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Sociedades em comandita

1) Definição:
As sociedades em comandita, simples ou por ações, são tipos de
sociedades comerciais nas quais existem duas categorias de sócios:

a) os sócios comanditados, que respondem perante os credores da


sociedade pelas dívidas desta de forma pessoal,
ilimitada, subsidiária em relação à sociedade e solidária com os outros
sócios comanditados; e os

b) os sócios comanditários, que não respondem perante os credores


da sociedade pelas dívidas desta.

2) Sociedades em comandita simples e sociedades em


comandita por ações:
As sociedades em comandita correspondem formalmente a dois tipos
societários distintos:
– as sociedades em comandita simples; e
– as sociedades em comandita por ações (cfr. arts. 1.º, n.º 2 e 465.º a
480.º do Código das Sociedades Comerciais [1]).

Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da


respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes.

3) GmbH & Co. KG:


3.1) Designação:

Importa aqui fazer uma referência àquela que, em Portugal, se pode


designar “sociedade em comandita de responsabilidade limitada“,
designada na Alemanha abreviadamente “GmbH & Co. KG”.

3.2) Configuração:

É uma sociedade em comandita, simples ou por ações, na qual figura:


– como sócio comanditado (que responde pelas dívidas da sociedade
de forma pessoal, ilimitada, subsidiária e solidária), uma sociedade
por quotas, uma sociedade unipessoal por quotas ou uma sociedade
anónima (S.A.); e
– como sócios comanditários (que não respondem pelas dívidas da
sociedade), os sócios ou acionistas dessa sociedade por quotas,
sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima (S.A.),
respetivamente, desde que, em qualquer caso, sejam pessoas
singulares ou, pelo menos, não formem uma relação de grupo com a
sociedade em comandita [2].

Esta possibilidade é, entre nós, expressamente admitida no art. 465.º,


n.º 2 do CSC.

3.3) É uma verdadeira sociedade de responsabilidade limitada (RL):

Trata-se de uma sociedade que é aparentemente de


responsabilidade ilimitada, mas que substancialmente constitui uma
verdadeira sociedade de responsabilidade limitada (RL) ou, pelo
menos, com uma responsabilidade meramente residual, limitada ao
valor do património da sociedade por quotas, sociedade unipessoal
por quotas ou sociedade anónima (S.A.) que figure como sócia
comanditada.

Com efeito, esta última, apesar de ter uma responsabilidade pessoal e


ilimitada pelas dívidas da sociedade em comandita tem essa
responsabilidade circunscrita, nos termos gerais, ao seu próprio
património pessoal [3].

Características; vantagens e desvantagens das


sociedades em comandita:
4) Existência em simultâneo de duas categorias de
sócios:
O que melhor caracteriza as sociedades em comandita
(simples ou por ações), conferindo-lhes caráter distintivo face aos
restantes tipos societários é a existência em simultâneo de duas
categorias de sócios:
– os sócios comanditados, que são os sócios que têm
responsabilidade ilimitada (RI); e
– os sócios comanditários, que são os sócios que
têm responsabilidade limitada (RL) (arts. 465.º, n.º 1 e 175.º).

Pelo que, na distinção tradicional entre sociedades de


responsabilidade ilimitada (RI) e sociedades de responsabilidade
limitada (RL) consoante os respetivos sócios respondam ou não de
forma pessoal e ilimitada pelas dívidas da sociedade, as sociedades
em comandita constituem um tipo híbrido ou misto, que fica a meio
caminho entre as duas.
5) Número mínimo de sócios: 2 (1+1); 6 (1+5)
Quanto ao número mínimo de sócios, importa distinguir:

– as sociedades em comandita simples têm um número mínimo de


dois sócios, tendo de existir sempre, pelo menos, um sócio
comanditado e um sócio comanditário (cfr. arts. 7.º, n.º 2 e 465.º); ao
passo que

– as sociedades em comandita por ações, que têm um número


mínimo de seis sócios, tendo de existir sempre, pelo menos, um sócio
comanditado e cinco sócios comanditários (cfr. arts. 7.º, n.º 2, 465.º e
479.º).

6) Os sócios comanditados têm responsabilidade


ilimitada (RI) perante os credores da sociedade pelas
dívidas desta:
A Lei determina que os sócios comanditados, tanto nas sociedades
em comandita simples como nas sociedades em comandita por ações,
respondem pelas dívidas da respetiva sociedade nos mesmos termos
que os sócios da sociedade em nome coletivo (art. 465.º, n.º 1 2ª
parte).

Assim:

6.1) Responsabilidade pessoal e ilimitada:

Tanto nas sociedades em comandita simples como nas sociedades


em comandita por ações, os sócios comanditados têm
responsabilidade pessoal e ilimitada pelas dívidas da sociedade:
– pessoal, porque respondem pelas dívidas da sociedade com o
seu património pessoal; e,
– ilimitada, porque respondem pelo valor total das dívidas da
sociedade com  todos os bens e rendimentos do seu património
pessoal (art. 175.º, aplicável por força do art. 465.º, n.º 1, 2ª parte).

6.2) Responsabilidade subsidiária em relação à sociedade:

6.2.1) Subsidiariedade forte e benefício da excussão prévia:

A responsabilidade pessoal e ilimitada do sócio comanditado pelas


dívidas das sociedades em comandita é subsidiária em relação à
sociedade. Vigora, neste caso, uma subsidiariedade forte; ora, isso
significa:
a) que o esgotamento do património da sociedade é um
verdadeiro “requisito constitutivo do direito do credor” [4] (cfr.
diferença entre o art. 997.º, n.º 2 do Código Civil, relativo à sociedade
civil sob forma civil e o art. 175.º, aplicável por força do art. 465.º, n.º
1, 2ª parte). Pelo que, o credor da sociedade que quiser demandar o
sócio comanditado terá necessariamente que alegar e provar que o
património da sociedade se encontra completamente excutido, sob
pena de improcedência da ação judicial declarativa (quanto à ação
executiva cfr. o art. 745.º n.ºs 1, 2 e 4 do Código de Processo Civil);

b) por outro lado, o sócio comanditado pode sempre invocar


o benefício da excussão prévia, podendo, nesse caso, recusar o
pagamento das dívidas da sociedade enquanto não tiverem sido
previamente excutidos (penhorados e vendidos judicialmente) todos
os bens do património da sociedade [5].

6.2.2) Sub-rogação legal:

O sócio comanditado que tiver pago dívidas da sociedade fica sub-


rogado nos direitos do credor da sociedade, nos termos gerais (cfr. art.
592.º do CC), tornando-se, por essa via, credor da sociedade em
relação à totalidade do que pagou [6].

6.3) Responsabilidade solidária com os outros sócios:

6.3.1) Relações externas – do(s) sócio(s) comanditado(s) para com


terceiros credores – o credor pode exigir a totalidade da dívida de
qualquer um dos sócios comanditados:

A responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios comanditados pelas


dívidas das sociedades em comandita simples ou por ações é
ainda solidária com todos os outros (eventuais) sócios comanditados
(art. 175.º, aplicável por força do art. 465.º, n.º 1 2ª parte).

Ora, isso significa que os credores da sociedade podem exigir a


totalidade do montante em dívida de qualquer um dos sócios
comanditados, sejam eles sócios de capital ou sócios de indústria (ver
em baixo). Se houver um único sócio comanditado não haverá
naturalmente responsabilidade solidária.

6.3.2) Relações internas (entre os sócios comanditados) – direito de


regresso:

a) Sócios comanditados de capital:


O sócio comanditado de capital (cuja participação social for fundada
numa entrada em dinheiro e/ou em espécie) que tiver pago dívidas da
sociedade tem direito de regresso contra os outros sócios
comanditados de capital, na medida em que o pagamento efetuado
exceder o valor que lhe caberia suportar segundo a proporção do valor
nominal da respetiva parte social no capital social da sociedade (cfr.
arts. 175.º, n.º 3 e 178.º, n.º 2, aplicáveis por força do art. 465.º, n.º 1,
2ª parte).

b) Sócios comanditados de indústria:

Nas relações internas, em sede de direito de regresso, os sócios


comanditados de indústria não respondem pelas dívidas da
sociedade, salvo cláusula do contrato de sociedade (pacto social,
estatutos) em sentido contrário (cfr. arts. 178.º, n.º 2 e 175.º, n.º 3,
aplicáveis por força do art. 465.º, n.º 1, 2ª parte).

Responsabilidade solidária imperfeita:

Ora, isto significa que:


– se foi um sócio comanditado de capital a pagar a totalidade da
dívida, o sócio comanditado de indústria nada deve a esse sócio
comanditado de capital, a título de direito de regresso;
– se, ao invés, foi um sócio comanditado de indústria que pagou a
totalidade da dívida perante o credor da sociedade, pode exigir,
através de direito de regresso, a todos os outros sócios comanditados
de capital, a totalidade do valor que pagou.

É o regime da responsabilidade solidária imperfeita ou da


solidariedade imperfeita.

7) Os sócios comanditários têm responsabilidade limitada


perante os credores da sociedade:
Responsabilidade limitada:

Nas sociedades em comandita simples e nas sociedades em


comandita por ações os sócios comanditários têm responsabilidade
limitada: não respondem, via de regra, pelas dívidas da sociedade.
Pelas dívidas da sociedade responde, em princípio, apenas
o património da sociedade (cfr. art. 465.º, n.º 1, 1ª parte).

Pelo que, em caso de incumprimento de dívidas por parte da


sociedade, os credores desta não poderão, em princípio, intentar
ações de cobrança coerciva contra os sócios comanditários para a
cobrança dos valores em falta.

Exceções à responsabilidade limitada:

Esta regra da responsabilidade limitada tem, contudo, exceções


importantes. Ver: exceções à responsabilidade limitada nas
sociedades de responsabilidade limitada.

8) Responsabilidade dos sócios comanditados e


comanditários perante a sociedade:
Internamente, perante a sociedade, tanto os sócios comanditados
como os sócios comanditários respondem individualmente pelo
cumprimento ou realização da entrada a que se obrigaram (cfr. arts.
175.º e 465.º).

A obrigação de entrada, por natureza, apenas vincula os sócios que


adquiriram a sua participação social:
– no momento da constituição da sociedade (os sócios fundadores da
sociedade) (art. 20.º al. a)); ou
– no momento do aumento do capital social da sociedade ou, no caso
das entradas em indústria, no momento da alteração ao pacto
social que não proceda a um aumento de capital social (arts. 87.º a
89.º, 176.º, n.º 1 als. a) e b) e 178.º, n.º 1).

9) Constituição de sociedades em comandita:


Há apenas um modo de constituição de sociedades em comandita
simples ou por ações que é processo tradicional ou convencional de
constituição de sociedades comerciais (e de sociedades civis sob
forma comercial), que se aplica a todos os tipos de sociedades
comerciais.

Na verdade, não se aplicam às sociedades em comandita nem às


sociedades em nome coletivo:
– o regime da “empresa na hora” (regime especial de constituição
imediata de sociedades: ver constituir empresa na hora), nem
– o regime da “empresa online” (regime especial de constituição online
de sociedades: ver constituição de sociedade online).

Com efeito, estes dois regimes especiais de constituição de


sociedades (empresas) aplicam-se apenas às sociedades por quotas,
às sociedades unipessoais por quotas e às sociedades anónimas.
10) Capital social mínimo:
Sociedades em comandita simples:

As sociedades em comandita simples não têm capital social


mínimo (cfr. art. 474.º). A razão de ser desta solução prende-se,
sobretudo, com o regime de responsabilidade pessoal,
ilimitada, subsidiária e solidária dos sócios comanditados pelas
dívidas da sociedade: os credores não carecem da tutela conferida
pelo regime do capital social mínimo uma vez que podem agir contra
o património dos sócios comanditados.

Os sócios têm, assim, ampla margem de liberdade para fixarem o


montante de capital social que bem entenderem.

Sociedades em comandita por ações:

As sociedades em comandita por ações têm um capital social


mínimo de 50 000,00€ (art. 276.º, n.º 5, aplicável por força do art.
478.º).

O capital social é um elemento essencial:

Porém, as sociedades em comandita, simples ou por ações, têm


sempre que ter capital social, com um determinado montante (cfr. art.
9.º, n.º 1 al. f)).

11) Participações sociais:


Sociedade em comandita simples – “partes sociais” ou “partes”:

A participação social na sociedade em comandita simples, tanto do


sócio comanditado como do sócio comanditário, designa-se “parte
social” ou simplesmente “parte”. Cada sócio, comanditado ou
comanditário, tem uma parte social ou uma parte (cfr. art. 465.º, n.º 3,
469.º e 474.º).

Sociedade em comandita por ações – parte(s) social(ais) do(s)


sócio(s) comanditado(s); ações dos sócios comanditários:

Nas sociedades em comandita por ações importa distinguir:


– a participação social do sócio comanditado designa-se “parte social”
ou “parte”; ao passo que,
– as participações sociais dos sócios comanditários designam-se
“ações” (no singular, “ação”) (cfr. arts. 465.º, n.º 3, 469.º e 474.º).
12) Entradas – sócios de capital e sócios de indústria:
12.1) Sócios comanditados:

Tanto nas sociedades em comandita simples como nas sociedades


em comandita por ações, os sócios comanditados podem realizar:
– entradas em dinheiro;
– entradas em espécie, ou seja, com bens diferentes de dinheiro (por
exemplo, com a propriedade de bens imóveis); ou
– entradas em indústria (arts. 20.º al.a) e 468.º a contrario).

Entradas em indústria: são entradas com serviços humanos não


subordinados [7]. Com as entradas em indústria os sócios obrigam-se a
prestar ou realizar determinada atividade ou trabalho [8].

As partes sociais dos sócios de indústria (fundadas em entradas em


indústria) não são computadas no capital social da sociedade.

12.2) Sócios comanditários:

Os sócios comanditários apenas podem realizar entradas em


dinheiro e/ou em espécie; não podem realizar entradas em
indústria (art. 468.º).

12.3) Sócios de capital vs sócios de indústria:

Sócios de capital: são aqueles cujas participações sociais são


fundadas em entradas em dinheiro e/ou entradas em espécie.

Sócios de indústria: são aqueles cujas participações sociais são


fundadas em entradas em indústria. Só os sócios comanditados é que
podem realizar entradas em indústria e, assim, ser sócios de indústria.

12.4) Conclusão:

Assim:
– os sócios comanditados podem ser sócios de capital ou sócios de
indústria; ao passo que
– os sócios comanditários só podem ser sócios de capital.

13) Direito ao lucro e dever de quinhoar nas perdas:


– Em regra, os sócios de capital participam nos lucros e nas perdas da
sociedade de acordo com a proporção dos valores nominais das
respectivas participações sociais no capital social da sociedade (art.
22.º, n.º 1).

– Quanto aos sócios de indústria, deve ser atribuído no contrato de


sociedade ou pacto social da sociedade um valor, maior ou menor, à
indústria (trabalho, atividade) para o efeito da repartição de lucros e
perdas (art. 176.º, n.º 1 als. a) e b) aplicável por força do art. 474.º).

14) Direito ao voto em assembleia geral regularmente


convocada ou através de qualquer outra forma de
deliberação social:
Tanto nas sociedades em comandita simples como nas sociedades
em comandita por ações, o contrato de sociedade (pacto social ou
estatutos) deve regular, em função do capital, a atribuição de votos
aos sócios.

Contudo, em qualquer caso:


– os sócios comanditados, em conjunto, não podem ter menos de
metade dos votos pertencentes aos sócios comanditários, também em
conjunto.
– cada um dos sócios de indústria não poderá ter um número de votos
inferior ao sócio de capital com menos votos (arts. 472.º e 190.º, n.º
2).

15) Órgãos – estrutura orgânica:


15.1) Assembleia Geral – órgão deliberativo-interno:

A Assembleia geral, coletividade de sócios, conjunto dos sócios ou


assembleia de sócios é o órgão deliberativo-interno comum a todos
os tipos de sociedade comercial, sendo tradicionalmente considerado
como o “órgão supremo da sociedade” [9].

A “Assembleia geral” também designa a reunião dos sócios (presença


no mesmo local e ao mesmo tempo) para deliberar sobre
determinados assuntos, que pode ser: assembleia geral regularmente
convocada ou assembleia geral universal. Para além destas duas
formas de deliberação existem ainda, nas sociedades em comandita,
as deliberações unânimes por escrito (art. 472.º, n.º 1).

15.2) Gerência (gerente ou gerentes) – órgão de administração e


representação:
O órgão de administração e representação da sociedade em
comandita simples e da sociedade em comandita por ações é a
gerência, que é composta pelo gerente ou gerentes (art. 470.º).

Só os sócios comanditados podem ser gerentes, salvo se o contrato


de sociedade permitir a atribuição da gerência a sócios comanditários.
Pode, porém, a gerência, quando o pacto social o autorize, delegar os
seus poderes em sócio comanditário ou em pessoa estranha à
sociedade.

16) Firma:
A firma das sociedades em comandita simples e das sociedades em
comandita por ações deve ser composta pelo nome ou firma de um,
alguns ou todos os sócios comanditados [10]; acrescida:
– do aditamento “em Comandita” ou “& Comandita”, nas sociedades
em comandita simples”; e,
– do aditamento “em Comandita por Ações” ou “& Comandita por
Ações”, nas sociedades em comandita por ações (art. 467.º, n.º 1).

17) Número de sociedades em comandita:


Em 2022, estavam inscritas ou registadas apenas 81 (oitenta e
um) sociedades em comandita não extintas, abrangendo este número
tanto as sociedades em comandita simples como as sociedades em
comandita por ações [11].

Têm uma importância prática muitíssimo reduzida na Economia


Portuguesa.

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