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Acordo de Leniência: Abordagem conceitual e breves comentários à Lei

12.846/2015

Paulo Quezado

Alex Santiago

1. Introdução

As práticas comerciais tem observado, desde a metade do século XX,


um incremento de relações, que tem como fatores desencadeadores a
globalização e a transnacionalização das empresas.

A partir de tais fenômenos, surgem, além das boas e lucrativas


conseqüências comerciais, práticas negativamente consideradas. O avanço
tecnológico e a aproximação de fronteiras tornaram-se responsáveis por uma
disputa de mercado cada vez mais intensa, o que implicou, não obstante, em
práticas delituosas com intuito lucrativo, não apenas em relação ao caráter
concorrencial do mercado, bem como a bens jurídicos tutelados pelo Direito
Penal.

O Sistema Brasileiro da Defesa da Concorrência passou a tomar


como objeto de preocupação, tais práticas anticompetitivas, que resultavam na
aglomeração das empresas em “cartéis”. Os meios utilizados pelos indivíduos
que utilizavam destas práticas abusivas são os mais sofisticados e complexos
possíveis, o que passou a dificultar ainda mais a atividade investigativa e
punitiva do Estado.

Desta maneira, ainda que houvesse o comprometimento das


autoridades públicas, no combate a tais práticas nefastas no meio empresarial,
tornava-se difícil a sua inibição sem que houvesse, de alguma maneira, a
colaboração dos próprios participantes do sistema, de modo a objetivar a
aquisição de informações direcionadas que redundasse na desestruturação
interna dos cartéis, à elucidação dos envolvidos e à conseqüente punição nos
termos legais.

Estes foram os fatos que deram ensejo à formalização, em vários


países, dentre os quais se inclui o Brasil, do “Programa de Leniência”.

O vocábulo “leniência”, origina-se do latim e tem como significado


original “brandura, suavidade”. Isto porque, do ponto de vista prático-forense é
conferida à empresa que adere a um acordo de leniência, pena “mais suave” do
que aquela que seria aplicada sem não houvesse efetiva colaboração com as
autoridades.

2. Histórico de Regulamentação no Direito brasileiro

O instituto da Leniência foi regulamentado no Brasil, com o fito de


aplacar práticas anticoncorrenciais. Medida Provisória de nº 2.055/2000,
introduziu a Lei nº 8884/94 o instituto da Leniência. Posteriormente a referida
Medida Provisória foi convertida em Lei (Lei 10.149/2000), tornando
consolidados os artigos 35-B e 35-C da Lei de Defesa da Concorrência.

A Portaria do Ministério da Justiça nº 456, datada de 15 de março de


2010, que trata de diversas espécies de processos administrativos que possuem
a finalidade de apurar e prevenir infrações à ordem econômica do país, por
meio do zelo ao sistema concorrencial, descreve a leniência como um
fundamental instrumento de combate aos cartéis e, ao mesmo tempo, como um
meio de efetivação do princípio constitucional da livre concorrência.

Em 2011, editou-se nova Lei que abordou este mesmo instituto: trata-
se da Lei 12.529/11, que estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência e deu nova amplitude ao acordo de Leniência, reservando-lhe um
capítulo próprio, e dispositivos específicos (Capítulo VII, Arts. 86 e 87), para
prever as hipóteses em que o acordo será considerado eficaz, bem como
estabelecer, de maneira concreta, quais benesses (abrandamento de pena)
podem resultar a parte de tal ato, na eventual ação punitiva da Administração
Pública, por burla ao sistema concorrencial de mercado.

3. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013)

A Lei 12.846/2013, popularmente conhecida como Lei


Anticorrupção, dispondo sobre meios de responsabilização administrativa e
civil de pessoas jurídicas por prática de atos atentatórios à Administração
Pública, abordou, não despropositadamente o acordo de leniência em dois
artigos distintos (Arts. 16 e 17):

Artigo 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá


celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática
dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações
e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e


II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito
sob apuração.
§ 1o O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se
preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em


cooperar para a apuração do ato ilícito;
II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração
investigada a partir da data de propositura do acordo;
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e
permanentemente com as investigações e o processo administrativo,
comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos
processuais, até seu encerramento.

§ 2o A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções


previstas no inciso II do artigo 6o e no inciso IV do artigo 19 e reduzirá em até
2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.

§ 3o O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar


integralmente o dano causado.

§ 4o O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a


efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.

§ 5o Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas


que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que
firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.

§ 6o A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a


efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do
processo administrativo.

§ 7o Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a


proposta de acordo de leniência rejeitada.

§ 8o Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica


ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados
do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.
§ 9o A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos
atos ilícitos previstos nesta Lei.

§ 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para


celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem
como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública
estrangeira.

Artigo 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de


leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos
na Lei no8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação das
sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.

O acordo de leniência previsto pelo artigo 16, e seus parágrafos,


assemelha-se, dentre as exigências legais listadas para a sua viabilização, à
delação premiada prevista no direito criminal. Exige-se, por exemplo, que a
pessoa jurídica assuma a infração cometida, e ainda, exige-se, o alcance de
resultados vinculados, previstos (Art.16, I e II), a partir das declarações
prestadas no acordo, para que haja a isenção das sanções previstas no art. 6º da
mesma lei, e o abrandamento da pena de multa.

Tais exigências aproximam bastante o acordo de leniência e a delação


premiada oferecida às pessoas físicas na seara criminal, com a diferença de que
aquele é destinado a pessoas jurídicas e este a pessoas físicas.

Repare-se que os dispositivos da Lei Anticorrupção, apesar de


preverem a isenção de pena previstas no art. 6º, II (publicação extraordinária
da decisão condenatória) e no art. 19, IV (proibição de receber incentivos,
subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas
e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo
prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos) e abatimento em até 2/3 da
pena de multa, no caso de sucesso da leniência, silenciou no que tange a uma
eventual isenção de qualquer responsabilização judicial da empresa, nas
sanções previstas no art. 19 I, II e III 1, pela práticas dos atos assumidos no
acordo.

1 Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de
representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas
à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
Tal situação acaba por fragilizar o instituto da leniência, porquanto a
empresa, em que pese venha a usufruir da possibilidade de isenção de algumas
penalidades administrativas, pode ser prejudicada no âmbito judicial e ver
contra si impostas as demais sanções previstas na mesma lei, uma vez que ao
firmar o acordo, admite um ilícito cometido.

Por outro lado, o acordo de leniência previsto no art. 17, possui uma
essência diversa do anteriormente abordado: possui a intenção de possibilitar
que as empresas que tenham cometido infrações administrativas na execução
de contratos públicos, possam reparar tal situação, por meio de acordo, a fim de
evitar a incidência de penalidades impostas pela Lei 8.666/93 e evitar maiores
transtornos à atividade administrativa.

4. Conclusões

Esse segundo modelo de acordo de leniência, previsto no art. 17,


demonstra-se como mais coerente, porquanto concede à empresa a
possibilidade de efetivamente sanar uma situação problema com a
administração pública, preservando, ao mesmo tempo, os interesses da
empresa, em executar o contrato, e o da administração pública, que é a
prestação do serviço.

O primeiro modelo, por outro lado, pode ainda carecer de


efetividade prática em virtude de, em troca da assunção de culpa em infração
pela empresa, concede apenas a isenção de algumas sanções previstas naquele
diploma, e abatimento na pena de multa, sem resguardar a pessoa jurídica de
eventuais querelas judiciais nas quais a delatora cobrada quanto às sanções não
isentas.

I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou
indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;

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