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DESCRIÇÃO

A Psicologia, a norma e as diferenças. Posicionamentos políticos históricos e contemporâneos, o


posicionamento do psicólogo como agente de transformação.

PROPÓSITO
Compreender a construção dos posicionamentos éticos e políticos da Psicologia e sua construção
é fundamental para que a prática dos futuros profissionais não reproduza fazeres discriminatórios
e segregacionistas, contrários aos princípios que regem a profissão.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Reconhecer o perigo das práticas discriminatórias que atravessam a relação da Psicologia com a
diversidade

MÓDULO 2

Identificar as atividades do psicólogo comunitário, nos diversos campos de trabalho, voltadas à


população em situação de vulnerabilidade social
MÓDULO 3

Aplicar uma prática ética em relação à diversidade de gênero, cultural e racial, alinhada aos
posicionamentos do CFP, que regulamenta a profissão

MÓDULO 4

Analisar planos de trabalho a fim de intervir em contextos institucionais em que o psicólogo se


coloca como agente de transformação

INTRODUÇÃO
Neste conteúdo, conheceremos a relação da Psicologia com a diversidade, por meio de seus
posicionamentos éticos e políticos, desde o passado até os dias de hoje.

Para tanto, começaremos por uma revisão histórica que aponta a relação da Psicologia com as
normas e com as diferenças, quando ela compactuava com atividades discriminatórias e
segregacionistas. Assim, chegaremos ao momento atual, em que os posicionamentos começam a
ser revistos, buscando favorecer as minorias.

Em um primeiro momento, essa guinada no percurso ocorre na defesa da população manicomial,


depois é dada pela Psicologia Comunitária e pelo trabalho com grupos em contextos sociais
empobrecidos nos anos da ditadura e, atualmente, também acontece no trabalho do psicólogo
diante de diferenças sociais, culturais e de gênero. Assim, entenderemos a responsabilidade do
psicólogo como agente de mudança e aprenderemos a fazer planos de atuação para essa
responsabilidade se transformar em ação.

MÓDULO 1
 Reconhecer o perigo das práticas discriminatórias que atravessam a relação da
Psicologia com a diversidade

RECONHECENDO AS DIFERENÇAS
Neste módulo, falaremos sobre a relação da Psicologia com a norma e com o que escapa dela, a
diferença. Da palavra norma, deriva o conceito de normal, como o que se repete com mais
frequência; consequentemente, de anormal, como aquilo que se distancia da norma, o diferente.

PINEL E O ALIENISMO
Os resquícios de uma história, que se iniciou discriminatória, podem ser encontrados em diversas
práticas, até os dias de hoje e, por isso, é importante conhecer essa trajetória para reconhecer os
indícios de sua repetição.
Dado o fio condutor do nosso texto, a relação da Psicologia com a normalidade, avançaremos
muitos séculos na direção do contemporâneo, para pensar os primórdios da clínica psicológica,
elegendo como ponto de partida o trabalho de Philippe Pinel, o Pai da Psiquiatria, no século XVIII.
Pinel é considerado o pai da Psiquiatria moderna, seu grande humanizador, por isso, suas ideias e
seus feitos repercutem até hoje em nossas vidas.

Antes dele, a ciência que se encarregava daqueles que se desviavam da norma na sociedade –
os que possuíam transtornos mentais – era o alienismo. Embora Pinel se inscreva dentro do
conhecimento do alienismo, a partir de suas ideias surgiu o que conhecemos até hoje como
Psiquiatria. Vamos dar apenas mais alguns pequenos passos para trás no tempo, para
entendermos o contexto no qual Pinel atuou.

 SAIBA MAIS

Quando falamos em hospital atualmente, pensamos em uma instituição médica, mas nem sempre
foi assim. Hospital em latim significa hospedaria, hospedagem, hospitalidade. O hospital foi criado
no início da Idade Média como uma instituição de caridade, com o objetivo de oferecer abrigo,
alimentação e assistência religiosa aos pobres, miseráveis, mendigos, desabrigados e doentes.

Até o momento em que o hospital se transformou em uma instituição médica, o louco era visto de
diferentes formas e em diferentes espaços:

PERSPECTIVA DA LOUCURA
Visionários, demônios, trágicos, transeuntes, intensos ou enamorados da lua, “fora da casinha”.

ESPAÇOS DA LOUCURA
Ruas, asilos, guetos, igrejas, prisões e hospitais.

No século XVIII, surgiu um novo modelo de hospitais, que passara a cumprir uma função de
ordenamento social. Em 1656, o rei da França criou o Hospital Geral, que redefiniu o lugar do
louco na sociedade ocidental.

A partir desse momento, criou-se o lugar do louco como indesejável, que deveria ser retirado dos
olhos da sociedade, enclausurado. Essa instituição passou a cumprir a prática de isolamento e
segregação de significativos segmentos sociais, de forma sistemática e generalizada, visto que
não havia um interesse em diagnosticar ou conhecer a loucura, apenas de excluí-la do convívio. O
hospital tornou-se o destino, então, dos pobres válidos ou inválidos, doentes ou convalescentes,
curáveis ou incuráveis.

Pouco a pouco, o hospital deixou de ser o lugar de caridade para assumir funções mais sociais e
políticas. O hospital era uma espécie de estrutura entre administrativa e jurídica, ao lado de
poderes já consolidados, como os tribunais, com uma autonomia quase absoluta, em que não
cabiam apelações ou negociações.

A partir da Revolução Francesa, em conformidade com o lema “Igualdade, Liberdade e


Fraternidade”, que norteou o ideal revolucionário, muitos médicos foram atuar nessas instituições
para humanizá-las e adaptá-las ao espírito moderno, originando profundas mudanças nestas
estruturas. Primeiro, vários internos que eram presos políticos do Antigo Regime foram libertados.
Depois, o estado republicano criou instituições assistenciais, como reformatórios, orfanatos, casas
de correção, centros de reabilitação e escolas normais. O hospital assumiu a função de tratar os
enfermos, em vez de praticar a caridade ou o controle social.

O hospital se tornou uma instituição médica ao mesmo tempo em que a Medicina se tornou um
saber e uma prática. Dentro de seus muros, a intervenção médica, antes eventual, passou a ser
regular e constante, produzindo um saber que agora permitiria ao médico compilar as doenças e,
assim, observá-las sistematicamente em seu cotidiano, pesquisando seu curso e sua evolução.

Mas um dos problemas do modelo é que esse saber se referia a doenças institucionalizadas,
aprisionadas. A relação com a doença, nesse modelo biomédico, é a de um objeto abstrato e
natural, sem pensar a influência da clausura no próprio processo de adoecimento.

Pinel inscreveu os novos valores franceses nessa ordem, ao propor liberdade aos loucos, mas
somente depois de submeterem-se ao tratamento de isolamento asilar. Ele não acreditava, porém,
que isso implicava perda de liberdade, pois restituía ao homem a liberdade perdida pela alienação.
Fundou os primeiros hospitais psiquiátricos e criou o primeiro modelo de tratamento, intitulado de
“tratamento moral”.

Philippe Pinel lançou as bases do que ficou conhecido como Síntese Alienista e elaborou a
primeira classificação nosográfica da loucura, consolidando o conceito de alienação mental e a
profissão de alienista. Essa nova abordagem, associada ao princípio do isolamento total, é uma
prática até hoje não superada totalmente. Para ele, se as causas da doença são o meio social do
paciente, o afastamento pode curá-lo, pois transporta o enfermo para um lugar onde ele não pode
ser afetado por esse meio.

NOSOGRÁFICA

Explicação dos tipos de doença.

O gesto histórico de Pinel, desacorrentando os loucos, não deixa de ser uma metáfora de todo o
movimento. Após serem desacorrentados, os doentes foram institucionalizados e enclausurados,
não mais por caridade ou repressão, mas por um imperativo terapêutico. O alienismo de Pinel
ganhou o mundo, principalmente após a promulgação da primeira lei francesa de assistência aos
alienados da história, de 30 de junho de 1838.
PERCURSO HISTÓRICO DOS HOSPITAIS NA
SOCIEDADE
A especialista reflete, a seguir, sobre os diferentes papeis e modelos que caracterizaram os
hospitais ao longo da história, destacando a importância de Philippe Pinel na concepção dos
hospitais psiquiátricos e da saúde mental. Vamos acompanhar!

PRIMEIRAS DÉCADAS DA PSICOLOGIA


O modelo instituído por Pinel atravessou mais de um século, até os anos de 1970. Nesse meio
tempo, a Psicologia passou a ser reconhecida como ciência, após a inauguração do laboratório de
Wilhelm Wundt, em 1879, na Universidade de Leipzig, na Alemanha.

Essa primeira Psicologia, entretanto, é muito diferente do que conhecemos atualmente. Dedicava-
se aos estudos da experiência na consciência por meio da introspecção, investindo na criação de
métodos para mensurar os impulsos cerebrais. Embora essa primeira escola tenha rapidamente
caído em desuso, seu principal intuito continua presente até hoje em nossas práticas: a
mensuração quantitativa das qualidades de um indivíduo, a partir de instrumentos científicos.

Nesse mesmo momento, surgiam as ideias de Charles Darwin e sua teoria da evolução. Uma
linha de pensamento descendente de Darwin encontrou solo fértil nos Estados Unidos, que
estavam preocupados em se equiparar academicamente à Europa do início do século XX,
aplicando as ideias da evolução das espécies ao funcionamento psíquico.

Assim, aos poucos, o conceito de normalidade foi sendo equiparado ao de adequação ou


adaptação social e a Psicologia se voltou para oferecer instrumentos de mensuração desse novo
índice, os testes psicológicos.

Aqui, associam-se os seguintes conceitos:

O mecanicismo

Que percebe o funcionamento psíquico como regular e repetitivo.

O determinismo

Que compreende o homem como fruto passivo de um conjunto de fenômenos de causa e efeito,
sem poder de transformá-lo.

Na perspectiva do determinismo, passado e presente são uma medida segura para antever e
mesmo prevenir o futuro.

 ATENÇÃO

Nesse momento, a prática clínica com os loucos era exclusiva dos médicos e coube à Psicologia o
trabalho de confecção e padronização desses novos instrumentos, os testes.

Data desse tempo a concepção presente até hoje de que a Psiquiatria se encarrega dos casos
graves, enquanto a Psicologia se ocupa da normalidade e de seus pequenos desvios.

Nessa época, surgiu Sigmund Freud e seu inovador método de cura pela fala, a Psicanálise,
constituindo as primeiras bases daquilo que atualmente conhecemos como Psicologia Clínica. O
setting de escuta, mesmo com outras orientações teóricas mais contemporâneas, será
hegemônico na Psicologia, décadas mais tarde. Nesse momento, porém, essa prática era restrita
aos médicos e a Psicologia se detinha na confecção dos testes psicológicos, que nutriam o mundo
da educação e o do trabalho, além das políticas de exclusão social.

REFORMA PSIQUIÁTRICA
Somente a partir das tensões do período após a Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 1940 e
1950, o modo de tratar os loucos pela exclusão começou a sofrer as primeiras rachaduras:

SURGIMENTO DE SERVIÇOS AMBULATORIAIS


Um contingente de pessoas traumatizadas e enlutadas, soldados ou cidadãos, não poderia mais
ser desumanizado e tratado de forma tão humilhante. Começaram a surgir os serviços
ambulatoriais, abrindo espaço para que não médicos participassem dos tratamentos, entre eles os
psicólogos, afinal, não se tratava mais de doentes, mas de pessoas em sofrimento por
circunstâncias produzidas pelo meio.

MOVIMENTOS JUVENIS E ESTUDANTIS


Outra força importante de resistência que apoiou as reformas psiquiátricas foram os movimentos
juvenis e estudantis da época, denominados de contracultura. Eles rejeitavam o tutelamento da
Psiquiatria em suas práticas sexuais, culturais e de consumo de substâncias psicoativas. Um dos
exemplos desse movimento, foram as manifestações conhecidas como Maio de 68, na França,
em que estudantes foram à rua em prol de um modelo psiquiátrico menos conservador.

MOVIMENTO REFORMA PSIQUIÁTRICA


Nas décadas de 1960 e 1970, o modelo manicomial ruiu definitivamente. O movimento intitulado
Reforma Psiquiátrica, iniciado na Itália em torno da figura de Franco Basaglia, rapidamente se
espalhou para França, Inglaterra e Estados Unidos. Já na primeira metade da década de 1970,
praticamente todos os países do mundo chamado desenvolvido reformaram a legislação, a fim de
reduzir ou mesmo extinguir internações de longo prazo, substituindo esses tratamentos por
modelos ambulatoriais e comunitários, com diferentes perspectivas teóricas. No Brasil, essa
reforma foi feita apenas em 2001, com a Lei nº 10.216.

FRANCO BASAGLIA

Franco Basaglia foi o idealizador do modelo utilizado na maioria dos países, incluindo o Brasil.
Sua referência foi marcada pela extensão da Psiquiatria ao espaço público, organizando-o com o
objetivo de prevenir a doença e promover a saúde mental, instituindo a Psiquiatria comunitária, de
caráter preventivo.

A ideia de que a estrutura manicomial era a grande responsável pela fabricação dos loucos
colocava dois grandes desafios:


DESAFIO 1

O que fazer com os loucos após décadas de internação? Para isso, criaram-se redes de cuidado
que contavam com residências terapêuticas alternativas, sob supervisão que visava à autonomia
pessoal para a população agora desinstitucionalizada.

DESAFIO 2

Como não fabricar mais loucos, ou seja, como tratar as pessoas fora do modelo manicomial? A
prática tornou-se comunitária e preventiva, deslocando o público-alvo da Psiquiatria do louco para
o todo da população, abrindo a intervenção, então ampliada, para outros profissionais, como
psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, arteterapêutas etc. (JACÓ-VILELA; FERREIRA;
PORTUGAL, 2006).

 Hospital psiquiátrico abandonado em Volterra, Itália (fechado em 1978 pelas suas práticas
consideradas cruéis).

Duas correntes se destacavam:


PSIQUIATRIA PREVENTIVA

Era mais forte nos Estados Unidos. Continuava baseada no modelo biomédico e procurava
identificar os primeiros sinais de doença para iniciar mais precocemente os tratamentos, baseados
sobretudo em medicação.
PSIQUIATRIA DEMOCRÁTICA

Derivou de Basaglia. Concentrava-se no território europeu (posteriormente se estendeu ao


Canadá, Brasil e à Austrália) e tentava romper com a própria estrutura de poder da Psiquiatria,
investindo na autonomia dos sujeitos, na sua inserção na sociedade, e na ressignificação
cultural da loucura.

 SAIBA MAIS

A Psiquiatria democrática entende o louco como diferente, não como doente, e investe em
práticas de cuidado não discriminatórias e comunitárias. Os equipamentos baseados nesse
modelo, oficinas de arte e rodas de conversa, principalmente aquelas que discutem decisões
acerca da própria rotina dos pacientes, são tão ou mais importantes que a medicação e a
internação.
PSICOLOGIA COMO PRÁTICA INCLUSIVA
A partir da década de 1980, principalmente a partir da Constituição de 1988, a Psicologia no
Brasil, na esteira de movimentos internacionais, começou a se tornar uma prática inclusiva.

 COMENTÁRIO

Conforme veremos daqui para a frente, esse movimento começou com a Psicologia Comunitária e
sua constante preocupação com as camadas mais empobrecidas da população, que não tinham,
até então, acesso aos serviços psicológicos, predominantemente realizados em consultórios
privados. Nesse âmbito, a Psicologia Comunitária se posiciona politicamente contra todas as
formas de discriminação, sejam culturais ou de classe social.

Veja a atuação da Psicologia como prática inclusiva ao longo do tempo:

1990 – Luta pelos direitos das pessoas com deficiências e inclusão das questões de gênero
na pauta

Sobretudo depois da garantia do acesso universal à educação e da Lei nº 7.853/89, conhecida


como Lei da Educação Inclusiva, a Psicologia brasileira, por meio de seu conselho de classe, o
Conselho Federal de Psicologia, posicionou-se e passou a lutar pelos direitos das pessoas com
deficiência.

Na mesma década, a Psicologia passou a incluir em suas pautas as questões de gênero, iniciando
pelo papel da mulher na sociedade, para depois se tornar referência nas lutas contra as formas de
discriminação da população LGBTQIA+, na época, apenas GLS (gays, lésbicas e simpatizantes).

2000 – Racismo estrutural como agravante da saúde mental da população negra

Nesse período, a Psicologia brasileira encampou com mais consistência a questão do racismo
estrutural como importante vetor na produção de agravos de saúde mental na população negra.

Dias atuais – Psicologia como prática renovadora e inclusiva

Chegando aos momentos atuais, é importante reconhecer que a Psicologia brasileira foi se
transformando em um vetor decisivo no campo de forças políticas contra todas as formas de
preconceito ou exclusão, uma prática renovadora e inclusiva.

VEM QUE EU TE EXPLICO!


A Reforma Psiquiátrica

Surgimento da Psicologia Comunitária no Brasil

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Identificar as atividades do psicólogo comunitário, nos diversos campos de trabalho,


voltadas à população em situação de vulnerabilidade social

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E TRABALHO


COM GRUPOS
Conforme vimos, o surgimento da Psicologia foi caracterizado pela orientação para a
compreensão da normalidade do comportamento e de suas manifestações em instituições, como
escolas e fábricas. Nas décadas de 1960 e 1970, com as reformas manicomiais pelo mundo todo,
principalmente na França e na Itália, a Psicologia voltou seu interesse para a área até então
exclusiva da Psiquiatria e da Psicanálise, constituindo uma área em comum, a Psicologia Clínica.

Nesse contexto, os trabalhos de Psicologia Comunitária e os trabalhos com grupos, até então
escassos e pontuais, multiplicaram-se no intuito de tornar o hospital psiquiátrico um lugar mais
participativo e democrático.

No Brasil, com a Constituição de 1988, foram criadas políticas públicas de caráter universal, como
saúde, educação, políticas de proteção à infância e adolescência ou assistência social, entre
outros, nas quais a Psicologia foi inserida. Para isso, era necessário produzir saberes e práticas
mais comunitárias, focadas nos coletivos, não apenas nos indivíduos e em seus problemas
familiares, bem mais adequadas a esses novos campos de trabalho, que visam à inclusão da
população estigmatizada e segregada.

SURGIMENTO DA PSICOLOGIA
COMUNITÁRIA NO BRASIL
No Brasil, a profissão foi regularizada em 1962, sofrendo fortes influências do momento dessa
guinada. Talvez por isso, o trabalho do psicólogo aparece na cultura brasileira tão associado à
clínica. Outro fator que corroborou essa imagem foi a despolitização da profissão, estabelecida no
seio da ditadura militar, época de repressão e censura.

A Psicologia então, durante muitas décadas, foi uma profissão elitizada, exercida por profissionais
de classes privilegiadas, para um público dessa mesma classe econômica. Assim, sua prática e
sua identidade foram construídas por profissionais autônomos, voltados para a clientela das
classes média e alta, com atendimento individual e saber hegemônico em torno de visões
intrapsíquicas e familiaristas, que pouco problematizavam os condicionantes históricos e
socioeconômicos.

Na década de 1980, com o enfraquecimento da ditadura militar, começaram a surgir trabalhos


pioneiros voltados para a população empobrecida, realizados por entidades filantrópicas e por
projetos de extensão ligados a faculdades. Essa nova área de conhecimento recebeu o título de
Psicologia Comunitária e sua direção criou espaço para o desenvolvimento de novas práticas,
técnicas e fundamentações teóricas, em que os processos grupais foram privilegiados. Nesse
período, foi criada a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), por meio da qual
passaram a ser integradas e sistematizadas as discussões a respeito do compromisso social da
Psicologia.

Os estudos da época apontam os impasses da inserção do psicólogo no contexto comunitário,


principalmente na saúde e na educação, em vista de seu despreparo profissional e da escassez
de estágios e discussões durante a graduação. Evidenciam também o predomínio de uma prática
clínica descontextualizada e baseada no consultório particular, que não reconhecia as
especificidades de outras populações e locais de atuação.
Uma importante virada ocorreu nos anos seguintes à redemocratização, sobretudo após a
promulgação da Constituição de 1988. A prática da Psicologia Comunitária, até então
caracterizada por uma atuação pontual, passou a ser sistemática, institucionalizada pelas políticas
do Estado. Veja:


O psicólogo passou a atuar na saúde pública, a partir da instituição do Sistema Único de Saúde
(SUS) e na justiça e polícias de proteção à infância e adolescência, depois da promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Com a reforma psiquiátrica, abriu-se também o campo da saúde mental, para, em 2004, ser
também inserido na Assistência Social, com a promulgação da lei orgânica do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), em que o psicólogo passava a integrar a equipe mínima de cada
equipamento distribuído por territorialidade.


A promulgação da Lei nº 13.935, de 2019, estabelece a obrigatoriedade de psicólogo e assistentes
sociais nas redes básicas da educação pública, e promete uma ampliação ainda maior desse
campo. Com isso, consolidaram-se importantes espaços de atuação do psicólogo – as políticas
públicas –, que hoje em dia empregam mais da metade da categoria atuante.

A Psicologia brasileira, com sua identidade até então atrelada à Psicologia Clínica, teve seus
pressupostos éticos, teóricos e metodológicos revistos, recorrendo à Psicologia Social, sobretudo
à Análise Institucional e à Psicossociologia, em que a subjetividade é pensada em sua relação
com o mundo, incluindo os âmbitos políticos, econômicos, históricos e culturais (BAREMBLITT,
1996).

Nesse contexto, o grupo pode se inserir como um estágio intermediário entre o sujeito e a
sociedade, pois o ser humano se torna um ser social nos grupos. Os sujeitos nascem no grupo
familiar e passam a vida pertencendo a grupos como a escola, relações sociais, trabalhos, entre
outros.
TRABALHO EM GRUPOS
O trabalho mais recomendado no contexto das políticas públicas é o trabalho em grupos. E isso
acontece por muitas razões:

No trabalho em grupo há maior promoção da aproximação entre usuários e o terapeuta, a


linguagem é mais acessível, sobretudo porque os próprios participantes auxiliam-se na
compreensão, fazendo com que a expressão ultrapasse as fronteiras do verbal, tornando-se
afetuosa e emocional, permitindo identificações múltiplas com as experiências relatadas,
encorajando a abertura no falar e a troca.

Em outras palavras, o trabalho em grupo deve estimular as trocas de vivências e culturas entre os
indivíduos, sem deixar de levar em conta a complexidade das vulnerabilidades vivenciadas por
cada indivíduo que o compõe, promovendo o seu sentimento de identidade, mas ao mesmo tempo
de singularidade. O objetivo se torna a viabilização do sentimento de grupalidade, ou seja, a
sensação de identificação e pertencimento a esse lugar.
As práticas grupais devem contemplar a escuta, os processos de valorização e reconhecimento
das diferenças, as produções coletivas, os exercícios de escolha, a tomada de decisões sobre a
própria vida e de sua comunidade, a abertura de diálogo para a resolução ou redução de conflitos
e divergências, analisando sempre os limites e as possibilidades das situações implicadas, o
reconhecimento e a nomeação das emoções vivenciadas.

Diversos são os fios condutores da formação de um grupo, sempre respeitando as necessidades


dos participantes. Vamos ver alguns exemplos de organização de grupos, que podem surgir em
torno de:

Questões de cada ciclo de vida, como grupos de crianças, de adolescentes, de jovens, de


adultos e de pessoas idosas.

Condições de saúde, como grupos de hipertensos, gestantes, questões de amamentação,


maternidade, pacientes oncológicos, entre outros.

Questões da saúde mental, como psicoses, depressão e ansiedade, ou enfretamento ao


tabagismo, alcoolismo e a dependências de substâncias psicoativas.
Vulnerabilidades sociais, como grupos de adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, violências de vários tipos (doméstica, policial, urbana etc.), pessoas em situação
de rua, famílias removidas de seus territórios por ação do estado ou atingidas por tragédias
naturais.

Embora o grupo propicie maior amplitude em número de atendimentos em um meio no qual a


demanda é intensa, esse não deve ser o principal critério de aplicação do instrumento, mas sim
sua possibilidade de viabilizar as potencialidades de cada indivíduo no contato com o outro, de
acordo com sua singularidade, respeitando os critérios éticos da profissão.

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E POLÍTICAS


PÚBLICAS
Já vimos que as políticas públicas consolidam um importante campo de trabalho para os
profissionais de Psicologia, em que a perspectiva teórica da Psicologia Comunitária é
predominante. Agora, vamos às especificidades de cada uma dessas áreas.
SAÚDE E SAÚDE MENTAL

Segundo dados do CFP, desde a instituição do SUS, em 1990, cada vez mais psicólogos têm sido
contratados para atuar na Saúde. Atuam em quase todos os segmentos de prestação de serviços
de saúde, nos três níveis de complexidade que subdividem o SUS:

ATENÇÃO BÁSICA OU PRIMÁRIA


NÍVEL SECUNDÁRIO
NÍVEL TERCIÁRIO

ATENÇÃO BÁSICA OU PRIMÁRIA

Constituída pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS); Clínicas da Família e Núcleo Ampliado de
Saúde da Família (NASF).

NÍVEL SECUNDÁRIO

Constituído por emergências, hospitais gerais e Centros de atenção Psicossocial (CAPS).

NÍVEL TERCIÁRIO

Constituído por hospitais altamente especializados (como INCA e INTO).

Na saúde primária, atuamos na elaboração de políticas junto às prefeituras, nas Clínicas da


Família e no Núcleo de Apoio Saúde da Família (NASF). Na elaboração de políticas, podemos
auxiliar as prefeituras e secretarias de saúde em decisões sobre a promoção e prevenção de
saúde no território. Nas Clínicas da Família, prestamos atendimento para a população e
participamos de programas como Programa de Saúde na Escola (PSE), Consultório de Rua,
visitas domiciliares, entre outros. O NASF é um núcleo que concentra especialistas de diversas
áreas que prestam consultoria às clínicas da família de uma região. Nele, trabalhamos com apoio
matricial, que é o atendimento realizado com equipes interdisciplinares, que focam uma atenção
integralizada da saúde, gerando uma proposta de intervenção pedagógica-terapêutica (CAMPOS,
2017).

O psicólogo atua também na rede hospitalar, tanto do nível secundário como terciário, na gestão
ou prestando atendimento para a população hospitalar e suas famílias, assim como no apoio às
equipes de saúde, trabalhando pela humanização e pela abertura da escuta, na confecção de
planos de abordagem e no atendimento, a fim de reduzir a evasão aos tratamentos, sobretudo os
longos e que infligem altos níveis de sofrimento.

Na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), atuamos em praticamente todos os níveis: residências


terapêuticas, urgência e emergência, atenção hospitalar e estratégias de desinstitucionalização. O
maior campo, porém, está na atuação nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que podem
ser diurnos ou de tempo integral, para atender a população geral ou específica, como o CAPSi,
que atende crianças e adolescentes, e o CAPSad, que atende pessoas com agravos decorrentes
do abuso de substâncias psicoativas. Embora se realizem, ainda que circunstancialmente,
atendimentos clínicos individuais, a prerrogativa nesses espaços é para o trabalho interdisciplinar
em oficinas e grupos.

SISTEMA DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E


ADOLESCÊNCIA

Com a instituição do Eca, foi necessário criar dispositivos jurídicos e equipamentos, em que a
participação do psicólogo se tornou fundamental. Fazem parte dessa rede o Ministério Público, a
Defensoria Pública, o Conselho dos Direitos, o Conselho Tutelar, as unidades de acolhimento
(antigamente chamadas de abrigos), o sistema socioeducativo e outras instituições públicas e
particulares.
Nesse âmbito, que envolve conhecimentos da Psicologia Jurídica e da Psicologia Comunitária,
nossa atuação é extremamente ampla. Podemos fazer laudos e relatórios sobre situações de
conflito para subsidiar decisões judiciais (adolescentes em conflito com a lei, perda de guarda dos
pais, reinserção familiar, adoção etc.). Podemos também desenvolver programas terapêuticos
para crianças e adolescentes vítimas de violência ou negligência (nos conselhos tutelares, abrigos
ou outras instituições da rede) e nas unidades do sistema socioeducativo, para adolescentes em
conflito com a lei.

ASSISTÊNCIA SOCIAL

O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), começou a ser estruturado a partir de 2004 e hoje
emprega mais de 25 mil psicólogos em todos os recantos do país. A exemplo do SUS, também é
dividido em baixa, média e alta complexidade. O psicólogo está presente em todas as equipes
mínimas, atuando, portanto, em todas as pontas da rede (CAMPOS, 2017).

Veja como a assistência social se organiza conforme a complexidade dos casos:

BAIXA COMPLEXIDADE
Atua no território, sobretudo nas zonas de maior vulnerabilidade social, com prevenção de infração
de direitos, com vigilância social, fiscalizando as situações de infrações aos direitos estabelecidos
pelo ECA, sempre com programas educativos e de prevenção, mas com identificação, denúncia e
encaminhamento dos casos em que a violação já ocorreu.

MÉDIA COMPLEXIDADE
Recebe os casos em que a violência já ocorreu, mas os laços familiares ainda podem ser
restaurados, prestando atendimento a vítimas e fazendo a mediação com os órgãos jurídicos que
tomarão as medidas cabíveis em relação aos crimes cometidos.

ALTA COMPLEXIDADE
Compreende o sistema de acolhimento institucional, em que os laços familiares rompidos não
podem ser reestruturados e as vítimas necessitam de acolhimento integral (sistema de
abrigagem).

EDUCAÇÃO

O cenário de ausência e precariedade do trabalho do psicólogo na educação promete mudar após


a publicação da Lei nº 13.935, de 2019, que estabelece a obrigatoriedade de psicólogos e
assistentes sociais nas redes públicas básicas de educação, obrigando prefeituras e estados a
fazerem inúmeras contratações.

Essa lei estabelece em seu art. 1º, §1º, que a atuação desejada deve ser realizada em equipe
multiprofissional, voltada para “a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem,
com a participação da comunidade escolar, atuando na mediação das relações sociais e
institucionais” (LEI Nº 13.935, 2019).

Fica claro, pelo artigo, que as perspectivas teóricas privilegiadas são da Psicologia Comunitária,
em detrimento da Psicologia Clínica e da Psicopedagogia. O trabalho nesse campo deve ser
voltado ao corpo docente e discente, incluindo a família e toda a comunidade escolar, privilegiando
palestras, oficinas, grupos e atividades educativas.
TERCEIRO SETOR

Nos anos de 1990, o terceiro setor, constituído por ONGs, OSs e fundações, despontou como
importante campo para a Psicologia, prestando serviços para empresas privadas, prefeituras e
estados com projetos sociais voltados para as populações vulneráveis dos mais variados tipos.

À medida que foram se institucionalizando políticas públicas para cuidar dessas mesmas
situações, principalmente o SUAS, esse setor desinflou consideravelmente. Hoje em dia, auxilia
principalmente projetos por demanda da iniciativa privada, mas também é o principal mediador,
pelas OSs e fundações, das contratações de psicólogos para diversas funções na saúde e na
assistência social, que escapam aos concursos públicos, cada vez mais escassos.
ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NAS POLÍTICAS
PÚBLICAS
O especialista reflete, a seguir, sobre as possibilidades de ação do psicólogo nas políticas públicas
de caráter universal, como saúde, educação, políticas de proteção à infância e adolescência ou
assistência social. Vamos lá!

VEM QUE EU TE EXPLICO!


Surgimento da Psicologia Comunitária no Brasil

Saúde e Saúde Mental

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

 Aplicar uma prática ética em relação à diversidade de gênero, cultural e racial, alinhada
aos posicionamentos do CFP, que regulamenta a profissão

QUANDO A DIFERENÇA SE TORNA


HIERARQUIA
Já vimos que a Psicologia, quando se tornou ciência, tinha como ideal ser neutra e analisar
empiricamente os fenômenos individuais e coletivos. Entretanto, quando ela se torna uma prática
interventiva, é preciso tomar muito cuidado para que essa neutralidade não sirva de disfarce para
valores morais e discriminatórios. Isso porque, quando somos uma força política importante na
sociedade e não nos posicionamos contra injustiças, discriminações e preconceitos, não estamos
sendo neutros, mas cúmplices.
 COMENTÁRIO

Nesse caso, o silêncio de quem não se posiciona soa como concordância com a situação e abre
precedente para que aqueles que praticam discriminação, por falta de conhecimento ou por
acreditar que existam classes de pessoas melhores que outras, sintam-se autorizados a continuar
a fazê-lo.

Por isso, nas últimas décadas, a Psicologia brasileira, a exemplo de outros países desenvolvidos,
alinhou-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos como fundamento essencial do seu
Código de Ética Profissional e produziu várias resoluções e publicações (os Centros de Referência
Técnica em Psicologia – Crepops) a fim de orientar e fiscalizar a prática da categoria. A Psicologia
firmou seu compromisso ético e social e se tornou uma importante ferramenta nos mais
diversos campos de luta política contra discriminações de vários tipos.

Símbolos são imagens que transmitem valores. Quando, por exemplo, em um ar-condicionado,
vemos o vermelho de um lado e o azul de outro, sabemos como girar o botão para ter calor ou frio,
mesmo que isso não esteja escrito.

De forma semelhante, a violência simbólica funciona associando a desvalorização e


desumanização de segmentos da população a um conjunto de valores que entrecruzam gênero,
raça e classe social.

O QUE É VIOLÊNCIA SIMBÓLICA?

É um conceito elaborado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, que expressa uma forma de
violência exercida pelo corpo sem coação física, mas que causa danos morais e psicológicos.
Pode ser pautada por imposições econômicas, sociais, culturais, institucionais entre outras.

Esse sistema funciona como um olhar hierarquizante, que constrói gradientes diversos de
valoração. Assim, esse sistema divide e subdivide as populações com recortes diferentes, em que
há mais oportunidades para os homens brancos, com dinheiro, heterossexuais e cisgênero e, no
outro oposto, menos oportunidades para as mulheres negras e pobres, transexuais e
homossexuais.

Na Psicologia, os estudos que se dedicam a denunciar as práticas atravessadas por esses valores
nos mais diversos contextos institucionais receberam o nome de decoloniais, pois acreditam que
as relações hierárquicas presentes hoje em dia na sociedade brasileira são heranças e
desdobramentos de uma lógica instaurada na relação do Brasil como colônia de Portugal, em que
tudo o que vinha do Império era nobre e toda a brasilidade era qualificada negativamente. Isso é
expresso de diversas formas, como a construção da ideia de malandragem aos brasileiros,
preguiça aos nordestinos, periculosidade ao homem negro, ou ainda a hipersexualização das
mulheres, principalmente indígenas e negras.
O PAPEL ÉTICO DO PSICÓLOGO FRENTE À
DIVERSIDADE E INCLUSÃO
Neste vídeo o especialista reflete sobre as possibilidades de ação do psicólogo frente à
diversidade e inclusão, alinhado aos posicionamentos do CFP e do código de ética profissional
psicólogo. Vamos lá!

PSICOLOGIA E QUESTÕES DE GÊNERO


Há relatos de homossexuais desde os mais remotos tempos. No mundo ocidental, ao longo do
século XVII e principalmente no século XVIII, cresceu uma forte organização moral na sociedade,
que interligou a relação sexual sem fins reprodutivos à ideia de pecado e perversão. Assim, tanto
a masturbação quanto a homossexualidade precisavam ser excomungadas: elas se tornaram
crimes e seus perpetrantes, passíveis de punição e correções. A partir do século XIX, a
homossexualidade foi, aos poucos, deixando de ser um crime para se tornar uma doença, saiu do
domínio da justiça para ser tratada pela Medicina e pela Psiquiatria e, em extensão, pela
Psicologia, que surgirá mais tarde.

 SAIBA MAIS

Durante muitas décadas, a Psiquiatria, hegemonicamente, defendeu que homossexuais eram


doentes. Uma das poucas exceções à regra foi Sigmund Freud que afirmou, em O Mal-estar da
Civilização (1932), que a sociedade adoecia o homem ao aprisionar sua sexualidade à
monogamia, reprodução e heterossexualidade. A opinião predominante no meio médico, que,
como já dissemos, era o campo de intervenção na sanidade mental, continuava a considerar a
homossexualidade como um transtorno ou doença.

Somente na década de 1950, essa opinião começou a mudar lentamente, mas no Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-II) ou Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais, de 1952, a homossexualidade ainda constava na lista de desordens mentais.
Apenas no DSM-III, de 1973, a homossexualidade foi retirada da listagem de patologias, mas
conservou a transexualidade entre os transtornos de gênero.

Em 1975, a American Psychological Association (APA), apresentou uma resolução pioneira que
afirma que “a homossexualidade por si só não implica qualquer prejuízo em julgamento,
estabilidade, confiabilidade, ou capacidades sociais e vocacionais gerais”, posicionando-se contra
qualquer forma de tratamento ou discriminação aos homossexuais e conclamando...

[...] A TODOS OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE


MENTAL PARA ASSUMIR A LIDERANÇA NA
REMOÇÃO DO ESTIGMA DE DOENÇA MENTAL
QUE TEM SIDO LONGAMENTE ASSOCIADO COM
AS ORIENTAÇÕES HOMOSSEXUAIS.

(ARAGUSUKU; LEE, 2015, p.139)

No Brasil, em 1999, o CFP lança resolução semelhante, que ficou conhecida como “a proibição da
cura gay”. Essa medida, porém, tornou-se rapidamente uma das mais polêmicas do nosso meio.
Ao mesmo tempo em que ela é a resolução de classe mais citada em tribunais, para respaldar
desde ações de indenização trabalhistas até processos de adoção, é também a mais contestada
judicialmente. A longa batalha judicial para derrubá-la só terminou em 22 de maio de 2020,
quando o STF deu ganho de causa definitivo ao CFP, sem chance de apelação. Importantes
evoluções legislativas, nas últimas décadas, reafirmaram a direção da sociedade brasileira. Em
2018, o CFP lançou a Resolução nº 01/2018 direcionada ao atendimento psicológico dos
transexuais, proibindo aos profissionais de Psicologia terapias de reversão ou qualquer outra
prática discriminatória.

Assim, a Psicologia brasileira se tornou um importante aliado na luta contra a marginalização da


população LGBTQIA+, que compreende lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queer,
intersexo e todas as variações da chamada heterocisnormatividade. Este último termo designa a
prática corrente de se atribuir normalidade às pessoas ou relações heterossexuais e cisgênero e,
consequentemente, anormalidade às suas variações.

É preciso ainda algumas explicações sobre os conceitos teóricos e termos que circundam esse
universo:

Sexo

Se refere ao aparato biológico com o qual nascemos, esteja ele representado em nossa genitália
ou em nossos cromossomos, e que nos identifica como machos ou fêmeas de uma espécie,
nesse caso, homem ou mulher.


Gênero

Se refere às construções sociais e culturais que cada sociedade faz em torno de um sexo, como
por exemplo “meninas usam rosa e meninos usam azul”, ou ainda meninos brincam de carrinho e
meninas de boneca, mulheres são maternais e homens são brutos.

Essas construções, nas sociedades patriarcais, tendem a tolher a liberdade feminina e a


sensibilidade masculina. Assim nascem mitos, como o de que homem não chora e de que as
mulheres almejam o casamento e a maternidade, que restringem a ambos as possibilidades de
acesso aos afetos e sentimentos diferentes daqueles estipulados como naturais. Isso é apenas
um exemplo dos muitos mitos que fazem circular valores de gênero em nossa sociedade.

Outra distinção importante no universo das questões de gênero é a diferença entre orientação
sexual e identidade de gênero.

Orientação sexual

Diz respeito aos relacionamentos que a pessoa estabelece, ou seja, por qual sexo ela se sente
atraída, resultando na hétero, homo ou bissexualidade.


Identidade de gênero

Diz respeito à identidade, à autoimagem, ou seja, como a pessoa deseja ser vista pela sociedade.
A transexualidade, designa pessoas que não se identificam com o sexo biológico e a
cisgeneridade se refere àqueles que se identificam com o sexo com o qual nasceram.

 ATENÇÃO

A adesão a um tipo de identidade de gênero não implica a orientação sexual atribuída como
“normal” a esse grupo. Assim, no cruzamento entre esses dois conceitos, podemos ter mulheres
trans lésbicas ou bissexuais e homens trans gays ou bissexuais.

Cresce ainda um grupo que não se identifica com nenhuma designação, que são chamados queer
ou não binários. Esse novo grupo, cada vez mais numeroso, contesta a própria
heterocisnormatividade, ou seja, o ato de designar e rotular as pessoas pela sua identidade ou
tipo de atração sexual e preferem não ser identificados com nenhum grupo, nem assumir como
definitiva nenhuma preferência de orientação sexual.

 COMENTÁRIO

O mais importante aqui, para além da compreensão teórica dos conceitos, é o acolhimento e o
respeito a todos: devemos chamar as pessoas como elas gostam de ser chamadas, entender
como legítimo o sofrimento relatado decorrente de não se encaixarem nos padrões, respeitar suas
escolhas e, principalmente, de maneira nenhuma, tentar encaixar os usuários de nossos serviços
naquilo que julgamos ser o correto para nós mesmos.

RACISMO ESTRUTURAL
Nos últimos anos, o tema do racismo tem tomado a cena no Brasil e no mundo. Seja pela mídia,
em manifestações nas ruas ou nas redes sociais, o modo como classificamos as pessoas de
acordo com a tonalidade da pele e outras características fenotípicas tem sido alvo de intensos
questionamentos.

Antes de falarmos de racismo no Brasil e sobre os posicionamentos da Psicologia brasileira, é


preciso distinguir racismo de injúria racial.

A injúria racial significa associar traços fenotípicos a termos pejorativos para ofender uma pessoa
(violência moral e psicológica) ou tratar alguém de modo diferente, em virtude de seus traços
físicos, como barrar o acesso de uma pessoa a determinado espaço ou fazer acusações sem
outra sustentação que não o preconceito.

Mas a injúria racial é só a “ponta do iceberg” do racismo estrutural, que é um sistema muito mais
sutil e complexo.

Ele se manifesta, por exemplo:

Quando alguém sente mais medo de um jovem negro do que de um jovem branco, ao andar pela
rua à noite.
Quando alguém supõe que um negro é pobre ou tem um cargo subalterno, pelo simples fato de
ele ser negro.

Quando a sociedade constrói padrões de beleza associados a traços brancos e europeus e, por
consequência, considera feios todos os traços físicos associados à raça negra, como pele escura,
cabelos crespos ou nariz menos angulado.
É importante observar que as pessoas podem não fazer isso intencionalmente e, às vezes, podem
até se reprimir quando percebem que o erro foi baseado em preconceito. Fazem isso porque,
querendo ou não, todos fomos criados dentro de uma cultura que transmite esses valores de
forma subliminar, ou seja, sem que tenhamos consciência de que estamos reproduzindo
preconceitos.

 COMENTÁRIO

Veja, por exemplo, por quantas décadas as pessoas negras só tinham papel de empregados
domésticos e escravos nas novelas e nunca figuravam nos comerciais. Isso cria aquilo que
chamamos de falta de representatividade, ou seja, negros e brancos crescem acreditando que não
é possível aos negros serem outra coisa diferente de subalternos, o que acarreta, obviamente,
uma alta carga de sofrimento psíquico à população negra.

A despeito de todas as lutas que o movimento negro traça há muito tempo por uma sociedade
mais justa e equânime, foi somente nas últimas décadas que o tecido social se tornou mais
permeável a escutar o sofrimento dessa importante parcela da população. A população negra
começa a ter espaço para ressignificar a beleza atribuída aos seus traços, exibindo sem vergonha
suas altas cabeleiras, abusando dos turbantes e tecidos de estampas étnicas e exaltando suas
raízes. Sua história pode, enfim, ser recontada, não mais como escravos, mas como civilizações
que foram escravizadas e conseguiram sua liberdade por meio da luta e não da benesse da
nobreza portuguesa. O racismo passa a ser nomeado e afirmado pela população negra, pois é
quem possui, como se diz nos jargões da Psicologia, o “lugar da fala”. O mito da democracia
racial começou a ruir e todos, cidadãos e psicólogos, negros ou não, vimo-nos obrigados a rever
profundamente nossos valores e perceber que eles também reproduziam preconceitos raciais.

A ciência já provou que não existem raças humanas, elas podem ser entendidas como constructos
que, apesar de não terem uma existência concreta, são resultado de modelos e práticas vigentes
em dado momento histórico. O racismo, entretanto, existe. Ele é considerado um sistema de
saberes implícitos e explícitos, que organiza formas de subjetivação e atua nos modos de viver
com abrangência ampla, complexa e violenta. Atravessa e estrutura as formas de relação e,
portanto, penetra e participa da cultura, da política, da economia e da ética, forjando experiências
subjetivas e de vínculo social e institucional diferenciados para negros e brancos.
É preciso colocar que o racismo é estrutural no Brasil, ou seja, é uma configuração de forças da
realidade que atravessa a todos os sujeitos, modulando formas de relações. Lançar essa
afirmação não implica necessariamente dizer que todos os sujeitos brasileiros são racistas, mas
todos, de um modo ou de outro, são afetados pelo racismo existente, sendo beneficiados ou
prejudicados.

Apenas nos últimos anos, empresas, instituições e universidades têm se questionado sobre as
consequências do racismo estrutural nos seus quadros de pessoal e investido em políticas
afirmativas que visam distribuir oportunidades de liderança de modo mais uniforme entre negros e
brancos, bem como contratado profissionais, inclusive psicólogos, para consultorias e programas
de treinamento em diversidade e inclusão.

Diversidade é um fato. Inclusão é um ato.

No âmbito da Psicologia Clínica, também é necessário repensar nosso fazer. Não é preciso dizer o
quanto crescer com a autoimagem relacionada a funções subalternas pode minar a autoestima e a
saúde mental de um indivíduo ou de uma população. Depressões, angústias e sentimentos de
inadequação são comuns nos consultórios e, apesar de deverem ser pensados em sua dimensão
pessoal, de acordo com a singularidade de cada história de vida, é preciso também problematizar
a construção social que impulsiona essas histórias. Por isso, a Psicologia como um todo, mas
também cada um de nós, deve trabalhar por uma sociedade mais justa e, portanto, menos violenta
e discriminatória.

VEM QUE EU TE EXPLICO!


Quando a diferença se torna hierarquia

Racismo Estrutural

VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 4

 Analisar planos de trabalho a fim de intervir em contextos institucionais em que o


psicólogo se coloca como agente de transformação

RESPONSABILIDADE DO PSICÓLOGO COMO


AGENTE DE MUDANÇA
Conforme vimos até agora, são inúmeros os campos em que os psicólogos podem ser agentes de
mudança. Seja na clínica, nas empresas, nas instituições de ensino, na justiça, na saúde ou na
assistência social, o psicólogo, quando compreende as forças sociais e políticas que modulam as
inter-relações entre as pessoas, pode atuar no sentido de fazer da sociedade um lugar mais
equânime e igualitário.

O PSICÓLOGO NOS ÂMBITOS


INSTITUCIONAIS
A imagem do psicólogo associada à Psicologia Clínica e ao atendimento individual, por vezes,
dificulta que enxerguemos a categoria como agentes institucionais, que podem, nesse âmbito,
primar pela qualidade de vida dos coletivos que estão ligados aos espaços de atuação nas mais
diversas áreas. Estamos acostumados a pensar o psicólogo como agente institucional na área das
organizações de trabalho, onde ele atua selecionando as pessoas por capacidade e desenhando
processos que potencialize essas capacidades, mas ainda temos dificuldades de transpor esse
pensamento para outros contextos institucionais, em que ainda estão presentes as marcas da
identidade do psicólogo como clínico.

O psicólogo é sempre um agenciador de mudanças. Na Psicoterapia, por exemplo, o objetivo do


processo é provocar uma transformação no comportamento ou no sentimento que produz
sofrimento ao cliente ou paciente. No âmbito social e institucional, não poderia ser diferente, mas
aqui, na maioria das vezes, a tarefa se torna bem mais complexa por envolver contextos que
extrapolam o ambiente de trabalho, como conjunturas políticas, culturais, econômicas, éticas e
sociais. Mesmo assim, dentro do nosso alcance, nossa atividade se concentra em produzir
transformações na vida dos indivíduos envolvidos, sejam eles membros da equipe ou da
população atendida.

É importante destacar ainda a atuação junto à própria equipe multiprofissional, e também na


gestão organizacional. Como membros de equipes, os psicólogos são aqueles que têm a
capacidade de enxergar e se aliar com a potencialidade dos sujeitos atendidos, além de trabalhar
nas equipes para mitigar os processos de reprodução de preconceitos e os atravessamentos
institucionais que forjam relações de poder hierárquicas.

Embora seja constantemente pressionado nesse sentido, nos âmbitos institucionais, não é
aconselhável que o psicólogo atenda pessoas em Psicoterapia de modo semelhante ao que faz
nos consultórios privados, exceto em casos pontuais no campo da saúde, pois aqui sua ação deve
ser voltada aos coletivos. Os casos que necessitem de intervenção clínica devem ser
encaminhados à rede de saúde mental.

Um dos principais instrumentos do psicólogo nessa tarefa é a escuta qualificada. No âmbito


institucional, como na clínica, tudo começa pelo tipo de escuta.
ESCUTA QUALIFICADA
Chamamos de escuta qualificada o modo como o psicólogo se posiciona em relação aos usuários
dos seus serviços e à equipe da qual faz parte, dando visibilidade às potencialidades de cada um
e construindo processos em que essas qualidades possam se expandir. Essa postura profissional,
que é mais tradicional na Psicologia Clínica, é essencial também nos mais diferentes âmbitos
institucionais em que o psicólogo atua.

Todo ser humano possui a capacidade de ouvir. No cotidiano, mesmo em um ponto de ônibus,
podemos ouvir alguém falar sobre seus problemas.

Por isso, em Psicologia, fazemos uma diferença entre ouvir e escutar.

OUVIR ≠ ESCUTAR
Nos últimos anos, diversos pesquisadores demonstraram que a escuta é fundamental para a
construção de relações produtivas entre a equipe, os usuários de seus serviços e seus coletivos,
sejam familiares ou comunidades. Para isso, é preciso desenvolver habilidades de comunicação
interpessoais, que promovam o cuidado emocional de quem vivencia o estresse psicológico e
emocional. A escuta é a base da comunicação, ela é essencial para a compreensão do outro,
envolvendo uma atitude positiva de calor, interesse e respeito.

A principal especificidade desse escutar diferenciado está em, por meio do diálogo que se
desenvolve, possibilitar ao indivíduo ouvir o que está proferindo, induzindo-o a uma autorreflexão
e, assim, produzir novos significados que podem transformar modos de sentir, pensar e agir. Na
escuta, conhecemos melhor nosso público, o contexto em que vivem, sua história, seus valores e
suas influências, para que possamos compreender melhor as suas motivações, efetivando, assim,
um acolhimento mais profundo para, a partir disso, ajudar a promover suas potencialidades.

Não é possível ensinar a escutar apenas por um simples ato de transmissão de conteúdos
teóricos em sala de aula, como se faz com outras aprendizagens de caráter técnico. A escuta é
uma capacidade que se desenvolve no ensaio e na experimentação, com atividades práticas de
treinamento durante a formação. Ou seja, a escuta é uma competência que se desenvolve.

ELABORAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO


Do mesmo modo que na Psicologia Clínica, quando recebemos um paciente, fazemos um
diagnóstico da situação e elaboramos nosso projeto terapêutico para aquele paciente ou cliente;
no âmbito institucional, precisamos trabalhar com um plano de atuação.
Um dos modelos mais conhecidos e eficazes nesse âmbito se chama ciclo de políticas públicas
e é composto por algumas etapas. Diversos autores propõem esse modelo com pequenas
diferenças entre eles, logo, o importante aqui é ater-se às linhas gerais do planejamento,
adaptando-o a suas necessidades, seus recursos e suas dificuldades. Vamos utilizar esse modelo
como base para elaborar um plano de trabalho que pode ser adaptado aos vários contextos em
que atua o psicólogo.

Antes de começar, precisamos levar alguns fatores em consideração. Em primeiro lugar, quais
são os atores envolvidos no futuro projeto? Ou seja, com quem você irá trabalhar direta ou
indiretamente, setores públicos, privados ou população envolvida, como governantes, políticos,
trabalhadores, empresas, comunidade, coletivos organizados, entre outros.

Nessa trama, é preciso entender qual o poder que compete a cada um dos atores e o que podem
efetivamente fazer com ele, isto é, qual será o papel de cada um. É preciso pensar também o
momento atual do cenário em que você irá atuar, os aspectos sociais e econômicos, quais
problemas, limitações e oportunidades. É necessário, ainda, conhecer a organização em que
irá atuar, sua história, os valores e a missão, a fim de alinhar suas ideias e ações com os
objetivos da instituição.

 Ciclo de Políticas Públicas.

IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

Quando adentramos um cenário, principalmente muito precarizado, somos invadidos por uma
série de necessidades. A sensação é sempre de que há muito a fazer e não sabemos por onde
começar. Lembre-se de que você nunca poderá dar conta de tudo e muito menos de tudo ao
mesmo tempo, por isso, deve começar a selecionar os principais problemas e elencá-los por
ordem de prioridade. Para cada problema, você deve elaborar um projeto. Somente esse olhar
técnico-administrativo estabelecerá certa organização, que garantirá a visibilidade do seu trabalho
e assegurará aos outros e a você mesmo que efetivamente você está fazendo a diferença nesse
campo.

Quando ingressamos em um local, muitas pessoas vêm nos trazer problemas e pedir ajuda.
Nesse momento, utilizamos um conceito da Análise Institucional, que é a diferença entre
encomenda e demanda.

Encomenda de trabalho

É aquilo que é solicitado ao profissional, mas revela na sua formulação uma pressuposição da
ordem social naturalizada e uma intervenção sobre a desordem, tomada como patológica pelo
solicitante. A encomenda, portanto, é um ponto de partida e não de chegada.


Demanda

É a problemática que se desdobra a partir da encomenda, expondo o emaranhado de forças


contido no pedido. Devemos fazer a pergunta: com qual problema estamos lidando? A partir daí,
começamos a fazer mais perguntas.

FORMAÇÃO DA AGENDA

Precisamos hierarquizar os problemas, ou seja, elencar quais necessitam de uma solução


imediata e quais vêm em seguida. Essa hierarquia de prioridades é fundamental para dar
consistência ao trabalho. É preciso ter em mente que nem tudo que está na agenda será
solucionado imediatamente, mas que o planejamento é flexível e que a viabilização de projetos
depende de alguns fatores, como:
Custo-benefício de cada intervenção.


Estudo do cenário local e de suas necessidades.


Quais os recursos disponíveis.


A urgência de cada questão.

FORMULAÇÃO DE ALTERNATIVAS

Vamos definir o objetivo de cada projeto e quais serão as alternativas que utilizaremos para intervir
na situação, a fim de minimizá-la ou eliminá-la, ou seja, aqui é necessário fazer um detalhamento
do plano de ações e métodos. Organizamos as ideias, colocamos os recursos que pretendemos
utilizar e, eventualmente, podemos consultar a opinião de especialistas. É o coração do projeto,
que diz o que e como vamos fazer, para atingir quais objetivos. É preciso escutar os envolvidos,
pois a participação de todos é fundamental para que o projeto faça sentido para o coletivo, além
de colaborar com sugestões de quem está vivendo a situação, ou seja, um olhar de dentro.

Imagine, por exemplo, uma escola com muitos problemas de bullying, na qual você é convocado a
intervir. Na fase anterior, de identificação do problema, você percebeu que o bullying é a “ponta do
iceberg” de redes de relações tóxicas e competitivas entre os envolvidos. Agora, você deverá
indicar quais instrumentos você disponibilizará para atuar neste contexto, como rodas de
conversa, oficinas de arte, palestras, entre outros.
TOMADA DE DECISÃO

Nesta etapa, são definidos os recursos e o prazo de cada ação. Depois de levantar as
possibilidades de atuação e os problemas do local, você precisa decidir por onde vai começar,
levando em consideração o que é mais urgente, o que é mais viável (recursos disponíveis) mas
também o que possui maior impacto no cenário. Aqui, também são elaborados os cronogramas,
que ajudam muito na organização das tarefas.

IMPLEMENTAÇÃO

Esta é a fase de colocar mãos à obra, ou seja, de executar aquilo que você planejou. É o trabalho
propriamente dito.

Atenção aos cronogramas e ao papel de cada um dos atores envolvidos, pois a participação de
todos é fundamental.

É importante lembrar que nem sempre as coisas saem como planejadas, por isso, um plano não
pode ser fixo, estático, se não ele vai atrapalhar em vez de ajudar. Um plano é um fio condutor,
mas é só durante a sua implementação que podemos entender se ele realmente é adequado ao
problema em questão, por isso, você deve estar aberto a ajustes de rota. Nesta tarefa, também é
fundamental escutar todos os envolvidos, pois eles podem trazer pontos de vista e informações a
que você não tem acesso.

AVALIAÇÃO

Este é um elemento crucial quando se fala no trabalho dentro de instituições. Ela deve recair
sobre cada etapa do processo, entendendo os erros e os acertos. É uma importante fonte de
aprendizado para a produção de melhores resultados, possibilitando a correção de possíveis
falhas.

Precisamos eleger quais fatores serão utilizados para medir o sucesso de nossa atuação, as
vezes em que eles estão presentes, as vezes em que precisaremos construí-los. Esses
instrumentos são chamados de indicadores de desempenho.

Vamos seguir o exemplo que utilizamos anteriormente, da atuação sobre o bullying na escola.
Podemos eleger como nossos indicadores o número de ocorrências durante o período do projeto,
se ele diminuiu ou aumentou. Neste caso, estamos coletando os dados de um indicador presente
no campo. Podemos também corroborar esses dados construindo outros indicadores, como
questionário anônimo, urna de sugestões ou entrevistas com participantes do projeto.
EXTINÇÃO

Tudo o que começa tem um fim, por isso, um projeto tem início, meio e fim, até para que você
possa se dedicar aos outros problemas colocados no cenário. Isso não significa, necessariamente,
que um projeto precise acabar, se ele pode ser reeditado com um novo cronograma, com ajustes
no percurso que você e seu público considerem necessários.

 RELEMBRANDO

O psicólogo é sempre um agente de transformação. Seja na clínica ou nos contextos


institucionais, as pessoas recorrem aos nossos serviços porque algo não vai bem, um problema
está colocado, um cenário necessita de intervenção especializada. É nesse contexto que nosso
olhar, ao mesmo tempo técnico e humano, faz toda a diferença. Mas para que sua ação tenha
sucesso, não basta apenas escutar as pessoas, é necessário estruturar suas ações, a fim de
organizá-las e dar visibilidade aos seus efeitos.
ELABORAÇÃO DE PLANO DE TRABALHO DO
PSICÓLOGO PARA INTERVENÇÃO EM
COMUNIDADES
Acompanhe, através de um exemplo, as possibilidades de ação do psicólogo na Psicologia
Comunitária, apresentando o desenvolvimento de seu plano de trabalho. Vamos lá!
VEM QUE EU TE EXPLICO!
O psicólogo nos âmbitos institucionais

Escuta qualificada

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste conteúdo, conhecemos como a Psicologia se posicionou no passado e se posiciona
atualmente em relação à diversidade do seu público e dos campos de trabalho em que esse
público está colocado. Desde os primeiros posicionamentos políticos na defesa da população
manicomial, passando pela população empobrecida nos anos da ditadura, até os dias de hoje, nas
lutas contra a discriminação da população LGBTQIA+ e contra o racismo, a Psicologia brasileira
se posiciona a favor de uma sociedade mais justa no campo de forças democrático.

Por isso, a Psicologia hoje em dia escuta e acolhe a diferença, constituindo-se, por excelência,
como o campo da alteridade, em que essa diferença é entendida como potência de composição,
divergindo de como se construiu historicamente, como algo a ser separado e discriminado.

É preciso ressaltar que a Psicologia é um conhecimento vivo e não um projeto acabado, ela está
em constante construção e debate, na busca constante de qualificação teórico-metodológica, ética
e técnica, e das formas de atualização desse processo.

 PODCAST
A especialista Anelise Lusser Teixeira finaliza o tema falando sobre a evolução histórica do papel
da Psicologia frente à diversidade e sua atuação ao longo do tempo, destacando a sua
importância como agente de transformação social no Brasil e no mundo. Vamos lá!

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
AMARANTE, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.

ARAGUSUKU, H. A.; LEE, H. de O. A Psicologia Brasileira e as Políticas LGBT no Conselho


Federal de Psicologia. RG&PP, v. 5, n. 1, 131-154, 2015.

BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes. 3. ed. Rio de Janeiro:


Rosa dos Tempos, 1996.

CAMPOS, R. H. de F. (Org.) Psicologia Social Comunitária. Da solidariedade a autonomia.


Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

CAMPOS, M. de F.; LEÃO, J. A.; BARRETO NETO, J. F. (Orgs.). Ciclo de políticas públicas.
Curitiba: CRV, 2017.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Relações Raciais: Referências Técnicas para atuação


de psicólogas/os. Brasília: CFP, 2017. 147 p.

COIMBRA, C. Os guardiões da ordem. 2 ed. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1995.

FERREIRA NETO, J. L. Uma genealogia da formação do psicólogo brasileiro. Memorandum,


n. 18, abr. 2010, p. 130-142.

JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (Org.). História da psicologia:


rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2006.

OSÓRIO, C. Psicologia Grupal. Porto Alegre, Artmed, 2003.

SPINK, M. J. P. Psicologia social e saúde: práticas, saberes e sentidos. Petrópolis: Vozes, 2003.

EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos aqui tratados:

Pesquise o Código de Ética do Psicólogo para entender os posicionamentos da Psicologia


diante das questões de diversidade, assim como as resoluções que regulamentam a
profissão. Se a área de interesse envolver políticas públicas, há informações muito
importantes nas publicações do CFP sobre as normas de atuação dos psicólogos em
políticas públicas, chamadas CREPOPs.

Assista ao vídeo Psicologia e Relações de Gênero e Sexualidade, que questiona as


questões de gênero no Brasil, disponível no portal do CRP de São Paulo.

CONTEUDISTA
Anelise Lusser Teixeira

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