Você está na página 1de 3

O Marco Civil da internet e os princípios constitucionais

É inegável o potencial inovador que a internet propicia como meio de comunicação.


A liberdade concedida a seus usuários é incomparável com qualquer outro meio já
existente, sendo impossível a própria razão humana armazenar e acompanhar todas as
informações que circulam ao mesmo tempo no ambiente digital. Todavia, simultaneamente,
a internet carrega consigo o potencial de permitir a ocorrência de atos lesivos por usuários
com intenções errantes, em virtude da sensação de território anárquico que o ambiente
digital pode trazer.

Diante dessa realidade, a Lei 12.965/14 , também conhecida como Marco Civil da
Internet, surgiu após amplo debate da sociedade brasileira acerca do uso da internet,
passando, inclusive, por consulta pública. Tal Lei visa garantir direitos que ultrapassam a
esfera de um único indivíduo, como também a liberdade de acesso à informação e a
comunicação.

O direito de informar é assegurado pela Constituição (art. 220, caput), por meio do
direito à liberdade de expressão, tratando-se de um direito de primeira geração:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a


informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Bem como a carta magna ainda assegura a liberdade de expressão, em seu


dispositivo 5º IV e XIV, destacando que “é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato” e “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo
da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Esse mesmo princípio foi reafirmado
no Marco Civil da Internet. Além de ser abordada como um princípio no art. 3º, também é
considerada como um fundamento, ao mencionar em seu art. 2º que “A disciplina do uso da
internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão [...]”.

As restrições presentes na Lei, ao contrário do que muitos alegam, não fere a


liberdade de expressão, assegurada na Constituição Federal. O jurista Lenio Streck, em
parecer jurídico elaborado, a pedido do Facebook descreve:

"A restrição a um direito fundamental como a liberdade de expressão


não poderá ficar à mercê dos particulares, excetuando-se a legítima
atuação dos provedores que, no exercício regular de seu direito,
removem conteúdos atentatórios aos termos da comunidade,
consentidos a priori pelos usuários."

Considerando-se que a informação noticiada deve ter relevância para que o


indivíduo possa participar do mundo em que vive, a liberdade de opinião encontra limites:
além de verdadeira não deve ser veiculada de forma insidiosa e abusiva. Por exemplo,
deve-se fazer o seguinte questionamento quando a notícia esbarra na privacidade de
alguém: a exposição da vida de uma pessoa, sem sua autorização, é realmente necessária
ao conhecimento da sociedade? É nesse ponto que os princípios da liberdade de expressão
e de privacidade se contrapõem.

Nesse caso, quando dois princípios colidem, um dos princípios terá que ceder, total
ou parcialmente (princípio da mútua cedência). Uma ampla liberdade de imprensa pode, em
muitos casos, ser incompatível com a proteção ideal da privacidade de algumas pessoas.
Assim, com a finalidade de determinar qual princípio deve prevalecer nos casos de colisão
entre eles, é necessário efetuar um sopesamento, ou seja, um exame de proporcionalidade,
de modo a se chegar, em um determinado caso, à melhor solução possível, ou seja, ao
resultado ótimo.

Outros princípios que a Lei tem como balizadores, em seu art. 3º são a proteção da
privacidade dos usuários e de seus dados pessoais e a garantia da neutralidade da rede.

O artigo 10º, § 1º, que trata de forma específica da proteção aos registros, dados
pessoais e comunicações privadas, é bem claro quanto à possibilidade de fornecimento de
dados privados, se forem requisitados por ordem de um juiz, e diz que o responsável pela
guarda dos dados será obrigado a disponibilizá-los se houver requisição judicial. Caso o
responsável se recuse a fornecer os dados solicitados pelo juiz, poderá responder pelo
crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal.

O princípio da neutralidade de rede, por sua vez, encontra-se materializado no art. 9º


da referida do Marco civil da Internet:

"O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o


dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem
distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou
aplicação”.
Pode-se entender por neutralidade o tratamento igualitário de informações na rede,
independentemente do tipo do conteúdo, da sua origem ou destino, da aplicação ou do
serviço utilizado.

Por fim, o Marco Civil da Internet veio preencher uma lacuna na legislação brasileira,
pois a internet tem se tornado um ambiente cada vez mais frequentado pelos brasileiros. A
regulamentação das relações sociais e das situações que envolvem o mundo virtual tem se
mostrado medida que se impõe, razão pela qual a Lei n.º 12.965/14 se apresenta como
norma geral que norteará a criação de diversos diplomas sobre o assunto.

Referências:

BRASIL, Lei No 12.965. Brasília: Congresso Nacional, 2014. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm, Acesso em:
28/09/2021

BRASIL, Constituição da República de 1988. Brasília: Congresso Nacional, 1988.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm,
Acesso em: 28/09/2021

MIGALHAS. "O Marco Civil da Internet", Renato Opice Blum e Rony Vainzo. Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI197977,81042-O+marco+civil+da+internet.
Acesso em 28/09/2021.

Alves Filho, Jair Lucio. "Breve Análise Dos Princípios E Garantias Do Marco Civil Da
Internet", VI Anais do Evidosol/Ciltec-online, v. 6, n. 1 (2017)

Você também pode gostar