algo que talvez alguns de vocês se lembrem: o Círculo do Livro. Eu pagava uma mensalidade barata e tinha acesso a livros por preços igualmente muito bons.
A condição era comprar pelo menos
um livro por mês.
Comprei muitos, e me lembro muito
bem de vários, entre eles um livro muito engraçado chamado "Ed Mort e outras histórias", de autoria de Luis Fernando Veríssimo. Ed Mort era um detetive particular que vivia sem dinheiro, pois tinha dois problemas seríssimos que atrapalhavam suas atividades profissionais: coração mole e língua solta, que o levavam sempre a dizer o que não devia.
Fez tanto sucesso que virou história em
quadrinhos e até filme. Mas a coisa ficou ainda mais divertida quando comprei o "Analista de Bagé"!
Segundo palavras do seu criador:
Tratava-se de um analista "mais
ortodoxo que pomada Minâncora". Ou caixa de Maizena. Sua técnica do joelhaço, no entanto, era bastante heterodoxa. Estava baseada no princípio da dor maior. Quando o paciente vinha se queixar de suas dores subjetivas, o joelhaço aplicado no local correto oferecia ao sujeito a vivência de uma dor tão mais intensa que fazia com que se esquecesse das dores "menores". Tornado assim uma grande celebridade, o analista chegou a ser homenageado com uma escultura em sua cidade Natal
Então, quando eu achei que Luis
Fernando Veríssimo havia atingido o máximo, ele nos brindou com a cereja do bolo: a Velhinha de Taubaté! Segundo seu criador, tratava-se da última pessoa em nosso país que ainda acreditava no governo, isso em pleno ocaso do governo militar, quando a presidência era ocupada pelo general João Baptista Figueiredo. Ainda segundo Veríssimo, na Câmara dos Deputados e no Senado, nada era decidido sem antes ser avaliada a possível reação da simpática velhinha.
E eu então, cada vez mais
impressionado com a genialidade de Luis Fernando Veríssimo, decidi saber mais a seu respeito.
Foi quando descobri duas coisas que
me chamaram a atenção vivamente.
Primeira coisa: ele era músico!
Músico amador, mas muito sério, que
tocava com profissionais de alto nível. Com apenas 24 anos passou a tocar saxofone em um grupo de bailes de Porto Alegre, chamado "Renato e seu Sexteto".
(Segundo Veríssimo, era o maior
sexteto do mundo, pois tinha 9 integrantes.)
Veríssimo aos 20 anos de idade.
Veríssimo acabou por se afastar do trabalho musical quando ingressou na carreira jornalística e de escritor.
Contudo, a música nunca abandonou
seu coração.
Assim, em 1995, com quase 60 anos de
idade, voltou aos palcos, com a criação do grupo "Jazz 6".
(Este, segundo Veríssimo, é certamente
o menor sexteto do mundo, pois tem apenas 5 membros. Foi nessas minhas pequenas pesquisas que descobri a excelente formação musical que Veríssimo teve.
Como acompanhava seu pai nas
frequentes viagens a Nova Iorque que este fazia, ele acabou estudando sax por lá, onde teve ótimos professores e assistiu a muitos shows de grandes mestres do Jazz, como Charlie Parker e Dizzy Gillespie.
Foi quando eu me dei conta da segunda
coisa que também chamou minha atenção:
Segunda coisa: seu pai era louco por
música! Sim, caro leitor, o grande escritor Érico Veríssimo, pai de Luis Fernando, adorava música. E tinha conhecimento!
Então eu tive um "flash", e me lembrei
de que nos tempos de ginásio, tinha lido, como dever de casa, um livro de Érico Veríssimo chamado "México".
E me lembrei também que neste livro,
o autor confessava sua imensa paixão pela música de Bach. Já não tenho mais o livro, mas, aflito por reler as passagens em que Veríssimo falava de Bach, digitei no Google:
Érico Veríssimo Bach
Como resultado encontrei os seguintes
trechos, extraídos de cartas escritas por ele, enquanto viveu em Nova Iorque:
- Tomei nota do que dizes sobre o trio
de Mozart.
- Mandarei um ou dois Razumovsky
pelo primeiro portador.
- Ultimamente adquiri um disco do
Zabaleta, com música clássica dum lado e música moderna do outro. Um primor de execução limpa e de gravação idem.
- Comprei também 12 concertos de
Vivaldi – La Stravaganza. 3 discos.
- Quero enriquecer minha discoteca de
música de câmara com as sonatas de Bach para violino e clavicórdio, flauta e clavicórdio e cello e clavicórdio.
- Tivemos ontem um esplêndido
concerto aqui na União, promovido pelo meu departamento e regido pelo maestro Espinosa, diretor da nossa seção de música. - um concerto grosso de Handel, em que o oboé brilha do princípio ao fim; - uma sinfonia pouco tocada do Mozart (a n.25), bastante interessante; - um concertinho para piano e orquestra de câmara de Piston; - um ballet dum compositor mexicano; - e uma suíte para cordas (magnífica) dum jovem argentino.
- Continuo comprando discos. A
Cantata 170 de Bach tem como intérprete um contratenor, Alfred Deller, que possui a mais bela voz de contralto que já ouvi. Já ouviste?
- Discos comprados recentemente: 3 do
Clavier Übung; 3 de Mozart por Lily Kraus; vários Bachs – mandei-te o último catálogo de discos. - Comprei recentemente um álbum com três discos, da Sociedade Haydn, é uma antologia musical que abrange do canto gregoriano até 1750, terminando com Handel e Bach. Muito boa gravação.
- Temos tido boas noitadas musicais lá
em casa. Quinta-feira jantaram conosco o Casal Plá (ele trabalha no meu departamento, é um cientista argentino, físico), o dr. Reulet, chefe de nossa divisão de filosofia, e o seu assistente, dr. Dimmick.
Pois bem, caro leitor, lembro-me como
se fosse hoje: fiquei muito impressionado pela paixão e conhecimento musicais de Érico Veríssimo; e me dei conta de que eu tinha 20 e poucos anos, já estava na faculdade de música, e conhecia muito pouco da música de Bach!
Ok, Érico Veríssimo era um grande
nome da cultura brasileira, e um homem maduro, mas não era um músico. Era tão somente um apreciador. Como era possível que eu, mesmo sendo jovem, mas já a caminho de um diploma em música, ainda tivesse um conhecimento tão pequeno da obra do grande mestre alemão?
Fui então pedir ajuda a meu professor e
história da música, um francês eruditíssimo, que me disse: "Vamos fazer um Beabach com você. Uma coisa introdutória, dividida em 3 partes. Vou lhe dar 3 peças para ouvir. Ouça-as e depois venha falar comigo."
Eu ouvi, fui falar com ele, no horário
pós-aula, em sua sala.
Ganhei 3 aulas sensacionais sobre
Bach.
A partir dessas 3 obras, ele levou o
assunto para a obra de Bach como um todo.
Foi incrível como a partir de 3 peças,
apenas, ele abriu o leque, e eu pude entender a importância global de Bach, como o compositor que recebeu a bola do passado, e a passou pra frente.
Mas esta mensagem já está muito
longa, e eu não quero abusar da sua paciência, caro leitor.
Na próxima eu falo sobre essas três
peças que eu ouvi e que descortinaram a obra do grande mestre.
Espero que tenha gostado da leitura!
Saudações musicais do maestro
João Maurício Galindo
Orquestra Brasil Jazz Sinfônica
Rádio Cultura FM de São Paulo Concertos Tucca "Aprendiz de Maestro"