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itp doi or/10.1590/0102-445070748582835407 Cruzamento vocabular: um subtipo da composicao? Lexical Blend: a subtype of composition? Katia Emmerick ANoRADE (Universidade Federal Rural do Rio de Joneiro - UFRRI) Roberto Botelho RoNoNN! (Universidade Federal Rural do Rio de Joneiro - UFR) RESUMO. Este artigo analisa aspectos que aproximam e disianciam os processos de formacdo de palavras por eruzamento vocabular, @ exemplo de namorido ¢ boadrasta, ¢ por composicao, abelha- rainha ¢ langa-chamas, sob a dtica de wn continuum morfoldgico, nos moldes de Andrade (2013), jé que uma classificaciio baseada em representantes prototipicos de cada operacao parece nao ser a mais adequada & realidade lexical. Caracterizamos tais processos, fundamentando-nos, prioritariamente, em Rio-Torto ¢ Ribeiro (2011), para a composieao, em Andrade (2008) ¢ Basilio (20032005; 2010), para o cruzamento vocabular. Em virtude de suas caracteristicas fonolégicas, morfossintiticas e seméntico- discursivas, 0 cruzamento vocabular deve ocupar posigao de destaque, entre os processos de composido e derivagio, Palavras-chave: Composicao; Crucamento Vocabular; Continuum composigao-derivacaio. DELTA. 32.4, 2016 (861-887) amie 62 Kata Emerick Andkado & Roberto Bota Ronin ABSTRACT. This article analyzes the aspects that approximate and distance the processes of word formation through lexical blend, such ax namorido and boadrasta, and through composition, abelha- rainha and langa-chamas, from the viewpoint of a morpho- logical continuum, in accordance with Andrade (2013), given that a classification based on the prototypical representatives of each operation does not seem the most adequate to the lexical reality. We have characterized such processes basing ourselves primarily ‘on Rio-Torto e Ribeiro (2011) for the composition, and on Andrade (2008) and Basilio (2003; 2005; 2010) for the lexical blend. Due 10 its phonological, morphosyntactic and semantic-discursive characteristics, the lexical blend should occupy a prominent position hetween the processes of composition and derivation. Key-words: Composition; Lexical Blend; Continuum composition derivation. Palavras is A constatacilo de que os processos de composigao e de derivagaio coniribuem, inegavel e frequentemente, para o surgimento de novas ppalavras complexas no portugués do Brasil no se mostra suficiente para oentendimento amplo das possibilidades de formagdo de novos termos ‘vernaculares que se observa na atualidade. Nesse sentido, ha proces- 508, fais como a acronimia, o cruzamento vocabular, a reduplicagio, © truncamento, a recomposigao, dentre outros, que ainda ensejam um olhar mais aprofandado com vistas a analisé-los sob novas perspectivas que complementem a abordagem teérica tradicional, fundamentada ‘no enquadre de formativos a partir de prottipos e na concepeo de Proceso como médulo estanque e, portanto, nfo gradual ‘Nessa perspectiva, o presente artigo objetiva comparar os processos de formagao de palavras por composicao ¢ por cruzamento vocabular em virtude, principalmente, de entendermos que esse tiltimo niio recebe o tratamento que Ihe é cabivel ao ser apreciado na literatura morfoldgi- cca. Isso se deve ao fato de que o cruzamento vocabular, com frequéncia, fica subsumido a um tipo de composigiio por originar-se da adjung2io CCruzamento vocabular: um subtipo ds composigao? de duas bases, embora mio se sujeite, perfeitamente, as operagdes fono- I6gica e morfoldgica caracteristicas da composicdo e da derivagdo, que io, sem sombra de dividas, processos altamente produtivos. Ainda que compostos ¢ cruzamentos vocabulares sejam cons- truidos a partir de duas formas de base, visto que a composigaio consiste na combinagio de, na maioria das vezes, duas palavras, a exemplo de bomba-relégio, beija-flor ¢ pé de moleque, e 0 cruzamento vocabular, fusdo de duas palavras morfolégicas, como ocorre, dentre intimeros outros exemplos, em hestare! (besta + bacharel), méedrasta (mae + ‘madrasta), namorido (namorado + marido), portunhol (portugues + espanhol) ¢ sacolé (saco + picolé), a nosso ver, cada um deles apresenta propriedades fonolégica, morfolégica e seméntica que 0s particularizam. Com o proposito de conceder autonomia ao processo de eruzamen- to vocabular e, em decorréncia, posicioné-lo em um lugar de destaque na formagdio de palavras, ao lado da composicao regular, incorporamos, neste trabalho, mesmo que parcialmente, propriedades fonologica, ‘morfossintitica e seméntica relativas a estes dois relevantes mecanis- ‘mos de enriquecimento lexical — composigao ¢ cruzamento vocabular =, consoante no s6 aos modelos tradicionais de descrigao linguistica, ‘mas também as novas tendéncias de andlise. Assim, 0 texto divide-se ‘em quatro partes, para além das Palavras iniciais e Palavras finais, tem-se a Composigiio ¢ o Cruzamento Vocabular, em que, naquela, elencamos, brevemente, as principais caracteristicas do processo de formaco de palavras por composigdo e, nesta, analisamos, com mais ‘agar, 0 processo morfoldgico de cruzamento vocabular. Por fim, com- paramos esses dois processos, apontando as diferengas e semelhangas centre eles, a fim de demonstrar que o cruzamento vocabular, embora partilhe caracteristicas com outras operagdes que atuam na combinagao de duas palavras existentes na lingua, ¢ passivel de adquirir um estatuto morfolégico independente. ‘Composigao Conceituar a composicao ndo é uma tarefa simples, uma vez que, em uma abordagem estruturalista, define-se pela presenga de dois ou a aoe 863 amie 864 Kata Emerick Andkado & Roberto Bota Ronin mais radicais; em modelos tedricos de base gerativa, 0 mecanismo & compreendido como a utilizagdo de estruturas sintiticas para fins lexicais (cf. JACKENDOFF, 1975). Sob o enfoque cognitivista, mais especificamente pela Morfologia Construcional (BOOL, 2009), a composigao ¢ vista a partir de esquemas generalizados (esqueletos des- providos de informagao proposicional), que so preenchidos, mediante © conhecimento lexical do falante, com palavras existentes na lingua, inter-relacionadas formal, sintética e semanticamente. Seja qual for © caminho escolhido para se definir uma palavra composta, o fato & que, em portugués, ¢ em muitas outras linguas, a composigao é um dos processos mais utilizados para formago de novas palavras, que resultam da jungdio de duas bases livres ou presas (raramente mais do que isso). Consideramos “presas as bases (a) que ‘no tém livre curso na lingua e (b) que participam apenas de constru- es morfologicamente complexas”; € bases livres “todas as formas (a) consideradas como ponto de partida para formagdo de outras palavras ou (b) que atuam como formas livres na lingua” (RONDININI, 2004: 62-63). Nos casos mais simples, os de compostos estruturados binariamen- te, uma das bases nominais, a cabega lexical, é modificada/especificada pela outra, a no-cabega. Cabe destacar que 0 termo “cabega lexical” esti sendo aqui empregado diferentemente da recente proposta de Scalise et al. (2009) que considera a tripartida distingaio entre caberas categoriais, morfoldgicas e seménticas. Entendemos que & cabega lexical subsumem cabecas categoriais e morfologicas, responsiveis respectivamente: (a) pela classe gramatical de todo o composto, a exemplo de escola-modelo', em que a cabega escola determina a ca- tegoria gramatical do produto; e (b) por caracteristicas como género € mimero, como se observa em navio-escola, em que a cabega navio impoe as flexes morfolégicas na palavra composta. Com relagdo & cabega semantica, esta funciona como um hiperdnimo do todo, como nos casos de futebol de areia ¢ futebol de saldo. Esses compostos denotam dois hiponimos de futebol, sua cabega semantica. Ao contra- rio, 0s compostos puxa-saco e criado-mudo nao apresentam cabeca seméntica, porque nenhum de seus constituintes funciona como um 1. Ao longo do texto, os consttuintes-cabeca aparecem em negrito, CCruzamento vocabular: um subtipo ds composigao? hiperdnimo do todo. Portanto, consideramos apenas duas nogdes de cabeca: a lexical e a semantica. Deacordo com a natureza morfossintitica do constituinte-cabeca, ‘um composto pode apresenté-lo tanto a esquerda, a exemplo de trem- bala, salério-familia, camisa de forca, quanto a direita, como em video locadora, autoescola, hidréfilo, ou, ainda, nao ter componente-cabeca algum (ef, VILLALVA, 2000), como em guarda-chuva, para-raios. © constituinte-cabega de um composto nao sé é relevante pelas suas propriedades formais, mas também pela interpretagio seméntica do todo, como ocorre em trem-bala que denota um tipo particular de trem, no um tipo particular de bala. Entim, 0 componente nio-cabera modifica/especifica/restringe o significado do componente-cabega. Em portugués, uma palavra composta representa sempre uma ideia tiniea e auténoma, mas, muitas das vezes, dissociada das nogBes expressas pelos seus componentes, como, por exemplo, copo-de-leite (nome de uma flor’) ¢ eriado-mudo (‘nome de um mével’). Portanto, © significado dos compostos no é necessariamente previsivel. Isso acontece quando uma interpretacao literal ndo é possivel e outras ha- bilidades cognitivas relacionadas & construgio do significado (p. ex.,a ‘metafora e a metonimia) sto ativadas pelo falante, a fim de garantir uma interpretagdio adequada, conciliando 0s significados dos componentes 0 significado do todo. Desse modo, podemos inferir que os compostos de leitura nao- composicional (cf. SANDMANN, 1989), em que o significado do todo no ¢ deduzido pela soma das partes (Pao de Acticar ‘montanha’, pao-duro ‘avarento’), aproximam-se bem mais a unidades lexicais, tais, como as expressdes idiomaticas (pé na cova) itens lexicais monomor- fémicos (boi) do que aqueles cujo significado resulta da andlise de seus componentes (porta-lépis, paraquedas), 0 que nos leva a considerar que, também, em portugués, os compostos transitam entre expressBes lexicais e derivacionais, consoante as propostas de Booij (2005), para ‘o holandés e de Kastovsky (2009), para o inglés. Do ponto de vista fonolgico, tradicionalmente, afirma-se que a composieao se dé por justaposigzio ou por aghutinacdo das palavras combinadas. Na justaposigo, as palavras-base conservam autonomia fonética, isto é, preservam o acento ¢ os segmentos que as constituem, a aoe 865 amie 866 Kata Emerick Andkado & Roberto Bota Ronin permanecendo, na forma composta, a delimitagaio vocabular entre as bases, como em girassol, passatempo, quadro-negro e peso-pesado. Jé na aglutinagao, as bases envolvidas perdem a limitago vocabular entre elas, devido a supresstio ou alteragiio de algum segmento, por sindi interno, como a eliso observada em planalio (plano + alto), ou a crase, em aguardente (dgua + ardente), fazendo com que, sobre palavra composta, recaia um tinico acento lexical Em sintese, na justaposi¢do, sto preservadas a estrutura ¢ a pauta acentual das bases combinadas, resultando duas palavras prosédicas uma morfol6gica; na aglutinagdo, as matrizes perdem material fonico e 0s acentos lexicais, prevalecendo isomorfia entre a palavra prosédica e a morfolégica. Embora tais processos fonolégicos sejam apresentados como aspecios peculiares da composigo, podem ser também verificados, com frequéncia, na derivacdo, Tomemos como exemplo a sufixacdo prototipica ‘sapateiro, em que a palavra-base, uma paroxitona, sapato, perde a vogal -o (em geral, denominada de vogal temética) e a pauta acentual. Nesse contomo, Villalva (2000) atenta para o fato de que as gra- miticas tradicionais confundem 0 conceito de composi¢ao com 0 de lexicalizagao, ¢, por isso, nao se dao conta de que justaposieao ¢ aglu- tinagdo no sio processos dois estados ou graus em que as palavras composias se encontram dentro de um mesmo processo: 6 de lexicalizaco. Nas palavras da autora, “o quo, na verdade, se constata é que os compostos por justaposicaio so- frem apenas uma lexicalizago seméntica, enquanto que, nos composts por aglutinag2o, a lexicalizaedo nao &s6 semintica, mas também formal, ‘ou seja, a estrutura morfoldgica do composto é perdida” (VILLALVA, 2000: 347), Assim, formas inicialmente compostas, uma vez. lexicalizadas, ao atingirem o final de sua trajetdria de lexicalizacao, dao origem a uma palavra com pauta acentual ‘nica. E, como tal processo est comprometido com a mudanga do sistema finguistico, essas unidades aglutinadas raramente surgem em uma dada sineronia, sendo, portanto, improdutivas. Sinalizando que ainda se encontram em proceso de Iexicalizagao, tais palavras costumam admitir duas grafias, como & 0 caso de hidroelétrica ou hidrelétrica e hidroavido ou hidravi CCruzamento vocabular: um subtipo ds composigao? A composigaio, em portugués, gera, na grande maioria das vezes, substantivos, a partir de diferentes componentes lexicais (formas livres ¢ presas), combinados de acordo com suas caracteristicas semanticas gramaticais, funcionando como uma tinica unidade de significagao no Kéxico mental. Sendo um processo de natureza morfo-sintatico- semiintica, atribuem-se aos compostos diversificadas andlises ¢ clas- sificagdes. Pesquisas, como, por exemplo, as de Sandmann (1989), Moreno (1997), Lee (1997), Rio-Torto (1998), Villalva (2000), e, mais recentemente, as de Santos (2009), Rio-Torto e Ribeiro (2011), Faria (2011), dentre imimeras outras, confirmam nao s6 a complexidade do assunto, como também dio mostras dos diferentes aportes tedricos de que se langam mao para a descrigao do fendmeno. Lee (1995; 1997), por exemplo, com base nos pressupostos da Morfologia Lexical, quadro que rejeita a hipétese de que os compostos sejam derivados de sentengas, defende a existéncia de dois tipos de compostos no portugués do Brasil: compostos lexicais (“compostos verdadeiros”, correspondentes a objetos morfologicos) e compostos pés-lexicais (“pseudocompostos”, correspondentes a palavras sintati- cas reanalisadas). Segundo o autor, os compostos lexicais formam-se no Iéxico e sao sintaticamente opacos, ou methor, comportam-se como ‘uma palavra simples em relago aos processos morfossintaticos, pois no permitem flexdo, derivago, nem concordancia entre os consti- tuintes (cine-clube, luso-brasileiray, os compostos pds-lexicais so formados no componente sintatico, e, por isso mesmo, sdo sintética e morfologicamente transparentes, visto admitirem flexdo, derivacao € concordancia entre os seus constituintes, que funcionam como unida- de independente nas operagdes morfologicas (fim de semana; saldrio minimo). De uma outra perspectiva, Rio-Torto ¢ Ribeiro (2011), fundamen- tadas no modelo proposto por Bisetto e Scalise (2005), classificam os compostos do portugués curopeu contemporaneo, dividindo-os em trés classes, determinadas pelo tipo de relagdes gramaticais entre os seus constituintes: (11) coordenados (apositivos e copulativos), (2) subordi- nados ¢ (3) atributivos. Nos coordenados, os constituintes pertencem obrigatoriamente a mesma categoria lexical ¢ sto ligados por um opera~ dor aditivo, explicito (leva e traz; vai e vem) ou implicito (surdo-mudo, italo-brasileiro). Os compostos subordinados sao constituidos de dois a aoe 867 amie 868 Kata Emerick Andkado & Roberto Bota Ronin elementos unides por uma relagiio predicador-argumento, ou seja, uma relagdo subordinativa, a exemplo de funciondrio-fantasma, cancerigeno, casa de abetha (‘espécie de ponto de costura’). Por fim, nos atributivos, os componentes estabelecem entre si uma relagiio modificado-modificador, como nos casos de sofd-cama e palavra-chave. Quanto a presenga versus auséncia de um constituinte-cabega (headedness), que define, nesta ordem, a nogdo de endocentricidade & exocentricidade, Rio-Torto e Ribeiro (2011) organizam os compostos em trés grupos: (a) com uma cabeca (guarda-noturno, pé de anjo & ciclovia); (b) com dupla cabeca, em geral os coordenados, (surdo-mudo © franco-brasileiro), ¢ (c) compostos com ndo-cabega (para-raios, sabe-tudo, vai-volta). No caso dos compostos do tipo (c), as propriedades das bases em relagio as caracteristicas morfolégica, categorial e semantica no so transmitidas para o composto, fendmeno denominado por Scalise et al (2009) de “Exocentricidade Categorial Absoluta” que, em portugu bem como em italiano, ocorre, sistematicamente, em substantivos for- ‘mados com os padres (Verbo+Verbo) vaivém, (Verbo+Pron.) cura-tudo € (Verbot Adv.) bota-fora. Em decorréncia, tanto a categoria lexical quanto o género da palavra composta emergem na sintaxe mediante a presenga de um determinante, a exemplo de o/a puxa-encothe “inde- isto irritante” Rio-Torto e Ribeiro (2011) esclarecem que existem muitos compos- tos que so categorial e morfologicamente endocéntricos, mas semanti- camente exocéntricos, a exemplo de pé de galinha (‘ruga no canto dos olhos’). Esse composto apresenta uma cabeca categorial e morfolégica, ‘pé, que niio funciona como cabega semantica, ja que o composto como uum todo nao & hipénimo de nenhum de seus constituintes. Ha também, casos de compostos que sto morfoldgica e semanticamente exocéntri- cos, mas categorialmente endocéntricos, como, por exemplo, cabeca- “individuo que nasceu do Nordeste do Brasil, esp. no Estado do Ceara” (HOUAISS, 2009), mdo-aberta (‘esbanjador’) ¢ unha-de-fome (‘sovina’) (esse, exemplificado pelas autoras). Tais formas compostas ‘do apresentam cabega morfolégica, uma vez. que nenhum constituinte transmite ao todo caracteristicas morfol6gicas, como mimero ou géne- ro, nem tampouco cabega semantica, mas a classe gramatical do todo CCruzamento vocabular: um subtipo ds composigao? 6 determinada pela categoria lexical dos constituintes que funcionam como cabega categorial, ou seja, respectivamente, pelos substantivos cabega, mio ¢ unha. Contudo, sio as relagdes gramaticais (coordenativas, subordi- nativas, atributivas ¢ tematicas) estabelecidas entre os constituintes dos compostos que, provavelmente, trazem maior dificuldade para distinguir com preciso compostos de grupos sintéticos, sejam estes eventuais ou permanentes, nos termos de Sandmann (1989), uma vez que determinados padres de composts (p. ex. Subst.+ prep. +Subst.: pé-de-meia, cartéo de visita) apresentam configuragdo semelhante &s estruturas sintiticas, Ademais, a estrutura prosédica dos compostos, em portugues, nfo contribui para sua categorizagao separada de outras unidades, visto a posigdo do acento no ser um critério confidvel para distinguir, por exemplo, compostos do tipo Subst.+Adj. (roupa-branca), Adj-+Subst. (boa-vida), Subst.Subst. (banana-maga) ou Subst.+prep.+Subst. (dgua-de-coldnia) de seus grupos sintéticos correspondentes. J em inglés, a partir da posi¢ao do acento, é possivel diferenciar compostos de grupos sintiticos, uma vez que o acento, no composto, incide sobre © constituinte niio-cabera, que, nesta lingua, sempre figura a esquerda (blackbird ‘melro’) ¢ 0 acento frasal ocorre na cabega, posicionada a di- reita, do sintagma nominal (black hind passaro preto’). Este critério no € aplicavel em nosso idioma, porque, segundo Vigario (2002), o acento primzirio do composto sempre recai em sua titima palavra prosédica. Ainda do ponto de vista prosédico, uma situago que perturba a classificagao uniforme dos compostos é 0 fato de algumas formagées, mais especificamente, os compostos neoclissicos, ou seja, construgdes ‘com bases presas de origem grega ou latina, apresentarem apenas uma palavra prosddica carNivoro; antroPOfago; hiDROfilo; enquanto ou- tros, duas, SOcioPAta; TElepaTIA; AgromenSUra (nesses exemplos, as silabas com tonicidade esto em caixa-alta), A flexibilidade que se observa nos critérios disponiveis para de- finigao da classe dos compostos corrobora a concepgao de que a lin- ‘guagem no se estrutura em médulos estanques, fato que tomna custosa a tarefa de demarcar fronteiras lexicais nitidas. Como a composigiio em portugués constitui uma categoria heterogénea e fronteiriga, ainda a aoe 869 amie 870 Kata Emerick Andkado & Roberto Bota Ronin mais quando se tem em mente diferengas e semelhangas entre com- postos e grupos sintéticos, evidencia-se, mais uma vez, que um dos problemas para a classificago de palavras complexas ¢ a tentativa de encaixé-las em categorias precisas, o que vem reforgar a de distribui-las em um macro continuum morfossintitico, em que, de um lado, situam-se as construgdes sintaticas ¢, do outro, as palavras derivadas, prevalecendo a ideia de que nao ha separagao rigida entre os estratos gramaticais. Isso ja se aplica & formagao de palavras comple- xas, em que a composieao figura em um polo ea derivacdo, em outro, num continuum morfolégico composi¢ao-derivagao (ANDRADE, 2013), aporte te6rico utilizado neste trabalho, tendo como referéncia as formagdes prototipicas de cada operago morfolégica que acessa duas palavras como base. Muito embora sejam relativamente claras as diferengas entre palavras formadas por composigiio e por derivagao, ja que o primeiro processo opera com base em radicais/palavras ¢ o titimo faz uso de afixos, hd construgdes que, a0 contririo, evidenciam a possibilidade de ‘ransitar entre suas fronteiras. Evidéncias disso sfo as palavras criadas por cruzamento vocabular (doravante CV), que apresentam formativos, cujas caracteristicas fonolégicas, morfolégicas © semanticas pecu- Tiares nao permitem que sejam categorizados nem como afixos nem como radicais prototipicos e que, nos termos de Adams (1973: 143) ¢ Bauer (2005: 104-105), so denominados splinters. Esses fragmentos, de cruzamentos vocabulares sto reinterpretados como formativos em funeao da recorréncia e podem ser iniciais, a exemplo de caipi- (. Agavio, Gabriel Antunes. 2000. Morfologia nao-coneatenativa: os ‘portmanteaus. Campinas: Cadernos de Estudos Lingiiisticos, n. 39. 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