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IDENTIDADE NACIONAL CONSTRUINDO A BRASILIDADE Ruben George Oven No Brasil, estamos sempre discutindo quem somos. Bsa dis ‘cussdo passa inevitavelmente pelo debate sobre © que é 8 cultura brasileira c 0 que a diferencia cle outeas culturas. O tema da cultura e da sdentidade nacional 6 constantemente reatualizada ¢ reposto no debate sobre nossa sociedad. Fle & diseutido por intelectuais, artistas, politicos, ¢ também pela popslacdo em geral,e se constitu! numa forme de falar Sobre o que a sociedade brasileira pensa sobre si mesma Tdentidades sto conserug6es socaisformuladas a partie de aiferengas reais ot inventadas que operam como sinals dar fens, isto 6 sinais que conferem uma marca de distingSo. Em bora scjam entidades abserats, as identidades — enquanta propriedades distintivas que diferenciam e especiicam gr os sociis— sfo moldadas a partir de vivéncias cotidianas. (0 tema da identdade est4 associndo & formagio da na ‘lo. A construgio de uma napio pressupse uma cultura que The dé suporte e, para isso, € preciso que haja intelectuais {que ajudem a formula Essa cultura, em geral, fz rferén cia. a um passado comum, que Seria tnico e continuo, e@ um ‘ovo que seria seu portador e, por conseguinte, a base da Inacio. A referéneia po pastado tem sua contrapartida a ‘modernidade. Quem fala em nagio refere-se a uma institu ‘io relativamente nova, com pouco mals de dois séculos de ‘exsténcia, Ela basein-se na ideia de tim pas formade por ‘dads com direitos iguals e no qual a sociedade civil, 0 Estado e aIgrea sioinstituigdes separadas No Brasil, como nos demais paises da Améiea Latina, em «sua genre, nagio e modernidade eaminham juntas. Entre igs, a modernidade frequentemente ¢ vista como algo que ‘vem de fora e que deve ser admirada e adotado, ot, 20 con trario, encarado com eautela tanto pelas elites quanto pelo pow. A imporcagao implica intelecuais que se inspiram em ‘paises mais adiantados para buscar as ideias eos modelos i vigentes; els implica igualmente fazer actimatar estas ideas ‘hum novo tolo que € a sociedade brasileira © pensamento da inteletualidade brasileira tem oselado ro que diz respeito @essas questdes, Assim, em alguns mo- mentos, a cultura brasileira € desvalorizada pelas elites, to mandose em seu higera cultura europeia 04, mis recente mente, a norte-americana, como modelo de modernidade a ser alcangado. Fm outros momentos certas mankfestases culturais brasliras passam a ser valorizadas, exaltando se simbolos como Macunaima, a figura do malandro, 9 carna- val, o samba, o futebol ete 'A Semana Modernists de 1922 (ano do centendrio da tn- sfependéncia), com toda sua complexidade e diferenclacio ldeoldgica, representa um divisor de aguas nese peocesso. O ‘movimento moderaista significa, por um Indo, a reatualiee so do Brasil em relagao aos movimentos culrurss © artist os que ocorrem no exterior. Por outro Indo, impli também buscar nossas raizes nacionais,valorlando o que haveria de ‘mais autéatieo no Brasil ‘Umna das contribuigées do movimento consists em ter co locado tanto a questio da stualizagio artistico-culturel ‘quanto a problemévien da nacionslidade. Nesse sentido, a partir da segunda fase do modernismo (1924 em diaate), staque ao pastadismo é substtuido pela énfase na elabora- so de uma eultura nacional, ocorrendo uma redescoberta do Brasil pelos brasleiros. Os modernistas ncreditavaun que cra através do nacional que se chegaria aa universe. Eo que fica claro numa carta que Mario de Andrade, um dos ex poentes do modernismo, eaviou em 1924 eo poeta Carlos Drummond de Andrade: “Nés 96 seremos civilizados em re- lagio as eivilizagdes o dia em que eriarmos 0 ideal, a orien tagdo brasileira. Entdo passaremos do mimetismo para a fase da criagio. F entio seremos universais, porque necio nals". Coerente com essa postura, Mario transfarmou-se ‘num autodenominado “turisea aprendiz”, desenvolvendo uma intense atividade de pesquisa € viagens, visando est dar os elementos que compéem a cultura brasileira Em 1928, Oswald de Andrade, quero represencante da Semana Moderna, langou o Manifesto Antropdfago, que ele datou come senda do Ano 374 da Deglutigdo do Bispo Serdinha, numa referéncia 20 prelado portugués que nau fragou na costa do Brasil e foi comido pelos indigenas em. 1554. O que ests sendo proposte no Manifesto Ancropéfago & tema modernidade brasileira que se caracterizria por saber Ingerire digerircriaivamente o que vem de fora. Mais do ‘que x0, 0 que Oswald argumenta é que os braslelros se ‘edicaram a essa pritica desde © comego de sua hieéria. & de uma maneira alegre e intuitiva, Eda Repibica Velha (1889-1930) tendéncia de inelec: ‘unis penstrem o Brasil ediscutirem a visbilidade de haver ‘uma civilizagio nos trépicos. Dois seriam os obstaculos a ‘esse projeto: raga e clima. Inteleeruais como Silvio Romero, Tuclides da Cana, Nina Rodrigues, Oliveira Vianna e Artar ‘Ramos, preocupados em explicar a sociedade brasileira ata ‘vés da interacio da raga ¢ do meio geogréfico, eram pess ‘mistase preconceituosos em relagao ao brasileiro, earacter ‘ado como apitico e indolente, © nossa vida intelectual, vista como dertitulda de Alosofia © cigncia, eeivada de um liisma subjetivista e mérbido, Anica solugso visvalizada fra o embranquecimento da populacio através da vinda de Imnigrantas europeus Ena década de 1930, sobretudo com Gilberto Freyee, que se criaré uma nova imagem em que o pais sera visto como uma eivlizagéo wopieal de caracteristeastnieas, com a mes: rigagem e 4 construgio de wma demoeracia racial. Na visio de Freyre, « mistura racial ndo um problema, mas uma ‘vantage que teriamos em relagio a ouras napdes. A ideolo ‘fia da “democracia racial” & tio arraigaca por aqui que per ‘mela parte do peasamento socialgizo eo senso comum bra- sileiro de parelas de nossa populagio, [Na primeira metade do séeulo xx, 2 maior parte dos bra sileicos morava no campo, sso fez com que vérios pensado- res acreditassem que o pas fvesse uma “vocacio agriria” ssa ideia era prevalente na Repibliea Velha. Mas nequele perfodo,o Brasil experimentou importantes transformagaes que assuzlzam una dimensio mais ampla a partir de 1920 com a Era Vargas. Entre elas, estavam a erlagso de uma inddstria de substicuigto de bens ni duriveis, © crescimen- to das cidades que eram capitals de mercados repionais, 3 crise do café e a crise do sistema baseada em combinagdes politica entre as ollgarqulas agraris, e 0 surgimerito de re voltas socials e militares que comesaram na década de 1920 ‘eculminaram com a Revolugto de 1930. ‘A partir da década de 1950, um aparelho de Estado mais centalizado écriado eo poder te desioca cresceatemente do Ambito regional para o nacional. O pals experiment um pro- «esso de consolidagao politica e econdmicaeterd que enfeen. tar as consequénclas da crite de 1929 e da Segunda Guerra Mundial. # preciso repensar 0 pais, que era até entdo muito pouco atiulado e que passa por um processo de centaliza- (i. O nacionalismo ganha impeto e o Estado se firma. E ele ‘Que toma para sia tarefa de canstruir a ientidade nacional, © que se tradua no conceito de brasilidade: 0 sentimento de pertencer a0 Brasil, Caberia ao recSm-criade Ministésio da Eaucagio e da Cultura um papel fundamental na consttii- 0 da ientidade nacional, que deveria ser feito através da Impresso de um conteddo nacional edieagio veiculada pe las escolas, da padronizagio do sistem educacional do en raquecimento da cultura das minorias étnicas ssa tndénela se acentua durante a ditadura do Estado Novo (1997-45), ocasido em que aumenta a centralizagio politica ¢ administrativa, Menos de um més spés a implanta: {io do novo regime foi realizada no Rio de Janeiro a erimé nia da queima das bandeiras estaduais, a som do Hino Na

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