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Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva PETIT, Michéle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva, 2. ed. Tradugao de Celina Olga de Souza. mesenssatercinnaio ce Sao Paulo: Ed. 34, 2009. cosrsanasore ae SELING Gepost open en Michele Petit é antropéloga c tem obras traduzidas em varios Seomsace”” paises da Europa ¢ da América Latina. Os jovens ¢ a leitura: uma. ascnatevies te nova perspectiva foi a primeira langada no Brasil (2008) ¢ reccbcu Sessa se opens de © Sclo “Altamente Recomendavel” da Fundagdo Nacional do Livro Fans icc causa Infantil ¢ Juvenil (FNLIJ). Além dessa obra, a Editora 34 também = "°"**Se"sie=r publicon A arte de ler: ou como resistir@ adversidade (2008) ¢ Leituras: {1 Yate wate ore do do espace intimo ao espaco piblico (2013). A edigao brasileira de 0s jovens ¢ a leitura: uma nova perspectiva estabelece 0 convite a leitura desde a capa, cm tom azul forte, com uma xilogravura de Moisés Edgar, do Grupo Xiloceasa (SP). A ‘orclha’ do Tivro, escrita ‘por Marisa Lajolo, ¢ igualmente convidativa, pois ressalta o fato de que aleitura integra a pauta de diferentes agendas brasilciras, 0 que torna o livro mais que oportuno no pais, ¢ por esse motivo, certa- monte, interessaré aqucles'...] fascinados pela alquimia que, atra- vés das palavras impressas, aproxima as pessoas umas das outras, descortinando novas paisagens do universo que compartilhamos.” © sumirio da obra, além do preficio escrito por Petit es- pecialmente para a edicao brasileira, apresenta quatro segées: “As duas vertontes da leitura", *O que ost em jogo na leitura hoje", *O medo do livro" ¢ *O papel do mediador”. No preficio, a autora declara que, antes de vir ao Brasil pola primeira vez, desde que participou, em Paris, no ano 2005, das comemoragécs do “ano do Brasil na Franga", comecou nutrir a esperanga de conhecer o pais Na ocasidio das comemoragées, assistiu a concertos ¢ exposigées, descobriu telas do pernambucano Cicero Dias, leu lendas contadas por Clarice Lispector, seguiu relatos de J. Borges c J. Migucl, através de suas xilogravuras, de modo que essas (¢ outras) experiéncias alimentaram o desejo de estar em terras brasileiras. Também no prefiicio, Petit, a fim de contextualizar o desen- volvimento das pesquisas apresentadas, analisa 0 proceso da (evista entveidelas, Salvador, v 4, 2, 152-157 jul/osz 2015 democratizagao do cnsino na Franca ¢ suas armadifhas. Para a antropéloga, a insergao de jovens oriundos de camadas populares c marginalizadas nos segmentos secundario ¢ universitario sempre fora conduzida a paso forcado, sem a oferta de meios pedagogicos que de fato os acolhessem. A observagao de suas formas de viver c estudar permitiu constatar que cles nao tinham acesso a cultura escrita, faziam anotacdcs malicitas ¢ ilegiveis, apresentavam desco- nihecimento total das bibliografias, nao pesquisavam em bibliotecas. Esse bloqueio extremamente prejudicial dos jovens em relagao a leitura s6 foi ultrapassado “gragas a mediagées sutis, calorosas ¢ diserctas a0 longo de scu percurso” (p. 11). A biblioteca, nese cenirio, figurou tanto como um espago de formas de sociabilida. dc, que os protegia das ruas, quanto um local proficuo para que estabelecessem uma relagao mais auténoma com a cultura escrita ¢ mais singular com a leitura. Na primeira seco, “As duas vertentes da leitura”, Petit toma Aepoimentos de pessoas de diferentes nivcis sociais, nos meios turais franceses, c apresenta duas concepgdes de Icitura de onde deriva cada vertente: uma marcada pelo grande poder atribuido a0 texto escrito ¢ outra marcada pela liberdade do leitor. A pratica dc Ieitura individual c silenciosa cra mcomum para esses sujcitos, pois boa parte dos entrevistados evocou lembrangas de Ieituras coletivas, em voz alta (escola, catecismo, intemnato), ocasides nas quais cra possivel controlar 0 acesso aos textos escritos, seus con- teiidos, scus modos de dizer. Opondo se a essa concepeao ¢ pritica de leitura como ‘controle’, Petit adverte: [J nao se pode jamais estar seguro de dominar os leitores, ‘mesmo onde 0s diferentes poderes dedicam-se a controlar 0 acesto aos textos, Na realidade, os leitores apropriamse dos textos, Ines dao outro significado, mudam o sentido, interpretam a sua maneiza, introduzindo seus desejos entre as linhas: é toda a alquimia da recepcio. (p. 26) Por acreditar na vertente que focaliza a leitura como elemento essencial 4 formagio de um cspirito critico ¢ livre, considerado a chave de uma cidadania ativa, a autora argumenta a favor do poder que a leitura tem para provocar um deslocamento da realidade, ao abrir espago para o devancio, no qual tantas possibilidades de interpretago podem scr cogitadas. Nesse sentido, Petit defende que a Icitura instrutiva nao deve se opor aqucla que estimula a revista entreldelas, Salvador, v. 4,n. 2, 163-187 jul/dez. 2015 imaginagao; ao contrairio, ambas devem ser aliadas, uma vez que “contribuem para o pensamento, que necessita lazer, desvios, passos para fora do caminho.” (p. 28). Por fim, Petit discute ¢ caracteriza © Ieitor “trabalhado” por sua leitura como um sujcito ativo, que opera um trabalho produtivo a medida que 1é, inscreve sentidos na leitura, reescreve, alterathe 0 sentido, reemprega-o, mas que se permite, também, ser transformado por leituras nao previstas Em “O que esta em jogo na leitura hoje cm dia’, segunda se- 40 da obra, a antropéloga langa ao leitor questées disparadoras: “Por que é ler 6 importante? Por que a leitura nao 6 umaatividade anédina, um lazer como outro qualquer? Por que a escassa pri. tica de leitura em certas regides, bairros, ainda que ndo chegue ao iletrismo, contribui para tornélos [os jovens] mais frigcis?” (p. 60). Pensando inversamente, Petit interroga: “de que maneira aleitura pode se tornar um componente de afirmagao pessoal ¢ de desenvolvimento para um bairro, uma regido ou um pais?” (p. 60). Para a autora, tais questdcs envolvem uma séric de angulos ¢ registros. Contudo, a verdadeira democratizagao da leitura engloba a concepeaio dessa como um meio para se ter acesso ao saber, aos conhecimentos formais, sendo capaz, assim, de modificar o des- tino escolar, profissional c social das pessoas. Passa também pelo aspecto da Icitura como uma via privilegiada para se ter acesso a.um uso mais desenvolto da lingua, pois ssa pode, por vezes, constituir-sc “uma terrivel barreira social’ (p. 66). A linguagem caleitura tém a ver, ainda, com a construcao de si proprio como sujcitos falantes, pois a leitura pode, em todas as idades, ‘ser um caminho para se construir, sc pensar, dar um sentido a propria existéncia, a propria vida; para dar voz scu sofrimento, dar forma ascus descjos ¢ sonhos". (p. 72), Petit também retoma nessa segao a ideia da hospitalidade da eitura literaria, da Hteratura como um lar. Para cla, os jovens que Iccm literatura sao os que mais tém curiosidade pelo mundo real, pela atualidade ¢ pelas questées sociais. Dessa forma, a Ieitura permite ao sujcito conhecer a experiéncia de outras pessoas, outras Gpocas, outros lugares ¢ confronti-las com as suas préprias, am. pliando, assim, os circulos de pertencimento ¢ criando um pouco de *jogo" no tabulciro social. (p. 100) Na terceira parte, intitulada “O medo do livro", Petit proble- matiza que, se por um lado a leitura é a chave para uma série de transformagacs ¢ o preliidio para uma cidadania ativa, cla ‘evista envreidelas, Salvador, v 4, 2, 154-157 jul/daz 2015 também suscita medos ¢ resisténcias que encontram representa. ao na seguinte voz comum: “E preciso ler". A partir dessa relagao ambivalente com a Icitura, a autora cita excmplos de pessoas de diferentes regides, muitas do campo, que, para ler, enfrentaram obstaculos, tais como a falta de dominio da lingua e de accesso aos textos impressos, accssivel apenas para representantes do Estado ¢ da Igreja. A leitura cra, assim, arriscada para o leitor, que poderia se ver privado de sua seguranga ao por em jogo “tanto as fidclidades familiares ¢ comunitarias como as religiosas ¢ politicas” (p. 110). Petit finaliza o capitulo desenvolvendo esta questo central: agora, definitivamente, como nos tornamos Ieitores? Para além do que provoca em termos da estrutura psiquica, a autora responde que alcitura 6, em grande parte, uma histéria de familia, de pre- senga de livros ¢ de adultos leitores; 6, também, o papel da troca de experiéncias relacionadas aos livros (ler em voz alta, com ges- tos de inflexao da voz); pode ser, ainda, uma maquina de guerra contra os totalitarismos, contra os conservadorismos identitarios, contra 0s querem imobilizar 0 outro a qualquer custo; enfim, aleitura ¢ “uma histéria de encontros". (p. 148). A tiltima ce quarta conferéncia, “O papel do mediador’, desta- ca.aimportincia de cada um que atua como mediador de Ieitura, soja cle um professor, um bibliotccario, um livreiro, um amigo ¢, até mesmo, um desconhecido que cruza 0 nosso caminho. Para Petit, um mediador funciona como um clo entre o leitor ¢ 0 objeto de Ieitura c “pode autorizar, legitimar um descjo inseguro de ler ou aprender, ou até mesmo revelar esse desejo.” (p. 148) Os entrevistados participantes da pesquisa apontaram professo- res ¢, mais frequentemente, bibliotecarios como scus principais mediadores. No caso dos professores, chamou a aten¢ao um fato: mesmo muito eriticos em relagao ao sistema escolar, os jovens sem- pre Iembravam um professor singular, que transmitia sua paixao por um livro, seu descjo de ler, fazendo-os, inclusive, gostar de ler textos dificcis. Apés clencar cxcertos dos entrevistados sobre scus professores, Petit afirma que “para transmitir o amor pela leitura, cacima de tudo pela Ieitura de obras Kiteririas, 6 necessirio que se tenha experimentado esse amor." (p. 161). Sobre os bibliotec- rios, a autora os define como pontes para universos culturais mais amplos. Assim, 0 iniciador aos livros ¢ aquele que ajuda o outro a ultrapassar os umbrais em diferentes momentos do percurso, também aquele que acompanha o leitor no momento, por vezes revista entreldelas, Salvador, v. 4,n. 2, 185-187 jul/dez. 2015 120 dificil, da escotha do livro, aquele que da a oportunidade de fazer descobertas [...). (p. 175). Os jovens ¢ a leitura: uma nova perspectiva, de Michéle Petit, 6, certamente, uma obra de grande relevancia por sua tematica, pela abordagem sensivel ¢ profunda do assunto ¢ pelo evidente conhecimento da causa da autora sobre variadas questaes rclacio- nadas 8 leitura. Petit consegue arrematar, por meio das reflexoes aprescntadas, 0 quio importante é compreender a leitura como um clemento capaz de transformar sujeitos ¢ retiré-los de um contexto de exclusio ¢ segregacao, dando-Ihes novas perspectivas de vida. ‘Submetio: 04/12/2015 Aprovado: 05/12/2015, ‘evista envreidelas, Salvador, v 4, 2, 156-157 jul/dez 2015 revista entreldelas, Salvador, v 4,n. 2, 187-157 jul/dez. 2015

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