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3 O etnocentrismo E, no entanto, parece que a diversidade das culturas raramente surgiu aos omens tal como é um fendmeno natural, resultante das relagoes diretas ou indi retas entre as sociedades; sempre se viu nela, pelo contrério, uma espécie de mons- tmuosidade ou de escandalo; nestas matérias, o progresso do conhecimento no ' consistiu tanto em dissipar esta ilusdo em proveito de uma viséo mais exata como ‘rar © meio de a ela se resignar. © que repousa, sem diivi i lidos, pois que tende a reaparecer em cada ituaga jerada, consiste em em aceiti-la ou em enconti nés quando somos (de crer ou de ar 10. : gui dia tudo 0 que nao participava da cultura grega (depois lde birbaro, em seguida, a civilizagao ocidental utilizou ot 7 ‘mesmo sentido, Ora, por deirés destes ¢p! ietos_ disimula-se_um_mesmo_ju iz0: Provavel que a palavra barbaro se refira cmoloseamietts xn confusio a desei- liculacdo do canto das aves. ‘ao_valor Ate humana; €-selvggem, que significa “da Sea”, evoca tambem_um_géniero de vida animal. Feces cerge re “dade caltaral, preferindo repetir da cultura tudo @ que admitir a propria diversi aE a fe. : esteja conforme a Japfio, mas profundamente enraizado na maioria dos Este ponto te imfeoutido uma ver que esta brochura é precisamente a homens, nao necessitd aqui que ele encobre um paradoxo bastante sig- astar observar samento, em nome da qual se expulsam os “selva~ @ LEVI-STRAUSS Ipaparecimento muito tardio e uma expansio limitada. Mesmo onde ela parece ter ‘Tingido o seu mais alto grau de desenvolvimento, nao existe qualquer certeza —, fal como a historia recente o prova — de se ter estabelecido ao abrigo de equi \Woeos ou de represses. Mas para vastas tragoes da espécie humana ¢ durantel |dezenas de milénios, esia nogao parece estar totalmente ausente. A humanidade| jacaba nas fronteiras da tribo, do grupo lingilistico, por vezes mesmo, da aldeia,| |a_tal_ponto que um grande ntimero de_populacies ditas_primitivas se designam’ [por um nome que significa os “homens” (ou por vezes — digamos com mais discrigao —, 03 “bons”, os “excelentes”, os “perfeitos”), implicando assim que as) ‘outras tribos, grupos ou aldeias no participem das virtudes — ou mesmo_da natureza — humanas, mas sfo, quando muito, compostos por “maus”, “perver"| sos”, “macacos terrestres”, ou “ovos de piolho”. Chegando-se_mesmo,_a_maior| parte das vezes, a privar o esijangeiro deste ultimo grau de. realidade fazendo dele| um “fantasma” ou uma “aparigio”. Assim acontecem curiosas situagdes onde 03, Mtcrlocatores se dao cruelmente réplica. Nas Grandes Antilhas, alguns anos a_descoberta da América, enquanto os espanhois enviavam comissées de investi-| cavam-se a afogar os brancos feitos prisioneiros para verificarem através de uma Vigilancia prolongada sc 0 cadaver daqueles estava ou nao sujeito & puiretacdo. Esta anedota, simultaneamenie barroca e tragica, ilustra bem 0 paradoxo do} relativismo cultural (que yamos encontrar mais adiante revestindo outras for- mas): € na propria medida em que pretendemos. estabelecer_uma discrimimacao | cmlre a5 culturas © 03 costumes, que nos identificamos mais completamente com aqueles que tentamos negar. Recusando a humanidade aqueles que surgem como, & mais “selvagens” ou “barbaros” dos seus representantes, mais nao Tazemos E verdade que os grandes sistemas filoséficos € religiosos da humanidade —4 ssn shes.o budinno- ersanismn-ai-o islamismn. an dousines etic, Fanti na ou marxisia — se insurgiram constantemente contra esta aberracdo. Mas @ simples “proclamacéo da igualdade natural entre todos os homens ¢ da fraterni- dade que os deve unir, sem distingéo de racas ou de culturas, tem qualqueg coisa de enganador para o espirito, porque. negligencia uma diversidade. de fato, qe SE este do existisse. Assim o predmbulo & segunda declaragio da UNESCO sobre o problema das ragas observa judiciosamente que o que convence @ he- Penge iit, G8 exiséncia das ragas é “a evidéncia imediata dos seus seni: iy Da hee ean) um enropes; um aslitico’e um taco american”. Bae ab Mnidegas nals eee abstr, mas nas cultures teadcioOe jeixam subsistir intatos aspectos imp? ‘uma situagao estritamente definigs RACA E HISTORIA @ no tempo € NO espaco. Preso entre a dupla tentacid de con = x 9 chocam afetivamente © de negar as diferengas que ems ae igctualmente, o homem modemo entregouse « toda a espécie de es arate Ffosoticas ¢ SociOlOgicas para estabelecer vios compromissos entre estes pdlos conradiorios, e para apereeber a diversidads das cult z 8 2 On acme especulaghes 36 ceduzem aun tinled «mesma recclia, que o terme de feley ere iicionismo €, sem divida, mais adequado para earacterizar. Em que consiste ela? ‘Muito exatamente, trata-se de uma tentativa para suprimir a diversidade das cul- iuras, fingindo conhecé-la completamente. Porque, se tratarmios os diferentes est ‘dos em que se encontram as sociedades humanas, tanto antigas como Tongin- quas, como estddios ou etapas de um desenvolvimento tinico que, partindo do ‘mesmo ponto, deve convergit para o mesmo fim, vemos bem que # diversidadert apenas aparente. A humanidade torna-se una ¢ jdéntica a si mesma, 56 que esta unidade ¢ esta identidade nao se podem realizar senao progressivamente ¢ a va riedade das culturas ilustra os momentos de um process que ‘dissimula uma rea- lidade mais profunda ou retafda a sua manifestacdo. Esta definicio pode parecer suméria_quando_temos_Presenies imensas conquistas do garwinisme, Mas este ndo esti_em caus ‘porque o evolucionismo Grolégico ¢ 0 pseudo-evolucionisme que aqui visamnes so duas doutrinas muito ftese de trabalho, baseada em Gierentes. A primeira nasceu como uma vasta hi cbservagbes em que o lugar reservado 8 interprelaeso £ ‘minimo, De acordo Sor cis ow diferentes Tpos que constitvem a_genealo jia_do cavalo podem ser = Fcnados numa série evolutiva por duas razOes: primate é seco "um cavalo % amadas de terreno sobrepostas, Logo para engendrar outro cavalo; segundo, 35 SS historieamente mais antigas, contem esqucletos aXe varia graduelment desde 8 forma mais recente até a mais afcaiea: “Toma-se assim altamente provayel qué. ipparion seja © verdadeiso_ a0" ge i eae a See ee ee a especie fmumana ¢ a5 SUaS TAGES . Mae ae : “Jos Tatos biolbgicos para os fatos culturais, as coisas Be Fra singular, Podemos + ng solo objets materials \c constatar que a fort ica de fabrico de um, serine opiee — ee a adc Et a8 =E, no progressivamente: de So To machado._tal come i i machado ‘cvoluiu a partir fesprovida ‘do ue € verdadeiro Goes Ie Ino solo, para Epocas determinave=s a © LEVI-STRAUSS de evolugao social ou cultural nfo constitui, sendo um sedutor, igosamente eGmodo, de taco dos fatos. “Alids, esta diferenca, a maior parte das vezes:negligenciada, entre o verda> deiro eo falso evolucionismo explica-se pelas suas respectivas datas de apareci- mento. verdade que_o evolucionismo. sociolégico deveria receber um vigoroso i da parte do evolucionismo biolégico, mas élhe anterior nos fatos. Sem remontar ‘concepgoes: ‘Tetomadas por Pascal, assimilando a huma- nidade @ um ser vivo que paNs por Gladios sucessivos da infancia, da adoles- ‘céncia € da maturidade, foi no século XVIII que assistimos ao florescimento dos fundamentais que viriam a ser depois objeto de tantas manipulagoes: |as Sespirais” de Vico, as suas “trés idades” anunciando os “tres estados™ de| |Comte, a “escada” de Condoreet. Os dois fundadores do evolucionismo social, © Tylor, claboram ¢ publicam a sua doutrina anteriormente a Origem| ies ou sem ter ido esta obra. Anterior a0 evolucionismo biolOgico, teo- ‘ia _Gientifica, 0 evolucionismo social nao 6 @ maior parte das vezes, sendo a imaquilagem falsamente cientifica de_um velho problema filosofico para 0 qual ‘filo existe qualquer certeza de que a obscrvagéo © @ inducao possam um dia! formecer a chave. a

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