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Agrotóxicos:

Antes de
envenenar você,
eles envenenam
os trabalhadores
rurais
Introdução:
O debate público sobre agrotóxicos quase sempre se limita ao consumo. O quanto alimentos
produzidos com veneno podem ser nocivos à nossa saúde. Mas, antes de contaminar quem
consome, os agrotóxicos contaminam os trabalhadores rurais. E precisamos falar mais sobre
isso.

Como apontamos em nosso relatório Frutas Doces, Vidas Amargas, os trabalhadores de


cadeias de frutas estão entre os 20% mais pobres do Brasil. Baixa renda, trabalho temporário
e constante exposição a agrotóxicos impedem milhares de famílias de terem uma vida digna.

Em um contexto de trabalho precário como esse, faltam EPIs (Equipamento de Proteção


Individual) apropriados e, dessa forma, os trabalhadores rurais se contaminam e adoecem.

ALGUNS DADOS:

A partir de 2008 o Brasil se O governo Bolsonaro aprovou


tornou o maior consumidor de 1529 novos agrotóxicos.
agrotóxicos no mundo.

Nos últimos 3 anos dos


Ministério da Saúde estima que a agrotóxicos liberados no Brasil
subnotificação faz com que, para 475 utilizam princípios ativos
cada evento de intoxicação por proibidos na Europa.
agrotóxico notificado, há outros
50 não notificados.

O agrotóxico mais vendido


do país Brasil é o glifosato
A média de mortes relacionadas que é classificado como
a intoxicação por agrotóxico potencialmente cancerígeno
de uso agrícola entre 2008 e pela Agência Internacional de
2017 é de 137 pessoas, porém Pesquisa de Câncer (IARC).
considerando a subnotificação,
podemos estimar que o número
real deveria estar mais próximo
de 7 mil pessoas por ano. Em segundo lugar está a atrazina
que é proibida na Europa desde
2004 por sua relação com
Parkinson, câncer e infertilidade.
Os estados com mais mortes
por contaminação de agrotóxico
são: São Paulo, Minas Gerais,
Pernambuco e Bahia.
Histórias reais de quem
vive isso na pele

***
“A GENTE SÓ VAI NO
BANHEIRO UMA VEZ DE
MANHÃ E UMA VEZ À
TARDE.”
***

Foto: Tatiana Cardeal/Oxfam Brasil

Maria é uma jovem de 28 anos, seis deles trabalhando no cultivo de


manga. Durante o período na empresa, Maria precisou lidar com a
ansiedade, o estresse, a intimidação e o assédio moral cometido pelos
supervisores e gerentes. “Você trabalha com o pessoal observando
você toda hora”, desabafa. Ela nos relata que lá tudo é controlado:
o ritmo do trabalho, a conversa com as colegas, o número de idas ao
banheiro e o tempo gasto bebendo água. Mãe solo de uma menina de
11 anos, Maria sempre precisou complementar renda, pois ganha um
salário-mínimo por poucos meses no ano. Ela não usa luva ou outro
equipamento de proteção. A empresa fornece apenas camiseta e bota.
“Tem gente que tem que levantar 3h da manhã para levar almoço, café.
A gente que leva. Lá eles não dão nada. Pagam só o salário.”
***
“COMEÇOU COM UMA
COCEIRA. DEPOIS DE
15 DIAS JÁ COMEÇOU A
ESTOURAR TUDO.”
***

Foto: Tatiana Cardeal/Oxfam Brasil

Carlos agora é um homem recluso que, aos 58 anos de idade, tem vergonha de sair à rua. As pessoas
não se aproximam dele e nem sequer dão um aperto de mão. O motivo é a alergia que domina todo seu
corpo. Todos os médicos foram unânimes em dizer que ele não deve mais voltar a trabalhar no campo.
“Tem suspeita que os adubos geraram isso, por causa da fertirrigação”, explica ele. Para amenizar a
dor, toma injeções fornecidas pelo posto de saúde e utiliza cremes especiais caros, ainda mais para
quem ganhava 1 salário-mínimo. Agora, Carlos aguarda a decisão final sobre a concessão de auxílio-
doença.

***
Pedro, de 29 anos, trabalha “É UMA HUMILHAÇÃO.
com agrotóxicos no campo TRABALHAMOS PARA
com equipamentos de DAR LUCRO PARA ELES,
proteção inadequados. Na MAS ELES NÃO SE
hora do almoço, precisa PREOCUPAM.”
retirar o macacão encharcado ***
de veneno para comer, sem
sequer poder lavar as mãos.
Na hora de voltar para casa,
é do mesmo jeito, um grande
risco à saúde.

Foto: Tatiana Cardeal/Oxfam Brasil


ESTUDOS JÁ COMPROVARAM A CONTAMINAÇÃO
Já existem diversos estudos que mostram a consequência dos
agrotóxicos na saúde de quem trabalha e vive no campo. Uma pesquisa
da Universidade Federal do Mato Grosso, em parceria com a Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), documentou a contaminação do leite materno
em 100% das amostras coletadas na cidade de Lucas do Rio Verde
– todas as amostras continham resíduos de um a seis princípios
ativos de agrotóxicos. No Ceará, pesquisadores identificaram que a
puberdade precoce em crianças de até seis anos de idade estaria ligada
a contaminação por agrotóxicos, assim como a incidência de câncer
entre crianças e adolescentes. As áreas estudadas no Ceará eram polos
de irrigação com forte presença da fruticultura.

QUEM GANHA COM ISSO?


O jeito de se produzir alimentos em larga escala e quase o ano todo fez
com que agricultores ficassem dependentes do uso de agrotóxicos.
Por outro lado, quando mais se aplica o veneno, mais a praga cria
resistência. E ele vai perdendo sua eficiência.

Uma vez que o agronegócio paga impostos ínfimos sobre a venda da


produção, os únicos beneficiados por esse modelo são latifundiários,
empresas exportadoras de commodities e fabricantes de insumos
agrícolas.

Nosso sistema de produção de alimentos está dominado por poucas


empresas que são quem mais se beneficiam do atual modelo Foto: Tatiana Cardeal/Oxfam Brasil
insustentável.

Insumos e Comercialização Fabricação Varejo e


serviços Agropecuária e beneficiamento de alimentos vendas

Três A grande maioria Quatro empresas Na União


conglomerados das propriedades respondem por 70% Europeia:
dominam quase rurais do mundo são do comércio de
60% do movimento pequenas e familiares. commodities agrícolas 10
global de sementes em termos globais,
comerciais e por receita.
agrotóxicos.
50 fabricantes Apenas dez
de alimentos supermercados
Mas 1% de todas as
propriedades tem mais 70% respondem por metade respondem por mais
60% de 50 hectares, e de todas as vendas do de metade de todas
controla 65% da terra p. ex., trigo, setor no mundo. as vendas de
agrícola do mundo. milho e soja. alimentos no varejo.
Na média, os setores que ficam com a maior parte do valor gerado pela
produção de alimentos no mundo são: supermercados, empresas de
agrotóxicos e os fabricantes de alimentos:

Fatia do preço final ao consumidor

EMPRESAS DE SEMENTES E PRODUTORES TRADINGS FABRICANTES DE SUPERMERCADOS


FERTILIZANTES 25,1% AGRÍCOLAS 13,9% 8,1% ALIMENTOS 22,8% 30,1%

0,4% 13,1% 1,3% 5% 11,5%


a mais do a menos do a mais do a menos do a mais do
que 1995 que 1995 que 1995 que 1995 que 1995

De acordo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o país concede


R$ 10 bilhões em isenções ficais para agrotóxicos ao ano. Todo esse
dinheiro dá uma vantagem competitiva para a produção com veneno.
Como podemos ter alimentos mais saudáveis se estamos estimulando
os agrotóxicos com essas isenções?

Existe uma ação no STF (ADI 5553) que questiona essas isenções
fiscais. O que essa ação questiona? Que os agrotóxicos não são itens
essenciais e por isso não deveriam receber isenções fiscais como se
fossem. Essa ação aguarda julgamento desde 2016.

Foto: Tatiana Cardeal/Oxfam Brasil


O que pode ser feito?
GOVERNO
• Banir no Brasil os agrotóxicos e princípios ativos proibidos na União
Europeia.

• Aprovar a Política Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos-PNARA.  

• Reinvestir na Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

• Estabelecer uma moratória na aprovação de novos agrotóxicos e


revisar as aprovações dos últimos 4 anos no Brasil, a fim de garantir a
proteção adequada contra os riscos à saúde de trabalhadores rurais
e consumidores.

• Financiar estudos independentes sobre a contaminação de


Foto: Tatiana Cardeal/Oxfam Brasil
trabalhadores rurais por agrotóxicos e suas consequências.

EMPRESAS DE ALIMENTOS E SUPERMERCADOS


• Divulgar em seus sites a lista de agrotóxicos usados em seus
produtos. 

• Exigir que seus fornecedores divulguem a lista de agrotóxicos


usados em seus produtos. 

• Exigir que seus produtos não sejam produzidos com agrotóxicos


proibidos na União Europeia.
Foto: Shutterstock
• Utilizar e vender mais produtos agroecológicos e orgânicos.

CONSUMIDORES
• Pressionar o governo, parlamentares, as empresas de alimentos e os
supermercados para que cumpram essas recomendações.

• Na medida do possível, manter uma alimentação que tenha como


base os alimentos in natura e minimamente processados, evitando o
consumo de ultraprocessados conforme as recomendações do Guia
Alimentar para a População Brasileira.

• Consumir, preferencialmente, alimentos orgânicos ou de base


agroecológica. No Mapa de Feiras Orgânicas do Idec é possível
encontrar iniciativas que comercializam esses produtos em todo o
Foto: Shutterstock
país.
Oxfam Brasil
Avenida Pedroso de Morais, 272 - 8° andar
Pinheiros - São Paulo - SP - Brasil - CEP 05420-000
(11) 3811-0400
www.oxfam.org.br

/oxfambrasil

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