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FLUP

As controvérsias científicas

Licenciatura em Filosofia

Filosofia das Ciências II

Nome: Pedro Valente Correia

Data: 27/06/2022
Resumo: Neste trabalho, procedeu-se ao estudo de duas controvérsias científicas sendo elas a
controvérsia científica entre Wislow e Lemery e a controvérsia científica entre Piorry e
Bousquet.

Palavras-chave: Controvérsia, Científica , Monstruosidades, Diálogo, Objeto, Comunicação.

Abstract: In this work, two scientific controversies were carried out, being the scientific
controversy between Wislow and Lemery and the scientific controversy between Piorry and
Bousquet.

Key words: Controversy, Scientific, Monstrosities, Dialogue, Object, Communication.


Introdução

De acordo com Fernando Gil na sua obra, Ciência e controvérsia, uma controvérsia científica
é uma “ forma de diálogo em que se forma um objeto”1, e é através desta comunicação entre
diálogo e objeto que surgem as controvérsias científicas. A dinâmica das controvérsias
científicas leva as controvérsias científicas como sendo algo duma dimensão intersubjetiva.
Pois esta pode ser analisada por várias pontos de vista sejam eles psicológicos, sociológicos,
ideológicos e linguísticos, procedendo-se posteriormente ao estudo da técnica de
argumentação mais frequentes das controvérsias cientificas, bem como determinar a lógica do
dialogo e da controvérsia.

Desta forma surge aqui uma pequena dúvida, relativamente ao facto de pôr em dúvida a
articulação do diálogo e do objeto. E é exatamente essa parte que tem por assim diz um maior
destaque, desde o conteúdo das contribuições individuais e posições defendidas pelos
intervenientes até ao número de contribuições, sendo que estas levam-nos, por assim dizer, ao
“estado das questões”. Deste modo, “em que medida a condição dos problemas distribui as
posições dos participantes e influi no teor das suas intervenções?”2

Uma resposta a esta mesma pergunta, procedia a um estudo de casos de controvérsias


científicas não de um ponto exclusivamente epistemológico como também uma análise ao
domínio do devir. Os casos que irão aqui ser apresentados são: O debate entre Wislow e
Lemery “sobre as causas da geração monstruosa, que se encontra consignado nos Mémoires
da Academia de Ciências de Paris entre 1724-1743”, 3 “e uma polémica travada em 1885 na
Academia de Medicina de Paris sobre o estatuto ontológico da doença”.4

A controvérsia científica entre Wislow e Lemery

Antes de mais, esta controvérsia colocou em lados apostos duas conceções: a conceção
preformista e a conceção epigenética. Sendo que a primeira tese era defendida por Wislow e a
segunda tese era defendida por Lemery. A tese de Wislow foi chamada sistemas dos ovos
monstruosos e a tese de Lemery foi denominada de sistema de causas acidentais. A tese de
Wislow não consiste nada mais nada menos do que, um embrião ou ovo em que estavam
contidas todas as suas monstruosidades não permitindo qualquer avanço relativamente à sua

1
Gil, F. (1986). CIÊNCIA E CONTROVÉRSIA. Cadernos de Estudos Linguísticos, 11, p.117
2
Gil, F. (1986). CIÊNCIA E CONTROVÉRSIA. Cadernos de Estudos Linguísticos, 11, p.118
3
Gil, F. (1986). CIÊNCIA E CONTROVÉRSIA. Cadernos de Estudos Linguísticos, 11, p.118
4
Gil, F. (1986). CIÊNCIA E CONTROVÉRSIA. Cadernos de Estudos Linguísticos, 11, p.118
etiologia, pois sendo uma conceção de cariz preformista estuda apenas a ação, ação esta que é
genética nas características orgânicas e no comportamento humano.

A tese de Lemery consiste na normalidade dos ovos à origem em que as malformações


aconteciam por “ação” do acaso, mas também por uma série de “ acontecimentos” tais como:
“choques, pressões, fusões parciais ou totais do embrião”. Deste modo, esta controvérsia
científica foi muito importante pois permitiu a mudança de página de uma era ligada às
causas monstruosas, para uma era direcionada para um estudo mais físico o que permitiu, por
assim dizer, o consenso entre este espírito científico partilhado por estas mesma duas
conceções. E claro, sem este consenso o diálogo e a controvérsia seriam impossíveis.

Sendo assim, a controvérsia permitiu quer ao nível dos factos, quer ao nível das teorias um
alargamento desta base empírica da teratologia, ou seja, em vez de estudarem a ação genética
nas características orgânicas (preformismo) ou as características dos organismos unicelulares
ou multicelulares (epigenética), já que ambas as conceções admitem a existência de
malformações ou monstruosidades, procuram agora estudar essas mesmas deformidades ao
nível orgânico.

Consequentemente todas as controvérsias cientificas assentam num acordo estabelecido à


partida, que permite não só a normalização do diálogo como também uma limitação de
alternativas, tornando-se assim num elemento essencial. No entanto, no que toca às
argumentações a teoria de Lemery “abraça” as monstruosidades, permitindo uma
normalização da mesma e nas palavras de Fernando Gil no seus cadernos de estudos
linguísticos (Ciência e controvérsia), afirma que não só dava razão de existência como
também eram “acusadas mais fortemente nos casos de hereditariedade”. 5Relativamente à
teoria de Wislow, era “apenas vista” como sendo uma ponte de ligação em que a
monstruosidade procedia de uma “construção primitiva” e nas palavras de Fontenelle, “este
preformismo não constitui uma verdadeira hipótese científica”.6

Controvérsia científica entre Piorry e Bousquet

Esta controvérsia cientifica ocorreu em 1855 e começou por um debate entre dois médicos
(Piorry e Bousquet), relativamente ao tratamento da varíola. Deste modo, este debate levaria
à contraoposição entre duas “teorias”: a teoria do vitalismo e a teoria do organicismo. Piorry
pretendia provar que a varíola era uma pseudo-entidade desprovida de qualquer unidade.
5
Gil, F. (1986). CIÊNCIA E CONTROVÉRSIA. Cadernos de Estudos Linguísticos, 11, p.119
6
Fontonelle, B. (1740). “Sur les monstres”. In Mémoires de l’ Académie de Sciences de Paris, not
signed. Paris: Académie, p.43
A teoria de Piorry pressuponha apenas a existência de sintomas nos órgãos afetados pela
doença, o que levaria a uma aceitação por parte dos médicos, da existência de sub doenças na
varíola. Sendo assim, Piorry propõem um conjunto de terapias com intuito de tratar “cada
afeção local”7. Consequentemente, Piorry vê na medicina vitalista uma solução, admitindo
que apesar das variedade dos sintomas orgânicos, este tipo de medicina confere à unidade da
doença um “papel de destaque”, colocando-a acima de tudo e por isso vê no tratamento não
diversificado uma solução.

Deixando , por assim dizer, os doentes à mercê de um principio da natureza reparadora, sendo
que esta limitará, deste modo, a intervenção do médico. Podemos classificar a teoria de
Piorry como sendo reducionista e também pluralista, devido ao facto de ter imensas
implicações terapêuticas e apresentar deficiências quer ao nível da classificação das doenças
e nomenclatura, sendo estas um tema central da controvérsia.

Esta controvérsia científica, tal como as controvérsias científicas contemporâneas, levou a


debate um grande número de cientistas e médicos, sendo que a mesma se “espalhou”
rapidamente pela comunidade científica. Nesta última controvérsia científica, em relação ás
outras controvérsias científicas encontramos:

“…perante cientistas de estatura menos imponente e perante uma questão bem conhecida na
prática da clínica e cujos pressupostos teóricos haviam sido trabalhados desde há várias
gerações; esta questão levanta uma controvérsia que permanecerá interior à comunidade dos
biólogos e à profissão médica – mas que se generalizará dentro dela”.8

Esta controvérsia ocorreu do modo a seguir apresentado pelo seguinte esquema: 1) esta
controvérsia é levantada por uma questão, questão esta que versa sobre o tratamento da
varíola, o que permite que Piorry faça a sua primeira comunicação. 2) Surge uma crítica,
critica esta realizada por Bousquet que procura esclarecimentos e faz as suas próprias
objeções, o que vai levar a que Piorry contra- ataque. 3) Piorry em defesa da sua teoria, tenta
explicitar melhor o seu ponto de vista o que lhe permite descobrir os pontos fracos do seu
adversário. 4) Segue-se uma nova crítica por parte Bousquet e novo contra-ataque de Piorry.
Os argumentos entre ambos começam a escassear, o que leva a uma repetição de ambos, o
debate sobe de nível tornando-se mais feroz , o que leva a uma profunda discussão
epistemológica onde tentam distinguir sintoma de doença.

7
Gil, F. (1986). CIÊNCIA E CONTROVÉRSIA. Cadernos de Estudos Linguísticos, 11, p.123
8
Gil, F. (1986). CIÊNCIA E CONTROVÉRSIA. Cadernos de Estudos Linguísticos, 11, p.124
Esta controvérsia científica entre Piorry e Bousquet tornou-se num marco importante, pois
permitiu a abertura de um novo caminho para terceiros, devido ao conhecimento generalizado
acerca dos objetos que foram a debate. A luta pela defesa quer seja do vitalismo quer do
organicismo já era algo “consensual” a debate entre os biólogos e médicos da época. Estes
terceiros serão importantes, na medida em que, através da tomada de posição quer seja ela
pelo vitalismo ou organicismo poderão participar ativamente no debate como sendo
comentadores, conciliadores ou como árbitros.

Este tipo de esquema de desenvolvimento desta mesma controvérsia, poderá ser encontrado
de forma frequente em outras controvérsias, quando os objetos de debate já possuem um
conhecimento generalizado. Relativamente à natureza das controvérsias científicas, a
intervenção de terceiros torna-se num ponto revelante, assim como a convocação de árbitros.
Tendo em conta este último tópico, quanto melhor for feita, permite que os árbitros estejam
dispostos a seguir investidos na sua função, e quanto mais investidos estiverem mais
objetivos serão, o que torna necessário o recurso a instâncias imparciais e que sejam
incontestáveis como academias científicas e etc.

Numa controvérsia científica não se poderá decidir tendo como base a racionalidade
“apodítica”, pois ela “parte” de um conhecimento imperfeito, ou seja, as pessoas que estão a
defender o seu ponto de vista ou teorias na controvérsia científica possuíram um discurso
meramente direcionado para o campo da “dialética” , o que levara à necessidade de
justificativos , justificativos que são juízos dos terceiros.

Conclusão

O diálogo nas controvérsias cientificas é um diálogo menos livre, pois encontra-se regido a
um conjunto de condições severas, o que torna passível de pensar que as controvérsias
científicas se regem com base em modelos típicos de desenvolvimentos das mesma em
função dos problemas que as mesmas levantam. Podemos também tentar inferir, o porquê de
numa controvérsia científica haver apenas uma debate entre duas teorias/teses e não mais do
que isso, uma possível resposta seria o facto de as novas teses corroborarem com as duas
primeiras teses.

Bibliografia

Gil, F. (1986). CIÊNCIA E CONTROVÉRSIA. Cadernos de Estudos Linguísticos, 11, 117–


126.
Fontonelle, B. (1740). “Sur les monstres”. In Mémoires de l’ Académie de Sciences de Paris,
not signed. Paris: Académie, 37-50.

Assad, L. (2013). Controvérsias, debates, disputas e farsas: a ciência não é feita por deuses.
ComCiência, 152. «http://comciencia.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-
76542013000800003&lng=e#:~:text=As%20%20controv%C3%A9rsias%20s%C3%A3o
%220fundamentais%20para%20o%20desenvolvimento».

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