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CURSOS

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Palavra do presidente

As leis e os
impactos nas
Geociências
Os impactos da legislação nas Engenharias, pecialistas e apresentação de cases que po-
Agronomia e Geociências foram discuti- dem inspirar novas leis e ajudar no trabalho
dos pelo LexGEO, a segunda edição do fó- diário dos nossos profissionais. Esperamos
rum realizado em dezembro de 2021 com a que este conteúdo possa despertar oportuni-
participação de mais de cem pessoas, entre dades de negócio pela transformação do lixo,
profissionais e estudantes da área. O evento como apresentado na reportagem ‘Gestão do
serviu de inspiração e foi uma oportunidade lixo ainda desafia o Brasil’, e oportunidades
ímpar, e gratuita, de discutir com especialis- nos mais diversos campos de atuação, inclu-
tas de todo o país, referências em seus cam- sive na citada área de georreferenciamento.
pos de atuação, sobre como a lei permeia o
exercício da profissão. Como entidade de classe, a Aprogeo tem
Os debates contemplaram temas variados, a proporcionado, por meio de diversos canais
exemplo dos modelos internacionais de regu- (eventos onlines, presenciais, revistas e publi-
lação cartográfica, como os dados das Geo- cações), um ambiente sadio para debates de
ciências podem ajudar a segurança pública, assuntos ligados à atividade profissional, e o
o exemplo bem-sucedido de regularização LexGEO é um deles. A entidade também está
ambiental e fundiária da Bahia, as normas ao lado dos geógrafos, representando-os jun-
internacionais que discutem as cidades inte- to ao Crea, que é parceiro desta revista, em
ligentes, entre outros temas. Todos os pro- associações de classe brasileiras e nos demais
fissionais convidados relataram, em suas pa- setores da sociedade. Esperamos, assim, pro-
lestras, como o exercício da profissão ajudou porcionar o desenvolvimento e o crescimento
a aperfeiçoar a legislação e a necessidade dos profissionais do sistema Confea/Crea que
urgente de acelerar o processo de georrefe- são importantes para o crescimento e desen-
renciamento de terras, o que só poderá ser volvimento de todo o país.
feito com o aumento de profissionais e com
a modernização do conhecimento prático de
quem trabalha na área.
Jorge Luís Oliveira Campelo
E para expandir as discussões, trazemos nes- (BA-3282/D) é presidente da Associação dos
ta revista um pouco de como foi o evento, em Profissionais Geógrafos do Estado do Paraná
forma de reportagens com entrevistas de es- (Aprogeo-PR) - gestão 2019-2022

OUTUBRO/2022 3|
Disseminação
de informação
e conhecimento

Sempre considerei as revistas excelentes meios gindo somente ao lançamento da edição bimes-
de comunicação para disseminar informação e tral da revista.
conhecimento de forma democrática. Esta que Se você não conhece ainda o Portal da Revista
você tem em mãos, particularmente, tenho cer- do Crea-PR, convido para um rápido acesso pelo
teza, cumpre com excelência esse papel. Para menu COMUNICAÇÃO do site do Crea-PR, no
quem não esteve presente no LexGEO, poderá item REVISTAS/REVISTAS CREA-PR E EDIÇÕES
se atualizar sobre o que foi apresentado e ou- ANTERIORES ou diretamente em revista.crea-pr.
vir a opinião de alguns participantes. Licencia- org.br. Tenho certeza que irá se transformar num
mento Ambiental, Lei Federal de compensação leitor fiel, assim como já é dos materiais desen-
financeira, Plano Nacional de Resíduos Sólidos, volvidos pela APROGEO.
Projeto Pró-Semiárido.... a revista está uma ver- Destaco que a revista do Crea-PR abre espaço
dadeira Barsa!! Talvez para a compreensão dos para o envio de artigos de opiniões dos profissio-
mais jovens, usarei outro exemplo: está um ver- nais das engenharias, agronomia e geociências.
dadeiro Google! Aproveite para compartilhar suas opiniões com
No Crea-PR também temos dedicado esforços demais profissionais e a sociedade!
para que a nossa revista traga cada vez mais
conteúdos que agreguem conhecimento ao dia a Parabéns APROGEO pela publicação e boa leitu-
dia dos profissionais ligados ao Sistema Confea/ ra a todos!
Crea. Criamos um Portal que tem o objetivo de
tornar-se cada vez mais interativo e que permita Ricardo Rocha
a publicação diária de matérias, não se restrin- É Engenheiro Civil e presidente do Crea-PR

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ÍNDICE
A corrida pela regulação e gestão EXPEDIENTE
6 do espaço geográfico
Revista da Associação dos
Profissionais Geógrafos
Pagamento por serviços
9
do Estado do Paraná
ambientais (Aprogeo-PR)

Impressão em outubro/2022
Em Geociências, a ética caminha
13 com a profissão
Gestão 2019-2022
Presidente
Jorge Luís Oliveira Campelo (BA-
Entre a defesa do meio ambiente
16 e a livre concorrência
3282/D)

Vice-diretor
Bruno Tiago Contessoto Rigon
Georreferenciamento intensifica
19 demanda por profissionais Secretária
Larissa Bernardino Zanona

Geociências como aliadas da


22
Vice-secretário
José César Gardim
segurança pública
Tesoureiro

25
Bruno Henrique Costa Toledo
Projeto regulariza terras de
territórios de povos tradicionais Vice-tesoureiro
Vitor Hugo Machado de Campos

28 Gestão do lixo ainda desafia


o Brasil
Jornalista responsável
Giovana Campanha MTB 05255

Reportagens

32 Necessária atualização do
currículo de Geografia
Fernanda Bertola, Giovana
Campanha, Graziela Castilho,
Luciana Pena e Rosângela Gris

35 Cidades inteligentes,
sustentáveis e humanas
Projeto Gráfico / Editoração
Andrea Tragueta

38
Tiragem
Geógrafos integram equipe de RIVs 1 mil exemplares

Impressão

40 O Brasil precisa ampliar o


entendimento sobre inovação
Gráfica Massoni

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A corrida pela regulação e
gestão do espaço geográfico
Sem um sistema de satélites para
dimensionar o espaço geográfico, o Brasil
tem um mapa oficial e outro notarial; para
especialista, a falta de precisão traz prejuízos

Já há algum se diz que os dados desenvolvendo uma geoeco-


serão o petróleo do futuro. En- nomia baseada na integração
tenda-se aqui dados como in- de sistemas de mapeamento
formação geoespacial, ou seja, altamente eficazes. O Waze é
informação derivada de tec- um dos exemplos desses siste-
nologias associadas a sistemas mas. O aplicativo foi citado por
de posicionamento (satélites), Ugeda em palestra proferida
mapeamento ou sensoriamento durante o LexGEO 2.0, evento
remoto, que permitem localizar realizado em 2021. De acor-
pessoas ou fenômenos na su- do com o geógrafo, o Waze se globais de navegação, como o
perfície terrestre, conforme de- configura como um dos maio- GPS americano. Isso porque, de
finição prevista no Artigo 2º do res modelos de cartografia co- acordo com Ugeda, o Brasil ain-
Decreto 6.666, de 2008. laborativa da humanidade. da não possui um sistema de sa-
A gama de dados geoespa- A cartografia colaborativa télites para dimensionar o que
ciais alimenta sistemas de in- nada mais é que o mapeamento de fato ocorre em seu espaço
formação cujas aplicações são de um espaço geográfico onde é geográfico.
as mais variadas. Esses dados possível incluir uma gama de in- A falta de um sistema de
podem ser aplicados em siste- formações com base na neces- aferição de dados leva à ano-
mas de defesa e inteligência, sidade de cada comunidade. Os malia de haver hoje ‘dois bra-
no gerenciamento e respostas telejornais, por exemplo, usam a sis’. Segundo Ugeda, o país
a desastres, na infraestrutura ferramenta para mostrar como tem um mapa oficial, com 8,5
de transportes, na produção está o trânsito em determinada milhões de quilômetros qua-
de energia e comunicações, região de uma cidade. drados, e outro notarial, com
no monitoramento ambiental, quase 9,2 milhões de quilôme-
entre outros. E essa ‘infinitu- DISTORÇÕES TERRITORIAIS tros quadrados.
de’ de possibilidades gera uma Entretanto, a maioria dessas “E se utilizarmos os últi-
corrida mundial em buscas de tecnologias usadas no Bra- mos relatórios do Cadastro
dados. Por isso, para o geógra- sil é produzida no exterior. E Ambiental Rural (CAR), temos
fo e advogado Luiz Ugeda (DF- quando o país produz serviços 1,3,/1,4 milhão de quilôme-
-22687/D), “quem não se pro- baseados em mapas cartográ- tros quadrados de sobreposi-
grama vai ser programado”. ficos, como é o caso do iFood, ção de poligonais de georrefe-
Para Ugeda, os países vêm é preciso recorrer a sistemas renciamento. Se isso fosse um

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Luiz Ugeda, geógrafo e advogado: “se
o país quiser entrar para a lista dos
mais evoluídos do mundo, é preciso
entrar na corrida pela produção de
dados geoespaciais o mais rápido”

país, seria o 19º maior país do modities por mercados exter- LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS
mundo”, diz Ugeda. nos. “Um determinado país Cabe ressaltar que é de compe-
A autodeclaração de área pode alegar que não vai mais tência da União fazer o mapea-
seria uma das alegações para comprar o café brasileiro por- mento do país, de acordo com a
essa discrepância, o que, para que ele foi produzido em área Constituição Federal. Mas, para
Ugeda, não procede. O proble- de floresta desmatada. Se o Ugeda, o governo não organiza
ma é a falta de uma base real. Brasil não tem um sistema de de fato esse serviço. “Em que
O mapa do Brasil é dimensio- dados de satélite para demons- pese haver o decreto da Infraes-
nado por instituições gover- trar a área desmatada com um trutura Nacional de Dados Es-
namentais, como o Exército, e grau confiável de precisão, paciais (Inde), que é o Decreto
empresas privadas, que fazem como questionar a alegação da- 6666/2008, ele não se respal-
seus próprios mapas, como quele comprador?”, diz Ugeda. da em lei. É um decreto solto,
ocorre com os mapas de redes Ou seja, essa falta de pre- assinado por um presidente da
de transmissão produzidos pe- cisão territorial prejudica o República que, se estiver com
las companhias de energia. Mas país. Por isso, um mapa criado a caneta na mão, pode revogar.
ainda há áreas não mapeadas e gerenciado pelo governo é Como aconteceu de certa for-
no país e, na falta de um mapa fundamental para a soberania ma, ou de forma indireta, com a
oficial, cada um faz a declaração e desenvolvimento do Brasil. É Concar”, diz, referindo-se à Co-
com base na referência que en- neste contexto que Ugeda faz missão Nacional de Cartografia,
contra à disposição. o seguinte questionamento: extinta por decreto em 2019.
Ainda de acordo com o geó- “como o Brasil e outros países O geógrafo argumenta que é
grafo, isso pode interferir, por estão se relacionando com a preciso pensar o mapa como um
exemplo, na aquisição de com- busca da precisão territorial?” bem público e que ele possa ser

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depositado na Inde, ficando disponível para con-
sulta. Se o mapa não estiver completo, de acordo IBGE: transformações
com uma necessidade específica, é possível con-
tratar uma aplicação adicional. E, a partir daí, a ao longo do tempo
ideia é que o mapa seja homologado e devolvido à
base de dados para que todos possam usá-lo. Com O IBGE é marcado por dois importantes
isso, seria possível criar, nas palavras de Ugeda, momentos na história do país: na sua cria-
“uma espécie de Google Earth estatal”. ção, em 1937, e na sua transformação em
Mas para isso, o especialista diz que o ‘geo’ fundação, em 1967. “O IBGE de 1937 tinha
tem que ser encarado pelo país como ‘um gran- o objetivo de promover a articulação dos
de condomínio’. “Deve ter uma ata de fundação, serviços oficiais (federais, estaduais e muni-
com a eleição de um síndico e com assembleias cipais), instituições particulares e dos pro-
que tenham a participação dos ‘donos’ de todas fissionais que se ocupam de Geografia do
as unidades envolvidas (no caso, o Ministério Brasil, no sentido de ativar e sistematizar o
dos Transportes, da Economia etc)”. território pátrio”.
A uma nova ‘Concar’ caberia, de acordo com Em 1967, o governo Castello Branco quis
o Decreto 6666/2008, homologar padrões para modernizar o órgão e criou, então, a Funda-
estruturação da Inde atuar como órgão consulti- ção IBGE, que passaria a coordenar todo o
vo na implementação de projetos para a produ- sistema estatístico nacional.
ção de dados geoespaciais, homologar normas De acordo com o geógrafo e advogado
para a cartografia nacional, definir diretrizes Luiz Ugeda, o IBGE obteve relativo sucesso
para subsidiar ações do Instituto Brasileiro de a partir de investimentos em computação e
Geografia e Estatística (IBGE), entre outros. novas tecnologias, mas pecou quando pas-
Contudo, a Concar já não existe e essa função sou a tratar dados apenas de forma residual.
hoje caberia ao IBGE, que, na verdade, trata os da- O problema maior é a falta de competência
dos de forma apenas subsidiária, segundo Ugeda. regulatória do órgão. “Aquele IBGE que ti-
nha competência autárquica, que mandava,
BRASIL X EUA regulava, projetava e criava projetos de re-
Para exemplificar o atraso do Brasil no ge- gionalização, dos áureos anos 40, 50, não
renciamento de dados, Ugeda cita os Estados existe mais”, diz Ugeda.
Unidos, que em 1994, durante o governo Bill
Clinton, baixaram uma ordem executiva re-
gulamentando a coordenação da aquisição e forçar o apoio à capacitação para os países em de-
acesso à infraestrutura de dados geográficos. senvolvimento, inclusive os menos desenvolvidos e
Ou seja, os dados passaram a ser concebidos pequenos Estados insulares em desenvolvimento,
como infraestrutura regulada pelo estado. Na para aumentar significativamente a disponibilidade
prática, o estado americano passou a fazer a de dados de alta qualidade, atuais e fidedignos”.
regulação de mapas do país. De acordo com Ugeda, muita gente se benefi-
Pode-se alegar que o Brasil não tem recursos cia da informalidade territorial. Muitos invadem,
para criar um sistema nos moldes dos Estados Uni- ocupam, derrubam florestas, poluem... Mas essa
dos, que conta com uma grande “constelação de informalidade não cabe mais a um país do tama-
satélites”. Neste ponto, deve-se ressaltar o institu- nho e com a profusão de riquezas do Brasil. Se o
to da cooperação internacional previsto na Agenda país quiser entrar para a lista dos mais evoluídos
2030, da Organização das Nações Unidas, que diz do mundo, é preciso entrar na corrida pela produ-
que os países devem colaborar no sentido de “re- ção de dados geoespaciais o mais rápido possível.

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Pagamento por serviços ambientais:
um incentivo à preservação

Lei de 2021 oferece compensação financeira para quem preserva o meio


ambiente; as prioridades do programa federal são povos indígenas,
agricultores familiares e empreendedores familiares rurais

Uma crise ambiental na Amazônia, em 2019, ambiente. Isso já vinha sendo discutido há mui-
chamou a atenção do mundo. Horrorizados com to tempo, mas ela foi de fato implementada por
as imagens da floresta sendo consumida pelas meio da Lei nº 14.119/2021.
chamas, políticos e estrelas mundialmente fa- A mesma lei prevê a criação de um Programa
mosas foram às redes sociais clamar pela pro- Federal de Pagamento por Serviços Ambientais
teção do conjunto de ecossistemas de maior (PFPSA). Em outras palavras, o governo federal
biodiversidade no mundo. O momento serviu de está criando, no âmbito da União, a sua política
alerta para o planeta, uma vez que um meio am- de pagamento para quem preservar e recuperar
biente equilibrado é um direito fundamental de áreas de interesse nacional, mas também abre a
todo ser humano. possibilidade para que estados e municípios que
De lá para cá, foram muitas conversas entre ainda não contam com políticas como essa, pos-
governantes brasileiros e líderes mundiais para sam se utilizar do mecanismo federal para prote-
criar políticas de proteção do meio ambiente, ger seus biomas.
bem como propor mecanismos ágeis e moder- De acordo com o geógrafo e advogado Eduar-
nos de captação e aplicação de recursos a fim de do Bastos Moreira Lima (SC-135126-6), essa é
salvaguardar a floresta Amazônica. uma grande oportunidade para pessoas que so-
Daí a necessidade de se colocar em prática frem restrição do uso de suas propriedades, como
a Política Nacional de Pagamento por Serviços ocorre com reservas legais, onde o produtor rural
Ambientais (PNPSA), um mecanismo de com- é obrigado por lei a manter preservada uma área
pensação financeira para quem preserva o meio de mata dentro do sítio ou da fazenda.

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Ainda segundo Moreira Lima, não só os do- o Brasil se torna signatário por força de contra-
nos de propriedades podem lucrar com a manu- tos”, diz.
tenção de áreas verdes, mas os municípios que
contam com projetos de preservação do meio QUEM PODE RECEBER PAGAMENTOS?
ambiente. “Quando o poder público munici- De acordo com o Programa Federal de Pagamen-
pal, de maneira específica, tem um projeto de to por Serviços Ambientais (PFPSA), terão prio-
recuperação arbórea, de área urbana, será que ridade nos repasses feitos pelo governo federal
essa medida poderia ser alvo dos pagamentos as comunidades tradicionais, povos indígenas,
por serviço ambiental? Acho que sim, na minha agricultores familiares e empreendedores fami-
modesta visão. Então você pode criar cenários liares rurais. A ideia é pagar valores em dinhei-
nos quais o poder público e o particular poderão ro para aqueles que protegem matas, rios, vida
buscar recursos para manutenção ou recupera- animal ou contribuem para projetos ambientais
ção de um sistema e cumprir as metas as quais para o desenvolvimento de suas comunidades.

PROJETOS AMBIENTAIS QUE PODEM RECEBER INVESTIMENTOS DE TÍTULOS VERDES

Energia renovável (energia solar e eólica, biogás, biocombustíveis)

Eficiência energética (edificações sustentáveis,


sistemas de aquecimento, iluminação pública de LED)

Gestão sustentável da água (despoluição


da água, expansão de sistemas de
esgoto, sistemas de drenagem urbana,
proteção de bacias hidrográficas)

Prevenção e controle de poluição


(controle de gases de efeito estufa,
descontaminação de solo, reciclagem,
redução de resíduos industriais)

Transporte limpo (transporte multimodal,


produção e uso de veículos elétricos e
híbridos, construção de ciclovias)

Gestão sustentável de recursos naturais vivos e uso da terra (recuperação


de áreas degradadas, agricultura orgânica, conservação de vegetação nativa,
pesca e agricultura sustentáveis)

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Donos de imóveis rurais que quiserem receber pagamentos por serviços ambientais precisam estar regularizados no CAR

Além dos grupos prioritários, outros interessa- ver na zona urbana, é preciso estar em confor-
dos, que apresentem bons projetos, também midade com o Plano Diretor. Outro requisito é
poderão participar do programa. a realização de um contrato de adesão com o
Vale salientar que o modelo versa sobre o provedor, que é quem vai pagar pela manuten-
programa federal. Já a Política Nacional de Pa- ção da área. Dentre as áreas privadas escolhidas
gamento por Serviços Ambientais (PNPSA) é para receber o pagamento por serviços ambien-
mais ampla, uma vez que pode se correlacionar tais estão as Áreas de Preservação Permanente
com outras políticas públicas, como a Política (APPs) e as Reserva Legais.
Nacional de Recursos Hídricos e a Política Na- O caso das áreas de Reservas Legais é em-
cional de Meio Ambiente, que contam com ob- blemático, uma vez que, na maioria dos casos,
jetivos específicos. Os recursos para financiar elas impedem o produtor de aumentar a área de
esses projetos podem ser captados por pessoas produção. Agora essa restrição será compensa-
físicas, jurídicas e de direito público ou, ainda, da mediante pagamento direto em dinheiro ao
por meio de agências de cooperação interna- produtor, o que contribui para mantê-lo na pro-
cionais. A ideia é que, preferencialmente, esses priedade. “Isso é um grande ganho ambiental,
investimentos entrem sem ônus para o governo social e econômico, porque se oferece a essas
federal. pessoas uma possibilidade de receita que não
Os donos de imóveis rurais privados que teriam, fazendo com que elas se fixem e pensem
queiram receber os pagamentos por serviços antes em migrar. Por isso, o programa também
ambientais precisam estar regularizados no Ca- tem a importância da manutenção das pessoas
dastro Ambiental Rural (CAR). Se o imóvel esti- no próprio território”, diz Moreira Lima.

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‘Títulos Verdes’ e as oportunidades para os
profissionais ligados ao Crea/Confea
O potencial do Brasil para o desenvolvimen-
to de projetos que podem receber recursos
em troca da conservação, manutenção e pre-
servação do meio ambiente é gigantesco. De
acordo com dados apurados pelo geógrafo
Eduardo Bastos Moreira Lima, o país conta
com quase 300 milhões de hectares de flo-
restas públicas. E quando se fala em áreas
privadas, são aproximadamente 121 milhões
de hectares de áreas de conservação legal-
mente protegidas.
Ainda segundo o geógrafo, o Plano Nacio-
nal de Recuperação da Vegetação Nativa pre-
vê contribuição para a recuperação de vegeta-
ção em ao menos 12 milhões de hectares até
2030. “Isso gera uma oportunidade profissio-
“A lei de pagamento por serviços ambientais é uma
nal para advogados, geógrafos, biólogos, en-
política do ganha-ganha”, defende o geógrafo Eduardo
genheiros agrônomos e florestais na criação, Bastos Moreira Lima
elaboração de planos de manejo e constitui-
ção de unidade, ou seja, é um mercado que vai O Banco Nacional de Desenvolvimento
abrir, e o poder público e o particular só têm Econômico e Social (BNDES) foi o primei-
a ganhar. A lei de pagamento por serviços am- ro banco brasileiro a emitir títulos verdes
bientais é uma política do ganha-ganha”, diz. no mercado internacional, sendo que só em
Além da possibilidade de captar esses re- 2017 emitiu US$ 1 bilhão. Os recursos cap-
cursos por meio de pessoas jurídicas, priva- tados são usados pelo BNDES para financiar
das e organismos de colaboração internacio- projetos ambientais no Brasil em nove cate-
nal, as práticas de manutenção, conservação gorias: energia renovável, eficiência energé-
e preservação do meio ambiente também tica, gestão sustentável da água, prevenção e
podem ser transformadas em títulos, como controle de poluição, transporte limpo, ges-
os ‘Green Bonds’ ou Títulos Verdes. São títu- tão sustentável de recursos naturais vivos e
los de renda fixa com recursos voltados para uso da terra, ou projeto sociais ligados à saú-
projetos de sustentabilidade e que geram be- de, educação e financiamento de micro, pe-
nefícios ao meio ambiente. Esse é um mer- quenas e médias empresas.
cado em franca expansão. Segundo dados da Esses projetos vão demandar em muito o
SITAWI, uma das maiores certificadoras de conhecimento de engenheiros, arquitetos,
green bonds do país, até 2018 as emissões de agrônomos, agrimensores e geógrafos. Ou
títulos verdes por empresas nacionais, princi- seja, é um mercado que pode gerar oportuni-
palmente nas áreas de energia eólica, papel dades para os profissionais ligados ao sistema
e celulose, somaram mais de R$ 15 bilhões. Confea/Crea.

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Em Geociências, a ética caminha
com a profissão
Código de Ética enuncia condutas à boa e honesta prática de trabalho, além
de direitos e deveres; infrações mais frequentes incluem a não aplicação de
norma técnica e a falsificação de documentos como ART e CAT

A ética profissional é um con- o comportamento”, comenta.


junto de parâmetros que guiam Para compreender os pilares
atitudes corretas. E para ajudar da ética profissional, o especia-
os profissionais a atuar de for- lista ressalta a importância de
ma a não prejudicar a socieda- conhecer alguns aspectos filo-
de, existem os códigos de éti- sóficos. Isso porque as noções
ca, que estabelecem diretrizes de moral e ética mudam de um
para a execução de atividades. filósofo para o outro, sendo
No campo das Geociências, o necessário extrair, de cada um,
resultado do trabalho de um pontos relevantes para a execu-
profissional pode ajudar ou ção das tarefas diárias.
atrapalhar a vida das pessoas e “Em resumo, gosto das defini-
o patrimônio. ções que dizem que moral é aquilo
Para o engenheiro químico e “Qualquer erro que um profissional que não fazemos de jeito nenhum,
assessor da Comissão de Ética da área das engenharias cometer mesmo que ninguém esteja olhan-
é ele quem vai responder”, alerta o
do Conselho Regional de Enge- do. A moral está no campo dos
engenheiro químico e assessor da
nharia e Agronomia do Paraná Comissão de Ética do Crea-PR, Paulo valores. Por exemplo, ser hones-
(Crea-PR), Paulo Cesar Marko- Cesar Markovicz to é um valor moral. É aquilo que
vicz (PR-109726/D), somente aprendemos na família, na escola,
adotando uma conduta ética é lações extensas, entre ambien- em uma religião. Já a ética é a teo-
possível alcançar a excelência tais, federais, municipais, enfim, ria ou ciência do comportamento
profissional. Mas quais as bases qualquer legislação relacionada moral na sociedade. Trata-se de
de um trabalho bem executado às atividades profissionais em como influenciamos os outros.
e responsável? O engenheiro Geociências. E não cabe dizer Se fôssemos sozinhos no mundo
cita a junção de conhecimento que não conhecia alguma regra. e destruíssemos tudo, não preju-
técnico, a atualização técnica e Isso é obrigatório para um pro- dicaríamos outras pessoas. Mas à
legal e a ética profissional. fissional. Mas não adianta saber medida que nossas ações podem
“Você como profissional das tecnicamente tudo e ser atua- prejudicar alguém, aí que entra a
Geociências tem que ter o co- lizado, se não for ético. A ética ideia de ética”, explica.
nhecimento técnico exigido pela que guia o trabalho é o caminho De acordo com Markovicz,
profissão, e que não é pouco, para a excelência. Ser reconhe- além de considerar noções filo-
mas não adianta só dominar cido como um profissional ético sóficas, a compreensão da ética
a parte técnica se não houver talvez seja uma das maiores con- profissional passa por provoca-
atualização constante. É obriga- quistas, isso porque há uma de- ções e questionamentos a res-
tório conhecer as leis. São legis- manda por autorreflexão sobre peito de atitudes que podem

OUTUBRO/2022 13 |
ser consideradas erradas. Para mais profissionais e ante o meio.
ilustrar o raciocínio, ele lança É neste trecho das regras que
a pergunta sobre o que é pior: está, para Markovicz, o núcleo
errar sabendo que é errado ou do Código de Ética: zelar pela
errar sem saber que errou? profissão. Isso significa cuidar
“Na primeira vez que precisei dos detalhes, rever, observar as
responder à pergunta, respondi leis, a técnica, as normas regu-
que é pior errar sabendo que é lamentadoras, ambientais. Os
errado. Mas pense na profissão. mesmos parâmetros são refe-
Um profissional que se atreve rências para as condutas éticas
a fazer algo que não sabe fazer, vedadas, conforme o artigo 10º,
porque não possui experiência, como aceitar trabalhos sem pos-
não conhece a legislação, cau- suir, para executá-los, a devida
sando danos às pessoas, patri- qualificação. “Ter atribuição é di-
moniais, para o meio ambiente... Paulo Cesar Sartor de Oliveira, ferente de ter qualificação”, frisa.
geólogo: punições para infrações
Será que errar sem saber não se-
profissionais vão de advertência
ria pior? Ambas as condutas são reservada a cancelamento definitivo INFRAÇÕES
ruins”, diz o engenheiro, refor- do registro Segundo Markovicz, entre as in-
çando a necessidade do conheci- frações mais frequentemente
mento técnico, legal e da condu- eficácia e do relacionamento registradas pelo Crea-PR está o
ta ética para a realização de um profissional, além dos princípios descumprimento de um dever
serviço. Portanto, basear o traba- éticos da intervenção profissio- de ofício, como não aplicar uma
lho nesse tripé é importante até nal sobre meio da liberdade e norma técnica. “Às vezes, há ex-
se for preciso contrariar ideias ou segurança profissionais. “Um plicações como ‘foi um erro de
propostas de clientes. dos pontos que gosto de salien- digitação’ ou ‘não sabia que era
tar é a honradez, que é um va- assim’, mas não são justificativas.
CÓDIGO DE ÉTICA lor ético e moral. É preciso zelar Outra falha é a falsificação de do-
O Código de Ética Profissional pelo próprio nome e reputação. cumentos, como a Anotação de
da Engenharia, da Agronomia, Trata-se, como está escrito no Responsabilidade Técnica (ART)
da Geologia, da Geografia e da código, de alto título de hon- e/ou Certidão de Acervo Técnico
Meteorologia enuncia os fun- ra. Também destaco a eficácia (CAT) para participar de licitações.
damentos éticos, as condutas profissional, que diz ser preciso “A ART deve ser feita para cada
necessárias à boa e honesta trabalhar de forma a garantir a serviço realizado pelo profissio-
prática das profissões e os di- qualidade satisfatória e obser- nal. Portanto, é possível com-
reitos e deveres. Foi criado em var a segurança nos procedi- provar o conhecimento por meio
1971 e atualizado, pela última mentos”, comenta. “Qualquer desse acervo. Acontece de uma
vez, em 2002, tendo sido cons- erro que um profissional da área empresa ou profissional não ter
truído aos poucos por entida- das engenharias cometer, é ele esse acervo e tentar simular um
des de classe nacionais que se quem vai responder. A respon- serviço recolhendo uma ART. Tra-
reuniram em nome de um pacto sabilidade é objetiva”, observa. ta-se de uma fraude documental.
para a boa conduta. O artigo 9º do Código rege Isso é um perigo, pois se não há
Markovicz ressalta os artigos sobre os deveres ante o ser hu- acervo, é indicativo de não ha-
8º, 9º e 10º. No 8º são listados mano, profissão, nas relações ver conhecimento, experiência”,
os princípios éticos do objetivo, com os clientes, empregadores comenta Markovicz. “O Crea-PR
da natureza, da honradez, da e colaboradores, bem como de- conta com uma inteligência para

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verificar documentos e encontrar sinais que indicam é preciso para evitar que a conduta de um profis-
a possibilidade de fraude, e ao detectar este tipo de sional possa causar prejuízos não só pessoais, mas
problema, estamos iniciando processos éticos”. a terceiros, como profissionais e à sociedade.
O acobertamento também está entre as infrações “As punições são aplicadas de acordo com o
mais cometidas. É quando um profissional assume artigo 71º da Lei nº 5194, de 1966, que regula o
a responsabilidade técnica por um serviço, mesmo exercício das profissões de engenheiro e agrôno-
sem ter participação. Outro problema é a falta de mo. A advertência reservada é feita diretamente
qualidade em serviços, o que resulta em erros que para o profissional. No caso da censura pública, é
podem causar danos ambientais e patrimoniais. publicada no site do Crea, em seção que o con-
“Garantir a qualidade é um princípio ético”. Além sumidor pode acessar para verificar o histórico do
disso, suspender serviços contratados injustificada- profissional que pretende contratar. Também pode
mente é uma conduta vedada. “Os casos de peritos acontecer a suspensão temporária das atividades
judiciais que não entregam laudos ou entregam de e cancelamento do registro. Vale destacar que a
forma incompleta representam 30% das denúncias repetição dos erros é preponderante para o can-
que temos no Conselho”, diz o especialista. celamento definitivo do registro”, explica Sartor.
Entram ainda no rol das infrações mais come- Sobre a importância do Código de Ética, o geó-
tidas aprovar os próprios projetos em órgãos pú- logo destaca que, mais do que apenas cumprir
blicos e exercer atividades para as quais o profis- obrigações para o pleno exercício da profissão, o
sional não possui atribuição. foco deve estar na nobreza de realizar um traba-
lho de forma a preservar a vida das pessoas, ao
PENALIDADES mesmo tempo em que se reduzem as chances de
Entre as penalidades previstas para os casos de impacto socioeconômico negativo.
infração estão advertência reservada, censura “As engenharias, a agronomia e as geociências
pública e cancelamento do registro profissional. são profissões que não podem ser exercidas por
O geólogo e facilitador do Departamento de As- qualquer cidadão. Suas ações implicam impac-
sessorias Técnicas do Crea-PR, Paulo Cesar Sartor tos de interesses sociais como saúde, segurança,
de Oliveira (PR-14641/D), ressalta que as sanções meio ambiente e patrimônio. Ser ético é cuidar da
são importantes para coibir ações antiéticas, o que sociedade”, aponta.

COMISSÃO DE ÉTICA
• A Comissão de Ética Profissional (CEP) é permanente. Tem como finalidade apreciar
infrações de acordo com o Código de Ética das profissões abrangidas pelo Conselho
Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e Crea, o chamado Sistema Confea/Crea
• A CEP conta com processos com elementos necessários para apuração dos fatos
e emissão de relatórios fundamentados a serem encaminhados para Câmara
Especializada competente para julgamento
• Cada Crea possui uma Comissão de Ética responsável pela instrução do processo,
isso é, coleta de informações, documentos e depoimentos para que o processo possa
ser analisado pela Câmara Especializada em primeira instância e, havendo recurso,
pelo Plenário do Crea em segunda instância
• As denúncias oriundas de fiscalização ou feitas pela sociedade são efetuadas junto
aos Creas, que julgam os casos antes do encaminhamento ao Confea
• O Plenário do Confea funciona como instância última de julgamento de processos.

OUTUBRO/2022 15 |
Licenciamento, entre a defesa
do meio ambiente e a livre
concorrência
Tecnologia e integração de dados agilizam processos de licenciamento
ambiental; para especialista, medidas compensatórias exigidas pelo
poder público não devem ser abusivas

Por que aprimorar processos de licenciamento blico na defesa do meio ambiente para as atuais
ambiental promove desenvolvimento sustentá- e futuras gerações.
vel? A provocação foi feita aos participantes do No artigo 170 da Constituição, a defesa do
LEXGeo 2.0. E quem trouxe as respostas foi o meio ambiente é posta ao lado da livre concor-
geógrafo José Roberto Francisco Behrend (PR- rência, da busca do pleno emprego, da justiça
-120474/D), que durante dois anos esteve à social e da redução das desigualdades regionais.
frente da Secretaria do Ambiente de Londrina e O legislador entende que a todos é assegura-
por quatro anos atuou no Instituto Ambiental de do o direito à livre concorrência, independen-
Maringá (IAP), atual IAT. temente da autorização de órgãos públicos,
O licenciamento ambiental é essencial para o salvo casos previstos em lei. Na outra ponta
início de uma atividade econômica que vai gerar está o agente fiscalizador a quem cabe aplicar
emprego e renda, mas a liberação do documento a lei. E dessa missão depende em grande par-
precisa ser criteriosa para não colocar em risco os te não apenas a preservação dos recursos na-
recursos naturais. Esse aparente dilema é dirimi- turais, mas o desenvolvimento econômico de
do por uma vasta legislação. A Política Nacional uma comunidade.
de Meio Ambiente é de 1981, anterior à Consti- Como se vê, não é uma tarefa fácil. Mas
tuição de 1988 que trata o tema no artigo 225, ela pode ser eficiente e inteligente, defende
em que está expressa a obrigação do Poder Pú- Behrend. No IAP, em Maringá, hoje transforma-

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do em Instituto Água e Terra (IAT), ele chegou à atividade ameaçada por uma nova norma colo-
chefia e coordenou a criação do SGAGeo. Para o cando em risco empregos e a segurança das fa-
geógrafo, o primeiro passo é interpretar a legis- mílias que dependem desses empregos”, explica
lação de forma conjugada. Os artigos 225 e 170 o geógrafo.
da Constituição, por exemplo, devem ser sempre
analisados conjuntamente. Outros decretos e TECNOLOGIA
leis, inclusive estaduais e municipais, que foram A sensibilidade para aplicar a lei é um impor-
elaborados ao longo dos anos, apoiam o gestor tante recurso do agente público que analisa
na tomada de decisão. os pedidos de licenciamento ambiental. Outro
recurso fundamental é a tecnologia. No pas-
MEDIDA COMPENSATÓRIA sado, um documento percorria um caminho
Dois exemplos emblemáticos são o Estatuto das longo e sinuoso nos escaninhos da burocracia
Cidades e a mais recente Lei da Liberdade Eco- estatal. Um pedido de análise, por exemplo,
nômica. No primeiro caso, a lei determina que era entregue manualmente a cada secretaria
não sejam exigidas do empreendedor medidas ou órgão envolvido, que não conversavam en-
compensatórias abusivas para a obtenção do li- tre si, produzindo um resultado ineficiente e
cenciamento ambiental. “Um exemplo de medida demorado.
compensatória abusiva é quando o gestor públi- A tecnologia mudou radicalmente esse cená-
co planeja construir uma avenida e transfere essa rio. Os processos evoluíram e hoje existe apenas
obrigação para o empreendimento que será aber- uma entrada para um pedido de licenciamento: a
to naquela região, a pretexto de autorização”, diz. digital, com setores que compartilham decisões e
No caso da Lei da Liberdade Econômica, o tex- alcançam resultados melhores. “Mas precisamos
to esclarece que o Estado não pode intervir como estar sempre revisando os processos em busca
se fosse o gestor do negócio. Outra importante de melhoria. Isso porque muitos procedimentos
contribuição dessa legislação foi o entendimento ainda hoje são pautados na legislação da década
de que toda nova norma ao ser editada precisa de 1970, quando não havia um único computa-
prever o impacto que terá sobre a regulação da dor numa repartição pública, como a exigência de
atividade econômica. “Todo empresário preci- uma via impressa, quando a via eletrônica é sufi-
sa de previsibilidade. É o que garante a lei. Do ciente. Para isso precisamos atualizar também a
contrário, a qualquer momento ele poderia ter a legislação”, explica.

LINHA DO TEMPO DA LEGISLAÇÃO QUE TRATA OU INFLUENCIA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL


1981 Lei 6938 - Política Nacional de Meio Ambiente cria o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama)
1988 Constituição Federal
1997 Resolução 237 do Conama
2001 Lei Federal 10.257 - Estatuto das Cidades
2010 Lei Federal 12.305 - Política Nacional de Resíduos Sólidos
2017 Lei Federal 13.460 - Proteção e defesa dos direitos dos usuários de serviços públicos
2017 Decreto Federal Regulamentador 9.094
2018 Decreto Estadual Regulamentador 9.360
2019 Lei Federal 13.874 - Lei da Liberdade Econômica
2021 Lei Federal 14.133 - Lei de Licitações e Contratos

OUTUBRO/2022 17 |
ENTREVISTA COM JOSÉ ROBERTO F. BEHREND

Tempo de emissão de licenciamento caiu pela metade


Durante dois anos, de 2019 a 2021, o geó- tomatização de processos, passamos a
grafo José Roberto Behrend foi secretário integrar as secretarias. O empreendedor
do Ambiente de Londrina, onde aplicou não precisava esperar a Secretaria de Pla-
uma receita de simplificação de processos: nejamento se manifestar para dar entrada
na Secretaria do Ambiente. Isso aconte-
Como foi a atuação do senhor em Londri- cia ao mesmo tempo.
na, à frente da Secretaria do Ambiente?
Trabalhamos para racionalizar alguns pro- José Roberto Francisco Behrend,
cedimentos e foi implantado um sistema geógrafo: “muitos procedimentos
de gestão e automação disponibilizado ainda hoje são pautados na
pelo Estado. Esse sistema otimiza o tra- legislação da década de 1970,
balho dos técnicos e consultores com quando não havia um único
computador numa repartição
respostas automatizadas e o tempo de
pública”
tramitação reduz significativamente.

Quais ações o senhor destaca?


Podemos falar em três grandes áreas de
atuação na Secretaria do Ambiente de
Londrina: a arborização urbana e gestão
das áreas verdes, a de bem-estar ani-
mal e a área de licenciamento e contro-
le ambiental. Na área do licenciamento
e controle ambiental, destaco a redução
de tempo para a emissão de licença am-
biental. Em 2016, o tempo médio era de
61 dias. Em 2020, caiu para 31 dias. Além
do sistema do Estado que oferecia a au-

SGA GEO Maringá, regularizar a situação ambiental de mui-


Outro exemplo de como a tecnologia é aliada do tas empresas, aumentar o controle sobre as ativi-
desenvolvimento sustentável é a ferramenta SGA dades de maior risco e promover a integração de
Geo, que integra os dados do IAT. dados pelo SGA Geo, ferramenta que aprimora a
O aplicativo é um legado de Behrend quando qualidade das decisões”.
ocupou as diretorias de fiscalização e licencia- No Fórum LexGEO, o especialista introduziu um
mento ambiental no IAP. O geógrafo é também preceito interessante: o histórico da evolução de
formado em Tecnologia de Processamento de leis e processos associado às diferentes gerações.
Dados e coordenou a criação da ferramenta que O geógrafo encerrou a palestra com uma reflexão:
mapeia e integra dados por geoespacialização. as gerações X e Y deixarão uma gestão eficiente
“Quando estive nessas diretorias pude conhe- dos recursos naturais às gerações Z e Alpha, que
cer a realidade dos 29 municípios da regional de já nasceram e daqui a pouco estarão no comando?

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Georreferenciamento intensifica
demanda por profissionais
Apenas 10% dos imóveis rurais brasileiros foram medidos em
duas décadas; formação de qualidade e aumento do número de
profissionais credenciados vão acelerar o processo

País tem 9 milhões de imóveis rurais cadastrados na Receita Federal e 16 mil profissionais aptos a fazer o georreferenciamento

Que o georreferenciamento rural - Lei nº segundo o Ministério do Desenvolvimento Re-


10.267/2001 - trouxe inovação para as Geo- gional. “Provavelmente os profissionais habilita-
ciências e para o sistema cadastral e registral do dos terão de assumir a Regularização Fundiária
Brasil, isso não se discute. Afinal, o instrumento Urbana, aumentando a demanda e potencializan-
permite o conhecimento preciso dos limites das do esse mercado profissional”.
propriedades rurais, trazendo segurança jurídica A solução, proferida por Silva Neto em palestra
aos negócios no campo, bem como o avanço nos ministrada durante o LexGEO 2.0, é aumentar a
atendimentos. Desde 2003 foram certificados quantidade e a qualidade dos profissionais. “Pre-
mais de 900 mil imóveis, o equivalente a 361 mi- cisamos urgentemente rever o conteúdo dos cur-
lhões de hectares, mas o número representa ape- sos e aplicar agilidade nas ações dos conselhos
nas 10% do número de imóveis de um total de 9 para o recrutamento”, enfatiza.
milhões cadastrados pela Receita Federal. O que está previsto na legislação sobre as car-
Na opinião do analista em Reforma e Desen- reiras, o conhecimento necessário e a carga horá-
volvimento Agrário do Instituto Nacional de Co- ria mínima (PL-2087/2004), bem como os mode-
lonização e Reforma Agrária (Incra/BA), Miguel los de certidão (PL-0745/2007) não atendem os
Pedro da Silva Neto (PE-030624/D), os mais de profissionais em georreferenciamento rural. “Há
16 mil profissionais credenciados no Sistema de muito tempo que o conteúdo estipulado para o
Gestão Fundiária (SIGEF) “não vão dar conta de curso de formação precisa ser atualizado. Além
reduzir esse montante”. A constatação também disso, é preciso incluir atividades práticas, porque
vem de outro agravante: metade dos 60 milhões não dá para aprender só na teoria sobre levanta-
de unidades habitacionais no Brasil está irregular, mento topográfico, geodésico, geoprocessamen-

OUTUBRO/2022 19 |
to e sensoriamento remoto”.
Essa defasagem na formação tem causado a apli-
cação de sanções administrativas por falta de conhe-
cimento e de perícia técnica. “O Incra também prevê
aplicação de advertência, suspensão e descreden-
ciamento. Todas passam pela instância do Comitê
Nacional em Brasília e tem funcionado bem no Bra-
sil para o controle ético das carreiras, mas a grande
questão é que podemos reduzir essas ocorrências se
melhorarmos a qualidade da formação”, enfatiza.
A maioria dos interessados em atuar com geor-
referenciamento e certificação de imóveis rurais é
engenheiro agrônomo e agrícola, tecnólogo, agri-
mensor, cartógrafo e técnico de nível médio. Há
também arquitetos e engenheiros de outras áreas,
mas em menor número. “Todos são bem-vindos,
mas é preciso nos atentar para a falta de unifica- Miguel Pedro da Silva Neto, do Incra/BA: Brasil arrecada
ção de regras e decisões entre os conselhos pro- mais de R$ 2 bilhões em Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural, mas se a base estivesse atualizada, valor
fissionais. O ideal seria o Incra centralizar a res-
poderia chegar a R$ 16 bilhões
ponsabilidade sobre as carreiras no setor”, sugere.

OUTRAS MEDIDAS
COMO SER UM PROFISSIONAL DE
O analista destaca ainda outras medidas que bus- GEORREFERENCIAMENTO?
caram atender com agilidade à crescente demanda
de georreferenciamento. Entre elas estão concur- Para se tornar um profissional habilitado
sos públicos, realizados entre 2005 e 2010, e duas para atuar na área de georreferenciamento
edições de normas técnicas. Já em 2012 a criação rural, há cursos de graduação (por exemplo:
da norma de execução provocou mudanças signi- Engenharia, Geologia, Geofísica e Arquite-
ficativas. “Foi uma ‘virada’, porque profissionais do tura), pós-graduação e capacitações técni-
Incra perceberam que o instituto estava cumprin- cas. Entre os conteúdos estudados estão
do mais tarefas do que a legislação exigia, levando topografia aplicada ao georreferenciamento;
a atrasos nos procedimentos de análise. A partir cartografia; sistemas de referência; proje-
daí, passamos a cumprir somente o que a lei previa ções cartográficas; métodos e medidas de
e criamos a terceira edição de normas e manuais posicionamento geodésico; e ajustamentos.
técnicos que estão em funcionamento”. De acordo com o analista em Reforma e De-
O desenvolvimento do SIGEF, em 2013, tam- senvolvimento Agrário do Incra/BA, Miguel
bém foi um marco, porque automatizou procedi- Pedro da Silva Neto, o conteúdo precisa ser
mentos de certificação e georreferenciamento, e atualizado para incluir disciplinas como as-
integrou os cartórios de imóveis. Silva Neto res- sessoramento remoto, cartografia digital,
salta ainda a utilização da plataforma LibreOffice, técnica de geoprocessamento e Direito apli-
que permitiu a inclusão de dados no sistema de cado ao georreferenciamento. “Há uma série
forma eletrônica, revisão dos manuais técnicos e de conhecimentos que faz parte do dia a dia
da própria norma técnica, certificado digital, uso de quem trabalha com georreferenciamento
do sensoriamento remoto e bases cartográficas rural e que precisa fazer parte da formação”.
digitais (Vants e Drones), e o Sistema Geodésico

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Local e Coordenadas Geodésicas, utilizados para de órgãos do Ministério da Agricultura atuarem
resolver problemas cartográficos da base de imó- com sistemas de qualidade que atendem objeti-
vos específicos, mas que funcionam de forma iso-
veis certificados. A liberação de acessos pelo site
gov.br também é considerada um avanço. lada. A interligação desses sistemas contribuiria
para acelerar processos e viabilizar o uso de no-
EVOLUIR É PRECISO vas tecnologias na produção de dados cadastrais.
Apesar dessas medidas, o especialista enfatiza “Além disso, precisamos estar abertos a novas
que há muito a melhorar na gestão territorial. A estratégias tecnológicas. Hoje temos mais smart-
título de comparação: o setor de veículos geren- phones do que cidadãos brasileiros. Por que não
cia de forma unificada e atualizada mais de 100 utilizar essa ferramenta de forma colaborativa?”.
milhões de automóveis, com recadastramento A criação de um órgão central, de acordo com
anual. “E nós não conseguimos atender 9 milhões o analista, também é fundamental para viabilizar o
de imóveis rurais”. Índice de Governança Fundiária em cada município
Entre as prioridades para a mudança estão a brasileiro, bem como os planos de desenvolvimento
revisão e a criação de leis. “Em Geociências não e a destinação de recursos. “Sem contar que temos
basta focar em questões ambientais e fundiárias. motivos econômicos de sobra para potencializar a
Também é preciso considerar o desenvolvimento eficiência dos sistemas e procedimentos em georre-
econômico e social, bem como a vertente política ferenciamento e certificação, afinal o Brasil arrecada
e jurídica. É complexo, porque não adianta fazer mais de R$ 2 bilhões em Imposto sobre a Proprie-
revisões e atualizações de forma pontual”. dade Territorial Rural, mas se toda a base estivesse
Nesse sentido, ele chama a atenção para o fato atualizada, o valor poderia chegar a R$ 16 bilhões”.

Benefícios para compra de equipamentos


Se o custo de equipamentos para georreferenciamento
é alto, os profissionais podem recorrer a linhas de crédito
para aquisição de máquinas e equipamentos. No mercado,
entre as opções, estão linhas disponibilizadas pelo BNDES
e bancos privados. Uma alternativa também é a Caixa de
Assistência dos Profissionais do Crea (Mútua-PR), que ofe-
rece o Equipa Bem, que consiste na liberação de até 80 salá-
rios-mínimos em crédito, em 36 parcelas com juros de 0,3%
por mês para a compra de equipamentos de trabalho como
computadores, GPS e veículos.
O diretor-geral da Mútua-PR, o engenheiro civil Julio Cesar
Vercesi Russi (PR-110875/D), explica que o benefício auxilia
os profissionais na prática da profissão. “Oferecemos juros
abaixo do mercado para realmente ajudar os profissionais na
“Oferecemos juros abaixo do
carreira, e a simulação do crédito é feita pelo site. A Mútua
mercado para realmente ajudar os
tem escritório em todos os estados e proporciona qualidade profissionais na sua carreira”, diz o
de vida e acolhimento aos profissionais por meio de benefí- engenheiro civil Julio Cesar Vercesi
cios sociais, previdenciários e assistenciais”, reforça. Russi, da Mútua-PR

OUTUBRO/2022 21 |
Geociências como aliadas da
segurança pública
Sistema de Informação Geográfica e realidade virtual aumentada podem
ajudar no combater à criminalidade; para especialista, segurança é mais
do que comprar colete ou ter policiais em viaturas

Viaturas da Polícia Militar do Paraná: tecnologia ajuda na efetividade do trabalho

A sensação de insegurança é uma constante sabilidade tanto da União quanto dos estados.
entre brasileiros que moram tanto nos grandes Não obstante, a segurança também é função
centros quanto em regiões periféricas da maio- dos municípios, que podem atuar por meio das
ria das cidades do país. Não à toa o tema pauta guardas municipais.
noticiários e permeia o debate político entre le- O problema é que a falta de coordenação e
gisladores e especialistas em segurança pública. a alocação díspar de recursos entre os estados
De acordo com a Constituição Federal, a se- ou entre um município e outro fazem com que
gurança pública é uma prerrogativa do Estado. o país tenha localidades mais violentas que ou-
Essa responsabilidade é dividida entre as po- tras. E o problema aumenta quando o meca-
lícias federal, civil, militar, penal e rodoviária. nismo de controle do crime se dá unicamente
Perceba-se que nessa divisão há uma respon- pela violência estatal, ou seja, por meio de uma

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polícia violenta e letal.
De acordo com o Atlas da Violência, do Ins-
tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
em 2019 foram registrados 45.503 homicídios
no Brasil. Isso corresponde a uma taxa de 21,7
mortes para cada grupo de 100 mil habitantes.
É uma das mais altas do mundo. Para compa-
ração: na Argentina essa taxa foi de 5,27 para
cada 100 mil pessoas.
Para o engenheiro agrimensor José Ricardo
Negrão (BA-32965/D), é possível alterar esse
quadro, principalmente, por meio de mudanças
no espaço geográfico, com novas políticas eco-
nômicas e novas dinâmicas sociais. Isso, aliado
a bons projetos de segurança pública, pode re-
fletir diretamente no surgimento de melhores
padrões educacionais, empregatícios e de saú-
de pelos quais a sociedade vai se desenvolver
e as situações de crime vão diminuir. Contudo,
Engenheiro José Ricardo Negrão: realidade virtual
um dos principais entraves para essa mudança aumentada possibilita que policiais não precisem ir a
é a limitação de fontes que permitam ao ad- campo durante os treinamentos
ministrador desenvolver políticas de segurança
pública mais efetivas, diz Negrão. pode ser superada por meio de uma ciência de
Atualmente as pesquisas sobre segurança dados, onde profissionais como engenheiros,
pública e política criminal são baseadas, prin- cartógrafos, geógrafos e gestores da área de
cipalmente, em boletins de ocorrência e decla- segurança pública devem trabalhar juntos para
rações de óbito. Para Negrão, a gravidade do criar algorítimos para programas de ronda mais
problema é a forma como os dados são coleta- modernos e modelos estatísticos mais apura-
dos, bem como a subnotificação das ocorrên- dos que venham a antecipar soluções e ajudar
cias criminais. É neste contexto que os dados as polícias a atuar de forma efetiva. “É trazer
geoespaciais podem contribuir com as secre- a ciência do onde, a ciência da localização ou
tarias de segurança, uma vez que eles podem da geolocalização para dentro da segurança, o
ajudar a detectar onde há maior incidência de que chamamos de solução GIS (Sistema de In-
determinados crimes a fim de otimizar as ações formação Geográfica). O GIS oferece um ecos-
policiais. sistema de soluções que compõem a ciência do
onde”, complementa o engenheiro agrimensor.
COMO A CIÊNCIA DE DADOS Hoje é praticamente inviável trabalhar a se-
PODE CONTRIBUIR? gurança por meio de mapas estáticos. Para dar
A fragilidade tanto das estatísticas quanto dos uma resposta rápida e eficiente à sociedade, os
instrumentos de medida são o maior obstáculo órgãos de segurança precisam trabalhar com
à realização de políticas consistentes de segu- dados em tempo real, com o uso de drones e
rança pública. De acordo com Negrão, faltam softwares que façam a representação de ter-
também sistemas de padronização, comparabi- ritórios em 3D. Daí a importância do GIS, uma
lidade, monitoramento e pactuação federativa. vez que ele garante não só a integração e ge-
Para o engenheiro agrimensor, essa fragilidade renciamento dos dados, mas permite o mapea-

OUTUBRO/2022 23 |
mento, a visualização e a análise de dados em
outras escalas. Por meio desse sistema, as for- COMO AJUDAR A
ças de segurança também podem fazer a mode- SEGURANÇA PÚBLICA?
lagem dos espaços geográficos, tornando mais
fácil o planejamento de operações policiais.
“Não dá para pensar segurança pública na-
quele modus operandi do policial andando ao
lado do outro na rua, ou um policial na viatura
ou na compra de coletes... falo isso incessante-
mente. Não é isso segurança pública. Seguran-
ça pública é ter a tecnologia a seu favor”, com-
pleta Negrão.

ANÁLISE DE DADOS
NA SEGURANÇA PÚBLICA
É inegável a importância da ciência de dados Aplicação do GIS
no combate ao crime. Sistemas como o Crime (Sistema de Informação Geográfica)
Analysis Solution, por exemplo, fazem o ma- - Análise criminal e de inteligência
peamento de determinadas áreas, identificam - Operações táticas e de campo
padrões de crimes naqueles locais, traçam pre- - Comando e controle
visões de ocorrências criminais, indicam os es- - Gestão de emergências
paços geográficos propensos à ocorrência de - Apoio à investigação
determinados delitos, oferecem suporte para - Planejamento de eventos especiais
investigações da polícia, além de analisar dados
- Segurança de fronteira
que determinam a alocação de recursos e orça-
- Segurança no trânsito
mentos para as unidades policiais.
Ainda de acordo com Negrão, é preciso que
estados e municípios invistam em tecnologia e
modifiquem suas matrizes de análises de dados fogo ou não. Isso ajuda a polícia a detectar es-
para dar uma resposta mais rápida à socieda- paços onde pode haver atuação de grupos cri-
de, seja no atendimento das ocorrências poli- minosos, o que contribui para a identificação de
ciais, seja na redução da criminalidade. “Hoje se prioridades e os esforços que devem ser aloca-
pode usar a realidade virtual aumentada para dos nas operações policiais.
formação de policiais militares. Um policial em Entender a dinâmica de um delito, onde ele
treinamento vai usar um simulador de atendi- ocorre e com que frequência contribuem para
mento de ocorrências policiais. Ele não precisa entender como se dá a violência no país. Mais
ir a campo. Ele vai fazer isso num simulador de que isso, diz Negrão, é preciso haver uma pac-
ocorrência policial utilizando realidade virtual tuação federativa, onde União, estados e muni-
aumentada”, complementa o engenheiro agri- cípios criem esforços e trabalhem juntos para
mensor. alimentar um sistema de informações, com da-
Negrão coloca como exemplo de aplicação dos qualificados e em tempo real, que possam
do GIS o projeto da Polícia Militar do Rio de Ja- tornar as políticas públicas de segurança mais
neiro, que conta com sistema de algorítimos de eficientes, diminuindo a criminalidade e ofere-
inteligência que consegue detectar, por meio cendo uma sensação maior de segurança à so-
do ruído, se um barulho partiu de uma arma de ciedade.

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Projeto regulariza terras
de territórios de povos
tradicionais
Pró-Semiárido, da Secretaria de Desenvolvimento Rural da Bahia,
inscriveu em cadastro ambiental 240 comunidades tradicionais e
regularizou 1.247 propriedades individuais e 19 áreas coletivas; Paraná
tem 77 aldeias em 35 terras indígenas
Agência Brasil EBC

A Bahia é um dos estados brasileiros que abri- neiros, as cabras e os bodes que pertencem a
ga grande diversidade de povos e comunidades toda comunidade são soltos. Os animais seguem
tradicionais, que são populações que preservam para uma área de pastagem e, ao fim da tarde,
uma forma peculiar de viver, são culturalmente voltam sozinhos para os apriscos, ou currais.
diferenciadas e se reconhecem como tais. Um Apesar do cenário idílico, a comunidade de fun-
exemplo são as comunidades de fundos de pas- do de pasto sobrevive em completa semiaridez.
to, que se sustentam por meio da prática de ca- Desde 2013, existe na Bahia uma lei que ins-
prino e ovinocultura de forma extensiva desen- titucionaliza o contrato de concessão de direito
volvida em áreas coletivas. real de uso para a regularização fundiária das
Todos os dias pela manhã, as ovelhas, os car- áreas coletivas. A regularização das terras é um

OUTUBRO/2022 25 |
passo importante para oferecer aos povos tradi-
cionais acesso às políticas públicas para o cam-
po e, principalmente, o crédito rural.
No final de 2018, a Secretaria de Desenvol-
vimento Rural da Bahia colocou em prática,
por meio da Companhia de Desenvolvimento
e Ação Regional (CAR), dentro do projeto Pró-
-Semiárido, duas ações para promover a regula-
rização ambiental e fundiária em territórios de
povos e comunidades tradicionais. O geógrafo Geógrafo Nielsen de Almeida Souza, supervisor técnico da
regularização fundiária e ambiental da CAR, em ação de campo
Nielsen de Almeida Souza (BA-64.259), que é
supervisor técnico da regularização fundiária e
ambiental da CAR, falou sobre o projeto no ciclo dicionalmente ocupados. Ao final, cada família
de palestras LexGEO 2.0. recebe o certificado de inscrição no CEFIR-PCT,
A proposta do Pró-Semiárido é erradicar a ex- que é um documento específico do Cadastro
trema pobreza rural e proporcionar dignidade às Estadual Florestal de Imóveis Rurais (CEFIR), o
populações tradicionais do estado. Para isso, o equivalente ao Cadastro Ambiental Rural (CAR)
projeto dispõe de um financiamento de R$ 500 em outros estados”, detalha.
milhões. O recurso vem do Fundo Internacional Em relação à regularização fundiária, que é o
de Desenvolvimento Agrícola (Fida), um braço passo seguinte à regularização ambiental, o Pró-
financeiro da Organização das Nações Unidas -Semiárido atendeu 1.247 propriedades indivi-
(ONU), com contrapartida do Governo da Bahia. duais e 19 áreas coletivas desde 2021. O pro-
Além da regularização ambiental e fundiária, o jeto estará em execução até março de 2023 e
Pró-Semiárido desenvolve uma série de outras pretende ampliar a regularização fundiária das
ações que garantem a segurança alimentar e nu- comunidades tradicionais, incluindo as 68 co-
tricional das comunidades beneficiadas. munidades quilombolas que foram cadastradas
“O projeto tem vários componentes: um so- no CEFIR-PCT.
cial, um produtivo e dois nos quais eu atuo di- “É comum percebermos ações caracterizadas
retamente, que são as regularizações ambiental pela entrega de um documento que muitas ve-
e fundiária. Desde 2018 já atendemos cerca de zes o agricultor nem sabe porque está receben-
240 comunidades tradicionais, entre comunida- do e qual o objetivo daquele documento. Neste
des de fundo de pasto e quilombolas”, explica. sentido o Pró-Semiárido é diferente. Temos a
preocupação de trabalhar questões conceituais
TRADIÇÃO E CULTURA junto a esse público leigo. O primeiro passo é
Para a regularização ambiental, o Cadastro Es- esclarecer o agricultor sobre a importância do
tadual Florestal de Imóveis Rurais para Povos e Cadastro Ambiental. E depois assessoramos as
Comunidades Tradicionais (CEFIR-PCT) consi- comunidades para que elas possam conciliar as
dera uma série de fatores, desde conceitos de boas práticas ambientais com os sistemas pro-
territórios, patrimônios materiais e imateriais, dutivos tradicionais. O mesmo se aplica à Regu-
como aqueles ligados à ancestralidade, cultura larização Fundiária”, conclui.
e religião. “Fazemos um mapeamento para iden- Ao todo, 70 mil famílias de 32 municípios do
tificar as feições que são de interesse do Cadas- sertão baiano serão beneficiadas pelo projeto
tro Ambiental Rural. Desde a cobertura vegetal, Pró-Semiárido. Progresso e renda, preservando
que é a razão de existir do cadastro, ao cadastro a cultura e a tradição de povos que são parte da
das famílias que residem nesses territórios tra- identidade brasileira.

| 26
Comunidade
Quilombola Paiol
da Terra foi a
primeira a receber
título do Incra
no Paraná. Foto:
Franciele Petry/
Terra de Direitos

Comunidade de
Fundo de Pasto no
sertão da Bahia.
Foto: Projeto
Pró-Semiárido/
Companhia de
Desenvolvimento e
Ação Regional (CAR)

Conheça os povos e comunidades tradicionais do PR


O Paraná, a exemplo da Bahia, também tem po- dade de Reserva do Iguaçu, se tornou o primei-
vos e comunidades tradicionais diversos, em- ro território quilombola titulado no Paraná. O
bora a maior parte dos paranaenses só tenha título expedido pelo Instituto Nacional de Co-
conhecimento da existência dos povos indíge- lonização e Reforma Agrária (Incra) garantiu o
nas. Mas há outras comunidades tradicionais. domínio coletivo de uma área de 225 hectares
A organização Terra de Direitos, que surgiu em de terras que, em 2021, por decisão judicial, foi
2002, em Curitiba, fez um levantamento das expandido para 1,2 mil hectares, beneficiando
comunidades tradicionais no estado. cerca de 400 famílias.
Os dados estão disponíveis no site da entida- O Paraná tem 38 comunidades quilombolas
de, que atua na promoção e defesa de direitos certificadas pela Fundação Cultural Palmares.
humanos, econômicos, sociais e ambientais. E o Ministério Público do Paraná (MP) criou,
Segundo a Terra de Direitos, no Paraná exis- em 2007, o Centro de Apoio Operacional das
tem os povos indígenas das etnias Guarani, Promotorias de Justiça de Proteção às Comu-
Xetá e Kaigang, os Quilombolas, as Comuni- nidades Indígenas, que mapeou os territórios e
dades de Terreiro (religiões de matriz africana), comunidades no estado.
os Faxinalenses, os Ilhéus do Rio Paraná, os De acordo com o MP, são 77 aldeias em 35
Pescadores e Pescadoras Artesanais, as Cipo- terras indígenas distribuídas em 41 municípios.
zeiras e Cipozeiros, os Portadores de Ofícios As etnias que tradicionalmente habitam o es-
Tradicionais e os Ciganos. tado são guarani mbya, guarani nhandeva ou
Em 2019, o Quilombo Paiol de Telha, na ci- avá guarani, kaingang e xetá.

OUTUBRO/2022 27 |
Gestão do lixo
ainda desafia
o Brasil
Em vigor após 12 anos de espera,
plano de gerenciamento impõe
prazo para fim dos lixões e
metas de reciclagem

O Brasil soma mais de 214 milhões de habitantes


e cada um gera diariamente, em média, um quilo
de lixo. Por ano, o consumo nacional produz mais
de 82 milhões de toneladas de lixo, com tendên-
cia anual de crescimento. A taxa de descartes
secos que são recuperados pela reciclagem é de
pouco mais de 2%. Para orgânicos, é de 0,02%. no de gestão para o lixo e dava prazo, até 2014,
Os lixões e aterros controlados ainda são o para que os lixões fossem extintos. Nenhum dos
destino de mais de 40% dos resíduos sólidos do- prazos foi cumprido.
miciliares gerados no país. Resíduos que, aban- “Apesar da demora na aprovação, o Planares
donados a céu aberto, viram chorume que con- foi bem construído. É um documento estratégico
tamina as águas subterrâneas, gás metano que que tem por objetivo subsidiar o planejamento,
agrava o efeito estufa e atraem roedores e inse- a gestão e o gerenciamento de resíduos sólidos
tos que transmitem doenças. em todas as esferas de governo e do setor pro-
“São áreas que se transformaram em um pas- dutivo. A perspectiva é positiva, mas se será sufi-
sivo ambiental sério, ocasionando danos ao solo, ciente para resolver o problema é outra história”,
às águas superficiais e subterrâneas e ao ar”, aler- comenta o geógrafo.
ta o geógrafo e doutor em Análise Ambiental, Ri- Além do panorama do problema histórico, o
cardo Massulo Albertin (108.365/D). texto apresenta metas e soluções para o trato do
Conforme a Associação Brasileira de Empresas lixo. Mesmo assim, buscar alternativas para subs-
de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos (Abrelpe), tituir os lixões e os aterros não será tarefa fácil
existem no país mais de 3 mil lixões ativos, im- para os gestores. “Os municípios, principalmente
pondo aos gestores um desafio imenso para aca- os pequenos, não estão preparados. Faltam es-
bar com esses locais impróprios de despejo até trutura operacional, pessoal capacitado e vonta-
2024. O prazo consta no Plano Nacional de Resí- de política de alguns gestores públicos”, lamenta
duos Sólidos (Planares), publicado em abril deste Albertin.
ano com 12 anos de atraso. Preparados ou não, os municípios terão que
O plano era aguardado desde 2010, quando achar uma solução que atenda mais adequadamen-
foi instituído por lei a Política Nacional de Resí- te à sua realidade, levando em consideração aspec-
duos Sólidos, que, dentre outras, estabelecia que tos sociais, culturais, econômicos e estruturais.
os municípios apresentassem, até 2012, um pla- “Cada país, região ou município tem caracte-

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“O Planares tem por objetivo subsidiar o planejamento,
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de a gestão e o gerenciamento de resíduos sólidos em
Limpeza Pública e Resíduos Sólidos, há mais de 3 mil todas as esferas do governo e do setor produtivo”, diz o
lixões ativos no país geógrafo Ricardo Massulo Albertin

rísticas singulares que devem ser avaliadas na es- Diante do cunho ambiental e social, o geógra-
colha e adoção do sistema de gestão e gerencia- fo defende o modelo de logística reversa como
mento de resíduos. Há países, por exemplo, que o mais indicado para o problema do lixo e vê o
priorizam o aproveitamento energético dos resí- Brasil “construindo um arcabouço técnico e le-
duos por meio da incineração, outros optam pela gislativo para melhorar a execução do serviço”.
reciclagem e pela compostagem”, cita o geógrafo. Mas para alcançar o patamar desejado, o ca-
minho é longo e passa pela criação de políticas
TRATAR E RECICLAR públicas para o lixo orgânico e pela comunhão
Outra prioridade do plano é a reciclagem. O tex- de esforços entre fabricantes, comerciantes, po-
to estabelece que, até 2040, quase metade do der público e consumidores. “Precisamos tanto
lixo produzido deverá ser reaproveitado. Além do de programas de educação para segregação na
ambiental, o fator econômico pesa para o cum- fonte geradora como para solução operacional
primento da meta nos próximos 20 anos. de coleta e tratamento. Nós mesmos precisamos
Em 2019, um levantamento realizado pela mudar de hábitos. É papel do consumidor realizar
Abrelpe apontou que só os recicláveis que vão adequadamen-te a segregação e o acondiciona-
para os lixões representam perda de R$ 14 bi- mento dos resíduos em sua casa, preparando-os
lhões por ano. É um material que poderia gerar para a coleta”.
receitas e rendas para uma parcela da população. Já a tecnologia, segundo ele, pode auxiliar a
“O Brasil possui uma vertente forte na atuação gestão de resíduos de diversas formas, tais como
de catadores autônomos no processo de coleta a otimização de rota, assegurando economia fi-
de materiais potencialmente recicláveis: quase um nanceira no processo de coleta e transporte do
milhão de catadores no país”, destaca Albertim. lixo, a avaliação de áreas contaminadas por resí-

OUTUBRO/2022 29 |
Com mão de obra dos detentos da Colônia Penal Industrial de Maringá, empresa recicla e transforma plástico em polímeros

duos sólidos, o acompanhamento da geração ao


tratamento até a disposição final no setor empre-
Lixo orgânico predomina
sarial, entre outros. nas cidades brasileiras
O lixo mais comum nas cidades
INICIATIVA PRIVADA brasileiras ainda é o orgânico. Os restos
Quem também pode contribuir mais é a iniciativa de comida correspondem a 45,3% dos
privada, haja vista o abismo entre os volumes de resíduos sólidos urbanos coletados no
lixo gerados e reciclados. Para isso, é preciso mu- Brasil, o que representa pouco mais de
dar o olhar sobre o lixo e encará-lo como oportu- 37 milhões toneladas por ano.
nidade de negócio. “Nos últimos anos a iniciativa Em segundo lugar aparecem os
privada vem atuando mais na gestão de resíduos materiais recicláveis secos, cuja
em diversos municípios brasileiros, seja pelas em- participação saltou de 31,7%, em 2012,
presas de disposição final de resíduos ou por meio para 33,6% na última pesquisa do
de startups que fazem o elo entro consumidores, Panorama dos Resíduos Sólidos 2021,
cooperativas e indústrias recicladoras”. divulgado pela Abrelpe.
Há quem invista no segmento por força de ter- Isso quer dizer que são geradas, por
mos de compromisso já que, com o advento da ano, 27,7 milhões de toneladas de
logística reversa, fabricantes e comerciantes têm recicláveis, sendo 16,8% de plásticos,
responsabilidades sobre a destinação do lixo. 10,4% de papel e papelão, 2,7% de
vidros, 2,3% de metais e 1,4% de
RECICLANDO PLÁSTICO E VIDAS embalagens multicamadas.
E também há empresas que ajudam os consumi- Já os rejeitos correspondem a 14,1%
dores e as indústrias a darem um destino nobre e do total e contemplam, em especial, os
sustentável ao lixo. É o caso da MS Plásticos, de materiais sanitários, não recicláveis. Em
reciclagem de plástico cujas atividades tiveram relação às demais frações, a pesquisa mostra
início em janeiro deste ano. que os resíduos têxteis, couros e borrachas
A transformação do lixo é feita em dois barra- detêm 5,6% e outros resíduos, 1,4%.
cões que totalizam 500 metros quadrados e estão

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“Na gestão de lixo ainda precisamos melhorar muito”
Desde 1979 o Brasil condena o descarte em
lixões e a partir daí a legislação mudou muito.
Uma alteração importante diz respeito ao ca-
ráter orientativo em vez do punitivo. Este é o
caminho? É sobre isso que conversamos com
o geógrafo Jorge Luís Oliveira Campelo (BA-
-3282/D), que é presidente da Aprogeo.
“A Lei 12.305/2010 alterou a Lei 9.605/1998,
que tinha caráter punitivo. Tínhamos uma lei
que punia e caracterizava crimes ‘ambientais’,
mas não tinha uma lei que orientasse o cidadão
e regulasse a questão. O conteúdo deixava claro
que tínhamos um problema de grande e grave Jorge Luís Oliveira Campelo, presidente da Aprogeo
proporção e impacto e, de alguma forma, era
necessário tentar ‘brecá-lo’. E alguém deve ter tilhada, afinal vivemos num sistema complexo,
percebido que punir não era a solução”. social e integrado, não poderia ser diferente.

Podemos dizer que a Lei 12.305/2010 é as- Qual é o maior desafio no momento para fazer
sertiva? a gestão do lixo?
Ela vem com o intuito de perceber que sim, exis- O desafio é entender qual é o contexto em que
te um problema, que é consequência do cresci- se está inserido e a partir deste entendimento
mento econômico e de seu modelo de produ- propor soluções que sejam efetivas para as di-
ção. E já se apresenta como algo que entende ferentes realidades dos municípios brasileiros. O
que o problema é coletivo, cíclico, constante, Brasil está caminhando, mas infelizmente não foi
‘caro’ e todos devem estar envolvidos no pro- traçada uma estratégia efetiva e ainda precisa-
cesso. Fica explícita a responsabilidade compar- mos melhorar muito.

instalados nas dependências da Colônia Penal In- ros, que são pequenas bolhas de plástico que
dustrial de Maringá (CPIM). Isso porque a mão de servem de matéria-prima, na maior parte, para
obra vem dos detentos da unidade prisional. empresas que fabricam embalagens, sacos de
Dez detentos trabalham no processo de reci- lixo, mangueiras, baldes, vasilhames, entre ou-
clagem e pelo trabalho recebem um salário-mí- tros. Como esses polímeros são produzidos a
nimo, cujo valor pode ser enviado para a família partir da reciclagem, não podem ser usados em
ou depositado em uma poupança até a soltura. linhas alimentícias.
Outro benefício é a remição da pena: para cada Além disso, as instalações dos barracões
três dias trabalhados, um dia é remido. operam de forma sustentável. Toda a água usa-
Na primeira etapa, os detentos separam, da na moagem e lavagem é reaproveitada da
fazem a moagem, a lavagem e a secagem dos chuva: são captados 70 mil litros, mas a previ-
plásticos recolhidos, em sua maioria, de frigo- são é aumentar para 100 mil litros, já que a es-
ríficos parceiros. A etapa seguinte consiste na trutura física também será ampliada: mais dois
extrusão, que é quando o material é derretido. barracões serão construídos, totalizando 1,3
Depois é picotado e transformado em políme- mil metros quadrados.

OUTUBRO/2022 31 |
A necessária atualização do
currículo acadêmico de Geografia
Diretrizes atuais podem impactar de forma negativa a formação
profissional, especialmente dos bacharéis
Marcello Camargo/Agência Brasil

Instrumentos obrigatórios para a Educação terações, só no Paraná há 83 graduações em


Básica, as Diretrizes Curriculares Nacionais Geografia, sendo que 16 formam bacharéis e
(DCNs) são estabelecidas pelo Conselho Na- outras 67 são licenciatura. No Brasil, são 555
cional de Educação (CNE) para orientar o pla- cursos de Geografia, entre 99 bacharelados e
nejamento curricular das instituições de en- 456 licenciaturas. As informações são do Mi-
sino. Desde 2002 a DCN referente ao curso nistério da Educação (MEC), extraídas via por-
superior em Geografia é considerada defasada tal e-MEC, em outubro de 2022.
por entidades de classe, profissionais e siste- Uma das principais críticas ao modelo atual, e
mas de ensino, e por isso grupos vêm propondo manifestada por profissionais de diversas fren-
atualizações para o documento. tes, é que pouco se diferenciam as diretrizes
Para se ter ideia do número de estudantes e de ensino para formar os estudantes. Quando
de profissionais da área que são diretamente saem da graduação, os formados podem atuar
afetados pela diretriz e por suas possíveis al- em três áreas: pesquisa, ensino e técnica. Ou

| 32
seja, mesmo havendo três campos de trabalho há 20 anos, os profissionais não tinham acesso
no mercado, a diretriz de formação é a mesma a mapeamentos automáticos e análises de da-
para todos. dos em tempo real. “O movimento das nuvens
Segundo o presidente da Associação dos e tempestades se deslocando em determinada
Profissionais Geógrafos no Estado do Paraná região hoje é possível. Como isso faz parte de
(Aprogeo-PR), Jorge Campelo (BA-3282/D), a ferramentas conceituais que os estudantes de-
DCN para o curso de Geografia deve ser atuali- vem aprender durante o curso, a diretriz preci-
zada para uma formação alinhada às demandas sa acompanhar esses avanços”, frisa.
atuais. “Há uma história longa de pedidos e de Uma das consequências da defasagem da
mobilizações, porque a Geografia compreende DCN é a necessidade de atualização extra-
três áreas de atuação, que são o professor e o curricular. Campelo enfatiza, no entanto, que
pesquisador, que normalmente atuam em sala cursos de aperfeiçoamentos devem ser reali-
de aula, e o bacharel, que atua de forma técni- zados ao longo da carreira, independentemen-
ca. De modo geral, as diretrizes precisam sofrer te da qualidade da formação na graduação,
modificações, mas se considerarmos o bacha- mas atualmente conhecimentos que poderiam
rel, que é o geógrafo, há diversos pontos de acompanhar o formado desde o final do curso
melhoria. Inclusive há uma parcela de críticos precisam ser buscados em função da desatua-
que entende que deveria haver três DCNs, uma lização do documento.
para cada área de atuação, e não apenas uma, “Pensando no conteúdo que o egresso preci-
como é hoje”, observa Campelo. sa ter para acompanhar o mercado, a DCN pre-
O geógrafo destaca que em função da celeri- cisa ser equiparada ao momento histórico em
dade dos processos de ensino e aprendizagem que se vive. Uma defasagem de dez anos, que
de metodologias, bem como das mudanças pe- é o tempo entre o censo demográfico e outro,
las quais o mercado vem passando, a revisão já seria uma lacuna temporal grande”, comenta.
da DCN do curso é urgente. “O documento não
traz como deve ser feito, mas o que deve ser MOBILIZAÇÕES
feito. Como não condiciona o modo como deve As tentativas junto ao MEC para a atualização
ser feito, mostrando como determinado assun- da DCN na área vêm, de acordo com Campelo,
to deve ser abordado em sala de aula, acaba por desde 2014. Ele lembra um movimento envol-
se tornar atemporal. Mas não é o que temos vendo o Crea e o Confea para que a diretriz
visto. O processo de ensino tem sido acelerado contivesse orientações da Lei do Geógrafo. O
com as mudanças causadas pelo impacto tec- Crea propôs um texto para a DCN, encami-
nológico, e o mercado vem atuando de forma nhado ao MEC em 2014. Mas só em 2019 o
diferente de como era há 20 anos”, comenta. MEC retomou a discussão. “Vale ressaltar que
o tema não é pacífico entre todos os interessa-
ATUALIZAÇÕES dos em atualizações. Por exemplo, a academia
Para o público que possui pouco conhecimento entende que alguns professores têm a visão de
a respeito da área de Geografia, Campelo diz que a diretriz não pode ter no escopo nenhu-
que a ideia a respeito da atuação do profissio- ma orientação e nenhuma inspiração de ordem
nal passa quase limitada à elaboração de mapas técnica profissional. Por isso, existe um conflito
ou levantamento de dados demográficos como com relação ao que deve, ao que pode e ao que
o que ocorre em 2022, para atualizar o censo vai haver de mudanças”, pondera o geógrafo.
populacional. Mas, inclusive, para esse tipo de Campelo diz que o MEC abriu edital em 20
trabalho, a DCN precisaria ser atualizada. de novembro de 2019, com prazo para o en-
Em outro exemplo, o geógrafo explica que, vio de sugestões até 22 de dezembro, período

OUTUBRO/2022 33 |
considerado insuficiente para as colaborações GRADUAÇÕES
de todos os interessados, na visão de institui- EM GEOGRAFIA
ções como a Aprogeo-PR. “Não houve uma
boa estratégia, mas a Aprogeo se mobilizou.
Primeiro, analisamos o que o MEC entregou PARANÁ
como proposição nesse edital. A proposta foi CURSOS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO
reescrita por consultores e apresentada para
Privada com fins lucrativos 35
nós no fim daquele ano. Todas as universidades
também receberam. No fim, conseguimos apre- Privada sem fins lucrativos 22
sentar sugestões, mas o MEC não retornava Pública estadual 18
com feedback. Ainda sem retorno de sugestões Pública federal 5
anteriores, em abril de 2020 foi aberto novo Pública municipal 3
edital pedindo contribuições”, conta Campelo.
Total 83
“Chegamos ao quarto edital. Agora, em 2022,
tivemos uma audiência pública, com pressão de TIPO
várias áreas e nos posicionamos contra”, acres- Bacharelado 16
centa o geógrafo.
Licenciatura 67
Na visão do presidente da Aprogeo-PR, a ex-
pectativa em relação à proposta foi frustrada por BRASIL
identificação em falhas no processo, tais como CURSOS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO
a falta de escuta das academias e do meio pro-
Especial 10
fissional. “Não foi dada voz e vez aos principais
Privada com fins lucrativos 95
envolvidos. Todos se negaram a acatar”, acentua.
Privada sem fins lucrativos 119
EXPECTATIVAS Pública estadual 161
Segundo Campelo, os profissionais ligados Pública federal 159
à Geografia esperam que todas as bases se-
Pública municipal 11
jam escutadas antes de uma nova redação da
DCN. Outros aspectos que a categoria requer Total 555
envolvem considerar propostas para resolver TIPO
problemas de formação, problemas para com- Bacharelado 99
pletar turmas, que por vezes ficam com vagas
Licenciatura 456
sobrando, e questões de evasão. Alguns grupos
Fonte: Portal e-MEC (dados extraídos em outubro de 2022)
sugeriram, também, a criação de um segmento
propriamente técnico. A DCN de Geografia válida
“É preciso entender que a Geografia tem par- pode ser acessada em:
ticularidades em cada área de atuação. Ter di- portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
retrizes claras facilitaria aos coordenadores de CES142002.pdf.
curso montar as grades curriculares. Um texto
para atender a gregos e troianos torna a forma-
ção complicada. Por exemplo, podem atrapa-
lhar o profissional que parte para a área técnica
dentro do Crea, porque para executar determi-
nada atividade é preciso comprovar competên-
cias”, finaliza.

| 34
Cidades inteligentes,
sustentáveis e humanas
Desafio é equilibrar gestão de recursos naturais e populacionais com
o uso da tecnologia; norma da ABNT, a partir de norma internacional,
estabelece indicadores para medir o progresso para uma smart city

Tóquio é a cidade mais inteligente do mundo, segundo o IESE Cities in Motion, do Centro de Globalización y Estrategia del
IESE; Londres e Nova York aparecem na sequência

O que é melhor: ter acesso a todos os serviços diferentes atividades. Já para quem, no passado,
básicos, trabalho e lazer a uma distância de 15 precisou desviar de sacos amontoados de lixos e
minutos, a pé ou de bicicleta do lugar onde se até fezes nas ruas de Los Angeles, nos Estados
mora, ou receber incentivo financeiro, seja por Unidos, é o incentivo à zeladoria urbana.
meio da dedução de impostos ou pagamento O fato é que, em mundo globalizado, a pauta
em dinheiro para manter as ruas do bairro lim- local continua entre as prioridades dos cidadãos.
pas? Quem encara diariamente horas de conges- E por isso, a ideia de cidades inteligentes, as smart
tionamento em Paris, na França, possivelmente cities, não está atrelada a uma imagem futurista,
dirá que é a hiperproximidade entre moradia e de metrópoles com portas que se abrem sozinhas

OUTUBRO/2022 35 |
a carros voadores, mas à reinvenção dos espaços
públicos a fim de elevar a qualidade de vida da-
queles que ali residem a exemplo das iniciativas
da capital francesa e da cidade norte-americana.
“Para uma linha de pensamento europeu, a
inteligência está atrelada a modernizar cidades
antigas preservando o patrimônio histórico. O
modelo norte-americano prioriza a expansão e a
abundância de tecnologias. Entre as cidades asiá-
ticas, inteligentes são aquelas que conseguem
organizar o espaço e a ocupação territorial”, cita
o geógrafo Júlio Giovanni da Paz Ribeiro (MG-
112892), que é CEO da Hubse.
Ou seja, trata-se de um conceito em constru-
ção e atrelado ao contexto de cada cenário ur-
bano. Independente de dimensões territoriais ou
densidades demográficas, cidades inteligentes
são aquelas que encontram maneiras de gerir re-
cursos naturais e populacionais. Isso ocorre, prin-
cipalmente, a partir do emprego de tecnologias,
mas não só. Boas práticas, eficiência na gestão “É preciso trazer ações mais plurais, criar governanças para
e respeito às questões ambientais e sociais tam- pensar o futuro, envolvendo vários atores da sociedade”,
bém abrem caminho para o desenvolvimento in- diz Júlio Giovanni da Paz Ribeiro
teligente e sustentável.
so evolutivo por meio da classificação em quatro
QUANDO SURGIU O TERMO? níveis para cada norma: Bronze, Prata, Ouro e
O termo cidade inteligente ‘surgiu’ na década de Platina, a depender da quantidade de indicado-
1990, sob influência da indústria tecnológica, res certificados. As cidades ainda podem solicitar
como sinônimo de cidade conectada, cidade resi- a avaliação de indicadores adicionais para elevar
liente, cidade sustentável, cidades urbanas, entre o nível da certificação. “As normas estabelecem
outros. “Esses termos continuam plurais, entre- graus de inteligência, embora, na minha opinião,
tanto, cidade inteligente ganhou força ao longo todas as cidades sejam inteligentes à sua manei-
dos anos por contemplar um conjunto de adjeti- ra. O que se discute são formas de modernizar a
vos”, explica Ribeiro. gestão para atingir melhores resultados e impac-
Recentemente, a criação de três normas in- tar positivamente as pessoas”, diz.
ternacionais de certificação, com parâmetros Ribeiro vê uma maior credibilidade da certifica-
alinhados à visão da Organização das Nações ção frente aos rankings divulgados mundo afora.
Unidas (ONU), ratificou o protagonismo. A ISO Segundo ele, os critérios da ABNT são bem defi-
37120 refere-se à qualidade de vida e susten- nidos e consistentes, enquanto os dos rankings
tabilidade, enquanto a ISO 37122 aborda a tec- variam de acordo com quem organiza a lista e os
nologia e outros indicadores para cidades inte- interesses envolvidos.
ligentes. Já a ISO 37123 trata da capacidade de No mundo, são apenas 80 cidades certificadas,
prevenção e ação diante de desastres naturais e entre elas São José dos Campos, única represen-
à economia da cidade, chamado de resiliência. tante do Brasil. Já nos rankings figuram várias ci-
A certificação da ABNT considera um proces- dades brasileiras, inclusive no Top 10.

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PLANEJAMENTO
Independente de rankings e certificados, Ri-
beiro defende que, alcançar a desejada inteli-
NBR ISO 37122:
gência, exige persistência e continuidade nas normas e
políticas públicas. “É preciso trazer ações mais
plurais, criar governanças para pensar o futu- indicadores
ro, envolvendo vários atores da sociedade. É
preciso planejar, de forma colaborativa, os ob- Publicada em 2020, a norma NBR ISO
jetivos da cidade. Infelizmente, no Brasil essas 37122 traduz e adapta para a realidade bra-
articulações são raras.” sileira a norma internacional que estabelece
Um dos principais erros, segundo ele, é a definições e metodologias para um conjunto
insistência em resolver problemas recorrentes de indicadores para medir o progresso em
como soluções pontuais. “Enchentes, desliza- direção a uma cidade inteligente. A norma
mentos, congestionamentos, criminalidade, de- considera a sustentabilidade como o prin-
semprego, entre outros, são influenciados por cípio geral, e a cidade inteligente como um
fenômenos cíclicos, logo a solução definitiva conceito orientador no desenvolvimento
requer planejamento e políticas continuadas. das cidades.
Nada impede, entretanto, que essas políticas O texto define cidade inteligente “como
sejam aprimoradas ou modificadas com as al- aquela que aumenta o ritmo em que pro-
ternâncias de governo.” porciona resultados de sustentabilidade
Entre os exemplos a serem seguidos, Ribeiro social, econômica e ambiental e que res-
cita Belo Horizonte/MG, Curitiba/PR e Cam- ponde a desafios como mudanças climá-
pinas/SP, conhecidas pelo histórico de gestão, ticas, rápido crescimento populacional e
inovação e sustentabilidade. Ele ressalta, porém, instabilidades de ordem política e econô-
que cada cidade deve se atentar às particulari- mica, melhorando fundamentalmente a for-
dades, potencialidade e demandas. “O que dá ma como engaja a sociedade, aplica méto-
certo para uma não necessariamente se encaixa dos de liderança colaborativa, trabalha por
para outra cidade.” meio de disciplinas e sistemas municipais,
e usa informações de dados e tecnologias
TECNOLOGIA ALIADA modernas, para fornecer melhores serviços
Não há fórmula para alcançar níveis interna- e qualidade de vida para os que nela habi-
cionais de desenvolvimento econômico e so- tam (residentes, empresas, visitantes), ago-
cial, mas o CEO da Hubse acredita que uma ra e no futuro previsível, sem desvantagens
experiência imersiva no metaverso pode ace- injustas ou degradação do meio ambiente
lerar o processo pela busca de uma cidade in- natural”.
teligente, sustentável e humana. “Projetos de A lista de indicadores contempla 19 eixos:
cidades metaversas talvez sejam um dos as- economia, educação, energia, meio ambien-
pectos mais vanguardistas e inovadores para te e mudanças climáticas, finanças, gover-
o planejamento urbano porque permitem re- nança, saúde, habitação, população e condi-
plicar todas as características do mundo físico ções sociais, recreação, segurança, resíduos
no virtual.” sólidos, esporte e cultura, telecomunicação,
Dessa forma, segundo ele, é possível simular transporte, agricultura local/urbana e segu-
intervenções e testar soluções de forma asserti- rança alimentar, planejamento urbano, es-
va e ágil. “Os municípios que perceberam o valor gotos e água.
desta tecnologia sairão na frente.”

OUTUBRO/2022 37 |
Geógrafos integram equipe de RIVs
Estudo realizado por profissionais, e aberto à participação popular, avalia
impactos ambientais e urbanísticos de projetos residenciais, comerciais e
industriais para mitigar efeitos negativos em benefício da vizinhança

Exigido pelo Estatuto da Cidade (Legislação Fe-


deral) para municípios com mais de 20 mil habi-
tantes, o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)
ou Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV),
como é denominado em Maringá, consiste em
um conjunto de normas que regulam o uso da
propriedade urbana em prol do bem coletivo e
do equilíbrio ambiental. Sob responsabilidade
das prefeituras, o trabalho é realizado por equipe
multidisciplinar composta por geógrafos, enge-
nheiros e arquitetos.
De acordo com a geógrafa Marcia Arantes
(31.331/D), que soma mais de 20 anos de expe-
riência em RIVs em Maringá e região, a participa-
ção de geógrafos na equipe é fundamental, tanto
que frequentemente é este profissional quem as-
sume a coordenação do grupo de estudo. “Por ter
formação abrangente, o geógrafo consegue com-
pilar e avaliar os dados que os demais especia-
listas apresentam, seja em projetos residenciais, Marcia Arantes, geógrafa: “a partir do estudo, identifica-
comerciais e industriais”, destaca. mos se a implantação do novo empreendimento em deter-
De forma simplificada, Marcia explica que todo minada localidade e com o porte sugerido causará impac-
relatório parte de três fatores: tipo de empreen- tos ambientais e urbanísticos”
dimento, porte e localização. Esse crivo, segundo
ela, objetiva direcionar o estudo principalmente fraestrutura urbana necessária ao atendimento,
para edificações de médio e grandes portes, por- como escolas, unidades de saúde e transporte
que são as que têm potencial de impacto urbano coletivo”, exemplifica.
e ambiental, a exemplo dos empreendimentos O objetivo é evitar que o empreendimento re-
imobiliários, supermercados, instituições de ensi- sulte em transtornos para a vizinhança e caso seja
no, transportadoras e postos de combustível. identificado esse risco, os profissionais apresen-
“Se for um edifício residencial, levantamos in- tam soluções ou, se for o caso, sugerem altera-
formações sobre o número de unidades habita- ções. “É comum acontecer de a via de acesso ao
cionais e a estimativa de moradores por unida- empreendimento apresentar trânsito intenso e,
de, bem como a densidade populacional prevista nessa circunstância, avaliamos a possibilidade de
para a região. Com esses dados, podemos verifi- mudança dos acessos, por exemplo, para uma via
car os impactos relacionados ao trânsito e à in- transversal. Já tivemos o caso de um empreen-

| 38
dedor adquirir o terreno lindeiro para realizar a de obras e de planejamento urbano e meio am-
entrada e saída de caminhões, viabilizando a obra biente. “É nesta fase que ocorre a solicitação de
naquele local”, conta Marcia. adequações do projeto e do próprio estudo, com
Mais do que mitigar impactos negativos, a a inclusão de novos olhares, e cada município
proposta do RIV é promover benefícios para o pode apresentar especificidades conforme o seu
desenvolvimento urbano, afinal é por meio dele Plano Diretor e a emissão de Termos de Referên-
que também se observa a necessidade de me- cia”, explica.
lhorias nos bairros. “A partir do estudo, iden- Esse processo de análise do RIV também
tificamos se a implantação do novo empreen- pode ser apresentado em audiências públicas
dimento em determinada localidade e com o para que a população possa conhecer os im-
porte sugerido causará impactos ambientais e pactos positivos e negativos do projeto e par-
urbanísticos e quais as medidas mitigadoras e ticipar do desenvolvimento urbano. Por esse
compensatórias serão necessárias para garantir motivo, e dependendo da complexidade do
e/ou melhorar a qualidade de vida da população projeto, o relatório pode levar dez meses ou
residente”, ressalta. mais para ser finalizado e publicado no site da
prefeitura. “Já trabalhei em estudos no Rio de
ETAPAS Janeiro, e lá as audiências costumam contar
O levantamento de dados e a estruturação do com mais de 80 pessoas da vizinhança. No Pa-
relatório, segundo a geógrafa, demanda cerca de raná a participação é menor, mas a tendência é
60 dias. Após essa etapa, o RIV é protocolado na aumentar, porque as pessoas vão conhecendo
Secretaria de Urbanismo e Habitação do muni- e se apropriando desse direito. Vale destacar
cípio e será analisado por uma comissão, o que também que a digitalização tem acelerado as
envolve várias secretarias, como de mobilidade, etapas”, enfatiza.

Critério de avaliação por porte de obra é


definido pelo município
Em Maringá, o Decreto 1560/2014 rege as normas do Estudo de Impacto de Vizinhança
(EIV) ou Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV), como é denominado no município. A re-
solução também torna o RIV um dos documentos exigidos para obter a liberação de alvará
de construção e define as obrigações do poder público municipal em regulamentar as obras
e atividades que necessitam da avaliação do impacto ambiental e de vizinhança, conforme as
diretrizes do Estatuto da Cidade - Lei Federal 10.257/2001.
Na classificação, feita de acordo com as especificidades do município, somente os em-
preendimentos considerados de alto impacto precisam passar por critérios detalhados do
RIV, como as construções residenciais com 100 unidades ou mais, e as obras comerciais e
industriais com 5 mil metros quadrados ou mais. Já os projetos de menor proporção são con-
siderados de médio e baixo impactos e, por isso, basta preencher um formulário e protocolar
na prefeitura, sem necessidade da etapa de análise de impacto.

OUTUBRO/2022 39 |
Brasil precisa ampliar o
entendimento sobre inovação
Empresas e profissionais limitam o conceito de inovação às soluções de base
tecnológica, correndo o risco de perderem oportunidades; a legislação também
precisa ser aperfeiçoada para abarcar novos conceitos, como a inovação aberta,
principalmente para garantir a participação do setor público

Na pandemia, o serviço de entrega de refeições


em domicílio explodiu. No Brasil, o aplicativo
Ifood, uma startup nacional, se viu enredado num
dilema: quanto mais crescia a base de clientes e
de pedidos, mais aumentava o uso de embala-
gens plásticas.
Era preciso investir numa solução ambiental-
mente sustentável. Mas o negócio do Ifood é en-
tregar mercadorias de modo ágil e não pesquisar
e desenvolver tecnologias. É aí que entra a ino-
vação aberta: quando uma empresa consolidada
no mercado se abre a parcerias com organizações
externas na busca de soluções inovadoras.
Foi o que o Ifood fez. A startup apoia a Xpri-
ze numa competição para a criação de uma em-
balagem sustentável, que possa ser produzida em
grande escala e segura para o consumo humano.
O prêmio para o primeiro colocado é de US$ 6 mi.
Ao todo serão US$ 10 mi em premiações. “O Ifood
terá a solução para o seu problema de embalagens
e será sócio de um produto que, provavelmente,
valerá bilhões de dólares”, comenta o geógrafo
Jorge Luis Oliveira Campelo (BA 32820/D), presi- Jorge Luis Oliveira Campelo, presidente da Aprogeo/PR:
dente da Associação dos Profissionais Geógrafos “Como um investidor aportaria recursos financeiros numa
do Estado do Paraná (Aprogeo). ideia, em algo que não tem nem CNPJ? O marco legal trou-
xe segurança jurídica”
O setor público poderia se beneficiar da inova-
ção aberta. Mas faltam as condições jurídicas que
garantam a um ente público ser sócio ou dono de formação - e os desenvolvedores correm em bus-
uma patente de produto ou serviço inovador. O ca da solução.
que muitas prefeituras fazem é incentivar a rea- Na mesma linha existem os editais de inovação.
lização de hackathons, que são maratonas para Para a startup que tem a ideia ou solução, a par-
o desenvolvimento de soluções tecnológicas. O ceria com o poder público é interessante porque
município apresenta um problema, ou dor - na o município, com seus milhares ou milhões de
linguagem do ecossistema de Tecnologia da In- usuários de serviços públicos, oferece a chance

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de validar a tecnologia, geralmente um aplicativo ra... não há, obrigatoriamente, relação com tec-
para rodar em diferentes dispositivos eletrônicos. nologia ”, explica Campelo.
Mas para o órgão público a opção mais provável Isso significa que você, geógrafo, engenheiro,
é contratar a tecnologia disponível no mercado. agrônomo ou cidadão comum, mesmo que não
tenha conhecimentos de computação ou desen-
LEI DAS STARTUPS volvimento de softwares, pode inovar a qualquer
Enquanto a legislação não avança em relação ao momento, bastando que explore a criatividade e
setor público, na iniciativa privada há uma revo- esteja atento às necessidades e demandas.
lução em curso graças à Lei Complementar 182 E nada impede que uma inovação desassocia-
de 2021, a Lei das Startups ou Marco Legal das da de tecnologia da informação possa um dia ser
Startups e do Empreendedorismo Inovador. Para convertida em um produto ou serviço tecnológi-
os mais jovens ou aqueles que não conhecem a co. Foi o que aconteceu com o Uber. O aplicati-
evolução dessas empresas de base tecnológica, vo de viagens surgiu de uma solução quase ana-
vale aqui um breve resgate histórico. lógica. “O Uber, uma das maiores empresas do
As startups existem há um bom tempo: mundo, nasceu, como toda startup, de uma ‘dor’.
eram as ‘empresas de garagem’ das décadas A dor dos seus próprios criadores, que era pedir
de 1970 e 1980. Jovens talentosos daquela um carro por celular diretamente ao motorista.
época transformavam a garagem da casa dos Na época o SMS era a tecnologia de mensagens
pais em laboratórios de ideias, e foi assim que mais conhecida. Os criadores do Uber consegui-
surgiram gigantes da tecnologia como a Apple ram provar que fazia sentido, e se tornaram uma
e a Microsoft. empresa mundial de bilhões de dólares. Porém a
Mas toda ideia precisa de investimento. E os ideia surgiu de uma necessidade não tecnológica
investidores de startups são os donos do di- e simples. Se o Uber tivesse sido criado no Brasil,
nheiro que acreditam que aquela ideia será um sua referência seriam os serviços de ‘teletaxi’ ou
dia um negócio de alto impacto, que poderá ‘radiotaxi’, em que o cliente contratava uma corri-
atingir um grande mercado consumidor, com da por telefone”, exemplifica Campelo.
alta taxa de retorno, sem necessidade de que O serviço, simples, mas caro, funcionava da se-
para isso a empresa precise crescer em tama- guinte forma: o cliente ligava para uma central de
nho. “Como um investidor aportaria recursos táxis e a central buscava um carro disponível para
financeiros numa ideia, em algo que não tem atender aquela chamada. Hoje os carros por apli-
nem CNPJ? O marco legal trouxe segurança cativo conseguiram reduzir o preço e atender de
jurídica para estes investidores. Antes o em- forma personalizada qualquer cliente que tenha
preendedorismo inovador estava, digamos, à um smartphone conectado à internet. “E nem
margem do business brasileiro”, explica o pre- precisa de dinheiro ou cartão à mão para usar o
sidente da Aprogeo/PR. serviço”, lembra Campelo.
Em alguns momentos a fronteira entre analó-
INOVAÇÃO gico e tecnológico pode ser tênue, o que deve-
Mas ainda falta uma mudança cultural nas corpo- rá exigir até adaptações na Lei das Startups. Um
rações. No Brasil, empresas e profissionais têm exemplo dessa situação é qualquer startup de jo-
a tendência de associar a inovação à tecnologia gos eletrônicos que se baseie em jogos de tabu-
e, dessa forma, perdem oportunidades de inovar. leiros para desenvolver seus produtos. Jogos de
“Inovação é fazer algo diferente para melhorar tabuleiros são, ora essa, jogos analógicos.
processo, serviço ou produto. E desde que essa A inovação é o caminho que nos levará a um
mudança gere impacto positivo, aumentando a mundo mais próspero e os ajustes serão sempre
produtividade, reduzindo o tempo, e por aí afo- necessários.

OUTUBRO/2022 41 |
CINCO EXEMPLOS DE INOVAÇÕES SIMPLES,
MAS ÚTEIS AO LONGO DA HISTÓRIA

A RODA
foi uma inovação que revolucionou O PREGO
o transporte e é a base de muitas
trata-se de uma invenção milenar que
máquinas
facilitou a construção de casas e ampliou o
acesso da humanidade a um abrigo

A TÁBUA DE PASSAR ROUPA


a afro-americana Sarah Boone
desenvolveu a tábua em 1892, facilitando
a vida doméstica

O ESCORREDOR DE ARROZ
O BOTE SALVA-VIDAS a cirurgiã-dentista Therezinha Beatriz
a americana Maria Beasley inovou Alves de Andrade, de Batatais/SP,
aperfeiçoando o bote salva-vidas, que se inventou e patenteou o escorredor de
tornou compacto, à prova de fogo e capaz arroz, uma espécie de peneira acoplada a
de navegar por longas distâncias uma bacia, na década de 1950

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AS ENGENHARIAS, AGRONOMIA
E GEOCIÊNCIAS FALAM,
A SOCIEDADE ESCUTA,
E UM FUTURO
MELHOR ACONTECE.
A Agenda Parlamentar do CREA-PR traz uma
série de cadernos técnicos que descrevem a visão
e orientação das engenharias, agronomia e
geociências em 4 eixos essenciais para o
desenvolvimento da sociedade. Apresentada a
prefeitos e candidatos de 40 municípios, a Agenda
Parlamentar é um guia valioso para orientar nossos
gestores públicos e ajudar a construir um futuro
melhor para todos os paranaenses.

APONTE A CÂMERA E ACESSE


A AGENDA PARLAMENTAR:

OUTUBRO/2022 43 |
O CREA-PR
TEM OS OLHOS
Assista nossa
websérie no

VOLTADOS
YouTube.
A fiscalização do CREA-PR são os

AO PARANÁ.
olhos do nosso estado. Ela garante a
valorização dos profissionais habilita-
dos, o respeito às normas e a segu-
rança de toda a sociedade. Assista a
websérie OLHOS DO PARANÁ e veja
como isso acontece, todos os dias.

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