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projeto 37

HISTÓRIA
história e religiões

Nº 37
Julho/Dezembro/08

REVISTA DO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM HISTÓRIA


E DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PUC-SP

ISSN 0102-4442

Projeto História São Paulo Nº 37 p. 1 - 377 Dezembro/08


Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Projeto História: revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo n. 0 (1981) - . - São Paulo : EDUC, 1981-
Periodicidade: anual até 1997.
semestral a partir de 1997.
ISSN 0102-4442
1. História - Periódico. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Projeto História propõe-se a levantar problemas historiográficos a partir de temáticas interdisciplinares
CDD 19.905

Indexada em Sumários Correntes Brasileiros - ESALQ; Indice Historico Español - Bibliografias de História
de España; Centro de Información y Documentación Científica - CINDOC; American History and Life ABC
- Clio - 130; Historical Abstract - ABC - Clio - 130; Hispanic American Periodical Index; Bibliographies and
Indexes in Latin American and Caribbean Studies; Social Sciences Index; Info-Latinoamerica (ILA); Ulrich’s
International Periodicals Directory.

Coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em História


Marcia Mansor D’Alessio
Chefe do Departamento de História
Denise Bernuzzi de Sant’Anna
Projeto História Marcos Antonio da Silva (USP)
Editores Marion Aubrée (EHESS/Paris)
Antonio Rago Filho Vera Lúcia Vieira
Heloisa de Faria Cruz Yvone Dias Avelno
Vera Lúcia Vieira Conselho Consultivo
Conselho Editorial Angelo Del Vecchio (Unesp)
Adilson José Gonçalves Antonio Paulo Resende (UFPE)
Afrânio Garcia (EHESS/Paris) Beatriz Carolina Crisório (UBA/Argentina)
Alessandro Portelli (La Sapienza/Roma) Christian Castillo (UBA/Argentina)
Antonio Rago Filho Elias Thomé Saliba (USP)
Cliff Welch (GVSU/Michigan) Fernando Faria (UFF)
Denise Bernuzzi de Sant’Anna Hernán Veregas Delgado (UH/Cuba)
Estefânia Canguçu Knotz Fraga Irma Aurélia Antognazzi (UNR/Argentina)
Fernando Torres-Londoño Janaina Amado (UnB)
Hermetes Reis de Araújo (UFU) João José Reis (UFBA)
Idellete Muzart (Paris X, Nanterre) José Carlos Barreira (Unesp/Assis)
Jean Hebrard (EHESS/Paris) Margarida Souza Neves (PUC-RJ)
Jerusa Pires Ferreira Maria Clementina Pereira Cunha (Unicamp)
Márcia Mansor D’Aléssio Pablo F. Luna (Sorbonne/Paris)
Maria Odila da Silva Dias Silvia Regina Ferraz Petersen (UFGRS)
Editora da PUC-SP Revisão de Texto em Inglês
Direção Ricardo Iannuzzi
Miguel Wady Chaia Editoração Eletrônica
Coordenação Editorial Aline de Vasconcelo Silva, Rodrigo Pereira Chagas
Sonia Montone Capa
Revisão Imagem: Caravaggio (Michelangelo Merisi),
Madalena em êxtase, 1606.
Arte: Antonio Rago Filho e Rodrigo P. Chagas

Editora da PUC-SP
Rua Monte Alegre, 971, sala 38CA
05014-001 - São Paulo - SP - Brasil
Telefone: (55) (11) 3670-8085
E-mail: educ@pucsp.br
www.pucsp.br/educ
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

ARTIGOS
O DEBATE ENTRE HISTÓRIA E RELIGIÃO em uma breve
história da história das religiões: origens, endereço
italiano e perspectivas de investigação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Debate between history and religion in a brief story of religious history: the
origins, the Italian address and perspectives of investigation
Adone Agnolin
A HISTÓRIA DO MENTAL DE LUCIEN FEBVRE:
a iconografia revela a sensibilidade religiosa. . . . . . . . . . . . . . 41
Lucien Febvre’s mental history: iconography reveals the religious sensitivity
Luiz Alberto Sciamarella Santanna
A ESPECIFICIDADE DO RELIGIOSO:
um diálogo entre historiografia e teologia. . . . . . . . . . . . . . . . 53
The specificity of the religious matters: a dialogue between historiography and
theology
Virgínia A. Castro Buarque
A NOVA HISTÓRIA RELIGIOSA.
A propósito de um livro recente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
A new religious history. Concerning a recent book
Antonio Paulo Benatte

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A RELIGIÃO NA SUMA DE TEOLOGIA
DE TOMÁS DE AQUINO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Religion as in Summa Theologica by Thomas Aquinas
Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento
ANTONIO VIEIRA E ANTONIL: práticas e representações
na América Portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Antonio Vieira and Antonil: Practices and Representations in
Portuguese America
Juarez Donizete Ambires
O CRIPTOJUDAISMO FEMININO NO RIO DE JANEIRO
(séculos XVII e XVIII). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
The Feminine Crypto-Judaism in Rio de Janeiro, Brazil (XVIIth. and XVIIIth.
Centuries)
Lina Gorenstein
IMPRENSA E RELIGIOSIDADE NA BAHIA DO SÉCULO XIX:
a procissão do Senhor morto e os festejos da
Semana Santa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
Press and religiosity in Bahia of the XIXth. Century: the Dead Lord Cortège and
the Holy Week celebrations
Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti e Bárbara Maria Santos Caldeira
DISIDENCIA RELIGIOSA Y SECULARIZACIÓN
EN EL SIGLO XIX IBEROAMERICANO:
cuestiones conceptuales y metodológicas. . . . . . . . . . . . . . . . . 156
Religious Dissent and Secularization during the XIXth. Latin-American Century:
conceptual and methodological matters
Roberto di Estefano
PROTESTANTISMO E MODERNIDADE: os usos e os
sentidos da experiência histórica no
Brasil e na América Latina. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Protestantism and modernity: uses and senses of the historical experience in
Brazil and Latin-America
Lyndon de Araújo Santos

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RELIGIÃO E MAGIA NA OBRA DOS INTELECTUAIS
DA UMBANDA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
Religion and magic in the work of umbanda’s intellectuals
Artur Cesar Isaia
HISTÓRIA E RELIGIÃO NA CONFIGURAÇÃO DO CAMPO
EDUACIONAL BRASILEIRO: análise da singularidade
de uma situação-pessoa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
History and religion in the configuration of the Brazilian educational field:
analysis of the singularity of a personified situation
Marcos Cezar de Freitas
A RELIGIOSIDADE CATÓLICA E A SANTIDADE DO MÁRTIR . . . . . . . . . . 237
The catholic religiosity and holiness of the martyr
Solange Ramos de Andrade
BUDISMO, MARCIALIDADE E LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA:
o Kung Fu e as disputas historiográficas sobre o
mosteiro de Shaolin. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261
Buddhism, martial traditions and legitimation of violence: the kung fu and the
historiographic disputes over the monastery of Shaolin
José Otávio Aguiar Rodrigo Wolff Apolloni

Entrevista
O ESTUDO COMPARADO DAS RELIGIÕES:
História e Antropologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 279
Entrevista a Nicola Maria Gasbarro
Fernando Torres Londoño

PESQUISAS
FRANCISCANOS NA AMAZÔNIA COLONIAL:
NOTAS DE HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285
Franciscan fathers in the portuguese Amazon Region (Colonial Period):
Notes of history and historiography
Roberto Zahluth de Carvalho Júnior

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A ESTADUALIZAÇÃO DA HIERARQUIA ECLESIÁSTICA
NO BRASIL: POLÍTICA E PODER NA RELAÇÃO ESTADO –
IGREJA DURANTE A REPÚBLICA VELHA (1889-1930). . . . . . . . . . . . . . . . . . 294
The state control of Church Hierarchy in Brazil: Politics and Power in the relation
between State and Church during the Old Republic (1889-1930)
Edgar da Silva Gomes
MILAGRES DE FREI GALVÃO EM VIDA:
ALGUNS RELATOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305
Father Galvão’s miracles in his lifetime: some reports
Bianca Gonçalves de Souza
D. PAULO EVARISTO ARNS E AS PASTORAIS SOCIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . 319
D. Paulo Evaristo Arns and the social pastorals
Cátia Regina Rodrigues
A PROPÓSITO DO ESTUDO DA TRAJETÓRIA BIOGRÁFICA
COMO POSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO HISTÓRICA:
apropriações eclesiais de um bispo em uma região de
conflitos no Paraná . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329
About the study of biographic passages as a possibility for historical
understanding: ecclesiastic appropriations of a bishop in a conflictant region in
Paraná
Frank Antonio Mezzomo

RESENHAS
NEM TUDO ERA NAGÔ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 341
Cristiano Aparecido de Araújo Cruz
Livro: PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé: história e ritual da
nação jeje na Bahia. Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 2007.
UM SACERDOTE DE IFÁ NA BAHIA OITOCENTISTA. . . . . . . . . . . . . . . . . . 345
Ênio José da Costa Brito
Livro: REIS, João José. Domingos Sodré: um sacerdote africano. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.

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DO CAMPO SANTO À NECRÓPOLE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353
Jane Rodrigueiro
Livro: RODRIGUES, Claudia. Nas fronteiras do além: a secularização da
morte no Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2005, 392p.
LIBERTAÇÃO DA IDEOLOGIA: a perspectiva de
Enrique Dussel sobre a história da Teologia
da Libertação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 357
Lucelmo Lacerda
Livro: DUSSEL, Enrique; Teologia da Libertação: Um panorama de seu
desenvolvimento; Tradução de Francisco da Rocha Filho; Petrópolis-RJ:
Vozes.
O ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E JOVENS:
UM PROBLEMA TRANSNACIONAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363
Maria Lucia Vieira Violante
Livro: FRAWLEY-O’DEA, Mary Gail. La perversión del poder – abuso
sexual dentro de la Iglesia Católica. México, Lectorum, 2008, 350p.

notícias do Programa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 367

teses e dissertações defendidas


no segundo semestre de 2006. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371

normas para publicação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373

formulário para assinatura


e aquisição de números avulsos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 375

próximos números. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377

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ENTREVISTA

O ESTUDO COMPARADO DAS RELIGIÕES:


História e Antropologia

Fernando Torres-Londoño*
entrevista a Nicola Maria Gasbarro

Nicola Maria Gasbarro é um dos mais expressivos representantes na atualidade da


chamada escola de Roma, de História Comparada das Religiões. A entrevista aconteceu
quando a estadia do professor Gasbarro, no Programa de Ciências da Religião da PUC
São Paulo, que se realizou com ajuda da FAPESP. Numa tarde de sexta feira, dois dias
antes de voltar para Itália, nos encontramos no hotel, mostrei algumas perguntas que
tinha preparado, liguei o gravador e ele falou em italiano generosamente durante mais
de uma hora, não se furtando a abordar nenhuma pergunta, mesmo as de caráter familiar.
Nos messes seguintes foram feitas pelo entrevistador, simultaneamente, a transcrição e a
tradução, cotejando também as notas tomadas durante a entrevista.
FTL: Nicola, fale-me do lugar onde você nasceu e sobre sua família de origem.
NMG: Nasci em 1950 em Rocca Vivara, província de Campobasso, na região do
Molise. Rocca Vivara é até hoje muito pequena, tem 1.500 habitantes, é uma cidade me-
dieval com uma bela igreja românica. Meu pai era pequeno comerciante, tinha uns poucos
anos de escola primaria, mas olha lá que era muito bom para fazer contas na sua profissão.
Minha mãe era camponesa e tinha mais anos de escola que meu pai. Mas, sendo eles do
campo, e numa região carente, tinham algo especial, davam muito valor à instrução dos
filhos. Com seus esforços e determinação todos os quatro filhos chegaram à universidade:
um formou-se em medicina, minha irmã se formou em matemática e meu outro irmão es-
tudou piano forte e órgão no conservatório e hoje rege coro. Além disso, mesmo naquela
região pobre eles davam grande valor à cultura e a consideravam uma riqueza, que deve-
ria ser vantajosa para cada um, mas, também útil para os outros. Essa atitude dos meus
pais me marcou muito. Acredito que por isso estudei Ciências Humanas. Desde pequeno
tinha consciência de que, mesmo na minha cidade, o acesso ao conhecimento poderia
nos levar ao progresso. E isso me foi fazendo compreender que meu problema não era só
meu, mas também um problema dos outros. Assim nasci num lar onde se considerava que
a cultura poderia ser útil aos outros.
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Fernando Torres-Londoño

Fiz em Rocca Vivara a escola primaria. Sai de casa com dez anos para fazer o segun-
do grau e colegial, na minha mesma região do Molise. Quando fui para o colegial, dada
aquela valorização da cultura, sobre a qual já falei, optei pelos estudos clássicos. Fiz meu
colegial num colégio de padres.
Depois, com dezoito anos, fui para Roma realizar meu sonho de entrar na univer-
sidade. Imagina o que foi Roma para mim vindo do Molise e de uma vila tão pequena
como Rocca Vivara! Roma era o ponto de chegada de uma grande comunidade que para
ela se dirigia. Para mim foi a primeira grande aproximação com a diversidade do mundo.
Foi um choque conhecer situações e pessoas tão diversas. Além disso, cheguei a Roma
em 1968, exatamente em outubro de 1968 depois de toda aquela agitação de jovens na
Europa. Imagine o paradoxo que foi passar de um colégio de padres no Molise para o mo-
vimento estudantil na Roma de 1968 e 1969, com aquele choque de consciência e pers-
pectiva. Foi um choque com a complexidade. Comecei estudando Filosofia na Sapiência
a Roma e ali na Faculdade de Filosofia e Letras o movimento estudantil era muito forte.
La estavam os lideres do movimento e comecei a participar das assembléias e das ativida-
des políticas. Lembro-me daquela época com muita nostalgia. No movimento estudantil
compreendi que não se tratava só de contestar, mas de colocar em debate uma realidade
e de fazer a discussão do mundo. Essa discussão me tocou, porque para mim era fazer a
crítica ao mundo onde tinha nascido. Um mundo pobre que deveria reivindicar o direito à
igualdade. Compreendi que eu vinha de uma situação de pobreza pouco dotada de ins-
trumentos de conhecimento. Assim, estar ciente de minha diferença em relação
aos estudantes de Roma, os quais estavam mais capacitados, foi algo que me deu
muito estímulo para buscar diminuir o espaço que me separava deles. Isso era algo
que me dava muito estimulo para poder diminuir o espaço que me separava dos outros.
Lembro-me que pensava: eles começaram correndo primeiro, mas tenho que me igualar a
eles e para tanto, se eles estudavam duas horas eu estudava cinco. Por esse motivo estudei
muito. Atuei também na política, o que foi inevitável, visto minha origem e as idéias do
movimento estudantil que na sua aproximação à esquerda, assinalava para outra forma de
compreender o mundo. Terminei assim minha graduação em filosofia.
FTL: E o encontro com a Antropologia e a História das Religiões como aconte-
ceu?
NMG: Naquela época comecei minha primeira grande aventura intelectual ao pre-
tender fazer uma tese sobre ciência e filosofia em Claude Lévi-Strauss. Foi naquela época
que Lévi- Strauss ganhou um peso grande na minha formação. Meu primeiro contato
tinha sido num exame de antropologia e me apaixonei imediatamente por ele. Em Tristes
Trópicos ele conta que tinha saído, quase que numa fuga, da França para vir lecionar ao

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O estudo comparado das religiões

Brasil, na Universidade de São Paulo, porque não queria ser um cão de guarda do etno-
centrismo ocidental. Lembro-me que ler isso me causou grande impressão. Lévi-Strauss
me impactou tanto porque ele colocava em discussão o pensamento ocidental que era
de onde vinha minha formação. A filosofia tinha me ajudado a entender muitas coisas,
mas não o que era diverso de mim. Neste sentido me marcou uma frase de Margareth
Mead, a grande antropóloga, que dizia, mais ou menos, que alguns estudavam psicologia
porque não estavam contentes com eles mesmos. Que outros estudam sociologia porque
não estavam contentes com a sociedade. E que ela fazia antropologia porque não estava
contente nem com ela mesma, nem com a sociedade. No meu caso, eu terminei fazendo
História das Religiões porque não me bastava a antropologia. A História das Religiões me
proporcionava dois elementos para minhas indagações.
Quando estava fazendo a tese de antropologia sobre Lévi-Strauss, veio-me à mente
ir assistir as lições de História da Religião de Ângelo Brelich. O curso era sobre a mito-
logia, tratada de maneira muito tradicional e me deixou insatisfeito. Como era possível
fazer um curso sobre mitologia ignorando Lévi-Strauss e sem se servir do estruturalismo?
Assim não me interessei. Porém, fui assistir a uma aula de Dário Sabbatucci, que viria a
ser meu mestre. Ele aplicava a metodologia estrutural à leitura de Tito Lívio para com-
preender a civilitá romana. Algo extraordinário! Como nos cursos de filosofia se discutia
se o conceito de estrutura era compatível com o de história, e muitos criam que não o era,
confirmou-me a idéia de que era possível a um historiador utilizar o conceito de estru-
tura para compreender a História. Sabbatucci estava aplicando a metodologia estrutural
à análise da História. Assim, disse a mim mesmo: isto me interessa muito, e esse foi o
primeiro elemento. O segundo elemento para chegar à História das Religiões, era porque
ela me parecia muito concreta, diferente da antropologia italiana que era muito teórica.
Eu estava vindo da filosofia e precisava de uma imersão no concreto. Houve um outro
motivo prático: na discussão da defesa da minha tese um dos relatores era o presidente da
Faculdade, que ao final da defesa me diz para o procurá-lo, porque tinha gostado muito do
meu trabalho, que eu tinha condições de continuar na pesquisa e que poderia contar com
uma bolsa. Enquanto esperava a bolsa encontrei um trabalho no campo intelectual com
Afonso Maria Di Nolla que estava organizando para uma editora italiana a Enciclopédia
de História das Religiões. Meu trabalho era fazer pesquisa bibliográfica na biblioteca
para a elaboração do índice analítico. Assim paguei minha estadia em Roma. A bolsa de
estudos me permitiu fazer pesquisa nos campos de história, religião e antropologia. Em
1.981 fui aprovado no concurso para pesquisador oficial da Universidade de Roma. A
partir de 2.000 ingressei na Universidade de Udine, sempre trabalhando na Universidade
da Sapiência no Departamento de História das Religiões.

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Fernando Torres-Londoño

FTL: e seus objetos de pesquisa como foram aparecendo?


NMG: Para a temática do meu doutorado, escolhi indagar sobre a possibilidade de
estabelecer uma estrutura comparativa entre História das Religiões e Antropologia. As-
sim dava continuidade tanto ao trabalho com a metodologia comparativa, como à mi-
nha cultura filosófica e com a abordagem da antropologia. De fato era uma aproximação
com a “escola romana”; eles eram o objeto do meu estudo. Tratava-se de reconstituir
historicamente como na Itália se tinha formado esta “escola histórica religiosa”, que re-
metia a uma Filosofia com grande impostação histórica. Nessa época, como leigo, fiz o
curso de filosofia da Universidade Gregoriana para obter a licenciatura. Mas, na minha
indagação comparativa, cheguei a um ponto onde não me interessava mais a Filosofia.
Interessava-me uma visão histórica e estrutural onde o aparato religioso se transformasse
no instrumento metodológico da análise. Mas essa formação gregoriana me serviu muito
em termos metodológicos e a interlocução foi muito rica para o percurso das minhas
indagações comparativas. Essa interlocução, acredito, está na base do meu interesse por
compreender a teoria presente na estrutura simbólica interna das religiões. Assim, esse
interesse foi influenciado pela (no lugar de: teria um influência da) Filosofia praticada
pelos jesuítas da Gregoriana. O que chamo o “choque filosófico” é o ponto de chegada
de uma história da ocidentalização cultural. O “choque filosófico” está na complexidade
da elaboração de uma cultura. Por sua vez a historicidade dele nos ajuda a compreender
sua complexidade.
Para a formulação dessa comparação entre Antropologia e História, foram fundamen-
tais Lévi-Strauss, Marcel Mauss, Émile Durkheim, e depois o diálogo com os italianos
Dario Sabbatucci, Angelo Brelich, Ernesto di Martino, e obviamente, Rafaelle Pettazzoni.
A influência de Pettazzoni e de Sabbatucci, nesse percurso se manifestou na compreensão
da religião dentro de uma cultura de civilitá. Também esteve presente a referência de
autores clássicos da Filosofia e da historiografia e sua aplicação à religião. Max Müller,
por exemplo, e a chamada “escola prussiana”. Esse caminho intelectual me aproximou
da antropologia social inglesa e francesa e não da antropologia americana, que é mais
cultural e pouco social. Interessava-me referir a religião à sua dinâmica social, política e
a seu funcionamento ritual. Assim enfrentava o paradoxo da escola italiana de história das
religiões, que partiu do espiritualismo do idealismo alemão e depois foi para o materialis-
mo ontológico inglês e francês. Essa inflexão, esse movimento me influencia muito, sou
um pouco filho dessa tradição. Meu doutorado foi pautado por esta reflexão intelectual
relativa ao estudo das religiões. Mas, seguindo uma constante da minha formação, a com-
paração era necessária para ter a compreensão da especificidade da História das religiões.
Assim uma das minhas tentativas era compreender em que medida o monoteísmo era uma

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O estudo comparado das religiões

revolução cultural. Perguntei-me, pois, por quê? Isto me levou a Agostino e a forma como
ele pensou a religião. Foi ele o primeiro que escreveu um tratado sobre a “verdadeira reli-
gião”. Ele foi o primeiro dos padres a utilizar a palavra religião. Obviamente para enten-
der o que pensava Agostino da religião tive que trabalhar a Cidade de Deus. Ali estava o
monoteísmo cristão e ao mesmo tempo a civilização de Deus. Emergia dessa associação
a pergunta pela sua necessidade constitutiva. Por isso me interessei pelo Islã. E descobri
assim que no Islã, não era a civitas. O monoteísmo no Islã estava associado a uma estrutu-
ra normativa. Deus e a lei. A figura do juiz e da zuna, da lei. Percebi que o historiador das
religiões deveria interrogar as categorias com as que podia pensar o monoteísmo. Assim
haveria que perguntar pelo código cultural de cada monoteísmo que é diverso de um para
outro. Dessa forma se explicaria a dificuldade de compreensão entre a civilização cristã e
a civilização ocidental. Há civilizações diversas, com monoteísmos diversos.
FTL: é de lá que vem seu interesse pelo Islã?
NMG: Sim, meu interesse pelo Islã é antigo, meu primeiro trabalho sobre ele é de
1981. Ocupei-me, pois, do Islã e do cristianismo, e atenção...., em termos comparativos,
para fazer um esforço na formulação de categorias e assim entender o islã como estrutura
diferente da nossa. Que coisa significa cidade de Deus e cidade da guerra? Que dificul-
dades surgem quando a civilização se pensa a partir do monoteísmo? O segundo tema
está ligado ao primeiro, que é o objeto da investigação atual: como a religião se comporta
frente à globalização? Este tema deriva de dois problemas, o primeiro resulta que no
monoteísmo o que é diferente prevalece sobre o que é homólogo. Atenção: à historia das
religiões interessa os dois. O segundo problema, de como a religião se comportou frente
à globalização, é neste caso um problema teórico, já levantado por Sabbatucci no que ele
chamou a banalidade do objeto religioso.
Quando se aplica o método comparativo fica evidente que não existe um objeto reli-
gioso homogêneo no mundo. Ali fica para mim um problema: se percebo o monoteísmo
enfatizando a diferença, se o objeto não existe em si, per se, e se a globalização vai ser a
que explica a diferença nas religiões, como vamos considerar que temos um “objeto re-
ligioso”? Decorrente disto podemos perguntar: como tem nascido o chamado “objetivis-
mo” religioso na Ciência da Religião? Mas também o chamado subjetivismo? E, ao mes-
mo tempo, como nasceu o “universalismo religioso”? Assim, é necessário compreender
como o ocidente construiu o universal religioso e como fez dele o objeto da Ciência da
Religião? Para tentar responder isto, fiz algumas artigos sobre a fenomenologia religiosa,
mostrando que ela é filha do que eu chamo a crise comparativa do século XX e em parti-
cular do pensamento protestante. O que leva a buscar uma universalidade da experiência
religiosa, para voltar a fundar, subjetivamente, um universalismo religioso, que a história
coloca em crise desde o ponto de vista objetivo?

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Fernando Torres-Londoño

Nesse sentido, como falei a meus estudantes em Udine, o 11 de setembro mostrou ao


mundo a diferença da religião. Não há uma subjetividade transcendental que se possa sal-
var nessa diferença ali apontada. Pela primeira vez o poder da política era fundamentado
sobre o poder do sentido. Na História dos Estados Unidos o impossível estava virando
realidade. Isto convulsionou a ordem do mundo americano. O medo não era tanto físico,
mas era o medo de não entender o mundo e sua existência. Esse foi o impacto do Islã
no ocidente e nos Estados Unidos. O choque de duas diversas ordens do mundo que se
encontraram.
FTL: E esta questão como se relaciona com sua pesquisa sobre os missionários?
NMG: A compreensão do universalismo religioso e a generalização do conceito de
religião se generalizam com as missões. A missão é mais do que a colonização do imagi-
nário, a formulação de Gruzinski, a missão que converte o outro, mas traz o outro, a alte-
ridade do outro para dentro de ocidente. Assim a missão construiu uma nova cultura, tanto
na alteridade como em ocidente. Esse é um grande fenômeno da modernidade, por muito
tempo ignorado pela historiografia e que hoje, de alguma forma, está sendo considerado
pelos estudos sobre a subalternidade e a colonialidade, os quais consideram a multipli-
cidade das relações. A estrutura relacional entre ocidente e o terceiro mundo, como diz
Vittorio Lanternari, é muito complexa. O outro elemento da missão é que ela se serve da
religião não só para universalizar o conceito, mais para universalizar o conceito de ho-
mem. Sem a missão não compreendemos o jus-naturalismo e a estrutura universalista dos
séculos XVII e XVIII. Por isso tenho-me ocupado nos últimos anos com os missionários
e suas diversas inserções, aplicando o método comparativo, para poder compreender mais
a história e a religião.

Nota

* Professor doutor na PUC-SP, E-mail: ltorresl@uol.com.br

284 Projeto História, São Paulo, n.37, p. 279-284, jul. 2008

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