massa muscular,
apesar das evidentes melhorias nos métodos de treinamento, infraestrutura e
valorização social.

86 • capítulo 3
3.2.1  Composição corporal

A gordura se forma no tecido subcutâneo por volta do sexto mês de gestação,


sendo abundante no momento do nascimento. Os estoques de gordura são ne-
cessários para suprir a carência de corpos cetônicos para o cérebro da criança
em pleno desenvolvimento, bem como para garantir o isolamento do corpo,
que precisa manter a temperatura estável próxima a 37 graus, independente-
mente das condições do meio.
O bebê nasce com grande quantidade de tecido adiposo marrom, localizada
no pescoço, na escápula e ao redor dos rins. Diferentemente do tecido branco,
o marrom possui ampla vascularização e desacoplamento mitocondrial, que
determina que grande parte da energia seja armazenada e transformada em
calor a fim de contribuir no processo de manutenção da temperatura corporal.
Recém-nascidos contêm cerca de 25% de gordura corporal, conteúdo esse
que aumenta de maneira significativa nos seis primeiros meses de vida para
depois reduzir lentamente até os seis anos de idade. Tal redução é menor em
meninas do que em meninos. Aos oito anos, elas apresentam em média 18% de
percentual de gordura corporal, e eles 16%.
Após esse período, a quantidade de gordura corporal volta a subir, e mui-
tas crianças nos dias atuais aumentam excessivamente de peso, situação que
representa fator de risco para doenças cardiometabólicas no adulto jovem e
contribuem para alta morbimortalidade associada a doenças cardiovasculares.
O baixo peso e quantidade de gordura total ao nascer têm sido associados à
programação genético-metabólica, que aumenta a predisposição ao armaze-
namento de energia durante a vida adulta, condição que, no ambiente obeso
gênico das sociedades modernas, resulta em sobrepeso e doenças metabólicas.
Além disso, uma vez que o período de crescimento relativamente mais len-
to durante a infância é importante para a aquisição de habilidades motoras, o
sobrepeso na infância compromete gravemente o desenvolvimento motor nor-
mal, podendo igualmente sabotar funções cognitivas e afetivo-sociais.
Após os oito anos de vida, a deposição de gordura na região do tronco e ab-
dome aumenta expressivamente, porém, em meninas, gordura adicional será
depositada na região do quadril e das coxas durante o período pubertário, con-
tribuindo para que elas ingressem na vida adulta com cerca de duas vezes mais
gordura corporal do que os meninos.

capítulo 3 • 87
Durante o estirão de crescimento, a quantidade de gordura dos membros
superiores e inferiores de meninos diminui e não se recupera até os 20 anos de
idade, porém isso não ocorre em meninas. Meninos aumentam significativa-
mente a massa muscular nesse período e diminuem o percentual de gordura
em cerca de 5% entre os 12 e os 17 anos.
Meninas também aumentam a massa muscular, porém aumentam signi-
ficativamente mais a quantidade de gordura, preparando o organismo para a
gravidez e lactação, quando grande parte da gordura armazenada na região do
quadril e coxas – em virtude dos efeitos do estrogênio – servirá para alimentar
o feto em desenvolvimento e o recém-nascido. Apesar de atletas nessa idade
apresentarem entre 16 e 18% de gordura corporal, jovens fisicamente destrei-
nadas possuem, aos 17 anos, cerca de 25% de gordura corporal.
De um modo geral, o peso corporal é regulado pelo equilíbrio entre ingestão
calórica e gasto de energia. Diferentemente da fibra muscular e de outros teci-
dos no corpo humano, a célula adiposa pode aumentar de tamanho (hipertro-
fia) e de número (hiperplasia) em todos os momentos da vida. Entretanto, pare-
cem ser mais prevalentes nos primeiros dois anos e na puberdade, momentos
em que a velocidade de crescimento é bastante acentuada. Uma vez que o nú-
mero de células adiposas aumenta no corpo, não mais é possível diminuí-las,
estando o jovem propenso a viver com uma maior possibilidade de armazena-
mento de gordura no organismo.
As alterações da composição corporal que se processam na puberdade in-
fluenciam diretamente a manifestação de habilidades motoras e, conforme
mencionado, apesar de melhorarem o desempenho em meninos, deterioram-
se nas meninas. Esse processo está predominantemente associado aos efeitos
do estrogênio sobre o aumento de massa de gordura, mas também pode sofrer
influências socioculturais que modulam o comportamento humano.

3.2.2  Pele e glândulas sudoríparas

A pele do bebê, no nascimento, é fina, facilmente se danifica e corresponde a


cerca de 4% do peso total do recém-nascido, cerca de 2% a menos do que a con-
tribuição na vida adulta. Como existem aproximadamente 800 m2 de pele por
quilograma (kg) de peso na criança, contra 300 m2 no adulto, a disparidade na
espessura é muito maior do que os percentuais sugerem.

88 • capítulo 3
As glândulas sudoríparas do recém-nascido encontram-se ainda imaturas
no momento do nascimento, porém alcançam o nível de funcionamento nor-
mal do adulto por volta dos dois anos. Entretanto, em face à imaturidade dos
axônios que a inervam, não são capazes de ser adequadamente ativadas duran-
te toda a infância.
Nesse sentido, tem sido sugerido que crianças pré-púberes apresentam ris-
co de hipertermia durante exercício extenuante realizado em ambiente quente
e com elevada umidade relativa do ar. A contração muscular aumenta a pro-
dução de calor corporal, induzindo a ativação dos receptores hipotalâmicos de
controle da temperatura, que, por sua vez, ativam o sistema simpático colinér-
gico a fim de causar vasodilatação cutânea e aumento da produção de suor.
Na criança, nem o hipotálamo é capaz de produzir respostas tão rápidas
para ativar o sistema simpático colinérgico, tampouco este último possui axô-
nios completamente mielinizados resultando em menor produção de suor du-
rante o exercício. Mesmo assim, não existem evidências de que a capacidade
limitada em dissipar calor promova prejuízos à prática de exercícios na infân-
cia. Crianças possuem uma relação entre área de superfície corporal e massa
muscular significativamente mais elevada que adultos e, portanto, área propor-
cionalmente maior para dissipação do calor produzido internamente.
Além disso, apresentam maior vasodilatação periférica, menor massa mus-
cular e níveis mais reduzidos de glicogênio intramuscular, o que pode impos-
sibilitar a adoção de intensidades muito elevadas de exercício. Ademais, nas
fibras do tipo II, crianças têm baixa atividade da enzima glicolítica fosfofruto-
quinase (PFK), que limita sua capacidade anaeróbica lática e reduz as possibili-
dades de produção de ácido lático e potência muscular.
Como a síntese da PFK (enzima responsável pela regulação da glicólise)
com maior atividade só ocorre com hormônios sexuais liberados durante a
puberdade, a criança parece naturalmente protegida contra a possibilidade de
realizar exercício extremo e, com isso, prejudicar seu desenvolvimento normal .
Diante do exposto, se considerarmos a menor massa muscular e a capacida-
de limitada de produção de calafrios, crianças parecem apresentar maior risco
de hipotermia quando expostas em ambientes extremos, informação relevante
na medida em que jovens de várias idades participam de competições esporti-
vas em águas geladas de oceanos e lagoas.

capítulo 3 • 89
3.2.3  Músculo esquelético e tendões

Acredita-se que o processo de diferenciação celular e hiperplasia de células


musculares esteja concluído por volta do quinto mês de desenvolvimento em-
brionário. Bebês nascem com todas as fibras musculares que possuirão du-
rante a vida; consequentemente, o aumento no tamanho que ocorre durante o
crescimento está associado a alterações no tamanho das fibras pré-existentes.
Durante a infância sarcômeros são adicionados predominantemente em
série e em menor grau em paralelo, padrão alterado significativamente durante
a puberdade em face à exposição de hormônios sexuais que aumentam a sín-
tese proteica e contribuem para considerável aumento da seção transversa do
músculo, além daquele já observado longitudinalmente. Apesar disso, as célu-
las-tronco que possibilitaram a hiperplasia de fibras no período embrionário
encontram-se na periferia da fibra muscular do bebê, podendo desempenhar
importante papel na regeneração desses tecidos em casos de lesão.
Um potente estímulo para o crescimento muscular é o afastamento de suas
inserções à medida que o osso aumenta de tamanho. Interessantemente se o
antagonista de determinado músculo for paralisado, o agonista será incapaz
de crescer adequadamente, sugerindo que o aumento progressivo de tensão é
necessário para o desenvolvimento normal. Por outro lado, o estímulo para a
formação do tendão é a tensão muscular, o que implica a obrigatoriedade da
prática de atividades físicas para o desenvolvimento normal dos tendões.
Os músculos crescem progressiva e gradualmente durante os setes primei-
ros anos de vida e, depois, sofrem redução na velocidade de crescimento logo
antes do período pubertário. Em crianças normais, o crescimento muscular é
acompanhado pelo crescimento ósseo, e essa taxa acelera significativamente
durante o estirão de crescimento, quando, em meninos, o aumento no tama-
nho da fibra muscular é expressivo.
Os aumentos no tamanho do músculo ocorrem sempre após os aumentos
de peso. Aumentos musculares estão diretamente associados a maior força, e
ganhos significativos ocorrem em meninos a partir dos 14 anos até a vida adul-
ta, apesar de fatores como o nível de maturação, somatótipo e condicionamen-
to físico contribuírem para muitas diferenças. O tamanho e a força do músculo
são considerados importantes fatores preditores para o sucesso em algumas
modalidades esportivas durante a adolescência.

90 • capítulo 3
O rendimento e o desenvolvimento muscular dependem da maturação do
sistema nervoso. Níveis elevados de força, potência e habilidades são impossí-
veis se a criança não alcançou a maturidade neural. Conforme mencionado, a
mielinização dos axônios neuronais não está completa antes da maturidade se-
xual; portanto, crianças imaturas não podem responder ao treinamento como
os adultos.
Além disso, adultos do sexo masculino possuem cerca de 10 vezes mais tes-
tosterona que mulheres e jovens pré-púberes. A hipertrofia induzida pelo trei-
namento de força não ocorrerá em meninos de forma expressiva enquanto os
níveis de testosterona não alcançarem os níveis adultos. Apesar disso, estudos
recentes sugerem que jovens pré-púberes podem aumentar a força com o trei-
namento, apesar de não haver hipertrofia significativa.

3.2.4  Ossos

Os aumentos do tamanho corporal ocorrem devido ao crescimento dos ossos


longos, que possuem disco de cartilagem em sua epífise localizado nas extre-
midades distais entre o centro de ossificação primário e secundário. Derivado
de um conjunto de células de cartilagem já organizadas no molde ósseo, o cen-
tro de ossificação primário surge por volta da quinta semana de gestação e pos-
sibilita a formação do osso com osteócitos, osteoblastos e osteoclastos. Esse
processo coincide com a vascularização na área em que, mais tardem ocorrem
as epífises ósseas, originando o centro de ossificação secundário.
Durante o crescimento existe elevado dinamismo no processo de formação
óssea, com cerca de 100% do esqueleto da criança sendo substituído anualmen-
te. Esse processo, conhecido como remodelagem, possibilita que os ossos se
adaptem ao estresse e que o osso cresça. Quando a deposição de fosfato de cál-
cio é maior do que sua remoção, tarefas realizadas por osteoblastos e osteoclas-
tos respectivamente, a massa óssea tende a aumentar, sendo essa a tendência
na infância e puberdade.
Nesse sentido, a prática de atividades físicas na infância é saudável para
aumentar a atividade dos osteoblastos e contribuir para aumentos na densi-
dade da massa óssea. Apesar de cogitado que o exercício físico seja capaz de
contribuir para o crescimento linear dos ossos, ainda não existem evidências
científicas nesse sentido. Mesmo assim, como o exercício físico aumenta a se-
creção de GH, é possível e até provável que ele apresente efeitos positivos para

capítulo 3 • 91
o aumento do tamanho corporal, principalmente entre jovens atletas que rea-
lizam treinamento com maior intensidade e, portanto, maior estímulo sobre a
secreção de GH.
De fato, existem muitas evidências de que o exercício moderado associado
a uma dieta rica em cálcio seja capaz de maximizar a massa óssea em crianças
e contribuir para a prevenção precoce da osteoporose, que, conforme veremos,
tende a ocorrer na velhice.
O GH é um hormônio que induz à proliferação das células de cartilagem
presentes durante toda a infância nas epífises ósseas. Dessa maneira, os ossos
longos crescem linearmente durante esse período e podem sofrer influências
positivas do exercício. Entretanto, as evidências sugerem que o exercício nessa
época da vida seja predominantemente mais relevante para produzir aumentos
da massa óssea, constituindo reserva de cálcio importante para diversos perío-
dos da vida.
Tem sido evidenciado que a inatividade física e o sobrepeso na infância
afetam os níveis séricos de GH-IGF-1 e podem comprometer o crescimento ós-
seo normal desses indivíduos. Estudos recentes demonstram também que o
treinamento excessivo, combinado a repouso insuficiente, principalmente em
modalidades esportivas que controlam o peso corporal, é capaz de retardar a
puberdade e reduzir a massa óssea em ambos os sexos , mais particularmente
na menina, pelo efeito que o overtraining exerce na supressão ovulatória e de
secreção de hormônios sexuais.
Na mulher – tendo em vista que o estrogênio aumenta a atividade dos os-
teoblastos e contém a dos osteoclastos –, a redução dos níveis desse hormônio
pode comprometer a massa óssea, e jovens atletas de ginástica artística e baila-
rinas enquadram-se no grupo de risco para amenorreia e baixa massa óssea. De
igual modo, o overtraining já foi associado a lesões epifisárias, sendo capaz de
alterar o comprimento da perna de ginastas do sexo feminino, efeito este tam-
bém evidenciado em meninos. A compressão direta e as alterações na oferta de
sangue para os discos epifisários em resultado do estresse do exercício podem
ser fatores importantes para danificar essas áreas.
O crescimento linear continuará enquanto os centros de ossificação estive-
rem abertos. A junção das epífises com a diáfise inicia-se na puberdade, mas
não está completa antes dos 18 aos 20 anos. Traumas nos discos epifisários
podem afetar negativamente o crescimento, sendo crucial evitar situações que
possam danificar essas áreas.

92 • capítulo 3
Independentemente do local, lesões epifisárias comprometem a prolifera-
ção das células de cartilagem (condrócitos) e podem originar conhecidas doen-
ças, como a doença de Sever, a síndrome de Osgood-Schatter ou a osteocon-
drite ossificante, normalmente associadas ao desgaste das cartilagens. Têm
sido frequentemente descritas nos Estados Unidos lesões epifisárias do úmero
(Little League Elbow), em virtude do excesso de arremessos de basebol nas ligas
mirins. Outros estudos mostram que jovens ginastas também podem apresen-
tar elevada incidência de lesões epifisárias no rádio.
Crianças com maturação tardia, por terem os discos epifisários abertos por
mais tempo, apresentam maior risco de lesões nessas regiões do que aquelas
com maturação mais precoce. Considerando que o treinamento físico é capaz
de retardar o início da menarca (amenorreia primária), o professor de Educação
Física deve ter extrema cautela na prescrição de exercícios, especialmente du-
rante a puberdade, sobretudo naqueles em risco de amenorreia.

3.3  Funções cardiorrespiratória e metabólica


na infância

3.3.1  Rendimento cardíaco

A frequência cardíaca (FC) de repouso declina progressivamente durante a in-


fância e puberdade, estando diretamente associada ao aumento do tamanho
e da força de ejeção dos ventrículos. A FC de repouso típica de uma criança de
sete anos – 85 batimentos por minuto (bpm) – reduz para cerca de 62 bpm aos
15 anos, demonstrando o efeito fisiológico do GH sobre o crescimento ventri-
cular. Entretanto, a FC máxima em crianças varia entre 195 e 205 bpm e não
se modifica durante a infância. Assim, uma vez que a FC de repouso diminui
progressivamente, existe aumento gradual da frequência cardíaca de reserva,
que contribui para a melhoria no rendimento aeróbico.
Apesar de a tendência de redução da FC ser semelhante entre os sexos, a FC
de repouso é cerca de 3 a 4 bpm mais alta em meninas do que meninos durante
a puberdade. De igual modo, durante a puberdade, meninos tendem a apresen-
tar FC submáxima durante o exercício e FC de recuperação mais baixas, mesmo
na ausência de treinamento associado aos aumentos da volemia e das dimen-
sões cardíacas, em virtude de androgênios sexuais anabólicos.

capítulo 3 • 93
Conforme proposto, o volume de ejeção aumenta com a idade durante a in-
fância e puberdade. Ao nascimento, é de cerca de 5 ml, mas alcança 25 ml aos
cinco anos e 85ml aos 15 anos, estando diretamente relacionado com o peso e a
área de superfície corporal. Apesar disso, a contratilidade cardíaca não parece
aumentar durante a infância, e os aumentos do volume de ejeção encontram-se
inteiramente associados ao aumento do tamanho do ventrículo esquerdo.
O débito cardíaco (DC) aumenta com o crescimento avançando de 12 para
21 litros em meninos e de 10,5 para 15,5 litros em meninas entre os 10 e 20 anos
de idade. Aumentos no DC também estão diretamente associados a aumentos
no tamanho e área de superfície corporal, levando a alterações muito pequenas
do débito cardíaco máximo relativo à área de superfície corporal durante a in-
fância e puberdade.
A pressão arterial sistólica de repouso é relativamente baixa em recém-nas-
cidos (60 mmHg), mas aumenta progressivamente durante a infância até os
valores de adultos. Entretanto, a pressão diastólica tende a permanecer redu-
zida. Isso ocorre em virtude da baixa resistência vascular periférica resultante
do tônus vascular ainda insuficiente para reduzir a condutância sanguínea e
decorrente da mielinização ainda incompleta dos axônios do sistema simpáti-
co noradrenérgico.
Assim, durante o exercício, o tradicional desvio de sangue das vísceras para
o músculo esquelético – que no adulto é proporcional aos incrementos de in-
tensidade – parece ser pouco importante para aumentar o fluxo em direção às
fibras contráteis durante o exercício realizado pela criança pré-púbere. Na rea-
lidade, o aumento da oferta de sangue para o músculo durante o exercício da
criança parece estar exclusivamente relacionado a aumentos do débito cardía-
co,o qual, por ser proporcionalmente mais elevado que a massa corporal total,
pode atender à demanda contrátil.

3.3.2  Função pulmonar

A ventilação minuto (Ve) aumenta com a elevação da intensidade do exercício


em crianças assim como ocorre em adultos, devido a aumentos da frequência
ventilatória e do volume tidal. Entretanto, para alcançar elevado volume venti-
latório durante o exercício, crianças dependem de frequência respiratória mais
elevada e menor volume tidal.

94 • capítulo 3
O volume tidal máximo está relacionado ao volume pulmonar total e au-
menta com a idade até os 13 anos em meninas e até os 15 em meninos. Após
esse período, os aumentos tornam-se mais graduais e variáveis, até que os va-
lores de adulto sejam alcançados. Não existem diferenças entre os gêneros na
frequência ventilatória máxima até a puberdade.
O menor volume tidal e a maior frequência ventilatória da criança durante o
exercício poderiam proporcionar maior relação entre o espaço morto e o volu-
me tidal, e, com isso, reduzir a ventilação alveolar; porém, esse efeito é reduzido
em decorrência de, na criança, o espaço morto ser mais reduzido do ponto de
vista anatômico.
A Ve acelera mais rápido em crianças durante o exercício máximo, podendo
alcançar cerca de 73% da Ve máxima em 1 minuto aos seis anos e 50 a 62% entre
11 e 17 anos. A Ve máxima aumenta com a idade até a fase adulta; entretanto,
quando os valores são expressos em relação ao peso corporal, as diferenças en-
tre crianças e adultos são mínimas. De fato, assume-se que, entre 6 e 25 anos, a
razão Ve máxima e peso corporal seja fixa em torno de 1,7.
A capacidade de difusão dos pulmões (CDp) aumenta com a idade, estatu-
ra, peso, área de superfície corporal e densidade de capilares alveolares, mas
é análoga aos valores de adultos quando comparada em relação ao tamanho
corporal. A CDp varia de 12ml × min-1× mmHg-1 aos quatro anos para 30 ml ×
min-1× mmHg-1 aos 12. Até a adolescência, ocorre progressivo aumento da den-
sidade capilar, e a razão entre o volume de sangue capilar e ventilação alveolar
é a menor na criança provavelmente pelo menor número relativo de alvéolos
comparados a adultos.
Apesar disso, a pressão parcial do oxigênio (PO2) e a saturação da hemoglo-
bina são semelhantes entre crianças e adultos, sugerindo que a reserva de difu-
são na criança seja adequada e não limite o transporte de oxigênio. Recordando
o que aprendemos nas aulas de Fisiologia do exercício, reserva de difusão é a
diferença entre o tempo de difusão pulmonar e o tempo de trânsito da hemácia
necessário à saturação da hemoglobina no capilar pulmonar.

3.3.3  Efeitos do treinamento

O treinamento físico produz, em crianças, uma resposta pulmonar mais pró-


xima da observada em adultos, e as alterações ventilatórias parecem em gran-
de parte associadas ao fortalecimento da musculatura respiratória. Durante o

capítulo 3 • 95
exercício, a ventilação máxima aumenta com o treinamento, e a submáxima di-
minui. Do mesmo modo, a frequência ventilatória diminui, e o volume tidal au-
menta em qualquer intensidade de exercício. Em relação a destreinados, crian-
ças treinadas apresentam volume tidal durante o exercício que utiliza maior
percentual da capacidade vital.
A Ve máxima é diretamente relacionada ao volume pulmonar. Nadadoras
com três ou mais anos de treinamento possuem maiores capacidades vital, pul-
monar total e residual funcional em comparação com jovens da mesma idade
destreinadas. O treinamento resultou em aumento da capacidade vital, que era
desproporcional com o crescimento linear.
A capacidade de exercício e o VO2 máximo em litros por minuto aumen-
tam gradualmente durante a infância, porém, como esperado, na puberdade
se elevam dramaticamente em meninos e estabilizam-se em meninas. Em ter-
mos absolutos, aos 16 anos, meninos possuem capacidade aeróbica que é 50%
maior do que a presente em meninas e os principais fatores que contribuem
para essa discrepância é a composição corporal e o volume cardíaco.
Os aumentos na capacidade de transporte de oxigênio de meninos duran-
te a puberdade encontram-se diretamente associados aos aumentos na massa
muscular e tamanho do coração, porém existem evidências de que o treina-
mento físico realizado nesse período possa ter importante participação.
Aumentos no volume máximo de oxigênio (VO2)durante o crescimento de-
correm predominantemente do desenvolvimento do coração com grandes au-
mentos no volume de ejeção. Conforme a equação de Fick, o VO2 máximo é o
produto entre a frequência cardíaca máxima, o volume de ejeção máxima e a
diferença arteriovenosa máxima de oxigênio. Como a frequência cardíaca má-
xima e a diferença arteriovenosa máxima se modificam bem pouco durante a
puberdade, as diferenças no VO2 máximo devem ser atribuídas a modificações
no volume de ejeção, que aumenta 200% entre cinco e 15 anos de idade.
O VO2 máximo relativo ao tamanho corporal não aumenta durante o cresci-
mento, mas, apesar disso, o rendimento esportivo de jovens durante a corrida
melhora em 100% após a puberdade. Vários autores têm sugerido, nesse con-
texto, que fatores como dispneia por esforço ou limitações no processo con-
trátil sejam capazes de limitar o rendimento esportivo no jovem pré-púbere.
Durante a puberdade, o jovem melhora o rendimento aeróbico por otimização
da eficiência mecânica, utilização de substratos energéticos, eficiência ventila-
tória e melhorias na coordenação do recrutamento de unidades motoras.

96 • capítulo 3
Mesmo assim, crianças pré-púberes não parecem responder tão significa-
tivamente ao treinamento aeróbico como jovens na puberdade e adultos. Isso
porque muitas vezes o jovem pré-púbere é incapaz de alcançar intensidade sufi-
ciente de exercício para produzir essas melhorias, e, mesmo quando isso ocor-
re, as melhorias do VO2 máximo não chegam a 10%, quando em adultos podem
alcançar 25% após o treinamento.
É possível que o maior nível de atividades físicas observado em crianças
promova elevação no limiar necessário para adaptações associadas ao treina-
mento, obrigando-as a treinar em intensidades relativas ainda mais altas que
adultos para produzir alteração mais significativa nos valores de VO2 máximo.
De todo modo, o treinamento é capaz de produzir algum efeito adicional sobre
as melhorias do VO2 máximo durante a infância, já que crianças treinadas apre-
sentam VO2 máximo um pouco maior do que as destreinadas.

3.3.4  Capacidade anaeróbica

Conforme estudamos, durante o exercício os níveis de ácido lático no sangue


e no músculo são sempre inferiores na criança em relação ao adulto. Biopsias
musculares realizadas em jovens pré-púberes indicaram que a concentração
de ATP e PCr no repouso e exercício são similares entre crianças e adultos, e
que os menores níveis de lactato durante o exercício observados em crianças
decorrem das menores reservas de glicogênio e reduzida atividade da PFK; isso
indica que a capacidade glicolítica do músculo esquelético ainda imaturo está
incompletamente desenvolvida. Diante desse quadro, parece existir uma ten-
dência da criança em se locomover em estímulos curtos (de 5 a 10 seg) e com
alta intensidade.

3.3.5  Habilidades motoras

As habilidades motoras de crianças melhoram progressivamente com a idade


até a puberdade e decorrem primariamente do desenvolvimento do sistema
neuromuscular e endócrino e, secundariamente, do aumento da atividade fí-
sica da criança. Enquanto as habilidades dos meninos continuam se desenvol-
vendo durante a puberdade, observa-se nas meninas uma estabilização nesse
mesmo período.
A análise do rendimento de meninos e meninas nos testes de agilidade,
corrida de 50m, salto a distância, corrida de 3.000 m, abdominais, flexão de

capítulo 3 • 97
braços, corrida de 1.500 m e barra parecem ser apenas ligeiramente melhores
em meninos até a puberdade. Na puberdade, estes continuam melhorando, ao
passo que o rendimento das meninas ou se estabiliza ou decai.
O aumento da razão estrogênio-testosterona que promove alterações na
composição corporal da menina e os menores volumes de músculo esquelético
e cardíaco já foram considerados por nós os principais fatores que contribuem
para a limitação no desempenho das habilidades nas meninas. Entretanto,
cumpre aqui ressaltar que um elevado condicionamento social impele meni-
nas a reduzirem o nível de atividades físicas durante esse período da vida, dedi-
cando-se a atividades mais sedentárias.

3.4  Acesso da maturação sexual – Escala de


Tanner

A maturação biológica ocorre durante a puberdade e é marcada pelo desenvol-


vimento das características sexuais secundárias e modificações na composição
corporal em ambos os sexos. Tais alterações fisiológicas influenciam o rendi-
mento de inúmeras habilidades motoras e ocorrem em virtude do aumento da
produção de hormônios sexuais a partir das influências hipotalâmicas sobre as
gônadas masculinas e femininas.
Nesse período, ocorre também o estirão do crescimento, que possibilitará o
alcance da altura máxima do indivíduo. O período de estirão pode durar entre
três e quatro anos e, além de representar aumento de cerca de 20% na altura da
criança, também implica ganhos de aproximadamente 50% na massa corpo-
ral total.
Em indivíduos do sexo masculino, os ganhos de peso associam-se aos in-
crementos de massa muscular resultantes da ação da testosterona, enquanto,
naqueles do sexo feminino, o estrogênio promove aumento significativo na de-
posição de gordura corporal, principalmente na região do quadril e da coxa.
A puberdade não deve ser compreendida como um evento repentino. Existe
um início gradual precedido de fase de incubação. Em geral, com início aos
11 anos em meninas e 13 anos em meninos, ocorrem dois anos de crescimento
rápido (fase de aceleração), seguidos de três anos de crescimento mais lento e
gradual (fase de desaceleração).

98 • capítulo 3
Embora tenhamos estabelecido épocas de vida para início e diferentes fases
do período pubertário, sabemos que a idade cronológica não representa parâ-
metro adequado para avaliação da maturação biológica do indivíduo, uma vez
que é influenciada por fatores genéticos e ambientais extremamente variáveis.
Identificar o desenvolvimento e a maturação sexuais do jovem é essencial
para uma avaliação apropriada do crescimento corporal e a expressão das ca-
racterísticas sexuais secundárias, sendo esses procedimentos de extrema im-
portância para o professor de Educação Física que pretende elaborar aulas ou
sessões de treinamento esportivo específico seguindo as exigências necessá-
rias ao desenvolvimento das habilidades motoras.
Jovens pré-púberes ainda possuem discos epifisários abertos e apresentam
dificuldades para a execução de movimentos com alta potência muscular, bem
como impossibilidade de produção de quantidades adequadas de suor durante
o exercício – fatores que influenciam na determinação da carga de treinamento
que o organismo é capaz de assimilar.
Regimes intensivos de treinamento podem influenciar a maturação sexual
e atrasar a menarca (amenorreia primária) e a gonadarca, tornando de grande
importância a identificação do período da vida em que os hormônios sexuais
podem dar o suporte necessário para que o organismo suporte rotinas mais ri-
gorosas de preparação física.
Nesse sentido, James Tanner elaborou uma escala padronizada para iden-
tificação dos estágios de maturação sexual, a qual começou a ser amplamente
utilizada na década de 1960 e ainda hoje é considerada um método prático e
fidedigno. Ela diz respeito à definição das medidas físicas de desenvolvimento
em cinco estágios baseadas nas características sexuais primárias e secundárias
e representadas por ilustrações que mostram as variações do tamanho das ma-
mas (M) e do pênis (G), assim como do volume testicular e da densidade de pe-
los pubianos (P) em cada período do desenvolvimento pubertário.
Para cada estágio, existem padrões para o crescimento de seios e pelos pu-
bianos em meninas e dos genitais e pelos pubianos nos meninos. Como exis-
tem duas variáveis a serem analisadas por gênero, apesar de serem frequentes
as avaliações em que a classificação seja semelhante nas duas variáveis em um
mesmo indivíduo, algumas vezes existem discrepâncias.
Por exemplo, é possível que meninas estejam no estágio 4 para desenvolvi-
mento das mamas e no 5 para desenvolvimento de pelos pubianos (M4P5) e que
meninos se apresentem no estágio 2 de desenvolvimento peniano e testicular

capítulo 3 • 99
e ainda no estágio 1 de desenvolvimento de pelos pubianos (G2P1). Raramente
existem discrepâncias superiores a mais de um estágio, mas, ainda assim, são
possíveis condições como G1P3, G4P1 e M3P1, que, muitas vezes, apesar de
normais, também podem representar diagnóstico de doenças suprarrenais
e testiculares.
As alterações das características sexuais secundárias que ocorrem durante
a puberdade correlacionam-se diferentemente com componentes específicos
dos estágios de maturação. Nesse sentido, a idade na menarca é mais correla-
cionada com o desenvolvimento da mama do que o crescimento de pelos pu-
bianos, e, nos meninos, corresponde ao momento em que o volume testicular
alcança 12ml.
Apresentaremos, a seguir, uma breve descrição das características de cada
um dos estágios para o desenvolvimento das gônadas (G), mamas (M) e dos pe-
los pubianos (P).

Gônadas (G1-G5):

A avaliação dos genitais do menino em G1 revela pênis, testículo e bolsa escro-


tal com aspectos totalmente infantis. Corresponde ao estágio pré-pubertário e
normalmente está presente até os nove anos de idade. Nesse período, o volume
testicular é menor que 1,5 ml, e o pênis tem menos de 3 cm de comprimento.
Nesse contexto, o ingresso em G2 corresponde ao aumento do volume testi-
cular, que alcança volume entre 1,6 e 6 ml, mas quase sempre ultrapassa os
4ml, representando o ingresso do jovem na puberdade. Não existe alteração no
comprimento peniano, e a pele da bolsa escrotal fica mais fina, avermelhada
e alarga.
Quando o volume testicular alcança entre 6 e 12 ml, o jovem ingressa no
G3. Nessa época, a bolsa escrotal se alarga ainda mais, e o pênis atinge compri-
mento de cerca de 6 cm. No estágio G4, o volume testicular encontra-se entre
12 e 20 ml, e a bolsa escrotal, além de alargar ainda mais, também escurece
ligeiramente. Nessa fase, o pênis aumenta em comprimento (alcança 10 cm) e
circunferência, e a glande se destaca com maior proeminência.
Deve ser ressaltado que o volume testicular de 12 ml é correspondente à go-
nadarca masculina e representa o volume mínimo necessário à reprodução. No
estágio G5, o volume testicular alcança 20 ml, e a bolsa escrotal e o pênis apre-
sentam características adultas.

100 • capítulo 3
Mamas (M1-M5):

No estágio M1 não existe tecido glandular, e, enquanto a aréola segue o contor-


no da pele do peito, a papila tem pequena elevação, apresentando diâmetro de
cerca de 3mm. Representa um momento pré-pubertário clássico e ocorre tipi-
camente até os dez anos. Em B2, existe a formação de protuberância conhecida
como broto mamário, com uma pequena área de tecido glandular no entorno; a
aréola começa a alargar, e a papila alcança diâmetro de 3,4mm. Esse momento
também é conhecido como telarca e pode ocorrer inicialmente em uma mama
para somente depois de meses ocorrer na outra.
Já em B3, a mama começa a ficar mais elevada e se destaca da borda da
aréol, que continua a alargar, mas permanece em continuidade com a pele do
peito. Nesse estágio, a papila alcança cerca de 4,7 mm de diâmetro. Em B4, o
tamanho da mama e sua elevação aumentam, e a aréola e papila, que atingem
7,3 mm de diâmetro, formam um broto secundário a partir do contorno da pele
do peito. Algumas jovens interrompem o desenvolvimento das mamas nesse
estágio. No estágio B5, as mamas alcançam o tamanho adulto final, e a aréola
retorna ao contorno da pele do peito com projeção da papila central, que atinge
cerca de 9,4 mm de diâmetro.

Pelos (P1-P6):

Em P1 não existem pelos pubianos; os pelos velus não são mais desenvolvidos
do que os presentes na parede abdominal. Pelos velus são finos, levemente co-
loridos, curtos e dificilmente observáveis, sendo característica do corpo infan-
til de crianças até aproximadamente dez anos. Já em P2, ocorre crescimento de
pelos mais longos e levemente pigmentados, retos e extremamente espaçados,
surgindo na base do pênis ou em torno dos lábios maiores. Em geral ocorre
entre os 10 e 11,5 anos.
O estágio P3 costuma ocorrer entre os 11,5 e 13 anos de idade e caracteriza-
se pela presença de pelos mais escuros, grossos e enrolados, bem como pelo au-
mento de sua densidade pubiana. Entre 13 e 15 anos, o estágio P4 se manifesta
e os pelos se apresentam no padrão adulto, mas ainda não se propagaram para
o interior das coxas; em P5, que normalmente ocorre após os 15 anos, a quan-
tidade e distribuição de pelos inclusive na parte interna da coxa apresentam
padrão adulto com o clássico triângulo invertido do tipo feminino. O estágio

capítulo 3 • 101
P6 só é observado em 80% dos homens e 10% das meninas e se caracteriza pela
propagação de pelos por todo o púbis. Alguns indivíduos somente atingem esse
estágio anos depois da puberdade.
Conforme proposto anteriormente, se a menarca representa um marco de
maturação na menina, o volume testicular tem o mesmo valor para identifica-
ção da maturação sexual masculina. Além da observação através da escala de
Tanner, a avaliação da maturação sexual masculina pode ser realizada pela uti-
lização do orquidômetro de Prader, que inclui modelos testiculares elipsoides
feitos de madeira ou plástico e integrados a um anel. Os modelos possuem volu-
mes de 1 a 25 ml e a avaliação é normalmente realizada através de palpação tes-
ticular realizada com uma mão e comparação com o padrão com a outra mão.
O volume testicular está diretamente associado à sua função. Alguns auto-
res consideram que o volume de 12 ml pode ser alcançado entre 13 e 14 anos,
coincidindo com a velocidade máxima de crescimento e o valor mínimo neces-
sário à reprodução. Conforme mencionado, o início da puberdade é represen-
tado por volume testicular de 4 ml, e jovens entre 11 e 12 anos que ainda apre-
sentam volume entre 1 e 2 ml provavelmente possuem puberdade atrasada.
Apesar de a maioria dos adolescentes ter os testículos de tamanho similar,
é comum que o testículo esquerdo apresente volume ligeiramente maior que o
direito, porém, quando tal diferença é superior a 20%, é importante investigar
se algum fator como varicocele, orquite ou outros problemas estão impedindo
o crescimento testicular. Medir o tamanho dos testículos também é importante
para o diagnóstico de doenças como a síndrome de Klinefelter, que se caracte-
riza pela atrofia testicular, ou a síndrome do X frágil, em que os testículos ficam
excessivamente aumentados.
De um modo geral, os diferentes estágios de Tanner correspondem a taxas
de crescimento distintas entre ambos os sexos. Dessa forma, se no estágio 1,
pré-pubertários meninos e meninas crescem ao ritmo de 5 a 6 cm/ano, no es-
tágio 2, apesar de a taxa de crescimento dos meninos permanecer constante,
acelera-se na menina para 7 a 8 cm por ano, ritmo somente alcançado por me-
ninos no estágio 3. Entretanto, no estágio 3, a taxa de crescimento da menina
começa a desacelerar, e ela cresce ao ritmo de cerca de 8 cm por ano. No estágio
4, enquanto meninos passam a crescer no ritmo de 10 cm por ano, as meninas
decaem para 7 cm por ano, não havendo crescimento adicional após os 17 anos
em meninos e 16 anos em meninas. É evidente que tais valores são bastante

102 • capítulo 3
variáveis em razão de, como ressaltamos, a idade cronológica não corresponder
necessariamente à idade biológica do indivíduo.
Em decorrência dos problemas éticos muitas vezes associados à análise das
características sexuais secundárias de crianças e de relatos de abuso e porno-
grafia infantil, esse método tem sido realizado por meio de autoanálise do pró-
prio jovem com ou sem a participação direta dos pais, que podem efetuar a ava-
liação em domicílio, com base nas ilustrações contidas em uma ficha. Apesar
dos erros de avaliação provocados por distúrbios de autoimagem corporal, a
autoanálise continua sendo recomendada para evitar constrangimentos entre
crianças em momentos em que essa análise se faça necessária.

3.5  Características fisiológicas e motoras da


senescência

É extremamente difícil quantificar os efeitos do envelhecimento sobre as fun-


ções fisiológicas e o rendimento físico. Isso ocorre porque o estilo de vida pode
tanto acelerar como retardar os efeitos do envelhecimento. Algumas pessoas se
deterioram aos 20 ou 30 anos devido à falta de exercícios, obesidade, hábitos
alimentares inadequados, tabagismo e estresse. Outras são saudáveis e fisica-
mente ativas mesmo após os 60 anos, sendo muitas vezes capazes de apresen-
tar desempenhos esportivos impressionantes.
A doença também pode complicar nosso entendimento acerca do processo
de envelhecimento, uma vez que distúrbios como osteoartrite, aterosclerose
entre outros, por serem mais comuns em idosos, parecem fazer parte do pro-
cesso normal de envelhecimento. Assim, apesar de o envelhecimento contri-
buir para a deteriorização da capacidade fisiológica, é extremamente difícil
separar esses efeitos daqueles associados ao descondicionamento e à doença.
O estilo de vida ativo pode melhorar o rendimento e a saúde ao longo da
vida mas não interrompe o processo de envelhecimento. A expectativa de vida
média aumentou de 47 anos, em 1900, para 80 anos em 2015, em grande parte
graças aos avanços na saúde pública e Medicina; mesmo assim, são poucos os
que conseguem chegar aos 100 anos.
O envelhecimento caracteriza-se pela redução da capacidade de manuten-
ção da homeostase, resultando em menor probabilidade de sobrevivência do

capítulo 3 • 103
organismo. De fato, vários mecanismos de controle fisiológicos não funcionam
adequadamente.
Fatores genéticos possuem grande influência na duração da vida, e sua
combinação com fatores ambientais determina a qualidade de vida. Pesquisas
realizadas em gêmeos idênticos e não idênticos demonstram que a expectati-
va de vida desses irmãos é muito similar. Os irmãos idênticos morrem entre
dois e quatro anos de diferença um do outro; os não idênticos, entre sete e
nove anos.

3.6  Atividade física e envelhecimento


Em 1954, Denhan Harman formulou a Teoria do Envelhecimento Induzido
pelos Radicais Livres, segundo a qual moléculas, conhecidas como espécies
reativas de oxigênio (ROS), naturalmente produzidas durante o metabolismo
aeróbio, seriam capazes de alterar a estrutura e a função de proteínas, além das
membranas nuclear e celular. Tais alterações produziriam uma sucessão de da-
nos que modificariam as características teciduais e os processos de regenera-
ção, comprometendo irreversivelmente o funcionamento da célula.
Dentre todas as teorias vigentes para explicar o processo de envelhecimen-
to, aquela proposta por Harman parece a mais adequada para explicar a deca-
dência fisiológica que se observa ao longo do tempo em todos os organismos
aeróbios. De fato, à medida que um ser aeróbio envelhece, as chances de morte
aumentam, e, dependendo da espécie, mais cedo ou mais tarde a vida terá fim.
Entre seres humanos, a duração máxima da vida encontra-se em torno de
110 a 120 anos, mas pode ser de apenas 14 dias em moscas-da-fruta (Drosophila
melanogaster). Interessantemente, nesses insetos, quando a temperatura do
ambientes é reduzida de 30 para 10°C, a longevidade se eleva espantosamente
para 120 dias. Como a redução da temperatura corporal reduz a taxa metabólica
basal (TMB), os seguidores de Harman começaram a propor que a longevidade
de um organismo seria inversamente proporcional à sua taxa metabólica basal.
Como as mitocôndrias são importantes fontes de radicais livres, sempre
que o metabolismo de organismos aeróbios fosse diminuído, haveria menor
consumo de oxigênio; consequentemente,redução na produção de ROS e au-
mento da longevidade. Parecia claro que os efeitos de intervenções genéticas e

104 • capítulo 3
nutricionais que reduziam a produção de ROS estavam diretamente associados
à diminuição da TMB do organismo.
Entretanto, evidências recentes demonstram que tanto o consumo de oxigê-
nio quanto a produção de calor por quantidade de massa corporal do organis-
mo encontram-se, na verdade, mais elevados em resposta a tais intervenções.
De igual modo, estudos realizados em seres humanos com idade entre 66 e 100
anos indicam que aqueles com mais de 95 anos apresentam maior consumo de
oxigênio em repouso do que aqueles com menos de 75 anos.
O envelhecimento caracteriza-se pelo declínio de várias funções do orga-
nismo e é capaz de afetar diretamente o rendimento humano. Em decorrência
da influência do condicionamento cardiorrespiratório na independência fun-
cional, qualidade de vida, desenvolvimento de doença cardiovascular e taxa de
mortalidade, existe atualmente um grande interesse acerca das modificações
que ocorrem sobre a capacidade de consumo de oxigênio do indivíduo ao longo
da vida.
Evidências recolhidas nos últimos 50 anos sugerem que a diminuição do
VO2 máximo associada à idade seja de 1% ao ano entre as idades de 20 e 70
anos. Tal declínio ocorre predominantemente em virtude da redução dos ní-
veis de atividade física, da diminuição do débito cardíaco máximo e da massa
muscular. Nas primeiras décadas de vida, o treinamento aeróbio de alta in-
tensidade implementado por jovens entre 20 e 40 anos de idade parece redu-
zir em cerca de 50% o ritmo natural de declínio verificado nos seres humanos.
Entretanto, a partir dos 40 anos, independentemente do nível de atividade
física do indivíduo, passa a existir redução de aproximadamente 10% por dé-
cada (0,8-1,1 ml x Kg-1 x min-1/ano) no VO2 máximo. Apesar de alguns estudos
sugerirem que o declínio desse parâmetro seja inferior na mulher (0,2-0,5 ml
x Kg-1 x min-1 /ano), quando são realizados ajustes para comparação em ter-
mos relativos da massa magra, parece não existir qualquer diferença entre
os sexos.
O comprometimento do débito cardíaco máximo durante o processo de en-
velhecimento decorre das reduções observadas na frequência cardíaca máxima
(FCmx) e no volume de ejeção máximo. A redução da FCmx ocorre devido à di-
minuição da sensibilidade dos receptores beta-adrenérgicos em face à exposi-
ção prolongada de muitos anos a diferentes concentrações de catecolaminas.
Efeito semelhante parece existir em atletas com overtraining de predomínio

capítulo 3 • 105
parassimpático, que acomete frequentemente praticantes de esportes de longa
duração, em que o volume do treinamento predomina sobre a intensidade.
As reduções observadas sobre o volume de ejeção, por outro lado, ocorrem
em razão das diminuições do retorno venoso e das limitações existentes no
enchimento ventricular. Em ambas as situações, as alterações funcionais pa-
recem estar associadas ao enrijecimento das estruturas vasculares e do mio-
cárdio. Ligações entre proteínas de colágeno – conhecidas como “ligações cru-
zadas” – parecem ser formadas nesses tecidos ao longo da vida dificultando, o
ritmo normal de remoção de proteínas envelhecidas e proporcionando acúmu-
lo inadequado de grandes conglomerados proteicos no interior da célula. Esse
fenômeno compromete a capacidade de distensão e contração da musculatura
lisa vascular, bem como das paredes ventriculares, alterando o ritmo de retorno
venoso e o enchimento do ventrículo.
Tais efeitos também são verificados nas artérias e arteríolas e contribuem
para o aumento da resistência vascular periférica (RVP) com consequentes au-
mentos na pressão arterial sistólica e diastólica. De fato, a hipertensão arterial
é uma condição fisiopatológica de elevada incidência em idosos e responsável
pelo aumento do risco de morte por eventos catastróficos ocorridos no sistema
circulatório, como o acidente vascular.
O envelhecimento também reduz a relação capilar-fibra, diminuindo a
oferta de sangue para o músculo esquelético durante o exercício e, portanto,
comprometendo o rendimento aeróbio. A involução do número de capilares
(retrocesso da angiogênese) é considerada por muitos autores, resultado da
inatividade física, pois existe predominantemente nos músculos esquelético e
cardíaco, bem como nos alvéolos pulmonares, diminuindo neste último caso a
possibilidade de perfusão de oxigênio. No pulmão ocorre também alargamento
dos alvéolos em virtude da formação de pseudoelastina, resultado da interação
de pontes cruzadas entre proteínas de colágeno e de elastina.
Existem evidências de que a manutenção de treinamento aeróbio de alta
intensidade entre indivíduos com mais de 50 anos de idade seja capaz de re-
duzir a taxa de declínio do VO2 máximo ; entretanto, tal redução parece inevi-
tável, pois a manutenção de alta carga de treinamento (volume e intensidade)
ao longo da vida é comprometida por vários fatores fisiológicos, psicológicos e
sociais. Em geral, mesmo em indivíduos que procuram manter o ritmo de trei-
namento ao longo da vida desde os 20 até os 50 anos de idade, em paralelo ao
declínio do rendimento aeróbio, existem alterações na composição corporal

106 • capítulo 3
relacionadas ao aumento do percentual de gordura e redução da massa mus-
cular que influenciam diretamente no VO2 máximo. Entretanto, quando essas
comparações são feitas em função de percentuais relativos do VO2 máximo, o
declínio da capacidade aeróbia entre indivíduos que se mantêm ativos em trei-
namento intensivo parece ser de apenas 1,5 a 2% por década.
A impossibilidade de manutenção de níveis de intensidade de treinamento
muito elevada deve-se, em parte, aos desgastes articulares observados com o
tempo, que se caracterizam pela redução do número de condrócitos e proteo-
glicanas, bem como pelo aumento significativo do número e da espessura das
fibras de colágeno. A semelhança do descrito para os tecidos do miocárdio, o
pulmão e o tecido vascular, parece existir também nas articulações significati-
vo acúmulo de pontes cruzadas entre proteínas de colágenos,o que restringe a
mobilidade articular.
O treinamento aeróbio é capaz de melhorar a capacidade aeróbia de idosos
que se encontravam fisicamente inativos por vários anos e, com isso, reduzir o
risco de mortalidade deles. A maioria dos estudos indica que, apesar das dife-
renças no que diz respeito ao condicionamento físico inicial, à motivação, às
características genéticas e à carga de treinamento, ganhos de aproximadamen-
te 20% do VO2 máximo podem ser conquistados após 6 meses de treinamento
aeróbio bem planejado. Nesses estudos, melhorias verificadas sobre o retorno
venoso e o enchimento ventricular garantiam aumentos no débito cardíaco em
mais de 3l/min. De igual modo, alterações do eletrocardiograma como depres-
sões no segmento ST podem ser melhoradas com o treinamento aeróbio, suge-
rindo que o incremento da velocidade do fluxo coronariano é capaz de aumen-
tar a disponibilidade de óxido nítrico também nesses indivíduos.
Outras alterações características do processo de envelhecimento incluem
redução da capacidade termorregulatória e do controle do sistema nervoso
autônomo. Comparativamente a indivíduos jovens, idosos apresentam tem-
peratura central mais elevada para a mesma intensidade relativa de exercício,
um efeito diretamente relacionado à menor capacidade de produção de suor e
que pode estar relacionado exclusivamente ao descondicionamento físico dos
indivíduos avaliados nesses estudos. Por outro lado, o envelhecimento produz
distúrbios autonômicos que aumentam a ocorrência de hipotensão ortostática
e o consequente desequilíbrio corporal, contribuindo para elevada incidência
de quedas entre idosos.

capítulo 3 • 107
Planos de treinamento aeróbio bem delineados são de grande importância
para assegurar a independência física do idoso e podem influenciar positiva-
mente a respeito de parâmetros termorregulatórios e do controle autonômico.
Estima-se que a vida cotidiana independente, sem o auxílio de terceiros, ne-
cessite de capacidade aeróbia mínima de 20 ml x Kg -1 × min -1 ou o equivalen-
te a 6 METs, valores que podem ser alcançados facilmente com programas que
incluam caminhadas regulares e algumas sessões semanais de treinamento
de força.
Nesse contexto, a redução da massa muscular no idoso restringe as possibi-
lidades de consumo de oxigênio por parte desse tecido. Esse processo caracteri-
za-se por significativa redução da força muscular com diminuição nas concen-
trações musculares de ATP e fosfocreatina (observados predominantemente
nas fibras do tipo II); além disso, está relacionado à redução e disfunção das
mitocôndrias e diminuição quantitativa das enzimas aeróbias que participam
do ciclo de Krebs e da beta oxidação. Denominado sarcopenia, o decréscimo da
massa muscular verificado durante o envelhecimento, parece estar relaciona-
do à redução dos níveis de atividade física, bem como às alterações endócrinas
que se processam ao longo da vida.
O nível de força necessário para atender às demandas cotidianas é bem in-
ferior à capacidade de força máxima individual. Em decorrência disso, as re-
duções da força muscular que começam a ocorrer após os 30 anos de idade na
maioria dos indivíduos sedentários são pouco percebidas antes dos 60 anos
de idade. Além das reduções na força muscular, o processo de sarcopenia ca-
racteriza-se por significativa atrofia das fibras tipo II, com acúmulo de gordura
intracelular, efeitos que podem ser significativamente atenuados com a manu-
tenção de treinamento aeróbio.
Outra característica da sarcopenia é a apoptose de fibras musculares tipo I e
II, que reduz a quantidade total de fibras no músculo esquelético e compromete
tanto a capacidade máxima de força como o rendimento aeróbio. Muitas vezes,
a morte celular decorre de desnervação do neurônio motor; em indivíduos se-
dentários, esse processo parece ocorrer predominantemente em fibras do tipo
II. Nesse caso, existe a possibilidade de o neurônio motor sofrer apoptose ou
reinervar em fibras do tipo I, já que também parece existir uma tendência em
indivíduos moderadamente ativos de aumento de unidades motoras do tipo I.
Acredita-se, portanto, que cerca de 10% das fibras musculares sejam perdidas a

108 • capítulo 3
cada década após os 50 anos de idade, o que explica grande parte da redução de
massa muscular observada durante o processo de envelhecimento.
De modo geral, estima-se redução na força muscular de 8% por década
a partir dos 45 anos, resultando em declínio total de quase 40% da força ao
longo da vida. Esses efeitos são observados tanto nas manifestações de força
isométrica quanto dinâmica e acometem também a velocidade de encurta-
mento do músculo. A mencionada perda seletiva de fibras musculares ocor-
re mais rapidamente nos membros inferiores e pode estar relacionada a te-
rapias farmacológicas que incluem a utilização de estatinas para a redução
da hipercolesterolemia.
A redução da força muscular pode comprometer ainda mais a função res-
piratória, além de provocar alterações locomotoras que prejudicam o equilí-
brio e elevam a susceptibilidade a quedas e fraturas de ossos trabeculares dos
idosos (vértebras e cabeça do fêmur), problema de grande gravidade, pois con-
tribui para grande número de óbitos no período de 12 meses após o acidente.
Alterações sobre as estruturas ósseas também comprometem a capacidade res-
piratória, criando um círculo vicioso que restringe cada vez mais as possibilida-
des de movimento.
Em ambos os sexos, o envelhecimento caracteriza-se por perda constante
de massa óssea, porém esse processo é muito mais acelerado na mulher após
a menopausa. Esse efeito decorre da redução na produção de estrogênios que
exercem função ativadora do processo de mineralização óssea. Reduções subs-
tanciais da densidade óssea podem ser observadas durante o envelhecimento,
e o desenvolvimento de osteoporose parece depender do nível de massa ós-
sea alcançada na puberdade, situação diretamente relacionada à ingestão ali-
mentar de cálcio e ao nível de atividades físicas. Recentemente, a formação de
pontes cruzadas entre proteínas de colágeno nos ossos foi considerada um im-
portante fator de comprometimento da mineralização de ossos trabeculares,
contribuindo diretamente para a elevação do risco de fraturas
O treinamento físico é capaz de promover benefícios sobre a massa óssea e
muscular: melhora a coordenação e o equilíbrio e promove aumentos de força
sobre os músculos respiratórios, além de melhorias na postura corporal que,
como se observa, tende a assumir padrão cifótico que restringe a expansão da
caixa torácica e prejudica a ventilação. Assim como o treinamento aeróbio, o
treinamento de força pode produzir ganhos significativos de força e massa

capítulo 3 • 109
muscular entre indivíduos idosos; portanto, deve ser implementado em con-
junto com programas de desenvolvimento da capacidade aeróbia.
Embora existam grandes diferenças relacionadas ao nível de condiciona-
mento inicial do indivíduo, os aumentos na seção transversa do músculo va-
riam entre 10 e 40% em resposta ao treinamento de força implementado por
12 a 16 semanas em indivíduos idosos com mais de 65 anos. Metodologias de
treinamento de força podem melhorar a funcionalidade do corpo para ativida-
des cotidianas, contribuindo significativamente para melhorias na qualidade
de vida do indivíduo.
A sarcopenia também pode estar associada à redução da ingestão calórica,
especialmente de proteínas, verificada a partir dos 55 anos de vida. Estima-se
que 50% dos idosos residentes em grandes centros urbanos consumam quanti-
dade inferior a 0,67g x Kg-1× dia-1 – muito abaixo dos 0,8g x Kg-1× dia-1 que muitos
autores consideram também insuficiente. De fato, a partir dessa época, tanto a
massa muscular como a massa de gordura sofrem significativas reduções em
efeito que se estende pelas próximas três décadas de vida e colabora para uma
significativa redução da massa corporal total.
A sarcopenia decorre de alterações na absorção de nutrientes por atrofia
das vilosidades do epitélio intestinal e elevações sobre os níveis hipotalâmi-
cos de neuropeptídeo Y (NPY), neurotransmissor responsável pelo controle
da fome no ser humano. De maneira interessante, alguns autores atribuem à
grelina, produzida pelo estômago durante períodos de jejum prolongado, e ao
NPY os efeitos positivos de aumento da longevidade relacionados à restrição
calórica, único método verdadeiramente eficaz para prolongar a vida de vários
animais.
Curiosamente, já foram relatadas em idosos reduções na capacidade de
produção de grelina durante o jejum, condição que contribui para a “anorexia
do idoso”. Esse processo, exacerbado pela redução da taxa metabólica basal
que existe em função da perda de massa muscular, encontra-se associado à
incapacidade fisicofuncional do idoso e a alterações endócrinas, mas sofre in-
fluências igualmente importantes de fatores psicológicos (depressão), já que
nas sociedades ocidentais esses indivíduos são, na maior parte dos casos, dire-
cionados ao isolamento social.
A produção e a secreção do hormônio do crescimento (GH) variam em fun-
ção do tempo de vida do indivíduo. Valores elevados durante a primeira e a
segunda infância, necessários ao crescimento do corpo, dão lugar a reduções

110 • capítulo 3
gradativas ao longo da vida adulta. A redução de GH inicia-se gradualmente a
partir dos 30 anos e acelera depois dos 45 anos, podendo colaborar diretamen-
te para o processo de sarcopenia. Como discutido anteriormente, o GH é capaz
de ativar tanto a degradação de gordura no tecido adiposo como o transporte
intracelular de aminoácidos, além de influenciar os processos de síntese em
diferentes tecidos por meio do estímulo da secreção hepática de IGF-1. No mús-
culo esquelético, colabora após o exercício, ao lado do MGF, para a ativação das
células-satélite, hipertrofia e regeneração da fibra muscular.
De igual modo, aparentemente, ao longo da vida,ocorre em alguns indiví-
duos do sexo masculino a redução gradativa da produção testicular de testos-
terona. Esse hormônio apresenta papel importante na reabsorção óssea, na
libido e na função erétil, no rendimento cognitivo e, finalmente, na hipertrofia
e regeneração do músculo esquelético, podendo, em casos de reduções de sua
síntese, colaborar para o desenvolvimento da sarcopenia.
Além da perda de força e massa muscular, o idoso experimenta aumento do
tempo de recuperação das lesões nos tecidos musculares, que podem estar as-
sociados aos decréscimos de GH e testosterona observados ao longo do tempo.
Além disso, reduções no GH têm sido associadas às alterações na composição
corporal (aumento da quantidade de gordura subcutânea e visceral) e à involu-
ção do timo, órgão linfático localizado na porção anterossuperior da cavidade
torácica, responsável pela maturação das células T, efeito que,nesses indiví-
duos, contribuiria para a redução da imunidade frequentemente observada.
Nesse sentido, uma vez que a hipertrofia adipócita pode aumentar a pro-
dução de citocinas inflamatórias que ativam as vias de degradação proteica no
músculo esquelético, diversos estudos tentam demonstrar que a suplementa-
ção com GH e testosterona tem efeito rejuvenescedor no organismo humano,
diminuindo as consequências do envelhecimento e melhorando a qualidade
de vida. Entretanto, as ações hiperglicemiantes do GH, além dos efeitos indese-
jáveis na proliferação de cartilagens, limitam sua utilização em indivíduos ido-
sos. Como grande parte destes apresenta intolerância a glicose, diabetes tipo
II ou resistência a insulina, os benefícios da suplementação com GH seriam
amplamente contrabalançados por seus efeitos colaterais. De igual modo, a
possibilidade de desenvolvimento de células tumorais (câncer) também limita
a utilização de GH e testosterona em idosos.
Mais recentemente, outros estudos têm sugerido que a utilização de ini-
bidores da miostatina, proteína responsável pela regulação negativa das

capítulo 3 • 111
células-satélite, possa representar importante alvo no tratamento da sarcope-
nia. Entretanto, seus efeitos colaterais sobre as funções reprodutivas e o desen-
volvimento mitocondrial podem representar um prejuízo muito grande para
esses pacientes, até porque, como estudaremos, a etiologia da sarcopenia e de
vários processos relacionados ao envelhecimento parece depender da disfun-
ção mitocondrial.
Adicionalmente, vários estudos têm sugerido que o GH esteja diretamen-
te relacionado à longevidade de diferentes organismos. Ao contrário do que se
imaginava, reduções no GH aumentam a longevidade do organismo enquanto
maior concentração desse hormônio exerce efeito oposto. Tal efeito do GH so-
bre a longevidade revela o papel das vias anabólicas sobre o processo de enve-
lhecimento e corresponde aos achados recentes que evidenciam ser a restrição
de glicose capaz de aumentar a longevidade dos organismos.
Tanto o IGF-1 como a insulina participam na redução da longevidade celu-
lar (insulin/IGF-1 paradox) e exercem seus efeitos celulares por meio da ativa-
ção da via de sinalização PI3K-Akt-mTOR, que promove a síntese proteica e ini-
be sua degradação. Essa via, entretanto, não apenas interrompe a degradação
proteica mediada pelo sistema ubiquitina–proteassoma, mas também impede
os necessários processos de autofagia em células que muitas vezes precisam
reduzir quantidades excessivas de proteínas envelhecidas.
O interessante é que, na sarcopenia, não são as vias de degradação que se
encontram reguladas positivamente, mas, sim, os defeitos que se processam
nas vias de síntese associadas à sinalização da PI3K-Akt. Nesse sentido, diante
das reduções endócrinas de GH e testosterona, e considerando que a ativação
das vias de síntese está associada à redução da longevidade, é razoável especu-
lar que tais alterações fisiológicas do envelhecimento ocorram justamente para
promover aumento substancial da longevidade humana, muitos anos além do
início do período reprodutivo; tal aspecto é incomum entre a maioria dos ani-
mais e primatas. De fato, muitos estudos antropológicos ressaltam o papel das
avós na transmissão cultural aos netos, propiciando mecanismo seletivo que
possibilitou o prolongamento da vida reprodutiva da filha (menopausa tardia)
e que pode ter colaborado para a sobrevivência e o desenvolvimento hominí-
deo, que, como se sabe, dependeu de sofisticados laços sociais .
Entre organismos aeróbios multicelulares, sistemas de eliminação de pro-
dutos oxidados são extremamente conservados e asseguram a sobrevivência ce-
lular por grande parte do período reprodutivo. A contenção desse processo pela

112 • capítulo 3
ativação da via PI3K-Akt-mTOR pode reduzir a longevidade da célula uma vez
que possibilita o acúmulo de estruturas danificadas em seu interior (98, 99). De
fato, em modelos experimentais em que a Akt tenha sido geneticamente hipe-
rativada, houve redução significativa da longevidade do animal com acúmulos
de substâncias oxidadas e conglomerados proteicos unidos entre si por pontes
cruzadas que, conforme discutido, parecem estar presentes em vários tecidos
no corpo humano. Esses estudos corroboram as indicações de que dietas de
restrição calórica sem desnutrição podem colaborar para o aumento signifi-
cativo da longevidade de mamíferos e primatas e possivelmente também, de
seres humanos.
Os mecanismos de limpeza celular associados à autofagia, que redimen-
sionam seu paradigma destruidor e nocivo à célula, podem ser induzidos pe-
las SIRT-1, assim como o sistema proteassoma pode ser induzido pela AMPK,
moléculas ativadas em função da redução dos níveis de energia celular que po-
dem ser promovidos pela restrição calórica (em especial de carboidratos) e pelo
treinamento físico aeróbio. Nesse sentido, a ativação da autofagia em modelos
experimentais é capaz de aumentar significativamente a longevidade do orga-
nismo, e sua inibição provoca doenças e reduz o tempo de vida.
A formação de pontes cruzadas entre proteínas de colágeno representa um
dos mais importantes processos de impedimento à ação dos sistemas de elimi-
nação e limpeza intracelular. Agregados de proteínas unidos entre si por pontes
cruzadas podem paralisar proteassomas e lisossomas, bem como impedir a ne-
cessária renovação de proteínas intracelulares. Em decorrência desse processo,
observam-se, com o envelhecimento do organismo, agregados fluorescentes
conhecidos como lipofuscina. De cor avermelhada ou marrom-escura, a lipofus-
cina se acumula em diferentes tecidos e pode representar não apenas a falência
dos sistemas de limpeza, mas também – e principalmente – a alteração da es-
trutura original dos tecidos. No músculo esquelético de indivíduos idosos, de
maneira proporcional à idade, esses conglomerados proteicos se elevam quanti-
tativamente e contribuem para o enrijecimento desse tecido, o desenvolvimento
de sarcopenia e a limitação da flexibilidade, aumentando as chances de lesão
por estiramento súbito da fibra muscular.
As estruturas dos vasos, do músculo cardíaco, dos alvéolos e também dos
glomérulos renais representam outros exemplos de tecidos cujas característi-
cas estruturais são alteradas em função da formação de pontes cruzadas e que
apresentam elevado conteúdo de lipofuscina. Como veremos, tais processos

capítulo 3 • 113
estão diretamente associados à presença de glicose e proteínas, macronutrien-
tes indispensáveis à manutenção da vida.
A molécula de glicose apresenta um grupamento carbonila que se comporta
quimicamente como um aldeído. Sendo assim, em temperatura entre 37 e 40
graus, a glicose é capaz de formar ligações reversíveis in vivo com os grupamen-
tos aminas de proteínas ou aminoácidos, dando origem às chamadas bases de
Schift (reação de Maillart). A contínua exposição aos macronutrientes anterior-
mente mencionados contribui para a formação de reações adicionais de glica-
ção proteica, chamadas de produtos de Amadori (ainda reversíveis), que, diante
de estresse oxidativo, contribuem para a geração de produtos de glicação não
enzimática avançada (AGE)
Os AGEs representam um grupo de macromoléculas formadas a partir
da glicação não enzimática de proteínas, lipídeos e ácidos nucleicos. Tais
ligações formam as chamadas “pontes cruzadas”, sendo abundantemente
encontradas em vários órgãos de idosos. Sua contínua formação é capaz de
formar grandes agregados proteicos que se acumulam no interior da célula,
interferindo no funcionamento dela. Por seu grande volume, não podem ser
removidos pelos sistemas de limpeza e representam um empecilho à degra-
dação de outras proteínas, pois é capaz de prejudicar a função do proteasso-
ma e do lisossoma, “entupindo-os”. Além disso, a formação de pontes cru-
zadas com proteínas aumenta o estresse oxidativo e regula positivamente o
processo inflamatório.
Tais produtos de glicação avançada podem ser formados tanto no interior
como no exterior das células pelo excesso agudo de glicose ou a partir da ex-
posição prolongada dos tecidos a essa molécula, estando abundantemente
presente nos tecidos de diabéticos. Como vimos, o envelhecimento humano
é caracterizado pelo enrijecimento de vários tecidos com proteínas de baixo
turnover e que apresentam grande quantidade de matriz extracelular. Nesse
sentido, já foram relatados danos funcionais provocados pelos acúmulos de
AGEs nos olhos, no sistema cardiovascular, nos eritrócitos, fígado, rins, mús-
culo esquelético, tendões, ossos, articulações, alvéolos e pele. Tais processos
de glicação afetam as propriedades mecânicas dos tecidos e podem contribuir
para precipitar disfunções características do envelhecimento. Lesões ateroscle-
róticas e a rigidez ventricular característica da falência cardíaca, por exemplo,
estão diretamente associadas ao acúmulo de AGEs.

114 • capítulo 3
De igual modo, esse acúmulo nos rins prejudica a taxa de filtração glo-
merular e reduz a quantidade de podócitos glomerulares, elevando o risco
de falência renal, processo frequentemente observado em pacientes diabéti-
cos em cuja produção de AGEs ocorre em virtude da hiperglicemia crônica.
Alguns autores acreditam que a elevada quantidade de AGEs produzida pelo
metabolismo da glicose e o elevado conteúdo dessas substâncias em produtos
alimentícios processados em elevadas temperaturas (p.ex., o leite pasteuriza-
do) possam contribuir para a formação abundante de pontes cruzadas, bem
como acelerar o processo de envelhecimento, provocando disfunção em vá-
rios tecidos.
Apesar de a glicose poder auto-oxidar-se e reagir espontaneamente com ou-
tras proteínas no meio extracelular, os AGEs também podem ser formados intra-
celularmente. A via glicolítica é uma importante fonte de produtos de glicação
como o metilglioxal e a 3-deoxiglicosona; toda vez que é excessivamente aciona-
da, contribui para a formação abundante dessas moléculas. Adicionalmente,
os AGEs podem interagir com seus receptores celulares (RAGE) e incitar a pro-
dução de citocinas pró-inflamatórias (através da ativação da NF-ƙβ), que con-
tribui para a inflamação sistêmica e o desenvolvimento de outros processos
inflamatórios, como a aterosclerose, condição fisiopatológica comum ao idoso
e diretamente associada ao tempo de vida do indivíduo.
A molécula de pentosidina é um dos mais importantes marcadores para
AGEs no organismo humano. Ela é capaz de formar pontes cruzadas (cross-
links) com resíduos de arginina e lisina presentes em proteínas de colágeno.
Entretanto, o glucosepano, resultante da ponte cruzada entre proteínas de co-
lágeno, é o AGE mais abundantemente encontrado nos tecidos humanos, es-
tando diretamente associado às complicações de doenças associadas à idade,
como osteoporose, diabetes e doença cardiovascular.
Conforme mencionado, seres humanos não se encontram expostos ape-
nas a AGEs produzidos pelo organismo. A dieta ocidental é rica em AGEs, pois
esses produtos são formados quando o alimento é processado em elevadas
temperaturas, frito, assado ou grelhado. De fato, cozinhar em elevadas tem-
peraturas é capaz de aumentar em até 200% o conteúdo de AGEs do alimento.
Assim, leite e laticínios pasteurizados, salsichas, carnes processadas, fast-
food, refrigerantes, batatas fritas, biscoitos e cereais matinais industrializa-
dos, apresentam elevado teor de AGEs. Considerando-se que cerca de 10 a 30%
dessas substâncias podem ser absorvidas pelo organismo, a dieta representa

capítulo 3 • 115
importante fonte de produtos de glicação e pode contribuir para potenciali-
zação do estresse oxidativo e do processo inflamatório que influenciam no
ritmo de envelhecimento humano.
A falta de uso das mitocôndrias das fibras musculares, característica de um
comportamento sedentário, determina a redução da atividade da cadeia trans-
portadora de elétrons (CTE) com regulação negativa da expressão de enzimas
da cadeia de citocromos. Como a glicólise, o ciclo de Krebs e a beta oxidação
produzem moléculas de NADH, a fim de que haja adequada regeneração do
NAD, diante da impossibilidade de entrega dos elétrons do hidrogênio na CTE,
a célula recorre a alternativas como a ativação da lactato desidrogenase (LDH) e
formação de ácido lático no citosol.
Essa alternativa, entretanto, não é suficiente para normalizar o equilíbrio
redox intracelular. Com excessos de átomos de hidrogênio extraídos das rea-
ções do metabolismo, em virtude do fraco escoamento pela LDH e em decor-
rência da inoperância mitocondrial (resultado da falta de uso), torna-se neces-
sária a ativação de proteínas de membrana que aumentam a produção de ROS.
Tais proteínas de membrana são conhecidas como NADH oxidorreducta-
ses, sendo capazes de produzir ROS para aceitarem os elétrons provenientes
dos átomos de hidrogênio,possibilitando, assim, a regeneração do NAD e a
normalização do equilíbrio redox intracelular. Essas proteínas de membrana,
entretanto, diferentemente da mitocôndria, que, em repouso, produz apenas
cerca de 3 a 5% de ROS, quando ativadas, são capazes de produzir 100% de ROS
e, se mantidas em funcionamento crônico, podem contribuir para o elevado
estresse oxidativo intracelular.
Parece evidente que esse mecanismo se agrava ainda mais diante de die-
ta com excessos de glicose, uma vez que a insulina possibilite a ativação da
via glicolítica (via PFK) e aumentos dos níveis de NADH. O excesso de glicose
intracelular também é capaz de ativar a via dos polióis onde a molécula de
glicose é transformada em sorbitol e, em seguida, em frutose, contribuindo
respectivamente para a redução dos níveis de NADPH e o aumento da concen-
tração de NADH, o que, como vimos, é capaz de agravar ainda mais o proces-
so oxidativo.
Acredita-se que fibras musculares inativas por longo período sofram pro-
funda redução da CTE e acionem mecanismos de compensação redox seme-
lhantes ao descrito nos parágrafos acima, desviando todo o metabolismo in-
tracelular para sobrecarga da via glicolítica. Além de ineficiente no processo

116 • capítulo 3
de geração de energia (a via glicolítica produz 2 ATPS contra 38 produzidos a
partir da molécula de glicose no metabolismo aeróbio),esse processo aumenta
a atividade das NADHs oxidorredutases da membrana e criam células hot spots
ou seja, capazes de produzir grandes quantidades de ROS.
Apesar de o número de células hot spots não ser muito grande em indiví-
duos idosos, a presença de algumas poucas já é suficiente para consolidar a
formação de AGEs e iniciar a propagação de reações oxidativas na membrana
celular e em outras proteínas que caracterizam a explosão oxidativa. Nesse mo-
mento, a apoptose celular representa uma alternativa para evitar a contamina-
ção oxidativa de outras células vizinhas, o que agravaria ainda mais o processo
de manutenção da integridade da função dos órgãos. Apesar de providencial,
esse processo elimina a célula e, se repetido com muita frequência, também
pode promover alterações funcionais importantes.
A alimentação com glicose, muitas vezes recomendada em procedimentos
de realimentação após o exercício, em combinação com proteínas em organis-
mos humanos que apresentam a temperatura elevada e abundante quantidade
de ROS pós-exercício representa uma oportunidade à formação de AGE e pro-
pagação de seus efeitos oxidativos. De igual modo, o comportamento sedentá-
rio que induz a baixa atividade da CTE quando acompanhado de dieta hiper-
glicídica contribui para a formação de quantidades abundantes de ROS, que
colaboram ao longo da vida para a redução do número de células em vários te-
cidos, especialmente o músculo esquelético, onde provavelmente se encontra
a maior quantidade de hot spots.
Uma maneira simples de evitar o estresse oxidativo e a morte celular, ca-
racterísticos do envelhecimento, seria aumentar o número e principalmente
a função das mitocôndrias, acelerando a CTE e a possibilidade de aproveita-
mento dos hidrogênios trazidos pelo NAD. Tal mecanismo pode ser alcançado
a partir do treinamento aeróbio (que utilize fibras do tipo I e do tipo II) e do con-
trole alimentar que restrinja excessos calóricos provenientes de carboidratos e
proteínas. Excessos de gorduras poli-insaturadas são igualmente danosos, pois
podem promover reações de peroxidação lipídica, que aumentam ainda mais
o estresse oxidativo nas células do organismo. Por outro lado, a ingestão ex-
cessiva de gorduras saturadas colabora diretamente para a formação de placas
gordurosas (aterosclerose) na parede vascular e também deve ser restringida.
Dessa forma, devem ser limitados os excessos calóricos e é necessário que se

capítulo 3 • 117
imponha rigorosa rotina de atividades físicas que promovam adaptações aeró-
bias na maior parte de fibras musculares.
Algumas substâncias, como a aminoguanidina e a carnosina, podem desfa-
zer de maneira interessante certas ligações entre pontes cruzadas e preservar a
estrutura e função de diferentes células do corpo humano. Tais considerações
desviam mais uma vez a atenção da ciência para terapias que buscam o reju-
venescimento a partir do uso de suplementos alimentares, como a beta-alani-
na (capaz de contribuir para a elevação do conteúdo de carnosina no músculo
esquelético); tal situação já foi vivenciada pelos antioxidantes décadas atrás e
hoje se mostra ineficaz no sentido de reduzir os prejuízos associados ao enve-
lhecimento. Mesmo assim, alguns estudos ainda sugerem que a suplementa-
ção com aminoácidos como N-acetil-cisteína e taurina possam neutralizar o
estresse oxidativo, que, em idosos, caracteriza-se por reduções significativas da
glutationa reduzida, e aumentar a longevidade.
De igual modo, terapias com aminoácidos de cadeia ramificada –especial-
mente com a leucina, que ativa a mTOR independentemente da ação da PI3K-
Akt –, apesar de afetarem os mecanismos de autofagia, vêm sendo estudadas na
esperança de promoção de aumentos sobre a síntese de enzimas mitocondriais
e a reversão da sarcopenia. Outras terapias – como a utilização de resveratrol
e substâncias antitumorais, capazes de modular os mecanismos de autofagia
celular e a atividade das vias de síntese PI3k-Akt, ou mesmo a adoção de estra-
tégias alimentares de restrição calórica – podem representar esperança para a
maior compreensão dos mecanismos responsáveis pelo envelhecimento e pela
longevidade humana.
Por fim, considerando que a redução dos níveis de energia celular é impor-
tante para ativar os mecanismos de autofagia e ubiquitina-proteassoma, neces-
sários à manutenção da integridade do ambiente celular, mais estudos preci-
sam ser realizados sobre estratégias terapêuticas que incluam 24h de jejum a
cada 30 a 40 dias, uma vez que, sob essa ótica, podem ser úteis para acelerar a
limpeza celular e remover agregados proteicos formados pelo tempo. De igual
modo, considerando-se que a possibilidade de aumento da longevidade esteja
predominantemente na qualidade do alimento, e não apenas em sua quanti-
dade, mais informações precisam ser obtidas acerca da participação dos AGEs
obtidos com a dieta no processo de envelhecimento e deteriorização do orga-
nismo, pois vários produtos consumidos em nossa sociedade apresentam ele-
vado teor dessas substâncias.

118 • capítulo 3
3.7  Envelhecimento motor
A deterioração do rendimento motor no idoso está associada à disfunção do
sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP), assim como
do sistema neuromuscular, e inclui dificuldades de coordenação, redução da
velocidade de movimentos e prejuízos na manutenção da postura e equilíbrio
em comparação com adultos jovens.
Tais alterações produzem impacto negativo na habilidade motora de ido-
sos em atividades cotidianas. Problemas no equilíbrio e no padrão motor da
marcha são de particular interesse, pois representam a origem das quedas res-
ponsáveis por lesões e pelo aumento da morbidade desses indivíduos. Nesse
contexto, 30% dos indivíduos que caem sofrem lesões severas, as quais limitam
a mobilidade e reduzem significativamente a qualidade de vida.
No contexto do SNP, durante o envelhecimento, existe redução na trans-
missão das informações provenientes do ambiente e levadas ao SNC através do
nervo óptico, tornando mais difícil a percepção do ambiente em relação à no-
ção de profundidade e claro-escuro, aspectos que influenciam negativamente o
desempenho motor,sobretudo tarefas manipulativas e de estabilização, ou que
exigem equilíbrio corporal. Essa situação é ainda mais prejudicial para idosos,
pois eles apresentam maior demanda visuoespacial para a realização de tarefas
motoras básicas.
Também já foi evidenciado que o envelhecimento contribui para a redução
da quantidade de receptores sensoriais cutâneos, reduzindo a sensibilidade
das extremidades somáticas como dedos das mãos e dos pés, e de sensações
de toque, vibração, pressão e calor. Como também existe diminuição da per-
cepção relacionada às posições das articulações e deterioração da função ves-
tibular, a utilização de feedback intrínseco é diminuída durante a execução de
tarefas motoras.
Essas alterações favorecem o déficit funcional do sistema neuromotor no
que diz respeito a alterações nos reflexos de proteção, na coordenação e no
equilíbrio, podendo haver alterações somatossensoriais, como aumento do
limiar de sensibilidade vibratória nas mãos e nos pés dos idosos. Acredita-se
que, com a senescência, o indivíduo passe a apresentar deficiências no controle
genético da produção de proteínas estruturais, enzimas e fatores tróficos. Esse
déficit, por sua vez, repercute na função das células nervosas e da neuroglia,
tornando mais difícil a gênese, a condução e a transmissão de impulsos nervo-
sos, o que, muitas vezes, impede a transmissão sináptica.

capítulo 3 • 119
Já foi proposto que o peso do córtex cerebral diminui gradativamente após
os 60 anos de idade e que ele está associado ao declínio da capacidade de pro-
cessamento central de informações. Nesse contexto, parece existir diminuição
na síntese de neurotransmissores, no número de sinapses, regressão de den-
dritos e perda de cerca da metade das unidades motoras, em comparação com
indivíduos jovens que coletivamente contribuem para o declínio da capacidade
de controlar movimentos.
De fato, idosos possuem menor volume de substância cinzenta em relação
a adultos jovens, principalmente nas regiões dos córtices pré-frontal e parietal.
Tal atrofia prejudica o controle motor e representa a causa mais provável para
as alterações no planejamento do movimento de idosos.
Nesse sentido, já se chegou à hipótese de que regiões do cérebro desenvol-
vidas por último seriam as primeiras a atrofiar, sugerindo que as regiões sen-
sorimotoras seriam poupadas, uma vez que, tanto na embriogênese quanto na
evolução, elas foram as primeiras a se desenvolver. Apesar de não existir um
consenso a respeito, há muitas evidências de que com o envelhecimento o cór-
tex motor primário e os somatossensoriais sofram bem pouco. Mesmo assim,
estudos mais recentes apontam para atrofia nessas regiões que prejudicam sig-
nificantemente o controle do movimento somático.
Nesse sentido, o feedback proprioceptivo parece indispensável à coorde-
nação motora e ao equilíbrio do corpo. Assim, a atrofia do córtex somatossen-
sorial pode estar associada ao aumento da incidência de quedas, prejuízos no
equilíbrio e aumento da dependência do feedback visual para a execução de
habilidades motoras.
O corpo caloso é o principal feixe de fibras de substância branca que conec-
ta os dois hemisférios do cérebro. Associada à coordenação bimanual, estudos
recentes demonstram profundas alterações dessa região, sugerindo que o ta-
manho reduzido do corpo caloso em idosos impeça a modulação da atividade
da área motora suplementar e área cingulada, ambas envolvidas no planeja-
mento motor.
De fato, as alterações na integridade do corpo caloso do idoso prejudicam a
realização de atividades bimanuais, bem como a elaboração de planos motores
realizados nas áreas pré-motoras. Além disso, já se evidenciou que idosos pos-
suem tempo de trânsito inter-hemisférios mais prolongado, o que pode preju-
dicar a realização das tarefas sensoriomotoras.

120 • capítulo 3
Estruturas subcorticais relacionadas à função sensorimotora também pare-
cem diminuir de volume com o envelhecimento. O cerebelo – conforme discu-
tido, importante para o tempo de execução do movimento e a coordenação dele
– exibe redução acelerada de volume com o envelhecimento. De igual modo, o
núcleo caudado também demonstra disfunção, que implica alterações no ren-
dimento motor e prejuízos na aquisição de novas habilidades motoras.
Também parece existir aumento da oscilação corporal durante o envelhe-
cimento, confirmando o comprometimento das funções cerebelares e vesti-
bulares associadas à manutenção do equilíbrio. Assim, idosos aumentam os
recursos de atenção para a manutenção de postura estável, conforme demons-
trado pelo aumento significativo da oscilação corporal de idosos quando estes
precisam manter a postura ereta ao mesmo tempo em que realizam tarefa se-
cundária, que exige velocidade de reação, contagem regressiva ou outras ope-
rações cognitivas.
Nesse sentido, vários estudos revelam redução do rendimento em idosos
quando tarefas motoras e cognitivas são realizadas simultaneamente, suge-
rindo que o controle do movimento é a atividade que demanda maior atenção.
Nesses casos, as reservas de atenção serão alocadas preferencialmente para o
controle do movimento no contexto de manutenção postural.
A redução de mais de uma informação sensorial, como visão e sensibilidade
da sola dos pés, por exemplo, também influencia negativamente a postura de
idosos. Isso é observado quando ocorre remoção da informação visual, adicio-
nada à redução da aferência da sola dos pés – condição que gera perturbação
significativamente mais elevada em idosos do que em jovens.
Com o envelhecimento, ocorre nítida diminuição do tempo de reagir a si-
nais sensoriais em condição de incerteza temporal que representa o compro-
metimento da velocidade de reação. Essa alteração existe tanto em tarefas de
tempo de reação simples (TRS), quando há apenas uma resposta para um estí-
mulo, como em tarefas de tempo de reação de escolha (TRE), quando a resposta
é dependente da ocorrência de um dentre vários estímulos possíveis.
Entretanto, para as tarefas de ter, tempo adicional de processamento é ne-
cessário para se identificar o estímulo e ainda mais para processá-lo central-
mente e selecionar a resposta adequada; isso representa um comprometimen-
to das sinapses, que reduzem o tempo de reação. Estima-se a redução do tempo
de execução de movimentos entre 15 e 30% dos 30 aos 70 anos. Tal lenhificação

capítulo 3 • 121
parece, em parte, ser decorrente da estratégia motora adotada por idosos para
aumentar a acurácia em detrimento da velocidade de movimento.
De igual modo, existe severo comprometimento do tempo de movimento
em tarefas de contato manual com um alvo com acentuada deteriorização da
velocidade de execução e diminuição de erros de força (dismetria) em tarefas
manipulativas; tal condição pode estar associada tanto à redução da sensibili-
dade tátil em função da diminuição do número de mecanorreceptores como a
características físicas da pele da mão de idosos, que, mais lisas e deslizantes,
aumentam a propensão de que objetos escorreguem entre os dedos. A dismetria
provavelmente está associada à degeneração do cerebelo e dos gânglios da base.
Também conhecido como coincidência temporal, ou a capacidade de ajus-
tar a velocidade de movimento de deslocamento do corpo ou de segmentos
corporais às variações do ambiente para uma coincidência nos tempos de ação
corporal e de tais variações, o timing antecipatório é deteriorado em idosos,
muito embora evidências apontem que o declínio dessa função já ocorra entre
a segunda e a quarta década de vida e que pode estar associada à redução do en-
volvimento em atividades motoras que exigem sincronização de movimentos.
Declínios no volume da substância branca começam mais tardiamente em
relação ao observado na substância cinzenta, mas, quando começam a dimi-
nuir, fazem-no em taxa mais elevada. Além disso, as alterações sobre a matéria
branca não se restringem a sua diminuição. Estudos recentes revelam que sua
qualidade também está comprometida, refletindo deteriorização da camada
de mielina.
As áreas do córtex pré-frontal sofrem mielinização tardia no desenvolvi-
mento do cérebro no início da vida. A hipótese inicial de que o que se formou
por último é também o primeiro a se deteriorar indica que o trato corticoespi-
nhal deva permanecer relativamente intacto durante o envelhecimento (foi um
dos primeiros a ser formar). Isso, entretanto, não parece ser verdade. Existem
inúmeras evidências de deteriorização da função da via piramidal que ocorre
durante o envelhecimento e prejudicam a precisão de tarefas motoras finas.
Do ponto de vista coletivo, tais achados sustentam que com o envelheci-
mento ocorre um desvio do controle motor automático, responsável por ní-
veis subcorticais para o controle motor com maior demanda de atenção que
aumentam as exigências corticais no controle de tarefas simples, como manu-
tenção da postura, as quais deveriam ser controladas automaticamente pelo
tronco cerebral.

122 • capítulo 3
É provável que, no idoso, mecanismos de controle central sejam ainda mais
importantes para a manutenção da postura equilibrada do que o sistema so-
matossensiorial periférico. Essa tese é corroborada pelas evidências de maior
envolvimento do córtex visuoespacial em tarefas locomotoras e de manutenção
da estabilidade postural.
Com o envelhecimento, parece existir também degeneração do sistema do-
paminérgico, que pode contribuir para a redução da função executiva e de tare-
fas que requeiram atenção e o acesso à memória de longo prazo,promovendo a
disfunção motora associada à idade.
O declínio das habilidades motoras pode, entretanto, ser amenizado ou até
mesmo revertido pelo envolvimento do idoso em programas sistemáticos de
atividades físicas. É possível que a atividade física regular, por aumentar o fluxo
de sangue e a oferta de nutrientes para o cérebro, contribua de algum modo
para a preservação da funcionalidade de estruturas corticais. Por outro lado, a
prática de atividades motoras, ao estimular regiões específicas do SNC direta-
mente associadas ao movimento realizado, preservaria funções sensorimoto-
ras associadas à prática

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capítulo 3 • 131
132 • capítulo 3
4
Aprendizagem
Motora
134 • capítulo 4
4.1  Introdução

Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro
mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a
não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio
mundo, e isso é tudo.
Hermann Hesse

As mudanças que ocorrem nas capacidades motoras ao longo da nossa vida fa-
zem parte do desenvolvimento motor. São resultado da maturação do sistema
nervoso e de sua interação com o ambiente, possibilitando a prática e a vivência
de vários tipos de movimentos que se iniciam no nascimento e se encerram
na morte.
Apesar de o desenvolvimento motor não representar a progressiva aquisi-
ção de habilidades cada vez mais complexas, ele diz respeito ao aprendizado
daquelas fundamentais à sobrevivência e culturalmente determinadas, sendo
sempre influenciadas pelas capacidades individuais.
Capacidades são características estáveis inatas, cuja expressão depende da
maturação e não é muito comprometida pela prática. Exemplos dessas caracte-
rísticas são acuidade visual, distinção de cores, velocidade de reação, destreza
manual e consciência cinestésica. Todos nós temos capacidades; no entanto, a
participação de cada uma delas varia.
Necessitamos de uma combinação de capacidades para executarmos qual-
quer tarefa motora, e, mesmo com grande experiência, alguém que não tenha
as capacidades fundamentais necessárias para uma tarefa particular nunca al-
cançará altos níveis de rendimento. Nossa capacidade física representa a qua-
lidade geral de que dispomos para executarmos habilidades motoras — o que
inclui força, velocidade, tempo de reação, flexibilidade, resistência aeróbica e
anaeróbica —, sendo a base para todo comportamento motor.
A força pode se apresentar de maneira explosiva, estática ou dinâmica. A
força explosiva é a capacidade de despender o máximo de energia em um ato
breve e com força. Já a força estática representa a capacidade de exercer for-
ça contra um peso relativamente pesado ou um objeto quase impossível de se

capítulo 4 • 135
movimentar. Por fim, a força dinâmica é a capacidade de repetidamente mover
ou apoiar o peso do corpo.
Potência muscular é o produto da força pela velocidade. Como a relação en-
tre força e velocidade é inversamente proporcional, a potência máxima requer
algum componente de velocidade e, por isso, não pode supor a utilização de
força máxima.
Resistência representa as capacidades de se exercitar o corpo inteiro por
determinado período; tais capacidades podem ser de natureza aeróbica — nor-
malmente relacionadas a atividades de longa duração, realizadas de maneira
dinâmica com grandes grupamentos musculares — e de natureza anaeróbica,
caracterizadas por elevada potência de trabalho em período que varia de 5 a
100 segundos.
Por fim, flexibilidade representa outra importante qualidade física que
confere diferentes ângulos de mobilidade articular necessários à execução de
certas habilidades motoras. Todas essas capacidades físicas podem ser modi-
ficadas em função da prática, uma vez que o treinamento é capaz de promover
adaptações fisiológicas estruturais e funcionais que tendem a aprimorar o de-
sempenho. Apesar disso, os limites individuais de desenvolvimento são extre-
mamente variáveis e geneticamente determinados.
Nas sociedades modernas, o alto grau de desenvolvimento tecnológico re-
duz as possibilidades de prática de vários movimentos que se tornaram des-
necessários à sobrevivência e ludicidade de crianças, adultos e idosos. Esse
processo promoveu expressiva degeneração fisiológica, contribuindo para a re-
dução da qualidade de vida na fase adulta e, principalmente, na terceira idade.
Nos últimos 100 anos, as populações dos grandes centros urbanos têm
experimentado: progressiva redução das capacidades físicas que, além das já
mencionadas, podem incluir também o tempo de reação, representado pelo in-
tervalo entre um estímulo não antecipado e o começo da resposta; a percepção
temporal, importante para tarefas que requerem julgamentos precisos sobre a
duração de eventos motores; a destreza de dedos, necessária para a manipula-
ção de pequenos objetos e a coordenação motora ampla.
O grau de manifestação das capacidades físicas recebe influências gené-
ticas e, principalmente, do nível de maturação do organismo e dos estímulos
provenientes do ambiente, importantes para que se determine a competência
das habilidades motoras – ações ou tarefas que requerem movimento e que de-
vem ser apreendidas para serem corretamente executadas.

136 • capítulo 4
Algumas pessoas parecem ser inerentemente mais habilidosas em determi-
nado esporte do que outras, mesmo tendo pouca ou nenhuma prática naquela
habilidade motora específica. Isso ocorre, em grande parte, devido a caracterís-
ticas individuais genéticas e ambientais. Seres vivos primam pela diferença, e
os seres humanos não são diferentes. Existem inúmeras diferenças individuais
representadas por suas capacidades, atitudes, tipos corporais, fatores psicoló-
gicos, recurso de aprendizagem, maturação, motivação e experiência.
Habilidades motoras são desenvolvidas e modificadas com a prática e pela
experiência. Existe um grande número de habilidades; sua expressão depende
de diferentes subconjuntos de capacidades. Apesar da dificuldade de análise,
professores experientes conseguem indicar as capacidades mais fracas e as
mais fortes em seus alunos, a fim de ajustar apropriadamente a instrução dada
a cada um deles.
Essa dificuldade deriva das influências genéticas e da prática cotidiana ou
sistematizada na forma de treinamento. Mesmo assim, embora capacidade e
sucesso não estejam necessariamente associados, é possível promover a me-
lhoria de todas as capacidades físicas por meio do treinamento e, com isso, pro-
gredir no processo de aprendizado das habilidades motoras.
Profissionais do movimento devem esperar encontrar alunos com diferen-
tes capacidades e saber que o desempenho poderá ser otimizado com o treina-
mento. Além disso, podem determinar as atividades mais indicadas para deter-
minadas pessoas dotadas de capacidades e habilidades mais específicas. Esse
processo, conhecido como seleção de talentos, representa importante etapa da
construção do rendimento de alto nível esportivo.
Do ponto de vista escolar e da Educação Física para a população geral, é pa-
pel do professor contribuir para que as pessoas melhorem suas habilidades.
Esse processo demanda a análise das tarefas a serem realizadas e a adoção de
estratégias que aumentem as chances de sucesso.
A aprendizagem motora deve ser definida como uma mudança interna no
domínio motor do indivíduo como resultado da prática e inferida a partir de
uma melhoria relativamente permanente do seu desempenho, podendo ser ob-
servada tanto na aquisição como no aprimoramento de habilidades motoras.
Algumas vezes, entretanto, o aprendizado acontece sem que tenhamos
consciência disso. É o exemplo de crianças que aprendem a falar as regras de
uma língua sem nunca as terem estudado. Esse tipo de aprendizado é conhe-
cido como implícito e diz respeito a melhorias na capacidade de um indivíduo

capítulo 4 • 137
em responder corretamente do ponto de vista motor em resultado de tentati-
vas de performances repetidas sem que a pessoa se dê conta do que promoveu
tais melhorias.

4.2  Estágio da aprendizagem motora


Estudos concordam que a aprendizagem motora humana se processa em qual-
quer fase da vida por meio dos estágios cognitivo, associativo e autônomo,clas-
sicamente propostos por Fitts e Posner em 1967.
No primeiro estágio, o aprendiz ainda inexperiente verbaliza a tarefa e rea-
liza movimentos rígidos, descoordenados, sem fluência ou percepção aos de-
talhes relevantes e a ele inerentes. Nessa fase, o aluno fica atento às aferências
sensoriais,a fim de selecionar e compreender quais informações são as mais
relevantes para serem integradas com outras experiências armazenadas na
memória.
No estágio cognitivo, também chamado por alguns especialistas de cogni-
tivo-verbal, o aluno dispensa muito tempo dialogando consigo mesmo e pen-
sando nas diferentes partes e localizações do corpo necessários à execução do
movimento pretendido. Diante dos esforços do aluno e de sua inexperiência
inicial, os ganhos de aprendizado nessa fase costumam ser muito rápidos; por-
tanto, de imediato o aprendiz constitui uma ideia geral do movimento e elabo-
ra novos planos de ação para executá-la.
Após algum tempo de prática, os movimentos desnecessários são realiza-
dos com menor frequência; então, o padrão motor torna-se mais estável e as
ações, mais coordenadas, caracterizando o estágio associativo ou intermediá-
rio. Por padrão motor compreende-se o conjunto de atos motores desempe-
nhados para a realização de uma tarefa e que contêm os elementos básicos para
a sua realização.
Essa segunda fase da aprendizagem, também denominada fase motora,
implica maior consistência e refinamento do movimento, resultando em au-
mento da capacidade do sistema nervoso em detectar e corrigir erros e eliminar
os excessos de movimentos. Apesar de o problema já ter sido resolvido nesse
estágio, ainda é preciso um refinamento da habilidade para que o movimento
fique mais consistente e eficiente.

138 • capítulo 4
Para isso, o aprendiz precisará elaborar estratégias que definam o tempo de
execução dos movimentos e, principalmente, que o façam vivenciar essas expe-
riências a fim de selecionar as informações perceptuais relevantes e promover
alterações sinápticas sobre as estruturas de controle corticocerebelar, indican-
do como o movimento deve ser ajustado e controlado.
Por fim, o estágio autônomo caracteriza-se por movimentos eficientes, rea-
lizados com menor gasto energético e com maior certeza de se alcançar a meta
proposta: a realização do movimento aprendido. Assim, com muita prática, o
aprendiz conquista a última fase do aprendizado, em que a execução do mo-
vimento independe das demandas de atenção; isso significa que o indivíduo
se torna capaz de executar o movimento sem precisar pensar nele, podendo,
inclusive, algumas vezes realizar outras ações simultaneamente.
Poucos aprendizes conseguem chegar a esse estágio, caracterizado por pro-
gramas motores mais longos e muito detalhados, o qual representa o ajusta-
mento de estruturas e funções cerebelares, dos gânglios da base e das áreas
pré-motora e motora do córtex cerebral.

4.3  Identificação do estágio de aprendizado


Identificar o estágio de aprendizado do aluno é uma importante tarefa do pro-
fissional do movimento. Indicadores válidos — entre eles medidas de resulta-
do, de processo e de erro — contribuem para a avaliação do aprendizado de
habilidades motoras.
Medidas de resultado são observações de performance que indicam algum
aspecto do resultado relacionado a tempo, distância, frequência e precisão. Por
exemplo, suponhamos que um corredor tenha percorrido 10 Km em 30 minu-
tos, mas tenha registrado no primeiro e no último quilômetro km) 2 minutos
e 52 segundos. Sabemos, com isso, que a média dos 8 Km intermediários foi
superior a 3 minutos por quilômetro. Tais informações são relevantes no mo-
mento da elaboração de novas metas e planos de treinamento (periodização).
Já medidas de processo estão relacionadas à qualidade do movimento que
está sendo produzido. Por exemplo, no caso descrito anterior, do corredor, ve-
rificou-se que a amplitude de passada do atleta diminuía significativamente a
partir do sexto quilômetro e coincidia com ligeira redução do ritmo de corrida

capítulo 4 • 139
e com a elevação de ombros e cabeça, que coletivamente gastavam a economia
de corrida, levando o atleta a desperdiçar mais energia.
Ao analisarmos as últimas oito competições de 10 Km desse corredor, no-
tamos que a redução da amplitude das passadas ocorria sempre entre os qui-
lômetros 5 e 8 e em média no Km 6,5. Nesse contexto, erro constante deve ser
considerado como a medida do desvio do alvo relativo à quantidade e à direção.
A avaliação do processo de aprendizado frequentemente está relacionada a
saber se o aluno domina importantes técnicas a respeito do movimento e se é
capaz de controlar e coordenar eficientemente o conjunto de músculos respon-
sáveis pelo movimento. O grau de atenção dispensada pelo aluno na execução
de determinada tarefa e sua capacidade de detectar e corrigir erros também de-
vem ser verificados nas avaliações realizadas pelo professor.

4.4  Classificação das tarefas motoras


Toda habilidade motora pode ser conceituada como ato ou tarefa que esteja atre-
lada à execução de algum movimento. Essas tarefas, de acordo com seu modo
de organização, podem ser classificadas em discretas, seriadas e contínuas.
Habilidades cuja organização não possui início ou fim definidos, como
aquelas de natureza cíclica, são chamadas habilidades contínuas e incluem as
atividades aeróbicas de correr, pedalar, remar, nadar ou caminhar. Já as habi-
lidades discretas são aquelas cuja ação apresenta início e fim bem definidos
– como o lance livre, no basquete, o forehand,no tênis, ou mesmo o gancho, no
boxe.
As habilidades discretas, quando organizadas de maneira seriada para com-
por tarefas mais complexas, são chamadas habilidades seriadas. Nesses casos,
a sequência ordenada das ações é crucial para o sucesso da tarefa como ocorre
quando nos propomos a dirigir um automóvel. É preciso pisar na embreagem,
passar a marcha, acelerar e lentamente remover o pé da embreagem além de
conduzir a direção do volante. De modo geral, o aprendizado de habilidades
seriadas depende do aperfeiçoamento de cada uma das habilidades discretas
envolvidas na tarefa, para subsequentemente podermos agrupá-las na ordem
certa.
As habilidades também podem ser classificadas pela importância rela-
tiva dos elementos cognitivos e motores contidos na tarefa. Nesse contexto,

140 • capítulo 4
habilidades motoras são representadas por tarefas em que o principal determi-
nante do sucesso do movimento é a qualidade do próprio movimento, ao pas-
so que habilidades cognitivas apresentam maior dependência de processos de
processamento central e de tomada de decisão.
Por exemplo, para lutas como o jiu-jitsu, as tarefas requerem habilidades
motoras e cognitivas. Bons praticantes dessa arte marcial têm de ser ágeis, po-
tentes e resistentes; além disso, precisam elaborar estratégias de luta de acordo
com as ações do adversário.
Por outro lado, correr sozinho e sem preocupação de ritmo em uma pista de
atletismo representa uma habilidade com o mínimo de cognição e predomínio
motor. De igual modo, jogar xadrez é uma habilidade de predomínio cognitivo
e muito baixa dependência motora.
Outra maneira de classificar as habilidades motoras é considerar até
que ponto o ambiente é estável e previsível durante a execução da tarefa.
Habilidades fechadas são aquelas realizadas em um ambiente estável e previsí-
vel; habilidades abertas são caracterizadas pela instabilidade e imprevisibilida-
de do ambiente. Enquanto nadar em uma piscina com raias seja predominan-
temente uma habilidade fechada, lutas de boxe são habilidades abertas, já que
é impossível prever exatamente o comportamento do adversário. É importante
o aluno compreender que todas as habilidades podem apresentar diferentes
níveis de influência cognitiva ou motora, ou variações do componente aberto
ou fechado.

4.5  Comportamento habilidoso


O conceito de habilidade também pode ser utilizado para descrever o rendi-
mento individual. É certo que todos nós temos certo grau de habilidade para
execução de diferentes tarefas motoras. Nesse sentido, a palavra habilidade
está sendo utilizada como a qualidade na execução da tarefa.
Comportamento habilidoso é aquele em que a meta final pode ser alcança-
da com o máximo de certeza e o mínimo de tempo e dispêndio de energia; de
fato, é extraordinário observar o grau de desenvolvimento em certas habilida-
des motoras que atletas talentosos e treinados durante décadas são capazes de
manifestar.

capítulo 4 • 141
Indivíduos habilidosos apresentam elevada economia de movimentos e
não contam com a sorte para alcançar o sucesso motor. Com alta precisão, rea-
lizam suas tarefas no mínimo tempo de movimento, antecipam respostas com
maior eficiência e, com base em pequenos indícios ambientais são capazes de
prever mais precocemente o que acontecerá.
Nesse contexto, indivíduos habilidosos possuem grande diversidade de
conhecimento de sinais que extraem do ambiente para auxiliar na tomada de
decisão. O conjunto dessas qualidades torna sempre mais rápido o tempo de
reação de escolha desses indivíduos. Por isso, atletas habilidosos, uma vez que
são capazes de controlar e combinar inúmeros componentes individuais de um
movimento global, apresentam excelente rendimento motor, com sequência e
coordenação corretas,executadas em tamanha velocidade que conferem uma
conotação fluida, sem partes e artística.
O rendimento motor ou performance motora é a produção observável de
uma habilidade motora. Diferentemente do que podemos deduzir para o con-
ceito de aprendizado motor, o rendimento é sempre observável, estando sujei-
to a flutuações devido a fatores como motivação, fadiga e condicionamento das
capacidades físicas.

4.6  Teorias De Controle do Movimento

A condição natural dos corpos não é o repouso, mas o movimento.


Galileu Galilei

Algumas teorias foram formuladas para tentar explicar como o sistema nervoso
central (SNC) é capaz de coordenar novos movimentos voluntários e aprender
habilidades motoras. São elas a Teoria do Circuito Fechado e a Teoria do Cir-
cuito Aberto.

4.6.1  Teoria do Circuito Fechado

Teoria do Circuito Fechado sugere que o movimento coordenado seja o resul-


tado da ordenação central de sequências de movimentos discretos. Assim, os

142 • capítulo 4
constantes ajustes do movimento seriam realizados em cada etapa durante o
processo de aprendizagem, por meio do feedback sensorial que continuamen-
te envia informações para o sistema nervoso.
A informação proprioceptiva da tarefa anterior é processada centralmente a
fim de que os erros sejam detectados e corrigidos durante a realização de uma
nova tarefa motora, sugerindo que o aprendizado motor depende obrigatoria-
mente das informações sensoriperceptivas. De fato, em estudos realizados com
macacos no início do século passado – em que a aferência sensorial era inter-
rompida – eram verificados tanto déficit no aprendizado como prejuízos no de-
sempenho motor.
Entretanto, estudos mais recentes demonstraram que a resposta sensorial
demora cerca de 120 milissegundos para alcançar o SNC, um tempo muito
longo para explicar como movimentos bastante rápidos, do tipo balístico, são
produzidos pelo córtex motor. Nesse caso, não existe tempo suficiente para a
informação sensorial chegar e ser processada no córtex cerebral, o que sugere
que o programa motor já esteja previamente constituído.
Estudos mais recentes que eliminaram o feedback sensorial de macacos
conseguiram demonstrar que, mesmo na ausência de informação propriocep-
tiva, esses animais, apesar das falhas de métrica e precisão, são capazes de tre-
par em um galho e estender os braços para pegar objetos. De fato, apesar de
não conseguirem aprender novos movimentos, têm a capacidade de executar
movimentos cujo programa motor já tinha sido aprendido, uma vez que seu
plano motor se encontra armazenado na memória.

4.6.2  Teoria do Circuito Aberto

Essa teoria sugere que o feedback não é indispensável à produção do movimen-


to coordenado, pois o SNC possuiria toda a informação necessária para produ-
zir e controlar o movimento em todas as suas etapas. Diferentemente da Teoria
do Circuito Fechado, esse modelo é capaz de explicar como exímios pianistas
são capazes de apresentar concertos com composições tão aceleradas e como
somos capazes de respostas ultrarrápidas que ocorrem antes mesmo de que a
informação sensorial possa ser percebida.
Costuma-se dizer, em lutas livres, que o oponente antecipou um movimen-
to, executando-o muito rapidamente porque “leu o pensamento” de seu adver-
sário. Estamos certos da dificuldade de se concretizar alguma leitura na mente

capítulo 4 • 143
alheia, mas respostas rápidas não consideradas reflexos podem fazer parte do
repertório motor em várias situações sem necessariamente necessitar de fee-
dback sensorial.
O controle de circuito aberto é desempenhado pelas funções executivas do
sistema nervoso e, portanto, dispõe de apenas uma via efetora, não havendo
necessidade de comparador ou feedback do movimento. Conforme proposto,
são movimentos balísticos e rápidos em que nenhum erro ou componente do
movimento pode ser corrigido ou alterado durante sua execução.
Em programas de controle de circuito aberto, os estágios de processamento
são usados para desenvolver o programa motor pela determinação da ação a
ser iniciada. Com a prática, um programa é capaz de controlar sequências mais
longas da ação, e os movimentos tornam-se mais elaborados. Eles incluem mo-
vimentos com força e rápidos, como chutar, arremessar e rebater.
Assim, programas motores são armazenados na memória de longo prazo e
recuperados quando houver necessidade para o uso na memória de curto pra-
zo, não sendo preciso muita atenção para executar o movimento, uma vez que
o programa foi resgatado e começou a“rodar”. Quanto melhor a informação for
aprendida, menos tempo será necessário para resgatar o programa com a res-
posta, e o executante poderá concentrar-se em outras funções cognitivas.
O tempo de reação, entretanto, aumenta quando elementos adicionais são
somados ao movimento e mais elementos estão envolvidos. Assim, quando a
ação é mais complexa, o tempo de reação é mais longo, e mais tempo é necessá-
rio para organizar o sistema.
O programa motor de circuito aberto supostamente não tem informação
sensorial ou feedback. De fato, mesmo após a secção dos nervos sensoriais,
macacos são capazes de realizar programas motores aprendidos. Os elementos
necessários para que esse programa entre em funcionamento são os músculos
específicos para produzir a ação, a ordem de ativação do músculo, a força em
várias contrações musculares, a organização temporal e o sequenciamento e a
duração das contrações. Os programas motores definem e enviam comandos,
organizam graus de liberdade, fazem ajustes posturais e adaptam os reflexos
para uma meta.
Os programas motores emergem naturalmente e são desprovidos de coman-
do de programa central ou auto-organização; entretanto, também apresentam
alguns problemas difíceis de serem explicados. Não é fácil explicar como tare-
fas novas podem ser realizadas, uma vez que seria impossível armazenar, uma

144 • capítulo 4
a uma, milhares de tarefas aprendidas,mesmo diante da grande capacidade da
memória humana.
A solução é o programa motor generalizado (PMG), que propõe a existência
de um padrão de movimento armazenado, em vez de um movimento especí-
fico. Isso possibilita flexibilidade para modificar o programa generalizado a
fim de produzir os vários padrões necessários ao atendimento das demandas
da tarefa.
Durante a execução do movimento, é possível que ambas as teorias estejam
integradas. Para os movimentos mais lentos, o feedback sensorial seria impor-
tante para a produção do movimento total; para os muito rápidos, existiria um
programa motor generalizado pronto e com as diretrizes já estabelecidas, que
possibilitariam o controle de sua execução.
Essa abordagem integrada é coerente com os diferentes estágios de apren-
dizagem discutidos anteriormente. No início do processo de aprendizado de
habilidades motoras, passamos pela etapa cognitiva, em que é necessário tem-
po de processamento da informação sensorial, resultando em um movimento
rígido e hesitante. Entretanto, quando estamos treinados e seguros do que fa-
zer, especialmente quando já sabemos que as diferentes partes do movimen-
to podem ser adequadamente integradas com sucesso, passamos a realizá-lo
muito mais rapidamente, sem a necessidade de sentir o que está acontecendo.
Nesse contexto, o PMG é definido como um conjunto de instruções motoras
organizadas de tal modo que, mesmo antes do início do movimento, o córtex
motor já tem o conhecimento dos detalhes de toda a sequência para a produ-
ção de um movimento fluido, mesmo sem a influência do feedback periférico
sensorial. Na visão de Richard Schmidt, o PMG é um conjunto de comandos
motores alfa e gama previamente estruturados que, uma vez ativados, resultam
na execução do movimento orientado para certo fim sem que precisem haver
influências sensoriais para sua execução.
No modelo conceitual que explica o PMG, o reconhecimento e a identifica-
ção do estímulo integram o primeiro estágio no modelo de processamento de
informação. Por exemplo, é preciso identificar a distância com que uma bola de
handball deve ser lançada no momento do passe. No segundo estágio, decide-
se qual tipo de resposta realizar.
Em nosso exemplo, seleciona-se o tipo mais adequado de arremesso com
base na necessidade de se alcançar o objetivo, que, por sua vez, baseia-se nas
informações identificadas no primeiro estágio. O terceiro e último estágio diz

capítulo 4 • 145
respeito à programação da resposta quando o sistema motor é organizado para
produzir o movimento desejado (força, trajetória, largada do objeto arremes-
sado). Assim, identificação do estímulo e seleção e programação da resposta
integram o processamento da informação no PMG.

4.7  Princípios de controle motor e precisão


de movimento

Cirurgias odontológicas de tratamento de canal duram aproximadamente duas


horas. Os dentistas aceitam o fato de que essa tarefa é lenta e tediosa e de que,
para ter sucesso, devem executar seus movimentos de maneira concisa e preci-
sa. Nesse caso, a performance mais lenta parece ser preferível, pois é necessária
a precisão.
De acordo com a Lei de Fitts, conforme a velocidade aumenta, a precisão
diminui . O tempo de movimento aumenta linearmente com a dificuldade do
movimento. Do mesmo modo, o movimento se lentifica quando há fadiga men-
tal devido ao tempo dispendido na preparação do movimento para a execução
bem-sucedida .
O PMG define um padrão de movimento em vez de um movimento especí-
fico e pode ser adaptado selecionando diferentes parâmetros a fim de que se
produzam variações (características de superfície) do padrão para atender às
demandas ambientais.
Tais características de superfície incluem componentes facilmente modi-
ficáveis do movimento, conhecidos como parâmetros flexíveis do movimento.
São exemplo de característica de superfície: a velocidade de um movimento rá-
pido;o tamanho da ação; as forças utilizadas para produzir a ação; e a trajetória
do movimento.
Em termos de velocidade e precisão, os programas motores de circuito fe-
chado são mais precisos, dispõem demais tempo para correção e, por isso, tam-
bém são mais lentos. Aqueles de circuito aberto, por outro lado, são predeter-
minados, não possuem feedback e ocorrem muito rapidamente.
Existem evidências de que processos com “ruído” ou inconsistências no
SNC causam erros na performance de movimentos rápidos. Isso porque o sc é
responsável por converter impulsos nervosos em ativação de unidade motora e

146 • capítulo 4
esses processos podem nem sempre produzir a ação desejada durante a contra-
ção do músculo.
Nas relações com a velocidade, a precisão pode ser espacial ou temporal: a
primeira é exigida para movimentos de pontaria nos quais a posição do pon-
to final da ação é importante para a performance; já a temporal é exigida em
movimentos rápidos nos quais a exatidão do seu tempo é fundamental para o
desempenho deste.
Entretanto, existem violações dessas relações entre velocidade e precisão.
Quando as pessoas foram solicitadas para executar uma tarefa de rebatida rá-
pida em diferentes momentos, acelerar o movimento resulta em diminuir os
erros temporais. Para habilidades nas quais a meta seja minimizar erros tem-
porais, o fator principal parece ser o tempo de movimento. Nesses casos, os
executantes são capazes de produzir tempos de movimento mais curtos de ma-
neira mais precisa do que tempos de movimento mais longos.

4.8  Sensação e percepção no processo de


ensino e aprendizado motor

O valor fundamental da vida depende da percepção e do poder de contemplação, em


vez da mera sobrevivência.
Aristóteles

O processamento das informações sensoriais necessárias à realização de várias


habilidades motoras depende da ativação de receptores sensoriais que moni-
toram as modificações do ambiente. Por exemplo, a visão é uma modalidade
sensorial importante para que possamos acertar a bola com uma a raquete em
um jogo de tênis ou mesmo executar uma tacada de golfe.
Portadores de deficiência visual já obtiveram sucesso em atividades seme-
lhantes ou em jogos de futebol, mas algumas modificações cruciais precisam
ser realizadas, pois a colaboração da visão nessas atividades é muito elevada.
Especificamente no caso do futebol, um guizo costuma ser colocado interna-
mente na bola para que o posicionamento dela possa ser detectado por meio
da audição.

capítulo 4 • 147
Nesse contexto, a modalidade sensorial auditiva parece igualmente impor-
tante para desempenho de habilidades motoras. Jogadores de tênis conhecem
a intensidade do quique da bola pelo ruído com que ela bateu na raquete do
adversário. Situação semelhante ocorre com rebatedores de basebol.
Talvez as modalidades sensoriais mais relevantes para o praticante habilido-
so sejam aquelas provenientes dos receptores sensoriais proprioceptivos, pois
desempenham papel fundamental no desempenho e no preparo das tarefas. A
propriocepção inclui a cinestesia, ou seja, a sensação das diferentes partes do
corpo, identificando seu posicionamento e sua velocidade e força de execução.
Muitos jogadores de golfe habilidosos sabem que a tacada foi boa ou ruim
pela impressão proprioceptiva que o movimento lhes forneceu. Não há necessi-
dade de ver com os olhos; o corpo sente. Como a visão exerce grande influência
para execução de quase todas as habilidades, muitas vezes o aprendiz não per-
cebe importantes informações proprioceptivas que o auxiliariam na identifica-
ção do estímulo e na seleção da resposta. Nesse contexto, muitos lutadores de
luta olímpica executam algumas partes de seu treinamento de olhos vendados,
o que lhes possibilita maior percepção de outros sentidos, principalmente dos
de origem proprioceptiva.
A informação tátil ou cutânea tátil é igualmente importante para a percep-
ção manipulativa de objetos, como segurar a raquete de tênis ou o quimono
do adversário, sendo especialmente útil para complementar a informação pro-
prioceptiva. O lutador do exemplo anterior obtém informações importantes
da movimentação de seu adversário e de sua intensão ofensiva por meio das
sensações táteis e cutâneas que se pode ter durante essas lutas de contato. Algo
semelhante ocorre com jogadores de futebol ou vôlei, cuja sensibilidade com a
bola os auxilia na qualidade técnica de execução de seus fundamentos.
Assim, quando desempenhamos alguma habilidade motora, o SNC inte-
gra a informação proveniente de diferentes fontes sensoriais a fim de produzir
uma resposta compatível. O interessante é que esse processo ocorre mesmo
que tenhamos de conduzir nossa atenção consciente para apenas um sistema
e não utilizemos a percepção consciente das informações obtidas por meio de
outros sistemas sensoriais.
Alcançar níveis elevados de habilidade motora requer treinamento inten-
sivo, que resulta em alterações sinápticas no córtex cerebral. Entretanto, foi
recentemente proposto que as habilidades podem ser eficientemente aprendi-
das em resposta à repetição a meros estímulos sensoriais sem que a atividade

148 • capítulo 4
seja realizada na prática, uma vez que as habilidades também resultam em al-
terações na plasticidade neuronal .
Embora alguns autores proponham que sensação e percepção devam ser
consideradas um sistema completo, existem diferenças (ao menos didáticas)
entre sensação e percepção. Já estudamos que as áreas do córtex somestésico
para sensação (área primária) são distintas daquelas necessárias à percepção
dos estímulos (secundária) e que maturam em momentos diferentes ao longo
do primeiro ano devida da criança.
Enquanto a sensação é o resultado da atividade dos receptores sensoriais
cujos impulsos foram transmitidos ao SNC, a percepção é a interpretação des-
sa informação. De fato, crianças com menos de 4 anos podem ter dificuldade
de perceber a diferença entre b e d, apesar de receberem adequadamente as
informações sensoriais visuais. Entretanto, nessa fase da vida, ainda existem
dificuldades de interpretação da sensação que, por sua vez, dependem da in-
tegração com outras áreas do cérebro que na criança pequena ainda não se en-
contram amadurecidas.
Ao instruirmos quanto ao desempenho de certa habilidade motora, é útil
considerar quanta ênfase damos ao emprego dos sentidos. Por exemplo, dize-
mos a um rebatedor de baseball que olhe a bola em toda a sua trajetória até ela
fazer contato com o taco, ou a um lutador que antecipe o movimento do adver-
sário, “pressentindo”o que vai acontecer. Desse modo, ensinamos ao aprendiz
que ele deve confiar em determinados sentidos indispensáveis ao movimen-
to habilidoso.
É importante que a informação sensorial mais relevante seja previamente
identificada e informada ao aprendiz; do contrário, ele poderá ater-se a outra
informação sensorial menos adequada. Por exemplo, quando se aprende a pe-
dalar com o uso de sapatilhas fixadas ao pedal, é comum o aluno se ater a in-
formações necessárias ao equilíbrio e direcionamento da bicicleta, quando, na
realidade, deveria procurar realizar o movimento de pedalar de forma circular
com ênfase no puxar e empurrar o pedal.
Por outro lado, seria útil se o aprendiz prestasse atenção a outras infor-
mações sensoriais disponíveis a fim de complementar as orientações neces-
sárias à execução da tarefa. Conforme mencionado, confiamos mais na visão
do que nos outros sentidos; no entanto, temos de ser ensinados a não confiar
nela demasiadamente.

capítulo 4 • 149
A transferência da aprendizagem em uma modalidade sensorial para outra
é conhecida como transferência intermodal. Temos mais êxito nesse tipo de
transferência quando realizamos a transferência visual para cinestésica do que
ao contrário. Depreende-se do exposto que deve existir uma tentativa delibera-
da de professores de habilidades motoras para induzir o aprendiz a confiar na
modalidade sensorial mais benéfica ao desempenho da tarefa. Nesse sentido,
o lutador que tentar observar seus próprios movimentos de braços e de pernas
terá dificuldades de concretizar um golpe já que despreza importantes infor-
mações cinestésicas.
Quando observamos uma bola de tênis rebatida do outro lado da quadra
por seu adversário, existem muitas decisões perceptuais a serem tomadas.
Precisamos perceber a velocidade da bola, se ela está vindo com efeito e, tam-
bém, antecipar o local em que ela deverá tocar o solo. Da mesma maneira,
quando passamos a guarda do nosso oponente em uma luta de jiu-jitsu, qual
movimento devemos conectar em seguida? Devemos tentar imobilizá-lo ou
mudar repentinamente de lado para frustrar qualquer tentativa de defesa e re-
posição de guarda?
A percepção diz respeito à detecção do estímulo, à comparação e ao reco-
nhecimento da informação sensorial, que podem ser coletivamente conheci-
dos como capacidades perceptuais e representam as bases do processamento
de informação no PMG. Outros autores incluem também detecção, discrimina-
ção, reconhecimento, identificação e julgamento de um ou mais estímulos ne-
cessários à percepção para que o córtex motor tenha uma resposta adequada.
Detecção é a capacidade de identificar se um estímulo ou sinal está ou não
presente no estímulo que preciso responder. Quando o lutador de jiu-jitsu pas-
sa a guarda de seu adversário para o lado direito, este último inicia imediata-
mente a reposição com a perna do lado oposto. Se formos habilidosos e treina-
dos naquela etapa do movimento, observaremos a perna oposta se elevar — o
sinal que estávamos esperando — para executar uma resposta motora rápida
de passar para o outro lado.
A importância dessa decisão rápida se dá diante da necessidade de várias
modalidades esportivas apresentarem um timing ótimo para a execução dos
movimentos. De fato, para realizarmos um movimento habilidoso e adaptável
a diferentes situações, não basta sabermos fazer o movimento, mas principal-
mente, sermos capaz de executá-lo nas condições espaciais e temporais preci-
sas de um momento em particular. Assim, se um lutador de boxe eleva o ombro,

150 • capítulo 4
esse pode ser o sinal para indicar que o golpe direto de direita virá na direção da
minha face, fazendo com que eu antecipe a esquiva. Se não houver detecção de
sinal, não haverá resposta no tempo adequado, embora eu seja capaz de reali-
zar sozinho o movimento de esquiva sem grandes dificuldades.
Tais decisões são muito mais difíceis quando há ruídos – sinais no ambien-
te que não são do nosso interesse. São pistas irrelevantes que podem atrapalhar
a detecção do estímulo realmente importante. Nesse contexto, são evidentes as
limitações que apresentamos para a detecção de sinais, mas podemos ser trei-
nados para aperfeiçoá-la. Embora existam diferenças individuais em relação à
capacidade de detectar sinais, o treinamento é vital quando as capacidades bá-
sicas são semelhantes.
Cumpre salientar que a tensão emocional afeta a capacidade do indivíduo
de detectar um sinal. Da mesma forma, se ele está cansado ou ansioso demais
pode acreditar que está recebendo sinais não existentes ou não detectar si-
nais existentes.
Comparação diz respeito à capacidade individual de identificar diferenças
entre dois estímulos, salientando qual deles é mais relevante e próximo do que
estava procurando no ambiente.
Por fim, reconhecimento está relacionado à constatação com base nas in-
formações armazenadas na memória, se um estímulo é conhecido ou desco-
nhecido. Nesse caso, a comparação deve ser feita pela memória.
O goleiro deve fazer isso frequentemente. Avaliar se a bola que vê vai para
fora ou se precisará fazer algum movimento corporal complexo para alcançá-la
e com isso evitar o gol. Tais diferenças nos padrões de resposta dependem da
identificação e do reconhecimento do padrão absoluto do estímulo, pois ocor-
rem muito rapidamente.
Reconhecer padrões é uma habilidade cognitiva muito importante. Toda a
leitura ou matemática está baseada nessa capacidade humana e na de discri-
minar padrões. A quantidade de determinado padrão que precisamos perceber
para reconhecê-lo está relacionada com a experiência. É o que ocorre quando
identificamos palavras simplesmente ao observar uma pequena parte dela pela
familiaridade que temos com ela, algo que auxilia na velocidade da leitura.
No domínio motor, o mesmo acontece. A capacidade de reconhecer uma
pista em uma situação de movimento, mesmo que seja apenas uma fração dela,
será muito mais vantajosa para o executante do que se ele precisar ver a pista
completa. O reconhecimento de padrões não é um processo sem esforço, mas

capítulo 4 • 151
requer treinamento extensivo, experiência e instrução adequada no reconhe-
cimento dessas pistas. Com isso, espera-se que o aprendiz se concentre em al-
gumas poucas informações que possibilitem decisões perceptuais adequadas
ao bom rendimento. Dessa maneira, a instrução para o reconhecimento de pa-
drões, especialmente no modo de detecção de sinais, é um componente essen-
cial do processo de ensino de qualquer habilidade motora.
Se a capacidade de perceber a informação no ambiente é importante para
a adequada tomada decisões, é importante que possamos identificar e selecio-
nar a informação relevante entre as poucas que foram vistas em um curto espa-
ço de tempo. Muitas vezes, é preciso selecionar rapidamente uma pista entre
muitas. Depois de selecionada, a informação permanece armazenada no siste-
ma sensoriperceptivo por um período muito limitado.
O quanto pode ser visto em uma única e breve exposição tem sido alvo de
muita discussão entre os especialistas que estudam o comportamento motor.
Quando apresento a um observador 12 letras em 50 milissegundos, ele só tem
capacidade de reproduzir com precisão cerca de 35% delas, mas só se lembra do
que viu por apenas 1 segundo.
Isso indica que o registro sensorial é muito breve e depende daquilo que
se conhece como memória sensorial, que difere da memória a curto prazo, a
qual estudaremos mais adiante. Na memória sensorial, a retenção sensorial da
imagem vista se dá apenas por tempo suficiente para a decodificação das for-
mas visuais em componentes significativos; isso implica que mantenhamos a
memória sensorial visual até que dela tenhamos feito senso utilizável.
As impressões visuais persistem por um lapso de tempo muito breve na me-
mória e, portanto, ficam disponíveis para o processamento por um tempo mui-
to pequeno. De fato, acredita-se que a informação somente fique disponível por
cerca de 1 segundo, durante o qual a decisão cognitiva deverá ser tomada.
A memória sensorial deve ser vista como um sistema de arquivo da infor-
mação por tempo muito curto. Podemos influenciar o que é retido na memória
sensorial, dirigindo a atenção para itens-chave daquilo que está sendo observa-
do. Dessa maneira, durante o ensino das habilidades motoras, o professor de-
verá instruir o aluno a procurar pistas específicas em meio ao que é observado.
Isso ocorre porque, conforme mencionamos, a informação examinada de re-
lance só está disponível para processamento por cerca de 1 segundo, tornando
crítica a orientação acerca do que observar.

152 • capítulo 4
O comportamento antecipatório e a atenção para o movimento (prepara-
ção) são realizados pelos mesmos caminhos, enfatizando o papel da atenção
no domínio motor. O timing antecipatório é considerado o tempo certo para a
execução de uma tarefa e está relacionado à capacidade de prever com precisão
quando um evento externo estará na localização exata. O timinig exige que o
executante coordene e sincronize uma resposta motora a um evento externo.
No exemplo dado da passagem de guarda no jiu-jitsu, era a elevação da perna
do adversário que sugeria a reposição de guarda do adversário, e, ao observar-
mos apenas parte do movimento, já somos capazes de prever a trajetória dele e
antecipar nosso próprio movimento.
Existem tarefas de antecipação receptora e de antecipação perceptual. Na
primeira delas, os eventos necessários para evocar respostas motoras encon-
tram-se inteiramente no campo de visão do executante antes e durante a res-
posta. É o que ocorre quando orientamos um tenista a observar a trajetória da
bola até que ela encoste no encordoamento da raquete. As tarefas de antecipa-
ção perceptual, por outro lado, não são realizadas com o estímulo à vista an-
tes que a resposta seja iniciada. O executante precisa prever onde o estimulo
externo estará quando a sua resposta do adversário for completada. Para isso,
é necessário o aprendizado do padrão de regularidade do estímulo para que
possam ser feitas previsões espaciais e temporais necessárias para o sucesso na
realização da tarefa.
A capacidade de antecipar o movimento da execução é conhecida como an-
tecipação espacial, ao passo que a capacidade de prever a duração de um evento
é chamada antecipação temporal. Antecipar pode ter um custo, uma vez que o
adversário está o tempo todo tentando nos ludibriar por meio de fintas.
Dessa forma, considera-se que, apesar de importante para diminuir o tem-
po de reação de respostas motoras, a antecipação pode custar caro se o movi-
mento iniciado rapidamente for incorreto. Os ajustes podem fazer a resposta
total ser muito mais demorada.
Isto explica porque certos atletas com grande experiência, embora um pou-
co mais lentos, nunca erram e conseguem se destacar em algumas modalida-
des esportivas. Mesmo assim, não seriam competitivos contra atletas rápidos
e que também não erram pois conseguem prever antecipadamente sem er-
ros os acontecimentos e, com isso, sempre apresentar respostas imediatas e
bem-sucedidas.

capítulo 4 • 153
A antecipação é mais eficaz quando realizada pela randomização. Repetir
sempre a mesma antecipação pode fazer com que o oponente compreenda o
padrão e use isso em benefício próprio, já que a antecipação errada acarreta
custo extra de movimento. Também influencia diretamente na tomada de de-
cisão e no rendimento motor humano a interpretação individual de uma situa-
ção particular como ameaçadora ou não.
Assim, vale a pena estudar os padrões de respostas dos diferentes movimen-
tos em modalidades esportivas. Existe certa regularidade mais ou menos pre-
visível em muitas delas entre seres humanos, e conhecê-las possibilita ao exe-
cutante habilidoso a antecipação, que é a chave para a velocidade de resposta
em alto nível.
Desde que esteja familiarizado com a trajetória do movimento do objeto ou
das partes do corpo do adversário – ou seja, desde que tenha experiência adqui-
rida com o treinamento e com a vivência de diferentes situações –, o executante
não precisa manter os olhos o tempo todo no objeto ou na movimentação das
partes do corpo do oponente. Entretanto, se a trajetória é imprevisível ou se o
executante não está familiarizado, então o sucesso depende da observação des-
ses objetos o maior tempo possível.
Assim, tenistas iniciantes são orientados a permanecerem o tempo todo
com os olhos na bola e os mais experientes devem extrair informações o mais
cedo possível da trajetória da bola tornando desnecessária a observação inte-
gral da trajetória da bola. Quanto mais cedo a informação puder ser obtida,
maiores serão as chances de sucesso.

Atenção
A atenção é a mais importante de todas as faculdades para o desenvolvimento da
inteligência humana.
Charles Darwin

A atenção tem sido descrita como a concentração da consciência e, quando


se refere ao desempenho humano, é associada a atividades perceptivas, cog-
nitivas e motoras de habilidades. Falta ou déficit de atenção implica danos à
aprendizagem da linguagem, da escrita e das habilidades motoras.
A atenção é um dos requisitos básicos para a coordenação e o controle
motor, e, de fato, crianças com déficit de atenção apresentam deficiências no

154 • capítulo 4
aprendizado e rendimento motor. A complexidade de segurar um copo apoia-
do em cima da mesa, direcioná-lo à boca, ingerir o líquido e posicionar o copo
novamente na mesa—um simples movimento de agarrar um objeto, levantá-lo
e colocá-lo de volta a mesa— requer a participação de diferentes centros neu-
romotores e sensoriais necessários à organização de programas motores com
base no processamento de diversas sensações oriundas dos receptores senso-
riais, articulares e cutâneos do membro requerido.
As atividades necessárias à execução do movimento incluem identificar as
propriedades físicas do objeto, buscar antigas referências sobre ele, mandar
impulsos para os músculos aplicarem uma força determinada, contraí-los, pa-
rar vagarosamente de contraí-los e soltar o objeto no momento certo para ele
não cair nem bater com muita força na mesa. Na criança, o êxito das atividades
coordenativas em cada uma de suas etapas varia conforme o nível de aprendi-
zado e a evolução do seu desenvolvimento motor.
Falhas na comunicação, causadas tanto por estímulos externos concorren-
tes quanto por distúrbios químicos dos neurônios ligados à aprendizagem e à
memória de longa duração, são as principais causas para os distúrbios motores
em crianças compulsivas obsessivas e hiperativas. Tais falhas na comunicação
neuronal causadas por estímulos externos concorrentes sugerem que, desde o
planejamento até a execução de uma habilidade motora, um alto grau de aten-
ção é requerido para que não ocorram influências negativas na realização da
tarefa.
O controle motor fino está entre as habilidades que requerem mais atenção
e concentração durante a execução e manifestam-se de maneira comprometida
em crianças com déficit de atenção. De igual modo,prejuízos na prontidão e
fatores emocionais negativos interferem na resposta, comprometendo o grau
de atenção da pessoa.
Transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDHA) são desordens
neuropsiquiátricas que ocorrem em cerca de 5 a 10% da população pediátrica
pré-escolar. Existe muito maior incidência em meninos, que possuem risco 3
vezes maior de desenvolver o problema do que meninas, e são caracterizados
pelas dificuldades de aprendizado cognitivo e de habilidades motoras e inser-
ção social. Cerca de 30 a 60% dos indivíduos diagnosticados com TDHA na in-
fância possuem persistência dos sintomas também na vida adulta.
Crianças com TDHA podem apresentar reduções no volume total do cére-
bro, especialmente nas áreas do córtex pré-frontal, no estriado dos gânglios da

capítulo 4 • 155
base, no córtex cingulado anterior dorsal, no corpo caloso e no cerebelo, locais
em que pode coexistir a hipoativação neuronal . Nesse contexto, foi recente-
mente sugerido que a hipo função mesocortical esteja associada à deficiência
na secreção de dopamina, que resultaria em distúrbios da atenção necessária
durante o aprendizado, na elaboração do planejamento motor e na extinção
da recompensa associada ao processo de aprendizado e necessário à repetição
de comportamentos.
A atenção determina o estado de alerta individual que prepara o sujeito para
receber o estímulo sensorial. A atenção necessária à largada quando nadadores
estão posicionados nos blocos em suas respectivas raias é um exemplo de que
precisamos manter a atenção aguardando o estímulo para uma única resposta:
saltar para começar a nadar.
Em muitos casos, é difícil manter a atenção de um grupo de jogadores de
futebol. Por exemplo, quando o seu time só ataca, muitas vezes o goleiro do seu
time pode ficar desatento, fora do jogo e ser surpreendido, pois não identificou
precocemente um sinal que indicava um contra-ataque veloz da equipe adver-
sária. Outro exemplo interessante são aqueles de observadores de radar das
forças armadas, a quem a escassez de estímulos torna a atividade entediante e
contribui para aumentar a desatenção na identificação do sinal de algum avião
cuja trajetória passe pelo radar.
Tarefas monótonas e repetitivas tendem a ser um desafio para a atenção
humana, como é o caso de operários que trabalham em linhas de montagem
muitas vezes criando situações de risco para o indivíduo. Portanto, para que se
obtenha e mantenha a atenção, é preciso modular o estado de alerta do indiví-
duo, aumentando sua focalização ou concentração do estado de consciência.
Partindo desse princípio, na prática das habilidades motoras as tarefas
muito repetitivas e monótonas também tendem a reduzir o estado de atenção e
prejudicar o processo de aprendizado, sendo,assim, importante variar a prática
ou encontrar meios de reativar a atenção.
Chamar a atenção requer tanto preparar o indivíduo para a chegada do es-
tímulo como informar-lhe o momento da chegada do sinal relevante em meio
a um ambiente cheio de estímulos e sinais. A preparação do sistema nervoso
para o recebimento do sinal é chamada ativação, sendo quase idêntica ao es-
tado de alerta. Assim, os níveis de ativação individual variam de muito baixo
(como ocorre ao despertarmos) a muito alto (como acontece quando sentimos
ansiedade extrema).

156 • capítulo 4
No início do século passado, foi postulada a lei de Yerkes-Dodson, segundo
a qual para todo tipo de comportamento existe o nível ótimo de ativação para
o desempenho máximo. Desempenhos medíocres podem ser observados em
níveis de ativação muito baixos ou muito altos.
Conforme discutido durante o capítulo da organização do controle neural
do movimento, o grau de ativação do sistema nervoso deriva da excitação da for-
mação reticular localizada no tronco cerebral e também está associado a áreas
do córtex cerebral, especialmente na região pré-frontal. À luz dessa teoria, é in-
teressante notar que o nível de alerta em paradigmas-padrão de aprendizado
de habilidades motoras tende predominantemente mais para os extremos de
baixa ativação .
Um lutador de judô, caso inicie o movimento de entrada de queda com nível
limitado de ativação, pode deixar de observar sinais importantes nos movimen-
tos de seu oponente e, consequentemente, além de não conseguir derrubá-lo,
ficar mais vulnerável e cair após o contra-ataque executado por ele.
O mesmo ocorre com o exemplo já mencionado do goleiro que, por partici-
par pouco do jogo, acaba sendo surpreendido por estar com nível de ativação
muito baixo. Esses exemplos sugerem que um mínimo de estado de alerta é ne-
cessário para a execução apropriada da tarefa, especialmente aquelas abertas,
que, como veremos, ocorrem em ambientes constantemente mutáveis.
Também podemos ficar excessivamente alerta para uma situação. É o caso
de atletas extremamente técnicos e bem-sucedidos no treinamento, mas que,
pela pouca experiência competitiva, não conseguem desempenhar-se adequa-
damente nessas situações de teste. Da mesma forma, níveis de ativação muito
elevados deterioram o rendimento e também o aprendizado.
Como o tempo de reação é o período entre o início do estímulo e o início de
uma resposta, é essencial que o executante esteja alerta esperando a chegada
do estímulo. Caso esse tipo específico de alerta não seja executado, o período
de reação é muito longo.
Assim, a rapidez da reação depende da adequação da preparação. Além dis-
so, existe um tempo mínimo para reação (em torno de 2 segundos) para um
estado ótimo de ativação. Outros estudos sugerem que essa faixa pode ser mais
ampla, variando entre 1e 4 segundos, dependendo do indivíduo.
De todo modo, resultados indicam um tempo mínimo e máximo para al-
cance e manutenção do estado de alerta. Se os estímulos ocorrerem muito

capítulo 4 • 157
precocemente, não haverá tempo para se preparar para a resposta. Se, ao con-
trário, ocorrer muito tardiamente, a capacidade de atenção já se deteriorou.
Bons exemplos da situação descrita são aqueles dos atletas de natação em
seus respectivos blocos de largada, aguardando o sinal. Nessas competições,
assim como no atletismo, os juízes recebem a orientação de dar o tiro de par-
tida entre 1 e 4 segundos do momento do alerta preliminar. O juiz de largada
frequentemente diz: “Em suas marcas”, e 1 a 4 segundos depois o som de lar-
gada é acionado.
No entanto, o tenista tem mais tempo para sacar e pode usar o tempo dis-
ponível para testar a capacidade de manutenção de atenção de seu oponente.
Se este último ligar o estado de alerta, terá cerca de 4 segundos para aguardar
atentamente a chegada da bola; depois disso, aumentará a distração, algo de
que seu adversário poderá beneficiar-se.
Por outro lado, existem situações em que treinadores são obrigados
a chamar a atenção de seus atletas para a competitividade – por exemplo,
gritando ou apitando. Outro meio menos sutil diz respeito à novidade e a
complexidade das características dos estímulos apresentados, pois excitam
a curiosidade.
Tudo o que é muito informativo chama mais atenção do que aquilo que con-
tém poucas mensagens. Concentrar muitas informações em um só local pode
ser uma estratégia se o objetivo é chamar a atenção; isso, porém, não significa
que o aluno assimilará e aprenderá tudo o que está sendo apresentado com o
intuito de chamar a atenção. Esse é um método, entretanto, que auxilia na aten-
ção e motiva o aprendiz, pois estabelece claramente as metas que serão algum
dia alcançadas.
Considerando que a noção espacial, o controle oculomotor e a consciência
corporal desempenham papel importante na elaboração do plano e na exe-
cução do movimento pelo SNC, a atenção pode influenciar no controle mo-
tor por estar associada ao estado de vigília e ao feedback constante do gesto.
Dessa maneira, o déficit de atenção implica insucessos e respostas abaixo das
esperadas.
O termo vigilância é normalmente utilizado para caracterizar uma situação
em que o indivíduo precisa manter a atenção. O exemplo da operação do ra-
dar já utilizado anteriormente pode ser útil para exemplificar esse caso. Se um
observador de tela de radar fica horas na expectativa de observar um sinal que

158 • capítulo 4
pode não ocorrer por vários dias, a cada meia hora que se passa, a possibilidade
de identificação desse sinal decai significativamente.
Tarefas que requerem atenção por longo período são afetadas pela privação
do sono, principalmente em ambientes silenciosos. Essa é uma conclusão in-
teressante, pois os melhores índices de vigilância ocorrem após o sono normal
e também na ausência de ruídos. Porém, indivíduos que tenham dormido mal
apresentam desempenho um pouco melhor quando há ruídos do que diante de
sua ausência. Isso sugere que a existência de ruídos pode melhorar ou piorar os
níveis de atenção, segundo o estado fisiológico do indivíduo.
Acredita-se que a perda da atenção ocorre porque o ambiente é monótono,
condição que pode reduzir a atividade neural, pois não existem novidades. O
professor deve, portanto, perceber o momento em que as sessões de treina-
mento com muita repetição se tornam monótonas e identificar os momentos
em que o estado de desatenção começa a prejudicar a execução técnica de de-
terminados movimentos.
A desatenção poderá tornar-se frequente em situações em que o sinal seja
pouco frequente, como o exemplo do observador de radar. É também o caso do
já citado goleiro de futebol. A possibilidade de ele estar mais atento em contra
-ataques remotos é pequena e indica que o treinador deve chamar periodica-
mente a atenção para mantê-lo no estado de ativação adequado.
Por outro lado, se um indivíduo recebeu instruções que envolvem um ca-
nal sensorial — por exemplo, a visão — e as pistas no ambiente são escassas
por determinado período, é frequente que ele se distraia e comece a prestar
atenção em outros estímulos irrelevantes para o seu desempenho. É o que pode
acontecer com um jogador de tênis em dupla orientado a observar o movimen-
to dos oponentes para encontrar a melhor maneira de bater a bola. Se as pistas
forem pouco frequentes ou o jogador não tiver essa capacidade de identificar
o estímulo, ele começa a divagar e pode passar a prestar atenção no que está
acontecendo na quadra ao lado.
É adequado que o professor seja capaz de manter a mente do aluno sem-
pre ativa, inclusive orientando-o a fazer perguntas mentais sobre as possibili-
dades de acontecimentos para que ele esteja preparado para próximas situa-
ções. Gritar palavras de encorajamento — algo que os próprios companheiros
da equipe podem fazer durante o jogo, ou mesmo o treinador próximo à área
de luta de seu atleta — também surte efeito positivo em mantê-lo atento quan-
do o ambiente é monótono. Talvez seja necessário impedir que o ambiente de

capítulo 4 • 159
ensino do estudante jamais se torne monótono ou enjoativo. Assim, exercícios
repetitivos deveriam ser limitados em duração em um grau que deixem de
ser efetivos.
A dificuldade de se executarem duas tarefas simultaneamente depende da
natureza de ambas. Se aquelas a serem executadas — como caminhar e conver-
sar — não exigem (cada uma delas) o total de nossa atenção, ou seja, nossa ca-
pacidade de processar informações, então teremos capacidade de executar as
duas tarefas. No entanto, se a demanda sobre a nossa capacidade total for muito
grande por uma das tarefas, teremos dificuldade de realizá-la, como, por exem-
plo, quando tentamos arremessar uma bola e segurar a outra ao mesmo tempo.
No final do século XIX, chegou-se à conclusão de que a força muscular pode
ser comprometida quando o indivíduo é submetido a trabalho mental no mes-
mo momento de alguma ação muscular, sugerindo a existência de um canal
único para o processamento de informações. De fato, quando realizamos uma
tarefa e aguardamos o sinal para iniciarmos outra, o tempo de reação da segun-
da aumenta significativamente.
A ideia de canal único é aquela em que somente pode entrar uma informa-
ção por vez no sistema nervoso; porém, algumas vezes, é possível responder si-
multaneamente ao estímulo. Mais recentemente se demonstrou que só existe
interferência no processamento quando a execução simultânea exige uma se-
gunda operação mental. Isso significa que, se a segunda tarefa não requer aten-
ção ou operações mentais, ambas podem ser realizadas com eficiência. Assim,
o ser humano tem limitações no processamento de informações.
Para movimentos simples e elementares, é indispensável a atenção no iní-
cio e no término da atividade; nesses casos, a fase de execução não exige tanta
capacidade de processamento. É o que acontece com o caminhar. Esse movi-
mento, embora tenha sido amplamente aprendido e já esteja automatizado
pelo sistema nervoso, requer de nós certa— sobretudo dos idosos — atenção ao
iniciá-lo e interrompê-lo.
Outro exemplo é o início da tacada no golfe. Primeiro somos orientados a
prestar atenção no giro do corpo e no posicionamento do taco no alto da cabe-
ça; depois, é possível deixar o movimento acontecer com um foco externo na
imagem do que pretendemos realizar. Esse conceito — proposto em 1995 por
Nideffer e atualizado em 2007 por Wulf — diz respeito ao foco externo.
Na visão desses autores, a pessoa tem capacidade de controlar duas dimen-
sões da atenção: a direção e a amplitude do foco. Com relação à direção do foco,

160 • capítulo 4
é útil distinguir foco externo (atenção nas consequências da ação a ser produzi-
da) de foco interno (atenção nos movimentos corporais que realizam a ação). A
amplitude do foco está relacionada a um foco estreito, onde apenas um peque-
no grupo de informações é abrangido, e um foco amplo, sensível a um grande
número de dicas simultâneas.
Em situações de aprendizagem, os profissionais do movimento podem
instruir seus alunos a direcionar a atenção para fontes internas ou externas.
Nesse sentido, o desafio dos professores é determinar um foco adequado para
o aprendiz em cada tarefa. Instruções para habilidades abertas em geral bene-
ficiam-se do foco externo, ao passo que, para habilidades fechadas, cujo am-
biente é estável e previsível, os benefícios de atenção são mais observáveis por
meio do foco interno.
Apesar disso, no que diz respeito à produção da ação motora desejada, evi-
dências sugerem que o foco externo seja mais eficiente do que o interno. Com o
foco centrado nos efeitos pretendidos da ação, é menos provável que os alunos
injetem processos lentos e desajeitados na ação. Além disso, é mais provável
que ocorra a chamada paralisia por análise, mais frequente quando eles se con-
centram na execução dos próprios movimentos .
Dessa maneira, direcionar o foco do aluno para longe do movimento orien-
tado— a fim de que ele observe, por exemplo, a distância ou o som da bola —
evita que processos conscientes interfiram na ação e possibilita que esta seja
controlada mais automaticamente com programas motores aprendidos.
Um aspecto essencial do processo de produzir uma resposta motora ade-
quada é a seleção de informação no qual esse ato se baseia. A tarefa de selecio-
nar certas informações no ambiente enquanto se ignoram outras é chamada
atenção seletiva. O fenômeno coquetel ilustra a capacidade humana de dar
atenção a uma informação específica em meio a muito ruído ou informações
não desejadas.
Esse efeito que pode ser exemplificado quando estamos em uma boate com
som alto e mesmo assim conseguimos comunicar-nos com alguém de nosso
interesse. Por outro lado, também sugere que os ruídos externos sejam desa-
fiadores para a manutenção da atenção. A essência do efeito coquetel pode ser
revelada com uma simples e interessante pergunta: como reconhecemos o que
uma pessoa está falando quando outras também estão falando ao nosso lado?
Algumas teorias foram propostas para explicar o fenômeno coquetel, en-
tre elas o modelo Broadbent, que postula que filtramos toda a informação só

capítulo 4 • 161
admitindo a entrada de mensagens relevantes e rejeitando as não relevantes.
Nesse caso, o filtro operaria após a análise de algumas características gerais dos
sons, como frequência, intensidade e localização, mas sempre antes de identi-
ficar o sentido da mensagem.
Em uma festa estilo coquetel, por exemplo, seres humanos precisam consti-
tuir caminhos auditivos da fala que podem ser seguidos com o passar do tempo
e perceptualmente integrados aos sons provenientes do interlocutor, e incluin-
do as características harmônicas do som mencionadas e também os sotaques
capazes de diferenciá-lo de outros convidados falando ao lado .
Não é possível prestar atenção a tudo, e, quando orientamos nosso aluno
a permanecer muito atento a todas as coisas, podemos estar prejudicando as
respostas desejadas, uma vez que é impossível prestar atenção em tudo. As
habilidades de focalização nos estímulos sensoriais relevantes e de inibição
daqueles irrelevantes ou interferentes são fatores críticos para a cognição. A
atenção requer a habilidade de diferenciar estímulos relevantes de irrelevan-
tes, de selecionar e focalizar apenas nas informações relevantes e de inibir as
irrelevantes, dentro de determinado período, aspectos cognitivos que melho-
ram com a idade.
Esses aspectos fazem com que o indivíduo consiga focalizar o que interessa
e ignorar os estímulos irrelevantes, evitando assim distrair-se. Três áreas cor-
ticais atuam em rede na atenção seletiva: o lobo parietal superior (envolvido
na representação espacial exterior); o córtex pré-motor lateral (que atua nos
movimentos de exploração e orientação, como, por exemplo, nos movimentos
oculares); e o giro cingulado anterior (que participa mais efetivamente nos as-
pectos executivos da atenção seletiva, incluindo a monitoração da resposta: o
feedback).
As falhas em se responder apropriadamente aos estímulos – bem como o
erro de se inibir uma resposta potencial – podem resultar de déficit de atenção
sustentada. O modelo neurocognitivo de inibição das respostas elaborado por
Mesulam associa três processos a três estruturas cerebrais.
O primeiro processo diz respeito à inibição de uma resposta inicial pré-po-
tencial, em que o córtex pré-frontal atua protegendo de interferências externas
as representações de informações relevantes. O segundo processo é o de reten-
ção de uma resposta potencial, em que há a participação dos gânglios basais
provendo a inibição de comportamentos inadequados, sendo que o núcleo
caudado e o putâmen recebem os sinais do córtex frontal e enviam a resposta

162 • capítulo 4
de volta ao córtex via globo pálido e tálamo. Essa rede, conhecida como fron-
toestriada, modula a atividade na área motora suplementar, que desempenha
papel primário no planejamento e na iniciação do movimento.
Adultos conseguem manter a atenção por mais tempo do que as crian-
ças, que, por sua vez, se caracterizam por elevado grau de distração. Apesar
disso, não existem diferenças significativas no que diz respeito à atenção se-
letiva; porém, existem grandes diferenças em tarefas de inibição de outros
estímulos, sendo consistentes com a maturação demorada ou prolongada da
região frontoestriatal.
Outro modelo utilizado para explicar o fenômeno coquetel é o de Triestman,
segundo o qual apenas atenuamos a informação não desejada. Isso poderia
explicar porque em uma boate barulhenta, apesar de nos comunicarmos por
horas com quem nos interessa, somos capazes de ouvir uma terceira pessoa
chamar nosso nome.
Por fim, o modelo de Norman sugere que só damos atenção àquela informa-
ção pertinente ou relevante para nós. Esse autor sustenta que todos os sinais
provenientes de receptores sensoriais passam por um estágio de análise rea-
lizado pelos processos fisiológicos primários. Nesse modelo, apesar de todas
as informações excitarem representações armazenadas na memória, apenas
aquela considerada mais relevante baseada na expectativa e em processos per-
ceptuais é selecionada para o processamento.
Nesse contexto, considerando o papel essencial das emoções e da memória
na atenção, e a importância da atenção na aprendizagem, teorias de aprendiza-
do têm sugerido há décadas que o aluno só é capaz de se interessar por aquilo
que tenha significado para ele e de aprender isso. Para um aluno interessado
e motivado, pouco importa o aprendizado de técnicas de luta que ele nunca
consegue realizar na prática; porém, quando mostramos algo que faz parte das
caraterísticas do seu repertório de movimentos, ele rapidamente se interessa
e tem mais chances de aprender. Nesse sentido, os professores devem orien-
tar a instrução individualmente, analisando as qualidades e necessidades de
cada aluno.
Tendo em vista a limitada capacidade do cérebro em processar informa-
ções, selecionar aquelas mais relevantes do ambiente assegura velocidade e
objetividade às respostas motoras. Atenção, emoção e motivação contribuem
para priorizar e selecionar informações no ambiente, e, de fato, são muitas as

capítulo 4 • 163
evidências que demonstram que o estado emocional do indivíduo influencia
diretamente sua motivação e capacidade de atenção seletiva .
A memória está associada ao sistema límbico, fortemente ligado às emo-
ções. Tendemos a armazenar o que nos é emocionalmente relevante, ou im-
portante para a sobrevivência. Pela associação do lobo límbico com o córtex
pré-frontal, tendemos a programar e planejar com base no que sentimos e no
que nos foi passado, pois essa região frontal é responsável pela nossa subjetivi-
dade, pelos valores e significados. Por isso, é melhor aprendemos o que nos é
relevante e tem algum significado.
Construímos e planejamos o movimento com base em nossas motivações,
nossos valores e aprendizado, desde a primeira reação ao estímulo, depende-
mos disso. Como o aprendizado depende da atenção, e esta está associada àqui-
lo que nos é importante, o significado influenciará o grau de atenção. Qualquer
distúrbio que modifique o funcionamento normal do sistema límbico pode
prejudicar a atenção; um deles é a ansiedade.
Todos esses modelos descrevem como damos atenção seletiva à informação
no ambiente e aumentam a importância da experiência anterior e da instrução
em relação a pistas essenciais a respostas adequadas. Assim, somos capazes de
permanecer atentos para apenas um sinal no meio de muitos e damos atenção
preferencial àquelas informações relevantes em uma situação particular.

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capítulo 4 • 165
166 • capítulo 4
5
Memória
168 • capítulo 5
5.1  Introdução

A vantagem da péssima memória é que você desfruta várias vezes as mesmas ale-
grias da vida como se fosse pela primeira vez.
Friedrich Nietzsche

A memória humana é uma composição de múltiplos sistemas independentes e


integrados no córtex cerebral. É clássica a descrição das consequências de uma
cirurgia realizada na década de 1950 para controlar crises de epilepsia. À época,
após a excisão de dois terços anteriores do hipocampo, giro para-hipocampal,
córtex entorrinal e amígdala, apesar de solucionado o problema relacionado
às crises epilépticas, o indivíduo ficou incapacitado de se lembrar de aconteci-
mentos posteriores à cirurgia; no entanto, conservava lembranças da infância e
de fatos ocorridos até dois anos antes da operação.
Essa constatação empírica promoveu o desenvolvimento conceitual das
dissociações entre a memória de curta e de longa duração. Na década de 1960,
Atkinson e Shifrin propuseram o modelo modal, sugerindo a existência de um
registro sensorial e um primeiro estágio da percepção da informação, que fica-
ria disponível por tempo limitado e que diferia da estocagem de longa duração,
alimentada por conteúdos transferidos pela instância anterior .
A memória de curto prazo é composta de um espaço de trabalho tempo-
rário, onde ocorre o processamento da informação relevante. Nesse local, a
informação pode ser repetida, relembrada, processada e transferida. De fato,
enquanto ela estiver sendo repetida, a atenção é mantida na memória de curto
prazo. Já a memória de longo prazo é o espaço de estocagem para experiências
ao longo da vida, tendo capacidade e duração ilimitadas. A informação alcança
a memória de longo prazo por meio do esforço de processamento da informa-
ção na memória de curto prazo, que a transfere para a memória de longo prazo.
A memória de longa duração ainda apresenta uma dissociação entre siste-
mas particulares que enfatizam a natureza da informação processada. Segundo
a taxonomia proposta por Squiree Zola-Morgan, podemos distinguir a memó-
ria declarativa (explícita) da não declarativa (implícita) . Na cirurgia descrita,
apesar dos prejuízos na memória declarativa, foi observada a preservação da
capacidade de aprimorar habilidades motoras, sugerindo que as localizações

capítulo 5 • 169
anatômicas das memórias explícita e implícita, apesar de integradas, não se-
jam exatamente a mesma.
A memória explícita refere-se ao conhecimento evocado conscientemente
por meio de imagens ou proposições e encontra-se subdividida em dois tipos:
o primeiro é a memória para fatos, relativa ao conhecimento semântico sobre
informações gerais; o segundo, a memória para eventos, relativa a episódios
específicos temporal e espacialmente localizados.
Já a memória implícita diz respeito ao conhecimento manifesto por meio
do desempenho, sem que o sujeito tenha consciência de possuí-lo. Está subdi-
vidida em memória associativa e não associativa. A primeira delas inclui a me-
mória motora para habilidades, alteração de desempenho e condicionamento
clássico; a segunda contempla a habituação e a sensibilização.
Os processos associativos foram inicialmente estudados com procedimen-
tos de laboratório conhecidos como condicionamento clássico e condiciona-
mento operante. Estudos com condicionamento clássico tiveram início em
1902, com Ivan Pavlov, o qual demonstrou que a base do condicionamento
clássico é a associação entre dois estímulos. Em condições experimentais, a
apresentação de um alimento (estímulo incondicionado) a um animal provoca
salivação (resposta incondicionada).
O condicionamento ocorre quando um estímulo neutro (som ou luz, por
exemplo), denominado estímulo condicionado, é emparelhado com o estímulo
incondicionado. Então, quando o estímulo condicionado é apresentado antes
do estímulo incondicionado, a resposta condicionada é criada durante a vigên-
cia do estímulo condicionado.
Do mesmo modo, Skinner desenvolveu condições experimentais para o
condicionamento operante ou instrumental. Os animais eram colocados em
um compartimento onde podiam pressionar uma barra a fim de receberem
uma recompensa. O condicionamento operante baseia-se na probabilidade de
ocorrência futura de uma resposta, quando ela é seguida por um reforço.
A habituação e a sensibilização são duas maneiras de aprendizagem não
associativas. Na habituação ocorre a redução da força de uma reposta a um es-
tímulo inócuo; na sensibilização, o aumento da força da resposta a uma varie-
dade de estímulos seguidos por outro estímulo, intenso ou nóxico.
A maior parte do progresso no estudo celular do modo de aprendizagem
implícita vem de pesquisas sobre o sistema nervoso de invertebrados e verte-
brados simples, os quais apresentam modificações comportamentais (habi-
tuação, sensibilização, condicionamento clássico e operante). A maioria dessas

170 • capítulo 5
alterações diz respeito a modificações nas conexões sinápticas. Esse tipo de
análise foi, a princípio, feito usando-se a Aplysia californica, uma vez que esse
animal possui sistema nervoso simples para se estudar a mediação neural dos
reflexos em nível celular.
Hoje se conhecem várias alterações no sistema nervoso decorrentes da re-
lação dos organismos com o meio ambiente, ou seja, da aquisição da experiên-
cia pelo processo de aprendizagem. Com o estímulo do sistema nervoso, ocor-
rem inicialmente alterações neuroquímicas, como o aumento da produção e
liberação de neurotransmissores e o aumento da sensibilidade dos receptores
pós-sinápticos.
Os mecanismos cerebrais de memória e aprendizagem estão ligados aos
processos neurais responsáveis pela atenção, motivação e por outros proces-
sos neuropsicológicos; sendo assim, perturbá-los afeta de alguma maneira a
aprendizagem e a memória.

5.2  Estruturas anatômicas


O hipocampo é uma estrutura relacionada à memória. Da mesma maneira, a
integridade de estruturas temporais mediais e diencefálicas parece imprescin-
dível para o funcionamento do sistema declarativo. Por outro lado, o sistema
não declarativo seria sustentado pelas estruturas responsáveis pelo desempe-
nho direto da tarefa.
Uma das áreas que parecem participar efetivamente no processo de apren-
dizagem motora são os hemisférios cerebrais. Estudos em humanos indicam
um envolvimento significativo do lobo frontal, incluindo a área motora suple-
mentar, no aprendizado motor, sem predomínio de um ou de outro hemisfério.
Outras pesquisas demonstraram a ativação dos córtices motor primário, soma-
tossensorial e pré-motor. Também já foi proposto que a adaptação de padrões
prévios de movimento e a aquisição de novos têm função relevante do cerebelo.
Como já sabemos, o cerebelo organiza as sequências de músculos a serem
contraídos para se conseguir executar um movimento fino e coordenado. A
contribuição do cerebelo para a aprendizagem motora tem sido muito estu-
dada. Tomados em conjunto, os estudos sugerem que o cerebelo contribui de
essencialmente no processo de aquisição das habilidades motoras, provavel-
mente na modulação sináptica das aferências.

capítulo 5 • 171
Mesmo após a lesão de determinados núcleos do cerebelo, é possível que se
adquiram respostas condicionadas, porém há prejuízo claro no desempenho
em tarefas determinadas, aumentando o tempo de latência e reduzindo a am-
plitude das respostas. A integridade do cerebelo é, portanto, essencial para o
desempenho motor ótimo, executado em tempo e espaço ideais.
Seu papel é mais importante durante a adaptação, por trabalhar como um
“comparador” entre os movimentos requeridos e os executados. Os núcleos da
base também parecem contribuir de modo decisivo para o aprendizado motor,
particularmente o estriado e o caudado, embora suas funções específicas, den-
tro do processo, não sejam conhecidas. As maiores evidências apontam para
uma participação na aprendizagem de sequências de movimentos, gerando os
parâmetros internos que dirigem os movimentos.
O cerebelo contém a representação focal das partes do corpo e meios de
movimento, além de desempenhar propriedade de memória espacial e tem-
poral em relação às partes do corpo, incluindo força e velocidade, bem como
mecanismos para aprendizagem e armazenamento de informações por meio
do ensaio e do erro.
A memória é um componente importante em nosso processamento de in-
formação para produzir a resposta desejada, sendo útil para denotar a capaci-
dade de recordar. Para muitos, é considerada um contínuo entre um ponto em
que a informação seja passageira e outro em que seja mais durável.
A prática de uma mesma tarefa resulta em armazenamento de alguma ca-
pacidade para a ação na memória. Pelo menos três sistemas distintos de me-
mória podem ser identificados, cada um deles envolvidos de algum modo no
processamento de informação que resulta na produção do movimento: arma-
zenamento sensorial de curto prazo e memória de curto prazo e de longo prazo.

5.3  Armazenamento sensorial de curto prazo


Esse é o componente de memória mais periférico ou sensorial; conforme
mencionamos, vários segmentos de informação são processados, ao mesmo
tempo, durante o estágio de identificação do estímulo. A princípio, os estímu-
los alcançam áreas primárias sensoriais no córtex cerebral e são brevemente
mantidos de acordo com a modalidade sensorial auditiva, tátil, cinestésica
ou visual. Cada corrente é mantida por milésimos de segundos antes que seja

172 • capítulo 5
substituída pela próxima corrente. O armazenamento sensorial de curto prazo
ocorre antes do processamento consciente da informação.

5.4  Memória de curto prazo


Atribuímos ao armazenamento na memória de curto prazo nossa capacidade
de usar imediatamente a informação que acabou de nos ser apresentada, tal
como um número de telefone que acabamos de ouvir. A duração desse tipo de
memória é de cerca de 20 a 30 segundos, após o qual tendemos a perder a infor-
mação, ou seja, a esquecê-la. Isso ocorre tanto para a informação verbal como
para a motora, embora, como vimos, sua localização anatômica seja distinta no
sistema nervoso.
Esse tipo de memória também apresenta capacidade limitada.
Um mecanismo de atenção seletiva seleciona algumas informações na me-
mória sensorial de curto prazo e as transfere para a memória de curto prazo,
enquanto o restante é perdido e substituído por outra corrente. Essa transfe-
rência se dá somente com as informações consideradas relevantes para o pro-
cessamento de uma resposta adequada, ou seja, apenas aquelas aplicáveis a
determinado contexto. Por isso, a grande maioria das informações que chega
na memória sensorial de curto prazo nunca alcança a memória de curto prazo,
onde poderá receber atenção e ser processada posteriormente.
Já estudamos que atenção seletiva é utilizada para determinar quais fon-
tes devem ser incluídas na memória de curto prazo. Uma vez na memória de
curto prazo, a informação apenas permanecerá se a atenção for mantida a ela
por meio de recuperação constante, ensaios e repetições. A associação a outros
itens auxilia nesse processo.

5.5  Memória de longo prazo


Esse tipo de memória possui duração e capacidade infinitas. Um meio de se
transferirem informações para o armazenamento de longo prazo é a repetição
da informação. Apesar de duração e capacidade ilimitadas, poderão existir di-
ficuldades em se resgatar ou recuperar a informação no interior dos “arquivos”
da memória de longo prazo. A maneira como armazenamos essa informação

capítulo 5 • 173
associada às outras informações auxilia na sua recuperação; porém, é bastante
distinta e não podemos esperar um padrão específico para todos os indivíduos.
A memória de longo prazo é o espaço para o armazenamento das experiên-
cias acumuladas ao longo da vida. Habilidades contínuas, como nadar e pe-
dalar, uma vez aprendidas, nunca são esquecidas, mas o mesmo nem sempre
ocorre com algumas habilidades complexas, como séries de ginástica.
A informação só alcança a memória de longo prazo como resultado de um
processo controlado e realizado com muito esforço, que diz respeito à conexão
de uma nova informação com outras previamente aprendidas. Por exemplo, o
aprendizado do saque no tênis pode envolver a recuperação de outras ações já
aprendidas, como o movimento fundamental de arremessar, ressaltando a im-
portante da variedade, repetição e execução qualitativa dos movimentos funda-
mentais na primeira infância.
Processos de controle na memória são aqueles aspectos da memória sob
controle direto do indivíduo, sendo representados pelas etapas de armazena-
mento, organização e recuperação da informação. O armazenamento codifica
certos componentes do movimento; isso possibilita que o indivíduo se lembre
do movimento.
Muitas vezes, a codificação está associada a uma imagem que pode ser re-
cordada com rapidez. É o caso das defesas de alguns golpes de estrangulamento
no jiu-jitsu, quando o professor orienta seus alunos a “pentear o cabelo” para,
simbolicamente, representar o ato de passar rapidamente a palma da mão
aberta próximo à orelha para alcançar instantaneamente a região do pescoço.
A informação da localização e a distância parecem ser características do
movimento que podem ser codificadas por outros processos. A organização
da informação do movimento agrupa os movimentos para facilitar sua recor-
dação. Podemos classificar movimentos de classes semelhantes em uma área
determinada, pois estabelecemos semelhanças entre as variações desse movi-
mento. Por fim, a recuperação é um processo de controle relacionado com a
eficácia do armazenamento e da organização dele na memória de longo prazo.
No processo de armazenamento na memória de curto prazo, a deterioração
do traço parece desempenhar papel importante. Na memória de longo prazo, a
informação parece influenciada por atividades interferentes. Nesse sentido, a
interferência é a causa do esquecimento.
Uma atividade motora particularmente parecida com aquela de que
você está tentando lembrar-se pode produzir interferência retroativa. Se

174 • capítulo 5
experimentarmos aprender a dar um passo de dança como nos foi ensinado,
será melhor que nenhum outro movimento seja executado entre a demons-
tração e a prática. Essa informação é relevante, pois se, durante a instrução de
determinado passo, introduzirmos variações a ele, estaremos na realidade pre-
judicando esse aprendizado. Isso é comum entre treinadores motivados, an-
siosos por ensinar e que, não se contentando em demonstrar o movimento pla-
nejado para aula daquele dia, querem exemplificar as possíveis variações dele.
Quanto à maior dificuldade de lembrança da sequência de séries de ginásti-
ca complexas e à facilidade de nos lembrarmos por décadas de como andar de
bicicleta, estudos demonstram diferenças muito significativas no aprendizado
de habilidades contínuas e discretas. Enquanto as primeiras podem ser supera-
prendidas pela repetição constante, as segundas não o podem e ainda incluem
muitas instruções verbais que podem ser esquecidas, colaborando para a inter-
ferência mencionada.
Entretanto, rótulos verbais do movimento representam um meio de proces-
sá-lo a um nível mais profundo do que quando não se adota nenhum rótulo ou
designação. Recordemo-nos do exemplo do lutador de jiu-jitsu, que se lembra de
“pentear” o cabelo sempre que é ameaçado por um golpe de estrangulamento.
Qualquer indivíduo que esteja aprendendo uma habilidade se depara com
uma sequência de movimentos que devem ser executados em uma ordem espe-
cífica. Se esta não for obedecida— ou se a sequência for esquecida—, o resulta-
do final será distante do pretendido.
Um dos mais consistentes resultados obtidos no comportamento verbal é
o efeito de primazia e recenticidade que demonstra diante de 5 a 9 itens, ten-
demos a nos recordar apenas das primeiras e das últimas orientações. Embora
esse efeito seja menos investigado na área do comportamento motor, ele tam-
bém parece existir nessa área.
Se precisamos ensinar uma sequência de movimentos, já sabemos que
nossos alunos se lembrarão mais das partes iniciais e finais da série. Assim é
importante enfatizar as etapas intermediárias da rotina ou estimular a práti-
ca desses movimentos em aulas anteriores. Podemos também repetir cada um
separadamente para depois uni-los em uma sequência lógica ou fragmentar as
sequências, a fim de que possam ser adequadamente mantidas na memória de
curto prazo, praticadas e, então, ser transferidas para aquela de longo prazo.

capítulo 5 • 175
5.6  Memória motora

O ódio tem melhor memória do que o amor.


Honoré de Balzac

A memória motora resulta do aumento da performance por meio de várias exe-


cuções motoras, definidas como aprendizagem motora — diferentemente da
memória declarativa, que evoca um item. Dessa maneira, as memórias moto-
ras ficam consolidadas quando se tornam mais estáveis com o tempo, e sua
performance não é afetada pela interferência de outra memória ou aprendiza-
gem motora.
Tal como a memória declarativa, a motora também está sujeita a processos
cerebrais que levam a uma consolidação e a uma estabilização de longa dura-
ção (por mais de 24 horas), em que a interferência de outra tarefa não tem efeito
na tarefa anterior já consolidada.
Durante as horas seguintes à prática, verifica-se a representação ou constru-
ção de um modelo interno da tarefa motora aprendida e que torna sua execução
ou evocação menos frágil no que diz respeito às interferências às quais ainda
possa estar sujeita. No entanto, a realização de uma tarefa motora imediata-
mente após uma primeira provoca interferência, que prejudica o aprendizado.
De acordo com imagens de funcionalidade cerebral, podemos verificar
que, logo após 6 horas sem prática, o cérebro já demonstra a utilização de no-
vas regiões para efetuar a tarefa, sugerindo que ela foi consolidada no cérebro.
Verifica-se, assim, uma transferência das áreas pré-frontais do córtex para as
áreas pré-motora, posteroparietal e do córtex cerebelar .
A essa consolidação de movimentos podemos também chamar automatiza-
ção, o que pode ser entendido como o momento a partir do qual conseguimos
realizar uma tarefa de maneira automática, portanto, sem atenção tão elevada,
desenvolvendo corretamente a sequência de movimentos a ela associada.
Quanto mais complexa a tarefa que tentamos automatizar, maior a ativa-
ção cerebral nas áreas dos córtices parietal e pré-motor, bem como do cerebe-
lo. Este último, por sua vez, apresenta papel fundamental na consolidação das
memórias motoras, na medida em que os pacientes com lesões do cerebelo

176 • capítulo 5
conseguem melhorar uma tarefa motora com a prática, mas não são capazes de
desenvolver essa mesma tarefa de maneira automática .
O sono desempenha papel fundamental na consolidação da memória mo-
tora e no aumento do rendimento . Estudos sugerem que 8 a 10 horas de sono
promovem melhorias de 20% na velocidade de execução motora, e, quando
essa mesma tarefa é efetuada 24 horas depois sem qualquer treino adicional,
são verificados ganhos significativos na performance motora.
A plasticidade cerebral é determinante em processos de consolidação, e
o sono a influencia diretamente. Grupos que dormem durante o dia após a
aprendizagem revelam melhorias na memória de procedimentos, mas não na
declarativa, evidenciando, dessa maneira, a importância do sono na consolida-
ção da memória motora.
Durante o sono, parece existir o envolvimento de estruturas do hipocam-
po tradicionalmente associadas à memória declarativa, mas que também po-
dem desempenhar importante papel na memória de procedimentos motores.
Assim, idosos podem beneficiar-se de tratamentos comportamentais ou farma-
cológicos que procurem melhorar a qualidade do sono e, com isso, melhorar a
capacidade cognitiva de aprendizado motor .
Nos últimos anos, verificaram-se avanços significativos nos sistemas rela-
cionados à aprendizagem. O fenômeno de plasticidade sináptica associado ao
hipocampo trouxe novas perspectivas à memória motora e execução de movi-
mentos, uma vez que o hipocampo é uma das estruturas mais importantes em
qualquer processo de memória . Além disso, a capacidade plástica dessa estru-
tura sugere que o mesmo possa ocorrer em outras estruturas também envolvi-
das no comportamento motor, como o córtex cerebral ou o cerebelo .
Muitas investigações desenvolvidas na temática da plasticidade sináptica e
a sua relação com a atividade física têm sido desenvolvidas com base nos efei-
tos do exercício nos neurônios do hipocampo, como estruturas fundamentais
à memória e aprendizagem. Existem resultados coincidentes com o aumen-
to na expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF; do inglês,
brain-derived neurotrophic factor), que promove melhoria das capacidades
cognitivas não espaciais e estabilidade das capacidades relacionadas à apren-
dizagem espacial .
As sequências motoras podem ser tão usuais que nos esquecemos da sua
importância no dia a dia. Desde marcar um número de telefone conhecido a di-
gitar um e-mail, ou simplesmente nadar ou correr para promover o bem-estar,

capítulo 5 • 177
todas essas situações recorrem a sequências motoras já construídas no nosso
cérebro para o sucesso da tarefa. O conhecimento de como essas sequências
são executadas, estruturadas, aprendidas e adaptadas permite-nos otimizar o
treino delas, quer em atletas, quer em indivíduos em recuperação neurológica.
O comportamento e a aprendizagem motores são construídos com base
não apenas em gestos motores isolados, mas também em sequências motoras
que só quando corretamente executadas produzem o movimento pretendido.
Assim como em uma conversa temos de produzir as palavras com uma sequên-
cia lógica ou, na memória episódica, ordenamos os acontecimentos por ordem
temporal, o mesmo se aplica aos gestos motores.
Dessa maneira, os diferentes componentes dos movimentos que consti-
tuem a totalidade da ação motora têm uma ordem específica, bem como uma
sequência temporal exata, de maneira que o sucesso da performance se encon-
tre dependente das mesmas. Como visto em várias investigações em aprendi-
zagem motora, as sequências também requerem uma fase inicial, em que o
indivíduo necessita de algum apoio visual e espacial que o ajuda a promover a
aprendizagem do gesto.
No entanto, à medida que a tarefa se torna mais automática, temos a capa-
cidade de realizar os movimentos de maneira mais sequencial, sabendo como
e em que timing executar os movimentos seguintes, de tal modo que a atenção
necessária se torna mínima. A conjugação dessas variações motoras permite-
nos reproduzir gestos mais complexos com grande automatismo, capaz de nos
fazer questionar a sequência motora desenvolvida.
Os movimentos podem ser representados por duas formas de sequência:
a espacial e a motora. A primeira é suportada pelo córtex parietal/pré-frontal
com as regiões associativas dos gânglios da base e do cerebelo. Por outro lado,
a aprendizagem das sequências motoras é mediada pelas regiões motoras dos
gânglios da base e do cerebelo .
De fato, existe grande importância da relação entre cérebro, cerebelo e gân-
glios da base na construção de um movimento sequencial. Assim, o plano dos
movimentos sequenciais a serem realizados é transmitido a partir das áreas
sensorial e pré-motora do córtex cerebral para o cerebelo, comunicando-se
também com os gânglios da base. Desse modo, o cerebelo é essencial, sobre-
tudo na transição de um movimento para outro, na medida em que muitos dos
neurônios dos núcleos dentados exibem o padrão de atividade do próximo mo-
vimento sequencial. Além disso, o cerebelo controla exatamente o tempo de

178 • capítulo 5
ocorrência do próximo movimento para que este não ocorra antes nem depois
do pretendido.
O intervalo desde a apresentação de um estímulo até ao início da resposta
é fundamental na execução correta de qualquer tarefa motora. Quer nas tare-
fas mais simples quer nas mais complexas, a resposta a determinado estímulo
pode ser uma condicionante na performance de um gesto motor por si só ou
em uma sequência de gestos motores.
Chamamos tempo de reação aquele que traduz nossa capacidade de pro-
cessar toda a informação necessária à realização de uma resposta motora. Essa
informação diz respeito a um enorme número de processos cerebrais e perifé-
ricos que nos indicam as condições estáticas e dinâmicas do nosso corpo, bem
como a sua relação com o meio que nos envolve. À medida que envelhecemos,
sentimos diminuição nos tempos de reação para efetuarmos tarefas, e, quanto
mais complexas, maior será a diferença nesse tempo.
O tempo de reação é tanto maior quanto maior é a complexidade da res-
posta a ser processada e o número de opções de resposta; por outro lado, ele
diminui à medida que nossa idade aumenta, significando que, provavelmente,
existem processos maturacionais que condicionam a leitura e programação de
uma resposta motora. Em relação ao desporto, estudos em atletas evidenciam
que, no caratê, os tempos de reação diminuem com o aumento da experiência
do indivíduo, ao passo que, no voleibol, os atletas inexperientes têm melhores
tempos de reação.
A coordenação visuomotora é uma tarefa extremamente complexa do ponto
de vista do processamento cerebral, se pensarmos que o simples gesto de agar-
rar uma bola requer um rápido cálculo e a transmissão dessa informação aos
membros superiores para o resultado final. É impressionante perceber como
conseguimos obter sucesso nessas situações se considerarmos que, assim que
a bola vem no ar, processamos a informação visual no lobo parietal para obter-
mos os cálculos exatos de velocidade e trajetória do objeto, de maneira a proje-
tá-las no lobo frontal, contraindo os músculos corretos, com momento, força e
precisão exatos .
O tempo de processamento de toda essa informação é fundamental para
compreendermos melhor as limitações e capacidades da aprendizagem moto-
ra. A aquisição de novas tarefas motoras depende da criação e aprendizagem
de um mapeamento entre os comandos motores e as consequências sensoriais
daí resultantes .

capítulo 5 • 179
Tal como foi referido, é a princípio adquirida em uma memória de trabalho
e posteriormente armazenada a longo prazo em uma zona do cérebro diferente
da memória declarativa. De fato, a aprendizagem dinâmica resulta do mapea-
mento dos estados sensoriais das diferentes partes do corpo e da força aplicada
em cada um desses instantes.
A aprendizagem motora das tarefas pode ser generalizada para novos gestos
motores que se adaptam pela aquisição de um modelo interno do movimento
dinâmico afetando a aprendizagem anterior de uma tarefa diferente. As difi-
culdades de aprendizado, sobretudo da coordenação motora nos transtornos
de déficit de atenção, podem ser parcialmente solucionadas pelo treinamento
do equilíbrio .
O equilíbrio é uma função do nosso corpo envolvido nas mais variadas tare-
fas do dia a dia. Desde as mais pequenas variações posturais até aos gestos mais
complexos efetuados por atletas de ginástica — que os tornam aparentemente
fáceis para o expectador, pois apresentam extraordinário controle motor — ,exis-
tem respostas neuronais que possibilitam os reajustes posturais necessários.
O controle do equilíbrio inicia-se no aparelho vestibular, localizado na par-
te petrosa do osso temporal, no ouvido interno. A partir daí, e pelo fato de ser
uma função primária a níveis evolutivos, a informação é enviada ao núcleo ves-
tibular do tronco cerebral, onde se processa a informação sobre a posição da
cabeça e a sua aceleração angular. Além desse núcleo, uma complexa rede de
circuitos neuronais — chamada formação reticular — está também envolvida
na manutenção do equilíbrio e de alguns reflexos motores sensitivos, do con-
trole da função respiratória e cardíaca e da coordenação espacial e temporal de
movimentos.
O núcleo vestibular e a formação reticular mantêm a postura corporal por
meio de reajustes efetuados com informação vinda do aparelho vestibular.
Esses reajustes — bastante rápidos, sobretudo durante a ocorrência de um ges-
to desportivo — apenas são possíveis porque o cérebro é informado não ape-
nas das posições das diferentes partes do corpo, mas também da rapidez e da
direção com que estão sendo efetuados esses movimentos. Só assim o cérebro
consegue construir uma resposta motora voluntária capaz de responder às exi-
gências das alterações posturais de tarefas mais complexas.
Acredita-se que a função do cerebelo, e mais concretamente do vestíbulo-ce-
rebelo, seja a de calcular a partir dessas velocidades e direções onde estarão as
diferentes partes do corpo nos próximos milissegundos. Os resultados desses

180 • capítulo 5
cálculos são a chave para a ação motora do cérebro em função do movimento
sequencial pretendido.
Quando realizamos determinado movimento e existem variações inespera-
das, o nosso corpo recebe informação cerebral para proceder a adaptações a
fim de eliminar os desequilíbrios criados. É normal que o nosso cérebro possua
sistemas de adaptação a variações de movimento, presentes em muitas ações
do nosso dia a dia e principalmente ao nível dos movimentos desportivos, onde
o recurso das adaptações na variação é fundamental para o bom desempenho
de um gesto.
A adaptação a uma nova tarefa motora é muitas vezes um processo lento;
por outro lado, a readaptação pode ser extremamente rápida . Essa diferença
ocorre porque o sistema nervoso central (SNC) possui dois modelos: um para a
realização da tarefa e um auxiliar para ajustes quando ela necessita de adapta-
ções. Desse modo, o indivíduo consegue readaptar-se rapidamente, “desligan-
do” esse modelo auxiliar.
Quando um movimento é efetuado de modo lento, ele consegue ser corrigi-
do por feedbacks instantâneos fornecidos pelo nosso sistema sensorial. No en-
tanto, à medida que a complexidade e a velocidade aumentam, sentimos que,
para o bom desempenho da tarefa, é necessária uma aprendizagem da sequên-
cia e dos gestos nela envolvidos.
A aprendizagem motora tem grande importância nos primeiros anos de
vida, pois é durante determinado período crítico que se reúnem as condições
neurológicas fundamentais à criação de procedimentos motores e de progra-
mas motores. Com eles, a criança e, mais tarde, o adulto irão desenvolver es-
tratégias de adaptação e resposta às situações quotidianas mais simples e até
mesmo aos complexos gestos motores especializados, como no desporto.
Há muito tempo se compreendeu que os gestos motores conseguem ser au-
tomatizados após uma aprendizagem e que conseguimos efetuá-los de manei-
ra automática, ou seja, sem pensarmos neles quando os executamos. Até mes-
mo as tarefas mais complexas podem ser automatizadas se sujeitas a um longo
período de treino.
Muitas dessas tarefas mais complexas, depois de automatizadas, podem
ser executadas repetidamente, de maneira cíclica, sem grandes alterações nos
padrões de performance. No que diz respeito às crianças, a aprendizagem de
tarefas motoras cíclicas e de tarefas motoras discretas, tal como nos adultos,

capítulo 5 • 181
mostra melhor performance para as primeiras, apresentando, no entanto, me-
nor velocidade de execução.
As diferenças na execução desses dois tipos de tarefa são consistentes com
a hipótese de que as tarefas cíclicas recorrem a osciladores neuronais, mas am-
bas apelam a diferentes estruturas neuronais para a sua execução. Isso signi-
fica que os movimentos cíclicos não são uma simplificação dos movimentos
discretos, mas devem sua facilidade de execução a osciladores neuronais.
No âmbito da memória motora e da consolidação de tarefas motoras, tan-
to adultos como crianças desenvolvem automatismos (consolidação) que lhes
possibilitam realizar duas ou mais tarefas simultaneamente, sem que haja in-
terferência entre elas. No entanto, só a partir dos 10 anos de idade as crianças
apresentam valores de coordenação entre duas tarefas que envolvam simulta-
neamente membro superior e membro inferior idênticos aos adultos.
Por ser de extrema importância o desenvolvimento da aprendizagem moto-
ra nas idades mais precoces e com períodos críticos de aprendizagem tão mar-
cados, alguns dos estudos que investigam a aprendizagem motora nas crianças
com problemas patológicos são fundamentais para se compreender de que
maneira as patologias afetam e são afetadas no controle e na aprendizagem
motora.
O estudo de movimentos associados — os movimentos involuntários que
ocorrem em partes do corpo inativas — é importante para a melhoria da apren-
dizagem, pois, além de interferirem na eficácia biomecânica, no gasto ener-
gético e na performance desportiva, estão muitas vezes associados a crianças
com hiperatividade e grandes dificuldades de aprendizagem. De fato, existe
ligação entre os movimentos involuntários (associados) e o nível de performan-
ce motora.
Pelo fato de o sistema nervoso central dos idosos apresentar alguns déficits
no processo de aprendizagem motora, existe também maior lentidão em per-
formances de sequências motoras repetidas, comparativamente aos adultos
jovens. Os adultos organizam os elementos que compreendem uma sequência
em uma série de subsequências contínuas; a falta dessa organização nos idosos
pode ocorrer em razão de vários fatores, como algumas doenças, deterioração
sensorial, redução da velocidade perceptiva, diminuição da capacidade de me-
morização e uso de determinados medicamentos.
Ao contrário do que ocorre com a redução na aprendizagem motora em
adultos mais velhos, as memórias motoras têm a capacidade de ser evocadas

182 • capítulo 5
pelo menos até dois anos após terem sido adquiridas em idosos normais. Tem
sido confirmado que o tempo de reação e a velocidade de execução de gestos
motores diminuem progressivamente com o avanço da idade.
Desde o início do século, sabe-se que o exercício físico promove melhorias
significativas no bem-estar geral do corpo humano e que a sua prática regu-
lar pode mesmo ter efeitos positivos, não só na expectativa média de vida, mas
também na melhoria de outras funções, como as cognitivas.
Vários estudos têm relacionado o exercício físico como um fator de redução
do risco de doenças neurodegenerativas. Poderíamos classificar o exercício fí-
sico em atividades que requerem grande solicitação cerebral para seu sucesso
e naquelas em que o indivíduo desenvolve a atividade à custa de um grande
aumento do metabolismo energético,ou seja, nas quais os gestos motores de-
senvolvidos já se encontram completamente automatizados e não implicam
grande controle ou evocação motora (corrida, natação, ciclismo).
Uma dúvida frequente é se, com o aumento da solicitação cerebral para o
aprendizado e a prática de algumas habilidades motoras complexas, desenvol-
vemos a capacidade de adquirir mais facilmente novos gestos motores e mesmo
desenvolver melhor outros processos cognitivos devido à plasticidade sináptica
criada a partir da estimulação neuronal constante. Por outro lado, estudos de-
senvolvidos na última década que relacionam a intensidade do exercício físico
com a performance cognitiva sugerem a correlação positiva entre o aumento
da intensidade e a melhoria das funções cognitivas.

5.7  Motivação

Ser você mesmo em um mundo que está constantemente tentando fazer de você
outra coisa é a maior realização.
Ralph Waldo Emerson

Indivíduos mais motivados praticam por mais tempo, são mais dedicados e
consistentes; por isso, tendem a aprender mais rapidamente habilidades mo-
toras e desenvolver capacidades físicas necessárias à sua execução. Entretanto,
essa motivação deve ser vista com cautela, pois pode alterar os níveis de ansie-

capítulo 5 • 183
dade e ativação do sistema nervoso que, em situação de transferência do tipo
generalização, pode influenciar negativamente o rendimento.
Um dos maiores problemas enfrentados por professores é motivar seus
alunos a aprender algum tipo de movimento que talvez eles não estejam mo-
tivados a aprender. Outras vezes, a pessoa não quer aprender certa modalida-
de esportiva, talvez acredite que já saiba tudo o que precisa para desempenhar
adequadamente ou se contente com o nível de proficiência alcançado. A moti-
vação deve ser considerada o elemento responsável pelo início, pela manuten-
ção e intensidade do comportamento de aprendizado.
É importante influenciar o início de um comportamento que busque infor-
mações para o aprendizado de determinada habilidade. Da mesma maneira,
como o aprendizado é um processo contínuo, faz-se necessário motivar o alu-
no a continuar querendo aprender e se aperfeiçoar; certamente o alcance dos
limites das capacidades individuais para execução de determinada habilidade
dependem da motivação.
Muitas vezes, o desejo interior para aprender está ausente no início do pro-
cesso, e o aluno inicia o aprendizado por influências externas. Mesmo nesses
casos, o aluno aprende, e isso pode motivá-lo a continuar aprendendo. Nesse
contexto, é evidente que a aprendizagem ocorre mesmo quando o aluno não
está sendo solicitado a aprender. É o que se conhece como aprendizagem im-
plícita ou incidental.

5.8  Ansiedade
A ansiedade influencia tanto no aprendizado como no desempenho de habili-
dades já aprendidas. Conseguir modular a ansiedade de atletas antes da com-
petição é um dos grandes desafios da psicologia esportiva moderna, já que o
grau de tensão emocional desses esportistas pode comprometer decisivamen-
te o rendimento, impedindo que executem tudo aquilo que sabem fazer e que
conquistaram em anos de treinamento árduo.
A ansiedade já pode ser sentida no cotidiano, simplesmente quando, por
exemplo, seu professor de judô diz que naquele dia, em vez de vários combates
praticados, será realizado apenas um combate-teste por vez, com a observação
de todos os presentes na academia. Situação semelhante poderá existir em um

184 • capítulo 5
ensaio de dança que se transforma repentinamente em teste a fim de selecio-
nar os bailarinos para a próxima apresentação.
Motivar um indivíduo pode ser sinônimo de ativá-lo a fim de que ele se pre-
pare para a execução de uma tarefa em questão. A ansiedade é uma maneira
de ativação do sistema nervoso e pode apresentar características de traço ou
de estado.
A ansiedade-traço é semelhante à característica da personalidade. É uma
predisposição geral que temos para perceber uma situação como ameaçadora
ou não e evidentemente varia muito entre os indivíduos. Alunos com alta ansie-
dade-traço consideram quase todas as situações como ameaçadoras.
Já a ansiedade-estado diz respeito ao modo como o indivíduo reage a uma
situação estressora, ou seja, se sente apreensão, medo, preocupação etc. A
ansiedade-estado está para ansiedade-traço da mesma maneira que a ener-
gia cinética está para a potencial. A ansiedade-estado é semelhante à energia
cinética (energia em movimento), ao passo que a ansiedade-traço é semelhan-
te à energia potencial, disponível para a ação quando o estímulo apropria-
do aparece.
Assim, ansiedade-estado está ligada ao conceito de incitação ou ativação do
sistema nervoso frente a uma percepção de perigo. Em geral, o número de si-
tuações que resultam em um nível elevado de ansiedade-estado é maior para
pessoas de alto nível de ansiedade-traço.
Existe relação entre a ansiedade e a aprendizagem motora. No caso da an-
siedade-traço — aquela que faz parte da nossa personalidade —, ela representa
um dos indicadores para a eficiência da tarefa psicomotora. Já a ansiedade-es-
tado, a ansiedade momentânea, tem efeito negativo na coordenação de movi-
mentos, principalmente aquelas de natureza oculomanual.
De acordo com a teoria social cognitiva desenvolvida por Bandura, a moti-
vação é, ao lado da atenção e retenção na memória, um aspecto essencial que
governa o aprendizado. As crenças de autoeficácia fornecem importante base
para a ação e podem influenciar na escolha da resposta, no esforço e na persis-
tência para atingir os objetivos.
Percepção de competência baixa e autoestima abalada em crianças e ado-
lescentes com déficit de coordenação também podem prejudicar a aprendiza-
gem, aumentando a ansiedade e reduzindo o estado de atenção.
De fato, são muitas as evidências de que a ansiedade pode influenciar o
desempenho motor. De acordo com a teoria do impulso, existe relação linear

capítulo 5 • 185
entre o aumento da ansiedade-estado e o desempenho; porém,isso nem sem-
pre acontece. A Teoria do U Invertido estabelece que níveis de ansiedade tanto
muito baixos como muito elevados resultam em deterioração do rendimento
motor. O aluno deve se recordar das similaridades que esse princípio possui
com a lei de Yerks-Dodson relativa à ativação.
Resultados de estudos recentes também sugerem que os níveis de ansieda-
de-estado não estão ligados exclusivamente às características da ansiedade-tra-
ço do indivíduo. Ela interage com a importância que determinada situação tem
para o indivíduo e a incerteza do resultado da situação.
Quanto maior importância um indivíduo conferir a determinada situação,
maior será a possibilidade de ele exibir níveis elevados de ansiedade-estado.
Da mesma maneira, a incerteza do resultado é crítica para ansiedade-estado.
Entretanto esta última pode influenciar positiva ou negativamente na execução
de uma habilidade.
Jogadores de tênis com elevada ansiedade-estado podem ter o rendimento
prejudicado, porém o mesmo pode não acontecer com levantadores de peso.
Assim, não é possível qualquer afirmação simples entre as influências da ansie-
dade sobre o desempenho. As variáveis individuais determinadas pela ansieda-
de-traço características do indivíduo interagem com a importância da situação
para ele, a incerteza do resultado e a habilidade motora a ser executada para
determinar se a ansiedade-estado produzida será positiva ou negativa ao ren-
dimento motor.
O nível apropriado de ansiedade para qualquer tarefa deve ser determinado
de acordo com a complexidade da tarefa a ser executada. Aquelas altamente
complexas são mais bem desempenhadas quando o nível de ansiedade é baixo.
O grau de ansiedade-estado — que pode ser previsto em qualquer situação por
meio de testes aplicados pelo psicólogo da equipe multidisciplinar — deve ser
considerado em termos de importância que a situação tem para o indivíduo e
da incerteza do resultado. Todas essas variáveis tem de ser levadas em conside-
ração conjuntamente para se chegar à relação exata entre ansiedade e desem-
penho motor.
O estabelecimento de objetivos ou nível de aspiração é uma maneira de mo-
tivar o desempenho do indivíduo em situações de desempenho e aprendiza-
gem. Quando metas objetivas e viáveis são apresentadas aos alunos, pode-se es-
perar que seu rendimento em habilidades motoras seja superior ao verificado
na ausência de objetivos. Por outro lado, o nível de aspiração de um indivíduo

186 • capítulo 5
pode estar relacionado com sua personalidade ou experiências passadas de su-
cesso ou fracasso para atingir suas metas.
Nesse contexto, o professor deve estabelecer metas objetivas e não simples-
mente dizer ao aluno que tente fazer o melhor que pode naquela situação espe-
cífica. Além disso, o professor deve criar objetivos que tenham significado para
a pessoa, como, por exemplo, conseguir um resultado acima da média, em vez
de dizer que consiga encestar 6 dentre 10 arremessos.
Podem existir metas de rendimento objetivadas em uma melhoria autorre-
ferenciada e metas de processo centradas na execução correta do movimento,
além da já mencionada meta de resultado, cujo foco é o alcance de algum mo-
delo externo de performance ou a comparação com outras pessoas.
Metas devem ser elaboradas para serem atingidas. Nesses casos, é impor-
tante considerar o nível de realização do indivíduo. Alguns objetivos requerem
esforço máximo; outros, mínimo.
Os objetivos também têm de ser estabelecidos de acordo com as diferenças
individuais e as experiências anteriores; nesse caso, o professor deve estar aten-
to ao que já foi realizado anteriormente pelo aluno para não estabelecer metas
e objetivos que se mostrem um retrocesso e que acabem desestimulando-o a
aprender a habilidade proposta.
Vencer pode não ser um objetivo de motivar o indivíduo, uma vez que a vi-
tória depende do nível de competência do adversário, da ansiedade-estado e de
outros fatores fisiológicos que afetam o rendimento.
Para facilitar o aprendizado, alguns professores gostam de elogiar os alu-
nos quando estes desempenham tarefas bem-sucedidas. Por outro lado, ou-
tros nunca os elogiam, mas sempre lhes mostram os erros de execução. Nesses
casos, o silêncio subtende que o aluno executou a tarefa corretamente. Você
também pode premiar o aluno que executar a tarefa com sucesso ou penalizar
a execução do movimento incorreto. Esses quatro procedimentos são conheci-
dos como técnicas de reforço e fazem parte do feedback extrínseco, que pode
ser dado pelo professor no momento da instrução e será mais bem discutido no
próximo capítulo.
Motivação e atenção parecem duas habilidades essenciais ao aprendiza-
do cognitivo e motor. De fato, o nível de motivação interna de cada indivíduo
é dependente de sua crença na habilidade de vencer determinado desafio. A
motivação é alta — e o aprendizado, mais eficiente — quando as novas habi-
lidades propostas são um pouco mais difíceis do que o nível de habilidades já

capítulo 5 • 187
dominadas pelo aprendiz. Assim, novas habilidades muito mais fáceis ou mui-
to mais difíceis, desmotivam o aluno no processo de aprendizado .
Da mesma maneira, a atenção representa um construto abstrato que in-
clui o estado de alerta, vigília e ativação do sistema nervoso, sendo definida em
termos de respostas autonômicas como modificação nas frequências cardía-
ca e ventilatória, dilatação da pupila e alterações na condutibilidade da pele.
Também diz respeito a respostas neurofisiológicas, como ativação da formação
reticular, assim como respostas ponto mesencefálicas colinérgicas, mesence-
fálicas dopaminérgicas e noradrenérgicas do locuscerelus, além de respos-
tas comportamentais.

5.9  Como preparar para a experiência de


aprendizagem

Quando professores experientes se preparam para auxiliar o desenvolvimento


de habilidades motoras de seus alunos, devem levar em consideração o esta-
belecimento de metas claras e possíveis de serem alcançadas, a possibilidade
de transferência de aprendizagem e as características do aprendiz. Todos esses
fatores devem ser avaliados por meio de testes específicos ou pela simples ob-
servação nos primeiros dias de aula.
Todos os aprendizes devem ter metas para se manterem motivados e per-
sistirem ativamente no árduo processo de aprendizagem. As metas devem ser
individuais, e o professor precisa conhecê-las a fim de formular planos de aula
que progressivamente possibilitem a concretização dos objetivos.
Nesse sentido, o professor deve estabelecer alvos definidos em cronograma
que contribua para a melhoria do desempenho total ou de parte do movimen-
to. Esse processo frequentemente está relacionado à distribuição de um perío-
do longo em fases cuja ênfase é dada em uma ou mais qualidades físicas. Esse
processo, conhecido como periodização, é amplamente utilizado por atletas de
alto rendimento e pode ser adaptado para o âmbito escolar e de preparação fí-
sica geral.
É fundamental que cada sessão de treinamento tenha um objetivo especí-
fico bem definido e que esteja integrado ao desenvolvimento de certa habili-
dade ou capacidade motora. Por exemplo, para o competidor de luta olímpica

188 • capítulo 5
melhorar o golpe suplê, precisa aumentar a força explosiva. A fim de alcançar
esse objetivo, ele pode treinar por algum período força pura e hipertrofia com-
binada com velocidade; em seguida, praticar por outro período o movimento
específico com alta potência em bonecos com diferentes cargas, para, final-
mente, executar o movimento com altíssima potência em colegas de treino do
mesmo peso.
Nesse exemplo, uma programação geral orienta a condução do processo de
treinamento e das sessões que o integram em direção ao objetivo definido pelo
professor ou treinador. Outros exemplos do cotidiano podem incluir o aprendi-
zado de qualquer habilidade ou desenvolvimento de diferentes capacidades fí-
sicas; no entanto, em todas elas as metas devem ser desafiadoras, mensuráveis,
atingíveis, realistas, específicas e benéficas ao rendimento.
Existem metas de resultado, que visam a melhorias de performance, fo-
cando no resultado da atividade (p.ex., vencer um jogo de tênis); metas de per-
formance, que focam na melhoria do desempenho anterior (p.ex., melhorar a
percentagem de bons primeiros saques); e metas de processo, que visam à qua-
lidade de movimento e à execução de habilidade.
Das três, a meta de processo é uma das mais importantes e quase sempre
negligenciada durante as interações entre treinador e atleta. Sua relevância é
crítica principalmente no início da segunda infância, quando a criança ingres-
sa na fase de movimentos especializados e inicia a programação orientada para
melhor rendimento esportivo.
Entre as metas almejadas, podem ser consideradas habilidades-alvo, com-
portamentos-alvo e contextos-alvo. Habilidades-alvo são aquelas que um indi-
víduo quer ser capaz de executar. Comportamentos-alvo são as ações que ele
precisa ser capaz de produzir para realizar uma habilidade-alvo. Já contexto-al-
vo é o ambiente no qual ele produzirá a habilidade-alvo.

5.10  Transferência da aprendizagem


É importante saber se o que a pessoa aprende durante a prática pode ser execu-
tada no contexto-alvo. Tal condição, conhecida como transferência de apren-
dizagem, representa o ganho ou a perda da proficiência em uma tarefa como
resultado de uma experiência prévia.

capítulo 5 • 189
A transferência de aprendizado diz respeito ao ganho ou à perda de profi-
ciência de uma pessoa em uma tarefa, como resultado da prática anterior ou da
experiência em outra tarefa. Magill e Wrisberg são unânimes em afirmar que
a transferência de uma primeira habilidade para uma segunda pode ser mais
positiva quando a experiência anterior auxilia na aprendizagem dessa segun-
da habilidade. Todavia, a transferência pode ser negativa quando a habilidade
aprendida anteriormente atrapalha o aprendizado da nova. Pode haver ainda
transferências nulas, quando não ocorrem interferências no aprendizado de
um novo movimento.
Esses mesmos autores sugerem que, quando uma criança está aprenden-
do uma habilidade fundamental – como correr, saltar ou arremessar –, ela está
criando uma base ampla para as práticas esportivas em que essas habilidades
estão presentes. Por esse motivo, reforça-se a necessidade de se possibilitar
à criança uma vivência ampla de movimentos nos primeiros anos de vida, de
modo a proporcionar a ela a aquisição de um repertório motor básico e igual-
mente rico.
Certos padrões de movimento são básicos ou invariantes para mais de uma
atividade. Por exemplo, o padrão de arremesso de peso por cima do ombro ser-
ve como base para o arremesso de peso do atletismo, para a cortada no vôlei
e para o saque no tênis, entre outras atividades. Assim, ao desenvolver habili-
dades básicas, pode-se dizer que o aprendiz está pronto para aprender novos
movimentos de determinada prática esportiva.
A generalização é a transferência de aprendizagem que ocorre da prática
para o contexto-alvo. Podemos aprender diferentes técnicas de luta, mas sa-
ber utilizá-las no momento adequado requer experiência em situações especi-
ficamente relacionadas ao contexto-alvo. A transferência próxima é o tipo de
transferência de aprendizagem que ocorre entre tarefas muito semelhantes; já
a transferência para longe ocorre entre tarefas ou ambientes muito distintos.
O aproveitamento de experiências motoras individuais anteriores também
é extremamente importante no processo de aprendizado. O professor deve ter
ideia do repertório motor básico e do contexto no qual ele foi desenvolvido a
fim de aproveitar movimentos ou mesmo ideias de movimentos que constitui-
rão o foco externo. Ambas as situações parecem beneficiar o aprendizado.
Espera-se que as tarefas que compartilham muitos elementos similares
transfiram bem mais facilmente do que aquelas que não os contêm. Nesse
contexto, tem sido proposta a possibilidade de se transferirem elementos de

190 • capítulo 5
movimento, perceptivos e conceituais. Enquanto o primeiro diz respeito aos
padrões motores associados com a performance correta, o segundo está asso-
ciado a estímulos relacionados à tarefa que as pessoas devem ser capazes de
interpretar para uma performance de sucesso. Elementos conceituais são es-
tratégias similares e regras essenciais para a performance.
A especificidade de aprendizagem é a noção de que quanto mais similares
são os componentes de movimento e as condições ambientais à habilidade-al-
vo, melhor a experiência de aprendizagem.

5.11  Como estruturar a experiência de


aprendizagem

Grande parte das metodologias de treinamento e ensino de habilidades moto-


ras baseia-se na repetição do movimento. Nesse sentido, parece razoável que
quanto maior o tempo de prática, melhor o desempenho do aluno. Entretanto,
tem sido questionado se o investimento de tempo estaria diretamente relacio-
nado à produção de benefícios na qualidade de execução de uma habilidade
motora.
Essa questão encontra-se subtendida no conceito de superaprendizagem,
considerada o tempo de prática despendida além daquele necessário para sa-
tisfazer certo critério de desempenho. Implementar o conceito de superapren-
dizagem em situações de ensino implica estabelecer um critério de desempe-
nho, determinar o tempo de prática necessário para se alcançar esse critério e,
então, utilizar tempo adicional de prática para reforçar a aprendizagem.
Estudos sugerem que a prática de reforço de até 50% da necessária para
aprender e desempenhar adequadamente habilidades motoras complexas
seja suficiente para produzir um movimento habilidoso e que mais tempo de
dedicação não promova necessariamente melhorias no desempenho. Se assu-
mirmos que um jogador de basquete requer 1.000 tentativas (100 por dia) para
conseguir uma média de acerto de nove em dez arremessos, quando esse obje-
tivo fosse alcançado, o reforço seria dado pela prática diária de 50 arremessos.
Essa lógica matemática, entretanto, quase nunca se aplica ao mundo real.
Não se deve parar de praticar habilidades por ter alcançado um critério arbitrá-
rio de rendimento, mas é possível aproveitar o princípio de superaprendizagem

capítulo 5 • 191
para proporcionar o máximo de resultado para o tempo investido. No exemplo
hipotético do jogador de basquete, a execução diária de 50 arremessos conso-
lidaria o aprendizado e possibilitaria tempo para o atleta treinar outros funda-
mentos do esporte.
A organização e distribuição da prática dentro do período de uma aula de
Educação Física é de grande importância para o aprendizado, pois em quase
toda situação de instrução de habilidades motoras, o uso sábio do tempo de
prática disponível é de grande preocupação devido aos limites impostos pe-
los horários.
A distribuição da prática de habilidades motoras em sessões de treinamen-
to pode ser dividida em prática maciça e prática distribuída. Na primeira delas,
a quantidade de repouso é menor que o tempo de prática ou muitas vezes ine-
xiste, enquanto na última, os períodos são divididos em intervalos de repouso
ou de prática de outras habilidades.
Nesse contexto, parece existir preferência para a prática distribuída, pois
o tempo de repouso entre as repetições possibilitaria o processamento da in-
formação, eliminaria a fadiga e manteria a atenção durante toda a instrução.
De fato, inúmeros estudos controlados têm demonstrado que a prática maciça
pode reduzir o desempenho a tal ponto que os resultados de desempenho se
tornam indicações deficientes da aprendizagem.
Evidências mais recentes propõem um limiar de fadiga acima do qual tan-
to o desempenho quanto o aprendizado são prejudicados. Como ainda não se
consegue identificar esse limiar, os professores devem utilizar a intuição para
estabelecer se devem ou não prosseguir com as orientações diante de uma tur-
ma de alunos visivelmente fadigados.
Deve ser sempre considerado o risco de lesão, condição que prejudicara a
continuidade da prática das habilidades em sessões posteriores. Mesmo assim,
muitas habilidades motoras contínuas se beneficiam da prática maciça para
fins de condicionamento específico e, por apresentarem menor complexidade,
não precisam necessariamente ser praticadas de maneira tão distribuída.
Tarefas motoras podem ser divididas quanto ao grau de sua complexidade e
organização. Tarefas complexas e com muitas partes requerem maior atenção
durante a execução e podem ser exemplificadas pelas sequências de um kata no
caratê ou de passos de dança de salão. Ao contrário, tarefas mais simples, como
executar um tiro de carabina, disparar o arco e flecha ou simplesmente realizar
o exercício de supino na barra livre, apresentam menor grau de complexidade.

192 • capítulo 5
Outras tarefas são organizadas em partes muito coesas – como arremessar a
bola de basquete durante um salto – ou, apesar de complexas, apresentam par-
tes menos integradas, como no caso do kata, do caratê.
A complexidade e a organização da tarefa determinam se esta deve ser pra-
ticada de maneira parcial ou global. Habilidades motoras com baixo nível de
complexidade e elevada organização devem ser praticadas por meio do método
global, enquanto aquelas com alta complexidade e baixa organização devem
ser praticadas pelo método parcial.

5.12  Variação da prática


Em situações reais de jogos de futebol, basquete ou mesmo nas lutas espor-
tivas, é utópico imaginar que sejamos capazes de treinar todas as situações
possíveis de ocorrerem. Habilidades motoras abertas constantemente preci-
sam de adaptações do movimento aprendido para que a meta seja alcançada
com sucesso.
Para explicar como, mesmo na ausência de um programa motor generaliza-
do, conseguimos executar adaptações bem-sucedidas no movimento, Richard
Schmidt propôs a Teoria do Esquema, segundo a qual o indivíduo, quando
executa uma resposta motora, abstrai dela fatores que são armazenados na
memória.
Nesses casos, reuniríamos informações acerca do posicionamento do cor-
po, do que deve ser feito, do que está sendo realizado e se está existindo êxi-
to em relação ao planejado, para formular um esquema de movimento. Para
Schmidt, o sucesso na execução de movimentos novos estaria relacionado com
a qualidade da prática de um movimento principal, de onde os demais seriam
derivados, e também da variabilidade na prática.
A resposta nova ocorre em qualquer movimento quando a resposta a ser
executada não foi treinada em condições semelhantes. O sucesso nesse tipo de
resposta depende da adaptação por parte do praticante do movimento envolvi-
do, que, por sua vez, pode ser aprimorada com a prática do movimento básico e
com variabilidade na utilização dele.
A maior variabilidade na prática, entretanto, pode estar associada a uma
quantidade crescente de erros de desempenho, sobretudo no início do processo
de aprendizagem. Paradoxalmente, entretanto, esse fato pode não ser aspecto

capítulo 5 • 193
de todo negativo, pois evidências mostram que, na aprendizagem de habilida-
des, é preferível uma quantidade maior de erros de desempenho do que uma
quantidade menor, se eles ocorrerem em uma etapa inicial de aprendizagem.

5.13  Práticas em bloco e randômicas


Frequentemente professores se deparam com situações em que precisam ensi-
nar uma série de tarefas no processo de ensino de uma habilidade motora. Por
exemplo, para ensinar a jogar vôlei, é preciso ensinar a sacar, levantar, passar e
cortar – que representam os fundamentos básicos desse esporte. A elaboração
das tarefas a serem realizadas em uma única sessão tem sido tema de muitas
investigações na área do controle motor.
As tarefas podem ser praticadas em bloco ou de maneira randômica. A
Prática em bloco representa a sequência de prática na qual uma significativa
quantidade de tempo é despendida em uma única tarefa antes que o aluno
passe para a seguinte. Utilizando o mesmo exemplo do vôlei, nesse caso, seria
proposta a execução de 100 saques antes que o fundamento de passe fosse ensi-
nado. Já a prática randômica determina a variação na ordem da prática em que
tarefas são misturadas ou fazem rotação contínua.
Apesar de a prática em bloco (repetição) produzir melhores resultados na
aprendizagem ao final de uma única sessão, a prática randômica produz me-
lhor retenção dos movimentos e, portanto, parece mais eficaz no processo de
aprendizagem. Essas diferenças ocorrem, pois a prática em bloco torna-se mais
automática, fazendo muito pouco para promover comparações de semelhan-
ças e de diferenças entre as tarefas e, portanto, não produz efeitos duradouros.

5.14  Interferência contextual


Estudos que compararam os efeitos da prática randômica e em bloco no apren-
dizado de várias habilidades revelaram o fenômeno da interferência contex-
tual. Apesar de as condições em bloco produzirem melhor performance duran-
te a prática inicial — quando as performances são comparadas em testes de
retenção posteriores — , a prática randômica produz mais aprendizado do que
a prática em bloco.

194 • capítulo 5
A hipótese de elaboração é uma explicação para a interferência contextual
segundo a qual a prática randômica faz com que as pessoas apreciem melhor a
distinção das diferentes tarefas, enquanto a prática em bloco possibilita que as
pessoas desviem tais comparações. Por outro lado, durante a prática randômi-
ca, o esquecimento entre as tarefas é muito mais acentuado, pois estas vão se
sucedendo aleatoriamente, tornando o efeito do esquecimento mais acentua-
do. O aprendiz esquece a tarefa A para fazer a tarefa B e, então, tem de reapren-
der ou replanejar a tarefa na próxima vez.
A prática de recuperação está relacionada a recuperar repetidamente mo-
vimentos apropriados e seus parâmetros de programas motores guardados na
memória de longo prazo. Acredita-se que as dificuldades desejáveis se desen-
volvam durante a prática randômica, o que sugere que a prática se torna difícil
e a performance diminui. Entretanto, exigir que o aprendiz exercite certos pro-
cessos com dificuldades desejáveis é benéfico para um bom desempenho em
um contexto-alvo.
De qualquer maneira, a repetição na prática é essencial para a performan-
ce altamente habilidosa, mas não tão eficiente durante a prática, já que a fadi-
ga pode deteriorar a qualidade dos movimentos. Com isso, a prática em bloco
pode contribuir para a performance consistente, mas dar ao aprendiz uma sen-
sação artificial ou de falso aprendizado.
Durante a prática em bloco, o aprendiz falha em praticar a habilidade-alvo,
ou o contexto é diferente daquele para a performance estabelecida como meta.
Aparentemente, a prática realizada em blocos, com apenas uma variação da ta-
refa, é menos eficiente do que uma prática organizada de maneira variada. Isso
ocorre em razão do alto grau de interferência (contextual) exigindo que o apren-
diz resgate, com frequência, o plano de ação na memória algo ausente quando
a prática é em blocos já que a informação ainda está superficial na memória de
curto prazo. Além disso, na prática randômica o aluno precisa realizar a tarefa
com mais atenção, dado seu alto nível de variação.
Um terceiro tipo de prática, conhecido como prática variada, inclui várias
versões da mesma tarefa e é bastante útil para ajustar o movimento a situações
de contexto real, sobretudo habilidades abertas cujo ambiente ou seu adver-
sário muda constantemente, sendo difícil prever o que acontecerá. De fato, as
melhores escalas de prática são aquelas específicas que aproximam o aprendiz
o máximo possível da performance real ou da habilidade-alvo.

capítulo 5 • 195
Se a prática variada consiste na realização de variações de uma única cate-
goria de movimentos, a prática constante diz respeito à execução de uma única
classe deles. A combinação da prática constante e variada parece um meio efi-
caz para a aprendizagem. Iniciar a prática com apenas uma habilidade e situa-
ção para depois introduzir variações da mesma ou de diferentes habilidades é
uma possibilidade efetiva de se pensar a estruturação da prática.
A prática para as fases iniciais do aprendizado deve ser pensada e elaborada
com o objetivo de facilitar a realização de determinada variedade de movimen-
tos pelo aluno, possibilitando que ele desenvolva um repertório de movimentos
que facilitarão a realização de habilidades mais complexas, quando exigidas.
A variabilidade da tarefa nas primeiras fases do processo de aprendizagem
faz também com que os indivíduos apresentem um melhor grau de desempe-
nho no futuro, uma vez que terão maior facilidade em se adaptar a ambientes
e a situações diferentes, devido à sua maior adaptabilidade. Considerando que
um esquema motor muda com base na experiência anterior e na meta deseja-
da, a prática variada é melhor do que a constante para desenvolver esquemas
mais complexos.
Estudos mostram que, em alguns casos, uma única habilidade recebendo
maciça quantidade de prática resulta no desenvolvimento de uma capacidade
única e específica, diferente de uma capacidade mais geral para desenvolver
arremessos de basquete (denominada habilidade especial).
Resumidamente podemos afirmar que a prática randômica requer a utili-
zação de diferentes programas motores generalizados sem a repetição de uma
única habilidade em tentativas consecutivas, e a prática variada inclui a prática
de variações de uma mesma tarefa.
Ambas as práticas — randômica e variada — são benéficas para os aprendi-
zes por diferentes razões. Durante a randômica, o aprendiz executa diferentes
tarefas que exigem diferentes programas motores generalizados, o que leva a
um esquecimento e então ao reaprendizado das tarefas. Por outro lado, quando
executam práticas variadas, usam as mesmas tarefas com diversos conjuntos
de regras ou esquemas para parâmetros específicos da mesma tarefa.
Engajar aprendizes em uma combinação correta de prática randômica e va-
riada pode propiciar melhores ganhos de performance do que fazer com que
completem as sessões de prática de maneira independente.
Quanto à precisão do movimento, a habilidade motora pode ainda ser clas-
sificada em global ou fina. Os movimentos globais demandam menor precisão

196 • capítulo 5
do que os movimentos classificados como finos, que necessitam de maior con-
trole para sua execução. Por exemplo, andar e correr são movimentos globais,
pois, para sua realização, é necessário dominar o corpo no espaço; já um chute
a gol ou um tiro ao alvo podem ser identificados como movimentos finos, os
quais, para serem executados, requerem essencialmente a precisão e o domí-
nio do objeto.

5.15  Prática mental


A prática mental pode ser utilizada no auxílio do aprendizado de uma nova ha-
bilidade ou no preparo do indivíduo para a execução de uma sequência com-
plexa de movimentos. É o que ocorre, por exemplo, com o ginasta antes de
iniciar sua série de movimentações no solo ou com um aprendiz que quer exe-
cutar, de forma correta, uma cortada no vôlei e, após algum tempo de prática,
é orientado a repousar pensando em si próprio executando o movimento do
modo adequado.
Prática mental diz respeito à repetição cognitiva de uma habilidade física na
ausência da realização de movimentos corporais. Não deve ser confundida com
meditação, muito embora essa seja uma técnica eficaz e utilizada por vários
atletas de habilidades contínuas antes e durante a competição; isso é feito para
dar atenção ao estado fisiológico de seu organismo e mecânica de movimentos,
estabelecendo, com isso, uma “competição interna” dele consigo mesmo.
Imaginar-se executando uma habilidade é o que representa a prática men-
tal. Ela pode ser útil tanto na aquisição como na melhoria do desempenho de
determinada habilidade motora, mas talvez seja especialmente importante na
retenção da memória de sequências de movimentos complexas.
Ao imaginarmos o movimento, é possível que, além de existir emissão de
corrente elétrica para os músculos envolvidos, captemos essas sensações, ape-
sar de não as percebermos. Também a prática mental pode auxiliar no apren-
dizado durante o estágio cognitivo de aprendizado, orientando-nos sobre o que
fazer e, posteriormente, no estágio intermediário, contribuindo para consoli-
dar a informação na memória.
Relembrar mentalmente a sequência de movimentos treinada implica res-
gatá-la da memória de longo prazo e trazer as informações para a superfície da
memória de curto prazo. Isso facilita as possibilidades de acesso da informação

capítulo 5 • 197
nos arquivos da memória de longo prazo, que, como vimos, é uma das dificul-
dades para a execução de movimentos habilidosos complexos.
A prática mental, em conjunto com o treinamento físico tradicional, pode
contribuir no aprendizado de habilidades motoras complexas e aperfeiçoar a
qualidade do movimento, bem como aumentar a retenção da sequência de mo-
vimentos na memória. Essa metodologia tem sido implementada com sucesso
em lutadores de jiu-jitsu e MixedMartialArts, os quais visualizam situações que
gostariam que acontecesse durante a luta, imaginando em todas elas o sucesso
dos movimentos pretendidos.
Longe de representar apenas um meio de pensar de modo positivo, essa
técnica possibilita a vivência mental daquilo que se pretende realizar e pode
aumentar a velocidade de resposta em diferentes situações da luta, pois integra
uma sequência de movimentos em um único pensamento.

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capítulo 5 • 199
200 • capítulo 5
6
Retro-Alimentação
e Componentes
e Processos do
Aprendizado Motor
202 • capítulo 6
6.1  Introdução
Feedback pode ser compreendido como uma informação proveniente de ór-
gãos sensoriais que indica algo sobre o estado real do movimento de uma pes-
soa, possibilitando que este seja comparado com a meta desejada. Diante da
percepção dos erros, estes poderão ser corrigidos na expectativa de que se re-
duza a discrepância entre o que está acontecendo e o movimento pretendido.
Além disso, feedback pode ser considerado como qualquer tipo de infor-
mação para correção de erros, definições mais recentes consideram feedback
qualquer tipo de informação sensorial produzida como resultado do movimen-
to. De fato, treinadores constantemente fornecem feedback aos seus atletas,
sobretudo quando estes são incapazes de ver o resultado ou analisar os com-
ponentes mecânicos do próprio movimento. Em outras circunstâncias, o fee-
dback parte do próprio executante do movimento.
Sendo assim, uma maneira de categorizar feedback é classificar as diferen-
tes fontes de informação sensorial que o produziram. Em geral, a execução de
movimentos, em especial, os complexos, está relacionada a uma grande quan-
tidade de informações sensoriais, porém apenas algumas delas devem ser le-
vadas em consideração, pois são cruciais para a execução do movimento. Tais
informações— também chamadas de sinais ou pontos críticos — podem ser de
difícil identificação por parte do aprendiz, exigindo a próxima participação do
professor para prover o adequado feedback de informação.
Quando estamos aprendendo a lutar jiu-jitsu, informações sensoriais
(como a cor e o cheiro do quimono do adversário, o estado de limpeza do tata-
me e a melodia da música em muitas academias) são irrelevantes para a execu-
ção das técnicas propostas. Ao contrário, a noção de posicionamento do corpo,
de distribuição do peso e do tempo de realização das técnicas é imprescindível
para que o movimento seja realizado de maneira correta e eficiente.
Apesar de muitas informações sensoriais estarem disponíveis no momento
da execução do movimento, outras só podem ser percebidas após o seu encerra-
mento; para isso, a memória de curto prazo e a colaboração do professor são de
inestimável importância. A informação disponível antes de o lutador executar
a ação é necessária para o planejamento motor e afeta a antecipação, a tomada
de decisão e a seleção do parâmetro de foco do atleta. Contudo, o feedback é a
informação disponível após a execução do movimento, mesmo que durante a
realização dele. Trata-se, portanto, da informação que surge como resultado do

capítulo 6 • 203
movimento, podendo em alguns casos lentifica-lo. Isto explica porque atletas
experientes e bem treinados, parecem capazes de antecipar os movimentos do
adversário. Nestes casos, os pontos críticos são outros e selecionados em mo-
mentos mais precoces.
Esse tipo de informação disponível após o movimento pode ser dividida
em feedback intrínseco e extrínseco. O Feedback intrínseco representa a infor-
mação proveniente dos nossos órgãos sensoriais e existe como consequência
natural do movimento. Também chamado de feedback inerente, esse tipo de
informação pode ser proveniente de fontes externas ao corpo da pessoa (extero-
cepção) ou de fontes internas (propriocepção), e as pessoas podem percebê-lo
naturalmente sem o auxílio de instrutores ou equipamentos sofisticados.
Nesse contexto, conforme discutimos em outro capítulo, exterocepção é a
informação sensorial proveniente principalmente de fontes externas ao corpo
da pessoa e diz respeito à visão, à audição e ao olfato. Já propriocepção é a infor-
mação sensorial proveniente dos músculos, tendões e articulações relaciona-
das na execução do movimento.
Assim, quando, por exemplo, levantamos uma barra olímpica acima da ca-
beça, sentimos o peso do objeto, ouvimos o ruído das anilhas girando e de nos-
sa respiração, percebemos a distribuição de peso nos pés e de todo o corpo para
a estabilização do movimento. Essas são informações que ocorrem durante a
execução do movimento, que, à medida que vai sendo realizado, envia informa-
ções que servem de parâmetro para quem está executando a tarefa.
Já o feedback extrínseco, também chamado feedback aumentado, consiste
na informação fornecida ao aprendiz por alguma fonte externa, como o placar
de uma luta ou jogo de futebol, o cronômetro que indica o tempo de jogo, os
comentários do treinador ou mesmo a observação da própria performance pelo
vídeo. Trabalhos recentes evidenciam ainda que feedbacks auditivo e tátil são
fundamentais para o aprendizado .
O fornecimento de feedback extrínseco, segundo estudos atuais, é capaz de
colaborar para alterações sinápticas e neuronais necessárias ao armazenamen-
to de informações na memória e eficácia do aprendizado . Desta forma, ele é
extremamente importante principalmente quando o aprendiz não possui um
programa motor básico adequadamente constituído e apresenta muitas difi-
culdades na execução da tarefa.
Apesar de nem sempre ser bem-sucedido, o feedback extrínseco transmite
informação sobre o resultado do movimento que executamos, pois muitas ve-
zes o aprendiz é incapaz de obter por si próprio tal informação. Assim, essas

204 • capítulo 6
informações são normalmente disponibilizadas por treinadores experientes,
que sabem identificar de maneira didática os pontos críticos do movimento
a serem corrigidos e que requerem mais atenção por parte do aprendiz. Por
exemplo, durante uma sessão de treinamento de luta olímpica, um colega que
não esteja treinando, poderá dar dicas e orientações durante a própria luta ou
mesmo nos intervalos de tempo. Poderá ainda, contabilizar em voz alta os pon-
tos que você fez ou que seu adversário conquistou.
Nesse sentido, o feedback extrínseco pode ser classificado em conhecimen-
to de resultados e conhecimento de performance. Enquanto o primeiro diz
respeito a informação sobre o sucesso da ação em relação à meta ambiental
pretendida, o segundo fornece informações sobre a qualidade do movimen-
to executado.
Exemplos de conhecimento de performance incluem o treinador dizer ao
goleiro que ele estava adiantado quando a bola foi recuada por outro membro
da equipe, que a bola entrou e que, de fato, foi feito o gol. Como se pode perce-
ber, muitas vezes a informação é redundante, pois informa o mesmo que aque-
la fornecida pelo feedback intrínseco. No exemplo anterior, o goleiro pode ser
incapaz de perceber que se encontra adiantado em relação ao gol, mas pode
facilmente compreender que a bola entrou e que houve gol.
Nessas circunstâncias, o conhecimento de resultado é redundante com o
feedback intrínseco, e como as pessoas são capazes de interpretar sozinhas, é
de pouco valor e pode ser irritante para os aprendizes. Entretanto, em muitas
ocasiões, o iniciante pode desconhecer a resposta desejada, sendo incapaz de
interpretar o próprio feedback intrínseco, como no caso do posicionamento er-
rado do goleiro no exemplo anterior.
Para que o sistema nervoso central (SNC) compare as características do
estado real do movimento com o pretendido, é necessário que ele saiba pre-
viamente qual é o estado pretendido. Nesses casos, o treinador tem especial
relevância. O aluno pode bater com a raquete na bola ou executar um soco de
caratê, utilizando apenas o movimento do braço, e o professor deverá corrigi-lo,
informando que devem ser utilizados o braço e, principalmente, o tronco para
que esses golpes sejam mais potentes e eficientes.
Em outras situações, o conhecimento de resultado não é redundante, como
ocorre com a percepção de sucesso de uma tacada de longa distância no golfe.
O executante não sabe se a bolinha caiu perto ou longe do buraco-alvo simples-
mente porque não pode ver e precisa de informação extrínseca para conhecer

capítulo 6 • 205
o resultado. Após várias tacadas, ele pode comparar, por meio do feedback in-
trínseco, os diferentes modos de execução e, ciente do resultado de cada uma,
ir corrigindo e aperfeiçoando sua técnica de execução do movimento.
Assim, quando o feedback intrínseco disponível é insuficiente, o conheci-
mento de resultado se faz necessário, sendo muito importante quando existem
alterações dos sentidos naturais do ser humano, como ocorre entre cegos ou
pacientes com disfunção neurológica.
Estudos recentes demonstram que, nesses casos que acabamos de descre-
ver, a ausência de conhecimento de resultado proporciona pouca ou nenhuma
aprendizagem, ao passo que, quando ele era fornecido imediatamente após a
execução do movimento, ocorriam melhoras no rendimento, que persistiam
nos testes de retenção realizados semanas depois. Isso sugere que houve modi-
ficação do comportamento compatível com o aprendizado.
Mesmo assim, podemos aprender na ausência do conhecimento de re-
sultado, e isso ocorre cotidianamente nas tarefas que pretendemos realizar.
Entretanto, nesses casos, temos um objetivo e, muitas vezes, descobrimos dife-
rentes meios de se alcançar a mesma meta, aprendendo pelo ensaio e pelo erro.
Nessas ocasiões, o leitor deve perceber que existe sempre a presença de algum
feedback intrínseco servindo de base para aprendizagem.
De um modo geral, um dos princípios mais importantes da aprendizagem
motora é que, para aprender, o aluno precisa receber algum tipo de informação
proveniente de fontes intrínsecas ou extrínsecas.
Outro tipo de feedback extrínseco é chamado de feedback cinemático e re-
presenta modalidade de informação que fornece informações sobre o ritmo,
a velocidade, a beleza ou eficiência do movimento. Treinadores de lutadores
de judô podem dizer: “Você fez tudo certo; porém, a velocidade de entrada e
execução do golpe foi muito lenta”. Da mesma maneira, o treinador de atletis-
mo pode solicitar que o atleta eleve mais os joelhos a cada passada e mante-
nha adiantado o centro de gravidade do corpo, em vez de tentar abrir a passa-
da artificialmente.
Nesses casos, percebe-se que o conhecimento de performance contém in-
formações do padrão do movimento ou do implemento movimentado no tem-
po e no espaço (cinemática), não indicando necessariamente dados a respeito
do alcance da meta.
Tanto o conhecimento de performance como o de resultado são concedidos
verbalmente após o movimento; porém, o conhecimento de resultado provê

206 • capítulo 6
informações sobre o resultado em termos de meta ambiental, sendo frequen-
temente redundante ao feedback intrínseco. Ao contrário, o conhecimento de
performance nos dá informação sobre a cinemática do movimento ou sua qua-
lidade, sendo distinto do feedback intrínseco e mais útil em tarefas reais.
Como é concedido pelo professor, o feedback extrínseco influencia
na aprendizagem, podendo servir como motivação, reforço e informação.
Entretanto, também pode provocar dependência e prejudicar o aprendizado.
Por exemplo, podemos informar à bailarina a altura de seu salto ou ao aluno de
caratê a qualidade do seu golpe, mas esses aprendizes, apesar de muitas vezes
necessitarem dessas informações, também precisam desenvolver recursos pró-
prios para avaliar a qualidade do movimento.
Da mesma maneira, o feedback extrínseco pode conter propriedades mo-
tivacionais quando, por exemplo, o professor elogia a execução do movimento
de um aluno que, ao perceber que está fazendo progressos em direção às metas
estabelecidas, tende a ficar mais motivado em aprender.
De fato, uma das metas do feedback extrínseco é fornecer informações a
respeito do progresso do aluno, a fim de que este continue se esforçando para
alcançar seus objetivos. Nesse contexto, em tarefas monótonas, repetitivas e de
longa duração, o feedback extrínseco produz melhoria imediata do rendimen-
to, e os aprendizes parecem gostar de recebê-lo nessas ocasiões.
Nos estágios iniciais do aprendizado, os alunos não devem praticar muito
tempo sem o fornecimento de feedback, pois podem facilmente se desmotivar
e cessar a prática por completo. Manter os aprendizes informados sobre os seus
progressos se traduz quase sempre em maior motivação e esforço durante a prá-
tica, o que a médio longo prazo se reverte em maior eficiência no aprendizado.
Muitas vezes os progressos são mínimos, e o aprendiz é incapaz de percebê
-los – o que torna a participação do professor fundamental para informar a qua-
lidade do movimento e comparar as melhorias temporais do aluno. Quando o
professor de boxe diz: “Muito bom! Ótima esquiva!”, ele está criando um refor-
ço, o qual pode ser considerado um evento que, quando fornecido logo após
a resposta, aumenta a probabilidade de o executante repeti-la sob circunstân-
cias semelhantes.
Quando o professor remove uma condição adversa após a execução de uma
tarefa e, com isso, aumenta a probabilidade de o executante repetir aquela
resposta nas mesmas circunstâncias, ele está realizando um reforço negativo.
O professor de caratê pode ficar repetindo a cada movimento: “Está errado!

capítulo 6 • 207
Está errado! Está errado!”, mas, quando para de falar, o aluno percebe que
está acertando.
De igual maneira, se pretendo modificar o padrão de braçadas de um nada-
dor, posso tentar projetar uma luz forte sobre seu rosto sempre que ele errar,
ao passo que, nas vezes em que ele tiver sucesso, nenhuma luz irá incomodá
-lo. A noção de punição é exatamente o oposto do reforço: diminui as chances
de uma resposta ser mais repetida novamente, muito embora nem sempre in-
fluencie o comportamento de maneira previsível.
O reforço pode ser positivo ou negativo. O positivo é apresentado quan-
do uma resposta desejada foi produzida, e o negativo é retirado do indivíduo
quando ocorre uma resposta desejada. No positivo, o professor não fala nada
enquanto a resposta desejada não é produzida, e, quando isso ocorre, o aluno
recebe um elogio. No negativo, você mostra os erros e critica o rendimento toda
vez que o aluno erra, mas, quando acerta, fica em silêncio. Nesse caso, houve a
remoção do reforço, que era negativo.
Assim, reforço positivo é a apresentação de um estímulo desejável, ao pas-
so que reforço negativo é a supressão ou eliminação de um estímulo aversivo,
quando a resposta desejada é produzida. De ser ressaltado que reforço negativo
não é punição; esta é um evento que se segue a fim de se eliminar a resposta.
Tem sido sugerido que a punição associada a evento aversivo estimula a
secreção de serotonina do cérebro e se assemelha à paralisação associada ao
pânico, que suprime a resposta de fuga ou luta do animal. Da mesma maneira,
também pode estar associada à aversão ao aprendizado de certos conteúdos
associados com o evento aversivo, não sendo, portanto, uma boa estratégia de
feedback para o aprendizado de seres humanos . De fato, estudos interessantes
mostram que a depleção de triptofano no sistema nervoso abole as inibições do
comportamento provocadas por feedback punitivo .
A ideia de utilizar o reforço no aprendizado de habilidades motoras é pro-
veniente da adaptação das teorias de condicionamento operante propostas por
Skinner, em que um prêmio poderia aumentar a probabilidade de repetir aque-
le mesmo comportamento, e uma punição, diminuir a probabilidade dele. Tal
comportamento parece ser controlado por influências do córtex orbifrontal e
dos gânglios da base .
Muitas vezes, isso ocorre mesmo na ausência do professor. Alunos de jiu-
jitsu se desenvolvem no esporte simplesmente lutando, pois, se os movimentos
são bem-sucedidos e conseguem prevalecer sobre o oponente, obtêm reforço

208 • capítulo 6
positivo e, se não são, acabam finalizados e recebendo com isso a punição. Ou
seja, o próprio resultado representa o reforço positivo ou a punição.
Com base na concepção de Skinner, a aprendizagem de uma resposta ade-
quada será resultado de arranjar o ambiente da aprendizagem de tal modo que,
para o indivíduo receber o reforço, deverá antes ocorrer a resposta apropriada.
Logo, o importante é o que ocorre após a resposta, mas o reforço não precisa ser
uma recompensa.
O reforço pode ser dado de forma verbal ou não verbal; neste último caso,
o professor recorre a expressões corporais e faciais para aprovar ou desaprovar
a qualidade do movimento. Assim, podem-se fornecer informações verbais so-
bre a qualidade do movimento executado ou não verbais com expressões faciais
que o aprovam ou desaprovam.
Punição e reforço negativo não são sinônimos; na verdade, são projetados
para atingirem objetivos antagônicos. Reforço é qualquer ação que aumente a
probabilidade de uma resposta ocorrer de novo. Punição, ao contrário, é qual-
quer ação que diminui a probabilidade de isso ocorrer novamente. Ambos, en-
tretanto, não mostram a maneira correta de execução. Estudos indicam que o
reforço positivo produz maiores melhorias na aprendizagem do que o negativo
e a punição, talvez por transmitir com clareza a mensagem de que o rendimen-
to foi aceitável, encorajando o aprendiz a repeti-la.
Reforço positivo e punições podem ser tangíveis ou intangíveis. Punição
tangível pode ser exemplificada pela shinai do judô batendo com força nas cos-
tas do aluno ou por uma palmada. Por outro lado, o reforço tangível pode ser o
ato de dar um troféu ou dinheiro ao aluno que acertar o movimento. Reforço
intangível pode ser um elogio ou sorriso do professor, e a punição intangível
pode ser uma expressão facial de desagrado do professor.
Outra característica do reforço e das punições é que eles devem ser impor-
tantes para o aluno. Pouco adianta oferecer dinheiro como reforço positivo
para crianças de 4 anos. Talvez uma barra de chocolate nessa turma seja mais
eficaz. Da mesma maneira, a eficácia de um reforço ou punição depende de sua
associação temporal à resposta. Isso ignifica que o reforço deve seguir-se ime-
diatamente após a execução da resposta desejada.
Apesar de o conhecimento ser pouco no que diz respeito à eficácia da pu-
nição no aprendizado, existem muitas evidências de que o reforço influencia
positivamente. Aprovar e reforçar uma resposta que se aproxime do movimento
desejado pode ser um método a ser implementado pelos professores, uma vez

capítulo 6 • 209
que em muitas ocasiões é difícil o aluno executar corretamente o movimento
completo nas primeiras tentativas. Nesse caso, o professor está tentando con-
duzir e modelar o comportamento. Aqueles que estão no caminho certo mere-
cem recompensas.
A frequência de reforço também tem sido estudada. Ele deve ser feito de
modo parcial, com base no tempo ou no número de respostas corretas, e são
necessários para superar o problema prático de reforçar toda resposta correta.
O feedback fornecido intermitentemente (reforço intermitente) é mais
efetivo para aprendizagem do que aquele provido após cada execução de mo-
vimento. Nesse contexto, parece útil fornecer reforço intermitente de maneira
decrescente ao longo das sessões de prática.
Muitas vezes, o problema dos aprendizes se restringe a encontrar um pa-
drão de execução do movimento que lhes possibilite executar uma ação especí-
fica de modo mais eficiente. Quando o feedback é fornecido no intuito de pro-
ver informações acerca do padrão do movimento, ele é chamado de prescritivo.
Poderíamos dessa maneira orientar o aluno de caratê a usar o braço como um
chicote a fim de obter maior aproveitamento da potência de golpes laterais.
Para isso, entretanto, é necessário que os professores tenham pleno conheci-
mento do padrão de movimento a ser ensinado.
Quando o professor orienta o aluno a trazer a bola de polo aquático mais
atrás da cabeça antes de arremessá-la para o gol, ele está executando o feedback
de informação, por meio do qual esclarece características desejadas do movi-
mento e identifica o que está sendo feito equivocadamente.
Existem muitas fontes de informação que os aprendizes podem perceber
por si mesmos; apesar disso, o feedback, sobretudo no início do processo peda-
gógico, é importante para melhorar o rendimento motor. Já vimos que ele deve
ir sendo retirado de modo gradativo a fim de possibilitar que o aluno desen-
volva seus próprios meios para avaliar a execução do movimento, e não fique
dependente das orientações do professor. Nesse sentido, recentes estudos têm
sugerido que o feedback de informação é mais útil para o aprendizado quando
os alunos o solicitam do que quando ele é dado com frequência.
Ao disponibilizar o feedback, o professor deve estar atento à complexidade
da tarefa e à experiência do aprendiz de maneira que quanto mais complexa
a tarefa e inexperiente o aprendiz, maior a necessidade e o volume de infor-
mações a serem concedidos. Tarefas muito simples, ao contrário, podem ser

210 • capítulo 6
realizadas com o próprio feedback intrínseco do aluno, e informações adicio-
nais podem até prejudicar o resultado.
Para toda tarefa parece existir uma hierarquia de informação intrínseca de
que os aprendizes devem estar cientes para produzir movimentos eficientes; o
feedback auxilia na procura desses pontos considerados críticos.
Também é importante que o feedback fornecido seja dirigido às caracterís-
ticas que estejam sob controle do aprendiz; logo, é necessário que o professor
compreenda como as pessoas controlam determinado movimento. Muitas ve-
zes, apesar de ter ideia do movimento, é difícil para o aprendiz organizar tem-
poralmente o movimento em uma sequência.
Nesses casos, o feedback que orienta quanto à velocidade de execução e ao
tempo de resposta (feedback de programa) pode auxiliar na formatação do pro-
grama motor generalizado para realização de determinado movimento.
Se o feedback de programa fornece informação acerca de erros sobre o pro-
grama motor generalizado de um movimento, o feedback parâmetro é mais es-
pecífico e provê informação acerca dos erros de força, amplitude e velocidades
desses movimentos.
O feedback também pode ser fornecido por videotape; atualmente vários
softwares viabilizam a análise do movimento em diferentes velocidades, possi-
bilitando ao professor e a seus alunos uma avaliação detalhada do padrão e da
qualidade do movimento logo após ter sido realizado. Nessas situações, é im-
portante que o professor procure indicar dicas específicas – conhecidas como
dicas de atenção – para que o aluno não se perca analisando elementos inúteis
para produzir o movimento desejado.
Estudos sugerem que o feedback fornecido simultaneamente à execução
do movimento — como ocorre em aulas de balé, com o auxílio do espelho —
melhora o rendimento; apesar disso, a remoção (retirada do espelho) piora
o rendimento e revela que o aprendizado foi comprometido com a utilização
desse procedimento. Parece haver caminhos neurais completamente distintos
quando o aluno executa um movimento com auxílio de espelhos ou quando o
faz sem tal feedback.
Por outro lado, o fornecimento de feedback auditivo cujo som aumenta à me-
dida que o movimento se aproxima do esperado, apesar de não produzir nenhu-
ma melhora no momento da execução, facilita o aprendizado. Nesses termos,
acredita-se que o feedback visual simultâneo forneça orientação, melhorando

capítulo 6 • 211
o rendimento no momento de execução, mas deteriorando o aprendizado, mui-
to embora o feedback auditivo simultâneo melhore o aprendizado.
O feedback pode ser descritivo ou prescritivo. No primeiro caso, ele descreve
os erros cometidos durante a execução de uma habilidade; no segundo, além de
descrever erros, sugere que modificações podem ser realizadas para corrigi-los.
Como não devemos dar informações excessivas que não podem ser arma-
zenadas na memória de curto prazo do aprendiz, é importante que o feedback
seja resumido e fornecido de maneira sintetizada ao final de um conjunto de
tentativas, em vez de fazê-lo a cada tentativa. Mais uma vez, o feedback síntese,
apesar de piorar o rendimento em relação àquele fornecido ao final de cada
tentativa, é mais eficaz para o aprendizado.
O professor deve estar atento também à quantidade de palavras que pro-
nuncia no momento de fornecer o feedback. A informação deve ser breve e ob-
jetiva e capacitar o aprendiz a fazer as correções necessárias naquele momento
específico, de acordo com o planejado para toda a sequência de instruções.
Para aprimorar o aprendizado de habilidades motoras complexas, estima-
se que o feedback síntese seja fornecido ao final de cinco tentativas. Em tarefas
menos complexas, ele pode ser dado a cada 20 tentativas, e, naquelas extrema-
mente complexas, pode ser fornecido a cada 2 tentativas. O feedback médio
—uma variação do feedback síntese — é fornecido após uma série de tentativas
de prática que informam o aprendiz sobre seu rendimento médio.
No início da prática de algum movimento, os erros cometidos pelos apren-
dizes são tão grandes que a informação sobre a dimensão exata do erro é de
pouca importância. Porém, à medida que o movimento se aperfeiçoa, informa-
ções mais detalhadas podem ser positivas para auxiliar no aprendizado do pa-
drão ideal. Por exemplo, se o aluno tenta acertar um alvo com arco e flecha, o
professor pode dar informações sobre a distância entre a flecha e o alvo e, após
várias tentativas, estipular um valor médio que corresponda ao erro constante
do aluno.
O erro constante médio é o desvio direcional médio dos resultados de uma
série de tentativas de movimento — o quanto se afasta do resultado pretendido.
Uma variação desse tipo de informação é o feedback de amplitude, fornecido
somente quando os erros excedem certo nível de tolerância.
O feedback de amplitude é útil, em vez de informar constantemente o
aprendiz do que está sendo realizado,ele o faz toda vez que o erro é grande de-
mais para ser tolerado. Assim, não se produz dependência das informações

212 • capítulo 6
externas e se dá liberdade ao aluno para praticar dentro de uma faixa de tole-
rância definida em cada uma das etapas do processo de aprendizado.
A frequência com a qual as informações devam ser concedidas relaciona-se
com a quantidade e precisão do feedback. De acordo com o já estudado efeito
de Thorndike, a aprendizagem envolve o fortalecimento da ligação entre um
estimulo e uma resposta, e, como esse é o objetivo do feedback extrínseco, mui-
tos acreditavam que ele deveria ser concedido o mais frequentemente possível.
A lei de Thorndike também propunha que, quando uma ação realizada fos-
se seguida de recompensas prazerosas, ela tenderia a ser repetida, ao passo que
aquelas que se seguissem de consequências não prazerosas seriam evitadas.
Escolas tradicionais de artes marciais no Japão ainda hoje utilizam a espada
shinai de bambu para bater nos alunos que executam movimentos erronea-
mente ou cuja conduta seja considerada inadequada no dojo.
Entretanto, estudos recentes sugerem que tentativas de prática não segui-
das por feedback podem, na realidade, ser benéficas ao aprendizado, mesmo
quando os aprendizes são incapazes de detectar seus próprios erros. Tem sido
demonstrado que aprendizes que recebem feedback extrínseco após 50% das
tentativas de prática desempenham com a mesma precisão do que aqueles que
recebem feedback após cada prática (100% de frequência relativa). Além disso,
a retenção imediata da habilidade executada na ausência de feedback parece
ser a mesma entre os grupos, resultados que desafiam a lei de Thorndike.
Outras pesquisas confirmam que a informação concedida em cerca de 30 a
50% das tentativas produz maior retenção do conhecimento representada por
melhor desempenho após vários dias de prática, em comparação com grupos
que recebem feedback ao final de cada tentativa. Esses resultados confirmam
a necessidade de o indivíduo ter um tempo para tentar organizar e perceber as
informações provenientes do feedback intrínseco, sem o qual o movimento é
artificial, e o aprendizado, deteriorado.
O momento de fornecimento do feedback extrínseco também é importante.
Aqueles fornecidos instantaneamente e logo após o encerramento do movimen-
to degradam o aprendizado, enquanto aqueles fornecidos tardiamente, alguns
segundos após o término do movimento, parecem melhorar a aprendizagem.
Isso ocorre porque o feedback fornecido logo após a execução da tarefa
impede que o aprendiz tome conhecimento de seu próprio feedback intrínse-
co. Nesse sentido, parece importante fornecer tempo suficiente tanto para o

capítulo 6 • 213
processamento do próprio feedback quanto para a avaliação do erro antes de o
professor fornecer feedback extrínseco.
Apesar de o feedback ter sido extensivamente estudado nos últimos anos, o
efeito de sua utilidade tem sido pouco investigado. Utilidade é um termo que
descreve o desejo por recompensa e apresenta-se com elevada variabilidade
individual. Por exemplo, a utilidade de uma barrinha de cereais depende se o
indivíduo gosta ou não desse tipo de alimento e de seu atual estado de fome.
Há evidências neurofisiológicas de que o sucesso motor impacta positivamente
em regiões do cérebro, como a área tegmental ventral e o núcleo basilis, au-
mentando a secreção dopaminérgica, que pode estar associada à retenção na
memória de longo prazo e à motivação para continuar aprendendo.
Diariamente crianças se engajam em atividades motoras que levam ao pro-
gressivo desenvolvimento de habilidades motoras fundamentais— como cor-
rer, saltar, quicar e arremessar — e habilidades motoras finas, como jogar vi-
deogame ou usar o computador. Apesar da extensa literatura sobre os efeitos
do feedback no processo de aprendizado motor em adultos, poucos estudos
investigaram a questão em crianças.
Adultos que praticam habilidades motoras em ambiente com feedback re-
duzido se apresentam com melhor acurácia e consistência em testes de reten-
ção que avaliam o aprendizado, em relação àqueles que recebem feedback com
frequência em todas as sessões de prática. Em contrapartida,crianças parecem
necessitar de maiores informações externas para conseguirem desempenhar e
aprender de modo adequado.
Como vimos, a redução do feedback visa a aumentar a demanda de proces-
samento de informação, vantajosa para o aprendizado motor, porém, tal capa-
cidade é diferente nas crianças em comparação com os adultos. De fato, parâ-
metros como a atenção seletiva e a velocidade de processamento da informação
se desenvolvem gradativamente com a maturação do sistema nervoso. Além
disso, crianças utilizam diferentes estratégias em processos de informação que
requerem memória visuoespacial, de reconhecimento de objetos, aprendizado
verbal, cópia de padrões espaciais e atividades com alta demanda de atenção.

214 • capítulo 6
6.2  Princípios fundamentais do aprendizado
sensorimotor

O desempenho de Michael Jordan ou Roger Federer representam a excelência


do aprendizado motor do aprendizado motor. Entretanto, considerando a com-
plexidade dos processos envolvidos no aprendizado de movimentos, todo ser
humano é capaz de exibir habilidades motoras impressionantes. Exercitamos
essas habilidades quando tentamos praticar novas atividades, como andar de
skate ou remar, mas também nos envolvemos em diversos tipos de aprendiza-
do motor no cotidiano na medida em que adaptamos as modificações ambien-
tais, manipulamos novos objetos e refinamos habilidades preexistentes.
Temos a incrível capacidade de aprender uma grande variedade de habili-
dades motoras que vão desde dar laço no cadarço do sapato até rebater uma
bolinha de tênis com a raquete. Nos capítulos deste livro, vimos que aprender
habilidades como essas requer uma série de elementos que interagem entre si.
Atletas experientes e habilidosos têm alterações sinápticas no sistema ner-
voso que modificam a maneira de lidarem com os estímulos do ambiente. Além
disso, a atividade neuronal de regiões específicas do córtex cerebral encontra-
se diminuída em resultado da prática e ocasiona menor demanda de atenção
e mais reduzida interferência cognitiva no momento de planejar o movimento
. Estudos também sugerem que o conteúdo e a estrutura do conhecimento de
experientes são diferentes daqueles existentes nos novatos.
Nesse sentido, experientes apresentam conhecimento mais declarativo (o
que fazer), conceitual (relacional) e de procedimentos (como fazer). Também
têm a capacidade de utilizar mais informações relevantes armazenadas na me-
mória sem a participação do pensamento consciente. De fato, reduzir a par-
ticipação de centros corticais superiores disponibiliza mais energia para que
menos erros sejam cometidos e a atenção seja direcionada a novas experiências
e informações.
Em contraste com os experientes, novatos dependem predominantemente
de conhecimento declarativo. Menor conhecimento dos procedimentos signi-
fica que novatos precisam ser guiados durante a execução prática de habilida-
des motoras. Também dependem mais da memória consciente do que expe-
rientes e, na expectativa de se concentrar em todas as informações relevantes,
acabam cometendo erros.

capítulo 6 • 215
O progresso do novato para o experiente ocorre tanto em crianças como em
adultos e representa ganhar conhecimento, estabelecer associações e eliminar
erros. O aprendizado do adulto é aprimorado pelo método que coloca o foco no
aluno e não no professor. Assim, existem algumas considerações básicas im-
portantes para orientar a aquisição de novas habilidades em adultos. As habili-
dades são conquistadas em estágios, e o progresso individual varia de um baixo
para um alto grau de automaticidade.
Inicialmente, o aprendiz tenta compreender o objetivo e como alcançá-lo,
procurando descobrir regras de procedimentos em como desempenhar deter-
minada habilidade. No estágio final, o indivíduo desenvolve um conhecimen-
to compreensivo da estrutura que leva à erradicação de erros e à melhora do
rendimento. Durante o aprendizado, o aluno extrai características comuns de
situações similares que possibilitam compilar o perfil de eventos relacionados.
O feedback acerca do rendimento é essencial a fim de que o aluno progrida
para a automatização. A observação de um procedimento in loco é essencial
para transferir em ação a informação armazenada, seja observando a si próprio
ou outra pessoa. A retenção depende do bom estabelecimento da habilidade
durante o treinamento, de o intervalo de descanso entre as sessões de treina-
mento não ser muito longo e de a habilidade ser regularmente praticada.
A transferência ocorre sempre que um hábito ou habilidade já estabeleci-
dos influenciam a aquisição, o rendimento ou o reaprendizado de outra habi-
lidade. Conhecimentos aprendidos no passado podem transferir positiva ou
negativamente. O objetivo básico do treinamento é maximizar a quantidade de
transferências positivas adquiridas com o treinamento para uma habilidade
real.
Por exemplo, atletas de luta olímpica praticam técnicas de queda em bone-
cos articulados, porém inanimados. Mesmo assim, o movimento é realizado
e pode ser transferido de modo positivo quando for aplicado em um adversá-
rio. Essa transferência positiva depende em grande parte da similaridade entre
as habilidades. Nesse contexto, a similaridade funcional, compreendida em
“como” e “o que” fazer, é mais importante do que a similaridade física.
Existem diferentes componentes que precisam ser aprendidos para a exe-
cução de uma performance habilidosa, incluindo a coleta eficiente de infor-
mações sensoriais, tomada de decisão e seleção de estratégias, bem como a
implementação de mecanismos de controle preditivos e reativos. Há também
diversos processos de aprendizagem para serem aplicados a esses componentes

216 • capítulo 6
que especificam como erros, e recompensas dirigem o aprendizado. Além dis-
so, o aprendizado é fortemente determinado pelas representações neurais da
memória motora que influenciam como compreendemos a aprendizagem e de
que modo o aprendizado generaliza para novas situações.

6.3  Componentes do aprendizado motor


6.3.1  Extração da informação

O rendimento habilidoso requer coleta efetiva e eficiente e processamento de


informações sensoriais relevantes para a ação. Esse é um processo ativo, pois
o que podemos ver, ouvir e tocar é influenciado por nossos movimentos. Por
exemplo, o sistema motor controla os caminhos sensoriais dos olhos, orientan-
do a fóvea a diferentes pontos de interesse na cena visual. Estudos têm demons-
trado que os movimentos dos olhos podem ser direcionados de baixo para cima
em processos independentes para a realização da tarefa, bem como de cima
para baixo em processos dependentes para a realização da tarefa.
Em buscas visuais realizadas em laboratório, já foi evidenciado que os mo-
vimentos dos olhos estão qualitativamente de acordo com a extração ótima de
informações relevantes para a execução da tarefa. Portanto, durante a busca
visual por um alvo entre outros elementos distratores, as pessoas tendem a es-
colher movimentos em sacada que minimizarão a incerteza sobre as possíveis
localizações do alvo.
O movimento em sacada diz respeito à rápida movimentação dos olhos que
modifica sua fixação de um ponto a outro. Escolher movimentação sacádica
reduz a incerteza sobre as possíveis localizações do alvo e sugere que o siste-
ma motor esteja relacionado ao aprendizado ativo, escolhendo onde encontrar
amostras para o sistema sensorial a fim de fornecer a maior quantidade de
informações do ambiente, ou, como dissemos anteriormente, pelo menos as
mais relevantes para a ação.
O movimento dos olhos parece ser específico para as tarefas e apresenta-
se diferentemente entre profissionais e amadores. Os primeiros quase sempre
realizam movimento sacádico preditivo para o local onde imaginam que, por
exemplo, uma bola irá quicar no solo. A partir daí, esperam pelo quique e usam
visão de perseguição para seguir a trajetória da bola com os olhos.

capítulo 6 • 217
Profissionais têm pequeno período de latência na movimentação sacádica e
conseguem extrair mais informações do ambiente . De fato, jogadores de volei-
bol profissionais são capazes de obter muito mais informações relevantes para
a tarefa em cada fixação dos olhos do que pessoas menos habilidosas .
Indivíduos habilidosos também realizam uma fixação final do olhar ime-
diato antes da execução do movimento crítico, um processo conhecido como
“olho quieto” e que se caracteriza pelo direcionamento da atenção para uma
localização crítica ou alvo ambiental, um início que acontece antes do movi-
mento pretendido e uma duração mais longa para atletas de elite .
Da mesma maneira, quando aprendemos a controlar um cursor para alcan-
çar diferentes alvos sob novos mapeamentos visuomotores, o movimento dos
olhos se modifica durante os estágios de aprendizado com o olhar perseguindo
reativamente o cursor no início da prática e simplesmente fixando o alvo após
prática extensiva. O mapeamento visuomotor reflete a relação entre a localiza-
ção da mão e da visão, que podem ser alteradas por instrumentos como o prisma
ou por realidade virtual, com o intuito de examinar o aprendizado visuomotor.
Esses relatos sugerem que diferentes informações são necessárias e extraí-
das durante os vários estágios de aprendizado. Após o sistema motor ter sido
utilizado para coletar amostras do mundo sensorial, ele continua crítico para
seletivamente extrair informações relevantes à tarefa na medida em que a aten-
ção e as fontes de processamento são limitadas.
Isso inclui filtrar as informações sensoriais que chegam com base na ação
corrente. Um exemplo de como o cérebro filtra informações irrelevantes para
a tarefa é o fenômeno da “cegueira de atenção”, em que a pessoa não perce-
be um estímulo proeminente na cena visual irrelevante à tarefa que ela está
desempenhando. Tal condição é importante para a atenção seletiva e pode
ser comprometida por influências afetivas, comportamentais e experiên-
cias passadas.
De maneira similar, em tarefas motoras, seres humanos percebem apenas
as informações sensoriais relacionadas com a tarefa que está sendo executada.
Depreende-se do exposto que a informação só pode ser extraída ou processada
no momento em que é necessária à ação.
Apesar disso, o aprendizado motor em si mesmo também pode ultrapassar
os limites do que o nosso sistema perceptual é capaz de concretizar. Por exem-
plo, exímios jogadores de videogame desenvolvem extraordinária habilidade

218 • capítulo 6
em extrair informação e propagar sua atenção através de amplo quadro espa-
cial sem qualquer redução do rendimento de atenção.
Adicionalmente, estudos recentes demonstram que o aprendizado motor
pode modificar o processamento sensorimotor básico. Por exemplo, adaptar
os comandos de fala para compensar forças aplicadas na mandíbula por ma-
nipulação robótica resulta em modificar a classificação perceptual dos sons
da fala.
Os caminhos sensoriais são temporariamente retardados e tendem a ser
corrompidos por apreciáveis quantidades de ruídos. Nesse sentido, ruídos de-
vem ser entendidos como flutuações randômicas ou não previsíveis e distúr-
bios de origem neural, neuromuscular ou ambiental.
Múltiplos caminhos sensoriais em uma mesma ou em várias modalidades
sensoriais podem ser otimamente combinados a fim de se alcançarem estima-
tivas que reduzam o efeito dos ruídos. É interessante como esse processo de in-
tegração pode levar em conta as propriedades dos objetos externos de maneira
que a integração visuo-háptica é ótima mesmo quando o estímulo tátil vem por
ferramentas de mão.
Combinando esse processo com modelos internos do corpo que mapeiam
os comandos motores (sinalizados por cópia eferente) em estímulos sensoriais
esperados, o sistema nervoso calcula a probabilidade de distribuição de variá-
veis para estimar o estado do nosso corpo e do mundo.

6.3.2  Decisões e estratégias

Tarefas motoras estão relacionadas à sequência dos processos de tomada de


decisão que determinam, com base na informação extraída do ambiente e do
próprio movimento, quando realizar o próximo movimento e qual movimento
fazer. Por exemplo, a habilidade de um jogador de futebol é determinada não
apenas pela precisão com a qual ele pode passar a bola, mas também pela velo-
cidade com que faz a correta decisão do passe.
A tomada de decisão está relacionada com a seleção de movimentos que
podem ser utilizados em uma resposta motora. Como existe no início do movi-
mento uma substancial lentidão no influxo de informações sensoriais, imagi-
na-se que outras informações sensoriais já capturadas, mas ainda na fila para
serem processadas, possam influenciar as respostas motoras.

capítulo 6 • 219
De fato, tais informações poderão ser empregadas para rever a decisão mo-
tora escolhida. Nesse sentido, estudo recente demonstrou que a informação
sensorial ainda não processada pode modificar o plano mental do movimento
e também contribuir para a correção de um erro, embora algumas vezes tam-
bém possa estragar bons inícios de movimento.
À medida que se amplia o entendimento sobre a participação do controle
sensorimotor no processo de aprendizagem, as distinções entre componentes
sensorimotores, perceptuais e cognitivos de uma tarefa têm sido cada vez me-
nores. Por exemplo, pesquisas têm investigado como o sistema motor interage
com sistemas de recompensa necessários ao aprendizado.
É comum, em tarefas com elevado componente cognitivo, julgamentos
inadequados serem realizados levando a decisões com desfechos incertos.
Entretanto, quando indivíduos são confrontados com variantes motoras das
mesmas tarefas, frequentemente exibem decisões ótimas próximas da ideal.
Nesse sentido, escolhem variações médias das tarefas para minimizar a perda
de acurácia.
Entretanto, em algumas tarefas motoras, existem diferenças individuais em
que os sujeitos podem mostrar tendência de aversão ao risco e diminuir a re-
compensa ou procurar o risco em busca da recompensa.

6.3.3  Controle de classes

Em geral, a otimização do rendimento motor é alcançada por meio de três clas-


ses de controle: preditivo ou de feedforward (que é crítico quando o feedback
para o sistema sensorimotor está atrasado); reativo (que envolve o uso de estí-
mulos sensoriais para atualizar os comandos motores em andamento); e bio-
mecânico (que envolve a modulação da movimentação dos membros e de par-
tes do corpo.
Em geral, todos os três processos de controle são adaptáveis e podem con-
tribuir para o aprendizado motor. Como resultado do retardo de tempo asso-
ciado à transdução receptora, à condução neural, ao processamento central
e à ativação muscular, a ação habilidosa frequentemente depende do contro-
le preditivo.
Por exemplo, quando levantamos um objeto, precisamos quantificar a for-
ça aplicada com a preensão dos dedos em volta do copo. Fazemos isso em an-
tecipação à execução do próprio movimento. Tal predição, essencial para que

220 • capítulo 6
se manipule o copo com destreza e fluidez, requer um sistema que simule o
comportamento do nosso corpo e do ambiente. Esse sistema é conhecido como
modelo feedforward e conta com grande participação do cerebelo .
Utilizando a cópia do comando motor (a cópia eferente), o modelo forward
prediz as consequências sensoriais, sendo essa predição suportada por corre-
lações aprendidas. Por exemplo, quando levantam objetos, as pessoas usam a
informação sobre o material e o tamanho dele para predizer seu peso.
O menor tempo de latência do movimento sacádico dos olhos em atletas
profissionais deve-se em parte à sua capacidade de predizer – com base em al-
guns sinais essenciais – a trajetória dos objetos no espaço .
O comportamento sensorimotor habilidoso também requer a predição de
consequências sensoriais dos comandos motores. Por exemplo, quando le-
vantamos objetos, o sistema sensorimotor prediz os eventos sensoriais asso-
ciados com a elevação do objeto, como, por exemplo, a aferência tátil. Se não
houver pareamento entre a informação sensorial predita e a atual, o sistema,
em grande parte com a colaboração do cerebelo, executa ações de correção
da tarefa e também atualiza o conhecimento do peso do objeto para melhorar
ações futuras.
Existe íntima relação entre os mecanismos de predição e o controle reativo.
Alças curtas de feedback, como o reflexo monosináptico de estiramento, po-
dem rapidamente enviar respostas, mas não pode ser facilmente modificadas,
mesmo com a experiência. Em contraste, alças de feedback mais longas que
envolvem mecanismos supraespinhais podem ser modificadas de maneira de-
pendente da tarefa e ser sintonizadas para o aprendizado.
De contínuo, o córtex cerebral ajusta as informações sensoriais de feedback
com as eferências motoras de forma intimamente associada com os objetivos
da tarefa. Excelente demonstração de tal flexibilidade ocorre quando nossa
mão é perturbada em tarefa que requer o controle bimanual de uma ou duas
alavancas. Se cada mão controla seu próprio cursor, apenas a perturbada mos-
tra resposta apropriada. Entretanto, quando as duas têm o controle de um úni-
co cursor, então a perturbação de uma delas resulta em respostas em ambas.
Uma característica importante do modelo de controle de feedback ótimo é
o conceito de intervenção mínima — a criação de controladores de realimen-
tação que apenas corrigem para a variação prejudicial ao objetivo da tarefa. As
correções de erros de tarefas irrelevantes não apenas são um desperdício, mas
também podem gerar erros relevantes para a tarefa.

capítulo 6 • 221
O princípio de intervenção mínima foi recentemente demonstrado em vá-
rias tarefas, incluindo aquelas mais simples que consistem em criar uma for-
ça desejada com a ponta do dedo indicador. O controle dessa tarefa pode ser
caracterizado dentro de um espaço de sete dimensões, representando os sete
músculos que regulam o índice de força dos dedos. A variabilidade nesse espa-
ço pode ser classificada em um componente relevante para tarefa, que modula
a força no sentido do alvo, e um componente irrelevante para a tarefa que não
realiza.
Durante essa tarefa, a variabilidade de tarefas irrelevantes é maior do que a
variabilidade de tarefas relevantes; isso sugere que, nos músculos, há um con-
trole preferencial para tarefas relevantes. Uma questão importante para futuras
pesquisas é se essa redução na variabilidade surge apenas por processo de con-
trole de feedback ou também de sinergias pré-cabeadas que refletem a estrutu-
ra do comando de alimentação forward.
Um terceiro tipo de controle pode ser exercido especificando-se as proprie-
dades biomecânicas do corpo e ferramentas com as quais interagimos. Por
exemplo, variando as ações dos músculos do braço, é possível controlar a rigi-
dez na mão ou de uma ferramenta de mão. Não só é possível estimar a rigidez
mão, mas também modular o padrão de rigidez, quer pela variação de ativações
musculares quer pela postura do braço.
Ao modular rigidez, o sistema motor pode exercer controle sobre a resposta
imediata às perturbações externas. Embora a rigidez possa ser usada para lidar
com algumas perturbações, está limitada na sua flexibilidade e, como requer
muitas vezes a contração mútua de músculos opostos, pode ser uma solução de
esforço para manter a estabilidade.
A maioria das tarefas de ação diz respeito a uma combinação de todos os
três mecanismos de controle, com a contribuição mais significativa de cada
um, dependente da natureza da tarefa. Em termos da interação entre a rigidez
e o controle preditivo, foi proposto que, quando os erros são grandes, a rigidez
aumenta, mas, quando os componentes preditivos começam a aprender, os er-
ros diminuem, e a rigidez também.

6.4  Processos de aprendizado motor


Os processos de aprendizagem motora podem ser distinguidos pelo tipo de in-
formação que o sistema motor utiliza como um sinal de aprendizagem. Apesar

222 • capítulo 6
de diferentes modalidades sensoriais – como visão, propriocepção e tato – po-
derem desempenhar papel importante na aprendizagem motora, iremos con-
centrar-nos na natureza da informação independente da modalidade, usada
durante a aprendizagem.

6.4.1  Aprendizagem baseada no ensaio e no erro

Quando um movimento é executado, o sistema sensorimotor pode sentir o re-


sultado dele e fazer uma comparação com o resultado desejado ou previsto. As
informações contidas nessa previsão sensorial de erros não apenas informam
o sistema de que ele não cumpriu a meta, mas também especificam a maneira
particular com que o objetivo não foi atingido. Para ser capaz de utilizar essa
informação, o sistema nervoso precisa estimar o gradiente do erro relacionado
a cada componente do comando motor.
Por exemplo, quando um dardo lançado aterrissa à direita do alvo pretendi-
do, o sistema pode ajustar o comando do motor para o lance seguinte, alteran-
do a orientação da parte superior do corpo e o movimento do pulso ou do braço,
ou ainda, por meio de qualquer combinação desses componentes.
Se o sistema conhece o real gradiente, todos os componentes podem ser
ajustados para que se reduz ao erro. No entanto, como o gradiente pode ser
apenas estimado, e sempre quando há algum ruído, o mesmo erro pode levar a
ajustes muito diferentes.
A aprendizagem baseada no erro é a força motriz por trás de muitos paradig-
mas de adaptação bem estudados e caracteriza-se pela capacidade do sistema
em aprender com os erros realizados em cada ensaio. Pode, ainda, conduzir a
aprendizagem motora e correções de movimento, mesmo na ausência de per-
turbações externas.
São muitas as evidências de que esse tipo de aprendizado se baseia nas fun-
ções cerebelares e representa a maneira mais rápida de aprendizado em huma-
nos. Nesse sentido, pacientes com lesões cerebelares têm comprometimento
substancial no aprendizado de várias tarefas.
Embora a estimulação magnética transcraniana de regiões neocorticais não
modifique o aprendizado inicial em tarefas de adaptação, esta pode ser acelera-
da com estimulação transcraniana por corrente direta no córtex cerebelar. No
entanto, visto que o neocórtex e o cerebelo formam um circuito fechado, ambos
devem ser envolvidos na aprendizagem baseada no erro.

capítulo 6 • 223
De fato, até o século 19, a função do cerebelo estava restrita ao controle do
equilíbrio e à coordenação de movimentos; danos nessa estrutura em huma-
nos ou animais provocava ataxia e incoordenação e prejuízos no controle de
movimentos. Entretanto, no século XX, avanços acerca da anatomia e fisiologia
cerebelar demonstraram que esse órgão está relacionado ao aprendizado com
base no erro . Há inclusive evidências de que a resposta condicionada também
esteja localizada no cerebelo .

6.4.2  Aprendizado por reforço

A aprendizagem baseada no erro pode reduzir o erro médio a zero, mas, uma
vez que isso é conseguido, não fornece um mecanismo para melhorar sistema-
ticamente o desempenho. Em contraste, o reforço de sinais baseados no suces-
so e no fracasso fornece informação acerca da modificação comportamental
requerida.
O sistema motor precisa explorar diferentes possibilidades para gradual-
mente otimizar o comando motor. Nesse sentido, embora o aprendizado por
reforço possa ser usado para guiar o aprendizado, a recompensa fornece menos
informação do que o aprendizado com base no erro; por isso, a aprendizagem
tende a ser mais lenta.
Como vimos, o reforço positivo estimula a atividade dopaminérgica e pode
contribuir, diferentemente da punição, para motivar a continuidade do pro-
cesso de aprendizado, bem como aumentar a retenção na memória motora. A
ideia central é de que tentativas de regras de comportamento, codificadas por
neurônios no córtex pré-frontal e cingulado, são selecionadas ou rejeitadas
com base no sinal de recompensa e associadas aos neurônios dopaminérgicos
mesecenfálicos. Mais recentemente se demonstrou a participação dos recepto-
res opioides na motivação para o aprendizado .
Nesse contexto, o reforço negativo teria a capacidade de desestabilizar co-
dificações neurais que resultem em comportamento inadequado possibilitan-
do ao organismo a chance de descobrir e aprender uma nova regra. Assim, os
sinais de recompensa funcionariam como efetiva seleção de sinais para man-
ter ou suprimir as representações pré-frontais ativas em função da adequação
da tarefa.

224 • capítulo 6
6.4.3  Aprendizado dependente do uso

Refere-se ao fenômeno de que o estado do sistema motor pode modificar-se


simplesmente por pura repetição de movimentos, mesmo se nenhuma infor-
mação estiver disponível.
Esse tipo de aprendizado pode ocorrer em paralelo ao aprendizado com
base no ensaio e no erro. A repetição de um movimento reduz a variabilidade
dele e induz a uma tendência de execução em direção ao movimento treinado.
Todos os três tipos de aprendizado descritos estão relacionados à interação
do indivíduo com o ambiente, afim de que possa vivenciar novas e velhas expe-
riências e aprender com os próprios erros, sucessos e fracassos.

6.4.4  Representações no aprendizado motor

O aprendizado sensorimotor diz respeito a aprender novos mapas entre as va-


riáveis sensoriais e motoras. Essas transformações, chamadas de modelos in-
ternos, representam as características do corpo e do ambiente com o meio e
podem ser exemplificadas pela maneira com que seguramos a raquete de tênis
e sua localização no espaço à espera de uma bola.
Vários fatores, como a fadiga muscular, ou modificações no peso do objeto
podem modificar esses mapeamentos, e a performance bem-sucedida requer a
adaptação desses fatores. No entanto, a informação obtida durante um único
movimento é, em muitos casos, demasiadamente escassa ou com excesso de
ruídos para determinar, sem ambiguidade, a origem do erro.
Portanto, a informação não especifica adequadamente a maneira em que
o comando motor deve ser atualizado. Para resolver esse problema, o sistema
não se inicia como uma folha em branco; em vez disso, ele usa representações
que refletem as premissas internas sobre a estrutura-tarefa e que restringem a
maneira pela qual o sistema é atualizado em resposta a erros.

6.4.5  Comandos motores primitivos

Uma ideia importante sobre a maneira com que os modelos internos são repre-
sentados é a de comandos motores primitivos (CMPs). CMPs devem ser pensa-
dos como módulos de controle neural que podem ser flexivelmente combina-
dos para um grande repertório de comportamentos.

capítulo 6 • 225
A composição dos CMPs determina quais restrições estruturais são impos-
tas na aprendizagem. Por exemplo, um comportamento para o qual o sistema
motor tem muitos CMPs será fácil de se aprender, ao passo que um comporta-
mento que não os tenha será quase impossível de se aprender.
CMPs também determinam a maneira com que a aprendizagem se genera-
liza. Assim, os modelos atuais de adaptação procuram explicar como um erro
em uma tentativa muda o comportamento na próxima, modelando o processo
de aprendizagem. Essa abordagem baseia-se em modelos de estado–espaço
em que, normalmente, o estado interno representa a estimativa da perturba-
ção. A estimativa é atualizada após cada tentativa com base no erro da tentati-
va anterior.
Para dar conta de generalização da aprendizagem, por exemplo, por diferen-
tes direções de movimento, cada direção é associada com seu próprio estado,
que representa a estimativa da perturbação de um movimento nessa direção. A
generalização especifica como um erro experimentado durante um movimento
em uma direção acomete os estados associados a outras direções.
Tem sido sugerido que a parte inicial da aprendizagem motora é mais rápi-
da e cognitivamente orientada do que a aprendizagem mais tardia. Da mesma
maneira, a memória de trabalho espacial é particularmente importante para o
início, mas não para a fase tardia da aprendizagem visuomotora.
Além disso, um estudo recente sugere que a parte rápida, mas não a lenta,
do processo de aprendizagem pode partilhar recursos com o sistema de me-
mória declarativa. Essa interação contribuiria para que o processo rápido de
aprendizagem de um movimento fosse comprometido por alterações na me-
mória declarativa.
Os processos rápidos e lentos do aprendizado motor podem estar relacio-
nados respectivamente com os componentes de memória declarativa e proces-
suais observados em tarefas de aprendizagem em sequência, como as tarefas
de tempo de reação de série. Nessas tarefas, abolir o componente declarativo
logo após a aprendizagem leva a prejuízos na consolidação da memória. Isso
sugere que o componente declarativo interage com, e, nesse caso, impede, o
componente processual.

226 • capítulo 6
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228 • capítulo 6
7
Psicomotricidade e
Avaliação Psicomotora
230 • capítulo 7
7.1  Introdução

Ser homem é viver perigosamente. Por isso a vida é tão angustiosa para uns, tão
cheia de ansiedade para outros e tão séria para todos. Não admira que esta vida leve
alguns à loucura, à insensatez, ao heroísmo, ao vandalismo, à santidade, à insensibi-
lidade... Ante o futuro o homem é acometido pelo riso, pela lágrima, pelo labor, pelo
torpor, pela fé, pela descrença.
MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
1986.

A psicomotricidade representa a capacidade humana de realizar movimentos


que expressam conteúdo psíquico de afeto e cognição, sendo única entre os
animais uma vez que é voluntária, emana de vontade orientada para um fim e
representa a cultura de uma sociedade. Trata-se da integração superior da mo-
tricidade, produto de uma relação inteligível entre a criança e o meio ambiente
permitindo a interação de diversas funções neurológicas, motoras e psíquicas.
A educação psicomotora ocorre por meio de ações que estimulem e possibi-
litem a realização de movimentos espontâneos e atitudes corporais que, prin-
cipalmente, na criança, proporcionam a ideia da imagem corporal, conforme
sugerido, pode contribuir para formação da personalidade. Trata-se de prática
pedagógica visando a contribuir para o desenvolvimento integral da criança no
processo de ensino-aprendizagem, favorecendo os aspectos físicos, cognitivos,
afetivo-emocionais e socioculturais dentro do contexto específico do aluno.
Evidências sugerem que seja possível a existência de disfunções motoras,
afetivas e cognitivas com certa gravidade sem que o cérebro esteja estrutural-
mente lesionado. A dificuldade da Neurologia em associar distúrbios motores
a áreas anatômicas do cérebro foi superada pelo estudo da psicomotricidade
que ao associar movimento, pensamento e afetividade busca, nas perturbações
motoras manifestas, alterações psicológicas resultado de distúrbios de intera-
ção da criança com o meio ambiente.
Foi Dupré, neuropsiquiatra francês, o primeiro a estruturar, em 1909, a cor-
relação entre motricidade, afetividade e inteligência. Em 1925, Henri Wallon,
procurou ir mais além ao associar o movimento humano como instrumen-
to na construção do psiquismo. Para ele, o conhecimento, a consciência e o

capítulo 7 • 231
desenvolvimento geral da personalidade, não poderiam estar isolados das
emoções. Por meio do conceito de esquema corporal, introduz dados neuroló-
gicos nas concepções psicológicas do corpo humano distinguindo suas ideias
daquelas formuladas por Jean Piaget que também influenciou a teoria e a prá-
tica da psicomotricidade.
Os trabalhos de Wallon forneceram observações definitivas acerca do de-
senvolvimento neurológico do recém-nascido e da evolução psicomotora da
criança. A partir daí, seus sucessores trabalharam com a hipótese de que o fun-
cionamento psíquico humano dependeria da organização progressiva das ma-
nifestações psicomotoras estruturadas sobre o tônus emocional.
Nesse sentido, querendo ou não, o ser humano interage afetiva e cognitiva-
mente com o meio ambiente que o cerca. Se está com fome, chora (manifesta-
ção motora) e ao ser atendido tem satisfação e prazer (manifestação afetiva).
Dessa forma, aprende que quando chora, recebe alimento (manifestação cog-
nitiva) e com o tempo, à medida que essas situações se repetem e o sistema
nervoso amadurece, conquista a autoconfiança necessária de que terá alimen-
to regularmente, podendo com isso, se dedicar a outros contextos básicos da
sobrevivência ou dar vazão aos anseios da vontade que, em última análise, o
impele para interações com o meio, e novas manifestações psicomotoras resul-
tando no aprendizado.
Em 1947, Julian Ajuriaguerra, delimita com clareza os transtornos psicomo-
tores que oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico e introduz as primeiras
técnicas reeducativas vinculadas a distúrbios psicomotores. Mais tarde, diante
da constatação de que situações como a dislexia, a disortografia, a gagueira,
os tiques, a instabilidade e a inibição estavam correlacionados com uma per-
turbação do funcionamento neuromotor, surge a prática psicomotora centrada
no desenvolvimento do esquema corporal e na estruturação espacial e rítmica
partindo do princípio de que a criança, como domínio e o conhecimento de si,
pela ação controlada e organizada no espaço e no tempo, poderia desenvolver
as suas potencialidades para as aprendizagens escolares.
De fato, antes que uma criança aprenda a distinguir “p” e “b” é preciso que
ela seja capaz de aprender, inicialmente, quando o corpo dela está em cima e
quando está em baixo. A direcionalidade precisa se tornar parte do esquema
corporal antes de qualquer criança ser capaz de apreciar a direcionalidade de
letras, números e palavras, sugerindo que o aprendizado gramatical e mesmo a
fala, dependam da compreensão psicomotora de esquema corporal.

232 • capítulo 7
Esquema corporal é a consciência do corpo como meio de comunicação do
indivíduo com o meio onde se encontra. Trata-se de um elemento básico indis-
pensável para a formação da personalidade da criança sendo a representação
global, científica e diferenciada que a criança tem de seu próprio corpo.
O esquema corporal resulta das experiências que possuímos provenientes
do corpo e das sensações que experimentamos, não sendo, portanto, um con-
ceito aprendido e que dependa de treinamento. Ele se organiza por meio das
experiências vivenciadas pelo corpo da criança sendo uma construção mental
que se realiza gradualmente, de acordo com o uso que faz do próprio corpo.
Na opinião de teóricos como Le Boulch e Piaget, o pensamento nasce do
movimento e a psicomotricidade representa um meio para promoção de de-
senvolvimento da inteligência . Assim, sob diferentes enfoques, existe uma sín-
tese entre aspectos afetivos e cognitivos que se encontram nas manifestações
motoras, refletindo a lógica do funcionamento do sistema nervoso, cuja matu-
ração permite o transporte de imagens mentais e representações simbólicas
que resultem em aprendizagem dentro de contexto sociocultural específico.
A individualidade humana constrói-se em um retrabalhar constante entre
as dimensões psíquicas e físicas sendo resultado da inseparável díade mente-
corpo. Wallon salienta a importância do aspecto afetivo, como anterior a qual-
quer tipo de comportamento, e destaca a existência da evolução tônica e corpo-
ral a que chama diálogo corporal representando o princípio da comunicação.
A criança é capaz de se perceber e também perceber os seres e as coisas que a
cerca graças a uma progressiva noção de consciência corporal e de suas possi-
bilidades de agir e transformar o mundo a sua volta.
A criança se sente bem na medida em que aumenta o conhecimento do
próprio corpo e esse lhe obedece em diferentes interações com o meio. Isso
possibilita a formação de vínculos e ajustamentos automáticos entre a criança
e o adulto por intermédio de diálogo tônico-emocional onde as emoções se ex-
primem através do corpo. De fato, o corpo fala e a mente se manifesta através
dele. Além de infinitas possibilidades de se expressar corporalmente, seres hu-
manos possuem 12 pares de nervos cranianos muitos dos quais, responsáveis
pelo controle dos músculos da face que, na nossa espécie, destinam-se quase
exclusivamente à comunicação não verbal.
Segundo Wallon, o tônus é a materialização das emoções que se expressam
cotidianamente nas diversas interações com os objetos e com outras pessoas.
Todos os dias, as emoções, positivas ou negativas, passam por uma via final

capítulo 7 • 233
comum que influencia o estado de contração muscular. A dispraxia não deve
ser considerada apenas como déficit do ajustamento neuromotor, mas sim,
como uma falha na ação.
De fato, o corpo não é um intermediário passivo da consciência. Ao con-
trário, o corpo é alvo de informações constantes provenientes do ambiente e
ao mesmo tempo, meio de interação com ele. Nesse processo, representações
mentais de conteúdo afetivo, cognitivo e planificação motora, vão sendo arma-
zenadas na memória, assumindo formas cada vez mais complexas no desenvol-
vimento humano.
No processo de construção de tais representações, é determinante o con-
vívio da criança com o ambiente social e de seres vivos e objetos inanimados
que podem ganhar vida através da sua ação. De fato, quanto mais variadas e
frequentes forem tais transações, mais aprimorada será a consciência que cada
um constrói do seu corpo.
Nessa impressionante integração sensorial, a criança, com base na mieli-
nização do sistema nervoso que amadurece durante a infância e a puberdade,
conquista o seu corpo, fazendo dele o espaço da sua imaginação e o continente
da sua ação. Assim, transforma-o em um instrumento utilizado para o seu de-
senvolvimento emocional e psíquico (autoestima), de onde surgirá a planifica-
ção motora necessária à manifestação de gestos e mímicas exigindo atenção,
coordenação, controle e intencionalidade necessários para cada vez mais im-
por suas vontades e desejos sobre o mundo.
A criança, antes de se apropriar dos símbolos, tem de fazer uso dos seus re-
flexos e aprender a utilizar o seu corpo para conquistar liberdade gravitacional
e espacial a fim de se movimentar e comunicar afetivamente. Algumas partes
do cérebro devem encarregar-se de controlar o corpo e a sua motricidade para
que outras se disponibilizem para as imagens, os símbolos, e mais tarde, para
as construções conceituais.
Somente por meio do desenvolvimento do equilíbrio postural e da seguran-
ça tônico-emocional, é que a construção da personalidade da criança poderá
ocorrer. De fato, o desenvolvimento de um indivíduo não ocorre de maneira es-
tratificada, com aquisições sucessivas, mas sim, obedece a processo contínuo
de transformação, exigindo constantemente novas adaptações que necessaria-
mente dependem do convívio social que, por sua vez, depende de diferentes
níveis de controle motor, afetivo e cognitivo.

234 • capítulo 7
A elaboração e o estabelecimento do esquema corporal, parece ocorrer rela-
tivamente cedo, estando praticamente terminada por volta dos 4 ou 5 anos. Ao
lado da construção de um corpo estruturado e representado como um objeto
físico, cujos limites podem ser traçados a qualquer momento, existe uma expe-
riência global e inconsciente do esquema corporal que influencia no desenvol-
vimento ulterior da imagem e da representação de si.
A construção do esquema corporal está submetida a noção de presente e
portanto, da temporalidade e a conquista da linguagem e permite ao indivíduo
generalizar suas experiências motoras e fixando-as sob a forma de um sistema
de representação íntima, estável e coerente para finalmente entre 6 e 18 meses,
adquirir uma representação visual do próprio corpo através da observação de si
mesmo em espelhos.
Assim, por volta dos 6 meses de idade, a criança reconhece a imagem de
outra pessoa, e aos 8 meses reconhece a imagem especular, época em que Le
Bouch chama de estado objetal representando o momento da vida quando a
criança percebe que seu corpo é distinto do da mãe e que a mãe representa seu
principal objeto de desejo sem a exclusão de outros objetos, no ambiente, que
mereçam ser investigados e com isso, possibilitem o início da interação so-
cioafetiva necessária a formação da personalidade.
É fundamental perceber que a educação psicomotora representa um pro-
cesso de autoformação onde só existe conhecimento e aprendizado, quando
o indivíduo integra os novos dados na sua rede de conhecimentos de uma ma-
neira que lhe é própria, em virtude das influências que recebe a partir dos dife-
rentes órgãos sensoriais. Dessa forma, o processo de educação exige uma cons-
ciencialização constante do nosso eu interior.
É possível que muitos dos problemas de inadequação, mal-estar familiar,
escolar, social, de insucesso e abandono, possam ser ultrapassados e, muitas
vezes, evitados, se, no processo de formação, aprendêssemos a nos conhecer e
a conhecer os outros através da linguagem corporal.
Desse modo, o educador deve proporcionar ao aprendiz, momentos para
que possa descobrir a sua interioridade, ajudando-o a compreendê-la através de
manifestações exteriores. Os problemas de aprendizagem e de comportamen-
to, podem estar relacionados com perturbações na percepção tátil, cinestésica
e de estimulação vestibular, cuja desorganização se relaciona com o desenvol-
vimento do autoconceito e com a organização pessoal no tempo e no espaço.

capítulo 7 • 235
Estudos realizados sobre a relação entre desenvolvimento psicomotor e di-
ficuldades de aprendizado, sugerem que a escola deva fazer do corpo um meio
de expressão e relação social através do qual a cognição se edifica e se manifes-
ta. Assim, todas as dificuldades escolares parecem ser consequência de uma
deficiência de adaptação psicomotora englobando problemas de desenvolvi-
mento motor, de dominância lateral, de organização espacial, de construção
práxica e de estabilidade emotivo-afetiva que se podem projetar em alterações
do comportamento da criança.

7.2  Avaliação em Psicomotricidade

A Psicomotricidade pode ser definida, em termos necessariamente reduzidos, como o


campo transdisciplinar que estuda e investiga as relações e as influências, recíprocas
e sistêmicas, entre o psiquismo e a motricidade.
Vítor da Fonseca

A avaliação do desenvolvimento psicomotor pode ser realizada com base na uti-


lização de várias baterias de testes. Dentre muitas, selecionamos a desenvolvi-
da pelo Dr. Vítor da Fonseca, cuja construção foi possível ao longo de mais de
20 anos de convivência dinâmica do autor com inúmeros casos clínicos.

7.3  Bateria de avaliação psicomotora de


Vítor da Fonseca

A bateria psicomotora de Vítor da Fonseca (BPM), é um dispositivo que baseia-


se em um conjunto de tarefas possibilitando a identificação de déficits da fun-
ção psicomotora. Apesar das suas limitações, tem demonstrado grande utilida-
de na observação do perfil psicomotor podendo ajudar na compreensão dos
problemas de comportamento e aprendizagem de jovens dos 4 aos 12 anos.
Apesar de não ser objetivo da BPM, a avaliação dos aspectos somáticos e
morfológicos, dos desvios posturais e do controle respiratório, encontram-se

236 • capítulo 7
presentes para possibilitar caracterização global da criança. Assim, Vítor da
Fonseca, adotou em sua BPM, a classificação proposta por Sheldon para os as-
pectos tipológicos de ectomorfia (caracterizado pela linearidade e magreza do
corpo, destacando o tronco reduzido e os membros compridos) mesomorfia
(caracterizado pela estrutura muscular e atlética do corpo) e endomorfia (carac-
terizado pelo aspecto arredondado e amolecido do corpo, normalmente gordos
e com o tronco extenso e membros curtos).
Em geral, os indivíduos ectomorfos são hipotônicos e os mesomorfos, hi-
pertônicos. Os problemas de atitude, desvios posturais, como a lordose, cifo-
se,escoliose, entre outros e sinais de raquitismo, pé chato e distonia, devem ser
também objeto de observação e registro na BPM. Por outro lado, a observação
do controle respiratório deve identificar se a ampliação do tórax é suficiente ou
insuficiente e se a coordenação dos movimentos torácico-abdominais e ritmici-
dade respiratória são adequados e se existem sintomas de fadiga.
A BPM é composta por sete fatores psicomotores distribuídos pelas três
unidades funcionais de Luria já discutidas no segundo capítulo . Na primeira
unidade funcional, avalia-se a tonicidade e a equilibração e, na segunda, a la-
teralização e as estruturas espacial e temporal, ficando as praxias global e fina
como representativas da terceira unidade.
As três unidades funcionais de Luria apresentam sequência lógica e estru-
turada. Assim, enquanto a tonicidade representa aquisições neuromusculares,
conforto tátil e integração de padrões antigravitacionais, que ocorrem até o
primeiro ano, a equilibração é representada pela aquisição da postura bípede,
segurança gravitacional e desenvolvimento dos padrões locomotores entre o
primeiro e segundo ano de vida.
Os testes da qualidade de lateralização que costuma maturar entre 2 e 3
anos de idade, avaliam a integração sensorial, o investimento emocional e o
desenvolvimento das percepções difusas e dos sistemas eferentes e aferentes,
ao passo que com os testes de noção do corpo (maduros entre 3 e 4 anos) procu-
ra-se verificar a estruturação da noção do eu, consciencialização corporal, per-
cepção corporal e condutas de imitação.
A estruturação espaço-temporal, que amadurece entre 4 e 5 anos, reflete o
desenvolvimento da atenção seletiva, processamento da informação, coorde-
nação espaço-corpo e proficiência da linguagem e do nível de maturação das
praxias global, ocorrendo entre 5 e 6 anos, e fina, entre 6 e 7 anos. Praxia global
e fina podem ser respectivamente avaliadas através de testes de coordenação

capítulo 7 • 237
óculo-manual e óculo-pedal, planificação motora, integração rítmica e através
de testes de concentração, organização e especialização hemisférica.
Discutiremos agora, cada um desses elementos já que muitos deles encon-
tram-se presentes em outras baterias de avaliação psicomotora.

7.3.1  Tonicidade

A tonicidade é a base fundamental da psicomotricidade,tendo um papel funda-


mental no desenvolvimento motor já que é responsável pelo estado de tensão
permanente do músculo. Assim, assegura a postura e permite atitudes, mími-
case a manifestação de emoções.
De fato, o tônus muscular é necessário para manifestação do equilíbrio,
coordenação e do próprio movimento voluntário. Quando ocorrem lesões que
impossibilitam a passagem de impulsos proprioceptores, surgem alterações
no tônus muscular que, em distúrbios psicomotores, podem estar presentes na
forma de paratonias.
Paratonias normalmente resultam de lesões no lóbulo frontal e suas co-
municações com outras regiões corticais, e representa a rigidez a movimentos
passivos ou quando se solicita que o indivíduo relaxe. Muitas vezes, resulta da
incapacidade de relaxamento e não devido a anomalias no funcionamento pro-
prioceptivo .
A criança hipertônica apresenta-se mais impulsiva e dinâmica com elevado
grau de descoordenação. Essa condição é mais comum em indivíduos do sexo
masculino e difere da hipotonia, que tem mais prevalência entre aqueles do
gênero feminino. A criança hipotônica tende a ser calma, porém seu desenvol-
vimento postural é normalmente mais lento que o das hipertônicas e sua pre-
disposição motora centra-se mais frequentemente na preensão e nas praxias fi-
nas e, consequentemente, as suas atividades mentais surgem mais elaboradas,
reflexivas e controladas.
O estudo da tonicidade, compreende a análise do tônus de suporte e do tô-
nus de ação. São cinco os fatores que compõem a tonicidade de suporte. O pri-
meiro deles é a extensibilidade, onde se permite avaliar o grau de mobilização
e a amplitude de uma determinada articulação, a fim de classificar a criança
dentro do espectro cujos extremos são a hipoextensão ou a hiperextensão.
As crianças hiperextensas são hipotônicas, enquanto as hipoextensas são
hipertônicas. Até certos limites, essas condições são perfeitamente adequadas,

238 • capítulo 7
apenas em casos extremos tais perfis tônicos são sinais desviantes em termos
de organização tônico-muscular e de limitação ou não de movimentos à volta
das articulações.
Na BPM, a extensibilidade é explorada nos membros inferiores e superio-
res, desde as articulações distais, proximais e intermédias, tendo em conta a re-
sistência ao alongamento. Com o estudo da extensibilidade, pode-se determi-
nar a dominância lateral, já que os membros dominantes tendem a apresentar
mais resistência e menos extensibilidade devido a organização tônico-postural
e tônico-muscular mais integrados e fruto da habituação. Esse aspecto revela-
se importante quando se trata do tônus de ação, conferindo aos fatores da toni-
cidade e da lateralização uma relação sensório-motora de grande importância
na progressiva organização psiconeurológica da criança.
A passividade é um dos fatores para avaliação do tônus de suporte e pode
ser observada por intermédio de movimentos introduzidos pelo avaliador con-
sistindo em deslocar os membros superiores e inferiores a fim de identificar a
liberdade de movimento e provocar a sensibilidade do peso dos mesmos para
traduzir a capacidade de autorrelaxamento e descontração.
Outro fator para avaliação do tônus de suporte é a procura por paratonias.
Uma das características de um movimento adequado é a capacidade de aban-
donar o membro e os seus componentes musculares. A existência de bloqueios
ou contrações dificulta tal resolução motora e altera a integração sensorial afe-
rente e cinestésica e a capacidade voluntária de autodescontração.
Dentre os fatores que procuram avaliar o tônus de ação, a prova das diado-
cocinesias, possibilita identificar a capacidade que uma pessoa tem em realizar
movimentos rápidos alternadamente. A perda dessa função é chamada disdia-
dococinesia sendo um sinal característico de lesão cerebelar.
A presença de sincinesias também contribui para adequado diagnóstico do
tônus de ação já que revela a presença de movimento involuntário ocorrendo
em um grupo de músculos por ocasião de um movimento voluntário ou de um
reflexo de outra parte do corpo. Podem existir sincinesias de reprodução e tôni-
cas. Na primeira delas, o movimento involuntário tenta reproduzir o movimen-
to que está sendo realizado voluntariamente por algum membro do corpo e,
na segunda, apesar de existir ação muscular involuntária, não existe tal forma
de reprodução.
Por volta dos 12 anos as sincinesias tônicas ainda são mais numerosas do
que as de reprodução que, nessa idade, já se encontram ausentes na maioria

capítulo 7 • 239
das crianças. A intensidade e a duração das sincinesias, podem afetar a coor-
denação dos movimentos e fornecem dados importantes para a determinação
da lateralidade tônico-motora da criança. A observação das sincinesias na BPM
deve incluir a procura por movimentos de imitação nos membros contralate-
rais, peribucais, ou mesmo linguais.

7.3.2  Equilibração

A equilibração, segundo fator da BPM, é o sentido que permite a permanência


em equilíbrio sendo, em grande parte, resultado da maturação dos neurônios
cerebelares. Pertence à primeira unidade funcional de Luria sendo vista como
uma condição básica da organização psicomotora já que é responsável pelas
funções de vigilância, de alerta e de atenção.
O equilíbrio é a base de toda a coordenação dinâmica global e representa
a noção de distribuição do peso, no espaço e no tempo, em relação ao eixo de
gravidade . De fato, a segurança gravitacional está na base do controle postural
e da equilibração, tendo por base a integridade do sistema vestibular. Uma vez
que as sensações provocadas pela gravidade são uma referência básica a todas
as outras informações sensoriais e perceptivas, elas exercem profundo impacto
sobre desenvolvimento das funções visuais e auditivas.
Com insegurança gravitacional, a equilibração fica afetada, provocando ins-
tabilidade emocional, hiperatividade, ansiedade e aumento da desatenção, que
provocará um comprometimento no desenvolvimento psicomotor e no proces-
so de aprendizagem. As disfunções cerebelo-vestibulares, possíveis de serem
detectadas nas tarefas da BPM, possibilitam ir além da simples avaliação da
equilibração e permitem a identificação de sinais atípicos de desintegração
sensorial e psicomotora.
Esses sinais, frequentemente, incluem movimentos incessantes da cabeça,
dismetria e discronometria, perturbações de coordenação, assinergias auxilia-
das com hipercorreções exageradas e imprecisas, perda de direção, de orien-
tação postural e espacial; e movimentos de compensação realizados com os
braços evidenciam precária equilibração com repercussões na capacidade de
processamento de informações, no córtex cerebral, implicando na necessidade
de manifestar reações posturais compensatórias mais abruptas e reequilibra-
ções mais descontroladas.

240 • capítulo 7
É com base na procura desses sinais disfuncionais posturais que o fator de
equilibração, na BPM, integra a avaliação das qualidades de imobilidade, equi-
líbrio estático e equilíbrio dinâmico.

Representa a capacidade de inibir voluntariamente todo e


qualquer movimento durante um curto lapso de tempo. Pela
sua observação, podemos avaliar os ajustamentos posturais,
IMOBILIDADE reações tônico-emocionais, movimentos involuntários, faciais,
gesticulações, sorrisos, rigidez corporal, desvios de simetria e
tiques que também caracterizam os outros fatores de avalia-
ção da equilibração

EQUILÍBRIO Requer as mesmas capacidades da imobilidade revestindo-se


ESTÁTICO das mesmas características e significações.

Exige orientação controlada do corpo em situações de


deslocamentos no espaço com os olhos abertos. A obser-
vação deve detectar sinais quanto à precisão, à economia e
EQUILÍBRIO à harmonia dos movimentos. Deve-se, também, dar especial
DINÂMICO atenção a ajustes abruptos de reequilíbrios, descontrole pos-
tural, movimentos compensatórios com as mãos, movimentos
involuntários e dismetrias.

Tonicidade e equilibração, constituem a base motora para organização psi-


comotora superior de lateralidade, somatognosia, estruturação espaço-tempo-
ral e praxias. A informação recolhida das tarefas e subtarefas do fator da equi-
libração traduzem, de certo modo, a integração vestibular e proprioceptiva que
está presente em todos os estados de vigilância, de alerta e de atenção, não fun-
cionando a atividade psíquica na sua ausência.
Porque o controle postural envolve a participação de centros inferiores (me-
dulares), intermédios (tronco cerebral e cerebelo) e superiores (córtex), a sua
disfunção interfere com todo o tipo de atividade mental, não exclusivamente
motora, mas também, emocional, perceptiva, cognitiva, social e simbólica.
Em seguida, abordaremos os fatores da segunda unidade funcional luriana.

capítulo 7 • 241
7.3.3  Lateralidade

A lateralidade é a predisposição à utilização preferencial de um dos lados do


corpo expressa nos níveis ocular, pedal, auditivo e visual, e reflete a dominân-
cia de um dos hemisférios cerebrais. A lateralidade, ou dominância de um lado
em relação ao outro, no âmbito da força e da precisão, não deve ser confundida
com o domínio dos termos e conhecimento de “esquerda-direita”.
O desenvolvimento da lateralidade manual ocorre primeiro, seguindo-se a
pedal e a ocular. A lateralidade manual surge no fim do primeiro ano, mas só
se estabelece fisicamente por volta dos 4 ou 5 anos. A lateralidade apresenta
importante papel na aquisição da linguagem que depende da especialização
hemisférica. De um modo geral, o hemisfério direito se dedica à integração mo-
tora e o esquerdo se responsabiliza pelas funções linguísticas.
Entretanto, apesar do nosso cérebro ser divido em dois hemisférios não
existe relação de dominância entre eles, pelo contrário, eles trabalham em con-
junto, utilizando-se dos milhões de fibras nervosas que constituem as comis-
suras cerebrais e se encarregam de pô-los em constante interação. O conceito
de especialização hemisférica se confunde com o de lateralidade (algumas fun-
ções são representadas em apenas um dos lados, outras no dois) e de assimetria
(um hemisfério não é igual ao outro).
O hemisfério esquerdo controla a fala em mais de 95% dos seres humanos
sendo também responsável pela realização mental de cálculos matemáticos,
pelo comando da escrita e pela compreensão dela através da leitura. Já o hemis-
fério direito é melhor na percepção de sons musicais, confere à fala nuances
afetivas essenciais para a comunicação interpessoal e no reconhecimento de
faces, especialmente quando se trata de aspectos gerais. O hemisfério esquer-
do também participa do reconhecimento de faces, mas sua especialidade é des-
cobrir precisamente quem é o dono de cada face.
Da mesma forma, o hemisfério direito é especialmente capaz de identificar
categorias gerais de objetos e seres vivos, mas é o esquerdo que detecta as ca-
tegorias específicas. O hemisfério direito é melhor na detecção de relações es-
paciais, particularmente as relações métricas, quantificáveis, aquelas úteis ao
nosso deslocamento no mundo. O hemisfério esquerdo não deixa de participar
dessa função, mas é melhor no reconhecimento de relações espaciais catego-
riais qualitativas. Finalmente, o hemisfério esquerdo produz movimentos mais

242 • capítulo 7
precisos da mão e da perna direitas do que o hemisfério direito é capaz de fazer
com a mão e a perna esquerdas.
Utilizamos o termo prevalência para indicar a frequência de utilização da
mão, do pé ou de diferentes partes do corpo do indivíduo,e o termo dominância
para enfatizar as relações que se estabelecem entre essa utilização preferencial
e o nível central refletindo o predomínio de um hemisfério cerebral.
Se a pessoa apresentar a mesma dominância no âmbito da mão, olho e pé,
do lado direito é designada como destra homogênea e, do lado esquerdo, de
canhota ou sinistra homogênea. A pessoa que utiliza os dois lados do corpo de
igual forma, na realização de tarefas, é chamada de ambidestra.
Em situações onde a tendência natural foi contrariada e a criança usa a mão
não dominante, diz-se que tem lateralidade cruzada: destralidade contrariada
(um destro usa a mão esquerda) e sinistralidade contrariada (um sinistro usa a
mão direita). E, em caso de amputação, paralisia do lado dominante ou outras
em que ocorre um desvio da lateralidade, o indivíduo apresenta uma falsa sinis-
tralidade ou destralidade, consoante a situação.
A não definição de dominância lateral e hemisférica, revela dificuldades de
aprendizagem e pode ser frequentemente observada em crianças com dislexia.
A dislexia representa dificuldade na área da leitura, escrita e soletração, poden-
do estar acompanhada de dificuldades na distinção entre esquerda e direita,
lateralidade, percepção de dimensões (distâncias, espaços, tamanhos, valores),
realização de operações aritméticas (discalculia, ou desordem neurológica afe-
tando a habilidade de uma pessoa em compreender e manipular números), e
no funcionamento da memória de curta duração, e refletem alterações das fun-
ções corticais resultado da imaturidade, condição fisiopatológica ou carência
de estímulos proprioceptivos.
Cumpre salientar que a dislexia, em geral, é de etiologia genética e congêni-
ta podendo ser resultado da exposição do feto a doses excessivas de testostero-
na durante a gestação, o que explicaria a maior incidência da dislexia em pes-
soas do sexo masculino, já que fetos do sexo feminino tendem a ser abortados
com o excesso de testosterona.

capítulo 7 • 243
7.3.4  Noção do Corpo (Imagem corporal)

A imagem corporal representa a conjunção da etapa do corpo vivido, corres-


pondendo ao corpo identificado pela criança como seu próprio eu, ou seja, a
apropriação da imagem do corpo como sua, com a etapa do corpo percebido,
correspondendo à organização do esquema corporal resultante das sensações
corpóreas, da noção espacial do corpo e do domínio dos movimentos. Assim, o
esquema corporal surge da união da imagem visual do corpo com as sensações
táteis e cinestésicas correspondentes.
Até os 6 meses de vida a criança não consegue distinguir os limites físicos
de seu corpo com o corpo da mãe. De fato, ao nascer, não possui imediatamen-
te um conhecimento apropriado de si que lhe permita se autodistinguir como
entidade individual. O sentimento de independência do eu, tem início quando
se quebra o último elo ligando, fisicamente, a criança à mãe que é representado
pela amamentação.
Quando a mãe, fonte de prazer e subsistência, abandona a criança por al-
guns minutos para realizar outras tarefas domésticas, a criança pode perceber
a falta e manifestar comportamentos motores calcados de conteúdo afetivo e
cognitivo: ela chora porque quer a mãe de volta para lhe alimentar e dispen-
sar carinho e atenção que trarão sensações agradáveis. Porém, a percepção de
que o outro lhe é a fonte de prazer, possibilita também a descoberta do próprio
corpo e coincide com o que se conhece como fase objetal quando a criança por
volta dos 8 meses, decide explorar o ambiente em busca de objetos .
A partir do momento em que se dá o isolamento, as diferentes partes do
corpo vão se integrando ao esquema corporal. Para tanto, se faz importante a vi-
vência tátil, cinestésica, auditiva e de outras sensações que dependem da explo-
ração manipulativa e locomotora apoiada pelas capacidades estabilizadoras.
O corpo em si, como uma essência natural, não se sustenta. Representa a
cultura e a linguagem que lhe atribuem diferentes sentidos, pois são investidas
de um poder regulador localizando o corpo dentro de limitações, autorizações,
obrigações e modelos que vão além da sua condição fisiológica. Do ponto de
vista psicomotor, o que interessa é a noção de corpo sentido, ou seja, aquilo
que o psiquismo humano sente em relação ao corpo, que é construído por per-
cepções, representações, investimentos libidinais, pulsão e fantasias mentais.

244 • capítulo 7
A representação do corpo surge do processamento central das sensações
corpóreas internas e externas, das sensibilidades táteis, sinestésicas, proprio-
ceptivas, olfativas, visuais e auditivas e das sensações sentidas — no corpo, no
contato com o outro — sendo carregadas de afeto e de estímulos erógenos, das
suposições que localizam o corpo da criança no universo simbólico familiar,
principalmente na fase inicial da vida humana e, em especial, no contato com
a mãe.
O conceito de imagem corporal se distingue do esquema corporal. O esque-
ma corporal designa o domínio do sujeito sobre seus movimentos e múscu-
los, sobre as ações motoras. O aleatório do movimento corporal dos primeiros
meses de vida passa a ser intencionado, ou seja, há um sujeito que deseja nas
ações, e seus movimentos se direcionam aos objetos desejados.
No conceito de imagem corporal, o toque materno confere o significante
no real e,ao mesmo tempo em que é própria do sujeito desejante, também é
uma imagem que se oferece ao olhar do outro. É para o outro, papel encarna-
do pela mãe, que nossa imagem, no espelho, se endereça; e é de seu olhar que
encontramos os elementos que nos integram como corpo. A imagem do corpo
é o conceito e a vivência que se constrói sobre o esquema corporal. Abarca o
mundo humano das significações, pois, na imagem corporal, estão presentes
os afetos, os ódios, os valores, as frustrações, enfim, a história pessoal.
Assim, em resultado das experiências vividas por seu próprio corpo em re-
lação aos objetos e com a mãe e outros corpos, a criança adquire consciência
de seu corpo. Tais experiências de prazer e de dor,de sucesso e insucesso, são
incorporadas de valores sociais fazendo com que o conceito corporal seja in-
vestido de significantes, sentimentos e valores muito diversos e pessoais. Na
opinião de Le Boulch, o desenvolvimento do esquema corporal divide-se em
três fases, que descrevemos a seguir.

Fase do corpo vivido (de 0 a 3 anos)

O corpo vivido é a primeira etapa do desenvolvimento corporal, e coincide com


a fase sensório-motora. Nesse período, as primeiras ações da criança são estri-
tamente sensoriais e motoras,representando um comportamento automático
e reflexo dominado pelas necessidades orgânicas e ritmados e pela alternância
alimentação-sono.

capítulo 7 • 245
Progressivamente, pela necessidade de se movimentar e explorar tudo
aquilo que acerca através de movimentos globais a criança enriquece a sua
experiência motora e começa a distinguir o seu próprio corpo do mundo dos
objetos. Adquire, pelas vivências, uma memória do corpo que colabora para
ajustamentos posteriores. Nessa fase, todas as manifestações espontâneas da
criança não são pensadas, mas tendem a uma intencionalidade. A unificação e
individualização do eu que ocorre no final dessa fase, permite, ao final dela, a
constituição do esboço da imagem corporal.

Fase do corpo percebido ou descoberto (dos 3 aos 7 anos)

Essa fase é referente à organização do esquema corporal e deve-se à maturação


da função de interiorização, ajudando a criança a desenvolver uma percepção
centrada no seu corpo, permitindo o desenvolvimento da consciência das suas
características corporais que poderão ser então verbalizadas.
Le Boulch refere que, no final desta fase, o comportamento motor e inte-
lectual pode ser caracterizado como pré-operatório,pois a criança passa a ver
o seu corpo como um ponto de referência para situar-se e situar os objetos no
espaço e no tempo. É o primeiro passo para que, mais tarde, chegue a uma es-
truturação espaço-temporal lhe permitindo assimilar os conceitos abaixo/aci-
ma, direita/esquerda, adquirindo também a noção de tempo como duração de
intervalos, ordem e sucessão.
A criança que não consegue interiorizar o seu corpo pode apresentar pro-
blemas práxicos (dissociação e coordenação dos movimentos) e gnosiológicos
(da representação mental do corpo, dos objetos e do mundo). Enquanto não
possui consciência do próprio corpo, a criança pode vivenciar dificuldades na
percepção ou controle do corpo, na coordenação, no equilíbrio e no contro-
le respiratório.

Fase do corpo representado (dos 7 aos 12 anos)

É a fase da estruturação do esquema corporal, uma vez que, nessa idade, a


criança já adquiriu a noção do todo e das partes do seu corpo, conhece as posi-
ções, consegue movimentar-se corretamente no meio ambiente e possui mais
controle e domínio corporal. Porém, somente a partir dos 10 a 12 anos, é que irá
dispor de uma verdadeira imagem e representação mental do seu corpo.

246 • capítulo 7
Segundo o estudo da inteligência de Piaget, a criança, nessa idade, encon-
tra-se no período das operações concretas. Sendo assim, poderá desempenhar
de modo progressivo e mais consciente, a sua própria motricidade.
A noção de corpo, que constitui o quarto fator da BPM, foi construída com
base na pesquisa de sinais disfuncionais proprioceptivos, tátil-cinestésicos e
vestibulares, para além da apreciação que a criança tem de representação do seu
próprio corpo. Dele constam os fatores de sentido cinestésico, reconhecimento
direita/esquerda, autoimagem (face), imitação de gestos e desenho do corpo.

No caso da BPM, o sentido cinestésico está relacionado como sentido do


movimento e da posição do corpo fornecido pelos proprioceptores. Dessa
forma, a criança deve simultaneamente traduzir as informações táteis
SENTIDO CINESTÉSICO no seu equivalente linguístico recorrendo a sua memória cinestésica e
auditiva, para selecionar a respectiva designação verbal e nomear corre-
tamente o ponto de estimulação tátil. Objetiva-se assim, detectar o grau
de conhecimento integrado que a criança tem do próprio corpo.
Refere-se ao poder discriminativo e verbalizado que a criança possui
RECONHECIMENTO do seu corpo como um universo espacial interiorizado e socialmente
DIREITA/ESQUERDA representado.
A autoimagem tem como finalidade avaliar a função proprioceptiva da
criança e separar o componente facial da noção do corpo. Para tanto,
propõe a localização e a diferenciação tatil-cinestésica, bem como a
AUTOIMAGEM (FACE). direcionalidade, a consciência intra e extra corporal e a harmonia e eu-
metria dos movimentos do corpo no espaço. Na observação dessa prova
deve-se levar em consideração a direção, a qualidade e a precisão do
movimento, a sua trajetória e o ritmo, e especialmente a sua forma final.
A imitação de gestos tem como objetivo o estudo do sentido posicional e
do sentido dos movimentos. As tarefas desse fator verificam a capacida-
IMITAÇÃO DE GESTOS de de análise visual de posturas e gestos desenhados no espaço, a sua
memorização visual de curto-prazo e a respectiva transposição motora por
meio de imitação gestual bilateral (simultaneamente com as duas mãos).
Incluído no fator da noção de corpo, o desenho do corpo é um meio de
avaliação da representação do corpo vivido da criança refletindo o seu
nível de integração somatognósica e a sua experiência psicoafetiva. A
detecção de sinais disfuncionais, no desenho, pode incluir fatores de
forma, proporção, pobreza ou ausência de pormenores anatômicos.
DESENHO DO CORPO Em termos de observação psicomotora, a noção do corpo deve ser
reconhecida como resultante da organização do input sensorial (tátil-
cinestésico, vestibular e proprioceptivo) em uma imagem interiorizada e
estruturada, de onde emerge a representação mental, que em si, se cons-
titui em um marco de referência interna precedendo todas as relações
com o exterior.

capítulo 7 • 247
7.3.5  Estruturação Espaço-Temporal

Por meio da estruturação espacial e temporal, a criança toma consciência da


própria ação. Seu passado conhecido é atualizado, o presente experimentado, e
o futuro antecipado. Esse fator é uma consequência dos fatores anteriores, pois
para desempenhar adequadamente é necessário que a lateralidade da criança
esteja bem definida assim como o seu esquema corporal.
A estruturação espacial representa a localização da criança no espaço que a
circunda e em relação às coisas que a rodeiam, situando-as umas em relação às
outras, o que implica na definição do seu lado dominante. A estrutura temporal
compreende a recepção, a memorização e a reprodução motora de ritmos.
A estrutura espaço-temporal envolve a análise, o processamento e o armaze-
namento de informações, e depende da acuidade auditiva, da memória visual e
da auditiva. Além de organizar-se dentro de um tempo e espaço, o que é impres-
cindível para a aprendizagem da leitura e da escrita, a estrutura espaço-tempo-
ral depende da maturidade psiconeurológica e cognitiva. Quando não estimu-
lada pode levar à leitura lenta ou rápida, escrita unindo as palavras, repetição
de frases com omissão de palavras, dificuldade para ordenar a história dentro
de uma sequência lógica e dificuldade em ritmo.
Integrada na segunda unidade funcional de Luria, a estruturação espacial
parte de uma base sensorial intuitiva de ambos os lados do corpo para uma in-
tegração bilateral da noção do corpo resultante da assimetria funcional dos he-
misférios em que participam as funções intra-hemisféricas e inter-hemisféricas.
O espaço e o tempo formam um todo indissociável e são duas noções adqui-
ridas quase simultaneamente. Não é possível localizar determinado objeto no
espaço sem o localizar em um espaço de tempo. A percepção temporal permite,
além da consciência e da interiorização dos ritmos motores corporais, a per-
cepção dos ritmos exteriores, essencial para que a criança possa tomar cons-
ciência dos seus movimentos e organizá-los a partir da representação mental.
As estruturas rítmicas põem em jogo a sucessão, a repetição, a preparação,
a organização e a execução de comportamentos psicomotores que caracteri-
zam as múltiplas atividades do ser humano. O ritmo é um fator de estruturação
temporal que sustenta a adaptação do indivíduo ao tempo. Assim, a orientação
temporal é a capacidade de avaliar o tempo dentro da ação, organizar-se a partir
do próprio ritmo, situar o presente em relação a um antes e um depois, avalian-
do o movimento no tempo e sendo capaz de distinguir o rápido do lento e saber
situar o momento do tempo em relação aos outros.

248 • capítulo 7
Se partirmos do princípio que existe uma dimensão espacial em tudo o que
fazemos e conhecemos, percebemos a importância da estruturação espacial-
temporal na observação psicomotora, e que na BPM compreende os fatores de
organização espacial, estrutura dinâmica, representação topográfica e estrutu-
ração rítmica.

A organização espacial requer a capacidade de calcular mentalmente as


ORGANIZAÇÃO distâncias e os ajustamentos dos planos motores necessários para se deslocar
ESPACIAL no espaço. Guiada pelas áreas de integração visual, fornece informações fun-
damentais para que as vias piramidais e extrapiramidais entrem em atividade.
Envolve a utilização da memória de curto-prazo para retenção de sequencias
visuais de estruturas espaciais simples. Trata-se de uma tarefa que permite
ESTRUTURAÇÃO avaliar a capacidade da criança em acessar os registros desse tipo de memória
DINÂMICA e reproduzir determinadas sequências em posições e orientações espaciais
determinadas.
Envolve a organização espacial e a estruturação dinâmica inseridos em um
REPRESENTAÇÃO mapa topográfico dos utensílios presentes em um determinado ambiente. Em
TOPOGRÁFICA virtude da dificuldade das aptidões espaciais que a tarefa requer, esse teste
não faz parte daqueles utilizados com crianças em idade pré-primária.
A estruturação temporal e espacial são fundamentos psicomotores básicos da
aprendizagem e da função cognitiva. A avaliação da estruturação rítmica, nesse
sentido, fornece dados importantes sobre a audiomotricidade, a tonicidade,
ESTRUTURAÇÃO o controle emocional e a estruturação espaço-temporal, possibilitando a
RÍTMICA avaliação de problemas de percepção auditiva e de memorização,em um curto
espaço de tempo, e a transferência dos estímulos auditivos para as respostas
motoras.

7.3.6  Praxia Global

A praxia global está relacionada com a realização e a automação dos movimen-


tos globais complexos, que se desenrolam em um determinado tempo, e que
exigem a atividade conjunta de vários grupos musculares. Sua manifestação
requer a interação entre as duas primeiras unidades funcionais do modelo
Luriano.
Para se manifestar, exige o desenvolvimento da tonicidade e da equilibra-
ção, combinando o tônus de profundidade com o de superfície. Colaboram
também, a lateralidade, a noção do corpo e a estrutura espaço-temporal, que,
quando bem coordenados, facilitam a praxia global .
Todas as praxias, isto é, os movimentos intencionais, exigem complexa
integração proprioceptiva nas áreas do córtex cerebral. O movimento assume
uma importância vital como elemento de construção da personalidade e do

capítulo 7 • 249
desenvolvimento motor da criança, resultando, por um lado, das experiências
vividas e por outro, da maturação fisiológica.
Os movimentos exagerados, imprecisos e irregulares, apontam para pobre-
regulação neural, podendo ser a causa de alguns problemas de ajustamento so-
cial e de autossuficiência ou aprendizagem que requerem um nível apreciável
de controle práxico.
A criança dispráxica apresenta disfunção psicomotora caracterizada por
disfunções córtico-cerebrais, e manifestam sinais de descoordenação represen-
tados pelas dismetrias, distonias, discinesias e dissincronias. Na BPM, a análi-
se da praxia global, fornece dados sobre a organização práxica da criança bem
como, da qualidade da integração sensorial e psicomotora evidenciando a inte-
gridade do cérebro, desde o tronco cerebral até os hemisférios cerebrais. É essa
interação e comunicação entre o cérebro e o corpo, o centro e a periferia, que tra-
duz a síntese e a unidade psicomotora que está contido no fator da praxia global.
A dispraxia, é uma disfunção motora neurológica impedindo o cérebro de
desempenhar os movimentos amplamente coordenados, e quase sempre se
apresenta com descoordenação motora, falta de percepção tridimensional e
equilíbrio. A criança apresenta lentidão e imprecisão na execução de movimen-
tos e incapacidade de copiar figuras geométricas, porém é muito agitada, sofre
constantes quedas e apresenta distúrbios de noção corporal. Com a preocupa-
ção de captar dados dispráxicos, a praxia global encontra-se subdividida em:
coordenação óculo-manual, coordenação óculo-pedal, dismetria e dissociação.

Envolve a coordenação apendicular dos membros superiores com as


COORDENAÇÃO capacidades perceptivo-visuais de avaliação da distância e precisão de
ÓCULO-MANUAL algum lançamento.
Apresenta as mesmas características da anterior à exceção da coorde-
COORDENAÇÃO ÓCULO-PEDAL nação apendicular que, nesse caso, recai sobre os membros inferiores.
Na BPM, não se constitui em uma tarefa, mas resulta da observação
das duas tarefas anteriores. Caracteriza a realização dispráxica, tradu-
zindo a inadaptação visuoespacial e visuocinestésica dos movimentos
DISMETRIA orientados em face de uma distância ou a um objetivo (alvo). Do ponto
de vista clínico, dismetria é um transtorno do cerebelo causando uma
interpretação errônea da distância, desorientação espacial e incapaci-
dade para alcançar com precisão um ponto determinado.
Procura destacar a independência dos vários segmentos corporais estru-
turados em função de um fim, implicando na continuidade rítmica da rea-
DISSOCIAÇÃO lização motora. A dissociação compreende a capacidade de individualizar
vários segmentos corporais que tomam parte da planificação e execução
motora de um gesto ou de vários gestos intencionais sequenciais.

7.3.7  Praxia Fina


250 • capítulo 7
A praxia fina, sétimo e último fator psicomotor da BPM, encontra-se integrada
na terceira unidade de Luria cujas funções são controladas pelo lóbulo fron-
tal. A praxia fina relaciona-se com a função de coordenação dos movimentos
oculomanual e depende da atenção e funções de programação e regulação de
atividades de preensão e manipulação mais finas e complexas.
A mão é o enfoque principal da praxia fina e, no contexto da psicomotricida-
de, é descrita como um dos instrumentos mais importantes para a descoberta
do mundo para desenvolvimento da inteligência. O aluno deve se recordar que
o homúnculo motor da área motora primária do córtex cerebral, possui área de
representatividade para controle das mãos muito maior do que para o controle
de outras partes do corpo.
De fato, o uso das mãos, em especial o movimento de oposição do indicador
com o polegar, possibilita a execução de movimentos voluntários complexos
e de extrema precisão que não podem ser realizados por outros animais. Para
isso, depende da organização perceptivo-visual necessária à coordenação de
movimentos da praxia fina, muito embora informações táteis também possuam
grande importância .A integração com o componente visual, sintetiza a avalia-
ção psicomotora da praxia fina que envolve quatro fases a seguir discriminadas.

CAPTURA VISUAL DO Determina a referência espacial do objeto que por sua vez fornece as
OBJETO informações necessárias para a ação da mão.
CAPTURA MANUAL DO Envolve o movimento do braço e da mão em direção ao alvo com a opera-
OBJETO ção final da preensão.
Inicia-se a partir do momento do contato e envolve a análise
MANIPULAÇÃO DO OBJETO tátil-cinestésica

A análise desses elementos bem como daqueles anteriormente descritos


para avaliação da praxia global, permite a identificação de eventuais sinais dis-
funcionais e dispráxicos nas tarefas de praxia fina. Isto ocorre através dos se-
guintes testes:

Compreende a destralidade bimanual e a agilidade digital como objetivo de


COORDENAÇÃO DINÂMICA observar a coordenação fina dos dedos e das mãos. Pretende-se com isso,
MANUAL identificar a maturidade de praxia manual e a dissociação digital bem como
a organização visuoperceptiva e o controle tônico-emocional.
Estuda a dissociação digital sequencial, que compreende a localização tátil-
cinestésica dos dedos e a sua motricidade independente e harmoniosa.
TAMBORILAR Põe em evidência a gnosia digital, a planificação micromotora distal e, con-
sequentemente, a preferência manual e a discriminação direita/esquerda.
Envolve a observação da preferência manual e a coordenação visuográfica
e tem como objetivo verificar a qualidade de integração dos movimentos
VELOCIDADE E PRECISÃO finos na manipulação de um lápis em áreas espacialmente delimitadas no
papel.

capítulo 7 • 251
Todos os fatores psicomotores descritos para a bateria de avaliação de Vitor
da Fonseca, encerram características comuns como totalidade, interdependên-
cia, hierarquia, autorregulação e controle, interação, equilíbrio, adaptabilida-
de e equifinalidade.
A totalidade implica na noção de que todos os sete fatores psicomotores
analisados, funcionam de forma integrada não devendo ser pensados de forma
dissociada dos demais no momento da avaliação. De fato, a característica de
interdependência sugere que tais fatores afetam mutuamente uns aos outros
apesar de suas manifestações dependerem do nível de maturação e organiza-
ção neurológica.
Mesmo assim, é fácil perceber que a tonicidade e a equilibração combi-
nam-se para assegurar o controle postural, enquanto a lateralidade, a noção do
corpo e a estruturação espaço-temporal inter-relacionam-se para elaborar qual-
quer tipo de praxia. Esse fato explica porque uma disfunção, em um fator psi-
comotor, é capaz de produzir mudanças em todo sistema psicomotor humano.
Também deve estar claro que o desenvolvimento psicomotor depende da
hierarquia de maturação neural, possibilitando inicialmente, a aquisição da
postura bípede e o controle postural para que, somente depois, as manifesta-
ções de locomoção madura e interação afetivo-cognitiva com o ambiente, pos-
sam começar a surgir. Esse processo deriva a necessidade de autocontrole para
que, através da interação ambiental, a criança possa alcançar seus objetivos in-
vestigativos e construir por si mesma o conhecimento.
Não é possível separar as entradas sensórias, do processamento central e
das respostas resultantes já que existe íntima interação entre percepção, pensa-
mento e ação. A cada interação ambiental, a criança aumenta os substratos de
memória necessários a novos processamentos e compreensões da realidade.
Para isso, precisa existir equilíbrio e adaptabilidade para que se processem as
necessárias mudanças e os reajustes consoantes às exigências do ambiente a
fim de que a meta seja alcançada.
Em face do exposto, o sistema psicomotor humano objetiva uma meta que
pode ser conquistada pela macromotricidade para as funções locomotoras e
atividades lúdicas e de expressão corporal, e pela micromotricidade para as ta-
refas artísticas, instrumentais e grafomotoras. Pode-se utilizar ainda, qualida-
des oromotoras necessárias à manifestação da linguagem.
Na BPM, cada tarefa aplicada é pontuada em uma escala de 1 a 4 pontos,
sendo que cada ponto classifica o desempenho da criança. Dividindo o valor

252 • capítulo 7
total, obtido nos subfatores, pelo número de tarefas correspondentes a cada
fator, obtêm-se valores alterando de 1 a 4 ,correspondendo ao perfil psicomo-
tor. Em seguida, somando a pontuação dos sete fatores, obtém-se uma segunda
pontuação permitindo classificar a criança quanto ao tipo de perfil psicomotor
geral. A cotação máxima da prova será de 28 pontos (4×7 fatores), a mínima de 7
pontos (1×7) e a média de 14 pontos. A pontuação entre 7 e 13 pontos revela um
espectro de dispraxias que podem ser ligeiras ou severas. Entre 14 e 21 pontos
representa a contagem normal, estando a pontuação entre 22 e 28 classificada
como muito boa ou superior. Crianças que se classificam com perfil superior
são consideradas hiperpráxicas e para isso, também não devem ter apresenta-
do nenhum fator com pontuação inferior a 3.
Crianças com baixa pontuação, são consideradas dispráxicas e podem apre-
sentar algumas dificuldades de aprendizagem associadas à disfunção neurológica
das informações táteis, vestibulares e proprioceptivas que interferem com a capa-
cidade de planificar ações. O perfil psicomotor normal é classificado de eupráxico.
O perfil psicomotor deficitário, classificado de apráxico, é obtido por crian-
ças que não realizam ou realizam de forma imperfeita e incompleta a maioria
das tarefas da BPM. As crianças com esse perfil apresentam dificuldades de
aprendizagem significativas do tipo moderado ou severo.
Crianças saudáveis após os 8 anos de idade, terão pouca ou nenhuma difi-
culdade em realizar a maioria dos testes propostos pela BPM, porém aquelas
com alterações estruturais e funcionais do sistema nervoso podem fracassar em
muitos deles. De fato, a relação funcional dos fatores psicomotores, revela a ma-
turação neural que evolui da tonicidade à praxia fina, confirmando a hierarquia
vertical que decorre da primeira à terceira unidade funcional descrita por Luria.

7.4  Escala de Desenvolvimento Motor de


Rosa Neto

A Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) é um instrumento de avaliação


elaborado por Rosa Neto com o objetivo de investigar o perfil psicomotor de
crianças, e à semelhança da BPM, abrange conjunto muito diversificado de
testes com nível graduado de dificuldade com o intuito de mensurar o desen-
volvimento motor das crianças. A semelhança da BPM, procura avaliar o equi-

capítulo 7 • 253
líbrio, a lateralidade, o esquema corporal, a organização espacial e temporal e
as praxias global e fina .
O equilíbrio, ou a capacidade do organismo em manter posturas, posições e
atitudes por adequação corporal frente à constante ação da gravidade de forma
automática e involuntária, pode ser avaliada em seus componentes estático e
dinâmico. Como já sabemos, o desenvolvimento do equilíbrio requer o ajus-
tamento do tônus muscular que, na EDM, é testado indiretamente através da
avaliação da equilibração.
Na bateria da EDM, a avaliação da lateralidade pretende igualmente verifi-
car o nível de especialização dos hemisférios cerebrais, permitindo ao homem
a realização de ações complexas, motoras, práxicas, psíquicas e o desenvolvi-
mento da linguagem. A partir da lateralidade também se avalia o tônus muscu-
lar de cada parte do corpo.
A organização das sensações relativas ao próprio corpo que o indivíduo vai
interiorizando, por meio dos estímulos que recebe do meio ambiente, refletem
o esquema corporal que é preferencialmente avaliado na EDM em relação à
imagem corporal da BPM. De fato, a EDM procura, de acordo com as leis da
maturidade céfalo-caudal e próximo-distal, identificar o grau de maturidade
psicomotora da criança por meio da noção de esquema corporal.
Apesar dos testes serem distintos, a EDM, assim como a BPM, procura ava-
liar, na noção de espaço, a inter-relação do corpo com o ambiente. A organiza-
ção espacial é avaliada no sentido de verificar se a criança tem a noção clara do
espaço que seu corpo ocupa no espaço. Partindo do princípio de que o corpo é
a referência espacial de todas as coisas a organização espacial é imprescindível
para permitir a transferência do concreto para o abstrato, do objetivo para o
subjetivo e do corporal para o externo.
Da mesma forma, a observação das manifestações de organização tempo-
ral, pressupõem a expressão do tempo rítmico que dependem basicamente da
audição, mas, de um ponto de vista mais profundo, de todas as sensações cor-
póreas já que ideias imaginárias de ontem, hoje e amanhã refletem o tempo
cronológico e a sensação das frequências cardíacas e respiratória, um ritmo
fisiológico individual.
Da mesma forma, a coordenação motora, ou praxia global, e a avaliação da
destreza manual e coordenação óculo-manual, ou praxia fina, são testes que
integram a EDM.

254 • capítulo 7
7.5  Teste de proficiência motora de
Bruininks-Oserestsky

O teste de proficiência motora de Bruininks-Oserestsky (TBO), tem como obje-


tivo fornecer informações a respeito da motricidade de um indivíduo, por meio
de seu desempenho em determinadas habilidades motoras. Com isso, possi-
bilita a identificação do padrão de desenvolvimento motor de uma criança em
comparação a outras na mesma faixa etária.
Apesar de aplicado em crianças sem retardo no desenvolvimento, também
tem sido aplicado com sucesso naquelas com retardamento mental suave ou
moderado, nas idades de 4 a 14 anos.
Esse teste se apresenta na versão longa e na versão curta sendo, a primei-
ra, composta por 46 tarefas e, a segunda, por 14 itens derivados da anterior. As
duas formas são constituídas por 8 subtestes representando, em seu conteúdo,
aspectos importantes da motricidade e de seu desenvolvimento no indivíduo,
e incluem a avaliação dos seguintes itens: a) velocidade de corrida e agilidade
em uma distância de 13,7m; b) o equilíbrio através de oito itens que discrimi-
nam as qualidades de controle estático e dinâmico; c) a coordenação bilateral
com oito itens que medem a coordenação sequencial e simultânea de mem-
bros superiores e inferiores; d) a força com três itens que avaliam a proficiência
de braços, ombros, abdômen e pernas nessa qualidade; e) a coordenação dos
membros superiores com nove itens; f) a velocidade de reação a estímulo visual
e g) o controle visuomotor com oito itens que procuram avaliar a capacidade de
coordenação oculomanual.
Os resultados são comparados àqueles presentes em tabelas padronizadas
com média, desvio padrão e percentil para cada tipo de população embora a
base seja de grupos provenientes dos Estados Unidos e Canadá.
Comparativamente ao EDM e ao BPM, o teste TBO mescla a avaliação de
qualidades físicas e psicomotoras. Nesse contexto, força, flexibilidade, veloci-
dade, resistência aeróbica e anaeróbica devem ser considerados como qualida-
des físicas cuja execução requer menor controle do movimento do que aquelas
relacionadas aos aspectos psicomotores incluindo tonicidade, equilibração,
lateralidade, noção corporal, organização espacial e temporal, coordenação
ampla global e oculomanual.

capítulo 7 • 255
7.6  Eurofit
O Eurofit é uma bateria de testes desenvolvida para avaliar capacidades físicas
e psicomotoras de crianças e adolescentes. Elaborada em 1993, se propõem a
avaliar a evolução da aptidão física de jovens europeus entre 10 e 18 anos (ida-
de escolar). As variáveis avaliadas incluem o peso e a estatura, a força e a re-
sistência muscular e também, flexibilidade, velocidade e capacidade aeróbica.
A bateria também inclui um teste de coordenação e velocidade de membros
superiores (platetest) e um teste de equilíbrio (teste do Flamingo).
Conforme descrito, a bateria Eurofit avalia predominantemente capa-
cidades físicas e não é adequada para identificar alterações psicomotoras
como as baterias do Vítor da Fonseca e de Rosa Neto. Outras baterias como a
Fitnessgram, utilizada nos Estados Unidos e a Proesp-BR, no Brasil, possuem
testes procurando avaliar, predominantemente, as capacidades físicas de for-
ça, potência, velocidade, resistência aeróbica, agilidade e flexibilidade, e tam-
bém não são adequadas para identificação da idade psicomotora da criança.
Os exercícios corporais e as atividades psicomotoras visam, ao longo da es-
colaridade do ensino fundamental, a assegurar o desenvolvimento harmonioso
dos componentes corporais, afetivos, intelectuais da personalidade da criança
objetivando a conquista de uma relativa autonomia e da apreensão refletida do
mundo que a cerca.
Também encontram espaço na reeducação psicomotora de adolescentes e
adultos já que desenvolvem a conscientização e o domínio do corpo, apropria-
ção do esquema corporal, coordenação psicomotora, ajustamento de gestos e
movimentos e aumento das discriminações perceptivas. Também estimula o
desenvolvimento da percepção e integração da noção de espaço imediato (posi-
ções relativas, deslocamentos e itinerários) e da noção de tempo pessoal (coor-
denação dos movimentos e exercícios rítmicos).
O distúrbio psicomotor envolve transtorno que atinge a capacidade cogniti-
va, afetiva e motora do ser humano e podem incluir a instabilidade, a debilida-
de e a inibição psicomotora, além da lateralidade cruzada e imperícia.
Na instabilidade psicomotora predomina atividade muscular contínua e
incessante impedindo que as tarefas iniciadas sejam terminadas. Além dis-
so, estão quase sempre ausentes índices adequados de coordenação geral e
de coordenação motora fina, e o indivíduo apresenta prejuízos no equilíbrio
e hiperatividade.

256 • capítulo 7
A criança, portadora de instabilidade psicomotora, também apresenta al-
tos e baixos em provas psicométricas,e idade mental mais baixa nas provas de
desenhos, deficiência na formulação de conceitos e no processo da percepção
com dificuldade na discriminação de tamanho, orientação espaço-temporal e
discriminação da figura-fundo.
Existem ainda, alterações da comunicação com atrasos na linguagem e dis-
túrbios da palavra e prejuízos motores evidenciados por atraso nos níveis de de-
senvolvimento motor e na maturidade geral. Também coexistem alterações no
processo de pensamento que normalmente se apresenta desorganizado sendo
a memória pobre e a atenção deficiente.
A debilidade psicomotora caracteriza-se pela presença de paratonia e sinci-
nesia. Como vimos, paratonia é a persistência de rigidez muscular nos dois ou
quatro membros do indivíduo que dessa forma, é incapaz de relaxar voluntaria-
mente o músculo. A qualquer tipo de solicitação, interna ou externa, a rigidez
aumenta e quando o indivíduo caminha, os braços e as pernas se movimentam
mal e rigidamente.
Já sincinesias representam a participação de músculos em movimentos nos
quais eles são desnecessários. Por exemplo, quando colocamos algo em uma
das mãos de uma criança com debilidade motora e pedimos que ela aperte o
objeto fortemente, sua mão oposta também se fechará.
As crianças com inibição psicomotora apresentam crônico e elevado estado
de ansiedade constante, problemas de coordenação motora, distúrbios glandu-
lares, de pele, circulatórios e tiques, além de enurese e encoprese. Apresentam
rendimento superior ao das crianças com debilidade psicomotora, mas fracas-
sam em provas individuais (exames, chamadas orais) por causa da ansiedade.
Quando as dominâncias não se apresentam do mesmo lado, dizemos que
o indivíduo possui lateralidade cruzada. A criança, com lateralidade cruzada,
pode apresentar alto índice de fadiga, frequentes quedas (é desajeitada e de-
sastrada), coordenação pobre, não conseguindo desenvolver satisfatoriamente
as habilidades manuais. Apresenta ainda, atenção instável, problemas de lin-
guagem, especialmente as dislalias, linguagem enrolada e rápida, distúrbios do
sono, escrita repassada, espelhada, de cabeça para baixo ou ilegível (apresenta
omissões de letras ou sílabas e lentidão) e comprometimento da leitura.
O portador de imperícia normalmente possui inteligência normal, com evi-
dência de uma frustração pelo fato de não conseguir realizar certas tarefas que
requerem uma apurada habilidade manual. A criança com imperícia quebra

capítulo 7 • 257
constantemente objetos, possui letra irregular, movimentos rígidos, alto nível
de fadiga e dificuldade na coordenação motora fina.
A reeducação corporal se propõe a corrigir, através de técnicas corporais
apropriadas, os transtornos detectados nos testes de avaliação do desenvolvi-
mento motor e intelectual da criança, partindo de comportamentos motores
considerados normais para determinada faixa etária. Também tem a preten-
são de, através de um trabalho psicomotor compensatório, interferir nas ati-
tudes posturais das crianças, adolescentes e adultos inadaptados aos modelos
e padrões vigentes (reeducação postural). Assim a reeducação, nessa perspec-
tiva, trata de readaptar o indivíduo, tanto do ponto de vista físico, psíquico
como afetivo.

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