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Curso - História Dos Direitos Da Criança e Do Adolescente - 200 Anos de Independência Do Brasil 01 - 2022, Section - Unidade 1
Curso - História Dos Direitos Da Criança e Do Adolescente - 200 Anos de Independência Do Brasil 01 - 2022, Section - Unidade 1
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Olá! Espero que tenha gostado do vídeo “Para início de conversa”. Ele foi preparado para você!
Começaremos com uma distinção que nos parece útil: a diferença entre os termos infância e criança. Enquanto
infância é um conceito socialmente construído a respeito das idades da vida, criança é a pessoa que vivencia suas
experiências na sociedade. Nosso foco central está no conceito de infância como um artefato cultural, social e
historicamente variável.
Muitas pessoas ficam surpresas quando descobrem que as preocupações com o resgate e o registro da história da
infância é muito recente: data do início dos anos 1960. Por muitos séculos, o pensamento ocidental concebeu a
infância como um dado natural universalmente existente em todas as sociedades e em todas as culturas. O estudo
pioneiro do crítico francês de arte Philippe Ariès, hoje considerado um clássico da literatura especializada, conhecido
no Brasil pela sua versão de 1978, História social da criança e da família, foi traduzida de uma versão francesa de
1973 L'enfant et la vie familiale sous l'ancien régime, a qual já era uma versão mais resumida do original dos anos
1960. Seu livro foi traduzido para o inglês como Centuries of Childhood – A Social History of Family Live, em 1960.
No Brasil, essa tarefa de resgate da história da infância começou ainda mais tarde. O hoje clássico História da criança
no Brasil (Mary del Priore), foi inicialmente publicado em 1991 e depois teve outras edições, inclusive mais ampliadas.
Ainda na virada do século, houve o estudo de Jurandir Freire Costa, A ordem médica e a norma familiar, de 1999,
sobre o impacto do higienismo na vida das famílias e de suas crianças, particularmente no século XIX. De lá para cá,
outros estudos foram publicados no início do séc. XXI, como História Social da Criança Abandonada, em 2006, de
autoria de Maria Luiza Marcílio, Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica (Moysés Kuhlmann Jr), de
2007 e, particularmente na segunda década deste século, com História social
da infância no Brasil (Marcos Cézar Freitas), de 2016, Uma história social do
abandono de crianças, de Renato Pinto Venâncio, de 2010, A arte de governar
crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à
infância no Brasil (Rizzini e Francisco Pilloti), de 2011 e O século perdido:
raízes históricas das políticas públicas para infância no Brasil (Irene Rizzini),
também de 2011.
Philippe Ariès (1986) utilizou uma fonte inovadora para o resgate da história
da infância: a iconografia europeia da Idade Medieval (entre os séculos XII e
XIX). O autor centrou-se nas artes plásticas e nas fotografias, mas incorporou também os tratados de conduta,
manuais de éticas e de literatura dos chamados reformadores sociais. Pollock (1963) empregou diários e biografias
retratando a infância publicadas nos diversos períodos entre os séculos XVII e XIX. De Mause (1974) usou uma
combinação de legislação, documentos de governos, organizações religiosas e literatura médica.
No Brasil, Gilberto Freyre e os demais autores utilizaram vastamente a chamada literatura dos viajantes que visitaram
o Brasil Colônia, o Império e a primeira República, documentos históricos como a Carta de Pero Vaz de Caminha,
correspondências entre os religiosos e as autoridades portuguesas no Brasil e em Portugal, documentos de registro de
batismo, legislações e documentos de políticas públicas.
Por que a infância só começou a ser registrada tão tarde na história da humanidade? E o
que é mesmo a história da infância?
a) Alguns pesquisadores buscam explicações a respeito das razões pelas quais as crianças e adolescentes não
figuravam nos livros de história da sociedade ou só ‘apareceram’ tão tarde. Historiadores como Elliot West e Paula
Petrik afirmaram que os adultos “recebem praticamente toda a atenção daqueles que contam as histórias das
sociedades passadas” e quando meninos e meninas são mencionados, “aparecem, geralmente, como criaturas
passivas e periféricas (...), como figuras às margens da ação principal”. Peter Laslett, no seu livro The World We Have
Lost (1965), reclama do esquecimento da criança pela historiografia.
Mas, em realidade, nas sociedades do passado e até a era moderna, a infância não era um estado valorizado em si
mesmo. Era vista apenas como uma transição para a vida adulta. Na expressão utilizada por Ariès, tomada
emprestada de Diderot, a “criança não contava”, significando que era considerada pelo vir-a-ser adulto, na medida em
que era uma fase que levaria a pessoa para sua fase adulta produtiva. Como vimos, nas sociedades do Iluminismo, os
filósofos, reformadores sociais e exploradores do novo mundo contribuíram para valorizar a criança e o adolescente
como bens econômicos e emocionais particularmente nos séculos XVII e XVIII, quando o Brasil ainda era uma Colônia
pouco desenvolvida, cujo acesso ao continente Europeu só era possível em mês de viagens por embarcações
aquáticas.
b) A história da infância e adolescência são interpretações contemporâneas, elaboradas a partir de fragmentos
factuais do passado. Embora esse trabalho de registro do passado seja, em si, uma demonstração de importância da
infância e da adolescência, devem ser tomados como tentativas interpretativas e não como verdades absolutas.
c) As interpretações a respeito dos fatos históricos são fortemente influenciadas pelas concepções de infância e
adolescência dos tempos presentes, tomadas como referente.
Algumas preocupações mais recorrentes nos estudos a respeito da história da infância e adolescência são:
(i) mostrar como as noções de infância e adolescência variaram através dos tempos e de sociedade para sociedade;
(ii) descrever o tipo de estrutura familiar que possuíam e o lugar que ocupavam; e,
(iii) apresentar a modalidade de tratamento dispensado pelos pais, pelas autoridades e pela sociedade em geral.
O pesquisador Santos (1996), examinando as teorias a respeito da história da infância, encontrou cinco linhas de
interpretações acerca da infância no passado, nem todas elas necessariamente excludentes, mas muitas vezes
complementares.
Philippe Ariès concluiu que, na sociedade Medieval, o sentimento de infância ainda não existia e que uma consciência
da natureza particular da infância foi uma construção lenta entre os séculos XIII e XVII. As crianças eram tratadas de
maneira indiferente pelos seus pais; uma criança pequena “não contava”, e que estas eram vistas como “miniatura de
adultos”. Para o autor, o conceito de adolescência foi o último a ser construído, já no final do século XIX, limiar do séc.
XX.
Presente em vários registros históricos, incluindo os de Pollock (1983), em que a relação entre pai e filho era formal:
os pais eram distantes e inacessíveis, as crianças e adolescentes lhes deviam tratamento cerimonioso e sem contato
olho-a-olho. Os filhos eram vistos como base da escala social, como seres inferiores, não merecedores de
consideração; suas expectativas e necessidades não eram suficientemente valorizadas, sendo até mesmo ignoradas,
quando casamentos e carreiras eram frutos de arranjos de interesses familiares.
c) Tese do “tratamento cruel” ou “da crueldade”, cuja evidência pode ser encontrada nos escritos de Llord
DeMause (1974).
Nesta linha de pensamento, os pais do passado eram cruéis com seus filhos: até o século XVIII e início do XIX, as
crianças eram abusadas sexualmente, negligenciadas e maltratadas, e o infanticídio era uma prática costumeiramente
aceita. DeMause escreveu que “a história da infância é um pesadelo do qual apenas começamos a acordar. Quanto
mais para trás na história vamos, menor o nível de cuidado com as crianças.” O autor afirmou que as crianças só
vieram a conhecer um tratamento mais gentil e cooperativo por parte dos pais no limiar do séc. XX.
Vários historiadores (Tucker, 1974; Illick, 1974) resgataram fatos históricos para demonstrar que, em realidade, as
famílias do passado eram ambivalentes no relacionamento com os seus filhos, oscilando entre severidade e afeto.
Para alguns, havia diversos tipos de famílias: mais severas e mais cooperativas e gentis. Ou que severidade e afeição
eram tipos de tratamento de uma mesma família, para uns predominava a severidade e para outros a afeição.
Vamos testar seus conhecimentos?
Subtraindo o juízo de valor de muitas narrativas – de que a vida das crianças e adolescentes mudou para melhor –
existe um amplo consenso de que as mudanças ocorridas, embora com disputas de tempos e lugares, contribuíram
para constituir a concepção moderna de infância e adolescência como amplamente disseminada nas sociedades
contemporâneas. O século XVIII foi o século de consolidação dessas ideias.
Mas.... Quais foram as mudanças registradas pelos historiadores? Um resumo das mudanças ocorridas: as crianças
ganharam alma; tornaram-se indivíduos em si mesmas, ou seja, passaram a serem vistas como seres que possuem
uma natureza particular diferente dos adultos; ao lado de serem consideradas como propriedade dos pais,
gradativamente se transformaram em bens emocionais; ao lado do tratamento cruel, severo, formal ou distante
surgiu um modo de tratamento mais humano, permissivo, mais próximo e mais atento ao desenvolvimento das
crianças; a domesticidade torna-se cada vez mais importante; os métodos de disciplina mudam – em muitas famílias,
os métodos tradicionais baseados no espancamento e castigo físico, passaram a ser substituídos por formas de
controle baseados em técnicas educacionais e psicológicas; muitas das funções da família se transferiram para outras
esferas da sociedade (esfera social da amizade, da justiça, dos atos religiosos, da educação), as quais especializaram
instituições para compartilhar a educação das crianças, particularmente, a escola.
Quais são as características dessa concepção moderna de infância e adolescência? E
como esta impactou o ser criança nas sociedades modernas e contemporâneas?
Segundo historiadores, particularmente Ariès, a noção de infância se resumia à fase inicial muito curta da vida de
crianças e adolescentes denominada ‘paparicação’, o conceito de adolescência só veio a ser estabelecido no limiar do
século XX. Desde pequenas, as crianças partilhavam trabalho, festas, jogos, enfim, a vida com os adultos. A idade
não era critério escolar essencial. Sem existir um sistema de aprendizagem, crianças e adultos estudavam na mesma
classe; os colegiais geriam suas escolas e elegiam o seu reitor. Um adolescente de dezoito anos já podia ser oficial do
Exército (ARIÈS,1986; CHARLOT, 1986).
Já, na modernidade, a infância e a adolescência, passaram a ser concebidas como o tempo da vida dedicado à
formação e à preparação para a fase adulta. A complexidade e a especialização da vida moderna impactaram a
socialização das crianças de quatro maneiras. A primeira, ao produzir uma separação da esfera social de crianças e
adultos. Embora esses espaços possuam pontos de conexão e de mediação com o universo dos adultos, observa-se
uma separação entre os dois mundos. Um mundo específico foi criado para elas, separado do cotidiano de trabalho e
diversão dos adultos. A segunda, ao prolongar o tempo etário correspondente aos ciclos da vida – infância e
adolescência – até por volta dos 19 ou dos 20 anos de idade. Dessa forma, a infância se liga ao tempo de estudar, e
não ao de trabalhar, para se preparar para a vida de adulto e de trabalhador. A terceira, a segmentação dos espaços
de socialização. Como lócus de socialização, além dos espaços da família e da comunidade, surgem como novos
espaços de socialização da criança e do adolescente, a escola e o grupo de pares. Quarta: a ausência de ritos
institucionalizados e a descontinuidade entre a vida de criança e a de adulto. A passagem de criança ou adolescente
para a vida adulta deixa gradativamente de ser ritualizada para ser convencionalizada e o ser criança ou a infância
afirmada na base das oposições à vida adulta.
O que estes estudos dizem sobre as causas dessas mudanças? Este também é um terreno contestado, com teses
muito disputadas. Santos (1996), agrupou os argumentos em quatro linhas principais:
O historiador Shorter (1975), afirma que o “surto de sentimento”, gerado pelo surgimento do amor romântico, no
século XVIII afetou as relações entre os adultos, fazendo com que a família se tornasse menos preocupada com o
status financeiro e mais preocupada com o bem-estar individual. Nesta mesma toada, Stone (1977), atribuiu as
mudanças ao chamado “individualismo afetivo”.
Os pais deixaram gradativamente de enviar os filhos para o ‘sistema de aprendizagem’ como antiga forma de
socialização e passaram a enviá-los para a escola. Ariès (1986) e Pollack (1983) concordam que estruturação de um
novo sistema educacional foi fundamental para o surgimento de um novo conceito de infância.
Alguns autores, como Shorter (1975) e Stone (1977), fazem uma vinculação
entre o capitalismo e a construção dessa nova maneira de ser criança. Houve
um processo de constituição do indivíduo, motivada pela necessidade de
superação do modo de produção feudal, centrado na servidão, para uma
condição de o indivíduo livre vender sua força de trabalho. A noção de capital
humano se estabelece e a escola se tornou um espaço de formação mais
cognitivo-intelectual para o controle da produção, para os filhos dos donos de
manufaturas e comerciantes mais abastados. Já as crianças/adolescentes mais
pobres, tornaram-se úteis e passaram a ser empregados no trabalho industrial
e em novas frentes de colonização.
a) Econômico - valorizou a importância das crianças pela necessidade de crescimento da população para o
povoamento das colônias e garantia do poderio militar – para isto foi preciso encontrar meios de reduzir as altas taxas
de mortalidade infantil (leite materno e avanços da medicina). E o valor mercantil das crianças para serem utilizadas
como mão-de-obra, significativamente mais barata, para a expansão do capitalismo ‘nascente’.
b) Filosófico – a filosofia do Iluminismo propagou duas grandes ideias complementares que favoreceram o
desenvolvimento do amor e sua expressão: as ideias de igualdade e felicidade individual. A ideia de igualdade
impactou, em períodos diferenciados, as relações entre homens e mulheres e entre adultos e crianças.
c) Intermediários - médicos e filantropos que geraram os movimentos de salvação das crianças: afirmando a
importância da maternagem, transformada em “instinto materno” (desconstruído por Badinter, 1985); combatendo o
sistema de amas de leite, de parteiras, os orfanatos, o sistema de aprendizagem. Esses reformistas, ou moralistas,
reúnem a racionalidade científica e as reformas religiosas.
É difícil pensar que qualquer das três primeiras alternativas acima expliquem este fenômeno complexo. Embora a tese
de Badinter seja utilizada para explicar a construção do mito do amor materno, os fatores elencados podem ser
utilizados para explicar a valorização de crianças e adolescentes nas sociedades modernas.
Seguindo a geopolítica de disseminação dessa nova concepção de infância e adolescência traçada pelos historiadores,
esta teria nascido em meio à burguesia europeia em primeiro lugar, depois contagiado a aristocracia e alcançado as
classes médias europeias antes de se disseminar para as classes altas e médias de países latino-americanos.
III - Nexos entre concepções de infância e adolescência e direitos
Como examinaremos na terceira unidade, Veerman (1992) demonstrou que as visões de uma sociedade sobre a
infância e as crianças afetam as legislações a elas atinentes. Esta concepção moderna de infância é que foi
circunscrita nas declarações e nas convenções que instituem os direitos de crianças e adolescentes da Organização
das Nações Unidas (ONU).
Considerando o nosso recorte temporal, os 200 anos de independência do Brasil, decidimos focar e descrever nesta
unidade o período prévio à chegada da Família Real no Brasil em 1808 e a Proclamação da Independência do Brasil. O
modo denominado soberania paterna e caritativismo religioso (1500 – 1850) vigiu de forma mais acentuada no
Brasil Colonial da descoberta até algumas décadas da sua fase Imperial.
Durante os primeiros 30 anos após a chegada dos portugueses ao Brasil, houve pouca ou nenhuma atividade
colonizadora. Depois dos anos 1530, o Brasil entra paulatinamente na sua fase colonial. O sistema econômico, social
e político era centrado no modo de produção agrícola (monocultura latifundiária), movida pela mão de obra escrava e
pelo sistema de compadrismo. Existiam escarços e pequeno centros urbanos. Os meios de transportes eram o carro
de boi, o bangue, a rede e o cavalo. A religião predominante era o catolicismo, com o capelão subordinado ao poder
familiar, centrado no patriarcalismo polígamo. A higiene pessoal era realizada por meio de banho no rio, de gamela,
no assento e na bacia para lavar os pés (FREYRE, 2005, p. 36).
As pessoas que vieram para o Brasil tinham, de alguma maneira e de formas diferenciadas, sido expostas ao processo
de construção da infância moderna em formação na Europa. Os jesuítas foram
responsáveis pela disseminação das imagens da infância mística, a infância
que imita Jesus. Embora descolada da vida de crianças da época, essa imagem
de pureza infantil também contribuiu para mudar o olhar sobre as crianças.
Também já eram conhecidas na Europa as práticas de dispor órfãos e as ações
caritativas em seu favor. Mas, ao que tudo indica, a empreitada colonizadora
do Brasil nas suas condições reais retardou, e muito, a chegada da infância
moderna para as crianças e adolescentes brasileiros.
Ainda que estudos históricos questionem o caráter universalizado e hegemônico do modelo de família patriarcal para
todo o país, Bastos (2006, p. 105) afirma que existia uma “unicidade [...] dada pela sociabilidade orquestrada pela
família”. As crianças e os jovens eram, então, inteiramente governados pela família e a legislação fundada sobre a
soberania paterna. Aos pais, particularmente o pai, cabia determinar a profissão e o casamento para os filhos. O
infanticídio era largamente tolerado.
Embora o Estado moderno Português tenha dado sinais de preocupações com crianças e órfãos carentes – uma carta
de D. João III datada de 1553 determinava que os meninos órfãos pudessem resgatar mantimentos em todos os
portos do Brasil; havia uma representação do governador da Capitania do Rio de Janeiro datada de 1673 sobre o
estado em que se encontravam os enjeitados na cidade do Rio de Janeiro – e Dom Pedro II tenha, em
correspondência de 1673, determinado que os oficiais da Câmara providenciassem apoio às crianças, a Câmara
apelava para a Santa Casa de Misericórdia, alegando falta de recursos (MELO, 1986).
O crescimento do número de crianças “enjeitadas” e, mais tarde, denominadas de “expostas” ou “desvalidas”, fez com
que, além da Santa Casa de Misericórdia, já acostumada a atender aos que eram deixados à
sua porta e aos órfãos de doentes falecidos em suas enfermarias, se delineasse, no século
XVIII, um verdadeiro sistema de acolhimento por irmandades e ordens religiosas da Igreja
Católica. Mello e Souza (1991, p. 29) e Mello (1986) registraram, entre 1730 e 1739, o
surgimento de várias irmandades em Minas Gerais e no Rio de Janeiro que, entre as suas
missões, cuidavam de crianças enjeitadas, fundando, “tão logo” os recursos permitissem, uma
casa de expostos e asilo de menores desvalidos.
Em 1738, é criado o primeiro asilo para crianças enjeitadas. Trata-se da Roda dos Expostos,
de tradição portuguesa, na enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, com doações do rico
comerciante e membro da Irmandade da Misericórdia, Romão Matos Duarte. A Roda é um dispositivo cilíndrico, com
uma parte para fora e outra voltada para o interior da casa, onde eram depositadas as crianças enjeitadas.
Já mais para o final do século XVIII, o Senado da Câmara Brasileira dá evidências de sua intervenção para normatizar
o sistema de Rodas de Expostos e dar-lhe amparo legal. Em 1775, o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o
marquês de Pombal, assina alvará regulamentando, de forma mais definitiva, a questão das crianças expostas e sua
instalação tanto nas Santas Casas de Misericórdia quanto em residências particulares de casais honrados e de bons
costumes. Ao que tudo indica, esta foi uma das leis mais importantes do século XVIII em relação à preocupação com
a proteção das crianças enjeitadas. Contudo, embora no Brasil, diferentemente de Portugal, cuja legislação deixava o
encargo de criação dos enjeitados para Santas Casas de Misericórdia, fosse creditado ao nobre Senado da Câmara a
função de pôr e dispor da vida das crianças abandonadas, a norma de Pombal praticamente não considerou a
responsabilidade das Câmaras em definir o caminho dos expostos.
Que existe uma diferença entre as noções de infância e de ser criança. Enquanto a infância é um construto social, a
criança é o sujeito concreto empírico que pode experienciar diferentes tipos de infância.
Que as histórias da infância só começaram a ser registradas no início dos anos 1960. Os relatos buscam resgatar o
passado e produzir interpretações.
Que a nossa maneira atual de ver a infância é uma concepção que não existia nas sociedades medievais e que foi uma
lenta construção social entre os séculos XIII e XVIII entre a burguesia de países europeus. Nesta nova concepção, o
principal ofício da criança é estudar para se preparar para a vida adulta.
Que os paradigmas da proteção de crianças e adolescentes podem ser agrupados em três grandes modos de governar
para crianças: o da soberania paterna associada ao caritativismo religioso (1500 – 1850); o do bem-estar da criança
conectado ao filantropismo social (1850 – 1980); e, finalmente, o dos direitos da criança associado às ações
emancipatórias e participativas de crianças e adolescentes (1980 – até o presente).
Não significa que cada modo suplantou definitivamente o outro. Estes continuam sempre praticados na sociedade:
enquanto a soberania paterna encontra-se em declínio, o modo baseado no bem-estar da criança ainda continua
dominante e o dos direitos emergindo mais fortemente a partir dos anos 1990.
Que o modo denominado soberania paterna e caritativismo religioso (1500 – 1850), o qual vigiu de forma mais
acentuada no Brasil Colonial da descoberta até algumas décadas da sua fase Imperial. As crianças e jovens eram,
então, inteiramente governados pela família e a legislação fundada sobre a soberania paterna. Aos pais,
particularmente ao pai, cabia determinar a profissão e o casamento para os filhos.
Embora, na fase imperial, o Brasil pareça ter continuado uma tradição no tratamento das crianças e adolescentes, já
mais próximo da Proclamação da República o Estado começa a emitir mais sinais de preocupação com o bem-estar
das crianças e adolescentes como parte da sociedade, porém diferenciada da família, a qual também já vinha sendo
sentida em países da Europa e da América do Norte.
As noções de que a criança tinha direito de ter direitos só se formalizaram nos anos 1980.
Muito do que sabemos hoje a respeito da sociedade colonial foi resgatado de documentos oficiais dos governos e
observações de viajantes, sobretudo, nos séculos XVIII e XIX. Vamos imaginar que você fosse um viajante que
tivesse chegado ao Rio de Janeiro após os anos 1740, com as suas lentes voltadas para as formas com que a
sociedade colonial lidava com a questão da proteção de crianças e adolescentes e, de imediato, buscasse se inteirar
como era a vida das crianças, os problemas que enfrentavam e as formas de ajuda disponíveis.
De posse dessas informações, você em suas primeiras incursões pela cidade encontrasse uma criança
pequena, ainda bebê, abandonada próximo ao cais do porto e desejando protegê-la, qual instituição você
buscaria?
Devemos lembrar que a primeira instituição criada para abrigar crianças e adolescentes no Rio de Janeiro, em 1738,
foi a Roda dos Expostos. Portanto, o viajante poderia, com alguma ajuda, chegar à Roda dos Expostos.
A lógica historiográfica mostra que, juntamente com a lenta mudança no modo de produção econômico, a urbanização
e o incremento das regras morais vão aumentando o número de crianças enjeitadas e a constituição de uma
sociedade ‘civil’, embora profundamente conectada com as ordens religiosas, buscando formas de proteger essas
crianças. Esta sociedade ‘civil’ vai gradativamente demandando do ‘Estado’ apoio para a efetivação dessa proteção,
qualquer que seja a sua coloração. O viajante observaria que sabemos que nos lares patriarcais a vivenciava a função
FILHO – Filha. Embora tivessem status diferenciados, fossem esses filhos dos senhores patriarcais, de agregados ou
de escravos, todos estavam envolvidos no meio de produção agrícola. Neste período, as crianças negras eram
escravizadas.
Para finalizar essa Unidade, assista ao vídeo: Fim de Papo e realize as atividades avaliativas que estão
disponíveis na página do curso.
Unidade 1 Fim
Avaliação: Fixação do conteúdo - Unidade 1
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