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REVISTA

GOTHIC
STATION
ESTILO & CULTURA
N º 4 - Setembro 2018

DIVERSIDADE
RELIGIOSA
GÓTICOS
ENTRE OS

BRASILEIROS
TRIBAL FUSION
histórico e tendências

TRAD
GOTH
visual gótico 80’s

E. A. POE
literatura e cinema

DAS ICH
AMANDA PALMER
BACK LONG ARCH
entrevistas exclusivas
e muito mais!
PATRONOS:
AGRADECIMENTOS EDITOR: ÍNDICE
KIPPER
Cleidson Barbosa de Oliveira Editor geral, diagramador e criador
da revista, escreve sobre literatura,
Graciele Márcia Perdigão Dennis Lurm Mariana Gomes música e realiza entrevistas e artes.
Naiá Oribici Santos Diego de Oliveira L. da Silveira Marina Grilli Trabalha desde 1988 na imprensa.
Back Long Arch Drako Wolffrich Marlui Dornelas www.gothicstation.com.br Gothic Station # 4 - Setembro de 2018:
2
Carliany de Jesus Ribeiro Dricah G. Rpz Marlui Dornelas
Marcell Diniz De C. Chaves COLABORADORES:
Elaine França de Campos Melani Lopes Tome MÚSICA- Resenhas & lançamentos 2018
Léo O’Connor Elson Fróes Milena Sayanne Gois Santana ALEX TWIN
Fã Clube Lacrimaníacos Elton Marques
Erika dos Santos Parreira
Evandro Rocha
Monica Viciious
Munique Gomes M. Santana
Munique Cure
Organizador de festivais internacio-
nais, proprietário do selo Wave Records,
membro das bandas 3 Cold Men, Wintry, 4 COMPORTAMENTO: Diversidade Religiosa

12
Adriano Myotin Fabio Martins Coelho Naná Ivanova Individual Industry e Pecadores.
Alex Serrano Cánovas www.waverecordsmusic.com
Fausto Saglauskas Dias Natacha Barros ENTREVISTA: Amanda Palmer Kipper
Alexandre Paschoaletto Felipe Ribeiro Camargo Natache Lilian Vieira Malfatti ARLINDO GONÇALVES

16
Alexandre Vavallo Felipe Ribeiro Cazelli Nayara Soares Arlindo Gonçalves escreve ficções
Aluizio Kanter Fernanda Zys Nívia Larentis e crônicas urbanas. É autor de
Alter Breitenbach Fernando Campos Goulart Nyx e Lucien “In Aeternum – Joy Division: MODA: Trad Goth Sana Skull
a busca afetiva por uma imagem”.

22
Álvaro Zadok Gabriela Campanille Paulo Nojento facebook.com/in.aeternum.closer
Amanda Reznor Giovanna Bruna Paulo Ricardo Santana
Ana Beatriz Gaertner Graciele Márcia Perdigão Pedro Maia Nogueira ILUÁ HAUCK
ENTREVISTA: Back Long Arch Kipper

26
Ana de Oliveira Bueno Hage Nina Pedro Rodrigues dos Santos Em Londres há 21 anos, se formou
Ana Frehmaz Hebert Alan Diener Rafael Mateus Feliczaki em História da Arte. Trabalha como artista
Ana Gabriela Oteiro Henrique Antonio Kipper Raphael D’Antona
plástica, modelo alternativa, e jornalista TURISMO: Os Sete Magníficos Iluá Hauck
de arte. Mestranda em ‘Cristianismo

30
Ana Luísa Borin Trevisan Henrique Cunha Carvalho Rebecca Pessoa e as Artes’ na King’s College.
Ana Paula Canel Bluhm Humberto Luminati Regiane Assunção www.iluahauckdasilva.com
Analy Corrêa Magrini Ilka Reiko Roberto Gomes Junior
RESENHA: Deepland Festival II

32
Andre Zangari Isabela Cristina Dourado Robert Wagner LUCIANA FÁTIMA
Andre Felipe Fillus Piaunoski Isabelle Carmelita de A. Costa Rodrigo Ortiz Vinholo Luciana é pesquisadora do Romantismo,
André Luiz Mendes Janistorp Pereira de Sá Rômulo Meira L. Ferreira Filho
sobretudo da vida e obra DANÇA: Tribal Fusion Melissa Souza
do poeta Álvares de Azevedo.

36
Andreia Maria Delfino da Silva Jean Luca Vedovato dos Santos Sabrina Pinheiro facebook.com/DelirioPoesiaMorte
Andressa Pires Quintilhano Jessica Hepp Sarah Amethyst
Angell Ferreira João Victor Oteiro Sérgio Oteiro De Oliveira MELISSA SOUZA ENTREVISTA: Das Ich Alex Twin

40
Anne Rodrigues Junior Spades Bonifácio Simone Silveira Venzel Bela. em Com. Social com hab. em
Arlindo Gonçalves Marrão J. Jornalismo pela Unifaccamp, dançarina,
Karina Bruschi Pinotti Stefany Pierroti de Oliveira pesquisadora, produtora cultural CINEMA: Poe no Cinema Arlindo Gonçalves
Beatriz Cerqueira Biscarde Karoline Rente Stella Mendonça e audiovisual na área da dança, atua

44
Beatriz Thaísa Watanabe Katia cristiane barreto de lima Tatiana Yuri com assessoria de mídias digitais.
Bianca Santiago Larissa Núbia Juliano Lopes Thacy Mendes melissa.art.br
Blume Stray Lauren Scheffel Thiago de Paula
LITERATURA: Vila Diodati Luciana Fátima
SANA SKULL

49
Bruna Leandro Samael Thiago Meyer Escreve sobre moda, estilo e história
Bruna Caroline Silva Leilane Ravenscroft Thoryn Greenwitch da moda. Estudou Design de Moda,
Bruna Castro Lohan Montes Tiago Albarn é Jornalista, Consultora e
HUMOR: Mondo Muerto Kipper
Bruno Fischer Dimarch Lony OFern Vanessa Barreiros Maurici pesquisadora de História da Moda.
Bruno Túlio Luana do Nascimento Pires Victoria Luisa de M. Cardoso www.modadesubculturas.com.br
Caio Pimpinato A modelo da capa é Gabriela Miranda.
Jeremias Vitória Rodrigues THAIS DE PAULA Ela é bailarina de Dança do Ventre desde 1999,
Carlos Augusto Ferreira Lucas Rocker Wagner Galesco Revisora. Jornalista (USJT) atuante nas
Carlos Eduardo Madureira Trufen estuda e pratica o Estilo Tribal e suas
Luciana Fátima Walison Henrique Silveira áreas de revisão, cultura, vertentes desde 2005. É professora desde
Caroline Pazini Cavalcante Luciana Ribeiro Walquiria Oliveira Carvalho tecnologia, marketing e logística.
2004, e atua como coreógrafa, figurinista,
Cassia Silva Luciana Rodrigues Juvino Wenderson Oliveira thaisp.cultura@gmail.com
tradutora e produtora de eventos de
Christian Anubis Luiz Fernando P. Andrade Willis Carmo FOTÓGRAFOS: Dança do Ventre, Tribal Fusion, Dark Fusion
Clarissa Santos de Paulo Marcell Diniz citados nos créditos e American Tribal Style® – ATS®, além do
Claudio Martins Marcelo Nunes Rocha estudo e prática da Dança Contemporânea e
Cleidson Barbosa de Oliveira Marcelo Nunes Rocha OBRIGADO! :-) ILUSTRAÇÕES: Hatha Yoga. É professora certificada de ATS®
Cristiano Maia Ferreira Márcia Alfredo Kipper – American Tribal Style® e Sister
Daniela Martins da Silva Samuel Casal Studio FCBD®. Dirige com Yoli Mendez
Márcia Janini Baptistão a marca Tribal Skin – Ateliê e Studio.
Dayane Brito Marcos Antônio Sem o apoio de todos vocês a revista
Deodato Mattos facebook.com/Gabriela.Miranda.Tribal
Marcos Roberto dos Santos GOTHIC STATION não existiria! <3 CONTATO:
facebook.com/atelie.tribalskin.curta
Deivid Silva de Souza Maria Fernanda Oteiro henrique_kipper@yahoo.com
(11) 981596458
Foto da capa posterior: Das Ich/divulgação

GOTHIC SETEMBRO 2018 1


LANÇAMENTOS

HANEY PETER HEPPNER MGT DIE FORM STILL PATIENT? THE KNUTZ SOPOR AETERNUS WISBORG
“Scarlett”(2018) A eterna voz do Wolfsheim “Gemini Nyte” (2018) “Baroque Equinox” (2017) “Zeitgeist Weltschmerz” “The Tower” (2018) “The Spiral Sacrifice”(2018) “Tragedy of Seconds
Com destaque para os retorna depois de alguns MGT é o novo projeto Na ativa desde 1977, o Die (2018) Saudades do Bauhaus? Mais uma vez Anna- Gone” (2018)
arranjos vocais, o álbum anos desde seu último gothic-rock do ex-guitarris- Form é um dos grupos Pronto para um dos melho- Neste novo álbum a banda Varney Cantodea realiza Além da beleza da
de estreia da cantora e álbum solo com dois novos ta do Peter Murphy e The vanguardistas res álbuns de gothic rock carioca vai matar um pouco seu trabalho único, mistu- canção criadacom os versos
compositora Haney traz álbuns irmãos de capa Mission, Mark Gemini, com industrial/elecro/darkwave do ano? Esta banda alemã essa sua nostalgia. Mas o rando poesia, sons neoclás- imortais de William Blake,
elementos de Darkwave, semelhante: o “Confessions o ex-vocalista do The Awa- que continua lançando lançou grandes álbuns álbum vai muito além, traz sicos, góticos, medieval e o álbum é uma grande
Indie Pop, Rock Alternativo, & Doubts” com baladas e kening, Ashton Nyte, além trabalhos originais como nos anos 90, e voltou uma complexa torre com de qualquer outro mundo surpresa misturando diver-
Trip Hop e Progressivo, canções mais suaves, e o de várias participações de este até hoje. recentemente com uma vários andares diferentes, com seus vocais e interpre- sas influências do melhor
uma mistura que ela gosta “TanzZwang”, dançante. peso como no álbum “Volu- Confira também os álbuns sonoridade renovada para do post punk ao burlesco, tação sem iguais. Ainda não gothic rock e electro. Um
de chamar de “Rock Triste”. deezer.com/br/ mes” de 2016, confira! anteriores e antigos: o século XXI. Imperdível. da darkwave ao gótico. existe nada parecido. grande álbum de estréia.
facebook.com/haneymusic album/72443922 mgt-official.bandcamp.com dieform.bandcamp.com stillpatient.de theknutz.bandcamp soporaeternus.bandcamp wisborg.bandcamp.com

SELOFAN DESCENDANTS OF CAIN EGO ERIS FAKE DREAMS ASH CODE MONO INC. QNTAL IAMX “Alive is the New
“Vitrioli” (2018) “Conversations “Memento Mori”(2018) “Sonhos”(2018) “Perspektive” (2018) “Welcome to Hell ”(2018) “Nachtblume”(2018) Light” (2018)
O duo Joanna e Dimitris with Mirrors” (2017) “Tu Fui, Ego Eris”: a frase Álbum de estreia dessa A banda se destaca da vasta O novo álbum vem com Desde o começo dos anos Chris Corner, ex- Sneaker
retornam com seu electro & A voz profunda e em latim, muitas vezes banda de Vitória, na onda de bandas minimalistas dois CDs, o primeiro traz 90 um dos precursores da Pimps, é o IAMX, e nos
synthwave em um de seus melancólica se distingue encontrada em epitáfios, melhor tradição do post- surgidas nos últimos anos as versões mais “rock”, mistura de temas medie- traz uma obra prima, um
melhores álbuns até a data. em faixas que não repetem pode ser traduzida como -punk brasileiro com letras pela força e amadurecimen- e o segundo traz versões vais, neoclássicos e vocais álbum de renascimento,
A voz grave e soturna da a mesma fórmula musical, “O que você é, eu era; o que em português e a mágica to de suas composições: mais calmas e clássicas das belíssimos com elementos impossível não ouvir ecos
vocalista continua nos mas mantendo o as raízes eu sou, você será”. Excelen- dos anos 80. A poderosa temos canções aqui, com um mesmas canções. O lança- de electro e synth está de do Bowie glam
encantando e mantendo gothic-rock e as além. te estreia dessa banda de voz de Kelly ressoa sobre trabalho que transita entre o mento foi acompanhado de volta e não decepciona em encontrando pedaços do
clima retrô da melhores echozone.bandcamp.com/ Recife, no estilo Darkwave / teclados e ritmos pulsantes. minimalismo frio e um Sisters vários vídeos que você já realizar seu tradicional melhor da eletrônica alter-
bandas wave dos anos 80 album/conversations-with- Synthpop / Post-Punk. facebook.com/ of Mercy dos anos 80. pode conferir no Youtube. trabalho encantatório. nativa do passada e atual.
selofan.bandcamp.com -mirrors facebook.com/egoeris fakedreamsoficial ashcode.bandcamp.com mono-inc.com qntal.de iamxmusic.com

2 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 3


Existe uma grande diversidade e convivência de opções umbanda & candomblé
religiosas entre góticos, ao contrário dos preconceitos umbanda: 4,5%
candomblé: 1%
kardecismo & espiritismo
da sociedade em geral e de vários mitos correntes na sem religião
deístas
própria subcultura gótica. 5,5%
5% religiões orientais
8% budismo: 2%
Realizamos uma pesquisa* de opinião entre pessoas 4,5% védica/hare krishna: 1%
identificadas com a subcultura gótica, e vemos também 3,5%
esoterismo oriental: 0,5%

uma grande diferença em relação ao censo religioso do agnósticos


outras:
brasileiro em geral, com as religiões alternativas apare- 11%
8,5% espiritualistas: 2%
cendo com destaque entre nós. Confira a esotérico/místico: 1,5%
religiosidade difusa: 1,5%
judeus: 1%
ateus 14%
DIVERSIDADE
universalistas: 1%
20,5% satanismo: 1%
luciferianismo: 0,5%

RELIGIOSA
19,5% cristianismos

neopaganismos
& magias

GÓTICOS
ENTRE OS
cristão
cristão
cristão
cristão
católico: 9,5%
evangélico: 4%
protestante: 2%
não definido: 5%

BRASILEIROS neopaganismos: 17%


magia natural: 2,5%

*A pesquisa foi realizada por manifestação espontânea, sem sugestões no formulário.

Entrevistamos alguns dos partici-


pantes da pesquisa, nas próximas
páginas eles nos contam sobre suas
experiências conciliando a subcultura
gótica e sua opção de crença.
4 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 5
Clayton Santos, de
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

FOTO: ARQUIVO PESSOAL


Betim, Minas Gerais

Marcos Mattos, 43 anos, BUDISTA


Supervisor de Faturamento Logístico
Selene Vahn Dort, 37 anos São Paulo – SP
WICCA
Artesã perguntavam-me o motivo de estar aí Qual a importância da sua crença
Santana do Parnaíba - SP no meio. Hoje, conheci alguns cristãos em sua vida?
que dizem ser góticos. Não tenho nada
contra, desde que, caso ele venha falar A importância da minha crença é a fal-
sobre a sua religião, ele me deixe falar ta da “religiosidade”, que me permi-
da minha e escute o que tenho a dizer te ter escolhas para minha vida, sem
Já sofreu algum preconceito na cena sobre a dele. a interferência em minha fé. A minha
gótica pela sua opção religiosa? crença, não se impõe como a única ver-
Já sofreu algum preconceito no seu dade, tachando tudo que existe sendo
Não, até mesmo porque respeito todas meio religioso por ser gótico? bem ou mal, e sim me ensina que eu
religiões e conheço um pouco de cada sou o mal e o bem, que a escolha está
uma para estabelecer um diálogo. Sim, pois sofri muito preconceito no em mim, como vou proceder perante a
meio religioso por ingressar no meio sociedade.
Já sofreu algum preconceito no seu gótico. Sempre fui diferente da família
meio religioso por ser gótico? e dos conhecidos, e fui em busca de Qual a Importância da subcultura
vários horizontes atrás de algo que me gótica em sua vida?
Não. Entretanto, infelizmente a socie- proporcionasse o encontro com o meu
dade é muito preconceituosa em vá- eu verdadeiro. A subcultura é a minha vida, diz quem
rios aspectos, porque tudo que foge eu sou. Como disse, vim de mundos
do “padrão” é alvo de preconceito. O Nestas andanças me afundei religio- diferentes, embora minha família não
desconhecido e a falta de informação samente no evangelho, achando que entenda e não aceite o que sou. Digo
assusta as pessoas e o gótico muitas SELENE VAHN DORT tinha algo de errado comigo. Tive um a eles que nunca havia me encontra-
vezes “paga o preço” por ser diferente. certo alívio por algum tempo, mas do, até conhecer o goticismo, que me Já sofreu algum preconceito no seu
Para ser gótico não é preciso estar no Como é a harmonia da sua opção conforme fui estudando, minha in- trouxe liberdade, alívio e conforto, ao meio religioso por ser gótico?
visual 24 horas por dia e, por isso, pre- religiosa e da sua opção subcultural? quietação voltou e já não concordava entender que eu não tinha um proble-
firo separar as coisas. com muitas coisas do meio evangélico. ma, eu só era diferente.
Gisele Chavier, 37 anos, No budismo nunca, em outras religiões
A harmonia, entre a minha opção reli-
KARDECISTA sim.
Qual a importância da sua crença giosa e a minha opção subcultural, di- Passei de igrejas mais rígidas para igre-
Profissional de Marketing
São Paulo - SP
em sua vida? go-vos que pode ser considerado como jas mais abertas, que se preocupavam MARCOS Qual a importância da sua crença
“perfeita”. Contudo, nem sempre foi mais com estudos e foi aí que o go- em sua vida?
Lady Violador: Para mim é muito im- assim. Vinda de uma família católica ticismo foi me apresentado. Foi como Como é a harmonia da sua opção
portante, porque passei a enxergar a fervorosa, mas ingressando no evange- uma explosão em meu ser! Como o religiosa e da sua opção subcultural?
LADY VIOLATOR vida com outra perspectiva, abrin- lho cristão, minha introdução na cena goticismo era um estilo de vida e não
O budismo me ajuda a seguir um ca-
minho para uma evolução pessoal,
do minha mente em diversos fatores. gótica foi bem conturbada. uma religião, tentei conciliar os dois, No Budismo, levamos em consideração
sem máscaras.
Como é a harmonia da sua opção Acredito que não existe religião certa mas, ao mesmo tempo, estava vivendo a harmonia, o bem interior e a relação
religiosa e da sua opção subcultural? ou errada e que o certo é seguirmos Já sofreu algum preconceito na cena o processo do fim do meu casamento. com o mundo, além de como é nosso
Qual a Importância da subcultura
o caminho que nos torna pessoas me- gótica pela sua opção religiosa? comportamento com as pessoas em
gótica em sua vida?
A minha paixão pela subcultura gótica lhores. Logo fui tachada de endemoniada e nossa volta e em nossas atitudes. O
veio na adolescência, antes da minha Hoje em dia não sofro mais precon- muitas pessoas do meio evangélico me universo devolve amanhã o fazemos
Minha introdução com a subcultura
opção religiosa. Por isso, hoje vivo em Qual a Importância da subcultura ceito por meio de subcultura ou por olhavam torto ou já não me cumpri- hoje (atitudes boas ou não), tudo tem
começou em meados dos anos 1980, e
harmonia, porque o gótico pode ser gótica em sua vida? minha opção religiosa. Cultuo os deu- mentava mais. Fui compelida a renun- uma relação. Cada ser humano é um
não foi por meio de baladas ou amigos
uma pessoa do bem, que ama, é ho- ses antigos e vamos dizer que estudar ciar aos cargos na igreja e logo depois individuo único e no budismo pode-
góticos. Comecei com campeonatos de
nesto e está disposto a ajudar quem A subcultura faz parte de mim. Por bruxaria, é “cult” no meio gótico, mas sai. Com várias tentativas de fortale- mos encontrar pessoas de qualquer
skate e os programas da época (Grito
precisa. isso, é muito importante, esteve pre- quando conheci o goticismo, eu era cer a amizade, tentei ir em outras que opção sexual, de qualquer subcultura e
da rua, Conexão Skate, Realce), além
sente em várias etapas da minha vida e evangélica, aliás, diaconisa e dirigente me acolhiam muito bem. Até marquei até mesmo de outra religião.
do punk rock e guitars bands (hoje in-
O caráter de cada um é independente se aperfeiçoou conforme o tempo. de grupos de louvor. campanha de oração na minha casa die rock).
das suas opções de estilo ou gosto mu- para me livrar dos demônios, fora as Já sofreu algum preconceito na cena
sical. A escuridão do gótico pode ser Entendi que ser gótica se funde com Quando me dirigia ao “amigo da orações e imposições de mão para me gótica pela sua opção religiosa?
Aprecio bandas como Joy Divison, the
apenas externa e por dentro ser de luz, a minha personalidade e estilo, é um cena” para falar de religião, todos fa- livrar do suposto “diabo”. Todas me Cure, Sisters of Mercy, Bauhaus, Alien
assim como pessoas “comuns” podem hobby que me levou a lugares incríveis lando em auto e bom som de Lilith e aceitavam bem quando eu chegava e Nunca, tenho amigos tanto no meio
sex fiend e Nitzer Ebb.
ter imensa escuridão interna. A luz do e que me fez conhecer muitas pessoas Bafomet. Se eu falasse de “Jesus” eu diziam que eu poderia vir como estava, gótico e em outras subculturas que são
espiritismo não é oposta a luz interna interessantes. Torna-me única, mutável quase “apanhava” e, ao ser interpe- pois “Deus ia me transformar e purifi- budistas. Nunca causou nenhum tipo A música underground faz parte de mi-
de qualquer gótico. e me tira da atmosfera comum. lada, respondendo ser “evangélica”, car minhas vestes”. de preconceito. nha vida, não me vejo de outra forma.

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FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
Quando era católica, na adolescência, Pessoalmente nunca sofri preconceito
sim. As pessoas achavam que as duas de góticos, mas de pessoas que orbi-
coisas não poderiam coexistir e que eu tam a cena.
estava me tornando satanista ou coisa
do gênero! (risos) Já sofreu algum preconceito no seu
meio religioso por ser gótico?
Qual a importância da sua crença
em sua vida? Não, mas creio que por não usar visual
gótico o tempo todo.
É grande, uma vez que influencia o
meu convívio com as outras pessoas
Qual a importância da sua crença
e nas minhas escolhas. Acho que me
Top, 30 anos em sua vida?
permite ser mais autônoma e não ser
CATÓLICO
influenciada por preconceitos típicos
Policial Militar Deus é o centro de minha vida. Sem
de religiões organizadas. Além de ser Dennis Lurm, 37 anos
Salgueiro - PE Ele não há esperança, como um niilis-
mais responsável pelos meus próprios AGNÓSTICO
mo inverso. “In corde Iesus” (No cora-
atos. Estagiário/ Estudante
ção de Jesus).
de Artes Visuais
Qual a Importância da subcultura
gótica em sua vida? Qual a Importância da subcultura gó-
tica em sua vida?
Também é grande. Trata-se de uma Gaga Gothic, 20 anos
AGNÓSTICA identificação que vem da juventude. ATÉIA A subcultura gótica é parte consti-
Janaina Mussatto, 43 anos Tento não fazer com que isso me defina Youtuber tutiva de mim. É a porta de saída de
Designer de Moda e Maquiadora como indivíduo, mas não dá para negar Curitiba - PR sentimentos que não posso explicar de
São Paulo – SP que é uma grande parte de mim. In- onde vem ou por que...
fluencia meu visual, escolhas musicais,
Não, nunca. Não frequento nenhum
JANAINA estéticas, meu gosto por literatura...
tipo de prática, então não. TOP DENNIS LURM os opostos causam reações adversas
como diria Santo Agostinho: “A luz faz
Espero que essa pesquisa sirva para ver, mas se é excessiva cega”.
Como é a harmonia da sua opção Qual a importância da sua crença Como é a harmonia da sua opção Como é a harmonia da sua opção
mostrar não só as pessoas fora da sub-
religiosa e da sua opção subcultural? em sua vida? religiosa e da sua opção subcultural? religiosa e da sua opção subcultural?
cultura, mas também aos góticos que Já sofreu algum preconceito na cena
somos bem mais variados do que se gótica pela sua opção religiosa?
Pode soar pejorativo, mas sempre Na verdade, não vejo muita importân- A harmonia entre minha opção reli- Nasci numa família evangélica embora
pensa, já que muitos nos relacionam ao
acreditei que a subcultura gótica reu- cia. Eu gosto dos ideais, de ler e estu- giosa e a subcultura gótica ocorre fa- nunca tenha sido batizado e não seguir
satanismo e ateísmo, um cliché diga-se Não, pois, como já disse, não tenho
nisse os excluídos, incompreendidos dar sobre, mas não acho que seja algo cilmente, pois a Igreja Católica não é a religião (não tenho religião), porém
de passagem. uma religião. Quando se diz sem re-
e, consequentemente, suas escolhas, essencial. uma instituição que policia o compor- acredito que existe uma força suprema.
inclusive religiosas. ligião ou agnóstico muitos te conside-
tamento dos fiéis de forma pessoal, ram o cara que “não sai do muro” mas
Claro que a apreciação por cemitérios
GAGA GOTHIC Qual a Importância da subcultura isto é, ela define o que fazer, mas não É fato que os preceitos e valores des- acredito que na maioria das vezes esse
gótica em sua vida? “fiscaliza” que se faça. sa vertente cristã ficaram enraizados pensamento esteja de forma latente.
e cruzes remetem ao cristianismo, mas Como é a harmonia da sua opção na minha formação como ser humano
isso não reflete as escolhas pessoais religiosa e da sua opção subcultural? É muito importante! É algo que eu Além do mais, a subcultura gótica não em boa parte, mas não pelo lado mais
dos góticos. Então, não vejo conflito Já sofreu preconceito em seu meio
passei boa parte da vida procurando e, tem uma constituição rígida que se ortodoxo da crença e sim pelo valor religioso por ser gótico?
algum entre ser gótica e agnóstica. É tranquilo, até hoje em todas as mi- quando me aprofundei, percebi que era deve aderir integralmente, então posso humano e o tema do “amor acima de
nhas conversas sobre religião com a naquilo que eu me encaixava. assumir ou rejeitar aspectos da sub- todas as coisas” tão presente nela. Dennis Lurm: Posso falar pela religião
Já sofreu algum preconceito na cena subcultura aqui em Curitiba, nunca cultura que divirjam de minha crença
gótica pela sua opção religiosa? da minha família, já que não tenho re-
ouve afronte ou nada do tipo, todos E com todas as pessoas da cena, nos- pessoal. Assim como a parte teológica Desse modo, acredito que a harmo- ligião. O Cristianismo e suas vertentes
aceitam e discutem sobre qualquer re- sa amizade é ótima e quando estamos católica facilita o respeito pelo outro nia da minha espiritualidade com a tendem a enxergar o gótico como uma
Nenhuma! Pelo menos nunca me dis- ligião e levam em consideração todas juntos é tudo muito confortável. diferente de mim, posto que devemos subcultura gótica esteja proeminente
seram nada, porém curiosamente já vi antítese do bem, a Bíblia diz: “...Que
as crenças. amar a todos. justamente nessa “catarse” do ima- comunhão pode haver entre luz e tre-
preconceito contra góticos cristãos. É bom estar com pessoas que tem os terial. O prazer seja físico ou telúrico, vas?”(2 Coríntios 6:14). Baseados nis-
Já sofreu algum preconceito na cena mesmos gostos e estilo de vida que Já sofreu algum preconceito na cena eleva-nos a um lugar desconhecido, a so, a grande maioria dos cristãos tem
Já sofreu algum preconceito no seu gótica pela sua opção religiosa ou no você. É uma das partes mais impor- gótica pela sua opção religiosa? um patamar na busca da nossa essên-
meio religioso por ser gótico? preconceito com a subcultura gótica
meio religioso por ser gótica? tantes da minha vida. cia, que pode estar no breu ou na luz, por acreditar que seus adeptos são

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FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
Josiane Roxinha 30 anos
EVANGÉLICA
Empresária
praticantes do satanismo, quando na Duque de Caxias – RJ precisamos de um ser superior para
verdade ser gótico não implica seguir nos ajudar nas horas que precisamos.
esta ou aquela crença.
Qual a Importância da subcultura
Qual a importância da sua crença gótica em sua vida?
em sua vida?
A subcultura ela sempre estava presen-
Acredito que existe uma força suprema te na minha vida, e ao longo dos anos
criadora de tudo. Como disse Chaplin: descobri que a subcultura Vai além de
“Vida e morte são coisas determinadas musica, visual definitivamente é o meu
demais para serem puramente aciden- estilo de vida.
tais”. A importância disso é a fé, exis-
te coisa mais louca que a fé? Acreditar Nós somos livres para usarmos as rou-
em algo que não se toca e não se vê? pas pretas ou coloridas, acreditar em
deuses, entidades e guardiões. Já vive-
Em muitos momentos da nossa vida mos em uma sociedade cheia de pre-
acreditar que não estamos sozinhos dá conceitos. E nossa família, que deveria
uma energia muito grande para seguir sempre nos apoiar, acaba não fazendo. Drika Wilmont, 30 anos
em frente, pois esse mundo tem muito São raros os casos de aceitação do es- UMBANDISTA
mais motivos para desistirmos do que Sabrina Pinheiro, 28 anos tilo e da religião dentro de casa. Body Piercer
para prosseguirmos. Van Stille, 19 anos NEO-PAGANISTA São José dos Campos - SP
ATEU Auxiliar Operacional E como se já não bastasse, temos pre-
Qual a importância da subcultura Operador de Telemarketing Florianópolis - SC conceito dentro da própria cena. Somos
gótica em sua vida? São Paulo - SP parte da mesma subcultura, podemos
até ter gostos diferentes e já sofremos
Conheci o gótico na adolescência, nos Qual a importância da sua crença Já sofreu algum preconceito na cena bastante discriminação e ainda supor- Já sofreu algum preconceito no seu
idos da década de 1990 e ali encontrei em sua vida? Importância mínima. gótica pela sua opção religiosa?
SABRINA tar isso dentro da cena é demais. meio religioso por ser gótico?
uma subcultura que eu tinha muita afi-
nidade. Sempre fui muito introspecti- Qual a Importância da subcultura Como é a harmonia da sua opção Então, PAREM! Precisamos nos unir
Já, mas com o tempo cada um foi se acostu- De forma alguma. A Umbanda é li-
vo, notívago e já curtia escrever contos gótica em sua vida? religiosa e da sua opção subcultura? para fortalecer a cena e eliminar esse
mando a respeitando minha religião. berdade e você pode ser o que quiser.
e poemas. Adorava arte com um as- PS: Só com respeito ao próximo que religião, comportamento. Só não pode alterar o percurso natural
pecto mais sombrio, aquele lado que Muito importante. Uma subcultura É bem tranquila, posso trocar ideia que
opção sexual e cultura vão entrar em harmo- da vida e, de resto, a Umbanda aceita
só nas camadas mais íntimas do ser onde me identifico, sinto-me acolhido não tem problema.
nia. cada um do jeito que é ou está.
humano conseguimos escavar, quase
como uma psicanálise freudiana. Para
e tenho prazer em fazer parte.
já sofreu algum preconceito na cena
DRIKA WILMONT
já sofreu algum preconceito no seu Qual a importância da sua crença
mim, hoje a mente é um terreno prolí- Se algum dia você sofrer preconceito gótica pela sua opção religiosa?
meio religioso por ser gótico? Como é a harmonia da sua opção em sua vida?
fero e misterioso. O gótico me inspira pela sua religião na subcultura góti-
religiosa e da sua opção subcultural?
a buscar o eu interior e a retirar mais ca, analise bem o tipo de pessoas que Não, a grande maioria das pessoas na
Sim, sofro até hoje, mas são pelas pessoas cena gótica, pratica bruxaria... então é Eu sou umbandista desde 2014. Ain-
camadas em busca do conhecimento. você anda e quais seus conceitos. Pre-
que têm a mente fechada, como em todas as Na verdade são duas coisas distintas da estou aprendendo e a Umbanda me
conceito (principalmente religioso) não bem tranquilo.
religiões existe também. (completamente), mas independente deu além de um colo, uma forma dife-
faz (e não deve fazer) parte do gótico.
VAN STILLE: Qual a importância da sua crença
Já sofreu algum preconceito disso, a minha opção subcultural não
afeta nem um pouco a minha religio-
renciada de olhar para a vida, tornan-
do-se essencial. É necessário cuidar do
no seu meio religioso por ser gótico?
Como é a harmonia da sua opção JOSIANE em sua vida? sidade ou evolução espiritual. Sim, é
possível ser gótico umbandista.
corpo para se ter uma boa vida, mas
também é necessário cuidar do espírito
religiosa e da sua opção subcultural? Não, só um pouco com meus pais, em-
Bastante importante, primeiro Deus acima bora eu já não moremos mais juntos, para termos leveza mediante as prova-
Como é a harmonia
Totalmente tranquila. de tudo, pois sem ele eu não sei o que seria eles ainda têm um pouco de dificulda- Já sofreu algum preconceito na cena ções.
da sua opção religiosa
de mim. de em aceitar. gótica pela sua opção religiosa?
e da sua opção subcultural?
Já sofreu algum preconceito na cena Qual a Importância da subcultura
gótica pela sua opção religiosa? Qual a Importância da subcultura Qual a importância Infelizmente sim. Só de mencionar a gótica em sua vida?
Embora a subcultura gótica seja laica, alguns
gótica em sua vida? da sua crença Umbanda em alguns lugares que eu
De forma alguma. Se tivesse sofrido, góticos ainda acham que evangélicos não
em sua vida? frequentava, notei vários olhares de A Subcultura gótica é outro aprendiza-
com certeza saberia que não estava podem ser góticos e os evangélicos também Bom, conheço a subcultura gótica em geral reprovação, risos de deboche e até te- do muito importante para mim, tanto
com as pessoas/grupo certo. acham a mesma coisa. De um tempo para cá, desde adolescente e faz parte da minha vida, orias de que a Umbanda é um estado
É bom termos uma crença em algum musicalmente quanto na literatura. O
surgiram góticos evangélicos para quebrar está presente em tudo. Não é atoa que hoje Deus ou Deusa para nos proteger e nos de transe. A diversidade de conclusões estilo é algo bonito, mas não é tudo.
Já sofreu algum preconceito no seu este tabu, mostrando que independente de tenho uma grife (loja) relacionada a moda guiar. Então, a crença na minha vida sobre a Umbanda vindas de não prati- Conteúdo é essencial.
meio religioso por ser gótico? Não. religião, podemos todos viver em harmonia. gótica e alternativa, a Purple Shadows. é algo muito importante, pois sempre cantes são das mais atípicas.

10 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 11


Kipper ENTREVISTA

Depois do sucesso com o Dresden Dolls e de sua carreira solo,


Amanda nos fala sobre novas formas de ser artista na era digital,
feminismo, indústria cultural e como é ser ao mesmo tempo artista
alternativa e mãe em um mundo que não mostra essa opção.
Você tem uma canção divertida cem, toda minha base de fãs sabe, mas parceria com ele foi como uma realiza-
sobre arte que nos dá muito material a mídia mainstream dificilmente fica ção coroadora de minha vida.
para reflexão... “Arte Pop é ARTE?”. sabendo que alguma coisa está acon-
(canção “Is Pop Art art?”) Citadas na tecendo. Contudo, de qualquer forma, Você tem um vídeo muito inspira-
letra, o que Madonna, Lady Gaga e eles nunca se importaram muito. dor no TED Talking (9) sobre a arte
Amanda Palmer tem em comum? de pedir, financiamento coletivo e
O Dresden Dolls retornou em 2017, outros tipos ações colaborativas para
AMANDA PALMER: Meu deus... nós em um Estados Unidos bem apoiar artistas e outros projetos.
todas somos mulheres combatendo diferente da época em que Esses são caminhos alternativos em
um impossível sistema masculinista da acabaram: ainda é um perigoso um mundo altamente individualizado
indústria musical. Não é de estranhar Cabaret em Weimar(4) ou já e massificado?
que todas nós fiquemos um pouco pi- estamos no 4º Reich de Trump? (5)
radas e não saibamos exatamente o (nota: a nossa revista Gothic Station
que fazer. AMANDA: O Reich (6) está chegando. também se tornou realidade através
Os Artistas devem afiar suas facas, de uma versão brasileira de financia-
Sua carreira solo desde 2008 querida. mento coletivo)
tem sido altamente produtiva
e diversificada, e também cheia Podemos esperar material novo do AMANDA: Penso que é do jeito que
de colaborações. O que você Dresden Dolls? sempre foi: os artistas que ignoram o
gostaria de destacar? mainstream, o Sistema e desbravam
AMANDA: Podem sim! Nós dois es- o caminho adiante custe o que custar
AMANDA: Bem, eu sou incrivelmente tamos muito ocupados com nossos para encontrar e se conectar com seu
orgulhosa do meu recorde no Kicks- próprios projetos agora, então é difícil público vão sempre sobreviver. A In-
tarter (1), com o (álbum) “Theater is dizer exatamente quando, mas ambos ternet mudou TUDO. Não há caminho
Evil” (2). Tenho meus arrependimentos esperamos colaborar de novo algum de volta, para o bem e para o mal.
dia.
Entrevista com
quanto ao circo midiático que isso vi-
rou depois, mas sinto que as composi- E agora que nós podemos nos comu-
ções e a produção desse álbum (2012) Como foi a experiência nicar tão livremente com as pessoas,

AMANDA
foram os melhores da minha carreira. no Wave Gotik Treffen (7) é como no velho oeste… com velhos
Meus fãs sabem que isso é o que im- com o Edward Ka Spel? (8) sistemas morrendo e novos sendo ge-
porta para mim. E as novas composi- rados a cada minuto. Todavia, meu ob-
ções que eu tenho produzido pelo meu AMANDA: Foi incrível, embora tenha- jetivo sempre foi o mesmo: encontrar
Patreon (3) são tão, tão boas. mos tido uma tonelada de problemas minha tribo, para fazer música com e
FOTO: KYLE CASSIDY / DIVULGAÇÃO

técnicos. Excursionar com o Edward foi para eles, e ignorar o resto.

PALMER
Estou realmente orgulhosa no meu realmente um sonho se tornado reali-
novo material e adorando ter uma co- dade: você não pode imaginar o que a Em outro vídeo você comentou que
munidade de 11 mil pessoas que me música do “The Legendary Pink Dots” “Feminismo não é sobre ser perfei-
apoiam não importando quão esquisi- significou para mim quando eu era ta, mas sobre ser honesta”. Quão
tas sejam as ideias com que eu apareça. adolescente. Era meu mundo inteiro, relevante é a pressão social sobre
Eu finalmente estou totalmente fora do minha luz guia salvadora feita de pa- as mulheres sobre administrar uma
sistema. Projetos completos aconte- lavras e música. Finalmente fazer uma carreira e a maternidade?

12 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 13


sabilidade compartilhada e um monte
de frustração e dor.

O trabalho do Neil o levou a Londres


por um mês, ele viajou hoje, e eu tenho
lidado com uma criança de dois anos
que não parou de chorar por 45 minu-
tos, porque ele sabe que seu pai viajou.

Eu posso literalmente ouvi-lo chorar


enquanto tento digitar essa entrevista.

FOTO: SHERVIN LAINEZ


(Mas essa entrevista está agora três se-
manas atrasadas e eu estava tipo “eu
vou me matar se eu não digitar isso
hoje”). Então eu deixei o bebê com mi-
nha amiga e ela está dando um banho
nele enquanto eu digito.

Essa é minha vida exatamente agora.


Não é fácil. Tem sempre um bebê em Um pouco
cena e eu também amo meu bebê pra de Amanda:
caralho, o que faz tudo ser bastante
tolerável. AMANDA PALMER:
Who Killed Amanda Palmer -
FOTO: ALLAN AMATO/ divulgação Amanda Palmer
E o Neil é um pai fantástico. Ele tem 2008
dificuldade com o equilíbrio trabalho/ Amanda Palmer Goes Down
AMANDA: Tão relevante quanto você velmente chato. Mas não havia nada vida, todos nós temos, mas ele tem Under - 2011
o fizer ser: mas é impossível ignorar para por no lugar e substituir aquilo. uma ambição particular que o come Piano is Evil - 2016
a bagagem cultural que é constante- Eu tive que inventar eu mesma. E isso vivo e o impede de qualquer paz men-
mente despejada em nossas cabeças. pode ser muito solitário. tal, então as vezes eu me preocupo COLABORAÇÕES:
Eu passei um tempo difícil tentando com ele. Theatre is Evil - Amanda Palmer
conciliar arte e maternidade, porque Então, um dos meus maiores projetos NOTAS: de “regime conservador e autoritário”. & The Grand Theft Orchestra -
eu simplesmente não tinha modelos nos últimos quatro ou cinco anos tem Entretanto, eu superei minhas próprias (7) Wave Gotik Treffen, maior festival 2012
diretos de comportamento. sido procurar mães musicistas, as mães fases workahólicas e Deus sabe que eu (1) Kickstarter é um sistema norte-a- gótico mundo, em Leipzig. An Evening with Amanda Plamer
“freak” e alternativas e colocar minha não ouviria ninguém que me dissesse mericano de crowdfunding, ou & Neil Gaiman - 2012
Eu literalmente cresci sem ver ou sem fé nelas enquanto bloqueio meus ouvi- para reduzir o ritmo, então eu sei como financiamento coletivo, que inspirou (8) Edward Ka Spel, vocalista e co- Jack & Amanda Palmer -
ser exposta a uma única mulher musi- dos para o lixo cultural que se cansa de não afligi-lo muito. Principalmente nós o sistema brasileiro Catarse. -fundador dos The Legendary Pink You Got Me Singing- 2016
cista trabalhadora que também tivesse dizer quem eu tenho que ser. aprendemos a tomar mais e mais cui- Dots Amanda Palmer & Edward Ka-Spel
filhos. Eu sempre quis criar minhas próprias dado um do outro a cada ano. (2) O financiamento coletivo do álbum - I Can Spin a Rainbow- 2017
regras e com a maternidade não é di- superou 1 milhão de dólares em 2012. (9) TED Talking é uma série de vídeos
Eu conheci montes de mulheres que ferente. Nós dois somos uns artistas tão egoís- em que pessoas experientes em edu- COM O DRESDEN DOLLS:
trabalhavam, mas todas tinham em- tas, frágeis e vulneráveis que nos ma- (3) Patreon é outro sistema de finan- cação, artes, ciências, etc fazem uma The Dresden Dolls - 2003
pregos suburbanos das 9h as 5h e as Há alguns anos você e Neil Gaiman chucamos um ao outro o tempo todo. ciamento coletivo, mas recorrente. fala curta ensinando algo. Yes, Virginia - 2006
crianças em vizinhanças e escolas nor- (11) se casaram, ambos têm incríveis Mas nos tornamos melhores em nos No, Virginia - 2008
mais – e a MTV (10) estava lá me di- carreiras artísticas pessoais mas desfazer da dor e é isso o que faz es- (4) República de Weimar: regime (10) MTV, Music Television, canal
zendo que a maternidade no rock era vocês também desenvolveram muitos tar em um casamento ser tão divertido. democrático e liberal que antecedeu a de TV aberta que nos anos 1980 e COMO “EVELYN”:
algo que não existia. trabalhos criativos juntos. Como Nós ficamos realmente melhores nes- ascenção do Nazismo na Alemanha. 1990 passava clipes musicais quase o Evelyn, Evelyn - 2010
funciona aquela coisa sa coisa a cada ano. tempo inteiro, tendo grande influência
Enquanto isso, os comerciais me di- de “vida familiar”? (5) Donald Trump, presidente dos comportamental entre jovens. amandapalmer.net
ziam que todas as mulheres com filhos Talvez mais 15 anos e nós realmente EUA. dresdendolls.com
ficavam em casa e discutiam sabão AMANDA: É similar a tudo mais em consigamos aprender a cozinhar na (11) Neil Gaiman, autor de Sandman, evelynevelyn.com
em pó. Eu ficava tipo... “foda-se tudo um relacionamento: há um monte de mesma cozinha sem estrangular um ao (6) “O Reich” se tornou na cultura po- Coraline, American Gods
isso”. Aquilo parecia realmente terri- compromisso e um monte de respon- outro. pular um termo usado com o sentido e muitas outras obras.

14 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 15


Siouxsie Sioux, Sana Skull HISTÓRIA DA MODA
vocalista do Siouxsie
and The Banshees
Patricia Morrison,

TRAD
e The Creatures
do Sisters of Mercy
e The Damned, etc

No começo da década de 1980, mais


precisamente no ano de 1982 surge

GOTH
em Londres o Batcave Club, local que
abrigaria uma cena musical e estética
que ficaria conhecida como “gótica”.
Uma das maiores marcas dos jovens
frequentadores do clube era o estilo
visual que ficou marcado sob a no-
menclatura de “Trad Goth”. Da origem
no underground, o gótico chegaria ao
mainstream e se tornaria uma das mais
conhecidas culturas atraindo adeptos
até os dias de hoje.

Bauhaus, Siouxsie & the Banshees, The


Cure e Sisters of Mercy eram bandas
britânicas e todas elas contribuíram
para a formação do visual gótico ori-
ginal. O Glam Rock, o Punk e os New
romantics (ou Blitz Kids, veja matéria
na edição #3) também a influenciaram,
assim como o cinema e a literatura de
horror (veja matéria sobre literatura
gótica na edição #1).

Em 1979, a banda Bauhaus lança “Bela


Lugosi´s Dead”, homenagem ao ator
húngaro que interpretou Drácula nos
filmes da Universal Studios, e a música
se tornaria um hino. Peter Murphy teve
uma infância muito católica crescendo
envolto ao tema do céu versus inferno.

Também o influenciou o design da es-


cola alemã Bauhaus, que no começo do
século 20 era associado com artistas
do expressionismo alemão que criaram
cenários de filmes como “O Gabinete
do Dr. Caligari” e “Nosferatu”, ajudan-
do a formular o visual do cantor, com-
posto por muita teatralidade, androgi-
nia, maquiagem contrastante preta e
branca, sem deixar de lado a influência
Bauhaus, Siouxsie, The Cure, Dave Vanian, Sisters Glam que se unia com o visual de hor-
ror vampiresco. Os fãs de Murphy aca-
of Mercy, entre outras bandas britânicas, contribuíram bavam por imitar o visual do cantor.
para a formação do visual gótico original, misturando Em 1982, o clube Batcave abre em Lon-
em um caldeirão infuências do Glam Rock, do Punk dres no distrito de Soho sob o lema
“blasfêmia, luxúria e sangue” com
e dos New Romantics (ou Blitz Kids), além de um logotipo em formato de morcego.
referências do cinema de horror e literatura gótica. Ao adentrar, encontrava-se uma porta
adornada em formato de caixão. De
FOTOS: DIVULGAÇÃO

16 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 17


FOTOS: DIVULGAÇÃO
Robert Smith,
eterno vocalista
do The Cure

diferente que seu estilo foi rapidamen-


te copiado pelas primeiras góticas e
logo se espalhou pelo mundo se tor-
nando um visual punk e gótico icônico
até os dias de hoje. Mas Siouxsie tam- The Sisters of Mercy
bém inspirou os homens e um deles foi no começo da carreira
Robert Smith da banda The Cure que
chegou a tocar com os Banshees e ado-
tou os cabelos armados despenteados,
a pele pálida e o batom vermelho.

Naquele começo da década de 1980,


o gótico já atraía atenção da imprensa
especializada em música, que se inte-
ressava pelo som macabro e pela es-
tética experimental dos fãs e das ban-
das, logo música e moda atrairiam a
atenção de uma parcela ainda maior de
jovens que passariam a também fazer
parte da cena.

Dave Vanian comandava uma das ban-


das de grande impacto na época, The
Damned. O vocalista usava cabelos The Mission, depois da
pretos e maquiagem cadavérica com separação com
Alien Sex Fiend rosto branco, olhos e boca escura e o Sisters of Mercy
maçãs do rosto supermarcadas. No
“Black Álbum” (1980), a imagem mais
dia o local era um clube de striptease e drag queens e transmitia filmes de ter- punks, Siouxsie carregava o visual macabra do cantor havia sido ado- a uma donzela romântica vampires- Assim como Eldritch tinha um visual
no porão funcionava o Gossips, um bar ror antigo. Um local de diversão com marcadamente fetichista daquela sub- tada por toda a banda. Vanian usava ca com seus cabelos longos armados que saía do habitual “terror, vampiros
gay que dois anos antes havia hospe- decoração em couro e renda. cultura e manteve essa essência na me- um visual vampiresco, inspirado na e penteado pra trás, vestidos e saias e romantismo” comum nas primeiras
dado as ‘Bowie Nights’ de Rusty Eagan dida em que sua banda foi tornando a moda masculina romântica do começo longas e salto agulha. Logo as moças bandas góticas, o The Mission ia para
e Steve Strange (matéria Blitz Kids na O clube teve poucos anos de vida, pois sonoridade mais obscura. do século 19 e a banda toda pareciam góticas também adotariam vestidos, um caminho mais eclético visualmen-
edição #3). fecharia em 1986. Ollie Wisdom e Jon- dandies mortos-vivos vindos direto de espartilhos, cabelos longos, véus e até te, flertando inclusive com uma esté-
ny Slut (vocalista e tecladista da ban- A cantora se inspirava em filmes de séculos passados. mesmo vestidos de casamento. tica mais boêmia, com peças soltas e
O Batcave foi criado por Jon Klein e da Specimen, respectivamente) foram horror, abusava de couro, tela arrastão estampadas, largos chapéus e até caf-
Ollie Wisdom ambos da banda Speci- pioneiros do que se firmaria como o rasgada, renda, tachas e amarrações, Em meados da década de 1980, a cena Em meados de 1980, bandas britânicas tans, embora também mantivessem o
men. Quando a banda se mudou pra visual Trad Goth, com Jonny ostentan- vestia minissaia em vinil com botas até gótica já estava estabelecida, o visual emergiram para o mainstream fazendo visual obscuro.
Londres e não tinha um local para to- do seu famoso penteado Deathhawk. a coxa. Como acessórios, usava gargan- da The Damned se revelava influente, sucesso comercial e atingindo grande
car, convenceram o dono do Gargoyle tilhas e calçava sapatos scarpin. ajudando a promover o lado romântico audiência, dentre elas estava The Sis- Já o Fields of the Nephilim não teve
Club, a deixá-los hospedar uma noite As bandas Sex Gang Children e Alien da estética Trad Goth, com roupas de ters of Mercy, comandada por Andrew grande sucesso comercial nos anos
de quarta. A playlist inicialmente ec- Sex Fiend também se destacam pelo Uma de suas marcas era a maquiagem inspiração histórica especialmente do Eldritch e seu visual todo preto, com 1980 fora da cena gótica, mas se tor-
lética, era formada por músicas Punk pioneirismo. Maquiagem fantasmagó- artística nos olhos, pois Sioux teve fim do século 18 e começo do 19, com jaquetas e calças de couro, um habi- nou influente dentre os apreciadores
passando pelo Glam e New Wave, tor- rica, renda e arrastão rasgados, cabelos como grande influência a personagem direito a cartolas, bengalas, botas de tual óculos escuro e cabelos longos de gothic rock. Filmes de faroeste do
nou-se gótica naturalmente. Devido armados tingidos de preto com cristas Cleópatra interpretada pela atriz The- montaria, camisas brancas, casacos com mechas caindo ao rosto, muitas diretor italiano Sergio Leone inspira-
às bandas e ao público frequentador, extravagantes eram visuais comuns nas da Bara no filme de 1917. Os olhos ma- bordados, calças ajustadas na barra. vezes oculto por um chapéu de abas ram o visual da banda que trazia um
passaria a ser o local associado ao vi- bandas e que passariam a ser copiados quiados com inspiração egípcia se tor- largas que lhe dava um ar de mistério visual cowboy americano de longos
sual tradicional da subcultura gótica. pelos fãs e frequentadores do clube. nariam a marca registrada da cantora A baixista Patrícia Morrison represen- e distanciamento. Eldritch viu o guitar- casacos de couro, calças e botas de
assim como o cabelo armado e espe- ta bem os dois lados da estética Trad rista Wayne Hussey e o baixista Craig montaria.
A “gothic night” do Batcave atraía um Mas a estética Trad Goth possui uma tado, a pele embranquecida, as unhas Goth feminina, adotando tanto o vi- Adams partirem do Sisters em 1985
público diverso, incluindo Rockabillies diva considerada por muitos a criado- negras e batom fortemente vermelho, sual fetichista quanto o visual de re- para formarem a banda The Mission, Um pouco de farinha dava um aspecto
e Psychobilies (a banda The Meteors ra do estilo feminino: Siouxsie Sioux. elementos que unidos se tornariam seu ferência histórica, como uma heroína que se tornou uma banda clássica de gasto e empoeirado às vestimentas e
chegou a tocar lá), tinha cabaret de Sendo uma das primeiras garotas visual goth característico. Ela era tão da literatura gótica, ela se assemelhava gothic rock. ao chapéu de abas largas. Não falta-

18 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 19


muito pretos, aos poucos começaram
a também ganhar tons de loiro ou ver-
melho.
No começo dos anos 1980, parte dos
primeiros punks tomariam um rumo
mais fantasmagórico, unindo-se ao
glamour e ao experimentalismo exage-
rado dos New Romantics e dos Glam
Rockers, dando origem a um dandismo
vampiresco e a um visual sombrio fe-
tichista que convergiu na cena gótica.

Sensualidade, horror, ocultismo e mis-


ticismo permaneceram como marca
estética da subcultura ao longo dos
quase quarenta anos de sua existência.

As décadas passam e o estilo Trad


Goth tem demonstrado ser um visual
atemporal. Atualmente podemos ob-
servar um revival do estilo por uma
Bauhaus: Daniel Ash nova geração que busca nas origens da
e Peter Murphy a frente, cena referências estéticas, musicais e
David J. e Kevin Haskins comportamentais.
mais atrás

Anne-Marie Hurst,
vocalista do Skeletal Family
va também um toque de ocultismo e
e do Ghost Dance
misticismo, bem observado no nome
da banda. Ao contrário de alguns trad
goths que investiam num visual andró- Dave Vanian e Laurie Gledson em 1977, quando se casaram
gino, Fields of the Nephilim apostava
um visual bem masculinizado. O ROMANTISMO VAMPÍRICO Quando o casamento entre Dave e locam em sintonia com Vanian. Patri-
DE DAVE VANIAN, Laurie chegou ao fim nos anos 1990, cia se uniu em casamento a Dave em
Houve um momento nos anos 1980 que LAURIE GLEDON Vanian logo encontraria outra compa- meados da década de 1990, a filha do
a música gótica era dominante, o que E PATRÍCIA MORRISON nheira amante dos temas obscuros: casal, Emily, nasce em 2004. Não se-
tornou os góticos conhecidos mun- Patricia Morrison. Assim como ele, ria exagero considerá-los uma dupla de
dialmente. Excêntricos, fãs de pose, Se alguém representa o clássico vampi- Morrison teve um passado punk e pro- poder influente na formação do visual
ultrajantes, mas ultrassofisticados em ro dos romances góticos, este alguém to-goth, fez parte da banda The Bags gótico tradicional, já que muito do que
comparação com outras culturas juve- é Dave Vanian. em 1976 e também das bandas The eles usaram como estilo pessoal se
nis da época, a estética gótica trazia Gun Club e Legal Weapon. tornou o vestuário habitual dos adep-
admiração pelo passado, por literatura Desde meados da década de 1970, o tos da subcultura.
e cinema de terror e ficção científica. vocalista da banda The Damned se Mas a baixista sempre é lembrada por
veste em trajes vampirescos inspira- ter tocado na The Sisters of Mercy e na
Foi justamente o visual muito diferente dos na era vitoriana (veja matéria so- The Damned, do próprio Dave Vanian.
que atraiu a atenção da mídia. Enquan- bre moda vitoriana na Gothic Station SANA SKULL
to homens usavam olhos maquiados, #1): batom preto, rosto pálido, cabelos Morrison é considerada por alguns
penteados para trás, tudo isso acom- como a perfeita garota gótica: longos Cria conteúdo sobre moda
batons, brincos em uma só orelha, para diversas mídias.
também dividiam com as mulheres os panhado de uma longa capa. cabelos negros com os fios do topo da
Carl McCoy, Pesquisadora de Subculturas,
longos cabelos armados e os acessó- cabeça armados, batons escuros, olhos
vocalista do Culturas Alternativas e História
rios em tons de prata. Em 1977, o cantor se casou com Laurie delineados com maquiagem egípcia da Moda.
The Fields Glendon num enlace que duraria vinte com sombras coloridas, longas unhas Fundadora do blog “Moda
of Nephilim anos. negras e um visual que misturava feti- de Subculturas”. Como estilista
Nos pés, creepers, coturnos Doc Mar-
tens, winklepicker (botas pontudas) che e romantismo através de vestidos e produtora, seus trabalhos
FOTOS: DIVULGAÇÃO

ou qualquer outra bota que fosse cheia Basta observar as fotos do casal para antigos e peças em couro negro. abrangem o gótico, punk,
de fivelas eram apreciadas. As garotas se encantar com o que parecia ser um heavy metal e fetichismo.
com rosto embranquecido e batons casal de vampiros vindos direto do sé- Dona de uma elegância sofisticada,
culo 19 se adaptando ao mundo gótico sensual e com uma atitude assertiva, modadesubculturas.com.br
vermelhos se amarravam em esparti-
lhos e os cabelos que no início eram oitentista. características tão peculiares que a co-

20 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 21


FOTO: GRAHAM SMITH

Kipper ENTREVISTA

B ACK
LONGA RCH
Contem um pouco da história tre uma banda e outra, foi um trabalho Então a parte de voz já estava compos-
da banda, das produções gravado em estúdio. Era o álbum “be- ta mas eu dei a minha interpretação
anteriores de vocês... ta-quark”, de um trio de música ele- àquilo.
trônica com guitarras com muito efeito
ANA BEATRIZ GAERTNER (BIA): chamado “NoNoMan” (eu, Rogério No- A “Vivie” é uma canção dessa época,
Nos conhecemos acho que em novem- gueira na 2ª guitarra, e Beto Maia no que saiu de uma linha de baixo que
bro de 1993. Estudávamos violoncelo baixo, além de eletrônicos). eu compus no violoncelo. Eu tinha um
e fomos chamados pelo professor para baixo elétrico, mas antes de comprar
integrar uma orquestra de violoncelos. BIA: Aí que a história das duas ban- o baixo, eu ainda estava com 16 ou
E foi aí que tudo começou, foi uma coi- das, o “Back Long Arck” e o “Black 17 anos, eu pegava os meus vinis, por
sa até bem insólita... Morrows” se entrelaçou. O Alexan- exemplo do Joy Division, e eu tocava
dre e o Roberto Maia (Beto) viviam a todas as linhas de baixo no violoncelo,
Eu cheguei na escola de música e na caça de uma vocalista, só que nunca e saia improvisando também.
época eu andava de visualzão, cabelo encontravam, fizeram testes com mais
espetado pra cima, camiseta de banda, de seis vocalistas na época, inclusive A “SlipSlop” tem uma história interes-
toda de preto e tal. Usava uma camise- uma cantora lírica, e ainda não tinham sante, pois ela é o cruzamento de duas
ta do The Cure e ele olhou e disse “Tu é encontrado. linhas vocais, uma minha e outra do
fã do Cure, então?” e eu respondi “Ah, Alexandre. Então se você escuta duas
eu sou fã número 1”, aí ele falou “Pois
então eu sou fã número zero!” (rs). minhas melodias vocais que são completamen-
te independentes entre si, não tem um

E aí começou uma amizade que já dura


“professoras de padrão de segunda voz nota por nota,
são melodias ritmicamente indepen-
25 anos. O Alexandre na época tinha canto” foram a dentes que se entrelaçam.
um projeto chamado ‘Cum Mortuis in
Lingua Mortua’, e eu sempre quis tra- Annie Lennox, a Então é muito doido, pra mim é a gran-
balhar com ele, porém já tinha outras
pessoas envolvidas. Até que em 1995
Siouxsie e a de obra-prima do álbum. É difícil falar
em uma faixa favorita, tem a “Mute-
ele produziu a demo da minha banda, Chrissie Hynde blast”, que bombou na época, a gente
a “Black Morrows”. tinha amigos que rolavam nas pistas.
Qual a formação na época
ALEXANDRE VAVALLO: Eu e Bia nos do álbum Ressurection (1996)? E a “Vocalise” foi um grande hit por
conhecemos em 1993, nessa época eu causa da coletânea “Violet Carson”,
já estudava cello na Escola de Música ALEXANDRE: Éramos Eu e Bia. Eu em que ela saiu.
fazia três anos... Essa também é a épo- toquei os todos os instrumentos nesse
FOTOS: MAURA MOSQUERA ca que a banda foi criada, mas ainda primeiro disco e fomos pra um estúdio Então, não chegou a sair
Al Vavallo, Toronto e Ana Beatriz Gaertner formam o Back Long Arch
sem uma vocalista, apenas eu e o Beto finalizar com vocais da Bia. Assinei CD oficial na época?
Maia (primeiro baixista). o lançamento com a editora Mel, que
logo depois faliu. ALEXANDRE: E até hoje tenho pro-
Direto de Brasília, o Back Long Arch traz uma longa Em 1996, a Bia (Ana Beatriz Gaertner) blemas com meu cadastro na UBC
experiência musical que une a formação erudita dos seus chegou, mas já não contávamos com o
Beto. Entretanto, em 1995, antes dela
BIA: Trabalhamos juntos desde 1996,
quando o Alexandre me fez o convite
(União Brasileira dos Compositores)
por conta disso. O cara da editora Mel
integrantes com o melhor da música darkwave e alternativa. entrar na banda, produzi uma fita para gravar o “Ressurection”. As fai- me filiou a Anacim (Associação Nacio-
Vamos conhecer mais um pouco dessa banda e do álbum demo da banda dela, o “Black Mor-
rows”.
xas estavam todas pré gravadas, ele
me deu uma fita K7 e uma pequena
nal de Autores), que também foi fecha-
da. Enfim, os trâmites para ser um CD
que acabaram de lançar em 2017, “Le Feu Rouge”. coleção de partituras das partes de voz oficial ocorreram apenas em parte. Ate
Outra produção que fiz na época, en- escritas (rs) e ele disse “é isso aqui”. hoje não sabemos como destravar isso.

22 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 23


Vavallo, Ana O grupo traz
e Toronto em ensaio elementos de
para o álbum sua bagagem
“Le Feu Rouge” erudita para
de 2017 as canções

(1) Luthier:
pessoa que
constrói ou
conserta
instrumento
musicais

Mas tocou em algumas rádios, na Cul- Siouxsie, dos Eurithmics e do Preten- ALEXANDRE: Sim, eu como sou lu- tras formas. E como músicos eruditos estudou o piano. Ela também é cellista, ficaram mais ácidas no som e mais es-
tura FM, por exemplo. Por meio da aju- ders e cantando em cima. Então mi- thier (1) pesquiso sons acústicos, com a gente tem um olhar sobre o rock e mas é no piano que ela passou mais curas nas notas, a percussão voltou a
da do Marcus Pinheiro, nosso álbum nhas “professoras de canto” foram An- caixas de charuto, cabaças… Estou a música pop diferente, um olhar, um tempo. Por exemplo, a canção “Vivie”, um parâmetro mais eletrônico, e tem
no “Cult 22” por quase um ano... sou- nie Lennox, Siouxsie e Chrissie Hynde. tentando encontrar sonoridades novas ouvido apurado para ruídos, timbres, do Le Feu Rouge a Bia compôs o baixo coisas mais rápidas e dançantes.
bemos de um amigo que tocava uma Principalmente a Siouxsie, em termos nesse terreno. Já tem uma quantida- estruturas… o Alexandre é muito de- usando um cello como baixo!
canção na Sérvia! Tem muito site russo de estilo, voz, atitude de palco etc. de de temas, riffs e motivos musicais talhista no trabalho com timbragem de Está mais darkwave e bem menos eté-
que aponta ou comenta esse disco. gravados. Já fazíamos isso na adoles- guitarra, de drum machine e de todos O que mais vocês contariam sobre rea também e talvez venha um cover

É uma pena não ter sido “nossa cência, eu e Beto, que foi o segundo
parceiro, e virou uma prática de toda
os outros instrumentos. o álbum novo, o que o pessoal pode
esperar dele ao ouvir?
e dois bônus de regravações antigas
do “Muteblast” e talvez um estúdio
mais divulgado na época,
marcaria época!
sensibilidade a vida. ALEXANDRE: Acho que basicamen-
te eu sou mais ligado a forma barro- ALEXANDRE: Bom… estamos com
ao vivo da “Vocalise”. De modo geral,
acredito que será nosso melhor conte-
musical, ela se Então você mesmo constrói ca, por causa do cello. Toco a guitarra o nosso velho drama com baixista… údo autoral ate o momento. Tem coisas
ALEXANDRE: poxa… foi deprê pra
nós… estávamos exaustos com tantas expande da alguns de seus instrumentos?
Já inventou algum novo?
muitas vezes como se toca um cello…
acho que a Bia já tem muito mais o
ainda não sabemos se o Toronto vai
continuar. Por isso, venho trabalhando
próximas do post-punk tanto na gui-
tarra como nas letras…
barreiras. instrumentação e ALEXANDRE: Tocávamos em lixos,
apelo da música romântica, porque ela em baixos sintetizados e as guitarras

Quais eram as referências e inspi- da forma erudita latas, churrasqueiras, furadeiras... sau-
Uma longa amizade
rações musicais de vocês naquela
época e quais são as de hoje? para todas as dosos anos 1980! Sim, o cabacelo é um
dos meus originais. A primeira guitarra criando música

ALEXANDRE: as minhas inspirações


outras formas.” do Back Long, também, eu fiz. Vou re-
ativá-la este ano.
naquele tempo da banda eram Love Alexandre: Hoje eu gosto de ouvir no-
Spirals Downwards, Lycia, Black Tape vas bandas, gostei da Samantha Bou- Estou fazendo uma viola da gamba de
for a Blue Girl, Dead Can Dance, Bel quin, Artica, Drab Majesty e tenho cabaça, e o Cabacelo é um cello de ca-
Canto… e das antigas, Kraftwerk, visto bandas latino-americanas inte- baça com três cordas que finalizei em
Cure, Systers of Mercy, Joy Division, ressantes tipo o Animal Rojo e o Ariel 2009, e até agora já gravei em dois ál-
as bandas da 4AD em geral e, claro, Maniki, rapaziada responsa. Hoje o buns com ele.
Cocteau Twins foi a principal influên- que inspira mais é a ideia de criar uma
cia em termos da guitarra. Marillion e atmosfera nova pras cancões darkwa- Você e Bia se conheceram
Pink Floyd, também. ve… tenho experimentado com o ca- na escola de música, como
bacelo e drum machine e tem coisas as influências eruditas aparecem
BIA: As minhas influências como vo- bem diferentes pintando. no trabalho de vocês?
calista: eu nunca estudei canto, meus
instrumentos de educação formal são Vejo que vocês experimentam com BIA: A nossa sensibilidade musical,
o violoncelo e o piano, eu aprendi a alguns instrumentos diferentes… ela se expande da instrumentação e
cantar sozinha, pegando meus vinis da da forma erudita para todas as ou-

24 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 25


Vista aérea da parte Iluá Hauck TURISMO
de trás da capela,

OS SETE
círculo central, e
colunatas do cemitério Vista frontal
de Brompton da capela de
Brompton
Quando se fala de ‘Os Sete Magnífi-

MAGNÍFICOS
cos’, geralmente se trata do filme de
cowboy de 1960. No entanto, aqui em
Londres, esse não é só o título de um
filme, mas também como são chama-
dos os sete grandes cemitérios-jardins
construídos na primeira metade do sé-
culo XIX – durante a transição entre
as eras georgeana e vitoriana. É verda-
de, no entanto, que esses cemitérios
são chamados de ‘Os Sete Magníficos’
devido ao filme, já que coincidem em
número e em nível de esplendor.

São eles:

Kensal Green Cemetery, 1832


West Norwood Cemetery, 1836
Highgate Cemetery, 1839
Abney Park Cemetery, 1840
Nunhead Cemetery, 1840
Brompton Cemetery, 1840
Tower Hamlets Cemetery, 1841

A razão pela qual os mesmos foram


construídos foi aliviar os pequenos
adros do centro da cidade, que esta- editor de revistas inglês, é quem leva o luto de Vitória. As viúvas agora tinham
vam com suas capacidades máximas crédito de pioneiro do ‘movimento dos que passar pelo menos um ano em luto
mais do que esgotadas. cemitérios-jardins’: ele investiu muito total, não podendo ir a ópera, teatros
dinheiro e tempo para que o primeiro ou qualquer evento social ou lugar pú-
Na primeira metade do século XIX a Magnífico fosse construído, o Kensal blico, com exceção da missa ou do ce-
população Londrina aumentou de um Green, em 1832. A clientela alvo eram mitério. Assim, esses lugares viraram
milhão para 2,3 milhões de habitantes, as classes média-alta e alta. o lugar onde elas podiam sair de casa
de forma que a superlotação dos adros sem quebrar a rigorosa etiqueta do luto
se tornou perigosa: há casos onde em Em 1861, com a morte do príncipe Al- pós-1861.
apenas 300m quadrados mais de 70 bert, amado marido da Rainha Vitó-
mil corpos estavam enterrados! ria, vários aspectos da cultura inglesa, A obsessão vitoriana com o luto se
como a moda, as artes, e a literatura, instaurou: famílias ricas investiam em
O material orgânico de cadáveres em começaram, gradualmente, a focar na mausoléus enormes e caros, e as mu-
processo de decomposição começou morte e no luto. lheres desfilavam seus vestidos pretos,
a contaminar a água que abastecia a passeando pelos cemitérios.
cidade, causando epidemias de cóle- Além disso, economicamente e social-
ra, difteria e outras doenças. Assim, mente a morte e o luto viram aspectos Todos os “Sete Magníficos” são real-
em 1832 o parlamento inglês aprovou importantes. Lojas de departamento mente lindos, mas uns estão melhor
uma lei incentivando a construção de inteiras eram dedicadas a funerais lu- preservados do que outros. Nunhead
cemitérios privados nos arredores de xuosos, oferecendo não só vestuário e é o mais dilapidado e o mais bonito.
Londres. jóias de luto, caixões, flores, mas tam- A parte de cima de Highgate agora só
bém serviços legais de advogados es- pode ser visitada durante ‘tours’, de-
O modelo de cemitério suburbano usa- pecializados em testamentos, espólio, vido ao nível de vandalismo que ali
do aqui foi o do Pere-Lachaise, cemité- e homologação. ocorreu no século XX. Seriam neces-
rio parisiense, construído pelo mesmo sárias páginas e páginas de texto para
motivo de salubridade. George Frede- Enterros eram um negócio muito lucra- escrever sobre cada um deles, fazendo
rick Carden (1798-1874), um advogado e tivo e estavam em linha com o eterno jus a seus encantos e riquezas.

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Túmulos na parte sul
do cemitério de Brompton

Escultura em cristal
‘Medusa’ de Iluá Hauck,
exposta dentro da capela
de Brompton

Assim sendo, vou focar em apenas um:


o cemitério de Brompton, onde eu fui Túmulo da familia
Kettner, dona do além de ser um dos Magníficos, é tam- Felizmente a exposição foi muito bem
artista e curadora em residência. Mas bém o único a ser um dos Parques Re- recebida e visitada, o que me levou a Escultura em vidro ótico ‘Veias da
digo de passagem que todos os anos famoso restaurante
Kettner (aberto em ais, junto com os famosos Hyde Park, ter o cargo de artista e curadora lá. Vaidade’ de Iluá Hauck, fotografada
cada Magnifico tem um ‘Dia Aberto’ Regent’s Park, Richmond Park etc. em frente as colunatas de Brompton
(Open Day) com eventos especiais e 1861) no Soho de
Londres Entre 2017 e meados de 2018, a capela
grande parte dos góticos da cena Lon- Lá estão enterradas muitas pessoas passou por uma grande reforma e res-
drina fazem questão de visitá-los. importantes e famosas. Algumas das tauro. Agora várias atividades culturais
mais interessantes são a líder do mo- lá acontecem, dentre elas concertos,
Brompton abriu em 1840, em sérios vimento do sufrágio universal, Emme- palestras, e exposições
apuros financeiros. O plano original line Pankhurst (1852-1928), a decaden-
de que ele fosse construído como uma te Marchesa Luisa Casati (1881-1957),
enorme catedral a céu aberto custou Alexa Wilding (1847-1884), modelo
muito mais do que as previstas 30 mil de Dante Gabriel Rossetti, e Sir Henri
libras. Em 1841, quando o Bispo de Cole (1808-1882), fundador do museu ILUÁ HAUCK
Londres consagrou o local, a constru- Victoria and Albert, da Royal College
ção ainda não havia terminado, e mais of Music e do Royal Albert Hall. Brasileira radicada em Londres
de 61 mil libras já tinham sido gastas.
há 21 anos, onde se formou
O túmulo mais famoso é o do cons- em História da Arte
Esse desastre financeiro deu origem a trutor de navios e patrono das artes na Goldsmiths’, Universidade de Lon-
um longa disputa no litígio entre do- Frederick Leyland, pois foi criado pelo dres, e onde trabalha como artista
nos de ações e construtores, a qual só artista Pre-Raphaelita Edward Burne- plástica, modelo alternativa,
se resolveu em 1854, com a nacionali- -Jones. e jornalista de arte.
zação de Brompton.
Foi na capela anglicana do cemitério Atualmente é artista em residência
Assim, a interessante consequência do onde eu fiz a minha exposição ‘Mino- do Museu de Optometria, e mestran-
fiasco financeiro inicial, é que a com- tauros da Mente – a segunda curva’, da em ‘Cristianismo e as Artes’ na
pra de Brompton pelo estado significa em setembro de 2016. King’s College London.
que até hoje ele é o único cemitério no
Reino Unido que pertence a Coroa Bri- As obras que expus se relacionavam di-
tânica. Brompton é administrado pela retamente com aspectos do cemitério: www.iluahauckdasilva.com
Agência dos Parques Reais, ou seja, desespero, dor e a transiência da vida.

28 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 29


DEEPLAND
FESTIVAL

II Sweet Spectra

ARIEL MANIKI SWEET SPECTRA


The Knutz

and THE BLACK HALOS de Santiago do Chile, é uma dupla de


Banda fundada em 2013 em San Jose gothic rock formada em meados de
(Costa Rica), traz na bagagem um go- 2014 por Nath (vozes e baixo) e Nhvr
thic rock moderno e já coleciona uma (guitarras). Sob a influência de mem-
excelente discografia. Em 2016 a banda bros de diferentes bandas, eles se jun-
assinou com o selo brasileiro Deepland taram para criar novos sons e texturas,
Records o lançamento do seu mais re- misturando drones escuros e guitarras
cente álbum, além de há poucos meses etéreas com graves profundos e sóli-
ter lançado um best of da banda, “A dos que acabam definindo sua vérte-
Brief Catharsis”, que reune todos os bra musical, junto com vozes que reci- Escarlatina
clássicos da banda inclusive de álbuns tam visões. A banda deverá lançar seu Obsessiva
já fora de catálogo. A banda já excur- debut álbum este ano. Conheça mais
sionou em muitos paises da América e um pouco de Sweet Spectra:
ESCARLATINA OBSESSIVA
Europa. Ouça aqui: sweetspectraoficial.bandcamp.com
Banda alternativa de Minas Gerais,
Ariel Maniki and arielmaniki.bandcamp.com/
com uma variedade de estilos que vai
the Black Halos UNDER THE RAIN do post punk a influências brasileiras, Resistor
DAS PROJEKT
Na ativa desde 1991, agora no sécu- Formada em 2015, a banda peruana foi formada em 2006, pelo duo Zaf e
toca post punk, darkwave, new wave Karolina Escarlatina; a Escarlatina Ob-
Dia 13 de outubro de 2018 acontece lo XXI a banda tem desenvolvido um
gothic rock moderno e lançando vá- e gothic rock e busca trazer de volta sessiva está atualmente gravando o RESISTOR
Projeto de EBM fundado em Bogotá,
a segunda edição do Deepland Festival, rios álbuns excelentes como o recente
“Songs of War” que inova ao incorpo-
a sonoridade dos anos 80 tendo como
suas influências The Cure, New Order
seu sétimo álbum, Back to the Land.
Além do vasto e original trabalho mu- Colômbia por Leonardo Jaime. Come-
trazendo bandas de toda américa latina rar sons étnicos tribais ao gothic rock. e Bauhaus. sical, a dupla também é responsável
pela organização de todas as edições
çou no final de 2011 como uma neces-
sidade de gerar novos sons na capital,
undertherain.bandcamp.com/
ligadas ao gothic rock e darkwave. A banda é conhecida por shows inten-
sos e arrasadores de grande qualidade do WoodGothic Festival, em São Tho- levou a um minimalista, som eletrôni-
co e poderoso como EBM, influencia-
Será o maior festival do estilo realizado técnica, então você não pode perder
sua apresentação neste festival. Ouça
mé das Letras-MG. Conheça mais:
escarlatinaobsessiva.bandcamp.com do pelo oldschool do gênero, conside-
em 2018 no Brasil, durante 12 horas, mais do Das Projekt aqui:
rando bandas como Nitzer Ebb, Front
242, Spetsnaz, Pouppée Fabrikk, Sec-
7 bandas e diversos DJs na ampla dasprojekt.bandcamp.com tor Orange, entre outras. Além disso,
tocou com bandas como Combichrist
e tradicional casa de shows Fofinho. THE KNUTZ
Os cariocas do The Knutz são um
(EUA), Hocico (MX), e com os alemães
do AND ONE. Conheça mais:
dos principais nomes da música obs-
Under The Rain facebook.com/resistorebm/
cura brasileira atual, e trazem mais
uma vez a São Paulo sua presença de
palco marcantes e energéticas e o
som post-punk/gothic original que
tem melhorado a cada álbum (con-
fira o novo “The Tower” que acabou
de sair). A banda já excursionou com
sucesso pela Europa onde gravou Ingressos:
um álbum ao vivo. (Veja a entrevista kingdomrockstore.com
com a banda na Gothic Station nº2). Das Projekt
Confira o som do The Knutz aqui:
theknutzofficial.bandcamp.com

30 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 31


Melissa Souza DANÇA

FOTO: VINICIUS GIL


TRIBAL FUSION
HISTÓRICO & Artes corporais, das quais se desta- lização contra hegemônica”, publica- Shabbanna Dark (Brasília, DF)

TENDÊNCIAS
cam as tatuagens com motivos florais; da em 2011, a dançarina-pesquisadora plena em artes cênicas pela Faculdade
piercings; cabelos coloridos; toda sor- apresenta o estilo como “uma dança Dulcina de Moraes, já adotou
te de arranjos com pedrarias, moedas, que representa a atualização estética também o Swásthya Yoga para
pingentes, medalhões e flores sintéti- da fusão contemporânea entre o mo- favorecer sua dança, bem como
cas, que compõem acessórios como derno e o ancestral”. a DançaTeatro e a Dança Negra
bodychains, headpieces, maxicolares, Contemporânea. Busca inspiraração
braceletes e cinturões; trajes que levam MAS AFINAL, também na Dança Butô Japonesa,
tecidos pesados, da renda ao veludo, O QUE É DANÇA TRIBAL? na TeatroDança de Pina Bausch,
do negro ao translúcido, do opulento na metodologia de Klauss e
ao minimalista. É difícil definir a dança tribal assim, Angel Vianna e
em uma frase, sem dar margem à inter- Rudolf Van Laban.
De qualquer modo, é impossível não pretações errôneas. Em 2010, Mariana
olhar para uma dançarina de tribal Quadros publicou um artigo sobre os
duas vezes e tentar decifrar o que ela mitos do tribal que tenta esclarecer al-
Joline Andrade tenta nos transmitir através de sua gumas confusões criadas entre os lei-
(Salvador, BA) postura imperiosa e sua dança carre- gos no assunto.
é bailarina, coreógrafa, gada de uma energia quase palpável.
professora, produtora Reforço aqui os pontos do nosso inte-
e pesquisadora na área Em movimento, ela transborda sensa- resse: dançar tribal não é fazer carão,
da dança. É flicenciada ções e sentimentos; a música, a maior colocar uma música dramática e se
em Dança e no Curso parte das vezes instrumental, parece aventurar em peripécias abdominais
de Dançarino Profissional pulsar do seu corpo, em sintonia com a utilizando um figurino total black,
pela UFBA. alma. Nossos olhos, famintos de curio- assim como também não podemos
Participou de grandes sidade, percorrem a performance com chamar de tribal qualquer fusão criada
eventos internacionais como atenção, sentindo aquela estranheza com dança do ventre. Para compreen-
dançarina e/ou professora. inicial para, em seguida, despertar der esta dança é preciso ir a fundo em
Também é diretora do nossa emoção. seu histórico, matrizes e referências.
EtnoTribes Festival do
espetáculo DRAMOFONE. No palco, deixamos de ser quem so- Em 1969, a bailarina americana Jamila
jolineandrade.com mos no dia a dia para incorporarmos Salimpour fez uma viagem ao Orien-
nossa persona criativa. te e se encantou com os costumes dos
povos tribais e, junto à sua trupe Bal
Ligada aos nossos valores antigos e Anat, resolveu acrescentar e mesclar

facebook.com/Shabbannateatro.TribalDarkFusion
sagrados, o estilo tribal de dança do elementos de dança folclóricas e popu-
ventre traz elementos contemporâne- lares. Passados dez anos, novas trupes
os em sua forma de pensar a dança ao haviam surgido nos Estados Unidos,
mesmo tempo em que a resgata como levando Masha Archer, discípula de
uma prática ritualística das nossas raí- Jamila, ensinar à Carolena Nericcio a
zes antropológicas. técnica criada por Jamila baseada nos
trabalhos de condicionamento mus-
Joline Andrade, bailarina e especialis- cular do ballet clássico adaptados aos
ta em Estudos Contemporâneos sobre movimentos das danças étnicas do
Dança pela Universidade Federal da Oriente.
Bahia (UFBA), apresenta uma visão
contemporânea sobre as práticas atu- Incentivada pelas diferenciações do
ais da dança tribal, norteando discus- novo estilo, Carolena forma sua pró-
sões construtivas sobre o fundamen- pria trupe, Fat Chance Belly Dance®,
talismo na dança. inserindo o que hoje é considerado a
principal característica do que viria a
Em sua monografia, “Processos de Hi- se tornar o American Tribal Style®: o
bridação na Dança Tribal: estratégias improviso coordenado em grupo. A
de transgressões em tempos de globa- sistematização do estilo tribal ameri-

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Hölle Carogne (Porto Alegre, RS)

FOTO: GABRIEL WENG MARAVALLI


dedica-se principalmente à Dança
Tribal mas flerta com outros estilos.
É poetisa e seus textos e poemas são
repletos de símbolos e enigmas.
facebook.com/holle.carogne
Lukas Oliver, mineiro, reside hoje
entre Milão na Itália e São Paulo, SP.
É bailarino, professor e coreógrafo
SOMOS UMA SÓ TRIBO! de Tribal Fusion e Dança do Ventre,
instrutor de yoga e terapeuta holístico
Em 2008, Luciana Carlos Celestino facebook.com/lukasolivertribaldancer
trouxe uma importante contribuição
para o meio acadêmico sobre a dan- com edições na Inglaterra, EUA, Espa-
ça tribal: o artigo “Sementes, espe- nha, Itália e Argentina, trazido para o
lhos, moedas, fibras: a bricolagem da Brasil em 2012 por Rhada Naschpitz da
dança tribal e uma nova expressão do escola Esmahan, localizada no Rio de
sagrado feminino”, utilizado como Janeiro.
uma das principais referências em tra-
balhos posteriores, onde aponta que Além deste, outros eventos notáveis da
“se compreendermos a dança além de cena underground incluem o Lumem
uma manifestação estética e/ou artís- Obscura (USA), ShadowDance (USA)
tica, poderemos ver a conexão entre a e, no Brasil, o Underworld Fusion Fest,
criação poética e o envolvimento que em Curitiba.
vivenciam as dançarinas”; afirmando
FOTO: JANAINA PEROTTI ainda que “ao entrarem em contato FOTO: RICHARDGRINGOROOTS
cano, condicionando-o a uma série de inovadora no final da década de 1960, com a dança, as dançarinas têm uma Na cena internacional, o francês Illan subcultura dark/gótica – tais como o
regras e padrões, incluindo repertório na Califórnia (EUA), durante os movi- intenção clara de resgatar valores liga- Rivière tornou-se um bailarino notável noir, industrial, burlesco, medieval e
musical e códigos de vestimenta, po- mentos contraculturais do Woodstock, dos ao feminino” . com suas performances contemporâ- vitoriana – e urbana.
deria ter fechado um campo de pos- em meio a episódios sociais, culturais, neas, estilo nomeado como “Neo Tribal
sibilidades criativas dentro da própria políticos e econômicos, chegando ao Em síntese, o tribal traz muito da sin- Fusion”, enquanto que no Brasil temos O movimento teve início na década de

*Publicado originalmente no blog Moda de Subculturas e atualizado para a Gothic Station.


linguagem, mas as hibridações perma- Brasil em meados da década de 1990. gularidade de cada dançarina. Nossas Lukas Oliver, Luy Romero e Marcelo 90, nascido do descontentamento das
neceram vivas, dando origem ao que experiências pessoais bem como nos- Justino como grandes referências do dançarinas com o estilo tradicional da
seria denominado a seguir como “tri- Mas foi somente após a emersão do sas vivências artísticas tornam-se es- estilo, sendo que este último também dança do ventre. Em 2003, a dançarina
bal fusion” e, atualmente, dança étni- grupo The Indigo Belly Dance Com- tudos complementares de corpo e arte é adepto do estilo Tribal Brasil. Tempest, de Seatle-USA, fundou o site
ca contemporânea. pany (2003 – 2013) que o estilo tomou que contribuem para a construção de gothicbellydance.com a fim de docu-
outras proporções. Com a turnê Le um vocabulário artístico. Na dança, AS FUSÕES OBSCURAS mentar o estilo que ganhava forma.
Com a influência da cultura under- Serpent Rouge (2007 – 2009) e sua ca- imprimimos nossa personalidade, en- E UNDERGROUND
ground, novos elementos culturais são racterística pegada vaudeville, o grupo contramos nosso estilo e, por fim, de- NA DANÇA DO VENTRE TRIBAL A princípio, as fusões obscuras não se
incorporados à dança tribal, segmen- ficou conhecido no mundo todo. senvolvemos uma identidade artística. enquadravam numa categoria/termino-
tando-a em uma série de ‘subestilos’: Em resumo, a cena underground da logia próprias, as dançarinas se entre-
o estilo dark, por exemplo, traz a ex- Fundado por Rachel Brice, uma das Esta liberdade de criação ocasionou dança do ventre e tribal se divide em gavam a experimentações contemporâ-
pressão lírica, teatral e passional para principais precursoras do estilo tribal no desenvolvimento de inúmeras ver- fusões dark, góticas e teatrais, onde o neas da arte sem se ater a um padrão.
MELISSA SOUZA
a dança; o urban fusion destaca movi- de dança do ventre, The Indigo era tentes e nomenclaturas diferentes, mas dançarino tem a liberdade de criar his-
mentos de popping e locking, dançado composto também por Mardi Love e cabe aqui ressaltar que, antes de tentar tórias, invocar mitos, trazer um caráter Apesar de suas diferenças, muitos dos Bacharela em Comunicação Social
normalmente sob composições musi- Zoe Jakes. rotular uma performance, fazemos to- ritualístico para sua dança ou simples- nomes notáveis da cena underground com habilitação em Jornalismo pela
cais que trazem dubstep e beatbox – dos parte de uma mesma tribo. mente dançar a própria história, des- da dança do ventre e tribal se uniram Unifaccamp, dançarina, pesquisadora,
ritmos musicais e movimentos carac- Mardi foi a principal responsável pela pertando toda sorte de emoções e sen- em 2006 para dar à luz o DVD Gothic produtora cultural e audiovisual na
terísticos de danças urbanas; dentre estética dos figurinos clássicos de tri- A CENA TAMBÉM É DELES timentos através da dança. Bellydance, produzido pela World área da dança, atua com assessoria
inúmeras outras denominações, tais bal fusion; Zoe atualmente integra a Dance New York, com sua sequência, de mídias digitais.
como gypsy e indian fusion. banda Beats Antique de world fusion e Uma das principais distinções entre o Em meio a este cenário, temos também Revelations, sendo lançada em 2007.
as adeptas de fusões com rock e metal, Desenvolveu projetos como Vídeo &
Rachel fundou a escola física e online estilo tribal e a dança do ventre como a
estilos musicais que acabaram se des- O período foi marcado também pelo Dança, Tribal no Parque, Movimento
É o caso, também, do Tribal Brasil, es- Datura, dentre outros empreendimen- conhecemos atualmente é que, apesar TranscenDance, Mulheres que Dan-
tilo desenvolvido e sistematizado pio- tos. de resgatar a feminilidade, a dança tri- tacando entre as dançarinas de fusões surgimento de eventos dedicados ex-
çam, além da produção colaborativa
neiramente por Kilma Farias (João Pes- bal se destaca pela criatividade técnica principalmente por serem convidadas clusivamente às fusões dark e teatrais
de haflas tribais, co-produção em
soa/PB) com a Cia Lunay, adicionando Ariellah Aflalo, da Califórnia-EUA, e artística da bailarina sem necessaria- a participarem de shows e festivais de na dança do ventre e tribal, tais como eventos como o Encontro de Dança
expressões das danças afro-brasileiras responsável por disseminar a estética mente torna-la sensual, desta forma, música do gênero. o Gothla, criado por Tempest e Sashi Tribal de Bragança Paulista, Tribus
às informações étnicas já existentes dark e gótica na dança do ventre e tri- os homens também ganharam espaço na Califórnia (USA), considerado rapi- Fair e, agora, Feira Entre Mundos.
na dança tribal. Em resumo, o estilo bal, foi uma das integrantes da primei- na área, conquistando o público com o O Rock Fusion enfatiza uma certa car- damente como o maior festival para
surgiu como uma forma de expressão ra formação do grupo. carisma masculino. ga dramática inspirada no cenário da celebrar a cena underground na dança, melissa.art.br

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ENTREVISTA Alex Twin ENTREVISTA

Das Ich foi uma das bandas essenciais dentro do movimento Neue
Deutsche Todeskunst que renovou a música gótica e darkwave na
virada dos anos 80 para os 90, e na formação da cena ligada ao
surgimento do WGT. Bruno Kramm, co-fundador da banda e do
selo Danse Macabre nos fala um pouco sobre essa trajetória.
ALEX TWIN: Bruno, nos conte so- ALEX: O selo e gravadora Danse Ma- ALEX: Das Ich tem um número gi-
bre sua formação musical quando era cabre começou em 1990, certo? Quan- gantesco de fãs ao redor do mundo, o
criança e sobre quando decidiu fazer do você teve a ideia para abrir um selo termo ELECTRO-GOTH surgiu depois
música com uma banda? independente? Conte-nos sobre a tra- que o Das Ich começou?
jetória do selo.
BRUNO KRAMM: Eu tive muitas li- BRUNO: Nós apenas somos os caras
ções de piano clássico e tenho que BRUNO: Na verdade foi em 1989, e de sorte que foram uma das bandas
admitir eu não gostava delas tanto, basicamente eu fundei o selo porque que começaram isso. Poderiam ter sido
porque meu pai era o meu professor e eu não encontrava nenhum outro para quaisquer outros, mas às vezes você só
era muito rígido. Ele morreu quando eu nossa música. Ele se tornou extre- precisa estar com sua música no lugar
tinha dezesseis anos e eu instantanea- mamente bem-sucedido super-rápido certo no momento certo. Nós sempre
mente parei de tocar piano. devido a todas aquelas novas bandas amamos a ideia de colocar mais di-
góticas e darkwave alemãs. mensão na música eletrônica dançante,
Meu grande amor na época (começo criar uma atmosfera mais profunda.
dos anos 1980) era o computador e eu
comecei a programar um computador
Commodore 64, pois queria ser pro- “O Gótico Na minha opinião é realmente muito
importante sempre conectar a música
gramador. Mas com este computador
também aprendi sobre seu sintetiza-
hoje só existe, eletrônica com os sons da música natu-
ral para enraizá-la neste mundo e dar
dor interno e fiquei fascinado. porque temos a ela um significado em vez de desco-

Então, comecei de novo a fazer música esse movimento nectá-la das emoções humanas. Eu até
acredito que a eletrônica alcança mais
comprando meu primeiro Juno 106 e
DX7. Fazia todo tipo de experiências
internacional perspectivas em relação aos Sons Na-
turais. E a música de orquestras clássi-
eletrônicas antes que Stefan (Acker- que é diferente ca apenas enfatiza as ideias dramáticas
mann) e eu decidíssemos começar uma
banda chamada Das Ich. de um país para da música.

ALEX: Falando de música e literatura,


outro.” ALEX: Em 2011, Stefan (vocalista do
Das Ich) esteve muito doente e muitos
quais são suas influências pessoais? amigos enviaram-lhe energia positiva

DAS ICH
Mas também era tanto trabalho que às e apoiaram Das Ich no show no WGT
BRUNO: Na música, principalmente a vezes eu não tinha tempo de escrever (Wave Gotik Treffen, ver Gothic Sta-
clássica, mas também muita coisa dos novas faixas para o Das Ich. Essa é a tion #2) cantando como convidados.
anos 1980. Liricamente eu sempre fui minha razão para deixar (o selo) um Como isso afetou você, a banda e a
fascinado por Baudelaire e todos os pouco de lado. Mas agora, depois de cena por lá?
expressionistas como Benn e Trackl meus 5 anos sabáticos na política*, eu
(Gottfried Benn, pensador e poeta ale- estou realmente feliz de dirigir o selo BRUNO: Nesse momento eu estava
FOTOS: DIVULGAÇÃO DAS ICH

mão, e Georg Trakl, poeta austríaco). a todo vapor. terrivelmente triste, porque eu pensei

BRUNO KRAMM Foi esse olhar totalmente mórbido so-


bre o mundo, totalmente oposto ao
*Nota: Bruno Kramm foi representante
do partido alternativo de democracia
que tinha perdido meu melhor amigo.
Nesse Wave Gotik Treffen eu senti que
a emoção que vinha do público esta-
mundo capitalista superficial da Ale- direta “Pirate Party” na Alemanha. va me enviando alguma cura, porque
manha do final dos anos 1980 que me a partir daquele dia Stefan começou
atraia. a se recuperar. Normalmente eu não

36 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 37


Stefan e Bruno no começo
da carreira como o Das Ich

BRUNO: Enquanto a cena undergrou- pequena parada nos seus trabalhos


nd for fascinante e cheia de pessoas de estúdio para esta entrevista. Basi-
adoráveis eu não me preocupo muito. camente já temos todas as faixas, mas
E basicamente a revolução da internet nós ainda estamos trabalhando nos ar-
também nos deu instrumentos mais ranjos e gravações.
baratos para produzir música, produ-
zi-la e distribuí-la. Como eu tenho uma família com filhos,
tenho que lutar por meia horinha livre
Não se esqueça que no passado divul- para fugir ao estúdio. Especialmente
gar e distribuir era tão caro que isso era pelo meu pequeno “garotão do papai”
controlado pelas principais e gigantes- que está com dois anos de idade. Eu
cas corporações. amo vê-lo crescer e cuidar dele.

Tudo sempre tem dois lados. Eu estou ALEX: O Brasil tem uma cena peque-
feliz no mundo que estou vivendo e na, apenas no ano passado começa-
não quero girar a roda para trás. mos nossa primeira revista, esta nossa
Gothic Station. Conte-nos sua impres-
são sobre nossa cena, bandas etc…
“a revolução BRUNO: Como a cena de vocês não é
acredito nessas forças, mas de alguma
forma estava funcionando. da internet tão comercial quanto na Alemanha eu
sempre tenho a impressão de que há DISCOGRAFIA:
ALEX: A cena na Alemanha é a maior
também nos muito mais inspiração e criação indivi-
dual na cena underground do Brasil e ÁLBUNS:
do mundo e muitas outras cenas se- deu instrumentos América do Sul.
guem seus charts e bandas principais
etc. O que você pensa sobre isso? Você mais baratos para Eu vi tantos trajes únicos que eram
Die Propheten - 1991
Staub - 1994
concorda?
produzir música... completamente criados pelas próprias Feuer - 1995
NEUE DEUTSCHE TODESKUNST
pessoas. Isso é o que Gótico realmente Das Innere Ich - 1996
BRUNO: Acredito que cada país está e distribuí-la.” significa e isso, às vezes, fica um pou- Egodram - 1997 No final dos anos 1980 e começo dos anos 90 emergiu um movimento relacio-
desenvolvendo sua própria versão da quinho esquecido na Alemanha depois Morgue - 1998 nado à música gótica e darkwave: a Neue Deutsche Todeskunst (ou NDT), que
música gótica e que é isso faz a beleza dessas três décadas de Gótico. Antichrist - 2002 em em uma tradução livre, significa algo como “Nova arte alemã da morte”,
da coisa. Quantidade não conta real- ALEX: Você já veio ao Brasil mais de Lava - 2004 também uma referência a anterior Neue Deutsche Welle (ou NDW).
mente, importa a qualidade e o senti- três vezes. Conte-nos sobre suas expe- E “muito obrigado”… estamos ansio- Cabaret - 2006
mento e, especialmente, em países da riências tocando, ficando por aqui e sos para retornar ao Brasil!
América do Sul há uma visão única do conversando com as pessoas da cena. Com trabalhos extremamente originais, nomes essenciais desse período são
COLETÂNEAS: o Das Ich, Goethes Erben, Endraum, Lacrimosa e Relatives Menschmen, sem
que gótico significa e isso é muito ins- Quais as coisas boas e divertidas que
pirador e fascinante. você se lembra sobre os shows que esquecer Sopor Aeternus, Illuminate, Sanguis et Cinis e muitos outros.
ALEX TWIN Re Laborat - 1999
você fez aqui? Re Capitulation - 1999
O Gótico hoje só existe, porque te- A NDT trazia novidades tanto musicais, quanto líricas quanto visuais. Na lírica,
Organizou alguns dos maiores Relikt - 2003 vemos um enfoque maior em filósofos e poetas como Gottfried Benn, Georg
mos esse movimento internacional que BRUNO: Claro que, antes de mais nada,
festivais internacionais brasileiros Alter Ego - 2007 Trakl, Goethe, expressionimo em geral além de literatura gótica e surrealisma.
é diferente de um país para outro. E o clima para nós da Europa setentrio-
como o Wave Summer Festival (2015) Addendum (2cd) - 2007 Temáticas existencialistas, saudosistas e antireligiosas são recorrentes, assim
isso também carrega uma bonita ideia nal é bastante duro, mas nós gostamos
de um mundo que se une pela arte e e Wave Winter Festival (2016). como o próprio nome do estilo indica, o tema existencial da morte.
demais disso no Brasil. Todas as pes- SINGLES & EPs:
cultura e que não precisa de nenhuma Há 10 anos é proprietário do selo
soas calorosas, a comida e a bebida
fronteira, apenas o espírito humano de brasileiro Wave Records Na música temos um aumento da diversidade com inclusão de elementos neo-
incrível e o total idealismo e dedicação Satanische Verse - 1990
criação. especializado em darkwave. clássicos, instrumentos acústicos ligados a música clássica, desenvolvimento do
de pessoas como você, Alex, que tor- Stigma - 1994
Há mais de 25 anos cria música de eletro-goth que se misturam a darkwave, gothic rock e synth mais tradicionais.
nou nossa vinda possível de novo. Destillat - 1998
ALEX: Hoje, os formatos digitais mu- qualidade participando de grupos
internacionais, como o 3 Cold Men Kindgott - 1998 As performances tendem a incorporar mais elementos teatrais intensos e dra-
daram o Mercado musical. O que você ALEX: O mais recente álbum do Das
e Wintry. e nacionais, como Kannibale - 2008 máticos, em uma estética paralela ao excesso e choques da literatura gótica.
pensa sobre isso e como selos como a Ich foi há alguns anos. Há algum novo
Danse Macabre sobreviverão no futu- Individual Industry e Pecadores.
álbum saindo em breve? new.dasich.de
ro? Ou em breve existirão apenas lan- A NDW ajudou a atualizar a música gótica e darwave nos anos 1990, influen-
çamentos digitais? waverecordsmusic.com ciando o estilo até hoje. Falaremos mais sobre o estilo na próxima edição.
BRUNO: “Infecta” apenas fez uma

38 GOTHIC SETEMBRO 2018 GOTHIC SETEMBRO 2018 39


CINEMA Arlindo Gonçalves Toby Dammit (Terence
Stamp): bêbado, delirante e
autodestrutivo

Edgar Allan Poe é plural. Mestre do


horror gótico, do suspense, do sobre-
natural; criador da moderna literatura
policial, poeta, ensaísta, explorador da
psique. Esses são apenas alguns atri-
butos conferidos ao autor.

A genialidade do escritor não se cansa


de ser descoberta por diversas formas
de expressão: HQs, música, seriados e
cinema. Fiquemos nesta última. Dentre
tantas adaptações cinematográficas de
FOTOS: DIVULGAÇÃO / REPRODUÇÃO
que dispomos, três diretores europeus
abordaram trabalhos do mestre: Fe- mente, o primo Wihelm Berlitzing (Pe- denção de pecados, ainda que motiva-
derico Fellini, Louis Malle e Roger Va- ter Fonda, irmão de Jane). A condessa dos pela culpa e, quem sabe, por uma
dim. O esforço do trio resultou em três se apaixona por ele, mas é evitada. tomada de consciência da decadência
narrativas que, juntas, formam o longa Como nunca fora contestada, ela reage moral e ética a que se condicionara.
“Histórias extraordinárias” (1968). mal à rejeição do rapaz e trama uma Uma ou outra contraditória emoção a
vingança. levará ao fim dramático – e este não
As obras, tomadas em conjunto, têm será redentor.
em comum alguns elementos. Inicial- Pondo fogo no estábulo cuidado pelo
mente, o clima gótico dos ambientes; jovem, acaba matando-o. Um corcel MALLE:

&
em seguida, a valorização das imagens negro sobrevive ao incêndio e aparece WILLIAM WILSON
acima dos diálogos – como a priorizar nos portões do castelo da garota que,
uma postura mais contemplativa –, dali em diante, fica obcecada pelo Alain Delon e Brigitte Bardot são di-
uma das marcas do cinema europeu. belo animal, a ponto de pôr tudo a rigidos por Louis Malle na segunda e
Cartaz do filme perder – especialmente, seus excessos mais fiel adaptação dessa história ex-
Outra característica: a seleção das his- de libertinagens em prol de cavalgar li- traordinária, ao menos do ponto de vis-
“Histórias extraordinárias” tórias. Diante da abundância da obra vremente por praias e outras paragens. ta literário. Delon interpreta “William
de Poe, os diretores preteriram clás- Wilson” e somos apresentados à sua

CULPA
sicos famosos e optaram por contos O filme de Vadim é lento e de lingua- trajetória de soldado austríaco que, ar-
menos recorrentes, apesar de não infe- gem extremamente visual. Parece mais rependido por um passado de violência
riores em impacto e qualidade literária. uma forma de expor a exuberante be- ou por medo de alguém que sempre

DECADÊNCIA:
leza de Jane Fonda do que de apro- via e o contestava, recorre a um padre
Mais um elo é a presença dos atores fundar a psique da personagem. Estão para confessar seus pecados.
principais como ponto forte nas narra- ali presentes os sentimentos de culpa,
tivas, sendo que, nas duas primeiras, remorso e pesar que a condessa nutre Pelo relato de Wilson, conheceremos
há a exaltação da beleza feminina das pelo primo. um passado marcado pela incontro-
atrizes Jane Fonda e Brigitte Bardot; e lável vontade de praticar maldades;
na última a interpretação alucinada de A recusa do rapaz – além de ser uma torturas que infligem a outrem agonia

Poe por três cineastas europeus


Terence Stamp. Por fim, uma particu- afronta a alguém como ela – é um ato física e psicológica – algo só impedido
laridade comum nas histórias: o senti- que faz aflorar um violento desejo de pela recorrente aparição de um sósia
mento de culpa e a (in)consciência da eliminação. Mas a consequência mais do próprio William. Esse duplo apare-
decadência moral dos três protagonis- contundente virá na forma da liberda- ce desde a infância até a época em que
tas.
Dentre tantas adaptações cinematográficas de que dispomos, de representada pelo corcel negro, que
exercerá nela um paralisante fascínio.
a personagem cursa a universidade.

três diretores europeus abordaram trabalhos do mestre: VADIM: METZENGERSTEIN Ele age como Nêmesis, contendo os
Federico Fellini, Louis Malle e Roger Vadim. “Metzengerstein”, dirigido por Roger
Ao tentar domar o animal, algo previ-
sível – haja vista a conduta social a que
excessos de seu suposto clone. Talvez
o que aflore seja a própria culpa latente
O esforço do trio resultou em três narrativas que, juntas, Vadim, expõe a rotina de obscenidades
e crueldades da condessa Metzenger
a moça estava acostumada –, Metzen- no psicológico de Wilson, mas não se
formam o longa “Histórias extraordinárias” (1968). (Jane Fonda). Durante seu dia a dia de
ger tanto reproduz sua forma de agir
como também, de modo inédito, faz
pode concluir. A obra de Poe é intrin-
cada, cheia de caminhos, de interpre-
bacanais, a moça encontra, fortuita- nascer em si desejos de reparação e re- tações.

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A condessa Metzenger
(Jane Fonda): rotina
de excessos,
Brigitte Bardot em William obscenidades
Wilson: a consciência da e crueldade
decadência

maléfica da personagem. A vitória do


sósia reside em seu próprio esvaneci-
mento. A partir daí, William passará a Chris Conner
ter uma consciência, ainda que distor- interpreta a inteligência
cida e não tão elaborada, de sua condi- artificial Poe, na série
ção decadente e imoral. Altered Carbon

FELLINI: TOBY DAMMIT

Fellini fecha o tríptico com “Toby


Dammit”, adaptação do conto “Nun-

FOTOS: DIVULGAÇÃO / REPRODUÇÃO


ca aposte a cabeça com o diabo”. Das EDGAR ALLAN POE NAS TELAS livro “Vou lhe mostrar o medo”, do
três películas, esta será a mais infiel (Luciana Fátima) escritor norueguês Nicolaj Frobenius.
ao original literário; paradoxalmente, a
Mas William, mesmo tendo sido de- mais criativa e, talvez, a melhor. Um dos autores mais populares, quan- THE FOLLOWING (2013-2015)
safiado diversas vezes pelo seu outro, do se trata de adaptações literárias As três temporadas deste seriado gi-
prossegue na vida de violências. Ele Se “Metzengerstein” serve de pretexto para o cinema, Edgar Allan Poe teria raram, basicamente, em torno do
chicoteará de forma avassaladora uma para a estética kitsch – tão cara a Va- inspirado cerca de 350 películas (de obcecado agente do FBI, Ryan Har-
moça (Brigitte Bardot) com quem dis- dim quanto o era a sua adoração por acordo com o Internet Movie Databa- dy (Kevin Bacon), e do diabólico as-
puta – e ganha – uma partida de cartas. filmar a beleza feminina – e “William se - IMDb). Portanto, seriam neces- sassino Joe Carroll (James Purefoy),
Wilson”, pela ótica de Malle, ter resul- sárias muitas e muitas páginas para admirador ardoroso da obra de Edgar
Em seguida, travará um confronto final tado muito sério, austero, a interpreta- falarmos dos filmes e séries basea- Allan Poe – ponto de partida e de fi-
e trágico com seu sósia e, ainda que local, que passa a cortejá-lo e a satisfa- Apesar de irregulares e, aparentemen-
ção que Fellini dá a um conto de Poe é dos em sua obra. Uma vez que isso, nalização da série. Ao longo dos 45
triunfe, não conseguirá obter suficien- zer todos os seus desejos de estrelismo te, sem pontos em comum, os filmes
a mais livre dentre as três experiências. obviamente, não é possível – e nem episódios, muito de Poe acabou se
te serenidade para conviver com sua – que inclui uma Ferrari. trazem pressupostos interessantes: cli-
interessante, devido à qualidade duvi- perdendo, ficando apenas os distúr-
caminhada de maldades. Procura, en- ma gótico; ambiente onírico (“Metzen-
A começar pelo diretor ter transfor- dosa de algumas produções – comen- bios psicológicos dos personagens.
tão, se confessar ao padre. A sensacional interpretação de Stamp gerstein”); austeridade (“William Wil-
mado a personagem principal, que no taremos apenas algumas produções.
responde satisfatoriamente a certos son”); e atmosfera alucinante (“Toby
conto é um anônimo, em um ator in- CONTOS DO EDGAR (2013)
Se o outro William Wilson era a cul- traços do estilo de Fellini; como a valo- Dammit”).
glês de muita popularidade. ROGER CORMAN (1926) A série brasileira foi produzida por
pa que vinha punir as atrocidades do rização da expressão do inconsciente,
Ícone do cinema independente ameri- Fernando Meirelles (Cidade de Deus)
protagonista, esta mesma culpa pare- dos sonhos e dos desejos reprimidos Esses três exercícios europeus de inter-
Terence Stamp é Toby Dammit. Ele vai cano, o prolífico Roger Corman produ- e veiculada pela Fox Brasil. Com ape-
ce superar o desaparecimento de seu – o que, no filme, apesar de não ex- pretação e releitura cinematográfica da
para a Itália em uma turnê para pro- ziu, na década de 1960, uma série de nas cinco episódios, as histórias são
outro eu. No final, o remorso triunfa, plícito, resultará na sensação de culpa obra de Poe resultam não convencio-
mover um de seus filmes. Lá, bêbado adaptações de contos clássicos de Poe narradas por Edgar, que trabalha na
mesmo que não detenha a natureza e na tomada de consciência acerca da nais e têm como virtude a exploração
e delirante, é recebido pela produção – com destaque para o ótimo Vincent dedetizadora “Nunca Mais”, perten-
condição decadente de Dammit – um da (in)consciência acerca dos senti-
Price, que encarnou os atormentados cente a seu amigo Fortunato. A ação
alcoólatra que, para manter a sua roti- mentos de decadência e culpa. Trazem,
personagens de Poe com maestria. No foi transferida para uma São Paulo
na de prazeres, hedonismo e narcisis- também, a busca por redenção, seja
chamado “Ciclo Poe de Corman”, fo- underground, onde a realidade é mui-
mo, faz um pacto com o diabo. pelo exercício da liberdade de cavalgar,
ram transpostas para a telona obras to mais terrível do que a literatura.
pela confissão religiosa ou mesmo por
como: O Corvo, O Poço e o Pêndulo,
Essa sensação de degradação levará o um impulso suicida.
A Máscara da Morte Rubra e A Que- ALTERED CARBON (2018)
protagonista a uma conduta autodes-
da da Casa de Usher, entre outros. Produção distópica de ficção científi-
trutiva: a corrida que faz com a Ferrari
ca da Netflix, criada por Laeta Kalo-
(toques de James Dean) e, no fim, a
O CORVO (2012) gridis com base no livro de Richard
um encontro com o próprio demônio,
O suspense, dirigido por James McTei- K. Morgan. A série é ambientada no
representado, no filme, por uma doce ARLINDO GONÇALVES gue (V de Vingança), traz John Cusa- ano 2384, no qual a tecnologia avan-
garotinha com uma bola.
ck na pele de um Edgar Allan Poe que çou ao ponto de permitir às pessoas
Arlindo Gonçalves escreve ficções passa seus últimos dias em meio às trocarem de corpos, armazenando e
e crônicas urbanas. É autor de “In investigações de uma série de crimes transferindo suas consciências. A pri-
Aeternum – Joy Division: a busca baseados em suas próprias histórias. O meira temporada possui dez episódios
afetiva por uma imagem”. filme traz uma teoria para a misteriosa e apresenta uma inteligência artificial
morte de Poe (encontrado em estado (interpretada por Chris Conner) que
facebook.com/in.aeternum.closer delirante, em um parque de Baltimo- se parece e age como Poe, geren-
Alain Delon é William Wilson:
decadente e imoral re). A história teria sido plagiada do ciando um hotel chamado O Corvo.

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LITERATURA Luciana Fátima

EDGAR ALLAN POE


E O GÓTICO AMERICANO
Tal qual Orfeu, Poe desceu aos abismos infernais da existência;
não à procura de Eurídice, mas, em busca de si mesmo. Contudo,
o que encontrou nos abismos de sua própria alma fez com
que se perdesse nos labirintos da literatura.
Após a literatura gótica dominar a In- como Mallarmé, Valéry, Dostoiévski, Poe tiveram início muito antes de sua
glaterra entre os séculos 18 e 19, ela Lovecraft, Borges, Cortázar, Fernando instável carreira. O pequeno Edgar fi-
cruzou o oceano e chegou aos Estados Pessoa e Machado de Assis, para citar cou órfão – a mãe, abandonada pelo
Unidos – deixando para trás, todavia, somente alguns. marido, morreu de tuberculose quando
os castelos, ruínas e calabouços. o garoto tinha menos de três anos. A
A lista de adoradores de Poe é inversa- turbulenta relação com o pai adotivo,
A ficção gótica americana é definida mente proporcional à extensão de sua John Allan, também não ajudou Poe
por temas mais psicológicos; o embate vida. O escritor bostoniano viveu ape- em seu temperamento explosivo, o que
entre racional e irracional, a loucura, a nas 40 anos – tempo suficiente para o levou a contrair dívidas de todo tipo
vergonha, a culpa (leia sobre a transpo- deixar um legado que não para de ins- e a ser expulso da Academia Militar.
sição de alguns desses temas em “Poe pirar leituras e releituras nas mais di-
para o cinema”, nesta edição), entre versificadas áreas. Isso talvez se deva A vida de Poe parece ter influenciado
outros. Autores como Washington Ir- pela produção do autor abarcar, além seu interesse por temas como morte,
ving (A Lenda do Cavaleiro Sem Ca- de poemas – como o famosíssimo O loucura, hipnose, mesmerismo e pseu-
beça) e Nathaniel Hawthorne (A Casa Corvo –, contos macabros e policiais dociências, entre outros, trazendo-os
das Sete Torres) são frequentemente (deste último gênero, aliás, Poe é con- para a realidade de suas histórias. Seus
citados como seus representantes. siderado o inventor). personagens são marcantes e povoam
o imaginário dos leitores mesmo de-
Nenhum deles, contudo, alcançou a Oscar Mendes, organizador de uma pois de finda a leitura.
proeminência e a perenidade de Edgar das compilações brasileiras mais inte-
Allan Poe. E o que faz de Poe um escri- grais da obra de Poe, “Ficção comple- Como esquecer-se da relação doentia
tor tão extraordinário? Quem oferece ta, poesia & ensaios”, da Editora Nova entre os irmãos em A Queda da Casa
uma hipótese para esse questionamen- Aguilar, agrupou seus escritos nas se- de Usher ou dos dentes brancos como
to é outro monstro sagrado da literatu- guintes categorias: contos policiais; de marfim da pobre Berenice?
ra, Charles Baudelaire: terror, mistério e de morte; filosóficos;
humorísticos; impressões de viagens e É quase possível ouvir o gemido, a voz
“A primeira vez que abri um livro seu, aventuras; poesias e ensaios. de dentro do túmulo, “como o soluçar
vi, espantado e maravilhado, não ape- de uma criança [...], um grito prolon-
nas assuntos cogitados por mim, mas Edgar Allan Poe trabalhou também em gado, alto e contínuo, extremamen-
frases pensadas por mim, e escritas periódicos, como editor e crítico literá- te anormal e inumano, um urro, um
por ele vinte anos antes.” rio, e é reconhecido como um dos pri- guincho lamentoso, meio de horror e
meiros autores modernos norte-ameri- meio de triunfo” do Gato Preto empa-
Edgar Poe era um visionário; um des- canos a tentar ganhar a vida a partir da redado pelo próprio dono.

ILUSTRAÇÃO: SAMUEL CASAL


bravador de novas trilhas artísticas. produção de textos ficcionais – o que,
O poeta francês Baudelaire não foi aliás, teria resultado em uma carreira E quanto à angústia crescente do cora-
apenas um grande entusiasta de Poe, difícil e cheia de problemas, dentre eles ção que batia cada vez mais alto, que
mas traduziu seus contos, levando-os o mais explorado: o alcoolismo. “se elevava acima de tudo e continua-
a outras nações, espalhando assim mente aumentava [...] mais alto... mais
uma onda de admiradores de peso, No entanto, as tragédias pessoais de alto... mais alto”, a ponto de fazer o

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RELEITURAS DE POE LITERATURA
Nova edição de O Corvo O mercado editorial brasileiro é gene-
lançada pela editora Clepsidra roso quando se trata de Edgar Allan
Poe. Não faltam compilações com suas
histórias, desde as mais econômicas
edições de bolso até os volumes mais
assassino confessar seu crime, em O do amante desesperado a ansiar por luxuosos. Uma peculiaridade da maio- A FILOSOFIA belo só poderia se dar por meio da
Coração Denunciador? Ou ainda “as sua doce Lenora, questionando a ave ria dessas publicações refere-se às ilus- DA COMPOSIÇÃO DE POE tristeza, pois “a melancolia é o mais
torturas experimentadas [...] pavoro- negra, cuja única resposta – “Nunca trações. Aparentemente, os textos es- legítimo de todos os tons poéticos”.
sas, inconcebivelmente hediondas” de mais” – ecoa em nossos ouvidos e re- timulam a criatividade dos ilustradores Edgar Allan Poe era um exímio escritor
O Enterro Prematuro? Melhor parar mete, de imediato, a seu criador, em que buscam ressignificar suas palavras e se orgulhava disso. Para ele, o pro- Em meio a divagações sobre métricas,
por aqui! um insólito caso de conexão simbióti- por meio de imagens. A seguir, algu- cesso produtivo devia seguir uma ló- rimas e efeitos sonoros, Poe chega à con-
ca entre autor e obra. mas indicações. gica quase matemática. E, ao contrário clusão de que a Morte seria o mais me-
Além do macabro nos contos – dos de outros autores, ele não se intimidou lancólico de todos os temas, ainda mais
quais ele foi mestre absoluto, tendo Em O Corvo, Poe concebeu uma das O CORVO – ilustrações Gustave Doré ao explicar o passo a passo da criação se fosse a morte de uma bela mulher.
estabelecido um modelo que é segui- estruturas poéticas mais impecáveis A Editora Sebo Clepsidra lançou, re- de seu poema mais famoso, O Corvo,
do até hoje –, Poe criou personagens da literatura gótica. O poema foi res- centemente, uma espécie de tradução no texto A Filosofia da Composição. Quanto à escolha da ave, ele chegou a co-
femininas marcantes: Ligeia, Eleonora, ponsável, a partir de sua publicação, pictórica do poema de Poe, com 26 gitar um papagaio, mas logo optou pelo
Morela, Annabel Lee. em 1845, pela fugaz popularidade vi- gravuras em formato grande para va- Segundo Poe, “muitos escritores – es- corvo, “a ave do mau agouro, repetin-
venciada por Edgar, que era requisita- lorizar os detalhes da obra do famoso pecialmente os poetas – preferem ter do monotonamente a expressão ‘nunca
O drama funesto delas, porém, não se do para salões literários, onde decla- ilustrador francês, Gustave Doré. A por entendido que compõem por meio mais’ na conclusão de cada estância”.
restringiu à ficção. A morte de mulhe- mava seus versos e dava conferências versão Machado de Assis para o por- de uma espécie de sutil frenesi, de in-
res por quem era apaixonado influen- sobre a Filosofia da Composição. tuguês foi a escolhida para esta edição. tuição extática”; mas, conforme sua Para unir os personagens – o aman-
ciou profundamente sua obra. Além da Informe-se com o Selo Clepsidra: teoria, não existe acaso ou intuição. te solitário e o corvo –, o poeta sele-
perda da mãe, Edgar teve de suportar Nessas ocasiões, ele sempre vestia facebook.com/seboclepsidra/ Ele queria criar um poema que “agra- cionou um ambiente sagrado, repleto
a morte da mãe adotiva, a quem era roupas negras, identificando-se a tal dasse ao gosto do público e da crítica”. de memórias da falecida: um quarto
muito apegado; da mãe de um amigo, ponto com seu pássaro que ele pró- a morte na tentativa de lidar com suas ESPÍRITO DOS MORTOS E, apesar de os pesquisadores estima- ricamente mobiliado, com um busto
por quem nutria uma ardente afeição; prio passou a ser chamado de Corvo. angústias, desenvolvendo, a partir Richard Corben rem que o Corvo levou cerca de quatro de Minerva para que o mármore con-
e da adorada esposa, Virginia Clemm, Em outro de seus poemas, Edgar Poe dali, sua produção literária. Os contos O artista Richard Corben é reconheci- anos para ser concluído, ele conseguiu! trastasse com o negro da plumagem;
sua prima, com quem se casou quando confessa: de Poe, sempre narrados em primeira do por seus trabalhos nos quadrinhos tudo milimetricamente calculado.
ela tinha apenas treze anos. Em uma pessoa, manifestam a projeção do es- de horror, fantasia e ficção científica. A primeira coisa considerada pelo au-
de suas histórias, Poe parece descrever
a própria sina: “Não fui, critor nos personagens, expressando o
profundo desejo de desvendar a mor-
Esta edição traz suas incríveis adapta-
ções em HQ para 14 das obras do ído-
tor é a extensão. Muitas oficinas de
contos utilizam, até hoje, o dito de Poe
O clímax estava delineado desde o
princípio; o ‘nevermore’ a ecoar o

“Aquela a quem amei na mocidade, e


na infância, te, ainda que por meio da literatura. lo, Edgar Allan Poe. Entre os contos
e poemas estão Assassinatos na Rua
para orientar escritores neófitos: o tex-
to precisa durar o suficiente para ser
nome Lenore por todo o poema, al-
cançando o máximo de tristeza, de-
cujas lembranças agora descrevo, cal- como os outros Em busca de respostas, Poe precipi- Morgue, A Queda da Casa de Usher e lido “de uma assentada”; e lembremos sespero e uma autotortura sem fim.
ma e nitidamente, era a filha única da
única irmã de minha mãe, há muito fa- e nunca vi tou-se no lado mais negro de sua pró-
pria alma; mas o abismo era tão pro-
O Verme Vencedor. que o Corvo é composto de 108 versos.
Ao concluir sua Filosofia da Com-
lecida. [...] O dedo da morte lhe calca-
va o seio e, como efêmera, toda aquela
como outros viam. fundo que ele não conseguiu encontrar
o caminho de volta – ou talvez ele te-
THE RAVEN – Lou Reed
O 19º álbum de estúdio de Lou Reed,
A seguir, vem a impressão ou o efeito
a ser obtido. Poe afirma que sua inten-
posição, Poe afirma que o leitor
“deve encarar o corvo como sim-
beleza perfeita lhe fora dada apenas Minhas paixões nha-se deixado ficar naquela escuridão lançado em 2003, foi um projeto con- ção primordial foi manifestar a beleza bólico [...], um emblema da re-
para morrer.”
eu não podia acolhedora, quando proferiu suas últi-
mas palavras: “Senhor, ajudai minha
ceitual, baseado na ópera POEtry, que
ele coescreveu com Robert Wilson
em seus versos; e a contemplação do cordação lutuosa e infindável.”

Virginia sucumbiu aos 25 anos de


idade. Era a segunda mulher que Poe
tirar de fonte pobre alma!” para homenagear Edgar Allan Poe, fa-
zendo uma releitura de seus contos e
perdia para a tuberculose. Talvez ins- igual à deles.” E se questionarmos novamente: o que poemas por meio da música.
pirado pela hemoptise – característica faz de Poe um escritor tão extraordi-
marcante da doença –, o escritor tenha A alma do escritor fora exposta, desde nário? As respostas podem variar; mas THE RAVEN
criado A Máscara da Morte Rubra: cedo, a perdas que o marcaram para podemos afirmar que a atemporalida- Lou Reed & Lorenzo Mattotti
sempre. O psicólogo junguiano James LUCIANA FÁTIMA
de e a abrangência de seus temas o co- Após o lançamento do álbum The
“O sangue era a sua encarnação e o Hillman afirma que “é em face da mor- locam em um patamar superior. Raven, Lou Reed decidiu fazer uma
seu sinete: a vermelhidão e o horror do te que ponderamos, vamos fundo e Luciana Fátima pesquisa a literatu-
versão pictórico-poética e convidou o
sangue. Aparecia com agudas dores e sentimos a alma, e então construímos ra gótica e romântica. É autora de
Sua obra – concebida com tamanha conceituado artista Lorenzo Mattotti
súbitas vertigens, seguindo-se profusa nossas fantasias para abrigá-las.” “Delírio, Poesia e Morte – a solidão
dor, intensidade e paixão – expandiu para ilustrar suas reinterpretações da
sangria pelos poros e a decomposi- de Álvares de Azevedo”.
as fronteiras da ficção gótica tradicio- poesia de Poe. De acordo com Reed,
ção.” A morte e seus mistérios acabaram, nal e continua a inspirar artistas de- “Esta é uma obra para a imaginação;
então, virando uma espécie de obses- facebook.com/DelirioPoesiaMorte
cididos a reinterpretar e ressignificar assim, há até alguns vestígios de áu-
Enquanto Virginia tossia sangue e de- são para o poeta, que teria mergulhado o eterno Edgar Allan Poe e sua obra dio, mas esta versão deve ser ouvida
finhava, o poeta lapidava o solilóquio nos estudos da mente humana perante imortal. com a mente.”

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ANNABEL LEE *
(de Edgar Allan Poe)

Foi há muitos e muitos anos já,


Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,


Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor —
O meu e o dela a amar;

KIPPER
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,


Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,


Ainda a nos invejar…
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)

ILUSTRAÇÃO: BAPTISTÃO
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor


De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos


Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim ‘stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.

* tradução de Fernando Pessoa

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N º 4 - Setembro 2018

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