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xxxm. A UNÇÃO DOS ENFERMOS.....................................................

352
O sacramento dos enfermos . . . . . ................................................352
Quando devemos chamar o sacerdote? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355 •: ,,
XXXIV. AS ORDENS SAGRADAS....................••••• • • • • • • • • • • • • •
• 360
O que é um sacerdote? ................• • • • • · · • • · · · · · · · 360
Os graus da Ordem sagrada ........... - • • • • • • • • ·- · • • · · 364
Os bispos e outras dignidades ..•••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 367
XXXV. O MATRIMONIO .........................·.......·.· 372
Omatrimônio foi feito pot Dom ...........• • • • • .. ••. 372
·,.
O matrimônio encerra graçu s ......•.........., • , , • . 376
A previsão forja matrim6nios (elizes ...............• . •: • 380
Paternidade responsável............................................,..........• , • • , 384
XXXVI. OS SACRAMENTAIS.....................................................................386
Agentes da graça ...............................•........................................386

,. XXXVII. A ORAÇÃO ..........................................


Que é a oração e por que orar? .......................
390 PRIMEIRA PARTE
390
A oração que chega a Deus ........................... 394
Por quem devel'AOB orar? ............................... 399
O CREDO
-
I
XXXVIII. O PAI NOSSO ....................................... 403
A melhor oração ...................................... 403
XXXIX. A BIBLIA.......................................................................................408
Você lê a Bíblia? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...........................408

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CAPmlLO 1

O FIM DA EXIST:mNCIA DO HOMEM


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POR QUE ESTOU AQUI?

l:l o homem um mero acidente biológico? l:l o gênero


humano uma simples etapa num processo evolutivo, cego e sem
sentido? l:l esta vida humana nada mais que uma cintilação
entre a longa es<:U• ridão que precede a concepção e a
escuridão eterna que virá após a morte? •Sou eu apenas um
grão de poeira insignificante no uni verso, lançado à existência
pelo poder criador de um Deus indife• rente; como a casca
inútil que se joga fora sem pensar? Tem a vida alguma
finalidade, algum plano, algum propósito? Enfim, donde é que
eu venho? E por que estou aqui?
,.
Estas são as questões que qualquer pessoa normal
levanta quan do atinge idade suficiente para pensar com
certa sensatez. O Cate. cismo da Doutrina Cristã é, pois,
sumaménte lógico quando nos propõe como pergunta inicial:
"Quem nos criou?", pergunta à qual, uma vez respondida, se
segue imediatamente esta outra: "Quem é Deus?". Mas, no
momento, parece-me preferível adiar a resposta a estas duas
perguntas e começar com a consideração de urna terceira. l:l
igualmente básica, igualmente urgente, e oferece-nos um
rnelho1• ponto de partida. A pergunta é: "Para que nos fez
Deus?"
Há dois modos de responder a essa pergunta, conforme
a consi· deremos do ponto de vista de Deus ou do nosso.
Considerando-a do ponto de vista de Deus, a resposta é:
"Deus nos fez para mostrar 1 sua bondade". Posto que Ele
é um Ser infinitamente pedeit(>, • principal razão pela qual
faz aJgun,a coisa deve ser uma razão infi. nitamente
pedeita. Mas só há uma razão infinitamente pedeita pan se
faz.er alguma coisa: é fazê.la por Deus. Por isso, seria de· Deus, contrário à sua infinita pedeição, que Ele fbesse
indigno alguma
12 O FIM DA EXISTE'.\'CIA DO HOME\1
POR QUE ESTOU AQUI? 13

Talvez o compreendamos melhor se o aplicarmos a nós. Mesmo ciparmos da sua eterna felicidade no céu". As duas respostas são
para nós, a maior e melhor razão para fazermos alguma coisa é como que as duas faces da mesma moeda, o anverso e o reverso: a
fazê-la por Deus. Se a faço por outro ser humano - por mais bondade de Deus nos fez participar da sua felicidade e a nossa par
nobre que seja. como alimentar um faminto - e a faço especial ticipação na sua felicidade mostra a bondade de Deus.
mertte por essa razão, sem me referir a Deus de alguma forma, faço
algo imperfeito. Não é uma coisa má, mas é menos perfeita. Isso Bem, e que é essa felicidade de que vimos falanou e para a
seria assim, mesmo que se tratasse de um anjo ou da própria San tíssima qual Deus nos fez? Como resposta, comecemos com um exemplo:
Virgem, se prescindissem de Deus. Não existe maior motivo para fazer o do soldado americano que servia numa base estrangeira. Certo dia,
uma coisa que fazê-la por Deus. E isso é certo tanto para o que ' ao ler o jornal da sua terra, enviado pela mãe. viu a fotografia de
Deus faz como para o que nós fazemos. uma moça. O soldado não a conhece. Nunca ouviu falar nela. Porém,
A primeira razão, pois - a grande razão pela qual Deus fez
ao fitá-la, diz: "Oh, agrada-me esta moça. Gostaria de casar-me
o universo e nos fez a nós -, foi a sua própria glória: para mostrar
com ela".
o seu poder e bondade infinitos. Seu infinito poder mostra-5e pelo
O endereço da moça estava no pé da foto e o soldado decide
fato de existirmos. Sua infinita bondade, pelo fato de Ele nos querer
escrever-lhe, sem muita esperança de receber resposta. E. no entanto,
fazer participar do seu amor e felicidade. E se nos parece que Deus
a resposta chega. Começam uma correspondência regular, trocam
C egoísta por fazer as coisas para sua própria honra e glória, é por
fotografias e contam mutuamente todas as suas coisas. O soldado
que não podemos deixar de pensar nEle em termos humanos. Pen samos
enamora-se cada dia mais dessa moça, que nunca viu.
em Deus como se fosse uma criatura igual a nós. Mas o fato é que
Finalmente, o soldado é licenciado e volta para casa. Durante
não existe nada nem ninguém que mais mereça ser objeto do
dois anos cortejou-a à distância. Seu amor por ela fê-lo melhor sol
pensamento de Deus ou do seu amor que o próprio Deus.
dado e melhor homem; procurou ser o tipo de pessoa que ela queria
No entanto. quando dizemos que Deus fez o universo (e nos que fosse. Fez as coisas que ela desejaria que fizesse e evitou as que
fez a nós) para sua maior glória, não queremos dizer, evidentemente, a desagradariam se chegasse a conhecê-las. Já é um anseio ardente
que Deus necessitasse dela de algum modo. A glória que dão a por ela o que palpita em seu coração, e está voltando para casa.
Deus as obras da sua Criação é a que denominamos "glória extrín (. Podemos imaginar a felicidade que embeberá cada fibra de seu
seca". É algo fora de Deus, que não lhe acrescenta nada. É como ser ao descer do trem e tomar, enfim, a moça em seus braços? "Oh!
l - exclamará ao abraçá-la -, se este momento pudesse eternizar-se!".
no caso do artista que tem grande talento para a pintura e a mente
repleta de belas imagens. Se o artista projeta algumas dessas ima Sua felicidade é a felicidade do amor alcançado, do amor que se
gens sobre a tela, para que a gente as veja e admire, isso não acres encontra em completa posse da pessoa amada. Chamamos a isso
centa nada ao próprio artista. Não o torna melhor ou mais notável fruição do amor. O jovem recordará sempre este instante - instante
do que era. em que seu anseio foi premiado com o primeiro encontro real -
Assim Deus nos fez primordialmente para a sua honra e glória. como um dos momentos mais felizes da sua vida na terra.
Daí que a primeira resposta à pergunta "Para que nos fez Deus?" É também o melhor exemplo que podemos dar sobre a natureza
seja: "para mostrar a sua bondade" Porém, a principal maneira de da nossa felicidade no céu. É um exemplo penosamente imperfeito,
Deus demonstrar a sua bondade baseia-se no fato de nos haver extremamente inadequado, mas o melhor que pudemos encontrar.
criado com uma alma espiritual e imortal, capaz de participar da sua Porque a primordial felicidade do céu consiste exatamente nisto: em
própria felicidade. Mesmo nos assuntos humanos, sentimos que a que possuiremos a Deus infinitamente perfeito e seremos possuídos
bondade de uma pessoa se manifesta pela generosidade com que com por Ele, numa união tão absoluta e completa que nem sequer remo
partilha a sua pessoa e as suas posses com outros. Da mesma ma tamente podemos imaginar o êxtase que dela advirá.
neira, a bondade divina se manifesta sobretudo pelo fato de nos
fazer participar da sua própria felicidade, de nos fazer participar de Não será um ser humano que possuiremos, por admirável que
Si mesmo. seja. Será o próprio Deus. a quem nos uniremos de um modo
Por essa razão, ao respondermos do nosso ponto de vista à per pessoal e consciente: Deus que é Bondade, Verdade e Beleza infi
gunta: "Para que nos fez Deus?" dizemos que nos fez "para parti- nitas; Deus que é tudo, e cujo amor infinito pode satisfazer (como
nenhum amor na terra) todos os desejos e aspirações do coração
14 O Fnl DA EXISTE,;crA DO HO\IE\I QUE DEVO FAZER? 15

humano. Conheceremos então uma felicidade tão arrebatadora. que No céu, pelo contrário, não só seremos felizes com a máxima capa
diremos dela que "nem olho algum viu. nem ouvido algum ouviu, cidade do nosso coração, mas tere□os, além dis o. a perfeição final
nem o coração humano imaginou", segundo a citação de São Paulo da felicidade, por sabermos que nada no-la poderá arrebatar. Está
(1 Cor. 2,9). E esta felicidade, uma vez alcançada. nunca se poderá assegurada para sempre.
perder.
Mas isto não significa que se vá prolongar por horas, meses
e anos. O tempo é algo próprio do mundo material perecível. Quan QUE DEVO FAZER?
do deixarmos esta vida, deixaremos também o tempo que conhece
mos. Para nós, a eternidade não será "uma temporada muito longa". Temo que muitas pessoas encarem o céu como um lugar onde
A sucessão de momentos que experimentaremos no céu - o tipo encontrarão os seres queridos falecidos, mais do que o lugar onde
de duração que os teólogos chamam aevum - não serão ciclos cro encontrarão a Deus. É verdade que no céu veremos as pessoas que ridas,
nometráveis em horas e minutos. Não haverá sentimento de "espera", e que a sua presença nos alegrará. Quando estivermos com Deus,
nem sensação de monotonia, nem expectativa do amanhã. Para nós, estaremos com todos os que estão com Ele, e nos alegrará saber
o "agora" será a única coisa que contará. que nossos entes queridos estão ali, como talllbém Deus se alegra de
Nisto consiste a maravilha do céu: em que nunca acaba. Esta remos que estejam. Quereremos também que aqueles que aqui deixamos
absortos na posse do maior Amor que existe, diante do qual o mais alcancem o céu, como Deus quer que o alcancem.
ardente dos amores humanos é urna pálida sombra. E o nosso Mas o céu é algo mais do que uma reunião de família. Para
êxtase não será perturbado pelo pensamento de que um dia terá que todos, é Deus quem importa. Numa escala infinitamente maior, será
acabar, como ocorre com todas as felicidades terrenas. como uma audiência com o Santo Padre. Cada membro da família
que visita o Vaticano sente-se contente de que os demais estejam ali.
É claro que ninguém é absolutamente feliz nesta vida. Às vezes, Mas, quando o Papa entra na sala de audiências, é para ele, prin
muitos pensam que o seriam se pudesse alcançar todas as coisas que cipalmente, que se dirigem os olhos de todos. De modo semelhante,
desejam. Mas quando o conseguem - saúde, riqueza e fama: urna todos nós nos conheceremos e nos amaremos no céu. Mas nos
família carinhosa e amigos leais -, acham que ainda lhes falta algu ( .1 conheceremos e nos amaremos em Deus.
ma coisa. Ainda não são sinceramente felizes. Sempre falta algo
que seu coração deseja. Há pessoas mais sábias, que sahcm que n Nunca se ressaltará bastante que a felicidade do céu consiste
bem-estar material é uma fonte de felicidade que deci.':pciona. Com essencialmente na visão intelectual de Deus - na posse final e com pleta
frequência, os bens materiais são como a água salgada para o se de Deus, a quem nesta terra desejamos e amamos debilmente e de
dento, que, em vez de satisfazer à ânsia de felicidade, a intensifica. longe. E se este há de ser o nosso destino - estarmos eterna mente
Estes sábios descobriram que não há felicidade tão profunda e per unidos a Deus pelo amor -, disso se depreende que temos de
manente como a que brota de uma fé viva em Deus e de um ativo começar a amá-lo aqui nesta vida.
e frutífero amor de Deus. Mas mesmo estes sábios percebem que a Deus não pode elevar à plenitude o que nem sequer existe. Se
sua felicidade nesta vida nunca é perfeita, nunca é completa. Mais não há um princípio de amor de Deus em nosso coração, aqui, na
ainda. são eles, mais do que ninguém, quem sabe como a felicidade terra, não pode haver a fruição do amor na eternidade. Para isso
deste mundo é inadequada, e é precisamente nisso - no fato de nos colocou .Deus na terra, para que, amando o, estabeleçamos os
nenhum humano jamais ser perfeitamente feliz nesta vida - que alicerces necessários para a nossa felicidade no céu.
encontramos uma das provas da existência da felicidade eterna, Na epigrafe precedente falamos de um soldado que, servindo
que nos aguarda após a morte. numa base longínqua, vê o retrato de uma moça num jornal e se
Deus, que é infinitamente bom, não poria nos corações humanos enamora dela. Começa a escrever-lhe e, quando regressa ao lar,
esta ânsia de felicidade perfeita se não houvesse modo de satisfazê-la. acaba por fazê-la sua. É evidente que se, para começar, o jovem
Deus não tortura com a frustração as almas que criou. Mas, mes não se tivesse impressionado com a fotografia, ou se após umas pou
mo que as riquezas materiais ou espirituais desta vida pudessem sa cas cartas tivesse perdido o interesse por ela, pondo fim à corrcs
tisfazer todos os desejos humanos. permaneceria a certeza de que um pond ncia, essa moça não teria significado nada para ele, ao seu
dia a morte nos tirará tudo - e a nossa felicidade seria incompleta. regresso. E mesmo que a encontrasse na estaçf10, à chegada do trem.
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16 O Fnl DA EX!ST1':NCIA DO HOME I QUE DEVO FAZER? 17

para ele o seu rosto teria sido como outro qualquer na multidão.
Seu coração não se sobressaltaria ao vê-la.
11 sentimentos. Amar a Deus não significa que nnsso coração deva dar
saltos de cada vez que pensamos nElc. Algumas pessoas poderào
De igual modo, se não come amos a amar a Deus nesta vida,
' sentir seu amor a Deus dé modo emocional: mas não é isso o
não haverá maneira de nos unirmos a Eil: na eternidade. Para aquele essencial. Porque o amor a Deus reside na nmtadc Não é pelo
que entra na eternidade sem amor de Deus em seu coração, o céu. que semimos sobre Deus. mas pelo que estamos dispostos a fazer
simplesmente. não existirá. A sim como um homem sem olhos não
poderia ver a bekza do mundo que o rodeia. um homem sem amor
de Deus ni'i,9 poderá ver a Deus: entra na eternidade cego. NãQ é
j por Ele, que provamos o nosso amor a Deus.
E quanto mais fizermos aqui por Deus, tanlo maior será a nossa
felicidade no c u. Talvez pareça um paradoxo afirmar que no céu
que Deus diga ao pecador impenitente (n pecado não é senão uma uns ser t0 mais felizes que outros, quando antes havíamos dito que
negativa ao amor a Deus): "Como tu não me amas. nada quero no céu todos serão perfeitmnente felizes. Mas não há contradição.
contigo. Vai-te para o inferno!" O homem que morre sem amor Aqueles que mais tiverem amado a Deus nesta vida serão mais feli
a Deus, ou seja, sem arrepender-se de seu pecado. fez a sua própria zes quando esse amor se consumar no céu. Um homem que ama
escolha. Deus está ali. mas ele não o pode ver, assim como o sol
a sua noiva só um pouco, será feliz ao casar-si.: com ela. Mas outro
brilha, mas o cego não o pode ver.
que a ame mais, serú mais feliz que o primeiro na consumaçáo de
É evidente que não podemos amar o que não conhecemos. Isto seu amor. Da mesma maneira, quando cresce o nosso amor a Deus
nos leva a outro dever que temos nesta vida: aprender tudo o que (e a nossa ohcdiência t sua vontade), cresce a 1wssa capacidade de
pudermos sobre Deus. para poder amá-lo, manter vivo o nosso amor sermos felizes cm Deus.
e fazê-lo crescer. Voltando ao nosso soldado imaginário: se esse Em consequência, embora seja certo que cada bemwaventurado
jovem não tivesse visto a fotografia da moça, é claro que nunca teria será perfeitamente feliz, também é verdade que uns terão maior

j
chegado a amá-la. Não poderia ter-se enamorado de alguém de capacidade de felicidade que outros. Para citar um antigo exemplo:
quem nem sequer tivesse ouvido falar. E se, mesmo depois de ver uma garrafa de um quarto e uma garrafa de litro: ambas podem
a fotografia da moça, não lhe tivesse escrito e, pela correspondência, estar cheias, mas a garrafa de litro contém mais que a de um quarto.
tivesse conhecido o seu atrativo, o primeiro impulso de interesse j Ou, para sc,rvirwnos de outra comparação: seis pessoas ouvem urna
nunca se teria transformado em amor ardente.
(J sinfonia: todas estão absortas na música, mas haverá seis graus dife
Por isso "estudamos'' religião. Por isso temos aulas de catecis
mo na escola e cursos de religião no ensino médio e superior. Por rentes de saboreá-la, que dependerão dos conhecimentos e da capa
isso ouvimos sermões aos domingos e lemos livros e revistas de dou cidade de apreciar a música de cada um.
É, pois. tudo isto o que o catecismo quer dizer quando per
trina cristã. Por isso temos círculos de estudo, seminários e confe
rências. São parte do que poderíamos chamar a nossa "correspon gunta: "Que devemos fazer para adqüirir a felicidade do céu?", e
dência" com Deus. São parte do nosso esforço por conhecê-lo me depois responde: "Para adquirir a felicidade do céu, devemos conhe
lhor, para que nosso amor por Ele possa crescer. desenvolver-se e cer, amar e servir a Deus nesta vida". Essa palavra do meio, "amar",
conservar-se. é a palavra chave, essencial. Mas o amor não se dá sem prévio
conhecimento: é indispensável conhecer a Deus para poder amá-lo.
Há, evidentemente, uma única pedra de toque para provarmos { E não é amor verdadeiro aquele que não se manifesta em obras,
o nosso amor por alguém: é fazer o que agrada à pessoa amada, fazendo o que o amado quer. Assim, pois, devemos também servir
o que ela gostaria que fizéssemos. Servindo-nos uma vez mais do a Deus.
exemplo do nosso soldadinho: se, ao mesmo tempo que dissesse amar
a sua namorada e querer casar-se com ela, se dedicasse a gastar o Mas antes de darmos por conéluída a nossa resposta à pergunta:
seu tempo e dinheiro com prostitutas e em bebedeiras, seria um em '"Que devo fazer?", convém recordar que Deus não nos deixa aban
busteiro de primeira classe. Seu amor não seria sincero se não pro donados à nossa humana debilidade na tarefa de conhecê-lo, amá-lo
curasse ser o tipo de homem que ela quereria que fosse. e servi-lo. A felicidade do céu é uma felicidade intrinsecamente so
De modo parecido, só há uma maneira de provarmos o nosso brenatural. Não é algo a que tenhamos direito. É uma felicidade
amor a Deus: é fazer o que Ele quer que façamos. sendo o tipo de que ultrapassa a nossa natureza humana, que é sobrenatural. Mesmo
homem que Ele quer que sejamos. O amor a Deus nãü est'á nos amando a Deus. serwnos-ia impossível contemplá-lo no céu se Ele
não nos desse um poder especial. Este poder especial que Deus dá
18 O FIM DA EXIST1'NCIA DO HOM1'M
QUEM ME ENSINARA? 19
aos bem-aventurados - que não faz parte da nossa natureza huma
na e a que não temos direito - chama-se lumen gloriae. Se não Deus antecipou-se à nossa pergunta e respondeu a ela. E não
íosse por essa luz de glória, a felicidade mais alta a que poderíamos se limitou a pôr um livro em nossas mãos, e depois que nos arran
aspirar seria a felicidade natural do limbo. Seria uma felicidade jássemos o melhor que pudéssemos na sua interpretação. Deus en
muito semelhante àquela de que goza o santo nesta vida, quando viou Alguém da "matriz" para que nos dissesse o que precisamos
está em união próxima e extática com Deus, mas sem chegar a vê-lo. saber para decidir o nosso destino. Deus enviou nada menos que
seu próprio Filho. na Pessoa de Jesus Cristo. Jesus não veio à terra
A felicidade do céu é uma felicidade sobrenatural. Para alcan unicamente para morrer numa cruz e redimir os nossos pecados.
çá-la, Deus nos proporciona os auxílios sobrenaturais a que chama Jesus veio também para ensinar com a palavra e com o exemplo.
mos graças. Se Ele nos deixasse somente com as nossas forças, não Veio para nos ensinar as verdades sobre Deus que nos levam a
conseguiríamos jamais o tipo de amor que nos faria merecer o céu. amá-lo, e para nos mostrar o modo de vida que prova o nosso amor.
É um tipo especial de amor a que chamamos "caridade", e cuja se Jesus, na sua presença física e visível. subiu ao céu na quinta
mente Deus implanta em nossa vontade no Batismo. Se cumprirmos -feira da Ascensão. Mas concebeu o modo de permanecer conosco
a nossa parte, procurando, aceitando e usando as graças com que como Mestrt..'. até o fim dos tempos. Com seus doze apóstolos como
Deus nos provê, este amor sobrenatural crescerâ em nós e darâ núcleo e base, modelou um novo tipo de Corpo. É um Corpo
fruto. Místico, mais do que físico, pelo qual permanece na terra. As cé lulas
O céu é uma recompensa sobrenatural que alcançamos vivendo desse Corpo são pessoas, em lugar de protoplasma. Sua Ca beça é o
a vida sobrenatural, e essa vida sobrenatural é conhecer, amar e próprio Jesus, e a Alma é o Espírito Santo. A Voz deste Corpo é a
servir a Deus sob o impulso de sua graça. É todo o plano e toda do próprio Cristo, que nos fala continuamente para nos ensinar e guiar.
a filosofia de uma vida autenticamente cristã. A este Corpo, o Corpo Místico de Cristo, chama mos Igreja.
--,
É isto o que quer dizer o catecismo ao perguntar -cnmo pergun
QUEM ME ENSINARA? tamos nós-: "Quem nos ensina a conhecer, amar e servir a Deus?'',
e ao responder: "Aprendemos a conhecer, amar e servir a Deus por
Aqui, urna cenazinha que bem poderia acontecer: o diretor de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que nos ensina por meio da Igreja".
uma fábrica leva um de seus operários para junto de uma nova E para que tenhamos hem à müo as principais vt..'.rdadcs ensinadas
máquina que acaba de ser instalada. É enorme e complicada. O por Jesus Cristo, a Igreja as resumiu cm urna dcclaraçüo de fé a
diretor diz ao operário: "Eu o nomeio encarregado desta máquina. que chamamos Credo dos Apóstolos. Nele estão as verdades funda
Se fizer um bom trabalho com ela, terá uma bonificação de cinco mentais sobre as quais se baseia uma vida cristã.
mil dólares no fim do ano. Mas, como é uma máquina de grande O Credo dos Apóstolos é urna oração antiquíssima que ninguém
valor, se você a estragar, será despedido. Aqui está um folheto que sabe exatamente quando se enunciou com as palavras atuais. Data
explica o manejo da máquina. E agora, ao trabalho!". dos primeiros dias dos começos do Cristianismo. Os Apóstolos, de pois
"Um momento - dirá certamente o operário -. Se isto signi do Pentecostes e ante de começarem suas viagens missionárias por
fica ter um montão de dinheiro ou ficar sem trabalho, necessito de todo o mundo, formularam com certeza uma espécie de sumário das
algo mais que um livrinho. É muito fácil entender mal um livro. verdades essenciais que Cristo lhes havia confiado. Com ele, todos
E, além disso, a um livro não se podem fazer perguntas. Não seria ficavam certos de abranger essas verdades essenciais em suas pregações.
melhor chamar um desses que fazem as máquinas? Poderia expli Serviria também corno declaração de fé para os possíveis conversos,
car-me tudo e certificar-se de que entendi bem". antes de se im.:orporarern ao Corpo Místico de Cristo pelo Batismo.
Seria razoável o pedido do operário. Da mesma maneira, quan 1 Assim, podemos estar bem certos de que, quando entoamos o
do nos dizem que toda a nossa tarefa na terra consiste em "conhecer, "Creio em Deus Pai todo-poderoso ". recitamos a mesma profis
amar e servir a Deus", e que a nossa felicidade eterna depende de 1: são de fé que os primeiros convertidos ao Cristianismo - Cornélia
como fizermos isso bem feito, poderemos com razão perguntar: quem e Apolo. Ãquila, Priscila e os outros - tão orgulhosamente recita
me explicará a maneira de cumprir essa tarefa? Quem me dirá o que ram e com tanta alegria selaram com seu sangue.
preciso saber?
20 O Fnt DA EXISTENCIA DO HOMEM
QUEM ME ENSINARA? 21
Algumas das verdades do Credo dos Apóstolos, nós mesmos
as poderíamos ter encontrado, sob condições ideais. Tais são, por Desde o tempo de Cristo. houve muitas ocasiões em que Deus
exemplo, a existência de Deus, sua onipotência, o fato de ser o fez revelações a determinados santos e a outras pe soas. Estas men
Criador do céu e da terra. Outras. nós as conhecemos só porque sagens denominam-se revelações "privadas"'. Diferentemente das re
Deus no-las ensinou, corno o fato de Jesus Cristo ser o Filho de velações "públicas" dadas por Jesus Cristo e seus Apóstolos, estas
Deus, ou de haver três Pessoas em um só Deus. Ao conjunto de outras só exigem o assentimento dos que as recebem. Mesmo apa rições
verdades que Deus nos ensinou (algumas compreensíveis para nós tão famosas como as de Lourdes e Fátima, ou a do Sagrado Coração a
e outras acima do alcance da nossa razão) chamamos "revelação Santa Margarida Maria, não são o que chamamos "ma téria -de fé
divina", ou seja, as verdades reveladas por Deus. ("Revelar" vem divina". Se uma evidência clara e certa nos diz que essas aparições são
de uma palavra latina que significa "retirar o véu"). autênticas, seria uma estupidez duvidar delas. Mas. mesmo que as
Deus começou a retirar o véu sobre Si mesmo com as verdades negássemos, não incorreríamos em heresia. As reve lações privadas
que nosso primeiro pai, Adão, nos deu a conhecer. No decorrer não fazem parte do "depósito da fé".
dos séculos. Drus continuou a retirar o véu pouco a pouco. Fez
revelações sohn; Si mesmo - e sobre nós - aos patriarcas, como Agora que tratamos do tema da revelação divina, seria bom
Noé e Abraão: a Moisés e aos profetas que vieram depois dele, como indicar o livro que nos guardou muitas das revelações divinas: a
Jeremias e Daniel. Santa Bíblia. Chamamos à Bíblia a Palavra de Deus, porque foi o
As verdades reveladas por Deus desde Adão até o advento de próprio Deus quem inspirou os autores dos diferentes "livros" que
Cristo chamam-se "revelação pré-cristã". Foram preparação paula compõem a Bíblia. Deus os inspirou a escrever o que Ele queria
tina para a grande manifestação da verdade divina que Deus nos '• que se escrevesse, e nada mais. Por sua ação direta sobre a mente
faria por seu Filho Jesus Cristo. As vcrdacks dadas a conhecer dire e a vontade do escritor (seja este Isaías ou Ezequiel, Mateus ou
tamente por Nosso Senhor, por meio de seus Apóstolos sob a inspi Lucas), Deus Espírito Santo ditou o que queria que se escrevesse.
ração do Espírito Santo. chnmam-sc "revelação cristã". Foi, naturalmente, um ditado interno e silencioso. O escritor redi•
giria segundo o seu estilo de expressão próprio. Inclusive sem se
Por meio <lc Jesus Cristo, Deus completou a revelação de Si dar conta do que o levava a registrar as coisas que escrevia. lnclu
mc mo à humanidade. Já nos disse tudo o que precisamos saber sive sem perceber que estava escrevendo sdb a influência da inspi
para cumprirmos o nos o fim e alcançarmos a eterna união com Ele. ração divina. E, no entanto, o Espírito Santo guiava cada traço da
Consequentemente. após a morte do último Apóstolo (São João}, sua pena.
não há "novas" verdades que a virtude da fé exija que creiamos. É, pois, evidente que a Bíblia está livre de erros não porque a
Com o passar dos anos. os homens usarão da inteligência que Igreja disse, após um exame minucioso, que nela não há erros, mas
Deus lhes deu para examinar, comparar e estudar as verdades reve porque se9 autor é o próprio Deus, e o escritor humano um mero
ladas por Cristo. O depúsito da verdade cristà. como um botão que instrumento de Deus. A tarefa da Igreja foi dizer-nos quais os escri
se abre, irá desdobrando-se ante a meditaçüo e o exame das grandes tos antigos que são inspirados, conservá-los e interpretá•los.
inteligências de cada geração. Sabemos, por outro lado, que nem tudo o que Jesus ensinou
Naturalmente, nós no século XX compreendemos muito melhor está na Bíblia que muitas das verdades que constituem o depósito
os ensinamentos de Cristo que os cristüos do século I. Porém. a fé da fé nos vieram pelo ensinamento oral dos Apóstolos e foram
não depende da plenitude de comprcensüo. No que concerne às transmitidas de geração em geração por intermédio dos bispos, su
verdades de fé. nós cremos exatamente nas mesmas verdades cm que cessores dos Apóstolos. É o que chamamos Tradição da Igreia: as
creram os primeiros cristãm,. nas verdades que eles receberam de verdades transmitidas através dos tempos pela viva Voz de Cristo
Cristo e de seus porta-vozes. os Apóstolos. na sua Igreja.
Quando o sucessor de Pedro, o Papa. define solenemente um Nesta única fonte - a Bíblia e a Tradição - encontramos a
dogma - corno o <la Assunção -. não é que apresente uma nova revelação divina completa, todas as verdades em que devemos crer.
verdade para sl..":r crida: simplesmente nos dá púhlica notícia de que
se trata de uma verdade que data do h:mpo dos Ap1.1stolos e na
qual, por conseguinte. devemos crer.
QUEM É DEUS? 23

CAPÍTULO II Expressamos o conceito de Deus, como a origem de todo ser,


·, acima e mais além de tudo o que existe, dizendo que Ele é o Ser
DEUS E AS SUAS PERFEIÇÕES Supremo. Daí resulta que não pode haver senão um Deus. Falar
de dois (ou mais) seres supremos seria uma contradição. A pró
pria palavra "supremo" significa "acima dos demais". Se houvesse
dois deuses igualmente poderosos, um ao lado do outro, nenhum
deles seria supremo. Nenhum teria o infinito poder que Deus deve
ter por natureza. O "infinito" poder de um anularia o "infiniton
poder do outro. Cada um seria limitado pelo outro. Como diz Santo
Atanásio: "Falar de vários deuses igualmente onipotentes é como
falar de vários deuses igualmente impotentes".

Há um só Deus, que é Espírito. Para entendê-lo, precisamos


saber que os filósofos distinguem duas espécies de substâncias: as
espirituais e as físicas. Substância física é a que é feita de partes.
QUEM É DEUS? O ar que respiramos, por exemplo, é composto de nitrogênio e oxi gemo.
Estes, por sua vez, de moléculas, e as moléculas, de átomos, de
Certa vez li que um catequista pretendia ter perdido a fé quando neutrões e protões e eletrões. Cada pequeno fragmento do uni, verso
uma criança lhe perguntou: "Quem fez Deus?", e percebeu subita mente material é feito de substâncias físicas. As substâncias físicas trazem em
que não tinha resposta para lhe dar. Custa-me a crer nisso. porque me si os elementos da sua própria destruição, já que suas partes podem
parece que alguém com suficiente inteligência para ensi nar numa separar-se por corrupção ou destruição.
catequese teria que saber que a resposta é: "Ninguém"'. Pelo contrário, uma substância espiritual não tem partes. Não
A principal prova da existência de Deus está no fato de que tem nada que possa quebrar-se, corromper-se, separar-se ou dividir-se.
nada sucede a não ser que alguma coisa o cause. Os biscoitos não Isto se expressa em filosofia dizendo que uma substância espiritual
desaparecem do vasilhame a não ser que os dedos de alguém os é uma substância simples. Esta é a razão pela qual as substâncias
levem. Uma nogueira não brota do solo em antes cair ali uma noz. espirituais são imortais. A não ser por um ato direto de Deus, jamais
Os filósofos enunciam este princípio dizendo que "cada efeito deve deixarão de existir.
ter uma causa". Conhecemos três espécies de substâncias espirituais. Em primei
Assim, se recuamos até as origens da evolução do universo físi ro lugar, a do próprío Deus, que é Espírito infinitamente perfeito.
co (um milhão de anos, ou um bilhão, ou o que os cientistas quei Depois, a dos anjos, e por último, a das almas humanas. Nos três
ram), chegaremos por fim a um ponto em que precisaremos per casos há uma inteligência que não depende de nenhuma substância
guntar: "ótimo, mas quem o pôs em movimento? Alguém teve física para atuar. É verdade que, nesta vida, a nossa alma está unida
que pôr as coisas a andar, ou não haveria universo. Do nada, nada a um corpo físico e que depende dele para suas atividades. Mas
vem." Os bebês vêm de seus pais e as flores vêm das sementes, não é uma dependência absoluta e· permanente. Quando se separa
mas tem que haver um ponto de partida. Há de haver alguém não do corpo pela morte, a alma continua atuando. Continua a conhe
feito por outro, há de haver alguém que tenha existido sempre, al cer, a querer e a amar, inclusive mais livremente do que nesta vida
guém que não teve começo. Há de haver alguém com poder e inte mortal.
ligência sem limites, cuja própria natureza seja existir. Se queremos imaginar como é um espíríto (tarefa difícil, pois
Esse alguém existe e esse Alguém é exatamente Aquele a quem "imaginar" significa compor uma imagem, e aqui não há. imagem
chamamos Deus. Deus é aquele que existe por natureza própria. que possamos adquirír); se queremos fazer uma idéia do que é um
A única descric;ão exata que podemos dar de Deus é dizer que é espírito, devemos pensar como seríamos se o nosso corpo se evapo
"Aquele que é". Por isso, a resposta ao menino perguntador seria rasse subitamente. Ainda conservaríamos todo o conhecimento que
simplesmente: "Ninguém fez Deus. Deus existiu sempre e sempre possuímos, todos os nossos afetos. Ainda seríamos e !. mas sem
existirá." corpo. Seríamos, pois, espírito.
24 DEUS E AS SUAS PERFEIÇÕES QllE t ll DEUS? 25

Se ..espírito" é uma palavra difícil de compreender, "infinito" seu plano para a humanidade, não anda interferindo continuamente
ainda o é mais. ''Infinito"' significa "não finito" e, por sua vez, ·, para arrebatar-lhe esse dom da liberdade. Com esse livre arbítrio
'·finito" quer dizer "limitado". Uma coisa é limitada quando tem 4uc Deus nos deu, temos que lavrar o nosso destino até o seu final
um limite ou capacidade que não pode ultrapassar. Todo o criado - até a felicidade eterna, se a escolhermos como meta e se quiser
é finito de algum modo. Tem limites a água que o Oceano Pacífico mos aceitar e utilizar o auxílio da graça divina -, mas livres até
pode conter. Tem limites a energia do átomo de hidrogênio. Tem o fim.
limites inclusive a santidade da Virgem Maria. Mas em Deus ncio O mal é idéia do homem, não de Deus. E se o inocente e o
há limites de nenhum gl;nero; Deus não está limitado em nenhum justo têm que sofrer a maldade dos maus, sua recompensa no final
sentido. será maior. Seus sofrimentos e lágrimas nada serão em comparação
com o gozo vindouro. E, no entretanto, Deus guarda sempre os que
O catecismo nos diz que Deus é "um Espírito infinitamente per o guardam em seu coração.
feito"'. O que significa que não há nada de bom, apetecível e valioso
que não se encontre em Deus, em grau absolutamente ilimitado. Tal A seguir, vem a realidade do infinito conhecimento de Deus.
vez o expressemos melhor se invertermos a frase e dissermos que nada Todo o tempo - passado, presente e futuro -; todas as coisas -
há de bom, apetecível ou valioso no universo que não seja reflexo as que são e as que poderiam ser -; todo o conhecimento possível
(uma faisquinha, poderíamos dizer) dessa mesma qualidade segundo é o que poderíamos chamar "um único grande pensamento" da men
existe incomensuravelmente cm Deus. A beleza de uma flor, por te divina. A mente de Deus contém todos os tempos e toda a
exemplo, é um reflexo minúsculo da beleza sem limites de Deus, e criação, assim como o ventre materno contém toda a criança.
assim como um fugaz raio de lua é um pálido reflexo da cegante Deus sabe o que farei amanhã? Sim. E na próxima semana?
luz solar. Também. Então, não é o mesmo que ter que fazê-lo? Se Deus sabe
As perfeições de Deus são da mesma substância de Deus. Se 4ue na terça-feira irei de visita à casa de tia Beatriz, como posso
quiséssemos expressar-nos com perfeita exatidão, não diríamos que não fazê-lo?
"Deus é bom", mas sim que "Deus é a bondade''. Deus, falando Esta aparente dificuldade, que um momento de reflexão nos re
com propriedade, não é sábio: é a Sabedoria. solverá, nasce de confundirmos Deus conhecedor com Deus causador.
Não podemos entreter-nos aqui a expor todas as maravilhosas Que Deus saiba que irei ver minha tia Beatriz não é a causa que
perfeições divinas, mas, ao menos, daremos uma vista de olhos em me faz ir. Antes ao contrário, é a minha decisão de ir à casa de
algumas. Já tratamos de uma das perfeições de Deus: a sua eter minha tia Beatriz que dá pé para que Deus o saiba. O fato de o
nidade. Homens e anjos podem ser qualificados de eternos, já que meteorologista, estudando seus mapas, saber que choverá amanhã,
nunca morrerão. Mas tiveram princípio e estão sujeitos a mudanças. não causa a chuva. É ao contrário. A condição indispensável que
Só Deus é eterno em sentido absoluto; não só jamais morrerá, como faz que amanhã vá chover é que proporciona ao meteorologista a
também jamais houve um tempo em que não existisse. Ele será - base para saber que amanhã choverá.
como sempre foi - sem mudança alguma. Para sermos teologicamente exatos, convém dizer aqui que, fa
lando em termos absolutos, Deus é a causa de tudo o que acontece.
Deus é, como dissemos, bondade infinita. Não há limites à sua Deus é por natureza a Primeira Causa. Isto quer dizer que nada
bondade, que é tal, que ver a Deus será amá-lo com amor irresistível. cxisle nem nada acontece que não tenha a sua origem no poder infi
E essa bondade se derrama continuamente sobre nós. nito de Deus. No entanto, não há necessidade de entrar aqui na ques
Alguém poderá perguntar: "Se Deus é tão bom, por que per tão filosófica da causalidade. Para o nosso propósito, basta saber
mite tantos sofrimentos e males no mundo? Por que deixa que haja que a presciência divina não me obriga a fazer o que eu livremente
crimes, doenças e misérias?" Escreveram-se bibliotecas inteiras sobre decido fazer.
o problema do mal, e não se poderá pretender que tratemos aqui
deste tema como merece. Não obstante, o que podemos é mencionar Outra perfeição de Deus é que não há limites à sua presença;
que o mal, tanto físico como moral, na medida em que afeta os dizemos dEle que é "onipresente". Está sempre em toda a parte. E
seres humanos, veio ao mundo como consequência do pecado do como poderia ser de outro modo, se não há lugares fora de Deus?
homem. Deus, que deu ao homem o livre arbítrio e pôs em marcha Ele está neste escritório em que escrevo, está no quarto em que você
26 DEUS E AS SUAS PERFEIÇOES

me lê. Se algum dia uma aeronave chegar a Marte ou a Vênus, o CAPÍTULO III
astronauta não estará só ao alcançar o planeta; Deus estará ali.
Note-se que a presença sem limites de Deus nada tem a ver A UNIDADE E A TRINDADE DE DEUS
com o tamanho. O tamanho é algo que pertence à matéria física.
"Grande" e "pequeno" não têm sentido se aplicados a um espírito,
e menos ainda a Deus. Não, não é que uma parte de Deus esteja
num lugar e outra noutro. Todo o Deus está em toda a parte. Tra
tando-se de Deus, espaço é palavra tão sem significado como ta
manho.

Outra perfeição divina é seu poder infinito. Deus pode fazer


tudo: é onipotente. "Pode fazer um círculo quadrado?". poderia al guém
perguntar. Não, porque um circulo quadrado não é algo, é nada, é
uma contradição nos seus próprios termos, como dizer luz do dia COMO É QUE SÂO TRES?
referindo-se à noite. "Deus pode· pecar?". Não, de novo, porque o
pecado é nada, é uma falha na obediência devida a Deus. Enfim, Deus Estou certo de que n nhum de nós se daria ao trabalho de ex
pode fazer tudo menos o que é não ser, nada. plicar um problema de física nuclear a uma criança de cinco anos.
Deus é também infinitamente sâbio. Foi Ele quem fez tudo, E, não obstante, a distância que há entre a inteligência de uma
de tal modo que, evidentemente, sabe qual é a melhor maneira de criança de cinco anos e os últimos avanços da ciência é nada em
usar as coisas que fez, qual é o melhor plano para as suas criaturas. comparação com a que existe entre a mais brilhante mente humana
Alguém que se queixe: "Por que Deus faz isto?", ou "por que Deus e a verdadeira natureza de Deus. Há um limite para o que a mente
não faz isto e aquilo?", deveria lembrar-se de que uma formiga tem humana - mesmo em condições ótimas - pode captar e entender.
mais direito a criticar Einstein do que o homem, em sua limitada Sendo Deus um ser infinito, nenhum intelecto pode alcançar as suas
inteligência, a pôr em dúvida a infinita sabedoria de Deus. '{ profundidades.
Não é preciso ressaltar a infinita santidade de Deus. A beleza Por isso, ao revelar-nos a verdade sobre Si mesmo, Deus tem
espiritual dAquele em quem tem origem toda a santidade humana que se contentar com enunciar-nos simplesmente qual é essa verdade.
é evidente. Sabemos que a própria santidade sem mancha de Santa O "como" dela está tão ·1onge de nossas faculdades nesta vida, que
Maria, ante o esplendor radiante de Deus, seria como a chama de nem o próprio Deus trata de no-lo explicar.
um fósforo comparada com o fulgor do sol. Uma dessas verdades é que, havendo um só Deus, existem nEle
E Deus é todo misericórdia. Deus perdoa tantas vezes quantas três Pessoas divinas - Pai, Filho e Espírito Santo. Há uma só na
nos arrependemos. Há um limite para a minha paciência e para a tureza divina, mas três Pessoas divinas. No plano humano, "natu
tfaquele outro, mas não para a infinita misericórdia de Deus. Mas reza" e "pessoa" são praticamente uma e a mesma coisa. Se num
Ele é também infinitamente justo. Deus não é uma vovózinha in quarto há três pessoas, três naturezas humanas estão lá presentes;
dulgente que fecha os olhos aos nossos pecados. Se nos recusarmos se estivesse presente uma só natureza humana, haveria uma só pes
a amá-lo - e para amá-lo é que existimos -, embora Ele nos queira soa. Assim, quando procuramos pensar em Deus como três Pessoas
no céu, a sua misericórdia não anulará a sua justiça. com uma só e a mesma natureza, é corno se estivéssemos dando
Tudo isto e mais é o que queremos significar quando dizemos: cabeçadas contra um muro.
'"Deus é um espírito infinitamente perfeito". Por isso, às verdades de fé como esta da Santíssima Trindade,
chamamos "mistérios de fé". Cremos nelas porque Deus no-las
manifestou, e Ele é infinitamente sábio e veraz. Mas, para sabermos
como é que isso pode ser, temos que esperar que Ele nos mani
feste a Si mesmo por inteiro, no céu. Os teólogos podem, é claro,
dar-nos alguns pequenos esclarecimentos. Assim, explicam que a

l
28 A u;-.;mADE E A THl'illAllE DE DEL'S
C0\10 E QUE SAO THES? 29

distinção entre as tró Pessoas divinas tem por base a rdaçüo que
existe i:ntrc elas.
natureza que amhos possuem em comum. Ao verem-se (falamos,
Temos lkLb Pai. 4ue se contempla na sua mente di\ ina e se vê naturalmente, i.:m termos humano ). contemplam nessa natureza tudo
l' que é belo e hom - quer dizer. tudo o que produz amor - em
como n:alim:nte l\ fnrmulanJo um pensamento sobre Si mesmo.
Você e cu, muitas \·CLCS, fazemos o mesmo. Concentramos o olhar grau infinito. E assim a vontade divina origina um ato de amor infi
em nós e formamos um pensamento sohrc nós mesmos. Este pen nito para com a bondade e a beleza divinas. Uma vez que o amor
samento se expressa nas palavras silenciosas "Jofto Pereira"' ou "Maria de Deus por Si mesmo. tal como o conhecimento de Deus sobre Si
das Neves··. mesmo, é da própria natureza divina, tem que ser um amor vivo.
Mas há uma diferença entre o nosso conhecimento próprio e o Este amor infinitamente perfeito. infinitamente intenso. que derna nu:nte
de Deus sobre Si mesmo. Nosso conhecimento próprio é imperfeito, flui do Pai e do Filho, é o qut: chamamos Espírito Santo, "que
prncede do Pai e do Fil.ho''. É a terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
incompleto (os nossos amigos podem dizer-nos coisas sobre nós que
Resumindo:
nos surpreenderiam. e nem vamos falar no que podem dizer os nos
- Deus Pai é Deus conhecendo-se a Si mesmo.
sos inimigos!).
- Deus Filho é a cxprcssf10 do conhecimento de Deus sobre
Mas, ainda que nos conhecêssemos perfeitamente, ainda que o
i mesmo.
conceito que temos acerca de nós, ao enunciarmos em silêncio o
- Deus Espírito Santo é o resultado do amor de Deus por Si
nosso nome, fosse completo, ou seja, uma perfeita reprodução de
mesmo.
nós mesmos, seria apenas um pensamento que não sairia do nosso
interior: sem existência independente, sem vida própria. O pensa Esta é a Santíssima Trindade: três Pessoas divinas em um só
mento deixaria de existir, mesmo em minha mente, tão logo eu vol Deus, uma natureza divina.
tasse a minha atençüo para outra coisa. A razão é que a existência Um pequeno exemplo poderia esclarecer-nos a respeito da rela
e a vida não são parte necessária de um retrato meu. Houve um
•-10 que existe entre as três Pessoas divinas: Pai. Filho e Espírito
tempo em que eu não existia cm absoluto, e hoje eu voltaria ime
Santo.
diatamente ao nada se Deus não me mantivesse na existência.
Suponha que você se olha em um espelho de corpo inteiro. Você
Mas com Deus as coisas são muito diferentes. Existir é próprio \ ê uma imagem perfeita de si mesmo, com uma exceção: não é
da natureza divina. Não há outra maneira de conceber Deus ade senão um reflexo no espelho. Mas se a imagem saísse dele e se
quadamente senão dizendo que é o Ser que nunca teve princípio, pusesse a seu lado, viva e palpitante como você, então sim, seria a
que sempre foi e sempre será. A única definição real que podemos ua imagem perfeita. Porém, não haveria dois vocês, mas um só
dar de Deus é dizer que é "Aquele que é". Assim se definiu Ele a Você, uma natureza humana. Haveria duas "'pessoas", mas só urna
Moisés, como recordamos: "Eu sou Aquele que é". menk e uma vontade, <.:ompartilhando o mesmo conhecimento e os
Se o conceito que Deus tem de Si mesmo deve ser um pensa mesmos pensamentos.
mento infinitamente completo e perfeito, tem que incluir a existência, Depois, já que o amor de si (o amor de si bom) é natural em
já que a existência é própria da natureza de Deus. A imagem que todo ser inteligente, haveria uma corrente de amor ardente e mútuo
Deus vê de Si mesmo, a Palavra silenciosa com que eternamente se entre você e a sua imagem. Agora, dê asas à sua fantasia e pense
expressa a Si mesmo, deve ter uma existência própria, distinta. A na existência desse amor corho uma parte tão de você mesmo, tão
este Pensamento vivo em que Deus se expressa perfeitamente a Si profundamente enraizado na sua própria natureza, que chegasse a
mesmo chamamos Deus Filho. Deus Pai é Deus conhecendo-se a ser uma reprodução viva e palpitante de você mesmo. Este amor
Si mesmo; Deus Filho é a expressão do conhecimento que Deus tem seria uma "terceira pessoa" (mas, mesmo assim, nada mais que um
de Si. Assim, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade é chamada VocJ, \emhre-se: uma sú natureza humana), uma terceira pessoa que
Filho, precisamente porque é gerada desde toda a eternidade, en estaria entre você e a sua imagem, e os três unidos. de mãos dadas:
gendrada na mente divina do Pai. Também a chamamos Verbo de tr s pessoas numa S(1 natureza humana.
Deus, porque é a "Palavra mental" em que a mente divina expressa Talvez csti.: vtm da imaginação possa ajudar-uos a entender con
o pensamento so'bre Si mesmo. fusamente a rdação que existe entre as três Pessoas da Santíssima
Depois, Deus Pai (Deus conhecendo-se a Si mesmo) e Deus Trindade: Deus Pai "olhando-se" a Si mesmo em sua mente divina
filho (o conhecimento de Deus sobre Si mesmo) contemplam a e mostrando ali a Imagem de Si, tão infinitamente perfeita que é
30 A UNIDADE E A TRINDADE DE DEC,

uma imagem viva: Deus Filho; e Deus Pai e Deus Filho amando CAPfTULO IV
como amor vivo a natureza divina que ambos possuem cm comum:
Deus Espírito Santo. Três Pe:;soas divinas, uma natureza divina. A CRIAÇ~lO E OS ANJOS
Se o exemplo que utilizei não nos ajuda nada a formar o nosso
conceito da Santíssima Trindade, não temos por que sentir-nos frustra
dos. Estamos perante um mistério de fé, e ninguém, nem o maior
dos teólogos, poderá aspirar a compreendê-lo realmente. O máximo
a que se pode chegar é a diferentes graus de ignorância.
Ninguém deve sentir-se frustrado por haver mistérios de fé. Só
uma pessoa que sofra de soberba intdectual consumada pretenderá
abarcar o infinito, a insondável profundidade da natureza de Deus.
Mais que sentir com amargura as nossas limitações humanas, temos .-. '
) V,,.)
que encher-nos de agradecimento. porque Deus se dignou dizer-nos
tanto sobre Si mesmo, sobre a sua natureza íntima.
Ao pensarmos na Trindade Santíssima, temos que estar cm guar COMO COMEÇOU A CRIAÇÃO?
da contra um erro: nüo podemos pensar em Deus Pai como aquele
que "vem primeiro", em Deus Filho como aquele que vem depois, )'-As vezes, um costureiro, um pasteleiro ou um perfumista se ga
e em Deus Espírito Santo como aquele que vem ainda um pouco bam de lançar uma nova "criação". Quando isto ocorre, usam a
mais tarde. Os três süo igualmente eternos porque possuem a mes palavra "criação" num sentido muito amplo. Por nova que seja
ma natureza divina; o Verbo de Deus e o Amor de Deus são tão uma moda, terá que se basear num tecido de algum tipo. Por agra
sem tempo como a Natureza de Deus. E Deus Filho e Deus Espí dável que seja uma sobremesa ou um perfume, tem que se basear
rito Santo nflo estão subordinados ao Pai de modo algum; nenhuma nalguma espécie de ingrediente.
das Pessoas é mais poderosa, mais sábia, maior que as demais. As "Criar" significa "fazer do nada". Falando com propriedade,
três têm igual perfeição infinita, igualmente baseada na única natu só Deus, cujo poder é infinito, pode criar.
reza divina que as três possuem. Há cientistas que se afanam hoje em dia nos laboratórios, ten
Não obstante, atribuímos a cada Pessoa divina certas obras, tando "criar" vida em tubos de ensaio. Uma vez e outra, após fra cassos
certas atividades que parecem mais apropriadas à particular relação repetidos, misturam seus ingredientes químicos e combinam suas
desta ou daquela Pessoa divina. Por exemplo, atribuímos a Deus moléculas. Não sei se algum dia conseguirão ter êxito ou não.
Pai a obra da criação, já que pensamos nEle como o "gerador", o Mas, ainda que a sua paciência seja recompensada, não se poderá
instigador, o motor de todas as coisas, a sede do infinito poder que dizer que chegaram a "criar' uma nova vida. Terão trabalha do todo
Deus possui. o tempo com materiais que Deus lhes proporcionou.-.
Do mesmo modo, como Deus Filho é o Conhecimento ou a Quando Deus cria, não necessita de materiais ou utensílios para
Sabedoria do Pai, atribuímos-lhe as obras de sabedoria; foi Ele que poder trabalhar. Simplesmente, quer que alguma coisa seja, e é.
veio à terra para nos dar a conhecer a verdade e transpor o abismo "Faça-se a luz", disse Ele no princípio, "e a luz foi .. " "Faça-se
entre Deus e o homem. um firmamento no meio das águas", disse Deus, "e assim se fez•·
Finalmente, sendo o Espírito Santo o amor infinito, apropria (Gen 1, 3-6).
mos-lhe as obras de amor, especialmente santificação das almas, A vontade criadora de Deus não só chamou todas as coisas à
que resulta da habitação do Amor de Deus em nossa alma. existência, como as mantém nela. Se Deus retirasse o sustentáculo
Deus Pai é o Criador, Deus Filho é o Redentor, Deus Espírito da sua vontade a qualquer criatura, esta deixaria de existir naquele
Santo é o Santificador. E, não obstante, o que Um faz, Todos o mesmo instante_: voltaria ao nada do qual saiu.
fazem; onde Um está, estão os Três. As primeiras obras da criação divina que conhecemos ( Deus
Este é o mistério da Trindade Santíssima: a infinita variedade não tem por que dizer-nos tudo) são os anjos. Um anjo é um espí
na unidade absoluta, cuJa heleza nos inundará no céu. rito, quer dizer, um ser com inteligência e vontade, mas sem corp0,
32 A CRIAÇÃO E OS ANJOS COMO cmIEÇOlJ A CRIAÇÃO. 3:J

sem dependência alguma da matéria. A alma humana também é


um espírito, mas a alma humana nunca será anjo, nem sequer du• tudo é que podemos ir para esse mundo sem a a.iuda Ji.: naves inter
rante o tempo em que, separada do corpo pela morte, esperar a planetárias. É um mundo para o qual. se quist:rmn . iri.:mns.
ressurreição. Quando Deus criou os anjos. dotou cada um dL' uma vontade
que o faz supremamente livre. Sabemos que o preço do céu é amar
A alma humana foi feita para estar unida a um corpo físico.
a Deus. Por um ato de amor a Deus. um espírito. seja anjo ou
Dizemos que tem "afinidade" para um corpo. Uma pessoa humana,
alma humana, fica habilitado a ir para o c u. E i.:stc amor tem
composta de alma e corpo, será incompleta sem corpo. Falaremos
que ser provado pelo único modo com que o amor pode ser pro
mais extensamente disto quando tratarmos da ressurreição da carne.
vado: pela livre e voluntária submissão da vontade criada a Deus.
Mas, de momento, queremos apenas salientar o fato de que um anjo
por aquilo a que chamamos comumente um "ato de ohediência" ou
sem corpo é uma pessoa completa, e que um anjo é muito superior
ao ser humano. um "ato de lealdade".)(
Deus fez os anjos com livre arbítrio para que fossem capazes
Hoje em dia, há muita literatura fantástica sobre os "marcianos".
de fazer o seu ato de amor a Deus, de escolher Deus. Só depois
Estes presumíveis habitantes do nosso planeta vizinho são geralmente é que o veriam face a face; só entào poderiam entrar nessa união
representados como mais inteligentes e poderosos que nós, pobres eterna com Deus a que chamamos "céu".
mortais ligados à terra. Mas nem o mais engenhoso dos escritores
Deus nüo nos deu a conhecer a espécie de prova a que submeteu
de ficção científica poderá fazer justiça à beleza deslumbrante, à in os anjos. Muitos teólogos pensam que Ele deu aos anjos uma visão
teligência poderosa e ao formidável poder de um anjo. Se isto é prévia de Jesus Cristo, o Redentor da raça humana, e lhes mandou
assim na ordem inferior das hostes celestiais - na ordem dos pro que o adorassem. : Jesus Cristo em todas as suas humilhações,
priamente chamados anjos -, que não dizer das ordens ascendentes uma criança no estábulo, um criminoso na cruz. Segundo esta teo
de espíritos puros que se encontram acima dos anjos? Na Sagrada ria, alguns anjos se teriam rebelado ante a perspectiva de terem que
Escritura enumeram-se os arcanjos, os principados, as potestades, as adorar Deus encarnado. Conscientes da sua própria magnificência
virtudes, as dominações, os tronos, os queruhins e os serafins. É espiritual, da sua beleza e dignidade, não quiseram fazer o ato de
muito possível que um arcanjo esteja a tanta distância de um anjo, submissão que a adoração a Jesus Cristo lhes pedia. Sob a chefia
cm perfeiçüo, como este de um homem. ·< /!ª! de um dos anjos mais dotados, Lúcifer, "Portador da luz", o pecado
Aqui em baixo, evideJitcrnente, sahcmos hem pouco sobre os de orgulho afastou de Deus muitos anjos, e o terrível grito ",um
serviam", "não servirei", percorreu os céu_s.1,,,
anjos, sohrc a sua natureza íntima ou os graus dt: distinção que há
entre eles. Nem sequer sabemos quantos são, mesmo que a Bíblia
indique que seu número é muito grande. "Milhares de milhares O E assim começou o inferno. Porque o inferno é, essencialmente,
servem e mil milhões mais estão diante dEle", diz o livro de Daniel a separação de Deus de um espírito. Mais tarde, quando a raça
(7, 10). humana pecou na pessoa de Adão, Deus daria ao gênero humano
uma segunda oportunidade. Mas não houve segunda oportunidade
Só nos foram dados a conhecer os nomes de três anjos: Gabriel,
para os anjos rebeldes. Dadas a perfeita clareza da sua mente
"Fortaleza de Deus": Miguel, "Quem como Deus?": e Rafael, "Re médio angélica e a desimpedida liberdade da sua vontade angélica, nem a
de Deus". Com respeito aos anjos, é como se Deus se tivesse contentado infinita misericórdia de Deus podia encontrar desculpa para o pe
com deixar-nos vislumbrar apenas a magnificência e as maravilhas que cado dos anjos. Compreenderam (num grau a que Adão jamais
nos aguardam no mundo para além do tempo e do espaço. Como as poderia chegar) quais seriam as consequências do seu pecado. Neles
linhas de perspectiva de um quadro conduzem a atenção para o assunto não houve "tentação" no sentido em que ordinariamente entende
central, assim os coros ascendentes dos espí ritos puros levam mos a palavra. Seu pecado foi o que poderíamos chamar um pecado
irresistivelmente a nossa atenção para a suprema Majestade de Deus, de "a sangue frio". Por terem rejeitado Deus, deliberada e plenamente,
um Deus cuja infinita perfeição é incomen suravelmente superior à do suas vontades permaneceram fixas contra Deus, fixas para sempre.
mais excelso dos serafins.1'. Neles não é possível o arrependimento, eles não querem arrepen der-
E recordemos que não estamos falando de um mundo de fan se. Fizeram a sua escolha por toda a eternidade. Neles arde um
tasia e imaginação. É um mundo muito mais real que o planeta ódio perpétuo contra Deus e contra todas as suas obras'.')(
Marte, mais substancial que o chão que pisamos. Mas o melhor de Não sabemos quantos anjos pecaram; Deus não quis informar-
ai A CRIAÇAO E OS A:S:JOS
O !llA!lO E REAL 35
-nos act:rca disso. Pdas rderências da Sagrada Escritura, infe.rimos
que os anjos caídos (os "demônios". como comumente os chama A inevitável e constante convivência ela alma com estes espíritos,
mos) são numerosos. I\1as o mais prnvúvel é que a maioria das cuja maldade sem paliativos é uma força viva e ativa, não será o
hostes celestiais tenha permanecido fiel a Deus, tenha feito seu ato menor dos horrores do inferno. Nesta vida sentimos desgosto, mal
de Submissão a Deus e esteja com Ele no céu. -estar, quando encontramos alguém manifestamente depravado. Com
Frequentemente chama-se "Satanás'' ao demônio. É uma pala dificuldade suportaremos, pois. a idéia do que será estar agrilhoado
vra hebraica que significa "adversário". Os diabos são. c1aro está, por toda a eternidade à maldade viva e absoluta, cuja força de ação
os adversários, os inimigos dos homens. Em seu ódio inextinguível ultrapassa incomensuravelmente a do homem mais corrompido.)('
a Deus, é natural que odeiem também a sua criatura, o homem. Seu Com dificuldade suportaremos pensar nisso, embora devamos
ódio torna-se ainda mais compreensível à luz da crença de que Deus fazê-lo de vez fm quando. Nosso grande perigo aqui na terra é
criou os homens precisamente para substítuir os anjos que pecaram, esquecer que o diabo é uma força viva e atuante. Mais perigoso
para preencher o vazio que deixaram com a sua deserção. X ainda é deixar-nos influir pela soberba intelectual dos incrédulos. Se
Ao pecarem, os anjos rebeldes não perderam nenhum de seus nos dedicássemos a ler livros "científicos" e a escutar gente "esperta"
dons naturais. O diabo possui uma acuidade intelectual e um poder que pontifica que o diabo é "uma superstição medieval" há muito
sobre a natureza impróprios dos meros seres humanos. Toda a sua superada, insensivelmente acabaríamos por pensar que se trata de uma
inteligência e todo o seu poder concentram-se agora em afastar do figura retórica, de um símbolo abstrato do mal, sem substância real.
céu as almas a ele destinadas. Os esforços do diabo encaminham-se Seria um erro fatal. Nada convém mais ao diabo do que esquecer
agora incansavelmente no sentido de arrastar o homem ao seu mesmo mo-nos dele, ou nãn lhe prestarmos atenção e, principalmente, não
caminho de rebelião contra Deus. Em consequência, dizemos que acreditarmos nele. Um inimigo de cuja presença não suspeitamos, que
os diabos nos tentam ao pecado. pode atacar emboscado. é duplamente perigoso. As possibilidades
Não conhecemos o limite exato do seu poder. Ignoramos até de vitória de um inimigo aumentam em proporção à cegueira ou inad
que ponto podem influir sobre a natureza humana, até que ponto vcrt ncia da vítima. )(
podem dirigir o curso normal dos acontecimentos para induzir-nos
à tentação, para levar-nos ao ponto em que devemos decidir entre O que Deus faz, nüo o desfaz. O que Deus dá. nfío o tira.
a vontade de Deus e a nossa vontade pessoal. Mas sabemos que Ele deu aos anjos intdigência e poder de ordem superior, e não os
o diabo nunca poderá forçar-nos a pecar. Não pode destruir a nossa revoga, nem mesnrn no caso dos anjos rebeldes. Se um simples ser
liberdade de escolha. Não pode, por assim dizer, forçar-nos a um humano pode indu?ir nos a pecar, se um c0mpanheiro pode dizer:
"sim", quando realmente queremos dizer "não". Mas é um ad "Vem cá, Jm,é, vamos sair de farra esta noite"; se uma vizinha
versário a quem é muito saudável temer.X pode dizer: "Por que você não experimenta isto, Rosa? Você tam
bém tem o direito <le descansar e de não ter mais filhos por algum
tempo", o dcmúnio pode mais ainda, colocando-nos perante tenta
O DIABO É REAL? çôç;:s utis e muito menos claras. J\.
Mas não pode fazer-nos pecar. Não há poder na terra ou no
Alguém disse que o mais encarniçado dos pecadores dedica mais inferno que possa fazer-nos pecar. Sempre temos o nosso livre arbí
tempo a fazer coisas boas ou indiferentes do que coisas más. Em trio: sempre nos fica a nossa capacidade de escolher, e essa decisão,
outras palavras, que sempre há algum bem, mesmo no pior dos ninguérn a pode impor-nos. José pode dizer "não!" ao companheiro
homens. que lhe proplis a noik <le farra. Rosa pode dizer "nfü1!" à vizinha
É isto o que torna tão difícil compreender a real natureza dos que lht: recomendou o anticoncepcional. E todas as tentações que
demônios. Os anjos caídos são espíritos puros sem corpo. São abso o diabo possa apresentar-nos rw nosso caminho, por mais fortes
lutamente imateriais. Quando fixaram a sua vontade contra Deus que sejam, pockm Sl'r repelidas com a mesma firmeza. Não há pe
em seu ato de rebelião, abraçaram o mal (que é a rejeição de Deus) cado a n n ser que e até qut: a nossa vontade se afaste de Deus
com toda a sua natureza. Um demônio é cem por cento mau; cem e escolha um hem inft.:rinr cm :-.cu lugar. Ninguém jamais poderá
por cento ódio, sem que se possa achar um mínimo resto de bem dizn de YLr<ladt:: "Pcqut:i pnrquL 11;'10 pude evitá-lo". J<
Lm parte alguma de seu ser. t c\·icknk que nem todas as tcnta<.;õcs vêm do diabo. Muitas
vt}m do mundo que nos rodeia, inclusive de amigos e conhecidos.
36 A CRIAÇÃO E OS A JOS
O DlABO É REAL 87
como· no exemplo anterior. Outras procedem de forças interiores
profundameí.te arraigadas em nós - a que chamamos paixões -, alma; a liberdade da alma humana permanece inviolável, e nem to
forças imperfeitamente controladas e, com frequência, rebeldes, que \ dos os demônios do inferno juntos podem forçá-la. Na possessão
são o resultado do pecado original. Mas seja qual for a origem da diabólica, a pessoa perde o controle de suas a5ões físicas, que pas
tentação, sabemos que, se quisermos, podemos dominá-la. sam para um poder mais forte, o do diabo. O que o corpo faz,
D us n].Q pede a oingném _o_J.mPQ_ssível. Ele não nos pediria é o diabo que o faz, não a pessoa.)(..
amor constante e lealdade absoluta se nos fosse impossível dá-los. O diabo pode exercer outro tipo de influência. É a obsessão
Então, devemos angustiar-nos ou assustar-nos porque virão tenta diabólica. Nela, mais que do interior da pessoa, o diabo ataca de
ções? Não; é precisamente vencendo a tentação que adquirimos fora. Pode agarrar um homem e derrubá-lo; pode tirá-lo da cama,
mérito diante de Deus; pelas tentações encontradas e vencidas, cres atormentá-lo com ruídos horríveis e ter outras manifestações. São
cemos em santidade. Teria pouco mérito sermos bons, se fosse fácil. João Batista Vianney, o amado Cura de Ars. teve que sofrer muito
Os grandes santos não foram homens e mulheres sem tentações; na por essa espécie de influência diabólica. x.
maioria dos casos, sofreram tentações terríveis, e, vencendo-as, san Tanto a possessão diabólica como a obsessão raras vezes se
tificaram-se. y... encontram hoje em terras cristãs; é como se o Sangue redentor de
< E claro que não podemos vencer essas batalhas sozinhos. Temos
de ter o auxílio de Deus para reforçar a nossa vontade enfraquecida.
Cristo houvesse aprisionado o poder de Satã. Mas são ainda fre
quentes cm terras pagãs, como muitas vezes testemunham os missio
1-J--· <, .,, nários, ainda que não tanto como antes do Sacrifício redentor de
"Sem Mim, nada podeis fazer", diz-nos o Senhor. Seu auxílio, sua
graça está à 'nossa disposição em abundância ilimitada, se a desejar mos, Cristo. l<
se a procurarmos. A confissão frequente, a comunhão e a oração
habituais (especialmente à hora da tentação) tornar-nos-ão imunes à O rito religioso para expulsar um demônio de uma pessoa pos•
tentação, se fizermos o que estú ao nosso alcance.x - sessa ou obsessa chama-se exorcismo. No ritual da Igreja existe uma
Não temos o direito de esperar que Deus faça tudo. Se não ct:rimônia cspcdal para este fim, na qual o Corpo Místico de Cristo
evitarmos os perigos desnecessários, se. na medida em que pudermos, recorrt: à sua Cabeça, o próprio Jesus, para que quebre a influência
não evitarmos as circunstâncias - as pessoas, lugares ou coisas que do demônio sobre determinada pessoa. A função de exorcista é
possam induzir-nos- à tentação -, não estaremos cumprindo com a prúpria de todo sacerdote, mas só se pode exercê-la oficialmente
nossa parte. Se andarmos buscando o perigo; ataremos as mãos a com licença especial do Bispo, e sempre que uma cuidadosa investi
Deus. Afogaremos a graça na sua própria fonte. x. gação tenha demonstrado que se trata de um caso autêntico de pos
sessão, e nüo de uma simples doença mental.)(
As vezes, dizemos de uma pessoa cujas ações são especialmente Evidentemente, nada impede que um sacerdote utilize seu poder
maldosas: "Deve estar possuída do diaho". A maioria das vezes, exorcista de forma privada, não oficial. Sei de um sacerdote que
quando qualificamos alguém de ''possesso", não queremos ser lite ouvia num trem uma torrente de blasfêmias que lhe dirigia um pas
rais; simplesmente indicamos um grau anormal de maldade. sageiro sentado na sua frente. Por fim, o sacerdote disse interiormente:
Mas a possessão diabólica existe, real e literalmente. Como "Em nome de Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, ordeno-te que voltes
mencionamos antes, desconhecemos a extensfLO total dos poderes do ao inferno e deixes tranquilo este homem". As blasfêmias cessaram
diabo sobre o universo criado, no qual se inclui a humanidade. Sa instantaneamente. y.
bemos que nada pode existir sem que Deus o permita. Mas também Em outra ocasião, esse mesmo sacerdote usou do mesmo exor
sabemos que Deus, ao realizar seus planos para a criação, não tira cismo privado diante de um casal que discutia encarniçadamente,
normalmente (nem aos anjos nem aos homens) nenhum dos pode e na hora se lhes amainou a ira. O diabo está presente e atua com
res que concedeu originalmente. X frequência: não apenas em casos extremos de possessão ou obsessão.
Em qualquer caso, tanto a Bíblia como a história, além da
contínua experiência da Igreja, mostram· com clareza meridiana que Falamos dos anjos caídos com certa extensão por causa do grave
a possessão diaból_ica existe, ou seja, que o diabo penetra no corpo perigo que se corre de encarar com leviandade a sua presença e o
de uma pessoa e controla as suas atividades físicas: sua palavra. seu poder (que Deus nos defenda da cilada mais sutil do diabo,
seus movimentos. suas ações. Mas o dWbo não pode controlar a a de negar a sua existência por não estar na moda acreditar nele).
Parece mais fácil e agradável acreditar na realidade dos anjos bons
38 ..\ CHI.IÇAO E OS A'-:JOS

e em seu poder para o bem. quç é, evidi:nk'mt:nte, muito maior que


o de Satanás para o mal.
'7' CAPÍTULO V

Cl{_uillO E Ql'EDA l>O HO:\II:;:\I


\
Os anjos que permaneceram fiéis a 01..'.us estão com Ele no céu,
cm amor e adoração perpétuos, o qllc ( Deus o queira) será tam
,\-- bém: o nosso destino. Sua vontacl.: é :::ignra a de Deus. Os anjos,
como Nossa Mãe Santa Maria e os santos. estão intensamente inte
ressados no nosso bem, em ver-nos 110 céu. Intercedem por nós e (1
utilizam o poder angélico (cuja cxll'ns:10 tarnhém desconhecemos) -.\ .G \
_ para ajudar aqueles que querem '3 aceitam :1 sua ajuda.,x ).,
-- Que os anjos nos ajudam, é matéria de fl . Se não cremos
nisso, tnmbém não cremos na fgrcja e nas Sagradas Escrituras. Que
cada um tem um anjo da guarda pessoal, nJLJ (· matéria de fé. mas
crença comumente aceita por todos os catúlicos. E assim corno hon
ramos a Deus com a nossa devoção aos seus amigos e aos seus
heróis, os santos, cometeríamos um grande erro se nf10 honrássemos
e invocássemos as suas primeiras ohras-rnestras. ns anjos. que po O QUE É O HOMEM?
voam o céu e prntegem a terra.)(.
7' O homem é uma ponk entre o mundo do espírito e o da ma
téria (naturalmente. quando nos referimos ao "homem", designamos
toclns os componentes do gí:111.:ro humano, o Qomem e a mulher).
A alma do homem é espírito. de natureza similar ao anjo; seu
corpo é matéria. similar cm natureza aos animais. Porém, o homem
não é nem anjn nem besta; é um ser à parte por direito próprio, um
ser com um pé no tempo e outro na eternidade. Os filósofos defi
nem o homem como "animal racional"; ''racional" indica a sua alma
espiritual: e animal, o seu corpo físico.

Conhecendo a inclinaçào que nós. os homens, temos para o


orgulho e para a vaidade, é de surpreender a pouca atenção que
damos ao fato de sermos uns seres tão maravilhosos. S(l o corpo
f1 L: suficicnte para nos deixar espantados. A pele que o cobre. por
n.emplo. valeria milhões para quem fosse capaz de reproduzi-la arti
ficialmente. É elástica, renova-se por si, impede a entrada do ar, da
{igua nu de outras matérias, e. não obstante. permite que saiam.
Mantém o corpo a uma temperatura constante. independentemente
do tempo ou da temperatura exterior.
Mas, se volvemos a vista para o nosso interior, vemos mara
vilhas ainda maiores. Tecidos, membranas e músculos compõem os
('1rgàos: o cnraçüo, os pulmões. o estômago e o resto. Cada órgão
\.'. formado por uma galáxia de partes scmclhant..:s üs concentra
ções de estrelas. e cada parte. cada célula, dedica a sua operaçào à
função <lesse úrgào particular: circulaçi\o do sangue, respiração do
ar, ua absorção ou a de alimentos. Os diferentes órgãos mantêm-se
cm seu trabalho vinte e quatro horas por dia, sem pensamentos ou
.j(l CRIAÇ.i.O F, (,)UEDA DO HO\IE\I O QUE É O HOMDI? 41

direçüo 1..\HlSL'icnk' da nossa mente e (n mais espantoso!). me-smo O humem tem corpo, mas é mais que um animal. Como os
que cada l\rg.'.Lo cskja aparl:'.nh:mente ocupado na sua função própria, \
anjos, o homem tem um espírito imortal, mas é menos que um
na realidade trabalha constantemente pelo bem <los outros e de todo anjo. No homem se encontram o mundo da matéria e o do espírito.
o corpo.X _ . Alma e corpo se fundem numa substância completa que e o ente
,-- O suporte e a prolel,'.ao de todo esse orgarn mo a que chamamos humano:,(
corpo é o es4uektl1. Dá•nos a rigidez necessária para estarmos er --0 corpo e a alma não se unem de modo circunstancial. O corpo
guidos, sentar-nos ou andar. Os ossos düo apuio aos músculos e não é como que um instrumento da alma. algo de parecido a um
tendões. tornando possível o movimento e a a1.;ãn. Düo também carro para o seu condutor. A alma e o corpo foram feitos um para
proteção aos t'ngCtos mais vulnedveis: o crfmio protege o cérebro: o outro. FLindem•se, compenetram-se tão intimamente que, ao menos
as vértebras. a medula espinhaL as costelas. o coraçüo e os pulmões. nesta vida, uma parte não pode existir sem a outra.
Além de tudo isso. as extremidades dos ossos lnngos contribuem Se soldarmos um pedaço de zinco a um pedaço de cobre. tere mos
para a produção dos glóbulos vermelhos do sangue. um pedaço de metal. Esta união seria uma mera união "aci dental".
Outra maravilha do nosso corpo é o processo de "manufatura. Não teríamos uma substância nova. Saltaria à vista que era um
ção" em que está ocupado todo o tempo. Introduzimos alimentos pedaço de zinco pegado a outro de cobre. Mas se o cobre e o
e água na boca. e nos esquecemos: o corpo continua sozinho ct zinco se fundem e se misturam, surgirá uma nova substância a
tarefa. Por um prnccsso que a biologia pode explicar, mas não re• que chamamos bronze. O bronze já nfto é zinco nem cobre, é
produzir, o aparelho digestivo transforma o p 10. a carne e as bebi· uma substância nova composta de ambos. De modo semelhante
das num líquido de células vivas que banha e nutre constantemente (nenhum exemplo é perfeito), o corpo e a alma se unem numa subs•
cada parte do nosso corpo. Este alimento líquido. a que chamamos tância a que chamamos homem ,._
sangue, contém açúcares. gorduras, proteínas e outros elementos. Flui - O caráter desta união torna.se eviden e pela maneira como alma
até os pulmões e recolhe oxigênio. que transporta junto com o ali• e corpo atuam um sobre o outro. Se corto um dedo, n2o é só o
mento para cada canto do corpo.X meu corpo que sofre: também a minha alma sofre. Todo o meu eu
- O sistema nervoso é também objeto de admiraçüo. Na realidade, sente a dor. E se a minha alma é afligida por preocupações, isso
há dois sistemas nervosos: o motor, pelo qual o meu cérebro con repercute no meu corpo, e podem sobrevir úlceras e outros trans•
trola os movimentos do corpo (o meu cérebro ordena "anda'', e meus tornos. Se o medo ou a ira sacodem a minha alma, o corpo reflete
pés obedecem e se levantam ritmicamente), e o sensitivo, pelo qual a emoção, empalidece ou se ruboriza, e o coração bate mais de·
sentimos dor (cssa sentinela sempre alerta às doenças e lesões) e pressa; de muitas maneiras diferentes o corpo participa das emoções
pelo qual trazemos o mundo exterior ao nosso cérebro através dos da alma.
órgãos dos sentidos, a vista. o olfato. o ouvido, o gosto e o tato. Não se deve menosprezar o corpo humano como mero acessório
Por sua vez. estes órgãos são um novo prodígio de desenho e da alma, mas. ao mesmo tempo, devemos reconhecer que a parte
precisão. Novamente os cientistas - o anatomista, o biólogo. o mais importante da pessoa completa é a alma. A alma é a parte
oftalmologista - poderão dizer.nos como é que esses órgãos ope-. imortal. e é essa imortalidade da alma _a que libertará o corpo da
ram, mas nem o mais dotado deles poderá jamais construir um olho, morte que lhe é prôpria.·j... 8
o-.c.... Q..J
fazer um ouvido ou reproduzir uma simples papila do paladar. 1'-
-A ladainha das maravilhas do nosso corpo poderia prolongar-se - Esta maravilhosa obra do poder e .da sabedoria de Deus que
indefinidamente; aqui só mencionamos algumas de passagem. Se é nosso corpo, no qual milhões de minúsculas células formam diver•
alguém pudesse fazer um passeio turístico pelo seu próprio corpo, sos órgãos, todos juntos trabalhando cm harmonia prodigiosa para
o guia poderia indicar•lhd mais maravilhas que admirar do que as o bem de todo o corpo, podem dar-nos uma pálida idéia de como
que há em todos os cenjros de atração turística do mundo juntos. deve ser magnífica a obra do engenho divino que é a nossa alma.
Sabemos que é um espírito. Ao falam1os da natureza de Deus, ex
E o nosso corpo é apenas a metade do homem, e, de longe, pusemos a natureza dos seres espirituais. Um espírito, víamos, é
a metade menos valiosa. Mas é um dom que temos de apreciar, um ser inteligente e consciente, que não só é invisível (como o ar),
um dom que devemos agradecer. a morada idônea para a âlma espi como também absolutamente imaterial, quer dizer, não foi feito de
ritual, que é a que lhe dá vida, poder e sentido. matéria. Um espírito não tem moléculas, nem há átomos na alma.
C0\10 :\OS FEZ DEUS' 43
42 CRIA<,>i.O E QUEDA DO H0\1E\t

O que acontece então com a teoria da evolução na sua formu


·-Também não se pode medi-lo; um espírito não tem comprimen lação mais extrema: que a humanidade evoluiu de uma forma de
to, largura ou profundidade. Muito menos peso. Por esta razão, vida animal inferior, de algum tipo de macaco?!',
toda a alma pode estar em todas e em cada uma das partes do _ Não é esta a ocasião para um exame detalhado da teoria da
corpo ao mesmo tempo; não está uma parte na cabeça. outra na e\'oluçüo, a teoria que estabelece que tudo o que existe - o mundo
mão, e outra no pé. Se perdemos um braço ou uma perna, num aci e o que nele se contém - evoluiu de uma massa informe de ma
dente ot'I numa operação cirúrgica, não perdemos uma parte da alma. téria primigênia. No quC concerne ao mundo em si, o mundo dos
Simplesmente, a nossa alma já não estará no que não é senão uma minerais, das rochas e da matéria inerte, há uma sólida evidência
parte do meu corpo vivo. E, por fim, quando o nosso corpo estiver científica de que sofreu um processo lento e gradual, que se esten
tão prostrado, pela doença ou pelas lesões. que não possa continuar deu durante um período de tempo muito longo.
a sua função, a alma o deixará e seremos declarados mortos. Mas Não há nada de contrário à Bíblia ou à fé nessa teoria. Se
a alma não morre. Sendo absolutamente imaterial (o que os filú Deus preferiu formar o mundo criando inicialmente uma massa de
sofos chamam uma ''suhstância simples"), não há nela nada que átomos e estabelecendo ao mesmo tempo as leis naturais pelas quais.
possa ser destruído ou danificado. Não constando de partes. não passo a passo. essa m::bsa evoluiria até chegar ao universo como
tem elementos básicos em que possa desagregar-se, nüo tem maneira hoje o conhecemos, poderia muito bem tê-lo feito assim. Continuaria
de poder decompor-se ou de deixar de ser o que é. 'f. sendo o Criador de todas as coisas. y..
- Por outro lado, um desenvolvimento gradual do seu plano, rea lizado
- Não sem fundamento dizemos que Deus nos fez à sua imagem por meio de causas segundas, refletiria melhor o seu poder criador do
e semelhança. Enquanto o nosso corpo. como todas as suas obras, que se o universo que conhecemos tivesse sido feito em um
reflete o poder e a sabedoria divinos, a nossa alma é um retrato instante. O fabricante que faz seus produtos ensinando supervisores e
de seu Autor de um modo especialíssimo. É um retrato em minia capatazes, mostra melhor seus talentos do que o pa trão que tem
tura e bastante imperfeito. Mas esse espírito que nos dú vida e que intervir pessoalmente em cada passo do processo.
substância é imagem do Espírito infinitamente perfrito 4uc l'. Deus.
O poder da nossa inteligência, pelo qual conhecemos e compreende mos A esta fase do processo criativo, ao desenvolvimento da maté na
verdades, raciocinamos e deduzimos novas verdades c fazemos juízos inerte, chama-se "evoluçào inorgânica". Se aplicamos a mesma
sobre o bem e o mal, reflete o Deus que tudo sabe e tudo conhece. O teoria à matéria viva, temos a chamada teoria da "evolução orgâ
poder da nossa livre vontade, pela qual dclihcradamcnte decidimos fazer nica". No entanto, o quadro aqui não é tão claro, nem de longe;
uma coisa ou não, é uma f.iemclhança da liberdade infinita que Deus a evidência se apresenta cheia de vazios, e a teoria necessita de mais
possui; e, evidentemente, a nossa imortalidade 0 uma centelha da provas científicas. Esta teoria defende que a vida que conhecemos
imortalidade absoluta de Deus. hoje, incluída a do corpo humano, evoluiu por longas eras, partindo
Como a vida íntima de Deus consiste em conhci.:cr•se a Si mes de certas formas simples de células vivas até as plantas e os peixes,
mo (Deus Filho) e amar.se a Si mesmo (Deus b,pírito Santo). e de aves e répteis até o homem.
tanto mais nos aproximamos da divina lmagem quantn mais utili A teoria da evolução orgânica está muito longe de ser provada
zamos a nossa inteligência em conheccr a Deus - agLHa pela ra7 tn cG1tificamente. Existem bons livros que poderão proporcionar ao
e pela graça da Fé; e na eternidade pela "luz da glória" -. e aplica leitor interessado um exame equilibrado de toda esta questão. Mas,
mos a nossa vontade livre em amar o Dodor tk a lihcrdad para o nosso propósito, basta mencionar que a exaustiva investigação
científica não pôde descobrir os restos da criatura que estaria a meio
caminho entre o homem e o macaco. Os evolucionistas orgânicos
COMO NOS FEZ DEUS?
baseiam muito a sua doutrina nas semelhanças entre o corpo dos
X:,, símios e o do homem, mas um juízo realmente imparcial far-nos-á
Todos os homens descendem de um homem e de uma mulher.
,;,fo Adão e Eva foram os primeiros pais de toda a humanidade. Nüo
ver que as diferenças são tüo grandes como as semelhanças.
E a procura do "elo perdido" continua. De vez em quando,
há na Sagrada Escritura verdade mais claramcnk ensinada dn que
descobrem-se uns ossos antigos em grutas e escavações. Por um
esta. O livro do Gênesis estabelece conclusivamente a 1ws a comum momento, há uma grande excitação. mas depois vê-se que aqueles
descendência desse único casal.
COMO NOS FEZ DEI.IS? 45
,.1 CRIAÇ.:\O E QUEDA DO l!O\IE\I

- Algumas pessoas gostam de falar dos seus antepassados. E se


ossos aam ou daramentc humanos ou claramente de macaco. Tcmos na árvore genealógica aparece um nohre. um grande estadista ou um
--o homem de Pequim... ·'o homem-macaco de Java··. "o homem de personagem de algum modo famoso. gostam de dar•se ares de im
Foxhall" e uma coleç lo mais. Mas essas outras l:riaturas. um pou portância.
quinho mais que os macacos e um pouquinho menos que o homem. Se quiséssemos, cada um de nós poderia gahar-se dos antepas
ainda cstào por dcsenterrarj.. sados da sua árvore genealógica: Adão e Eva. Ao saírem das mãos
"-- Mas, afinal, o nosso interesse é relativo. No que diz respeito de Deus, eram pessoas esplêndidas. Deus não os fez humanos co
i1 fé. não tem nenhuma relevância. Deus pode ter moldado o corpo muns, submetidos às leis ordinárias da natureza, como as da inevi tável
do homem por meio de um processo evolutivo, se assim o quis. decadência e da morte final, uma morte a que se seguiria uma
Pode ter dirigido o desenvolvimento de uma espécie determinada de simples felicidade natural, sem visão beatífica. Também não os fez
macaco até fazê-la alcançar o ponto de perfeição desejado. Deus sujeitos às normais limitações da natureza humana, como são a
cnt Lo criaria almas espirituais para um macho e uma fêmea dessa necessidade de adquirir conhecimentos por meio do estudo e inves tigação
espécie, e teríamos o primeiro homem e a primeira mulher, Adão e laboriosos, e a de manter o controle do espírito sohre a carne por uma
Eva. Mas, mesmo assim, seria igualmente certo que Deus criou o esforçada vigilância. y....
horn..·.. m do barro da terra.{., - Com os dons que Deus conferiu a Adão e Eva no primeiro
- O que devt:mos crer e o que o Génesis ensina sem especifica instante de sua existência, nossos primeiros pais eram imensamente
ÇÔ1.'.S é quc u gl'.nero humano descende de um casal original, e que ricos. Primeiro, contavam com os dons que denominamos "preter
as almas de Adão e Eva (como cada uma das nossas) foram direta naturais" para distingui-los dos "sobrenaturais". Os dons preter naturais
e imediatamente criadas por Deus. A alma é espírito; não pode são aqueles que não pertencem por direito à natureza huma na, e, no
''evoluir" da matéria, e também não pode ser herdada de nossos pais. entanto, não está inteiramente fora da capacidade da natu- reza humana
Marido e mulher cooperam com Deus na formação do corpo huma recebê-los e possuí-los.
Hn. Mas a alma espiritual que faz desse corpo um ser humano tem Para usar um exemplo caseiro relativo a uma ordem inferior
de ser criada diretamente por Deus e infundida no corpo embrionário. <la criação, digamos que, se a um cavalo fosse dado o poder de voar,
A busca do "elo perdido" continuará, e dentistas católicos par essa hahilidade seria um dom preternatural. Voar não é próprio da
ticiparão nela. Sabem que, como toda a verdade vem de Deus, não '. natureza do cavalo, mas há outras criaturas capazes de fazê-lo. A
pode haver conflito entre um dado religioso e outro científico. En palavra ''"preternatural" significa, pois, "fora ou além do curso ordi
tretanto, nós os demais católicos continuaremos imperturbáveis. Seja nário da natureza".
qual for a forma que Deus escolheu para fazer nosso corpo, o que Mas se a um cavalo se desse o poder de pensar e de compreen
mais importa é a alma. É a alma que levanta do chão os olhos der verdades abstratas, isso não seria preternatural; seria, de certo
do animal. É a alma que levanta os nossos olhos até às estrelas, modo, sobrenatural. Pensar não só está para além da natureza do
para que vejamos a beleza, conheçamos a verdade e amemos o cavalo, mas absoluta e inteiramente acima da sua natureza. Este é
bem(*). -t,,_ exatamente o significado da palavra "sobrenatural": algo que está
totalmente· sobre a ·natureza da criatura; não só de um cavalo ou
de um homem, mas de qualquer criatura.'/--,.
( "') Nn sua encíclica Humani Generis, o Papa Pio XII indica-nos a cauteb _ Talvez este exemplo nos ajude um pouco a cntend r os dois gê•
necessária na investigação destas matérias científicas. • o Magistério da ncros de dons qüe Deus concedeu a Adão e Eva. Primeiro, tinham
Igreja não proíbe que, nas investigações e disputas entre os homens
mais competentes de ambos os campos, seja objeto de estudo a
os dons prcternaturais. entre os quais se incluíam uma sabedoria de
doutrin.1 do evolucionisnw, na medida em que busca a origem do l rdem imensamente superior. um conhecimento natural de Deus e do
corpo humano numa matéria viva preexistente, mas a fé católica manda mundo, claro e sem obstáculos, que de outro modo só poderiam
defender que as almas são criadas imediatamente por Deus. Porém, adquirir com uma investigação e estudo penosos. Depois, contavam
tudo isso se deve fazer de maneira que as razões de uma e outra opinião coffi uma elevada força de vontade e o perfeito controle das paixões
quer dizer, a que defende e a que é contrária ao evolucionismo -
sejam examinadas e julgadas séria, moderada e temperadarnente; e de e dos sentidos, que lhes proporcionavam perfeita tranquilidade inte
tal modo que todos se mostrem dispostos a submeter-se ao juízo da riore ausência de conflitos pessoais. No plano espiritual, estes dois
Igreja, a quem Cristo conferiu a missão de interpretar autenticamente dons preternaturais eram os mais importantes de que estavam dota•
as Sagradas Escrituras e defender os dogmas da Fé".
() <JL.E E: O l'ECADO OH!Cl:S-,\U 47
46 Cf\L\ÇAO E <JUEIJA DO IImll•;\J
(1 seu bem-estar e formação: dar-lhes-ú tudo o que as suas possibili
dos a sua mente e a sua vontade. dades lhe permitam.
No plano físico, suas grandes dádivas foram a ausência de dor Assim Deus. Não se content0u simpksrnente com dar à st1ct
e de morte. Tal como Deus os havia criado, Adão e Eva teriam criatura. o homem. os dons que lhe são próprios por natureza. Não
vivido na terra, o tempo previsto, livres da dor e do sofrimento que, lhe bastou dotá-lo de um corpo. por maravilhoso que seja pela sua
de, outro modo, seriam inevitáveis num corpo físico num mundo físi estrutura; e uma alma, por prodigiosa que seja pela sua inteligência
co. Quando tivessem acabado seus anos de vida temporal, entrariam c livre vontade. Deus foi muito mais longe, e deu a Adão e Eva
na vida eterna em corpo e alma, sem experimentar' a terrível sepa os dons preternaturais que os livravam do sofrimento e da morte.
ração de alma e corpo a que chamamos morte...,:,. e o dom sobrenatural da graça santificante. No plano original de
Deus, se assim podemos chamá-lo. estes dons teriam passado de Adão
i, - Porém, maior que os preternaturais era o dom sobrenatural que para os seus descendentes, e você e eu poderíamos estar gozando
y\'f Deus conferiu a Adão e Eva. Nada menos que a participação na deles hoje.
própria natureza divina. De uma maneira maravilhosa, que não Para confirmá-los e assegurá-los à sua posteridade, uma só coisa
poderemos compreender inteiramente até O cont mplarmos no céu, exigiu Deus de Adão: que, por um ato de livre escolha, desse irre•
Deus permitiu que seu amor (que é o Espírito Santo) fluísse até às vogavclmentc seu amor a Deus. Foi para este fim que Deus criou
almas de Adão e Eva e as inundasse. É, evidentemente, um exem os homens: para que, cnm seu amor, lhe dessem glória. E, em certo
plo muito inadequado, mas agrada-me imaginar esse fluxo do amor sentido, este amor a Deus era a garantia de que alcançariam o seu
de Deus até à alma como o do sangue numa transfusão. Assim destino sobrenatural de se unirem a Deus face a face no céu.
como o paciente se une ao doador pelo fluxo do sangue deste, as É da natureza do amor autêntico a entrega completa de si mes
almas de Adão e Eva estavam unidas a Deus pelo fluxo do seu amor. mo ao amado. Nesta vida, só há um meio de provar o amor a
A nova espécie de vida que Adão e Eva possuíam como resul Deus. que é fazer a sua vontade, obedecer-lhe. Por esta razão, Deus
tado da sua união com Deus é a vida sobrenatural a que chama deu a Adüo e Eva uma ordem, uma única ordem: que não comes
mos "graça santificante". Mais adiante trataremos dela extensamente, sem <lo fruto de certa árvore. O mais provável é que não fosse dife
pois desempenha uma função de importância absoluta na nossa vida rente (exceto em seus efeitos) de qualquer outro fruto que Adão e
espiritual. Mas já nos é fácil deduzir que, se Deus se dignou fazer a Eva pudessem colher. Mas tinha de haver um mandamento para
nossa alma participar da sua própria vida nesta terra temporal, é por • que pudesse haver um ato de obediência, e· tinha de haver um ato
que quer também que ela participe eternamente da sua vida no céu. de obediência para que pudesse haver uma prova de amor: escolhe
- Como consequência do dom da graça santificante, Adão e Eva rem livre e deliberadamente Deus, preferindo-o a si próprios.
já não estavam destinados a uma felicidade meramente natural. ou Sabemos o que se passou. Adão e Eva falharam na prova. Co
seja, a uma felicidade baseada no simples conhecimento natural de meteram o primeiro pecado, quer dizer. o pecado original. E este
Deus, a quem continuariam r.em ver. Com a graça santificante, Adão pecado não foi simplesmente uma desobediência. Foi um pecado de
e Eva poderiam conhecer Deus tal como é, face a face, uma vez soberba, como o dos anjos caídos. O tentador sussurrou-lhes ao
Loncluída a sua vida na terra. E, ao vê-lo face a face, amá-lo-iam ouvido que, se comessem desse fruto, seriam tão grandes como Deus,
com um êxtase de amor de tal intensidade que nunca o homem teria seriam deuses.
podido aspirar a ele por sua própria natureza. Sim, sabemos que Adão e Eva pecaram. Mas já nos é mais
E esta é a espécie de antepassados que você e eu tivt:mos. Foi difícil convencermo-nos da enormidade do seu pecado. Hoje encara mos
assim que Deus fez Adão e Eva.(' esse pecado como algo que, tendo em conta a ignorância e a fra queza
humanas. parece até certo ponto inevitável. O pecado é algo lamentável,
sim. mas surpreendente. Tendemos a esquecer-nos de que, antes da
O QUE É O PECADO ORIGINAL? queda, 1úo havia ignorància ou fraqueza. Adão e Eva pecaram com total
clarc._1_:.1 de mentt: e absoluto domínio das paixões pl'ia razão. Não
Um bom pJi nüo se satisfaz cumprindo apenas os deveres essen havia circunstâncias eximentes. Não havia des culpa alguma. Adão
ciais para com os filhos. N;10 lhe basta alimentá-los, vesti-los e dar e Eva escolheram-se a si mesmos - em lugar de Dt:us - de olhos
-lhes o mínimo de educação que a lei prescreve. Um pai amoroso bem abertos, poderíamos dizer.
tratará, além disso, de lhes dar tudo o que possa Clmtribuir para
48 CRIAÇÃO E QUEDA DO HO IEM
O QUE É O PECADO ORIGINAL? 49

E, ao pecar, derrubaram o templo da criação sobre as suas


cabeças. Num instante perderam todos os dons especiais que Deus Ainda que o Batismo nos devolva o maior dos dons que Deus
lhes havia concedido: a elevada sabedoria, o donúnio perfeito de deu a Adão, o dom sobrenatural da grac.;a santificante, não restaura
si mesmos, a imunidade à doença e à morte e, sobretudo, o laço os dons preternaturais, como o de estarmos livres do sofrimento e
de união íntima com Deus, que é a graça santificante. Ficaram re da morte. Perderam-se para sempre nt::sta vida. Mas isso não nos
duzidos ao núnimo essencial que lhes pertencia pela sua natureza deve inquietar. Devemos antes alegrar-nos considerando 4ue Deus
humana. nos devolveu o dum que realmente importa, o grande dom da vida
O trágico é que não foi um pecado só de Adão. Como todos sobrenatural.
nós estávamos potencialmente presentes em nosso pai comum, to dos Se a sua justiça infinita não se equilibrasse com a sua miseri
sofremos o pecado. Por decreto divino, ele era o embaixador córdia infinita, Deus poderia ter dito facilmente, depois do pecado
plenipotenciário de todo o gênero humano. O que Adão fez, todos de Adão: "Lavo as mãos em relação ao gênero humano. Tivestes
o fizemos. Teve a oportunidade de colocar-nos a nós, sua fanúlia, a vossa oportunidade. Agora, arranjai-vos como puderdes!".
num caminho fácil. Recusou-se a fazê-lo, e todos sofremos as con Uma vez, fizeram-me esta pergunta: "Por que tenho eu que so
sequências. A nossa natureza humana perdeu a graça na sua própria frer pelo que fez Adüo? Se eu não cometi o pecado original, por
origem, e por isso dizemos que nascemos "em estado de pecado que tcnhn que ser castigado por de?"
original". Ba ta um momento de reflexao. e a pergunta se responde por
i mesma. Ncnhum de rn1s perdeu algo a que tivesse direito. Esses
Quando eu era criança e ouvi falar pela primeira vez da "man Lkrns '.-.nhrcnaturais e pretematurais que Deus conferiu a Adão não
cha do pecado original", minha mente infantil imaginava esse pecado :-i.1o uns predicados que nos fossem devidos por natureza. Eram dons
como uma grande mancha negra na alma. Tinha visto muitas man muito acima do que nos é próprio, eram dádivas de Deus 4ue Adão
chas em toalhas, peças de roupa e cadernos, manchas de café, amo podia ter-nos transmitido se tivesse feito o devido ato de amor,
ras ou tinta, de modo que me era fácil imaginar uma feia mancha mas neles nãn há nada que possamos reclamar por direito.
negra numa bonita alma branca. Se. antes dc i:u nascer, um homem rico tivesse oferecido a meu
Quando cresci, aprendi (como todos) que o espírito não pode rai um milhüo de dólares em troca de um pequeno trabalho. e meu
manchar-se, compreendi que a palavra "mancha" aplicada ao pai tivesse recusado a oferta, na verdade eu não poderia culpar o
pecado original é uma simples metáfora. Deixando de lado o fato milionário pela minha pobreza. A culpa seria de meu pai, não do
de um espírito não poder manchar-se, compreendi que a nossa he milion:í.rio.
rança do pecado original não é algo que esteja "sobre" a alma ou Do mc&mo modo. se vim a estt:: mundo dcspossuído dos bens
"dentro" dela. Ao contrário, é a carência de algo que deveria estar qut.:: Adüo poderia ter ganho para mim mo facilmente, nüo posso
ali, da vida sobrenatural a que chamamos graça santificante. culpar a Deus pela falta de Adüo. Pelo contrário, tenho que ben
Por outras palavras, o pecado original não é uma coisa, é a dizer a sua misericórdia infinita porque, apesar de tudo, restaurou
falta de alguma coisa, como a escuridão é a falta de luz. Não po cm mim o maior de seus dons pelos méritos de seu Filho.
demos colocar um pedaço de escuridão num frasco, e levá-lo para De Adão para i:á, um :,ó ser humano {sem L:ontar Cristo) pos
casa para vê-lo bem debaixo da luz. A escuridão não tem consis suiu uma natureza humana em perfeita ordem: a Santíssima Virgem
tência própria; é simplesmente ausência de luz. Quando o sol sai, Maria. Quando foi escolhida para ser a Mãe do Filho de Deus -
desaparece a escuridão da noite. e porque repugna que Deus tivesse contato, por indireto que fosse,
De modo semelhante, quando dizemos que "nascemos em estado .:om o pecado -. Maria foi preservada desde o primeiro instaníe da
de pecado original", queremos dizer que, ao nascer, nossa alma est{\
espiritualmente às escuras, é uma alma inerte no que se refere à
vida sobrenatural. Quando somos batizados, a luz do amor de Deus
1 sua existh1cia da escuridão espiritual do pecado original.
Desde o primeiro momento da sua concepção no seio de Ana,
Maria esteve em unifio com Deus. sua alma encheu-se de amor por

t
se derrama nela caudalosamente, e a nossa alma se toma radiante e Ele: teve o estado de graça santificante. A este privikgio exclusivo
formosa, vibrantemente viva com a vida sobrenatural que procede da de Maria, primeiro passo na nossa redenção, chamamos a Imacu
nossa união com Deus e sua habitação em nossa alma, essa vida a lada Conceiçflo de Maria.
que chamamos graça santificante.
so CRIAÇAO E ()l'EDA DO HO IE\I
E DEPOIS DE ADÃO? 51
E DEPOIS DE ADÃO?
córdia que Deus nos mostrou, decretando desde toda a eternidade
Certa vez. um homem passeava por uma pedreira abandonada. que seu próprio Filho Divino viesse a este mundo, assumindo uma
Distraído. aproximou-se demasiado da beira do poço que lá se foí natureza humana como a nossa, para pagar o preço devido pelos
mara e caiu de cabeça na água. Tentou sair. mas as paredes nossos pecados.
eram tão lisas e verticais que não podia encontrar um ponto onde O Redentor, sendo verdadeiro homem como nós, podia repre
apoiar a mão ou e pé. Era bom nadador. mas sem dúvida ter-se-ia sentar-nos e agir realmente por nós. Sendo também verdadeiro Deus,
afogado por cansaço se um transeúntc nüo o tivesse visto cm apuros a mais insignificante de suas ações teria um valor infinito, suficiente
e o tivesse resgatado com uma corda. Já fora. sentou-se para esva para reparar todos os pecados cometidos ou que se cometerão.
ziar os sapatos de água, enquanto filosoíava um pouco: ''É sur Precisamente no início da história do homem, quando expulsou
preendente como me era impossível sair dari, e o pouco que me Adão e Eva do Jardim do Éden, Deus disse a Satanás: "Porei ini
custou entrar." mizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela; ela
A historieta ilustra bastante bem a infeliz condiçüo Ja humani te esmagará a cabeça, e tu em vão te revolverás contra o seu cal
dade, depois de Adão. Sabemos que. quanto maior é a dignidade G1nhar." Muitos séculos tiveram que transcorrer até que a descen
de uma pessoa, mais séria é a injúria que contra ela se comete. Se dência de Maria, Jesus Cristo, esmagasse a cabeça da serpente. Mas
alguém atira um tomate podre no seu vizinho, certamente nüo so o raio de esperança da promessa, como uma luz distante nas trevas,
frerá mais consequências que um olho roxo. Mas se o arremessa brilharia constantemente.
contra o Presidente dos Estados Unidos, os da F.B.I. o rndearüo Mas a história não terminou depois que Adão pecou e Cristo,
num instante e esse homem não irá jantar a casa por bastante tempo. o segundo Adão, reparou o seu pecado. A morte de Cristo na Cruz
Fica claro. pois, que a gravidade de uma ofensa depende até
certo ponto da dignidade do ofendido. Sendo ilimitada a dignidade
de Deus - Ele é o Ser infü.itamcnte perfeito -, qualquer ofensa
contra Ele terá malícia infinita. será um mal sem medida.
i não implica que, a partir de então, o homem fosse necessariamente
bom. A reparação de Cristo não arrebata a liberdade da vontade
humana. Se temos de poder provar o nosso amor a Deus pela
obediência, temos que conservar a liberdade de escolha que essa obe
Por causa disto, o pecado de Adão deixou a humanidade numa diência requer.
situaçüo semelhante à do homem no poço.· Ali no fundo estáva
mos nós, sem possibilidade de sair por nossos próprios meios. Tudo Além do pecado original, a cuja sombra nascemos, temos de.
o que o homem pode fazer tem um valor finito e mensmável. Se o enfrentar outro tipo de pecado: o que nós mesmos cometemos. Este
maior dos santos desse a sua vida cm reparação pelo pecado. o valor pecado, que não herdamos de Adão. mas que é nosso, chama-se
do seu sacrifício continuaria a ser limitado. Também é claro que. se "atual". O pecado atual pode ser mortal ou venial, segundo o seu
lodos os componentes do gênero humano, desde Adão até o último grau de malicia.
homem sobre a terra, oferecessem suas vidas em pagamento da dí Sabemos que há graus de gravidade na desobediência. Quando
vida contraída com Deus pela humanidade, o pagamento seria insu fidente·. um filho desobedece a seus pais em pequenas coisas ou é indelicado
Está fora do alcance do homem fazer algo de valor infinito. com eles, não é necessariamente por falta de amor por eles. Seu
Nosso destino após o pecado de Adão seria irremissível se nin amor pode ser menos perfeito, mas existe. Não obstante, se este
guém tivesse vindo lançar-nos uma corda: o próprio Deus teve que filho lhes desobedece deliberadamenle em assuntos de grave importân
resolver o dilema. O dilema era que. como somente Deus é infinito. cia, em coisas que os firam e aflijam gravemente, há bons motivos
ornente Ele era capaz do ato de reparação pela infinita malícia do para concluir que não os ama. Ou, pelo menos, tiramos a conclusão
pecado. Mas quem fosse pagar pelo pecado do homem deveria ser de que ama a si mesmo mais do que a eles.
humano, se realmente tinha que arcar com os nossos pet:ados, se O mesmo ocorre em nossas relações com Deus. Se desobede cemos
ck verdade ia ser o nosso representante. a Deus em matérias de menor importância, isso não implica
necessariamente que lhe neguemos o nosso amor. Esse ato de deso
A -.olHL)O que Deus cscolhl'.u jú é para nós uma velha hi t()ria, bediência em matéria que não é grave, é o pecado venial. Por exem plo,
ma nunL·a '>Lrá uma história trilhada ou mortiça. O homem de fé se dizemos uma mentira que não prejudica ninguém - "Onde você
1n111ca arnha ele admirar-se com o infinito amor e a infinita mi e1i- esteve ontem à noite?". "Fui visitar um amigo", quando na realidade
fiquei em casa vendo televisão -, será um pecado venial.
52 CRIAÇAO E QUEDA DO HOMEM
E D!Cl'OIS DE AIHO' 53
Mesmo em matéria grave, meu pecado pode ser venial se tiver
havido ignorância ou falta de consentimento pleno. Por exemplo, em pecado mortal. Ou se continuo roubando pequenas quantias até
é pecado mortal mentir sob juramento. Mas se eu penso que o per atingirem uma soma considerável, <ligamos cinco mil cruzeiros. meu
júrio é um pecado venial. e o cometo. para mim será pecado venial. pecado será mortal.
Ou se juro falsamente porque o interrogador me colheu de surpresa Porém, se o nosso desejo e a nossa intenção é obedecer em tudo
e me sobressaltou (falta de reflexão suficiente), ou porque o medo a Deus, nãó temos motivo para nos preocuparmos com estas coisas.
às consequências dimbuiu minha liberdade de opção (falta de con
sentimento pleno), também será pecado venial.
Em todos csks casos podemos ver que falta a malícia de um
desprezo por Deus consciente e deliberado. Em nenhum desses exem
plos se evidencia a ausência do amor a Deus.
Estes pecados chamam-se "veniais" do latim "venia", que signi fica
"perdão". Deus perdoa prontamente os pecados vcniais, mesmo sem o
sacramento da Penitência; um sincero ato de contrição e o propósito de
emenda bastam para o seu perdão.

Mas is o não implica que o pecado venial seja de pouca im•


portância. Qualquer pecado é, ao menos, uma falha parcial no amor,
um ato de ingratidão para com Deus, que nos ama tanto. Em toda
a criação não li.á maior mal que uin pecado venial, à exceção do
pecado mortal. O pecado venial não é, de maneira nenhuma, uma
fraqueza inócua. Cada um deles acarreta um castigo aqui ou no
purgatório. Cada pecado venial diminui um pouco o amor a Deus
em nosso coração e debilita a nossa resistência às tentações.
Por numerosos que sejam os pecados veniais, a simples multi
plicação dos mesmos, ainda que sejam muitos, nunca acaba somando
um pecado mortal, porqlje o número não modifica a espécie do
pecádo, embora o acúmulo de matéria de muitos pecados veniais
possa, sim, chegar a ser mortal. Em qualquer caso, dar habitual
mente pouca atenção ao pecado venial abre a porta ao pecado mor
tal. Se vamos dizendo '•sim" a pequenas infidelidades, acabaremos
dizendo "sim" à tentação grande, quando esta se apresentar. Para
quem ama sinceramente a Deus, seu propósito habitual há de ser
evitar todo pecado deliberado, seja este venial ou mortal.
Também é conveniente sublinhar que, assim como um pecado
objetivamente mortal pode ser subjetivamente venial, devido a espe ciais
condições de ignorância ou à falta de plena consciência, um pecado
que, à primeira vista, parece venial, pode tornar-se mortal em
circunstâncias especiais.
Por exemplo, se penso que é pecado mortal roubar alguns cru•
zeiros, e apesar disso os roubo, para mim será um pecado mortal.
Ou se essa pequena quantia, eu a tiro de um cego vendedor de
jornais, correndo o risco de atrair má fama para mim ou para mi
nha família, esta potencialidade de mal que tem o meu ato converte-o
\Jf'.\HA AL\J, !'OI)[,'. \fOHRER' :).)

CAPÍTULO VI
E uma morte mais ravnwsa pnrque nün se manifrsta exterior
'' mente: 11:"10 hú o kdllr da L\1rrupçüo llL'Ill a frigid1.7 rígida. í: uma
O PECADO A1'l1,\L morte em vida, pda LJUal o p1.xador fka nu e isolado no meio do
amor e abundfmcia diYinns. A gra,;a de Deus flui ao seu redor,
mas nf10 pode entrar ndc: o amor de Deus toca-o, mas não o pe
netra. Perdem-se todos os m ritos snbn:naturais ljlle o pecador havia
adquirido antes do ...,cu pecado. Ttidas as boas obras feitas. todas
;:is oraçües pronunci,1Jas. todas as !Vlissas oÍt'rCL·idas. ns snfri:ncntos
padecidos por amor a Cristt1. élhsol1Jtamcnte tudn l· \·arrid(1 no nlll mcnto
de pecar.

Esta alma em pecado nwrtai perdeu sem dl1vida o céu: se mor


resse assim, separada de Ocus, n o poderia ir para l{i. pois nfto h{t
modo de restabelecer a 1111i,-10 com Deus depois da morte.
MINHA ALMA PODE MORRER? O fim essendal da nossa vida 0 provarmos a Deus o nosso
amor pela obediência. A morte encerra o tempo da nossa prova,
Se um homem espeta uma faca no coração, morre fiskamenk. da nossa oportunidade. Depois, mio há possibilidade de mudarmos
Se um homem comete um pecado mortal. morre e:-piritualmcnte. A o coração. A morte fixa a alma para sempre no estado cm que a
encontra: amando a Deus ou rejeitando-o.
descrição de um pecado mortal é tão simples e tão real como isso.
Pelo Batismo, fomos resgatados da morte espiritual em que o Se se perde o céu, nfio resta nenhuma alternativa à alma a nf10
pecado de Adão nos submergiu, No Batismo, Deus uniu a Si a ser o inferno. Quando morremos. desaparecem as exterioridades, e
nossa alma. O Amor de Deus - o Espírito Santo - derramou-se o pecado mortal que, ao cometê-lo, se apresentou como uma pequena
nela, preenchendo o vazio espiritual que o pecado original havia concessão ao eu, mostra-se à luz fria da justiça divina tal como
produzido. Como consequência desta íntima união com Deus, a na realidade é: um ato de soberba e rebeldia, como ato de ódio a
nossa alma se eleva a um novo tipo de vida, a vida sobrenatural Deus que está implícito em todo pecado mortal. E na alma irromR
que se chama "graça santificante" e que é nossa obrigação preservar: pem as terríveis, ardentes e torturantes sede e fome de Deus, desse
e não só preservar, mas incrementar e intensificar. Deus para quem a alma foi criada, desse Deus que ela nunca en contrará.
Essa alma está no inferno.
Deus, depois de unir-nos a Si pelo Batismo, jamais nos aban
E isto é o que significa, um pouco do que significa desobedecer
dona. Após o Batismo, o único modo de nos separarmos dEle é
a Deus voluntária e conscientemente em matéria grave, cometer um
repeli-lo deliberadamente. E isto acontece quando, plenamente cons
pecado mortal.
cientes da nossa ação, deliberada e livremente nos recusamos a obe
decer a Deus em matéria grave. Quando assim fazemos, cometemos Pecar é recusar à Deus a nossa obediência. o nosso amor. Dado
um pecado mortal, que, como a palavra indica, causa a morte da que cada pedacinho nosso pertence a Deus e que todo o fim da
alma. nossa existência é amá-lo, torna-se evidente que cada pedacinho nosso
Esta desobediência a Deus consciente e voluntária em matéria deve obediência a Deus. Assim, esta obrigação de obedecer aplica-se
grave é, ao mesmo tempo, a rejeição de Deus. Secciona a nossa não só às obras ou palavras exteriores, como também aos desejos
união com Ele tão cabalmente como um alicate que cortasse o cabo e pensamentos mais íntimos.
que une a instalação elétrica da nossa casa aos geradores da compa É evidente que podemos pecar não só fazendo o que Deus proíbe
nhia elétrica: se você o fizesse, a sua casa mergulharia instantanea mente (pecado de ação), como deixando de fazer o que Ele ordena (pecado
na escuridão. A mesma coisa se passaria com a nossa alma depois de de omissão), É pecado :•Jubar, mas também é pecado não pagar
um pecado mortal, mas com consequências muito mais as dívidas justas. É pecado trabalhar servil e desnecessariamente
terríveis, porque a nossa alma não mergulharia na escuridfü1, mas aos domingos, mas também o é não prestar a Deus o culto devido,
na morte. faltando à Missa nos dias de preceito.
."56 O PECADO ATUAL QUAIS SÃO AS RAIZES DO PECADO? 57

A pergunta "'o que é que faz boa ou má uma ação?'' quase Em segundo lugar, devo saber que o que faço é errado, muito
poderia parecer insultante pela sua simplicidade. E, não obstante, ,, errado. Não posso pecar por ignorância. Se não sei que é pecado
formulei-a algumas vezes a crianças e mesmo a gente com curso mortal participar do culto protestante, para mim não seria pecado
superior, sem receber a resposta correta. É a Vontade de Deus. Uma ir com um amigo protestante à sua capela. Se esqueci que hoje é
ação é boa se for o que Deus quer que façamos; é má se for algo dia de abstinência e como carne, para mim não haverá pecado. Isto
que Deus não quer que façamos. Algumas crianças me responde pressupõe, é claro, que esta ignorância não seja por minha culpa.
ram que esta ou aquela ação é má "porque o disse o padre, ou o Se não quero informar-me de certa coisa por medo de que atrapalhe
catecismo, ou a Igreja, ou as Escrituras". meus planos, sou culpado desse pecado.
Não é, pois, despropositado mostrar aos pais a necessidade de Finalmente, não posso cometer um pecado mortal se não resolvo
que os filhos adquiram este princípio tão logo alcancem a idade livremente praticar determinada ação (ou omissão) que é contra a
suficiente para distinguir o bem do mal, e saibam que a bondade Vontade de Deus. Se, por exemplo, alguém mais fórte que eu me
ou maídade de alguma coisa depende de que Deus a queira ou não; força a lançar uma pedra contra uma vitrina, não me faz cometer
e que fazer o que Deus quer é o nosso modo, o nosso único modo, um pecado mortal. Também não posso pecar mortalmente por aci dente,
de provarmos o nosso amor a Deus. Esta idéia será tão sensata para como quando tropeço involuntariamente com alguém, e este cai e
uma criança como o é para nós. E ela obedecerá a Deus com me fratura o crânio. Não posso pecar dormindo, por maldosos que se
lhor disposiçüo e alegria do que se tivesse que fazê-lo a um simples apresentem os meus sonhos.
pai, sacerdote ou livro. É importante que tenhamos idéias claras sobre isto, e é impor
E verdade que conhecemos a Vontade de Deus pela Escritura tante que nossos filhos as tenham na medida adequada à sua ca
(Palavra escrita de Deus) e pela Igreja (Palavra viva de Deus). pacidade. O pecado mortal, a completa separação de Deus, é dema
Mas nem as Escrituras nem a Igreja causam a Vontade de Deus. siado horrível para tomá-lo com leviandade, para utilizá-lo como
Inclusive os chamados "mandamentos da Igreja" não são mais do arma na educação das crianças, para reduzi-lo ao nível da irreflexão
que aplicações particulares da vontade de Deus, interpretações deta ou das travessuras infantis.
lhadas de nossos deveres, que, de outro modo, poderiam não nos
parecer tão claros e 12vidcntes.
Os pais devem ter o cuidado de não exagerar a seus filhos as QUAIS SÃO AS RAlZES 00 PECAOO?
dificuldades da virtude. Se aumentam cada faltazinha da criança
até torná-la um pecado muito feio e muito grande. se lhe caem em E fácil dizer se tal ou qual ação é pecaminosa. Não o é tanto
cima, dizendo-lhe que cometeu um pecado mortal e que Deus já dizer se tal ou qual pessoa pecou. Se alguém se esquece, por exem
não a ama, só porque soltou um "palavrão" que ouviu ou diz "não plo, de que hoje é festa de preceito e não vai à Missa, seu pecado
quero", é muito provável que essa criança cresça com a idéia de é só externo. Interiormente não teve intenção de conduzir-se mal.
que Deus é um preceptor muito severo e arbitrário. Se cada falta Neste caso, dizemos que cometeu um pecado material, mas não um
zinha lhe é descrita como um pecado muito grande, a criança cres pecado formal. Existe neste caso uma obra má, mas não má inten
cerá desanimada ante a clara impossibilidade de ser boa. e deixará çào. Seria supérfluo e inútil mencioná-lo na confissão.
de tentá-lo. E isto acontece. Mas também é verdade o contrário. Uma pessoa pode cometer
interiormente um pecado sem realizar um ato pecaminoso. Usando
Para que uma coisa seja pecado mortal, sabemos que são ne o mesmo exemplo, se alguém pensa que hoje é dia de preceito e
cessárias três condições. Se falta qualquer delas, não haverá pecado \'oluntariamente decide não ir à Missa sem razão suficiente, é cul
mortal. pado do pecado de omissão dessa Missa, mesmo que esteja enganado
Em primeiro lugar e antes de mais nada, a matéria deve ser e não seja dia de preceito. Ou, para dar outro exemplo, se um
grave, seja por pensamento, palavras ou obras. Não é pecado mortal homem rouba uma grande quantia de dinheiro e depois percebe que
dizer uma mentira infantil, mas o é prejudicar a reputação alheia rouhou seu próprio dinheiro, interiormente cometeu um pecado de
com uma mentira. Não é pecado mortal roubar uma maçã ou uma roubo, ainda que realmente não tenha roubado. Em ambos os casos
moeda, mas o é roubar uma quantia apreciável ou tocar fogo numa dizemos que não houve pecado material, mas formal. E, natural
casa. mente, estes dois pecados têm que ser confessados.
,58 O J'ECADO A1UAL QL'AIS SÃO AS RA!ZES flO PECADO? 59

Vemos, pois. que é a inten ào na mente e na V(mtade de uma disponham de mais meios. a pecaminosidade do ato se mantém. Em
pessoa o que determina em última análise a maikia de um pecado. resumo, um bom fim num.:a justifica meios maus. Não podemos
Há pcL:ado quando a intefü;fto quer alguma coisa contra o que Deus forçar e reton.:cr a vontade de Deus para fazê-la coincidir com a
quer. nossa.
Por esta razão, sou culpado de pecado no momento em que
decido cometê-lo, mesmo que não tenha oportunidade de praticá-lo Da mesma maneira que o pt:eado consiste em opormos a nossa
ou mesmo que depois mude de opiniào. Se decido mentir sobre vontade à de Deus, a virtude não é senão o esforço sincero por iden
um assunto quando me perguntarem, e a ninguém ocorre fazer a per tificarmos a nossa vontade com a de Deus. Não é tão árduo, a não
gunta, continuo sendo culpado de uma mentira por causa da minha ser que confiemos somente em nossas próprias forças, em lugar de
má intenção. Se decido roubar umas ferramentas da oficina em que confiarmos na graça de Deus. Um velho axioma teológico o ex
trabalho, mas me despedem antes de poder fazê-lo, interiormente jú pressa dizendo: "Deus não nega a sua graça a quem faz o que pode".
cometi o roubo, ainda que não se tenha apresentado a oportunidade Se fazemos "o que podemos" - rezando cada dia regularmente;
de praticá-lo, e sou culpado disso. Estes pecados seriam reais, e. confessando-nos e comungando com frequência; considerando amiú
se a matéria fosse grave, teria que confessá-los. de a grandiosidade do fato de o próprio Deus habitar em nossa alma
Mesmo uma mudança de decisão não pode apagar o pecado. em graça (que alegria saber que, seja qual for o momento em que
Se um homem decide hoje que amanhã irá fornicar e amanhü muda Ele nos chame, estaremos preparados para contemplá-lo por toda a
de idéia, continuará a ter sobre a sua consciência o pecado de on eternidade!, mesmo que venha previamente o purgatório); ocupando
tem. A boa decisão de hoje nào pode apagar o mau propósito <le 1. -nos num trabalho útil e em diversões sãs, evitando as pessoas e
ontem. É evidente que aqui falamos de uma pessoa cuja vontade lugares que possam pôr à prova a nossa humana debilidade -, en
tenha tomado essa dedsão. Não nos referimos à pessoa em grave tão não há dúvida da nossa vitória.
tentação, que luta consigo mesma, talvez durante horas ou ah: dias.
Se essa pessoa alcança, por fim, a vitória sobre si mesma e dá um É também muito útil conhecermos as nossas fraquezas. Você se
''não" decidido à tentação, nüo cometeu pecado. conhece bem? Ou, para dizê-lo de uma forma negativa, sabe qual
Antes pelo contrário, essa pessoa mostrou grande virtude e ad é o seu defeito dominante?
quiriu grande mérito diante de Deus. Não há motivo para sentir-se Pode ser que você tenha muitos def citas; a maioria de nós os
culpada, ainda que a tentação tenha sido violenta ou persistente: tem. Mas fique certo de que há um que se destaca mais que os
se fosse tão fácil, qualquer um seria bom: isso não teria mérito. outros e é o seu maior obstáculo para o crescimento espiritual. Os
Não. A P"'Ssoa de quem falávamos antes é a que resolve cometer autores espirituais descrevem esse defeito como "paixão dominante".
um pecado, mas é impedida de fazê-lo por falta de ocasião ou por Antes de mais nada, convém esclarecer a diferença entre um
ter mudado de idéia. defeito e um pecado. Um defeito é o que poderíamos chamar "o
ponto fraco" que nos faz facilmente cometer certos pecados, e mais
Isto não quer dizer que o ato exterior não tenha importância. difícil praticar certas virtudes, Um defeito é (até que o eliminemos)
Seria um grande erro· inferir que. já que alguém tomou a decisão. uma fraqueza do nosso caráter, mais ou menos permanente. ao passo
tanto dá levá-la à prática ou não. Muito pelo contrário, realizar a que o pecado é algo eventual, um fato isolado que deriva do nosso
má intenção e praticar o ato acrescenta gravidade ao pecado, inten defeito, Se compararmos o pecado a uma planta nociva, o defeito
sifica a sua malícia. E isto é especialmente assim quando esse pe será a raiz que o sustenta.
cado externo prejudica um terceiro, como no roubo: ou causa o Todos sabemos que, quando se cultiva um jardim, dá pouco
pecado de outrem, como nas relações impuras. resultado aparar as plantas daninhas rente ao chão. Se não se arran
E já que estamos falando de ''intençüo", vale a pena mencionar cam as raízes, crescerão outra vez. O mesmo ocorre na nossa vida
que não podemos tornar boa ou indiferente urna ação má com uma com certos pecados: continuarão a aparecer continuamente, se nãc
boa intenção. Se roubo a um rico para dar a um pobre, isso conti arrancarmos as raízes, esse defeito do qual eles nascem.
nua sendo um roubo. e é pecado. Se digo uma mentira para tirar
um amigo de apuros, isso continua sendo uma mentira, e eu peco. Os teólogos dão uma lista de sete defeitos ou fraquezas princi pais;
Se uns pais usam anticoncepcionais para que os filhos que já têm quase todos os pecados atuais se baseiam num ou noutro deles.
QUAIS SÃO AS RA(ZES DO PECADO' GI
60 O PECADO ATUAL

Estas sete fraquezas humanas se chamam, ordinariamente, "os sete estado mental do clássico "cachorro do hortclflo... qne nem :irrr)\ L'ila o
pecados capitais". A palavra "capital" neste contexto significa rele­vante ou que tem nem dL'i:xa n outros aproveitarem. e pmduz ll l\Jin. ;i calúnia,
mais frequente, não que necessariamente sejam os maiores ou os p10res. a difamat.;ão, o ri:ssen!imeuto, a diforna :"'10 e outr,ls rnak:-.
Quais são esses sete vícios dominantes da natureza humana? O primeiro semelhantes.
é a soberba, que poderíamos definir como a procura de­ sordenada da
Finalmente, temos a preruiça, que não é o simples desagrado
perante o trabalho; há muita gente que não acha agradávd o seu
nossa própria honra e excelência. Seria muito longa a lista de todos os tra­
pecados que nascem da soberba: a ambição ex­ cessiva, a jactância em balho. A preguiça é, antes de tudo, fugir do trahalho pdo csfort.;o
relação às nossas forças espirituais, a vaidade, ' que ele implica. É o desgosto e a recusa ante o cumprimento de
o orgulho, eis aí uns poucos. Ou, para usar expressões contempo nossos deveres, especia [mente de nossos deveres para com Dt:us.
nos contentamos com um nível haixo na nossa procura da santi
Se
râneas, a soberba é a causa dessa atitude cheia de amor próprio dade, especialmente se nos conformamos com a mediocridade espi
que nos leva a "manter o status, para que os vizinhos não munnu
ritual, é quase certo que a sua causa é a preguiça. Omitir a Missa
rem'', à ostentação, à ambição de escalar postos e brilhar social
em dia ·ctc preceito, desleixar-se na oração, fugir das nhriga..;ücs fami
mente, de estar na "crista da onda", e outras coisas do mesmo jaez.
liares e profissionais. tudo isso provém da preguiça.
O segundo pecado capital é a avareza, ou o imoderado desejo
Estes são, pois, os sete pecados capitais: soberba. avareza, lu xúria,
de bens temporais. Daqui nascem não só os pecados de roubo e
fraude, como também os menos reconhecidos de injustiça entre pa trões ira, gula, inveja e preguiça. Sem dúvida temos o louvável costume de
e empregados, práticas abusivas nos negócios, tacanhice e indi ferença examinar a nossa consciência antes de nos deitarmos e, evidentemente,
ante as necessidades dos pobres, e isso para mencionar só uns " ao nos confessarmos. De hoje em diante, seria muito proveitoso
perguntarmo-nos não só "que pecados cometi e quantas vezes", mas
poucos exemplos.
O seguinte na lista é a luxúria. É fácil perceber que os pe· também "por quê".
cados claros contra a castidade têm a sua origem na luxúria; mas
esta também produz outros: há muitos atos desonestos, falsidades
e injustiças que se podem atribuir à luxúria; a perda da fé e o
desesperar da misericórdia divina são frutos frequentes da luxúria.
Depois vem a ira, ou o estado emocional desordenado, que nos
empurra a desforrar-nos dos outros, a opor-nos insensatamente a
pessoas ou coisas. Os homicídios, as desavenças e as injúrias são
consequências evidentes da ira, como também o são o ódio, a mur
muração e o dano à propriedade alheia.
A gula é outro pecado capital. É a atração desordenada pela
comida ou bebida. Parece o mais ignóbil dos vícios: no glutão há
algo de animal. Prejudica a saúde, produz o linguajar soez e blas
femo, injustiças à própria família e a outras pessoas, e uma legião
de males demasiado evidentes para necessitarem de enumerações.
A inveja é também um vício dominante. É necessário sermos
muito humildes e sinceros conosco próprios- para admitir que a temos.
A inveja não consiste em desejar o nível de vida que outros têm:
esse é um sentimento- perfeitamente natural, a não ser que nos leve
a extremos de cobiça. Não, a inveja é antes a· tristeza causada pelo
fato de outros estarem numa situação melhor que a nossa, é o so
frimento pela melhor sorte dos outros. Desejamos ter o que um
outro tem, e que não o tenha. Pelo menos, desejaríamos que não o
tivesse, se nós não o podemos ter também. A inveja leva-nos ao
<Jl E\! C .\L\HL\º 63

CAPÍTULO VII Era uma nova prenda para a alma que havia recebido uma
gr,.h a maior já no seu comi.'.Ç0. Quando Deus criou a alma de :Maria.
eximiu-a da lei u11i\'crsal do pecado original no mesmo instante em
A ENCARNACÃO que a Virgem foi concebida no seio ck Ana. Maria receheu a he
ran ·a perdida por Ad,io: desde o início do seu ser. esteve unida a
Deus. Nem por um momento se encontrou ob o domínio de Satft
aqudn cujo Filho lhe esmagaria a cahc ·J.
Ainda que Maria tin.>ssc feito o que hoje chamaríamos voto de
castidade perpétua. estava prometida a um artesão chamado José.
J-lú dois mil anos. 1úo havia "mulheres indcpendl'ntes" nem "mu lheres
profissiom1is". Num mundo estritamente masculino. qualquer moça
honrada necessitava dl' um homem que a tutelasse e prote gesse.
Mais ainda. não estava dentro do plano de Deus que. para ser mãe
de seu Filho, Maria tivesse que sofrer o estigma das mêlcs solteiras. E
assim, atuando discretamente por meio da sua graça, Deus procurou que
QUEM É MARIA? Maria tivesse um esposo.
O jovem escolhido por Deus para esposo de Maria e guardião
A 25 de março celebramos o grande acontecimento que conhe de Jesus era, de per si, um santo. O Evangelho no-ln descreve di
cemos por "Encarnação": a notícia, levada pelo Arcanjo Gabriel a zendo simplesmente que era um ''varão justo". O vocábulo "justo"
Maria, de que Deus a havia escolhido para ser mãe do Redentor. significa. em sua conotação hebraica. um homem cheio de todas as
No dia da Anunciação, Deus eliminou a infinita distância que virtudes. É o equivalente à nossa palavra atual "santo".
havia entre Ele e nós. Por um ato de seu poder infinito, Deus fez Não nos surpreende. pois, que José. a pedido dos pais de Maria.
o que à nossa mente humana parece impossível: uniu a sua própria aceitasse gozosamcntc ser o esposo legal e verdadeiro de Maria, ain
natureza divina a uma verdadeira natureza humana, a um corpo e da que conhecesse a sua promessa de virgindade e soubesse que o
alma como os nossos. E o que nos deixa ainda mais admirados é nrntrimônio nunca seria consumado. Maria permaneceu virgem não
que desta união não resultou um ser com duas personalidades, a de só ao dar à luz Jesus, mas durante toda a sua vida. Quando o
Deus e a de homem. Ao contrário, as duas naturezas se uniram Evangelho menciona "os irmãos e irmãs" de Jesus. devemos recordar
numa só Pessoa, a de Jesus Cristo, Deus e homem. que é uma tradução grega do original hehraico, e que neste caso
Esta união do divino e do humano numa Pessoa é tão singular, essas palavras significam simplesmente "parentes consanguíneos".
tão especial, que não admite comparação com outras experiências mais ou menos o mesmo que a nossa palavra "primos".
humanas, e, portanto, está fora da nossa capacidade de compreen A aparição do anjo ocorreu quando Maria ainda morava com
são. Como a Santíssima Trindade, é um dos grandes mistérios da seus pais, antes de ir viver com José. O pecado veio ao mundo
nossa fé, a que chamamos o mistério da Encarnação. por livre decisüo de Adüo: Deus quis que a livre decisão de Maria
Lemos no Evangelho de São João que "o Verbo se fez carne", trouxesse ao mundo a salvação. E o Deus dos céus e da terra aguar
ou seja, que a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Deus Filho, dava o consentimento de uma mulher.
se encarnou, se fez homem. Esta união de duas naturezas numa Quando. rccehida a mensagem angélica, Maria inclinou a cabeça
só Pessoa recebe um nome especial, e chama-se união hipostática e dissl': '·Faça-se cm mim segundo a tua palavra'', Deus Espírito
(do grego hipósta.sis, que significa "o que está debaixo"). Santo (a quem se atribuem as obras de amor) engendrou no seio
de Maria o corpo e a alma de uma criança, a quem Deus Filho se
Para dar ao Redentor uma natureza humana, Deus escolheu uniu nn mesmo instante.
uma donzela judia de quinze anos, chamada Maria, descendente do Por ter aceitado voluntariamente ser Mãe do Redentor, e por
grande rei Davi, que vivia obscuramente com seus pais na aldeia de kr parlicipadn li\rcmcntc (e de um mod(l tüo íntimo!) na sw1 Pai
Nazaré. Maria, sob o impulso da graça, havia oferecido a Deus a .xüo. Maria l· adamada pela Igreja como corredentora do gênero
sua virgindade, coisa que fazia parte do desígnio divino sobre ela. humano. É este m<1rncn10 transcendental da aceitação de Maria e
64 A ENCAR AÇÃO
()l.E\l f: \!:\IH.\: 65

do começo da nossa salvação o que nós comemoramos sempre que


k\ ar cm 1..·onta que Jc"us IÚll aparentava simplesmente comer, beber,
n.:citamus o Angelus.
E nJo surpreende que Deus preservasse da corrupção do sepul <lormir e sofrer. Quandd cnmia. era porque realmente tinha fome;
cro o corpo do qual tomou o seu próprio. No quarto mistério glo quando dormia, era plll\-l_Ue n:almente estava fatigado; quando sofria,
rioso dn Rosário, e anualmi::nte na festa da Assunção, celebramos sentia realmente dl'í.
o fato de o corpo de Maria, depois da morte, se ter reunido à sua Com igual daroa Jt:sus mostrou a unidade da sua personali
dade. Em todas as suas ai;0es ha\'ia uma completa unidade de
alma no céu. Pessoa. Por exemplo. não disse ao filho da viúva: ''A parte de
:\1im 4ue é di\'ina te diz: "Levanta-te!". Jesus manda simpksmentc:
Talvl'.7 algum de nós tenha exclamado cm momentos de traba lho
"Eu te digo: "Levanta-te "- Na Cruz, Jesus nf10 disse: "Minha na
exLTssi\'o: ''Quereria ser dois para poder atender a tudo". É uma
wreza humana tem sede'', mas exclamou: "Tenho sede".
idl·ia interessante, que pode levar-nos a fantasiar um pouco. mas
Po<lc ser que nada do que estamos dizendo nos ajude muito a
com proveito. Imaginemos que cu pudesse ser dois, que tivesse dois
corpos. duas almas e uma sú pcr nnali<ladc. quc 5-cria cu. Am hos os comprL:ender as duas naturezas de Cristo. No melhor elos casos.
corpos trabalhariam juntos hamliHlio amcnk cm qualquer tarefa em será sempre um mistério. Mas pelo menos recordar-nos-á. ao diri girmo-
que me ocupasse: seria espccialnh:nk útil para transportar uma escada nos a Maria com seu glorioso título de "Mãe de Deus", que não
de m;'.io ou uma mesa. E as duas mentes aplicar-se-iam juntas a estamos utilizando uma imagem poética.
solucionar qualquer problema que cu tivesse de enfrentar. o que Às vezes, nossos amigos acat(Jlicos se escandalizam daquilo que
seria especialmente agradável para resolver preocupações e tomar ch..i.mam a "excessiva'' glorificação de Maria. Não têm inconveniente
decisões. algum cm chamar a Maria Mf1e de Cristo: mas prefiririam morrer
É uma idéia total e claramente sem pés nem cabeça. Sahernos
a chamá-la Müe de Deus. E, não obstante, a não ser que nos
que no plano de Deus só há uma natureza humana (corpo e alma)
dbponhamos a m:gar a divindade de Cristo (e neste caso deixaríamos
para cada pessoa humana (minha identidade consciente. que me se para
de qualquer outra pessoa). Mas esta fantasia talvez nos ajude a de ser cristãos), nüo existem razões para distinguir entre "Màe de
entender um pouquinho melhor a personalidade de JL:sus. A união Cristo" e "Mãe de Deus".
Urna nüe nüo é só núc do corpo físico de seu filho; é mãe da
hipostática, a uniüo de uma nalureza humana e uma natureza divina
pessoa inteira que traz em seu seio. A Pessoa completa concebida
numa Pessoa - Jesus Cristo - é um mistério de fé. o que significa
por Maria é Jesus Cristo. verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A
que não podemos compreendê-lo cabalmente. Isto nüo quer dizer,
Criança que há vinte séculos nasceu no estábulo de Belém tinha, de
porém, que não sejamos capazes de compreender um po11co.
certo modo, Deus como Pai duas vezes: a segunda Pessoa da San
Como segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Deus Filho. Jesus
tísima Trindade tem Deus como Pai por toda a eternidade; Jesus
existiu desde toda a eternidade. E por toda a eternidade é gerado
Cristo teve Deus como Pai também quando, na Anunciaçüo. o Espí
na mente do Pai. Depois, num ponto dctL:rminado do tempo, Deus
rito Santo engendrou uma Criança no seio de Maria.
Filho uniu-se. no seio da Virgem Maria, nüo só a um corpo como Qualquer pessoa que tenha um amigo que goste de cachorros
o nosso, ma,; a um corpo e a uma alma. a uma natureza humana sabe a verdade que há no ditado inglês: "Se me amas, amao meu
completa. O resultado é uma só Pessoa, que atua sempre em harmo cão",o que poderá parecer tülo à nossa mentalidade. Mas estou
nia, sempre unida. sempre como uma sú identiJadL:. certo de que qualquer homem ou mulher subscreveria esta outra afir
O Filho d1..· Deus n H) lcv 1va simpksmc11tc urna natureza huma
maçüo: "Se me amas. ama minha mãe''.
na. com::._) um operáno kva s1._·u carrinhu de m:-tt). O Filho lk Deti.._, Como pode cntüo. a\gut'.m afirmar que ama .ksus Cristo verda
cm e com a sua naturi:z:1 humana. linha ll tc111) uma pcrsrn1:\\idadr.: deiramente. se não ama também sua Mãe? Os que objetam quea
Cio indivisa t singular como a teríamos rn·,s cm ,.: com a:,; duas na honra dada a Maria suhtrai a que é devida a Deus; os que dizem
turezas humanas que em nossa fanta,ia havíamos imaginad()_ que os católicos ·'adicionam" uma segunda mediação "ao único Me
Je:.us mo"trou claramente a sua dua!idc1dc de nalllroas ;_w fazer, diador entre Deus e o hnrnem. Jesus Cristo, Deus encarnado'', mos
por um lado. aquilo que scl Deus poderia fazer. 1._'Pmo n,:..,..,uscitar tram que compreenderam muito pouco da verdadeira humanidade de
mortos pelo seu prúprio poder. Por outro. realiznu ª" açtJcs nrni-; Jesus Cristo. Porque Jesus ama a Virgem Maria nüo como mero
\'Ulgarc dos homens. como comer, behcr e dormir. E é- hnm amor imparci<:1I que Deus tem por todas as almas. nüo com o amor
()(i \ E:\C\H'.\_\(.:.\0
<Jl"E\l E JESL"S CHJSTO:J (i-;-

cspi:cial qui...· Eh: tt:m por tndas as almas :-,antas: ksus J.ma ]\faria
grandçza e à glória. r..-1as, com a sua drn111:1da ans Ivlag 1s p:1ra que
com ll amor humano perfeito que s,) o Homem Perfeito podi..: ter
acorressem a Bdém. Deus manifestou que .11..:sus \·inha sal\·ar tanto
por urn;1 .\Lic pnkita. Quem n1-.'ncv\pru:1 :\faria nfín presta um
os gentios ou não judeus como o seu plno deito. Por isso. a \·inda
:,,t:T\Íi.;'ll a .k w.. Muito ao contrári(l. quem rebai.\a a hPnra de .l\1aria,
dos .\fogos se conhece pelo nome grego de ··Epifania··_ que significa
rcduzinJo-a ao níYd de '·uma boa mulher". rebai,a a honra de Dnis
"manifestação··. Por isso também, este acontccimi...·nto tem tanta im portância
numa de sua-; mais nohrcs ohras de anwr e miserin'rdia.
para você e para mim. Ainda que a festa da Epifania não seja
dia santo de guarda em alguns países. por dispensa da lei geral. a
Igreja concede-lhe a mesma e inclusi\'t..' maior dignidade que ü festa
QUEM t JESUS CRISTOº
do Natal.
O maior dom da nossa vida é a fé cristJ. A nossa vida inteira Depois da visita dos Magos e conscquente fuga da Sagrada Fa
e a própria cultura de todo o mundo ocidental cstfio bast..'adas na mília ao Egito para escapar do plano de morte ele Herodes, e após
firme convicção de que Jesus Cristo viveu e morreu. O normal seria seu retorno a Nazaré. a ocasiâo seguinte cm que vemos Jesus é
que procurássemos empenhar-nos em conhecer o mais possívd sohri..: acompanhando Maria e José a Jerusalém para celebrar a grande
a vida dAquek que influiu tanto em nossas pessoas como no mundo. festa judaica da Páscoa. A história de Jesus perdido e achado
E, não obstante, há <.:atólicos que leram extensas biografias de no Tem pio, três dias mais tarde. nos é hem conht:cida. Depois,
qualquer personagem mais ou menos famoso, mas nunca abriram u1,1 o evangelista São Lucas deixa cair um véu de sikncio sobre a ado
livro sobre a vida de Jesus Cristo. Sabendo a importfuKia que Ele lescência e juventude de Jesus, que resume numa curta frase: '·.Jesus
', crescia cm sabedoria e idade diante de Di.:us e diante dns ho mens"
tem para nós, dá pena que o nosso conhecimento <lc Jesus se limite.
(2.52).
--:-m muitos casos, aos fragmentos de Evangelho que se ouvem aos
domingos na Missa.
Esta frase, "Jesus crescia em sabedoria", levanta uma questão
Pelo menos, teríamos que ter lido a histéiria completa de Jesus. que vale a pena considerarmos por um momento: saber se Jesus. ao
tal como a contam Mateus, Marcos, Lucas e .lo:ío, no Novo Testa mento.
crescer, teve que aprender as coisas como as di.:mais criarn;a . Para
E quando o tivermos feito. a narraçüo dos Evangelhos ad quirirá maior responder a este ponto, recordemos que Jesus tinha duas naturezas,
relevo se a completarmos com um bom livw sobre a biografia de
a humana e a divina. Por isso. tinha dois tipos de conhecimento:
Jesus. Há muitos nas livrarias e bibliotecas públicas. Nestes livros, os o infinito, isto é, o conhecimento de tudo, que evidentemente Jesus.
autores apóiam-se em seu douto conhecimento da época e costumes
como Deus. possuía desde o princípio da sua existência no seio
em que viveu Jesus. para dar corpo à concisa narração evangélica de Maria: e, como homem. o conhecimento humano. Por sua vez,
(*). Para o nosso propósito, bastará aqui uma breve exposição de
este conhecimento humano de Jesus era de três espfrics.
alguns pontos mais destacados da vida terrena de Jesus Cristo, Filho
Jesus. em primeiro lugar, possuía o conhecimento beatífico des
de Deus e Filho do homem.
de o momento da sua concepção, consequência da união de sua
Após o nascimento de Jesus na gruta de Belém, o primeiro
natureza humana com uma natureza divina. Este conhecimento é
Natal, o acontecimento seguinte é a vinda dos Magos do Oriente, similar ao que você e eu teremos quando virmos a Dcns no céu.
guiados por uma estrela, para adorar o Rei recém-nascido. Foi um Depois, Jesus possuía também a ciência infusa, um conhecimento
acontecimento de grande significado para nós que não somos judeus. completo das coisas criadas - como o que Deus concedeu aos anjos
Foi o meio que Deus utilizou para mostrar, pública e claramente. e a Adão -. conferido diretamente por Deus, e que não se tem de
que o Messias. o Prometido, não vinha salvar somente os judeus. adquirir por raciocínios laboriosos. partindo dos dados colhidos pelos
Segundo a <.:rença geral entre estes. o Messias que deveria vir per sentidos. Além disso, Jesus possuía o conhecimento experimental -
tenceria exclusivamente aos filhos de Israel e levaria a sua nação à o conhecimento pela experiência -, que ia adquirindo à medida que
crescia e se desenvolvia.
( 0) Entre as muitas biografias de Jesus, pode-se ver desde a clássica Vida Graças a seus mapas e instrumentos, um na\·e_gante sahe que
de Jesus Cristo, de Frei Luís de Granada, até às atuais Vida de Cristo, encontrará determinada ilha num ponto do oceano. Mas, ao encon
de P. de UrbeI (Edições Quadrante, São P:nilo). e Jesus Cristo, df' trá-la, acrescentou o conhecimento experimental ao seu prcv10 co
Karl Adam (N. T.).
nhecimento teórico. De modo semelhante. Jesus sabia desde o
68 .'I E:,,;CAR'.\AÇ\O
(,llT\1 r: JESL'S CHISTO'J 69

começo como sena. por exemplo, o andar. Mas só adquiriu o co '.\las, rw plaJl\) de Deu . isso nf10 cru o hastantl'. O Filho de
nh1ximcnto expcriment<il quando suas pernas ficaram suficientemente Dt:·us realizaria s;.,'ll :il\1 d-.: nht'Jiên1:ia infinitamenk perkita até o
fones para sustentú-lo E assim. quando o Menino tinha doze anos. jl(lll[ti de ..aniqüil.11 - '-- l\ltalm,:11lc. <.1ts: o ponto de morrer no Cal
São Lucas no-lo dt'ixa oculto em Nazaré dezoito anos mais.
\'úrio ou Gl'ilguta. quL' signifiL·a .. Lugar da Ca\·1.:ira... O Calváric
Podaú ocorru-nns pt'rguntar por que Jesus Cristo "desperdiçou"
foi o :·1picc, a culmin[1111..:ia do ato redentor. Tanto Nazaré comn
tantns anos de sua \'ida na humilde obscuridade de I\iazart.'.. Dos Bckm fazL'lll parte do caminho 4uc a ele conduz. Pdo fato de a
doze aos trinta anos. t) E\·;_rngdho não nos diz abs(1lutamente nada paix,-10 e a morte de Cristo terem superado tanto o preço realmente
de Jesus, n.1..'l'tO qtll" "ucscia em saheJoria. idade e graça diante de necessário para satisfazu pelo pecado. Deus nos tornou patente de
Deus e diante cios homens." um modo jnesquccívcl as duas liçües paralelas da infinita maldade
Depois. ao considuú-lo mais devagar. vemos que Jesus. com dn pecado e do infinito amor que Ele nos tem.
seus anos ocultos 1.:111 Nazaré, está ensinando uma das li(J)es mais
importantes Jc que o homt'm pode necessitar. DL·ixando transcorrer
Quando J·.:sus tinha trinta anos de idade, empreendeu a fase da
tranquilamente ano apôs ano, o que Ek fez foi ensinar-nos que sua tarefa que conhecemos comumente por vida pública. Tcve co rne\o
diante de Deus não existe fKssoa alguma sem imrort:'mcia nem tra com o primeiro milagre público nas bodas de Can<i, e desen volVL·u-se
balho algum que seja tri\·ial. nos três anos seguintes. Durante esses anos, Jesus vjajou (k norle a
Deus não nos mede pl'la imptirti'uKia dn nosso trabalho, mas sul e de le te a oeste pelo território palestino, pregando ao pnvo.
pela fidelidade com que procuraJ11l)S cumprir () que flt\s em noss3s ensinando as verdades que todos deviam conhecer e as
mftos. pela sinceridade com que nos dedica111t)S a f;vcr nnssa a sua
vontade. • \·irtudcs que deviam praticar se quisessem beneficiar-se da sua re
dent,:ftt).
Efetivamente, os silenciosos anns que Jesus p::isstHt cm Nazaré Ainda que os sofrimentos de Cristo bastem para pagar por to
s.1o tão redentores cnmo ns três Jc \'ida :1tiva com que n1ncluiu o dos os pecados de todos os homens, isto não quer dizer que cada um
seu ministério. Quando rrega\'a prL·gos nJ oficina de J(ls . Jesus de nús fique automaticamente liberado do pecado. Ainda é necessário
nos redimia tão realmente como nn Ca!vúrio. qtwndo outros lhe atra que cada qual, individualmente. aplique a si os méritos do sacrifício
vessavam as müos com eles. redentor de Cristo. ou, no caso das crian as, que outro lhos aplique
"Redimir" signifiL·a recuperar algo perdido. \Cndido ou ofere pelo Batismo.
cido. Pelo pecado, o homem tinha rerdiclo - jogou fora - seu Fnq11anto viajava e pregava. Jesus operou inúmeros milagres.
direito de herança à unifto eterna com f),,_'Us. :t felicidade perene no nfw só movido por sua infinita cnmpaixG.o. mas tamhém (e princi palmenk)
céu. O Filho de Deus feito homem assumiu a tarefa ck recupcrilr para provar seu direito de falar tal como o fazia. Pedir a seus
esse direito para nús. Por isso o chamamos Reckntor. e, t tarefa ouvintes que cressem nEle como Vilho de Deus era pedir muito. Por
que realizou, redenção. isso. ao fazer que n vis cm limpar os leprosos, devolver a vista
E do mesmo modo que a traiçào do homem a si mesmo se
::os L'Cgl)S e ressuscitar mortos. não lhes deixava lug r a dúvidas
realiza pela negativa em dar seu amor a Deus (negativa expressada
llll'eras.
no ato de desobediência que é o pecado), assim a tarda redentora
de Cristo assumiu a forma de um ato de amor infinitamente per Alt.'·m di w. durante cssL'S três anos, Jesus lhes lemhrava conti
feito, expresso no ato de obediência infinitamente perfeita que abran nuamente que o rc?ino de Deus es!a\'a próximo. Este reino de Deus
geu toda a sua vida na terra. A nwrte de Cristo na Cruz foi a na tcrr;1 - que 1H)s cknominamos Igreja - seria a prepara,ão do
culminância do seu ato de obediência: mas o que precedeu o Calvário homem para o reino eterno do céu. A velha religião judaica. esta
e o que a ele se seguiu é também parte do seu Sacrifício. hL'il'cida pnr Deus para rm:parar a \·inda de Cristo. ia terminar. A
\ l'lha lei do temor ia ser suhstituíJa pela nova lei do amor.
Tudo o que Deus taz tem valor infinitP. Pnr ser Deus. n mernH Muito no comel,·t1 da sua \'ida pública. Jesus escolheu os doze hn!
dos sofrimentos de Cristo era suficiente rara p<1g:ar o repúdio de llL'lh qtll' iriam SL'f t'S primcirns a reger n seu reino. os primeiros
Deus pelos homens. O mais leve calafril) que o Menino Jesus so hispns e saL'l•rclnks da -,ua Igreja. Durante três anos instruiu e pn:•
fresse na gruta de Belém hastaria para reparar todns os pecados que p:nnu SL'l!:-. dPzc Ap:,stnln..., para a tarefa de que os ta incumbir·
os homens pudessem empilhar no outro prato da balança. v-,tahckn.T .snlidanll'nk ti rcinn que 1-:Jc c ta\'a fundando.
UJ\!(l !f,H\11\.-\- l

(A!'J[TLO \ III Assim a11da\·am as l'(1isas na Judéia e na Galiléia quando Jesus


percorria seus caminhos e ::italhos pregando a mensagem do amor
\-,
ele Deus :io lwnh.'lll e <la espcr rnça do homem em Deus. Enquanto
.\ llEDE\'<i.\O fazia seus milagr,'s; e L.t!a, a do reino de Deus que vinha cstnbdci:er.
muitos de s....:11:,, ou\'intl's. wman<lo as suas palavras literalmente. pen Sí.l\
am cm tl'rnws de um rei110 pDlítico, em vez de espiritual. Aqui
....: ali fa!av;:un <lc faZtT ck Jesus o seu rei. um rei que subjugaria o Sin,.\
Jrio e expulsaria os odiados romanos.
Tudn isto clll·gou ao conhecimento dos sacl.'rdotes, escribas e
foriscus, e estes homens corrompidos começaram a temer que o povo
pudesse arri...·hatar-lhcs seus cômodos e proYeitosos postos. Este temor
u1m·(-r1cu-sc cm ôJio c\.acerbado quando .Jesus condenou publica
mente a sua a\'aI\:'Za, hipocrisia e dureza de corai.;ão. Combinaram
(1 modo de fazer cabr esse Jesus de Nazaré que lhes tirava a tran

COMO TERMINA'' quili(bdc. Vúrias n.'zcs enviaram sicúrios para matar Jesus, apcdrc
jaudo-o uu la111..;anJ.,H) a um pn:-.:ipicio. Mas, de cada vez, Jesus
A ambil,'Jo <los <lit.:i<lnn.'s russos ele agora é conquistar o mundo, ( n:-10 ll<.1\ ia chcgadn air:.da a sua hora) escapuliu-se facilmente <lo
propósito que começaram com o pi.': direito. segundo pode atestar cercn dos que prcll'ndi:1m assassinú-lo. Finalmente, começaram a
uma dúzia de povos csnavi1ados. procurar um traidor, alguém suficientemente íntimo de Jesus para
Hú dois mil anos, os impera<lon:s rcmanos conseguiram o que que pudcssl..'. cntrcgú-lo its suas mftos sem falhar, um homem cuja
os russos agora quert:riam conseguir. De fato, os exércitos de Roma kaldad pudessem comprar.
haviam conquistado () mundo inlt:iro. um mundo muito mais redu .1 udas Iscariotcs era o lwmem e, infelizmente para ck, desta vez
zido que o LJUC conhcl..\:mos hoje. C{)mprecndia os países conhecidos tinha chegado a hora ck Jesus: estava a ponto de morrer. Sua tarefa
do sul <la Europa. <lo norte da África c do ocidente da Ásia. O d-:- n:\·clar ;:is \'enb<les <li\·inas aos homens estava concluída, e Ele e!
resto <lo globo estava ainda por explorar. lL\.'.rrara a prcparaçfto de seus ÂpL)stolos. Agora esperava a che
Roma tinha a nüo mcnns pesada l'.om seus países satélites que g:1da (k Judas pwstra<lo cm seu prôprin suor de sangue. Um suor
a Rússia de hoje com os seus. Enquanto se portavam hem e paga que o conhecimento di\'inn da agonia que o espt:rava lhe arrancava
vam seus impostos a Roma, quase nüo eram incomodados. Uma do org:111is1110 fbil\J angustiado.
guarnição de soldados romanos era destacada para cada país, e nela Porém, mais do que a prescii:ncia de sua Paixão, a angústia que
havia um procCmsul nu governador para ficar de olho nas coisas, o fazia suar sangue era produzi.Ja pelo conhecimento de que, para
Mas, fora isto, permitia-se: às nações consLT\'arem seu próprio go• muitos. esse sangue seri.:i derramado cm vüo. Em Getsemani, Eic
verno local e seguirem suas próprias kis e costumes. CP1Ke(k·u à sua natureza humana que provasse e conhecesse. ..:orno
Esta era a situaçfto da Palestina nos ll'mpos de Nosso Senhor s{J Deus pode. a infinita maldade do pecado e todo o seu it:rcmcndo
Jesus Cristo. Roma era o chefe supremo, mas os judeus tinham seu pn\ lwrror.
prio rei. Herodl..'s, e eram governados pl'io seu pn\prio parlamento ou J uJas chega_. e os inimigos de Jcsus o levam a um julgamento
conselho, chamado Sinédril1. Nüo havia partidos políticos como os que havia de ser uma pan)<lia <la justiça. A sentença de morte já
que conhel..'emos hoje, mas algo muito parecido à nossa "máquina política" tinha sido acertada peh, Sinédrio, mesmo antes de terem prestado
moderna. Esta m{1quina política compunha-se dos sacer dotes judeus. dccl:lf:1• /lcs ClTta:,; tc tcmunhas subornadas e contraditórias. A acusa
para quem pl1iítica e rdigiüo eram a mesma coisa: dos fariseus, que eram l/tO era bt:m simpk-,: .Jc-.us s,: prncbmava Deus, e isso era uma hlas
os '·de sangue azul" do st:u tempo, e dos escribas, que eram os hom.::ns fê-mia. E umw a hL1:,;fL·mia cra castigada com a morte, p:ua a mürll.'.
de leis. Com certas exceções, a maioria destes homens pertenci.:i ao tipo dc\'ia ir. D,1 Si11édriL) seria conduzido a Púncio Pilato<,, o govcrna
dos que hoji: chamamos "políticos aprovei tadores''. Tinham empregos Jor rdm 1110 qu d.:\ ia l'011firmar a sentença, já que nüo se permitia às
c<ímodos e agradáveis, enchendo os bo1- 11 11.;llcs suh_iugê!das dit:Hl..'m uma sentença capital. St'i Roma podia tirar
:--,o<; ü cu:--,t:i dn pn\·o. a quem <1primiam de mil maneiras. a \ ida a um hl1rnc111.
,1,

72 A HEDE'>Ç\O cn\10 TEH\tl'.\ \'? ';

Quando Pilatos se negou a condenar Ji.:sus it morte, os chefes


que fechava a entrada do sepulcro, quando Jesus saiu.
judeus ame;i aram o governador de LTiar-lhc dificuldades, denuncian
do-o a RL)rna por incompetência. O pusilânimP Pilatos sucumbiu à
,,. Jesus ressuscitou dentre os mt1rtos com um corpo glnrificadn.
idêntico ao que será o nosso depois da nossa rcssurrci(,;ão. Fra um
chantagem, após alguns vãos esforços para aplacar a sede de sangue
corpo "espiritualizado", livre das limitações imposta-;. pelo mundo fí
da populaç:to, permitindo que açoitassem hrutalmcnte Jesus e o co
roassem de espinhos. Meditamos estes acontecimentos ao recitar os sico. Era (e é) um corpo que não p0de sofrer ou morrer; um
mistérios dolorosos do Rosário ou ao fazer a Via-Sacra. Também corpo que irradiava a luminosidade e a beleza ck uma alma unida
meditamos então o que ocorreu ao meio dia seguinte, quando res a Deus; um corpo que a matéria não podia interceptar. podendo
soou no Calvário o golpear dos martelos e o torturado Jesus pendeu passar através de um sólido muro como se este ,üo existisse: um
da Cruz, durante três horas. morrendo finalmente, para que nús pu corpo que não precisava caminhar com passos lahoriosos. mas que
déssemos \'iver, nessa Sexta-feira que chamamos Santa. podia mudar-se de um lugar para outro com a velocidade do pen
samento: um corpo livre de necessidades orgânicas como comer. hc
her ou dormir.
Enquanto Jesus não morresse na Cruz, pagand0 pelos pecados
dos homens, nenhuma alma podia entrar no céu; ninguém podia ver
Jesus, ao ressuscitar dentre os mortos, não suhiu imediatamente
a Deus face a face. E, não obstante, haviam existido, de certeza,
ao céu, como teríamos imaginado. Se o tivesse feito, os cépticos
muitos homens e mulheres que tinham crido em Deus e na sua mi
que não acreditassem na sua Ressurreição (e que ainda estüo entre
scriC<'irdia, c guardado suas leis. Como esta almas nüo haviam me
nós) teriam sido mais difíceis de convencer. Foi cm parte por este
recido o inferno, permaneciam (até a CrucifixfLn) num estado de
motivo que Jesus decidiu permanecer quarenta dias na terra. Du
fdii..:idadc puramente natural, sem visão direta de Deus. Eram muito
rante esse tempo, apareceu a Maria Madalena, aos discípulos a ca minho
felizes, mas com a felicidade que nl)s poderíamos alcançar na terra,
de Emaús e, várias vezes, aos seus Apóstolos. Mas podemos assegurar
se tudo nos corresse pcrkitamentc bem.
que houve mais aparições de Nosso Senhor. além das men• cionadas nos
O L.stado de felicidade natural em que essas almas aguardavam Evangelhos: a pessoas (à sua Santíssima Mãe. certa mente) e a
a completa fl'velação da gh)ria divina chama-se limho. A estas almas multidões (São Paulo menciona uma delas, em que havia mais de
Jesus apaíL'ccu enquanto seu corpo jaziJ na sepultura. para anun quinhentas pessoas presentes). Ninguém jamais poderá per guntar com
ciar-lhes a boa nova da sua redcnçüo; para, poderíamos dizer, acom sinceridade: "Como sabemos que ressuscitou? Quem o viu?"
panhá-las e aprcscntú-las pessoalmente a Deus Pai como suas primí '
Além de provar a sua ressurreição, Jesus tinha outra finalidade
cias. A isto nos referimos quando rezamos no Credo que Jesus
a cumprir nesses quart:nta dias: completar a preparação e missão
"desceu à mansã.o dos mortos''. de seus doze Apóstolos. Na última Ceia, na noite da Quinta-feira
Como a morte de Jesus foi rc.1.l, foi a sua alma que apareceu Santa, tinha-os ordenado sacerdotes. Agora, na noite do Domingo
no limbo; seu corpo inerte, do qual a alma se havia scp.1.rado, jazia de Páscoa, complementa-lhes o sacerdócio, dando-lhes o poder de
no sepulcro. Durante todo este tempo, no cnt rnto. a sua Pessoa perdoar os pecados. Quando lhes aparece em outra ocasião, cum
divina pcrm rnecia unida tanto à alma como ao corpn, disposta a pre a promessa feita a Pedro e o faz cabeça da sua Igreja, Explica
reuni-los de novo ao terceiro dia.
-lhes o Espírito Santo, que será o Espírito dador de vida na sua
Igreja. [nstrui-os confiando-lhes as linhas gerais do seu ministério.
Segundo havia prometido. Jesus ressuscitou dentre os mortos ao
E, finalmente, no monte das Oliveiras, no dia em que comemoramos
terceiro dia. Havia prometido tamhém que retornaria à vida por
seu próprio poder, e nüo pelo de outro. Com este milagre daria a a Quinta•-feira da Ascensão, dá aos seus Apóstolos a missão final
prova indiscutível e concludente de que era Deus. de ir e pregar ao mundo inteiro: dá-lhes a sua última bênção e
O relato da Rcssurreiçiío. :.lcontecimcnto que celchramos no Do mingo sobe aos céus.
da Ressurrei 'ão. l:-nos demasiado conhecido para termos que n.·rcti-lo Ali "está sentado à direita de Deus Pai". Sendo Ele mesmo
aqui. A cega ohstina fLo dos chdi...·s judeus imaginava der rotar l'S Deus, é igual ao Pai cm tudo: corno homem. está mais perto de
planos de Deus co\rn.::ando seus guardas junto ao sepulcro. a fim de Deus do que todos os santos, por sua uni2.o com Deus Pai, com
autoridade suprema como Rei de todas as criaturas. À semelhança
manterl'ill o corpo de Jesus e-nccrrado e segurn. P0rém, cu- 11heccmns o
dos raios de luz que convergem numa lente. assim toda a criac/10
estupor dos guardas nessa madrug:1da e n rofar da pedra
, .\ li.LIJL>,t; \t l

converge nEk, 0 dElc. cks<ll que assumiu como pn'1pria .1 nossa


natureza humana. Por meio da sua Igreja rege todas as qucscões CAPÍTLJLO IX
c.-,rirituais: e inclusive cm matérias puramente civis ou temporais. a
sua vrnllJ.dc e a sua lei tl·m a primazia. E seu título <li: governante O ESPíHITO :-iA Tü E J.. URAÇ,\
.-,uprcmo dos homens está duplamente ganho por t0-los redimido e
rcsga tado com seu precioso Sangue.
Depois da sua ascensão ao Pai. a próxima vez cm que apare
cerá à humanidade o seu Rei Ressuscitado será no dia do fim do
mundo. \'cio uma vez no desamparo de Belém; no final dos tempos
virá em gloriosa majestade para julgar o mundo que seu Pai lhe deu
e que Ele mesmo comprou por tüo grande preço. ''Virú julgar os
vivos e os monos'.".

A PESSOA DESCONHECIDA

Lemos nos Atos dos Ap<'istolos (19-2) que Süo Paulo foi à
cidade de Éfeso, na Ásia. Ali encontrou um pequeno grupo que já
cria nos ensinamentos de Jesus. Paulo perguntou-lhes: "Recebestes
1 o Espírito Santo quando crestes?". E eles rç:spon<lcram: "Nem se quer
sabíanws que havia Espírito Santo".
Hoje cm <lia, nenhum ck 1H'1s desconhece o Espírito Santo. Sa
lxmos que 0 uma das tr'-":s Pessoas divinas que. com o Pai e o Filho,
constituem a Santíssima Trindade. Sabemos também que se chama
o Par{1clito ( palavra grega qui..:: significa ''Cn11solador''), o Advogado
(que defende a causa dos hnrni:ns diank ck Deus), o Espírito de Ver(!
Jcle, o Espírito de Deus e o Espírito de Arnm. Sabemos tam h<.':m que
vem a rn'is quando nos batizamos, e que continua morando cm nossa
alma enquanto n:10 o rejeitamos pelo pecado mortal. E este é o total
dos conhecimentos sohrc o Esrírito Santo para muitos católicos.
No entanto. 11t10 poderemos ter senão uma compreensão super
fiL·ial du processo interior da nossa s mtificaçf10 se desconhecermos a
íun,./1n do Fspíritn Santo no plano divino.
A cxi.,l0ncia do Espírito Santo - e, evidentemente, a doutrina
eia Santíssima Trindade - era <lcsconhccida antes de Cristo nos ter
rcn::lado essa verdade. Nos tempns do Velho Testamento. os judeus
estavam wdcados <lc na 'Cles idólatras. Mais de uma vez trocaram
n culto ao Deus único. que os havia constituído em pcwo eleito, pelo
culto a1.)s muitos deuses de seus vizinhos. Em consequência. Deus,
ror ml..":io de sl..":us profetas. inculcava-lhes insistentemente a idéia da
unidadt' divina. Nf10 cnmplicou as coisas revelando ao homem
pré-cristf10 que existem três Pcsc;nas cm Deus. Havia de ser Jesus
Cristo quem nos cnmunicassc l.'.'.-.k \'Ís!umhrc maravilhoso da natureza
í11tima da Di\ incladc·.
i6 O ESP!RITO SA'.\TO E A CRAÇc\
.\ !'FSSO \ IJESCO:\HECID.\
"
É oportuno recordar aqui brevemente a essência da natureza
divina. na medida cm que temos capacidade para entendê-la. Sahe mos dn espcurn. que estào (por naturcn.l) in eparavclmentc unidas na
qlk o umhccimcnto que Deus tem de Si mesmo é um conhe cimento radia(/tt' una e i1Kolor a que chamanws luz. f: j1\l'.-,sível. L'Crtamcnte.
infinitamente perfeito. Quer dizer. a "imagem" que Deus tem de Si fraL'Cionar um raio de lu1 por meios artificiais. cnmo um prisma. e
na sua mente divina é uma representação perfeita de Si mesmo. fa1cr um arco íris. Mas se deixarmos n raio tal como é. o vermelho
Porém, css:1 representação não seria perfeita se não fosse uma cs1 ·1 no D.Lu!. o azul rw amarelo e n \Trmclho no'> dois: é um só
representação rin1. Viver. existir, é próprio da natureza divina. Uma raio de luz.
imagem mental de Deus que não vivesse. não seria uma repre sentação Nenhum cxemp!n pode ser adequado se n apliGumos a Deus.
perfeita. \fa'>. por analogia. poderíamos dizer que. assim como as três cores
A imagem viva de Si mt:smo que Deus tem em sua mente, a do espectro cst.:in inscpara\'dmentc presentes cada uma nas outras, na
idéia <lc Si que Deus está gerando desde toda a eternidade em sua Santíssima Trindadt: o Pai está no Filho. o Filho no Pai e o Espírito
mente divina. chama-se Deus Filho. Poderíamos dizer que Deus Pai s rnto cm amhns. Onde está um, estfto os três. Para o caso <le
é Deus no ato eterno de '·pensar-se a Si mesmo'"; Deus Filho é o
"pensamento" vivo (e eterno) que se gera ncsst: ato de pensar. E am
-
:Jlguém estm inti.:rcssadn em conhCL'• -'r os termos teoh'igicos• a inse-
parúvcl unidade das três Pessoas diYinas chama-se "circuminccssf10".
hos. o Pensador e o Pensado. existem na mesma e única natureza
divina. Há um só Deus, mas em duas Pessoas. - Muitos de nós estudamos fisiologia e biologia na escola. Como I\>Sl!
ltach1, tcmos uma noç,tn bastante hna do que se passa em nosso corpo.
Mas não acaba aqui. Deus Pai e Deus Filho contemplam cada
um a amabilidade infinita do outro. E flui assim entre estas duas Mas as idéias nüo süo tüo claras quanto ao que se passa em nossa
Pessoas um Amor divino. É um amor tüo perfeito, de tüo infinito alma. Referimo-nos com facilidade ü gra a - atual e santi ficante -.
ardor, yuc é um amor viro, a que chamamos Espírito Santo, a ter à vida sobrenatural. ao crescimento cm santidade. Mas u mo l' que
ceira Pessoa da Santíssima Trindade. Como dois vulcões que tro resrondcríamos se nos perguntassem n ,-ignificado destes termos?
cam entre si uma mesma corrente de fogo, o Pai e o Filho se cor P;:ira dar uma rl"sposta adequada. teríamos que compreender an
respondem demamente com esta Chama Viva de Amor. Por isso tes a furn;üo que o Espírito Santo desempenha na santificaçüo de
dizemos no Credo Niccno que o Espírito Santo procede do Pai e uma alm:1. SahL·mos que <1 Espírito Santo é n Amor infinito que
do Filho. flui eternamente entr : o Pai e o Filho. É o Amor em pessoa. um
Esta é a vida intaior da Santíssima Trindade: Deus que co amor i·l\'u. E tendo sido o amor de Deus pelos homens o que o
nhece. Deus conhecido e Deus que ama e é amado. Três divinas induziu a fazer-nos participar da sua vida divina. é natural que atri
Pessoas. cada uma distinta das outras duas cm sua rclaçüo com elas buamos an Espírito ele Amor - ao Espírito Santo - as operaçôes
e, ao mesmo tempo, possuidora d.1 mesma e única natureza divina da grai.,·a na alma.
cm absoluta unidade. Possuíndo por igual a natureza divina, nüo Nflo ohstante, devemos ter presente que as três Pessoas divinas
'.'.ÜO inseparúvcis. Em termos humanos (mas teologicamente nào
há subordina ão de uma Pessoa a outra. Deus Pai não é mais sábio
que Deus Filho, Deus Filho não é mais poderoso que Deus Espírito 1.,;xatos). diríamos yuc. fora da natureza divina. nenhuma das três
Santo. Pessoas atua separadamente ou sozinha. Dentro dela, dentro de
Devemos precaver-nos também para não imaginar a Santíssima Deus. cada Pessoa tem a sua atividade própria, a sua pn1pria relaçtw
Trindade em termos temporais. Deus Pai não "veio" em primeiro particular com as demais. Deus Pai é Deus conhecendo-se a Si
lugar. e depois, um pl1uco mais tarde, Deus Filho. e por último Deus mesmo, ''vendo-se'' a Si mesmo: Deus Filho é a imagem viva de Deus
Espírito Santo. Este processo de conhecimento e amor que constitui em Si: e Deus Espírito Santo é o amor de Deus por Si mesmo.
a vida íntima <la Trindade existe desde toda a eternidade: não teve Porém, "fora de Si mesmo·· (se é possível expressar-nos tào am
plan1L'nte). Deus atua somente na sua perfeita unidade: nenhuma
pnncípto.
Antes de começarmos a estudar o Espírito Santo em particular. " PessoJ di\'ina faz coisa alguma sozinha. O que uma Pessoa divina
faz. JS tr2''> o fazem. Fora <la nature?a divina. quem atua é sempre
há outro ponto que conviria ter presente: as três Pessoas divinas a Santíssima Trindade.
nüo somente estüo unidas numa nature7a divina, mas estão unidas L'tilizando um exemplo muito caseiro c inadequado. diríamos
cada uma às outras. Cada uma está em cada uma das outras, numa que o único lugar em que meu cérebro, coração e pulmõcs atuam
unidade inscpar:1vel. de certo modo igual à das três cores primárias
78 O ESl'IHITO S.,'.\TO E \ GHAÇI O <JLIE É A GR:\ÇA' í'.)

por si mesmos é dentro de mim: cada um desenvolve ali a sua fun o fazem. E, no entanto, certas atividades parecem mais apropriadas
ção em benefício dos demais. Mas, /ara de mim, cérebro, coração a uma Pessoa que às outras. Em consequência, os teólogos dizem
e pulmões atuam insepara\·elmentc juntos. Para onde quer que cu que Deus Pai é o Criador, por apropriação; Deus Filho, por apro priação,
vá, faça o que fizer, os tr s funcionam em unidade. Nenhum se o Redentor: e Deus Espírito Santo, por apropriação, o San tificador.
ocupa numa atividade à parte. Tudo isto poderá parecer desnecessariamente técnico ao leitor
Mas muitas vezes falamos como se o fizessem. Dizemos que médio, mas poderá ajudar-nos a entender o que quer dizer o cate
um homem tem "bons pulmões", como se a sua voz dependesse cismo quando, por exemplo, afirma: "0 Espírito Santo habita na
só deles; que está ··descoroçoado". como se o valor e a energia fos Igreja como fonte da sua vida e santifica as almas por meio do
sem coisa exclusiva do coração; que tem ''boa cabeça", como se o dom da graça". O Amor de Deus realiza esta atividade, mas a sua
cérebro nela contido pudesse funcionar sem sangue e oxig nio. Atri sabedoria e o seu poder também estão presentes.
buímos uma funç 10 a um (·irgão determinado. quando quem a realiza
são todos eles juntos.
O QUE É A GRAÇA?
Agora podemos dar o tremendo salto que nos ek·va da nossa
baixa natureza humana üs três Pessoas vivas que constituem a San
A palavra "graça" tem muitos significados. Pode significar
tíssima Trindade. Talvez compreendamos um pouquinho melhor por
"encanto", quando dizemos: "Ela se movimentava pela sala com
que a tarefa de santificar as almas se atribui ao Espírito Santo.
graça". Pode significar "benevolência", se dizemos: "E uma graça
Já que Deus Pai é a origem do princípio Ja <'ltividade divina
que espero alcançar da sua bondade". Pode significar "agradeci mento",
que atua na Santíssima Trindadt.: (a atividade de conhecer e amar), como na ação de graças das refeições. E qualquer um de nós
é considerado o come o de tudo. Por esta razão atrihuímos ao Pai poderia pensar em meia dúzia mais de exemplos em que a palavra
a criação, embora de fato seja a Santíssima Trindade quem cria, "graça" se usa habitualmente.
tanto o universo como as almas individuais. O que faz uma Pessoa Na ci0ncia teológica, porém, graça tem um significado muito
divina, fazem-no as trl:s. Mas apropriamos ao Pai o ato da criaçJo estrito e definido. Antes de mais nada, designa um dom de Deus.
porque. pela sua reiaçfto c0m as outras duas Pessoas. a função de Nào qualquer tipo de dom, mas um que é muito especial. A pró
criar lhe convém melhor. pria vida é um dom divino. Para começar, Deus não tinha obri
Depois, como Deus umu a Si uma natureza humana - na gaçflo de criar a humanidade e muito menos de criar-nos a você
Pessoa de Jesus Cristo - por meio da segunda Pessoa, atribuímos e a mim como indivíduos. E tudo o que acompanha a vida é
a tarefa da redenção a Deus Filho, Sabedoria viva de Deus Pai. também dom de Deus. O poder de ver e falar, a saúde, os talentos
O Poder infinito ( o Pai) decreta a redenção a Sabedoria infinita que possamos ter - cantar, desenhar ou cozinhar um prato --,
(o Filho) a realiza. No entanto, quando nos referimos a Deus Filho absolutamente tudo é dom de Deus. Mas são dons que chamamos
como Redentor. não perdemos de vista que Deus Pai e Deus Espírito naturais. Fazem parte da nossa natureza humana. Existem certas
Santo estavam também inseparavelmente presentes em Jesus Cristo. qualidades que têm que acompanhar necessariamente uma criatura
Falando cm termos absolutos, foi a Santíssima Trindade quem nos humana, tal como Deus a designou. E propriamente não podem
redimiu. Mas apropriamos ao Filho o ato dJ rcdençfto. chamar-se r:raças.
Finalmente. como o trahalho de santificação das almas é emi Em teologia, a palavra "graça" reservaMse para descrever os
nentemente um trabalho do amor divino (enquanto diferente das dons a que o homem não tem direito, nem sequer remotamente,
tarefas de poder ou de sabedoria). atribuímos a obra da santificação dons a que a sua natureza humana não lhe dá acesso. A palavra
ao Espírito Santo. Afinal de contas. Ele é o Amor clivi:10 personifi "graça" usa-se para nomear os dons que estão sobre a natureza
cado. Basicamente, quem nos santifica é Deus. a Santíssima Trin humana. Por isso dizemos que a graça é um dom sobrenatural
dade. Mas apropriamos a ação da graça ao Espírito Santo. de Deus.
Nos parágrafos anteriores escrevi a palavra "apropriar" em grifo, Mas a definição está ainda incompleta. Há dons de Deus que
porque esta é a palavra exata utilizada pela ciência teológica para são sobrenaturais, mas, em sentido estrito, não se podem chamar
descrever a forma de "dividir" as atividades da Santíssima Trin dade graças. Por eX.emplo, uma pessoa com câncer incurável pode curar-se
entre as três Pessoas divinas. O que uma Pessoa faz, as três
,'-,(1
O ES/>1H.I'r0 S,\'.\TO E .-\ CH.-\(:..\
O Qn: E ..\ GR.\ç,·,
111ilag:rn:-:111h.:11ti...' '--'lll l.t1urd1..'S. N1..'stc caso. a saüde desta pesstia seri3 8]
um d(lfll snhr'--·natural. poi:,, tinha-lht" sido restituída pnr mcios que
t:ltrapas:-.ani a naturua. rvbs. se quisermos falar com prl\:is:to. est;i Jesus Cristo quem. por sua vida e rn,irtc, deu a satisfa\'iio devida à
c_ura n:H1 sena uma .!!ra,·a. Hú também outros dons que. sendo so _111sti,;a divina pelos pecados da humanidade. Foi Jesus Cristo quem
n:nmurais ILJ sua origem. rl;lo se podem qualifü:ar comn graças. nns ganhou e mereceu a graça que Adão. com tanta prccipitaç::ín,
Por cxcn1plo. a Sagrada Escritura. a Igreja ou os sacrnmcntos s 10 h n·ia perdido. E assim cnmplctanws a nossa d.:>finil/in dizendo:
Jnn.'> sPhrcnaturnis de Deus. Mas este tipo de dons. pnr sohrena 1 . 'raça , um dom dt> /Jcus, sohre11atun1! e interior, que nos 1> um
turnis que sejam_ atuam fora de nós. Não seria incorreto chamá-los !'Cllido /H.'los 111àitos de le.'Jus Cristo pan, nossa sah·açüo.
"graças e.\lcfJJJs". A palavra "graça"_ porém_ quando utilizada cm
sentido sirnpks e por si. rcfcre-.se üqucles dons ini'i.rh-eis que residem Uma alma. ao nascer_ estú às escuras e vazia, snbrenatural111c11te
e operam na a ma. Assim, precisando um pouco mais a nossa defi morta. Nào exi.'lll' la'5-·l) de união entre a alma e Deus. Nao têm
ni1J10, diremos que graça 0 um dom sohrenatural e interior de Deus. comunica1,, ão. Se alcanç:bsenws o uso da razão sem o
Batismo e
Mas isto nus levanta imediatamente outra quest:"10. Às VC7es, morrt:ssemos Sl'lll u1111eter urn st·i pecado pessoal ( uma hipótese pu
Deus dúa alguns eleito.-; o podi:r de predizer l' futuro. É um dom raml'.nle imagin{1ria. virtualmente impossível), n,to podcriamm, ir para
sobrenatural e int-.·rinr. Ch,1maremos grat.;J <h) dom de r,rofccia? n céu. Entraríamos num estado de felicidade naturala que. por falta
MJis ainda. um sacerdote tem o poder de mudar o r,ãne o vinho de nutra palm-ra mi:lhor_ chamamos limbo. Mas nunca vcríamns
no corpo e no sangue ck: Cristo e de perdoar os JX'cadn . Sãn. cer a Deu<.; foL'L' ,1 ÍiiL't'- como Ele é realmente.

" tamente, dons sobrenaturais e inkrinres. Scrüo grat.;as? ;\ rcsp()sta E este ponto men:ce ser repetido: por natun.::1a, IHis. seres hu
é nào a ambas as perguntas. Estes poderes, ainda que sejam sobre manos, não temos direito à visão direta de Deus, que l:a felicidade
naturais e interiores. s,10 dados para benefício de outrns_ n<Jo da essencial do céu. Nl'.m sequer Adão e Eva, antes da sua queda,
quele que ns possui. O poder que tem um sacerdote de oferecer tinham direito algum à glória. De fato, a alma humana. no estado
a Missa niío lhe foi dado para si mesmo, mas para o lorp(1 Místico que· poderíamos chamar pt1ramcnte natural. não temo poder de ver
de Cristo. Um sacerdote r,odcria estar cm pecado nhntal. mas a r1 Deus: simplesmente, não tem capacidade para uma uniüo íntima
l' pessoal com üc11s.
sua Missa seria v(ilida e obteria gra as para os outros. Poderia
estar cm pLcado morttd, mas as suas palavras ,k ahsolvi,.;üo perdoa Mas Deu-" IIÜ(J deix.ou o homem em seu estado puramente na
;"iam ans outros os seus pecadns. Isto nos leva a acrescentar outro tural. Quando ,.:riou Adüo, dotou-o de tudo o que é prúprin de um
ekmento {1 nossa dcfiniç 10 de graça: é um dom sobrenatural e interior 0
l.T humano. Ma foi mais longe, e deu também à alma de Adão
ele Deus. concedido para nosso prápria sulvaçDo. l LTta qualidack ou poder que lhe permitia viver em íntima (ainda
que invisível) uni:--10 com Ele nesta vida. Esta qualidade especial
Uma última questtlo: se a graça é um dom de Dl'us, a que dn alma- este pndcr de uniào e intercomunicaç w com Deus-
nào temos absolutamente nenhum direito. por que nos l' concedida? l'.'ltÚ acima dos poderes naturais da alma, e por esta ra7êlo chamamos
As primeiras criaturas (conhecidas) a quem se concedeu a graça it graça uma qualidade sobrenatural da alma, um dom sohrenatural.
foram os anjos e Adao e Eva. N w nos surpreende que, st:ndo Deus O modo que Deus teve de comunicar esta qualidade ou poder
a hondade infinita_ tenha dado a sua graça aos anjos e aos nossos ..:spccial ü alma de Adão foi a sua própria hahitaç 10 nela.
primeiros pais. Nfü, a mereceram, é certo, mas, embora não tivessem De uma maneira maravilhosa. yuc será para nós um mistério
direito a ela. n:~w eram JX)sitivarnentc indignos desse dom. atéo dia do Juízo, Deus "fixou morada"' na alma de Adão. E,
J\'üo ohstantc_ depois que Ad;tn e Eva pecaram. eles (e nós_ seus assim como () sol comunica luz e calor à atmosfera queo rodeia.
descendentes) nG.o sú nüo mereciam a graça, como eram ind,'J;nos Deus comu- 1\IL'.a\'a à alma dl:' AcEto esta
(e com eks. nt)s) de qualquer dom al(·m dos naturais ordinários qualidade sobrenatural que é nada me- 11t)S quea
pn'iprin.., da naturc'Za humana. Como se ptide satisfa?er a justiça participa ilo, até certo ponto. na própria vida divina. A lu,,
infinita de Deus. ultrajada pelo pecado original, para que a sua bon solar nün é o sol, mas é o resultado da sua presen'3-·a. A quali d;1dc
dade infinita pudesse atuar de novo em benefício dos homens? sohrenatural de que falamos 0 distinta de Deus. mas flui dEle
A resposta arredondará a definição de gràça. Sabemos que foi ,· l; o resultado da su.i prcsenl:a na alma.
Esta qualidade sohrcnatur tl da alma produz outro efeito. Não
/1 nos torna capt1zcs de ter uma unifin e comunicaçüo íntima com
l)eu:-; nc.sta vida, como lamhém prepara a alma para outro dnm que•
- O F\l'!Hrto "\\l"Cl F _·\ CH\Ç.·\ A GRAÇA (,ll'E ,. SI E \'E\f bJ

Deu lhe 3i.:rc cenlnrú apl a mnrtc: 0 chm1 da \ 1sün sohrcnatmal, ruamos graça santificante. Se entrássemos na eternidade sem essa
L' podi.:r de \Cr a Deus face 3 fact'. tal c1mw Ele 0 rL·almcntc. graça santificante, teríamos perdido Deus para sempre.
O kitnr _iú tcr:í reconhecido nesta ··qualidade sührcnatural da Uma vez recehida a graça santificante no Batismo, é questão
aJma··. de que \L'lllrn faL.111Jn, L) Jom ck Deus :t que os tcl'ilogos cha de vida ou morte que conservemos este dom até o fim. E se nos
mam ··gra\·a santificante". Dt:sncvi-a Jnte:, de 1wmeú-la. na csp,.> frrisse essa catástrofe voluntária que é o pecado mortal, seria de
rani.,·a dt." que o nome tivesse mais pkna significaç:10 quando chi.:gJs uma terrível urgência recuperarmos o precioso dom que o pe( ado
<;cmos 3 de. E o dom acresecntadn cb vis:10 sobrenatural após a nos arrebatou_, o dom da vida espiritual que é a graça santificante
morte -.'. aquele a que os tel'ilo L'S chamam L'Jll btim tun_1c11 gioriae, e que teríamos matado em nossa alma.
isto 0. "luz de glúría". A g:raÇ3 santifkanlL' é a prcp;1r3ç o JlCci.:s É também importante que incrementemos a graça santificante
ána. um pré-requisito desta ltiz ck glt'1ri 1. Ct1rnn uma lúrnpada da nossa alma: ela pode crescer. Quanto mais uma alma se puri
elétrica se tnrnaria inútil se niw hou\·cs.':-L' uma tt1rn;icb nnde ligá-la. fica de si. melhor corresponde à açüo de Deus. Na medida em que
assim a luz de glória n:10 poderia apliczir--,c :, ,dmn que n:ío possuísse diminui o cu. aumenta a graça santificante. E o grau da nossa
a gra 'ª santifiçante. graça santificante determinará o grau da nossa felicidade no céu.
l)11as pc soas podem contemplar o teto da Capela Sixtina e ter um
I\-1cncionci atn:ís a grnça santificante rdcrida a Adão. Deus, pr<.u:cr c,)mr,lctn à vista da ohra mestra de Miguel A.ngclo. Mas a
no mesmo 310 cm que o criou. col1Jcou-o acima do simrks nível que ti\'cr melhor forma,J10 artística ohterú um prazer maior que a
natural, clcvot1-n a um destino sohrcnatural L'nnf,:rindu-lhc a gra a l)U/1a. d1.' gosto menos ctt!l.i\'<Hl ,. A de menor gnsto artístico ficará
,rniifkantc. Pdo pecado original, Ad to perdeu esta grat;a para si totalmi.::ntc satisfeita: nem sequer se dzmí conta de que perde algo.
e para m'is. Jesus Cristo, por sua morte na cru?, transp1'is o ahisnw ainda que esteja perckndo n111ito. De um mndo semelhante. todo
que scpanwa o li.ornem de Deus. O <lcsti110 s(1hrcnatural do lwmcm s,.-r rn(1s pcrf-:itamcntc feli7CS no céu. Mas o grau da nossa felicidade
foi rcstaur.'.ldo. A graça santificante é conwnicada a cada homem dcrendnj da acuidade espiritual da nossa vis:"w. E esta, por sua
individualmente no sacr.'.lmcnto do Batismn. \'CZ, ck pende do grau cm que a graça santificante tiver impregnado
Quando nos batizamos, recchcnws a gr ll.;a ;antifkantc pela pri a 11ossa alma.
meira vez. Deus (o Espírito Santo, pnr ·\1pmpriaLJio") e<,tahclccc \
1 Fstas s:"10, pnis. as três condii.,·(les cm rda.;ão ü graça sJnlificante:
a sua morada cm nós. Com sua pn:-si.:n-;a. comu1Iica ü zilma essa prim..-.,iro, que a conservemos permanentemente até o fim: segundo,
qualidade sobrenatural que faz com que Deus - ck urna maneirn que ;1 recuperemos imediatamente se a perdemos pelo pecado mortal;
gr3ndc e misteriosa - se veja em nús e. cnnsl'lJLlL'llti.:.mentc. 1ws ame. terceiro. que procuremos crescer cm graça. com a [rnsia de quem
E posto que esta graça santificante 1ws fni ganha por .frsus Cristo, vê o cl·u como meta.
pnr ela estamos unidos a Ele. compartilh,11110-!a com Cristo - e J\.,fas nenhuma destas condiçõ,.".s 2 fücil de cumprir. nem sequer
Deus. por conseguinte. nos vê como a si.:u hlh1.1 - e cada um de possível. Cnmn a dlima de um hombardcio que vagueia débil e
rn'1s se torna filho de Deus. ohnubilada por entre as ruína . assim a natureza humana se tem
As VL7Cs. a graça sanlificant.: é chamada gr:1(:a habitual. porque arrastado atrav0s dos sl'.culos, desde a explosf10 que a rebelião do
a sua fiirn.lidade é ser a con<lit;üo hahitual, pcrma1Kntc, da alma. pecado original provocou: com o juízo permanentemente distorcido,
Uma vez unidos a Deus pelo Batisnw, <levcr- L·-ia co11'.'-lT\·ar sempre com a vontade rennanentemcnte debilitada. Custa tanto reconhecer
essa uni;lo, invisível aqui, visível na glôria. o perigo a tempo'. É tão difícil admitir com sinceridade o hem
maior que devemos praticar É tüo duro afa,;tar o olhar da hipnótica
sugl'Stão do recado
A GRAÇA QUE VAI E VEM Por estas raz(~ics. a gra1,·a santificante. como um rei wJcado de
crvi<lorcs. se faz preceder e acnmpanhar pPr um nmjuntn de au.xí
Dcu nns kz pc1ra a \'1s;'"w hcatiflc<.t. p;ii a cs..,a u11i:"u1 pe'.'isnal que lios especiais de Deus. Este-; auxílios s:10 as graças al'lais. Uma
e a css('ncia da fdicidadc cio céu. Para 1w-.; h)rn;1r L'ap:11cs de vê-lo grat;a atual é o i1111)[{!.w transih\rio e momcntc1nco. a de c:irga de
diretamente, dar-nos-{! um poder snhrcnatural. a que- chamamos t:ncrgia i.:spiritual com que Dew, loca a alma. algn pan..:L·ido ú pan l·:ida
lumc11 gloriac. Esta luz <le glúria. no entanto. n o podcrú ser con que um m,xt111Íl'(l lL"i l'Om ;1 m:10 ii n)d,1. parn tl1.lnt0-la cm llW\'Íll1Cllt(1
CL'c.füla si.:1úo ü alma já unida a Deus pcln drnn pr0vin a que cha•
SI O ESPIHITO SA.'\'TO IC: A CHAÇ,\
A CRAÇA QUE VAI E VEM - ::i

Uma graça atual pode atuar sobre a 111('.lllc nu a vontade. nor


liberdade de escolha. É verdade que a graça faz quase todo o tra
malmente sohre as duas. E Deus a concede scmpn.: para um Jns balho, mas Deus requer a nossa cooperac;ão. De nossa parte. a
três fins que mencionamos acima: preparar o caminho para infundir
única coisa que podemos fazer é não levantar obstáculos à ação d.1
a graça santificante (ou rcstaurü-la st: a perdemns). ccinservú-la na
graça em nossa alma.
alma ou incn::mentú-la. Podemos esclan:1...·er l) modo L'omo J graça
atual opera descrcn ndn a sua aç;\o numa pessoa imaginúria que t!\ Referimo-nos principalmente às graças atuais, a esses impulsos
c.-,sc perdido a gr<h,:a santificante pelo f)l'cado mortal. divinos que nos inclinam a conhecer o bem e a realizá-lo. Talvez
Primeiro. Deus ilumina a nK·ntc do pl'cador par:1 que veJa o um exemplo possa ilustrar a relação da graça com o livre arhítrio.
mal que cometeu. Se aceita esta graça, admitirá para si: "Ofrndi Suponhamos que uma doença me reteve na cama por longo
a Deus cm matéri i _l!fa\·e: cnmcti um pecado mortal". O PL'i...·ador tempo. Já estou convalescente, mas tenho que aprender a andar de
pode. evidentemente. repelir esta primeira graça e dizer: "Isso que novo. Se tentar fazê-lo sozinho, cairei de bruços. Por isso, um bom
amigo trata de ajudar-me. Passa-me o braço pela cintura e eu me
fiz nüo foi tiío mau: muita gente faz coisas piores". Si.: ri.:pclc a
apóio firmemente em seu ombro. Suavemente, passeia-me pelo quar to.
primeira graça. pro\·avclmente nüo terá uma segunda. Nti curso nor
Já ando outra vez! É verdade que quase todo o trabalho, quem n
mal da providência divina. uma graça gera a seguinti.:. Este é o realiza é o meu amigo, mas há uma coisa que ele não pode fazer por
significado das pabvras de Ji.:sus: ··Oar-se-ú ao que tem. e 1cd cm mim: que os meus pés se levantem do chão. Se eu não tentasse pôr
ahundância: mas, ao que não tem, tirar-se-á ml'smo aquilo que julga um pé diante do outro, se não fizesse mais do que pendurar-me do
ter". (Mt, 25, 29). ombro do amigo como um peso morto, seu esforço seria inútil.
Suponhamos, porém, que o pecador aceita a primeira graça.
Apesar da sua ajuda, eu não andaria.
,, Então virá a segunda. Desta VL'Z será um fnrtakcimcnto da vontade
que lhe pnmitirá fazer um ato de contriçf10: "Mi.'.u Deus gi.'.mcrá
ele por dentro -. :;i.: nv-1rri.::, e assim perderia o céu c iria para o Do mesmo modo, podemos fazer com que muitas graças de
inkrno. Com qLJt.: ingratidfto paguei o teu amor! Meu Deus, nfto Deus se desperdicem. A nossa indiferença ou indolência ou. pior
farei isso nunca mais!". Se a contri<;.1.o do pecador for perfeita (se ainda, a nossa resistência voluntária, podem frustrar a ação da graça
n seu motivo principal for o amor a Deus). a graça santificante rc divina em nossa alma. Evidentemente, se Deus quisesse, poderia
tornarú imediatamente :1 sua alma: Deus reatará imediatamente a dar-nos tanta graça que a nossa vontade humana seria arrebatada
unifto com esta alma. Se a contriçüo for imperfeita. hascada princi por ela, quase sem esforço da nossa parte. Esta graça é a que os
palmc11te 110 temor ü justiça divina. haverá um novo impulso da teólogos chamam eficaz, para distingui-la da graça meramente sufi
gra a. C'orn a mente il_uminada. o pecador dirá: "Preciso confessar
1
ciente. A graça eficaz sempre alcança o seu objetivo. Não sú é
suficiente para as nossas necessidades espirituais, como. além disso,
-me''. Sua vontade fortalecida decidirú: '"Vou confessar-me". E no
é poderosa o bastante para vencer a fraqueza ou o endurecimenh 1
-;acramcnto da Pcnitl'.ncia a sua alma n:cohrará a graça santificante.
que poderiam levar-nos a descurar ou a resistir à graça.
Está aqui um exemplo concreto de como opera a graça atual.
Estou certo de que todos nós tivemos alguma vez experiências
Sem a ajuda de Deus. não poderíamos alcançar o céu. Assim
como esta: encontramo-nos numa violenta tentação: talvez saibamos
Elo simples é a furn,Jio da graça. Sem a graça santificante, não por experiência que tentações deste tipo nos vencem ordinariamente.
seremos capa-::.es da vis w beatifica. Sem a graça atual. não seremos Murmuramos uma oração, mas com pouca convicção; nem sequei
carH1-;,es de nos manter cm graça santificante por um período longo
estamos certos de querer ser ajudados. Porém, num instante, a ten
de tempo. Sem a graça aluai, não poderíamos recuperar a graça tação desaparece. Depois, ao refletir sobre is o, não podemos dizer
santificante no caso de a ti:rmo pl.'rdido. honestamente que vencemos a tentação. que foi como se se tivesse
Em vista da ahsoluta neccssidadl.' da graça, é reconfortante n: evaporado.
cordar nutra verdade que também é matáia de fé: que Deus dá a Também já sahemos o que é realizar uma açào que, para o nos
cada alma a graça suficiente para alcançar o céu. Ninguém se con so modo de ser, surpreende por sua ahnegação, generosidade ou des
dena a não ser por culpa prc'ipria. por não utilizar as graças que prendimento. Experimentamos uma sensação agradável. Mas não
Deus lhe dá. temos outro reméditl senão admitir: ''Realmente, cu não sou assim."
Pnrquc podcmn . s-:m dúvida. repelir a graça. A graça de Deus Em amhos os L'.Xemplos, as graças recebidas não eram apenas
atua cm e por meio da vontade humana. Não destrói a nossa sufi('ientes, mas também eficazes. As graças destes exemplos são de
',1, ( l l·.....,I' 1 H 1 1 ( l ...., \ '.... 1 ( l \ t . ll \ < \ F01'\'TE DE \'!lJ_\ ti7

t!lll lipn hem mai:-. n:kvanlc. ma . .._;rdinarian11:nlc. sempre que faze Estas ''fórmulas estab,decid:is·· podem ser orações compostas pri
n111s n \1c111 Pll nns ahstcmos de um mal. :1 11t1s.-,a gra<.,/t foi eficaz.
vadamente (embora com aprovaç:to oficial). como as que encon
Llltnpriu seu fim. E isto é vcrdJck rnesnw quando sabemos que '. tramos num devocionário ou numa estampa; ou podem ser litúrgicas,
nns csfon;anws. mcsmn quandl) scntinHY'> ln travado 11ma batalhJ. quer dizer, orações oficiais da Igreja, do Corpo Místico de Cristo,
Penso que. na v,.:rdacle. uma de nossas m:iiorcs surpresas no dia como as ora\ões da T\1issa, do Breviário ou de várias funções sagra
do .Juízo serú <lcSL'Ohrir o fJUUco que fizcnws pela nossa salvaç:io. das. A nnioria destas 11ra ões, como os Salmos e os Cànticos, foram
l·icarcmos atlrnitos ao saber como a graça de Deus nos rodeou. con 1
ir..da-; ( J. Bibíia, i.: por isso são palavras inspiradas pelo próprio Deus.
tínua e completamente. c nos acompanhou ao longo da nos-;a vida. Pc dcmos, pois, rezar com nossas próprias palavras ou com as
1

Aqui, muito poucas vezes reconhecemos a müo de Deus. Numa ou de outros. Podemos usar orações privadas ou litúrgicas. Seja qual
noutra ocasiüo nüo podemos deixar de reconhecer: "A grJça de Deus for a origem das palavras que utilizamos, enquanto estas forem pre
esteve comigo··, mas no dia do Juízo veremos que, ror cada graça dominantes em nossa oração, serão oraçüo vocal. E serão oração
que tenhamos notado, houve outras cem ou dez mil que nos passa vocal mesmo que nüo as pronunciemos em voz alta, mesmo que as
ram totalmente desapercebidas. digamos silenciosamente para nós mesmos. Não é o tom da voz,
E a nossa surpresa se misturará com um sentimento dl.'. vergo mas o uso de palavras que define a oração vocal. É um tipo de
nha. Passamos a vida fdicitando-nos por nossas pequenas vitórias: oração utilizado universalmente, quer pelos muito santos quer pelos
n copo de vinho a mais a que dissemos não: os planos para sair que não o são tanto.
com aquela pcssoa que nos era ocasiüo de pcca<ln, e a que soube Mas há outro tipo de oração que se chama mental. Neste caso,
mos renunciar: a réplica mordaz ou irada que não deixamos escapar a mente e q coração fazem todo o trabalho sem recorrer a palavras.
da boca: o saber vencer-nos para saltar da cama e ir à Missa. quan Quase todo o mundo, numa ocasião ou noutra, faz oração deste tipo,
do o nosso corpo cansado no-; gritava seus protestos
normalmente sem perceber. Se eu vejo um crucifixo e me vem ao
No dia do JuíLo teremos a rrimeira visão objetiva de n(1s mes
pensamento o muito que Jesus sofreu por mim, ou como são pe
mos. Possuiremos um quadrn comrlcto da a<.;'<lo da graça em nossa
quenas as minhas contrariedades comparadas com os seus padeci
vida e veremos que pouco contribuímos para as nossJs decisões he
mentos, e resolvo ter mais paciência de hoje em diante, estou fa
róicas e para as nnssas at,lcs rresumivelmente nobres. Quase pode
zendo oração mental.
mos imaginar nosso P,1! i :,:us :-.nrrindo. amoroso e divertido no ver Esta oração, em que a mente considera alguma verdade divina
a nossa confusãn, enquant(1 !JUS ouve exclamar envergonhados: '·Meu - talvez algumas palavras ou ações de Cristo - e, como conse
Deus, mas se sempre e cm tudo eras Tu!"'. quencia, o coração (na realidade, a vontade) é movido a um maior
amor e fidelidade a Deus, chama-se também usualmente meditação.
FONTE DE VIDA Ainda que seja verdade que quase todos os católicos praticantes
fazem alguma oração mental, ao menos de vez em quando, convém
Sabemns bem que hú duas fontes de graça divina: a Ora\ãO e ressaltar que normalmente não poderá haver. um crescimento espiri
l)Ssacramentos. Uma VL'Z recebida pelo Batismo. a gra<..;a santificante tual apreciável se não se dedicar parte do tempo da oração a fazer
ne ce na alma nH.:diank a oraç(lO e os outros seis s:1cramentos. Se regularmente uma oração mental. Tanto é assim, que o Direito Ca
a pcrd(:sscmos pelo pecado mortal, nós a recuperaríamos por meio nônico da Igreja estabelece que todo sacerdote dedique diariamente
da ora(,,/10 (que nos rrcpara para receber o perdão) e cio sacramento um certo tempçi à oração mental. A maioria das ordens religiosas
prescreve para seus membros pelo menos uma hora diária de oração
da Penitência.
mental.
A ora,;:'ío c define L\)Jll() "uma t:k\ a1/t 1 da llh.'lllc e do cora\ãO
a Deus rara a<lnrú-lo, dar-lhe grat.;as e pedir-lhe u que nect:ssitamos." Para UIP fiel comum, uma maneira muito simples e frutuosa de
Podemos ekvar 1wssa mt:nte e cora\(10 mcdiank o uso de palavras fazer oração mental será ler um capitulo do Evangelho todo sos dias.
e dizer: "Meu Deus, arrt:pendo-mc de meus pecados". ou "Meu Terá que procurar uma hora e um lugar livres de ruídos e distra
Deus, amo•tc··, falando com Deus com toda a naturalidade, com ções, e proceder à leitura com pausada meditação. Depois, dedicará
nossas próprias palavras ou utilizando palavras esL·ritas por outros, alguns minutos a ponderar em sua mente o que leu, fazendo que
fazendo por entender o que dizemos. cale fundo e aplicando-o à sua vida pessoal, o que o levará ardina•
riamente a formular algum propósito.
,58 O ESPÍHITO S:\!':TO E :\ CHAÇA fCJ'.',;TE DE \"IllA 89

Além da meditação que consideramos. existe outra forma de sumamente infeliz. A Penitência tem um fim secundário: para a alma
orai.,'ãn mental - uma forma mais elevada dc nraçün -, que se que já está em estado de graça. é um sacramento tão dador de
',
dwma contemplação. Estamos acostumadns a ouvir que os santos \·ida corno é a Sagrada Eucaristia. Por isso o recebem com frequên
foram ··contemplativos", e o mais certo l'. que pensemos que a con cia os que não querem conformar-se com uma vida espiritual me
kmplaç:to é coisa reservada a conventos e mostcirns. No entanto, díocre.
a cnnti:mplação é algo a que todo cristão deveria tender. É uma No entanto, o sacramento que é fonte de vida por excelência
forma de oração a que a nossa meditação nos conduzirá gradual
é o da Sagrada Eucaristia. Mais que nenhum outro, enriquece e
mente, se nos aplicarmos a ela re ularmentc.
intensifica a vida da graça em nús. A própria forma do sacramento
É difícil descrever a oração conkmplativa. porque há muito pou
no-lo diz. Na Sagrada Eucaristia. Deus vem a nós, não pela limpeza
co que descrever. Poderíamos dizer que é o tipo de oração cm que de uma lavagem com água. nf10 por uma confortadora unção com
a mente e o coração são elevados a Deus e nElc descansam. A azeite, não por uma imposiçào de mãos transmissora de poder, mas
mente ao menos está inativa. Os movimentos. que possa haver são como alimento e bebida sob as aparências do pão e do vinho.
só do coração (ou vontade) para Deus. Se há "trabalho", é feito
pelo próprio Deus, que agora pode agir com toda a lihcrdade no Esta vida dinâmica que nos arrebata para cima, e a que cha
coração que tão firmemente aderiu a Ele. mamos graça santificante, é o resultado da união da alma com Deus,
da habitação pessoal de Deus cm nossa alma. Não há sacramento
Antes de que alguém exclame: "Eu nunca poderei conktnplar!",
que nos una tão direta e intimamentt: a ncus como a Sagrada Euca
deixem que lhes pergunte: "Alguma vez vocês se ajoelharam (ou
ristia. E isto é verdade, quer pensemos nela em termos da Santa
sentaram) numa igreja silenciosa, talvez depois da fvfo.,sa ou ao sair
Missa como da Comunhão.
do trabalho, e permaneceram ali alguns minutos, sem pensamentos
conscientes. talvez apenas nlhando o acrúrio, sem meditar. unica Na Miss , nossa alma se ergue, como a criança que busca o
mente com uma espécie de únsia; e saíram da Igreja com uma sen peito de sua m:,c, ah: o seio da Santíssima Trindade. Quando nos
sação desacostumada Jc fortaleza, dccis;lo e paz?" Se foi assim, unimos a Cristo na Missa, Ele junta o nosso amor a Deus ao seu
praticaram a oração de contemplaçfto. quer o souhcsscm ou não. amor infinito. Fazemo-nos parte do dom de Si mesmo que Cristo
Então, não digamos que a oração de contcmplaçüo está fora das oferece ao Deus Uno e Trino neste Calvário perene. Poderíamos
nossas possibilidades. É o tipo de oraÇto que Deus quer que todos <
dizer que Cristo nos toma consigo e nos introduz nessa profundi
nós alcancemos: é o tipo de oraçüo a que as demais - a vocal dade misteriosa que é a vida eterna de Deus. A Missa nos leva
(tanto privada como litúrgica) e a mental - tendem a conduzir-nos. tão perto de Deus que não é de surpreender que seja para nós fonte
É o tipo de oração que mais contribui para o nosso crescimento e multiplicador eficadssirno da graça santificante.
cm graça. Mas o fluxo de vida não pára aí, pois na Consagração tocamos
a divindade. O prrn.:esso se torna reversível, e nós, que com Cristo
Esta nossa maravilhosa vida interior - esta participaçJo na pró
e em Cristo tínhamos chegado até Deus, recebemo-lo quando, por
pria vida de Deus que é a graça santificante - cresce com a oração.
sua vez, em Cristo e por Cristo Ele desce a nós. Numa união mis teriosa.
Cresce também com os sacramentos que se seguem ao Batismo. A
que deve deixar atônitos os próprios anjos, Deus vem a nós. Agora não
vida de um bebê desenvolve-se com cada inspiração que fa7, com
usa água ou óleo, gestos ou palavras, como veículo da sua graça.
cada grama de alimento que toma. com cada movimento de seus
Agora é o próprio Jesus Cristo, o Filho de Deus real e
músculos informes. Assim também os outro5 seis sacramentos cons
pessoalmente pres'ente sob as aparências de pão, quem faz subir
tróem sobre a primeira graça que o Batismo infundiu na alma.
vertiginosamente o nível da graça santificante em nós.
E isso também é verdade coni relação ao sacramento da Peni
Só a Missa, mesmo sem Comunhão. já é uma fonte de graça
t0ncia. Ordi11ari m1ente, pensamos que o sacramento do perdão é o sem limites para o membro do Corpo Místico· de Cristo que esteja
sacramento que devolve a vida quando se perdeu a graça santificante espiritualmente vivo. Em cada um de nós. as graças da Missa cres
pelo pecado mortal. Não há dúvida de que esse é o fim primário cem à medida que consciente e ativamente nos unimos ao ofereci
da Penitência. .Mas, além de ser remédio que dcYnlve a vida. é re mento que Cristo faz de Si mesmo. Quando as circunstâncias tor
médio que a revigc-ra. Imaginar que se trata de um sacramento ex nam impossível comungar, uma comunhão espiritual sincera e fer vorosa
dusivamcntc rcservaclu ao perdão dos pecados mortais seria um erro fará crescer mais ainda a graça que a Missa nos obtém.
\)() O ESl'lH.l'I {) :-\\ 1 O E .\ GH.--\(;.\
( l (,Jl 1 1-: O \[J,:HI I o. 91

Cristo pode transpor perfeitamente os obstáculos que não tenhamos


erguido voluntariamente. Por lamentável que nos p..ire a a história deste homem, não
Pon:m. é de notória e\"id0ncia que o católico sinceramente inte chega a ter importüncb se a compararmos com a da pessoa que
ressado no crescimento da sua vida interior deverá completar o cido vi\'c sem graça santificank. Por nobres e heróicas que sejam suas
da graça recebendo a Sagrada Eucarislia. "Cada Missa. uma Missa açüi:s, não t m valor aos olhos de Deus. Se está sem Batismo ou
de comunhão", deveria ser o lema de todos. Há um triste desper em pecado mortal, essa alma separada de Deus vive seus dias em
\'J.O. Suas dores e tristezas, seus sacrifícios. suas bondades, tudo está
dício da graça nas Missas daquele que, por indif.:rença OLI apatia,
desprovido de valor eterno, desperdiça-se diante de Deus. Não existe
não abre o coração ao dom de Si mesmo que Deus lhi.:: oferece. E é
máito no que faz. Então, o que é o mérito?
um equívoco, que beira a estupidez, considerar a Sagrada Comunhão
O mérito foi definido como aquela propriedade de uma obra
corno um "dever" periódico que precisa ser cumprido uma vez por
mês ou cada ano. boa que habilita quem a realiza a receber uma recompensa. Estou
certo de que todos concordamos em afirmar que, em geral, agir bem
exige certo esforço. É fácil de ver que alimentar um faminto, cuidar
Neste poder de dar vida, próprio da oração e dos sacramentos,
de um doente ou fazer um favor ao próximo requer certo sacrifício
há um ponto que merece ser destacado. Fez-se finca-pé na afirma pessoal. Vê-se facilmente que estas ações têm um valor, e que por
ção de que a graça, cm todas as suas formas, é um dom gratuito
isso merecem, ao menos potencialmente, um reconhecimento, uma
de Deus. Tanto no começo da santidade pelo Batismo, como no recompensa. !vias esta recompensa não pode ser pedida a Deus, se
seu crescimento pela oração e demais sacramentos, até a mínima
Ele nào teve parte nessas ações, se não existe comunicação entre
participação na graça é obra de Deus. Por muito heróicas que sejam
as ações que cu realize, nunca poderia salvar-me sem a graça. Deus e aquele yuc as faz. Se um operário não quer que o incluam
na folha de pagamento, por muito que trabalhe, não poderá reclamar,,
E, não obstante, isto não me deve levar a pensar que a oração o seu salário.
e os sacramentos sejam fórmulas mágicas que possam salvar-me ou Por isso, só a alma que estú em graça santificante pode adquirir
santificar-me apesar de mim. Se eu pensasse assim, seria culpado mérito por suas açôes. É esse estado que dá valor de eternidade a
desse "formalismo" religioso de que tantas vezes se acusa os cató uma açüo. As a<;:ües humanas, se são puramente humanas, não têm
licos. O formalismo religioso aparece quando uma pessoa pensa
nenhuma significaçf10 sobrenatural. Só adquirem valor divino quan
que se torna "santa" simplesmente por realizar certos gestos, recitar
do se tornam obras do próprio Deus. E nossas açôcs süo em certo
certas orações ou assistir a certas cerimônias.
sentido obra de Deus quando Ele está presente numa alma, quando
Esta acusação, quando feita contra os católicos em geral, é su
esta vive a vida sobrenatural a que chamamos graça santificante.
mamente injusta, mas verdadeira se aplicada a determinados católicos
E isto é tão verdadeiro que a menor de nossas ações adquire
cuja vida espiritual se limita a uma recitação maquinal e rotineira
\·alor sobrenatural quando a fazemos em união com Deus. Tudo o
de orações fixas, sem cuidar de elevar a mente e o coração a Deus;
que Deus faz, aii1da que o faça através de instrumentos livres, tem
a uma recepçfto dos sacramentos por costume ou por falso sentido
\·alor divino. Isto permite que a menor de nossas obras, desde que
<lo dever, sem luta consciente por unir-se mais a Deus. Em resumo: moralmente boa, seja mc.rilória enquanto tivamos a intcnçüo, ao
Deus pode penetrar na alma só até onde o nosso eu o deixar. menos habitual, de fazer tudo por Deus.

Se o mérito é "a propriedade de uma obra.. boa que habilita


O QUE É O MtRITO?
a realiza a rccchcr uma recompensa'', a pergunta imediata e
LJlll'lll
kigica sc.r{1: Que. rcu1mpcnsa? Nm,sas ações sohrenaturalmcnte boas
Uma \'ez li na secç to de pequenas noucrns de um jornal que n1crcccm, mas mcrct.;Clll o (Jll(n A recompensa é tripla: um aumento
um homem construiu uma casa para a família. Ele mesmo fez quase de graça santificante. a vida eterna e maior glúria no céu. Sobre
todas :is obras, investindo todas as suas economias nos materiais. a i:gunJa fase Jcsta ri:compensa - a vida eterna -. é interessante
Quando a terminou, verificou com horror que se tinha enganado de ressaltar um aspeclo: para a criança batizada, o céu é uma herançn
propriedade e que a tinha construído no terreno de um vizinho. pela sua adoçüo como filha de Deus, incorporada cm Cristo; mas
Este, tranquilamente, apossou-se da casa, enquanto o construtor não para o cristüo no uso da razão, o céu é tanto herança como re
pôde fazer outra coisa senão chorar o dinheiro e o tempo perdidos. compensa. a recompensa que Deus prometeu aos que o servem.
C) O ESJ'íRITO :'>_-\ "\ 11: F -\ GHAÇA
( 1 <,J! F (J \!CHI!()_ ;);J

Quanlt1 ao lt'rccirn ekrnl'ntn d(1 pr2rnio - uma mainr gh)ria no


rrn hrL\C rc:-.1_1mo. 1.::-.1:1 aqui l' fl'!J:H,1 1.l1 h('lllC111 ··naturalmente"
L'011 -. \\'llllls qu,· 0 t·('ll"equl'ncia do primcirP. Nnss() rau de gló h•111. 1r11p1..\·:1nH1:-.. L'(l!ll 1..·1,· L'lll ;Jl.:!U!ll:l pc1:-..i:lt1 e. ao me-
T(idn:-.. 1<i:-.
ria depender{i dii grau de união n1m DL'llS, da medida cm que a
111.1':i L'\tLTIWlllL'!lle. L'lh..'hl'nllHHlS (_k \'l'rgtinha pi:nsanclo em mais di:
grai;a santificante tiver empapado a nossa alma. Tanto quanto cresça
uni que SL' chama niq:·1i1. F. apL'.\<.H dis'io. sabemos que c sc homem
a graça. crescerá a nossa capacidade de glória no c0u.
Lilll<.! no mais impiHlanlL·. i\'//o fr1L n que dccenti.:::, mio se com
No entanto. para alcanç<1r a vida eterna e o gr rn de gh'1ria que p(irta L·om re pL'ilti pi1r :-..i llll'S!llil l' pelos oulrt s. porque ignora a
tcnhmns merecidn. devemos, 0 claro, morrer em estado de graça. (111ica cl1is,-1 rcalme11te !ll'L'C súria, n filll para que foi criado: amar a
O pecado mortal arrehata todtis os nossos méritos, C(11110 a falência Deus e provar esse tlllll)f L't1111prindn a vontade divina. Precisamente
de um hanco arruína as economias de tocb uma \·ida. E 11f10 há pur er tão hom cm L'oisas meno':) 1ra11 L'êndentais. a nossa cnm p.:iix:1i1
maneira de adquirir méritos dt'pois da morlc, nem no purgatório. é maior, a nossa oral/to por l'k m,1is u1rnpassi\a.
nem no inferno. nem sequer no céu. Esta vida - e só esta vida -
e, tempo de prova, o tempo de merecer. Dirijamo ag(lrn a no sa tllcn1../1(1 ao ,111\!'tl lwnlL'nL esse que
Mas é consolador saher que os m0ritos que podemos perder pelo !r:ihalha 11;1 mesa, !l:l múquina (lll 11,1 h:1k;ú1 u11llígu(). À primeira
pecado mortal .se restauram tão logo a alma se reconcilia com Deus \ ista, parL'lT uma L't'ipia do primeirn: nju hú difercrn.;a: cm pns1çao.
por um ato de contri<;ftn perfeita ou por uma cnnfi,;s{io hem feita. L1mília. trahallw e p-:rsnnalidaJc. Mas existe Ulll3 <lifcren a incal culú\
Os méritos revivem no momento em que a graça antificante volta ·el que os olho 11Jo podem apreciar f<Kilmcnlt". porque reside
à alma. Em outras palnvras. o pecador contrito n o km que co 11.1 illh'll('<lu. A vida dn segundo tlÜl) se ha eia 110 "Jccenlc" nu no
meçar de novo: seu tcsour(l antcrinr de ml'ritos nfio :-..L' perde intci- "rc.,pL·ito por si mesmo". ou, pelo menos. nfw /Jri11cipa!me11!c. Os
1amentc.
;1fct(1:,.. l' aspira,()e:-,, n:1turai . que partilha com todo n gL·ncrn humano.
11ck· .'il' transformar:1111 l'lll aft.:tos e aspira,,'()1..'S mais altos: o amor a
Para você e para mim. que significa. na prática. viver cm cslado
DL·us e o desi:jo de cumprir a sua \OtltaJc.
de graça santifiGrntc? Para responder it qucstfto. ohscrvcmns dois Sua esposa n:ln l· apL'lrn a L'ompanhL·ira no lar. É tamhl·m com
homens que trabalham juntos no mesmo escrit<'1rio (na mesma fá panheira no a\t;ir. Fie e ela cstüo associad\l:-. a Deus e se ajudam
brica, loja ou fazenda). Para quem os observe casualmente. os dois rnutuamcntc no caminho para a santidade, L'OOfkTam com Ele na cria
süo muito parecidos. Têm a mesma categoria ck trabalho. ê-tmbos i/to de novos seres humanos destinados à gh ria eterna. Seu amor
sfto casados c têm família. ambos levam essa vida que poderíamos :ios filh()s nüo é a mera cxtcns;-10 do amor a :,;i mesmo: ele os vê come
qualificar como "respcitüvd". lJm dcll's, porém. é o que poderíamos urna .'iolcnc prova de t.·n11fiança que Deu:-. lhe dá. considcra- i.: como
chamar "laico··. Ni10 pratica nenhuma rcligi;':o. e poucas vezes. para 11 :1dmi11istrador que Ulll dia terá que prestar contas dessas almas.
11i10 dizer nenhuma. pensa cm Deus. Sua filosofia é que a felicidade '->u1 ..imnr por cks. umw o anwr 1 mulher. é parte do seu amor
de cada qual depende dele mesmo. e por isso dcve- c procurar tirar a Deus.
da vida tudo o que esta pode oferecer. "Se cu nüo o consigo - diz
Seu trabalho é mais que uma oportunidade dl.'. ganhar a vida
ele -. ninguém o fará por mim".
'-' pn1 :rcdir. f: parte da '.-ilia paternidade sacerdotal. é Jlleio para aten
Nüo é um mau homem. Pdo contrúrio. cm muitas coisas des der :is llt'L'Cs'.-iidadcs materiais de sua famífot e pane do plano querido
perta admira ·f10. Trabalha como um L'scravo porque quer triunfar por DL·us p;ua ele. Pnr Í'.'lsn. cumpre o melhor qu · pod1..· com seu
na vida e dar à família tudo o que haja de melhor. Dedica-se sin
trabalho. porque L'nmrr1..·c11ck quL é um instrumcnhl na:-. mãos de
ceramente aos seus: orgulhn-;o da mulher. .i quem considera uma
Deus para completar a ohra da Cria\fto no mundo. A Deus só
companheira encantadora e generosa. devnt;idn aos filhos. 1105 quais /)lide oferecer o mcllwr. L' este pem t11K11t,1 o acompanha ao longo
\"ê uma prolongaÇ10 de si mesmo. "Ele são a única imortalidade
dn dia. Sua 1..·ordialidade 11atur .d c:-..tú saturada de espírito de cari
qtJc me interessa". diz ele aos seus amigns. É um hom amigo, apre
dadi:. Sua genuosid;1dc. apnf,:içnada pcln desprendimcnh1. Sua dc
ciado por todos os que o conhecem. moderadamente generoso e cons
liL·adoa ..,..._. imbui da cnmpaix; 1n de Cristn. Talvez n;'w pense frc
ciente de seus deveres cívicos. Sua laboriosidade. sinceridade, honra dez
qucntcmcnlc nc,w, (11i,,1s. mas também não passa o dia pendente
e delicadeza n;lo se baseiam em princípios rchgwsos· ''Isso é que é
de si n1L'smo e (k suas virtudes. Começl1u a jornada com o ponto
decentr/' - explica -: ll:nhn que fo7ê-lo por respeito a mim mesmo e
de mira hem CL'ntradn: cm Deus L lnngc de si. "ML"u Deus - disse
aos outros''.
ele -. ofrrci.;n-tc todn n:-. meus pensamentos, palavras e ac;ões. e
''I
,'' 94 () ESl'IHITO .\.\\TO E \ CH.\(.,\

as contrariedades de hoje Talvez tenha dado ao seu dia o llh>


lht.Jr dns L'OmC.._,'os assistindo à Santa .i\1issa. CAPÍTULO X
.i\1as exisle outra coisa que é imprescindível rara fazer deste
homem um homem auknticami:nte sohrenatura!. A reta intenç;"ío 0 j._S VIRTl'DES E DOKS DO ESPÍRITO SAX'I'O
nc,...-essária, mas nüo basta. Seu dia deve ni:10 só dirigir-se a Deus,
como den: ser vivido cm união com Ele. para que tenha valor eter
no. Em outras palavras, este homem deve vi\·cr cm estado de grat;a
santificante.
Em Cristo, a mais insignificanlt' das at;ücs tinha valor infinito.
rtHqt1c J sua natureza humana estava unida à sua natureza divina.
fudn o que Jcs11s fazhi, Deus o fazia. De modo scnKlh:rntc - mas
só semelhante -, o mesmo 01..\-:irrl· C()ll('::iul. ()uam/() cstarnns cm
graçn. mio possuímos a natmu.:1 di\ imL ma'- parth•;pmnns da natu
reza de Deus, compartillwmos a vida di\"ina de uma maneira especial. O QUE É VIRTUDE?
Em c0nsequência, qualquer coisa que façamos - exceto () pecado -.
Deus o faz por nús. Deus. presente cm nossa aln13. vai dando \;:dor Você é virtuoso? Se íhe fizessem esta pergunta, a sua modéstia
eterno a tudo o que fazemos. Até a mais cnseín1 das ª\'C)l'S - lim o faria responder: "Não nflo de um modo especial". E, no entanto,
1
par o nariz à criança ou consertar uma ficha cll'.trica - maecc um se você é batizado e vive em estado de graça santificante, possui as
aumento de graça santificante e um grau mais alto ele glória no céu, três virtudes mais altas: as virtudes divinas da fé, da esperança e da
se a nossa vida está centralizada em Dc11s. Eis o que significa viver caridade. Se cometesse um pecado mortal, perderia a caridade (ou
cm estado de graça santificante, eis o que significa ser homem o amor de Deus), mas ainda lhe ficariam a fé e a esperança.
sohrcna!ural. Mas antes de prosseguir, talvez seja conveniente repassar o signi
ficado da palavra "virtude". Em religifw, a virtude se define como
"o hábito ou qualidade permanente àa alma que lhe dá inclinação,
facilidade e prontidão para conhecer e praticar o bem e evitar o
mal". Por exemplo, se você tem o hábito de dizer sempre a ver
dade, possui a 'virtude da veracidade ou sinceridade. Se tem o hábito
de ser rigorosamente honesto com os direitos dos outros, possui a
virtude da justiça.
Se adquirimos uma virtude por nosso próprio esforço, desenvol
vendo conscientemente um hábito bom, denominamos natural essa
virtude. Suponha que decidimos desenvolver a virtude da veracidade.
Vigiaremos nossas palavras, cuidando de nada dizer que altere a
verdade. A princípio, talvez nos custe, especialmente quando dizer
a verdade nos causa inconvenientes ou nos envergonha. Um hábito
(seja bom ou mau) consolida-se pela repetição de atos. Pouco a
pouco se nos torna mais fácil dizer a verdade, mcsMo que as suas
consequências nos contrariem. Chega um momento em que dizer
a verdade é para nós como que uma segunda natureza, e para mentir
temos que fazer força. Quando for assim, poderemos dizer sincera
mente que adquirimos a virtude da veracidade. E porque a conse
guimos com o nosso próprio esforço, essa virtude chama-se natural.
Mas Deus pode infundir na alma uma virtude diretamente, sem
esforço de nossa parte. Pelo seu poder infinito, pode conferir a uma
l)(j .\;"; \"lr<Tl.lJE.'> l·. l)O'\.':, DO ESFli{lT() S \'.\TO
O (.ll'E F: VITITl'DE?
97

:1 :!lma l1 r(1d1.-r :1 ii1l·iin.:1s/H1 para realizar certas ações que üo so


l'

h\• h. lima \·irtudt: deste tipo - o hábito infundido


hrl 11:n11r:tlml'11L.._'
scr smceros que insinceros. Mas uma virtude ohrcnatural. que e
n:1 alma ,li1.._'t:tnh.·. ntc ptir Deus - chama-se suhrt!natural. Entre estas diretamente infundida e não adquirida pela repetição de atos. nã0
\ inudcs. as mais iinpl1rtanlcs s HJ as três a que chamamos teologais: torna necessariamente mais fácil a prática da virtude. Não é difícil
k. csp1...·r:u11,·a e (·aridade. E chamam-se knlogais (ou divinas) por imaginar uma pessoa que. possuindo a virtude da fé em grau emi
que diZl'lll respeito dirctamenll' a Deus: cremos cm Deus. em Deus nente. tenha tentações de dúvida durante toda a vida.
cspcr;rnwc; e a Ek amamos. Outra diferença entre a virtude natural e a sobrenatural é a
Fstas três virtudes. junto com a graça santificante. süo infun forma como cada uma cresce. Uma virtude natural. como a pa
didas cm nossa Jlma pelo sacramento do Batismo. Mesmo uma ciência adquirida, aumenta com a prática repetida e perseverante.
criança. se estiver batizada. possui as três virtudes. ainda que não Uma virtude sobrenatural, porém, só aumenta pela ação de Deus,
seja capa:, dt: praticá-las enquanto não chegar ao uso da razão. E. e esse aumento, Deus o concede em proporçüo com a bondade moral
uma vez recebidas. n5.o se perdem facilmente. A virtude da cari• de nossas ações. Por outras palavras. tudo o que aumenta a graça
dade, a capacidade de amar a Deus C('m amor sobrenatural, só se santificante aumenta também as virtudes infusas. Crescemos cm vir
perde pelo pecado mortal. tude tanto quanto crescemos em graça.
Mas mesmo que se perca a caridade, a fé e a csperan.;a perma Que queremos dizer exatamente quando afirmamos "creio em
necem. A virtude da esperança só se perde por um pecado direto Deus", "espero em Deus" ou "amo a Deus"? Em nossas conversas
contra ela. pelo desesperô de não confiar mais na bondade e miscri• habituais, é fácil usarmos estas cxpressôes com pouca precisão; é
côrdia divinas. E, é claro, se perdemos a fé. perdemos também a bom recordar de vez em quando o sentido estrito e original das
esperança, pois é evidente que não se pode confiar em Deus se não palavras que utilizamos.
se crê nEle. E a fé. por sua vez. perde-se por um pet:ado grave
contra ela. quando nos recusamos a crer no que Deus revelou. 1
Comecemos pela fé. Das três virtudes teologais infundidas pelo
Batismo, a fé é a fundamental. É evidente qui' não podemos esperar
Além das três grandes virtudes, a que chamamos teologais ou num Deus nem amar um Deus em quem não cremos.
divinas, existem outras quatro virtudes sobrenaturais que. juntamente A fé divina se define como "a virtude pela qual cremos firme mente
em todas as verdades que Deus revelou. baseados na autori dade do
próprio Deus, que não pode enganar-se nem enganar-nos". Há aqui
1/
com a gra.;a santificante, süo infundidas na alma pelo Batismo. duas frases-chave - "crer firmemente" e "a autoridade do próprio Deus"
Como estas virtudes não dizem respeito diretamente a Deus, mas - que merecem ser examinadas.
sim às pessoas e coisas em relação a Deus, chamam-se v!rtudes mo Crer significa admitir algo como verdadeiro. Cremos quando
rais. As quatro virtudes morais sobrenaturais são: prudência. justiça, damos nosso assentimento definitivo e inquestionável a determinada
fortaleza c temperança. afirmação. Já vemos a pouca precisão de nossas expressões quando
Possuem um nome especial: virtudes cardeais. O adjetivo "car dizemos: "Creio que vai chover", ou "creio que foi o dia mais
deal" deriva do substantivo latino "cardo'', que significa "gonzo", e agradável do verão''. Em ambos os casos expressamos simplesmente
siw assim chamadas por serem virtudes "gonzo", pois delas depcn uma opinião: supomos que choverá: temas a impressâo de que
dl'm as demais virtudes morais. Se um homem é espiritualmente hoje foi o dia mais agradável do verão. Convém ter presente este

'I
rrudente. justo, forte e moderado, podemos afirmar que possui tam ponto: uma opinião não é uma crença. A-fé implica certeza.
bém as outras virtudes morais. Pnderiamos dizer que estas quatro Mas nem toda certeza é fé. Não digo que creio cm alguma
\·irtudcs contêm a semente das demais. Por exemplo. a virtude da coisa, se a vejo e compreendo claramente. Não creio que dois e
dois sejam quatro porque é algo evidente: posso compreendê-lo
1

religi:10. que nos inclina a prestar a Deus o culto devido. emana da


\·irtude da jw,tiça. E, de passagem, diremos que a virtudt: da reli· e prová-lo satisfatoriamente. O tipo de conhecimento que se refere
a fatos que posso pcrccher e demonstrar 0 compreensão e não crença.
gi[to 0 a mais alta das virtudes morais.
Crença - ou f.? - é J aceitação de algo como verdadeiro.
(:: inh.'rL' sante mencionar duas diferenças notáveis entre a vir
hascando-nos 110 aworidade de outro. Eu nunca estive na China.
:ude natural e a :-.nhrenatural. Uma virtude natural. precisamente
mas muitas pessoas que lá estiveram asseguram-me que esse país
porqut: sc adquirc pda prática frequente e pela autodisciplina habi
existe. Porque confio neles, creio que a China existe. Igualmente
tual, nos torna mais fáceis os atos dessa virtude. Chegamos a um
ponto cm l]UL'. para dar um exemplo. se tll)S torna mais agradúYel
'J,'-, \,'-, \JH!l'[)l·:s E 1)O'\S 1)() ESl'IHrro SA'.'\TO ESPEIL\:S:ÇA E ·"IOR 90

e1 muiLo pouco di.: física e absolutamcnti.'. nada de fiss to nuclear. doria infinitos; pode basear-se também na aceitação do testemunho
E apt:sar de nunca t-.:r visto um átomo. cr iu cm fissão nt11..::lcJr por de inúmeras pessoas grandes e sábias, ou na atuação da Providência
que confio na cnmpctência dos que asseguram que isso se pode fazcr divina em nossa vida pessoal. Uma fé natural deste tipo é uma
e se tem fcitt). preparação para a autêntica fé sobrenatural, que nos é infundida
Este tipo de L·onhecirncnto 2 o da fé: afinrn-ti;l)cs que se acei junto com a graça santificante na pia batismal. Mas é só esta fé
tam pda autorida<.k Jc t)titros cm 4uem confiamos. Havendo tantas sobrenatural, esta virtude da fé divina, que nos é infundida no Ba
L·oisas na vidd l]LiC n io comprccnd:..'mOs. l' t;--to puLIL"ll tempo livre tismo, aquela que nos dá condições para crer firme e inteiramente
para compro\ú-las pcs.:-ual!m;ntt'. t'. fácil vcr yue a maior parte dl' em todas as verdades, mesmo as mais inefáveis e misteriosas, que
11osso.:- conhc..:imcnllis sc baseia 11a ri:. Sc nüo tiv0.:-scrnos confiani;a Deus nos revelou. Sem esta fé, os que alcançaram o uso da razão
l'.111 rwssus -u11clhantes. a vicia pararia. Se a pt:ssoa qu..: Jiz: •'Si.:'. não poderiam salvar-se. A virtude da fé salva a criança batizada,
11:-to vejo, n,-tu creio"", ou "se n:In t:ntcndo. nüu crt:io". atuasse de mas, quando se adquire o uso da razão, deve haver também atos
acordo com essas palavras, bem pouco poderia fazer na vida. de fé.
A este tipo de fé - a nossa aceitaçfto de uma verdade baseados
na palavra c!e outro -- chamamos fé hunuow. O adjetivo "humana"
distinguc-_a Ja fr qut: aceita uma verdade pda autoridade de Deus. ESPERANÇA E AMOR
Quando a nossa mcnh: adere a uma vcrdad...: porque Deus a mani
festou, a nos:ia fé chama-se divina. Vê-se cl::iram,:nte qL!C a fé divina É doutrina da nossa fé cristã que Deus dá a cada alma que
implica um 1.\)nl1- cimento muito mais seguro que a fé m..:ramente ena a graça suficiente para que alcance o céu. A virtude da espe
humana. N:·io 0 comum. mets é possível qu-: tod:1s as autoridades rança, infundida na alma pelo Batismo, baseia-se neste ensinamento
hunnnas se e!1g:tncrn em cklt:rmin;:lcla afirma ;"10. como aconteceu. da Igreja de Cristo e dele se nutre e se desenvolve com o decorrer
por cxt:mplo. 1.·rnn o ensinamento universal de que a terra era plana. do tempo.

1
Não 0 comum. mas é possível qu tod.:is as autorid,1dcs humanas A esperança se define como "a virtude sobrenatural pela qual
prncun:m cnt_'an:ir. cnnw acontccç. pnr exemplo. cnm os ditadores confiamos que Deus, que é todo-poderoso e fiel às suas promessas,
que cng.anam n poni. nos concederá a vida eterna e os meios necessários para alcançá-la".
Mas Deu n:to pode enganar-se a si mesmo n m c11ganar os Por outras palavras, ninguém perde o céu senão por culpa própria.
uutros: Ele é a Sabedoria infinita e a Verdade infinita. Nunca po Por parte de Deus, a nossa salvação é certa. É somente a nossa parte
di:rú haver nem :-,l)!llhra de dúvida nas vadadcs qu.: Deus nos reve - a nossa cooperação com a graça de Deus - o que a torna incerta.
lou. e, por isso. a verdadeira fl: é sempre uma fé firme. Andar com Esta confiança que temos na bondade divina, no seu poder e
dúvidas sohrc uma verdade de fé é duvidar da sahedoria infinitJ
de Deus ou da sua infinita veracidade. Especular se haverá três 1 '.
1
fidelidade, suaviza os contratempos da vida. Se a prática da virtude
nos exige às vezes autodisciplina e abnegação, talvez mesmo a auto
Pessoas em Deus ou se Jesus está realmente presente na Eucaristia • 1
imol ação e o martírio, vamos encontrar a nossa fortaleza e valor
é questionar a credibilidade de Deus ou negar a sua autoridade. Na '1 na certeza da vitória final.
n:alidack. é n::chaçar a fé divina. A virtude da esperança é implantada na alma no Batismo, jun
Pela mesma raz 10. a \'erdadeira fé deve ser completa. Seria tamente com a graça santificante. Mesmo um recém-nascido, se for
uma estupidt'z pensar ciuc podemos escolher e ficar com as \'crdades batizado, possui a virtude da esperança. Mas devemos acautelar-nos.
que nos agradam dentre as que Deus re\'elnu. Dizer: "Eu creio no Ao chegarmos ao uso da razão, esta virtude deve traduzir-se no ato
céu. mas n:"10 no inferno". ou "creio no Batismo. mas 11f10 na Con fiss.'.!o". de esperança em Deus e em suas promessas. O ato de esperança
0 o nh:"mo que dizer: "Deus f)l)cie 1.·mwnar-sc". A conclu deveria destacar-se de modo proeminente em nossas orações diárias.
:-.üo que lnglcc1mt:nk se :-.eg.uiria ::.cria c:-.ta: "Afinal. por que crer cm É uma forma de oração especialmente grata a Deus, já que mani
Deus?''. festa ao mesmo tempo a nossa completa dependência dEle e a nossa
A f(: de ljlll.'. falallhJS é fé .whre11u/llral. a fé que surge da vir absoluta confiança no seu amor por nós.
wde divina infu:--a. t.:: pos:-.ível ter uma fé ruramente natural em É evidente que o ato de esperança é absolutamente necessário
Deus ou em muitas de strns verdades. Fsta fé pode basear-se na para nos salvarmos. Nutrir dúvidas sobre a fidelidade de Deus em
natureza, que dú testemunho de um Ser Supremo. de poder e sahe- manter suas promessas, ou sohre a efetividade da sua graça em su-
J()() AS VIRTUDES E DONS DO ESPIRITO SANTO ESPERA;-;ÇA E A\!OR 101

perar as nossas fraquezas humanas, é um insulto blasfemo a Deus. fé junta-se a convicção de que Deus só quer o que é para o noss(J
Nessas condições, ser-nos-ia impossível superar os rigores da tenta hem, e que, cm sua sabedoria infinita, conhece melhor o que 0 hem
ção e praticar a caridade abnegada, Em resumo. não poderíamos para nós e no-lo dá por seu infinito poder.
viver uma vida autenticamente cristã, se não tivéssemos confiança Ao confiarmos no sólido apoio do amor, cuidado. sahed0ria e
no resultado final. Quão poucos teriam a fortaleza suficiente para poder de Deus, estamos seguros. Não caímos num estado de fü1i
perseverar no bem, se só tivessem uma possibilidade em um milhão mo sombrio quando "as coisas correm mal". Se os nossos planos se
de ir para o céu! entortam, os nossos sonhos se frustram e o fracasso aparenta acos
Daqui se segue que a nossa esperança deve ser firme. Uma sar-nos a cada passo, sabemos que Deus fará que tudo contribua
esperança fraca amesquinha Deus no seu poder infinito ou na sua para o nosso bem definitivo. Mesmo a ameaça de uma guerra atô
bondade ilimitada. Isto não significa que não devamos manter um mica não nos altera, porque sabemos que até os males que o homem
são temor de perder a alma. Mas este temor deve proceder da falta produz, Deus fará que de algum modo se encaixem em seus planos
de confiança em nós, não da falta de confiança em Deus. Se Lúcifer providenciais.
pôde rejeitar a graça, nós também estamos expostos a fracassar, mas Esta confiança na divina providência é a que vem em nossa
esse fracasso não seria imputável a Deus. Só um néscio se lem ajuda quando .somos tentados (e quem não o é uma vez ou outra?)
braria de dizer, ao arrepender-se de seu pecado: "Oh Deus, tenho a pensar que somos mais espertos que Deus, que sabemos melhor
tanta vergonha de ser tão fraco!". Quem tem esperança dirá: "Meu do que Ele o que nos conv m em certas circunstftncias concretas.
Deus, tenho tanta vergonha de ter esquecido como sou fraco!". "Pode ser que seja pecado, mas não podemos permitir-nos nenhum
Pode-se definir Um santo como aquele que desconfia absolutamente filho mais''; ''pode ser qtie não seja muito honesto, mas nos negó
de si mesmo e confia absolutamente em Deus. cios todo mundo faz o mesmo"; "já sei que parece um pouco es
:11
,1; Também é bom não perder de vista que o fundamento da espe rança cuso, mas a política é assim". Quando nos vierem estas desculpas
cristã se aplica aos outros, tanto quanto a nós mesmos. Deus quer il boca, devemos desfazê-las com a nossa confiança na providência
não só a minha salvação, como a de todos os homens. Esta razão de Deus. "Se fizer o que é correto, p<ide ser que apanhe muitos
levar-nos-á a não nos cansarmos de pedir pelos pecadores e descrentes, Jcsgostos", devemos dizer. ''mas Deus conhece todas as circunstün
especialmente pelos mais próximos por relações de pa rentesco ou de cias. Sabe mais do que eu. E ocupa-se de mim. Não me afastarei
amizade. Os teólogos católicos ensinam que Deus nunca retira nem um milímetro da sua vontade."
completamente a sua graça, nem sequer aos pecadores mais
empedernidos. Quando a Bíblia diz que Deus endurece o seu coração A única virtude que permanecerá sempre conosco é a caridad .
para com o pecador (como, por exemplo, diz do Faraó que se opôs No céu, a fé cederá lugar ao conhecimento: não haverá necessidade
a Moisés), não é senão um modo poético de descrever a reação do de ''crer" em Deus quando o virmos. A esperança também desapa recera,
pecador. É este quem endurece o seu coração ao resistir à graça de já que possuiremos a felicidade que esperávamos. Mas a cari dade não
Deus. só não desaparecerá, como será unicamente no momento estático cm que
E se falecesse um ser querido, aparentemente sem arrependi mento, virmos a Deus, face a face, que esta virtude, infundida em nossa alma
também não deveríamos desesperar-nos e "afligir-nos como os que pelo Batismo. alcançará a plenitude da sua capacida de. Então o
não têm esperança". Enquanto n"ão chegarmos ao céu, não saberemos nosso amor a Deus, tãç, )bscuro e fraco nesta vida. bri lhará como um
que torrente de graças pôde Deus derramar sobre o pe· cador sol em explosão. Quando nos virmos unidos a esse Deus
recalcitrante em seu último segundo de consciência - graças que a infinitamente amável, que é o único capaz de satisfazer os anseios
nossa oração confiante terá obtído. de amor do coração humano, a nossa caridade se expres sará
eternamente num ato de amor.
Embora a confiança na Providência divina não seja exatamente A i.:aridadc divina, virtude implantada em nossa alma no Ba tismo,
o mesmo que a virtude divina da esperança, está suficientemente juntamente com a fé e a esperança, define-se como "a virtude pela qual
ligada a ela para conceder-lhe agora a nossa atenção. Confiar na amamos a Deus por Si mesmo, sobre todas as coisas, e
providência divina significa que cremos que Deus nos ama a cada "º próximo como a nós mesmos, por amor a Deus". É chamada
um de nós com um amor infinito, um amor que não poderia ser mais a rainha das virtud s. porque as outras, tanto as teologais como as
direto e pessoal se fôssemos a única alma sobre a terra. A esta morais, nos conduzem a Deus, mas a caridade é a que nos une a
102 A.'.', \"ll-rlTUJ::.':1 E UU:\S DO E'.:'.'.li-'lH!TU S.\:\"1'() \i\HS\JLHAS PsTEHIOHES l(LJ

Ele. Onde houver caridade, estari'io também as demais virtudes. l'Olll o próximo, por amor de Deus, porque sabemos que é isto o
"Ama a Deus e faz o que quiseres", disse um santo. É evidente que Deus quer. Nnsso próximo. diremos de passagem, inclui todas
que. se amarmos de verdade a Deus. nos será grato fazer somente •. as criaturas de Deus: os anjos e santos do céu (coisa fácil), as almas
:1
o que for do seu agrado. do purgatório (coisa fácil), e todos os seres humanos vivos, inclu
1:vid-cntemente, o que se infunde em nossa alma pelo Batismo sive os nossos inimigos ( uf!).
a rirtucle da caridade. E quando alcançamos o uso da razão, a E precisamente neste ponto tocamos o coração do cnsuanismo.
nossa tarefa é fazer atos de amor. O poder de fazer tais atos de É precisamente aqui que nós encontramos a cruz, que provamos a
amor, fácil e sobrenaturalmente, nos é dado pelo Batismo. realidade ou a falsidade do nosso amor a Deus. É fácil amar a
Uma pessoa pode amar a Deus com amor natural. Ao contem família e os amigos. Não é muito duro amar "todo mundo" de
plar a bondade e a misericórdia divinas, os benefícios intermináveis uma maneira vaga e geral, mas querer bem (e rezar e estar disposto
que nos concede, podemos sentir-nos inclinados a amá-lo como se a ajudar) à pessoa do escritório contíguo que lhe passou uma ras
ama qualquer pessoa amável. Certamente, uma pessoa que nf10 teve teira, à vizinha da frente que fala mal de você, ou àquele parente
ocasiüo de ser batizada (ou que está em pecado mortal e nüo tem que conseguiu com artifícios a herança da tia Josefina, àquele crimi noso
possibilidade de se confessar) não poderá salvar-se a não ser que que saiu nos jornais por ter violentado e morto uma menina de
/'· faça um ato de amor perfeito a Deus, isto é, um ato de amor desin
' seis anos ... , se perdoá-los já é bastante duro, como será amá-los? De
teressado: amar a Deus porque é infinitamente amável. amar a Deus fato, naturalmente falando, niío somos capazes de fazê-lo. Mas com
sú por Ele mesmo. Para um ato de amor assim, tamb0m necessita a divina virtude da caridade, podemos; mais ainda, devemos fazê-lo,
mos da ajuda divina sob a forma de graça atual, mas ainda assim ou o nosso amor a Deus será uma falsidade e uma ficção.
I' estamos em face de um amor natural.
'1 Só pela habitação de Deus na alma, pela graça sobrenatural a Mas tenhamos presente que o amor sobrenatural, seja a Deus
que chamamos graça santificante, é que nos tornamos capazes de ou ao nosso próximo, não tem que ser necessariamente emotivo. O
um ato de amor sobrenatural a Deus. A razão pela qual o nosso i.Jl110r sobrenatural reside principalmente na vontade, nüo nas emo
amor se toma sobrenatural está em que realmente é o práprio Deus ções. Podemos ter um profundo amor a Deus, conforme prova a
quern se ama a Si mesmo através de nús. Para esclarecer isto, pode nossa fidelidade a Ele, e não senti-lo de modo especial. Amar a
mos servir-nos do exemplo de um filho que compra um presente de Deus significa simplesmente que estamos dispostos a qualquer coisa
aniversário para seu pai, e paga-o utilizando a conta de crédito do antes que ofendê-lo com um pçcado mortal. Da mesma maneira,
pai (com autorização deste). Ou como a criança que escreve uma podemos ter um sincero amor sobrenatural ao próximo, e no plano
carta à mãe, com a própria mãe guiando a sua mão inexperiente. natural sentirmos uma marcada repulsa por ele. Eu lhe perdôo, por
De modo semelhante, a vida divina em nós torna-nos capazes de amor a Deus, o mal que me fez? Rezo por ele e confio em que
amar a Deus adequadamente, proporcionadarnente, com um amor alcance as graças necessárias para salvar-se? Estou disposto a aju
digno de Deus e também agradável a Deus, apesar de ser. de certo dá-lo se estiver em necessidade, apesar da minha natural resistência?
modo, o próprio Deus quem realiza a ação de amar. Se é assim, amo-o sobrenaturalmente. A virtude divina da caridade
opera no meu interior, e posso fazer atos de amor (que deveriam
Esta mesma virtude da caridade (que acompanha sempre a ser frequentes cada dia) sem hipocrisia nem ficção.
graça santificante) torna possível amar o próximo com amor sobre natural.
Amamos alguém não com um mero amor natural, pelo simples fato
de ser uma pessoa agradável, por termos ambos a mes ma índole, por MARAVILHAS INTERIORES
nos darmos bem ou porque de alguma maneira essa pessoa atrai a
nossa simpatia. Este amor natural não é mau. mas não há nele Um jovem, a quem acabava de batizar, dizia-me pouco depois:
nenhum mérito sobrenatural. Pela virtude divina da caridade, "Sabe, padre, não notei nenhuma das maravilhas que o senhor dizia
tornamo-nos veiculo, instrumento pelo qual Deus, através de !l()s, que experimentaria ao batizar-me. Sinto um alívio especial em saber
pode amar o nosso próximo. Nosso papel consiste simples mente em que meus pecados foram perdoados e alegro-me de saber que sou
oferecer-nos a Deus, em não levantar obstáculos ao fluxo do amor de filho de Deus e membro do Corpo Místico de Cristo, mas isso da
Deus. Nosso papel consiste em ter boa vontade para habitação de Deus na alma, da graça santificante, mais as virtudes
líl4 AS \'IRTUDF.S F. DO S DO F.SPIRITO SANTO ILIR 11 ILII.IS IYITRIORES 10.)

da fé, esperança e caridade. e os dons do Espírito Santo bem, goso. Sem o dom de conselho. o juízo humano é demasiado falível.
não os senti de maneira nenhuma". ,, O dom de fortaloa mal requer comentários. Uma vida cristfi
E é assim. Nào sentimos nenhuma dessas coisas; pelo menos, tem de ser ncccssari:1mcnte. cm algum grau. uma vida heróica. E
não é comum senti-las. A espantosa transformação que ocorre no empre palpita nela o heroísmo oculto da conquista de si mesmo.
Batismo nüo se localiza no corpo - no cérebro, no sistema nervoso As vezes, pede-se-nos um heroísmo maior: quando fazer a vontade
ou nas emoções -, mas no mais íntimo do nosso ser, em nossa de Deus acarreta o riscn de perdn amigos. bens ou saúde. Também
alma, fora do alcance da análise intelectual ou da reação emociona1. temos o heroísmo mais alto dos mártires. que sacrificaram a própria
Porém, se por um milagre pudéssemos dispor de umas lentes que vida por amor a Deus. N:1o é em vão que Deus robustece a nossa
nos permitissem ver a alma como é, quando está em graça santifi debilidade humana com seu cJom de fortaleza.
cante e adornada de todos os dons sobrenaturais. tenho a certeza de O dom de ciência comunica-nos a faculdade de "saber fazer",
que andaríamos de um lado para outro como que em transe, des a destreza espiritual. Torna-nos aptos para reconhecer o que nos é
lumbrados e em estado perpétuo de assombro, ao ver a superabun espiritualmente útil ou prejudicial. Está intimamente unido ao dom
dância com que Deus nos equipa para enfrentarmos esta vida e nos de conselhn. Este nos move a escolher o útil e a repelir o nocivo.
prepara para a outra.
mas. p:ua escolher. devemos antes conhecer. Por exemplo, se percebo
No riquíssimo dote que acompanha a graça santificante, estão que excessivas leituras frívolas estragam o meu gosto pelas coisas
induídos os sete dons do Espírito Santo. Estes dons - sabedoria, espirituais, o dom de ciência induz-me a deixar de comprar tantas
entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus - puhlicaçõcs desse tipo, e inspira-me a começar uma leitura espiritual
I' são qualidades que se comunicam à alma e que a tornam sensível regular.
aos movimentos da graça e lhe facilitam a prática da virtude. Des O dom ele piedade é frequentemente mal entendido pelos que
li pertam-nos a atenção para ouvirmos a silenciosa voz de Deus em a representam de mãos juntas. olhos baixos e orações interminúveis.
nosso interior, tornam-nos dóceis aos delicados toques da mão divina. A palavra ·•piedade", no seu Sl..'.nlido original. diz respeito à atitude
Poderíamos dizer que os dons do Espírito Santo são o "lubrificante" de uma criança para com seus pais: uma combinação de amor. con
da alma, enquanto a graça é a energia. fiarn;a e reverência. Se essa é a nossa disposição habitual para com
nosso Pai Deus. estamns vivendo o dom de piedade. O dom de
O primeiro dom é o da sabedoria, que nos dá o adequado sen tido
de proporção para sabermos apreciar as coisas de Deus: damos ao piedade incita-nos a praticar a virtude, a manter urna atitude de
bem e à virtude seu Verdadeiro valor, e encaramos os bens do mundo uinfiante intimidade com eus.
Finalmente, o dom do temor de Deus, que equilibra o dom de
como degraus para a santidade, não como fins em si. O homem
pieJ.ade. É mt1ito bom contemplarmos a Deus com olhos de amor,
que, por exemplo, perde o seu fim de semana para assistir a um
,,.-onfiarn;:i e terna reverência, mas é também muito bom nunca es
retiro espiritual, foi conduzido pelo dom da sabedoria, mesmo que
quecer que Ele é o Juiz de justiça infinita, diante de quem um dia
não o saiba. tcrcnws que responder pelas graças que nos concedeu. Esta lem
Depois vem o dom do entendimento. Dá-nos a percepção espi hrarn;a nos darú um santo temor de ofendê-lo pelo pecado.
ritual necessária para entendermos as verdades da fé em consonância Sahcdtlria. entendimento. conselho. fortaleza, ciência, piedade e
com as nossas necessidades. Em igualdade de condições, um sacer
kmor de Deus: são esses os auxiliares das graças, seus "lubrifican
dote prefere cem vezes explicar um ponto de doutrina a quem está
ll's". São predisposições para a santidade que, junto com a graça
em graça santificante do que a alguém que esteja em pecado. O
santificante. são infundidas em nossa alma pelo Batismo.
primeiro possui o dom do entendimento, e por isso compreenderá
Com muito mais rapidez o ponto em questão. Muitos dos catecismos que conheço enumeram "os doze frutos
O terceiro dom, o dom de conselho, aguça o nosso JU!ZO. Com do Espírito Santo": caridade. gozo. paz, paciência, benignidade, bon·
a sua ajuda, percebemos - e escolhemos - a decisão que será para dade. lnnganimidade. mansidão. fé, modt:stia, continência e castidade.
maior glória de Deus e nosso bem espiritual. Tomar em estado de \'las at Jgora. e pela minha experiência. rara vez se faz mais do
pecado mortal uma decisão de importância, quer seja sobre a voca ljlle mi:ncionú-los de passagem nas aulas de instrução religiosa. E
ção, a profissão, os problemas familiares ou sobre qualquer outra ainda mais raramente süo explicados em sermões.
matéria das que devemos enfrentar continuamente, é um passo peri- E O: uma pena que seja assim. Se um professor de ciências
)()() .-\S \ JJUTl)L'l E IH)'\.'l 1)0 ESJ'iHITO 'l.-\:\'l'O \'-, \'IHll'IJI,:.', \JUH\JS 11 r:-

LOme1sa a explicar na aula a maLieira, dcsnevcrá naluralm..:ntc as na\clmcnte generosa com Deus. :-.cm prnn1rar a alitude mais cúmoda.
raízes e o tronco. e dirá que o sol e a umidade a fazem crescer. L a hondadc.
i'Ylas nêlo lhe ocorrerá terminar a sua explicação u1m esta brusca r\ão se revolta com o infortúnio e n fracasso. L"Olll a Jo,:11._:a e
afirmaçf10: "E esta é a úrvnre que dá maçãs.'' Considerará a des a <lor. Dcsconhece a auto-compaixütl: kvantará ao céu os olhos
aiçüo do fruto como uma parte importante da sua explicaçüo didá cheios de lágrimas. mas nunca cheios de revolta. É a longanimidadc.
tica. Do mesmo modo, 0 ilógico falar da grai.._;a santificante. das É delic;da e estú cheia de recursos. Entrega-se h talmcnte a
\'irtudes e dons que a acompanham, e fazer uma referência casual qualqui:r tarefa que surja. mas sem a menor sombra da agressividade
aos resultados, que silo, precisamente. os frutos do Espírito Santo: do ambicioso. Nunca procura dominar os outros. Sabe raciocinar
frutos exteriores da vida interior. produto externo da habitação do com persuasão_. mas jamais chega à disputa. É a mansidJo.
Espírito. Sente-se orgulhosa de ser memhro do Corpo Místico de Cristo,
Utilizando outra figura, poderíamos dizer que os doze frutos são mas nüo pretende coagir ns outros nem fazê-los engolir a sua reli gião.
as grandes pinceladas que perfilam o retrato do cristão autêntico. Por outro lado, menos ainda sente respeitos humanos por uas convicçôcs.
Talvez o mais simples seja ver como é esse retrato. como é a pessoa Nao oculta a sua piedade. e defende a verdade com prontidão. quando
que vive habitualmente cm graça santificante e procura com perse esta é atacada na sua presença: a religiüo é para ela o mais
vcrançn subordinar o seu ser à ação da graça. importante da vida. É a fé.
Antes de mais nada, essa pessoa é generosa. Vê Cristo no seu Seu amor a Jesus Cristo a faz estremecer ante a idéia de atuar
pn)ximo. e invariavelmente o trata com considcraçf10, L"Stá sempre como cúmplice do diabO. de ser ocasião de pecado para alguém. No
di.'>pnsta a ajud{1-lo. mesmo ü custa de transtornos e aborrecimentos. seu comportamento. modo de vestir e linguagem, há uma decência
1 É a caridade. que a faz - a ela ou a ele - fortalecer a virtude dos outros. jamais
ili Depois, é uma pessoa alegre e otimista. Parece irradiar um res cnfraquecC:-la. É a modéstia.
' 1
plendor interior que a faz ser notada cm qualquer rcu11ifto. Quando
cstú presente. 0 como se o sol hrilhasse com um pouco mais de luz:
Ê uma pcssna moderada, com as paixl,es firmemente controladas
pela razão e pela graça. Nf10 está mn dia no auge da cxalta\ãO. e.
I' a gente sorri com mais facilidade. fala con, maior delicade7a. É o 110 dia seguinte, em abismos de depressão. Quer coma nu heha.
gozo. trabalhe ou se divirta. em tudo mostra um domínio admirável de
'1i É uma pessoa serena e tranquila. Os psicólogos diriam dela s1. É a continência.
qut; tem uma "personalidade equilibrada"'. Sua fronte poderá franzir Sente uma grande reverência pela faculdade de procriar qllí:
1

-se com preocupaçües. mas nunca por uma aflição ou angústia. É Deus lhe dt:u, perante o fato de Deus ter querido compartilhar seu
um tipo equânime, a pessoa idônea a quem se recorre cm casos de poder criador com os homens. Vê o sexo como algo precioso e
emergência. É a paz. sagrado, t1m vínculo de união. para ser usado unicamente dentro
Nf1n e irrita facihm:nte; não guarda rancor pelas oknsas. n:!{i do ftmhitn matrimonial e para os fins estabelecidos por Deus; nunca
se perturha 11cm fica desapontada quando as coisas lhe correm mal como divertime·nto ou como fonte de prazer egoísta. É a castidade.
ou as pessoas se comportam mesquinhamente. Poderú fracas....ar seis E aqui ternos o retrato do homem e da mulher cristãos: cari
vezes. e recomeçará a sétima sem ranger os dentes 11cm culr<ir a Jadc, gozo. paz. paciência, benignidade, bondade, longanimidade,
sua sorte. É a paciência. mansidão, fé, modéstia. continência e castidade. Podemos conferir o
É amável. Todos a procuram em seus problemas. e cnconlralll nosso perfil com o do retrato. e ver onde nos separamos dele.
nela o confidente sinceramente interessado. saindo aliviadPs pelo im
ples fato de terem cnnversado com ela; tem uma considerJ\<""io espe
cial pelas crian1.,;as e anci[1ns. pelos aflitos e atrihuladns. Ê a hl' AS VIRTUDES MORAIS
nignidade. ''
Defende com firmeza a verdade e o direito, mesmo que todos a Um axioma da vida espiritual diz que a gra\a aperfeiçoa a natu
deixem só. Não está orgulhosa de si própria nem julga os outros: reza, o que significa que, quando Deus nos dá a sua graça, não
é lenta em criticar e mais ainda em condenar; suporta a ignorúncia aniquila antes a nossa natureza humana para colocar a graça em
e as fraquezas dos outros. mas jamais compromete as suas convic seu lugar. Deus acrescenta a sua graça ao que já somos. Os efeitos
ções, jamais contemporiza com o mal. Em sua vida interior. inva- da graça em nós, o uso que dela fizermos, está condicionado em
lOS AS \'lRTl'DES E !)()'IS 1)0 ESl'!RITO s.,:--;To .IS VIRTl'DES !ORAIS 109

grande parte pela nossa constituição pessoal: física. mental e emo os direitos dos nossos semelhantes à vida e à liberdade, à santidade
cional. A graça não faz de um idiota um gênio. nem endireita a,;; do lar, ao bom nome e à honra. aos bens materiais. Um dos obstá
costas do corcunda. nem normalmente transforma um m.:unlticn num:1 culos à justiça que salta à vista é o preconceito de cor. raça, nacio
pessoa equilibrada. nalidade ou religião, que nega ao homem os seus direitos humano
Portanto, cada um de nós tem a responsabilidade de fazer tud0 ou dificulta o seu exercício. Outro obstáculo pode ser a mesquinhez
o que estiver ao seu alcance para tirar os obstáculos ü açüo da grai_,;a. natural, que é um defeito resultante talvez de uma infância cheia de
Não falamos aqui de obstáculos morais. como o pecado ou o egoís pnvações. É nosso dever tirar estas barreiras, se queremos que a
mo, cuja ação nociva à graça é evidente. Referimo-nos agora ao virtude sobrenatural da justiça atue com plenitude em nosso interior.
,· que poderíamos chamar A fortaleza. terceira virtude cardeal, 111clina-nos a fazer o bem
obstáculos naturais, como a ignorfmcia. os defeitos do caráter e os maus apesar das dificuldades. A perfeição da fonaleza revela-se nos már
hábitos adquiridos. É claro que é um obstáculo à graça reduzirmos o tires. que preferem morrer a pecar. Poucos de nús teremos que en
nosso panorama intelectual a jornais frentar uma decisão que requeira tal grau de heroísmo. Mas a
()li revistas populares; que a nossa agrcssividade, se nos conduz fa virtude da fortaleza nüo poderá atuar, nem mesmo nas pequenas
cilmente à ira, 0 outro obstáculo à graça; que também süo obstáculo situaçôes que exijam valor, se não tirarmos as b:urci--::is kvantada
à graça a nossa moleza e a falta de pontualidade. na medida cm por um conformismo exagerado, pelo desejo de não aparecer, de ser
que. por causan:rn inconvenientes aos outros. supõem uma falta de "da multidão". Estas barreiras são o temor irracional à opinião
caridade. pública (a que chamamos respeitos humanos). o medo de sermos
Estas con ids,i.'açôt;s são especialmente oportunas quando se es niticados. menosprezados ou, pior ainda, ridicularizados.
tudam as virtudes morais. Por virtudes morais. distintas das tcolo A quarta virtude cardeal é a temperança, que nos ajuda a do minar
gais, entendemos as virtudes que nos inclinam a levar uma vida os nossos desejos e, cm especial. a usar dignamente das coisas que
moral ou boa. ajudando-nos a tratar as pessoas e as coisas com reti agradam aos sentidos. A temperança é necessária especialmente para
dão, quer dizt'.r, de acordo com a vontade de Deus. Possuímos estas moderar o uso dos alimentos e bebidas, para regular o prazer sexual
virtudcs na sua íorma sobrenatural quando estamos cm graça santi na vida de casado. A virtude da temperança não suprime
ficante, pois esta nos dá certa prcdisposiçào. certa facilidade para a :1 atração pelo álcool: por isso. para alguns. a única temperança '.'Cf

sua prática, juntamente com o mérito sobrenatural correspondente dadcira será a abstinência. A temperança não elimina os desejos.
ao seu exercício. Esta facilidac.lc 0 semelhante à que uma crianc;a mas regula-os. Neste caso, tirar obstáculos consistirá principalmenk
adquire, ao chegar a certa idade, para ler e escrever. A criança L'ID evitar as circunstâncias que poderiam despertar desejos que, cm
ainda não possui a técnica da leitura e da escrita, mas o organismo L'Onsciência. não podem ser satisfeitos.
jú está preparado: a faculdade já está ali. Além das quatro virtudes cardeais, existem outras virtudes mn nus.
Só mencionaremos algumas e, se formos sinceros conosco mes mos.
Talvez se compreenda melhor o que acahamos de dizer se exa cada um descobrirá o seu obstáculo pessoal. Temos a piedade filial (e,
minarmos mais em detalhe algumas das virtudes morais. Sabemos por extensão, o patriotismo), que nos leva a honrar. amar e respeitar
que as quatro principais virtudes morais são aquelas a que chama os nossos pais e a pátria. Temos a obediência. que no::i kva a
mos cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança. cumprir a vontade dos superiores como manifcsta\âO da von tade de
Prudência é a faculdade de julgar retamente. Uma pessoa tem Deus. Temos a veracidade. a liberalidade, a paciência, a humildade. a
peramentalmente impulsiva. propensa a ações precipitadas, a juízos castidade. e muitas mais. Mas. em princípio. se formos prudentes, justos.
instantâneos, terá de enfrentar a tarefa de tirar essas barreiras fortes e temperados. essas outras virtudes nos acom panharão
para que a virtude da prudência possa atuar nda efetivamente. É necessariamente, como os filhos pequenos acompanham o pai e a
também evidente que, em qualquer circunstância, o conhecimento e mãe.
a experiência pessoais facilitam o exercício desta virtude. Uma crian ça
possui a virtude da prudência cm germe: por isso, em assuntos relativos O que significa, pois, ter ''espírito cristão"? Não é uma expres
ao mundo dos adultos. nüo se pode esperar dela 4uc faça juízos são fácil de definir. Significa, evidentemente. ler o espírito de Cristo,
prudentes, porque carece de conhecimento e experiência. o que, por sua vez. quer dizer ver o mundo como Cristo o vê; reagir
A segunda virtude cardeal é a justiça, que riperfeiçna a nossa ante as circunstâncias da vida como Cristo reagiria. O genuíno espí-
vontade (como a prud ncia aperfeiçoa a inteligência) e salvaguarda
JOS AS \'JRTl'.llES E Ilü"S DOESPIRITO SA"TO .\S \"IRTl'IJES !ORAIS 109

grande parte pela nossa constituição pessoa]: física. mental e emo os direitos dos nossos semelhantes à vida e à liberdade, à santidade
cional. A graça não faz de um idiota um gênio. nem endireita a,;; do lar, ao bom nome e à honra, aos bens materiais. Um dos obstá
L·nstas do corcunda. nem normalmente transforma um neurútic0 numa culos à justiça que salta ü vista é o preconceito de cor, raça. nacio
pessoa equilibrada. nalidade ou religiüo. que nega ao homem os seus direitos humanos.
Portanto, cada um de nós tem a responsabitidadc de fazer tudo ou dificulta o seu exercício. Outro obstáculo pode ser a mesquinhez
o que estiver ao seu alcance para tirar os obstáculos à açüo d.:i graça. natural, que é um defeito resultante talvez de uma infância cheia de
Não falamos aqui de obstáculos morais. como o pecado ou o egoís mo. privações. É nosso dever tirar estas barreiras. se queremos que a
cuja ação nociva à graça é evidente. Referimo-nos agora ao que virtude sobrenatural da justiça atue com plenitude em nosso interior.
..::
poderíamos chamar obstúculos naturais, como a ignorfrncia. os defeitos do A fortakza, terceira virtude cardeal, lllclina-nos a fazer o bem
caráter e os maus húbitos adquiridos. í:: claro que é um obstáculo à graça apesar das dificuldades. A perfeição da fortaleza revela-se nos már
reduzirmos o nosso panorama intelectual a jornais nu revistas tires. que preferem morrer a pecar. Poucos de nós teremos que en
populares; que a nossa agressividade, se nos conduz fa cilmente à ira, frentar uma decisão que requeira tal grau de heroísmo. Mas a
outro obstáculo à graça; que também silo obstáculo à graça a nossa virtude da fortaleza nf10 poderá atuar. nem mesmo nas pequena-;
moleza e a falta de pontualidade, na medida cm que, por causarem situa½·ões que exijam valor, se não tirarmos as harrci.-;,s kvantadas
inconvenientes aos outros. supõem uma falta de por um conformismo exagerado, pelo desejo de não aparecer. de ser
caridade. ·'da multidào". Estas barreiras são o temor irracional à opinião
Eslas cnn ickra ô s são especialmente oportunas quando se es rúhlica (a que chamamos respeitos humanos). o medo de sermos
tudam as virtudes morais. Por virtudes morais, distintas das teolo criticados, menosprezados ou. pior ainda, ridicularizados.
gais, entendemos as virtudes que nos inclinam a levar uma vida A quarta virtude cardeal é a temperança. que nos ajuda a do minar
moral ou boa, ajudando-nos a tratar as pessoas e as coisas com reti
( ()S nossos desejos e, em especial. a usar dignamente das coisas que
dão, quer dizer. de acordo com a vontade de Deus. Possuímos estas 1, agradam aos sentidos. A temperança é necessária especialmente para
virtll(ks na sua forma sobrenatural quando estamos cm graça santi 1, moderar o uso dos alimentos e bebidas. para regular o prazer sexual na
ficante, pois esta nos dá certa predisposiçào, certa facilidade para a ,11
vida de casado. A virtude da temperança não suprime
:1 atra,;üo pelo álcool: por isso. para alguns. a única temperança ver
sua prática, juntamente com o mérito sobrenatural correspondente
ao seu cxerc1c10. Esta facilidade é semelhante à que uma criarn,;a dadeira será a abstinência. A temperança não elimina os desejos.
adquire, ao chegar a certa idade, para ler e escrever. A criança m:is regula-os. Neste caso, tirar obstáculos consistirá principalment....·
ainda não possui a técnica da leitura e da escrita. mas o orgamsmo L'm evitar as circunstâncias que poderiam despertar desejCls que. cm
jú está preparado: a faculdade já está ali. cClnsciência, não podem ser satisfeitos.
Além das quatro virtudes cardeais, existem outras virtudes mo
Talvez se compreenda melhor o que acabamos de dizer se exa rais. Só mencionaremos algumas e. se formos sinceros conosco mes
minarmos mais em detalhe algumas das virtudes morais. Sabemos mos. cada um descobrirá o seu obstáculo pessoal. Temos a piedade
4ue as quatro principais virtudes morais são aquelas a que chama filial (e, por extensão. o patriotismo), que nos leva a honrar, amar
mos cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança. L' respeitar os nossos pais e a pátria. Temos a obediência. que no
Prudência é a faculdade de julgar retamente. Uma pessoa tem k·va a cumprir a vontade dos superiores como manifestação da von
peramentalmente impulsiva, propensa a ações precipitadas, a juízos tade de Deus. Temos a veracidade. a liberalidade. a paciência. a
instantâneos, terá de enfrentar a tarefa de tirar essas barreiras humildade. a castidade. e muitas mais. Mas. em princípio. se formos
para que a virtude da prudência possa atuar nela efetivamente. É prudentes. justos. fortes e temperados, essas outras virtudes nos acom
também evidente que, em qualquer circunstância. o conhecimento e panharão necessariamente, como os filhos pequenos acompanham o
a experiência pessoais facilitam o exercício desta virtude. Uma crian pai e a mãe.
ça possui a virtude da prudência em germe: por isso. em assuntos
O que significa, pois, ter "espírito cristão"? Não e uma expres
relativos ao mundo dos adultos, não se pode esperar dela que faça
são fácil de definir. Significa, evidentemente, ter o espírito de Cristo.
juízos prudentes, porque carece de conhecimento e cxperit:ncia.
o que, por sua vez. quer dizer ver o mundo como Cristo o vê: reagir
A segunda virtude cardeal é a justiça. que ::iperfeiçoa a nossa
ante as circunstâncias da vida como Cristo reagiria. O genuíno espí-
vontade (como a prudência aperfeiçoa a inteligi:ncia) e salvaguarda
J !O \'i \IHll ]JI..,, 1 ll(l\:-- lHJl<'.'il'IHl'l(J :-,,_\\dl
\S \'fH"ITUES \IOIL\IS 111

rito nist:~: 1 L'lll ncilhum lug:tr L':-,Lc1 mdlHir U'r111x:ndiadu do qul' nas
certo que os padccimt'ntos do tt:mpo presente nC10 sào nada i:m cnm
oito hl'm<t\L'll(urani_;as L'i.llll que frsu<, dL'u início a(, incnmpara\·c].
para(/10 com a glória quc hú de manifestar-se em nós" (Rom 8. 18).
mente bdo St:rrn:10 da :'vlont:111ha.
Portm, por cxcekntc que seja levarmos as nossas i:argas cheios
Dç passagem. JirL'llll).., (jllL' 11 Sçrn1:w dél \lontanha (: um treL·ho
de ànimo e espnança. 1üo Ll é aceitarmos indifcrentcmi.:ntc as injus li\
do Novo TL''ilâl11t'nto que todos 11<.,s dc'.crianws kr r,or inteiro de
·as que se fazem aos outros. Por muito generosos que sejamos em L'JHregar
vez em qu:lllL!o. En- ·,.,1llra•SL' 1:,1.., l·:tpi1uit1s : . ri 7 d() E\:rngcllw
a Deus a nossa feliL·idade terrena, estamos obrigados, por 11m
de S(m M:11cus. L' L'llillL'tll unu \t.'fLbdcira dcstiLl,.::w d1,... l'll'.,Ínamentos
paradoxo divino. a pnimovcr a felicidade dos outros. A injus lÍ\'ª
do Salv !dor
1ün se limita a destruir a felicidade temporal de quem a padec1:: p(..)e
tamhém em paign a felicidade eterna de quem a comete. E isto
:'v1as \(l[lemns ;,.., hc1:hi\L'llllli"it!l\a.., O lllllllL' JL'riva da pala-
0 \crdacle qui:r e trate de uma injustiça econômica 4uc oprime o
Ha lati11:1 .. heatw,··. l[LIL' si,s11ilil·,1 hL"m•a\L·11turaL'.11. f,:li1. L' que é a
.
Palavra ULIL' introdu;: cada l"'s.·m•a\c11turc1nL.·a ikni-;1,e1Hur;1dns os
pobre (o emigranle s..-. m recursos, o carregador, o favelado. süo excm
pios que ocorrem facilmente). como de uma injustiça racial que de
que ll'm i.::-,píritu dL' po!:-r, 1:1.. dit-illl:, Cri hi. ··ptirquc <lck·'.) 0 u reino grada o nosso prfrximo ( o que é que você pensa dos negros e da
dos céu "- L\ld blTil•<l\-L';11tl!'an,.; 1. :1 rrirncira das oilo. kmbra•nos segregação?), ou de uma injustiça moral que afoga a ação da graça
que o c ·u 0 rara ()', humi!Lk':i. ·1 l'lll e:,pírito ck pohraa m, que (perturba-o ver L'Crlas publicações na biblioteca do amigo?). Deve
11u1Ka es;qt:L'C\..'111 qu,· t11d11 (\ li!'-..: : ··p e pl1:,,..:11.::rn !h...·. s Vt:111 de Deus
mos ter zelo pda justh;a. quer se trate da justiça no relacionamento
Sejam tak11to:,. :,;iúck. bcn:, 11u lillh1:,. llélCÜl. ab olutarnt'nte nada. têm com os demais. quer da justiça mais elevada com Deus. tanto nossa
como rn'iprio. Pnr c :,a pt1h1\:icl cm L':irírito. pd 1 \oluntaricclack como dos nutrns. São essas algumas das implicações da quarta
com que se di:,pliun a cnLrL· :1r ,: Deu qu,:!quL·r de -...:us dons que hcm-avt'nturança: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de
Ele decida levar. a prt·)rria ad\'\:r:,it!:tdc. :,i.: \ i..:r. L·bma :1 Deus e justiça, porque scrüo saciados'', saciados no céu, nunca aqui na terra.
obtém-lhes gra\as e mérito. L um;i gar,nuia de Lllll.' Deus. a quem '·Bcm-ave11turadns os misericordiosos", continua Cristo, "porque a\
apreciam acima de tnda:, a:-. ulÍ'.,:ts. snú a sua 1ü.:on1p..:11sa pcrtne. cançar:10 misniu)rdia''. É tflo difícil perdoar a quem nos ofende.
Dizem com .lt'i: "O Sl·nhl,r (kll. o Sc11lwr tiniu. hcndito SL'ja o nnme t(to duro au1l\1cr cum paciência o fraco, o ignorante e o antipático!
do Senhnr)·• ( I ..::! 1) Mas aqui estú a própria essência do espírito cristão. Não poderá
_.:,.._Jcs 1s -,uhlinh,1 c:--t...• l·1isi1,,u11...·11l11 rq).._·1i11Lh1 ,1 llh.:..,1na co:1:-,idera haver perdão para quem 11:10 perdoa. ---
,,/10 na sçgund:i L' 11:1 tcrL·i.:ir:1 h·..·.111-<.1\L'llllir<rn1.;·a:-;. '·Bem-a\·c11turados os "Bem-avL'nturados os puros de coraç 10. porque verão a Deus".
mansos". cli? Ele. porqu...: pu ,sll!r(t(l a t..."rra A tcrr:1 a que J,.:.--,us A sexta hem<Ivl·nturança nflo se refere principalmente à castidadr
se refere 1 . L'\ i k1:km.:i1k, uma sing::la imagem po 1ica para de:,igna, L·omo muitos p..·.. !lsarn. mas ao esquecimento próprio. à necessidade
o céu. E isto 0 a:,sim cm todas as b.:m-avcnturanÇEs: cm cada um;1 de ver tudo do ponto de vista de Deus, e não do nosso. Quer
delas se promete o L.l:ll :,oh uma linguagem figura _iva.'j_Os "mansos" dizer unidade de fins: primeiro Deus. sem hipocrisias nem equilíbrios.
de que Jesus fala 11a s,:gL11'.L!n bcm-a\· ·nturani.;a 11 10 s;lo os L'aractcres "Bem•J\·enturados os pacíficos, porque serão chamados filhos de
pusilânimes. sem nervo nem sangue. que o mundo designa com essa Deus". Ao ouvir estas palavras de Cristo, tenho que perguntar a
palavra. Os verdadeiros mansos nüo s:to de maneira nenhuma per mim mesmo se sou foco de paz e harmonia no meu lar. centro de
sonalidades fracas. É neccssúria uma grande fortaleza interior para hna vontndc·-na minha com11111dade, mediador·-oe··dísCórdTas no meu
aceitar dccep(,/1cs. reveses, inclusive desastn.·.s, e manter em todo o trahal!w. r: caminho direto para o céu.
momento o olhar fi\o cm Deus e a espi:rança incólume. ''BcnHwenturndo-; os que sofrem perscguiçfto pela justiça. por
'·Bm-avcnturados os que clwram". continua Jesus na terceira que deks 0 o rein() dos céus''. E. L'Ol11 a oitava bem-aventurança.
bem-avcnturnnça. "porque serào cnnsolados".
d11as bem-aventuranças anteriores. irnprcssiona•nos a infinita compai
De novo. como nas
.. b;-:iixarno:-. ,1 LahL-ça. t.'llvergonhados pda pouca generosidade com que
l'Hfrt'lltarnu.., os insignificantes sacrifícios que a nossa religião nos exi
xflo de Jesus para com os pobres. os infelizes, os aflitos e os atribu• ge. cm uinipara(./to l..'l)lll llS das alma torturadas dos nossos irmãos
lados. Os que sabem ver na dor a justa sorte da humanidade peca pt,1 trús da cortina de i'L-1 w L' da cortina de hamhu.
dora, e sabem aceitú-la sem rebeliões nem queixas, unidos à própria
cruz de Cristo, encontram um lugar de prcdileçã(, na mente e no
coração de Jesus. São 0s q11e dizem com São Paulo: "Tenho por
O ESPIRITO SANTO E A IGREJA 113

d,, CAPÍTULO XI como conheciz a nossa necessidade de uma segurança visível. prefe
riu canalizar as. suas graças através de símholos sensíveis. lnstituiu
A IGRE,JA CATÓLICA os sacramentos para que pudéssemos saber quando. como e que
e:,,pééie de graça recebemos. E uns sacramentos visíveis necessitam
de um agente visível no mundo, que os guarde e distribua. Este
agente visível é a Igreja instituída por Jesus Cristo.

A necessidade de uma Igreja não se limita, evidentemente, à


guarda dos sacramentos. Ninguém pode querer os sacramentos se
não os conhece. Como ninguém pode crer em Cristo se antes não
lhe falaram dEle. Para que a vida e a morte de Cristo não sejam
em vão, tem que existir uma voz viva no mundo que transmita os
cosinamentos de Cristo através dos séculos. Deve haver uma voz au
dível, deve haver um porta.voz visível, em quem todos os homens
,', O ESPIRITO SANTO E A IGREJA dt.: boa vontade possam reconhecer a autoridade. Consequentemente.
'
Jesus fundou a sua lgrt"ja nüo só para santificar a humanidade por
Quando o sacerdote instrui um possível converso, geralmente meio dos s.icramcntos, mas, antes de tudo, para ensinar aos homens
nas primeiras etapas de suas explicações, ensina-lhe o significado do ;i-, verdades que Jesus Cristo ensinou, as verdades necessárias à sal

perfeito amor a Deus. Explica-lhe o que quer dizer fazer um ato \';J\;1o. Basta um momento de reflexão para nos darmos conta de
de contrição perfeita. Ainda que esse converso deva esperar vários que, se Jesus não tivesse fundado uma Igreja, até mesmo o nome
1 meses até receber o Batismo, não há razão para que viva esse tempo de Jesus Cristo nos seria hoje desconhecido.
em pecado. Um ato de perfeito amor a Deus - que inclui o desejo
de batizar-se - purifica-lhe a alma antes do Batismo. Porém, não nos bast.a ter à nossa disposiçüo a graça dos sacra
O possível converso, naturalmente, alegra-se de sabê-lo, e eu mentos visíveis da Igreja visível. Não nos basta ter a verdade pro
eslou certo de ter derramado a água batismal na cabeça de muitos clamada pela voz viva da Igreja docente. Precisamos também saber
adultos que já possuíam o estado de graça santificante. Por haverem (l que devemos fazer por Deus; precisamos de um guia cguro que
feito um ato de perfeito amor a Deus, tinham recebido o batismo nos indique o caminho que devemos seguir de acordo com a ver
de desejo. E, não obstante, em todos e em cada um dos casos, o dade que conhecemos e as graças que recebemos. Da mesma ma
converso manifestou uma grande alegria e alívio ao receber o sacra neira que seria inútil para os cidadãos de um país ter uma Consti
mento, porque até esse momento não podia ter certeza de que seus tuiçã0, se não houvesse um governo para interpretá-la e fazê-la ob servar
pecados tivessem sido perdoados. Por muito que nos esforcemos por mediante uma legislação adequada, o conjunto da Revelação cristã
fazer um ato perfeito de amor a Deus, nunca poderemos estar certos precisa de ser interpretada de modo apropriado. Como fazer-se membro
de tê-lo conseguido. Mas quando a água salvífica lhe é derramada da Igreja e c0mo permanecer nela? Quem pode receber este ou
sobre a cabeça, o neófito passa a ter a certeza de que Deus veio aquele sacramento. quando e como? Quando a Jgreja pro mulga suas
a ele. leis, responde i::I pergunta'.', como as a:iteriores, cumprindo
São Paulo diz-nos que ninguém, nem sequer o melhor de nós, .-;nb Cristo o seu terceiro dever. além dos de ensirrnr e santificar:
pode ter certeza absoluta de estar em estado de graça santificante. :.:o rernar. _-----------------------..
Mas tudo o que pedimos é certeza moral, o tipo de certeza que
temos quando somos batizados ou quando recebemos a absolvição Conhecemos a definiçüo de Jgn:ji::I: é "a congregação de todos /
no sacramento da Penitência. A paz da a]ma, a gozosa confiança os batizados, unidos na mesma fé verdadeira, nu mesmo sacrifício
que esta certeza proporciona, é uma das razões pelas quais Jesus c nos mesm0s sacramentos. sob a autoridade do Sumo Pontífice e
Cristo instituiu uma Igreja visível. As graças que Ele nos adquiriu dos bispos cm comunhão com ele". Y.. Uma ressoa torna-st' membro
no Calvário, podia tê-las aplicado a c.:ada alma diretamente e invi da Igreja ao rcceher o sacramento ú()'. Batismo. e cnntinua a sê-lo
sivelmente, sem recorrer a sinais externos ou cerimônias. No entanto, L'rn-Juanto dela não se st:f)3íaff)di cis111a tmgaçao ()U contestação da
1 i 1
lCHE_I.\ C-\TOU( \
O FSJ'iHJ"l O .'I \ YI () E \ ICHEJ -\ 1 [.'j

:1utor1dad1.: p,1pal). por hen..:.'.ia (negw.,.-;l\1 de u111a \lll mais \LTJacks


:1 Outra missft<i Jc Jesus. ao for!llar o Corpo da sua Igreja. foi
dc f proclamadas pela Igreja). ou por excomunh;to (exdusfw da
1,gTL'ja por CL'rlPs pecadns graves nüo contritos). !\-1as mesmo c.-.tas a ck prn\'L'f uma auluriJaJc para o :-.eu Reino na terra. Atribuiu
pL·ssnas. se foram batizadas validam('.11k. puman;::c('.m basicamenk esta tarda ,10 Apl·1:-.tolo Sinüo, filho de Joüo. e. ao fazê-lo. impôs-lhe
um nnme /l(l\l), Pedro. que quc.r dizer pedra. A promessa foi esta:
.'.t'1dito ela [grc-ja. e estio obrigadas a cumprir as suas kis. a !Ü() ser
qt1c d'--'las sejam dispensadas cspccificarncntc. "Bem-a\ enturado tu, Sim.J.o, filho clç JoCw E Eu te digo que tu
L':-. I\.·dro. e solm.: cst.1 pedra edificarei a minha Igreja, e as portas
Ao diLer tudo istn. \'C--sc hi...·m l.Jlll' n w,icleranws ,1 Igreja ck
1
do inferno 11:10 pre\·alcccrC10 contra ela. Eu te darei as chaves do
uni ponto de vista ;-:ipc11:1s l'Àtcrno. As:,im cnmo um homl'm é mais
reino dos ci..'.·us'' (Mt 16.17.18-19). E Jesus cumpriu essa promessa
do qu-._' o S1.'U cPrpo fískn. assim a lgrl'ja é infinitan1i.._·nk nrnis do que
depois ele ressusi...·itar. segundo lemos no capítulo 21 do Evangelho
a lll-._Ta urg,111i/a,J:n C.\ll.'riur \'isin:l. O qtlL' torna u homi...'lll t1m su
de S:to Jn:lt). J\p(ís conseguir de Pedro uma tríplice manifestação
hum,rno é a lma. E l· a alma da I rçja t) que a torna. além de
ck amor ("Sim 10. filho de Joüo. amas-me?"), fez de Pedro o pastor
uma or:;:111iz:t,Jto. um o/'':./Ulli.\1nn 1·il'r:. A•,.-,im cnmo a lrnhiUtt,':1o das
três PL'Ssoas divinas clá ;l alma a vicia sobrenatural a que chamamos
Jl supremo do seu rdn111ho. "Apascenta os meus cordeiros", disse-lhe
.li.:sus. ·'apascenta a'.-. minhas ovelhas''. Todo o rebanho de Cristo -
:,,., grn ·a santific;1nlt'. assim a hahitaL;:°il) cb Santíssima Trindade dú à
Jgreja a sua \·id;1 im:v.tinguívcl. a s11,1 l)cfL'IJC \·it,1lidJdc. .ht quea o\'c!has e L·nrdciros: hispos. sacerdotes e fiéis - foi posto sob a
jurisdi';-·;'10 de Pedro e de seus sucessores, porque. é evidente, Jesus
t,rn...'fa de s i111ifknr-1ws (í.JLIC é própria (i() /\nwr divino) se atrih11i
iüo \'L'in ü tem:i para salvar só as almas contemporâneas dos Após
no Espírill) S;:i_nto por apropriaç;to. é Ek quem nós cksignanws por
tolus. .1-.:--,u."> \ l'io par,1 .'-alvar todas as almas. enquanto houver almas
al/Jlt/ da l !l'L'_ja. dL'S!J Igreja cuju C'aheça é Cristo.
I' que s,11\·ar.

\ Deus !lh1ck!ou 1\lDo do ba1-ro da terra. e ckpuis. segundo a


hl'l:t imagem hÍti!i,..:a, insuflou uma alma nc sc corpo. e Adão se
1.:onvL'rtcu ci11 .u vi\·o. Deus criou a Igreja de uma nrnnt?ira muito
O lrípliLL' lk\'LT (L' po(kr) dl)S Ap()stolos - ensinar, santificar
e g()\enwr - foi por eles transmitido ,1 outros homens, a quem,
pelo s;icr:irlll·nto da Ordem. ordenariam e consagrariam para conti
.')t't11clhantc. Primeiro desenhou o Corpo ela lgrcja na Pessoa de Jesus nuarem a sua rnissftn. Os bispos atuais süo succs orcs dos Após
Cristo. Esta uirda estendeu-se por trl'.s anos, desde o primeiro mi tolos. Cada 11111 cldes recebeu o seu poder episcopal de Cristo, por
1
meio dos Apóstolos. cm continuidade ininterrupta. E o poder su

l
1
lagre público de Jesus. em Caná, até à sua ascensão ao céu. Durante
esse tempo, k!,llS cscolhi..".u cus doze Apóstolos, destinados a serem premo de Pedro. a quem Cristo constituiu cabeça de tudo, reside
os primeiros hispns da sua Igreja. Por três anos os instruiu e os hoje no bispo dc Roma, a quem chamamos com amor o Santo
treinou nos S;.'. us deveres. na missf10 de cstabekcer o reino de Deus. Padre. hto assim porque, pelos desígnios da Providência, Pedro
Nc.'sse ITIL·smo pl'ríodo de tempo. desenhou também os sete canais. foi a Roma e lú morreu como primeiro bispo da cidade. Conse-
os sete sacramentos. pelos quais fluiriam Its almas dos homens as 4uc11temente. quem for bi8po de Roma será automaticamente o su
graças que Ele ganharia na cruz. li ccssor dç Pedro e. portanto. possui o especial poder de Pedro de
ensinar e go\'ernar toda a Igreja.
Ao mesmo kmpo, Jesus confiou aos Apóstolos uma tríplice
missão, que é a trípliL'C miss:t0 ela Igreja. Ensinar: "Ide, poi:.;, c11si11J1
a todos os povos. . ensinando-os a observar tudo ql1anto cu vo.s
í,1 Fstc é. pois. o Corpo da Igreja de Cristo, tal corno Ele a criou:
n:'ln uma mera irmandade invisível ele homens unidos pelos laços da
mandd'' ( Mt 28.19-20). San lifi,.:ar: ··Batinrndo-as em nome Jo Pai.
do Filho e do Espírito Santo·· (Mt 2.S.Jt)): "Isto é o nh'u corpo li graça. mas uma soci(!dadt' risírd de homens subordinada a uma ca
hci,;a inH'Stida cm autoridade e governo. É o que chamamos uma

t
fazei isto em rm:mória Je n1im" (I.,. · 22.!1J): ":\.qu.·..:1-.:s a quem per sociedade hierúrquica, com as sólidas e admiráveis proporções de
doarcks os J"Jl.'L'.1dos. SL'r-lhi...·s<in pi...Tdn,:dt)s: a qtk'lll os retiverdes. sc un1;1 pir:1micle. No cume o Papa, com suprema autoridade espiritual.
rfio retidos'' (lo 20. 2J). E gnvi...·nwr cm seu nome: •;se se recusar Irnedic1ta1l\L'nt-: ahai,\t), formando com o Papa o Colégio Episcopal,
a ouvi-los. di,e-o ú lgrc_ia. e sc se I\'L'll'-i:tr a ouvir também a Igreja. do qual o Sumo Pontífice é a cahcça, os outros bispos, cuja juris
seja ele para ti u)rnti um pc1g:10 Pt1 11111 ruhlica110 Tudo o que Uiç:10. cada um na rc.<.;pectiva diocese, procede de sua união com
ligardes sobre .1 krD. :-.l·rá ligadl, llt! L"l'.ll. e Ilido o que dcsligarcks u sUL'L'Ssor ele PcJrn. !Vlais abaixo, os sacerdotes que, como coopera
sohrL· <.t tl'11.1. ..,,-1:i i;t1nhl·m clc·-.lig,1ck, 110 céu'· (\,1\ IS.17 1S;: "Quem dore"' dns hispP\. L'lll virtude do sacramt.·nto da Ordem, são consa
1
\( S ot1\L'. ;1 1ni111 \lll\l'. l' q11 -rn \(1:s. 1c_Í'-'ita. a 111rn1 r-._'icit,1" (l l- !O.Ih).
:-:-radns r,na [líL'gar n 1:_\ angelho. apascentar os fiéis e celebrar o
116 A l(;RE).'. CATóLJCA '.WlS SO IOS A [GREJ.\ ]17

culto divino. Finalmente. está a ampla hase do povo de Deus, as tium'' do Concílio Vaticano II. que ensina que "a Igreja é consti
almas; de todos os hatizados. para quem os outrns existem. tuída e organizada neste mundo como uma sociedade". E como tal
Este é o Corpo da Igreja tal como Je us o constituiu cm seus L' a sodcd'""'adc jurídica mais perfeita que xiste. pois tem o mais no
tn: anos de vida púhlica. Como o corpo de Ad5o, jazia à espera hrc dos fins: a santificaçüo de seus membros para a glória de Deus.
Ja alma. E ta alma havia sido prometida por Jesus quando disse
aos st.:us Apóstolos antes da Ascensão: ''Recebereis o poder do Espí !\,fasa Ign:ja~_ mui!_u _.9_1.! - UI l<! g_ g !}i ?\ã? j!-!_rLc.l_Lç . É o
rito Santo. que virá sobre vós. e serei minhas kskmunhas em Jcru 3! pr_l',pri_o _ Ç _iJ,, 1 _ d _Çr_i _to. um corpo lãa especial,. que - deve ter
ém, cm t0da a Judéia, na Samaria e até os confins da terra" (At um
1,8). Conhecemos bem a história do Domingo de Pentecostes, décimo ,()me }jlt\.:iaL_Q_ Corp.Q_ _Mi Uc_l) _de Cristo. Cristo _é ª-- _ç 9eça c:!9
dia da Ascensão e quinquagésimo da Páscoa (Pentecostes ig:nifica ·ccli-Jjl-l; cada batizado é 11ma parte Yi l.a.. J.l.Dl.J!l.f17?br_Q º _s_s _.ÇQ_fQP. , _
"quinquagr.'·simo"): "Apareceram-lhes repartidas umas como língu3s <lc cuja alma é o Espírito Santo
fogo. que pousaram sohrc cada um deles (dos Apóstolos), ficando todos Trata-se de um mistério oculto, que durante este exílio terreno
cheios do Espírito Santo" (At 2.34). E, nesse mo mento. o corpo tão só podemos enxergar obscuramente. Mas procuremos fazê-lo, ainda
maravilhosamenlc desenhado por Jesus durante três pacientes anos que seja a meia luz. Sabemos que o nosso corpo físico é composto
aflorou subitamente à vida. O Corpo Vivo se levanta e começa a sua de milhões de células individuais, todas trabalhando conjuntamente
expansão. Nasceu a Igreja de Cristo. para o bem de todo o corpo, sob a direção da cabeça. As difercn
les partes do corpc, nüo se ocupam em fins próprios e privados. Os
olhos, os ouvidos e os demais sentidos captam conhecimentos para
Nos SOMOS A IGREJA utilidade de todo o corpo. Os pés levam o corpo inteiro para onde
ele queira ir. As mãos levam o alimento à hoca, o intestino absorve
O que é um ser humano? Poderíamos dizer que é um animal
que anda ereto sobre as suas extremidades posteriores, e pode ra ciocinar l a nutrição necessária a todo o corpo. O coração e os pulmões en
viam sangue e oxigênio a todas as partes da anatomia. Todos vivem
e falar. A nossa definição seria correta, mas núo completa. Dir-nos-ia e atuam para todos.
apenas o que é o homem visto de fora, mas omitiria a sua parte E a alma dá vida e unidade a todas as diferentes partes, a cada
mais maravilhosa: o fato de possuir uma alma espiritual e imortal. uma das células individuais. Quando o aparelho digestivo transforma
O que é a Igreja? Também poderíamos responder dando uma o alimento em substância corporal, as novas células não se agregam
,_"Ísã,1 ex_ten'-ª_Qll r_eja. Poderíamos defini-Jª (e, de fato, frequente ao corpo de forma eventual, como o esparadrapo à pele. As novas
mente o fazemos) co1110 a sociedade dos batizados, unidos na mesma células tornam-se parte do corpo vivo, porque a alma se torna pre
fé verdade1ra, sob- a autoridade do Papa, sucessor de São Pedro. sente nelas, .do mesmo modo que no resto do corpo.
Mas, ao descrevê-la nestes termos. enquanto organização hierár Apliquemos agora esta analogia ao Corpo Místico de Cristo.
quica composta pelo Papa. bispos, sacerdotes e leigos. devemos ter Quando somos batizados, o Espírito Santo toma posse de nós, de
presente que estamos descrevendo o que se chama a Igreja jurÍdica. maneira muito semelhante àquela com que a nossa alma toma posse
Quer dizer, encaramos a Igreja c0mo uma or,?anizariio, como uma das células que se vão formando no corpo. Este mesmo Espírito
sociedade púhlica cujos membros e dirigentes estão ligados entre si Santo é por sua vez o Espírito de Cristo, que "se .:ompraz em morar
por laços de uniüo visíveis e legais. De certo modo. é algo semelhante na amada alma do nosso Redentor como em seu santuário mais
à maneira como os cidadàos de uma nação estão unidos entre si por estimado; este Espírito que Cristo nos mereceu na cruz, pelo derra
laços de cidadania, visíveis e legais. Os Estados Unidos da América, mamento do seu sangue. Porém, após a glorificação de Cristo na
por exemplo, são uma sociedade jurídica. cruz, seu espírito derrama-se superabundantemente sobre a Igreja,
Je us Cristo, evidentemente, estabeleceu a sua Jgrcja como uma de modo que ela e seus membros individuais possam tornar-se dia
sociedade jurídica. Para cumprir a sua missão de ensinar. santificar a dia mais semelhantes ao seu Salvador". Pelo Batismo, o Espírito
e reger os hõmcns, a Igreja devia ter uma organização visível. O de Cristo torna-se também o nosso Espírito. "A Alma da Alma" de
Papa Pio XII, na sua encíclica sobre "O Corpo Místico de Cristo",
apontou-nos esse fato. E o mesmo fez a constituição "( .umen Gen- '' Cristo torna-se também Alma da nossa alma.
Assim é, pois, a Igreja vista por "dentro". É uma sociedade
jurídica, sim, com uma organização visível dada pelo próprio Cristo.
Mas é muito mais, é um on anismo \ ji,o. nm Corpo que vive. cuja
1
f l l8 \ lt:Hl·:J.\ C.\H>I.\C \
\. ( ,-., '-,t l\ 1 < J-., \ l< , H I i 11'1

Cabeça é Cristo, cujos membros omos nús. os batizadns, e cuja k llS JlhHTCll Pd,1 ]l()','<l <-."illldii.,,·.t(l de lll(!llhtil'-, dll c·il!"[lll _ M_bliu1
alma é o Espírito Santo. É um Corpo vivo de que podemos separar de po;.~-1; 1nici11:trllll' ,h1 --"l'II :,;i,·,•rtk11..·in Lkl'l-10. 111 -,-C l1 s-·
Cri-.,(ll ,·
-nos por heresia, cisma ou cxcomunhf10. do mesmo modo que um (l zdl1 di.' tr,1halhar ali\ amc11k c(1m Cristn ll<I sua nhra de r-_::di.:n1.J1l1.
dedo é extirpado pelo bisturi do cirurgüo. É um Corpo cm que o Para s,_:r11h1s fiéis i1 1ws...a ,nca,/1n dt.: baliD1Ú(1s. de1·1•111os Sl'lltir zelo
pecado mortal - comn um torniqui..'.te aplicado a um dedo - pode pelas :d mas. TtH.h1s e L·ada um d..:: n,·1.._, Je\ 1..'llllls s1..'r '-'1't'is\l1h1s e_
interromper temporariamente o fluxo vital. ak que seja retirado pelo se Luemos parle dn !aiL·atn, de,·cnllis :-.er ap,'1:-.tn!t1s leigos.
arrependimento. É um Corpo em que cada membro se beneficia de 1:::-.tas du:1:-, pabHas \L'm dn fcg\l_-- 'css;1 lín u 1. ai1listl1lo"
cada Missa que se celebra, de cada oraçüo que se oferece, de cada :-.ig11ifica "emiado". ():-, cinze lh1rncns (]l!i..' Jesus en\Ínu au mundo
boa obra que se faz por cada um dos outros membros, em qualquer para cstabekccr a Sll3 Igreja chamam-se ilS Dnze ;\p(ístolos. assim,
lugar do mundo. É o Corpo Místico de Cristo. com maií1scul.i.s. Mas nüo ha\ iam de ser llS úni..:os ajl< stolns. Na
Sociedade e Corpo Místico são, porém, uma só realidade, como pia batisrnal. Jesw; nos Cll\·ia. a cada um, a conlinu3r _ll gue os
explica a "Lumen Gentium": "A Sl>ciedade prcrvida de órgãos hie ilZe Apóstolos 1111c1aro.n1. N('1s-lamhJm somos apóstolos. com "a
rárquicos e o Corpo Místico de Cristo, a assemhkia visível e a co 111inusculo. ·--------------------- •• -
munidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja enriquecida de bens ----AJÍ 1-íavra "kigo'' tamb m prmém do grL·go, e significa simpks
celestes, não devem ser consideradas duas coisas. mas formam uma n1enle •·po\'(-i''. Sabemos que na Igreja hú três amplas categorias de
só realidade complexa em que se fundem o elemento divino e o munhrns: os cláigos, termo que abrange os bispo,._, os sacercloks e
humano". ns diúconos: os religiosos, honl'..:n:i e mulheres que vivem viUa comum
A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. Eu sou nKmbrü L' fazun voto de pobreza. castiU.:!cle • '-' obccliência: e finalmcnk os
leigos, (1s cristüos comuns. Este termo compreende todos os bati
desse Corpo. Que representa isto para
zados que n,lo sejam clérigos nem religiosos.
mim? Sei que no corpo humano cada parte tem uma função a
Juntas, as três categorias de n1embrns eompl)Clll o Corpo Mís
realizar: os olhos, ver; o ouvido, ouvir; a mão, apanhar; o coração,
ticu de Cristo. Nüo apc1rns ns clérigos. 111,:m os clérigos com os
impulsionar o sangue. Há no Corpo Místico de
rl..'ligiosos, m::is os clérigns, os religinsu e os kigns, todos unidos
Cristo uma função que me está designada? Todos sabe mos que a
num Corpo, num só Povo de Deus, constituem a Igreja de Cristo.
resposta a essa pergunta é sim. Sabemos também que há Nesse Corpo, cada categoria tem a sua função prúpria. Mas todo
três sacramentos pelos quais Cristo nos marca os nossos deveres. 1cm cm comum, independentemente da categoria a que pertençam, o
Primeiro, o sacramento do Batismo, pelo qual nos tornamos chamado para serem ap{)stolos. cada um segundo o seu estado, cha
membros do Corpo Místico de Cristo. Dissemos que pelo Batismo mado que receberam no Batismo.
somos incorporados em Cristo. Esta palavra "'incorporado" deriva do
latim "corpus" e significa "feito parte do corpo". O alimento é in Jesus compartilha conosco o seu sacerdócio eterno pelo Batismo
corporado quando se converte em células vivas e se torna parte do '--. <l1..· forma m:1is completa. p,,:,Ja Confirma\·ão. No Batismo, com p:irti\
nosso corpo. É isto, analogamente, o que nos ocorre quando !Sumos h:1 a sua funç:to de adoraÇ10 da TrindGck i..:, na Cnnfirmação. a
batizados; somos incorporados em Cristo. fum/io --profl'.lica", a funçüo docente. Assim c<1mo no Batismo ft1mos
Ao unir-nos a Ele com essa intimidade, Jesus compartilha co nosco, marcaJos com um .elo i11dckvcl como membros do Corpo dL'
na medida das limitações humanas, tudo quanto é e tudo tudo ( 'ri-;to e panícipcs do si.:u saccrck,cio. na Confirmação s<imos mar cados
quanto tem. Especialmente, faz-nos participar do seu sacerdó cio de novo com o scln indelével de canais da verdade divina.
eterno. Compartilhamos com Ele a tremenda tarda de oferecer à /\gora temos direito a qúalquer graça <lc 4ue pnssaml S carecer para
Santíssima Trindade um culto adequado. O cristão batizado. quan do :-...:r forte:-, na fl', e a quaisquer luzes Jc que nccessitcnins para tornar
exerce conscientemente o sacerdócio comum que compartilha com :1 nnssa ft: inteligível aos (llJtrns. sempre partindo da base, é claro.
Cristo, participa da Missa de uma maneira que uma pessoa n5.o bati de que fazemos o que eslú ao nosso alcance para aprender as Vl!r
zada jamais poderá alcançar. dadcs da fl'. -e nos deixamos guiar pela autoridade docente Ja Igreja,
Mas, além da Missa, adoramos a Deus de outras maneiras: que reside no Papa e nos bispns. Uma vez confirmados. temos L'0ITI0
pela oraçüo, pelo sacrifício e pela prática das virtudes da fé, da .jttC uma dupla rcsponsahilidadc de ser apó lolos e uma dupla fonte
esperança e da caridade, especialmente da caridade. Caridade signi fica de gra"l·a e fortaleza para cumprir esse dever.
amor a Deus e amor às almas que Deus criou e pelas q;ais
120 .\ IGREJA CATúL!CA

Finalmente, o terceiro dos sacramentos que faz1.;m participar do CAPÍTULO XII


sacerdócio i a Ordem. Desta \'ez, Cristo compartilha píename,11e
o seu saccrdlK'io: compktamern,, nos bispos e l;'m grau subordinado
nos sa<.:erdotes. No sacramento da Ordem, não há apenas uma cha A::S _:._oT'.\S E o,.; _\TH!Bl'TO::S DA lGHEJA
mada, não há apenas uma gra a, mas, além disso, um puder. O sa
cerdote recebe o poder de consagrar e perdoar, de santificar e aben
çoar. O bispo, além disso, rcccb o poder de ordenar outros bispos
e sacerdotes, e a jurisdição de governar as almas e de definir as
verdades de fé. Este poder de definir verdades de fé reside no Colé
gio Episcopal - todos os hispos do mundo juntos - quando, em
união com o Papa, exerce o sell supremo magistério.
1 Mas todos somos chamados a ser apústulos. Toâos recebemos
a missão de ajudar o Corpo Místico de Cristo a crescer e a manter-st:
1
,,, são. Cristo espera 4ue cada um de nós contribua para a salvação do
' mundo, da pequena parcela do mundo em que vivemos: nosso lar,
nosso ambiente de.:: trabalho e de lazer, nossas relações sociais, etc. ONDE A ENCONTRAMOS?
Espera que, por meio de nossas vidas, O tornemos visível àqueles com
quem trabalhamos e nos distraímos. Espera que sintamos um pleno "Não é produto genuíno se não traz esta marca". Encontramos
sentido de responsabilidade para com as almas dos que nos cercam, com frequência este lema nos anúncios dos produtos. Talvez não
que nos penalizem os seus pecados, que nos preocupe a sua incredu acreditemos em toda a tagarelice sobre os "produtos de qualidade"
lidade. Cristo espera de cada um de nós que participemos, cada e "os entendidos o recomendam", mas, quando vão fazer compras
um de acordo com a sua vocação, da única missão salvadora da muitos insistem em que lhes sirvam determinada marca, e quase nin
Igreja. Diz o Concílio Vaticano II que "é específico dos leigos, por guém compra um artigo de pra ta sem lhe dar a volta para verificar
sua própria vocação, procurar o Reino de Deus exercendo funções se traz o contraste que garante que é prata de 1ei, e muito poucos
temporais e ordenando-as Sl' wndo Deus". E acrescenta que é nas compram um anel sem antes olhar a marca dos quilates.
condições ordinárias da vida familiar e social que devem contribuir, Sendo a sabedoria de Cristo a própria sabedoria de Deus, era de
1 modo de fermento, para a santificação do mundo. esperar que, ao estabelecer a sua Igreja, tivesse Ele previsto alguns
Há, além disso, a possihilidade de inscrever-nos em associações meio:, para reconhecê-la, não menos inteligentes que os dos moder
de natureza apostólica que tenham uma clara fi11alidade de santifi nos comerciantes; umas "marcas" para que todos os homens de boa
caçüo pessoal e alheia, sem deixarmos por isso de ser leigos. vontade pudessem n:conhccê-la facilmente. Era de esperar que o fi
zesse. espcciaimcntc knd,1 cm emita que Jesus fundou a sua Igreja
à custa da sua p1\\pria Yid:1. Jesus nüo nwrn:u na cruz por gosto.
Não deixou aos homens :1 csculha cte pcrk'.11ccr ou nfü.1 à Igreja, se
gundo as suas prcf.:rê111.:ias. A sua Igreja é a Porta do Céu, pela
qual todos (ao menos c1.)J11 um dc l·jn implícito) devem entrar.
Ao constituir a Igreja l..'.omo pré-requisito para a nossa felicidade
eterna, o Senhor n.:ío deixou de estampar nela, claramente, a sua
marca, o sinal da sua origem divina, e tão à vista que não pudésse
mos deixar de recorihccê-la no meio da miscelânea de mil seitas.
confissões e religil~,cs do mundo atual. Podemos dizer que a "marca"
da Igreja é um quadradv, e que o próprio Jesus Cristo nos disse que
devíamos olhar para cada lado dBsse quadrado.
Primeiro. a unidade. "Tenho ainda outras ovelhas que não são
deste aprisl·o. e é preciso que eu as traga, e ouvirão a minha voz,
1 ,).) .\-.; '\tlT.-\S F (JS \ 1 HIH l'o:-. !) \ ICRLJ \ tJ'.IH-: \ 1/'.CO's.lH\\l(J.-., 12,;

ç ha\'aá um t·1 l"i..·. banho e am s,) past 1r (Jo 10,lú).


E tamhl·rn: «lgu0m lht: cxplica cuidadosamente 1ior ,111c c•,tÚ l'11ga11adn. L' p1o\ ú
"Pai s;:into. g11arc\J cm h.u nome estes qu1.' me deste. a fim de que \ Cl qut: \·ocC: e mostre mais e m:1is nbstinado. Tah,.? nt:m SL'lllprc
sçjam um como nós"' (Jo 17.11).
suceda isso consigo. ou talv...:z \'(XC: seja muitn sa11tl1 e nunl·a tcnha
Depois. a sa111idadc. '·Santific:H)S na vcrda[k s rntifico-me essa rcaç;""to. Mas. em geral. 1ll\ . o:-, homl'llS. wmr,s; ;is..,im. Pnr
por cks. para que também eks sejam s:111tifiL·adns na \·erdadc" (]o L"•,'•,c motivo. raras ve;c é bnm disn1tir snhrL' rl·li,!2.i,-i,,. T,,Lk1s de\·c
17.17-19). Esta foi a nraçi"'1,1 du SL·nlwr JKb sua Igr..:ja. e S:to Paulo mos estar disposws a l'_\pt1r a iws-,a r,_;ligi:to l'lll qualquer Ol',l:'ii:°iu;
nos reenrda 4uc Jesus Cristo "se cntreg,,u pnr 11(·1s para resgatar-nos mas nunca a di cutir sobre da. No rnoll1l'llto cm que di"':-,ernlt)S ,1
de toda iniquidade e purificar para :'ii um pnH' accitÚ\'L'L zeloso pelas ,ilguém: '·Sua rcligi:1u é falsa e cu lhe direi por quL·", fc., ·\iaren111s com
boas ohras.. ( fit 2.14). 'I
O tcn:cirn \Jdo elo quadrado L' a cotolicidadc ou unircrsa/idadc.
A palavra "cah\lico.. vem do grtgo. como a palavra ·'universal"' vem
do latim. mas ambas significam o mesmo: "tudo'·. Todo o ensina
mento de Cristo a todos os homens. cm todos os tempos e cm todos
os lugares. Escutcn10s as palavras do Senhnr: "Este Evangelho do
reino serú prcgalfo cm todo o mundo, como testemunho para tod;:is
as naçües·' (Mt 24.14). "Ide por todo o mundo e pregai o Evnnise
lho a todas as criaturas" (Me 16.15). "'Sereis minhas testemunhas
cm Jerusalém. em toda a Jud(:ia, na Samaria e at os confins do
mundo" (At 1,8).

<,
O c;uadrado se completa com a nota da apostolicidade. Esta
palavra parece 11111 pouco complicada de se pronunciar, mas significa
simplesmente que a Igreja que proteste ser de Cristo <leve ser capaz
de remontar a sua linhagem. cm linha ininterrupta. até os Apóstolos.
fkve ser capaz c!e mostrar a sua legítima descendC:ncia de Cristo
por meio dos Apóstolos. De novo fala Jesus: "E cu te digo a ti
que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16.18). Diri
gindo-se a todos os Apóstolos: ·'Toda a autoridade me foi dada
no céu e na terra. Ide, pois, ensinai a todas as naçôes, hatizando-as
cm nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensi11af1do-as a
nhservar tudo o que \'OS pn.".scre\·i. Eis 4ut! cu estou convosco todos
os dias. até ü consumaÇ10 do mundo'' (Mt 28.lX-20). São Paulo
suhlinha este sinal da apostolicidade quando escreve aos cfl'sios: "Já
não sois hóspedes nem peregrinos, nrns ct11icidadãos dos santos e
membros da família de D-:us. edificado sobre os /\pL)stPh s e os
profetas como fundamento. 1.."11dn o pn)prio Cristt1 Jesus a pi:dra
angular"' ( Ef 2.! 9-20).
Qualquer igreja que prnkste ser de Cristo deve mostrm estas
quatrn notas. Hú muitas "igrejas"' 1w mundti <li: hoj..: que si: chamam
cristüs. Abrevil'mos o nosso uabalho de c crutí11io c.\aminamlo a
nossa própria igreja, a Igreja Cah)li..:a. L' se cncontrarnws nda a
marca de Cristn, não precisaremos ex,1minar as m1tn1s.
Por muito errado que voc0 esteja sobre alguma coisa, sempre é
dl'sagradúvcl que algui.":m lho diga sem n,deins. L enquanto esse
uma halida de porta a mt:ntc de<..,sa pes;sn:i. e 11:ida do que di i,crnws depois conseguirá
abri-la.
Por outrn lado, <.kvcmos ver que. se conhecermos hem a 1ws
sa rcligiüo. poderemos explicá-!J, inteligente e amavcl111L·11tl , ao vizinho
<;ue nf10 é G1t<'1lico ou que nfto pratic;i: haver,'i h,i ta11tc l'\p,.;ran\<\ de que nos
CSl'Ute. Se pudermos c\cmnnstrar-lhc l]Lll' a Jgrejc1 Catú lica é a \'ercla<kira IgrL·ja
estabeicl'ida pPr J,._·...,us (\i-,1(1. nfto hú razão para dizer-lhe que a '·Jgreja" dele é falsa.
Pntkrú SLT que seja tei- 111oso. mas não serú L'S\t'ipido. e é de confiar qt11.' tire as uas
prúprias condusÔL'S. Tendo isto cm mente. exami11emPs agora a Ig1eja Cató lil·a para
ver se aprL'S1.'11\a a m;irl·a de Cristo. ;...: _k._,us a ill(lk·ou como
..... u,i, ",L'lll pnssihilic\ades de L'ITU.

Primeiro. vejamos a 11nidadt', que o Senhor estabeleceu como


,.::iractcrística du seu rcha11ho. Observemos csla unidade cm suas trC:s dimensüe:,:
unidade de CJ"L'tk1. unidade de autoridade e unidade de culto.
Sabemos que os membros da Igreja de Cristo devem manifestar 1rnidade de credo.
A•, \·crdades cm que cn:nws sfto as que foram dadas a conhecer pelo prúpri() Cristo:
si"10 verdades que procedem diretamente de Deus. I\ão lü verdades mais
"verdadeiras" que a mente humana possa nmheccr L' aceitar do que; as reveladas
por D..:us. D...:us ('. a verdade: sabe tudn e 11,-10 pode errar: L infinitamente
\Crdac.kirn e n:10 p,icle mcnlir. É mais f,kil GL'L por e\L'mplo. que 11:10 e.\iste sol
em pk110 dia dn que PL'llsar que ksus k11ha pndidn L·ng.111ar-sc ao dizer-nos que
existem três Pcssnas cm um st\ Deus. Por este motivo. cnnsidcr,nnos (l prii1cipil)
do ··juí/.o privado.. ui1lH1 ahsnlutamente iklgÍlT1. l-Li pc snas que e'.,1'21H_km o
pri1H.:Ípio du juíhi privado às tjlll'Slt,ll' n.:ligitl:'ias. Adrnik1n qu,.: D1.'ll'.'-i th)S deu a
cunhccer l'Crtas vcrthde . 111as di/Clll que c,td,1 li lllh:ill km de i11- krprctar e:'isas \
·crdadL'S de au1rd11 nm1 n :'iCLl crit(·rili. Qu...: cada um leia a sua Bíhlia. e o qu..:
chegue a p('11sar que a Bib\ia :;ignifica. esse {; o sig11ificwlo J)(lta de. A
lll,<..,S:t rl'Spt;:--;ta é qu..: o que Deus disse L'. para sempre e para tod():,. J-,;;-to e:'itii
1.'lll 1w"':-,ª" n1:ít1s escolher e acomodar a revda ·üo de D.:us üs 111.i:)s:1s prd,.:rC:111..:i,1 ,rn
üs nl1ssas
l 1111ycni0-ncias.
AS ;-.OTAS E OS ATRIBCTOS DA !{;REJA SAXTA E CATóLICA
124 125

Esta teoria do "juízo privado" levou, naturalmente, a dar um Uma fé, uma cabeça. um culh). Esta é a unidade pela qual
passo mais: a nc:gar toda verdade absoluta. Hoje, muita gente pre Cristo orou. a unidade que estabdcceu como um dos sinais que idcn É
tende que a verdade e a hondade são termos relativos. Uma coisa ' tificariam perpetuamente a sua Igreja. uma unidade que só pode
será verdadeira enquanto a maioria dos homens pensar que é útil, ser encontrada na Igreja Católica.
enquanto parecer que essa coisa ..funciona". Se crer em Deus ajuda
você, então creia em Deus; mas, se você pensa que essa crença difi culta
a marcha do progresso, deve estar disposto a afastá-la. E o SANTA E CATOLICA
mesmo ocorre com a bondade. Uma coisa ou uma ação é boa se
contribui para o bem-estar e a felicidade do homem. Mas se a cas ·' Os argumentos mais fortes contra a Igreja Católica são as vidas
r tidade, por exemplo, parece que refreia o avanço de um mundo que
está sempre evoluindo, então a castidade deixa de ser boa.
dos maus calólicos e dos católicos relaxados. Se perguntássemos a
..- nm católico tíbio: "Não será que tanto faz uffia igreja como outra?",
Em resumo, bom ou verdadeiro é apenas o que, aqui e ago certamente nos responderia jndignado: "Claro que não! Há uma
' 1
ra, é útil para a comunidade, para o homem como elemento cons sú Igreja verdadeira, a Igreja Católica". E pouco depois ficaria como
11
trutivo da sociedade, e é bom ou verdadeiro somente enquanto con ' um mentiroso diante dos seus amigos acatólicos, ao contar as mes
' tinua a ser útil. Esta filosofia tem o nome de pragmatismo. É muito
difícil dialogar com um pragmático sobre a verdade, porque minou
mas piadas imorais, ao emhehedar-se nas mesmas reuniões, ao cola
horar com eles em mexericos maliciosos, ao comprar os mesmos
o terreno que você pisa começando por negar a existência de qual anticoncepcionais e até, talvez, aõ mostrar-se menos escrupuloso que
quer verdade real e absoluta. Tudo o que um homem de fé pode eles nos seus negócios ou na sua atuação política.
<i",,
fazer por ele é rezar e demonstrar-lhe com uma vida cristã autêntica Sabemos que estes homens e mulheres são a minoria, ainda que
que o cristianismo •'funciona". já seria excessivo que houvesse um só. Tamhém sabemos que nfw
nos pode surpreender que na Igreja de Cristo haja membros indig
Talvez nos tenhamos desviado um pouco do nosso tema prin nos. O próprio Jesus comparou a sua Igreja à rede que apanha
cipal: o de que não há igreja que possa dizer que é de Cristo se peixes maus e bons (Mt 13, 47-50); ao campo, onde o joio cresce
todos os seus membros não crêem nas mesmas verdades, já que essas entre o trigo (Mt 13, 24-30): à festa de bodas, em que um dos con
verdades são de Deus. eternamente imutáveis, as mesmaS para todos ,.
vidados se apresenta sem a veste nupcial (Mt 22, 11-14).
os povos. Sabemos que na Igreja Católica 'todos cremos nas mes Sempr!..'. haverá pecadores. Até o final do caminho serão a cruz
mas verdades, bispos, sacerdotes ou crianças; americanos, franceses que Jesus Cristo deve carregar aos ombros do seu Corpn Místico.
e japoneses; brancos ou negros; cada católico, esteja onde estiver, E, não obstante, Jesus sublinhou a santidade como uma das notas
diz exatamente o mesmo quando recita o Credo dos Apóstolos. di::;tintivas da sua Igreja. "Por seus frutos os conhecereis", disse Ek.
Não estamos unidos entre nós apenas pelo que cremos, mas tam '"Porventura colhem-se uvas dos espinhos e figos dos abrolhos? Toda
hém por estarmos debaixo da mesma autoridade. Jesus Cristo de úrvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos" (Mt
signou São Pedro como pastor supremo do seu rebanho, e tomou 7, 16-17).
as medidas 11ecessárias para que os sucessores do Apóstolo até o Ao responder à pergunta: '_'.1'2!: gue é santa a Igreja Católica?",
fim dos kmpos fossem a cabeça da sua Igreja e quem guardasse as diz o Catecismo: "A Católica é santa porque foi fundada\
suas verdades. A lealdade ao bispo de Roma, a quem chamamos por Jesus Cristo, que é santo: porque ensina, segundo a vontade de )
carinhosamente Santo Padre, será sempre o centro obrigatório da Cristo, uma doutrina santa e oferece os meios para se levar uma vida \'
Igreja de Cristo: "Onde está Pedro, ali está a Igreja". anta, formando assim membros santos cm todas as id&des".
Estamos unidos também no culto, como nenhuma outra igreja. Todi:IS-e cada uma destas palavras são verdade, mas não süo
Temos um só altar, sobre o qual Jesus Cristo renova, todos os dias, t!rn ponto f..i.Cil de aceitar para o nosso conhecido não católico, espe
L·ialmentc se na noite anterior esteve de farra c0m um católico, e.
' além disso. sabia que esse seu amigo pertence à Confraria de Nossa
o seu oferecimento na cruz. Só um católico pode dar a volta ao mun Senhora das Dores da p:1róquia de São Pafúncio. Sahemns que Jesus
do sabendo que. aonde quer ue vá - à África ou à índia, à Ale Cristo fundou a Igreja e que as outras comunidades que se autode
manha ou à América do Sul -, se encontrará sempre em casa, do nominam "igrejas" foram fundadas por homens. Mas o luterano.
ponto de vista religioso. Em toda a parte, a mesma Missa; em toda a
r:,a rlL'. os mesmos sete sacramentos.

]_2(i \ '\( ri _\S 1:. OS .\-1 HlBl 'TO'.-! l )_.\ ICHE_f.\


S:\\TA E C.·\T<)UC.--\
i..'.

rrm·J\'l:]mcntc. zomhJr:í da 1wssa afirma\'ÜO ele que Marliiiho Lutero ja de Cristo! Tcm(1s que rel ordar-nos um;i e mil vezes de que
fundou uma nova igreja. l' did que ek nJda mais fez senão purificar somos os guardiôcs cio nm,.so irm;IP. Nüo pnd1..·mos tolerar as nossas
a amiga Igr-:ja cios seus errn e ;_ihu l'IS. O anglicano. S1..'tn r!(1vida. '· requenas debilidades. o nnsso egobn10. pensando guc tudo se resolve
dir.'t algo parcddo: I-knriquc VI 11 e Cr.111mer não iniciaram uma nova sacudindo o pó numa confissão. Teremos que responder diante de
Igreja: simpksmcntc. si:pararam-sc cln "ramo romano" e est3hckce ram Cristo não sú pelos nossos perndos. mas t3mhém pelos pecados das
ri ··ranw ing\0s·· <la Igri...'ja ni t::í original. Os presbiterianos di r:'10 o
Jlmas q!lc poderão ir para o inferno por nossa culpa. Disse 33 mi
Illt'smn ele John Knox. e ns mi.'.lndistas de John \\/csky. e lhões? EsquecL'-le do:-. 3:?..rJ99.999 restantes: concentremo-nos, agora
:1...sim s111..·c-;<\·amcntc cm tn<la a longa lista das seitas protestantes.
Tn(hs ,:b'i ·.,,:JJ1 c.:"xc,..\:-10 proclamam .Jesus Cristn Lnmo seu fundador. · mesmo, tu em ti e cu cm mim. Então a nota de santidade da Igreja
Católica se torn:-mí n idenk ao menos na pequena área em que tu
Aconk1.Yr:'t o mc mo qu:rndn. cnnh) prova da sua origem divina. e eu vivemos e nos muvcmos.
:!firmarn10:-. que a Igr1...·ja ensina uma doutrina santJ. "A minha igreja
tamhém ensina 11mJ doutrina santa''. rcsponderú o nosso amigo aca
"Sempre, todas as verdades, em todos os lugares''. Esta frase
tólico. '"Concordo sem reservas''. pl1dcmos responder. "Penso, evi
descreve de uma forma condensada a terceira das quatro notas da
dcnh mi.::nk_ que a wa igreja cstú a favor do hem e da virtude. Mas
'' também lT...-io que n.'.to hú igreja que promova a L·aridade cristã e o
Igreja. É o terceiro lado do quadrado que constitui a "marca" de
Cristo e que nos prova a origem divina da Igreja. É o selo da auten
ascclismn t.:-it) plenamente como a Igreja Catôlica". Com toda a Ct'r ticidade que só a fgreja Católica possui.
lcz:-t. o nosso amigo continuaL'i impassível e poL't de lado a questão A palavra "ca!ólica" significa que abrange tudo, e provém do
da "santidade da doutrina" como qucstfto lk opinião. grego, como dissemos antes: e significa o mesmo que a palavra "uni
Mas 11;\p p(lc!níarnos ,w m1..'11ns :-ipontar us santos con1n prova versal", que vem do latim.
de que a s,:mtidndc de Cristo continua opcrnndo na fgreja Cat(1\ica? Quando dizemos que a Igreja Católica (com "C" maiúsculo)
Sim. p(lrq11e 12 uma evidência difícil de e ignorar. Os milhares e m! é católica (com •·e" minúsculo) ou universal, queremos dizer antes
lh,irl·"' ck l1l°)Jfü_•:1s. 11rnlh1..Tcs e jo\'cns que lcv;nam uma vida de santicbck de mais nada que cxi tiu todo o tempo desde o Domingo de Pente
cmi11cnb.:. e cujos 1wm.:s cstüo i11scritl1s no santoral. são algo costes até os nossos dias. As páginas de qualquer livro de história
que se turna basl:11Hc difk,il ck n:"10 \'CL çornn também que ,1s outras ,, darüo fé disto, e n.'.!o l.'. necessário sequer que seja um livro escrito
igrcj<.<s 11:\n tê-m cni ;a pan.xid.i. nem ele lnngc. Não obstante, se o por um católico. A Igreja Católica tem uma existência ininterrupta
11osso inkrh)'..'.llt(1r p11ssui um \'l.'l"lliz de psicologia moderna. poderú de mais de mil e novecentos anos, e é a única Igreja que pode dizê-lo
tratJr ck derrubc1r os santo-; u1111 palanas como "histeria'', ''neurose". de verdade.
''suhlima..; o de i11 i.i11tos h.'1sicm," E. ele qualquer maneira, nos Digam o que quiserem as outras "igrejas" sobre a purificação
dirú que 1..·sses s'.llltns csl:to s() nos livros e que não podl.'mos mos da primitiva Igreja ou os "ramos" da Igreja, o certo é que, nos
trnr-lhl.". um santo aqui mesmo. agora. primeiros séculos da história cristã, nüo houve outra Igreja além da
Bem. c ag 1rn. qul.' pndcmns dizer? 5('1 ficamos tu e cu. O nosso Católica. As comunidades cristãs não católicas mais antigas são as
amigo r,crg,unwdnr (esperemos que pi:rgunte com interesse sincero) nestorianas, as monofisitas e as ortodoxas. A ortodoxa grega, por
exemplo, te\'c o seu começo no século nono. quando o arcebispo de
!
Constantinopla recusou a comunhão ao imperador Bardas, que vivia
pndc rroc!Jnnr Cristo como seu fundador, pode atribuir uma dou publicamente cm pecado. Levado pelo despeito, o impcradnr separou
trin:t santa ;, sua igreja e pode qualificar os s·antos como um tema clisn! a Grécia da sua uniJo com Roma, e assim nasceu a confissão or
lÍ\\.J. Porém. 11:!o nos pndi..-: ignorar a wís; nüo pode perma- 11-.:Cl'I" todoxa.
surdo e cego ao ll'-;tcmunho de nossas vidas. Se cada católico que o A confissão protestante mais anliga é a luteram1. que começou
nosso inquirichsr i111aginúrio encontrasse fosse uma pessoa de a existir no século XVI, quase mil e quinhentos anos depois de
1..'min1..'ntcs \'Írtudcs cris1:i-;: amú\'cl. paciente. abnegado e amistoso: Cristo. Tcvc a sua origem na rebelião de Martinho Lutero, um frade
c<,slo. cklic1do e rc\·cr1..·11tc nJ rnla\ra: hnnrado. sincero e simples: católico de personalidade magnética, e ficou devendo a sua rápida
·1..·ncr,1:--,1, s<1hrin. k,d i.: purn 11c1 cnnduta, L'Om que impressüo vocé difusão ao apoio dos príncipes alem:}es, que se insurgiam contra o
p ·11·,:1 qll ' de fk·:iri:1'! poder do Papa dt.: Roma. A tentativa de Lulcro de corrigir os abu
S1..· SPllll'lll\..' no 1H1s..,u f)JÍ\ ,1"' _{ .fl00.000 de L·atólicos viv<.:sseni sos ela lgreja (e não há dúvida de que havia ahusos) acahou num
:1..,..,im ..,t1u" \ id,1,. •!til' lL'-\•L'lllll!llW Ut(l ;11-ra..,a<lor da santidade da lgre-
mente, que a igreja que pretenda ser de Cristo
lS AS :\OT'\S E OS ATHIBUTOS IH IGREJA deverá provar a sua

mal muito rnai0r: a divisf10 da Cristandade. Lutero abriu um pri-


1Jll·irl1 furo 1w clique. e, atnh dele. vei0 a inundaçüo. Já menciona
mos Henrique VIII. John Knox e John \\.7t:sley. Porém, as primeiras
l'onfi sües pn testantcs se subdividiram e proliferaram (especialmente
nos países de língua akmü e inglesa). dando lugar a centenas de
seitas diferentes, num processo que ainda não terminou. Mas ne
nhuma delas existia antes de 1517, ano em que Lutero afixou as
suas fomosas "'95 Teses" na porta da igreja de Wittcnberg. na Ale
manha.
A Igreja Católica não só é a única cuja história não se inter
rompe desde os tempos de Cristo. como tamhém é a única que ensina
todas as 1·atiades que Jesus l'nsinou e como Ele as ensinou. Os
sacramentos da Penitência e Unç:to dos Enfermos, a Missa e a
Presença Real de Jesus Cristo na Eu...:ari5.tia, a supremacia espiritual
de Pedro e seus sucessores, os papas, a i.:ficúcia <la graça e a possi
bilidade de o homem merecer a graça e o céu - sfw pontos dos
1 quais a]guns são repelidos pelas variadas igrejas nfío cutúlicas. De
:1 fato, há hoje comunidades que pretendem ser "igrejas cristãs" e che
gam inclusive a duvidar da divindade de Jesus Cristo. Em contra
partida, não há uma só verdade revelada por Jesus Cristo (pessoal
mente ou pelos seus Apóstolos) que a Igreja Católica nfü, proclame
e ensine.
Além de ser universal no tempo (todos os dias desde o Pente
costes) e universal na doutrina (todas as verdades ensinadas por
Jesus Cristo), a Igreja Católica é tamhém universal cm extensão.
Consciente da missão que lhe foi confiada rt.:lo seu Fundador. a
Igreja Católica levou a mensagem de salvaçf10 a todas as latitudes
e longitudes da face da terra. lá onde hnuvcssc almas que salvar. j
A Igreja Católica não é urna igreja "alemã'" (os luteranos) ou inglesa
(os anglicanos), ou ''escocesa., (os prcshiteriano:-.), ou "holandesa"
(a Igreja Reformada), ou ''é-m1ericana" (centenas de seitas distintas). 1
A fgreja Católica está em tod<1s esses países, e, além disso, em todos
aqueles que permitiram a entrada aos S1;.'US missionários. Mas a
1

Igreja Católica n w é propriedade de nenhuma nação ou raça. Em


qualquer pane se acha em casa. sem \er propriedade de ninguém. 1·
Foi assim que Cristo a '-!_Llis. A sua Iwcja é para todos os homens:
deve abrangn o mundo inteiro. A Igreja Católica é a única a
uunprir esta condii;ãn, a única ljllC c ta cm toda a parte. por todo
o mundo.

Católica. 11niversal. no tempo, nas verdades e rn1 territ<¾rio: esta


a terceira nota da autêntica Igreja de lristo.
1.: E a q11arta. a que
completa o quadrado, é a "apostoliddude"'. que significa. simpies·
.-\ RAZAO, A FE... E EU 129

legítima descendência dos Apóstolos, alicerce sobre o qual Jesus edi ficou a sua Igreja.
Que a Igreja Católica passa pela prova da "apostolicidade", é coisa muito fácil de
demonstrar. Temos a lista dos bispos de Roma, que se remonta do Papa atual numa linha
contínua até São Pedro. E os outros bispos da Igreja Católica, verdadeiros sucessores dos
Apóstolos, são os elos atuais na ininterrupta cadeia que se estende por mais de vinte
séculos. Desde o dia em que os Apóstolos impu seram as mãos sobre Timóteo e Tito, Marcos
e Policarpo, o poder episcopal transmitiu-se pelo sacramento da Ordem Sagrada de gera ção
em geração, de bispo a bispo.
E com isto, fechamos o quadrado. Na Igreja Católica distin gue-se com toda a
clareza a "marca" de Cristo: una, santa, católica e apostólica. Não somos tão ingênuos
que esperemos que os con• vertidos venham agora correndo aos molhos, visto que lhes
mostra mos essa marca. Os preconceitos humanos não cedem tão facilmente à razão. Mas
ao menos tenhamos a prudência de vermos nós essa marca com lúcida segurança.

A RAZÃO, A FÉ E EU.

Deus concedeu ao homem a faculdade de raciocinar, e Ele pre tende que a utilizemos.
Existem duas maneiras de abusar dessa fa culdade. Uma é não utilizá-la.
Uma pessoa que não aprendeu a usar da razão é, por exemplo, aquela que
toma como verdade do Evangelho tudo o que lê nos jornais e nas revistas. por mais
absurdo que seja. É a que aceita ingenuamente as mais extravagantes afir
mações de vendedores e anunciantes, uma arma sempre pronta para ser empunhada por
publicitários espertos. Deslumbra-a o prestígio; se um famoso cientista ou
industrial diz que Deus não existe, para ela é claro que não há Deus. Noutras palavras, este
não-pensante não possui senão opiniões prefabricadas. Nem sempre é a pregui ça intelectual
a que produz um não-pensante. As vezes, infelizmente, são os pais e os mestres os
causadores desta apatia mental, quando reprimem a natural curiosidade dos jovens e
afogam os normais "porquês" com os seus "porque eu o digo e pronto".
No outro extremo está o homem que faz da razão um autêntico deus. É aquele que não
crê em nada que não veja e compreenda por si mesmo. Para ele, os únicos dados
certos são os que vêm dos laboratórios científicos. Nada é certo a não ser que ele
assim o ache, a não ser que, já e agora, produza resultados· p:áticos. O que dá
resultado, é certo; o que é útiL é bom. Este tipo Je n-
.,;11.J,n ..:: ú l.lLI d,amamos de prag111; ;.;. ;1
1.30 _\S '.\OT \S F lh .\TH113l_'TOS D.-\ I(;HFJ.\ :\ RAZAO, A H;: E l·T 1:31

i, que se baseie na autoridade. Crerá na autoridade de um Einstein SCf?llC•a quando afirma: "Creit1 cm tudo u que a Igreja Católica
r l' aCl'Ítarú a tcnria da rdati\'idadc, mesmo que niio a entenda. Crerá ensina".
1 na autoridade cios físicos nuckares. ainda 4ue continue a 1úo enten De igual modo. n catl)lico segue lallln a Lt7:t,i l'OHFl a fo quando
1 der nada. !vias a palavra "autoridade" produz-lhe uma repulsa au aceita a doutrina Ja infalibilidade. Esh.' atributn signifii..:a -,impks
tomütica quando se refere à autoridadt.: da Igreja. mcnte que a Igreja (seja na pcssoJ do Papa Pll de tndns os hispos
O pragrnútil.'.o re.spcita as dccl,:naçl\.:s das autoridades humanas juntos soh o Papa) nÜll p(1de errar quandn proi..:Llm l okncm"·nk
porque acha que das devem saber o que <liLem, confia na sua com que certa matéria de crença ou ck conduta fui l'l'\\.'laJa pnr Deus e
petência. Mas este mesmo pragmátko olhará com um desdém im deve ser acl'ila e seguida por todns. A prnmcssa ck Cristo --Eu csta-
paciente o católico que, pela mesma razão. r-:speita as dedarações 1ci (.\1m·nsco tnch1s os dias. atl o fim do munck/' (!\1l 0. :::'O) n:\n
da Jgreja, confiado cm C}ue a Igreja sabe o que l'.stá dizendo através teria sentido se a sua Igreja nào fosse infalhel. C'ertc1m 11tc Jcs11s
Ja pessoa do Papa e dos bispos. nüo estaria cnm a sua Igreja se a pcrmilisse cair cm crrn cm niaté
É verdade que nem to<los os católicos têm uma compreem,f10 rias essenciais à sa\vaçf10. O catl)\ico sabe que t1 Papa pndc pe1._'aL
intefígente da sua fé. Para muitos, a fé é uma·acdta½·t\0- aüas como qualquer homem. Sahc que as opiniôcs pcss,1ais do Papa tt'm
il verdades religiosas baseada na autoridade da Igreja. Esta aceitaçf10 a força que a ua sabedoria humana lhes possa d::1.r. l\fas tani'.10:m
i' sem raciocínio poderá ser devida à falta de ocasião de estudo, sahe que quando o Papa. pública e soknemcnk. (kdara que certas
' à falta de instrução ou, aC infdizmentc. à preguiça mental. Para verdades foram reveladas por Cristo, seja pcssoa\mi.:ntc ou por nh.:io
as crianças e as pessoas sem instrução, as crenças religiosas devem de seus Apóstolos, o sul.'.cssor de Pl.?dro n to pt1dc errar. Jc us n 10
ser desse gênero, sem provas, como a sua c;ença na necessidade de estabeleceu uma Igreja que pudesse ckscncaminhar os homens.
catos alimentos e a nocividade de certas substfmcias é uma crença O direito de falar em nome de Cristo e ele ser cscuuida é o atri
sem provas. O pragmático que afirma: "Eu creio no que diz Eins huto (ou qualidade) da Igreja Católica a que chamamos ·'autori
tein porque não há dúvida de que sabe do que está falando", deverá dade". A certeza ele estar livre de erro quando proclama snkne
também achar lógico que uma criarn,;a diga: "Creio porque papai mcnte as verdades de Deus à Igreja universal 0 o atributo a que
diz", e, quando for mais crescida, diga: ''Creio porque assim o diz chamamos "infalibilidade''.
o padre (ou a freira)", e não poderá estranhar que um adulto sem
instrução afirme: "É o Papa que o diz, e para mim basta". Existe uma terceira qualidade caraclcrística da lgn:ja Católic a.\, "
Jesus não disse só: "Quem vos r,uvc, a mim ouve; e quem vos •
Não obstante, para um católico que raciocina. a aceitação das rejeita, a mim rejeita" (Lc 10. 16) - autoridade -- N5o disse sfr
verdades da fé deve ser uma aceitaçüo raciocinada, uma aceitação "Eu estarei convosco. todos os dias. ak fim do mundo"' (Mt 28, 20)
t)

inteligente. É certo que a virtude da fé cm si mesma - a faculdade - infalihi!idadc -. Tamhi.':m disse: "Sohrc c ta ['Jl.'clra cdifirn.rci
de crer - é uma graça, um dom de Deus. Mas a fé adulta se edi a minha Igreja. l'. as portas do inferno n.:io prevakccr:-1,1 contra ela''
fica sobre a razão; não é uma frustração da razão. O católico ins (Mt 16. 18). e com estas palavras indicou a terceira qmilida<le inc
truído considera suficiente a clara evidência histórica de quz Deus rente à Igreja Católica: a indefectihilidade.
falou, e de que o fez por meio de seu Filho, Jesus Cristo; de que --- _huto çJ indcfectihilidadc significa simplesmente que a lgre.ia
Jesus constituiu a Igreja como seu porta-voz, como sua manifesta
ção visível à humanidade; de que a Igreja Católica é a mesma que
....--J? á até - SfCillPOs tYmo -Jc l!S .a fu dº?_- _9 nft
- ' ,. perccivel, que contrnuara a ex1slir cITT[llãnft111õlIVcr-'a1rn::i.s a salvar.
Jesus Cristo estabeleceu; de que aos bispos dessa Igreja. como su '"Pcrmanê11cia·· seria um bom sintmimo de inc\dectihilicbck. mas pa-
cessores dos Apóstolos (e especialmente ao Papa, sucessor de São rece que os kt)\ogos sempre se inclinam pelas palavras mais \on_gas.
Pedro), Jesus Cristo deu o poder de ensinar, santificar e governar Seria um grande equívoco que o atributo da inddcctibilidad.:
espiritualmente em seu nome. À competência da Igreja para falar nos induzisse a um falso sentimento de segurança. Jesus disse que
cm nome de Cristo sobre matérias de fé doutrinal ou de ação moral. a sua Igreja permaneceria até o fim dos tempos. Com a ameaça
para administrar os sacramentos e exercer o governo espiritual, cha do materialismo no Leste e no Oeste. seria trúgico que pcrmarn>
mamos a autoridade da Igreja. O homem que, pelo uso da sua ra cêssemos impassíveis ante n perigo, pensando que nada de realmente
zão, vê com clareza satisfatória que a Igreja Católica possui esse mau pode acontecer-nos porque Cristo está na sua Tgreja. Se des
atributo de autoridade, não vai contra a razão, mas, pelo contrário, curarmos a nossa exigente voca ão de cristãos - e, por isso. de
1:J2 AS );UL\S E OS AIHIIWl<JS LJ..\ ICREJA
i1r· .-\ H·\/,-\0. -\ F( L El' J .');J

ir apóstolos -, a Igreja de Cristo poderá tnrnar-sc outra vez uma


!! permanece fura por sua 1..·ulpa. não podt:::rá salvar-si:. Um não cató li1..·o.
Igreja clandestina. como j(1 o fpj no Impé'rio Rnmann. frita de almas
destinadas ao martírio. Não são as homhas e l)S canhl-ies do comu 1..·uja ignor[mcia Lla fé catt')]ica seja voluntária. l\)m cegueira deli herada.
nismo que devemos temer. mas sim o seu fervor. o seu dinamismo. nüo poc.h:r{1 sah :ir-se. Mo.s aqudes que se encontram fora da Igreja
o seu afã proselitista. um perigo muito mais t míYcl. Bem pouco sem culpa pn'ipria. e que fazem tudo o que podem con formt: seu
têm eles a oferecer. mas com que zdo o pwclamam Nl'-is ternos rl'lo entender. fazendo bom uso das graças que Deus cer t tmcnte
tantu que partilhar e. não obstante. que apáticos - quase indiferen lhes dará em \ ista da sua boa vontade. esses poderllo saJ.
tes - somos em levar a verdade aos outros! \'ar-se. Deus rún pede o impossível a ninguém: recompensará cada
um segundo o uso que tenha feito do que lhe foi concedido. Mas
antas pesso.as.. umY _rti?' :...._Q _pc!o 111enos, ''ql1a1JtQ_Ql_ J? isto n<lo quer dizer que nós possamos iludir a nossa responsabilidade
reo Õ!p i, q!]_8:!!!ª d dicação pus na conversão dos outros?". E ta é dizcndP: "Como o meu \'izinho pode ir para o céu sem se fazer
uniã católico. por que me preocupar?". Também não quer dizer que
·pergunt_<_l _9lle_ cada um_ çit! nÕ§ d_everia fazer a si próprio de vez em "tanto faz uma igreja como outra... . - --- -
·qua-_!!gõ Pensar que teremos de apresentar-nos diante de Deus. no - _
I'
' Dfa do Juízo, de mãos vazias, deveria fazer-nos estremecer. "Onde . ·r)Cus quer qt'.e todos pertençan :'1 Igreja q_ue ,Ele fundou. Je us \
estão os seus frutos, onde estão as suas almas?". perguntar-nos-á Cnsto quer om so rebanho e um so Pastor. E nos dei·emos descJar
Deus, e com razão. E o perguntará tanto aos cristãos comuns como que 1wssos f)8n:ntcs. amigos e c ' ,,-Hns tenham essa confiança
aos sacerdotes e aos religiosos. Não podemos descartar-nos desta
obrigação dando esmolas para as missões. Isso está bem, é neces 1 maior na ua sah·::i,Jio de que gozamos na Igreja de Cristo: maior
plenitude de certeza: mais sq;.1.'r«11,_:a cm saber o que está certo e o
sário, mas é apenas o começo. Também temos que rezar. Nossas que é errado: os inigualúveis aw:íli(i qtic ,,s !'"1issas e os sacramentos
orações quotidianas ficariam lamentavelmente incompletas se não pe nos ofc,.. ,n. Tomamos pouco a ::,:rio a nnssa fé se podemos con-
díssemos pelos missionários. tanto nacionais como estrangeiros, e pe \ i;\_:r com os outros. dia apôs <lia. sem nunca nos perguntarmos:
las almas com que eles trabalham. Mas rezamos todos os dias pe
dindo o dom da fé para os vizinhos da porta do lado. se não são
católicos ou não praticam? Rezamos pelo companheiro de trabalho
l 1
"Que posso fazer para ajudar esta pessoa a reconhecer a verdade
da Igreja Católica e a unir-se a mim no Corpo Místico de Cristo?"
Q Espírito Santo vive na Iprcja PL:rJ.11an_cn©nentc...-1UaS com frcq_uên:_
que está no escritório contíguo, na máquina ao lado? Com que fre eia tem que esperar por mim para achar maneira de entrar na alma
quência convidamos um amigo não católico a assistir à Missa co j

t'
' daquele que está ao meu lado.
nosco, dando-lhe previamente um livrinho que explique as cerimô
nias? Temos em casa alguns bo_ns livros que expliquem a fé cató
lica, uma boa coleção de folhetos, que damos ou emprestamos à
menor oportunidade, a qualquer um que mostre um pouco de inte
resse? Se fazemos tudo isto, inclusive combinando para esses amigos
uma entrevista com um sacerdote com quem possam conversar (quan do
as suas perguntas parecem encostar-no,;; à parede), então estamos
1
cumprindo uma parte, pelo menos, da nossa responsabilidade para
com Cristo, pelo tesouro que nos confiou.

Naturalmente, nenhum de nós pensa que todos os não católicos


vão para o inferno, assim como não pensamos que chamar-se cató
lico seja suficiente para introduzir-nos no céu. A sentença "fora da
Igreja não há salvação" significa que não há salvação para os que
se acham -fora da Igreja por culpa própria. Alguém que seja cató
lico e abandone a Igreja deliberadamente não poderá salvar-se se não
retornar; a graça da fé não se perde a não ser por culpa própria.
Um não católico que, sabendo que a Igreja Cat0lica é a verdadeira..
1

O H\1 1)0 C.-\\11:\HO lJS

l-\l'IILLO XII[ As almas do purgatório são também membros da comunhão


\ dos santos. Estão confirmadas na graça para sempre, ainda que
tenham que purificar-se dos seus pecados veniais e das suas dívidas
.\ C\L\IL':\l-L\O IHJ_..; A);TO EU de pcnit0ncia. Não podem ver a Deus ainda, mas o Espírito Santo
PJ<'.Hfl},() l\O:-, l'EC,\DOS cstú com das e nelas. e nunca o poderão perder. Frequentemente
designamos este ramo da Igreja como Igreja padecente.
Finalmente, está a Igreja triunfante, composta pelas almas dos
bem-a\·cnturaclos que se encontram no ceu. É a Igreja eterna, a que
absorverá tanto a Igreja militante como a padecente depois do Juízo
Final.
/,- E, na prática, que significa para mim a comunhão dos sant0os?
ti Significa que todos nós que estamos unidos em Cristo - os santos
do c-'.:u. as almas <lo purgatório e os que ainda vivemos na terra -
! 10s ter consci ncia das necessidades dos outros.
"

\
O FIM DO CAM[NHO cluir o Espírito Santo da nossa alma.

Se alguém nos chamasse santos, o mais provável é que estivesse


brincando conosco. Sunws demasiado conscientes de nossas imper•
fck;ües para accitarnws esse título. E, nüo obstante, todos os fiéis
<lo Corpo Místico de Cristo na Igreja primitiva se chamavam santos.
É o termo favorito de S:tn Paulo p.:ua se dirigir aos que compunham
as comunidades crist(1s. Escreve ·'aos santos que estão em Éfeso"
(Ef 1, 1) e "aos sank,s que se encontram cm toda a Acaia" (2 Cor
L l). Os /\tos do:-; Ap()stnlos. que n111têrn a hist<'iria da Igreja nas•
ccntc, ch,:u11:1m tamh0m santns an5- scguidorc: t.k Cristo.
A palavra ''santo". ckriv.:icb <ln latim. descreve a alma cristft
que, incorporada a Cristo pdo BJtismo, é morada do Espírito Santo
(enquanto permanel'e cm estado ele graça santificante). Essa alma
é um s,rnto no sentido original ela pabvra. Atualmentl', limitou-se
o seu significado àqueles que cstüo no céu. Jv1as a palavra é em
pregada na sua n,:cpt./to primitiva quando. ao rc•.:itannos o Credo
dos Ap<í tolos, dizemos: "Creio na comunhüo dos santos". A
palavra "conrnnhf10" significa. claro cstú. "unif10 com", e ,_:om ela
queremos indicar que existe uma u11i:1l1, uma comunkaç:10 entre as
almas cm que o Espírito Santo. o Espírito de Cristo. tem a sua
moracfa. Esta comunicacf10 refere-se cm rin11..-irn lu\.!ar a n(ís mes
mos, que somos mcm ro's da farçpi na kua. O m;-;so "ramo" <lã
c6munh:w dos santos chama-se Igreja militants_ quer dizer, a Igreja
Ii}'C"" ainda luta com o pecado e o erro. Se caíssemos cm pcl'.ado
mortal, ,i:to deixaríamos de pertencer à comunhào dos santos. mas
saíamos como membros mortos do Corpo Místico e cortaríamos a
comunhüo com os outros mcmhros enquanto continuássemosa ex
Os santos do céu nào estão tão absorvidos na sua própria feli Os santos do céu oram pelas almas do purgatório e por nós.
cidade que esque am as armas que deixaram atrás. Ainda que qui Nós, de nossa parte, devemos venerar e honrar os santos. Não só
sessem, nüo o poderiam fazer. Seu perfeito amor a Deus deve porque podem e querem interceder por nós, mas porque o nosso
incluir um amor a todas as almas criadas por Deus e adornadas com amor a Deus assim o exige. Um artista é honrado quando se elogia
suas graças, a todas essas almas cm que Ele mora e pelas quais a sua obra. Os santos süo as obras mestras da graça de Deus;
Jesus morreu. Em resumo. os santos devem amar as almas que quando os honramns, honramos Aquele que os fez, o seu Redentor
Jesus ama, e o amor que os santos do c u têm pelas almas do e Santificador. A honra que se presta aos santos não é subtraída
purgatório e pelas almas da terra nfto é um amor passivo. Os a Deus. Ao contrário. é uma honra que lhe tributamos de uma
santos estão ansiosos por ajudar a caminhar para a glória essas maneira que Ele mesmo pediu e deseja. Vale a pena recordar que,
almas cujo valor infinito cst:io agora cm condiçôes de apreciar como an hnnrarmos os sanlPs. honramos também muitos seres queridos
antes não podiam. E se a orat.Jto de um homem bom na terra que j:·1 se aclu.m com Di..:u na gl()ria. Não só os canonizados. mas
pode mover o coraçf10 de Deus. como nüo serú a força das orações cada alma que estú 111_1 c u t: um santo. Por esta razão, além das
que os santos oferecem por nós! Eles são os heróis de Deus, seus Íl'stas csri..:ci<.1is decli...:acbs a alguns dos santos canonizados, a Igreja
amigos íntimos, seus familiares. dedica um dia do ano a honrar toda a Igreja triunfante: é a festa
de Tod(,s os s ntn:,,. nn dia primeiro de novembro.
136 A COMUNHÃO DOS SANTOS

Como membros da comunhão dos santos, nós que ainda esta• CAPÍTULO XIV
mos na terra devemos orar, além disso, pelas benditas almas do pur•
1r gatório, Agora. elas não podem ajudar-se: seu tempo de merecer
passou. Mas nós, sim, podemos fazê-lo, pedindo para elas o favor
' .\. HESS l. RRET('.\.O D,\ C,\ R :\' E E ,\
de Deus. Podemos aliviar seus sofrimentos e abreviar seu tempo \'II>.\ ETEH:\'.\
,i,! de espera do céu com as nossas orações, com as Missas que afere•
'ii cemos ou fazemos oferecer por elas, com as indulgências que para
IÍ elas ganhamos (todas as indulgências concedidas pela Igreja podem
!! ser aplicadas às almas do purgatório, se as oferecemos por essa in
tenção). Não sabemos se as almas do purgatório podem interceder
por nós ou não, mas sabemos que, quando estiverem entre os santos
do céu, recordar-se-ão certamente daqueles que se lembraram delas
y em suas necessidades, e serão suas especiais intercessoras diante de
,1
Deus.
'' É evidente que os que estamos ainda na terra devemos rezar
também uns pelos outros, se quisermos ser fiéis à nossa obrigação O FIM DO MUNDO
de membros da comunhão dos santos. Devemos ter uns pelos ou tros
um sincero amor sobrenarural, praticar a virrude da caridade fraterna
por pensamentos, palavras e obras, especialmente mediante o ,, Vivemos e lutamos durante poucos ou muitos anos, e depois
morremos. Bem sabemos que esta vida é um tempo de prova e
exercício das obras de misericórdia corporais e espirituais. Se que• de luta; é o campo de provas da eternidade. A felicidade do céu
remos assegurar a nossa permanente participação na comunhão dos consiste essencialmente na plenitude do amor. Se não entrarmos na
santos, não podemos menosprezar a nossa responsabilidade neste ttternidade com amor a Deus em nosso coração, seremos absoluta•
campo. mente incapazes de gozar da felicidade da glória. A nossa vida aqui
em baixo é o tempo que Deus nos dá para adquirirmos e provarmos
o amor que lhe guardamos em nosso coração, amor que devemos
provar ser maior que o amor por qualquer dos hens por Ele criados,
como o prazer, a riqueza, a fama ou os amigos. Devemos provar
que o nosso amor resiste à investida dos males criados pelo homem.
como a pobreza, a dor, a humilhação ou a injustiça. Quer estejamos
numa posição alta ou baixa, em qualquer momento devemos dizer:
"Meu Deus, eu te amo", e prová•lo com as nossas ohras. Para
alguns, o caminho será curto: para outros, longo. Para uns, suave:
para outros, abrupto. Mas acabará para todos. Todos morreremos.

A morte é a separação da alma e do corpo. Pelo desgaste da


velhice ou da doença, por acidente, o corpo decai, e chega um mo•
mento em que a alma não mais pode operar por seu intermédio.
Então abandona-o, e dizemos que tal pessoa morreu. Rar 1,;; \·ez1.."'.,
se pode determinar o instante exato em que isso ocorre. O coração
pode cessar de hater, a respiraçüo parar, mas a alma pode aind<- 1

estar presente. É o que se demonstra pelo fato de algumas veze:


pessoas aparentemente mortas reviverem pela respiração artifi.
cial ou por outros meios. Se a alma nüo estivesse presente, seria
impossível reviver. Isto permite quL: a Igreja autorize os seus sacer•
:\ HE:-isL. HHE[(._;A() 1)..-\. C:\H.'\E
1

O 1·1\I IH) \Jl.'.\DO 139

d1..1lc a dar a absolvição e a unção dos enfermos condicionais até pndcria afetar uma alma, porque é espírito. Tudo o que sabemos
duas horas depois da morte aparente. para o caso de a alma ainda é que no inkrno há uma "pena de sentido", segundo a expressão
estar presente. No entanto, uma vez que o sangue começa a coa dos tct'ilogos. e que tem tal natureza que não há melhor maneira de
gular e aparece o rigor mortis, sabemos com certt?za que a alma dci\ d1..·screvl:-la em linguagem humana que com a palavra "fogo"_
ou o CL>rpo. Mas o mais importante não é a ''pena de sentido". mas a "pena
E o que acontece ent:10? No exato momento cm que a alma 1 <.k dano". É esta pena - scparaçfto eterna de Deus - a que cons
abandona o corpo. é julgada por Deus. Quando os que esti'í.o junto
ao leito do defunto se ocupam ainda de fechar seus olhos e cruzar
j titui o pior sofrimento do inferno. Imagino que, dentro do âmbito
das verdades reveladas, todo mundo imagina o· inferno a seu modo.
-lhe as núos, a alma já foi julgada: já sabe qual vai ser o seu des Para mim, o que mais me abala quando penso nele é a sua terrível
tino eterno. O juízo individual da alma imediatamente após a morte solidão. Vejo-me de pé, despido e só, numa solidão imensa. cheia
"i\ chama-se Juízo Particular. É um momento terrÍ\'el para todos, o exclusivamente de ódio, ódio a Deus e a mim mesmo, desejando
' m<1mcnto para o qual fomos vivendo todos estes anos na terra, o morrer e sabendo que é impossível, sabendo tambl'.m que este é o
!lll'dncnto para o 4ual toda a vida esteve orientada. É o dia da destino que cu escolhi livremente a troco de um prato de lentilhas,
1\. tri hu i(Jto pzi ra todos. ouvindo continuamente, cheia de escárnio, a voz da minha própria
Onde L' -1..iuc tem lugar esse Juízo Particular? Provavelmente no nrnsciência: "É para sempre. sem descanso. sem alívio para
rn-:-.mo l()l·:il 1..·m 4ue morremos, para falar humanamente. Depois sempre para sempre ". Mas não existem palavras ou pincel que
lksta \'i\_b, JJ:-io hú "espaço" ou "lugar" no sentido ordinário destas possam descn:vcr o horror do inferno na sua realidade. Dele nos
palavrJs. A. alma 1üo tem que "ir" a nenhum lugar para ser j!1lgada. livre Deus a todos.
Quallto à forma em que se realiza este Juízo Particular, só podemos
f;::zn conjeturas: a única coisa que Deus nos revelou é que haverá Certamente, há muito poucos tão otimistas que esperem que o
Juízo Particular. Sua descrição como um juízo terreno, cm que a Juí10 Particular os apanhe livres de todo vestígio de pecado, o que
alma se acha de pé ante o trono de Deus, com o diabo de um significaria estarem limpos nüo só de pecados mortais, mas tambl'.m
lado como acusador e o anjo da guarda do outro como defensor, cit. tnda pena temporal ainda por satisfazer, de toda dívida de repa
nüo é sen:io uma imagem pudica, é claro. Os teólogos con jcturam ra ':lo ainda n:io paga a Deus pelos pecados perdoados. Custa-nos
que provavelmente o que ocorre é que a alma se vê como Deus a ' rcnsar que possamos morrer com a alma imaculadamente pura, e, não
vê, cm estado de graça ou em pecado, com amor a Deus ou rejei ' obstante, nfto há ra?ão que nos impeça de confiar nisso. pois foi
tando-o, e, consequentemente, sahe qual será o seu destino segundo para isso que se instituiu o sacramento da Extrema Unção: limpar a
a infinita justiça divina. Este destino é irrevogável. O· tempo de alma das relíquias do pecado: é para isso que se concedem as indul
prova e de preparação terminou. A misericórdia divina fez tudo gl'ncias, especialmente a plenária para o momento da morte, que a
quanto podia: agora prevalece a justiça de Deus. Igreja concede aos moribundos com a última Benção.
Suponhamos que morremos assim: confortados pelos últimos sa
E que acontece depois? Bem, consideremos primeiro o caso r:ramcnlos e com uma indulgência plenária bem ganha no momento
mais desagradável. Vejamos a sorte da alma que se escolheu a si <la morte. Suponhamos que morremos sem a menor mancha nem
mesma em vez de escolher Deus, e morreu sem se reconciliar com \'Cstígio de pecado cm nossa alma. O que nos espera? Se for assim,
Ek: por outras palavras, a sorte da alma que morre em pecado a morte, que o instinto de conservação nos faz parecer t:ío temível,
mortal. Tendo-se afastado deliberadamente de Deus nesta vida, ten scrú o momento da nossa mais brilhante vitória. Enquanto o corpo
do morrido sem o vínculo de uniflo com Ele que é a graça santi r-: istirú a desatar o vínculo que o une ao espírito que lhe deu a vida
ficante. fica sem possibilidade de restabelecer a comunicação com e a dignidade, o juízo <la alma será a imediata visüo de Deus.
J "Visão beatífica" é o gélido termo teológico que designa a res
Deus. Perdeu-o para sempre. Está no inferno. Para esta alma,
morte. juízo e condenação sào simultâneos. plandecente realidade que significa. uma realidade que ultrapassa qual
Como é o inferno? Ninguém o sabe com certeza. porque nin guém quer imaginaçfto ou descrição humana. Nfto é apenas uma "visão"
de lá voltou para no-lo contar. Sabemos que há nele fogo inextinguível, no ser:tido de "ver" a Deus; designa tamhém a nossa união com Ele:
porque Jesus no-lo disse. Sabemos também que não Deus que torna posse da alma, e a alma que p(issui a Deus, numa
\.'. o fogo que vemos em nossos fornos e caldeiras: esse fogo não unidade tfto inteiramente arrebatadora que supera sem medida a do
],10 .\ HESSl'HRF:IÇAO D I C\R E O FI\f J)O.\IL'_'\IJO 141

amor humano mais perfeito. Enquanto a alma ··entra" nn céu, o rcita para Deus. Como o n)rpo atua nesta vida. digamos assim,
impacto do Amor Infinito que L· Deus uma saL·uJidc-la tãn forte L·nmo isolante da alma, esta não sente a tremenda atração de Deus.
que aniy_uilaria a alma se ll pr(·1prio Deus nãn lhe lkssL' :t for';·a Alguns santos a experimentam ligeiramente. mas a maioria de nós
necessária para sw,ter o peso da fdil'.idade qu.: 0 Ek. Se füsscmos não a sente ou sente-a pouco. N:1o obstante. no momento em que a
capazes de afastar por um instante o nosso pensamento de 01..'us. alma abandona o corpo, encontra-se exposta à força plena deste
'I os sofrimentos e as provas da terra nos pareceriam insignificantes; o impulso. e experimenta uma fome tfw intensa de Deus que se lança
', preço pago por essa felicidade arrebatadora. deslumbrante, inesgo L·ontra a barreira de suas impcrfei<;ões ainda presentes. até que. com
tável, infinita. que ridículo nns pareu.":ria! É. além disso. uma feli a agonia da separação. purga as imperfeiçôi:s. quebra a barreira e
I,
cidade que nada poderá arrebatar-nos. É um instante de ventura encontra-se com Deus.
'i
absoluta. que jamais terminarú. É a frlicidade para semprc-:: assim t cnnsolador recordar que o sofrimento das almas do purgatório
é a essência da glória eterna. é um sofrimento gozoso. ainda que seja tão intenso que não possa
11 Haverá també-m outras alegrias. outros gozos acidentais que se mos imaginá-ln deste lado do Juízo. A grande difer-.-:nça que existe
l,i, derramarüo sobre nós. Teremos a ventura de gozar da presença do entre o sofrimento do inferno e o do purgatc"1rio é que no inferno
nosso glorifü.:ado Redentor Jesus Cristo e de nossa Müe Santa Maria, há a certeza da separação eterna e no rurt-':it()rio a certeza da liber
! cujo doce amor tanto admiramos à distância. Teremos a dita de tação. A alma do purgatório não quer ap:11cccr diante de Deus no
ver-nos em companhia dos anjos e dos santos. entre os quais estarão seu estado de imperfeição, mas, na sua agonia, tem a felicidade de
1 saber que no fim se reunirá a Ele.
membros da noSsa família e amigos que nos precederam na glúria.
Mas estes gozos serão como o tilintar de umas campainhas ante a sin E evidente que ninguém sabe quanto "tempo" dura o purgatório
fonia esmagadora que será o amor de Deus derramando-se sobre nós. para uma alma. Pus a palavra tempo entre aspas porque, embora
haja duração depois da morte, não há "tempo" no sentido em que
) Mas o que acontecerá se. ao nwrrermo:-.. o .Juízo Particular n:io o conhecemos: não há dias ou noites, horas ou minutos. No entanto,
nos encontrar separados de Deus pelo perndo mortal. mas também se medirmos o purgatório quer por duração ou por intensidade (um
nüo coni a perfeita pureza de alma que a uni:"w com o Santo dos instante de tortura pode ser pior que um ano de ligeiros incômodos),
santos requer? O mais provúvcl t' que seja cc;te o nosso caso. se o certo é que a alma do purgatório não pode diminuir ou encur
nos conformamos com um nível espiritual medíocre: calculistas na ,,
tar os seus snfrimentos. Nós, os que ainda vivemos na terra, sim,
oraç IO. pouco generosos na mortificação, em barganhas com o mun podemos ajudar essas almas, pela misericórdia divina: a frequência
do. Nossos pecados mortais. si: os cometemos. foram perdoados e a inte:1sidade da nossa oração, seja por uma determinada alma ou
pelo sacramento da Penitência (não dizemos no Símholo dos Após por todos os fiéis defuntos, nos dará a medida do nosso amor.
tolos: creio na remissão dos pecados?): mas se a nossa rcligiüo foi
cômoda, não será mais lógico que. no último momento. niü1 sejamos Se de alguma coisa estamos certos, é de desconhecer quando
capazes de fazer esse perfeito e desinteressado ato de amnr a Deus acabará o mundo. Poderá ser amanhã ou dentro de um milhão de
que a indulgência plenária exige? E eis-nos no Juízo: não merece anos. O próprio Jesus. segundo lemos no capítulo XXIV do Evan•
mos o céu nem o inferno: que será de nós? ,i gclho de São Mateus, descreveu alguns dos prodígios que precederão
Aqui se püc de manifesto como é rn oúvcl a doutrina sobre o o fim do mundo. Haverá guerras, fome e pestes: virá o reino do
purgatório. J\1e:-.nw que esta dou ti'la ..,o tivesse sido transmitida Anticristo:. o sol e a lua se obscurecerão e as estrdas cairão do céu;
pela Tradição desde Cristo e os Apóstolos. a simples razão nos diria aparecerá a cruz no firmamento. Só depois destes acontecimentos
que deve haver um processo de purifica UP final que lave até a '"veremos o Filho do Homem vir sobre as nuvens do L·iu com grande
menor 1mpcrfci ·;\o que se interponha entre a alma e Deus. Essa é poder e majestade" (Mt 24. 30) _ Mas tudo isto nos diz bem pouco;
a funçüo do estado de sofrimento tcmpor.írio que chamamos purga • j:i houve guerras e pestes. A dori1inação comunista facilmente po
tório. No purgatório. como no inferno. hú uma "pena de sentido'·. deria ser o reino do Anticristo. e os espetáculos celestiais iJOderiam
mas, assim como o sofrimento essencial do inferno é a perpétua ;iconteccr cm qualquer momentn. Por outro lado. as :1erras. J.s
separação de Deus. o sofrimento csse1Kial do purgatório será a pe fnmcs e n f)é.',kS qllL' n mundo conheceu pn<ler;"t0 nüo ser nada - ,;1
nosíssima agonia que a alma tem que sofrer ao \'Lr adiada. mesmo por comparaç o cnm as que preceder,-,() o final do mundo. ilo o sa
um instante, a sua união com Devs. Re,_crdemo:-. que a alma foi hemos Sú f1l1,kmn:-. prL;-''lrar-nn .
142 A RESSURREIÇÃO DA CARNE () Fl\l 1)0 \!l''.\'l.)O 143
!
il Durante séculos, o capitulo XX do Apocalipse de São João (Li Conw o corpo da pessoa em que morou a graça foi cn1;1rn-2ntc
1
I
1
'
vro da Revelação para os protestantes) foi para os estudiosos da tcmplLJ de Deus. a Igreja sempre mostrou uma grande rcv;.;r0nciz:
Bíblia uma fonte de material fascinante. Nele. SEio João descreve pelos corpos dos fi0is defuntos: sepulta-os com oraçôi.:s cheias de
uma visão profética e nos diz que o diabo será acorrentado e ficará afeto e revcrê1Kia, cm túmulos bentos especialmente para este fim.
preso durante mil anos, e que nesse tempo os mortos rcssusl.'.itarão e A única pessoa dispensada da corrupção do túmulo foi a rvt:1e de
reinarão com Cristo; ao fim desses mil anos, o diabo será solto e Deus. Pelo especial privi/(!gio de sua Ass1mç·(lo, o cor1,o da Bem
1 definitivamente vencido; então virá a segunda ressurreição. Alguns. -arcnwrmla Virgem Maria, unido à sua alma imaculada, foi glorili
como as Testemunhas de Jehová. interpretam esta passagem literal cado e assunto ao céu. Seu divino Filho. que dela ll 1T11)t1 a .ila
I! mente, o que é um modo sempre perigoso de interpretar as imagens carne, levou-a consigo para o céu. Este acontecim1...'ntn 0 ,_·lrnL'nwrad,)
que tanto abundam no estilo profético. Os que tomam esta passagem 110 dia 15 de agosto - ou no domingo seguinte a esta data -. L.'sta
li
da Assunção de Maria.
literalmente e pensam que Jesus virá reinar na terra durante mil
l'
anos antes do fim do mundo, chamam-se "milenaristas", do latim O mundo acaba, os mortos ressuscitam, e dcrob o J uizu
I' "millenium", que significa "mil anos". Esta interpretação, no en \'Cm

,ii tanto, não se harmoniza com as profecias de Cristo, e o milenarismo Universal. Esse Juízo verá Jesus no trono da justiça di\'inc:t. que
'1, é rejeitado pela Igreja Católica como herético. substitui a cruz, trono de sua infinita misericórdia. O Juí10 Final n to
Alguns exegetas católicos acham que "mil anos" é um modo de oferecerá surpresas em relação ao nosso eterno destino. J ú teremos
falar que indica um longo período anterior ao fim do mundo. em que passado pelo Juízo Particular; a nossa alma já estará no céu ou no
a Igreja gozará de grande paz e Cristo reinará nas almas dos homens. inferno. O escopo do Juízo Final é, cm primeiro lugar, dar gbria
Mas a interpretação mais comum dos peritos híhlicos católicos é yuc a Deus, manifestando a toda a humanidade a sua justiça, sabedoria
esse milênio representa todo o tempo que se segue ao nascimento e misericórdia. O conjunto da vida - que com tanta frequência
de Cristo, em que Satanás foi certamente acorrento.do. Os justos que nos parece um emaranhado esquema de acontecimentos sem rdaçC10
tenham vivido nesse tempo terüo urna primeira ressurrciçf10, reinarão entre si, às vezes duros e cruéis, às vezes mesmo estúpidos e injustos
com Cristo enquanto permo.nccercm em estado ele graça, e terão uma - dcsenrnlar-se-á ante os nossos olhos. Veremos que a hesitante
segunda ressurreição no fim do mundo. Paralelamente, a primeira parte da vida que conhecemos se encaixa no rnngno C1.)lljLitlto do
morte é o pecado, e a segunda é o inferno. plano magnífico de Deus para os homens. Veremos que o pl)dcr e
a sabedoria de Deus, seu amor e sua misericórdia, foram sempre o
Detivemo-nos neste breve comentúrio sobre o mil nio porque é motor do conjunto. "Por que Deus permite que isto aconteça?'', quei
um ponto que poderá surgir em nossas conversas com amigos nf10 xamo-nos frequentemente. "Por que Deus faz isto ou aquilo?". per
católicos. Mas têm mais interesse prático as coisas qul.': conl cccmos guntamo-nos. Agora conheceremos as respostas. A sentença que
com certeza sobre o fim do mundo. Urna delas é que. quando a recebemos no Juízo Particular será agora confirmada publicamente.
história dos homt'ns acahar, os corpos de todos os que viveram se Todos os nossos pecados - e todas as nossas virtudes - serão ex
levantarão dos mortos para unir-se novamente às suas almas. Já que postos diante de todos. O sentimental superficial que afirmava "cu
foi o homem completo, corpo e alma. quem amou a Deus e o serviu, não creio no inferno" ou ''Deus é demasiado bom para permitir
mesmo à custa de dor e de sacrifício, é justo que seja o homem que uma alma sofra eternamente", verá agora que, depois de tudo,
completo, alma e corpo, quem goze da uniüo eterna com D-::us, que Deus não é um vovôzinho complacente. A justiça de Deus é tão
é a recompensa do amor. E já que é o homem completo quem infinita como a sua misericórdia. As almas dm- condenados, ape
rejeita a Deus ao morrer em pecado, impcniti.:nte. é justo que o corpo sar deles mesmos, glorificarfto eternamente a justiça de Deus. assim
partilhe com a alma a separação eterna de Deus, que todo o homem como as almas dos justos glorificarão para sempre a sua misericórdia.
t.'.Scolhcu. Nosso corpo ressuscitado scr{1 constituído ele tal maneira Quanto ao resto, abramos o Evangelho de São Mateus no capítulo
que ficará livre das limitações físicas que o caracteri1:am neste mundo. XXV (versículos 34, 36) e deixemos que o próprio Jesus nos diga
Já nüo mais necessitará de alimento ou bchic!J. e. de certo modo, como preparar-nos para esse dia terrível.
será '·espiritualizado". Além disso, o corpo elos b-.m-avcnturadPs scrú
"glorificado"; possuirá uma beleza e pçrfeiçf10 que serú participaçfw E assim termina a história da salva<,:ão do homem, essa história
r,,1 beleza e perfeição da alma unida a Deus. que a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. o Espírito Santo. es-
J.14 A RESSURREIÇÃO DA CARNE

crcveu. Com o fim do mundo, a ressurreição dos mortos e o Juízo


Final, acaba a obra do Espírito Santo. Seu trabalho santificador co
meçou com a criação da alma de Adão. Para a Igreja, o princípio
foi o dia de Pentecostc::s. Para ti e para mim, o dia do nosso batis
mo. Quando terminar o tempo e só permanecer a eternidade, a
obra do Espírito Santo encontrará sua fruição na comunhão dos
santos, agora um conjunto reunido na glória sem fim.

SEGUNDA PARTE

OS MANDAMENTOS

•1
CAPÍTULO XV

OS DOTN < HL\\'DE:-; 1L\ XDA}IEXTOH

A FÊ PROVA-SE COM OBRAS

"Sim, creio na democracia, creio que um governo constitucional


d cidadãos livres é o melhor possível". Alguém que dissesse isto
e, ao mesmo tempo, não votasse, nem pagasse seus impostos, nem
respeitasse as leis de seu país, ficaria em evidência pelas su3s pró
prias ações, que o condenariam como mentiroso e hipócrita.
É igualmente evidente que qualquer pessoa que manifeste crer
nas verdades reveladas por Deus e nüo se empenhe em observar as
leis de Deus, será absolutamente insincero. É muito fácil dizer
'·Creio''; mas as nossas obras devem ser a prova irrefutável da nossa
fé. "Nem todo o que diz: Senhor, Senhor! entrará no reino
dos céus, mas somente aquele que faz a vontade de meu Pai que
está nos céus" (Mt 7, 21). Não se pode dizê-lo mais claramente: se
cremos em Deus, temos que fazer o que Deus nos pede: devemos
guardar os seus mandamentos.
Convençamo-nos de uma vez de que a: lei de Deus não se com põe
de arbitrários "faça isto" e "não faça aquilo", com o objetivo de
nos aborrecer. Ê verdade que a lei de Deus põe à provaa for taleza
da nossa fibra moral, mas não é esse o seu objetivo primor dial.
Deus não é um ser caprichoso. Não estabeleceu seus man damentos
como quem coloca obstáculos numa corrida. Deus não
está postado à espreita do primeiro dos mortais que caia de bruços,
para fazê-lo sentir o peso da sua ira.
Muito pelo contrário, a lei de Deus é a expressão do seu amor
e sabedoria infinitos. Quando adquirimos um aparelho doméstico.
seja de que tipo for, se temos senso comum, utilizá-lo-emos segundo
as instruções do seu fabricante. Damos por desc:ontado que quem
o fez sahc melhor do que nós l'Omo usá-lo para que funcione bem
148 OS DOIS GRA:\DES IA:\DA IE:\TOS A FE: PROVA-SE COM OBRAS 149

e dure. Também. se temos senso comum. confiaremos cm que Deus c1encia do homem (seu juízo guiado pela justa razão) aplaude, cha
conhece muito melhor do que nós o que é mais apropriado à nossa ma-se lei natural. Comportar-se assim seria bom, e o eontrário, mau,
fdicidade pessoal e à da humanidade. Poderiamos dizer que a lei ainda que Deus não no-lo tivesse declarado expressamente. Mesmo
de Deus é simplesmente um folheto de instruções que acompa que não existisse o sexto mandamento, o adultério seria mau. Uma
nha o nobre produto de Deus, que é o homem. Mais estritamente, violação da lei natural é má intrinsecamente, quer dizer, má por sua
àiremos que a lei de Deus é a expressão da divina sabedoria diri própria natureza. Já era má antes de que Deus desse a Moisés os
gida ao homem, para que este alcance o seu fim e a sua perfeição. Dez Mandamentos no Monte Sinai.
A lei de Deus regula "o uso" que o homem há de fazer de si mesmo, Além da lei natural, existe a lei divina positiva, que agrupa to
tanto nas suas relações com Deus como com o próximo. das aquelas ações que são boas porque Deus as mandou, e más
Se consideramos como seria o mundo se todos _obedcccsst:m i:i porque Ele as proibiu. São as ações cuja bondade não está na pró
ki <lc Deus, fica daro que esta se destina a promover a felicidade pria raiz da natureza humana, mas que foi imposta por Deus para
e o bem-estar do homem. Não haveria delitos e, em consequência, aperfeiçoar o homem segundo os seus desígnios. Um exemplo sim
nfto haveria necessidade de juízes, polícia e cadeias. Não haveria ples da lei divina positiva é a obrigação que temos de receber a
cobiça ou ambição, e, cm consequência, não haveria necessidade Sagrada Eucaristia por indicação explícita de Cristo.
de guerras, exércitos ou armadas. Não haveria lares desman Quer consideremos uma ou outra lei, a nossa felicidade depende
chados, nem delinquência juvenil, nem hospitais para alcoólatras. da obediência a Deus. "Se queres entrar na vida", disse Jesus, "cum
Sabemos que, como consequência do pecado original. este mundo pre os mandamentos" (Mt 19, 17).
t
i
helo e feliz jamais existirá. Mas, individualmente, podl:' existir parn
cada um de nós. Nós, como a humanidade no seu conjunto, encontra Amar significa não ter em conta o que as coisas custam. Uma
ríamos a verdadeira felicidade, inclusive neste mundo, se identificásse mãe jamais pensa em medir os esforços e desvelos que dedica a seus
mos a nossa vontade com a de Deus. Fomos feitos para amar a filhos. Um esposo não leva em conta a fadiga que lhe causa velar
Deus aqui e na eternidade. Este é o fim da nossa existência, nisso pela esposa• doente. Amor e sacrifício são termos quase sinônimos.
encontramos a nossa felicidade. E Jesus nos dá as instruções para Por essa razão, obedecer à lei de Deus não é um sacrifício para quem
cnnseguirmos essa felicidade com simplicidade absoluta: "Se me o ama. Por essa razão, Jesus resumiu toda a Lei de Deus em dois
amais, guardai os meus mandamentos" (Jo 14, 15). f grandes mandamentos de amor.
J "E perguntou-lhe um deles, que era doutor, tentando-o: Mestre,
A lei de Deus que rege a conduta humana chama-se lei moral, qual· é o maior mandamento da lei? Ele lhe disse: Amarás o Se
.:
do latim "mores", que significa modo de agir. A lei moral é dife nhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com
j

!
rente das leis físicas, pelas quais Deus governa o resto do universo. toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. O
As leis da astronomia, da física, da reprodução e do crescimento, segundo é semelhante a este: Amarás O próximo como a ti mesmo.
obrigam neL:essariamente a natureza criada. Não há modo de iludi Desses dois preceitos dependem toda a Lei e os Profetas (Mt 22,
-las, não há liberdade de escolha. Se você dá um passo sobre o 35-40).
precipício, a lei da gravidade atua fatalmente e você se despenca, a Na realidade, o segundo mandamento está contido no primeiro,
menos que a neutralize por outra lei física - a da pressão do ar - porque, se amamos a Deus com todo o coração e com toda a alma,
e utilize um paraquedas. Mas a lei moral ohriga-nos de modo di amaremos aqueles que, atual ou potencialmente, possuem uma parti 4

ferente. Atua dentro do marco do livre aré-ítrio. Não devemos de cipação na bondade divina, e quereremos para eles o que Deus quer,
sobedecer à lei moral, mas podemos fazê-lo. Por isso dizemos que Também nos amaremos retamente a nós mesmos, querendo para nós
a lei moral obriga moralmente, mas não fisicamente. Se não fôsse o que Deus quer. Quer dizer, -acima de tudo, quereremos crescer em
mos fisicamente livres, não poderíamos ter mérito. Se não tivéssemos amor a Deus, que é o mesmo que crescer em santidade; e, mais
liberdade, a nossa obediência não poderia ser um ato de amor. que tudo, qureremos ser felizes com Deus no céu. Nada que se in
Ao considerarem a lei divina, os moralistas distinguem entre lei terponha entre Deus e nós terá valor. E como o amor por nós é a
natural e lei positiva. A reverência dos filhos para com os pais, a medida do nosso amor ao próximo (que se estende a todos, exceto
fidelidade matrimonial. o respeito à pessoa e à propriedade alheias aos demônios e aos condenados do inferno), desejaremos para ff
pertencem à própria natureza humana. Esta conduta, que a cons- nosso próximo o que desejamos para nós. Quereremos que o próxi
1.-,0 OS DOIS GRANDES MANDA IEVl'OS
SlfHLL\:HA.H O lJOSITl\'O 15l
mo cresça em amor a Deus, que cresça em santidade. Quereremos
também que alcance a felicidade eterna para a qual Deus o criou. santidade: fazer a vontade de Deus em matérias obrigatórias. Mas
Isto significa, por sua vez, que teremos que odiar qualquer coisa " 11flo deveríamos pôr limites. Jl(io há limites no nosso crescimento cm
que separe o próximo de Deus. Odiaremos as injustiças e os males santidade. O autêntico amor a Deus supera a letra da lei, indo
<.10 seu espírito. Devemos esforçar-nos por fazer não só o que é
kitl)S pelo homem. que podem ser obstáculos para o seu crescimento
cm santidade. Odiaremos a injustiça social, as moradias inadequa bom, mas o que é perfeito. Aos que não têm medo de voar alto, o
das, os salários insuficientes, a exploração dos fracos e ignorantes. Senhor propõe a observância dos chamados conselhos evangélicos:
pohr, 'La voluntária, castidade perpétua e obediência perfeita.
Amaremos e procuraremos tudo o 4ue contribua para a bondade,
felicidade e perfeição do nosso próximo. Falaremos de cada um deles - dos :t\.1andamentos de Deus e
Ja sua Igreja, das obras de misericórdia e dos conselhos evangélicos
Deus facilitou-nos o trabalho ao apontar-nos nos Dez Manda - a seu devido tempo. E, dado que o lado positivo é menos co
mentos os nossos principais deveres para com Ele, para com o nosso nhecido que as proibições, comecemos com as obras de misericórdia.
próximo e para conosco próprios. Os três primeiros mandamentos
declaram os nossos deveres para com Deus; os outros sete indicam
os principais deveres para com o nosso próximo e, indiretamente, SUBLINHAR O POSITIVO
para conosco próprios. Os Dez Mandamentos foram dados original
mente por Deus a Moisés no Monte Sinai, gravados em duas tábuas É pena que, para muita gente, levar uma vida cristã não signi
de pedra, e foram ratificados por Jesus Cristo, Nosso Senhor: "Não fique senão "guardar-se do pecado". De fato, "guardar-se do pe
penseis que vim revogar a Lei ou os profetas; não vim revogá-la, cado" é apenas um lado da moeda da virtude. É algo necessário,
mas aperfeiçoá-la" (Mt. 5, 17). Jesus aperfeiçoa a Lei de duas ma mas não suficiente. Talvez essa visão negativa da religião, que se
neiras. contempla como uma série de proibições, explique a falta de alegria
Em rrimeiro lugar, fixa-nos alguns deveres concretos para com de muitas almas bem intencionadas. Guardar-se do pecado é o co
Deus e para com o próximo. Estes deveres, dispersos nos Evange meço básico, mas o amor a Deus e ao próximo vai muito mais
lhos e nas Epístolas, são os que se relacionam nas obras de mi sericórdia longe.
corporais e espirituais. Em segundo lugar, Jesus esclarece esses deveres Para começar, temos as obras de misericórdia corporais. Cha mam-
dando à sua Igreja o direito e o dever de interpretar e aplicar na se assim porque dizem respeito ao bem-estar físico e temporal do
prática a lei divina, o que se concretiza nos denomi nados próximo. Respigadas das Sagradas Escrituras, são sete: ( 1) vi sitar
mandamentos da Igreja. e cuidar dos enfermos; (2) dar de comer a quem tem fome;
Devemos ter em conta que os mandamentos da Igreja não são (3) dar de beber a quem tem sede; (4) dar pousada aos peregrinos;
novas cargas adicionais que nos obriguem por cima e para além (5) vestir os nus; (6) redimir os cativos, e (7) enterrar os mortos.
dos mandamentos divinos. As leis da Igreja não são mais do que Na sua descrição do Juízo Final (Mateus 25, 34-40), Nosso Senhor
interpretações e aplicações concretas da lei de Deus. Por exemplo, estabelece o seu cumprimento como prova do nosso amor por Ele.
Deus ordena que dediquemos algum tempo ao seu culto. Nós pode
ríamos dizer: "Sim, quero fazê-lo, mas como?" E a Igreja responde: Quando nos detemos a examinar a maneira de cumprir as obras
''Indo à Missa aos domingos e dias. de guarda". Este fato, o fato de misericórdia corporais, vemos que são três as vias pelas quais
de as leis da Igreja não serem senão aplicações práticas das leis divi• podemos dirigir os nossos esforços. Primeiro, temos o que se pode
nas, é um ponto que mcn:ce ser destacado. Há pessoas. até cató ria chamar a "caridade organizada". Em nossas cidades modernas,
licas, que· raciocinam distinguindo as leis de Deus das kis da Igreja, é muito fácil esquecer o pobre e desgraçado, perdido entre a multi
como se Deus pudesse estar em oposição consigo mesmo. dão. .Mais ainda, algumas necessidades são demasiado grandes para
Aqui temos, pois, as diretrizes divinas que nos dizem como aper que possam ser remediadas por urna só pessoa. E assim contamos
feiçoar a nossa natureza, como cumprir a nossa vocação de almas com muitos tipos de organizações para as mais diversas atenções
redimidas: os Dez Mandamentos de Deus, as sete obras de miseri córdia sociais, a que os necessitados podem recorrer. Temos hospitais, or
corporais e as sete espirituais, e os mandamentos da Igreja de fanatos, asilos, instituições para crianças abandonadas e subnormaís,
Deus. Todos eles, é claro, prescrevem somente um mínimo de para mencionar algumas. Quando as ajudamos, quer diretamente,
quer por meio de coletas ou campanhas, cumprimos uma parte de
152 OS DOIS GRANDES MANDA IENTOS SlTBLl'.'.HAR O POSITIVO 153

nossas obrigações para com o próximo, mas não todas. por motivos "humanitários" ou econômicos). Mas a enfermidade do
Outro modo de praticar as obras de misericórdia corporais é irmão é um repto nistão para todos sem exceção. Cristo nos acom panha
colaborar em movimentos pela promoção cívica e social. Se nos
de cada vez que visitamos um dos seus membros doentes: são
preocupamos de melhorar a habitação das famílias pobres; se traba visitas que não curam, mas que confortam e animam. O tempo que
lhamos para atenuar as injustiças que pesam sobre os migrantes do empreguemos em ler alguma coisa a um convalescente ou a um cego.
campo; se apoiamos os justos esforços dos operários para obter um em aliviar por umas horas o trabalho de uma dona de casa, suhstituindo-a
salário adequado e segurança econômica; se prestamos a nossa na atenção ao marido ou ao filho doente, tem um mérito muito
cooperação ativa a organizações cujo objetivo é tornar a vida do grande. Mesmo um bilhete expressando o nosso de sejo de que o
próximo um pouco menos pesada, estamos praticando as obras de doente melhore, enviado por amor de Deus, nos ga nhará o sorriso
misericórdia corporais. divino.
Mas, evidentemente, tudo isto não nos livra da obrigação de "Enterrar os mortos". Já ninguém no nosso país tem que cons
prestar ajuda direta e pessoal aos nossos irmãos sempre que se apre sente truir um caixão ou cavar uma sepultura a serviço do próximo. Mas,
a oportunidade - ou, melhor dito, o privilégio. Não posso dizer ao quando vamos a um velório, honramos Cristo, cuja graça santi
necessitado que conheço: "Já dei a tai associação de cari dade; ficou o corpo a que oferecemos nossos últimos respeitos. Quem
procure-a". Tenhamos presente que Cristo se apresenta de baixo de acompanha um enterro pode dizer com razão que, na pessoa do pró
muitos disfarces. Se somos demasiado "prudentes" em nossa ximo, está acompanhando Cristo à sepullura.
generosidade, avaliando cientificamente o "mérito" de uma ne cessidade,
chegará necessariamente um momento em que Cristo nos encontrará Quando, por amor de Cristo, nos ocup mos em suavizar os
adormecidos. Jesus falou muitas vezes dos pobres, mas nem uma só
mencionou "os pobres meritórios". Damos por amor a Cristo, e o mérito ' dissabores de um nosso irmão, estamos agradando a Deus. Quando
nos empenhamos, por meio das obras de misericórdia corporais, em
ou demérito do pobre não nos deve preocupar excessivamente. Não diminuir as necessidades do próximo - doença, pobreza, tribulação -,
podemos fomentar a vadiagem dando com imprudência; mas devemos o céu nos sorri. Mas a sua felicidade eterna tem uma impor_Uincia
ter em conta que negar a nossa ajuda a uma família necessitada por infinitamente maior que o bem-estar físico e temporal. Por isso, as
ser uma coleção de inúteis, porque o pai bebe ou a mãe não é boa obras de misericórdia espirituais são mais urgentes para o cristão que
dona de casa (o que equivale a castigar as crianças pelos defeitos dos as corporais.
pais), é pôr em perigo a salvação da nossa alma. A verdade não é As obras de misericórdia espirituais são tradicionalmente sete:
menos exigente que isso. (1) ensinar a quem não sabe; (2) dar bom conselho a quem dele
Além de proporcionar alimentos, roupas ou meios econômicos necessita; (3) corrigir a querr erra; (4) perdoar as injúrias; (5)
urgentes aos necessitados, existem, evidentemente, outras maneiras de consolar o triste; (6) sofrer com paciência os defeitos do próximo;
praticar as obras de misericórdia. No mundo de hoje, não é tão (7) rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos.
fácil "visitar os presos" como o era nos tempos do Senhor. Muitos "Ensinar a quem não sabe.'' O intelecto humano é um dom
presos têm as visitas limitadas aos parentes próximos. Mas podemos de Deus, e Ele quer que o utilizemos. Toda verdade, tanto humana
comunicar-nos com os capelães das prisões ou das penitenciárias e como sobrenatural, reflete a infinita perfeição de Deus. Em conse
perguntar-lhes como poderíamos ser úteis aos presos. Cigarros, ma quência,, todo aquele que contribui para o desenvolvimento da mente,
terial de leitura ou de recreio? Terços, devocionários, escapulários? formando-a na verdade, realiza uma obra autenticamente cristã, se o
(Facilmente podíamos ser tu e eu quem estivesse atrás das grades!) faz por amor a Deus e ao próximo. Aqui os pais têm o papel mais
Muito melhor que visitar os presos é procurar que não cheguem a importante, e logo a seguir os mestres, incluídos os que ensinam ma
essa situação. Tudo o que possamos fazer para melhorar a nossa térias profanas, porque toda a verdade é de Deus. Não é difícil ver
vizinhança - proporcionando instalações para que a juventude tenha a razão pela qual o ensino se torna uma vocação tão nobre, uma
diversões sãs e atividades formativas; estendendo a mão ao jovem vocação que pode ser estrada real para a santidade.
que vacila à beira da delinquência, etc. - nos assemelha a Cristo. Naturalmente, o conhecimento de maior dignidade é o conheci
"Visitar os enfermos". Como são afortunados os médicos e as mento religioso. Os que dão aulas de catecismo praticam essa õbra
enfermeiras que dedicam toda a sua vida à sexta obra de misericórdia de misericórdia na sua forma mais plena. Inclusive os que ajudam
corporal! (sempre que o façam movidos pelo amor a Deus, e não a construir e a sustentar escolas católicas e centros catiquéticos, tanto
J.'H OS DOIS GRA:--JDES i\lANDAMENTOS 1.5.')
O .\l:\lOH HE.\l

na nossa pátria como em centros de missão, compartilham o mérito


que deriva de "ensinar a· quem não sabe". pensa: ..Meus trmãos, se algum de vós se extraviar da verda•
de e outro conseguir convertê-lo, saiba que aquele que reconduz
'"Dar bom conselho a quem dele necessita" é uma obra de mi•
um pecaJor do erro do seu caminho salvará a sua própria alma da
sericórdia que dispensa comentários. A maioria das pessoas gosta
morte e cobrirá a multidão de seus pecados" (Tiago 5, 19-20).
Je dar a sua opinião. Quando tivermos que aconselhar, estejamos
"Perdoar as injúrias" e '·sofrer com paciência os defeitos do
i.:t:rtos de que o nosso conselho é cem por cento sincero, desinteres
sado e baseado nos princípios da fé. Tenhamos a certeza de não prox1mo Ah Aqui é que as coisas ficam pretas. Tudo o que
escolher o caminho fácil de dar a quem nos escuta o conselho que temos de humano, tudo o que nos é natural se subleva contra o
quer ouvir, sem ter em conta o seu valor; também não devemos cair mot('rista imprudente que nos fecha a passagem, contra o amigo que
no extremo contrário de dar um conselho que se baseie nos nossos atra:1çoa. contra o vizinho que espalha mentiras sobre nós, contra
o u-1merdante que nos engana. É aqui que tocamos o nervo mais
interesses egoístas.
endvel do amor próprio. Custa tanto dizer com Cristo na sua cruz:
"Corrigir a quem erra" é um dever que recai principalmente
"Pai,. perdoa-os porque não sabem o que fazem"! Mas temos que
sobre os pais e só um pouco abaixo sobre os mestres e demais edu
fazê-lo, se de verdade somos de Cristo. É aqui que o nosso amor
cadores da juventude. Este dever é muito claro; o que nem sempre
a o us passa pela prova máxima e se vê se o nosso amor ao próximo
enxergamos com a mesma clareza é que o exemplo é sempre mais
é atilcnticamente sobrenatural.
convincente que as admoestações. Se no lar há intemperança ou
"Consolar os tristes" é algo que, para muitos, surge espontanea
uma preocupação excessiva pelo dinheiro ou pelos êxitos mundanos;
mente. Se somos seres humanos normais, sentimo-nos naturalmente
se há críticas maliciosas ou os pais brigam diante dos filhos; se
compadecídos dos aflitos. Mas é essencial que o consolo que ofere
papai fanfarroneia e mamãe mente sem escrúpulos ao telefone, en
tão, que Deus se compadeça desses filhos a quem os pais educam ce1r.os seja mais do que meras palavras e gestos sentimentais. Se
no pecado. pudemos fazer alguma coisa para confortar o que sofre, não podemos
deixar de fazê-lo por nos causar aborrecimentos ou. sacrifícios. Nossas
"Corrigir a quem erra" não é uma obrigação exclusiva de pais
palavras de consolo serão mil vezes mais eficazes' se forem acompa
e mestres. A responsabilidade de conduzir os outros para a virtude
nhudas de obras.
é algo que nos toca a todos, de acordo com a nossa maior ou me
nor autoridade. É um dever que temos que exercer com prudência
,. FÍl:almente, "rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos" é algo
que certamente todos fazemos, conscientes do que significa ser mem
e inteligência. Às vezes, ao ser corrigido, um pecador obstina-se
bro do Corpo Místico de Cristo e da Comunhão dos Santos. Mas
mais no seu pecado, especialmente se a correção é feita em tom
aqui também pode meter-se o egoísmo, se as nossas orações se limi
santarrão ou paternalista. (Não estou bêbado; deixe-me em paz.
Garçom, 1raga-me outro copo"). É essencial que façamos a nossa tarem às necessidades da nossa família e dos amigos mais íntimos.
correção com delicadeza e com carinho, tendo bem presentes as nos• A nossa oração, como o amor de Deus, deve abarcar o mundo.
sas próprias faltas e fraquezas.
Mas prudência não quer dizer covardia. Se sei que um amigo O MAIOR BEM
meu usa contraceptivos, ou comete infidelidades conjugais, ou pla
neja casar-se fora da Igreja, ou de outro modo põe em perigo a "Se me amas", diz Deus, "o que deves fazer é isto": e nos dá
sua salvação eterna, o amor a Deus me exige que faça tudo o que os seus ma11damentos. "Se me amas muito", acrescenta Ele, "isto é
está ao meu alcance para dissuadi-lo do seu suicídio espiritual. É o que poderias fazer'', e nos dá os conselhos evangélicos, um convite
uma covardia da pior espécie procurar eximir-se dizendo: "Bem, à prática da pobreza voluntária, da castidade perpétua e da obe
ele sabe tão bem como eu o que está certo e o que está errado; já 1
di0ncia perfeita. Chamam•se "evangélicos" porque é nos Evangelhos
<'
tem idade para saber o que faz; nüo é assunto meu dizer.lhe o que que enconlramos o convite que Jesus nos dirige para que os prati•
km qu.: fazer." Se eu o visse apontando uma pistola à cabeça, qucmos.
ou chegando uma faca ao pescoço, certamente consideraria assunto Vale a pena recordar na sua totalidade o patético incidente que
meu dct0•lo, por muito que essa pessoa prokstasse pela minha in• Süo Mateus nos conta no capítulo XIX do seu Evangelho (versículo
tromissão. E é evidente que a sua vida espiritual deve preocupar-me í 6-20): "Aproximou-se de Jesus um jovem e perguntou-lhe: Mestre,
mais do que a sua vida física. Ouçamos qual será a nossa recom• que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna? Disse-lhe Jesus:

,'l ,
1.56 OS DOIS Cfü\:\DES \1.\ ,IH IEYrüS
O IAIOR BE ! 157

Por que me interrogas a respeito do que se deve fazer de bom? Só dos bens deste mundo, a sobriedade na satisfação dos gostos e ne
Deus é bom. Se queres entrar na vida. guarda os mandamentos. cessidades, a partilha generosa dos bens com outros menos afortuna dos,
Quais? perguntou· ele. E Jesus disse: Nào matarás, não cometerás em atitude de agradecimento a Deus pelo que nos dá, ao mesmo tempo
adultério, nf10 furtarás. não levantarás falso testemunho. honra teu que nos desprendemos de tudo isso para o caso de Ele nos pedir que lho
pai e tua mãe e ama o teu próximo como a ti mesmo. Disse-lhe o devolvamos.
jovem: Tenho observado tudo isso desde :l minha infância. Que Para cada um segundo o seu estado, a castidade é imprescin
me resta ainda? Disse-lhe Jesus: Se qu.eres ser perfeito. vai, vende dível. Para o solteiro, a castidade deve ser absoluta. com voto ou
o que tens. dá-o aos pobres. e terás um tesouro nos céus. Depois, sem voto. Certamente, é uma das glórias da nossa religião que tan
vem e segue-me. Ao ouvir estas po.lavras, o jovem retirou-se triste. tos vivam a castidade perfeita, fora e dentro de um mundo cujas
porque possuía muitos bens". seduções são tão abundantes e onde as ocasiões são tão frequentes.
Sentimos uma grande compaixão por esse jovem que esteve tão Há heroísmo autêntico na pureza dos jovens que dominam o impe
perto de ser um dos primeiros discípulos do Senhor, mas perdeu a rioso instinto sexual até que a idade e as circunstâncias os permitam
sua gloriosa oportunidade porque não teve generosidade. Não há casar-se. Há um heroísmo menos chamativo, mas não menos real,
dúvida de que hoje também Jesus está chamando uma multidão de nos solteiros de m1is idade cuja situação é tal que não os permite
almas. Falta tanto da sua obra por realizar, sfto precisos tantos ope casar-se, talvez para sempre. Há um nobre heroísmo na continência
rários! Se o número de opcdrios é insuficiente (e sempre o é), daqueles que fizeram a opção de permanecer· solteiros no mundo,
não é porque Jesus não chame. Pode acontecer que não se queira para poderem dar-se mais plenamente ao serviço dos outros. Há
ouvir a sua voz, ou que. como ao jovem do Evangelho, falte gene nestes leigos ·que preferiram o celibato uma profunda reverência pela
rosidade para segui-lo. Por isso é c sencial que todos, pais e filhos, faculdade sexual, que encaram como um maravilhoso dom de Deus.
compreendam a natureza dos conselhos evangélicos e a natureza da reservado para os fins que Ele designou, e que deve manter-se impo
vocação para a vida religiosa. luto enquanto esses fins não sejam possíveis. E também dentro da
vida conjugal se deve viver a castidade, a formosíssima castidade
De todos os conselhos e diretrizes que se dão no Evangelho, os
dos esposos cristãos. para os quais a união física não é uma diversão
chamados conselhos evangélicos são os mais perfeitos. Sua obser vância
ou um meio de satisfação egoísta, mas a feliz expressão da união
nos liberta - na medida em que a natureza humana pode ser livre
interior e espiritual de um com o outro e com Deus, para cumprir
- dos obstáculos que se opõem ao nosso crescimento em santidade, em
a sua Vontade, sem pôr limites aos filhos que Ele queira enviar,
amor a Deus. Quem abraça esses conselhos renuncia a uns bens
abstendo-se de usar do sexo sempre que isso sirva melhor aos fins
valiosos, mas menores, que, no quadro da nossa natureza decaída,
de Deus.
competem frequentemente com o amor a Deus. Ao despo sarmos
Por último, há a obediência no mundo, a submissão da von
voluntariamente a pobreza, manietamos a cobiça e a ambição, que são as
tade, ao que o verdadeiro amor a Deus e ao próximo reclamam, mui
instigadoras de tantos pecados contra Deus e contra o prox1mo. Ao
tas vezes obrigatoriamente. Esta obediência não implica somente a
oferecermos a Deus a castidade perfeita, subjugamos a carne para
submissão à voz de Deus na sua Igreja e à vontade de Deus nas
que o espírito possa elevar-se sem amarras nem divi sões até Deus.
circunstâncias da vida que muitas vezes são fonte de contrariedades.
Ao aderirmos à obediência perfeita, fazemos a mais custosa das
Implica a submissão diária da vontade e o controle dos desejos para
renúncias. entregamos o que é mais caro ao homem, mais que a
todos os que querem viver em paz e caridade com os outros, seja o
ambição de possuir ou o poder de procriar: renunciamos ao domínio
esposo com a esposa, ou o vizinho com o vizinho.
da nossa própria vontade. Esvaziados de nós mesmos tão
completamente quanto possa sê-lo um homem - sem proprie Sim, não há dúvida de que o espírito dos conselhos evangélicos
.,
dade. sem família, sem vontade própria -. ficamos livres ao máximo pobreza, castidade e obediência - não se encerra entre os muros
dos nossos condicionalismos, para abrir-nos à ação da graça; esta dos conventos e mosteiros. Esse espírito é essencial a toda vida
mos no caminho da perfeição. autenticamente cristã. A maioria dos cristãos é chamada a viver
Se queremos progredir em santidade, o espírito dos conselhos este espírito, emhora a sua observáncia absoluta só se peça a uns
evangélicos é imprescindível a todos nós. A todos, casados ou poucos. O Corpo Místico de Cristo é um corpo, e não apenas alma.
solteiros, religiosos ou fiéis comuns, é necessário o desprendimento Por isso tem que haver pais crist 1os que perpetuem os membros
158 OS DOIS GRA'\DES \IA'\IJ 1\IE'\Tm O MAIOR BE\! 159

de se Corpo. Mais ainda, se o espírito de Cristo deve impregnar o Os que entram para a vida religiosa obrigam-se à observância
mundo, deve haver exemplos de Cristo em todas as circunstâncias da pobreza, castidade e obediência. Os votos podem ser feitos por
da vida, deve haver homens e mulheres cristãos em todos os oficias, toda a vida ou por um determinado número de anos. Mas antes
profissões e estados. de se fazer qualquer voto, há um tempo de formação e de prova
É. evidente que há muita gente que vivt: "no mundo" e é muito espirituais, que se chama ''noviciado" e que pode durar um ou àois
mais santa que outros que vivem ''cm religião". É igualmente evi anos, a que se seguem os votos temporários, que proporcionam um
dente que ninguém deve pensar que está condenado a uma vida novo tempo de prova, até se pronunciarem os votos finais.
'"imperfeita'' porque não se tornou frade ou freira. Para cada indi viduo, A vida dos religiosos está aherta a qualquer pessoa solteira e
a vida mais perfeita é aquela para a qual Deus o chama. Há santas na maior de quinze anos, que não esteja impedida r,or obrigações ou
cozinha como as há no claustro: no mercado como no convento. responsabilidades que a tornem incompatível com a vida religiosa,
Mas não há dúvida de que. indt.'pendenkmente da vocação como, por exemplo, a obrigação de cuidar de um parente doente.
particular de um determinado indivíduo, a vida religiosa é vida Se alguém tem saúde física e meilial normais, não precisa senüo de
de perfeição, não porque uma pessoa se faça automaticamente per ter uma intenção reta para dar esse passo: o desejo de agradar a
feita ao pronunciar os três votos religiosos. mas porque tomou p Deus, de salvar a alma, de ajudar o prox1mo. Tendo em conta as
numa senda de perfeição ao renunciar a tudo o que poderia em prementes necessidades atuais, podemos ter a certeza de que Deus
baraçá-la no seu propósito de consagrar-se a Deus. Suas orige11s são chama muitas almas, que não aceitam o seu convite. Talvez não
tão antigas como a própria Igreja. A vida religiosa que hoje conhe sigam a sua voz - Ele fala sempre com suavidade -; talvez a
cemos - um belo mosaico composto de muitas ordens e congrega ouçam, mas se assustem com a dificuldade, sem levarem cm conta
ções - tem a sua origem nas "Virgens" e "Confessores" da primi que quem as chama é Deus e Ele dará a fortaleza necessária; talvez
tiva cristandade. ouçam e tenham a suficiente generosidade, mas são dissuadidas pelos
pais, que, com boa intenção, aconselham cautela e demoram a deci
Além da JJecessidade que tem o mundo de testemunhos vivos são, até que conseguem calar a voz de Deus e malograr a vocação.
que mostrem que o amor de Deus pode preencher o vazio de outros Como se poderia ter "cautela" com Deus! Uma das intenções cons
amores menores, há outra razão para a promoção da vida religiosa. tantes de nossas orações deveria ser pedir para que todos aqueles
O preciosíssimo Sangue de Cristo chama as almas pelas quais Ele a quem Deus chama escutem sua voz e respondam; e para que aque
morreu com uma urgência que não se pode ignorar; seu número é tão les que responderam tenham a graça da perseverança.
grande e o trabalho tifo vasto que há necessidade de uma hoste de
almas generosas e abnegadas que se entregue, sem nada que as possa
distrair, às obras de misericórdia corporais e espirituais. Há necessi dade
de centrais de luz e energia espiritual, de oraçüo, que consigam as
graças necessárias para os insensatos que nüo querem rezar, e assim
temos as ordens de monges e monjas de clausura, cujas vidas estão
inteiramente dedicadas à oração e à penitência em favor do Corpo
Místico de Cristo.
São necessários braços e coraçôes sem conta para o cuidado dos
enfermos. dos aflitos. dos em br: para buscar em seu domicílio e
trazer ao redil as ovelhas perdidas; para ensinctr nas escolas e colé
gios, a fim de:: que se fale de Deus e não sú de Júlio César e de
Shakespeare: para ensinar o catecismo. E assim temos as congre gações
de homens e mulheres que se dedicam a estas obras de cari dadc-. nito
por dinheiro. prL·stígio ou satisfaçã!.J, mas sim por amor a Deus e às
almas. S(1 Deus ahc quanto trah;1lho fic:nia por fazer se não
existissem essas almas.
o osso PRI\IEIRO DEVF.R 161

CAPÍTULO XVI terás outros deuses diante de Mim". era o primeiro mandamento.
O segundo era: "Não farás para ti escultura nem imagem alguma
O PRIMEIRO MANDAMENTO Não te prostrarás diante dessas coisas nem lhes prestarás culto".
Depois, para manter exatamente o número de dez, os dois últimos
mandamentos - "Não cobiçarás a casa do teu próximo" e "Não
desejarás a mulher do teu próximo nem nada do que lhe per
tence" - se juntaram em um só. Quando Martinho Lutero deu
origem à primeira confissão protestante, escolheu este sistema de
numeração. O outro sistema, que nos é tão familiar, fez-se comum
na Igreja Católica. Esta circunstância fez com que o nosso se
gundo mandamento seja para muitos protestantes o terceiro, o
nosso terceiro o quarto, e assim sucessivamente. Num catecismo
protestante, e o sétimo mandamento e não o sexto que proíbe o
O NOSSO PRIMEIRO DEVER adultério. Em ambos os casos, os mandamentos são os mesmos;
há apenas diferentes sistemas de numeração.
O supremo destino do homem é dar honra e glória a Deus. Já mencionamos que o número dez não é senão uma ajuda
Para isso fomos feitos·. Qualquer outro motivo para nos criar teria mnemônica. Vale a pena recordar que os mandamentos em si são
sido indigno de Deus. É, pois, correto dizer que Deus nos fez para também ajudas que Deus proporciona à memória, seja qual for o
sermos eternamente felizes com Ele. Mas a nossa felicidade é uma sistema de numeração. No Monte Sinai, Deus - à exceção de ter
razão secundária do nosso existir; é a consequência de cumprirmos o destinado um dia específico para Ele - não impôs novas obriga ções
fim primário para que fomos destinados: glorificar a Deus. à humanidade. Desde Adão a lei natural exigia do homem a prática
Não é de surpreender, pois, que o primeiro dos Dez Manda do culto a Deus, da justiça, da veracidade, 'da castidade e das
mentos nos recorde essa obrigação. "Eu sou o Senhor teu Deus", demais virtudes morais. Deus apenas gravou em tábuas de pe dra o
escreveu Deus nas tábuas de pedra de Moisés, "não terás outros que a lei natural já exigia do homem. Mas, no Monte Sinai, Deus
deuses diante de Mim". É uma forma resumida do primeiro man também não nos entregou um tratado exaustivo de lei moral. Limitou-se
damento. Tal como aparece no livro do Êxodo, no Velho Testa a proporcionar uma lista do_s pecados mais graves contra as virtudes
mento (capítulo XX, versículos 2 a 6), é muito mais comprido: "Eu mais importantes: idolatria contra religião, profanação contra
sou o Senhor teu Deus. que te tirei da terra do Egito, da casa da reverência, homicídio e roubo contra justiça, perjúrio contra veracidade e
servidão. Não terás outros deuses diante de Mim. Não farás para caridade; e deixou ao homem essas virtudes como guias onde enquadrar
ti escultura nem imagem alguma do que está no alto dos céus, ou os deveres de natureza similar. Poderíamos dizer que os Dez
em baixo sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te pros Mandamentos são como dez cabides onde podemos pen durar
trarás diante dessas coisas nem lhes prestarás culto; porque. eu sou o ordenadamente as nossas obrigações morais.
Senhor teu Deus, um Deus zeloso, que vinga a iniquidade dos pais
nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam; Mas voltemos agora à consideração particular do primeiro man
e que usa de misericórdia até mil gerações com aqueles que me amam damento. Podemos dizer que poucos de nós se acham em situação
e guardam os meus mandamentos". de cometer um pecado de idolatria em sentido literal. Mas já se
Este é o primeiro mandamento na sua forma completa. Pode poderia falar figurativamente daqueles que rendem culto ao falso
ser de interesse mencionar aqui que os mandamentos, segundo Deus deus de si mesmo: aos que colocam as riquezas, os negócios, o êxito
os deu, nüo estào claramente numerados de um a dez. A sua dis social, o prazer mundano ou o bem-estar físico acima dos seus de
posição em dez divisões, para ajudar a memorizá-los, é coisa dos veres para com Deus. No entanto. esses pecados de auto-idolatria
homens. Antes que a invenção da imprensa tendesse a normRlizar enquadram-se, em geral, em mandamentos diferentes do primeiro.
as coisas, os mandamentos se numeravam umas vezes de uma ma Admitindo que o pecadc, dP. idolatria não é problema para nós,
neira, outras de outra. Frequentemente, o primeiro mandamento, tão poderemos dirigir a nossa atenção para o significado positivo do
extenso, dividia-se cm dois: "Eu sou o Senhor teu Deus , não primeiro mandamento. Dele se pode afirmar - como de quase to-

1,
ili IJ !'Hl.\!FIH(l .'d.\\/)_-\\JE.\"l()
O .'\OSSO l'HL\IEIHO DE\.EH 163

do us outro - ljlll' ,1 fornia lll'_!;!JlÍ\<1 i.:n1 que M.'. L',\prc sa 11ãt) passJ
de uma f/1rmul.i liicrária p3ra ressaltar sinteticamente os nossos dc Para um não católico. istn significa que, mal começa a suspeitar
\'l'fl'S pt)sitÍ\'l)S. Assim. o prim..:-iro mandamento ordena que nfere- que nflo possui a verdadeira religião revelada por Deus, está obri
1.;arnos uniL'<llllC!ltç a Deus n n!lto supremo. culto qui.: lhi.: 0 devido cado imediatamenll: a procurá-la. Quando a encontra, está obrigado
como Criador e fim nosso. i.: L'ssa obriga,/10 positiva Jbrangc muito ; abraçá-la. a fazer o seu ato de fé. Nós não podemos julgar nin
mais coisas do que a mera abstenção da idolatria. gu m. pois só Deus lê os corações, mas todo sacerdote, no decurso
Nunca se insistir.í suficientemente na idl:ia de que levar uma do seu ministério, encontra pessoas que parecem estar convencidas
\'ic.la virtuosa é lllllilo !lldis que a simpks ahstcni;ão elo pci.:ê-ido. de que a fé católica é a verdadeira e, contudo. não entram na Igreja.
E como se o preço lhes parecesse excessivamente elevado; perda de
A virtude, como a:'.> moedas, klll am·crso revcn,o. Abster-se do
L' amigos, de negócios ou de prestígio. Às vezes, o obstáculo é o
mal temor de desgostar os pais segundo a carne, como se a lealdade
0 apenas uma face da mocdn. A outra 0 a necessidade de fa7e1 para com eles tivesse precedência sobre essa lealdade superior que
boas obras. que são o contr írio das más a qw.: rcnunciamns. Assim. devemos ao nosso Pai Deus.
pois, não hasta passar diank dL' um ídolo pagüo e não tirar o cha Nós, que já possuímos a fé, temos que ver se não dormimos
péu. Devemos prestar ativamente ao verdadeiro Deus o culto que lhe sobre os louros. Não podemos estar tranquilos pensando que, por
é devido. O catecismo resume os deveres a esse respeito com estas termos frequentado um colégio onde nos ensinaram o catecismo na
palavras: ''Prestamos culto a Deus por meio de atos de fé, espe juventude, já sabemos tudo o que precisamos sobre religião. Uma
rança e caridade, adorando-o e dirigindo-lhe as nossas oraçôcs". mente adulta necessita de uma compreensão de adulto das verdades
Em religião, tudo se baseia na fé. Sem ela, nào há nada. Por divinas. Ouvir com atenção sermões e práticas, ler livros e revis
isso devemos começar por concentrar a atenção na virtude da ft:. tas de doutrina cristã, participar de círculos de estudo, nf10 são
simples questüo de gosto, coisas cm que nos ocupamos se nos dá
Sabemos que a virtude da fé é infundida cm no sa alma. junta na vcneta. Nüo são práticas "piedosas" para "almas devotas". É
mente com a graça santificante, no momento do batismo. !\.fas a um dever essencial procurarmos um adequado grau de conhecimento
virtude da fé ficaria anquilosada em nossa alma st não a vitalizás da nossa fé, e esse dever resulta do primeiro dos mandamentos. Não
semos mediante atus de fé. Fazenws um ato de fé de cada vez que podemos fazer atos de fé sobre uma verdade ou verdades que nem
assentimos conscientemente às verdades reveladas por Deus: não pre sequer conhecemos. Muitas tentações sobre a fé, se as temos, desa
cisamente por as compreendermos plenamente: não precisamente pareceriam se nos déssemos ao trabalho de estudar um pouco maio;;
por nos terem sido demonstradas, e a prova nos kr convencido as verdades da nossa fé.
cientificamente: mas sim, primordialmente, porque Deus as revelou.
Deus, por ser infinitamente sábio, nflo pode enganar-se. Deus, por O primeiro mandamento não nos obriga apenas a procurar e a
ser infinitamente verdadeiro, não pode mentir. Em consequ0ncia. conhecer as verdades divinas e a aceitá-las. Também nos pede que
quando Deus diz que uma coisa é assim e não de outra maneira. não façamos atos de fé, que prestemos culto a Deus pela adesão explícita
se pode pedir certeza maior. A palavra divina contém mais certeza da nossa mente às suas verdades, uma vez alcançado o uso da razão.
que todos os tubos de ensaio e arrazoados lógicos do mundo. Quando devo fazer atos de fé? Com frequência, mas sobretudo
É fácil ver a razão por que um ato de fé é um ato de culto quando chega ao meu conhecimento uma verdade de fé que ignorava
a Deus. Quando digo "Meu Deus, creio nestas verdades porque Vós anteriormente. Devo fazer um ato de fé quando se apresenta uma
as revelastes, e Vós não podeis enganar-vos nem enganar-me". esta mos tcntaçi1o contra esta virtude ou contra outra qualquer em que a fé
honrando a sabedoria e a veracidade infinitas de Deus do modo mais esteja implicada. Devo fazer um ato de fé muitas vezes na vida,
prático possível, aceitando-as baseados na sua palavra. rara que a virtude ni1o fique inativa por falta de exercício. A prá
Este dever de dar culto a Deus pela fe impõe-nos umas obri tica habitual do hom cristão é fazer atos de fé diariamente, como
gações concretas. Deus não faz as coisas sem motivo. É evidente parte das oraçôes da manhã e da noite.
Ni1o 0 suficiente procurar conhecer a verdade, nem podemos
que, se nos deu a conhecer certas verdades, é porque de algum modo
!1m1l<-H-Jl1h, a prestar-lhe o nosso assentimento inkrior. O pri
elas nos seriam úteis para alcam;armos o nosso fim, que é dar glória
nJL"1r(l r11.1nd<1niL"11to rL'qu ·r que, ::tkm tfr,:-.(1. Li.,tamos rm1fis.\1/o e.\-
a Deus pelo conhecimento, pelo amor e pelo servü;o. Assim, saber 1,.:ru.1 ,Li 11,h,-.,,1 f · 1 -,1.1 ,llli1:_'..1\·,-tt' p,1.-.,-..,1 _, s(r i111p,:r.di\:1 :,1,:1np.-,·
que verdades são essas converte-se numa responsabilidade para nós.
segundo a nossa capacidade e oportunidades.
164 O PRIMElRO MA:\D.nlE TO
J'EC\DOS CO'iTRA A FE: lfl5

que a honra de Deus ou o bem-estar do prox1mo o requeiram. A é a sua religião, responderá: "Católico, naturalmente". Em geral,
honra de Deus o requer quando omitir essa profissão de té equiva defender-se-á dizendo que é melhor católico do que "muitos que vão
leria a negá-la. E esta obrigação não se aplica somente aos casos à Missa todos os domingos··. É uma desculpa típica, que todo sacer
ex trCmos. em que nos é exigida a negação expressa da nossa fé, como dote tem de ouvir uma vez por outra.
na antiga Roma ou nos atuais países comunistas, mas também à Um católico relaxado não é ainda um apóstata. De forma vaga,
vida ordinária de cada um. Podemos ter reparos em expressar a pretende voltar num futuro impreciso à prática da sua religião. Se
nossa fé por medo de que prejudique os nossos negócios, por medo morre antes de fazê-lo, não lhe será necessariamente negado o en
de chamar a atenção, por medo às ironias ou ao ridículo. O cató terro cristão, se o pároco puder encontrar nele qualquer sinal de
lico que assiste a um congresso, o católico que estuda na Universi que ainda conservava a fé e de que se arrependeu à hora da morte.
dade, a católica que participa em reuniões sociais, pode encontrar-se É uma idéia errônea supor que a Igreja nega enterro cristão aos
em situações em que ocultar a sua fé equivalha a negá-la, em pre que não cumprem o chamado dever pascal.
juízo da honra devida a Deus. É verdade que a Igreja toma este fato como evidência de que
E muitas vezes, quando fugimos de professar a nossa fé por uma pessoa possui a verdadeira fé: se consta que comunga pela
covardia, o próximo sofre tatnbém. Muitas vezes um irmão üU irmã Páscoa, não será preciso mais nada. Mas, como Mãe amorosa que é
de fé mais fraca observa a nossa conduta antes de decidir a sua para os seus filhos extraviados, basta à Igreja a menor prova para
forma de agir. Realmente, enfrentaremos muitas &ituações em que que conceda o enterro cristão ao defunto, supondo que este conser
a necessidade concreta de dar testemunho da nossa fé surgirá da vava a fé e se arrepe.pdcu de seus pecados, quer dizer, sempre que
obrigação de fortalecermos com o nosso exemplo a fé dos outros. não tenha morrido excomungado ou publicamente impenitente. Um
enterro cristão não garante, de modo algum, que determinada alma
vá para o céu, mas a Igreja não quer aumentar a dor dos parentes
1
PECADOS CONTRA A FÉ negando o enterro cristão, contanto que possa encontrar uma des
culpa válida para o autorizar.
O primeiro mandamento obriga-nos a conhecer o que Deus re velou Um católico relaxado não é necessariamente um católico apóstata,
e a crer nessas verdades firmemente. Isto é o que significa praticar a • se bem que, muito frequentemente, o relaxamento conduza à heresia.
virtude da fé. Sempre que deixamos de cumprir estas obrigações, Ninguém pode ir vivendo de costas para Deus, mês apús mês, ano
pecamos contra a fé. após ano; ninguém pode viver indefinidamente em pecado mortal,
Mas há certos pecados graves e concretos contra esta virtude rejeitando constantemente a graça de Deus, sem que afinal se en
que merecem uma menção especial, e o primeiro de todos é o pe contre sem fé. A fé é um dom de Deus, e tem que chegar um
cado de apostasia. A palavra "apóstata" soa de modo parecido a momento em que Deus, que é infinitamente justo como é infinita
"apóstolo", mas significa quase o contrário. Apóstolo é aquele que
mente misericordioso, não possa permitir que seu dom continue a
propaga a fé. Apóstata é aquele que a abandona completamente.
ser desprezado e se continue abusando do seu amor. Quando a mão
Encontram-se apóstatas em quase todas as paróquias: pessoas que
de Deus se retira, a fé morre.
dirão que foram católicas, mas que já não crêem em nada. Com fre
quência, a apostasia é consequência de um mau casamento. Começa Outra causa de apostasia, além do relaxamento, é a soberba
com um casamento realizado fora da Igreja ou com uma pessoa intelectual. É um perigo a que se expõe quem se aventura impru
que não pratica. Excluindo-se do fluxo da graça divina, a fé do dentemente a ultrapassar os seus limites intelectuais e espirituais. É
católico definha e morre, e no final do processo a pessoa se vê sem o caso do jovem que entra na Universidade e começa a descurar a
fé nenhuma. oraçf10, a missa e os sacramentos. Assim que abandona a sua vida
espiritual, vê-se deslumbrado pela atitude de desdenhosa superiori
Não são a mesma coisa apostasia e relaxamento. Pode haver dade deste ou daquele professor para com "as superstições supera
um católico relaxado que não Vá à Missa nem comungue há dez uas", entre as quais inclui a religião. Em. vez de aceitar o repto da
anos. Ordinariamente, a raiz desta negligência é simplesmente a irreligião superficialóide com que tropeça nas aulas - e estudar as
preguiça. "Trabalho muito toda a semana e tenho o direito de descansar respostas -, o jovem estudante troca a autoridade de Deus e da
aos domingos", dirá certamente esse homem. Se lhe perguntarmos sua Igreja pela autoridade do professor. Isto não quer dizer que
qual
,1
166 O l'Hl'.\IEIHO \l.\'\l).\\IE'\Tu !íi-;"
l'H \!Hh (.()',, ! H.\ :\ Ff:

a maioria dos professores universitários sejam ateus ou coisa pare


cida, mas apenas que é possível encontrar casos desses com alguma "-idas à nossa Missa. confessionários e paramentos litúrgicns em seu
e queimam incenso. Mas n::-10 é a sim: dizer que alguém
ll·mphi .
facilidade: professores que. levados pela sua prôpria insegurança,
é "quase catt'-ilico'' é ti""10 ahsurdo comn dizer que alguém estJ ''quase
tentam afirmar o seu eu menosprezando as mentes superiores à sua.
Um homem assim pode causar danos irreparáveis a estudantes im \·ivo"
Deve-se ter em conta que no pecado de heresia, conw -:m qual•
pressionáveis e contagiá-los com a sua soberba intelectual.
quer pecado. se distingue entre pecado material e pecado formal. Se
As leituras imprudentes são outro perigo frequente para a fé.
Uma pessoa afetada de pobreza intelectual pode ser presa fácil das uma p,:ssoa fat alguma c(1isa objetivamente errada, rnJs o ignora sen1
areias movediças de autores refinados e engenhosos, cuja atitude para culpa própria, dizemos que cometeu um pecado material. mas não
com a religião seja de suave ironia ou altivo desprezo. Ao ler tais formal. Um católico que rejeita uma verdade de fé. que decide.
autores, é provável que a mente superficial comece a pôr em dúvida por exemplo, nf10 crer no inferno, é culpado de heresia fornrnl e
as suas crenças religiosas. Se não sabe sopcsar as provas e pensar material. No entanto. o protestante que crê sinceramente nns ensi namentos
por conta própria, se não tem presente o ditado inglês de que "um da rcligiüo em que foi educado e que nüo teve oportuni dade de
tolo pode fazer mais perguntas numa hora do que um súbio respon conhecer a verdadeira féi é apenas um herege nrnteri tl: não é
der num ano", o leitor incauto troca a sua fé pelos sofismas brilhan formalmente culpado do pecado de heresia.
tes e pelos absurdos impenetráveis que vai lendo. Há outro tipo d<.: heresia especialm-a.nlc comum e esf:,ccialmenti.:
Finalmente, a apostasia pode ser resultado do pecado habitual. pengoso: o erro do indiferentismo. O indiferentismo ustenta que
Um homem não pode viver em contínuo conflito consigo mesmo. todas as rdigiües süo igualmente gratas a De\J.S, que tfto boa é uma
Se as suas ações contradizem a sua fé, uma das duas partes tem como outra, e qut:: é questào de prdl..'.ri:ncia 1',[0fessar determinada
que ceder. Se negligencia a graça, é fácil que jogue pela janela a 1cligião ou até não tn nenhuma. O erro bú ico do indifl..'.rcntismo
fé, e não o pecado. Muitos justificam a perda da fé por dificul está em imaginar que o erro t:: a verdade s:10 igu-almcnl1.: gralos a
dades intelectuais, quando na realidade tratam de encobrir desse mo Deus; ou cm pensar qut.": a verdade absoluta 1úo existi:; que a ver
do o conflito mais íntimo e menos nobre que têm com as suas dade é o que cada um cn2. Se aceitássemos que uma religião é tão
paixões.
boa como outra qualquer, logicamcnle o passo seguint.: seria con
cluir que nenhuma vale a pena, visto não haver nenhuma que tenha
Além da rejeição total da fé, que é o pecado da apostasia, existe
sido estabelecida e aprovada por Deus.
a rejeição parcial, que é o pecado de heresia, e quem o comete cha A heresia do indiferentismo está especialmente enraiza<la nos
ma-se herege. Herege é um batizado que se recusa a crer numa ou países que se gabam de ter mentalidade aberta. Confundem o indi
mais verdades reveladas por Deus e ensinadas pela Igreja Católica. ferentismo com a democracia. A democracia pede coisas que a ca
Uma verdade revelada por Deus e proclamada solenemente pela Igreja ridade cristft tamhém exige, isto é, o respeito ü consciência do pn)
denomina-se dogma de fé. A concepção virginal de Jesus - o fato xirno, às suas convicçúes sinceras. mesmo que se saiba que sflo erra
de não ter tido pai humano - é um exemplo de dogma de fé. das. l\.1as a democracia niío nos pede que digamos yue o erro não
A infalibilidade do sucessor de Pedro, do Papa, quando ensina dou tem importftncia. n:io nos exige que o ponk1rnos 1H1 mc mo pedestal
trina de fé e moral a toda a Cristandade, é também dogma de fé. que a \'erdade. Resumindo. o católico que baixa a cahl\:a qt:ando
Outro é o da Imaculada Conceição, isto é, o fato de Deus ter criado alguém afirma: "N:to intcrcs a cm que coisas você crê. o que in
a alma de Maria livre do pecado original. teressa sjo as suas obras"", é culpado de um pecadn n1:1tra a fé.
São alguns exemplos dos dogmas que, entrelaçados, formam a O indiferentismo pode ser pregado tanto por palavras como ptH
tapeçaria da fé católica. Rejeitar um deles é rejeitar todos. Se Deus, açües. É por este motivo que se torna má a participação de um
que fala pela sua Igreja, pode errar num ponto de doutrina, não há católico cm cerimônias nüo católicas, a assistência, por exemplo, aos
razão nenhuma para crer nos demais. Não pode haver ninguém que serviços religiosos protestantes, fora dos casos prescritos pela Igreja,
seja "ligeiramente herético", como também não pode haver ninguém dentro das normas sobre o ecumenismo. Participar ativamente de
que esteja "ligeiramente morto". As vezes, poderíamos pensar que tais cerimônias - por exemplo, reccher a comunhfío num culto
os anglicanos da "High Church" estão muito perto da Igreja por que protestante - é um pecado contra a virtude da fé. Nós sahemos
crêem em quase tudo o que nós cremos, têm cerimônias pare- como Deus quer que lhe prestemos culto e. por isso. é gra\"t:'.mentc
!BS O PRI\IF,IRO \IA'.':DA\!E'.':TO
ESl'ERAO:ÇA E CARIDADE 169

pccammoso faz -lo segundo formas criadas pelos homens, em vez rica assim muito fácil de ver por que um ato de esperança é um
de observarmos as que Ek mesmo ditou. ato de culto a Deus: expressa a nossa confiança total nAquele que
É evidente que isto não significa que os católicos não possam L'. Pai amoroso, omnisciente e todo-poderoso. Quer se trate de um
l)rar com pessoas de outra fé. Mas, quando se trata de cerimônias ato de esperança interior ou de sua exteriorização por meio de pala vras,
públicas ecumênicas ou sem denominação específica, os católicos de com ele louvamos o poder, a fidelidade e a misericórdia infi nitos de
vem seguir as diretrizes que forem dadas pelo seu bispo a esse res Deus. Realizamos um ato de verdadeiro culto. Cumprimos um dos
peito. deveres do primeiro mandamento.
Um católico pode, naturalmente, assistir (sem participar ativa Quando fazemos um ato de esperança, afirmamos a nossa con
mente) a um serviço religioso não católico, sempre que haja razão vicção de que o amor de Deus é tão grande que Ele se obrigou por
suficiente. Por exemplo, a caridade justifica a nossa assistência às promessa solene a levar-nos para o céu ( . "confiando no vosso
exéquias ou ao casamento de um parente, de um amigo ou vizinho poder e misericórdia infinitos e em vossas promessas"). Afirmamos
não católico. Em ocasiões assim, todos sabem a razão da nossa também a nossa convicção de que a sua misericórdia sem limites
presença. ultrapassa as fraquezas e extravias humanos ("Com a ajuda da vossa
Para muitos, torna-se difícil entender a firme atitude que nós, graça, confio obter o perdão de meus pecados e a vida eterna").
católicos, adotamos nesta questão da não participação. Não \.! raro Para isso, uma só condição é necessária. uma condição que se pres
que os ministros protestantes de diferentes denominações se revezem supüc, ainda que [!ão se chegue a expressar num ato de fé formal:
entre si no culto. A recusa do sacerdote católico em participar, por "sempre que, de minha parte, faça razoavelmente tudo o que possa".
exemplo, nas celebrações ou cultos eucarísticos de algumas igrejas Não tenho que fazer tudo o que possa absolutamente, coisa que
protestantes, é muito provável que a tomem como uma espécie de muito poucos - para não dizer ninguém - conseguem. Mas é ne
intolerância. Ou que o vizinho não católico diga: "Acompanhei cessário que eu faça razoavelmente tudo o que esteja ao meu alcance.
você à Missa do Galo no Natal; por que não pode vir agora co Por outras palavras, ao fazer um ato de esperança, reconheço
migo ao meu serviço de Páscoa?" A nossa recusa, por delicada e recore.lo 4uc não perderei o céu a não ser por culpa minha. Se
que seja, pode levá-los a pensar que não jogamos limpo, que somos for para o inferno, nüo será por "má sorte", não será por acidente,
intolerantes. E não é fácil explicar a nossa posição a críticos assim, não será porque Deus me falte. Se perco a minha alma, será por ter
e fazê-los ver a coerência da nossa atitude. Se alguém está preferido a minha vontade à de Deus. Se me vejo separado dEle
convencido de possuir a verdade religiosa, não pode em consciência por toda a eternidade, será por me ter separado de Deus deliberada
1, transigir com um erro religioso. Quando um protestante, um judeu mente, de olhos bem abertos, aqui e agora.
':I ou um maometano presta culto a Deus no seu. templo, cumpre o
que ele acha que é vontade de Deus, e, por mais errado que esteja, Com o conhecimento do que é um ato de esperança, torna-se
faz uma coisa agradável a Deus. Mas nós não podemos agradar a fácil deduzir quais são os pecados contra essa virtude. Podemos
Deus se com a nossa participação proclamamos que o erro não tem pecar contra ela esquecendo a "cláusula silenciosa" do ato de espe
a menor importância. ran a, quer dizer. esperando de Deus tudo, em vez de quase tudo.
Deus dá a cada um as graças de que necessita para ir para o céu,
mas espera que cooperemos com a sua graça. Como o bom pai
ESPERANÇA E CARIDADE provê seus filhos de alimento, casa e cuidados médicos, mas espera
que ao menos kvem a colher à boca e comam, que vistam a roupa
"Papai dará um jeito: ele pode fazer tudo". "Perguntarei a pa que lhe proporciona, que voltem para casa quando chove e se man
pai; ele sabe tudo". Quantas vezes os pais se comovem ante a con tenham longe de lugares perigosos - como um lamaçal profundo ou
fiança absoluta do filho no poder e saber ilimitados de seus papais! um inu:ndio -, Deus também espera de cada um que utilize a graça
Ainda que, às vezes, essa confiança seja causa de apuros, quando os que lhe concede e se mantenha longe de perigos desnecessários.
pais não sabem como estar à altura do que deles se espera. Mas Se mi.o fazemos o que está ao nosso alcance, se assumimos a
o pai que não se sente interio:mente alegre com os manifestos atos clllno<la posh ão de evitar t'.sforços. pensando que. como Deus quer
de confiança absoluta de seus filhos, é realmente um pai muito es tranho. que vamos para o •céu, é assunto seu conduzir-nos até lá, indepen
dentemente de que a nossa conduta seja esta ou aquela. então somos

'1,1
1-:-n O PRI\IEIRO \l.-\:'<DA\1E:\TO b"'EI\A'><;A E CAI\WAUE 171

culpado do pecado de presunriío, um dos dois pecados contra a Fazemos um ato de amor de Deus sempre 4ue manifestamos - in
c pcram;a. teriormente com a mente e o coração, ou externamente com palavras
Vejamos uns exemplos simples do pecado de presunção. Um ou obras - o fato de amarmos a Deus sobre todas as coisas e
homcr:.1 sahe que. Jc cada vez que entra em certo bar, acaba bêbado; por Ele mesmo.
esse lugar é. pois. para ele ocasião de pecado, e ele está consciente "Por Ele mesmo"' é uma frase chave. A verdadeira caridade ou
de que deve afastar-se dali. Mas, ao passar em frente, diz: "Entra amor de Deus não tem por motivo o que Ele possa fazer por nós.
rei st'i por um momento. só para cumprimentar os companheiros e. A caridade autêntica consiste em amar a Deus somente (ou, ao me
se for o caso, tomarei urna dose e nada mais. Desta vez não me ,._., nos, principalmente) porque Ele é bom e infinitamente amável em
embebedarei". Pdo simples fato de se pôr desnecessariamente em si me mo. O genuíno amor a Deus, como o amor de um filho por
m:asião Jc pecado, procura arrancar de Deus uma graça a que não seus pais, não é mercenário ou egoísta.
tem direito: não faz o que depende de si. E mesmo que nessa oca ,( É certo que um filho deve muito a seus pais e espera muito
siüo mio acabe bêbado, é culpado de um pecado de presunç:10, por '."i
deles. Mas o verdadeiro amor filial ultrapassa essas razões interes seiras.
que se expôs imprudentemente ao perigo. Outro exemplo seria o da l Um filho normal continua amando seus pais, mesmo que estes
jovem que sabe que, sempre que sai com certo rapaz. peca. Mas percam todos os seus bens e nada possam fazer por ele mate rialmente.
pensa: ''Bem, hoje sairei com ele, mas farei com que desta vez se De igual maneira, o nosso amor a Deus se eleva por cima de suas
porte hem". Mais um perigo desnecessário, mais um pecado de pre dádivas e mercês (ainda que estas sejam o ponto de partida) e
unção. Um último exemplo poderia ser o da pessoa que, submetida dirige-se à amabilidade infinita de Deus em si mesmo.
a fortes tentações, sabe que deve orar mais e receber os sacramentos Convém fazer notar que o amor a Deus reside primariamente
com mais frequência, pois essas são as ajudas que Deus nos dá para na vontade e não nas emoções. É perfeitamente natural que alguém
\·cnccrmns as tentaçôes. rvtas essa pessoa desleixa culposamente as se sinta frio para com Deus num nível puramente emotivo e, no en
suas orações e é muito irregular na recepçüo dos sacramentos. De ··'r tanto, possua um amor profundo por Ele. O que constitui o verda
novo um pecado de presunçfto, agora por omissãn. deiro amor a Deus é a firmeza da vontade. Se temos o desejo habi

Alim da presunção, há outro tipo de pecado contra a virtude


da esperança: o desespero, que é o oposto da presunçüo. Enquanto
i. tual de fazer tudo o que Ele nos pede (simplesmente porque Ele o
quer), e a determinação de evitar tudo o que Ele não quer (simples
mente porque não o quer), temos então amor a Deus independente mente
neste caso se espera demasiado de Deus, naquele espera-se demasiado de que sintamos .ou não.
pouco. O exemplo clássico do pecado de desespero é o daquele que
diz: "Pequei excessivamente toda a minha vida para pretender que Se o nosso amor a Deus é sincero e ven:hi.deiro, é natural que
Deus me perdoe agora. Não pode perdoar os que são como :.:u. É amemos todos os que Ele ama. Isto quer dizer que amamos todas
ü1útil pedir-lho". A gravidade desse pecado está no insulto que se as almas que Ele criou e peias quais Cristo morreu, com a única
faz à infinita misericórdia e ao amor ilimitado de Deus. Judas Isca exceção dos condenados.
riotcs, balançando com urna corda no pescoço, é a imagem perfeita Se amamos o nosso próximo (quer dizer, a todos) por amor de
do pecador desesperado, que tem remorsos, mas não contriçüo. Deus, não tem especial importância que esse próximo seja natural
Para a maioria das pessoas, o desespero constitui um perigo re mente amável ou não. Ajuda, e muito, se o é, mas então o nosso
moto; é-nos mais fúcil cair no pecado de pre ;unçüo. Mas. de cada amor tem menos mérito. Sejam simpáticos ou não, mesquinhos ou
vez que pecamos para evitar um mal real ou imaginúrio - dizer nobres, atraentes ou repulsivos, o nosso amor a Deus nos leva a dese
uma mentira para sair de uma situaçüo emharaçosa. usar anticon jar que todos alcancem o céu, porque é isso o que Deus quer. E nós'
cepcionais para evitar ter outro filho -, está implícita' niss0 certa temos que fazer tudo o que pudermos para ajudá-los a consegui-lo.
•1 É fácil ver que o amor sobrenatural ao próximo, tal como o
dose de falta de esperança. Não estamos completamente con\'cncidos
de que, se fazemos o que Deus quer, tudo scrú para hem. que pode amor a Deus, não reside nas emoções. Podemos sentir naturalmente
mos confiar em que Ele cuidará das consequências. uma forte antipatia por uma pessoa determinada, e, no entanto, ter
por ela um sincero amor sobrenatural. Esse amor sobrenatural ou
Honramos a Deus com a nossa fi nElc. honramo-lo com a nossa caridade se manifesta em desejar-lhe o bem, especialmente a sua
esperança nElc. Mas, acima de tudo. honramo-ln com o nosso amor. salvação eterna, em recomendá-la ao Senhor cm nossas orações, em
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pecaminoso fazt:-lo segundo formas niadas pelos homens, em vez


de observarmos as que Ele mesmo ditou.
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ESl'ERA;>;ÇA E CARIDADE 169

fica assim muito fácil de ver por que um ato de esperança é um


ato de culto a Deus: expressa a nossa confiança total nAquele que
É evidente que isto não significa que os católicos não possam t.: Pai amoroso, omnisciente e todo-poderoso. Quer se trate de um
orar com pessoas de outra fé. Mas, quando se trata de cerimônias ato de esperança interior ou de sua exteriorização por meio de pala
públicas ecumênicas ou sem denominação específica, os católicos de · vras, com ele louvamos o poder, a fidelidade e a misericórdia infi
vem seguir as diretrizes que forem dadas pelo seu bispo a esse res nitos de Deus. Realizamos um ato de verdadeiro culto. Cumprimos

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pt.:ito. um dos deveres do primeiro mandamento.
Um católico pode. naturalmente, assistir (sem participar ativa Quando fazemos um ato de esperança. afirmamos a nossa con
mente) a um serviço religioso não católico, sempre que haja razão vicção de que o amor de Deus é tão grande que Ele se obrigou por
suficiente. Por exemplo, a caridade justifica a nossa assistência às promessa solene a levar-nos para o céu (. "confiando no vosso
exéquias ou ao casamento de um parente, de um amigo ou vizinho poder e misericórdia infinitos e em vossas promessas"). Afirmamos
não católico. Em ocasiões assim, todos sabem a razão da nossa também a nossa convicção de que a sua misericórdia sem limites
presença. uitrapassa as fraquezas e extravias humanos ("Com a ajuda da vossa
Para muitos, torna-se difícil entender a firme atitude que nós, graça. confio obter o perdão de meus pecados e a vida eterna").
católicos, adotamos nesta questão da não participação. Não raro Para isso, uma só condição é necessária, uma condição que se pres
que os ministros protestantes de diferentes denominações se revezem supôe, ainda que J'!ão se chegue a expressar num ato de fé formal:
entre si no culto. A recusa do sacerdote católico em participar, por ''sempre que, de minha parte, faça razoavelmente tudo o que possa".
exemplo, nas celebrações ou cultos eucarísticos de algumas igrejas N:to tenho que fazer tudo o que possa absolutamente, coisa que
)
protestantes, é muito provável que a tomem como uma espécie de muito poucos - para não dizer ninguém - conseguem. Mas é ne
intolerância.- Ou que o vizinho não católico diga: "Acompanhei cessário que eu faça razoavelmente tudo o que esteja ao meu alcance.
você à Missa do Galo no Natal; por que não pode vir agora co Por outras palavras, ao fazer um ato de esperança, reconheço
migo ao meu serviço de Páscoa?" A nossa recusa, por delicada
que seja, pode levá-los a pensar que não jogamos limpo, que somos 1 e recordo que não perderei o céu a não ser por culpa minha. Se
for para o inferno, não será por "má sorte", não será por acidente,
intolerantes. E não é fácil explicar a nossa posição a críticos assim, nilo será porque Deus me falte. Se perco a minha alma, será por ter
e fazê-los ver a coerência da nossa atitude. Se alguém está preferido a minha vontade à de Deus. Se me vejo separado dEk·
convencido de possuir a verdade religiosa, não pode em consciência por toda a eternidade, será por me ter separado de Deus deliberada
transigir com um erro religioso. Quando um protestante. um judeu mente, de olhos bem abertos, aqui e agora.
ou um maometano presta culto a Deus no seu. templo, cumpre o
que ele acha que é vontade de Deus, e, por mais errado que esteja, Com o conhecimento do que é um ato de esperança, torna-se
faz uma coisa agradável a Deus. Mas nós não podemos agradar a fó.cil deduzir quais são os pecados contra essa virtude. Podemos
Deus se com a nossa participação proclamamos que o erro não tem pecar contra ela esquecendo a "cláusula silenciosa" do ato de espe
a menor importância. rança, 4uer dizer, esperando de Deus tudo, em vez de quase tudo.
Deus dá a cada um as graças de que necessita para ir para o céu,
mas espera que cooperemos com a sua graça. Como o bom pai
ESPERANÇA E CARIDADE provê seus filhos de alimento, casa e cuidados médicos, mas espera
que ao menos levem a colher à boca e comam, que vistam a roupa
"Papai dará um jeito; ele pode fazer tudo". "Perguntarei a pa qw lhes proporciona, que voltem para casa quando chove e se man
pai; ele sabe tudo". Quantas vezes os pais se comovem ante a con tenham longe de lugares perigosos - como um lamaçal profundo ou
fiança absoluta do filho no poder e saber ilimitados de seus papais! um incêndio -, Deus também espera de cada um que utilize a graça
Ainda que, às vezes, essa confiança seja causa de apuros, quando os 4uc lhe concede e se mantenha longe de perigos desnecessários.
pais não sabem como estar à altura do que deles se espera. Mas Se mio fazemos o que está ao nosso alcance, se assumimos a
o pai que não se sente interioimente alegre com os manifestos atos córno<la posição de evitar esforços, pensando que, como Deus qm:r
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Vejamos uns c,\J:mplos simples do pecado de presunçf10. Um teriormente com a mente e o coração, ou externamente com palavras
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por Ele mesmo.
esse lugar é. pois, para ele ocasião de pecado, e ele está consciente
d..: que deve nfast u-•sc dali. Mas, ao passar em frente, diz: "Entra•
''Por Ele mesmo" é uma frase chave. A verdadeira caridade ou
amor de Deus não tem por motivo o que Ele possa fazer por nós.
rei só por um momento. só para cumprimentar os companheiros e.
A caridade autêntica consiste em amar a Deus somente (ou, ao me
se for o G1so. tomarei uma dose e nada mais. Desta vez nüo me nos, principalmente) porque Ele é bom e infinitamente amável em
embebedarei'". Pelo simples fato de se pôr desnecessariamente em i mesmo. O genuíno amor a Deus, como o amor de um filho por
ocasi:lO Je pecado. procura arrancar de Deus uma graça a que não sl'US pais, não é mercenário ou egoísta.
tem direito: nüo faz o que depende de si. E mesmo que nessa oca É certo que um filho deve muito a seus pais e espera muito
siüo }1(/o acahe bêbado, é culpado de um pecado de presunçüo, por deles. Mas o verdadeiro amor filial ultrapassa essas razões interes
que se expôs imprudentemente ao perigo. Outro exemplo seria o da seiras. Um filho normal continua amando seus pais, mesmo que
jovem que sabe que, sempre que sai com certo rapaz. peca. Mas estes percam todos os seus bens e nada possam fazer por ele mate
pensa: "Bem, hoje sairei com ele, mas farei com que desta vez se rialmente. De igual maneira, o nosso amor a Deus se eleva por cima
porte bem". Mais um perigo desnecessário, mais um pecado de pre de suas dádivas e mercês (ainda que estas sejam o ponto de partida)
sunção. Um último exemplo poderia ser o da pessoa que. submetida e dirige-se à amabilidade infinita de Deus em si mesmo.
a fortes tentações, sabe que deve orar mais e receber os sacramentos Convém fazer notar que o amor a Deus reside primariamente
com mais frequência, pois essas são as ajudas que Deus nos dá para na vontade e não nas emoções. É perfeitamente natural que alguém
\enccrmos as tcntaçôes. :rvtas essa pessoa desleixa culposamente as se sinta frio para com Deus num nível puramente emotivo e, no en
suas orações e é muito irregular na recepção dos sacramentos. De tanto, possua um amor profundo por Ele. O que constitui o verda
novo um pecado de presurn;ão, agora por omissfín. deiro amor a Deus é a firmeza da vontade. Se temos o desejo habi
tual de fazer tudo o que Ele nos pede (simplesmente porque Eleo
Al m da presunção, há outro tipo de pecado contra a virtude
quer), e a determinação de evitar tudo o que Ele não quer (simples
da esperança: o desespero, que é o oposto da presunçfío. Enquanto mente porque não o quer), temos então amor a Deus independente
neste caso se espera demasiado de Deus. naquele espera-se demasiado mente de que sintamos.ou não.
pouco. O exemplo clássico do pecado dl! desespero é o daquele que
diz: '·Pequei excessivamente toda a minha vida para pretender que Se o nosso amor a Deus é sincero e verdadeiro, é natural que
Deus me perdoe agora. Nüo pode perdoar os que são como tu. É amemos todos os que Ele ama. Isto quer dizer que amamos todas
inútil pedir-lho". A gravidade desse pecado está no insulto que se as almas que Ele criou e peias quais Cristo morreu, com a única
faz à infinita misericórdia e ao amor ilimitado de Deus. Judas Isca exceção dos condenados.
riotes, balançando com uma corda no pescoço, é a imagem perfeita Se amamos o nosso próximo (quer dizer, a todos) por amor de
do pecador desesperado, que tem remorsos, mas não contriçflo.
Para a maioria das pessoas. o desespero constitui um perigo re
' 1
Deus, não tem especial importância que esse próximo seja natural mente
amável ou não. Ajuda, e muito, se o é, mas então o nosso amor
moto; é-nos mais fúcil cair no pecado de pre ;unç:10. Mas. de cada tem menos mérito. Sejam simpáticos ou não, mesquinhos ou nobres,
vez que pecamos para evitar um mal real ou imaginário - dizer atraentes ou repulsivos, o nosso amor a Deus nos leva a dese jar que
uma mentira para sair de uma situação embaraçosa. usar anticon todos alcancem o céu, porque é isso o que Deus quer. E nós' temos que
cepcionais para evitar ter outro filho -. está implícita' nisso certa ' fazer tudo o que pudermos para ajudá-los a consegui-lo.
dose de falta de esperança. Não estamos completamente convencidos ' É fácil ver que o amor sobrenatural ao próximo, tal como o
de que, se fazemos o que Deus quer, tudo será para hem, que pode amora Deus, não reside nas emoções. Podemos sentir naturalmente
mos confiar cm que Ele cuidará das consequências. uma forte antipatia por uma pessoa determinada, e, no entanto, ter
por ela um sincero amor sobrenatural. Esse amor sobrenatural ou
Honramos a Deus com a nossa ft: nEle. honramo-lo com a nossa caridade se manifesta em desejar-lhe o bem, especialmente a sua
espcran\'.a nEle. Mas. acima de tudo, honramo-lo com o nosso amor. alvação eterna, em recomendá-la ao Senhor em nossas orações, em
172 O PRl IEIRO \l.\ DMIENTO S.\CR!U:GIO E SUPERSTIÇÃO 173

perdoar-lhe as injúrias que possa infligir-nos, em repelir qualquer Outro pecado contra a caridade é a inveja. Consiste num ressen
pensamento de rancor ou vingança contra ela. timento contra a boa sorte do próximo, como se esta fosse uma
Ninguém sente prazer quando abusam dele, quando o enganam forma de nos roubar. Mais grave ainda é o pecado de escândalo,
ou lhe mentem. e Deus não pede isso. Mas pede que. seguindo e pelo qual. com as nossas palavras ou o nosso exemplo. induzimos
seu exemplo, desejemos a salvação do pecador, embora sintamos des uma pessoa a pecar ou a colocamos em ocasião de pecado, mesmo
gosto pelos seus pecados. que este não se siga necessariamente. Trata-se de um pecado de que
Quais são, pois, os principais pecados contra a caridade? Um os pais, como modelos de seus filhos, devem guardar-se a qualquer
deles é omitir o ato de caridade conscientemente, sempre que tenha preço.
mos o dever de fazê-lo. O dever de fazer atos de caridade nasce, Finalmente, temos o pecado de acedia, um pecado contra o amor
em primeiro lugar, quando se nos apresenta a obrigação de amar a sobrenatural que devemos a nós mesmos. A acedia é uma preguiça
Deus por Ele mesmo, e o nosso próximo por amor a Deus. Temos espiritual pela qual desprezamos os bens espirituais (como a oração
também o dever de fazer um ato de caridade quando nos assaltam ou os sacramentos) pelo esforço que acarretam.
tentações que só podem ser vencidas com um ato de caridade, como,
por exemplo, as tentações de ódio. Temos obrigação de fazer fre
quentes atos de caridade ao longo da nossa vida (porque são parte SACRILÉGIO E SUPERSTIÇÃO
do culto devido a f}2us) e sobretudo na hora da nossa · morte, quan
do nos preparnHK", para ver Deus face a face. Não é fácil perder a fé. Se apreciamos e cultivamos o dom da
fé que Deus nos outorgou, não cairemos na apostasia ou na heresia.
Vejamos agora alguns pecados concretos contra a caridade e, em Apreciar e cultivar esse dom significa, entre outras coisas, fazer fre
primeiro lugar, o pecado de ódio. Como já vimos, odiar não é o quentes atos de fé, manifestando assim o nosso agradecido reconhe
mesmo que sentir desgosto por uma pessoa, nem sentir-nos magoados cimento a Deus por crermos nEle e em tudo o que Ele nos revelou
'" quando abusam de nós de uma forma ou de outra. O ódio é um Deveríamos incluir um ato de fé em nossas orações diárias.
espírito de rancor, de vingança. Odiar é desejar mal a outrem, é Apreciar e cultivar a fé significa, além disso, não interromper
sentir prazer com a desgraça alheia. a formação doutrinária - de modo a termos uma melhor compreen
A pior espécie de ódio é, evidentemente, o ódio a Deus; o de süo daquilo que cremos - e, por conseguinte, prestar atenção a prá
sejo (certamente absurdo) de fazer-lhe mal, a disposição de frustrar ticas e instruções, ler livros e revistas de sã doutrina para aumentar
a sua vontade, o prazer diabólico em pecar por ser um insulto a o conhecimento da fé. Sempre que houvesse ocasião, deveríamos
Deus. Os demônios e os condenados odeiam a Deus, mas, feliz participar em algum círculo de estudos sobre temas religiosos.
mente, não acontece assim habitualmente com os homens, já que se Apreciar e cultivar a fé significa, sobretudo, vivê-la, quer dizer,
trata do pior de todos os pecados: embora, às vezes, tudo leve a que a nossa vida esteja de acordo com os princípios que professa
suspeitar que certos ateus declarados, mais do que não crer em Deus, mos. Um ato de fé se toma mero ruído de palavras sem sentido na
o que fazem é odiá-lo. boca de quem proclama com a sua conduta diária: "Não há Deus;
O ódio ao próximo é muito mais frequente. É desejar-lhe o mal ou. se há, pouco me importa".
e alegrar-se com qualquer desgraça que caia sobre ele. Se chegásse Consequentemente, no seu aspecto negativo, apreciar e cultivar
a fé exige que evitemos as companhias que constituam um perigo
f1 para ela. Não é o anticatólico declarado quem nós devemos temer,
mos a desejar a alguém um mal grave, como a doença ou a falta de por mais amargos que sejam os seus ataques à fé. O maior perigo
trabalho, o nosso pecado seria mortal. Desejar-lhe um mal leve, provém sobretudo do descrente culto e refinado, de sua condescen
como, por exemplo, que perca o ônibus ou que a mulher grite com dência amável para com as nossas "ingênuas" crenças, de suas iro
ele, é um pecado venial. Não é pecado, no entanto, desejar a alguém nias sorridentes. Preocupamo-nqs ·tanto com o que a:s pessoas pen
um mal para que obtenha um bem maior. Podemos retamente de sam de nós e com a possibilidade de nos tomarem por antiquados.
sejar que o vizinho bêbado tenha tal ressaca que nunca mais volte que as suas insinuações podem acovardar-nos.
a beber, que o delinquente seja preso para que deixe de fazer o mal, O apreço que temos pela nossa fé nos levará também a afastar
que o tirano morra para que o seu povo viva em paz. Sempre que, para longe a literatura que possa ameaçá-la. Por muito que os crf-
como é lógico, o nosso desejo inclua o bem espiritual e a salvação
eterna dessa pessoa.
1,,
1,-l O PHI.\IEIHO .\L\'.\DA'.\IE_\·10
_-, \CHJLJ:,C:IO E :-.t·l'FHS"J ((_:-\O 173

I
1
uco dogil'm determinada obra. por muito culta que uma revista nos
pareça. se se opCicm à fr católica, não süo para nós. Uma consciên
\ aSllS c parnmi:nL11:-. s:1gradl)'-,, cnfi111- de lu<ln u que e cunsagradu
e bento para o culto divi:w on para a dcn1ção rcliginsa. 0 um sacri
cia bem formada não sentirá a falta do lndice de Livros Proibidos, k io rcu! (do lc11irn .. realis". que significa ··pcne1Kentc üs coisas").
1 hoje suprimido, como guia de suas leituras. Bastará a sua consciência
Se o nto s:1,:ti!.,:gl1 for pk11ami..·11te delibcraLh) e i..'m matéria gra
para alertá-lo e mantê-lo longe de muitas publicações.
n. como r,xeb,.:r indignan1ente um S<KrJmi.:nto, 0 p;.:cado mortal
Algumas pessoas que se julgam intelectuais podem estranhar
Fazi.:r. pl1r i.:xt:mpll1. t!nn nü confiss:10 nu receba a Eucaristia em
e tas restriçôes que os católicos fazem às leituras. "Por que é que
pi.:i..·a<lo mnrt:11 0 um sacrt! gio de natureza grn\·e. Este sacrilégio
\·ocês têm medo?". dizem. "Temem por acaso que façam ver que
no i..'nlanto. 0 ,1p_'J1:ts \'i..'nial se n: 10 tiver havido consentimento ou
vocês estavam enganados? Não tenham uma mente tão estreita.
ddihcr:1 ·:10 pk:lll . L ·111 sacrikgio pode :-.cr tamb0m pecado venial
Vocês têm que ver sempre os dois lados de uma questão. Se a fé pda irrc\crS:111..·i:1 que implica, como cria o caso do leigo que, levado
que vocês têm é firme, podem ler tudo sem medo de que lhes faça
mal.'' pela curiosidade, pegas e um cálice consagrado.
Cnntudo. se a nos:;<1 fé 0 ã. o pecado ele sacrilégio não nos
A estas objeções devemos responder, com toda a sinceridade, i..·ausarú prPbk-111;1s. Para a maioria ele nt-.s. o que mais nos afeta
que sim, que temos medo. Não é o medo de que nos demonstrem 0 manifestar a ( cvi<la rl.'.\·crência p....:los obj..:tos religiosos que usamos
que a nossa fé é crrfmea; é medo da nossa fraqueza. O pecado
hahitualmente: guarcbr a água benta em um rcl'ipicnk limpo e em
original obscureceu a nos razão e debilitou a nossa vontade. Viver
lugar apropri,11..!o: m.:inusear os evangdhos com rl'.vcrência e tê-los
a fé implica sacrifício, e um sacrifício muitas vezes heróico. Com
,:m lugar ele hnnra 11.1 casa: queimar os cscapulúrios e terços estra
frequência, o que Deus quer é algo que, humanamente, nós não que
gados. cm vez de jogá-los na lata do lixo: passar por alto as fraque
remos, que nos custa. O diabinho do amor próprio sussurra que
tas e defeitos dos sal·crdotcs e religiosos que nos desagradam, e falar
a vida seria mais agradável se não tivéssemos fé. Sim, com toda a
deles com respeito por ver neles alguém que pertence a Deus: con
sinceridade, temos medo de topar com algum escritor engenhoso que
duzir-nos com rcspi:ito na igreja, especialmente nos casamentos e ba
I' a tal ponto inche o nosso eu, que, como Adão, decidamos ser os tizados, quando o asp.:do social pode levar-nos a d,:s,_:urá-lo. Esta
nossos próprios deuses. E sabemos que. quer a censura venha da rcvcrê11l'ia é :1 r•,n1pagL'n1 exlcrna da fl·.
Igreja ou da nossa consciência. não nega a liberdade. Re..:usar o
veneno para a mente não é uma limitação, exatamente como não o é Você le\'a uma figa no pescoço? Trata de tol.:ar cm madeira
recusar o veneno para o estômago. Para provarmos que o nosso apa
quando ocorre algo que "dá" nü ortc? Incomoda-se quando são
relho digestivo é bom, não é preciso beber um copo de ácido
trc2:c à mesa? Se se cruza com um gato preto no '-ICU caminho, anda
sulfúrico.
depois L'üJll mais i..·uidado que normalmente? Se \'OCê pode respon
der nã() a estas perguntas e tamh m nf10 liga para superstições po
Se a nossa fé é profunda, viva e cultivada, nüo há o perigo de pulares semt..'lhanlcs. i:ntão pode ter a certeza ck ser uma pessoa bem
cairmos em outro pecado contra o primeiro mandamento que emana equi!ihra<la. C()nl a f e a razfto em firme crnitrole de suas emoções.
da falta de fé: o pecado de sacrilégio. É sacrilégio maltratar pessoas.
A supnstiçfto um pecado contra o prinh:iro mandamento por
lugares ou coisas sagradas. Na sua forma mais leve, procede de uma que atribui a pessoas ou coisas criadas uns pndcres que só pertencem
falta de rever ncia para o que é de Deus. Na sua gravidade máxima. a Deus. A honra C!Ue devia dirigir-se a Ele cksvi:i-s p;:ira uma de
vem do ódio a Deus e a tudo o que é dElc. O nosso tempo viu deso suas criaturas.
ladores exemplos dos piores sacrilégios na conduta dos comunistas: Por exemplo. tudo o que bom 1111s \l'lll d(' l),.,_--1:-,: nf1(1 lk uma
gado cstahulado .:m igrejas. religiosos e sacerdotes encarcerados e pata de coelho ou de uma ferradura. F 11ad:1 d(' 111 :ti :-,11...·. ('de se
torturados. a Sagrada Eucaristia pisoteada. Esh:s exemplos. dire Deu_..., nC"to o pumitc. e s..:-mpre que de algum m1)ll.1 l"Pllt1il•.1a rara n
mo:-.. :-.jo 11 . t1 s tip11:-. tk sfü:ril.:gio que os tcúlogos distingLJL·m. Os 11osso úhimu fim: nem derramar sal. nem quchrar um L':-,pl'lllll, nem
111:H;.., tr:thh infligido:-. ;i uma /Jes.wa co11sagrada a Di:us. por pcrten um numcru trc1c atrair i a mú snrk sobre a nossa 1..':1hc1..;a. Deus 11:10
... ,.-r ;111 ,·-.,1.1d(1 ,.:l,.:ri1.·;J! uu 1cliµioso. d1amam-sc sacrikg.io /J('.\.üJa/. dormi.: nem deixa o Grn1po livre ao dem\rnil1.
Prof:u1:11 nu :t\ ilt:11 u111 lt1!!:1r d1.·di,.:,1do ao i..:ulto divin1J pd:1 Igreja
t: um sanikg10 luiul (do 'iati111 "101.:u:-.", quc sig11ifi1.:a "lu).!ar"). O Dc igual rnani.:ira, só Üi..'Us conhece de modo ab oluto o futurn
m:tu uso de ,:01:-.as u)11:-.agr;.ida:-.. uimo u:-. :-..1,:ram..:11h1:-.. :1 Díhlia. o:-. contingente, cm n:ssalvas nem acasos. Todos somos çapazes de
1-;-n O PRI\IEIRO \IA DA\IE TO
IT;
,.,CRILCGIO E Sl'l'ERSTIÇAO

predizer acontecimentos pelos dados que conhecemos. Sabemos a


que horas nos levantaremos amanhã (sempre que não esqueçamos canonizados, é de natureza muito diferente do culto de adoração que
de pôr o despertador): sabemos o que faremos no domingo (se não prestamos - e só se pode prestar - a Deus.
ocorrer nada de imprevisto): os astrônomos podem predizer a hora Quando rezamos à nossa Mãe e aos sanws do céu ( como temos
exata cm que nascerá e se porá o sol no dia 15 de fevereiro de LJUe fazer) e lhes pedimos ajuda. ahemos que o que fizerem por
nós, não o farão pelo seu próprio poder. como se fossem divinos.
1997 (se o mundo não acabar antes). Mas só Deus pode conhecer
o futuro com certeza absoluta. tanto nos eventos que dependem de o que fazem por nós. é Deus que o faz por intercessão deles. Se
seus decretos eternos como nos que procedem da livre vontade dos damos valor às orações dos nossos amigos da terra. pela certeza de
homens. que nos ajudam. é evidente que é muito lógico pensar que as ora
ões dos nossos amigos do céu st:rào mai eficazes. Os santos são
Por essa razão. acreditar em adivinhos ou espíritas é um pecado
contra o primeiro mandamento. porque é uma desonra a Deus. Os 0 amigos seletos de Deus, seus heróis na lide espiritual. Agrada a
Deus que queiramos imitá-los. e Ele gosta de mostrar o seu valor
adivinhos sahem combinar a psicologia com a lei das probabilidades
dispensando as suas graças por meio deles. E também a honra qul'
e, talvez, com um pouco de vigarice, são capazes de confundir
trihutamc1s aos santos n;IO diminui a honra devida a Deus. Os santos
mesmo pessoas inteligentes. Os médiuns espíritas combinam a sua
, ..H1 a ohras primas da graça. Quando os honramos, é a Deus
anormalidade (histeria autoinduzida) com a sugestionabilidade hu qu,: hi qucfll lhes deu essa perfeiçüo - que nós honramos. A maior
mana e. frequentemente, com a trapaça declarada. e podem preparar l;o:·;ra que s,: pnde pn: tar a um artista é elogiar a nhra de suas mãos.
cenas capazes de impressionar muitos que se dão ares de pessoas ilus
tradas. A questão de saber se alguns adivinhos ou médiuns estão t \ crdade 4ue honramo!- as estátuas c pinturas dl)s sa!1tos e
ou não em contacto com o diabo não foi resolvida satisfatoriamente. ,1..·ncramos suas relíquias. Mas n:w adoramos essas n:prcscnwç()es L'
O grande ilusionista Houdini se gabava de que não existia sessão de rdiquias. assim como o profissional sério, que todas as manhãs
espiritismo que ele não fosse capaz de reproduzir por meios naturais loloca flores frescas junto à fotografia de sua hoa mãe, nüo adora
- truques -, e assim o provou em muitas ocasiões. -sse rdrato. Se rezamos diante de um crucifixo ou da im;igem de
Por sua natureza. a superstição é um pecado mortal. No en um santo, é para que nos ajudem a fixar a mente no que estamos
tanto, na prática, muitos desses pecados são veniais por não haver fazendo. Não somos tão estúpidos (assim o t:spcrn) que pcnsem0s
plena deliberação, especialmente nos casos de arraigadas superstições que uma imagem de madeira ou de barro tem em si algum poder
populares que tanto abundam em nossa sociedade materialista: dias para nos ajudar. Acreditar nisso seria um pecado contra o primeiro
nefastos e números de sorte, tocar em madeira e outras coisas do mandamento. que proíbe que se fabriquem imagens para adorá-las,
gênero.
L'OÍ'.-.a que. evidentemente, não fazemos.
Contudo, em matéria declaradamente grave, é pecado morta]
acreditar em poderes sobrenaturais, adivinhos e espíritas. Mesmo
sem acreditar neles, é pecado consultá-los profissionalmente. Ainda
que sejamos levados apenas pela curiosidade, é pecado, porque da
mos mau exemplo e cooperamos com o pecado alheio. Predizer a
sina deitando as cartas ou ler a palma da mão numa festa, quando
todo mundo sabe que é um jogo para divertir-se, que nada tem de
seno, não é pecado. A consulta a adivinhos profissionais é outra
coisa bem diferente.
Às vezes, os nossos amigos não católicos suspeitam que pecamos
contra o primeiro mandamento pelo culto que rendemos aos santos.
Esta acusação seria fundada se lhes prestássemos o culto da latria, de
adoração. que se deve a Deus e só a Deus. Mas nüo t" assim: nãc
somos l:io loucos. O próprio culto que trihutamos a Maria. a San tíssima
Mãe de Deus, um culto que ultrapassa o dos anjos e santo
SEU !'.O !E E SA',TO

C,,,,,1,,0 X\ li
não esqueçamos nunca este aspecto do nosso a.mor por Ele, Deus
nos. deu o segundo mandamento: '"Não tomarás o nome de Deus
O EGF DO E O 'fERCE!BO .\L\.\Jl.\ IE\''1'0 em vão".
Há muitas formas de atentar contra a reverência devida ao nome
de Deus. A mais habitual é o simples pecado de falta de respeito:
usar o seu santo nome para desafogarmos os nossos sentimentos.
"Não, por amor de Deus!": ''Garanto, por Deus, que te lembrarás"
·'Minha Nossa Senhora!". Raramente se passa um dia sem que ouça mos
frases como estas. Às vezes, sem haver sequer a desculpa das emoções.
Todos conhecemos pessoas que usam o nome de Deus com a
mesma sem-cerimônia com que falariam de alhos e cebolas, coisa que
sempre é uma prova certa da superficialidade do seu amor a Deus.
Em geral, este gênero de irreverência é pecado venial, porque
falta a intençüo deliberada de desonrar a Deus ou de desprezar o
seu nome; se essa intcnc;üo existisse, o pecado se converteria em mor
tal, mas, de ordinário, é um modo de falar devido à leviandade e ao
SEU NOME É SANTO
descuido, mais do que à malícia. Este tipo de irreverência pode
tornar-se mortal, no entanto, se for ocasião de escândalo grave: por
··Que é um nome'! Por acaso. ;1 rll',<L l'(l/ll ,H1tn1 nome. n;-Hl
exemplo, se com isso um pai destrói nos filhos o respeito devido ao
teria a mesma fragrância?". nome de Deus.
Estas conhecidas palavras de "Romeu c .lulícta·· ck ShakcspL'ar..:
são apenas meia verdade. Um nome. seja de pessoa nu eh: cois,1. Esta falta de respeito por Deus é o que muita gente chama erro
adquire com seu uso constante CL'rtas conota 't1cs cmntiv;-is. O nnmc neamente "jurar". Jurar é coisa bem diferente. É um erro acusar-se
se torna algo mais que uma simples comhina(,/10 de letras do alfa em confissão de "ter jurado", quando, na realidade, o que se quer
beto; um nome vem a ser a reprL'scntaçJo da pessoa que o usa. dizer é que se pronunciou o nome de Deus sem respeito.
Os sentimentos que a palavra ··rosa" desperta s;10 bem diferente., dos Jurar é tomar Deus por testemunha da verdade do que se diz
da palavra "cebolinha". É suficienlL' que um namorado OU\a o no ou se promete. Se exclamo: "Por Deus!", é uma irreverência; se
me di.: sua amada, mesmo que tenha sido mcncirnrndo c.1waimcnk digo: "Juro por Deus que é verdade", é um juramento. Já se vê que
por um estranho. para que seu pulso se í.K\.'krc. A.lguérn que tcnh,1 jurar não é necessariamente um pecado. Antes pelo contrário, um
sofrido uma grande injúria üs m,tm, de uma p\.,'sso:t clrnm:1d,1 J(irg\.,' jurame11to reverente é um ato de culto grato a Deus, se se reúnem três
conservará sempre uma inconsciente avcTsJo por esse nome. Yv1uitos condições.
mataram - e morreram - cm defesa do Sl.'.ll "b(1m ll{lmc''. Famílias A primeira é que haja razão suficiente. Não se pode invocar
inteiras sentiram-se dcsnnradas porque algum de seus membro<; frivolamente Deus corno testemunha. Às vezes, até é necessário jurar;
"manchou" o sobrenome familiar. Fm resurno. um 11(1111c é a repre por exemplo, r uando temos que depor como testemunhas em juízo
sentação de quem o usa, e a nossa atitude para com esse nome l: ou somos nomeados para um cargo público. Outras vezes, a própria
um reflexo dos sentimentos que nutrimos pda pessoa. Igreja pede que se jure, como aos padrinhos de um batizado cujo re·
Tudo isto é bem sabido, mas recordá-lo nos ajudará a compreen der gistro batismal se tenha perdido. Outras, não é que se tenha que
por que é um pecado usar o nome de Deus em vüo. Se amamos a fazer um juramento, mas pode- estar a serviço de um fim bom -
Deus, amaremos o seu nome e jamais o mencionaremos com falta de que contribua para a honra de Deus ou para o bem do próximo
respeito ou de rever(·ncia, como cxclama,i:i.o de ira. de impaci0ncia ou - garantir a verdade do que dizemos com um juramento. Jurar
de surpresa: evitan.:mos tudo o yue possa desonrá-lo. Esse amor pelo s.em motivo ou necessidade, salpicar a conversa com frases como
nome de Deus estender-se-á também ao de Maria, sua Mãe, ao de "juro pela minha saúde", "juro por Deus que é verdade" e outras
seus amigos, os santos, e a todas as t.:oisas consagradas a Deus, cujos parecidas, é pecado. Normalmente. se dizemos a verdade, esse pe-
nomes pronunciaremos com reverência ponderada. Para q11c
]80 O SEG\Jt\DO E O TERCEIRO \1..\1\lH\IE'.\TOS 181
SEC '(O\!E É SA:s;TO

cado será venial, porque. como no caso anterior, é produto da irre flexão
e não da malícia. Um voto pode er prfi·udo ou p/lhlico. Por exemplo, uma pcs
Mas, se t) que dizemos é falso e sabemos que o é. esse pecado soa pode fazer voto de ir at1 santujrio de Fátima em agradecimento
é nwrtal. Esta é a segunda condição para um legítimo juramento: por se ter curado de uma doença: outra. yue é solteira no mundo,
que. ao fazê-lo, digamos a verdade estrita. tal como a conhecemos. pode fazer Yolo ck castidade. Mas é necessário sublinhar que estes
Invocar Deus por testemunha de uma mentira é uma desonra grave \'Otos privado jamais pndem ser feitos kvianami.:nte. Um voto obri L':a
que lhe fazemos. É o pecado de perjúrio, e n perjúrio deliberado oh Dcna de pecacki. ou 11:10 i.': voto nenhum. Violar um voto será J
0 sempre pecado mortal. a:c,;.do ·rnorL!l n 1 nial conforme a intençfío de quem o faz e a im
1

Qllít:mcia da matéria (ninguém pode obrigar-se a uma coisa sem


Para que um juramento seja meritório e um ato agradável a
importância sob pena de pecado mortal). Mas ainda que esse al
Deus, deve ter um terceiro elemento, se se trata <lo que chamamos
guém queira ohrigar-se unicamente sob pena de pecado venial, é uma
um juramento promissório. Se no ohrigarnns a fazer alguma coisa
hrigação demasiado séria para ser tomada levianamente. Ninguém
sob juramento, devemos ter a certeza de que o qu,: prnmctemos é
deveria fazer voto privado algum sem antes consultar o confessor.
bom, útil e possível. Se alguém jura. por exemplo. vingar-se de uma
Voto público é o que se faz perante um representante oficia]
injúria recebióa, é evidente que tal juramento é mau e é mau cum
da Igreja, como um hispo nu um superior religioso, que o aceita
pri-lo. É obrigatório nao cumpri-lo. Mas se o juramentn promissó
rio é bom. então devo ter a sinL·era determinaÇito de fazer o que em nome da Igreja. Os votos públicos mais conhecidos são os que
jurei. obrigam uma pessoa à plena observància cios conselhos evangélicos
de pobreza, castidade e obediL'ncia, dentro de uma comunidade reli
Podem surgir circunstâncias que anulem a ohrigaç Lo contraída giosa. Daquele que faz estes três votos publicamente, diz-se que
por um juramento. Por exemplo, se o filho mais velho jura diante "entra cm religiüo", que abraçou o estado religioso. É assim que
do pai gravemente doente que cuidará do irmão peyucno e n pai se uma mulher se torna freira, monja ou irmã leiga, e um homem frade,
rcstahc!ccc. o juramento fica anulado (o motivo deixou de existir) monge ou irmão leigo. Se um religioso recebe, além disso, o sacra
ou, se esse irmi"to mais velho fica doente e perde todos os .:--ecursos mento da Ordem, será um religioso sacerdote.
econúmicos, a ob--igação cessa (porque cessam as condiçôl.'.s em que
kz o juramento, a sua possibilidade); se o irmüo menor chega à Um ponto em que, às vezes, nem os próprios- católicos têm idéias
maioridade e tem com que sustentar-se. a obrigação cessa também claras é a distinção entre um irmão leigo e um sacerdote. Há muitos
(o objeto da promessa mudou substancialmente). Ontros fatores jovens que sentem o generos0 impulso de dedicar a sua vida ao serviço
ainda podem desligar da obriga(/io contraída. como a dispensa con de Deus e das almas no estado religioso e que, não obstante, estão
cedida por aquele a quem se fez a promessa: ou descobrir que o convencidos de não ter vocação para o sacerdócio. Esses jovens
objeto úo juramento (quer dizer, a coisa a fazer) é inútil ou até podem fazer uma de duas coisas.
pecaminosa; ou a anulaç5.o do juramento (ou sua dispensa) por uma A primeira. entrar em alguma das ordens ou congregações reli
autoridade competente, como o confessor. giosas compqstas de irmãos leigos e sacerdotes, como os francisca
nos, os passionistas, os jesuítas. Farão o noviciado religioso e oS
Que diferença há entre juramento e voto? Quando juramos. in vocamos três votos, mas não receberão o sacramento da Ordem. Dedicarão
Deus como testemunha de que dizemos a verdade tal como a a sua vida a ajudar com solicitude os sacerdotes, talvez como secre
conhecemos. Se juramos como testemunhas. temos um juramento de tários, cozinheiros ou bibliotecários. Serão o que se chama irmãos
afirmac;ão. Se juramos fazer alguma coisa para alguém no fu. turo, auxiliares. Todas as ordens religiosas que conheço têm· premente
temos um juramento promissório. Em amhos os casos. apenas pedimos a necessidade destes irmãos; cada um deles libera um sacerdote para
Deus. Senhor da \crdac.k. que seja testemunha da nossa veracidade e do que possa dedicar-se completamente ao trabalho que só um sacer
1w.-;so prop()sitn ele- fidelidade. N:J.o lhe prometemos nada que seja dote pode realizar.
dirctami.:ntc para Ele. Outra possibilidade é que esse jovem que sente a chamada para
Mas. se n que fa1emns é um vnto. prometemos algo a Deus com a vida religiosa, mas não para o sacerdócio, solicite o ingresso em
intenção de nos nhrigarmos. Promdemos algo especialmente grato alguma das congregações compostas unicamente de irmãos, como a
a Deus soh pena de pecado. Neste caso. Deus nft0 é mera testemu das Escolas Cristãs, a dos maristas, etc. Estas congregações de reli
nha, é tamhém o destinatário do que prometemos fazer. giosos dedicam-se a levar avante escolas, hospitais, asilos e outras
;,s.,:2 O .".:!El,L\,UU 1·, o J EHCI,.JHU .\l.\:\JJ.-\.\IF.\ J'o.-., 18.J
BE'-DlZEI E :--AO A\1..\.LDIÇOEIS
instituições dedicadas a obras de misericórdia. Seus memhro fazem
o noviciado religioso. professam os tr s votos de pobreza. castidade ··Deus te amaldiçoe··, que é a mesma coisa que dizer '·Deus te mande
e ohediência. mas nüo vJ:o a um seminário teológico nem recebem o araO inferno". É evidente que uma maldição desse estilo seria pe
sacramento da Ordem. SJ:o irm:-ios, 11fio sacerdotes. e seu número tado mortal se fosse proferida a st:rio.. Pedir a Deu que condene
jamais será excessivo porque jamais havcrú excesso de braços nas ma alma que Ele criou e pela qual Cnsto morreu, e ato grave de
atividades a que se consagram. esonraa Deus. ao nosso Pai infinitamente misericordioso. É tam•
bém um pecado grave contra a caridade. que nos obriga a desejar
Outra distinção que as pessoas confundem ocasilinalmente é a e a pedir a sah'açdu de todas s almas.- e não a sua.conden ção e! rn .
Normalmente, uma maldição assim surge da JJ'a, da 1mpac1encia
que existe entre os sacerdotes religiosos e os seculan:s. Obvir1mente,
11[10 é preciso dizer que essa distinçiio n[io significa que uns sejam
ou do ódio e não a sangue frio: quem a diz não a diz a sério. Se
religiosos e os outros irrelif::iosos. Significa que os sacerdotes rcligio• não fosse a'ssim, seria pecado mortal, mesmo com a desculpa da ira.
sos, além de scn1irem uma chamada para a vida religiosa, sentiram Ao considerar os abusos para com o nome de Deus, convém, pois,
a vocação para o sacerdócio. Entraram para uma ordem religiosa, ter presente que, mais do que as palavras ditas, o pecado real é o
como a dos beneditinos, dos dominicanos ou redentoristas: fizeram ódio, a ira ou a impaciência. Ao confessar•nos, é mais correto dizer:
o noviciado religioso e pronunciaram os tri:s votos de pnhrcz.1, casti• "lrritei•me e, levado pela irritação, amaldiçoei alguém" ou "Irritei-me
dadc e obediência. Depois de se terem tornado religiosos, estuda· e fui irreverente c.:om o nome de Deus", do que simplesmente confes
ram teologia e receberam o sacramento da Ordem. Chumam-se reli sar-nos de ter amaldiçoado ou blasfemado.
iiosos sacerdotes porque abraçaram o estado religioso e vivem como Além dos exemplos mencionados, há, certamente, outras manei
membros de uma ordem ou congregação de rdigiosos. ras de amaldiçoar. Cada vez que desejo mal a alguém, sou culpado
Há jovens que se sentem chamados por Deus ao sacerdócio, de ter amaldiçoado. "Morra e me deixe cm paz", "Oxalá votê que
mas não a uma vida em religião, como membros de uma ordem de bre a cabeça!", "Que vão para o diabo que os carregue, ele e todos
I" religiosos. Um jovem assim manifesta seu desejo ao bispo da dio• os seus''. Nestas ou cm outras frases parecidas (geralmente proferi
cese, e. se possui as condições necessárias, o bispo o envia ao semi• das sem deliberação), falta-se contra a caridade e a honra de Deus.
i: nário diocesano, onde fará estudos de grau médio. e. a seguir, estu• O princípio geral é que, se o mal que desejamos é grave, e o
dará teologia. A seu tempo, se persevera e é idôneo. receberá a desejamos a sério, o pecado é mortal. Se desejamos um mal pequeno
ordenação, far-se·á sacerdote, e será unl sacerdote secular (secular ("gostaria que lhe amassassem o carro e lhe dessem uma lição"), o
deriva da palavra latina "saeculum", que significa "mundo"), porque pecado será venial. E, como já se disse, um mal grave desejado
não viverá numa comunidade religiosa, mas no mundo, entre 8S a alguém. é apenas pecado venial quando falta premeditação.
pessoas que serve. Também se chama sacerdote diocesano, porque Se nos recordarmos de que Deus ama tudo o que saiu de suas
pertence a uma diocese e não a uma ordem de rc1igiosos. Seu "chefe" mãos, compreenderemos que é uma desonra a Deus amaldiçoar qual
é o bispo da diocese e não o superior de uma comunidade religiosa. quer de suas , criaturas, ainda que não sejam seres humanos. No
Quando é ordenado, promete obediência ao bispo e, normalmente, entanto, os animais e as coisas inanimadas têm um valor incompa
enquanto viver, a sua atividade se desenvolverá dentro dos limites rnvelmentc inft:rior, pois não possuem alma imortal. E assim, o fã
da sua diocese. E faz o compromisso de castidade perpétua, ao das corridas de cavalos que grita: "Oxalá esse cavalo se estraçalhe!",
ordenar-se como diácono, que é o primeiro passo importante para ou o encanador que amaldiçoa com um "o diabo que te leve" o
o altar. cano entupido que não consegue consertar, não comete necessaria•
mente um pecado.
Mas é útil recordar aqui aos pais a importância de formar reta mente
BENDIZEI E NÃO AMALDIÇOEIS
as consciências dos filhos nesta matéria da má língua. Nem tudo o
"Bendizei os que vos perseguem, bendizei e não amaldiçoeis", que chamamos de palavrão é um pecado, e nfto se dev dizer às
diz São Paulo na sua epístola aos Romanos (12.14). Amaldiçoar crianças que é pecado aquilo que não o é. Por exemplo, as palavras
significa desejar o mal a uma pessoa, lugar ou coisa. Uma maldição como "diabos" ou "maldito" não são em si palavras peca• ruinosas. O
frequente na boca dos que têm pouco respeito pelo nome de Deus é homem que exclama: "Esqueci-me de levar ao correio a maldita
carta", ou a mulher que diz: "Maldito seja!, outro copo
J84 O SEGl''.'WO E O TERCEIRO \L\:>;ll.-\\lE:>;TOS
r,E\lllZEI E \AO A\l.-\LD!ÇOEJS 18.'5

quebrado!", utilizam uma linguagem yue alguns acharão pouco ele


gante, mas que não é certamente linguagem pec.rn1inosa. E isto se br,_"t-los, amaldiçoar e blasfemar. Quando se estudam os mandamen
aplica também aos palavrões, de uso tfto frequente em c:ertos am ws. é pn:ciso ver o seu Lido negativo para adquirir urna consciência
bientes, que descrevem partes e processos corporais. Essas palavras rL'lamente formada.
serão grosseiras, mas não são pecado. No entanto, neste mandamento, como em todos os outros,
ah.sla-se de pecado t: apenas a metade do quadro. Não podemos
Quando o menino vem da rua com um palavrüo recém-apren
!imitar-nos a evitar o que desagrada a Deus; também devemos fazer
dido nos lábios, seus pais cometem um grande erro se se mostram
gravemente escandalizados e lhe dizem muito sérios: ·'Essa palavra (J que lhe agrada. De outro modo, a nossa religião seria como um
é um grande pecado, e Jesus não amará você se voltar a dizê-Ia". homem sem perna nem braço direitos.
Assim. do ponto de vista positivo, devemos honrar o nome de
Dizer isso ·a uma criança é ensinar-lhe uma idéia distorcida de Deus
Deus sempre que tenhamos que fazer um juramento necessário. Nes tas
e confundi-la na formação da sua consciência, talvez para sempre.
condições, um juramento é um ato de culto agradável a Deus e
O pecado é um mal suficientemente grave e terrível para ser utilizado
meritório. E o mesmo ocorre com os votos a pessoa que se obri ga
como "papão" no ensino das boas maneiras aos meninos. Basta
com um voto prudente, sob pena de pecado, a fazer algo grato a
dizer-lhes com calma: "Joãozinho, você disse uma palavra muito
Deus, faz um ato de culto divino, um ato da virtude da religião. E
feia; não é pecado, mas os meninos bem educados não dizem essas
cada ato derivado deSse voto é também um ato de religião.
coisas. Mamfü ficará muito contente se você não a disser mais".
Isto será sufick11té para quase todas as crianças. Mas. se alguma As ocasiões de honrar o nome de Deus não se limitam, eviden
não se emenda e L\1ntinua usando-a, convirá explicar-lhe então que temente, a juramentos e votos. Existe, por exemplo, o louvável cos tume
há ali um pecado de desobediência. Mas, na educação moral dos de fazer uma discreta reverência sempre que pronunciamos ou ouvimos
filhos, é preciso manter-se sempre na verdade. pronunciar o nome de Jesus. Ou o excelente hábito de fazer um ato
de reparação sempre que se falta ao respeito devido ao nome de
Na blasfêmia há diversos graus. Às vezes. é a reação não pre Deus ou de Jesus em nossa presença, dizendo interior mente: "Louvado
meditada de contrariedade, dor ou impaciência perante um contra seja Deus", ou "louvado seja o nome de Jesus". Há também o ato
tempo: "Se Deus é bom, como permite isto?'', "se Deus me amasse, público de reparação que fazemos sempre que nos unimos aos louvores
não me deixaria sofrer i..:H1to''. Outras vezes, blasfema-se por frivoli que se costumam. rezar depois da Bênção com o Santíssimo.
dade: "Este é mais esperto qm:. Deus", "se Deus o leva para o céu, Honra-se publicamente o nome de Deus em procissões, peregri
é que não sahe o que está fazendo". Mas tamhém pode ser clara nações e outras reuniões de pessoas organizadas em ocasiões especiais.
São testemunhos públicos de cuja participação não nos deveríamos
mente antirreligiosa e até proceder do ódio a Deus: ''Os Evangelhos
relrair. Quando a divindade de Cristo ou a glória de sua Mãe é
são um conto de fadas", "a Missa. é uma conversa", e chegar a
a razão primordial dessas manifestações públicas, a nossa participa
afirmar: "Deus é um mito, uma fábula". Neste último tipo de blas
çJ.o ativa honra a Deus e o seu santo nome, e Ele a abençoa.
fêmia há, além disso, um pecado de heresia ou infidelidade. Sempre
que uma expressão blasfema implica em negação de uma determi Mas o essencial é que, se amamos a Deus de verdade, amare
nada verdade de fé, como, por exemplo, a virgindade de Maria ou mos o seu nome e, consequentemente, o pronunciaremos sempre com
o poder da oração, além do pecado de blasfêmia. há um pecado de amor, reverência e respeito. Se tivermos o hábito infeliz de usá-lo
heresia (Uma negação da fé, em geral, é um pecado grave de infi profanamente, pediremos a Deus esse amor que nos falta e que tor
delidade). nará o uso irreverente do seu nome amargo como o quinino em nos
Por natureza. a blasfêmia é sempre pecado mortal, porque sem sos lábios.
pre supõe uma grave desonra a Deus. Só quando não há suficiente A nossa reverência pelo nome de Deus nos levará. além disso,
premeditação ou consentimento é que é venial, como seria o caso de a ncontrar um gosto especial nessas orações essencialmente de lou
proferi-la sob uma dor ou angústia grandes. vor, como o "Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo", que
deveríamos dizer com muita frequência, o "Glória" e o "Santo, Santo,
Com o pecado da blasfêmia completamos o catálogo das ofensas Santo" da Missa. Às vezes, deveríamos sentir-nos movidos a utilizar
ao segundo mandamento: pronunciar sem respeito o nome de Deus, o Livro dos Salmos para a nossa oração, esses belos hinos em que
jurar desnecessária ou falsamente, fazer votos frivolamente _ou que-
1 k() () .'!FCl1'\l)() E O TEIHT.lHt > \1.--\.'\U:\.\IE.\ ros !'OH QUE IR Ã .\IISSA AOS D0.\11.\GOS/ 187

Davi (.'anta repetidas vczcs seus louvores a Deus, conw o Salmo 112. t:olheu para nos enviar o Espírito Santo, o dia do nascimento da Igreja.
que começa assim: É também muito provável que a Igreja tenha mudado o dia do Sá
''Aleluia! Louvai, servos do Senhor, bado por uma razão psicológica: para sublinhar que o culto dos
louvai o nome do Senhor. hebreus do Velho Testamento, que era preparação para o advento do
Seja bendito o nome do Senhor. Messias, havia caducado. A religião cristft não havia de ser uma
desde agora e para sempre. simples "revisão" ào culto da sinagoga; a religião cristã era o plano
Desde o nascer do sol até o seu ncaso, definitivo de Deus para a salvação do mundo, e o pano final caiu
seja louvado o nome do Senhor". sobre o "Sabat''. Os cristãos não seriam uma "seita" mais dos ju
deus: seriam um povo novo, com uma Lei nova e um novo Sacrifício.
No Novo Testamento, não se diz nada da mudança do dia do
POR QUE IR À MISSA AOS DOMINGOSº Senhor de sábado para domingo. Sabemo-lo exclusivamente pela tra•
dição da Igreja, pelo fato de no-lo ter sido transmitido desde os tem
Uma canção muito popular durante a I Guerra Mundial dizia pos primitivos pela viva. voz da Igreja. Por essa razão, eQcontramos

l.
em seu estribilho: "Que agradável levantar-se de manhü, mas mais muito pouca lógica na atitude de muitos não católicos que afirmam
agradável ainda ficar na cama", ou algo parecido. Raro é o católico não aceitar nada que não esteja na Bíblia, e, no entanto, continuam
que não tenha experimentado uma vez por outra sentimentos pare mantendo o domingo como dia do Senhor, baseados na tradição da
cidos, enquanto se aconchega entre os lençóis num domingo de Igreja Católica.
manhã, e que, ao deixar a cama em obediência ao terceiro manda
mento de Deus: "Santificarás o dia do Senhor", não o faça com a "Santificarás o dia do Senhor". "Sim", dizemos, "'mas como?"
sensação de realizar uma proeza. Na sua função legisladora divinamente instituída, a Igreja responde
Que haja um dia do Senhor é uma consequência lógica da lei à nossa pergunta dizendo que santificaremos o dia do Senhor sobre
i'' natural (quer dizer, da obrigação de nos comportarmos de acordo tudo assistindo ao santo Sacrifício da Missa. A Missa é o ato de
11
com a nossa natureza de criaturas de Deus), que exige que reconhe culto perfeito que Jesus nos deu para que, com Ele, pudéssemos ofe recer
i· çamos a nossa absoluta: dependência de Deus e agradeçamos a sua a Deus a honra adequada.
bondade para conosco. Sabemos que, na prática, é impossível ao Em sentido religioso, sacrifício é' a oferenda a Deus de algo que
I> homem médio manter-se em constante atitude de adoraçfto, e por de algum modo se destrói, ofertado em benefício de um grupo por
i' isso é natural que se determine o tempo ou tempos de cumpiir esse alguém que tem o direito de representá-lo. Desde o começo da hu
manidade e entre todos os povos, o sacrifício foi a maneira natural
Ili dever absolutamente necessário. De acordo com essa necessidade,
estabeleceu-se um dia em cada sete para que todos os homens, em que o homem achou para prestar culto a Deus. O grupo pode ser
todos os lugares, rendam a Deus essa homenagem consciente e de uma família, uma tribu, uma nação. O sacerdote pode ser o pai,
liberada que lhe cabe por direito. o patriarca ou o rei; ou, como indicou Deus aos hebreus, os descen

'
Sabemos que, nos tempos do Antigo Testamento, esse dia do dentes de Aarão. A vítima (o dom oferecido) pode ser pão, vinho,
Senhor era o sétimo da semana, o "Sabat". Deus assim ordenou a trigo, frutos ou animais. Mas todos esses sacrifícios têm um grande
Moisés no Monte Sinai: "Santificarás o dia do Senhor" (Êxodo 20-8). defeito: nenhum é digno de Deus, porque foi Ele mesmo que os fez.
No entanto, quando Cristo estabeleceu a Nova Aliança, a velha lei Mas, com o sacrifício da Missa, Jesus nos deu uma oferenda
litúrgica caducou. A Igreja primitiva determinou que o dia do Senhor realmente digna de Deus, um dom perfeito de valor adequado a Deus:
fosse o primeiro da semana, o nosso domingo. Que a Igreja tenha o dom do próprio Filho de Deus, igual ao Pai. Jesus, o Grande
Sacerdote, ofereceu-se a Si mesmo como Vítima no Calvário, de uma
o direito de estabelecer essa lti. é verdade por muitas passagens do
Evangelho cm que Jesus lhe confere o ro<lcr <le prescrever leis em • vez para sempre. ao ser justiçado pelos seus verdugos. No entanto,
você e eu não podíamos estar ao pé da cruz, para nos unirmos a
seu nome.
Jesus em sua oferenda a Deus. Por isso Jesus nos proporcionou o
A razfto desta mudança do dia do Senhor do sábado para o
santo Sacrifício da Missa, no qual o pão e o vinho se transformam
domingo reside em que, para a Igreja, o primeiro dia da semana é
no seu próprio corpo e sangue, separados ao morrer no Calvário, e
duplamente santo. É o dia em que Jesus venceu o pecado e a morte
pelo qual Jesus renova incessantemente o dom de Si mesmo ao Pai,
e nos assegurou a glória futura. É, além disso. o dia que Jesus es-

111,
188 O SEGUNDO E O TERCEIHO !ANDAME'.\TOS !'01\ <JUE IR A !ISSA AOS DOMl'.\GOS? 18D

proporcionando-nos a maneira de nos unirmos a Ele em seu ofere Para cumprir essa ohriga ·ão. temos 4uc estar fisil'é!Jlll'nli._' pre
cimento, dando-nos a oportunidade de entrar a fazer parte da Vítima sentes na Missa, a fim de nos integrarmos na comunidaJl·. N 1n .sc
que se oferece. Na verdade, não pode haver melhor modo de santi pode satisfazer esse dever seguindo a rvlissa pela .tekvi:,,;ln ou da cal
ficar o dia do Senhor e de santificar os outros seis dias da semana. çada oposta à igreja, quando há lugar dentrn. As n:zes. em alguns
O nosso tempo, como nós mesmos, pertence a Deus. Mas Deus lugares. pode acontecer que a igreja esteja tüo rcrlcta que os fo:'is
e a sua Igreja são muito generosos conosco. Dão-nos seis dias em uúo caibam e se juntem na calçada em frcnk à porta. Ne te caso.
cada sete para nosso uso, um total de 144 horas em que trabalhar. u'Ssistimos à Missa porque tomamus parte na asscrnhl ia. estamo
distrair-nos e dormir. A Igreja é muito generosa inclusive com o fisil·amentc presentes e tão perto quanto nos é pnssín I.
dia que reserva para Deus. Do que pertence totalmente a Deus, Não devemos estar presentes apenas fisicamente. mas tamh m
pede-nos somente uma hora (e nem sequer completa): a que st.:: mentalmente. Quer dizer. devemos ter intenção ao mc,ws implí
requer para assistir ao santo Sacrifício da Missa. As outras 23, Deus cita - de assistir à Missa, e ter também certa id ia do qui.: se cst,"t
no-las dá de volta para nosso uso e descanso. Deus agradece que l·dcbrando. Quem deliberadam nte se prepara para pa'.-,sar pelo sono
destinemos mais tempo exclusivamente a Ele e ao seu serviço, mas na Missa ou nem sequer está atento às partes principais. comete um rt?
a única obrigação estrita em matéria de culto é assistir à Santa Missa l·aúo mortal. As distrações menores ou as faltas de atcnçüo. se forem
aos domingos e festas de guarda. Na prática, temos, pois, obrigação deliberadas, constituem pecado venial. As distraçôes invo luntárias não
de reservar para Deus, como algo seu, uma hora das I68 que Ele nos são pecado.
dá em cada semana. Mas o nosso amor a Deus nos levará a colocar o nível cm
Se tivermos isto em conta, compreendL .-emos a razão pela qual que assistimos à Missa acima do que é pecado. Levar-nos-á a che
faltar à Missa dominical deliberadamente é um pecado mortal. Com gar à igreja antes de que comece e a permanecer no lugar até que
preenderemos a radical ingratidão que existe na atitude de certas o sacerdote se tenha retirado. Fará que nos unamos a Cristo Vítima
pessoas "muito ocupadas" ou "muito cansadas" para ir à Missa, para L' que pronunciemos ou acompanhemos atentamente as oraçôcs da
dedicar a Deus essa única hora que Ele nos pede; dessas pessoas Missa. Faltaremos à Missa unicamente por uma razüo grave: por
que, não satisfeitas com as 167 horas que já têm, roubam a Deus doença, tanto própria como de alguém de quem devemos cuidgtr:
os sessenta minutos que Ele reservou para Si. Vê-se claramente a pela excessiva distância ou por falta de meios de locomoção, por
falta total de amor e, mais ainda, de um mínimo de decência, que uma situação imprevista e urgente que tenhamos que enfrentar.
mostra aquele que nem sequer tem a generosidade de reservar uma
hora de sua semana para unir-se a Cristo e adorar adequadamente O terceiro mandamento. além da obrigação de assistir à Missa,
a Santíssima Trindade de Deus, agradecer-lhe seus benefícios durante exige que aos domingos nos abstenhamos de trabalhos St'T\'is desne
a semana transcorrida e pedir sua ajuda para a semana que começa. cessános. Trabalho servil é aquele que requer o exercício do corpo
mais que o da mente. A Igreja fez do domingo um dia de des
Não temos obrigação apenas de assistir à Missa, mas de assistir canso, em primeiro lugar para preservar a santidade desse dia e para
a uma Missa inteira. Se omitirmos uma parte essencial da Missa - dar aos homens tempo para render culto a Deus e orar. Mas tam
toda a Liturgia da Palavra, a Consagração ou a Comunhão do cele bém porque ninguém melhor do que ela conhece as limitações de
brante -, será quase o mesmo que omitir a Missa toda, e o pecado seus filhos, criaturas de Deus; a necessidade que têm de um descanso
será mortal se a nossa falta tiver sido deliberada. Omitir uma parte que os alivie da monotonia quotidiana. de um tempo para poderem
menor da Missa - por exemplo, chegar depois da primeira leitura desfrutar deste mundo que Deus nos deu, cheio de bdeza, conheci
ou sair antes da bênção final - é pecado venial. É uma coisa de mentos, companheirismo e atividade criadora.
que devemos lembrar-nos, se temos tendência a demorar em vestir Ocupar-se em trabalhos servis aos domingos pode ser pecado
-nos para ir à Missa ou a sair antes do tempo para evitar "engarra mortal ou venial. conforme o tempo que lhe dediquemos seja curto
famentos". A Missa é a npssa oferenda semanal a Deus, e a Deus ou considerável. Trabalhar desnecessariamente três ou quatro horas
não se pode oferecer algo incompleto ou defeituoso. Jamais nos seria pecado mortal. Para determinar se este ou aquele trabalho
passará pela cabeça dar como presente de casamento uns pratos concreto é permitido num domingo, devemos perguntar-nos duas coi
rachados, uns talheres oxidados ou um jogo de toalhas desbotado. sas: é um trabalho mais físico que mental, como por exemplo es
E por Deus devemos ter, pelo menos, um respeito igual. crever à máquina, desenhar, bordar? Se for mais físico que menta!.
,,
190
() SECWmo Eo TERCEIRO .\IA"DA lEé\Tos

é um trabalho realmente necessário, algo que não pode ser feito no


sábadoe que não pode ser adiado para a segunda-feira, corno ali
rnentaro gado, fazer as camas ou lavar os pratos? Para responder CAPÍTULO XVIII
a estas perguntas, não é necessário que sejamos peritos em leis; basta
sermos srnceros: e sea resposta às duas perguntas for affrmativa, O Ql ,\BTO E O Ql I'.\TO :IL\XIL\:l[EXTOS
então esse trabalho é permitido aos domingos.

PAIS, FILHOS E CIDADAOS

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T a mandamento de Deus. Nele, Deus se dirige explicitamente aos filhos:
a m -"Honrarás paie mãe", man dando-os amar e respeitar os pais,
n i obedecer-lhes cm tudoo que não seja urna ofensa a Deus e atendê-los
t n em suas necessidades. Mas, enquanto se dirige a cks. olha os pais por
o a cima do ombro dos filhos, mandando-os implicit:m1ente ser dignos do
r amor e respeito que pede
o ;1os filhos.
s p As ohrigaçl,es estabelecidas pelo quarto mandamento, tanto as
e dos pais como as dos filhos, derivam do fato de que toda autci_ridadc
p r \'Cm de Deus. Tanto a autoridade do pai como a de um poder
a i civil nua de um superior religioso são, em última análise,a autori
i o dade de Deus, que Ele se digna compartilhar com algumas pessoas.
s - A ohcditncia que, dentro dos limites de uma reta capacidade, lhes
é devida. é obediência a Deus, e assim deve ser considerada. Daí
c d que <'Is pl'ssoas constituídas em autoridade tenham. corno agentes e
o i delegados de Deus, ohrigaçüo grave de ser leais à confiança que
m c nelas foi depositada. Especialmente para os pais. deve ser um incen
o a tivo considerar que um dia terão que prestar contasa Deus da alma
m de seus filhos.
o e Trata-se de um ponto qu1: deve ser lembrado à mãe que sem
s n 111..\:c:-.sidadc decide trnhalhar fora do lar; ao pai amhi1.:ioso que des-
t 1.."dfrcga :-.t)brc a família :1 km,;w nervosa acumulada durantea jor-
f e 1:ada. C um pontn qul' deve ser le,nhradn aos pais que ahandonam
i ti• .., filh1\s, ::(, u1idado d;i:-, e111prl'gadas domésticas por causa das sua
l a nn'iltipla"' ocupai_,·,11..•:,., ou di:-.trnc;1l1.>,; c1os pai:-. que n:Lrnem em cas;:1
h ,'lnil!n, hdwdnrl':-. 1..' de língu:1 "olt;i: cto-,· r,1is que cli:-.cutcm frequen-
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192 O QUARTO E O QUINTO \IA!\DA\lE!\TOS pA!S. FILHOS E CIDADÃOS 193

temente diante dos filhos. De fato. é um ponto a ser recordado a Tudo isto representa uma longa lista de deveres, mas, felizmente,
todc,:.: e pais que esquecem que o negócio mais importante de sua
Deus dá aos bons esposos a sabedoria de que necessitam para cum
viJa é criar os filhos num lar cheio de carinho, alegria e paz. cen
pri-los. E, ainda que pareça um contrasenso, ser bom pai ou mãe
trado cm Cristo.
não começa com os filhos, mas com o amor mútuo e verdadeiro que
Quais são cm detalhe os principais deveres dns pais para com marido e mulher têm entre si. Os psicólogos afirmam que os espo
ns filhos? Em primeiro lugar, é claro, os cuidados materiais: alimen to. sos que dependem dos filhos para satisfazerem a sua necessidade de
roupa, casa e assistência médica. A seguir. o dever de educá-los carinho, raras vezes conseguem uma adequada relação de afeto com
rJra fazer deles bons cidadãos: úteis, economicamente suficientes, eles. Quando os esposos não se amam o suficiente, é muito possível
hLm educados e patriotas inteligentes. Depois, têm o dever de pro que seu amor de pais seja esse amor possessivo e ciumento. que
porcionar-lhes os meios necessários ao seu desenvolvimento intelec husca a satisfação própria mais do que o verdadeiro bem dos filhos.
tual, na medida em que ,ls 1alentns dos filhos e a situação econômica E amores assim tornam os filhos egoístas e mimalhos.
dos pais o permitam. E corno n:10 pode haver Jcsenvnlvimento inte Mas os pais que se amam um ao outro em Deus, e amam os
lectual completo sem um conhecimento adequado (e crescente, se filhos como dons de Deus, podem ficar tranquilos: têm tudo aquilo
gundo a idade) das verdades da fé, têm o dc\'er de cnviú-los a cen de que necessitam, ainda que jamais tenham lido um só livro de psi
tros de ensino onde se dê boa educa<;ão religiosa. É um dever cologia infantil (embora ler esses livros, se forem bons, seja certa
não se esqueça - que obriga em consciência. mente uma coisa aconselhável). Poderão cometer muitos erros, mas
E com isto passamos das necessidade naturais dos filhos não causarão aos filhos nenhum mal permanente, porque num lar
materiais, cívicas e intelectuais - às necessidades espirituais e sobre assim o filho se sente amado, querido, seguro; crescerá equânime
naturais. É evidente que, como o fim dos filhos é alcançarem a vida de caráter e forte de espírito.
eterna, tocamos o mais importante de todos os deveres paternos. E
assim, em primeiro lugar, os pais têm obrigação de batizar os filhos Todos nós sem exceção temos obrigações para com nossos pais.
o mais cedo possível depois do nascimento. normalmente dentro das Se já faleceram, nossos deveres são simples: recordá-los em nossas
duas semanas seguintes ou, quando muito, dc:ntro do mês. Depois, orações e na Missa, e oferecer periodicamente alguma Missa pelo
quando a mente infantil começa a élbrir-sc. surge o dever de falar descanso de suas almas. Se ainda vivem, esses deveres dependerão
-lhes de Deus, especialmente da sua bondade e prc•vidência amorosa, da nossa idade e situação, e da deles.• Talvez seja mais apropriado
e da obediência que lhe devemos. E mal começam a falar. é pre dizer que a maneira de cumprir estas obrigações varia com a idade
ciso ensiná-los a rezar, muito antes de terem idade para ir à escola. e a situação, mas o que é certo é que o dever essencial de amar
Se por desgraça não houve possibilidade de enviá-los a uma e respeitar os pais obriga a todos, mesmo aos filhos casados e com
escola em que se dê boa formação religiosa, deve-se procurar que uma família própria que atender.
assistam regularmente a aulas de catecismo, e que aquilo que o me Esta dívida de amor - se a mãe e o pai forem como devem
nino aprende nessas aulas seja multiplicado pelo exemplo que vê em -¾ ser - não é normalmente uma obrigação dura de cumprir. Mas,
casa. É especialmente neste ponto que os pais podem realizar o l mesmo nos casos em que não seja fácil estimá-los humanamente, é
seu trabalho mais frutífero. porque uma criança assimila muito mais um dever que obriga, ainda que, por exemplo, o pai seja um bruta montes
o que vê do que o que lhe dizem. É por esta razão que a melhor ou a mãe tenha abandonado o lar. Os filhos devem amar os pais
escola católica não pode ;P;1rir p mal causado p<1r um lar relaxado. com esse amor sobrenatural que Cristo manda ter também pelos que
À medida que 1 crla11<...a u\:::-,l"t' l''- pai..; h:io ck m:111ter uma ati
são difíceis de amar naturalmente, como os inimigos. Devemos desejar
tude vigilante em relação :1os colcp::i" do:-; 1º1lhPs. às .:;11as leituras e o bem-estar e a salvação eterna dos pais, e rezar por eles. Seja
diversões, mas sem interferir inorortunam,_'nlc, aLon'>dh:rndo-os ou qual for o mal que nos tenham causado, devemos estar prontos a
estender a nossa mão em sua ajuda, sempre que nos seja possível.
chegando a adotar uma firme 3t;tt:,-1 . nega ti\ :1, s ' fnr cast1 disso.
A criança dcverú aprender a amar a Missa Jornini- ·ai e :1 frequentar Com o, progressivo aumento da média de vida, os filhos casados
a confissão e a comunhão, não ror ser "mand ida"'. mas 'porque encontram-se cada vez mais em face do problema dos pais anciãos
acompanhará os pais cspontfrnea e orgulhosamente no cumprimento e dependentes. Que é que pede o amor filial nessas circunstâncias?
dessas normas de piedade. É um dever estrito tê-los em casa, ainda que esta esteja cheia de
JlJl <l 1cll.\trJ"n F O \_ll11'.'-'TO \1.\"\'JJ_.\\IE'.\TO'.', 19-J
:\ \'IDA É DE DEl'

LTJan as l' a c pnsa já tenha mais trahalho que o que pode realizar?
é a nossa família cm mainr escala). de intcressar•nos sinceramente
i\·,-10 é unu qucst;Jn que possa ser rcsolvida com um simples sim ou
pela sua prospcridmk. de respeitar e ()brdeccr üs autoridades legíti
Jl;-w,. ;\,"un.:a há dois casos iguais, e o filho ou a filha que en
mas. Tnlva tenhamos que sublinhar aqui a palavra ''legítimas"
fr,. 'nlc esse dilema deve aconselhar•se com o seu diretor espiritual
porque os cidad:ios têm o direito de se defender da tirania. quando
l'LI u1m um catl·11ico de n;tn critério. Mas devemos fazer notar que
esta ameaça os direitos humanos fundamentais. Nenhum governo
,;,i long:1..1 de toda a históriâ <lo homem se observa que Deus abençoa,
pode interferir cnm suas leis no direito do indivíduo (nu da família)
1..·tim uma ht:nç:io especial, os filhos e as filhas que provam o seu
dt.'. amar e prestar culto a Deus. de receber a instruçfí.n e os scrviçm:
:1m, 1r filial e desinteressado com a abnegação. A obrigação dos fi
da Jgn:ja. Um governo - como um pai - não tem o direito de
lho-. de manter os pais indigentes ou impossibilitados é muito clara: mandar o que Deus proíbe ou de proibir o que Deus ordena.
ohriga em consciência. 11as que esse dever deva ser cumprido no
Mas. excetuados estes casos, um bom católico será necessaria
!Jr dos filhos ou num asilo ou em outra instituição semelhante, é
mente um bom cidad:ío. Consciente de que a reta razào exige que
1..(11:-,a que dcpcl1{krá das circunstâncias pessoais, O que realmente
trabalhe pelo hem de sua na ·üo. cumprirá exemplarmente todos os
conta t a sinceridade do amor com que se toma a decisão.
St.'.US Jcvcn;s cívicos: nhedecerá às leis do seu país e pagará os im•
postos corno justa contrihuição para os gastos de um bom governo;
O respeito que devemos aos pais converte-se espontaneamente
defenderá a pátria em caso de guerra justa (como defenderia a sua
cm amur num lar vi:rdackiramente cristão: tratamo-los com reve
própria família se fosse atacada injustamente), mediante o serviço
rC:ncia, procuramos satisfazer seus desejos, aceitar suas correções sem
das armas se a isso for chamado, considerando justa a causa da sua
insolência, e procuramos seu conselho em decisões importantes. como
naç 10, a não ser que haja evidência adequada e indiscutível do con
a escolha do estado de vida ou a idoneidade de um possível casa
trdrio. E fará tudo isso nüo somente por motivos de patriotismo
mento. Em assuntos que concernen;i aos direitos naturais dos filhos,
JJatural, mas porque a sua consciência de catúlico lhe diz que o res
os pais podem aconselhar, mas não mandar. Por exemplo. os pais
peito e a obediência à legítima autoridade do seu governo são serviço
não podem ohrigar um filho a casar-se, se prefere ficar solteiro; tam•
prestado a Deus, de quem procede toda a autoridade.
bém não podem obrigá-lo a casar•se com determinada pessoa, nem
proihir que se faça sacerdote ou abtacc a vida religiosa.
Quanto ao dever de respeitar os pais, o período mais difícil na A VIDA É DE DEUS
vida de um filho é a adolescência. São os anos do "esticão", quando
um rapaz se encontra dividido entre a necessidade de depender dos Só Deus dá a vida; só Deus pode tomá-la. Cada alma é indi
pais e o nascente impulso para a independência. Os pais prudentes vidual e pessoalmente criada por Deus, e só Deus tem o direito de
devem temperar a sua firmeza com a compreensão e a paciência. decidir quando o seu tempo de permanência na terra terminou.
Nem vale a pena lembrar que odiar os pais, bater-lhes, amea O quinto mandamento, "não matarás", refere-se exclusivamente
çá-los, insultá-los, ridicularizá-los seriamente, amaldiçoá-los ou re cusar- à vida humana. Os animais foram dados por Deus ao homem para
lhes ajuda, se estão em grave necessidade, ou fazer qualquer outra seu uso e conveniência. Não é pecado matar animais por causa jus
coisa que lhes cause grande dor ou ira, é pecado mortal. Estas coisas já tificada, como, por exemplo. eliminar pragas, prover de alimentos a
o são se feitas a um e tranho; feitas aos pais, são pecados de dupla população ou fazer experiências científicas. Seria injusto ferir ou
malícia. Mas, cm geral, a desobediência de um filho é pe cado venial matar animais sem razão: no entanto, se houvesse pecado. não seria
(ou talvez nem seja pecado), a não ser que a matéria seja grave, como contra o quinto mandamento, mas de abuso dos dons de Deus.
evitar más companhias, ou a desobediência se deva ao desprezo pela O fato de a vida humana pertencer a Deus é tão evidente que
autoridade paterna. A maior parte das desobediências filiais se devi2m a a gravidade do homicídio - que é tirar injustamente a vida a ou•
esquecimento, descuido ou indelicadeza e, portanto, não atingem o grau trem - é universalmente reconhecido pela simples lei da razão entre
de consciência e deliberação necessário para haver pecado, ou, pelo os homens de boa vontade. A gravidade do pecado de suicídio -
menos, pecado grave. que é tirar a vida própria deliberadamente - é igualmente evidente.
E como o suicida morre no preciso momento em que está cometendo
Não se pode terminar um estudo sobre o quarto mandamento um pecado mortal. não pode receber sepultura cristã. Na prática,
sem mencionar a obrigação que nos impõe de amar a pátria (que é muito raro que um católico tire a sua própria vida em pleno uso
196 O (JUARTO E O QUINTO MANDAME TOS
A \"IDA É DE DELIS 1m
de suas faculdades mentais; e, quando há indícios de que o suicídio
pode ter resultado de uma alienação mental, mesmo temporária, ja se a guerra em que a sua nação se empenha é justa ou não. Raras
mais se recusa a sepultura cristã ao suicida. vezes o homem da rua conhece todos os meandros de urna situação
É alguma vez licito matar alguém? Sim, em defesa própria. Se internacional. Mas, assim corno os filhos devem dar a seus pais
um agressor injusto ameaça a minha vida ou a de um terceiro, e o benefício da dúvida em assuntos pouco claros, também o cidadão
matá-lo é a única maneira de detê-lo, posso fazê-lo. Também é lícito deve conceder ao seu governo o benefício da dúvida quando não
matar quando o criminoso ameaça tomar ou destruir bens de grande for evidente que se trata de uma guerra justa. Mas mesmo numa
valor e não há outra maneira de pará-1o. Daí se segue que os guar guerra justa pode-se pecar pelo uso injusto dos meios béiicos, como
diões da lei não violam o quinto mandamento quando, não podendo nos casos de bombardeio direto ou indiscriminado de civis em obje tivos
dissuadir o delinquente de outra maneira, lhe tiram a vida. desprovidos de valor militar.
Um duelo, no entanto, não pode ser qualificado como defesa
própria. O duelo é um combate com armas letais, pré-estabelecido A nossa vida não é nossa. É um dom de Deus, de quem somos
entre duas pessoas, normalmente em defesa - real ou imaginária - administradores. Este motivo nos obriga a usar de todos os meios
da "honra". O duelo foi um pecado muito comum na Europa e razoáveis para preservar tanto a nossa vida como a do próximo. É
mais raro na América. No seu esforço por erradicar esse mal, a c1aramente evidente que pecamos se causamos deliberadamente um
Igreja excomunga tod0s os que participam de um duelo, não só os mal físico a outrem; e o pecado se torna mortal se o mal for grave.
contendores, como também os padrinhos, as testemunhas e os es Por isso, agredir alguém é um pecado contra o quinto mandamento,
pectadores voluntários que não façam tudo o que possam para além de ser um .pecado contra a virtude da caridade, e, dado que
evitá-lo. a ira, o ódio e a vingança levam a causar um mal físico ao pró
Deve-se ter em conta que o princípio de defesa própria só se ximo, são também pecados contra o quinto mandamento, além de
aplica quando se é vítima de uma agresSão injusta. Nunca é licito serem pecados contra a caridade. Quando se tem que defender um
tirar a vida a um inocente para salvar a própria. Se naufrago com castelo (a vida, neste caso), devemos defender também os seus aces

1
r
outra pessoa e só há alimentos para uma, não posso matá-la para sos. Em consequência, o quinto mandamento proscreve tudo o que
salvar a minha vida. Também não se pode matar ®;etamew,e a leve a tirar injustamente a vida ou a causar injustamente um mal
criança gestante para salvar a vida da mãe. A crianç-a ainda não físico.
nascida não é agressora injusta da mãe, e tem o direito de viver
: todo o tempo que Deus lhe conceda. Destruir direta e deliberada Daqui se deduzem algumas conseqüências práticas. É evidente
mente a sua vida é um pecado de suma gravidade, um assassinato, que quem deliberadamente dirige o seu carro de forma imprudente
é réu de pecado grave, pois expõe a sua vida e a de outros a um
"'i e tem, além disso, a malícia redobrada de enviar uma alma para a perigo desnecessário. Isto também se aplica ao condutor cujas fa.
eternidade sem lhe dar oportunidade de ser batizada. É outro pe
cado que a Igreja procura conter impondo a excomunhão a todos culdades estejam diminuídas pelo álcool. O condutor que hebeu é
os que tomam parte nele voluntariamente: não só à mãe, mas tam um criminoso, além de pecador. Mais ainda; a própria embriaguês

-
f bém ao pai que dê o seu consentimento e aos médicos ou enfermei
ras que o realizem.
é um pecado contra o quinto mandamento, mesmo que não haja a
agravante de se estar conduzindo um carro nesse estado. Beber em
excesso, como comer excessivamente, é um pecado porque prejudica
O princípio de defesa própria estende-se às nações, tanto como a saúde e porque a intemperança produz facilmente outros efeitos
aos indivíduos. Em consequência, o soldado que combate pelo seu nocivos. O pecado de embriaguês torna-se mortal quando afeta de
país numa guerra justa não peca se mata. Uma guerra é insta: a) tal modo o bebedor que este já não sabe o que faz. Mas heber um
se se torna necessária para que uma nação defenda seus direitos em pouco mais da conta também pode ser um pecado mortal, se traz
matéria grave; b) se se recorre a ela em último extremo, uma vez más consequências: se prejudica a saúde, se causa escândalo ou se
esgotados todos os demais meios de dirimir a disputa; c) se se leva leva a descurar os deveres para com Deus ou para com o próximo.
a cabo se.gundo os ditames das leis natural e internacional, e d) se Quem habitualmente bebe em excesso e se julga livre de pecado por
se suspende tão logo a nação a.gressora ofereça a satisfação devida. que ainda conserva a noção do tempo, em geral engana-se a si mes
Na prática, torna-se às vezes muito difícil para o cidadão médio dizer mo; raras vezes a bebida habitual deixa de produzir um mal grave
à própria pessoa ou aos outros.
199
O QL\RTO E O Ql'I-S:TO 1.\-S:DA IE'\;TOS \ \'ID.\ É DE DEUS
HJ8

Somos responsáveis diante de Deus t,da vida 4ue Ele nos deu, raç:'ío - ferveu-nos o sangue - e, portanto, pecado grave. Mas se
e por isso temos obrigação de cuidar da nossa saúde dentro de limi pcrcebemos que a nossa ira é pecaminosa e a alentamo<;; e atiçamos
tes razoáveis. Expor-se a perigos deliberados ou desnecessários, não ' dclibcra<lamcnte. o nosso pecado torna-se grave. Ou, se temos um
consultar o médico quando sabemos ou suspeitamos de uma doença carúta irascível, e o sabemos, e não fazemos nenhum esforço para
que tem cura, é faltarmos aos nossos deveres como administradores cnntrolá-lo, é muito fácil que cometamos um pecado mortal.
de Deus. Evidentemente, há pessoas que se preocupam demasiado Há um último ponto nos atentados ao quinto mandamento: o
com a sua saúde, que não se sentem felizes se não tomam algum mau exemplo. Se é pecado matar ou ferir o corpo do próximo,
remédio. São os hipocondríacos. O mal destas pcsso3s está na men matar ou ferir a sua alma é um pecado maior. Cada vez que mi
te, mais do que no corpo. e temos que compadecer-nos delas. pois nhas más palavras ou ações incitam alguém ao pecado, faço-me réu
seus males são muito reais para elas. de um pecado de escândalo, e o pecado de dar mau exemplo torna-se
A vida de tudo o corpo é mais importanle que a de qualquer mortal se o mal que dele se segue for grave. Tanto espiritual como
de suas partes; em consequência, é lícito extirpar um l\rgão para con fisicamente, sou o guardião de meu irmào.
servar a vida. Não há dúvida, pois, de que a amputaÇto de uma
perna gangrenada ou de um ovário canceroso moralmente reta.
É, pecado, no entanto, mutilar o corpo desnecessariamente: e será
pecado mortal se a mutilaçào for séria em si ou nos seus efeitos.
O homem ou mulher que se submete voluntariamente a urna opera•
çüo dirigida diretamente a causar a esterilida<lc, comt'.lc um pecado
mortal, bem como o cirurgifto que a re;1liza. Alguns Estados têm
leis para a esterilização dos loucos ou débeis mentais. Tais leis
opõem-se à lei de Deus. já que nenhum governo tem o direito de
mutilar um inocente. A chamada "eutanásia'· - matar um doente
incurável para pôr termo aos seus sofrimentos - é pecado grave, mes
mo que o próprio doente o peça. A vida l; de Dt'Us. Se uma doen
ça incurável é parte da provid ncia <lc Deus para m1111. nem cu nem
ninguém tem o direito de distorcer esse plano.

Se passamos do mundo da ação para o <lo pensamento. veremos


que o ôdio (o ressentimento amargo que deseja o mal ao próximo e
se regozija com o seu infortúnio) e a vingança (procurar a desforra
por uma injúria sofrida) são quase sempre pccados mortais. Teori
camente, podemos odiar "um pouquinho·• ou \·ingJr-nos "um pouqui
nho". Mas, na prática, nào é tào fácil controlar es e ·'pouquinho''.
A gravidade do pecado de ira é fácil de ver. A ira causada
por uma má ação e não dirigida à pessoa que a cometeu (sempre
que a ira não seja excessiva) nào é pecado. É o que podaíamos
chamar uma ira reta. Um bom exemplo é o do pai irado (lembre-se,
não em excesso!) por uma malandragem de seu filho. O pai ainda
ama o filho, mas está aborrecido com a sua má conduta. Mas a
ira dirigida a pessoas - normalmente à que feriu o nosso amor
próprio ou contrariou os nossos interesses -, e não contra as más
ações, é uma ira pecaminosa. Em geral, pode-se dizer que, quan
do nos iramos pelo que nos fizeram e não pelo que fizeram a Deus,
a nossa ira não é reta. Na maioria destas irritações, não há delibe-
O SEXTO E O NONO MANDAMENTOS 201

CAPÍTULO XIX
O certo é que o poder de procriar é um dom maravilhoso com
que Deus dotou a humanidade. Deus não era obrigado a dividi-la
O SEXTO E O NONO :MAKDAMENTOS ' em homens e mulheres. Podia tê-la formado com seres assexuados,
dando origem a cada corpo (como faz com a alma) por um ato
direto da sua vontade. Em vez disto, na sua bondade, dignou-se
fazer com que a humanidade participasse do seu poder criador, para
que pudessem existir as belas instituições do matrimônio e da pater
nidade; para que através da paternidade humana pudéssemos com
preender melhor a paternidade divina, sua justiça e sua providência,
e através da maternidade humana compreendêssemos melhor a ter
nura maternal de Deus, sua misericórdia e compaixão; desse modo
preparava também o caminho para a santa maternidade de Maria e
para que no futuro entendêssemos melhor a união entre Cristo e sua
Esposa, a Igreja.
Todas estas razões e muitas outras ocultas na profundidade da
O SEXTO E O NONO MANDAMENTOS
sabedoria de Deus levaram-no a criar a humanidade dividida em
homens e mulheres. Situando-se como vértice, Deus estabeleceu uma
Há duas atitudes errôneas sobre o sexo, as duas bastante co trindade criadora composta de esposo, esposa e Ele mesmo; os es
muns. Uma é a do moderno hedonista, daquele cuja máxima aspi posos atuam como instrumentos de Deus na formação de um novo
tação na vida é o prazer. O hedonista vê a capacidade sexual como corpo humano, e Ele próprio se coloca de certa maneira à disposi
um objeto pessoal, de que não tem que prestar contas a ninguém. ção de marido e mulher para criar a alma imortal desse minúsculo
Para ele (ou ela) a finalidade dos órgãos genitais é a sua satisfação corpo que, debaixo de Deus, eles geram pelo amor.
pessoal e a sua gratificação física, e nada mais. Essa atitude é a
li
do solteiro farrista ou a da solteira fácil, que têm ligações amorosas, Assim é o sexo, assim é o matrimônio. Sendo obra de Deus,
.1 1
mas jamais amor. É também uma atitude que se encontra com fre o sexo é por natureza bom, santo, sagrado. Não é uma coisa má,
,,il quência entre os separados e os divorciados. sempre em busca de
1
não é uma coisa vil e sórdida. O sexo torna-se mau e turvo so
novos mundos de prazer a conquistar. mente quando é arrancado do marco divino da paternidade potencial
A outra atitude errónea é a daquele que pensa que tudo o que
1

e do matrimônio. O poder de procriar e os órgãos genitais não


é sexual é baixo e feio, um mal necessário que manchou a raça trazem o estigma do mal; o mal provém da vontade pervertida,
humana. Sabe, é claro, que .a faculdade de procriar deve ser usada que os desvia dos seus fins, que os usa como mero instrumento de
para perpetuar a humanidade, mas, para ele, a união física entre prazer e satisfação, como um bêbado que se empanturra de cerveja,
marido e mulher continua sendo algo sujo, algo que mesmo em pen sorvendo-a de um cálice consagrado para o altar.
samento mal pode ser tolerado. Esta infeliz atitude mental é adqui O exercício da faculdade de procriar pelos esposos los umcos
rida geralmente na infância, por uma educação errada dos pais e a quem cabe esse exercício) não é pecado, como tambem não o é
mestres. Na sua ânsia de formá-los na pureza, os adultos incutem procurar e gozar o prazer do abraço conjugal. Pelo contrário, Deus
nas crianças a idéia de que as partes íntimas do corpo são em essên cia uniu um grande prazer físico a esse ato para garantir a perpetuação
más e vergonhosas, em vez de ensinar-lhes que são dons de Deus, dons do gênero humano. Se não surgisse esse impulso de desejo físico
(!Ue elas devem apreciar e reverenciar. A criança adquire assim a nem houvesse a gratificação do prazer imediato, os esposos poderiam
noção turva de que o sexo é algo que as pessoas bem educadas mostrar-se renitentes em usar essa faculdade dada por Deus, ante a
jamais mencionam, nem equer em casa e aos próprios pais. A pior perspectiva de terem que enfrentar as cargas de uma possível pater
característica deste estado mental é que tende a perpetuar-se: a crian nidade. O mandamento divino "crescei e multiplicai-vosn poderia
ça assim deformada transmitirá por sua vez a idéia aos seus. Esta frustrar-se. Sendo um prazer dado por Deus, gozar dele não é pe
idéia errada do sexo derruba muitos casamentos que, de outros pon cado para o esposo e para a esposa, sempre que não se exclua dele,
tos de vista, seriam felizes. voluntariamente, o fim divino.
20:2. U SEXTO E O '\O'\O \l..\'\ll·\\IL'\IOS
<) SEXTO E O l\ONO MA'\DüfENTOS 203

Mas, para muita gente - e em algumas ocasiões para a maio A razão é muito clara. O poder de procriar é o mais sagrado
ria -, esse prazer dado por Dc:us pode converter-se cm pedrn <le dos dons físicos do homem, o que mais diretamente se liga a Deus.
tropeço. Por causa do pecado original, o controle perfeito qu;;: a Este caráter sagrado faz que sua transgressão tenha maior malícia.
razão deveria exercei sobre o corpo e seus desl.?jos. está gravemente Se a isso acrescentamos que o ato sexual é a fonte da vida humana,
debilitado. Sob o impulso veemente da carne rebelde, surge uma compreenderemos que, se se envenena a fonte, envenena-se a huma
lnsia de prazer sexual que prescinde dos fins de Deus e das estritas nidade. Este é o motivo por que Deus rodeou o ato sexual de uma
limitaçüt:s que Ele estabeleceu (dentro do matrimCinio cristão) para muralha alta e sólida, com cartazes bem visíveis para todos: Proibida
o ato sexual. Em outra palavras, somos tentados contra a virtude
a passagem! Deus empenha-se em que o seu plano para a criação
da castidade.
de novas vidas humanas não lhe seja tirado das mãos e se degrade
ao nível de instrumento de prazer e de excitação perversos. A única
Esta virtude é a que Deus nos pede no sexto e no nono manda
ocasião em que um pecado contra a castidade pode ser venial é quan
mentos: '•N io cometerás adultério" e "não desejarás a mulher do
do falta plena deliberação ou pleno consentimento.
teu próximo". Rememoremos que nos foi dada uma lista de man
dnmentos como ajuda para a memória: uns compartimentos pelos
A matéria desta virtude difere da que é própria da virtude da
quais distribuir os diferentes deveres para com Deus. Cada manda
modéstia. A modéstia não é a castidade, mas sua guardiã, a senti
mento menL'!n11a cspecifo:amente apenas um dos pecados mais graves
nela que protege os acessos à fortaleza. A modéstia é uma virtude
contra a \. irtudc a pratk:ar ("não matarás", "não furtarás"), e sob
que nos leva a abster-nos de açôes. palavras ou olhares que possam
esse cncalx·çamento são agrupados todos os pecados e todos os de
despertar o apetite sexual ilícito em nós mesmos ou em outros. As
vcn::s di.:: natureza semelhante. Assim, é pecado não sú matar, como !.,
ações podem ser beijos, abraços ou carícias imprudentes; podem ser
também travar um dudo ou odiar; é pecado não só furtar, como tam
formas de vestir atrevidas ou a leitura de escabrosos romances "mo
hém danificar a propriedade alheia ou cometer fraude. Do mesmo
dernos''. As palavras podem ser relatos sugestivos de cores fortes.
modo, é pecado não só cometer adultério - a relação carnal quando
cantar ou deleitar-se com canções obscenas ou de duplo sentido. Os
um ou os dois participantes são casados com terceiras pessoas -,
olhares podem ser os que seguem banhistas de uma praia ou os que
como também cometer fornicação - a relaç;Io carnal entre duas
se concentram numa janela indiscreta, a contemplação mórbida de
pesoas solteiras -: é pecado prati<:ar qualquer ação dcliberada, como
fotografias ou desenhos em revistas ou folhi.nhas. É certo que "tudo
tocar-se a si mesmo ou tocar outra pessoa, com o propósito de des
é limpo para os limpos". mas também quem é limpo deve evitar
pertar o apetite sexual fora da relação conjugal. É pecado não só
tudo aquilo que ameace a sua pureza.
desejar a mulher do próximo, como também alimentar pensamentos
Diferentemente dos pecados contra a castidade, os pecados con
ou desejos desonestos sobre qualquer pessoa.
tra a modéstia podem ser veniais. Os atentados contra esta virtude,
que se proponham diretamente despertar um apetite sexual ilícito,
A castidade - ou pureza - é definida como a virtude moral
üo sempre pecado mortal. Excluindo esses, a gravidade dos peca
que regula retamente toda expressão voluntária de prazer sexual den
tro do casamento e a exclui totalmenk fora do estado matrimonial. dos cnntra a modéstia depende da intenção do pecador, do grau em
Os pecados contra esta virtude diferem dos que atentam contra a que a sua imodéstia excite movimentos sexuais, da gravidade do
maioria das demais virtudes num ponto muito importante: os pen escândalo causado.
samentos, palavras e ações contra a virtude da castidade, se forem Um aspecto da questão que todos devemos ter muito em con
ta é que Deus, ao estabelecer os meios para perpetuar a espécie
plenamente deliberados, são sempre pecado mortal. Uma pessoa pode
humana, fez do homem varão o princípio ativo do ato procriador.
violar outras virtudes, inclusive deliberadamente. e. no entanto. pecar
Por essa razão, os desejos masculinos acendem-se normalmente com
venialmentc, se se trata de matéria leve. Uma pessoa pode ser ligei
muito mais facilidade do que na mulher. Pode acontecer que uma
ramente intemperante. insincera ou desonesta. Mas ninguém pode
moça, com toda a inocêrn.:ia, faça umas meiguices carinhosas que
cometer um pecado leve contra a castidade se violar a virtude da
para ela não serão mais do que uma expansão romântica à luz da
pureza com pleno consentimento. Tanto nos pensamentos como nas
lua. mas que para seu jovem companheiro serão ocasião de pecado
palavras ou ações, não há "matéria leve"; não há matéria irre1evante
mortal. Na mesma linha de ignorante inocência, uma mulher pode
yuanto a esta virtude.
atcntnr sem mú intenção contra a modéstia no vestir, simplesmente
204 O SEXTO E O NONO MANDAMENTOS

CAPÍTULO XX
por medir a força dos instintos sexuais masculinos pela sua própria.
Na nossa cultura contemporânea, há dois pontos fracos que nos O SÉTL\10 E O D:f:CJ:\10 L\);DX lE);TOS
devem chamar a atenção em se tratando da virtude da castidade.
Um é a prática - cada vez mais frequente - de saírem habitual
mente "bandos" de moços e moças. Inclusive nos primeiros anos
do ensino médio, formam-se pares que costumam sair juntos regu
larmente, trocam presentinhos, estudam e divertem-se juntos. Estas
situações prolongadas (sair frequentemente com a mesma pessoa do
sexo contrário por períodos de tempo consideráveis) são sempre um
perigo para a pureza. Para aqueles que têm. idade suficiente para
contrair casamento, esse perigo está justificado; um noivado razoável
é necessário para se encontrar o companheiro idôneo para o casa
mento. Mas, para os adolescentes, que ainda não têm condições
para casar-se, essa constante companhia é pecado, porque proporciona i
ocasiões de pecado injustificadas, umas ocasiões que alguns pais O MEU E O TEU
"bobos" até fomentam, pensando que essa relação tem "graça".
Outra forma de companhia constante que, por sua própria natu
reza, é pecaminosa é a de avistar-se com pessoas separadas ou
j É pecado que um faminto furte um pão, mesmo que tenha de
quebrar uma vitrina para o fazer? É pecado que um operário furte
divorciadas. Um encontro com um divorciado (ou uma divorciada) ferramentas da oficina cm que trabalha, se todo mundo o faz? Se
pode ser suficiente para que o coração se apegue e se chegue facil uma mulher encontra um anel de diamantes e ninguém o reclama,
mente a um pecado de adultério ou, pior ainda, a uma vida de pode ficar com ele? É imoral comprar pneus a um preço de pe chincha,
permanente adultério ou a um "casamento" fora da Igreja. se se suspeita que são roubados? O sétimo mandamento da lei de
Deus diz: "Não roubarás", e parece um mandamento muito claro à
As vezes, em momentos de grave tentação, podemos pensar que primeira vista. Mas logo começam a chegar os "mas'' e os
este dom maravilhoso de procriar que Deus nos deu é uma bênção ·'ainda que", e já nada parece tão claro.
discutível. Em momentos assim, temos que recordar duas coisas: Antes de começarmos a examinar este mandamento, podemos
primeiro, que não há virtude autêntica nem bondade verdadeira tratar do décimo - "Não cobiçarás os bens alheios" - muito rapi
sem esforço. Uma pessoa que nunca sofresse tentações não poderia damente. O décimo mandamento é companheiro do sétimo, como
jamais ser chamada virtuosa no sentido comum (não no teológico) o nono o é do sexto. Em ambos os casos se nos proíbe fazer em
da palavra. Deus pode, naturalmente, conceder a alguém um grau pensamento o que nos é proibido na ação. Assim, não só é pecado
excelso de virtude sem a prova da tentação, como foi o caso de roubar como também é pecado querer roubar, desejar tirar e con
Nossa Mãe Santa Maria. Mas o normal é que, precisamente por servar o que pertence ao próximo.
suas vitórias sobre fortes tentações, uma pessoa se torne virtuosa e Tudo o que digamos sobre a natureza e a gravidade das ações
adquira méritos para o céu. contra este mandamento aplica-se também ao desejo correspondente,
Também devemos lembrar-nos de que, quanto maior for a ten exceto que neste caso não se nos exige restituição. Este ponto deve
tação, maior será a graça que Deus nos dará se a pedirmos e acei ser tido em conta em todos os mandamentos: que o pecado se
tarmos, se lutarmos· por todos os meios ao nosso alcance. Deus nunca comete no momento em que deliberadamente se deseja ou se decide
permite que sejamos tentados acima da nossa força de resistência cometê-lo. Realizar a ação agrava a culpa, mas o pecado já foi
' cometido no instante em que se tomou a decisão o'u se consentiu no
(com a sua graça). Ninguém pode dizer: "Pequei porque não pude
resistir". O que está ao nosso alcance é evitar os perigos desnecessá desejo. Por exemplo. se decido roubar uma coisa assim que se apre
rios; sermos constantes na oração, especialmente nos momentos de fra sente a ocasião, e esta nunca aparece. impedindo-me de levar avante
queza; frequentar a Missa e a Sagrada Comunhão; ter uma profunda o meu propósito, esse pecado de intenção de roubar gravará a minha
e sincera devoção por Maria. Mãe Puríssima. consciência.
206 O Sf:Tl\!O E O Df:CJ,10 ,IA:\DA,IEYIOS e J \Jf-T F U TEl :?.07

Portanto. a que obriga o sétimo mandamento? Exige-nos que aljUi. dcsapari.\'3··. F tJmhém pecam os operários que defraudam t!
pratiquenws a virtude da justiça. que se define como a virtude mora) 1l1 salúrio just().. -,e cklihcradamcntc dcspcrdi,.;am os materiais ou o
que obriga a dar a cada um o que é seu. o que lhe é devido. tL'l1lPl i da L'l1lprc:--a, ( iu n,lo rendem um iuslo dia de trabalho pelo
ju:-.tn saUrio que rccehem.
Pode-se violar esta virtude de muitas maneiras. Em primeiro lugar,
pelo pecado de roubo. que é furto quando se tiram os bens alheios Os L'mprcga,hls púhlicos são outra cat, goria de pessoas que ne
on11tarnente. ou rapina se se tomam com violência e manifestamente. L·cssitam de rrci.:al!\,-tn 111.'..'>k mandamento. Estes empregados si"10 es
Roubar é tirar ou reter voluntariamente, contra o direito e a colhiUns e pagl)S para executar as kis e administrar os 3ssunlos pú
ra7oável vontade do próximo. aquilo que lhe pertence. "Contra o blicos L\1m in1parcialidade e prudência, para o hem comum de todos
direito e a razoável vontade do próximo" é uma cláusula importante. • os cidad los. Lm empregado público que aceite subornos - por mui
A vida é mais importante que a propriedade. Não é razoável re cusarmo- w habilmente que os disfarce - em troca de favores políticos. atrai
nos a dar a alguém algo de que precisa para salvar a sua vida. 'o:i <1.-, u111cidad:'10.., que o elegeram ou designaram. e peca contra
Assim, o faminto que toma um pão, não rouba. O fugitivo que se (l s0tinw manJ...irncnto. Também peca quem exige presentes de em
apossa de um carro ou de um barco para escapar dos perse guidores que prcgad(ls inferiores.
lhe ameaçam a vida ou a liberdade, não rouba.
Esta cláusula disüngue também roubar de tomar emprestado. Se Duas 110\as densas contra <1 justiça complt:tam o quadro dos
o meu vizinho não está cm casa e pego da sua garagem umas ferra pecados mais comuns contra o s timn mandamento. Uma é aceitar
mentas para reparar meu automóvel, sabendo que ele não faria obje bens que sabemos serem roubados, quer os recebamos de graça ou
çüo, é claro que não roubo. Mas é igualmente claro que é imoral pagando. Nesta matéria, uma suspeita fundada equivale ao conhe
tomar emprestada uma coisa quando sei que o seu proprietário poria L'imenln. Aos olhos de Deus, quem recebe bens roubados é tão cul pado
dificuldades nisso. O empregado que toma emprestado da caixa, ain como o ladrrw. Também é pecado ficar com objetos achados SL·m
da que pense devolver algum dia esse "empréstimo", é réu de pecado. fazer um f'sfon;o razoável para encontrar o proprietário. A me dida
Seguindo o princípio de que tudo o que seja privar alguém, deste csfon;o (perguntar e anunciar) dcpendaá. é claro. do valor da
contra a sua vontade, do que lhe pertence, se for feito deliberada coisa; e o proprietárÜJ, se aparecer. tem obrigação de reembolsar
mente, é pecado, já vemos que, além de roubar. há muitas maneiras quem encontrou o objeto. de todos os gastos que suas diligências
de violar o sétimo mandamento. Não cumprir um contrato ou um lhe tenham ocasionado.
acordo de negócios, se causa prejuízos à outra parte contratante, é
pecado. Também o é assumir dívidas sabendo que não se poderão Nüo se pode medir o dano moral com uma fita métrka, nem
pagar: é pecado muito comum nestes tempos em que tanta gente uhkr o seu total numa máquina de somar. Assim, quando alguém
vive acima de suas possibilidades. Igualmente é pecado danificar pergunta: "A partir de quanto um pecado é mortal?", não há uma
ou destruir deliberadamente a propriedade alheia. resposta preparada e instantânea. Não podemos dizer: "Se o rou
ho só chega a 2.999 cruzeiros. é pecado venial: de 3.000 para cima,
A seguir, vêm os pecados de fracde: privar alguém do que lhe jü é pecado mortal". Só se pode falar em geral e dizer que o roubo
pertence, usando de engano. Incluem-se neste grupo as práticas por .
de algo de pouco valor será pecado venial. e que roubar algo valioso
1
meio das quais se rouba no peso, nas medidas ou no troco, ou se 1 será pecado mortal (quer esse grande valor seja relativo ou ahsoluto).
vendem produtos de qualidade inferior sem reduzir o preço. ou se Isto. como é natural, aplica-se tanto ao furto propriamente dito corno
ocultam defeitos da mercadoria (os vendedores de carros de segunda aos demais pecados contra a propriedade: rapina, fraude, receptação
mão, bem como todos os vendedores, devem precaver-se contra isto), de bens roubados. ctL'.
ou se vende com margens de lucro exorbitantes, ou se passa moeda Quando falamos do valor relativo de uma coisa, referimo-rms ao
falsa, ou se vendem produtos adulterados: numa palavra, todos os seu valor consideradas as circunstâncias. Para um operário com fa mília
sistemas de tornar-se rico do dia para a noite, que tanto abundam a manter. a perda de um dia de trabalho será normalmente uma
na sociedade moderna. Outra forma de fraude é não pagar o salário perda considerável. Roubá-lo ou enganá-lo no equivalente po deria ser
justo, recusando aos trabalhadores e empregados o salário suficiente facilmente pecado mortal. A gravidade de um pecado con tra a
para viverem. aproveitando-se de que o excesso de mão de obra no propriedade mede-se, pois, tanto pelo dano que causa ao pro prietário
mercado permite ao patrão dizer: "Se você não gosta de trabalhar como pelo valor real do objeto em questão.
O Sf:TL\10 E O Df:Cl\10 \!:\ '\DA\IE:'\"J'US
:2(),'i O !EU E O TEU 209

Mas. ao aprcL"i:umos o valor de um objeto (ou de uma soma


tk dinheiro). chegaremos a um ponto cm que toda pessoa raznúvcl a importância total chegar a ser, somadas todas as parcelas, matéria
cnnu1rdará no que 0 um valor considerável. quer seja pobre ou rica pel.'.aminosa grave.
,1 pessoa que sofre a perda. Este valor é o que denominaremos Há certos princípios fundamentais que regem as questões de res
ahso/utu, um valor que não depende das circunstâncias. E neste 1
tituição. O primeiro deles é que a restituição deve ser feita à pessoa
(JIU! sofreu a perda ou aos seus herdeiros, se aquela faleceu. E, su
ponto a fronteira entre pecado mortal e pecado venial é conhecida
pondo que não se pôde encontrar a pessoa e que seus herdeiros
' sejam desconhecidos, aplica-se outro princípio: ninguém pode bene
ficiar-se com a injustiça. Se o proprietário é desconhecido ou não
somente por Deus. Nós podemos dizer com certeza que roubar dez púde ser encontrado, a restituição deverá ser feita doando os bene
cruzeiros é pecado venial, e que roubar dez mil, ainda que o proprie fícios ilícitos a instituiçôes beneficentes, apostólicas, etc. Não se exi
tário seja a General Motors. é pecado mortal. Mas ninguém pode ge que quem restitui dê a conhecer a sua injustiça e com isso arruine
dixer exatamente onde traçar a linha divisória. Há uns dez anos, a sua reputação: pode restituir anonimamente, pelo correio, por
os teólogos estavam de acordo em afirmar que o rouho de três ou meio de um terceiro ou por qualquer outro sistema que proteja o
quatro mil cruzeiros era matéria grave absoluta. e que uma m1ustiça seu hom nome. Também não se exige que, para efetuar essa resti
por essa importância era geralmente pecado mortal. No entanto, um tuição, a pessoa se prive a si mesma ou prive a família dos meios
cruzeiro de hoje não vale a mesma coisa que um cruzeiro de há para atender às necessidades ordinárias da vida. Seria uma péssima
dez anos, e os livros de teologia não podem ser revisados cada seis conduta esbanjar dinheiro em luxos ou caprichos, e não fazer a
me'ses segundo os índices do "custo de vida". A conclusão evidente restituição. Mas isto também não quer dizer que sejamos obrigados
e que, se formos escrupulosamente honrados no nosso relacionamento a viver do ar e a dormir debaixo de uma ponte até que tenhamos
com o próximo, nunca teremos que perguntar: "Isto é pecado mor feito a restituição.
tal ou venial?" Para quem peque contra a justiça, outra conclusão Outro princípio é que, se se roubou um objeto, é esse mesmo
também evidente é que deve arrepender-se do seu pecado, confessá-lo, objeto que deve ser devolvido ao proprietário, junto com qualquer
reparar a injustiça e não tornar a cometê-lo. outro ganho natural que dele tiver resultado: os bezerros, por exem plo,
se o que se roubou foi uma vaca. Só se esse objeto não existir mais
E isto traz a lume a questão da restituição, quer dizer, a neces ou estiver estragado e não fôr possível repará-lo, é que se pode fazer a
sidade de ressarcir os prejuízos causados pelo que adquirimos ou restituição entregando o seu valor em dinheiro.
danificamos injustamente. O verdadeiro arrependimento doo pecados Talvez se tenha dito já o suficiente para fazermos uma idéia des
cometidos contra o sétimo mandamento deve incluir sempre a inten tas questões de justiça e direitos, que às vezes podem tomar-se com
ção de reparar táo logo seja possível (aqui e agora, se se pode) todas plicadas. Por isso não nos devemos surpreender se até o sacerdote
as consequências da nossa injustiça. Sem essa sincera intenção por tiver que consultar seus livros de teologia nestas matérias.
parte do penitente, o sacramento da Penitência é impotente para per doar
um pecado de injustiça. Se o pecado foi mortal e o ladrão ou
aproveitador morre sem ter feito nenhuma tentativa de restituir o
alheio, embora pudesse fazê-lo, morre em estado de pecado mortal.
Malbaratou a sua felicidade eterna, trocando-a pelos seus lucros in
justos.
Mesmo os pecados veniais de injustiça não podem ser perdoados
se não se restitui ou não se faz o propósito sincero de restituir.
Quem morre sem reparar os seus pequenos furtos ou fraudes, verifi
cará que o preço que as suas velhacarias lhe custarão no purgatório
excede de longe os benefícios ilícitos que teve na vida. E, a este pro
pósito, será bom mencionar de passagem que mesmo os pequenos
furtos podem constituir um pecado mortal. se se cometem numa sé-•
rie contínua durante um período curto de tempo, de modo que o
total seja considerável. Uma pessoa que se apodera injustamente de
50 a 100 cruzeiros cada semana, será réu de pecado mortal quando
S0 A \'ERDADE 211

CAPÍTlJLO XXI Isto é certo também quando deliberada e injustamente causamos


um prejuízo sério à reputação do próximo em nossa própria mente.
O OITAYO _'.\fAXD,\MENTO É o juízo temerário. um pecado em que incorre muita gente e que
talvez sejamos desleixados em examinar quando nos preparamos para
a confissão. Se alguém inesperadamente realiza uma boa ação, e eu
me surpreendo pensando: "A quem tentará bajular?", cometo um
pecado de juízo temerário. Se alguém pratica um ato de generosi
dade, e eu digo para mim mesmo: "Aí está esse fulano bancando
o herói". peco contra o oitavo mandamento. Talvez não seja um
pecado mortal. mas pode sê-lo facilmente se a reputação dessa pessoa
sofre seriamente no meu juízo acerca dela, por causa da minha sus
peita injusta.

A detração ou difamação é outro pecado contra o oitavo manda


mento. Consiste cm prejudicar a reputação alheia manifestando sem
Só A VERDADE justo motivo pecados e defeitos alheios que são verdade, mas não
süo comumente conhecidos: por exemplo, quando conto aos amigos
ou vizinhos as terríveis brigas que tem o casal do lado, ou lhes re
O quinto mandamento. além do homicídio, proíbe muitas coisas. velo que o marido chega bêbado a casa todos os sábados. Pode
O sexto aplica-se a muitos outros pecados, além da infidelidade con ser que haja ocasiões em que. para corrigir ou prevenir, seja neces
jugal. O sétimo abrange muitas ofensas contra a propriedade, além sário revelar a um pai as más companhias do filho; ou que conve
do simples roubo. O enunciado dos mandamentos. sabemos, é uma nha informar a polícia de que certa pessoa saía furtivamente da loja
ajuda para a memória. Cada um deles menciona um pecado espe que foi roubada. Pode ser necessário avisar os pais da vizinhança
cífico contra a virtude a que o referido mandamento se aplica, e que t:sse novo vizinho tem antecedentes de incomodar sexualmente
espera-se de nós que utilizemos esse enunciado como uma espécie de as crianças. Mas, habitualmente, quando começamos por dizer:
cabide onde pendurar os restantes pecados contra a mesma virtude. "Acho que deveria contar-lhe ... ", o que no fundo queremos dizer
Assim, nflo nos surpreende que o oitavo mandamento siga o é: "Morro de vontade de contar-lhe, mas não quero reconhecer o
mesmo esquema. "Não levantarás falso testemunho" proíbe expli fato de que adoro murmurar".
citamente o pecado de calúnia: prejudicar a reputação do próximo Ainda que, por assim dizer, uma pessoa fira ela mesma a sua
mentindo sobre ele. No entanto, além da calúnia, há outros modos própria fama pela sua conduta imoral, será sempre pecado para mim
de pecar contra a virtude da verdade e contra a virtude da caridade dar a conhecer sem necessidade o seu mau comportamento. É de
por palavras e obras. certo modo o mesmo que roubar um ladrão: ainda que seja um
A calúnia é um dos piores pecados contra o oitavo mandamento, ladrão, se eu o roubo, peco. Não é necessário dizer que não é pe
porque combina um pecado contra a verdade (mentir) com um pe cado referir fatos que são do conhecimento geral, como, por exemplo,
cado contra a justiça (ferir o bom nome alheio) e a caridade (falhar um crime cometido por alguém que foi condenado por um tribunal
no amor devido ao próximo). A calúnia fere o próximo onde mais público. Mas, mesmo nestes casos, a caridade nos levará a conde
dói: na sua reputação. Se roubamos dinheiro a um homem, este nar o pecado, e não o pecador, e a rezar por ele.
pode irar-se ou entristecer-se. mas, normalmente. se refará e ganha
rá mais dinheiro. Quando manchamos o seu bom nome. roubamos No oitavo mandamento, não há apenas pecados de palavra e
-lhe algo que todo o trabalho do mundo não lhe poderá devolver. mente, mas também de ouvido. Cometemos pecado quando escuta mos
É tac11 ver. pois, que o pecado de calúnia é mortal se com ele pieJu com agrado a calúnia e a difamação, ainda que não digamos uma
dicamos seriamente a honra do próximo. ainda que seja na conside palavra. Esse mesmo silêncio fomenta que se difundam mur murações
ração de uma só pessoa e mesmo que e se próximo não tenha notí maliciosas. Se o nosso agrado em escutar se deve a mera curiosidade, o
cia do mal que lhe causamos. pecado será venial. Mas se a atenção que prestamos
212 O OITAVO MANDAMENTO
SOA \°ERDADE 213

fôr por ódio à pessoa difamada, o pecado será mortal. Se se ataca caso poderá ser falso. mas não é uma mentira: é um meio lícito de
a fama de alguém na nossa presença, nosso dever é cortar a con auto-defesa quando não resta alternativa.
versa, ou, pelo menos, mostrar pela nossa atitude que o tema nào ' Também não há obrigação de dizer sempre toda a verdade. In
nos interessa. fdizrncnte. há muitos xaetas neste mundo, que perguntam o que
O insulto pessoal (os teólogos preferem chamá-lo "contumélia") rüo têm o direito de saber. É pcrfeita'l1cnte legítimo dar a tais pes
é nutro pecado contra o oitavo mandamento, que se comete contra soas uma resposta evasiva. Se alguém me pergunta quanto dinheiro
o próximo na sua presença, e que se reveste de muitas formas. Por trago comigo (e suspeito de que se trata de uma "facada"), e eu
palavras ou obras, podemos recusar-lhe as manifestações de respeito e lhe respondo que trago mil cruzeiros quando na realidade tenho dez
amizade que lhe são devidas. como, por exemplo, voltar-lhe as costas mil, não minto. Tenho mil cruzeiros. mas não menciono os outros
nu ignorar-lhe a mão estendida, falar-lhe de modo grosseiro ou nove mil que também tenho. Mas seria uma mentira, é claro, afir
desconsiderado, dirigir-lhe apelidos pejorativos. Um pecado pa mar que tenho dez mil cruzeiros quando só tenho mil.
recido de grau menor é esse criticismo depreciativo, que encontra
faltas em tudo e que, para muitas pessoas, parece constituir um hábito Há frases convencionais que aparentemente são mentiras, mas
profundamente arraigado. não o são na realidade porque toda pessoa inteligente sabe o que
significam. "Não sei" é um exemplo dessas frases. Qualquer pes soa
A intriga é também um pecado contra o oitavo mandamento. de inteligência média sabe que dizer "não sei" pode significar duas
É o pecado do mexeriqueiro que semeia discórdia, que corre a dizer coisas: que realmente desconheço aquilo que me perguntam, ou que
a Pedro o que João comentou dele. Também neste caso a intriga não estou em condições de revelá-lo. É a resposta do sacerdote
se faz preceder geralmente de um "acho que te conviria saber ... ", - do médico, do advogado ou do parente -, quando alguém pro
quando, muito pelo contrário, seria melhor que Pedro ignorasse essa cura tirar-lhe uma informação confidencial. Outra frase similar é:
alusão que João fez acerca dele, uma alusão que talvez lhe tenha "não está em casa". "Não estar em casa" pode significar que a pessoa
rscapado por descuido ou num momento de irritação. "Bem-aven- saiu efetivamente, ou que não recebe visitas. Se a menina, ao abrir
1 urados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus": eis
a porta, diz ao visitante que mamãe não está em casa, não mente:
uma boa citação para recordar nestas ocasiões. não há por que dizer que mamãe está no banho ou corando a roupa.
Quem se engana com frases como esta (ou outras parecidas de uso
Uma mentira simples, que não causa prejuízo nem se diz sob corrente) não é enganado: engana-se a si mesmo.
juramento, é pecado venial. Deste tipo costumam ser as que se OU· O mesmo princípio se aplica a quem aceita como verídica uma
vem aos fanfarrões (e, muitas vezes, aos apaixonados pela pesca). história contada como piada, que qualquer pessoa com um pouco de
Como também as mentira& que se dizem para evitar uma situação talento percebe imediatamente. Por exemplo, se afirmo que na minha
embaraçosa para a própria pessoa ou para outros. Também se in terra o milho cresce tanto que a colheita tem que ser feita de heli
cluem aqui as que são contadas pelos brincalhões zombeteiros. Mas, cóptero, quem o tome literalmente está-se enganando a si mesmo.
seja qual for a motivação de uma mentira, não dizer a verdade é No entanto, essas mentiras jocosas podem tornar-se verdadeiras men
sempre pecado. Deus nos deu o dom de podermos comunicar nos tiras se não fica claro para as pessoas que a história contada é uma
sos pensamentos para que manifestemos sempre a verdade. De cada brincadeira.
vez que, por palavras ou obras, divulgamos uma falsidade, abusamos
de um dom divino e pecamos. Outro possível pecado contra o oitavo mandamento é revelar
Daí se segue que não existem as "mentirinhas brancas" nem as os segredos que nos foram confiados. A obrigação de guardar um
mentiras inócuas. Um mal moral, mesmo o mal moral de um pe segredo pode surgir de uma promessa feita, da própria profissão (mé
cado venial, é maior que qualquer mal físico. Não é lícito cometer dicos, advogados, jornalistas, etc) ou simplesmente porque a caridade
um pecado venial, nem mesmo para salvar da destruição o mundo proíbe que eu divulgue o que pode ofender ou ferir o próximo. AJJ
inteiro. No entanto, deve.se também mencionar que posso não dizer únicas circunstâncias que permitem revelar segredos sem pecar são
aquelas que tornam necessãrio fazê-lo para prevenir um mal maior
a verdade sem pecar quando injustamente procuram averiguar por
à comunidade, a um terceiro inocente ou à própria pessoa que me
meu intermédio alguma coisa sobre mim. O que venha a dizer neste
comunicou o segredo. Inclui-se neste tipo de pecados ler a corres-
214 O OITAVO \!ANDA\JE:s;TQ

pondência alheia sem licença ou procurar ouvir conversas privadas.


CAPÍTULO XXII
Nestes casos, a gravidade do pecado será proporcional ao mal ou
ofensa causados.

Antes de em:errarmos o tema do oitavo mandamento, devemos ' OS :\L\XDA:\IEXTOS DA lGHEJA


ter presente que este mandamento, como o sétimo, nos ohriga a res
tituir. Se prejudiquei um terceiro por calúnia, difamação, insulto ou
n:vela,üo de segredos a mim confiados, meu pecado nào será per
doado se não procuro reparar o melhor que possa o mal causado.
E isto é assim mesmo que essa reparação exija que me humilhe ou
cause prejuízos a mim próprio. Se caluniei, devo proclamar que
me tinha enganado redondamente; se murmurei, tenho que compen
sar a minha difamação com elogios justos que movam à caridade;
se insultei, devo pedir desculpas, publicamente, se o insulto foi pú
blico; se violei um segredo, devo reparar o mal causado da forma
que puder e o mais depressa possível. AS LEIS DA IGREJA
Tudo isto deve levar-nos a renovar a determinação sobre os
propósitos que, sem dúvida, fizemos há tempo: não abrir a boca
Às vezes, tropeçamos com pessoas que dão a impressão de ima
senão para dizer o que estritamente pensamos ser verdade; nunca
ginar que as leis da Igreja obrigam menos que as de Deus. "Bem,
falar do próximo - ainda que digamos verdades sobre ele -, a
não é senão uma lei da Igreja", dizem talvez. ·'Não é senão urna
nüo ser para elogiá-lo e, se temos que dizer de certa pessoa algo
lei da Igreja" é uma frase tola. As leis da Igreja são praticamente
pejorativo para ela, que o façamos obrigados por uma grave razão.
o mesmo que as leis de Deus, porque são suas aplicações. Uma
das razões pelas quais Jesus estabeleceu a sua Igreja foi precisamente
esta: a promulgação de todas as leis necessárias para corroborar seus
ensinamentos, para o bem das almas. Para comprová-lo, basta re
cordar as palavras do Senhor: ''Aquele que a vós ouve, a mim ouve,
e aquele que a vós despreza, a mim despreza" (Lc. 10, 16). Cristo
falava à Igreja na pessoa de seus Apóstolos. Assim, pois, as leis
da Igreja têm toda a autoridade de Cristo. Violar deliberadamente
uma lei da Igreja é tão pecado como violar um dos Dez Manda
mentos.
Quantas leis da Igreja há? A maioria responderá Hcinco" ou
"seis", porque esse é o número que nos dá o Catecismo. Mas o
certo é que são mais de duas mil. São as contidas no Código de
Direito Canônico. Muitas delas foram revogadas pelos recentes pa
pas (por exemplo, as relativas ao jejum eucarístico) e por decretos
do Concílio Vaticano II. Agora está-se procedendo a uma revisão
completa do Código de Direito Canônico. Não obstante, por muito
que varie a sua aplicação, as seis leis básicas enumeradas no Cate
cismo não serão abolidas. São as ..!l:1e eh.amamos habitualmente os
Mandamentos da Igreja, a saber: '(,ll_ Ü)!vir Missa inteira todos os
dommgos e festas de guarda; O} Confessar os pecados mortais ao
menos um vez ao ano e em perigo de morte ou se se tem de co
mungar; Qí, Comungar pela Páscoa da Ressurreição; (4) Jejuar
216 OS !A:-.:DAMENTOS DA IGREJA AS LETS DA IGREJA 217

e abster-se de comer carne quando manda a Santa Madre Igreja: com a entrada de nossa Mãe em corpo e alma na glória; o dia de
{3j Ajudar a Igreja em suas necessidades: e (6) Observar as leis Todos os Santos (antes no dia 1.0 de novembro), quando honramos
da Igreja sobre o matrimônio.
' todos os santos do céu, incluídos os nossos entes queridos que já se
encontram gozando de Deus. Além disso, há outros dois dias que.
A obrigação de assistir à Missa aos domingos e festas de guar no calendário geral da Igreja, são de guarda, mas não o são no Brasil
da - obrigação que começa para cada católico quando completa os nem foram transferidos para o domingo: a solenidade de São José
sete anos - já foi aqui tratada ao comentarmos o terceiro manda (19 de março), cm que honramos o glorioso Patriarca, esposo da
mento do Decálogo. Não vamos repetir aqui o que já se disse, mas
Virgem Maria, pai nutrício de Jesus e padroeiro da Igreja universal:
pode ser oportuno mencionar alguns aspectos sobre os dias de pre
e a solenidade dos apóstolos São Pedro e São Paulo (29 de junho).
ceito.
dedicada especialmente a Sào Pedro, príncipe dos Apóstolos, consti
Na sua função de guia espiritual, a Igreja tem o dever de pro
tuído por Cristo caheça de toda a Igreja e o primeiro dos Papas.
curar que a nossa fé seja uma fé viva, de tornar vivas e reais para
nós as pessoas e os eventos que constituem o Corpo Místico de Além destas festas, há outros dias de especial relevo para os
Cristo. Por essa razão, a Igreja marca uns dias por ano e os de catúlicos: são os dias de jejum e os ,dias de abstinência. Ao lermos
clara dias sagrados. Neles recorda-nos acontecimentos importantes os Evangelhos, teremos notado a frequência com que Nosso Senhor
da vida de Jesus, de sua Mãe e dos santos. A Igreja realça essas recomenda que façamos penitência. E podemos perguntar-nos: "Sim,
festas periódicas equiparando-as ao dia do Senhor e obrigando-nos, mas como?" A Igreja, cumprindo a sua obrigação de ser guia e
sob pena de pecado mortal, a ouvir Missa e abster-nos do trabalho mestra, fixou um mínimo para todos, uma penitência que todos -
quotidiano na medida em que nos seja possível. com certos limites - devemos fazer. Este mínimo estabelece uns
O calendário da Igreja fixou dez desses dias, que são guardados dias de ahstinência (em que não podemos comer carne) e outros
na maioria dos países católicos. Em alguns países não,oficialmente de jejum e abstinência (em que devemos abster-nos de carne e tomar
católicos - em que o calendário de trabalho não reconhece essas uma só refeição completa).
festas -. estes dias, além dos domingos, reduzem-se a uns poucos.
Como Cristo Nosso Salvador morreu numa Sexta-feira, a Igreja
Assim, por exemplo, no Brasil são dias santos de guarda: a soleni•
estabeleceu todas as se_xtas.:f iras do ano - e também a Quarta-feira
dade da Santíssima Mãe de Deus· (1.0 de janeiro), que comemora
de Cinzas - corilo dfas obrigatóri0s de penitência. O preceito geral
o dogma da Maternidade divina de Maria, fonte de todos os seus
da Igreja obriga a abster-se de carne todos as sextas-feiras do ano.
privilégios; o dia do Corpus Christi, solenidade do Santíssimo Corpo
Mas o Papa Paulo VI, na constituição Paenitemini, deu às Confe
e Sangue de Cristo (quinta-feira depois do domingo da Santíssima
rências episcopais dos diversos países a faculdade de trocar a absti
Trindade), em que a Igreja adora a Presen,;a Real de Cristo no
nência de carne por outras práticas de penitência cristã, como a ora
sacramento da Eucaristia; a Imaculada Conceição de Maria (8 de
ção, a esmola, outras mortificações, etc. De acordo com essa facul
dezembro), que celebra a criação da alma de Maria livre do pecado
dade, os bispos do Brasil determinaram que nas sexta-feiras do ano,
original, o primeiro dos passos da nossa redenção; e o dia de Natal
indusive nas da Quaresma - exceto a Sexta-feira Santa -, a absti nência
(25 de dezembro), em que comemoramos o nascimento de Nosso
de carne pode ser substituída, à escolha de cada um, por ou tras
Senhor.
formas de penitência. principalmente por obras de caridade e exercícios
Algumas solenidades que, no calendário geral da Igreja, têm uma
de piedade, isto é, por algumas orações.
data que não costuma coincidir com um feriado, foram transferidas
Mas na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa fica de
para o domingo mais próximo, normalmente o domingo seguinte.
pé a obrigação de fazer jejum e abstinência. Nesses dias, só se pode
Encontram-se neste caso: a solenidade da Epifania ou Manifestação
fazer uma refeição completa, podendo tomar-se alimento duas vezes
do Senhor (antigamente no dia 6 de janeiro), que, na vocação dos
mais no dia desde que, juntas, não formem uma refeição completa.
Magos, os primeiros pagãos chamados ao conhecimento de Jesus,
Nenhuma dessas refeições pode incluir carne.
comemora as primícias da nossa vocação para a fé; a Ascensão
Tomar deliberadamente carne ou caldo de carne num dia de
do Senhor (antigamente na quinta-feira, 40 dias depois da Páscoa),
abstinência é pecado grave, se envolve desprezo do preceito e a quan
que comemora a subida gloriosa de Jesus aos céus; a Assunção de tidade que se toma é considerável. Mesmo uma quantidade pequena,
Maria (antigamente no dia 15 de agosto), em que nos alegramos tomada de modo deliberado, seria um pecado venial. Também seria
:2!H OS \l.\'\IE\IE'\TOS IJ\ !(:REJA .\.S LEIS DA IGREJA 219

pecado quebrar vcduntariamente n jejum. fazendo - nos dias em micos tanto como com obras e orações - a levar a cabo a sua
que deve guardar-se - duas ou mais refciçôes compktas. missão. Normalmente, atendemos a esta obrigação de ajuda mate
Os doentes que precisam de alimento. os que se ocupam em tra rial prestando nossa colaboração às diversas coletas organizadas pela
balhos pesados ou os que comem o que podem ou quando podem paróquia ou pela diocese, com a generosidade que os nossos meios
(os rirnito pobres) estão dispensados das leis de jejum e abstinência. permitam. E devemos ajudar não só a nossa diocese ou paróquia,
Aqueles para quem jejuar ou abster-se de carne possa constituir um mas também o Papa, para que atenda às necessidades da Igreja uni
problema sério. podem ohter dispensa do seu pároco. A lei da absti versal, em missões e obras de beneficência. Se perguntamos: "Quanto
nência obriga os que tenham completado catorze anos. e dura toda devo dar", não há resposta nenhuma além de recordar que Deus
,· jamais se deixa vencer em generosidade.
a vida: a obrigação di;;: jejuar começa quando se f;:17em vinte e um
anos e termina quando se entra nos sessenta.
1esus, para poder permanecer sempre conosco com a força da
A lei relativa à confis5ão anual significa que todo aquele q!.le sua graça, entregou nos os sete sacramentos, cuja guarda confiou à
deva confessar explicitamente um pe(.:ado mortal. torna-se réu de um Igreja e a quem deu a autoridade e o poder de estabelecer as leis
novo pecado mortal se deixa passar mais de um ano sem receber necessárias para regulamentar a recepção e a concessão dos sacra
outra vez o sacramento da Penitência. Evidentemenk. a Igreja não mentos. O Matrimônio é um deles. É importante que nos demos
quer dizer-nos com isso que seja suficiente uma confissão por ano conta de que as leis da Igreja que governam a recepção do sacra
para os católicos praticantes. O sacramento da Penitência reforça a mento do Matrimônio não são leis' meramente humanas: são pre
nossa resistência à tenta üo e nos faz crescer em virtude, se o rece ceitos do próprio Cristo, dados por sua Igreja.
bemos com frequência. Ê um sacramento tanto para os santos como A lei básica que rege o sacramento do Matrimônio é que se deve
para os pecadores. recebê-lo na presença de um sacerdote autorizado e de duas tes
No entanto, a Igreja quer garantir que ninguém viva indefinida temunhas. Por sacerdote "autorizado" entendemos o superior da pa
mente cm estado de pecado mortal, com perigo para sua salvação róquia em que se celebra o casamento, ou o sacerdote a quem o
eterna. Por isso exige de todos aqueles que tenham consciência de bispo da paróquia delega poder para tanto. Um sacerdote qualquer
ter cometido um pecado mortal, que o confessem explicitamente (ain não pode oficiar um casamento católico. O matrimônio é um com
da que esse pecado já tenha sido perdoado por um ato de contrição promisso demasiado sério para que se possa contraí-lo batendo à
perfeita), recebendo o sacramento da Penitência dentro do ano. porta de qualquer sacristia. O sacramento do Matrimônio pode ser
A mesma preocupação pelas almas faz com que a Igreja esta celebrado em qualquer tempo litúrgico, mas a Igreja admoesta os
beleça um mínimo absoluto de uma vez por ano para receber a esposos a evitarem demasiada pompa quando se celebra nos tempos
Sagrado Eucaristia. O próprio Jesus disse: "Se não comerdes a de Advento e Quaresma, que não são os mais apropriados para
carne do Filho do homem e não beberdes seu sangue, não tereis a receber este sacramento.
vida em vós" (Jo, 6, 54), e disse-o sem paliativos: ou nós, os mem Para a recepção válida do sacramento do Matrimônio. o esposo
bros do Corpo Místico de Cristo, recebemos a Sagrada Comunhão, deve ter pelo menos dezesseis anos de idade e a esposa catorze. No
ou não iremos para o céu. Naturalmente, vem logo a pergunta: entanto, se as leis civis estabelecem uma idade superior, a Igreja as
"Com que frequência devo comungar?", e Cristo, por meio da sua respeita, ainda que não esteja estritamente obrigada a fazê-lo. A pre
Igreja, nos responde: "Com a frequência que você puder; semanal paração dos jovens que vão assumir a responsabilidade de uma fa.
ou diariamente. Mas a obrigação absoluta é receber a Comunhão mília tem o maior interesse tanto civil como espiritualmente. Quanto
uma vez por ano, na Páscoa". Se faltarmos em dar a Jesus esse aos efeitos civis do casamento, a Igreja reconhece o direito do Estado
mínimo de amor, tornamo-nos culpados de pecado mortal. de estabelecer a necessária legislação.
'' Além de contar com a idade suficiente, os futuros esposos não
Contribuir para a sustentação da Igreja é outra das obrigações devem ser parentes com laços de sangue mais próximos que os de
que surgem da nossa natureza de membros do Corpo Místico de primos terceiros. No entanto, se há graves razões, a Igreja concede
Cristo. No Batismo, e de novo na Crisma, Jesus nos associa à sua dispensa para '1:ue primos irmãos ou primos segundos possam con
tarefa de salvar almas. Não seríamos verdadeiramente de Cristo se trair matrimônio. A Igreja também dispensa, quando há razão su
não tratássemos com sinceridade de ajudá-lo - com meios econô- ficiente, dos impedimentos resultantes do Batismo (casamento en-
220 OS MANDAMENTOS DA IGREJA

tre padrinho ou madrinha e afilhada ou afilhado) ou do Matrimô


nio (casamento de um viúvo com a cunhada ou de uma viúva com
o cunhado).
A Igreja também determina que um católico despose uma cató
lica, embora conceda dispensa para que um católico se case com uma
não católica. Nestes casos, os contraentes devem seguir as leis da
fgreja relativas aos casamentos mistos. O contraente católico deve
comprometer-se a dar bom exemplo ao cônjuge não católico, levando
uma vida exemplarmente católica. Deve também estar absolutamen
te disposto a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que a
prole seja educada na fé católica. Infelizmente, os casamentos mis
tos conduzem com certa frequência ao enfraquecimento ou à perda
da fé no esposo católico; à perda da fé nos filhos, que vêem seus
pais divididos em matéria religiosa; ou à ausência de uma felicidade TERCEIRA PARTE
completa na vida do lar por falta de um ingrediente básico: a unidade
de fé. A Igreja mostra-se relutante em conceder essas dispensas,
dada a triste experiência de uma Mãe que conta com vinte séculos
OS SACRAMENTOS
de vida.
Mas o essencial é recordar que não há verdadeiro casamento
E A ORAÇÃO
entre católicos se não se celebra perante um sacerdote autorizado.
A Santa Sé, na instrução "Matrimonii sacramentum" de 1966, esta
beleceu, além disso: "Deve evitar-se absolutamente qualquer celebra ção
de matrimônio ante um sacerdote católico e um ministro acató lico
que façam simultaneamente o rito de cada um". Se um católico se
casasse sô civilmente ou perante um pastor protestante, não estaria
casado de modo algum aos olhos de Deus, que é a única coisa que
realmente conta. No entanto, dado que a Igreja é a Presença visível
de Cristo no mundo e seu porta-voz, pode modificar as leis que re
gem o matrimônio. Aqui foram mencionadas as que estão vigentes
no momento em que se escrevem estas páginas.
'I''
1

CAPÍTLLO XXIII

OS S.ACRAMENTOS

INTRODUÇÃO AOS SACRAMENTOS

A Teologia, ciência que trata de Deus e das relações do homem


com Deus. ahrange três grandes campos. O primeiro é o das ver
dades em que devemos crer, verdades reveladas por Deus por meio
dL: seus profetas e, especialmente, por meio do seu Filho, Nosso
Senhor Jesus Cristo, e dos seus Apóstolos; verdades que Cristo nos
ensina através da sua Igreja e que estão resumidas no Credo dos
Apóstolos.
Mas não é suficiente crer com uma fé meramente passiva. Se
a nossa fé tem realmente valor para nós, levar-nos-á a agir. O -e
gundo grande campo da Teologia abrange, pois. o que dei·emos fazer
it luz do que cremos. Examina os nossos deveres para com Deus,
rara conosco e para com o próximo, deveres que o próprio Deus
nos impôs nos seus mandamentos e nas obrigações estabelecidas pela
sua Igreja.
Ao chegarmos a este ponto no exame da religião. poderíamos
deixar-nos dominar pelo desânimo. vendo quanto a suhlimidade das
verdades divinas ultrapassa a inteligência humana; quanto o cúdigo
moral da Grande Lei do Amor choca com o egoísmo da déhil natu
reza humana.
Mas o nosso desânimo se desvanece ao entrarmos no terceiro
grande campo da Teologia e descohrirmos as ajudas que Deus 11m;
dú p;;ira podermos crer e agir. É nele que veremos os meios que

.. Deus nos preparou, através dos sacramentos. para nos aplicar a sua
.t;,a ·a. i\ide conheceremos o que podemos fazer, por meio da ora-
1./in. da penitt:ncia e da esmola, para a11mentar essa graça. É o cam po
da Teologia que trata dos sacramentos e da oraçfío.
S:ihcmos que Deus, tendo-nns dotado de livre arhítrio. o res
pc:itar(1 até o fim. A morte de Jesw, na Cruz para nos redimir do
JX'l'adn n:'10 quer di1cr que, como l'{Hlscquência, tndo o mundo terá
OS SACRAMENTOS IC\TRODLTÇÃO AOS SACRA !ENTOS 22,
22-1
!; 5

que ir para o Céu, querendo ou não. Não quer dizer que Deus nos smais externos e graça interna que Cristo estahdeL\.'U. a Igreja dá
tirará a nossa liberdade, de modo a termos que ser bons contra a o nome latino de "sacramentum" ou coisa saerada. Terminado este
JJ0ssa vontade. preâmbulo, podemos começar a nossa incursà; pelo reino da teol Jgia
O que a morte de Jesus na Cruz significa é que foi oferecida dos sacramentos.
a infinita reparação pelo mal infinito da rebelião do homem contra
Deus; e que foi pago um preço infinito para assegurar o fluxo ilimi Às vezes, podemos chegar a compreender melhor uma coisa se
tado da graça que permite ao homem retornar a Deus e permanecer parando-lhe as partes e examinando-as uma por uma. E. um pro
t'm união com Ele durante toda esta vida e a eterna. cesso pouco aconselhável para relógios ou automóveis, se não somos
O problema que se levanta é, pois, o dos meios a utilizar. Como mecânicos experientes, mas. no que diz respeito aos sacramentos,
é que Jesus aplicaria às almas individuais essa superahundância de temos a certeza de poder colocar depois todas as peças no seu lugar.
graças que nos reconcilia com Deus e nos mantém unidos a Ele A definição exata de sacramento é: "um sinal sensível e eficaz
apesar da fraqueza humana? Seria por um sistema totalmente invi da graça, instituído por Jesus Cristo para santificar as nossas almas".
sível? Daria Ele a cada pessoa de boa vontade uma simples con Vemos imediatamente que essa breve definição contém três idéias
vicção silenciosa e interna da sua salvação? E, cada vez que sentís distintas. "Um sinal sensível" é a primeira delas; "instituído por
semos a necessidade da ajuda divina, bastaria pedi-la para imediata Jesus Cristo", a segunda; e "da graça", a terceira. Para o nosso
mente a sentirmos brotar em nós como uma fonte de força espiritual? exame por separado, comecemos com a pergunta: "Há nos sinais
Deus, é claro, podia ter estabelecido desse modo o seu plano sensíveis algo de especial que devamos conhecer?"
se tivesse querido, pois ninguém é capaz de limitar o poder divino. Os sinais sensíveis - recordemos - são a forma escolhida por
Mas neste ponto ciuis atuar no interior do homem em coerência com Deus para nos tratar de acordo com a natureza humana que temos:
a maneira pela qual o havia criado: unindo o material e o espiritual, proporciona a sua graça invisível à nossa alma espiritual por meio
o corpo e a alma. Somos cidadãos de dois mundos, vivemos agora de símbolos materiais que os nossos corpos materiais podem perceber
no mundo das coisas visíveis, pelas quais nos vem todo o conheci - coisas, palavras, gestos. Nos sinais que constituem a parte ma
mento, inclusive o conhecimento de Deus; e, no entanto, somos tam terial de um sacramento, os teólogos distinguem dois elementos. O
bém cidadãos de um mundo invisível, que é onde temos a nossa primeiro é a "coisa" que se utiliza, que denominam matéria do sa
morada permanente. Jesus estabeleceµ o seu sistema de aplicação da cramento; por exemplo, derramar água na cabeça daquele que é bati
graça de acordo com esse duplo aspecto da nossa natureza. A graça zado.
seria invisível, como corresponde à sua natureza; mas viria a nós Logo se vê que esta ação. em si, não teria significado se o
por meio das coisas visíveis de uso corrente. seu propósito não se manifestasse de algum modo. Seria o mesmo
Há outra razão - de fato, são duas - para que Deus, na sua que dar um banho no batizado, molhar-lhe o cabelo antes de pen
sabedoria, tivesse decidido conceder-nos a sua graça de modo visí teá-lo ou pregar-lhe uma boa peça. Têm que acompanhá-la algumas
vel. Por um lado, protegia-nos contra a ilusão de pensar que rece bíamos palavras ou gestos que lhe dêem significado. Este segundo elemento
a sua graça, quando realmente isso não acontecesse; por outro lado, do sacramento - as palavras ou gestos que dão significado à ação
proporcionava-nos a certeza tranquilizadora de que rece bíamos a graça que se realiza - chama-se "a forma" do sacramento. No sacra
quando no-la tivesse concedido realmente. Podemos imaginar a tortura mento do Batismo, a aplicação da água é a matéria; as palavras
que seria caminharmos pela vida sempre com uma dúvida asfixiante "Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" são
sobre o estado das nossas relações com Deus e as nossas pers a sua forma. E as duas juntas constituem o "sinal sensível".
ctivas quanto à eternidade.
Por isso, Deu tomou as coisas ordinárias do nosso mundo - Sabemos que não há poder humano - nem sequer o poder da
coisas que podemos tocar, saborear e sentir; palavras que podemos Igreja que, embora humanamente exercido, é divinamente guiado -
ouvir; gestos que podemos entender - e as fez veículos da sua que possa ligar a graça interior a um sinal externo. Isso é algo que
graça. Deus nos dá nelas inclusive um sinal do fim para o qual some_nte Deus pode fazer, e que nos leva ao segundo elemento da
nos confere a sua graça: a água, para a graça que limpa; as apa definição de sacramento: "instituído por Jesus Cristo". No período
rências de pão e vinho, para a graça que nos alimenta e faz crescer; compreendido entre o começo da sua vida pública e a suà ascensão
aos céus, Jesus instituiu os sete sacramentos. A asccrrsão do Senhor
o azeite, para a graça que nos fortalece. A essa combinação de
OS SACHA\IE:'s ](JS
2:26 1 SETE S:\CR..\;\fE'\'TOS. !'OH <JFÊ? 227

p[is ponh1 final !1 institui,,/1.0 dos s h..Ta111e11tns. Assim. a Igreja nâo


pode criar nnvns s::i.cramentos: e 1130 pl1de ha\'t'í nunca nem mais nem
mi...·mis que sete. os sete que Jesus nos deu: Batismo. Confirmaçâo,
,! )idade de umu. crian\a aumenta com cada alimento que assimila.
Estes cinco sacramentos. uma vez que só podem ser recebidos com
Eucari tia. Penitência. l'.nç:io cios Enfermos (dantes chamada Ex ' dignidade e proveito pela alma que já estiver na posse d0- estado
trema-L11-/t0). Ordem e :Matrimônio.. de graça santificante, derwminam-se 'sacramentos de vivos".
Ainda que Jesus tenha especificado compktamente a matéria e

\
a forma de alguns sacramentos - cm particular. os do Batismo e
da Eucaristia -. isso não quer dizer que Ele tivesse fixado neces SETE SACRAMENTOS. POR QUi'?
sariamente a matéria e a forma <le todos os s3i...:ramentos até os últi
mos detalhes. Provavelmente. em alguns deks deixou à sua Igreja - Se cada sacramento dá (ou aumenta) a graça santificante à
depositária e dispenseira dos sacranKntos - a tarda de fixar os alma, por que Jesus instituiu sete? Não teria bastado instituir um
detalhes da matéria e forma que lhes marcou. sc1. que receberíamos conforme necessitássemos?

'I
Assim seria se a graça santificante fosse a única espécie de graça
Voltando a nossa atenção para o terceiro dos elementos da defi 4
que Deus tivesse querido dar-nos, e se a vida espiritual que a graça
niçfto de sacramento_, vemos que seu escopo essencial é dar graça. santificanlc institui fosse a única ajuda que Deus tivesse querido
Se niio dessem graça por si. como instrumentos escolhidos pelo po dar-nos. Mas Deus, de quem procede toda a paternidade, não de

1
der divino, esses sinais sensíveis não seriam sacramentos, ainda que tt:rminou prover-nos de vida espiritual e depois deixar-nos e·ntregues
tivessem sido instituídos por Jesus Cristo em pessoa. Um exemplo à nossa sorte. Os pais não dizem ao filho recém-nascido: "Nós te
disso está no chamado "mandatum", o lava-pés da Quinta-Feira demos a vida. mas não haverá alimento quando tiveres fome, nem
Santa. É uma cerimônia instituída pelo próprio Cristo na última remédios quando adoeceres, nem o apoio de um braço quando te
Ceia, mas nào dá graça por si; e, por isso. é um sacramental, mas sentires fraco. Portanto, arranja-te e vive como puderes".
nào um sacramento. ., Deus nos dá a vida espiritual. que é a graça santificante; e,
i Que espécie de graça nos dào os sacramentos? Em primeiro depois. nos provê de tudo aquilo de que necessitamos para que essa
lugar, o principal: dão a graça santificante. Essa graça, conforme vida seja atuante em nós - sem nos privar da nossa liberdade -,
já sabemos. é aquela maravilhosa vida sobrenatural, aquele comparti para que cresça e se conserve. Em consequência, além da graça
lhar a própria vida de Deus. que provém da hahita,ão do Espírito santificante. que é comum a todos os sacramentos, há outras ajudas
Santo, Amor Divino, na nossa alma. À alma separada de Deus pelo especiais que Deus nos dá, ajudas adequadas às nossas necessidades
pecado original, o Batismo traz a graça santificante pela primeira particulares ou ao nosso estado de vida. A ajuda especial que,
vez: abre-a ao fluxo do amor de Deus e estabelece a união entre neste sentido. cada sacramento dá, chama-se "a graça sacramental"
ela e Deus. À alma separada de Deus pelo pecado mortal, o sacra de cada um dos sete sacramentos.
mento da Penitência devolve a graça sobrenatural que havia perdido; Seria muito interessante fazer agora uma pausa e perguntar nos:
remove a barreira que impedia a entrada do Espírito Santo e permite 1•.1
··Se Deus tivesse deixado a mim a decisão sobre o número dos sa
outra vez o acesso ao Amor de Deus, que dá a Vida. Estes sacra j cramentos que deveria haver, quantos teria eu estabelecido?" Pode
mentos, como podem ser recebidos com a alma espiritualmente sem :• ríamos ter decidido que fossem três, ou cinco, ou dez, ou qualquer
vida, são por vezes chamados "sacramentos de mortos". outro número: mas. se estudássemos as nossas necessidades espiri
Os outros cinco sacramentos - como também a Penitência, tuais ü luz das necessidade naturais, é muito provável que também
se é recebida em estado de graça - aumentam a graça santificante, chcgússemos à mesma conclusão que Deus, acabando por decidir que
isto é. aprofundam e intensificam a vida espiritual da graça santi ficante os sacramentos teriam que ser sete.
que já palpitava na nossa alma. Cada vez que se recebe um novo
sacramento (ou se repete, se o sacramento o permite), o 11ívd de Na ordem natural, a primeira coisa que acontece é nascermos.
vitalidade espiritual se eleva na nossa alma, como a inten sidade da No nascimento. recebemos não só a vida, mas também o poder de
luz cresce a cada giro que damos ao reostato. Não é que o amor de r(11oi·ú-la, a faculdade de repor e reparar as células corporais, facul
Deus cresça, pois. para começar. é infinito. Mas cresce a dade necessária para que a vida se mantenha. Parecer-nos-ia, pois,
capacidade da alma para absorvê-lo, do mesmo modo que a vita- sumamentf' oportuno contar com um sacramento que nos desse não
sG o vida espiritual (a graça santificante), mas também o poder de
228 OS SACRAMENTOS
SETE SACRA IE:-ITOS, POR QUll? 229
conservar e renovar incessantemente essa vida. Assim, não surpreen•
de que Deus nos tenha dado esse sacramento - o Batismo - pelo se dispomos de um livro de cheques com uma conta bdl1cária), para
qual recebemos a graça santificante, bem como uma cadeia ininter 't qualquer necessidade que se depare e consoante e quando se deparar,
rupta de graças que nos permitem conservar e aumentar essa graça para cumprir o fim específico desse sacramento particular. Dá-nos
com a prática das virtudes da fé, esperança e caridade. direito a uma cadeia de graças atuais. Essa cadeia de graças será
Depois de nascer, há outra coisa importante que nos acontece longa ou curta, conforme se trate de um sacramento que possamos
na ordem física: crescemos, amadurecemos. Não será, pois, conve receber uma vez (ou raras vezes) ou com muita freqüência.
niente que exista um sacramento que nos confira a maturidade espi
ritual e nos livre dos temores e fraquezas da infância, tornando-nos Se você molha um dedo na água benta e faz o sinal da cruz,
fortes, intrépidos e apostólicos na confissão e no exercício da nossa receberá graça; uma graça atual, se não levanta obstáculos; e tam
fé? Em resposta a essa linha de raciocínio, temos o sacramento bém um incremento da graça santificante, se realiza a ação livre já
da Confirmação (ou Crisma), que não só aumenta a nossa vitalidade do pecado mortal e com devoção. A água benta é um sacramental,
básica (a graça santificante), mas estabelece também um depósito e os sfü.:ramentais devem a sua eficácia principalmente às orações
de graças atuais (a graça sacramental), das quais podemos valer-nos que a Igreja oferece (por exemplo, na cerimônia da bênção da água)
para nos fazermos fortes, ativos e frutíferos exemplos de vida cristã. por aqueles que usam o sacramental em questão. A prece da Igreja
Depois do nascimento e da maturidade, o terceiro grande fenô é o que torna um sacramental veículo de graça. O sinal externo de
1 meno do nosso ser físico é a morte: nascemos, crescemos e morre um sacramental - a água, neste caso -, por si e em si, não tem
mos. A fim de preparar-nos para enfrentar com confiança o terrível a faculdade de conferir graça.
momento da nossa dissolução física, contamos com o sacramento No caso dos sacramentos, trata-se de algo muito diferente. Um
da Unção dos Enfermos .e a sua graça especial própria, que nos sacramento dá graça por si e em si, pelo seu próprio poder; e isso
conforta no sofrimento e nos sustém perante as tentações finais que é assim porque Jesus uniu a sua graça ao sinal externo, de modo
possam assaltar-nos, preparando-nos para ver com gozo a eternidade. que, por assim djzer, o sinal sensível e a graça andam sempre juntos.
Independentemente dos seus três grandes períodos, a vida pre Isto não quer dizer que a nossa disposição não faça diferença. Po
cisa satisfazer duas grandes necessidades: a do alimento, para po demos, evidentemente, impedir por um ato positivo da vontade que
dermos crescer e conservar-nos sãos; e a dos remédios, que nos a graça penetre na nossa alma; por exemplo, por não querermos
' 1' curam das enfermidades e nos vacinam contra as infecções. Corres expressamente recebê-la ou por não nos arrependermos sinceramente
! pondentemente, temos dois sacramentos que são para a alma o que do pecado mortal. Mas, se não se põe urna barreira direta, ao rece
o alimento e os remédios são para o corpo: o sacramento da Euca bermos um sacramento, recebemos graça. O próprio sacramento dá
ristia, cuja graça sacramental específica é o crescimento da caridade graça.
sobrenatural (o amor a Deus e ao próximo); e o sacramento da As nossas disposições interiores, no entanto, afetam a quanti dade
Penitência, que nos vacina contra o pecado e cuja graça sacramental de graça que recebemos. Quanto mais perfeita for a nossa contrição no
é curar as enfermidades espirituais do pecado e ajudar-nos a vencer sacramento da Penitência; quanto mais ardente o nosso amor ao
as tentações. recebermos o sacramento da Eucaristia; quanto mais viva
Depois das três grandes etapas e das duas necessidades essen ciais a nossa fé ao recebermos a Confirmação - tanto maior será a graça
da vida, temos os dois grandes estados, que impõem grave res recebida. As nossas disposiçôes não causam a graça; simplesmente,
ponsabilidade pela alma dos outros: o sacerdócio e o matrimônio. removem os obstáculos à sua recepção e, em certo sentido, aumentam
Por isso, não nos causa surpresa descobrir que há dois sacramentos a capacidade da nossa alma para recebê-Ia. Poderíamos ilustrar esta
- a Ordem e o Matrimônio - que conferem a quem os recebe a afirmaç:io dizendo que quanto mais areia tirarmos do balde, mais
sua própria graça sacramental para que o• sacerdotes e os esposos água poderá ele conter.
possam enfrentar fácil e meritoriamente perante Deus as cargas, por As disposições de quem administra o sacramento não influem
vezes pesadas, das suas obrigações· de estado. no seu efeito. É uma grande desordem que um sacerdote administre
Como vemos, a "graça sacramental" de um sacramento não é um sacramento com a sua alma em pecado mortal; mas isso não
algo que recebamos de uma vez. Trata-se antes de uma espécie de diminui a graça que o sacramento confere. Quem receber esse sa
garantia moral de ajuda divina (algo semelhante ao que se passa cramento obterá a mesma quantidade de graça, independentemente
de que o sacerdote seja pecador ou santo. O essencial na adminis-
230 OS SACRAMENTOS

tração de um sacramento t: ter o poder de administrá-lo, ou seja, o


CAPÍTULO XXIV
poder sacerdotal (exceto no Batismo e no Matrimônio): ter intençfio \
de administrá-lo (a intenção de fazer o que a Igreja faz); realizar
as cerim6nias t:ssenciais a esse sacramento (como derramar a água O BATD-·L\10
e pronunciar a fórmula no Batismo). Se aquele que o recebe não
põe obstáculos à graça e aquele que o administra é um sacerdote
com faculdades para isso. o sacramento confere graça sempre e infa
livelmente.

Além do efeito de distribuir graça (santificante e sacramental),


temos que mencionar outro, que é peculiar a três sacramentos: o
caráter que o Batismo, a Confirmação e a Ordem imprimem na alma.
Ainda que, às vezes, ao ensinar o catecismo às crianças, digamos
que, com estes sacramentos, Deus imprime uma "marca" na alma,
bem sabemos que a alma é espírito e não pode ser marcada como
O INICIO DA VIDA
1 se marca um papel com um carimbo de borracha. A marca própria
dos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Ordem é definida Um bebê recém-nascido vem a este mundo com a alma soh1c
pelos teólogos como uma "qualidade'' que confere à alma umas fa naturalmentc morta. Póssui plenamente a vida natural: tem todas as
culdades que antes não tinha. É uma qualidade permanente da alma, ' faculdades e poderes (alguns ainda nào desenvolvidos) que lhe per
uma alteração para sempre visível aos olhos de Deus. dos anjos e tencem estritamente como ser humano: a faculdade de ver, ouvir e
dos santos. sentir: o poder de raciocinar, recordar e querer. Tem tudo o que
"Qualidade" é um termo bastante vago, algo mais fácil de en tender é próprio da natureza humana, mas nada mais.
do que de definir. Se dizemos: "a qualidade da luz solar é diferente da A raz o de nf10 possuir "nada mais" está no fracasso do nosso
elétrica", todo o mundo sabe a que nos referimos. Mas se nos pai Adfto em conservar aquele "algo mais" que Deus nos queria
perguntam: "Que quer você dizer com essa palavra?", põem dar. Deus, ao criar Adão, além da vida natural, concedeuMlhe uma
-nos em apuros. E só podemos balbuciar: "Bem, que não são vida sohrenatural. Deus hahitava na alma de Adão, fazendoMo par
iguais". ticipar da sua própria vida divina; de certa maneira, era como a
Poderia ser-nos útil comparar os caracteres destes três sacra müc que compartilha a sua vida com o filho que traz nas entranhas.
mentos - que se recebem uma só vez na vida (porque, sendo o Todas as ac;õcs de Adão tinham um valor sohrenatural, além do
seu efeito permanente, só podem ser recebidos uma vez) - com os \'alur natural. Quando Adão terminasse a sua vida neste mundo.
talentos. Consideremos alguém com ta1ento para a pintura, alguém n:'io entraria numa vida sem fim de mera felicidade natural no limho:
11 capaz de pintar belos quadros. Não passa todo o tempo a pintar, estava destinado a passar da união com Deus invisível à união com
mas o seu talento está sempre com ele. Ainda que perdesse as mãos Deus vbivd. a participar do êxtase inefável da eterna felicidade
num acidente e não pudesse mais pintar, continuaria possuindo esse divina.
talento. Claramente, essa pessoa possui algo que os outros não têm, Esta vida sobrenatural de que Adão gozou - uma vitalidade
uma qualidade que é real, permanente, e que lhe concede uma facul dade espiritual outo!"gada pela habitaçàn divina na alma - é chamada
não possuída por quem dela não tiver sido dotado. pelos tcúlog:os "graça santificante". Segundo o desígnio divino, a
O caráter do Batismo é, pois, um "talento" sobrenatural que grai.;a sobrenatural ia ser a herança que Adão transmitiria à sua
nos dá a faculdade de absorver a grac;a dos outros seis sacramentos posteridade. Para assegurá-la para si e para os seus descendentes,
e de participar da Missa. O caráter da Confirmaçfto nos dá a facul uma s,\ coisa era neccssúriJ: ohcdecer à ordem que Deus lhe tinha
dade de professar valentemente a nossa fé e difundiMla. O sacra uaJn no Paraíso.
mento da Ordem dá ao sacerdote a faculdade de celebrar a Missa
e de administrar os restantes sacramentos. O que aconteceu depois é conhecido de todos. Adüo rccusouMse
a prestar a Deus esse ato <lc obediência. Escolheu-se a si mesmo cni
212, O BATIS>IO( O l:SICIO DA VIDA 233

vez de preferir Deus. Aceitou a sugestão diabólica: "sereis como deu. tam formalmente a vida sobrenatural. Mas, quer se trate da acei
ses". Cometeu o primeiro pecado da humanidade, o pecado original. \ tação passiva da criança, quer da explícita do adulto, em sendo
Rechaçando Deus, rechaçou a sua união com Ele. Extinguiu na administrado o sacramento do Batismo. esse vazio espiritual a que
alma a vida sobrenatural com que Deus o havia dotado; perdeu chamamos pecado original desaparece, e Deus se torna preser.te na
a graça santificante, não só para si, mas também para os seus des• alma. A alma passa a participar da própria vida de Deus, e a essa
cendentes e para sempre. Como Adão era o gênero humano quando participação chamamos graça santificante.
o pecado foi cometido, todos os homens estavam presentes nele. E
a graça santificante - recordemo-lo - é algo a que o homem, por As vezes, um casal que não pode ter filhos adota uma ou mais
natureza, nào tem direito. Era (e é) um dom absolutamente imere. crianças. Quando a autoridade competente autentica os papéis de
cido, um espantoso presente que Deus oferecia à humanidade por adoção, a criança torna-se - real e verdadeiramente, para todos
meio de Adão, um presente que este desprezou, dando um safanão os efeitos legais - um filho da própria carne e sangue dos pais
à mão que Deus lhe estendia. adotivos. De fato, se estes pudessem, dariam com gosto a sua carne
No seu amor sem medida. Deus dignou-se conceder a cada indi• e sangue a cada um dos filhos adotados. Se encontrassem maneira
víduo a oportunidade de recuperar o dom que Adão havia falhado de fazê-lo, fá-los-iam partilhar da sua própria natureza, para que pu
cm conseguir para o gênero humano como um todo. O próprio dessem ser uma verdadeira imagem deles mesmos.
'•1 Deus, na Pessoa de Jesus Cristo, ofereceu a reparação infinita pela Mas, infelizmente, isso não é possível. Por pequeno que seja o
infinita malícia da iugratidão de Adão. Sendo Deus e Homem, Jesus filho adotado, não podem metê•lo no seio da sua nova mãe para
eliminou o abismo entre a humanidade e a divindade. Conseguiu que ali adquira as características físicas da mãe e do pai adotivos.
(como só Deus poderia fazê-lo) pagar uma satisfação adequada por Tampouco a ciência médica achou o modo de injetar os genes dos
uma dívida humana que era impagável: reparou o pecado original. pais legais no corpo da criança para modelá•lo física e mentalmente
segundo as características dos novos pais.
(Aqui nos vem à mente a figura de um pai bom, que tira dinheiro da
i sua própria conta no banco para pagar a dívida do filho transviado).
Mas o que os homens não podem fazer pelos seus filhos ado
tivos, Deus pode fazê-lo pelos seus e o faz. O sacramento do Ba
Mas, voltando ao nosso recém-nascido, podemos agora com
tismo, como aprendemos na escola e facilmente recordaremos, "con•
preender por que vem ao mundo apenas com as faculdades naturais '· fere a primeira graça santificante, pela qual é. perdoado o pecado
próprias da natureza humana. A vida sobrenatural, efeito da habi
original e também os atuais. se os há: redime toda a pena por
tação pessoal e íntima de Deus na alma, está ausente dessa alma.
eles devida: imprime o caráter de cristão; faz.nos filhos de Deus,
De um menino assim, dizemos que está em "estado de pecado ori ginal".
membros da Igreja e herdeiros da glória; e habilita-nos a receber
O pecado original não é, em sentido estrito, uma "mancha'' na alma.
1

' os demais sacramentos". Quando Deus desce à nossa alma no


nem, para falar com propriedade, uma "coisa". É a ausência de algo Batismo, a nova vida (a chamada graça santificante) que Deus im
que devia estar ali. É a escuridão onde devia haver luz. prime à alma é real e verdadeiramente uma participação na própria
vida divina. Agora, como nunca antes, Deus pode amar essa alma,
Para restaurar na alma da criança (uma alma saída das mãos
porque apresenta pela primeira vez um aspecto realmente digno do
do seu Pai e objeto do amor do Pai) a herança perdida, Jesus
seu amor: o reflexo, corno num espelho, dEle mesmo.
instituiu o sacramento do Batismo. O Batismo é o meio instituído
Há também uma diferença entre os direitos de herança dos
por Jesus para aplicar a cada alma individual a reparação do pecado
filhos adotivos de Deus e os da adoção humana. Legalmente, um
original que Ele nos obteve na cruz. Jesus não nos força a receber
filho adotivo converte·se em herdeiro dos seus pais legais. E a não
o seu dom, esse dom de vida sobrenatural que Ele nos conseguiu.
ser que seja expressamente deserdado por um testamento desfavorável,
Oferece-o a nós com todo o interesse, mas cada um tem que aceitá.lo • será chamado à aceitação do legado ao falecerem os pais, mas não
livremente. E essa aceitação se realiza quando recebemos o sacra·
antes do seu falecimento. Ora, o filho adotivo de Deus recebe a
menta do Batismo.
herança no próprio momento da sua adoção, no instante do seu
Para quem "nasceu na fé" e foi batizado em criança, a aceita•
batismo. A sua hcrarn;a é a· unifto eterna com Deus, que recebe já.
ção foi passiva. Poderiamos dizer que Deus, movido pelo seu ardente
Ningu m pode despojá-lo dela, nem mesmo Deus, pois E1c se liga
desejo de morar na nossa alma, presume essa aceitação; se bem que,
irrcvngavclmcntc üs suas promessas e jamais se desdiz. Só o herdeiro
quando se podem achar padrinhos, estes, em nome da criança, acei·
\ \L\RCA DO CRISTAO .::!J.S
:2.34 O BATIS\!O

pode repudiar esses direitos - cometendo um pecado mortal -, e A MARCA DO CRISTÃO


ninguém mais pode privá-lo deks. de maneira alguma.
A naturaa dessa heran a pode sl'r ilustrada com o exemplo dos Ao sermos batizadPs, acontecem conosn) duas graní..h:s c01sas:
pais legais que cedem hldos us seus hens ao filho adotivo ao Jegali recebemos a vida sohrenatural - a graça santific rnte - que preen
zarem a sua adoção. Ainda que não entre na plena posse deles até che o va7io espiritual do pecado original: e a nossa alma fica sela
a maioridade. ou taln:z até o falecimento dos seus novos pais, a da com uma qualidade permanente e distintiva a que chamamos n
propriedade. nüo obstante. é sua. com todos os seus dividendos e (·orúrer nu marca do Batismo. Se depois de hatizaclos pecamos mor
rendimentos. talmente. cortamos a nossa uniào com Deus e o fluxo da sua graça.
Do mesmo modo, nós, ao sermos batizados. entramos na posse como a artéria seccionada corta o fluxo de sangue que o coração
imediata da nossa herança. A glória do céu será nossa porque es envia aos órgãos. Perdemos a graça santificnnte. mas niio o carútcr
tamos já em unifto com Deus. O pleno gozo dessa herança - a batismal. que transformou a nossa alma para sempre.
visão de Deus face a face - virá com a nossa morte física. Mas. Precisamente por possuirmos esse caráter batismal. somos capa zes
entretanto, todas as graças que recebemos e todos os méritos que de recuperar com facilidade a graça perdida. Ficamos com o direito
adquirimos são dividendos e rendimentos acrescentados à nossa he de receber o sacramento da Penitência, que devolve a vida espiritual à
rança. Um ponto em que temos que fazer finca-pé e não esquecer nossa alma. Se não fosse esse caráter. seria a mesma coisa irmos
jamais é que, ao sermos batizados, estamos já potencialmente no céu. confessar-nos uma vez ou cem: nada mudaria. O pecado mortal
continuaria à espera de ser perdoado; a alma continuaria espiritualmente
E temos que fazer finca-pé nisso porque, para muitos, o Batismo morta. O pecado mortal pode tamhém ser perdoado mediante a
é algo negativo: "apaga o pecado original". O Batismo perdoa o contrição perfeita, mas isso é outra questão. No que diz respeito
pecado original, não há dúvida. E, se quem se batiza é adulto, ao sacramento da Penitência, seria como se não existís semos, como se
perdoa também todos os pecados mortais e veniais que o batizado não estivéssemos ali quando se pronunciassem as palavras da
tenha cometido, se estiver arrependido deles. Além disso, apaga absolvição. E isso se aplica também aos outros cinco sacramentos.
toda a pena devida por eles, a pena eterna do pecado mortal e a Nenhum deles produziria o menor efeito enquanto a alma não
pena temporal (seja aqui ou no purgatório) que, devido à imper ,_..:' tivesse capacidade para recehê-los. isto é. enquanto não tivesse
feição da nossa contrição, ainda ficamos devendo depois de os nos recehido o caráter batismal.
sos pecados terem sido perdoados. Também apaga a pena temporal Suponhamos que uma pessoa que ainda não tenha podido ser
devida pelos pecados veniais, se aquele que se batiza os tiver come hatizada (um converso, talvez, que ainda não tenha completado a
tido. sua instrução) faz um ato perfeito de amor a Deus. Todos ns seus
O Batismo é como passar um traço numa conta e começar outra pecados, inclusive o pecado original, são perdoados imediatamente.
nova. Mas esse passar o traço não é fazer algo negativo. como É o que chamamos "hatismo de desejo". Mas essa pessoa não pode
',,
quem esvazia a lata de lixo no carro do lixeiro. O pecado e suas receber ainda nenhum outro sacramento. Se comete um pecado mor tal.
consequências desaparecem quando Deus vem à alma. como a escu •s a confissão não a pode ajudar. Se comunga. a Eucaristia não
ridão se dissipa quando chega a luz. O pecado é um vazio espiritual !he !...'Omunica graça alguma. A mudança que lhe habilita a alma
que se preenche quando chega a graça. para isso, essa mudança que sô a atunl reccpç(tn do acramento do
O Batismo não restaura os dons preternaturai.\' que Adão nos B:1tismo pode operar e a que chamamos caráter hatismal, ainda nf10
perdeu; não nos exime do sofrimento e da morte. da ignorància e c prnduziu na sua alma. Sem esse carútcr. a pcsson permanece
das inclinações desordenadas das nossas paixôes. Mas que diferença L1o impermeável às graças diretas dos sacramentos como alguém que
faz? É algo insignificante comparado com os dons sohrenaturais estivesse exposto à chuva metido num saco de plústico.
e A mesma coisa se pode dizer da assistência ao Santo Sacrifício
que nos ão devolvidos. Eis uma alma recém-batizada. adornada 1
cb .Missa. Não queremos dizer com isso que as pn:ces dessa pessoa
de uma beleza que o artista mais inspirado jamais poderá imaginar,
n;'10 sejam gratas a Deus ou que a fé com que presta culto a Deus não
resplandecente com um resplendor que a torna admirada dos anjtis atraia a graça divina. Ou que a :\·1issa. que t.: <'Ícrccida pelo mundo
e santos. Eis uma alma já preparada para o céu, de que a separa intcirn. n(10 lhe traga nenhum proveito. O que queremos dizer é
a trivial formalidade de uns poucos e hreves anos. ainda que a sua que. sejam quais forem as gra<,;·as que rcccha. estas não proceJcrflo
vida dure um século. hro é o que conta!
236 O BATISMO 23·;
A \!ARCA DO CRISTAO

da sua participação pessoal na Missa em si.


Isto se deve ao fato de o caráter atual do Batismo nos "revestir" batizado, entra na vida eterna. A morte física é um mal, mas prin
de Cristo, segundo a expressão de São Paulo. É esse caráter que, dpalmente para os que continuam vivos. Para o que morre, signi
segundo São Tomás, nos faz participar do seu sacerdócio eterno. fica simplesmente que chegou antes ao céu, supondo que não tenha
O Batismo nos dá o poder - e o dever - de participar com Cristo cometido o suicídio espiritual de morrer em pecado mortal.
de tudo o que pertence ao culto de Deus: da Missa e dos sacra Por outro lado, uma pessoa pode viver um século inteiro, cheia
mentos. Fazemo-nos co-ofertantes com Cristo do Santo Sacrifício. de saúde. riquezas e triunfos; mas. se morre sem Batismo. desper
Não do mesmo modo, certamente, de quem recebeu a Ordem Sa diçou os seus cem anos de vida. De que lhe serviu tudo isso, se
grada: só o sacerdote ordenado pode celebrar Missa, pode consagrar. não alcançou o único fim da sua existência, se perde a união eterna
Mas, como membros do Corpo Místico de Cristo e partícipes do com Deus?
seu sacerdócio, compartilhamos a sua oferenda na Missa; pomos Nüo há como fugir a esta necessidade ahsoluta do Batismo.
"algo" nessa Missa, algo impossível para quem não foi batizado. "Quem não nascer da água e do Espírito. não pode entrar no reino
E participamos de um modo especial das graças de cada Missa que dos céus", disse Jesus a Nicodemos (Jo 3, 5). E ordenou aos seus
se celebra, até daquelas em que não estamos fisicamente presentes. Apóslolos: "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda
criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer
O que acabamos de ver é apenas uma pequena parte do que (e. por indiferença, não se batizar) será condenado" (Me 16, 15-16).

significa ter recebido a "marca" batismal. Além do aspecto confi A afirmação é absoluta, sem paliativos. Não há modo de mitigá-la,
gurativo desse caráter, acima mencionado, os teólogos falam do seu
efeito distintivo, que distingue os membros da Igreja - do Corpo Torna-se pois, muito fácil ver a razão da insistência da Igreja
Místico de Cristo - daqueles que não o são. É sem dúvida a im em que se hatizem as uianças quanto antes. logo que seja possível
levá-las à Igreja sem riscos.. É dogma de fé que quem morre em
pressão desse caráter na alma que nos faz membros da Igreja.
estado de pecado original não pode entrar no céu, não pode ver
Por último, o caráter batismal é sinal obrigatório, impõe-nos a Deus.
a obrigação de cumprir os deveres que decorrem do fato de sermos No entanto, a Igreja nunca ensinou oficialmente que as almas
cristãos, de pertencermos à Igreja de Cristo. Isto significa que deve mos das crianças que morrem sem batismo não possam alcançar a visão
levar uma vida de acordo com o modelo que Cristo nos deixou, que beatífica; pode ser que Deus tenha previsto alguma maneira de com
temos que obedecer aos representantes de Cristo, ao nosso bispo e, pensá-las do fato de não terem sido batizadas. Mas, se assim é,
especialmente, ao Santo Padre, o Papa. Ele não no-lo revelou. A maioria dos teólogos pensa que as almas
Convém frisar que todos os batizados são membros da Igreja das crianças não batizadas gozam de um alto grau de felicidade
enquanto não romperem o vínculo de união pela heresia, pelo cisma natural (a que dão o nome de "Jimbo"), mas não a felicidade su
ou pelas formas extremas da excomunhão. Mas mesmo neste caso prema e sobrenatural da visão de Deus. Em qualquer caso, a nossa
continuam a ser súditos de Cristo (como todos os homens) e da
1,

obrigação é seguir a via mais segura e jamais permitir que por culpa
sua Igreja (como todos os batizados). A menos que sejam expres nossa uma alma entre na eternidade sem ter sido batizada.
samente dispensados disso (como a Igreja pode fazer com os bati Isto significa que os pais nunca devem adiar indevidamente o
zados não católicos em relação a certas leis), continuam sujeitos às batismo do filho recém-nascido: os laços que o prendem à vida
leis da Igreja. Para um católico excomungado, por exemplo, conti são demasiado frágeis, o risco de uma doença e morte súbita dema siado
nua a ser pecado mortal comer carne em dia de abstinência. sério, para arriscar o seu batismo desnecessariamente.
Os pais que demoram ou descuram injustificadamente o batismo
Se alguém lhe pergunta: "Qual é a coisa mais importante da de um filho por muito tempo - e alguns teólogos sustentam que,
vida para todos sem exceção?", fico na dúvida de saber se você neste caso, um mês é "muito tempo" - tornam-se culpados de pe
responderia adequadamente, imediatamente, sem vacilar. Se a sua cado mortal. Seria um grave erro, por exemplo, adiar o batismo
formação católica for sólida, não terá problemas. Responderá ime simplesmente porque o tio Jorge virá visitar-nos no próximo mês e
diatamente: "O Batismo!" nós gostaríamos muito de que fosse ele o padrinho da criatura. A
Sabemos que, se um ser humano é privado de alimento, bebida criança necessita agora do Batismo muito mais que do tio Jorge,
ou oxigênio por um certo tempo, morre fisicamente. Mas, se está que, aliás, pode ser padrinho por meio de um representante. Muito
_:,),') O IL\TIS\10 :2.")'J
O H.\T!/.\1)() l J.\ CHL\:\(,: \

mais graYc seria dilatar o pra/li de um hatismo até o prl)x1mo "13.º ,.,,s.,oilo 1w futuro descnn1h irn1..·ntn da sua \ id:t l·:1t("1liL'!L e. p;-ira i:-.:,n,
salúrin··. pnn pnclcr dar 11111a festa. A grande festa da criança é
(()111 n:us. L'l)lll llS ,n1jl1s e ns antos 11a pia hatismal. e nenhum dele$ 1, l'L't!istrn batismal é e:-.SL'IKi:d. Uma \'ez qu1..' ill'nhum dns (kmais
•ILT:7111en111s é \ úlidn se n:"111 :--e r:..Tehcu prL'\·iam· ·nti: (1 halisnw. um
1..'stú inkrL':-.sadn cm L'Ckhr{1-k1 u1111 um harril de vinho.
c;iti"ilii..'tl dl'\'(' pnw u cssi.:- Llln i:m G"tcla e (.'illftn dn seu pr11grcsso
-:-...piritual.
Pode-se hatizar uma LTiani../a nasl'ida fora do casan11.;nto canú Quando h1r fazer a primeira comunhftil. 5i..'r-lhe-ú pcdidn qui..·
nicn? /\ resposta 0 sim. A Igreja não penaliza n filho pelos pe mostre uma et'1pia da certid:-10 hatismal. Qu:rnch1 chegar a hlHa ck
cados de seus pais. Toda crian-;a pndl' SL'r batizada na Igreja Cató
:">LT crismad11. de\·i:r,'1 aprc-51..'ntú-la outra vo. Quando for com a nniva
lica soh uma s() cundição: n saccrdnk dcYL' ter pro\·as razoúveis de \ u n púmL\) para cnntrair matrimônio. os dnis terão que \'(1ltar a L'\
que será educada na fé. Como se trata de um assunto de critério, ihi-la. Se um jnvcm resolve ingressar num scmi11úrit1 e uma jnvcm num
o p[1rnco deve avaliar cada caso particular e as suas circunstfmcias. comc1llll. um e outra deverf10 apresentar-se providos da cnr- 11..·splrndc11te
Se a situaçüo antimala dos pais pode ser corrigida facilmente, ccnidfto de batismo. O Batismn tem uma importft11da
o púrou) provavdmente insistirú cm que scja regularizada anks de 1:· (1 ah 11luLa. .1ue a Igreja o comf)rova dll c.tcl<1 el,_!fJfl -d-rt---vrrta-_p[tra--
1 1

<.n1torizar o batismo da cria1H;a. O moti\ o é que as prohahilidades 1cr a L·crtL'DI J que nao hom·e falhas ni:ssa questão l·apital.
que essa crian\a tem de scr educada na fé serüo pequenas se a fé
dl1s pais for tão fraca que cks ddiheradalll<!lll<! persistam cm nüo Tudo isto 1ws leva a indicar de passagem qual o primeirn
regularizar a sua situa,;ãn matrinwnial. :-.i..·m haver razôes de peso. passo a dar ao planejar o hatizaclo de um rlTL·m-nasL·idn. O mais
Se as circunstâncias não permitem que a situação seja regulari zada l'L'do pnssívcl ap{1s o nascimento. o pai (ou algum membro adulto
- como. por excmplo, no l·aso ele um dos progenitores estar da família) deve ir à pan'1quia para fi.\ar a data da ccrim{rn1a e
jú previamente casado . mas um dos pais nu os dois continuam fornen:r (1s dados requeridos para o ri:g:istro hati:-.mal. O sacerdote
assistindo i1 Missa nos dias de preceito e dfto provas de conservar perguntarú os nomes e sobrenomes da criança e clns pais. a data
a sua fé cató!il.'.a, a criarn;a pode sLr batizada.
do nascimcnto e os nomes elo padrinho e ela madrinha. Este:-. dadu,
As perguntas a que o púrnco deve receber respostas plenamente constarf10 do registro batismal.
satisfatórias são: '•Há possibilidades de que esta criarn;a se eduque bn prinl'ipio. a paróquia comr-:tcnli..' L· a ela resid<:ncia dti:-. p,ii:-..
na fé católica? Quer dizer. hú possibilidades de que frequente uma Stdvo ns casos de l'mcrgt:ncia. nenhum outro saccrclnte a não ser
escnla católica ou, pelo menos. receba aulas de catecismo? Haverá i, púrnco dos pais - ou o sacerdote delegado rcln rároc11 - km
modo de que receba a primeira comunhão e de que seja crismada? lJ direito ck administrar n sacramento do Batismo a uma crian a.
Scr-lhc-á ificulcado o hábito de ir ü Missa nos dias de preceito? Há hto L' assim para a .-;l"L!ll!'Jr a boa ordem na ígreja e para que cada
alguém na família que lhe possa dar cxempll1 de vida cristü? Se a pastor pm,-;a conhi..:...:er JS suas ovelhas. Ordinariamente. nenhum ou
resposta for sim - inclusive. um sim com ressalvas -, essa criança tro sal·erdotc batizarú a criança. a nüo ser que o púrocn dos pais
pode ser batizada. ,rntori/l' a fazê-ln cm nutro lugar.
----=:::.:::.::::----.... Os pais crisL:íos quercrüo. naturalmente. que n seu filho tenha
' 1:111 ll\ll1lL' cri:-.tf10. O mais p!\)\[1vel t: quc 1) nome da criarn;a tenha
O BATIZADO DA CRIANÇA
:--idn tema de muitas con\'crsas nas semanas anteriores <hl nascimentn.
"
' l 1m dos 1wmes pelo menos deve ser () de um s:rnto. p:ira que a
LTÍ;llh.;a tenha um proll'lnr 110 ;:éu. cujas virtudes pu:--,:1 imit,n e a
Qwrndo uma pessoa se batiza na Igreja Catt"ilii..:c.1. turna-se um tilll'!ll possa pedir inspira½;"H1 e ajuda. Qualquer "Ano Cristiio" cnn•
personagem hist('irico: seu nome e outros dados pertinentes s:"io ins tL·m os nomes e breves biografias de muitos santos. Satisfeito este
nitns no regi lro batismal da pr1r<"•quia e cuidadosamente guardados. requisito. os pais podem dar ao filho outro" nomes que nf10 SL',iam
SL' não sobrevier 11c11huma catústrofc - in-: nclio. inundm;ão ou hom de santnr.;. como o de personagens literúrios ou hist<'iricns. SL' a sim
har(kio -. L'S.'->e ,-...:gislr.O_Jk'rman:..\..'(TÚ at1.:· p fim do mundn. É fúcil. ,; dc-.cj<trL'lll.
por L'\.,:rnplll. l'ilCt)lltr:ir :l ·:ii:h lT.:-T1ati":-1-,H; dc Ltnws:1-; figuras dd
his1,·iria dc h:1 111t1itn-.; ,, L 11 k):, :11: :'L ...
Tahl·;: \(i..,_-C• n:a) L':">ki;i nH!Íl,1 111ll!"Ls,dd\' '-T:l q>11..· :-.1..'U ldh,1 p 1s:-.<.: ScT [1<1drinhn de hati:-.nw t.: um:1 gr;:inde honra. Quando ns país
s1..·r lllll pcr:-:.1111:igcm hi:::.t('H"iL·,1. ll1d:-. 1üu h:·1 dú\'iJa dc qu,..: cshí Íilli.'- d..: l 1!ll fL'1..L·m-na:-i...·. ich1 pedem a um parente ou étmigo que scJa o
O B.H!S !O ..\l\TES E DEPOIS DO l\ASC! IE'.\TO 241
140

padrinho de seu filho. o que na realidade pedem é: "Se alguma coisa


nos acontecer. não há ninguém no mundo a quem quereríamos con Corno os padrinhos têm que substituir os pais cm caso de ne cessidade,
fiara criança mais que a você'". Ou. pelo menos. assim deveriam é natural que estes não sejam os padrinhos: não se podem substituir a si
pensar os pais. Os deveres dos padrinhos não terminam ao saírem mesmos. Por uma razão parecida. tamhém não pode sc-r padrinho o
da igreja, depois da cerimônia: assumiram uma responsabilidade por esposo ou esposa de uma pessoa adulta que vai batizar-se.
todaa vida para com o bem espiritual do afilhado ou da afilhada. Fora estas exceções, qualquer bom católico, maior de treze anos.
Na maioria dos casos, esta responsabilidade cumpre-se rezando pode ser escolhido como padrinho de batismo. incluídos os irmãos
pelos afilhados nas orações diárias e dando-lhes bom exemplo de e as irmãs. Pelo batismo, cria-se uma relação espiritual entre o
vida cristfi. Mas, se alguma coisa acontece aos pais (e, pelo que afilhado e o padrinho, relação que é muito real, e que constitui,
lemos nos jornais. não há semana em que não tenhamos notícia porta1ito, um impedimento para o matrimônio entre amhos. Se quem
de pais que perderam a vida num acidente de trânsito), compete aos \'ai hatizar-sc é uma pessoa adulta, seu noivo ou noiva nf10 deveria
padrinhos assegurar os meios para que o afilhado ou a afilhada re aradrinhá-lo porque. neste caso, seria necessário obter mais tarde a
cebam uma sólida formação na fé. dispensn para se poder celebrar o matrimônio.
Ou, se os pais negligenciaram a formação católica do filho,
tornn-se dever para o padrinho ou a madrinha fazer tudo o que As \ czt.:s, acontece que os pais desejam que determinada pessoa
esteja ao seu alcance para suprir essa negligência. É uma situação '.-.CJapadrinho do filho. mas a pessoa está impedida de assistir l1 n.:rirn\
delicada, que requer muito tato. Se os padrinhos não forem pru rnia por estar de cama, viver em outra cidade ou estar fazendo o scn
dentes, os pais podem taxá-los de intrometidos. Mas, se chega o i.,:u militar. Nessas circunstàncias. o ausente pode ser escolhi do como
momento em que a Susana fará sete anos e não há indícios de estar padrinho e delegar a sua presença. Basta-lhe estar infor mado do
sendo preparada para a primeira comunhão, então a madrinha deve batismo. <lar o seu consentimento e concordar em que
abordar a mãe e dizer-lhe mais ou menos assim: "Já sei, querida, <1lguL·m o represente. Ainda que se encontre no estrangeiro, não há
que você está muito ocupada; importa-se de que eu passe aos sába ncccssidaJe ele adiar a data do batismci: pl1de enviar o seu co11scn
dos por aqui e leve a Susana às aulas de catecismo?" ti111t'ntn por \'ia aérea. O melhor é fazê-lo por escrito (mencionando
n nome da pessoa que o representará), e o documento deverá ser
Portanto, é .evidente que a primeira condição que os padrinhos ;1 prescnt.1clo ao acerdote quando se marcar a cerimônia.

<levem preencher é que sejam bons católicos. Um velho adágio diz O ausente será o padrinho real. e será dele o nome inscrito no
1
que ninguém dá o que nfw tem, e esse dar inclui a religião. Pode rcgistm hatismal. É ele (011 ela) quem contrai a responsabilidade
ser uma tentação pedir ao tio Jorge que seja padrinho porque é pL'io afilhado. Quem apadrinha obriga-se a mankr um afetuoso in
rico. Sabemos que vai à igreja somente para as Missas de sétimo teresst pelo afilhado durante toda a vida. Qualquer pessoa, inclusive
dia, mas talvez se lembre do afilhado no testamento. Se não esque ç,s pais. pode fazer r.s suas vezes ao pé da pia batismal, mas quem
cermos, porém. que todo o dinheiro do tio Jorge não lhe poderá atua cm nome do padrinho não contrai ricnhuma obrigação espiritual.
comprar um bilhete para o céu, riscaremos o seu nome da lista de
candidatos a padrinho.
É também evidente que um não católico não pode ser nomeado ANTES E DEPO!S DO NASCIMENTO
padrinho, o que às vezes pode representar um problema para os
casais mistos. Os avós não católicos podem sentir-se menosprezados Agora que estamos ex iminando o tema do hatismo, é oportuno
se não lhes pedem que apadrinhem o neto, nem sequer quando já é chamar a aten <1n para ddas belíssimas hênçüos que são tradicionais
il:J Igreja, embora nf10 '>Cjam ohrigat<)rias.
o sexto ou o sétimo dos irmãos. Mas se se lhes explica
claramente que têm que fazer em nome da criança um ato de fé na Uma é a "bênçãu para a mãe gestante", que a futura mãe pode
1 cceher simplesmente u1trando na sacristia num domingo depois da
Igreja Cató lica- que só um católico pode fazer -,
normalmente esses paren tes compreendem a nossa atitude. Missa e pcdindo•a ao pároco. Ou. se está de cama, chamando por
Além disso. as normas atuais da Igreja permitem que - por telefone um sactrdotc para que este a venha dar. A ciência médica
razões de parentesco ou amizade- um cristão não católico possa ser moderna tornou a gravidez relativamente segur:1, mas é sempre hom
"testemunha" do batisnio, ao lado \·oltar-sc para Deus e confiar no seu cuidado amoroso.
do padrinho católico.
:212 O BAT!S !O
o .,..1,cl\lE.'-:TO m: l \/\ .\L\L\
213
,\ nutr:1 b(·1H/t0. jú mais familiar. é a da mãe depois do parto.
ulll -.:n:-.tllllh: que foi muito popular em outros ttmpos, embora 0 simbolismo d:1 ú'nmnnia. !\\1s meses que precedem o nascimento,
:-.ug-.·ris.'le -.·-.·rta_.., conotações aborrecidas. como. por exemplo, que a a mãe poderia fazi:r ou mandar fazer esse vestido para o batismo da
n1,·1-.· ti\ -.·:-,.'lc que purificar-se para poder voltar a frequentar a igreja. niança.
1 :sta id0i:1 ligada ü hênç.'.lo apôs o partn é profundamente errada. ImeJiatamcnrc depois do rito da veste batismal, os pais da crian
i"t'lll t;-1(1 plnrco a ver com o antigo rito judaico da purificaçao legal i,;a ou os padrinhos acendem uma vela na chama do cirio pascal.
da mJ.c l.:nmo a pia de água benta. à porta de nossas igrejas, com yue o celebrante lhes apresenta dizendo: "Recebei a luz de Cristo".
"a ügua ck purifica1,·ão'' que costumava han:r nos templos judeus. Esta vela símholo da fé, a luz de Cristo, e significa que os pais
L1hez exbla uma ligi..:ira relação de origem. mas nada mais. Uma e os padrinhos SI.'. responsabilizam por ajudar as criançasa caminha
\l..'.Z quebradas pda morte de Cristo as cadeias do pecado original, rem na vida como "filhos da luz", como cristãos. Também aqui
a purificação da mãe deixou de ter sentido. poderia ser oportuno que os pais adquirissem o costume de propor
Se a mJe se adrn suficientemente hem para unir-.1ic à comitiva cionara vela para essa cerimúnia. com o fim de levá-la depois para
batismal. ela e o filho podem receber essa bêrn;ão depois da ceri 1..:asae guard.:í-la. fm alguns países, nos lares católicos onde se com
mt'Jnia. l<.bn contrúrin, pode pl'.di-la mais tardl'.. quando l'.stivcr cm prt:endee aprecia a importância do Batismo como nascimento espi
L'Ondiçl-lL's de ir aié à igreja com o filho. ritual. essa data é celebrada com muito mais alegria que o ani
versário do nascimento. Em cada aniversário de batismo, convi
Todos nós estivemos presentes num batizado pelo menos: o dam-se os padrinhos a almoi;ar ou jantar e, no centro da mesa bdlha,
nus o. A não ser que nos tenhamos batizado jú adultos, o mais acesa, a chama da vela batismal.
provú\·d é que fôssemos demasiado jovens para saber o que se esta
\a passando. Mas o mais certo é que a maioria de nós tenha pre
uiciado algum batismo. além do nosso, na qualidade de pai. padri O NASCIMENTO DE UMA ALMA
1 nho. amigo ou parente. No entanto. ainda que estejamos muito
Limiliarizado com o rito batismal, penso que nos pode ser útil rever O rito do B itl'iino -esiá cheio de riqueza e simbolismo espiritual.
;1s !\.'sp-.·l'li\'as cerimCinias com algum comentário ocasional sohre o seu Sempre que possível, é celebrado no domingo, dia em quea IgreJa
'.'li 11ificadP. comemora o mistério da Ressurreição de Cristo e que, portanto, é
AntL" . porL:lll. gostaria LlL fazer uma sugestJo aos pais que pre muito apropriado parn o nascimento espiritual de uma alma que,
vejam algum b;11izado num futuro mais ou menos prc'ixinw. A certo nas úgu;is batismais. vai - como diz São Paulo - ressuscitar CQm
rnoment() do rito batismal. o oficiante colorn na criança uma veste C)i_ t_.o _ J!_ah er rara 11ma vida fiQ_\:.a.
branca. se a criani;a 11;"10 a tra:1ia jú ao ser levada à igreja. É o que Acompanhados pelos padtínhos, o pai e a mãe apresentam o
restou do L'nstume de vestir o neófito com uma túnica batismal, filho à Igreja e solicitam o batismo, yue é a porta de ingresso na
Igreja.
como símbolo da inocência que recobriu a sua alma. Mais ainda:
.... imh(ilizn n fato de o batizado se ter vestido de Cristo. de se ter O sacerdote (ou o dükono). que vai administrar o batismo,
identificado com Cristo. De agora cm diante, para onde quer que vú, k\ dirige-se então ao encontro dos pais e dos padrinhos. à porta ou no
ar;'1 Cristl) consigo. Yivná nEk e falará e agirá por Ele. É o que Jocal da igreja onde estes se encontram reunidos, e, depois de saudá
ignificam a palavras de São Paul1J: '"porque todos vós, que fostes -los, recorda-lhes a alegria de acolher os filhos como dom de Deus.
h,1ti7ados em Cristo. fostes revestidos de Cristo·· (Gal 3. 27). desse Deus que 0 a fon.._te de toda vida e quer dar agora ao novo ser
Lstl' C().'ltume faz-nos recuar aos próprios começos da Igreja. Os a sua pnípria Vida: a graça santificante e a filiação divina.
_'()11\er-;ns eram batizados na véspera do Domingo da Rcssurreiçto. O L'ekhrantc inicia cnrno o rito com um breve diálogo, em que
Vcstidm uma túnica batismal. qul..'. conservavam com alegria durante lhes pergunta. além do nome t'scolhido para a criança,o que pedem
nitn dias. !\;o c.1kndário antigo da Igreja, o Domingo que se segue ü Igreja pnra ela. A rt:sposta dos pais pode ser: "O Batismo", ou
it P scpa chamava ..sc "Dominica in albis" - o domingo das vestes "3 fé", "a graça de Cristo", "a entrada na Igreja", "a vida eterna" ..
hrath..'as -. porque nesse dia os cristãos tiravam a túnica batismal. Qualquer dessa. respostas exprime bem a consciência da grandeza
Tudo i....t(1 nn:-. kYa 11 sugcst;'H) que queria fazer. Nftn h{t razão dn momento e dos frutos nbrenaturais do santo Batismo.
p;1r,1 que t1 hchê nftn LL',e urna veste hatismal; dc.-.sc modo se frisaria A seguir,o cdchr,:rntc lembra o compromisso que paise padri
nhos JS,'Wlllt'm em rda(/i.o ti criança. e convida-os a traçar, junta
O BATIS !O
Z44 O XASCI.\fE'.\TO DE F\L\ A.L\1.\ Z45

mente com de. o sinal da cruz na frnnti: da crian a. Ê o sinal do "Credes em Jesus Cristo, seu único Filho. Nosso Senhor, que nasceu
crisffio. que deverá marcar-lhe os passos da vida e acompanhá-la da Virgem _Maria. padeceu e foi sepi.:hadn. ressuscillHI dos mortos
sempre. e subiu ao Céu?". ··credes no Espírito Santo, na Santa Igreja Ca
tólica na Comunílàu dos Santos. na re1pissão dos pecados, na res
Como acontece na celebração de todos t)S sacramentos, antes de surrei ão dos mortos e na vida eterna?''. A cada uma destas tr0s
e imcrnr o rito sacramental propriamente dito. km lugar a Liturgia pergum:i . eis pai.., - pad'.inh(:5 n:-spo! d n: ·_'Creio". .
da Palavra, que consta de algumas leitur:1s bíblicas relacionadas com Tt1dd-; os ano'.,. na liturgia da \ 1g1ha Pascal. os batizados reno
o batismo. A ho ilia que se segue à leitura tem como finalidade, vam soh:ncrrn:nte estas promessas e esta profissão da nossa fé. Em
além de comentar os textos lidos, preparar todos os presentes para alguns paíse:;, as famílias qut. celebram o aniversário do batismo
entenderem melhor a profundidade do mistério do Batismo e assu mirem têm a prática admirável de renovar as promessas do Batismo antes
com alegria as obrigações que dde decorrem, especialmente quanto aos de se sentarem à mesa para a refeição da festa; é o pai quem per
pais e a0s padrinhos. gunta, e todos respondem em uníssono.
A Liturgia da Palavra encerra-se com a oração dos fiéis. a invo
cação dos santos e uma bela oração pedindo a Deus que faça com Chega, por fim. o 1110mcnto central da cerimônia. O sacerdote
"que estas crianças. livres da mancha original. se tornem um templo (ou o diácono) vai administrar o balismo à criança. Primeiro, o
vivo pela presença do Espírito Santo": e, por último, com a unção celebrante convida a fumma a aproximar-se da água batismal. Ci
pré-batismal. tando o nome da criança, pergunta aos pais e padrinhos se querem
Esta primeira unção é feita pelo celehrante no peito de cada que seja batizada na mesma fé da Igreja 4ue acabam de professar,
criança com o óleo dos catecúmen0s. ao mesmo tempo que diz: "O e logo a seguir hatiza a criança dizendo avras sacramentais:
Cristo Salvndor vos dê a sua força. Que ela penetre em vossas vidas "N ... , eu ie h izo em nome do _Pai, do Filho e do Espírito Santo",
Ao mencionar o nome de cada uma das três Pessoas divinas,
como este óleo em vosso peito". O óleo dos catecúmenos é um
mergulha três vezes a criança na água (batismo por imersão) Ou
dos três óleos que o hispo da diocese consagra todos os anos na
derrama três vezes água sobre a sua cabeça (batismo por infusão).
Quinta-feira Santa. Os outros dois são o Santo Crisma e o óleo dos
Na prática, a forma que se segue normalmente é a do- batismo por
Enfermos. A unção no peito da criança representa a "couraça"
espiritual com que o Batismo a recobre. O seu significado encon infusão, e, neste caso, •o pai ou a mãe seguram a criança sobre a
tra-se nas palavras de São Paulo. que diz (Ef. 6, 13-16): "Tomai, pia batismal. Onde for tradicional que a segurem o padrinho ou
pois, a armadura de Deus ... , revesti-vos da couraça da justiça. a madrinha, conscrvaMse essa tradição. É muito conveniente manter
com a qual possais apagar os dardos inflamados do maligno". E de a criança com a cabeça lig iramente inclinada para baixo, de modo
novo: "Revestidos da couraça da fé e da caridade" (I Tes. 5, 8). que a água possa correr-lhe sobre a fronte sem entrar nos olhos.
Para mim, que já batizei tantas crianças, este é sempre um moM
Logo após, todos se dirigem ao batistério, e. quando se encon mento de solenidade máxima. Imagino a milícia celestial congre
tram junto da pia batismaL o celebrante recorda o admirável plano gada em torno da fonte batismal, cm ansiosa espera de que um novo
de Deus, que pela água quis santificar o homem. Está a começar membro se incorpore ao Corpo Místico de Cristo e à Comunhão
a Liturgia Sacramental, que tem como primeiro passo uma oração dos Santos. Penso no próprio Deus todo-poderoso, com olhar de
amor impaciente, aguardando o momento de tomar posse daquela
sobre a água, que o celehrante toca com a mão. enquanto pede que
alma. Penso no espantoso milagre de graça que está para acontecer,
venha sobre ela a força do Espírito Santo, para que todos os que
e quase posso sentir o calor da presença do Espírito Santo (E pen
forem batizados ressuscitem com Cristo para a Vida. sar que nós, muitas vezes, damos tão pouca importârn..:ia a isso!
Depois, chega o momento de fazer as promessas do Batismo,
"Sim. tivemos batizado no domingo").
que serão prnnunciadas pelos pais e padrinhos. O celehrante per
Com os olhos da fé, podemos ver as águas da salvação envol vendo
gunta-lhes: "Renunciais a Satanás?", e eles respondem: "Renuncio". a criança, enterrando para sempre a antiga carga de pecado do
"E a todas as suas ohrasT'. "Renuncio". "E a todas as suas sedu homem, para que a criança possa surgir delas convertida num homem
ções?". "Renuncio". Uma vez formuladas as promessas, o celebran te novo em Cristo. Este especial simbolismo do Batismo tor na-se
recehe a profissão de fé dos pais e padrinhos. perguntando-lhes: "Credes mais expressivo quando o batismo é administrado por imersão
cm Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra?",
246 O B \ TT,\10
c,llT\f PODE B.\TIZ.-\R? 2.--tí

completa. Mas o batismo por infusftn conserva lamhém o mesmo


pl)rtáncia de saher n.mo batiza: cm aso de necessidade. _?rdina
significado. riamc.·nte. quem adrn1111stra o hat!smo e o sacerdote (ou o d1acono).
Uma vez transcorrido este mumentn nilminank. a cerimtinia vai
e saia muito mau que um leigo o fizcsst: em seu !tJgar sem uma
chegando rapidamente ao fim. A criança é agora um filho de Deus,
razào grave. Por sua vez, é essencial não permitir que ninguém cem
um príncipe da família real dos céus. A criança participa tamht:m
condiçôes para receber o batismo morra sem ele: é um requisito im
do sacerdócio eterno de Cristo. E assim como os reis t; sacerdotes pn: cindível para se entrar no céu.
dos tempos antigos eram ungidos. a criança é agora ungida tamhém. Por esta razão. Nosso Senhor Jesus Cristo deixou as portas
na cabeça. com o óleo santo. Antes da unçüo, n cclehrantc pede desse sacramento abertas de par em par em caso de necessidade ur
a Deus: "Que Ele te consagre com o c\ko santo para que. como gente. Quando um nün batizado está. pois, em perigo de morte, e
membro de Cristo, sacadote. profeta e rei. cnntinues no seu Povo reúne as condi ôes para receber o sacramento. não havendo sacerdote
até à vida eterna". ou diácono disponível, qualquer pessoa pode batizá-lo. Mesmo um
É agora que tem ]ugar o breve rito da veste branca: se a
nüo católico ou um ateu pode administrar validamente o batismn.
criança não estiver de branco. é rcvest ida com uma pequena túnica desde que tenha a intenç{io pelo menos de "fazer o que faz a lgrda"
ou véu branco. O celehrnntc recorda: "Ac:ora nasceste de novo e nessa ccrimtmia e empregue a forma corretamente.
t revestiste de Cristo; por isso trazes esta este hranca. Que teus O que se tem a fazer é extremamente simples. Rasta derramar
pais e amigos te ajudem por sua palavra e exemplo a conservar a úgua da torneira na fronte do batizado e, ao mesmo tempo. pro
dignidade de filho de Deus até à vida eterna". nunciar audivelmente (enquanto a água escorre) as palavras: "Eu
Acabada esta oração, o sacerdote apresenta o círio pascal e diz: t,· batizo cm nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo." Estas
"Recebe a luz de Cristo". E os pais ou os padrinho-; acendem no palavras deveriam ser tão familiares a um batizado como o seu pró
círio pascal a vela da criança, que tem um belo simholbmo. expri prio nome. Pode apresentar-se uma ocasif10 cm que a salvaç;w
mido nas palavras que o celebrante lhes dirige: "Pais e padrinhos. eterna de uma alma dependa de conhecê-las. No batismo solene.
esta luz vos é entregue para que a alimenteis. Por isso. c Jorçai-vos que se administra na igreja, a água que se utiliza é a hatismal, es
para que esta criança caminhe na vida iluminada por Cristo. como pecialmente henta na Vigilia Pascal. Mas, num batismo privado.
filho da iuz. Perseverando na fé. p(issa com todos ns santos ir ao basta a água corrente. que é até preferível à água benta.
encontro do Senhor quando Ele vier". A seguir. o cdcbrante pode Muito frequentemente administra-se o batismo privado em ma
tocar os ouvidos e a hoca da criança, dizendo: "O Senhor Jesus, tnnidadcs. quando se torna duvidosa a sobrevivência do recém-nas cid,).
que fez os surdos ouvir e os mudos falar, te conceda que possas Se o hospital é bem atendido por pessoal católico, os pais não têm
logo ouvir a sua palavra e prnfessar a fé para lnuvor e glória de razão para preocupar-se: uma freira ou enfermeira se en carregará de
Deus Pai". administrar o batismo se a vida da criança estiver em pi.:rign. Mas se a
Vem agora a conclusão do rito do Batismo. De pé, diante do futura mãe vai para tim hospital que não oferece g'Zlrantias nesse
altar, o celebrante dirige aos presentes uma e,ortaç;io. para que pre aspecto. deve tomar as medidas necessórias para que si.:u filho seja
parem os novos batizados para a recepção do Sacramentos da Cris batizado em caso de necessidade, inclusive levando a f('1rmula do
ma e da Eucaristia, quando for o momento; e todos juntos rezam hatismo escrita num papel. Chegada n hora do parto, dar;'i o papel
o Pai Nosso. Dá uma bênção às mães, aos pais e a todos os pre ao médico (ou it enfermeira) e dirú: "Doutor. se a vida de meu
sentes, e encerra o rito com uma bênçf10 final e a despedida. filho correr perigo. por favor. derrame um pouco de
Os pais ofereceram seu filho a Deus. Deus lhes devolve um :ígua sobre a sua caheça e diga ao mesmo tempo cssns palavras
santo. cm vo7 alta. com a intenção de fazer n que a lgreja Católica quer
fa7cr no batismo·•.
QUEM PODE BATIZAR? Se a criança estiver em casa e adrnx:cr repentinamente antes de
ser hatizada. qualquer memhro da família pode (e deve) batizá-la.
Em caso de emergência, você saberia administrar o sacramento Os laços que prendem um bebê à vida são frágeis. e. às vezes.
do Batismo? Provavelmente sim. Hú poucos catblicvs que. tendo _a_ margem entre a vida e a morte é muito tênue. Nesses casos, não
recebido aulas de catecismo. ainda que sejam apenas as preparató .,e dCvc CS-perar pelo Sãi:erdci-tL'. • -o ·nafiSITú1tcí·<l--a mesma eficácia,
rias para a primeira comunhão, não tenham bem inculcada a im- ii Lc.ncn<..lcntemcntc de quem .o a·dminiStre TlC"fã- (1u·c ser aaminis•.
248 O BATISMO ( l\ ·1, \l !'O!)!,; B.\TJ/:\lP 249

trado incondicionalmente. quer dizer, st:m restriç-6es nem acréscimos.


Quer sobreviva ou não, a criarn;a foi batizada e não poderá voltar até Dt.:us é um caminho dt amor. Uma pessna que ama a Deus
a sê-lo. ;,_ibre todas as coi ,b i..: quer lazer tudo o que Deus quer, tem o
batismo de desejo. Se as circunstâncias a impedem de receber o
Mas se a criança batiz&<la privadamente sobrevive, deve-se dar
batismo sacrami..:ntal, bastará o seu batismo de desejo para lhe serem
notkia do batismo ao pároco - informi-lo da data e de quem o
abertas as portas do céu. Do mesmo modo que o supremo amor
administrou - para que se possa inscrevê-lo no registro batismal.
a Deus perdoa todos os pecados, mesmo mortais, à alma que não
Lembremo-nus de que essa criança necessitará mais tarde de uma
ptíde apresentar-se à Confissão, o supremo amor a Deus apagarã
certidão de batismo para poder fazer a primeira comunhão e rece
todos os pecados, tanto o original como os atuais, da alma que não pt\
ber os demais sacrar..1entos. Depois de a criança se recuperar, os
de rt.:ccber o batismo.
pais devem combinar com o pároco a data para lhe serem adminis tradas
as restantes cerimônias do rito batismal. Terão que levá-la à Quando alguém que ama a Deus conhece o Batismo e quer re cebê-
igreja, para receber as cerimônias do batismo solene, exceto a lo, chamamos a essa disposição batismo de desejo explicito. Quando
infusão da água, a menos que haja motivos para suspeitar que isso alguém que desconhece o Batismo ama a Deus e quer fazer a sua
não foi feito adequadamente. vontade cm tudo, possui o batismo de desejo implicito. Por liutra::;
Quanào se batiza uma criança privadamente, é conveniente que palavras, o desejo do batismo está contido implicitamente no d1.'st.:jo
de cumprir a vontade de Deus. Se essa pessoa conhecesse ti
haja padrinhos (pelo menos um), e escolhê-los talvez entre os vizi
Batismo e soubesse que Deus deseja que o receba, batizar-se-ia porque
nhos ou parentes que o queiram. A única coisa necessária é que
quer o que Deus·quer.
tenham intençüo de ser µadrinhos. Em casos assim, esse mesmo
casal (se lhe for possível) deve acompanhar a críança à igreja para Uma pessoa preparada para receber o batismo tem já o batismo
a administração das restantes cerimônias. Na prática, raras vezes de desejo explícito. se a sua fé é acompanhada pelo amor a Deus
se podem conseguir padrinhos para um batismo piÍvado, especial mente por Deus mesmo. Um judeu piedoso. com supremo amor a Deus,
nos hospitais. Nesse caso, pode intervir como padrinho su plente pode muito hem estar de posse do batismo de desejo implicito.
qualquer pessoa a quem os p&is o peçam.
É pouco provável que tenhamos ocasião de administrar priva
A forma mais elevada de substituir o batismo sacramental ou
damente o batismo a um Jdulto, mas pode acontecer. Um possível o de desejo é aquela que chamamos batismo de sangue. "Ninguém
tem maior amor que aquek que dá a vida por seus amigos" (Jo
converso pode ficar gravemente doente antes de ser recebido na·
15, 13). Mesmo sem batismo, qualquer pessoa que sofra o martírio
Igreja. Ou um amigo não batizado pode manifestai- o desejo de
por Cristo tem a certeza de alcançar a recompensa eterna. Mártir
ser batizado no leito de morte e ter a fé necessária para isso: fé na
é lodo aquele que "sofre por motivo sobrenatural a morte ou uma
Santíssima Trindade, que premia os justos e castiga os pecadores,
ferida mortal infligida por ()dio a Cristo. à sua religião ou a uma
e em Jesus Cristo, como Filho de Deus e nosso Redentor; e a von virtude cristã".
tade de aceitar tudo o que a Igreja Católica ensina. Talvez não se
O termo •'múrtir'' reserva- e oficrnlmente para os que sofrem morte
apresente nunca semelhante ocasião, mas é de capital importância
viultntd ou derramam o seu sangue µor Cristo. Nos dias em que
estarmos preparados para ela.
a fgrcja formulava a sua definição de martírio, a morte às mãos dos
seus inimigos era geralmçnte rápida. Ficavam reservados para a
Se o Batismo é ahsolutamente necessano para ir para o céu
nossa poca, "civilizada" e moderna. os métodos de tortura em que
( e é), que acontece com toda a gente que morre sem oportunidade
a morte pode f-ier prolongada por muitos anos e se pode matar um
de recebê-lo e que talvez nem sequer saiba que existe? Perderão o
homem sem deixar sinais em seu corpo. Há hoje muitas almas em
céu, sem culpa alguma de sua parte?
prisões e campos de trabalho que sofrem o que Fulton Sheen
Ninguém que tenha chegado ao uso da razão perde o céu a não
chamou ''um martírio seco". Não restam dúvidas sobre a realidade
ser por culpa própria. É um artigo da fé cristã - definido pela
de tais martírios. A agonia de mente e corpo pode durar anos.
Igreja - que Deus dá a cada alma que cria a graça suficiente para
Morram de desinteria ou de outra doença contraída nas prisões,
se salvar. Ninguém poderá jamais dizer: "Não pude alcançar o
levarão a palma do martírio por toda a eternidade, e, sem dúvida,
céu porque não tive meios para isso".
muitos deles são catecúmenos que não tiveram oportunidade de re
Para os que não têm ocasião de receber o Batismo, o caminho ceber o batismo antes de serem presos.
/

O S.-\CH.-\\IE\.TO 1) \ CO\ FIR\UÇ.\O -71

CAPÍTno XXV
2. Sagrada Cnmunh!üi como u la\n de unUu1 cnm ll nn._,,..,n pn)ximo.
r-..1as. em geral. a nos..,a \'ida religiosa c-,(;_"i gira11dl1 cm torno do
.\ CO\'FJH.\L\Ç'."i.0 Jl(.}SSn L'U.

E rccchemos a Confirma1.;ão nu Cri..,ma. Cnm da. ehega•nos


uma graça que aprofunda e enrijece a nossa fé. para que seja .,;;i1fi
cie11tementc fnrtc niin sú para a.., lll'1.:cssidadcs pn'1pric1s, cc11n11
u1rnb m para 11s dos nutrns. com os quais procuran.·mos u1m
r:1rtilhú-la. Com ll de pcrtar da adolescência. uma crinnça L'nmeç:i
a assumir. paulatina e progressivamente. as responsabilidades da ida·
de adulta. Cnme ·a a ver o seu lugar ll<1 quadro completo da famíli;:i.
e tamhém no da socicdade. De forma parecid;:i. o nistJo crismado
ClHHcça a va cada vez com maior dareza (ou der(!ria fazt'.-lo) a
_-,ua rcsponsahilidadc para com Cristo e o seu pn·iximo. Compro
O SACRAMENTO DA CONHRMAÇÃO mclc•sc profundamente (ou d(!veria fazf-lo) com o bem de Cristo-no
•mundo. que é a Igreja. com o bem de Cristo-no-prú\:imo. Ness(:
NJsccr e crescer sJo dois acontecimentos inconfundíveis na vida sentido, a Confirma,J10 0 um crescimento espiritual.
de urna pl'.ssoa, 1\:conh cidos por todos. Também reconhecemos que Para que possamos a sumir essa responsabilidade para com a
hú entn: ele uma dependêrn:ia íntima: é evidente que ninguém pode lercjae para com o próximo. Urnto L'tll ohras como cm sentimentos,
crescer se antes não nasceu. Ê qua."c tüo evidente que o fim do P- sacramento da Cnnfirnrnçüo ou C'risnrn nos confere uma graçae
nascimento se frustra até certo ponto se não é seguido pelo cresci mento. um poder especiais. Assim conw ,1 "marca.. do Batismo nos faz
Um anão causa pena porque o seu desenvolvimento físico completo foi participar na fun)''ÜO sau:rdotal dc Cristo 1.: nos dúo pod1:r de nos
impedido por um defeito glandular. Compalkcemo-nos di: um idiota unirmosa Cristo na sua homcnagL'/ll a Dl.'us. a Confirma1-;·,to "vin
cujo crescimento mental parou por um defeito nas cé lulas cerebrais. cula-nos mais pcrfcitame111c /1 Igreja. enriquecidos de especial força
Nascemos para crescer e, ao crescer, aperfeiçoamos o nosso do Espírito Santo. e nos torna mais estreitamente obrigados à fé
nascimento. que, como verdadeiras ll' tcmunhas dc Cristo. devemos defender e
Estes fatos patentes da vida física podem ajudar-nos a compreen difundir wnto pnr palavras cnnw pnr nhra.-," ("Lumen Gc11tium",
der a íntima rclaçüo que há na nossa vida espiritual entre os sacra 11. 1 1).
mentos do Batismo e da Confirmaçfto. Ainda que a Confirmação Agora cornpartilhamns com Cristo ;1 sua mis<;;l.o de cs;tcndcr o
scj;:i por direito próprio um sacramento diferente e completo, tem Réino, de adicionar nova.s alma.s no lorpo Mís;tico de Cristo. As
por fim aperfeiçoar o que o Batismo iniciou em nós. Poderíamos no'.-.sas palanas e atPs j{1 1lfto e dirigcn1 mcr rn1cnte :1 santificaÇ10
dizer que. de certo modo. somos batizados para sermos confirmados. fkssoal. mas \'Jo. além disso. fa1L'r C()lll que a \'crdaclc ck Cristo se
Nascemos espirilualm-.'ntc no Bafo.mo: atrav0s dele, passamos a l( rnc rcnl e viva para aqueles que nns rtickiam.
1

participar da vida divina ela Santíssima Trindade e começamos a


viver a \'ida sohrenatural. Ao praticarmos as virtudes da fé. da es O catecismo define a Confirmação comn "um s;:icramcnto pelo
perança e da caridade. e ao unirmo-nos a Cristo na sua Igreja para qu,1\ l' rccehc n Espírito Santn. se imprime cm nossa almao car.úkr
prestar culto a Deus, crescemos tamhém em graça e bondade. Mas de soldadt)S ck Jesu-; Cri.<.;10 L' no:,, tornamos perfeitos crist."íos". ;\
nessa etapa da vida espiritual. como na vida de uma criança, analogia pela qual se compara p cri..,t;-1n confirmado 3 um soldado
concentramo-nos principalmente cm nús mesmos. Tendemos a estar pod ter perdido força pcln Sl'!I largn 11-,n. mas. -;e a l'Olllpn:endermos
preocupados com as ncccssidadcs da nossa própria alma, com os adequadamente. l'St;í l'heia ck -;i!.!nifiL·adn O nist;l.o cn11firm;:iclo guar
nosso.,;; t:sfon.;os por ·'sermos hons". É claro que nào podemos con centrar- e/a uma lealdade inalterÚ\'cl p: ra cnm ti Rei n1j[l l'ausa serve:._ está
nos exclusivamente cm nús mcsmos: não, se entendemos o que dispostn <1 suportar qualqtll'r \( frirncntn a serviçn dn seu Rt:i. a
significa ser mcmhro do Corpo Mbtico de Cristo; não, se en tendemos comhater o mal. inch1..,i,·l, <110 ii mnrk. nndc qlll'r que "1..' encontre:
o :'-.ignificado da Missa como um ato comum de culto, e a fazer tudo o que e-;ti\'lT ao .<,l'll ak·:11Kl' p:tra dil;1L1r n l"L'inn dt)
seu Soberano.
252 A CONFIRMAÇÃO
O SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO 253

É, pois, de lamentar que muitos católicos encarem o seu papel zados em nome do Senhor Jesus. Então impusaam-lhes as mãos.
de soldados de um ponto de vista negativo. Vêem-se na defensiva, e eles receberam o Espírito Santo. E quando Simão, P mago, viu
dispostos a lutar pela sua fé se lhes trouxerem a luta à sua porta. que o Espírito Santo lhes cm ..:omunica o or m io da ii po ição
Ou vêem talvez o reino de Cristo - e a si mesmos - como que das mãos dos Apóstolos, ofereceu-lhes dmhetro, dizendo: Dai-:me
em estado de sitio, cercados pelo inimigo, lutando pela mera sobre também a mim esse poder, a fim de que todo aquele a quem eu
vivência. impuser as mãos receba o Espírito Santo" (At 8, 14-19).
Mas não é essa, de maneira nenhuma, a verdadeira e dinâmica É desta passagem - que relata a tentativa de Simão. o mago,
concepção da graça e do poder da Confirmação. O cristão confir dt· comprar o poder de conferir a Confirmação - que veio a resul
mado lança-se jubilosamente ao cumprimento da sua vocação. Forte tar a palavra "simonia", nome que se dá ao pecado de comprar ou
na fé e cheio de um amor ardente pelas almas - que nasce do seu vender coisas sagradas. Mas trata-se de um ponto de menos impor
amor a Cristo -, sente uma preocupação constante pelos outros. lfincia. A verdadeira importância da passagem está no fato de nos
Experimenta uma inquieta insatisfação se n o faz pelos outrps algo falar do sacramento da Confirmação. Diz-nos que, emb0ra seja um
que valha a pena, algo que contribua para lhes aliviar as cargas da complemento do Batismo, que completa o que este iniciou, a Con
vida, algo que contribua para lhes assegurar a promessa da vida firmação é um sacramento diferente do Batismo. Os samaritanos já
eterna. Seus atos e palavras prodamam aos que o rodeiam: "Cristo tinham sido hatizados, mas ainda era necessário que "lhes impuses
vive e vive para ti". A graça para agir assim é a que Jesus prome sem as mãos" A passagem conta ainda como se administrava a
teu aos seus Apóstolos (e a nós) quando disse: "Recebereis o poder Confirmação: pondo a mão de quem confirma sobre a cabeça da
do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemu- quele que vai ser confirmado e dizendo ao mesmo tempo uma ora
nhas. até os confins da terra" (At I, 8). ção para que este receba o E5pírito Santo.

Não sabemos exatamente quando foi que Jesus, na sua vida De momento, estamos especialmente interessados nesse fato que
pública, instituiu o sacramento da Confirmação. É uma das "muitas a passagem nos conta claramente: que eram os Apóstolos - isto é,
coisas que Jesus fez" de que nos fala São João e que não estão os hispos - quem confirmava. Fosse quem fosse que tivesse bati
escritas nos Evangelhos (ver Jo 21, 25). Conhecemos o fato pela zado os samaritanos, é evidente que não tinha poder para '"impor
Tradição da Igreja, isto é, pela doutrina da Igreja transmitida até -lhes as mãos" e comunicar-lhes o Espírito Santo. Dois dos Após
nós desde os tempos do Senhor por meio dos Apóstolos, inspi tolos, Pedro e João, têm que deslocar-se de Jerusalém à Samaria
para administrar a Confirmação a esses novos cristãos.
rados pelo Espírito Santo. E a Tradição tem a mesma autoridade
Como era no princípio, assim é agora. Geralmente, só o bispo
que a Sagrada Escritura, como fonte da verdade divina. Se um
é que confirma. Em alguns casos, porém, pode fazê-lo um sacer
amigo nosso, partidário de que "unicamente a Bíblia é a fonte da dote. por concessão do direito geral - por exemplo, em perigo de
revelação", torce o nariz 'e nos diz: "Diga-me onde é que isso está morte - ou por indulto ou delegação especial. Desde tempos re
escrito na Bíblia para que eu creia", não cairemos na armadilha. motos, têm também esta autorização os sacerdotes da Igreja Católica
Bastará responder-lhe com toda a suavidade: "Mostre-me onde se grega. Nesse ramo da Igreja, o sacerdote que batiza uma criança
diz na· Bíblia que devemos crer só no que aparece ali escrito". confere-lhe também a Confirmação logo depois. No rito latino, como
Mas a Sagrada Escritura fala-nos da Confirmação. Não com sahcrnos, não se dá essa prática.
esse nome1 é claro, pois, à exceção do Batismo, os nomes dos sacra O Papa Pio XII, que tanto lutou por tornar os sacramentos
mentos foram inventados pelos primeiros teólogos da Igreja. O pri mais acessíveis ao povo, concedeu em 1947 uma autorização muito
mitivo nome da Confirmação era "imposição das mãos". Esse é o paternal. Autorizou os párocos de qualquer lugar - sempre que
nome que a Sagrada Escritura utiliza nesta passagem dos Atos o bispo não estivesse disponível - a administrar dentro da su&.
dos Apóstolos: "Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém pan·Jquia o sacramento da Confirmação, corno ministro extraordiná
souberam que havia sido recebida na Samaria a palavra de Deus, rio, a qualquer batizado que não estivesse confirmado e se encon
enviaram para lá Pedro e João, os quais, tendo chegado, fizeram trasse em perigo de morte por doença, acidente ou idade avançada.
oração por eles a fim de receberem o Espírito Santo, pois ainda não E isto é assim, mesmo que seja um bebê quem esteja em perigo
hJ.via descido sobre nenhum deles, mas somente tinham sido bati de morte. Ainda que a Confirmação na Igreja Católica de rito lati-
O SIC'.'\IFIL":\UO [)_-\ C0'\1-'JH\l:\Ç.-\CJ o_ , "·X·J
.S-t A CO:S:FIH\l.\ÇAO

nn scj:1 :tdministrada nnrmalmcrllc sú aos hatizados que tenham confirman<lt1 na fwnlt: L'Oll1 o sinal da cruz. dizendo: "N , recebe,
.ik:rn,adt1 n us11 da ra7::ío e possuam suficiente maturidade. essa por este inal. o Dom do Espírito Santo". E o confirmando responde:
limila\\-tll n;-1n 0 \;'ilida para os que estão cm perigo de ml1rtc. Con ··Amém".
t,rn1n que a nia1hiª tenha sido hatizada. tem direito à Confirmaçüo
sc 1.:t11Te n risL·n de morrer. Pnrtanto. tis pais devem informar o pá nxn \'ak a 1x·11a determtH10s um pouco a cnn11..:ntar o significado
L"(llll presk7a se SL' d::ín essas cin.:unstf111cias na família. Se Deus lk tc rito sacramental.
k\'al' a nian\<L esta entrarú no c u com o caráter da Confir ma\::ÍO - O LTisma é um dns três ókos que o bispo hcnzc todo ano na
além d() carú1cr hatismal - impresso na alma. sua Missa de Quinta-Feira Santa. Os outros dois süo: o óleo dos
L·atecúmenm, (usado no Batismo) e o óleo dos enfermos (usado na
LrnJin dos Enfcrmos). Todos m, santos óleos são de azeite puro
O SIGNll·ICAllO IJA CONIIRMA(AO dt.· oliveira. Desde a antiguidade, o azeite de oliveira é considerado
l·111Ht) urna substftncia fortificante. tanto que muitos atktas costu ma\'a!
Prova\'clmcllll'. nrnito:-. de 1H'1s jú presenciamos a administração ll untar o corpo com ele. antes de participarem de um certame
da ConfirmalJin ou Crisma v,irias vezes. talvez como confirmandos, :itk·tict"'. O significado dos santos óleos que são utilizados na admi
pais ou padrinhos. nistra<,/10 elos sacramentos é, pois. patente: o azeite significa o efeito
No rito atual. costuma haVL'r junto do hispo um ou vários sacer d(J! fortificante da graça de Deus. Além da bênçào especial e diferente
Cs concek·hrantes. Dt?pois da sauda(/ío do hispo - "A paz esteja convosco" qui.: L':Jda óleo recebe. o crisma tem outra particularidade: é misturado
- e dL' uma ora1/10 pedindo o dom do Espírito Santo, tem lugar a cl1m húlsamo. uma suh tância aromática que se extrai dessa árvore.
cckbra\::-u1 da palavra Lk Deus. com uma ou várias ]ei tur:is. ;\pr'ls No crisma, o bálsamo simholiza a "fragrância" da virtude. o bom odor,
cs as kituras da Sagrada Escritura, os confirmandos s.:ío chamados a atrm,Jío que deverú desprender-se da vida daquele que pôe em mo
pelo 1wme. L' permanecem diante do hispo. que lhes dirige umas vimento as graças àa Confirmação.
palavras. comentando a grandeza e o significado do sa cramento. ;\ cruz que se traca sohrc a fronte <lo confirmando é outro sÍm•
Vinca-se a rcla\·:-10 da C'nnfinnaL:.:ío com o Batismo. renovando htiltJ pndcrnso. se realmente o entendemos e pomos cm rrátiea. É
as promL·ssas batismais. Vem c11t:10 a parte essencial da cerimônia, muito fúcil sahê-lo. Basta perg11ntar-nos: "Vivo de verdade como se t1t1l!\
que consta da imposi,Jto das m;-1os e da unção com o santo crisma. L'sse uma cru; \·i ívcl gravada na minha fronte. que me marca Lnlllt1
O hi.c.,po - como tamhL;lll (1s s.,acerdotcs concelehrantes - impõe hnrncm ou mulher de Cristo? Na minha vida diária, dou lL"Slc111unlw de
as mãos sobre todos os confirmandns. dizendo: Deus todo-poderoso, Cristo? Nas minhas atitudes e no meu rclaciona mi.:ntn L\)111 os que
Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. que. pda água e pelo Espírito me rodL·iam. cm todas as minhas ações. prnclamo: hto é o que significa
Santo. fizestes renascer estes vossos servos. libertando-os do pecado, ser LTistüo. isto é o que quer dizer viver se gundo o Evangelho?" Se
enviai-lhes o Espírito Santn Parúclitn: dai-lhes. Senhor. o espírito de
a resposta for n 10, é prova de que des pi.:rdiçamos um caudal de
sabedoria e intelig0ncia, o espírito de conselho e fortaleza, o espírito
graças: a graça cspccial <la Confirmaçüo. E uma graça que tenho
de ciência e piedade. e cnchei-Ps do espírito do vosso temor. Por
abundantemente l1 minha disposição, se qui sn utilizú-la: a gra(,-a de
Nosso Senhor Jesus Cristo. vosso Filh<1. na unidade do Espírito
vencer a minha mesquinhez humana. a n1inha C()\'ardia ante os
Santo"'.
rcspcito-:., humanos, a minha repugnft11L·1a cm LtL"c do sacrifk:io.
A unçào com o crisma, que se faz a seguir. é a parte essencial
do rito. É neste nwmcnto. como dizia Paulo VI na Constituição
''Divinum consortium natmae". que se confrre o sacramento da Con Sem o Balisnw 11:-10 po<lcmos ir para lJ céu. Sem a Confirma
firmação. A própria unçün cnm o crisma é a imp0sição de mãos \°i-ltlsim. m:.is o nosso L·aminho até ele scrú mais difkil. Na verdade,
sacramental. S1.'J11 a (\1nfirmai./10. é muito fúcil extraviar-se por completo, muito
Cada confirmando aprnxima-se do hispo. Colocando a mão di rcila fi,ci! perder a fl·. F:-.ta l· a razCio pela qual todo o batizado tem a
sohre o omhro do confirmando. a pessoa que o apresentou diz o seu (',hriga1Ja1 de recchcr t;1mh0m a Confirma-;üo logo que tiver essa
(1/ltlrtunidadc. Sahcmo-, que Jesus n ,o instituiu nenhum dos sacra
nome ao hispo. Tamht;m pnde declará-lo o próprio confir mando. O
hispo. lendo mergulhado o polegar no crisma. marca o mc1ltl1s sú ··peJn go-,tn de faz0-lo": Jesus instituiu cada sacramento
2:'i6 A CONFIH IAÇAO
O SIG:-ilFICADO DA CO:-iFIR IAÇAO
257
pt1rque. na sua infinita sabedoria, previu que careceríamos de graças
LSpcciais para determinadas circunstfrncias. de amanhã, ao passo que as verdades de Deus permanecem inalte
Entn: outras coisas. prc\'ill os perig0s a que estaria expüsta a ráveis. Forte na fé, ouve sem se perturbar as explicações de tais
nossa fé. Alguns, inh':rnos, quando as paixões ou o egoísmo entram professores.
em choque com a nossa fé. Se desejamos seguir um caminho que Sim, todos temos necessidade da graça de Confirmação. Tanto
a noss3. fé nos proíhe, mas. por outro lado. não podemos viver em que é pecado não receber este sacramento se há ocasião disso. um
permanente conflito conosco, e queremos ter paz interior, rdgo tem pecado que seria mortal se a recusa se devesse ao desprezo por esse
que ceder. Se pudéssemos convencer-nos de que a nossa fé é errada, sacramento. Os pais que, por descuido, impedem que seus filhos
fo.:aríamos de mãos livres para seguir os nossos desejos e conservar sejam confirmados, cometem um sério pecado de negligência.
essa paz. Ê nessas circunstâncias que a graça da Confirmaçiio vem
cm nossa ajuda. se a deixamos agir, e faz retroceder de maneira Enquanto na Igreja oriental é costume confirmar as crianças
irresistível os apetites do egoísmo para que triunfe a fé. A paz que quando são batizadas, a tradição da Igreja latina é administrar a
então encontramos é uma raz real. Confirmação quando alcançado o uso da razão, isto é. em torno
Outras vezes, o perigo vem de fora. A situaçün de perigo em dos sete anos de idade. Os adultos que não tenham sido confirma
que se encontra todo aquele que é ativamente perseguido, preso ou dos podem sê-lo com facilidade falando com o pároco. Tanto no
torturado por causa da fé, é algo evidente. Ncsses casos, podemos caso das crianças como no dos adultos, é necessário um padrinho,
apreciar claramente a necessidade da graça da Confirmação. A si que deve ser do mesmo sexo de quem se vai confirmar e ter ao menos
tuação de perigo dos que vivem numa atmosfera <lc indiferentismo treze anos de idade. O padrinho deve ser católico praticante. con
religioso nüo é tão evidente. mas é muito real. O perigo de nos firmado e diferente dos padrinhos de batismo. Como estes, deve
deixarmos arrastar pelo ambiente. de querermos ser "boas pessoas", também fazer tudo quanto esteja ao seu alcance para queo afilhado
mas medíocres, estú sempre presente. A tentaç2 J i.lc amortecer a fé, chegue a uma vida católica plena.
1 de não tomá-la muito a sério, é quase incvitúve:. ;\ graça da Con A especial graça Jacramental da Confirmação é, como vimos,
firmação virá em nossa ajuda para prescr,'<.!r a nossa esi..:ab de va um fortalecimento da fé. Sob o aspecto negativo, tornamo-nos fortes
lores e manter o bom rumo. contra as tentações e a perseguição; do ponto de vista positivo, au
mentam as nossas. forças para chegarmos a ser testemunhas ativas
Há um perigo externo que ameaça especialmente os católicos que de Cristo. A Confirmação produz também em nossa alma um au
cursam estudos superiores, sobrl'.tudo se frequentam uma universidade mento dessa fonte de vida básica que é a graça santificante. Deus
de orientação nüo cristã. Esses católicos têm de enfrentar o peso não pode aumentar o que não está presente; por isso, quem vai
dos erros de alguns eclesiásticos do passado. dos erros humanos co receber o sacramento da Confirmação deve fazê-lo em estado de
,li
metidos por este ou aquele agente humano de Cristo, o lastro de graça. Receber a Confirmação em pecado mortal seria abusar do
papas indignos e prelados extravagantes. da cnndenaç 10 de Galileu sacramento: seria cometer o grave pecado de sacrilégio. No entanto,
e dos excessos da Inquisição. Tende-se a esquecer que divinos não a recepção do sacramento seria válida. No momento em que essa
são os agentes de Cristo na sua lgrcja, mas sim Ele mesmo nela, pessoa recebesse a absolvição de seus pecados, as graças latentes da
e o católico começa a adotar uma atitude defensiva e a sentir-se Confirmaçüo- reviveriam nela.
um pouco envergonhado.
Depara com o clespn ;:o mal di..,far<.;adn de al 1111s professores
para com a religião cm era\ e :i cat()Jica L'l11 particular. apresentada
como coisa superadn. pn1pria de m.:ntalid;:des rudes e sem forma
çfto. O no so católico passa então de um ligeiro sentimento de ver
gonha para um claro ressentimcntP contra a f . que n torna ohjcto
de irrisão <li.: pessoas a quem admira pda :-.ua crndk)o e rrestígio.
De novo a gra a da Confirma üo acodi.: em sua ajuda p:ira fazê-lo
superar a dificuldade. Esse católico com estudos supaiores lcmhra-se
cnl io de que a sahcdnria humana de hoje é a humana cstultícia
O 11.,IOH DOS S..ICH,1\IE'\TOS
2,'59
CAPÍTULO XXVI
grega "eucharistia", que significa ..ação, d gra as·· resultouo nome
A El CARTSTIA do nosso sacramento: a Sagrada Eucanst1a.

O catecismo ensina-nos que a Eucaristia é ao mesmo tempo


E1waristia ± a. Missa a
sacrij_ki..a_.e_..5.iJi:1:-ill.l.J.fnto. Como sacrifício, a
ãÇi 1 divina em que Jesus, póf. 111eio de um sacerdote humano, trans
forma o pãoe o vinho no seu próprio corpo e sanguee continua
no tempo o oferecimento que fez a Deus no Calvário, o ofereci
mento de Si próprio em favor dos homens. O sacramento da Sa
grada Eucaristia adquire o ser (ou é "confeccionado'', como dizem
os tet1logos) na Consagração da Missa; nesse momento, Jesus se
torna presente sob as aparências do pão e do vinho. E enquanto
essas aparências permanecem, Jesus continua a estar presente e o
sacramento da Sagrada Eucaristia continua a existir ali. O ato de
O MAIOR DOS SACRAMENTOS receber a Sagrada Eucaristia chama-se Sagrada Comunhão. Pode
mos dizer quea Missa é a "confecção" da Sagrada Eucaristia e
--- --J\g()ra· -(Jm!- nns---d-i-spomos- a eStudar o sacramento da Sagrada quea comunhão é a sua recepção. Entre uma e outra,o sacra
Eucaristia. vamos pa.;;;sar por uma situação semelhante à do viajante mentonão.
continua a existir (como no sacrário), quer o recebamos,
1
que torna a pen.:orrcr uma região bem conhecida. Encontraremos quer
muita<.; pai ;agcns familiares - neste caso. verdades - já vistas ante Ao tratarmos de aprofundar no conhecimento deste sacramento,
1
riormente. r,..,1as. nestas verdades que vamos recordar, confiamos em nào temos melhor maneira de fazê-lo do que começando por onde
que haveremos de notar fatos de interesse que antes nos passaram Jesus começou; por aquele dia na cidade de Cafarnaum, em que fez
desapercebidos. Podemos também confiar cm descobrir outras pai o mais incrível das promessas: a de dar a sua carnee o seu sangue
sagens - outras verdades - que escaparam totalmente à nossa ob como alimento da nossa alma.
crvação em viagens anteriores por esta região amada e familiar, que
é o tema do maior dos sacramentos, Na véspera, Jesus tinha lançado os alicerces da sua promessa.
Quando dizemos que a Sagrada Eucaristia é o maior dos sacra Sahendo que ia fazer uma tremenda exigência à fé de seus ouvintes,
mentos, afirmamos algo evidente. O Batismo é, sem dúvida, o sa preparou-os para ela. Sentado numa ladeira, do outro lado do mar
li1
1 cramento mais necessário; sem ele. não podemos ir para o céu. No de Ti beríades, tinha pregado a uma grande multidão, queo havia
entanto, apesar das maravilhas que o Batismo e os outros cinco seguido até ali,e agora, já ao cair da tarde, prepara-se para des
sacramentos produzem na alma, não são senão instrumentos de que pedi-los. Mas, movido de compaixão e como preparaçüo para a
1 Deus se serve para nos dar a sua graça: mas na Sagrada Eucaristia sua promessa do dia seguinte, faz o milagre dos pãese dos peixes.
i não temos apenas um instrumento que nos comunica as graças di Alimenta a multidão - só os homens eram cinco mi-l com cinco
I' vinas: é-nns dado o próprio Dador da graça, Jesus Cristo Nosso pãese dois peixes; e depois de todos se terem saciado, seus discí
Sci1hor, real e verdadeiramente presente. pulos recolhem doze cestos de sobras. Esse milagre haveria de estar
O sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo tem tido muitos presente (ou deveria estar) na mente dos queo escutaram no dia
seguinte.
nomes o.o longo da história cristã: Pão dos Anjos, Ceia do Senhor,
Sacrnmcnto do alto.r e outros que nos são bem conhecidos. Mas o Tendo despedido a multidão, subiu monte acima,a fim de orar
noml' fllk' pc"rm:mcceu desde o princípio. o nome que a Igreja dá em solidão, como era seu costume. Mas não era muito fácil sepa
ofiL·ialmcnte a este sacramento é Sae:rada Eucaristia. Provém do Novo rar se daquela multidão. que queria ver mais milagrese ouvir mais
Testamento. Os quatro escritores s grados - Mateus, Marcos, Lucas palavras de sabedoria de Jesus de Nazaré: acamparam por ali para
,e Paulo - que nos narram a última Ceia. dizem-nos que Jesus tomou Passar a noite, e viram os discípulos embarcar (sem Jesus) rnmo
o p w e o vinho em suas mãos e "deu graças". E assim. 'da palavra a Cafarnaum, na única barca que havia. Nessa noite, depois de
terminar a oração, Jesus atravessou andando as águas tormentosas
:260 A EUCARISTIA O \L\JOH DOS SACR.\\IE','TOS 261

do lago e juntou-se aos seus discípulos na barca, e assim chegou vós que- não crêem Desde então. muitos dos seus discípulos se
com eles a Cafarnaum. retiraram e já não o sL"gu1am"
Na manhf-t seguinte. a turha não conseguia encontrar Jesus.
Quando chegaram outras barcas de Tiberíades, desistiram de pro Este breve e.\.lrato Jo capilulo sexto de São Joüo contém os
curá-lo e embarcaram para Cafarnaum. Qual não foi o seu assom dois pontos que mais nos interessam agora: os dois pontos que nos
bro ao encontrarem de novo Jesus. que havia chegado antes de dizem. meses antes da última Ceia, que na Sagrada Eucaristia esta
les. sem ter subido à harca que partira na noite anterior! Foi outro rüo presentes o verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue de Jesus.
portento. outro milagre que Jesus fez para fortalecer a fé daquela l .utcro rejeitou a doutrina da presença verdadeira e substancial de
gente (e de seus discípulos), pois ia pô-la à prova pouco depois. Jesus na Eucaristia. doutrina que havia sido seguida firmemente por
Os discípulos e os que conseguiram entrar aglomeraram-se em todos os cristãos durante mil e quinhentos anos. Lutero aceitava
seu redor na sinagoga de Cafarnaum. Foi ali e então que Jesus fez certa espécie de prcsl'nça de Cristo, ao menos no momento de se
a promessa que hoje nos enche de fortaleza e vida: prometeu a sua rel'cher a comunhão. Mas no terreno aduhado por Lutero brota
carne e o seu sangue como alimento; prometeu a Sagrada Euca ram nutras confissôcs protestantes que foram recusando mais e mais
ristia. a cn:rn;a na presença real. Na maioria das confissôes protestantes
Se tinha poder para multiplicar cinco pães e com eles alimentar de hoje. o "serviço da comunh 10" não passa de um simples rito
cinco mil homens, como não havia de tê-lo para alimentar toda a comemorativo da morte do Senhor; o pào continua a ser pào e o
humanidade com um pfio celestial feito por Ele! Se tinha poder para vinho continua a ser vinho.
andar sobre as águas como se fosse terra firme, como não havia de Em seus esforços por iludir a doutrina da presença real, teó
,,
tê-lo para ordenar aos elementos do pão e do vinho que lhe empres logos protestantes procuraram mitigar as palavras de Jesus, afir
1'
tassem a sua aparência e para utilizá-la como capa para a sua Pes mando que Ele não pretendia que as tomassem no seu sentido literal.
soa! Jesus tinha preparado bem os seus ouvintes e, como veremos, mas apenas espiritual ou simbolicamente. Mas é evidente que não
.1 eles tinham necessidade disso. se podem diluir as palavras de Cristo sem violentar o seu sentido
claro e rotundo. Jesus nào poderia ter sido mais enfático: "A minha
Se você tem um exemplar do Novo Testamento à mão, será carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida".
muito bom que leia inteiro o capítulo sexto do Evangelho de São Não hú forma de dizê-lo com mais clareza. No original grego, que
João. Só assim poderá captar todo o ambiente, as circunstâncias t: a língua em que São Joào escreveu o seu Evangelho, a palavra
e o desenrolar dos acontecimentos na sinagoga de Cafarnaum. Vou do versículo 55 que traduzimos por "comer" estaria mais próxima
citar somente as linhas mais pertinentes. que começam no versículo do seu sentido original se a traduzíssemos por "mastigar" ou "comer
51 e acabam no 67. mastigando".
"Eu sou o pão vivo que desci do céu", disse Jesus. "Quem Tentar explicar as palavras de Jesus como simples modo de
comer deste pão viverá para sempre, e o pão que eu lhe darei é a cxpres:-.ar-se levar-nos-ia a outro beco sem saída. Entre os judeus.
minha carne para salvação do mundo. Discutiam entre si os judeus, que eram aqueles a quem Jesus se dirigia, a umca ocasião cm que
dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua carne? E Jesus a frase "comer a carne de alguém" se utilizava figurativamente era
disse-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a 1x1ra significar ódio a determinada pessoa ou perseguir alguém com
carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis furor. De. modo parecido, "heber o sangue de alguém" queria in
a vida em vós. Aquele que come a minha carne e bebe o meu dicar que c ;se alguém seria castigado com penas severas. Nenhum
sangue tem a vida eterna; e eu ressuscitarei no último dia. Porque dc scs significados - os únicos que os judeus conheciam - se revela
a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue verdadeira be coerente &e os aplicarmos às palavras de Jesus.
bida Este é o pão que desceu do céu; não como o pão que Outra prova de peso. que confirma que Jesus quis verdadei
vossos pais comeram e, não obstante. morreram. Quem come deste ramc.ntc, dizer o que disse - que o seu corpo e o seu sangue es
riio vivt:rá para sempre Muitos dos seus discípulos disseram: li:triam realmente presentes na Eucaristia - está no fato de que
Süo duras estas palavras! Quem as pode ouvir? Conhecendo Jesus alguns dos seus discípulos o abandonaram por terem achadü a
que os seus discípulos murmuravam por isso, disse-lhes: As pa id0ia de comê-lo demasiado repulsiva. Não tiveram fé suficiente
lavras que eu vos disse são espírito e são vida; mas há alguns de para compreender que, se Jesus lhes ia dar a sua carne e o seu
162 A EliCARISTIA
JESUS \!ANTE\! .\ SUA PRO\!ESSA 263

sangue em alimento. o faria de forma a não causar repugnância à As suas palavras não podem ser mais claras. "Isto" quer dizer
natureza humana. Por isso o abandonaram. "e jú não o seguiam". "esta substüncia que tenho em minhas müos e que agora que co
Jesus nunca os teria deixado ir-se embora se a sua deserção meço a falar é püo, e ao krminar nào será já püo, mas o meu próprio
fosse simples resultado de um mal-entendido. Muitas vezes antes corpo". "Este cálice'' quer dizer "este cálice que agora que co
tinha-se dado ao trabalho de esclarecer as suas palavras quando eram me -o a falar cont m vinho, e ao terminar não scrü mais vinho. mas
mal compreendidas. Por exemplo. quando disse a Nicodemos que o meu próprio sangue".
era preciso nascer de novo. e este lhe perguntou como é que um ''Isto é o meu corpo" e "este cálice é o meu sangue''. Os
adulto podia entrar de novo no ventre de sua mãe (Jo 3. 3). Pa Apóstolos tomaram as palavras de Jesus literalmente. Aceitaram
cientemente, Jesus esclareceu-lhe as suas palavras sobre o Batismo. como um fato (e que ato de fé, essa aceitação!) que a substância
Mas agora, em Cafarnaum, Jesus não esboça o menor gesto para que ainda parecia pão era agora o Corpo d Jesus; e que a subs
impedir que os seus discípulos o abandonem nem para lhes dizer que tância que continuava a parecer vinho era agora o Sangue de Cristo.
o haviam entendido mal. Nào pode fazê-lo pela simples razão de que
ü tinham entendido perfeitamente e por isso o deixavam. O que lhes
Esta foi a doutrina que os Apóstolos pregaram à Igreja nas
faltou foi fé, e Jesus, tristemente, tem que resignar-se a vê-los partir. cente. Esta foi a crença universal dos cristãos durante mil anos. No
Tudo isto faz com que a afirmação da doutrina da presença século XI, um herege chamado Berengário pôs em dúvida a verdade
real esteja iniludivelmente contida na promessa de Cristo, porque, se da presern.;a real, e ensinava que Jesus falou apenas cm sentido
não fosse assim. as suas palavras não teriam sentido. e Jesus não fjgurado e, assim, o pão e o vinho consagrados não eram realmente
falava por enigmas indecifráveis. seu corpo e seu sangue. A heresia de Berengário foi condenada
por três concílios, e Berengário retratou-se do seu erro e voltou ao
redil. A doutrina da presença real permaneceu indiscutida por ou
JESUS MANTÉM A SUA PROMESSA tios quinhentos anos.
No século XVI. chegaram Lutero e a reforma protestante. O
Na sinagoga de Cafarnaurn, quase um ano antes da sua morte,
próprio Lutero não negou inteiramente a' prcs.ença real de Jesus na
Jesus prometeu dar o seu próprio corpo e o seu próprio sangue Eucaristia. Admitia que as palavras de Jesus eram demasiado ter
como alimento de salvação dos homens. Na última Ceia, na vés minantes para que fosse possível explicá-las de outro modo. Mas
pera da sua crucifixão, cumpriti a sua promessa. Legou à Igreja e Lutero queria abolir a Missa, bem como a adoração de Jesus pre
a cada um de seus membros, não terras, casas ou dinheiro, mas um sente no a;tar. Por isso, tratou de resolver o seu dilema ensinando
legado como só Deus nos podia dar: o dom da sua própria Pes que, embora o pão continuasse a ser pão e o vinho, vinho, Jesus
soa viva. se faz presente juntamente com as substâncias do pão e do vinho;
No Novo Testamento, há quatro relatos da instituição da Euca mas sustentava que Jesus está presente apenas no momento em que
ristia. SflO os de Mateus (26, 26-28), Marcos (14, 22-24), Lucas se recebe o pão e o vinho; não antes nem depois.
(22, 19-20) e Paulo (I Cor 11, 23, 29). Sào João, que é quem nos Outros reformadores protestantes foram mais longe que Lutero
conta a promessa da Eucaristia, não se preocupou de répetir a his e acabaram por negar completamente a presença real. Tanto eles
tória da instituição deste sacramento. Foi o último Apóstolo a como os teólogos protestantes que lhes sucederam sustentam que,
escrever um Evangelho, e conhecia os outros relatos. Em seu lugar, quando Jesus disse: "Isto é o meu corpo" e "Isto é o meu sangue",
decide transmitir-nos as belíssimas palavras finais de Jesus aos seus lançou mão de um recurso de linguagem. e que o que queria dizer
discípulos na última Ceia. era: "Isto representa o meu corpo" ou "Isto é um símholo do meu
Eis aqui o relato da instituição da Sagrada Eucaristia segundo sangue". Na sua tentativa de alterar as palavras de Cristo, tiveram
nos conta São Paulo: "O Senhor Jesus, na noite em que foi entre que valer-se de todo tipo de interpretações inverossímeis, mas deixa ram
gue. tomou o pão e. depois de dar graças, partiu-o e disse: Isto é sem resposta as razões realmente sólidas que provam que Jesus disse o
o meu corpo. que é dado por vós: fazei isto em minha memória. que queria dizer e que quis dizer o que disse.
Do mesmo modo. depois de ter ceado, tomou o cálice, dizendo:
Este é o cúlice da Nova Aliança no meu sangue: fazei isto em A primeira delas Tcside na solenidade da ocasião: a noite ante
minha mem('lria todas as vezes que o beberdes". rior à sua morte. Nela, Jesus faz o seu testamento, deixa-nos a sua
A ECCARISTIA JESl'S IANT!l\l A SUA PRO\!ESS.-1 2ti,S
264

última vontade. Um testamento não é lugar apropriado para empre venidos contra o fermento dos fariseus e dos saduceus. Eles pensam
gar uma linguagem figurativa; mesmo sob circunstâncias as mais que lhes está falando de pão real, e cochicham entre si que não têm
favoráveis, os tabeliães têm, às vezes, dificuldade em interpretar as püo. Pacientemente, Jesus esclarece-lhes que está falando dos ensi
intenções do testador, quanto mais se este emprega uma lingua namentos dos fariseus e saduceus, não do pão que se come. Em
gem simbólica. outras ocasiões, quando Jesus se serve de metáforas. o próprio es
Mais ainda: sendo Deus, Jesus sabia que, em consequência das critor sagrado nos esclarece o respectivo significado, como naquela
palavras que ia pronunciar naquela noite, milhões e milhões de pes ocasião em que Jesus disse: "Destruí este templo, e eu o reedifica
soas lhe prestariam culto sob a aparência de pão. Se não tivesse rei em três dias", e João explica imediatamente que Ele se referia
querido estar realmente sob essas aparências, os adoradores presta ao templo do seu corpo (2, 19-21 ). Encontramos incidentes pare
riam culto a um simples pedaço de pão e incorreriam no pecado de cidos em grande abundância nos Evangelhos, e. no entanto, querEm a!!
idolatria, e isto, certamente, não é coisa a que o próprio Deus qui Ora fazer-nos crer que, no momento solene da última Ceia. Jesus uÍilizou
sesse induzir-nos, preparando o cenãrio e utilizando obscuros modos moq'.os de dizer novos e estranhos, sem se dar ao trabalho de
explicar qual era o seu significado.
de falar.
Que os Apóstolos tomaram literalmente as palavras de Jesus, é Porque seio modos de dizer novos e estranhos. Nem o pão é
evidente, pois se baseia no fato de os cristãos terem crido desde os um símbolo natural do corpo humano, nem o vinho um símbolo
primórdios na presença real de Jesus na Eucaristia. De ninguém natural do sangue. Se alguém cortasse uma fatia de pão e a ofere
mais, além dos Apóstolos, poderiam ter obtido tal crença. E quem cesse a outro comensal, dizendo-lhe: "Isto é o meu corpo", este
melhor do que estes nos poderia dizer o que Cristo quis dizer? Os pensaria logo que estava diante de um gozador ou de um louco
i Apóstolos estavam lá; podiam ter perguntado a Jesus -
mente o fizeram -
e certa
todas as questões que lhes ocorressem sobreo
varrido. E é blasfemo tratar de aplicar a Jesus qualquer das duas
alternativas.
significado das palavras que acabavam de ouvir. Às vezes, tendemos Como recurso literário, só é válido lançar mão de um modo
11 a esquecer que os Evangelhos registram apenas uma pequena parte de dizer quando o seu significado é claro. Esta clareza pode resul
do que se passou entre Jesus e os Apóstolos. Compilar três anos de tar da natureza da afirmação, como quando mostro urna fotografia
diálogo, de perguntas e respostas, de ensinamentos, requereria um e digo: "É a minha mãe", ou aponto um menino irrequieto e digo:
bom montão de livros. "E uma máquina de movimento contínuo", ou digo de um cavalo
Quando, na noite da Quinta-Feira Santa, Jesus pronunciou as veloz: "É um raio"; ou quando me ponho a explicar o sentido da
palavras: "Isto é o meu corpo" sobre o pão, e "Isto é o meu san metáfora; por exemplo, quando coloco uns fósforos sobre a mesa
gue" sobre o vinho, os Apóstolos tomaram essas palavras ao pé da e digo: "Esta é a minha casa, e aqui está a sala de jantar". Mas,
letra, coisa que a sua conduta posterior nos prova claramente. Se nem pela natureza da afirmação, nem por explicações dadas, as pa lavras
Jesus lançou mão de uma metáfora, se o que na realidade quis dizer "Isto é o meu corpo" fazem sentido corno metáfora.
era: "Este pão é como que um símbolo do meu corpo e este vinho A idéia de que Jesus teria falado em metáforas na última Ceia
significa o meu sangue; portanto, cada vez que os meus seguidores torna-se ainda mais incrível se tivermos em conta que se dirigia a
se reunirem e participarem de um pão e um vinho como estes, hon homens que, na sua maioria, eram uns pobres e incultos pescadores.
rar-me-ão e representarão a minha morte"; se foi isto o que Jesus Não tinham sido educados nas subtilezas da retórica. Mais ainda,
'
1
antes de o Espírito Santo ter descido sobre eles, assombram-nos pelo
'' quis dizer, então todos os Apóstolos o entenderam mal. E, através
da sua interpretação errônea, toda a cristandade, durante muitos seu lento entendimento das coisas. Ternos um exemplo na passa
séculos, esteve adorando um pedaço de pão como se fosse Deus. gem da ressurreição de Lázaro. Lemos em São João (11, 11-l 4)
É totalmente insensato pensar que Jesus pudesse permitir que que, quando Jesus disse: "O nosso amigo Lázaro dorme, mas eu
os seus discípulos caíssem num erro tão grave. Em outras ocasiões, v_ou despertá-lo", os discípulos replicam: "Senhor, se Lázaro dorme,
em muitíssimas outras ocasiões, e tratando-se de matérias muito me nos ficará bom''. Então Jesus disse-lhes claramente: "Lázaro morreu".
importantes que esta, Jesus corrige os seus Apóstolos quando o Eram mentalidades difíceis para lhes falar em metáforas!
interpretam mal. Para citar um só exemplo, no Evangelho de São . Outra indicação de que Jesus não falava em metáforas ao insti
Mateus (16, 6-12). Jesus diz aos seus Apóstolos que estejam pre- tuir a Eucaristia, achamo-la nas palavras com que São Paulo con-
A EL'CARISTIA
266 267
JA AO I': PAO
\ Por "aparências" de pão e de vinho entendemos todas as formas
externas e acidentais que de um modo ou de outro podem ser perce
clui o seu relato da última Ceia (l Cor. l l, 27-30): '·Portanto, quem bidas pelos sentidos da vista, do tato, do paladar, do ouvido e do
comer este pão e beber o cálice do Senhor indignamente, será réu olfato. A Sagrada Eucaristia ainda parece pão e vinho, ainda sabe
do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a e cheira a pão e vinho, ainda é sensível ao tato como pão e
si mesmo, e então coma do pão e beba do cálice; pois aquele que vinho, e, se a partíssemos ou derramássemos, soariam a pão e
o come e bebe indignamente, come e bebe a sua própria condena vinho. Inclusive se a submetêssemos a um exame microscópico.
ção, não discernindo o corpo do Senhor". É duro dizer que um eletrônico ou radiológico, só poderíamos perceber nela as qualidades
homem se torna réu do Corpo e do Sangue do Senhor, que come do pão e do vinho. Com efeito, a observação humana só pode
e bebe a sua própria condenação. se o pão não é mais do que pão, obter a aparência externa de qualquer coisa. A sua configuração,
mesmo que seja pão bento, e o vinho não é senão vinho, mesmo
a sua reação a determinadas circunstâncias, as leis físicas a que
que seja um vinho sobre o qual se pronunciaram umas orações.
parece obedecer, são as únicas questões que a ciência pode investi
Nós, certamente, não necessitamos de provas como as que aqui gar. Mas a substância de uma coisa, o que lhe está subjacente, a
se esquematizaram para crer na presença real de Jesus Cristo na substância como substância, está fora do alcance dos sentidos e dos
Sagrada Eucaristia. Cremos nessa verdade não por provas racionais, instrumentos humanos.
mas, primordialmente, porque a Igreja de Cristo, que não pode errar Hoje em dia, a ciência da física nuclear teoriza que toda ma
em matérias Lk f e moral, assim no-lo diz. Mas sempre é útil téria é uma forma de energia; que toda matéria se compõe de par
conhecer as c.faiculdades com que tropeçam os que procuram inter tículas em movimento, carregadas eletricamente. A diferença entre
pretações pessoais nas palavras de Nosso Senhor. um pedaço de madeira e um pedaço de ferro é simplesmente a dife rença
Nós preferimos seguir a regra da sensatez que diz que, para entre o número, a velocidade e a direção das partículas car regadas
eletricamente que compõem os dois materiais. Mas se o físico
0

1, conhecer o significado de uma coisa que se disse, não há melhor


1 caminho do que perguntar a quem a ouviu ou que estava lá. Os consegue fotografar com uma câmara eletrônica algumas dessas
Apó tolos estavam lá; os primeiros cristãos, os que escutaram a pre partículas, ainda continua manejando aparências. A substância como
gação dos Apóstolos, em certo sentido, estavam lá. Mesmo nós, que substância, aquilo que faz uma coisa ser o que é e não outra coisa,
herdamos uma tradição ininterrupta, em certo sentido, estávamos lá. continua a estar fora do alcance dos cientistas.
Independentemente de ser um dogma definido pela Igreja, preferi Todo este tema da relação da "substância" (o que uma coisa é)
com os "acidentes" (as qualidades perceptíveis de uma coisa) é uma
mos crer nos ensinamentos dos Apóstolos e na crença unânime dos
questão filosófica, e não podemos estender-nos aqui na sua análise.
cristãos durante mil e quinhentos anos, em vez de prestar ouvidos
Basta-nos saber, como sabemos, que, pelas palavras da consagração,
aos ensinamentos desencontrados dos reformadores protestantes.
a substância do corpo de Cristo substitui a substância do pão, e que
Homens como Lutero, Carlstadt, Zuinglio ou Calvino exigem dema
a substância do sangue de Cristo substitui a substância do vinho.
siado quando nos pedem para crer que durante quinze séculos os
ao mi:smo tempo que permanecem as aparências do pão e do vinho.
cristãos permaneceram no erro e que, de repente, eles, os reformado
res protestantes, encontraram a resposta certa. Evidentemente, é um milagre; um milagre contínuo, realizado
centenas de milhares de vezes por dia pelo poder infinito de Deus.
JA NÃO É PÃO A bem dizer, é um duplo milagre: é o milagre da transformação do
pão e do vinho em Jesus Cristo; e o milagre adicional pelo qual
Que aconteceu exatamente quando Jesus disse na última Ceia
1
1
Deus mantém as aparências do pão e do vinho, ainda que a subs
(e os sacerdotes esta manhã na Missa): "Isto é o meu corpo" sobre tância subjacente tenha desaparecido, como se o rosto de uma pessoa
1 o pão, e "Este é o cálice do meu sangue" sobre o vinho? Cremos permanecesse num espelho depois de esta se ter retirado.
que a substância do pão deixou de existir completa e totalmente,e A mudança operada pelas palavras da consagração é de um tipo
que a substância do próprio Corpo de Cristo substituiu a substância especial, e a Igreja teve de cunhar um termo especial para a desig
do pão, que ficou aniquilada. Cremos também que Jesus, pelo seu nar: transubstanciação, que, literalmente, significa a passagem de uma
poder onipotente como Deus, preservou as aparências do pãoe do substância para outra; neste caso, uma ,;;,ingular espécie de mudança.
vinho, apesar do fato de as respectivas substâncias terem desapa
recido.
2fl8 :\ ElTCARISTI A.
1 \ '\ \O E PAO 269
Na vida ordinária, estamos acostumados a muitas espécies de
mudarn;as. Às vezes. são mudanças apenas aparentes. como quando C por isso que os panos de altar têm que ser lavados com a
a água gela e se torna sólida. ou um pedaço de barro é modelado r.i:·rxima rn·erência. porque poderia haver aderida a eles uma par liL'lila
e si: torna um vaso. Vemos também mudanças que afetam tanto a das Sagradas Esp cics. Estes panos de altar compreendem o
substância como os acidentes. como quando o vinho se transforma ,._tirpor<-il. sobre o qual se coloca a patena com a hóstia e o cálice
em vinagre. ou o carvão sob pressão se torna um diamante. Tem l·,rn:,;agrados durante a Missa; a pala. o pano quadrado que cobre o
havido mudanças milagrosas deste gênero. como a que Jesus operou (1 (._'{dice durante a Missa; e o sanguíneo. o pano com que o sacer
em Caná. mudando a água em vinho. dnte enxuga os lábios depois de consumir o precioso Sangue e seca
No entanto, em lugar nenhum da ordem natural e. pelo que ns dedos e o cálice depois de lavar o cálice com vinho e água, ou só
conhecemos. também na ordem sobrenatural, se produzem mudan .._-nm ,gua. Jesus, evidentemente. nfto deixa o seu lugar no céu, "à
ças semelhantes à que se opera no pão e no vinho pelas palavras direita do Pai", para se tornar presente na Sagrada Eucaristia. Per
da consagração: uma mudança de substância sem mudança de apa manece no céu e está no altar. Quem se faz presente sob as aparên
rências. Por essa razão, a palavra "transuhstanciaçfto" se aplica exclu L'Ías do p;)o e do vinho é o corpo xlorificado de Jesus, o seu corpo
sivamente a esse milagre quotidiano. tal como está no céu.

Ainda que, pelas palavras da consagração o corpo de Jesus se Na Sagrada Eucaristia, Jesus está presente tal como é 110 tempo
torne presente sob as aparências do pão, e o seu sangue sob as dessa presença. Na última Ceia, por exemplo, foi o corpo "passível"
aparências do vinho. sabemos que a Pessoa de Jesus, ressuscitado de Jesus (quer dizer. ainda mortal) que se tornou presente quando
dentre os mortos, não pode ser dividida. Onde está o seu corpo, rronunciou as palavras da consagração, pois ainda não tinha morrido.
deve estar também o seu sangue; e onde estão o seu corpo e o seu Se os Apóstolos tivessem celebrado Missa naquelas horas em que
sangue, devem estar também a sua alma e a sua natureza divina, .lcsus permaneceu no sepulcro, o que se teria tornado presente seria
a que estão unidos o seu corpo e o seu sangue. Do mesmo modo, o seu corpo morto; sob as aparências do pão teria estado o seu
onde está o sangue de Jesus, deve estar Jesus inteiro. Em consequên cia, corpo sem o sangue, e sob as aparências do vinho, o seu sangue
pelas palavras "Isto é o meu corpo", torna-se presente não só o sem o corpo, pois este estava empapando o solo do Calvário.
corpo de Jesus, como também - pelo que os teólogos chamam Teria estado presente também a sua natureza divina, visto que corpo
"concomitância", quer dizer, por força da sua unidade de Pessoa - e sangue estão inseparavelmente unidos ao Filho; mas teria estado
o seu sangue, alma e divindade. O mesmo ocorre na consagração ausente a alma, que se achava no limbo.
do vinho.
É por esta razão que não é necessário receber a Comunhão sob A presença de Jes s na Eucaristia - sob dimensões tão pe
as duas espécies de pão e vinho, embora se possa fazê•lo nos casos quenas e em tantos lugares ao mesmo tempo - parece suscitar duas
previstos pelas normas litúrgicas. Se a recebemos sob qualquer das ;iparcntes dificuldades: Como pode um corpo humano estar pre
duas. seja pão, seja vinho, recebemos Jesus todo, completo e inteiro. l'lltc num espaço tüo pequeno? Como pode um corpo humano estar
cm vários lugares ao mesmo tempo? Estas dificuldades. é claro, são
Jesus Cristo. todo e inteiro, está presente na Sagrada Eucaristia apenas aparentes. Deus assim o fez; portanto. pode ser feito. De
sob as aparências do pão e do vinho. Está presente simultanea \'l>se recordar que Deus é o autor da natureza, o amo e o senhor
mente em cada uma das hóstias consagradas de cada altar de todo da C'riac;ào. As leis físicas do universo foram estabelecidas por Deus,
o mundo e em cada cálice consagrado onde quer que se celebre a e Ele pode suspender a sua ação se assim o quiser, sem que o seu
Santa Missa. Mais ainda, Jesus todo e inteiro está presente em cada poder infinito tenha que fazer nenhum esforço.
partícula consagrada e em cada gota de vinho consagrado. Se a É verdade que. segundo a experiência humana. um corpo deve
sagrada hóstia se divide - como o sacerdote faz durante a Missa -, ter determinada ''extensão". isto é, deve ocupar determinado espaço.
Jesus está totalmente presente em cada uma das partes. Se caísse Segundo a nossa experiência, um corpo deve estar num só lugar de
ao chão uma partícula da hóstia consagrada ou se derramasse uma L'<-lda vez. A multilocação (estar em vários lugares ao mesmo tem rn)
gota do cálice. Jesus estaria presente todo e inteiro nessa partícula é algo desconhecido para nós. Pode·se. pois. afirmar que um l"()rpo
e nessa gota. sem extensão no espaço. ou que ocupe vários lugares ao mes mo
tempo, é um impossível físico; isto é, impossível para as leis fí-
270 A EUCARISTIA
o NO, O \'ll\HO E O SACERDOTE
271
sicas. Mas estes fenômenos não são impossíveis metafísicamente;
quer dizer, não há contradição inerente na idéia de um corpo sem ex cks se fossem embora. E estes, por sua vez, confeririam esse
tensão ou na idéia da multilocação. Uma contradição inerente os poder sacerdotal a outros. E assim, de geração em geração, durante
tornaria absolutamente impossíveis: estaria neste caso, por exemplo, quase dois mil anos, o poder do sacerdócio se foi transmitindo por
a idéia de um círculo quadrado, que é uma contradição nos seus meio do sacramento da Ordem Sagrada. De bispo em bispo, che
eou até os sacerdotes de hoje.
próprios termos.
Talvez isto nos arraste excessivamente para o campo da filosofia. ~ A ação litúrgica pela qual se transforma o pão e o vinho no
:Mas os pontos que nos interessa deixar claro são: primeiro, que corpo e no sangue do Senhor é a Santa Missa. A palavra 'Missa"
Jesus não está presente na Eucaristia em miniatura. Está ali na deriva do latim "missa", que significa "despedida". Por força de
plenitude da sua Pessoa glorificada, de uma maneira espiritualizada, um costume da primitiva cristandade, este vocábulo passou a sero
sem extensão nem espaço. Não tem altura, largura ou espessura. nome da ação pela qual Jesus se torna presente na Eucaristia. A
O segundo ponto é que Jesus não se multiplica: não passa a exceção dos batizados, ninguém estava autorizado a assistir ao sacri
haver muitos Jesuses; também não se divide entre as diferentes hós fício eucarístico. Os futuros conversos (chamados catecúmenos) ti
tias. Há um só Jesus, completo e indiviso. A sua multilocação nham que deixar o recinto ao terminar a leitura do Evangelhoe o
não é resultado de multiplicações ou divisões, mas da suspensão da sermüo. Tanto a estes após o sermão, como ao resto da assem
lei no espaço relativamente ao s.eu sagrado corpo. É como se esti hléia ao terminar a ação sagrada, o sacerdote dirigia a advertência
vesse num lugar, e todas as partes do espaço fossem atraídas para oficial: HJde, é a despedida", em latim "Ite missa est". Pelo uso,
Ele. É fácil ver a razão pela qual a Eucaristia é chamada - e é - a palavra "missa" chegou a designar o sacrifício eucarístico completo.
o sacramento da unidade. Quando comungamos - nós e os nossos
companheiros de comunhão do mundo inteiro -, estamos onde Ele Teremos ocasião de estudar mais adiante a Missa como sacri
está. O espaço se dissolveu para nós, e todos juntos somos um fício. Aqui queremos apenas indicar que é nela que o pão eo vinho
cm Cristo. são transformados no corpo e no sangue de Cristo, mudança que
Quanto tempo permanece Jesus na Sagrada Eucaristia? O tem tem lugar quando o sacerdote, fazendo-se instrumento livree volun
po que permanecem as espécies do pão e do vinho. Se um fogo tário de Cristo, pronuncia sobre as espécies as palavras do Senhor
repentino destruísse as hóstias consagradas do sacrário, Jesus não se '·Isto é o meu Corpo" e "Este é o cálice do meu Sangue". De pé
no altar, como representante visível de Jesus, o sacerdote humano
queimaria. As aparências do pão e dn vinho se transformariam em
"aciona" o poder infinito de Cristo, e Cristo, pela força do Espírito
cinzas, mas Jesus já não estaria lá. Quando, depois de comungar
mos, o nosso processo digestivo destrói as aparências do pão, Jesus Santo, no mesmo instante se torna presente sob as aparências do
pão e do vinho.
já não permanece corporalmente cm nós; só fica a sua graça.
Nessas palavras - que são chamadas palavras da consagração
- estáa essência da Missa, e só elas, e não as demais orações
O PÃO, O VINHO E O SACERDOTE e cerimônias (à exceção da comunhão do sacerdote, que completa
a Missa), siio a Missa. Isto requer, naturalmente, que o sacerdote
Na última Ceia, Jesus transformou o pão e o vinho no seu pró tenhaa intenção de consagrar o pão e o vinho. Se, por exemplo.
prio corpo e sangue. Ao mesmo tempo, mandou os seus Apóstolos almoçandoa uma mesa em que houvesse pão e vinho, um sacerdote
repetirem a mesma ação sagrada no futuro. "Fazei isto em minha se pusessea narrar a última Ceia aos demais comensais, e ao fazê-lo
memória", foi o encargo solene que lhes deu. Evidentemente, Jesus pronunciasse as palavras da consagração, é evidente que não haveria
não manda coisas impossíveis e, portanto, juntamente <..:om esse man consagração, porque o sacerdote não teria essa intenção.
dato conferiu-lhes o poder necessário para transformarem o pão e o . Sóo pão feito de trigo se pode converter no corpo de Cristo,
visto Jesus ter utilizado pão de trigo na última Ceia. Se as palavras
vinho no seu corpo e sangue. Com as palavras "Fazei isto em mi
d.a consagração fossem pronunciadas sobre pão feito de outra espé
nha memória", Jesus converteu os seus Apóstolos em sacerdotes.
O poder de transformar o pão e o vinho no corpo e no sangue cie de grão, como aveia. centeio ou milho, por exemplo, não haveria
transubstanciação.
do Salvador foi transmitido pelos Apóstolos aos homens que deve
riam perpetuar o seu trabalho e partilhar da sua missão quando Qualquer pão de farinha de trigo serve. No entanto.a Igreja
de rito 1atino requer que só se utilize pão ázimo, quer dizer, sem
._,-,,._., O PÃO, O V)NHO E O SACERDOTE
A EUCARISTIA ,273

fermento. Esta antiquíssima lei da Igreja de rito latino baseia-se


ram universais: a festa e procissão do Corpus Christi, a expos1çao
cm que. com toda a probabilidade, Jesus utilizou pão ázimo. visto e b0rn;ão com o Santíssimo Sacramento' e a devoção das Quarenta
ter celebrado a última Ceia "no primeiro dia dos ázimos". um pe Horas.
ríodo de sete dias em que os judeus só comiam pão sem fermento.
Não obstante, a Igreja Católica de rito grego, como a maioria A festa do Corpus Christi, do Corpo de Cristo, originou-se na
diocese de Licge, na Bélgica, no ano de 1246, e dezoito anos mais
das igrejas orientais. usa pão com fermento para a Missa. e é tão
tarde o Papa Urbano IV estendeu-a a toda a Igreja. O Corpus
Missa como a nossa. Mas. quer tenha fermento quer não, o pão
C'hristi é celebrado sempre na quinta-feira seguinte ao domingo da
deve ser de trigo. Santíssima Trindade. Parte da celebração consiste na procissão do
Como Jesus utilizou vinho de uva na última Ceia, só se deve Corpus, que pode ser nesse dia ou no domingo seguinte, se houver
usar vinho de uva para a Missa. Se as palavras da consagração se razôes para isso. Nessa procissão, a Sagrada Eucaristia é levada na
pronunciassem sobre vinho feito de outra fruta (como vinho de ce chamada custódia ou ostensório, que significa literalmente caixa para
rejas ou de ameixas), não produziriam efeito. O corpo e o sangue mostrar. O ostensório é uma caixa circular de ouro, prata ou metal,
do Senhor não se fariam presentes. Só o sumo puro fennentado montada sobre um suporte. Nas procissões e nas bênçãos solenes,
de uva pode ser utilizado na Missa. a lúpula que contém a Sagrada Hóstia é inserida no ostensório,
para que todos os participantes a possam ver.
Uma vez que o pão e o vinho se tenham transformado no corpo
O rito eucarístico a que chamamos bênção com o Santíssimo
e no sangue de Cristo, o nosso Salvador permanece presente en
Sacramento foi introduzido gradualmente a partir da instituição da
quanto as aparências do pão e do vinho se conservarem intactas.
1 Por outras palavras, Jesus está presente na Sagrada Eucaristia não festa do Corpus Christi. Tornou-se costume expor o Santíssimo Sa
1' cramento para adoração dos fiéis, e logo houve um desenvolvimento
somente durante a Missa, mas enquanto as hóstias consagradas na
adicional desse costume, concluindo-se o ato com a bênção dos assis
Missa continuarem mantendo as aparências de pão. Isto quer dizer
tentes, que o sacerdote dá com o Santíssimo. O rito da bênção,
que devemos à Eucaristia a adoração que se deve a Deus, já que
tal como hoje o conhecemos, remonta ao século XIV. Consiste num
a Sagrada Eucaristia contém o próprio Filho de Deus. Adoramos
breve período de exposição e adoração, em que se medita a Sagrada
a Eucaristia com culto de latria, que é o culto reservado exclusiva Escritura, se cantam hinos, se dizem orações, se adora e reza em
mente a Deus. silêncio, terminando com a bênção que o sacerdote dá com o Os
Na Igreja primitiva, a adoração a Jesus sacramentado se prati tensório ou o cibório. É a bênção do próprio Jesus na Sagrada
cava apenas dentro da Missa. A devoção ao Santíssimo Sacramento Eucaristia.
fora dela - tão familiar nos nossos dias - desenvolveu-se lenta e
A devoção das Quarenta Horas foi iniciada em Milão, no século
gradualmente. Parece que os cristãos demoraram bastante tempo a
XVI. Originalmente, consistia em 40 horas ininterruptas de ádora
aperceber-se. plenamente do tesouro que tinham na Eucaristia. Só
ção ao Santíssimo Sacramento exposto, em comemoração das 40
no século XII é que nasceu o costume de reservar a Sagrada Euca
horas em que o corpo de Jesus permaneceu no sepulcro. O
ristia para a adoração dos cristãos fora da Missa. A partir daí, a
hispn. se o julgar oportuno, pode fixar a cada paróquia e comu
devoção ao Santíssimo Sacramento desenvolveu-se rapidamente. nidade religiosa certas datas para que cada semana, em algum
Hoje, em cada igreja católica, há um tabernáculo, um sacrário. lugar da diocese (a não ser que esta seja muito pequena), a devoção
Esse tabernáculo (do latim "tabernaculum", que significa "tenda") das Quarenta Horas se mantenha, e assim se ofereça a Jesus sacra
é uma caixa coberta com um véu, que se identifica por uma luz mentado uma adoração perpétua. Esta devoção costuma começar
que arde na lamparina do sacrário. Dentro dela, Jesus está presente,
como canto das Ladainhas dos santos e terminar com a procissão
tanto na hóstia grande que se usa na bênção solene, e que se guarda do Santíssimo Sacramento.
numa caixa de metal, como nas hóstias pequenas, guardadas numa
copa revestida de ouro - o cibório -, que é utilizada para dis
tribuir a comunhão aos fiéis.

A partir do momento em que se começou a estender a devoção


à Sagrada Eucaristia fora da Missa, três práticas devotas se toma-
CCfüEÇA.\!OS A !ISSA
275
CA ÍTULO XXVII
rem a comungar fora da Missa, devemos ver a nossa comunhão a
essa luz.
A MISSA Bem, sea Missa não é simplesmente a cerimônia preparatória
da comunhão, que é a Missa?
Antes de mais nada, é um memorial de Nosso Senhor. "Fazei
isto em minha memória", disse Jesus ao ordenar sacerdotes os seus
Apóstolos. É inerente o coração humano o desejo de conservar
vivaa lembrança das pessoas a quem se amou ou se admirou. Quer
se trate de um retrato desbotado de nossos falecidos pais, ou de um
monumento a um herói nacional, o mundo está semeado de memo
riais. Nosso Senhor Jesus, que tanto nos ama e que tanto deseja
0
nosso amor, deixou-nos um memorial de Si mesmo como só Deus
o podia conceber. Não é um quadro, um monumento, uma estátua;
é a presença viva de Si mesmo, que vem diariamente a nós na Missa.
COMEÇAMOS A MISSA Na Missa, temos o próprio Corpo e o próprio Sangue de Jesus
imolado na Cruz. Nela, Jesus continua através do tempoo ofere
No capitulo anterior, estudamos a Sagrada Eucaristia como sa cimento de Si no Caivári9. aplicando à nossa alma os méritos que
cramento, o sacramento pelo qual Jesus Cristo nutre a nossa alma nos ganhou no Gólgota. Não é apenas a sua morte que· recorda
com a sua própria carne e sangue. Nesse estudo, referimo-nos ligei mos na Missa, mas também a sua ressurreição, pela qual Jesus nos
ramente à Missa, mencionando apenas que é a ação sagrada pela arrebatou das garras da morte_, de uma vez para sempre;e também
qual Jesus se torna presente sob as aparências do pão e do vinho. a sua Ascensão aos céus, à glória para a qual nos predestinou, e
De passagem, vimos que o nome que os primeiros cristãos davam que partilhará conosco, se nós o quisermos.
à Missa era "ação de graças" ou também "fraçào do pão", expres
sões tomadas da narração da última Ceia, em que se nos diz que Além de ser uma recordação de Nosso Senhor,a Missa é um
Jesus, tendo tomado o pão, "deu graças, partiu-o e deu-o, dizendo: hanquetc sagrado. À sua mesa, Jesus alimenta-nos como seu pró
Isto é o meu corpo, fazei isto em minha memória" (Lc 22, 19). prio corpoe sangue. Já examinamos com certo vagar este aspecto
É o momento de considerarmos a Missa com mais detalhe. da Sagrada Eucaristia, mas pode ter interesse histórico verificar como
Seria um grande erro pensar que a Missa não passa de um instru o primeiros cristãos seguiam o exemplo de Jesus ao inserirem a
mento necessário para podermos receber a Sagrada Comunhão. A l\ celebração da Eucaristia -numa ceia.
1issa é mais, muito mais do que isso. É verdade que é na Missa Era um tipo especial de ceia, um "ágape", palavra grega que
que o pão se transforma no corpo de Cristo, mas deveríamos vê-la significa "festa da amizade". A comunidade cristã reunia-se na casa
como um grande todo, do qual a nossa união com Jesus na comu de algum de seus membros, pois, naturalmente, ainda não havia
nhão é uma parte maravilhosa. templos. Cada um trazia a sua própria comida e bebida, de acordo
Mesmo quando recebemos a Sagrada Comunhão fora da Missa, com as suas posses; uns muita, outros pouca ou nenhuma. A co
deveríamos considerar essa comunhão como um prolongamento até mida era repartida entre todos, como manifestação de amor mútuo.
nós da Missa cm que foi consagrada a hóstia que agora recebemos. o. fim da ceia, quem presidia, isto é, o bispo, celebravaa Euca
Nos alvores da Igreja (quaudo as comunidades de fiéis eram muito nstia, segundo o exemplo de Cristo.
pequenas), era costume o sacerdote, logo após a Missa, levar a Sa grada • Mas começaram a introduzir-se abusos nesse costume. Alguns
Comunhão aos que não tivessem podido estar presentes. A esses cns os ricos começaram a comer a sua própria comida, sem re
irmãos ausentes, a Sagrada Comunhão levava a graça sacra· mental, parti-Ia com os irmãos mais pobres, e alguns chegaram a beber em
mas estabelecia também um laço de união com Cristo na Missa que exc_esso. Por esses abusos, São Paulo repreende os coríntios na pri '_lle1ra
havia sido oferecida. e com os irmãos que tinham co· mido do carta que lhes dirige (11, 20-22): "E quando vos reunis, não e para
mesmo santo Pão. Quando as circunstâncias nos obriga- comera ceia do Senhor, porque cada um se antecipaa tomar a sua
própria refeição, e, enquanto uns passam fome, outros estão
-;-(; A MISSA
CO IEÇA IOS A MISSA 277
lli'i hrios. Porventura nf!o lcndes casas para comer e beber? Ou em
:
t,1o pouco tendes a igreja de Deus. e assim envergonhais os neces a época patricarcal -. o povo de Deus tendia a vi er em tribos
11 sitados? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto não vos louvo". unidas por laços de sangue e governadas por um patnarca, que era
Por causa destes abusos. a "fração do pão" cedo se desligou 0 progenitor mais velho ainda vivo, de. quem de cendiam os mem:
da ceia chamada ''ágape", passando a celebrar-se de manhã, en bros da tribo. Noé, por exemplo, fm um patriarca, como o fm
quanto o ágape se tomava ao anoitecer. Na metade do século II, Abraão. O patriarca em também o sacerdote da família (ou tribo)
ficou fixado o costume de comungar em jejum. e duzentos anos depois e presidia a oferenda dos sacrifícios a Deus.
o costume do ágape tinha cessado por completo. No entanto, a Quando Di:us suscitou Moisés para conduzir o seu povo do
li fto que o ágape nos dJ - a necessidade de praticar a caridade Egito até à Terra Prometida. introduziu algumas mudanças: especi ficou
li
como preparação contínua para a comunhão - jamais deve ser detalhadamente que sacrifícios lhe deviam ser oferecidos daí por
esquecida. diante; e, ao mesmo tempo, constituiu um sacerdócio oficial e
hereditário. A partir desse momento, seria Aarão (o irmão de Moi
A Missa é um memorial do Senhor Jesus. É um memorial per sés) e seus descendentes varões quem ofereceria os sacrifícios por
fcito, em que a sua Presença viva nos mantém vividamente cons toda a nação judaica, e assim continuaria a ser até que se iniciasse,
ckntes dEle. É tamhém um banquete divino, cm que Deus provê com a vinda de Cristo, o período final da história religiosa. Este
a mesa com o seu próprio corpo e o seu próprio sangue. Mas é período, que vai de Moisés até o advento do Messias, chama-se
mais do que um memorial e mais do que um banquete. É sobre idade mosaica.
tudo um sacrifício. Com a vinda de Cristo, começou uma nova era, a era cristã,
Com o transcorrer dos séculos, a palavra "sacrifício" perdeu cm que vivemos você e eu. Tudo o que antes dela aconteceu era
1 preparação para a etapa final do plano divino para a salvação dos
'1 grande parte do seu significado exato. e passou a indicar antes algo
homens. As idades patriarcal e mosaica estiveram cheias de pro
1

1 doloroso e, por isso. dcsa!!radável: a renúncia a alguma coisa que


fecias e figuras que, como postes indicadores numa estrada, apon
n gostaríamos de ter ou de fazer.
Originalmente, no entanto, a palavra "sacrifício" tinha um só tavam para Cristo, a sua "boa nova" e o seu perfeito sacríficio.
significado: aplicava-se à ação pela qual se oferece a Deus um dom, Basta-nos recordar Melquisedeque, sacerdote da idade patriarcal,
e esse é ainda hoje o seu sentido estrito e mais apropriado. Deriva que ofereceu ao Senhor pão e vinho (Gen. ]4, 18-20). E mais
1, de duas palavras latinas: sacrum, sagrado, e facere, fazer. FaziaRse tarde, na idade mosaica, as profecias do Salmista sobre Jesus: "Tu
sagrada uma coisa subtraíndo-a à posse e ao uso humanos, e ofe serás sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque"
recendo-a a Deus por um ato simbólico de doação. (Ps 109, 4). Ou então o profeta Malaquias, que prediz o dia em
O desejo de oferecer dádivas a Deus parece estar profunda que já não agradarão a Deus os sacrifícios de cordeiros e bois, por
mente arraigado no coração humano. Os primeiros sacrifícios de que " ... desde a saída do sol até o ocaso, meu nome é grande
que se tem notícia são os que ofereciam os filhos de Adão, Caim e entre os gentios, em todo lugar há sacrifício e se oferece ao meu
Ahel. Que Deus queria ser honrado com dons oferecidos pelas suas nome uma hóstia imaculada: porque meu nome é grande entre os
criaturas, é sem dúvida uma verdade que Adão e Eva levaram conR gentios, diz o Senhor dos exércitos" (Mal l, li),
sigo do Paraíso. No entanto. mesmo prescindindo da revelação di vina,
tudo leva a concluir que a humanidade sempre experimentou um Isto faz voltar a nossa atenção para as razões pelas quais se
instinto irresistível de oferecer sacrifícios. Em toda a história, não afinna que a Missa é o sacrifício perfeito. Todos os sacrifícios an
se encontram povos ou tribos que não tenham oferecido sacri fícios. teriores à Missa tinham um grande defeito: para Deus, os dons ofe
Às vezes, povos sumidos na ignorância de Deus renderam culto a recidos não tinham, em si, valor nenhum. Simplesmente devolviam
muitos deuses falsos; outras, essa ignorância chegou a tal extremo que a Deus as coisas que, para começar, Ele mesmo criara: touros, ovelhas,
os levou a buscar o beneplácito divino mediante sacri fícios humanos. pão e vinho. Mesmo todo o ouro que é guardado nos bancos do
Mas. sempre e por toda a parte. o homem sentiu a n-:cessidade de mundo, em si, não teria valor nenhum para Deus. O Senhor se
ofrreccr dons a Deus ou aos deuses. comprazia nas oferendas porque se dignava fazê-lo; aceitava gracio
Entre os povos que adoraram o verdadeiro Deus, distinguimos sarnente os nossos insignificantes dons por serem expressão do amor
t1ês períodos históricos. No período que vai de Adão a Moisés - dos homens.
Mas no Sacrifício da Missa irrompe um elemento novo e mara-
278 A MISSA
t l,E C:O:SST!lTI l"\I SAC:RIFIC:10? 279
1
vilhoso: pela primeira vez e todos os dias, a humanidade pode já
Oferece-o cm nome do grupo que representa, do qual ele é o porta
oferecer a Deus um Dom digno dEle: o dom do seu proprio Filho,
-voz. Nos tempos pré-cristãos, o patriar..:a oferecia o sacrifício em
um dom de valor infinito, digno de Deus infinito. Aqui temos um
nome da sua tribo oll família; o rei, em nome dos seus súditos;
dom que Deus não só se digna aceitar, mas (atrevemo-nos dizer)
os filhos de Aarão, em nome dos israelitas.
tem que aceitar, um dom que Deus não pode recusar, um dom
E isto revela-nos o último requisito d.: um sacrifício genuíno:
precioso aos seus olhos porque é um dom de Deus a Deus.
deve ha\t.:f um saçerdote. Quem oferece um sacrificio <leve ter o
A Missa é as três coisas: memorial, banquete, sacrifício, mas,
direiw de rcprest.:ntar o grupo em cujo nom faz a oferenda. Seja
acima de tudo. é sacrifício. É o sacrifício, que durará enquanto o
1: tempo durar. patrian.:J.-sacerdote, 1d-sacerdote ou anronita--sacerdote, deve ter o di
reito de se dirigir a Deus em nome do povo de Deus. Direta ou
indiretamente, deve possuir esse man<lato de Deus. É curioso obser var
que a palavra "sacerdote" é uma das que não adquiriram signi ficados
QUE CONSTITUI UM SACRIF1CIO? diferentes. Ainda hoje, quando se usa literalmen!e, sacerdote tem um
sentido específü;o: o homem que cforece sacrifícios. Por essa razão,
"Sócrates sacrificou o seu prestígio pessoal na jogada e passou não se chama sacerdotes aos ministros das seitas protes tantes: eles não
a bola ao centro-avante, que marcou o primeiro gol do encontro'\ oferecem sacrifícios, não crêem neles.
lemos numa crônica esportiva. O uso do termo "sacrifício" para Passo a passo, construímos a definição de sacrifício. Podemos
descrever uma jogada de futebol dá-nos uma idéia de como se pode agora descrevê-lo como "a oferenda de um dorn (chamado vítima)
deteriorar o significado de uma palavra com o correr dos anos. que um grupo faz a Deus, e a destruição dessa vítima para indicar
Sabemos que, no seu sentido original, sacrifício é um dom feito que é um dom feito a Deus, realizado por alguém (chamado sacer
a Deus. No entanto, nem todos os dons oferecidos a Deus são dote) que tem o direito de representar esse grupo".
sacrifícios. Os cem cruzeiros com que contribuímos para as des
pesas da paróquia ou o par de calças velhas que damos às Confe Devemos ter idéias claras sobre a razão pela qual chamamos
rências vicentinas, ainda que ambos sejam dons oferecidos a Deus à Missa o Santo Sacrifício. Tem todos os elementos essenciais a
(se a nossa intenção é reta), não constituem um sacrifício no sen um verdadeiro sacrifício. O primeiro e o principal é que há a oferenda
tido estrito da palavra. de um dom infinitamente precioso, da vitima infínitamente perfeita:
Num autêntico sacrifício, a oferenda é subtraída ao uso huma o próprio Filho de Deus. Há o grupo pelo qual o dom é ofere
no e de alguma maneira destruída, para significar que é um dom cido: todos os cristãos batizados em união com o Vigário ·de Cristo
que se faz a Deus. Nos sacrifícios pré-cristãos, se ofereciam um na terra, o Papa; quer dizer, o Corpo Místico de Cristo. Há tam
animal, este era morto sobre o altar e, frequentemente, consumido bém o sacerdote: o homem que, por meio do sacramento da Ordem
pelo fogo. Se ofereciam vinho, este era derramado no chão, diante Sagrada, recebeu de Deus não só o mandato, mas também o poder
do altar. Esta destruição do dom (nós o devolvemos a Ti, oh Deus!) necessário para oferecer a Deus este dom sublíme, o poder de mudar
é essencial à idéia de sacrifício. o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Cristo.
O sacerdote humano, no entanto, não passa de uma figura se
Há um nome especial para o dom que se oferece a Deus em cundária. É o próprio Jesus Cristo quem representa realmente o
sacrifício: vítima. A palavra é. outra das que tiveram alterado o povo de Deus, um povo que Ele comprou com o seu sangue. É o
seu significado com o transcorrer dos séculos. Hoje em dia, fala próprio Cristo o sacerdote real de cada Missa; é Cristo-sacerdote
mos da vítima de um acidente ou de um estelionato. Mas, original quem oferece Cristo-Vítima a Deus por todos nós. O sacerdote
mente, a palavra latina "victima" significava especificamente o dom humano é, simplesmente, o "instrumento vivo de Cristo-sacerdote",
que se oferecia a Deus em sacrifício. E o mesmo sentido que "víti como nos lembra o Concílio Vaticano II. Pelo sacramento da Or
ma" tem a palavra "hóstia". dem Sagrada, Jesus designou esse homem e deu-lhe poderes para
Outro ponto a sublinhar é que o sacrifício não é um ato de ser seu ag!.!nte livre e cooperante; para dizer as palavras pelas quais
piedade individual. A oferenda de um sacrifício é um ato de culto Cristo, num ponto determinado do tempo e do espaço, renova a
social, quer dizer, de grupo. Isto significa que quem oferece um oferenda de Si mesmo feita na cruz.
sacrifício não o faz em nome próprio, como indivíduo particular. E é aqui que se dá a destruição da Vítima. Cada Missa não
280 A MISSA QUE CONSTITUI U f SACRIFICIO? 281
'1
é um novo sacrifício em que Jesus morre outra vez, mas a conti que tudo o que somos, temos ou esperamos, vem de Deus. Nem
nuação e prolongamento - no tempo - da morte, de uma vez por sequer poderíamos continuar a existir se Ele nos deixasse fora da
todas, de Jesus na cruz. Usando uma expressão moderna, podería. \
sua mente por um simples instante. A vida física e a vida espiri
mos dizer que Jesus nos reativa o sacrifício do Calvário. A Missa tual, as graças que continuamente recebemos todos os dias, o amor

l
nos torna presente e eficaz, aqui e agora, a Vítima oferecida no altar e a amizade, as ondas da televisão e a água que sai da torneira:
da cruz. A morte de Jesus é muito mais que um fato histórico. tudo, absolutamente tudo, é de Deus e a Ele devemos agradecer.
É um sacrifício eterno. Não há ontem para Deus. Na sua mente Dar graças é, pois, o segundo elemento essencial de toda oração e
infinita, para a qual todas as coisas passadas são presente, Jesus sacrifício verdadeiros.
pende eternamente da cruz. É o segundo fim da Missa. Nela, Jesus Cristo oferece a Deus,
Não é uma verdade fácil de captar, mas é a verdade: na Missa, em nosso nome, uma ação de graças que sobrepuja os dons que
o tempo e a distância são aniquilados num sentido místico, e você recebemos, uma ação de graças infinita, que a própria infinita bon
e eu nos encontramos ao pé da cruz na qual o Filho de Deus se dade de Deus não pode superar.
oferece em reparação pelos nossos pecados. Além de adorar e dar graças, a nossa relação com Deus impõe
-nos outro dever: o de pedir a Deus as graças de que nós e os
Na Missa, Jesus Cristo Sacerdote, Vítima perfeita e Dom infi. demais homens necessitamos para alcançar o céu. Dotando-nos de
nitamente precioso, se oferece a si próprio a Deus, por nós. Por uma vontade livre, Deus fez com que a nossa salvação dependesse
quê? Com que fim? da nossa livre cooperação: Ele não nos força a aceitar umas graças
1, A Missa tem um fim quádruplo, e esses quatro objetivos têm yuc não queremos. Mostramos a nossa disposição de cooperar quan
'1'
n,,
um firme enraizamento na relação que existe entre Deus e nós. Deus
é o Dono e Senhor de toda a criação. Tudo o que existe, foi Ele ' do pedimos a Deus as graças de que necessitamos.
Deus fez também com que, em certo ·grau, a nossa salvação
que o fez. Somos criaturas de Deus, propriedade de Deus; perten• dependesse dos outros. Jesus Cristo dignou-se fazer-nos participar
'
:li,, cemos-lhe em corpo e alma. Da própria natureza da relação de do seu trabalho redentor; as nossas orações beneficiam os outros,
[,, criatura para Criador, surgem certas obrigações iniludíveis. do mesmo modo que as dos outros nos beneficiam. Posto que é
1!,!
1 A primeira de todas é reconhecer essa própria relação: reconhe lei de Deus que amemos os outros como a nós mesmos, é lógico
i,1 cer o infinito poder, sabedoria e bondade de Deus, reconhecer que que tenhamos que rezar por eles - pelas graças de que necessi
Ele é tudo e nós não somos nada' comparados com Ele. O próprio tam -, como rezamos por nós. Naturalmente, rezamos pelos que
lf fim da nossa existência, a razão pela qual Deus nos fez, é dar-lhe estão ligados a nús por laços de sangue, de dever ou de afeto; mas
glória. Abaixo do nível humano, as coisas criadas dão glória a as nossas orações devem ir mais longe e abranger todos os homens.
Deus pelo simples fato de existirem. Os minerais, as plantas e os Se queremos, podemos pedir favores temporais - e Deus se compraz
ariimais dão testemunho da grandeza de Deus simplesmente sendo nos nossos pedidos -, mas devemos pedir pelas nossas necessidades
o que são. Mas o caso do homem é diferente, e dele se espera espirituais e pelas do próximo. A petição é o terceiro fim pelo
mais. Com a sua alma imortal, com o seu livre arbítrio e as suas qual se oferece a Missa, e é o próprio Jesus Cristo quem nela inter
potências de ·pensar e falar, o homem não pode ser um mero teste cede conosco e por n·ôs.
i,, munho mudo da glória divina. Com a sua liberdade, que é seu Além de adorar, dar graças e pedir, devemos a Deus reparação
privilégio exclusivo, o homem deve dar glória a Deus livremente, pelos nossos pecados. Pela própria natureza da nossa relação com
deve cantar livremente os louvores divinos. Deus - a de uma criatura com o seu Criador -, devemos obediên
'1
I Em resumo, o homem deve adorar a Deus. Adorar a Deus é cia ahsoluta à vontade divina. Rebelar-nos pelo pecado contra esse
' o primeiro dos deveres do homem, o elemento mais essencial da
oração, o fim primordial de todo sacrifício. Em consequência, a
Deus que nos fez é um ato de injustiça infinita, e ao mesmo tempo
uma ingratidão monstruosa. Se assim nos rebelamos, é nossa obri
,\ adoração é o fim primordial da Missa. Na Missa, pela primeira g ção restaurar a balança da justiça reparando o nosso pecado. Mais
vez, a humanidade pôde adorar a Deus adequadamente, na pessoa ainda. dada a unidade do gênero humano e a interdependência entre
:i' do próprio Filho de Deus, que nos representa. todos, é também necessário que ofereçamos reparação pelos pecados
j' 1
i' Depois da adoração, o segundo dos nossos deveres para com alheios. D vemos recordar de novo que Deus quer que participemos
1' Deus é a gratidão. Sendo Deus a fonte de todo o bem, sahemos da obra redentora de seu Filho.
A MISSA
CADA \!ISSA ll A NOSSA MISSA 283

Nenhum de nós pode oferecer uma satisfação adequada pelo E evidente que a aplicação do fruto geral da Missa não depende
pecado; só Jesus podia, e na cruz o fez, e na Missa continua todos inteiramente das disposições daqueles por quem é oferecida. Se assim
os dias a fazê-lo, tirando-a daquele depósito inesgotável. O valor { fosse, a Missa nfto produziria efeito nos pecadores ou descrentes por
infinito da satisfação de Cristo pelo pecado não dispensa, evidente quem se oferece. A aplicação das graças da Missa depende da
mente, a nossa reparação pessoal. É precisamente pela infinita sa t! vontade de Deus. tanto corno das disposições pessoais. Que a Missa
sfação pelo pecado, que Jesus ofereceu na cruz, que os nossos atos causa a conversão de almas endurecidas e empedernidas, é uma ver dade
de reparação, oferecidos em união com os de Cristo, ganham valor que todos experimentamos.
aos olhos de Deus. Este é o quarto dos fins pelos quais se oferece
a Missa: reparação a Deus pelos pecados dos homens. Além do fruto geral da Missa, temo,, o fruto especial, que se
Adorar a Deus, dar-lhe graças, pedir a sua graça e reparar o aplica à pessoa ou pessoas (vivas ou mortas) por quem a Missa é
pecado: ao assistirmos à Missa, esses quatro fins devem ter prefe oferecida pelo celebrante. Quando damos uma espórtula para que
rência em nossas intenções quando oferecemos o Santo Sacrifício. se celebre uma Missa, este fruto especial aplica-se às pessoas por
No nosso apreço pela Missa, a glória de Deus deve ter precedência quem se oferece a intenção da Missa, isto é, a nós ou a terceiros.
sobre as graças que ela nos consegue. Todos, sem dúvida, sabemos que o antigo costume de dar uma es pórtula
ao solicitar uma Missa tem a sua origem nas palavras de São Paulo
(l Cor 9, 13) que dizem que aquele que serve o altar deve
CADA MISSA E A NOSSA MISSA participar do altar. Não se deve perguntar nunca: "Quanto custa
[\ uma Missa?" A Missa tem valor infinito e não se pode fixar
-lhe um preço. A espórtula não é um preço que pagamos, é uma
,ji O fim primordial da Missa é dar honra e glória a Deus. No
entanto, os efeitos da Missa não se detêm aí; oferecendo a sua infi oferenda que fazemos. E quando o sacerdote aceita recebê-la, é obri
nita homenagem a Deus, Jesus Cristo também alcança grandes gra gado cm consciência, sob pena de pecado mortal, a procurar que
ças para nós. As graças que Deus, pelos méritos de seu Filho, nos essa Missa seja oferecida de acordo com as intenções do doador.
1
concede na Missa chamam-se "frutos" da Missa. O costume de dar uma espórtula é, no fundo, uma grande van
Os teólogos distinguem três espécies de frutos na Missa. O pri tagem para os fiéis. Poderia um sacerdote prometer dizer uma Missa
meiro é o fruto geral. Em consonância com a intenção de Nosso ,'f(
por alguém e depois esquecer a sua promessa ou mudar de opinião.
,!) Senhor e da sua Igreja, o sacerdote oferece em cada Missa o Santo Mas, uma vez que aceitou a espórtula, não se permitirá esquecê-la
' ou mudar de opinião.
Sacrifício pelos presentes; pela Igreja, pelo Papa e pelo bispo da
Este fruto especial da Missa é simultaneamente - como dizem
diocese; por todos os fiéis cristãos, vivos e defuntos, e pela salva
os teólogos - impetratório e propiciatório. "lmpetratório" (de "im
ção de todos os homens. Por vontade de Cristo e da sua Igreja, pctrarc", pedir ou alcançar) significa simplesmente o poder de con
estas intenções estão presentes em cada Missa, e o sacerdote que a seguir Jc Deus as graças e benefícios que pedimos. "Propiciatório"
oferece não pode excluí-las nem que queira. As graças que resultam

li
significa o poder de propiciar, de reparar pelos pecados. Como sa
dessa intenção são as que poderíamos chamar "graças comuns" da bemos. as almas do purgatório têm uma só necessidade: a de serem
Missa. libertadas do castigo temporal devido pelos seus pecados; compreen
O grau em que cada alma a recebe dependerá em grande parte de-se. pois. que o fruto especial da Missa seja inteiramente propicia
da união com que participe da Missa e das suas próprias disposições l t()rio quando é oferecida pelos mortos.

l:
interiores. O altar irradia essas graças comuns como ondas que Não temos maneira de saber que parte do fruto propiciatório
abrangerão o mundo inteiro, mas elas encontram melhor acolhida de uma Missa se aplica a determinada alma; por isso, seguimos o
nos corações melhor dispostos. Essas graças crescem especialmente reto instinto de oferecer mais de uma Missa pela alma que dese
nas pessoas unidas em espírito a todas as Missas que se oferecem jamos ajudar. Também não temos maneira de saber quando termina
;!m toda a parte; aí está uma intenção que deveríamos fazer nossa o purgatório para certa alma; por conseguinte. é uma idéia boa ter
todos os dias, nas orações da manhã. Nalgum lugar, em qualquer uma intenção secundária ao oferecermos uma Missa por um defunto:
momento das vinte e quatro horas do dia, está-se oferecendo uma "Senhor, se esta alma já está no céu, rogo-te que apliques o fruto
Missa; deveríamos ter o desejo de participar em cada uma delas. desta Missa a esta ou àquela intenção."
284 A WSSA A !ISSA TE\! IIISTóHIA 285
l
111
Além dos frutos geral e especial da Missa, há um terceiro: as crandeza e formosura ressaltassem aos olhos de todos. Não é de
g1aças que resultam da partícipa ão pessoal do sacerdote celebrante. :urprcendcr, pois, que a Igreja, ao longo dos séculos, tenha mode
e que contribuirão para a sua própria santificação e reparaçüo de lado e embelezado o engaste que é o cerimonial da Missa que hoje
seus pecados. Este fruto é chamado fruto pessoal da Missa. conhecemos.
Eis aqui a dcscri,üo da última Ceia segundo São Mateus (26,
Uma Missa que se oferece por uma pessoa falecida não tem '.::6-28): '"Enquanto comiam, Jesus tomou o pão. ábençoou-o, par
que ser necessariamente de defuntos. Normalmente, a Missa exequial tiu-o e, dando-o aos seus discípulos, disse: Tomai e comei, isto é
1 - de corpo presente. de sétimo dia - será de réquiem, e se o ca l1 meu corpo. E, tomando o cálice e dando graças, deu-lho, di-
11 lendário litúrgico o permite, a Missa de trigésimo dia e as de ani 7endo: Bebei dele todos vós. que este é o meu sangue da aliança,
i' versário serão também de defuntos. No entanto, há muitos dias de que será derramado por muitos para remissão dos pecados."
festa no calendário da Igreja que não permitem que se digam Missas Temos já o Santo Sacrifício em essência, em básica simplicidade:
de defuntos, mas isto não deve criar problemas àqueles que as soli a Consagração e a Comunhão. Além destes elementos essenciais do
citam, O fruto especial da Missa se aplicará igualmente à pessoa sacrifício, há outras circunstâncias incidentais que nos interessam. Ve
falecida, quer seja Missa de réquiem ou a própria do dia litúrgico, mos que Jesus "deu graças''. As palavras da sua ação de graças
11ão foram recolhidas pelos evangelistas, mas está bem refletida na
1
Isto dá pé para outra questão que podemos comentar de passa Oraçüo Eucarística das Missas de hoje, e especialmente no Prefácio
gem: o costume de oferecer Missas em honra de nossa Mãe Santa rnm que se inicia. Sabemos também pelo Evangelho de São João
11' Maria e dos santos. É uma prática que remonta aos primeiros tem 113, 4-10) que Jesus colocou antes da última Ceia a lavagem dos

' 'I 1'


pos da Igreja, quando se ofereciam Missas pelos mártires, nos ani
versários da sua morte. Sabemos perfeitamente que não se pode
pés dos seus Apóstolos, um rito simbólico de purificação cujo eco
encontramos no ato penitencial do começo da Missa. É também São
' oferecer a Missa a um santo; só a Deus pode ser oferecida. Mas Jn,,o (13, 14-17) quem nos transmite as belíssimas palavras de Jesus
,,,; é grato a Deus que honremos os seus amigos, os santos, comemo aos seus Apóstolos na última Ceia, de que é reflexo o sermão ou
\
rando-os especialmente no dia da sua festa. O princípio é o mesmo homilia que integra a liturgia das nossas Missas, especialmente das
de qualquer devoção aos santos: dar glória a Deus honrando as Missas dominicais.
obras mestras de sua graça: os seus santos. Quando oferecemos a As primitivas comunidades cristãs, quando se reuniam para a
Missa em honra de um santo, pedimos a esse santo que se una a "fração do pão", seguiam muito de perto o singelo cerimonial da
nós para dar glória a Deus, e pedimos a Deus que nos conceda as última Ceia. Mas os primeiros cristãos eram judeus, e, a princípio,
graças que solicitamos por intercessão daquele santo. Por conse guinte, 11:io perceberam como devia ser completa a ruptura com a antiga
podemos oferecer uma Missa em honra da Santíssima Virgem ou de Lcligião do Antigo Testamento (abolida por Deus), Continuavam
algum santo, e, ao mesmo tempo, aplicar o seu fruto especial a uma a assistir e a participar das cerimônias da sinagoga, e reuniam-se
alma ou almas do purgatório. r,rlvadamente em grupos pequenos para a "fração do pão".
11
1,
Quando foram expulsos da sinagoga por seus irmãos judeus, os
1, cristãos começaram a antepor à "fração do pão'' umas orações mol
A MISSA TEM HISTóRIA dadas segundo as cerimônias da sinagoga. Essas cerimônias con
sistiam basicamente em duas leituras, uma do livro de Moisés e
l:i Ao lermos no Evangelho a descrição da última Ceia e compa
llUtra tomada dos demais profetas, seguidas de um sermão, e tudo
,i\\, rarmos a sua simplicidade com as Missas que hoje se oferecem cm
entremeado de diferentes oraçõt: . Ao adotarem o modelo das sina gogas,
nossas igrejas, percebemos que o cerimonial do Santo Sacrifício ex .,
ili perimentou um grande desenvolvimento nestes quase dois mil anos. os cristãos o "batizaram": começaram a usar leituras do Novo T
'I E um desenvolvimento que é muito fácil de entender. estamcnto juntamente com outras do Antigo. E assim se originou a
,i O sacrifício eucarístico que Jesus Cristo instituiu na noite de primeira parte da nossa Missa de hoje (leituras do Antigo e Novo
Teqamento, Evangelho, homilia e outras orações). Na realidade,
!i Quinta-feira Santa é uma pedra preciosa que Ele ofereceu à sua
1
Igreja. Era uma jóia perfeita, sem impureza nenhuma, mas. como \talava-se de uma preparação para a Missa propriamente dita, que
il toda jóia, necessitava de um engaste apropriado para que a sua \C chama Liturgia da Palavra e outrora era designada com o nome
086 A MISSA A 1!lSSA TE11 HISTóRIA 287

de l\.-1issa dos catecúmenos, porque, nos primeiros tempos da Igreja, Durante o período que vai de São Justino a São Gregório, foi
era essa a única parte a que podiam assistir os possíveis conversos: acrescentado um elemento de oração ao elemento de instrução que
enquanto não fossem batizados, não os deixavam assistir à Missa constituía a Missa dos catecúmenos, parte inicial da Missa. Nos
inteira. tempos de São Justino, havia duas leituras, uma do Velho Testa
mento e outra dos Evangelhos, e a homilia (sermão). Nos de São
A elaboração das cenmomas da Missa desenvolveu-se muito ra Gregório, o /ntróito ou canto de entrada, o Kyrie ou "Senhor, tende
pidamente. O esquema da Missa que hoje oferecemos ficou prati piedade de nós", o Glória e a oração (Coleta), se incluíam nessa
camente estabelecido no ano 150. Um escritor cristão daquele tem parte, junto com as leituras e o sermão.
po, São Justino Mártir, descreve-nos assim a Missa que então se
oferecia: "Num dia cujo nome se toma do sol, os que moram na Já desde a sua origem, o Intróito foi um hino processiona1, que
cidade e os do campo se reúnem e então, quando há tempo, lêem-se consistia num salmo e.sco]hido para expressar o espírito da Missa do
as memórias dos Apóstolos (quer dizer, os Evangelhos) e os escritos dia, gozosa, penitente ou triunfante. Cantavam-no o povo e o coro,
dos profetas. Terminadas as leituras, o presidente (quer dizer, o sa cnquanlo o celebrante e seus ajudantes saíam da sacristia (situada
cerdote) dirige-nos um discurso (quer dizer, um sermão), em que então perto da porta de entrada da igreja), a caminho do altar.
nos pede encarecidamente que pratiquemos as belas lições que aca Vemos agora onde é que o Intróito (do latim "introitus", que signi
bamos de ouvir". Esta era a Liturgia da Palavra, como hoje a fica "entrada") obteve o seu nome. No começo, era um salmo
chamamos. São Justino descreve-nos em seguida a parte ·mais essen completo, mas, no século VIII, essas procissões solenes de entrada
cial da Missa, isto é, a Liturgia Eucarística. caíram pouco a pouco em ·desuso, e o Intróito tornou-se cada vez
"Então, leva-se pão e um cálice com água e vinho ao presidente mais curto.
1 i' dos irmãos, que os recebe e oferece louvores ao Pai de todos, em A procissão do Intróito é uma das quatro de que constava a
nome do Filho e do Espírito Santo, e depois prossegue com certa Missa já em tempos remotos. As outras três eram a procissão do
detenção, recitando uma prece de ação de graças (a que hoje cha mamOs
li Oração Eucarística ou Cânon da Missa, em que se inclui a consagração),
Evangelho, que atravessava a igreja até o "gradus" ou degrau em
que o diácono cantava o Evangelho; a procissão do Ofertório, em
porque Ele nos fez dignos de participar desses dons. Quando termina as
' orações e a ação de graças, todo o povo pre sente responde:
que alguns membros da comunidade dos fiéis traziam ao altar as
oferendas de pão e vinho e outros dons; e a procissão da Comunhão,
Amém". (Este é o grande Amém da nossa Missa, que se diz depois
em que os presentes se aproximavam em filas ordenadas para receber
do "Por Cristo, com Cristo, em Cristo", logo antes do Pai Nosso).
a comunhão. Em cada uma dessas procissões, o coro e o povo
"Depois da ação de graças do presidente e da resposta do povo,
cantavam um salmo apropriado. Felizmente, três dessas procissões
os diáconos, como se chamam entre nós, distribuem o pão e o vinho
- a do Intróito, a do Ofertório e a da Comunhão - foram res
entre os que pronunciaram a ação de graças .. e não os tomamos
tauradas pela reforma litúrgica realizada pelo Concilio Vaticano II.
como alimento e bebida comuns do mesmo modo como nos foi
ensinado que, pela palavra de Deus, Jesus Cristo Nosso Senhor se
Depois do Intróito vem o Kyrie, e/eison ("Senhor, tende piedade
encarnou, assim também estes alimentos, para os que tenham pro
de nós"). Esta súplica à misericórdia divina, que antes se dizia em
nunciado as palavras de petição e ação de graças, são a verdadeira
língua grega, vem dos dias (antes do século IV) em que o grego
carne e sangue daquele Jesus que se fez homem e que entra na era a língua litúrgica de Roma. O Kyrie é um vestígio de um anti
nossa carne e sangue quando o recebemos" (Cap. 65-67 da "Primeira qub imo costume romano. O povo congregava-se numa igreja (a
igreja da assembléia) onde se reunia com o Papa ou outro bispo
1
Apologia").Vemos aqui a Missa já muito perto da sua forma final. No e seu séquito. De lá iam todos em procissão a outra igreja (cha­ mada
-
L ,,
ano 150, a estrutura fundamental da Missa estava já esta­belecida.No
entanto, as orações nela contidas continuaram a de­senvolver-se
estacionai) para a celebração da Missa. Durante essa procis sito, todos
juntos entoavam uma ladainha de aclamações a Deus, Quando essas
durante mais quatro séculos e meio.Nos tempos do Papa São procissões caíram em desuso (por volta do sécu]o VI), conservouMse
Gregório Magno, que morreu no ano 604, o desenvolvi­mento da uma versão abreviada como parte da Missa: o "Senhor, tende piedade
Missa tinha chegado a um esquema muito parecido ao de nós" e o "Cristo, tende piedade de nós", que se­ mantém no Missal
atual. atual.
288 A MISSA
.\ LITL'HCIA El!C.-\RISTICA 2Wl

Não sahemos exatamente quando é que o Glória veio a fazer Agora estamos prontos para começar o Sacrifício. Na Igreja
parte da Missa. Sabemos que, na sua origem, era cantado apenas primitiva. chegado este momento. os catecúmenos e os penikntes pú
na Missa da Noite de Natal, e, no século VI, na Missa dos domin-. hlicos deviam abandonar a assembléia: só os batizados que nfto esti
gos e em certas festas, mas unicamente pelo Papa. Aos sacerdotes \ csscm sob interdito permaneceriam para a Eucaristia, a Ação de
comuns era permitido o canto do Glória só na Missa da Páscoa. Graças, a Missa. Foi por essa razão que esta parte da Missa pas
Estas restrições só foram levantadas no século XII, quando o Glória sou a chamar-se a Missa dos Fiéis, hoje designada pelo nome de
passou a fazer parte das Missas de caráter gozoso. ··Liturgia Eucarística'·.
A oração que o sacerdote recita na Missa logo após o Glória (ou A Liturgia Eucarística tem três partes. A primeira costuma
o Kyrie, se nào há Glória), chama-se Coleta, ou simplesmente Ora chamar-se Ofertório. Começa com a apresentação das oferendas
ção. O nome collecta originou-se no fato de que, na época das acompanhada às vezes por um canto - e acaba com a Oração SO·
'('
Missas estacionais, esta oração era recitada pelo Papa ou por um hre as oferendas: em seguida. vem a Oraçtio F.ucaristica, coração e
bispo na igreja da assembléia ou reunião (ecclesia collecta), antes l·entro da Missa, que começa com o Prefácio e termina com a cha
de a procissão partir para a igreja estacionai. Quando essas procis sões mada doxologia final: "Por Cristo, com Cristo. em Cristo .. ": e.
cessaram, a Coleta passou a fazer parte integrante da Missa. finalmente, temos a Cornunhtío, que começa com o Pai Nosso e ter
1'' mina com a hênçfto e despedida finais. O significado de cada uma
,1 Para terminar a história desta primeira parte da Missa, resta dessas três partes da Missa é este:
'11 apenas explicar como surgiram o Credo e a Oração dos Fiéis. No Ofertório. apresentamos as no sas oferendas, 0 nosso amor.
i O Credo, embora fosse recitado algumas vezes durante a Missa o nosso ser ( representad0s pelo pão ç pelo vinho): unimo-nos a
dos primeiros séculos, somente foi estabelecido como parte oficial da Cristo, que está prestes a oferecer-se, com<l'--0_ferenda perfeita, à Santís
'1 '
'' li' liturgia no ano 1014, pelo papa Bento VIII. Depois de ouvir a sima Trindade. Na Oração Eucarística. Jesus consagra a nossa oferen
: palavra de Deus nas leituras, o Evangelho e o sermão, vemos como da e nos leva consigo. dom infinitamente perfeito. até Deus. Na Comu
é próprio fazer uma declaração da nossa fé, recitando o Credo antes nhftn da Missa. tendo aceito a nossa oferenda e depois de transfor
de se proceder à sagrada Ação da Missa. má-la na Pessoa infinitamente preciosa de seu Filho, Deus nos de
1r11 A oração dos fiéis, tradicional nas liturgias dos primeiros sécu \'Olve esse dom. No Ofertório. unimo-nos a Jesus em espírito: na
111
los, consistia numa enumeração das intenções pelas quais se oferecia Comunhf10, unimo-nos a Ele realmente. a fim de crescermos e viver-
0 Santo Sacrifício, cuja parte essencial começava a seguir. Foi su mos para a vida eterna.
,,
1
primida na época de São Gregório Magno, provavelmente por terem Podemos representar a Missa como um triângulo. Por um lado,
sido incorporadas ao Cânon orações de intercessão que cumpriam a subimos com Cristo até Deus. No vértice do triângulo, está a Con•
i,i

mesma finalidade. Recentemente, o Concílio Vaticano II quis res• sagraçfto da Missa. a aceitação de Deus e a transformaçflo. Pelo
taurá-Ja. Na oração dos fiéis, "exercendo a sua função sacerdotal, r'utro lado, Deus desce até nós em Cristo.
o povo suplica por todos os homens". Reza-se "pela Santa Igreja, Seria preciso um livro extenso para descrever em detalhe o de
pelos governantes, pelos que padecem necessidade, por todos os ho· Slnvol\,imento histórico da Liturgia Eucarística. Aqui apenas pode-
mens e pela salvação de todo o mundo" (Instrução Geral do Missal mos mencionar alguns pontos de maior relevância.
Romano, n.0 45).
Na Igreja primitiva, o Ofertbrio era mais uma ação do povo
que uma série de nraçôes recitadas pelo sacerdote. Depois da Missa
i
111
A LITURGIA EUCARiSTICA dos catecúmenos, os fiéis aproximavam-se do presbitério em procis
ilí 1,1 são, trazendo as suas oferendas. Traziam pão e vinho, dos quais
1 A Liturgia da Palavra é a primeira das duas grandes partes da uma parte seria utilizada para crmfcccionar a Eucaristia. Mas tam
1 Missa, que nos prepara com leituras, orações e instrução para a gran• hém traziam outras dádivas. como frutas. meL azeite. queijo ou leite.
,,! de Ação da Missa. Nos ritos, no ato penitencia), no Kyrie, no F:-.tas l1ltirnas eram para o Corpo !vlístico de Cristo. para ajudar os
Glória e na oração inicial da Missa, nós nos dirigimos a Deus. Nas pobres e para manter o clero. Fosse qual fosse a oferenda, seu sim
' holismo era o mesmo: esses donativos representavam o doador, que
' leituras e nas homilias, Deus se dirige a nós com palavras de ins
trução e admoestação. se colocava a si mesmo na Missa.
2()0 A IISSA
_\ LITCHCL\ rTC-\füSTJC\ 291

Um diácono recebia as oferendas e colocava-as sobre uma mesa


perto do altar, esvaziando as vasilhas de vinho num recipiente maior, temos plena cnnsciê-nc1a de que o pão e n vinho se convertem no
e dispondo os pães sobre um pano de linho. Durante a procissão Corpn e 1w Sangue do Senhor no momento cm que o sacerdote
do Ofertório, a comunidade dos fiéis e o coro alternavam-se no prnm11Kia as pala\'fas ''Isto L· n meu Corpo" e "Este é o cálice do
canto de alguns salmos apropriados. meu Sangue". Na primitiva cristiand:-ide. no entanto, os cristãos não
Terminada a oferenda, o diácono levava ao altar o pão e o tinham a noç:t0 cx,1ta de que esse preciso momento era o momento.
vinho que iam ser necessários para o Santo Sacrifício, incluídos os Para cks. toda esta parte da 1issa era uma ação única. a Ação do
que seriam devolvidos aos fiéis como dom de Deus sob a forma Sacrifkio. e n.:io tinham a mesma consciência que nós da diferença
i de Sagrada Comunhão. Depois de ter aceitado e disposto as ofe entre a,; suas partes. Por essa razZ'io. a Igreja terminava a Ação
il
,, rendas sobre o altar, os que as haviam manejado lavavam as mãos; com a ck\·açftn da Sagrada Hóstia e do Cálice. exatamente antes do
esta é a origem do lavabo que o sacerdote faz hoje na Missa. Então, Pai Nos o. p3ra que o povo pudesse adorá-los.
'!: Durante um milênio. ei,ta foi a única elevaçüo da Missa. A
o celebrante dizia urna oração sobre o pão e o vinho destinados ao
Sacrifício, a única oração do Ofertório que era dita pelo sacerdote. eleva ção das cspCdes consagradas imediatamente após a
i.'·, Esta aparece na nossa Missa atual. como oraçüo sobre as oferendas, Consagração só se introdt1ziu no século XL A primitiva elevação
oração que se diz logo antes do Prefácio. ainda se conserva na Missa - ao dizer-se "Por Cristo, com Cristo,
i em Cristo" -. e conserva o seu posto relevante. quando se deva a
1,q!
·:1 O Ofertório termina com a oraçüo do sacerdote sobre as ofe rendas. patena e o cálice ante o poYP. enquanto este diz çm uníssono o
Grande "Amém".
., I,. E agora vamos entrar na parte mais solene do Santo Sacri fício: a
Oração Eucarística ou Cânon, que se inicia com um hino de
,i': i: louvor chamado Prefácio; um hino que canta a glória do Rei que Com o Pai !\'"osso começa o rito llit Comunhão, a terceira das
está prestes a chegar e a subir ao seu trono. a cruz. partes que compôem a Liturgia EucarístiCã.- Como as outras, esta
A palavra "canon" - tradicional. na Igreja, para designar a t.::tmhém se desenvolveu gradualmente através dos séculos. Deve-se
'Ili Oração Eucarística - significa regra. Na língua grega, canon signi not u que. nos tempt1s antigos, até hem avançada a Idade Média,
fica tanto régua de carpinteiro como regra de conduta. Esta parte tinha-se por certo que todos os que assistiam à Missa receberiam
j;
central da Missa chamou-se Cânon porque é fixa - em seus diversos tamhém a Sagrada Comunhão. Durante os primeiros mil anos de
formulários - e imutável, no sentido de que o celebrante não pode história crist.'.l, o povo tinha a plena compreensão de que cada Missa
11 ncrescentar-lhe ou tirar-lhe nada. é "a nossa Missa". Todos participavam da Missa da maneira mais
Nos primeiros tempos da Igreja. não era assim. A Eucharistia completa possível. o que supunha partidpar na Vítima do Sacrifício,
ou Ação de graças - que assim se chamava o Cânon - consistia recebendo de Deus, transformado. o dom que lhe haviam oferecido;
numa oraçrw improvisada na sua maior parte pelo sacerdote, em que por outras palavras. indo comungar.
se agradecia em detalhe a Deus os seus muitos benefícios e bon Na Idade Média. este sentido de participação ativa parece ter
dades; e alcançava o seu ponto culminante na descrição do maravi diminuído e. em consequência, o povo se desleixou em receber a
lhoso dom da carne e do sangue de Cristo. Sagrada Eucaristia. Desde os tempos dos papas São Pio X e Pio
Gradualmente, algumas dessas orações (provavelmente, as com XII. a Igreja empenhou-se sobremaneira cm restaurar o conceito
postas por bispos especialmente venerados) foram sendo adotadas de da Comunhão como parte integrante do Santo Sacrifício, animando
modo geral, e mais tarde tornou-se costume usar apenas uma delas: -nos a todos a estar cm estado de graça - confessando-nos. se pre
o Cânon Romano (a atual Oração Eucarística primeira), que desde ciso - e com as devidas disposiçôcs, a fim de podermos comungar
,,, o ano 600 até os nossos dias permaneceu substancialmente inalte cm todas as Missas a que assistimos.
rada. Atualmente, o novo Missal Romano contém quatro Ora Historicamente, o rito da Comunhão era muito simples na sua
çües Eucarísticas - o sacerdote escolhe uma ou outra, conforme origem. De fato. a primitiva Igreja nem sequer via a Comunhão
as circunst 111l'ias -. restahckcendo assim o us0 de algumas daque c 1mo parte separada da Missa: ':iimpksmente. completava o Sacrifí
las antigas formas. cio. Quando o-; primeiros crist.:ios se sentavam ou se reclinavam à
É interessante notar que os primeiros cristãos consideravam a
mesa. para o Sa...:rifü:in Ft1L·arístiL·n. (1 santo P.:in e o santo Cálice
t?ram p3ss<H.lns <li: um p3ra lHJtrn. Qu.1.ndo .1.umentou o número de
Oraçüo Eucarística inteira como a oração da Consagração. Hoje
pesso3s, frL-sc neccssúrio que os fiL·is avançassem para receber a Co
munh;-10 d:,s :11.::n-; e\, 'i"'.u1:_· r't .'.cs :liúconos cme n :'.'·"i"' ,,.,.,
POR QUE VESTIR PARAMENTOS? 293
!)2 A IISSA

Enquanto se aproximava em proc1ssao da mesa situada perto • teriores. Queremos música suave nos nossos momentos sentimen
do altar. o povo cantava uma antífona, um salmo adequado ao espí is e marchas garbosas em nossos desfiles militares Queremos luzes
rito do tempo litúrgico ou da festa. Atualmente podem cantar-se. difusas no descanso e brilhantes nos divertimentos.
dura111e a Comunhão, não apenas salmos. mas também outros cân Nüo nos surpreende. pois, que os acessórios externos tenham
ticos. aprovados pela autoridade eclesiástica, que favoreçam o reco importância na nossa vida religiosa. e nos nossos at?s de. cult . s.c
lhimento e a alegria convenientes a esta parte da Missa. Quando as insígnias e os barretes dão solemdade a uma cenmoma umvers1-
não há canto, recita-se uma antífona. tária, e os uniformes e as bandeiras a um desfile militar, e os trajes
de etiqueta e os vestidos de gala a um baile de sociedade, não se
O Pai Nosso (a oração dominical que o próprio Senhor compôs) deve estranhar que um modo especial de vestir fomente em nós o
apareceu pela primeira vez na Missa por volta do ano 350. O Cor sentido do respeito a Deus no culto que lhe prestamos. Ninguém
deiro de Deus foi acrescentado por volta do ano 700, a fim de sabe disto melhor do que o próprio Deus que nos criou. Por isso.
preencher o tempo que o celebrante demorava a fracionar as hóstias no Velho Testamento. Deus prescreveu expressamente certas vestes
grandes em pedaços pequenos, para dar a Comunhão aos fiéis. A que deveriam ser usadas no sacerdócio mosaico. Por isso, a Igreja
oração depois da Comunhão. que o sacerdote recita ou canta no de Deus, sob essa orientação, prescreveu no Novo Testamento vestes
final da Missa, é uma antiga oração litúrgica. As demais orações especiais que os sacerdotes devem usar no cumprimento dos seus
que aparecem entre o Pai Nosso e a bênção final são de origem sagrados d veres, em especial ao celebrarem o Sacrifício da Missa.
muito posterior: algumas só começaram a tornar-se parte fixa da
,, Missa no século XVf. Tem uma especial significação a oração Durante os primeiros trezentos ou quatrocentos anos da história
,,, pela paz que se lhe segue. e que exprime a íntima fraternidade entre cristã, quando os fiéis se reuniam para a celebraç_ão da Eucaristia,
os que vão participar da Mesa do Senhor. o sacerdote usava vestes comuns, uma espécie de toga romana. Quan
do, até fins do século IV, as tribos bárbaras do Norte conquistaram
Até o século XVI, na Igreja Católica de rito latino, distribuía-se o Império romano, o estilo da roupa masculina começou a mudar,
a Sagrada Comunhão aos fiéis sob as duas espécies de pão e de vi mas os sau:rdotes continuaram a vestir a túnica compridn ao ceh.: brarem
nho, prática ainda em uso. habitualmente, na Igreja de rito oriental. a Missa. Assim, o mais antigo dos paramentos da Missa
No entanto, sabemos que Jesus está presente, todo e inteiro, em cada é a u/ra (que significa "branca"'), essa túnica que o sacerdote põe
uma das duas espécies; para receber a Sagrada Comunhão, basta sobrea batina (o traje eclesiástico que é a sua veste diária). A alva
uma delas. Esta tem sido a prática geral da Igreja de rito latino, simboliza a pureza de coraçüo e, com ela, o sacerdote expressa a
muito embora a recente legislação tenha restaurado a recepção da sua renúncia às coisas do mundo, exigida para se oferecer o Cordeiro
Comunhão soh ambas as formas em determinadas ocasiões especiais, de Deus. Em tempos antigos, a toga romana era cingida por um
como, por exemplo, na Missa de casamento, em que os nubentes cordão ou cinto, yue ainda continua a utilizar-se, se é necessário,e
podem comungar sob as duas espécies, se o desejarem. conserva o mesmo nome romano: cíngulo. É feito de linho ou lã,
e significa a castidade, o domínio dos dest'jos carnais.
Ao longn do século VI IL tomou-se costume que o sacerdote· se
POR QUE VESTIR PARAMENTOS? di'.igbse ao altar com a cabeça coberta com um capuz. Esse capuz
foi-se estilizando até se tornar o paramento a que chamamos amito
"Os olhos são as janelas da alma'', diz um antigo aforisma que ( do latim amictus, que significa "coberto"). É um lenço branco de
,. nos recorda que somos homens, não anjos. Todo conhecimento nos forma nblnnga ou retangular, com compridas fitas cosidas a dois de
.
vem pelos sentidos. Se fosse possível alguém nascer e viver sem cus trngulos. Em alimmas ordens rclieiosas. ainda se usa o amito
possuir os sentidos da percepção - sem poder ver, ouvir, cheirar, em forma de capuz. obre a cabeça. .._Mas, para os demais sacer
saborear ou tocar -, a sua mente estaria absolutamente em branco, dotes.o pre crito é utilizú-lo por baixo da alva, quando esta não
in•dependentemente da boa conformação física que tivesse o seu cé cncnhrc Clm1pletamente as vestes cnmuns que circundam o pescoço.
rebro. Estaria nele a alma espiritual, mas todos os seus acessos ao A Ig:rl'ja frz do amito um símbolo do "capacete de salvação'' de
conhecimento estariam fechados. Dos sentidos corporais dependem quc nos fala São Paulo. que protege a cabeça contra os ataques de
S.:itan{is.
não só os conhecimentos, mas também as emoções e as atitudes
A IISSA
294 POR Ql1E \'ESTIH PAR:\.\IEYfOS? 20.)

A segunda peça importante vestida pelo sacerdote. depois da alcançar a vida eterna. É a cor que se utiliza nos domingos do
alva ou túnica. t: a estola: uma longa faixa de cor. que se coloca Tempo Comum. quando a Missa não é de um santo ou outra festa.
sohre os ombros e se deixa pender dia11tc do peito. O uso da estola A ct1r roxa evoca a prq1ara½·ão e a paciência e, pt1r isso, é usada
foi introduzido no só.:ulo IV, e parece derivar da roupagem oficial nos domingos e dias de semana do Advento e da Quaresma, quand0
que os juízes romanos vestiam no tribunal. A Igreja adotou-o como não se comemora outra festa. A cor roxa é ainda utilizada nas
símbolo da autoridade sacerdotnl. A roupagem do princípio foi evo Missas de defuntos, que podem ser celebradas também com casula
luindo até adquirir a forma de hoje. Na sua liturgia. a Igreja com de cor preta.
para a estola à "roupa de imortalidade" que recobre a alma cristã.
Eventualmente, a própria estola pode fazer as vezes da casula. Assim, Podemos aproveitar o ensejo para passar brevemente em revista
para o Brasil, a Santa Sé aprovou a possibilidade - se o sacerdote os principais objetos sagrados necessários para a celebração da Missa.
assim o desejar - de se substituir o conjunto alva e casula por Entre eles distinguem-se os vasos sagrados: especialmente o cálice
uma túnica ampla, de cor neutra, com uma estola da cor do tempo e a patena. No cálice, o vinho é consagrado, transformando-se no
ou da festa. Sangue de Nosso Senhor, que é oferecido por nós. E na patena -
O último paramento de que o sacerdote se reveste é a casula. que tem a forn1a de uma pequena bandeja - o pão converte-se no
A casula é uma vestidura ampla. comumente com adornos, que pen Corpo de Jesus, que igualmente se oferece ao Pai em sacrifício pelos
de dos ombros do sacerdote. pela frente e pelas costas. Do fato de nossos pecados. Por isso, esses vasos sagrados sempre são de ma
envolver o sacerdote derivou o nome latino casula, que significa terial nobre, sólido e incorruptível. O normal é que sejam inetálicos,
"casa pequena". No simholismo cristão denota o jugo de Cristo, a e. nesse caso, convém que recebam o revestimento de um banho de
1 responsabilidade do celchrante como cristão e como sacerdote. Há ouro no seu interior, que estará em contacto com --º- Preciosíssimo
dois estilos de casulas: a mais ampla. que pende dos braços aos Sangue ou o Sagrado Corpo de Cristo. Este banho é logicamen
1,, lados, e se chama g{)tica; e a atualmente menos usada, recortada nos te desnecessário quando se trata de um cálice ou de urna patena
' ' lados para deixar os braços livres. chamada romana. A casula não de ouro. Também pode suprimir-se quando se utilizam outros me
é senão uma adaptação da capa que os homens vestiam nos primei
\ ros séculos da história cri tft.
tais nobres inoxidáveis.
Há também outro vaso sagrado: o cibório, que. como o seu pró prio
nome indica (cihorium em latim quer dizer recipiente do pão), é
Interessa-nos olhar agora para o celebrante detidamente, quando uma copa que contém as hóstias pequenas com as quais os fiéis
sai da sacristia já paramentado, pronto para começar a Missa. comungam. Valem a respeito da sua confecção as mesmas observa
Notamos logo que os paramentos exteriores do sacerdote são ções que fizemos a propósito do cálice e da patena. Quando o nú
de cor, uma cor que nào é a mesma todos os dias. Há cinco cores mero de comungantes não é muito elevado, pode-se prescindir do
que dão variedade à liturgia: o branco. o vermelho. o verde, o roxo cibório, utilizando a própria patena.
(ou violeta) e, eventualmente, o preto. O branco é símbolo de pu
reza e santidade, e também expressa gozo. É a cor das festas de Além dos vasos sagrados, são importantes vanos outros objetos
Nosso Senhor, da Santíssima Virgem, dos santos que não são már para a celebração da Eucaristia. São as toalhas, o corporal, o san guíneo
tires, e utiliza-se também na Páscoa. O vermelho é a cor do fogo e a pala, todos eles de pano branco, e, finalmente, as velas. As
e do sangue. Significa o fogo ardente do amor, e por isso é a cor toalhas cobrem o altar. Deve haver pelo menos uma. O cor poral é
usada nas festas do Espírito Santo, que no dia de Pentecostes des uma peça quadrada de pano branco, que se estende sobre a
ceu sobre os Apóstolos em forma de línguas de fogo. É também a toalha. Sobre o corporal descansarão - no cálice e na patena -
'1,1
cor das festas dos mártires. esses santos que provaram o seu amor ° Corpo e o Sangue de Jesus; daí o seu nome. O sanguíneo é um
a Cristo derramando o seu sangue por Ele. Por maioria de razão, pano de linho fino que serve para enxugar o cálice no fim da Missa.
emprega-se no Domingo de Paixão (Ramos) e na Sexta-Feira Santa, A pala é um pequeno quadrado de pano rígido, com o qual se pode
quando se celebra a morte dAquclc que é - como dizia Santo Agos cobrir o Cálice durante a celebração, para impedir que caia poeira
tinho - a "Cabeça dos Mártires". O verde é a cor que cobre a ou qualquer impureza no Sangue de Cristo. Sobre as velas que ar
terra quando a natureza desperta do seu letargo invernal. É, por dem no altar ou diante dele (Cristo, Luz do mundo), basta dízer
conseguinte, a cor da esperança, e expressa a nossa confiança em que se utilizam pelo menos duas. Em dias de festa, são quatro ou
2% A \JISSA
(l \líSS_\L HO\f:\'.\O 297

seis. Tamhém vemos. nn altar ou junto dele, um crucifixo. que () Papa. hto deu origem às igrejas orientais separadas, quer dizer,
rcCLJrda constantemente ao sacerdote que está a oferecer o Sacrifício i'.!.rcjas que cortaram o vínculo de unidade com o bispo de Roma,
d0 Calvário. <1 Papa.

í
N:tn podemos expor aqui em detalhe as razões históricas da
Í. O MISSAL ROMANO ruptura com Roma. Basta observar que as igrejas orientais que
:1 rnmperam com Roma são chamadas comumente Igrejas Ortodoxas.
" Todas as orações fixas que se recitam ou se cantam nas Missas ao passo que aquelas que permaneceram fiéis se chamam Uniatas
1
de rito latino estão contidas num livro chamado Missal romano. (quer dizer. unidas). Em consequência, deparamos com divisões tais
1, Este livro contém tamhém as instruções detalhadas das cerimônias CPJll(l a Igreja Cat<'1\ica de rito oriental, a Igreja Ortodoxa Grega,
que a ígreja prescreve para a celebração da Missa. No Missal lati a !!:!:reia Cat('i!ica de rito armênio e a Igreja Ortodoxa Annênia. etc.
no, os textos que devem ser lidos costumam estar impressos em o Í\1ti;11t1 Concílio. e depois os Papas. têm-se esforçado por procurar
preto, ao passo que as instruções vão em vermelho. Por esta razão os caminhos da uniüo das Igrejas orientais separadas com a Igreja
são chamadas ruhricas da Missa, do latim ruher, que significa "ver Catt'1lica. Mas devemos suhlinhar que, enquanto Deus nflo se dignar
melho". Note-se que as leituras estão reunidas em vários volumes conceder-nos a alegria desta nova união, os catâlicos dos ritos orien tais
independentes, chamados Lecionários. Depois da última reforma li s:í0 tüo católicos como tH1s. Reconhecem o Papa como cabeça
túrgica, a riqueza das leituras é muito grande. espiritu:il suprema. têm vcrcl3deira Missa e vcrdaddros sacramentos,
O nosso livro de altar chama-se Missal Romano, para distin ainda que m, ccrim('lnias da sua liturgia sejam diferentes e possuam
gui-lo dos utilizados pela Igreja Católica de ritos orientais. Devemos tracli,/1n rrôrria. E temos ahsoluta liberdade para assistir à Missa
recordar que, inclusive antes da reforma realizada pelo Concílio Va \i crn su;i:-- ii:rcjas. como eles a têm para assistir às nossas.
li' ticano li, que autoriza as Missas em língua vernácula, o latim não De fat(1. se tivermos oportunidade, não será má idéia compa recer
' i
,, 1 era a única língua cm que se celebrava a Missa. nem as cerimônias ;J!guma \'Cz a uma igreja católica de rito oriental. Servirá p::irJ
de rito latino as únicas na sua celebração. O latim passou a ser entendermos melhor o que significa a palavra católico. quer di?cr.
1 a língua dominante na Igreja Católica devido ao que poderíamos universal, qttl' abra a todos os homens e se adapta a qual quer
chamar uma circunstância histórica. Durante os primeiros trezentos
1 anos da história cristrt. a língua oficial do culto, mesmo cm Roma,
L'tiltura. VcrL'nws tamb m que o que de verdade importa é o lillL' se
p:l '.'>J na Mis a: a oferenda de cada um em uniào com Crist(1. a
era a grega. No século IV. a Igreja adotou o latim, que tinha des H1.'lstia perfeita. e n:10 a língua em que se celchra ou os gestos
locado o grego como língua do povo, para que este participasse mais (]l!L' SL' L.17t'lll.
ativamente do Santo Sacrifício. Por essa mesma razão, agora se em P()(km- c encontrar igrejas católicas de rito oriental nas gran
pregam línguas vernáculas. des cidaJes. mas. antes de cntrarm()s nelas, devemos certificar-nos
de que se {rata de uma igreja catúlica, uniata. As igrejas ortodoxas
Enquanto em Roma as cerimomas da Missa se desenvolviam n:·10 -,:-in cat1'1licas e, por isso. os catúlicos não devem ir a elas a
segundo as linhas que nos são tão conhecidas. as comunidades cris n n ,-'r tJLiL'. nn 1!1gar onde se encontram, não haja uma igreja cató
1
tãs de Jerusalém, Antioquia (Síria), Alexandria (Egito), e Cons ."/
lica \lll c.\i-,1 1m nutras razões para o fozcr assim. De fato, as igrejas
tantinopla (Grécia), desenvolviam outras orações e cerimônias para ; 11nnduxas - embora scp;::nadas - têm verdadeiro sacerdócio e ver
a Missa. Poderíamos dizer que estavam desenhando outros estilos ,. dc1delrm, acramcntos.
de engaste para a jóia preciosa que Jesus nos doou na última Ceia. ·. Di:,,scm0s que foi um simples acidente histórico o que fez do rito
Das liturgias dessas comunidades orientais nasceram as orações e latino o mais estendido na Igreja. Mas esta afirmação, se cremos
.I.
crrimônias da Missa que hoje conhecemos por ritos orientais. Diver sos ' 11a prm id0ncia de Deus. não é estritamente certa. Por inspiração
bispos adaptaram uma ou outra dessas liturgias orientais à lingua gem j' di\ iria. é um fatn histt'1rk'n que as novas e vigorosas JHH;ões pagãs
t
1,,
do seu povo, o que levou a uma diversidade ainda maior. Como (]o Ckidl'll\...' fnLim e\ angelizadas por missionários de rito latino. que
resultado, temos os ritos bizantino (ou grego), o sírio, o caldeu, o Rllm:1 cm·ic1\·:1. e 11:10 por mí-;:,,i(1n{1rios de Cnnslantinnpla. Devemos
armênio, para mencionar alguns. " :! Sa11((l'l Patrkin. RoniL'tL-io. /\unstinho. Cirilo e Mctódio o
('(1Jllt)

O que surpreende os católicos de rito latino é que alguns bispos l',1lr1 de n f\lis,.,al R1H11a110 kr sicln o li\·;o de Missa Ja grande maioria
de rito oriental tenham rompido a sua união com o bispo de Roma, d1ls, 1.._·ci11'iliu1s através cl11s tcmpns.
2(),'-) A \IISSA PARTICIPAR DA \f!SSA 99

A propl)sitn dn Missal. queríamos. finalmente. ohservar que o uma só Vítima, uma só Hóstia. depositada ao pé do trono divino.
novo Missal Romano se encontra em muitos países traduzido para Podemos ser dez ou dez mil, mas, olhe o Pai para onde olhar. é o
a n.,spccti\·a línguas \'CínÚL'lllas. pelo mcnns ,rns partes relativas às seu Filho quem Ele vê. E, enquanto o amor de Deus flui para
Missas úns domingns e das solenidades. Embora n:'10 seja indispcn. Jesus, este amor do Pai pelo seu Filho derramaMse sobre cada um
sável. é muito útil possuir um. para acompanhar melhor todas as de nós.
orações e leituras da Missa. e para poder a qualquer momento me É, pois, evidente que a nossa atitude - a disposição e a atitude
ditar nos seus helos textos. da nossa mente e do nosso coração - é mais importante que todas
11, as palavras que possamos pronunciar. O sacerdote tem que falar.
porque deve realizar o sinal externo que tornará presente a ação
PARTICIPAR DA MISSA do Calvário, aqui e agora. Nós teriamas que falar ou cantar - nos
momentos apropriados -, para expressar a nossa identificação com
Qual é a melhor nrnndra de participarmos da ivlissa? No que o que está acontecendo. Mas não esqueçamos que cumpriríamos,
diz respeito à nossa atitude durante a Missa, 11 10 há discussão possí poderíamos cumprir a nossa parte na Missa, mesmo que fôssemos
vel desde a "Constitui ão sobre liturgia" do Concílio Vaticano II, surdo-mudos. Cumprimo-la quando realmente nos fazemos um com
e as subsequentes lnstruçlics que aplicam a reforma litúrgica. A Jesus: um com Ele no seu ato de amor. Um com Ele na sua função
Missa é o sacrifício, o culto perfeito que trihuta a Deus Pai o próprio de Vítima.
Cristo e, com Ele, a Igreja inteira. o Corpo Místico de Cri to. Por
isso, todo o povo presente deve participar dela. de modo ativo e Que significa fazer-se vítima? Significa entregar-se no altar da
consciente. A Missa nfto é lugar apropriado para rccitnrmos ora vontade de Deus. Significa dizer ao Senhor do fundo do coraçüo:
/' ções privadas. por mais excelentes que sejam. como o tcrçn. "Toma-me, Senhor, sou teu sem condições. Faz comigo o que qui seres.
', Na Missa, cumprimos o nosso importante papel de membros do Viver e trabalhar, sofrer ou morrer: o que Tu quiseres é o que eu
Povo de Deus - incorporados ao Corpo Místico de Cristo pelo quero; faça-se em mim a tua vontade. Faz-me instrumento
para estender o teu reino; ajusta-me ao teu plano sobre mim, ainda
1\ Batismo - rezando ou cantando em comum. Escutamos Jesus que
que tenhas que golpear-me com força para que eu encaixe no meu
nos fala nas leituras, no Evangelho e na homilia da Missa. Nos
momentos de silêncio. unimo-nos ao sarerdote n;is nra<.;ôcs que re cita. { lugar".
A participaçào ativa na Missa adquire uma ignificaçJ.o reno vada O pensamento de nos entregarmos no altar tão incondicional mente
como supremo ato de culto que nós e os nossos irmftos copar ticipantes talvez nos cause um pouco de medo. Talvez tenhamos que admitir que
oferecemos em uni:to com Cristo. O uso da nossa própria língua na l\ não nos sentimos capazes de dizer, com sinceridade ab soluta, palavras
1issa ajuda-nos a ganhar uma consciência muito viva do que se de entrega tão completa. Então, que pelo menos queiramos poder dizê-
passa no altar. Ias. Em vez de dizer: "Toma-me, Senhor, sou teu sem condições",
Mas é essencial recordar que a nossa partil'ipaçJ.n na Mi sa é teremos que nos contentar com dizer: "To ma-me, Senhor, e dá-me a
muito mais que a mera conformidade externa com urn;:is orações e generosidade de querer ser teu sem con dições". Entregar-se
cerimônias; a Missa é sobretudo o oferecimento do sacrifício do parcialmente como vítima é melhor do que não se entregar
Calvário, que realizamos com Jesus. ' absolutamente. Deus terá paciência com a nossa atual frouxidão,
Pelo ministério visível do seu sacerdote ordenado. Jesus oferece descobrirá em nós algum traço do seu Filho e, com a sua graça,
à Santíssima Trindade um ato de adoraçüo que é digno de Deus.
porque é oferecido pdo próprio Filho de Deus. Í um ato de ado
j nos elevará ao nível de fortaleza que agora não temos.

ração que se expressa num ato de anwr Infinito. anll1r que. por sua Além da nossa identificação com Cristo na sua função de Víti
vez, adquiriu o seu valor pela ohcdiê1,l'ia infinitamente perfeita de ma, que temos de fazer sem reservas, há outro aspecto da nossa
Jesus à vontade de seu Pai. participação na Santa Missa que é de capital importância. É con
Na Missa, Jesus congrega-nos cm torno dElc. /\ceit:i do cora çüo (' ' tinuarmos no tempo, pelos laços da caridade, a identificação com Jesus
de cada um de nós a ofcrendJ do nosso amor a Deus e dú-lhe um que fizemos na Missa. A nossa entrega como vítimas seria um gesto
valor eterno unindo-a ao seu pr1'1prio amor infinito. Juntos, fr sus e vazio se a negássemos com as obras, se com a nossa conduta faltás
nós, aproximamo-nos de Deus cm unidade. Constituímos :i sim semos à caridade com os nossos irmãos, os homens.
A ,IISS.I
300 nRTICll'.\R DA .\IISSA 30[

Se na verdade somos um em Cristo, veremos os outros com os Cristo na sua Igreja: adorar a Deus e redimir o homem. Mas,
olhos de Cristo, vê-los-emos como almas que temos que amar. que quando o povo deixou de tomar parte ativa na Missa, esta perdeu
salvar, por pouco atraente que nos pareça o seu aspecto externo. grande parte do seu valor secundário: do seu valor como monitora
Se odiarmos de verdade uma só alma, teremos destruído a nossa da vida cristã e modeladora da mente cristã. Quando o povo parti
união com Jesus, ter-nos-emos separado de qualquer participaç;to cipava ativamente da Missa, esta lhe recordava constantemente a sua
real na Missa. Se, sem chegar ao ódio, abrigarmos algum rancor, unidade com Cristo e de uns com os outros.
por menor que seja, ter-nos-emos situado numa zona marginal. sepa Enquanto recitavam ou cantavam as orações da Missa, os fiéis
rados dos muitos feitos um que têm o direito de aclamar na Missa: viviam com Cristo a sua paixão, morte e ressurreição. A sua reli
"Santo, santo, santo, Senhor Deus do universo!" gião estava impregnada de alegria, porque lhes recordava vivamente
,i/1 Dar-se a Deus sem reservas e praticar a caridade com todos: :iue Cristo os havia resgatado do pecado e da morte e, por sua res
estas são as disposições que no'i fazem participar ativamente da :-.um:ição, lhes havia dado o penhor da vida eterna. Era também
ii' fv1issa. Alegra-nos muito que o Concílio Vaticano II tenha permi 11ma religião centrada em Cristo; saíam da igreja conscientes da sua
r hr , i
tido que a Missa se diga na nossa língua, porque se tornou mais ohrigação de participar da obra redentora de Cristo e da sua respon
fi: fácil a nossa participação externa e interna. Mas, sempre, o essen sahilidadc para com o próximo.
1'1 cial na nossa participação na Missa, diga-se em latim, português ou
inglês, contimw ·,:1 ser a sua raiz no interior da nossa alma. Quando os fiéis deixaram de participar de forma inteligível na
.'I\,
liturgia ("Jiturgia" é uma palavra grega que significa "obra", "tare
!! Há mil e quinhentos anos, o latii;n era a língua vulgar do povo fa"), a sua vida espiritual foi sofrendo uma mudança gradual. Por
no Império Romano. Quando as pessoas iam à Missa, entendiam um lado, centrava-se menos em Cristo e mais nas pessoas, que se
i!t
1

o que se fazia e, mais ainda, contribuiam para o que se fazia. Ora preocupavam mais com a sua alma e menos com a do próximo e
vrim com o sacerdote e com ele cantavam, e faziam-no com plena com as suas necessidades. Em sua mente, pensavam mais como in
1 \ compreensão porque a Missa se dizia na sua língua habitual. Nas divíduos que como membros interdependentes do único Corpo Místico.
1 ' procissões do Ofertório e da Comunhão, dirigiam-se ao altar para A rei igião perdeu parte do seu caráter gozoso à medida que os cris
levar seus dons e receber o dom divino. Com uma participaçüo t:1os foram perdendo parte da alegre confiança na eficácia da re dcnçào
tão ativa na Missa, era-lhes fácil perceber que formavam uma co munidade, de Cristo aplicada a si mesmos. Começaram a ficar mais preocupados
a comunidade cristã, consagrada com Cristo, sua Cabeça, à tarefa de com a inclinação pessoal para o pecado e, em conse quência. passaram a
reconciliar o homem com Deus. encarar a "virtude" primordialmente como pre servação do pecado.
Mas das terras não civilizadas do norte da Europa irromperam Não há dúvida de que preservar-se do pecado é imprescindível, mas
as tribos bárbaras. Estes pagãos invadiram o Império romano, tra não é senão o começo. Não devemos esfor çar-nos apenas por
zendo consigo as suas próprias línguas, das quais surgiram muitos permanecer sem pecado; devemos trabalhar com Jesus para aumentar
dos idiomas modernos da Europa atual. Pouco a pouco, o latim a nossa caridade, o nosso amor.
sofreu transformações sucessivas, deixando de ser a língua do povo. A perda da intima participação do povo na liturgia teve outra
Tornou-se uma língua "morta", que ninguém além das pessoas cul consequência. Com o obscurecimento do sentido da Missa, come çaram
tas falava. Gradualmente, o povo foi ficando para trás no ofereci a florescer as devoções privadas de todos os gêneros. O de sejo
mento do Santo Sacrifício, até este se tornar uma trabalho exclusivo humano de participar do cuJto empurrou os fiéis para as nove nas e
do sacerdote, do sacerdote assistido por uns poucos ajudantes e por para outras formas de piedade não litúrgicas. Nenhuma delas na má
um coro profissional. Já não era tão patente que a Missa é a ação - qualquer forma de oração é boa e agradável a Deus -,
?ias, com muita frequência, essas devoções privadas tornaram-se mais
de todo o Corpo Místico de Cristo. Para o povo inculto, a Missa
importantes do que a própria Missa; e o que está em primeiro lugar
converteu-se assim num espetáculo: algo a que devia assistir e que de deve ocupar o primeiro lugar.
via ver, mas em que não tinha parte. Devemos estar agradecidos ao Concílio Vaticano II e aos recentes
Com isso, porém, a Missa não perdeu nada dos seus valores Papas por terem posto tanto empenho em devolver à liturgia o lugar
css.enc1a1s. Nela, Jesus Cristo continuava a oferecer-se a Deus, pelo que lhe corresponde: como centro da vida e do culto cristãos. O
ministério do sacerdote, como Oferenda perfeita, como Sacrifício per século XX passará à história cristã como a era em que, graças a
feito. A Missa era - e é - a Grande Ação, a Grande Obra de esta renovação, a liturgia reviveu como ponto focal da piedade e
1
302 A MISSA

da vida cristãs. Por isso. é dever de cada um de nós aprofundar no CAPÍTULO XXVIII
ninhecimento do significado da Missa e aumentar o seu amor por
ela. Temos que tornar mais completa a entrega de nós mesmos que, A 8AUHADA C01HTXH l0
cm unif10 com Cristo. fazemos na Santa Missa, unir-nos mais estrei
tamente aos nossos irmãos pelos laços da comum fraternidade. e viver
a Missa levando a nossa entrega pessoal e o amor fraterno a todas
as atividades de cada dia.

TÃO PERTO DE CRISTO

Na augusta Ação a que chamamos Santa Missa, o pão e o vinho


transformam-se no Corpo e no Sangue de Jesus. Mas seria um grave
1'· erro supor que a Missa não é senão o meio ou instrumento para
1
confeccionar a Sagrada Eucaristia. A Missa tem um fim próprio:
' é um Sacrifício que constantemente renova no tempo o Sacrifício da
Cruz. E é um tema tão grandioso que foi preciso dedicarmos a ele
um estudo à parte. Agora vamos ver a Eucaristia como Sacramento.
Ao chegarmos a este ponto, surgem-nos naturalmente algumas
perguntas: Que fim tem o sacramento da Eucaristia? Que efeitos
produz na alma? Sabemos que cada sacramento produz o seu efeito
ou efeitos próprios. Se o fim de todos os sacramentos fosse simples
mente dar-nos a mesma espécie de graça, teria bastado que houvesse
um só; não haveria necessidade de Jesus Cristo ter instituído sete.

O sacramento da Sagrada Eucaristia foi instituído como alimento


espiritual. Por isso, o sinal externo desse sacramento, as aparên
cias do pão e do vinho, são sinais de alimento, como o sinal externo
do Batismo, a água, é sinal de limpeza. A ação pela qual nós, como
rndivíduos, recebemos a Sagrada Eucaristia é uma ação de comer:
ingerimos as aparências do pão e do vinho sob as quais Jesus está
realmente presente. Esta ação chama-se Comunhão. Visto a Euca ristia
ser um alimento espiritual, é de supor que cause na alma efeitos
1,,
análogos aos do alimento material em relação ao curpo. E assim é.
. O primeiro e o mais importante dos efeitos do alimento mate
nal é t0rnar-se uma só coisa com quem o come: transforma-se na
suhstância da pessoa que o ingere e torna-se parte dela. Na Sagrada
C'nmunh to, passa-se espiritualmente algo de parecido, mas com uma
grande diferença. Opera-se uma união entre a pessoa e o alimento,
A SAGRADA C:O IC'.\IHO TAO PERTO DE CRISTO 305
30-1

mas, neste caso, é o indivíduo quem se une ao alimento, mais do Pode ser oportuno fazer aqui uma observação. O amor a Deus
que o alimento ao indivíduo. O inferior une-se ao superior: tor e ao próximo de que vimos falando não é um amor sentimental nem,
namo-nos uma só coisa com Cristo. necessariamente, emocional. Podemos crescer em amor a Deus e ao
A nossa união sacramental com Cristo não consiste na mera próximo sem "sentir'' a emoção que se sente nas relações humanas
união física entre o nosso corpo e a Sagrada Hóstia que recebemos. de afeto. Aliás, a emoção é um guia de pouca confiança. Não
t antes a união mística e espiritual da alma com Jesus, operada devemos preocupar-nos se a nossa emotividade permanece inalterada;
pela divina virtude do amor mediante contacto físico com o sagrado devemos medir a eficácia das nossas comunhões frequentes pela me
Corpo de Jesus. Este efeito - a incorporação mística da alma a lhora no nosso modo de ser e de agir.
1i
Jesus por meio da caridade - produz-se "ex opere operato", como
,1; dizem os teólogos. Quer dizer, produz-se pela virtude do próprio sa Quando o organismo se alimenta, e transforma o alimento na
r cramento, sem esforço da nossa parte. Se não opomos barreiras à sua própria substância, qual é o resultado? Nas primeiras etapas da
vida. n efeito mais notável é o crescimento: ganhamos em força e
i sua ação - como seriam as barreiras da falta de fé ou do pecado -,
i" ao recebermos a comunhão unimo-nos infalivelmente de um modo estatura. Outro dos efeitos é conservar a vida: o alimento repara
l;'
:; íntimo a Jesus pelo laço da caridade. conslanti:mcnte as células desgastadas e consumidas do corpo e pro
Esta maravilhosa fusão da alma com Jesus é de um tipo muito porciPna-lhe os elementos de defesa contra as infecções. O alimento
ii especial. Evidentemente, não nos tomamos "parte de Deus", não tem t0mh m um valor medicinal: muitos doentes não precisam de
jl nos unimos a Jesus por uma únião hipostática como a que existe outra medicação além de um regime equilibrado de comida para
11 entre a sagrada Humanidade de Cristo e a sua Natureza divina. A recuperarem a saúde.

I 1'1
união com Jesus que a Sagrada Comunhão opera em nós é de um
tipo único na sua espécie. É muito mais que a união "ordinária,,
Dado que a Sagrada Eucaristia é alimento, é lógico esperar que
r,roduza na alma os mesmos efeitos que o alimento material produz
com Deus que o Espírito Santo estabelece em nós pela graça santi no corpo. Já fizemos notar que o processo de união entre o ali
ficante, mas é menos que a união final e da máxima intimidade de mento e .1quele que o toma atua em sentido contrário na Sagrada
11 que gozaremos no céu com a visão beatífica. A união não é nem Eucaristia: neste caso, quem o toma une-se ao alimento. Dessa união
hipostática nem beatífica: é muito simplesmente Comunhão. única e íntima derivam outras consequências.
1
1

A primeira é o crescimento espiritual que se produz pelos repe


Ao unirmo-nos a Cristo nessa união íntima e pessoal. uma união tidos incremcntos de graça santificante que a Sagrada Comunhão
tão particular, unimo-nos também a todos os que estão "em" Cristo, comunica. É próprio de cada sacramento dar ou aumentar a graça
aos outros membros do seu Corpo Místico. A união com Cristo na santificante. No entanto, cada um dos outros sacramentos tem um
Sagrada Comunhão é o laço de caridade que nos faz uma só coisa fim específico próprio, além de conferir a graça santificante. O Ba
com o prox1mo. Não podemos experimentar um crescimento no tismo apaga o pecado original. a Penitência perdoa o pecado atual,
amor a Deus, que a nossa união com Deus nos comunica, sem ex a Confirmação fortalece a fé, o Matrimônio santifica os
perimentar ao mesmo tempo um crescimento no amor ao próximo. esposos, e assim por diante. Mas a Sagrada Eucaristia é um
E o fruto das nossas comunhões torna-se suspeito se continuamos sacramento cujo fim especial é aumentar a graça santificante,
a manter preconceitos de nação ou de raça, se guardamos rancor repetida e frequente• mente, por meio da união pessoal com o
ao próximo, se não vemos melhorar a nossa afabilidade, compaixão, próprio Autor da graça. Estaa razão pela qual a Eucaristia é o
paciência e compreensão para com os demais. sacramento por excelência do crescimento espiritual: aumenta-nos a
O próprio sinal desse sacramento simboliza a nossa absoluta estatura e a força espirituais.
1,, unidade com Cristo. Muitos grãos de trigo se juntaram no pão que Esta é também a razão pela qual devemos estar já em estado
se converterá no Corpo de Cristo. Muitos grãos de uva foram e - de graça santificante ao recebermos a Sagrada Comunhão. O
premidos juntos para encher o cálice que conterá o Sangue de Cristo. alimento n a terial não pode beneficiar um corpo orto e a Sagrada
Somos muitos num. E esse Um é Cristo. "E o pão que partimos Eucaristia nao pode beneficiar uma alma morta. É evidente além
não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque o pão é um só,e disso que
nós, embora muitos, formamos um só corpo, pois participamos todos :i pessoa qrn: comungasst: sahendo estar cm pecado mortal. ;l..'.r
desse único pão" (1 Cor 10, 17). centaria uma nova dimensão de culpa ao seu estado pecaminosn:
cometeria o gravíssimo pecado de sacrilégio. No mesmo ato em que
e oferecesse externamente a Jesus, na união de amor que é a essên-
306 A SACHADA CO.\llJ.,HÃO
QUE ! PODE COMUNGAR' 307

eia da Comunhão, opor-se-ia a Ele pelo não a Deus que o estado


perdoa o pecado venial; enfraquece a concupiscência e, assim, pre
de pecado mortal acarreta implicitamente.
serva-nos do pecado mortal. Finalmente. como toda boa alimenta
O alimento material não devolve a vida a um corpo morto, mas
ção, anima-nos a trabalhar. Quem comunga com frequência, bem
devolve a saúde a um corpo debilitado. De modo análogo, a recep
preparado e com fruto, não pode ficar encerrado em si mesmo. O
ção da Sagrada Eucaristia não perdoa o pecado mortal, mas perdoa
seu horizonte espiritual vai-se abrindo mais e mais ao amor de Deus,
o venial, sempre que, naturalmente, quem comunga esteja arrepen
e sente a urgência de fazer coisas por Cristo e com Cristo: fortalecido
dido desses pecados. Outra vez opera aqui o amor. O que podería
pelas graças da Sagrada Comunhão, converte-se num cristão apóstolo.
mos chamar "descarga" de amor que Jesus lança na alma no mo
mento da união pessoal, tem tal força purificadora que limpa a alma
das suas infidelidades menores. Seja qual for a montanha de peca
dos veniais que embarace a alma, dissolve-se e aniquila-se (se há QUEM PODE COMUNGAR?
arrependimento) quando Cristo entra em contacto com ela.
Todo católico que tenha alcançado o uso da razão e possua o
O alimento não restaura a vida, mas preserva-a. Outro dos necessário conhecimento pode e deve receber o sacramento da Sa grada
efeitos da Sagrada Comunhão é, portanto, preservar a alma da morte Eucaristia.
espiritual, do pecado mortal. Já se deu um passo nessa direção ao Considera-se que uma criança chegou ao uso da razão quando
ficarem perdoados os pecados veniais, pois estes formam a vertente é capaz de distinguir (pelo menos até certo ponto) a diferença entr
gradual que leva à queda brusca e repentina do pecado mortal. o bem e o mal morais. Uma criança de quatro anos pode saber
Mas a Sagrada Comunhão tem um efeito adicional que ajuda que uma ação é ''má" porque desagrada a seus pais, e "boa" por
a preservar-nos do pecctdo mortal. Atua sobre o que os teólogos que a louvam por ela. Mas é incapaz de perceber que certas ações
1 denominam "a proc1ividade para a concupiscência". A concupis cência são boas ou más porque correspondem ao que Deus quer ou não;
é essa tendência para o pecado, que é herança comum de não chega a captar as idéias abstratas de virtude e pecado. Como
regra "a olho", aceita-se que, comumente, uma criança entra no uso
1 todo o gênero humano em resultado da queda de Adão. É a atra da razão aos sete anos de idade. Mas são poucas as crianças "co
ção das paixões desordenadas que puxam para baixo, é o embate
muns". Tanto mental como fisicamente. umas se desenvolvem mais
dos impulsos rebeldes que controlamos inadequadamente, é a tendên cia depressa ou mais devagar que outras. Cada criança tem a sua me
para a soberba da vontade, que quer seguir o seu caminho sem contar dida pessoal de desenvolvimento. É responsabilidade dos pais e edu
com Deus. cadores determinar quando a c:riança atingiu idade suficiLnte para
Esta concupiscência, esta inclinação para o pecado, debilita-se receber o sacramento da Sagrada Eucaristia.
em nós quando recebemos o sacramento da Sagrada Eucaristia. Os doentes mentais que tenham perdido por completo o con
Quando uma nave espacial sai da atmosfera terrestre, a atração da tacto com a realidade não podem comungar. Se têm períodos de
força de gravidade da terra vai-se debilitando à medida que a nave
lucidez, em que raciocinam com coerência, podem receber a Sagrada
se aproxima do sol. Chega um ponto em que, de fato, essa força de
Comunhão nesses intervalos. Também podem fazê-lo se a doença
gravidade fica completamente anulada e os corpos flutuam livremen
é apenas parcial e ainda sfto capazes de distinguir a Sagrada Euca
te no espaço. De modo parecido, quando nos aproximamos mais
ristia do pão comum.
e mais de Jesus pela comunhão frequente, notamos que a força de
A profundidade de conhecimentos requerida para receber a Sa
atração da concupiscência diminui e o poder da tentação se debilita. grada Comunhão depcndenl da capacidade mental de cada indivíduo.
Não é apenas que fiquemos mais fortes (ainda que fiquemos, é
Evidentemente, uma criança de sete anos não captará a natt1reza da
claro), mas, além disso, o pecado começa a perder em boa parte
Sagrada Eucaristia tfto plenamente como um adulto. e um ana1fa
o seu atrativo e começamos a ver os nossos apegamentos de ontem
hcto pode não compreender as verdades <la fé tão claramente como
como são na realidade: bugigangas sem valor. Não é fácil alcançar
um univasit,í.rio. Corno mínimo. quem vai comungar deve saber
nesta vida esse ponto de não-gravidade, mas podemos chegar muito
(e crer) as verdades divinas que üo imprescindíveis parn a salva•
perto dele.
(,Jio: n conhecimento ck Deus LTno e Deus Trino. que premia a
A Sagrada Comunhão nos une com Cristo e aumenta o nosso
virtude c castiga o pecado: e de Jesus Cristo. Deus e homem. nosso
amor a 01..'us e ao próximo: incrementa em nós a graça santificante,
Redentor.
1,1\ 1-·\1 I'( Jl)F C:0\/T"\'C_.\J-l.'. 309
308 A SAGIHDA GO IUNHÃO

111
lk qt1<.dq11i.:r. SL a JúYida sincera e nàl) urna L·lara Jll3llobra
Na prática, quando as crianças são preparadas para a primeira ,,1r:1 11(1-, l'ng:rnarnws a !J()s mL':-.nws. pockmns L11cr 11111 ato de per
comunhão, recebem, naturalmente, muito mais doutrina que esse 1 f._'Ít:t_ ,._, 11Jtn1./t(l e comungar sem passa.r antes rela L·l1nfissãn. É evi
1
m1mmo. Não 0bstante, convém que os pais saibam que, quando Lktik' L!lli.-' 11i11i:!uL·m pnde estar nunca ahsu!wa111c111t' certo de ter uma
uma criança está em perigo de morte, pode e deve receber a Sagrada , , q11r 1 ·,1, r' ·:-kil:l: rnas. cm L·asns L'lmlll 11'-, 111L'lll'Í()]]:iclos, hasta uma
Comunhão, mesmo que não haja feito a primeira comunhão, sem 1/1 ':t \ _-\
pre que tenha idade suficiente para distinguir a Sagrada Eucaristia
Uo pão comum. Nestes casos, os pais devem consultar o pároco 1 ,1111('" l·c--trit(,..,. Jll'11hum ser humano (l'.lllll exceção da San-
Uli com a máxima diligência. 11,,--.1111: 1i:2l·r11J pl1dc ',L'r genuinamente digno ,de receber a Sagrada
\
',
1 e ·(1n1t111h.':1'. SL·r \crdadciramcntc Jigtll) Jc tüo íntima união com o
Que outros requisitos são necessários para comungar dignamen te? lJL>u.., li.:itti lilirn<.'.m exigiria uma santidade ang lica, fora do alcance
O primeiro é não estar em pecado mortal. A Sagrada Euca ristia é do.., nwrlai_.., Quando faklilll's de uma comunhão digna, usamos o
Jr
•1
o sacramento do crescimento espiritual, não o sacramento do nascimento conceito de dignidade cm sentido relativo: falamos do mínimo grau
espiritual ou da medicina espiritual. Isto pressupõe que quem o recebe
1 possua já a vida da graça. A Sagrada Eucaristia é o sacramento da
ck di0.11idadL' que .k..,us Cristo e a .-rna Igreja cstahelcceram como
lll'L'L''"'" -irin p,na 1.·111m111g:irn111:-. cum frutt). É o nível de disposição

'
união amorosa de Cristo com a alma; seria mons truoso tentar essa
i fora do qual o sacramento da Sagrada Eucaristia não pode infundir
1 união quando a alma está em inimizade com Deus por um pecado
grave não perdoado. Receber a comunhão sabendo que se está em
a sua graça cm nossa alma.
:t\'Jo devemos exigir de nós mais condições que as que o próprio
pecado mortal é, em si, um novo pecado mortal: é um grave Jc us nos impõe. Sempre que se possuam os requisitos mínimos
ti pecado de sacrilégio, porque é um abuso do mais pre cioso dom de para comungar dignamente, seria um grande erro abster-se da cq

1
111 Deus aos homens, o dom de Si mesmo. munh t(l ou da comunhfto frequente, por causa de um sentimento
\1 Se cometemos um pecado mortal, não basta um ato de perfeita exagL'rado de indignidade. Devemos ter presente que JesuJ:i rião nos
contrição para podermos receber a Sagrada Comunhão. É verdade pL'clc que sejamos santos para podermos comungar frequentemente.
que um ato de contrição perfeito (dor do pecado por amor a Deus) O que nos pede que i..:omunguemos frequentemente para podermos
devolve à alma o estado de graça. No entanto, para nos protegermos sçr santns.
do perigo de nos enganarmos a nós mesmos em matéria tão impor Hú cerca de trezentos anos, surgiu na Igreja uma heresia chama
tante, e para proteger a Sagrada Eucaristia do perigo da profanação, da Jansc111smo. Tumou o nome de um bispo holandês, Jansen, que
a Igreja exige explicitamente que, se sabemos ter cometido um pe escreveu um livro sobre o tema da graça. extremamente rigoroso
cado mortal, recorramos ao sacramento da Penitência antes de co nas suas exigências. A heresia jansenista sustentava que só os muito
mungar. E essa lei obriJ?a-nos mesmo que sinceramente jul{?uemos santos podiam receber a Sagrada Comunhão frequentemente, e que
ter uma contrição perfeita por esse pecado. ninguém deveria oq.sar aproximar-se da Santa Mesa sem uma pre
Isto não significa que, de cada vez que vamos comungar, tenha paração profunda e uma longa e intensa prática da virtude. E apesar
mos que passar antes pela confissão. A confissão regular e frequente de ter sido condenada por vários Papas, essa heresia difundiu-se por
é uma prática excelente e muito desejável. Mas, enquanto tivermos toda a Igreja e perdurou em certa medida até o nosso próprio século,
consciência de estar livres de pecado mortal, podemos continuar co Só recebeu o golpe de morte quando o Papa São Pio X promulgou
mungando todo o tempo que queiramos, sem necessidade de nos o seu famoso decreto sobre a Comunhão frequente.
confessarmos antes. O Papa São Pio disse muito claramente que, além de se estar
Devemos também esclarecer que a confissão antes da comunhão livre de pecado mortal, a outra única condição necessária para co
só é necessária quando temos toda a certeza de estar em pecado mungar diariamente é fazê-lo com intenção reta. A intenção mais
mortal. Pode acontecer que cometamos um pecado e depois tenha perfeita é um ardente desejo de nos unirmos a Jesus por causa do
mos sinceras dúvidas sobre se foi mortal ou venial. Podemos. por nosso grande amor por Ele. Pode ser que não tenhamos alcançado
exemplo. deixar-nos levar por um ataque de ira e, depois, duvidar ainda esse grau de perfeição nas nossas disposições, o grau de
se foi plenamente consciente ou deliberado, ou suficientemente grave termos fome dEle. No entanto, mesmo que a disposição não seja
para constituir um pecado mortal. Esta mesma dúvida pode assal perfeita, continua a ser reta. Co·mungar pelo desejo de vencer as
tar-nos no caso de fortes tentações contra a castidade ou outra vir tentações e
;3 ! () A SAGRMH CO\!C'\IL\O
O JEJnl El.'CAR!STICO 31!

dL liHJr-se do pL'cado é uma intcni;ão reta. Comungar por querer


u<.·scer em gra<;a: comungar pnrquc Jesus promete o céu aos que O JEJUM EUCARISTICO
o comem no seu Sacramento. comungar por espírito de obedi ncia, Durante muitas centenas de séculos, era lei -da Igreja que qual
simplesmente por sabermos que Ele o qutr. sf10 naturalmente inten quer pessoa que desejasse receber a Sagrada Comunhão deveria abster
-;ões relas. Todas essas intenções - ou qualquer delas - nos tor- -sê de todo alimento e bebida desde a meia noite anterior. Excetua vam-
1wm aptos para a Sagrada Comunhão. se desta lei geral os enfermos e os moribundos.
Já vemos. pois, que é uma solene idiotice abster-nos da Sagrada As razões dessa lei são as mesmas que ditam as atuais leis do
Eucaristia com a desculpa de não estarmos de humor para as coisas jejum eucarístico, e são tanto de índole espiritual como prática. A
espirituais ou de não sentirmos nada ao comungar. As nossas emo razào espiritual reside no desejo da Igreja de que manifestemos espe
<_;ões são um índice irrelevante das nossas disposições para a comu cial reverência a Jesus sacramentado, e que a manifestemos por um
nhão. Recebemos a Sagrada Eucaristia pelo menos porque Jesus o ato de mortificação, abstendo-nos de alimento e bebida por um tempo
quer, e isso basta para compreendermos que o estado atual das nossas determinado antes de participarmos do Corpo de Cristo. A razão
emoções não tem nada a ver com o assunto. Podemos alcançar um prática consiste em guardarmo-nos de possíveis irreverências à Sagrada
grau elevado de vida interior sem sentir palpitações cardíacas, sem Eucaristia, irreverências que poderiam ocorrer se fôssemos comungar
lágrimas ou doces arroubos. A pedra de toque do nosso amor a com o estômago cheio de comida e bebida, especialmente de álcool.
Jesus Cristo é o que estamos dispostos a fazer por Ele, não o que O Papa Pio XII deu o primeiro passo na mitigação da lei mul
sentimos por Ele. tisecular que fixava o tempo de jejum da meia noite em diante, e
É evidente que alguns podem querer comungar por motivos em 1964 o Papa Paulo VI facilitou-a ainda mais. A lei básica atual
indignos. Receber a Sagrada Comunhão simples e exclusivamente é esta: quando vamos comungar (seja numa Missa matutina, ves
porquç toda a gente o faz (como na Páscoa ou numa Missa co pertina ou de meia noite), devemos abster-nos de qualquer alimento
munitária, por exemplo) e por ser o que toda a gente ·espera que e bebida uma hora antes de recebermos a Sagrada Comunhão. (A
façamos, quer dizer, comungar sem o desejo sincero de receber a água natural não quebra o jejum, e pode-se tomá-la sem limite de tem
graça, sem ter consciência do que fazemos, não é uma intenção reta. po). Deve-se notar que a lei especifica que seja uma hora antes
Receber a Sagrada Comunhão resistindo interiormente, recebê-la só de comungar, e não uma hora antes da Missa. Assim, se uma pes
porque alguém nos repreenderia se não comungássemos, não é uma soa pensa comungar na Missa das sete da tarde, e sabe que a Sa
intenção reta. Receber a Sagrada Comunhào para causar boa im pressfto grada Comunhão não será distribuída antes das sete e quinze, pode
em alguém (pais, mestres ou até a noiva ou o chefe) e por nenhum outro comer e beber até as seis e quinze.
motivo, é uma intenção claramente torta. Receber a Sagrada Comunhão Este tempo deve ser medido estritamente. Seria um grande erro
para exibir uma piedade externa é um pecado de hipocrisia. raciocinar: "Bom, faltam apenas dois ou três minutos, e isso não
:Mas deve-se notar que a ausência de uma intenção reta não
tem importância; portanto, vou comungar". Não podemos ser de
significa necessariamente um pecado de sacrilégio, a não ser, é claro,
masiado indulgentes nesta matéria do jejum eucarístico. Se o sacer
que se comungue em estado de pecado mortal. A falta total de in
dote acaba de dar a Sagrada Comunhão quando ainda nos faltam
tenção reta faz com que 1130 se receba a graça do Sacramento; ou,
dois ou três minutos para completar a hora desde que comemos ou
se a intenção é claramente indigna (como comungar para exibir uma
bebemos alguma coisa (excluída a água), é melhor abstermo-nos de
piedade externa), não só não se receha a graça, como se cometa um
comungar nessa altura. Evidentemente, neste tema vigora também
pecado de irreverência.
Se comungamos movidos por uma intenção reta, de um tipo ou
0
princípio da dúvida. Se nos esquecemos de olhar o relógio quando
tomamos o último pedaço e agora não temos certeza de ter sido há
de outro, e com a alma livre de pecado mortal, recebemos infalivel
uma hora exata, podemos conceder-nos o benefício da dúvida e
mente a graça do sacramento. A quantidade de graça recebida de 1
eceher a Sagrada Comunhão.
penderá da perfeição das nossas disposi,ões. Quanto mais ardente
Ao revisar a lei do jejum eucarístico, o Papa Paulo VI estabele
for o nosso amor por Jesus Cristo, quanto menos pecados veniais
ceu que qualquer doente, mesmo não acamado, pode tomar antes
(sem arrependimento) tivermos, e quanto mais incondicional for a
da comunhão, sem limite de tempo, alimentos líquidos e quaisquer
nossa entrega a Deus, maior será a graça que receberemos.
iemédios. mesmo sólidos ou que contenham álcool; não, porém, ali mentos
líquidos alcoólicos nem bebidas alcoólicas. Em 1973, um
,312 A SAGRADA COMUNH.:\O co'\SFLHOS PR.-i.TICOS l'-\RA CO\fLT'\:CAR 313

novo Jeneto da Santa Sé introduziu outras mitigações para os doen ;1 Missa e comungar cnm a roupa de trabalho; ou o pobre homem

tes e pessoas idosas. reduzindo para um quarto de hora o período que n:1n tem tllllro remédiu sc1úu usar a sua roupa remendada e
de tempo suficknte para o jejum eui.:arístico. isto é, para a abstenção \ cerzida. Mas a limpeza e o asseio estão ao alcance de todos.
1 de comidas. mesmo sólidas, e de bebidas alcoólicas. Esta concessão O mesmo ncorre com a nrnd stia no vestir. Os que querem
',■ : \ isitar a rainha da Inglaterra dc\'t:m submeter-se a um protocolo rí!!
foi dada cm favor: dos doentes internados em casas de saúde ou
retidos cm sua própria casa. mesmo que não l'.stejam de cama: dos ido: e ninguém sonharia. nem sequer no país mais democrático d(
fiéis de idade avançada que. por velhice. se achem retidos em casa mundo. cm entrevistar-se com o presidente da República vestido
ou internados nalguma institui½;·ão; dos sacerdotes doentes e idosos de ..:ah,;·as curtas e camisa esporte. O Rei dos reis tem incomparavel
:111 que desejem celebrar a Missa ou n:ceher a comunhão; e, finalmente, mente mais direito às manifestações externas de reverência e respeito
1 daqueles que prestam serviços de assistência aos doentes ou a pes 4ue lhe devemos. Não é pedantice nem beatice, mas piedade da
soas idosas. e dos familiares dos mesmos, que desejem receber con mais elementar. a que proíbe as sumárias peças esportivas e os ves
juntamt'ntL' com eles a Santíssima Eucaristia, quando não puderem, tidns decotados para nos aproximarmos da Comunhão.
sem um certo incômodo. observar o jejum durante uma hora.
11 Quando se diz que urna pessoa doente pode tomar remédios Pode ser útil mencionar aqui o especial afeto e agradecimento
+'11 sem limilt.' de tempo, nJo se está pensando apenas em doenças gra que despertam no sacerdote aqueles que, ao comungarem - ajoe
' \\>s. Uma aguda dor de cabeça justifica que tomt'mns uma aspirina lhados ou de pé -, inclinam a cabeça ligeiramente para trás, abrem
<111tes de irt1h)s ü Missa: um catarro rchelde autoriza que tomemos suficientemente a hnca e põem a língua por cima dos bordos do lábio
um xarnpL medicinal: uma afecção cardíaca crt'Hlica permite o uso inferior. Fdizmcntc, a maioria dos que comungam fazem isso. Mas
dos comprimidos pr('.scritns. .'iurr,reendt: ver com que frequência o sacerdote tem que transpor
I' Para aplicarmos estas especiais L'Ollcessões aos doentes, não é nhstúculos tais como cabeças inclinadas para a frente, dentes semi
necessário ohtn autori?<H,/1(1 de um sacerdote. O Santo Padre con cerrados ou línguas que nf10 se decidem a sair. Se alguém tem dú
li cedeu que r,-,ssL"nws os nossos próprios juízes na matéria. Se esta \'ida:-, sobre o seu espírito de colahora ão nesta matéria, dê uma es
piada no espelho e tire as conclusões.
mos doentes. r,ndcmos utilizar sem outras condiçües os privilégios
concedido.., aos l'tlfcrmos. E. visto a lei nflo estabelecer um especial Onde está autorizada a prática de receber a comunhão na mào,
grau de d(1Cnl,·a. pndc11w" utili1ar esses privilégios mc mo que a nossa os que dt:sejam recebê-la assim devem apresentar a mão esquerda
cnfcrmicbdc seja leve. .-\ lei sobre a recepção da Sagrada Comunhão com a palma aberta sobre a palma da nüo direita. Ali será deposi
i cm rcrigl1 de mnrtc 11:1n nnu:.lnu. Uma pt:ssoa cm perigo de morte tada a Sagrada Hl)stia. que devt:rá ser tomada com a máxima reve
'I
i;;I rndc L'l)lll\!11 :n cm necessidade de jejum de qualquer tipo. rência com o indicador e o polegar da mão direita, e levada à boca
antes de sair do lugar. As normas vigentes não permitem em caso
algum que o prt')prio fid tome diretamente a Hóstia do cibório ou
CONSI 1 11ns PRATICOS P/\R/\ COMUNGAR do altar ou que a receba com os dedos cm pinça. E a Igreja esta
beleceu que. mesmo nos lugares onde se dá legitimamente a comu
o. ., 1\.'Ljt1i,itr1-.. para rl'U.:'.berrnns dignamente a Sagrada Eucaristia nh:ln na mão. qualquer fiel tem o direito - que deve ser respeitado
i:'1 1H1" --,;-1\1 ,(111h1..Yidl1s· n:1n estar cm pecado mortal, ter uma intenção pelo sacerdote - de receber a Sagrada Comunhão na boca.
11..:\;i L' u:mL1r 1i iL·jun1 l'UL'arísticn aplicúvel ao nosso caso. Se cum l"li
ir111<\.., ,·--,t:1-., ,·t1nd;,.J'1l'"· de l'ad,1 vez que comungarmos receberemos Alguns preocupam-se desnecessariamente com a possibilidade de
111t':di,l·lrn...,·11ll' um :iuml·ntn de gra a santificante. juntamente com mui- que a Sagrada Hóstia lhes toque os dentes, coisa que é absolutamente
1.h L1<..,·;1.., :1tuai-.. irrelevante. Pnde-se até mastigar a Hóstia. como se mastigam os ali
'\·11, l· 11rcl·i--,(1 di1er que o nosso aspecto externo deve estar de mentos, pois afinal é alimento e,;;piritual. Embora isto quase nunca
.,,, li d1, , r n1 :1, :1d. ·qu 1da-; disposições interiores.
1 A mais elementar seja necessário.
,·t 11 ll',i:1 11(1, di1 qtll'. quando nos aproximamos da Comunhão, deve Quer mastiguemos a Sagrada Hóstia ou não, o que devemos
lll\h ..·. ..,1:1r li111p()', de l'lHpo e de rnupa. Não é necessário irmos sole- garantir é que a engulamos, já que a Sagrada Eucaristia é alimento
11,.-111c11tl' \ ,·..,\ id( 1.., • :"Jn:-,s,n Senhor acolhcrú sem dúvida com carinho espiritual, e, para recebê-lo, temos que comê-la. Se quiséssemos que
u (1pcr;'tri(1 que SL' detém iw SL'U percurso até à fábrica para assistir a Sagrada Hóstia se dissolvesse completamente na boca, de modo que
.114 A SAGRADA CO 1U:-SHÃO CONSELHOS PRATICOS PARA cmrnNGAR 315

já não conservasse as aparências de pão, nüo receberíamos a Sagrada Carmo, 16 de julho) e em perigo de morte. Omitir deliberadamente
Comunhüo nem as graças que esse sacramento nos confere. Deve mos, a comunhão em qualquer desses casos é pecado grave.
pois, manter a Sagrada Hóstia na boca apenas o tempo sufi ciente Deveria comungar com a frequência que me fosse possível. A
para que se umedeça e a possamos ingerir. Sagrada Eucaristia é o nosso alimento espiritual e, pelo menos, de
Seria um erro sério recebermos a Sagrada Comunhão quando veríamos ter tanto interesse em alimentar a nossa alma como em
sofremos de indisposições digestivas que possam facilmente produzir alimentar o nosso corpo; ura, ninguém omite as suas refeições por
vômitos. Se alguém sofresse um ataque repentino de náusea e vo grandes temporadas. A Sagrada Eucaristia é também garantia de feli
mitasse a Sagrada Hóstia, deveria recolhê-la num pano limpo e en cidade eterna, se a recebemos regularmente e com razoável frequên cia,
tregá-la ao sacerdote para que dispusesse dela. Se o sacerdote não todos os dias, se pudermos. Jesus prometeu: "Aquele que comer deste
se encontra perto ou é duvidoso que as aparências de pão ainda pão viverá eternamente" (Jo 6, 59). Com os privilégios que a
subsistem, os vômitos devem ser envolvidos num pano e queimados. Igreja concedeu aos que têm dificuldades para jejuar, deveríamos fazer
o propósito de receber a Sagrada Comunhiio em todas as Missas a que
Voltando a temas mais agradáveis e mais práticos, propomos assistamos, como faziam os primeiros Cristãos.
uma tríplice questão: "Com que frequência me é permitido comun
gar? Com que frequência tenho obrigação de comungar? Com que Suponhamos que estamos preparados por dentro e por fora para
frequência deveria comungar?" fazer uma comunhão digna. Podemos perguntar-nos: "Quanta graça
A norma geral é que é permitido comungar só uma vez por dia, poderei receber quando comungar?"
e não é lícito desrespeitar esta norma geral por simples devoção. Já ouvimos dizer que urna só comunhão contém um depósito
Mas a Instrução lmmensae charitatis de 29 de Janeiro de 1973 esta inesgotável de graças, que uma só comunhão seria suficiente para
beleceu: tornar santa uma pessoa. Já ouvimos estas e outras afirmações pa
"De acordo com a disciplina vigente, os fiéis podem aproximar-se recidas, e podemos sentir-nos um pouco desanimados ao ver que,
da Sagrada Comunhão pela segunda vez no mesmo dia: na segunda apesar das nossas comunhões frequentes, ainda parece que nos mo
Missa do dia de Páscoa ou numa das Missas que são celebradas no vemos em níveis de santidade demasiado medíocres.
dia de Natal, ainda que hajam comungado na missa da vigília pascal Não há dúvida de que cada comunhão contém um depósito
e na missa de meia noite do Natal, respectivamente; igualmente, na inesgotável de graças: qµem está presente na Sagrada Eucaristia é
missa vespertina 'in Coena Domini' da Quinta-Feira Santa, mesmo Jesus Cristo, e Jesus Cristo é Deus, e Deus é infinito, e pode dispor
que tenham comungado também na 'missa crismal'; do mesmo modo, de graças infinitas. Mas o total de graças que cada indivíduo recebe
no sábado à tarde ou na véspera de um dia de preceito, se se quer numa comunhão depende da capacidade que esse individuo tenha.
cumprir com a obrigação de ouvir Missa, ainda que já se tenha Há muita água no Oceano Atlântico, mas uma garrafa de ]itro
comungado no mesmo dia pela manhã". só poderá conter um litro dessa água, mesmo que a mergulhemos até
Podem apresentar-se outras circunstâncias especiais em que é o fundo. De forma parecida, a nossa alma tem uma capacidade
permitido receber pela segunda vez a Sagrada Comunhão (citamos os limitada para a graça. Como criatura finita que é, nenhuma alma
casos mais normais estabelecidos na Instrução): nas missas "rituais" humana pode ter capa,:idade infinita para a graça. nenhuma alma
em que se administram os sacramentos do Batismo, Confirmação,
Unção dos Enfermos, Ordem, Matrimônio, e na Missa em que se
'"í está cm condições de absorver toda a graça que uma comunhão põe
à sua disposição.
dá a primeira comunhão; nas seguintes Missas de defuntos: Missa 1
Mas isto não quer dizer que em cada uma de nossas comunhões
de exéquias, \<ao receber a notícia da morte", na missa celebrada no e tcjamos conseguindo toda a graça que nos é possível. Nüo quer
dia do enterro e na do primeiro aniversário; por ocasião da admi dn:cr que não possamos aumentar a nossa capacidade de adquirir
nistração do Viático, durante a qual se pode dar a comunhão aos graça. Se a garrafa que mergulhamos no oceano não está vazia,
familiares e a amigos do enfermo que se acham presentes. Natural rnas cheia de areia até três quartos, não tiraremos um litro de água,
mente, a Instrução refere-se a pessoas que já receberam a Sagrada las apenas um quarto da sua capacidade total. Só Deus sabe qual
Comunhão nesse dia. e a capacidade máxima de graça de uma alma. Mas todos podemos
Tenho obrigação de comungar uma vez por ano pela Páscoa l_ ra cen za de ndo havermos alcançado ainda essa capacidade má
(desde a Quarta-Feira de Cinzas até o dia de Nossa Senhora do xima.
r
li
316 A SAGRADA COMU:s/HÃO
Aumentamos a nossa capacidade de graça quando retiramos a
areia da garrafa. quando tiramos os obstáculos à graça que embara
cn'\SELIIOS l'RATICOS PARA CO.\!UNGAR ,317

l de amor e gratidão. significa perguntarmo-nos v.::ilcntenll'lllL:


cam a nossa alma. O primeiro e o maior deles é o apego ao pecado "Senhor. que queres que eu faça?'". e escutarmos com mais valentia
{·enial (uma comunhão digna pressupõe ausência de pecado mortal). ainda a rl·spt1sta yue \ irá. Se a bênção final da Missa nos apanha
li Enquanto houver um só pecado venial que não queiramos abandonar já com um pé no corredor, preparados para empreender uma veloz
(um rancor contra o chefe, a intemperança no uso do álcool, uns

corridJ para casa em busca do nosso café com leite. é que estamos
comentários maliciosos
zindo a capacidade com laivos
de graça de murmuração),
da nossa alma. estaremos redu malba ratando lastimavelmente muitas graças que Jesus ainda n5.o
acabara
de nos dar. Fora alguma circunstância excepcional, deveríamos ter
1 1
Uma vez livres do pecado venial. ainda resta a luta contra as pt1r norma permanecer na igreja por mais dez minutos. dando gra<;as

li
imperfeições, essas falhas que mostram que o nosso amor a Deus pda comunhão.
não é ainda de todo o coração. Pode haver desleixo ou desinteresse Há um ponto final (e muito consolador) que convl'ln ter pre
na nossa oração, resistência egoísta em ajudarmos o próximo, falta sente: podemos comungar com muita frequência: podemos prcpa
de esforço para vencer a nossa irritabilidade ou impaciência, certa r.1r-nos adequadamente para a comunhão e depois dar graças com
1
vaidade infantil nas nossas atitudes ou nos nossos talentos. Sejam generosidade; podemos estar tratando sinceramente. de comunhão
11 quais forem, essas imperfeiçôes são provavelmente muitos grãos de l'nl comunhão, de pôr em prática os nossos propósitos e. apesar de
E''
areia na nossa garrafa. tudo isso (ou talvez por causa disso), sentirmo-nos insatisfeitos co-
Que podemos fazer com esses pecados e imperfeições? Pôr um 11osco próprios. Então, não nos limitemos a exclamar: 'Com tantas
pouco mais de esforço e receber a Sagrada Comunhão com maior comunhões, como devia ser melhor!" Perguntemo-nos também: "Sem
frequência. Um efeito maravilhoso da graça da comunhão é que tantas comunhões, que seria de mim?"
nos purifica e fortalece contra as mesmas coisas que a impedem
iil ! de agir. Com um pequeno esforço da nossa parte, cada Sagrada
Comunhão prepara o caminho para maiores graças na seguinte. Cada
comunhüo edifica sobre a anterior.

Este fato esclarece também a afirmação de que "uma só comu nhão


é suficiente para fazer um santo". É verdade que o Senhor podia, por
um milagre da sua gra a, fazer de um pecador um santo com
,i uma só comunhão. Mas, normalmente, Deus permite que o cresci
mento na santidade seja um crescimento orgânico, gradual e estável
como o de uma criança. que mal se percebe de um dia para o
outro. De novo aqui uma graça edifica sobre a anterior. É melhor
para a nossa humildade nüo conhecermos claramente o progresso
que fazemos.

f
A única conclusão qt1e devemos tirar de tudo isto é que nos
importa muito que cada comunhão nos leve o mais longe possível.
Isto exige uma preparação imediata de cada comunhão, que estimule ;
os nossos sentimentos de arrependimento. fé. amor e gratidão, que
,, nos arraste a uma entrega autêntica, para identificarmos a nossa
vontade com a de Deus. E é evidente que cumprimos tudo isto se
nos unimos com sinceridade e recolhimento ao oferecimento da
Missa.
i
Depois, temos esses predosos minutos após a comunhão, em que
No,;so Senhor Jesus nos tem, poderíamos dizer, abraçados. A "ação
d..: graças" da comunhão signifo.:a renovarmos as nossas promessas
o SACRA IEl':TO DA l'El':!Tll:s/CIA
319

CAPÍTULO XXIX
perdoa os pecados cometid )s deP_ois do Batismo, quando o. p:cador
e tá sinceramente arrependido_, diz as suas faltas em conf1ssao ao
A PENITÊXCIA saL·erdote c se submete à satisfação ou pena que este lhe impõe.
Pela sua morte na cruz, Jesus Cristo redimiu o homem do pe
u1do c das consequências do pecado, especialmente da morte eterna,
que é seu efeito. Não é, pois, de surpreender que Jesus tenha insti
tuído no mesmo dia em que ressuscitou dentre os mortos o sacra
mento pelo qual os pecados dos hom ns podem ser perdoados.
Ao entardecer do Domigo da Ressurreição, Jesus aparece aos
Ap,istolos, reunidos na sala alta onde tinham celebrado a última
Ceia. Estes retrocedem assombrados, com urna mistura de temore
cspcrança incipiente. enquanto Jesus lhes fala para tranquilizá-los.
Mas deixemos que seja São João quem conte (20, 19-23): "Veio
Jesus e, pondo-se no meio deles, disse-lhes: A paz seja convosco.
E, dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ale
O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA f:raram-sc vendo o Senhor. Disse-lhes Ele outra vez: A paz seja
convosco. Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio. Dizendo
É um estranho paradoxo. Frequentemente, os conversos dizem isto, soprou e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo; àquelesa quem
que uma das coisas mais duras para se fazerem católicos é o pensa perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os reti
mento de terem de "ir confessar-se". E, no entanto, para nós, que verdes, ser-lhes-ão retidos".
crescemos na Igreja, o sacramento da Penitência é provavelmente o Parafraseando estas palavras de Jesus numa linguagem mais mo
que, à parte o Batismo, menos quereríamos deixar. A paz de mente derna.o que Jesus disse foi: ''Como Deus, tenho o poder de perdoar
e de alma que o sacramento da Penitência nos dá não tem sucedâ ns pecados. Agora vos transmito o uso desse poder. Sereis meus
neo. Ê uma paz que brota da certeza - não de uma esperança in representantes. Quaisquer pecados que perdoardes, Eu os perdoarei.
segura - de que os nossos pecados foram perdoados, de que estamos Quaisquer pecados que não perdoardes, Eu não os perdoarei". Jesus
em amizade com Deus. Evidentemente, também o converso aprende sabia bem que muitos de nós esqueceríamos as valentes promessas
rapidamente a amar o sacramento da Penitência, quando supera os do Batismo e cometeríamos pecados graves depois. Sabia que muitos
seus vagos temores, temores que nascem da ignorância do que este de n()s perderíamos a graça, a participação na própria vida divina
sacramento é na realidade. que nos foi dada no Batismo. Sendo infinita e inesgotávela miseri
A palavra "penitência" tem dois significados. Em primeiro lu cúrdia de Deus, era inevitável, digamos assim, que Ele desse uma
gar, temos a virtude da penitência, a virtude sobrenatural que nos segunda oportunidade (e uma terceira, e uma quarta,e uma centé
leva a detestar os nossos pecados, por um motivo que a fé nos dá a sima. se necessário) aos que recaíssem no pecado.
conhecer, e ao propósito consequente de não ofender mais a Deus
e de desagravá-lo por isso. Neste sentido, o termo "penitência" é sinô-. É lógico que, com a morte dos 'Apóstolos, não se interrompesse
nimo de "arrependimento". Antes de Cristo. a virtude da penitência u poder que Jesus lhes deu de perdoar os pecados, hem comoo de
era o único meio pelo qual os homens podiam alcançar o perdão mudarn pão e o vinho no seu Corpo e Sangue. Jesus não veio à
de seus pecados. Mesmo hoje, para os que estão fora da Igreja de terra para salvar apenas um minúsculo punhado de almas escolhidas.
boa fé e não dispõem do sacramento da Penitência, ela é o único meio Não veio para salvar unicamente os contemporàneos dos seus Após
de alcançar o perdão dos pecados. tolns. Jesus veio para salvar todos os homens que quisessem sal
Além de ser uma virtude, a Penitência é um sacramento. Defi var-sl", até o fim dos tempos. Quando morria na cruz, tinha-nos
ne-se como "o sacramento instituído por Jesus Cristo para perdoar presentes a vqcê e a mim. tanto como a Timóteoe a Tito.
os pecados cometidos depois do Batismo". Ou, para dar uma defi E evidente y_ue o poder de perdoar os pecados é parte do poder
nição mais longa e descritiva, podemos dizer que a Penitência é o sacerdotal, e, portanto. tinha que se transmitir de geração em gera
sacramento pelo qual o sacerdote, como instrumento vivo de Deus, \fi() por meio do sacramento da Ordem Sagrada. É um poder que
O SACHA lE'JTO DA PE'.\ITJ:::--:CJA 321
:);?.O A PE'JITl::'JCI.\

mais comuns que não nos separam de Deus, mas dificultam a plena
l'aÚa sacerdote exerce quando cstendt.". as rnüos sohre o pecador con irradiação da sua gra a na nossa alma, como as nuvens dificultam
trito e diz: "Fu te absolvo dos teus recados. em nnmc do Pai. e a irradiação solar.
do Filhn, e do Espírito Santo". Temos ouvido esta palavras muitas Além de restaurar ou aLimentar a graça santificante e de perdoar
vezes. São ..a fórmula da ahsolviçflo·•. os pecados mortais e veniais. que outras vantagens nos proporciona
Todo sacerdote tem o poder de perdoar os pecados. Mas, na este sacramento?
prática, precisa de algo mais. Precisa do que se chama "jmisdição". Se se trata de pecados mortais. é cancelado pela Penitência o
O sal..'.ramcnto da Penitência assemelha-se a um processo jmlicial: o castigo eterno que deles resulta inevitavelmente. Sabemos que quem
acerdotc escuta a declaraçüo. e o saccrdnte pronuncia a sentença. rejóta Deus pelo pecado mortal e entra na eternidade impenitente,
Sabemos que, na ordem da ki civil. o juiz de- uma comarca judicial separa-se dEle para sempre: vai para o inferno. Mas quando Deus,
ni"io pode julgar as causas de outra comarl-a, a não ser que seja 110 sacramento da _Penitência, une outra vez essa alma a Si e a absol ve
nomeado pela autoridade. Sem essa nomeação, nenhum juiz tem do pecado mortal, elimina também o perigo de desastre eterno a
jurisdição fora da sua comarca. que essa alma estava destinada.
Da mesma maneira. um sacerdote 11:"10 pode l'\crcer o :--cu poder
de juiz espiritual no trihuna! da Penit011cia a n:"1n er que. e até que, Ao mesmo tempo que perdoa o castigo eterno devido pelo pe
o bispo da diocese lhe dê autoriza<:Jto para f:ií'ê-lo. Sem essa liccn cado mortal, o sacramento da Penitência perdoa pelo menos parte
a. o sacerdote carece de jurisdi,.;f10: nüo pode ah olvcr validamente da pena temporal devida pelo pecado. Esta pena temporal é sim
os pecados. Mais ainda. o seu poder limita-se à diocese para a qual plesmente a dívida de satisfc1çf10 que devo a Deus pelos meus peca
tem licença, Um sacerdote da arquidiocese de Aracaju, por exem dos, inclusive depois de terem sido perdoados. É questão de "con
plo, não pode confessar validamente na diocese de Chapccó, a não sertar os estragos", poderíamos dizer.
li ser que o bispo de Chapccó o autori1e a fazê-lo, ou a não ser que, Vejamo-lo por um exemplo caseiro: um rapaz deixa-se arrebatar
encontrando-se· o sacerdote em Chapccó, um dos seus paroquianos por um momento de ira e d{! um ponta-pé numa mesinha, derru
de Aracaju lhe peça que o confesse. handn e quebrando um objeto de cerâmica. "Sinto muito, mamãe -
1 diz ele, arrependido -. Não deveria tê-lo feito". "Bem - diz a
Pode acontecer uma vez ou outra que o sanamento da Peni mãe -: se está arrependido, não o castigarei. Mas terá que reco
tência nos pareça uma carga. Talvez até tenhamos chegado a ex lher os pedaços quebrados, e, além disso, espero que compre um
clamar nalguma ocasiJo: "Oxalú nüo tivesse que ir confessar-me!" ohjcto novo com as suas economias." A mãe perdoa a desobediên
Mas também não há dúvida de que, cm momentos de serenidade, cia e absolve o filho do castigo, mas espera que ele ofereça uma
teremos compreendido o amor que devemos a este sacramento e como satisfação pela sua rebeldia.
n.:ío quereríamos passar sem ele. Basta pensar um pouco cm tudo Esta é a satisfação que devemos a Deus por havê-lo ofendido,
o que o sacramento da PenitC:ncia faz por nús! Em primeiro lugar, e a que chamamos "pena temporal devida pelo pecado". E ou pa
se uma pessoa se separou de Deus por um ato grave e deliberado gamos essa pena com orações, mortificações e outras boas ações
de desobediência (quer dizer, por um pecado mortal), o sacramento feitas em estado de graça nesta vida, ou teremos que pagá-Ia no
da Penitência reconcilia essa alma com Deus: a gra a santificante purgatório. Esta é a dívida que o sacramento da Penitência reduz.
volta a essa alma. Ao mesmo tempo, os pecados são perdoados, ao menos em parte. proporcionalmente ao grau do nosso arrepen
Do mesmo modo que a esdlfidão desaparece de um quarto mal se dimento. Quanto mais fervorosas forem as nossas disposições, mais
acende a luz, o pecado tem que dl·saparccer da alma a sim que chega e reduz a satisfação temporal que devemos.
a graça santificante. Outro efeito do sacramento da Penitência é devolver-nos os mé
Se alguém vai confessar-se sem pecado mortal, nem por isso o ritos das boas obras que tenhamos feito e que se tenham perdid0
sacramento é recebido em vílo, Neste caso. a alma recebe um incre pelo pecado mortal. Como sabemos, toda boa ação que realizamos
mento de graça santificante. o que significa que se aprofunda e se cm estado de graça santificante, com a intenção de agradar a Deus, é
fortalece aquela participação na vida divina pi...·la qual a alma está urna ação meritúria, isto é, merece-nos um aumento de graça nesta
unida a Deus. E quer se esteja ou não em pi:c!do mortal, são sem \ ida e de glória no céu. Mesmo. as ações mais simples - uma pa
pre perdoados todos os pecados veniais que o penitente tenha come lavra amável, um gesto de cortesia -, feitas com amor de Deus, cau-
tido e de que esteja arrependido. Trata-se de scs pecados kvcs e
322 ,\ l'E'.':rn::--:crA
l'HEl':\R.-\Ç:'i.O D:\ cu:\ FISSAO 323
s.'.lm este ddto: muito mais as orações, !\.1issas e sacramentos. No
entanto, o pecado mort.'.ll cancela todos esses méritos acumulados, t:i,/1t·s 11cm problemas dr.: peso - recebamos o sa..:ramento da Peni
conw um.'.l jll_;ada ill:-.ensata na roleta pode fazer perder as economias tên...:i:.i rl1tindramcnte. Vamos confessar-nos com frequência porque
de toda uma vidJ. Ao perdoar-nos o pecado mortal, Deus podia, damos crédito à afirmação de que é bom para a nossa alma. Dize
cm pcrfrita justiça, di:ixar que os nossos m ritos passados continuas nws , s nossos p cados e cl!mprimos depois a penitência, e não pas
sem perdidos para sempre. !\.fas. na sua bondade infinita, não o faz, sam( s disso. Não sentimos sensação alguma de renovação ao sair
não nos ohriga a começar outrJ vez do princípio: o sacramento da mos <ln confessionário: não nos vemos melhorar apreciavelmente de
Penitência n8.o só perdoa os nossos pecados, como nos devolve tam confissão para confissão. Qual pode ser a causa desta espécie de
bém os méritos que tínhamos perdido voluntariamente. npatia? Que cstú fahando da nossa parte para nos confessarmos
Finalmente, além de todos esses bcndícios, o sacramento da Pe com fruto?
nitência dá-nos direito a quaisquer graças atuais de que possamos O catecismo dá uma lista de cinco condições para recebermos
necessitar - e na medida cm que delas necessitemos - para po dienamcntc o sacramento da Penitência. Primeiro, examinarmos a
dermos s3tisfazn os nossos pecados passados e vencer as nossas n;ssa consciência. Segundo, doer-nos dos nossos pecados. Terceiro,
tentações futuras. Esta é a "graça sacramentar' especial da Penitên fazer o firme prop()sito de não pecar daí por diante. Quarto, con
cia, que nos fortifica contra as recaídas no pecado. É o remédio fessar os nossos pecados ao sacerdote. Quinto, querer cumprir a
espiritual que fortalc-ce e ao mesmo tempo cura. Esta é a razão pela i,enitt:ncia que o confessor nos impõe. Omitir qualquer destes pon
qual toda pessoa desejosa de ter verdadeira vida interior sente neccs tos pode ocasionar, no pior dos casos, uma confissão completamente
sidadl': de c..:onfessar-sc com frequência. A confissão frequente é uma indigna, uma confissão sacrílega; e, no melhor, uma confissão com
das melhores defesas contra o pecado mortal. Seria, pois, o cúmulo menos fruto, em que a nossa 11Jma receba muito pouca graça.
1
da estupidez dizer: "Eu nfto preciso confessar-me porque não co
meti nenhum pecado mortal" Consideremos em primeiro lugar o exame de consciência. Defi
ne-se como o esforço sincero por recordar todos os pecados come
li Todos estes efeitos do sacramento da Penitência - a restauração tidos desde a última confissão válida. Devemos cumprir essa tarefa
ou o aumento da graça santificante, o perdão dos pecados, a remis• antes de nos aproximarmos do confessionário. Se alguém tem difi
são da pena, a devolução do mérito e a graça para vencer as ten culdade cm examinar a sua consciência - por exemplo, por estai
tações - são po-;síveis graças aos infinitos méritos de Jesus Cristo afastado da confissão há muito tempo ou por ter pouca formação
que este sacramento imprime na nossa alma. Jesus Cristo na cruz religiosa -. o sacerdote o ajudará com gosto a fazê-lo, se lhe falar
realizou já a sua obra por nós: no sacramento da Penitência, damos disso. Mas o normal é ter os pecados antecipadamente preparados
a Deus simplesmente a oportunidade de partilhar conosco os infi para desfilarem em revista perante o sacerdote, logo que este nos
nitos méritos de seu Filho. possa ouvir.
A questão é saher se o nosso exame de consciência tem a pro•
fundidade e a seriedade que deveria ter. É fácil, especialmente se
PREPARAÇÃO DA CONFISSÃO nos confessamos com frequência. descurar este ponto. "O mesmo
ClUe da última vez", dizemos. "Descuidei as orações, usei o nome
Provavelmente. muitos de nós recehcmos o s;::icrnmcnto da Peni de Deus com pouca reverência, perdi a paciência uma vez e disse
tência com razoável frequência. E. sem dúvida. quando somos seve duas ou três mentiras pequenas." E com essa olhada rápida julga
ramente tentados, ou de algüm modo temos o espírito atrihulado, mos estar preparados para a confissão. Parece que esquecemos que
encontramos nesse sacramento uma fonte ahundante de fortaleza e
0
que vamos receber é nada menos que um sacramento, um sacra
pa7. Agradecemos a Deus por nos ter dado essa oportunidade tão mento por cuja eficácia Cristo morreu em agonia. O nosso exame
à mão de obtermos orientação e conselho espiritual. além das graças de consciência deveria ser uma preparação pausada e cuidadosa: caso
qul': a Penitência nos dá. Se somos sensatos. procuraremos o mesmo contrário, não nos deve surpreender que a nossa quota de graça seja
pequena.
confessor regularmente, para que possa conhecer melhor as nossas
necessidades. Antes de mais nada, o nosso exame deve começar com uma
Não obstante, pode ser que muitos de nôs - sem grandes ten- oração fervorosa. pedindo ao Espírito Santo ht7es para podermos
reconhecer os nossos pecados claramente, confessá-los adequadamente
324 A PE:,,;ITE)'(CIA
l'HEI'\H\Ç.\O D\ CO'.\FISS\0 32.:J

e arrepcndl·r-n1-.1s s1111.:crarnenk. Sú depois nos dedicaremos a mvcn


tariá-los. Sem prcss;Js nem ner\'osismns (deixando que outros pas rar-nns de que temos dor sincera dos nossos pecados. Podemos
sem à nossa frente no confcssi(m(trin. se chega a nnssa \'a e ainda esquecer-nos involuntariamente de confessar um pecado - até mortal
n w estamos preparados), repassaremos os mandamentos da lei de _ e mesmo assim fazer urna boa confissão, n.."'Ceber o perdão dos
Deus c da Igreja e os nossos deveres particulares de estado. aplican nossos pecados. Mas também podemos confessar todos os nossos
do-os ü nm,sa pessoa. Devemos preocupar-nos de recordar os peca pecados com a máxima precisão e, no entanto, sair do confessionário
dos mortais se. infelizmente, existem. Cada pecado mortal deveria cnm eles ainda em nossa alma. se não temos uma contrição sincera.
doer-nos como a proverhial punhalada. Mas. como pretendemos fa zer Que é, pois. essa contrição tão essencial para recebermos valida
uma confiss:in muito frutífera, buscaremos também os nossos pe cados mente o sacramento da Penitência? A palavra "contrição" deriva
vcniais. aquelas coisas que impedem o nosso pleno amor a Deus. do latim e significa "moer", "pulverizar''. A idéia de reduzir o eu
Podemos sentir a inclinação de despachar um ou outro manda a pú é a que nos leva a apresentar-nos diante de Deus com pro
mento demasiado depressa. Di?emos: "O primeiro mandamento? funda humildade. O Concílio de Trento, que tratou amplamente do
Não adorei nenhum deus fals_o.. Não, evidentemente. Mas que acon sacramento da Penitência, diz que a contrição é "um pesar de cora
tece com as irreverências na igreja, com as distraçôes na oração, com ção e detestação do pecado cometido, com o propósito de nunca
um pouco de superstição talvez? "O quinto mandamento? Não mais cometê-lo".
matei ninguém". Não; mas que acontece com as broncas cm casa, É fácil compreender a necessidade da contrição como condição
quando começo a gritar e deixo todo o mundo ressentido? Que para o perdão. Se ofendemos alguém, seria uma loucura pensar
dizer sobre o rancor que guardo contra fulano e sicrano? Que dizer que essa pessoa nos perdoará mesmo que não sintamos dor da ofensa
sobre a minha secreta esperança de que fulano "se meta na enras cometida nem lho façamos saber. Não é de surpreender, pois, que
cada que andava procurando"? "O sexto? Não cometi adultério ou Deus, a quem ofendemos com uma desobediência deliberada aos seus
forni_cação". Não, mas que dizer desse olho curioso na praia, dessas mandamentos, exija que nos arrependamos das nossas ofensas para
piadas marrom de escritório? "O oitavo? Ah, sim! Disse uma ou sermos absolvidos da culpa. Deus não perdoa nenhum pecado, mor
duas mentirinhas certa vez." Sim? E que dizer daquela murmuração tal ou venial, se não estamos arrependidos.
daninha que soprei. da(Juclas reticências e preconceitos contra essa Mas também temos a outra cara da moeda, muito mais conso
pessoa de outro país ou raça? Quando de verdade começarmos a ladora. Nos assuntos humanos, deparamos às vezes com gente ran
examinar-nos sobre a virtude da caridade, surpreender-nos-á ver que corosa e vingativa, que nunca perdoa um insulto, por mais que nos
necessitamos de mais tempo do que pensávamos. doa o mal cometido e nos desculpemos. Deus não é assim. Deus
E que acontece com a honestidade da nossa conduta em assun perdoa toda ofensa, por odiosa que seja, se o pecador tem verda
tos de dinheiro, com a justiça com os subordinados. com a nossa deira contrição.
generosidade em repartir com os menos afortunados os nossos bens
materiais? Que acontece com a nossa plena aceitação de tudo o que Ternos que distinguir duas espec1es de contrição: a perfeita e a
imperfeita. A diferença entre elas baseia-se nos motivos que as pro
a Igreja ensina? E com a temperança e a sobriedade na comida e,
duzem. nos "porquês" do nosso arrependimento. A contriçào per
sobretudo, nas bebidas? (Ou teremos que embebedar-nos para per
feita é a dor dos pecados que nasce de um perfeito amor a Deus.
ceber que não somos comedidos?) E com o exemplo de vida cristã
Ama-se a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, simplesmente
que damos aos que nos rodeiam?
por ser infinitamente bom e merecedor da nossa lealdade absoluta,
Não é necessário continuar aqui a lista. Uma fraqueza a que
e essa consideração nos leva ao pesar de o termos ofendido. Esta
nos inclinamos é comparar-nos com o vizinho da frente ou com a
é a contrição perfeita.
vizinha do lado, e concluir que, depois de tudo. não somos tão maus
Deve-se notar que este "amor a Deus sobre todas as coisas por
assim. Esquecemos que o único com quem temos o direito de com
Ele mesmo'' n5o implica necessariamente um sentimento de amor à
parar-nos é Jesus Cristo. Ele {' o nosso modelo, ninguém mais.
maneira humana. emocional. É fácil sentirmos um amor mais ar
Antes de receber o sacramento da Penitência, é importante exa dente por certas pessoas que por Deus: mas i to não quer dizer que
minarmos bem a consciência; mas é mais importante ainda assegu- JJrt'firamos essas pessoas a Deus. Santa Branca, mãe de São Luís
(o rei Luís IX de França), dú-110s um bom exemplo disso. Não SI!
pode duvidar do ardente am()r materno que sentia por seu filho. e,
,,l.
.'326 A PENITENCIA

no entanto, disse-lhe certa vez: "Preferiria ver-te morto aos meus


CAPÍILLO XXX
pés a ver-te cometer um só pecado mortal!". Se formos capazes de
dizer a mesma coisa sinceramente, se estivermos dispostos a renun
ciar por Deus a qualquer pessoa ou coisa antes que ofendê-lo, en A Cü TRIÇslü
tão temos perfeito amor de Deus. E se é este o amor que inspira a
nossa dor pelos pecados. então temos uma contrição perfeita.
De passagem, diremos que uma contrição perfeita perdoa o pe
cado mortal imediatamente, sempre que tenhamos a intenção de nos
acusarmos dele na nossa próxima confissão. Isto deveria levar-nos
a incluir um ato de perfeito amor a Deus nas nossas orações diárias,
para nos recordarmos de que Deus é o mais importante da nossa
vida, não só pelo que fez. por nós, mas pelo que é. Se nos man
temos "em forma" desta maneira, temos melhores possibilidades de
fazer um ato de perfeita contrição, caso venhamos a precisar dela,
contando sempre com a graça de Deus.
A contrição imperfeita é uma espécie de dor mais egoísta, mas
deve ficar claro que não é uma má espécie de dor. Embora não QUANDO É REAL A DOR?
tenha o poder de perdoar o pecado mortal fora da confissão, é uma
dor suficientemente sincera para nos conseguir o perdão no sacra• Às vezes, tropeçamos com alguém na nrn ou no ônibus e dize
li mento da Penitência. mos: "Sinto muito". Dizemo-lo por cortesia, ainda que não o sin
Os motivos que inspiram a contrição imperfeita são o ódio ao tamos de maneira nenhuma. Por dentro, temos vontade de exclamar:
pecado por ser essencialmente um mal, ou o temor à justiça divina: "Por que esse indivíduo nfto olha por onde anda?". Ou se alguém
a perda do céu e o desterro eterno no inferno. A dor que brota se aborrece por algo que dissemos com toda a inocêncja, dizemos:
1 de um ou de ambos os motivos constitui a contrição imperfeita. "Sinto muito'', ainda que por dentro estejamos comentando: "Por
Para a contrição imperfeita, não é suficiente o medo ao inferno como que será que este homem é tüo suscetível?"
o maior àos males, de modo que decido explicitamente que, se não É muito fácil multipliCar os excmp1os de ocasiões cm que as
houvesse inferno, pecaria com gosto. Este é o tipo de temor que pessoas dizem "Sinto muito" sem sentir nada. Mas quando se trata,
tem o cachorro quando vê o chicote nas mãos do seu amo. É um como é o caso, de nos prepararmos para receber o sacramento da
temor completamente egoísta, de escravos. O nosso temor a Deus Penitência, ou a nossa contrição é cem por cento sincera ou é me
deve nascer da consideração de que Ele é o nosso máximo bem, lhor não nos confessarmos. Receber o sacramento da Penitência sem
deve ser como o de uma criança para com um pai amoroso, não dor verdadeira é fazer uma confissão indigna. e o sacramento seria
como o de um escravo para com um capataz severo. inválido e infrutífero. Se não temos contrição autêntica, Deus não
nos perdoará os pecados. Como podemos, pois, saber se a nossa
Ambas as espécies de contrição, a perfeita e a imperfeita, de contriçüo é autêntica ou não? Quais os requisitos essenciais de um
vem incluir, evidentemente, o firme propósito de não pecar daí para ato de contrição genuíno?
a frente. É. óbvio que não estamos contritos de um pecado se con
tinuamos dispostos a cometê-lo novamente, se tivermos ocasif10. Este Os teólogos enumeram quatro condições.
propósito de não mais pecar dev:r ,;,.branger todos os pecados mor tais, O primeiro e o mais evidente dos requisitos é que a contrição
não só os que se confessaram; e deve incluir todos os pecados vcniais seja interior. Quando dizemos a Deus: "Sinto muito haver-te ofen
que confiamos nos sejam perdoados. dido", não fazemos um mero ato de cortesia nem apresentamos a
Ao referirmo-nos à contrição perfeita, é conveniente fazer notar obrigatória desculpa cortês. O nosso coração deve estar nas nossas
que, emhora apague o pecado mortal imediatamente, há o expresso palavras. Simplesmente devemos querer dizer o que dizemos. Mas
preceito que nos proíbe de receber a Sagrada Comunhão enquanto isto não significa necessariamente que devamos sentir uma dor emo
não o tenhamos confessado no sacramento da Penitência. cional. Como o amor, a dor é um ato da vontade, não um golpe
de emoção. Assim como podemos amar a Deus sem experimentar
3S \ CO'\THIÇ_-\0 <,ll· \.\-UO : REAL A DOR? .12

sensações. podemos ter uma prnfunda Ü<)f dn,., llllS•;()S pcc;1clns sem
:i. ,w s:1 l-apacidadê de resistência: e se Ele permiti '-L' tL'tll!Ji..;0cs cx
sentir reação emo...:ionnl Jlguma. Si.,_• L"t'lll tt,da a i11ccridadi: Jh)S de
tratHdinúrias. pndemns ter a certeza ah oluta de qui...· Ih''- daria todas
terminamos a cvit3r tUcll) o que pnssa Llfcndcr J Deus. com a ajuda \ as !.2:l"ih,'JS e:\tr,wrclinúrias de que neccssitaríamns para \ 1...'111...·ê-las.
da sua graça, cntüo temns cnntri./tn intnior.
Pl1r últinw. a 1wssa dor - interior. sohrr..".natural e supri...'ma -
Além de interior, a nnssa cnntriç:-10 ck\·e ser sohrcnutural. A
cln'i..? si...T t<'!rnhérn uni\·ersal. Isto significa que de\·cmos arrepender
razão se baseia no "porquê" <la nnssa cnntri-,·J.n. Se um homem se
arrepende de embebedar-se porque depois fica com uma ressaca tre . nns de todos os pecados mortais sem exceção. Um sô pecado mortal
menda, essa dor é natural. Se uma mulher se lamenta de ter falado nos 5,q1 naria de Deus e nos privaria da graça santificante. Ou nos
mal, murmurado maliciosamente, porqm: isso lhe fez perder a sua arri...'J1L'JH.kmos de todos ou não poderemos recuperar a graça de Deus.
melhor amiga, essa dor é nalural. Se um menino lamenta a sua Ou ft)dn:-. <10 rc-rdn<1dos ou nenhum. Se déssemos quatro bofetadas
desobediência porque por isso lhe darão uns açoites. a sua dor é a um ,1mign. seria ridículo dizer-lhe: "Arrerendo-me de três delas.
natural. Essa dor natural não tem nada a ver com Deus, com a mas n.'.l.o da LJll Hta.··
alma ou com motivos sobrenaturais. Nüo é que essa dor seja má,
mas é insuficiente em relação a Deus. Deve-se notar que cs .1:-. quatro condiçôes se aplicam tanto ü
A nossa dor é sobrenatural quando nasce de consideraçôes so contriç.'.l.o perfeita como :'1 impcrfrita. Especialmente quanto à se
brenaturais quer dizer, quando o seu "porquê" se baseia na fé em gunda condição. as pessoas têm às vezes uma noção errada, e con
algumas verdades que Deus ensinou. Por exemplo, Deus nos disse fundem a dor natural com a contrição imperfeita, quando não sft0
que devemos amá-lo sobre todas as coisas e que pecar é negar-lhe de maneira nenhuma a mesma coisa. Também a contrição imper
esse amor. Deus nos disse que um pecado mortal causa a perda ''·\, feita deve ser sobrenatural nos seus motivos; deve basear-se num mo
do céu e nos faz merecedores do inferno. e que o pecado venial deve tivo conhecido pela fé. como a crença no céu e no inferno ou na
1,
ser reparado no purgatório. Disse-nos que o pecado é a causa de fealdade essencial do pecado. Uma simples dor natural não é con
que Jesus tenha morrido na cruz e que é uma ofensa à bondade trição nenhuma. nem mesmo imperfcit3.
Suponhamos que ofendi um amigo espalhando uma calúnia acer ca
1 infinita de Deus. Disse-nos que o pecado é odioso por sua própria dele. Quero agora recuperar a sua amizade e peço-lhe desculpas
natureza. Quando a nossa dor se baseia nestas verdades que Deus dizendo: "Arrependo-me do que fiz, Pedro. mas reservo-me o di
revelou, é dor sobrenatural. Elevou-se acima de meras considerações
reito de fazê-lo outra vez se me der vontade". Não é preciso ser
naturais. professor de psicologia para adivinhar que Pedro continuará magoa
Em terceiro lugar, a nossa dor deve ser suprema. Quer dizer, do, e com razão. Minha pretensa desculpa não o é absolutamente.
devemos encarar realmente o mal moral do pecado como o máximo Se de verdade lamento havê-lo ofendido, propor-me-ei com toda a
mal que existe, maior que qualquer mal físico ou meramente natural firmeza não ofendê-lo outra vez.
que nos possa ocorrer. Significa que, quando dizemos a Deus que Passa-se o mesmo éom as ofensas a Deus. Não há ato de con
nos arrependemos dos nossos pecados, estamos dispostos, com a ajuda trição verdadeiro se não se fizer acompanhar do propósito de emenda.
da sua graça, a sofrer qualquer coisa antes que ofendê-lo outra vez. Este propósito não é outra coisa senão a simples e sincera determi
A frase "com a ajuda da sua graça" é muito importante. A dor nação de evitar o pecado no futuro, bem como as ocasiões próxi
suprema não exclui um sincero temor de pecar outra vez, se fazemos mas de pecado, tanto quanto nos seja possível. Sem esse propó
depender a vitória apenas das nossas forças humanas. Pelo contrá

t,
sito, não pode haver perdão dos pecados, nem mesmo dos veniaís.
rio, devemos desconfiar de nós e da nossa auto-suficiência: devemos Ocasião próxima de pecado é qualquer circunstância que nos
reconhecer que dependemos da graça divina, possa levar a ele. Algumas ocasiões de pecado são próximas por
Ao mesmo tempo, sabemos que nunca nos faltará a graça de sua própria natureza: livros e revistas declaradamente obscenos, por
:j Deus, se fizermos o que está ao nosso akance. Seria um grande xe plo. Outras podem ser ocasiões próximas só para determinados
1 erro tentar verificar se a nossa dor é ou não suprema imaginando indivíduos. Assim, um bar pode ser ocasião de pecado para quem
tentações extraordinárias, Por exemplo, não faz nenhum sentido que ten.ha dificuldade de beher com moderação: estacionar o carro à
um homem se pergunte: "Permaneceria casto se me fechassem num noite à luz da lua pode ser ocasião de pecado para os jovens namo
quarto com uma mulher nua e sedutora?" Sem culpa nossa, Deus d_os que viajam nele. Gr..".ralmente, as experiências do passado nos
jamais permitirá que tenhamos que enfrentar tentações que superew Jrao quais são para nós as ocasiôes prôximas de pecado. Ao fa-
1
,1 .).)1) .-\ cu:-.:TH.lÇAO 1l-HALJECEH .-\ LJECS PELA COXFISS.\O 33]

zcrmos o ato de contrú,/10, devLmos renunciar resolutamente a tmbs folhado doze vezes, cem vezes, isso não significa que estejamos con L\
essas ameaças ao nosso bem espiritual, quer provenham de pessoas, ·na<los a falhar sempre. Esta pode ser a vez em que saltemos o ro
de lugares, de coisas ou de certas atividades. sn. Pn:cisamente esta pode ser a vez em que, com a paciente
Deve-se notar que o nosso propósito de emenda - a nossa re ,_,raça Jc Deus, alcancemos o triunfo.
snlw/10 <lc evitar o pecado e as ocasiões próximas de pecado - deve - Ainda que seja um axioma avalizado por um longo uso, niio
abranger não só os pecados mortais que tenhamos cometido, mas \'l.'.r<lade que o inferno este_ja cheio de boas intenções. O que está
rodos os pecados mortais possíveis sem exceção. Sem esta resolução d1cio de boas intenções é o caminho do céu; o do inferno está cheio
universal, nenhum pecado mortal pode ser perdoado. ck desânimos e desespero. Como podemos triunfar nalguma coisa
A situaç:10 é diferente com rcbç;}o ao pecado venial. O pecado l' nüo tentamos uma vez, e outra, e outra ainda, sem desanimar?
venial não nos separa üc Deus, não extingue a sua graça cm nossa ()ucm escala uma montanha pode avançar tr s passos e retroceder
alma. Por conseguinte, é possível obter o perdão de determinado l'.ois: mas, se é bastante tenaz, bastante forte, chegará a alcançar
pecado venial, mesmo que os outros fiquem por perdoar. Isto significa t) cume.

que o nosso propósito de emenda deve estender-se a todos os peca l ma pessoa que tenha a desgraça de cair mum háhito de pe
dos veniais que espt".ramos nos sejam perdoados, mas não necessa c:ido - seja de impureza, de ira, contra a caridade ou qualquer
riamente a h dP" ç,;-; pecados vcniais cometidos. Agarrar-se a algum ()lltra virtude - precisa de ter idéias ah!_;o]utamente claras acerca
pccaJo v'-'niai i'P'.!Ll:rnto se renuncia a outros, denota, evidentemente, dn \CtJaJeiro propósito de cmcnJa: o que conta na confissiio é este
um nível mui•.: tlaÍ-.\O de amor a Deus, mas aqui não estamos falan nwmcnfo de a1.:ora e esta iníençiío de agora. Pode ser que depois
do do que é melhor, mas do mínimo necessário. haja mais tropcçns e mais quedas, antes da vitória final. Mas o
Sem dor não pode haver perdão, e sem propósito de emenda único f)('C!dur que é derrotado é aquele que deixa de lutar.
não pode haver dor genuína. É um princípio evidente e, no entanto,
1
L' rossívcl que algumas pessoas, que se horrorizariam ante o pensa
'11 mento de fazer uma má confissão ocultando um pecado mortal, não A(;Ri\DECER A DEUS PELA CONFISSÃO
scnlcm o mesmo horror ante uma confissão invJlida por falta de
um propósito firme de emenda. Se alguém é culpado de pecados Os l,lk' n;ín cPmprccndcm a fé catúlica afirm:im com certa frc
l.
mortais, n:LO basta que os diga ao confessor ou recite um ato de LJUêiH.:i:t: --Fu iiunca poderei <1creditar na confissão. Se erro, direi
,
contrição rotineiro. Se o penitente não está sincera e firmemente a l);,_•us na intimidade da minha alma que sinto muito, e Deus me
resolvido a não tornar a cometer um pecado mortal, a sua confissão pcrdo.:n..í. Njo knlw por que dizer os meus pecados a um simples
é um ato de hipocrisia. É uma confissão tão má como a daquele hl1111cm pJra que Deus rn;; perdoe." Parece uma afirrnaçf10 rnzoá
que ocultasse conscientemente um ou mais pecados mortais ao con Ycl. n:in v...·. rdadc? E. no entanto, est:í t:io cheia Je falácias como
fessor. Jc hura--·os uma rede de pc::;ca<lor.
Ern primeiro lugar, a qucst:10 não é saber se eu gosto da con
No entanto, ao ganharmos consc1cncia da necessidade de fazer fi_,s:it) y_:: pn..,firn que se pcrdncm os meus pecados de outro modo.
()lJ

um propôsito de emenda sincero, não devemos cair no erro de con /\ qu,.>;t:t•,1 é :;:ibcr c(!mo Deus (Jucr que se pcrdt1cm os pecados. Se
fundir o momento atual com as possibilidades do futuro. Uma pes ' J,-.: us Crist,), \·crdJdciro Deus. ao instituir o sacramento da Peni
soa pode muito bem experimentar sentimentos como este: "Arrepen do-
me sinceramente dos meus pecados mortais, e real e verdadeira mente
nflo quero cometer nenhum pecado mortal outra vez. Mas conheço a
! tênci;1, como rn1:io neccssúrio para o pcn.Uo dus pc--'ados cometidos
ckpt1is do Bati:,111n, fez da conf!,;_-,;-10 dn, rc--·i.ldos au sac-:rdotc parte
L'--,:-;L'n'-·ial du s:i·.:r:·:mcnto, ent:1_0 ,_,ss,: é o modo ele fa70-lo. Nós não
minha fraqueza e sei como, sob pressão, tenho quebrado os meus knh1,; J lib,_'rLL1d-: d escolher e de rcn1;;z:ir. l]U mc.fo Deus j:í se pro
bons propósitos no passado. Já antes me propus não cair outra vez, ,i nuncinu. >.°;ln pcd..::i ln'; Llit--T '·Eu g(1staria mais qu:..· fosse <lc outra
i 1
mas caí. Como posso, pois, estar certo de que o meu
.
l'. l:tlh.'1 r;J".

i propósito de agora é firme?" .k ;-, lji.1is que :l cJ1,_'li:-i:1-;:to d,1s nn'"i".(1S pCL'Jdns fosse parte csscn
Podemos estar certos de ter um firme propósito de emenda agora, Cié:I dn sau·;_:m.:-ntu d:1 Pcnit:•n;,_'Ícl.. Al1 ((1nfcrir ac1'i s·:us s:iccrdotcs
se mantivermos a nossa mente no agora, sem procurar complicações /1() Domingo da RcssurrciçJ.n o rwdn úc p.:rdoar o:, pecados, Ele
imaginando um futuro hipotético. Ainda que no passado tenhamos di..,sc: ··AL1ucks; a quem pcrdnard('s os pLctdn-;. scr-lhcs-;ío perdoa-
,3.32 ..\ CO:S:TR!ÇAO Nôs, os católicos praticantes, sabemos que não é assim. que essa
uposi\,;ão é uma patranha. 5Jahcmos que o sacramento da Penitência
dos: àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos·• (Jo 20. 23).
E. com a infinita sahcdoria de Deus. Jesus n w disse essas palavras
levianamente; e essas palavras n.lo têm sentido a não ser que pres
suponham a acusação dos pecados. Como é que os Apóstolos e os
sacerdotes que os sucederiam poderiam saher que pecados perdoar e
que pecados não perdoar se não soubessem que pecados eram esses?
E como é que poderiam conhecer esses pecados se não fosse o pró
prio pecador a manifestá-los?
A história da Igreja confirma o significado patente dessas pala
vras do Senhor. Os escritos primitivos dizem-nos que. já desde o
começo da Igreja. só se concedia o perdão aos penitentes depois de
confessarem os seus pecados. A principal diferença entre os pri
meiros séculos e os nossos dias é que. quando a Igreja estava na
sua infância, o perdão dos pecados nüo era concedido sem mais
nem menos. Se o pecado era do conhecimento público - como a
idolatria, o adultério ou o assassinato -, o pecador devia submeter-se
a uma penitência que durava toda a vida, e só lhe era concedido o
sacramento da Penitência no leito de morte.
O que os críticos da confissfto (e de outras doutrinas da Igreja)
esquecem é que nem todas as palavras de Jesus estio registradas nos
Evangelhos. Quando consideramos que Jesus pregou e ensinou du rante
um período de quase três anos, percehemos como é pouco o que as
poucas páginas dos quatro evangelistas registram cm compa ração com
tudo o que Jesus deve ter ensinado. Po<lctnus estar cer tos, por
exemplo, de que, na noite do Domingo da Ressurn.:il/to, os Apóstolos
aproveitaram a fundo a ocasiào para perguntar a Jesus qual o
significado exato das suas palavras: "A quem perdoardes os
pecados .. '' e sobre as condições que teriam que exigir para esse
perdáo.
A história mostra-nos que a manifestação dos pecados para
ohter o perdão é tão antiga como a Igreja Católica. Em consequên
cia, o sectário que afirma que "a confissão é uma invenç:to dos
padres para ter as pessoas na mão" está exibindo a sua ignorfmcia
religiosa tanto quanto os seus preconceitos. A réplica evidente a
t
esse crítico é perguntar-lhe: "Bem, se os padres inventaram a con fissão,
então por que não se eximiram eles próprios da obrigação de
confessar-se?" O Papa tem que confessar-se, os bispos têm que
confessar-se. os padres têm que confessar-se, tal corno toda a gente.


1

Todas essas objeções à confissão que ouvimos de vez em quando


hasciam-se na suposição de que o sacramento da Penitência é um
horrível suplício que devemos temer e evitar tanto quanto possivel.
\LH.\l)LCLH .--\_ DEl'S PELA co:'\FISSAO 333

é um dos maiores presentes que Deus nos fez. um presente sem o


qual não poderíamos passar e que sempre teremos de agradecer.
Em primeiro lugar. ao requerer a explícita confissão dos nossos
pcctdos. Deus nos protege contra a universal fri}queza humana, que
1ws leva a justificar-nos. Está muito bem dizer: "Na intimidade
da minha alma, direi a Deus que me arrependo, e Deus me per
doarú". Se nos fosse pedido somente isso, seria muito fácil enga narmo-
nos. pensando que estávamos arrependidos, quando. na reali dade.
continuaríamos apegados aos nossos pecados e os tornaríamos c1
unnctc, com a maior sem-cerimoma. Mas quando temos que tra-
1l·-los ú luz. quando temos que pôr-nos de joelhos e manifestá-los
de viYa voz, então temos que enfrentar a verdade. Já não é tão
fúcil que nos enganemos. Deus, que nos fez e sabe com que faci
lidade nos enganamos, proporcionou-nos um bendito meio para não
nos iludirmos.
Outro dos benefícios da confissão, digno de ser levado em conta
Clll1lo parte do sacraniento da Penitência, é que nos proporciona um
conselho autorizado para as nossas necessidades espirituais. Assim
como um médico nos ajuda com a sua ciência a curar e a prevenir
as doenças físicas, na confissão encontramos um perito nos males
da alma. que nos prescreve os remédios e as salvaguardas
necessárias para conservarmos a saúde espiritual e crescermos em
santidade.
Também nfio é desprezível a ajuda psicológica que obtemos na
ctinfissüo, tal como a sensaçfio de alívio que se segue à manifestação
dos nossos pecados, a paz e o júbilo interiores que acompanham a
certc:a de termos sido perdoados, a libertação dos sentimentos de
culpa que nos perturbavam e desalentavam. Não nos surpreende que
um eminente psiquiatra (não católico) tenha dito: "Se todas as reli giôcs
tivessem a confissão, haveria muito menos pacientes nos nossos
manict1mios". Não nos surpreende também que aquele que conhece
os benefícios deste sacramento exclame: "'Obrigado, meu Deus, pela
Confissão!"

Depois do Batismo, há uma só coisa que nos pode separar de


Deus: o pecado mortal, o repúdio consciente e deliberado da von
tade de Deus em matéria grave. O principal fim do sacramento da
Penitência é restaurar na alma do pecador a vida divina (a graça
antificante) que havia perdido. Por conseguinte, os pecados que
devemos dizer na confissão são todos os pecados mortais cometidos
depois do Batismo e não confessados previamente.
Já que o pecado venial não extingue em nós a vida da graça,
nüo somos obrigados a mencioná-los na confissão. Mas é muito
proveitoso fazê-lo, ainda que não seja obrigatório: nada nos pode
dar maior certeza de terem sido perdoados do que submetê-los à
:n-1 A Cü TRIÇAO .\l,H \iiLC.Lh .\ DLL•.':> l'EL\ C:O'\FlSS_·\O _).).)

absolviçüo d.! um sâcerdolc; além disso, no sacramento da Penitência \·ida do br, o modo como c, nseguimos aquek contr3to que agora
rL·ccbcmos graças especiais, que nos dão forças para evitar esses pe \C!lHb que foi L::onino, n.'.lo ão normalmente coisas que dig:!m rcs
cados no futuro. Mas t: verdade que o pecado venial pode ser per doado pl.'!\l) à confo,s::o. No ,cr_Hanto, deve-se. mcn ionar qu3kJ\ler cir:un
fora da confiss5.o por um ato de contriç5.o sincero (ao menos se for L.illL'Í:t que mw.k a espcue do pecado, isto e, qualquer circunstancia
uma contrição perfeita) e um propósito rle emenda. que realmente acr..:sccntc ao pcc3do uma nova malíci3. Assim, dizer
Também não há obrigaçJo de confessar os pecados mortais duvi qu se roubou um copo dourado não basta se porventura esse copo
dosos. Mas, novamente, é mais prudente manifestar esses pecados é O cúlicc da paróquia; neste caso, ao pecado de roubo acrescenta-se
na confissão, para o bem da nossa paz interior e por causa da graça l1 pcc3dn de sacrilégio. Não basta dizer que se jurou falso se o jura
que recebemos contra as recaídas. No entanto, não é imprescindível mento causou um grave prejuízo a um terceiro nos seus bens ou
confessar os pecados mortais duvidosos para se fazer uma boa con H3 sua fama; neste caso, acrescenta-se a injustiça ao perjúrio.
fissüo. Se o fazemos, devemos mencionar as nossas dúvidas ao sa Para fazer uma hna confissão, é importante não só dizer os
cerdote e confessá-los depois "como estiverem na presença de Deus". recados, mas também dizê-los de ,nodo adequado. Se todo o espí
Um exemplo de pecado mortal duvidoso seria um acesso de ira vin rito do sacramento da Penitência é de arrependimento pelo erro re
gativa, que desperta em nós a dúvida de saber se essa ira foi plena conhecido. é evidente que devemos ir à confissão com uma profunda
mente dclihcrada ou não. Outro exemplo poderia ser o dos pensa humildade de coração. Atitudes como as daquele que diz: "Bem,
mentos impuros, com a dúvida posterior de saber se consentimos afinal de contas. não sou tão mau assim", ou "imagino que sou
ou resistimos com a prontidão suficiente. como todo o mundo" ou "todos fazem coisas assim; não deve ser
Nf10 é necessário ·sublinhar que devemos ter muito cuidado em um pecado tão terrível", seriam fatais para se fazer uma boa con
nüo nos enganarmos nesta matéria. Devemos fugir de nos procurar fissão.
mos convencer de que um pecado mortal é duvidoso quando há A sinceridade é outra das condições exigidas pelo sacramento
indícios razoáveis do contrário. d3 Penitência. Isto significa nada mais (e nada menos) que deve
Ao confessarmos os nossos pecados mortais, temos obrigação mos manifestar os nossos pecados com sinceridade e franqueza totais,
de dizer o número de vezes que cometemos cada pecado. Para um cm intenção alguma de ocultá-los ou desfigurá-los. A nossa con
católico praticante que se confessa frequentemente, não há nenhum íissão seria insincera se tentássemos fazê-la usando frases vagas ou
problema nisso. Quem não se tenha confessado há muito tempo o.mhíguas, na esperança de que o confessor não perceba de que é
pode ver-se em dificuldades. Deve lembrar-se então de que Deus que estamos falando: se andássemos por aí buscando um sacerdote
não pede a ninguém o impossível. Se não puder recordar o número duro de ouvido a queni escapem as nossas palavras atropeladas ou
exato de vezes que cometeu certo pecado, basta que faça uma esti sussurradas; se intercalássemos desculpas e álibis com a intenção de
mativa sincera. Um modo prático de proceder nesses casos é fazer salvar o nosso amor próprio.
o cálculo com base no número de pecados cometidos por semana Mencionamos estes defeitos não porque sejam prática comum,
ou por mês. mas para que compreendamos melhor a essência de uma boa con fissão.
A grande maioria dos católicos recebe frequentemente e com
Ao referirmos os nossos pecados na confissão, temos que indicar agradecimento o sacramento da Penitência: são um exemplo cons
a espécie de pecados que cometemos. Não basta dizer: "Pequei tante de como fazer uma boa confissão, e a sua sinceridade e hu
contra o se undo mandamento". Devemos mencionar (supondo que mildade s1lo fonte inesgotável de edificação para os sacerdotes que
o pecado foi mortal) se pecamos por blasfêmia, falso juramento, os atendem.
maldição ou profanação. Não basta dizer: "Pequei contra a jus
tiça". Temos que distinguir se foi roubo, fraude, dano à proprie
dade ou à reputação alheia. A mqioria dos devocionários propor
ciona uma relação de possíveis pecados, que podem ajudar o penitente
a enumerá-los e classificá-los.
Não convém sobrecarregar a confissão com pormenores desne
cessários das faltas cometidas. Os incidentes que nos tenham levado
a odiar o cunhado e as consequências que daí resultaram para a
ACUSAÇAO DOS PECADOS 337
CAPÍTULO XXXI
retamente perdoado; fica apenas a obrigação de mencioná-lo, se o
.\ CO-',F] ss_lo recorda, na confissão seguinte, para que seja diretamente perdoado.
Seria de uma grande insensatez angustiar-se indevidamente à hora
de preparar a confissão ou inquietar-se por medo de esquecer aci
dentamente algum pecado. Mais insensato ainda seria deixar-se per
turbar por vagas inquietaçües acerca de confissões passadas. Deus é
justo _juiz, mas não um juiz tirano. Tudo o que nos pede é que
usemos dos meios razoáveis para fazer uma boa confissão. Não nos
pedirf contas das inevitáveis fragilidades humanas, tais como a má
memória.
Uma só coisa pode viciar a nossa confissão e torná-la "má" ou
sacrílega: omitir consciente e deliberadamente a manifestação de um
pecado que temos a certeza de ser mortal e que deveríamos confessar.
Proceder assim é não querer cumprir uma das condições que Deus
ACUSAÇÃO DOS PECADOS nos pede para nos conceder o seu perdão. Se não nos "abrimos" a
Deus, Deus não abrirá o seu tribunal ao perdão.
O trágico de uma má confissão é que produz uma reação em
Nosso Senhor Jesus Cristo quis que o sacramento da Penitência
cadeia de pecados. A não ser que - e até que - retifiquemos a
fosse também um ato de penitência, um ato de humildade; mas não
confissão inválida, cada confissão e cada comunhão posteriores serão
que se tornasse um peso intolerável para os membros do seu rehanho.
um novo sacrilégio, e um novo pecado se acrescentará ao anterior.
É verdade que todos os pecados mortais cometidos depois do
Com o passar do tempo, a consciência poderá insensibilizar-se, mas
Batismo devem ser explicitamente confessados, e este princípio é vá
nunca poderá ter verdadeira paz.
lido mesmo quando, por necessidade urgente, é prcdso adiar tempo
Felizmente, uma má confissão pode ser corrigida com facilidade,
rariamente a confissão explicita.
desde que o penitente decida emendar-se. Basta que diga ao sacer
Urna pessoa gravemente doente, que esteja tão fraca que não
dote: "Certa vez fiz uma má confissão e agora quero corrigi la".
possa especificar os seus pecados. pode receber o sacramento da Peni
O confessor tomará esta declaração como ponto de partida e, inter
tência simplesmente manifestando que pecou e que se arrepende do
rogando com compreensão, ajudará o pecador a descarregar-se do
pecados cometidos. Pode-se absolver um grupo numeroso de solda
cu pecado.
dos, à hora de entrarem em combate, se manifestam em termos gerais
Ê necessário sublinhar a frase "interrogando com compreen
a sua culpa e, ao mesmo tempo, a sua contrição: mas, cm casos de
üo." A nossa relutância em confessar uma ação vergonhosa será
emergência como estes ou outros análogos, previstos pelas leis da
muito menor se tivermos presente que aquele a quem nos dirigimos
Igreja, o pecador continua obrigado a manifestar em detalhe os pe
está cheio de compreensão e afeto. O sacerdote sentado do outro
cados mortais da próxima vez que for confessar-se. Se alguém
lado da grade do confessionário não está cheio de si nem disposto
recebesse uma absolvição coletiva - nos casos muito especiais pre
a franzir o sobrolho a cada falta que lhe comuniquemos. Ele tam
vistos pela Igreja - e não tivesse o propósito de confessar indivi
bém é humano. Ele também se confessa. Em vez de nos desprezar
dualmente, numa próxima confissão individual, os pecados mortais
pelo que temos a dizer-lhe, admirará a humildade com que estaremos
não acusados, não receheria o sacramento da Penitência. Teria feito
um ato inválido. vencendo a nossa vergonha. Quanto maior for o nosso pecado, mais
alegria daremos ao sacerdote com o nosso arrependimento. Se o
Aplica-se o mesmo princípio quando alguém se esquece de men
cionar na confissão um ou mais pecados mortais que tenha cometido. sacerdote chegasse a saber quem é o penitente, seu apreço por ele
Se depois se recorda desse pecado, deve mencioná-lo na próxima não diminuiria; ao contrário, aumentaria pela sinceridade e confiança
confissão, mas não é necessário que corra imediatamente ao confes depositada no confessor.
sor, e, entretanto, pode Ftproximar-se da comunhão. Devido à con
trição universal do penitente, o pecado por ele esquecido já foi indi- J\ parte estas considerações, sabemos - e é algo reconfortante
para todos - que os pecados que dizemos em confissão estão cobertos
338 A CO'.\FISSAO
ACl'SAÇAO DOS l'EC.\DOS 33()

pelo mais estrito vínculo de segredo que existe na terra. Este vínculo ·nstituído para perdoar os pecados cometidos depois do Batismo. A
de segredo - "o sigilo sacramental" - proíbe o sacerdote de revelar essoa que 11 10 tivesse cometido abs.o ut mcnt: ne 1hum p:cado e
por qualquer motivo, sem exceçüo alguma. o que lhe foi dito em aderia receber o sacramento da Penitencia, pois n::io havena matena
confissão. O penitente é o único que pode dispensar o sacerdote fobre a qual o s::icramento pudesse atuar. e é crt:nça comum que so
deste sigilo. Nem mesmo ao próprio penitente pode o sacerdote men cionar mente a Virgem Maria foi o ser humano adulto que jamais cometeu
fora da confissão as faltas de que tomou conhecimento, a não sa que
o penitente assim o deseje e declare. Menos ainda pode, pois, o 0 mais leve pec1do venial. (Evidentcm nte, Jesus Cristo, como ho
mem, este\·c tambón livre de pecado.)
sacerdote aludir a esses temas diante de terceiras pessoas, parentes, amigos Se não temos pecados mortais a confessar, acusar-nos de um
ou colegas. ou mais pecado.':- v-2niais - de que estejamos verdadeiramente arre
O sacerdote está decidido a enfrentar a morte ou. o que é pior, pendidos - dar-nos-á condi õi.::s para receber o sacramento da Peni
as acusações falsas e a desonra, antes que violar o sigilo da confissão.
tência e as graças correspondentes. Se não pudermos recordar-nos
No decorrer da história. muitos sacerdotes se viram ohrigados a agir
sequer de um pecado venial cometido depois da última confissão.
assim. Um sacerdote nào pode revelar o que lhe disseram na con
então podemos voltar a confcss,u algum pecado da nossa vida pas sada.
fissão sacramental nem mesmo para salvar o mundo inteiro da des Pode ser um pecado confessado e ahsolvido há muito tempo;
truição. Se porventura violasse o sigilo sacramental, seria condenado mas aqui e c:1gnra 1t)f!lJnl()s a recordá-lo e renovamos a nossa dor
com o mais estrito tipo de excomunhão que a Igreja pode infligir. de coração por tê-lo comdidn. O pecado passado mais a contrição
De passagem, diremos que esta obrigação afeta também os leigos. presente dar-nos- 10 condi / ·:s para rcceh..:rrnos a ahsolviçüo e as gra
Se a]guém chega a ouvir algo que um penitente esteja dizendo na ças do sacramento.
confissão, é obrigado a não revelar jamais e em hipótese nenhuma Neste caso, a nossa confissão será mais ou menos assim: "Aben
aquilo que ouviu. Fazê-lo seria um pecado grave. Nem mesmo çoe.me, padre, porque pequei. Confessei-me há uma semana, Nfto
pode mencioná-lo à pessoa a quem ouviu confessar-se. O penitente me recordo de ter cometido nenhum pecado desde então, mas arre
é o único que não está preso ao sigilo da confissão: mas mesmo ele pendo-me dos pecados que possa ter esquecido e de todos os pecados
deve abster-se de comentar com outros o que disse em confissão, a da minha vida pass1da. especialmente dos meus pecados de ira" (por
1
\
menos que seja necessário. exemplo).
É fácil ver que são raros os casos de confissões sacrílegas, quer
De fato, esta é a fórmula adequada para qualquer confissào:
por se ocultar um pecado mortal, quer por nrw haver verdadeiro
começar com a saudação e o sinal da cruz, e, depois de ter recebido
arrependimento. É difícil que alguém se dedique a perder o tempo
a bênção do sacerdote, mencionar o tempo transcorrido desde a nossa
fazendo algo que sabe ser pior do que não confessar-se, além de ser
última confissão, e terminar com a inclusão dos nossos pecados da
inútil.
Também é fácil verificar que a maioria das pessoas que rece vida passada de que estejamos particularmente contritos. Assim, se
bem com frequência o sacramento da Penitência não costumam ter acontece que os pecados agora mencionados nfto são realmente pe
pecados mortais a confessar. A graça especial deste sacramento for cados, mas apenas imperfeições, a inclusão de algum pecado do pas
talece-nos contra as tentações e cria as resistências da alma ao peca sado habilita o sacerdote a dar-nos a absolvição e nós podemos rece
do, muito mais do que as vitaminas em relação às infecções do corpo. ber as graças do sacramento. Se o penitente se confessa de ter
Seria um grande erro negligenciar a confissão frequente sob o pre esquecido as orações da manhã duas vezes, de ter perdido a Missa
texto de que não temos pecados mortais de que acusar-nos: precisa do domingo por doença e de ter conversado três vezes na igreja, e
mente essa confissão frequente nos faz receber as graças necessárias não acrescenta mais nada, o sacerdote nfü_) pode dar-]he a absolvição,
para evitar o pecado mortal com maior segurança. Mais ainda, o pelo menos sem fazer algumas perguntas. N:1ma confissão assim, não
sacramento da Penitência confere à alma que está livre de pecado há evidência real de pecado. Não é pecado esquecer as orações da
mortal um aumento de graça santificante, um crescimento em vida manhã; mais ainda. é evidente que não se pode cometer pecado al
interior que não podemos desprezar. gum se realmente houve esquecimento. Para que uma coisa seja pe
cado, é preciso que a má ação seja conhecida e intencional. Também
No entanto, para se poder receber este sacramento, é necessário não é pecado omitir a Missa de domingo por doença ou por outra
confessar algum pecado atual, porque o sacramento da Penitência foi
340 A CONFISSÃO PECADO E CASTIGO 341

6 _ Finalmente, devemos permanecer alguns minutos na igreja de


razão grave. Como não é necessariamente pecado conversar na Igreja,
se não há uma deliberada falta de reverência. pois de nos termos confessado, para agradecer a Deus as graças
Na prática, nem sequer é necessário mencionar estes "não pe• que acaba de conceder-nos e cumprir também a penitência que
cados" na confissão; não há razão para "incharmos" a nossa lista a 0 confessor nos impôs, se esta consiste em algumas orações.

fim de que pareça maior do que é. Se adquirimos o hábito de ter•


minar sempre a nossa confissão com uma referência aos pecados da PECADO E CASTIGO
vida passada, haverá matéria suficiente para que a nossa contrição
encontre terreno em que apoiar-se. O confessor não pensará que lhe O pecado e o castigo andam juntos. Falando do pecado, pode•
fazemos perder tempo por não podermos recordar nenhum pecado ríamos dizer que o castigo é seu ''estabilizador incorporado", pelo
desde a nossa última confissão. Não obstante, nesses casos, devemos qual se satisfazem as exigências da justiça divina. Deus é infinita·
certificar-nos de não termos feito superficialmente o nosso exame de mente misericordioso, rápido em perdoar o pecador contrito. Mas,
consciência. Não convém ir à confissão sem antes dedicar um tempo ao mesmo tempo, é infinitamente justo; não .pode permanecer indi
razoável a examinar a consciência e a suscitar em nós um genuíno ferente ante o mal moral. A Ele não pode "dar na mesma" o que
arrependimento dos nossos pecados. Este é também o momento apro• cada homem faz com a sua liberdade. Se não houvesse castigo
priado para rezarmos um ato de contrição formal: antes de nos diri• para o pecado, o bem e o mal poderiam colocar-se um junto ac
girmos ao confessionário. outro em pé de igualdade; a justiça seria uma palavra vã.
Poderá ser útil incluir aqui outras recomendações relativas à con· Por outro lado, Deus é um Deus justo, mas não vingativo. Nos
fissão: assuntos humanos, a aplicação do castigo resulta muitas vezes não
tanto da caridade como do ressentimento. O castigo é frequentemen
1
- Ao enunciarmos os pecados, falar ao confessor clara e diillinta te imposto mais para salvar o amor-próprio ofendido do que a
1,,
mente, mas em voz muito baixa. Pouco poderá ajuaar-nos o alma de quem ofende. Com Deus passa-se o contrário. Se, por um
sigilo da confissão se dissermos os nossos pecados com um lado, a sua justiça exige que o pecado seja reparado com uma com
vozeirão tal que os ouçam todos os que estão na igreja. As pensação adequada, por outro, o que Deus procura não é essa com
pessoas que ouvem mal podem pedir para confessar-se na sa• pensação em si; seu objetivo é sempre a salvação de quem o ofende:
cristia. As pessoas que têm um sério impedimento para falar, antes do pecado, tornando o seu preço demasiado elevado; depois do
podem levar a sua confissão previamente escrita num papel e pecado, tornando dolorosas as suas consequências.
entregá-lo ao sacerdote, que o destruirá depois de o ter lido. E para falar com propriedade, nem sequer se pode dizer que é
2 - Nunca mencionemos os pecados dos outros (por exemplo, do Deus quem castiga o pecador. É antes o pecador quem se castiga
marido ou da sogra), e, especialmente, nunca digamos nomes. a si mesmo. É ele quem escolhe livremente o pecado e, portanto,
3 - A não ser que seja necessário para reparar uma confissão mal o castigo que lhe é inerente. Quem comete um pecado mortal opta
fe;,ta, não queiramos fazer uma confissão geral (que abranja livremente por viver separado de Deus para·sempre (o inferno), em
toda ou a maior parte da nossa vida) sem consultar previamente troca de fazer agora a sua própria vontade. Quem comete um pecado
o confessor. Uma confissão geral rara vez é aconselhável, exceto venial aceita antecipadamente o purgatório, em troca de uma insigni
talvez em ocasiões decisivas da vida, tais como o casamento, ficante satisfação atual. Esta escolha é um pouco parecida à do
a ordenação ou a profissão religiosa. bêbadc que aceita a ressaca de amanhã em troca dos seus excessos
de hoje.
4 - Escutemos atentamente o sacerdote quando nos impõe a peni•
f1 tência, bem como os conselhos que nos possa dar. Se não os
O pecado mortal provoca duas espécies de castigo. Em primei•
ouvimos bem, devemos dizê-lo. Se ficamos com alguma dúvida ro lugar: o astigo• eterno, a perda de Deus para sempre, que é sua
1 ou temos um conselho a pedir, não hesitemos em dizê-lo. sequela tnev1tável. Perdoada a culpa do pecado, seja pelo Batismo,
5 - Continuemos escutando atentamente o sacerdote enquanto pro
1 SeJa no, sacramento da Penitência, fica perdoado este castigo eterno.
nuncia as palavras da absolvição. Já nos doemos dos nossos d. Alem do castigo eterno, há também um castigo temporal (quer
pecados e esta dor permanece na alma. Não é correto recitar izer, por um certo período de tempo) que podemos dever a Deus
verbalmente um ato de contrição enquanto o sacerdote pronun• mesmo depm•s de o pecado mortal ter si'do perdoado, e que o pecado
eia as palavras da absolvição.
:3-12 A CONFISS.\U
!'EC.\DO E CASTIGO 33

venial também merece. Este çastigo temporal e a reparação que de·


Quanto mais intensa for a nossa dor ao confessar-nos, menos
vemos oferecer a Deus (pelos méritos de Cristo) por termos violado teremos que pagar a Deus depois, como castigo tei:nporal. Mas nem
a sua justiça, mesmo depois de perdoado o pecado: é a satisfação nosso confessor nem nós mesmos podemos avaliar adequadamente
que oferecemos a Deus por nossas insuficiências na intensidade da
sta intensidade. Só Deus pode ver o coração humano e só Ele
dor por nossos pecados. Pagamos este débito com os sofrimentos
sabe num determinado momento qual a nossa dívida para com Ele.
do purgatório, a não ser que o cancelemos nesta vida (como facil
Por isso o sacerdote impõe·nos sempre uma penitência para ser cum
mente está ao nosso alcance) mediante adequadas obras de peni•
prida depois da confissão: rezar certas orações ou praticar certas
téncia.
obras. Para que a nossa confissão seja boa, devemos aceitar a pe
Há uma diferença notável entre os sacramentos do Batismo e nitência que o sacerdote nos prescreve e ter a intenção de cumpri-la
da Penitência quanto aos respectivos efeitos sobre o castigo temporal. no tempo que ele nos fixar.
O Batismo é um renascimento espiritual, um começar a vida outra A medida da penitência dependerá da gravidade dos pecados
vez. Quando um adulto é batizado, não só se apagam os pecados confessados; quanto maior for o número e a gravidade dos pecados
mortais, juntamente com o pecado original e o castigo eterno por cometidos, será lógico esperar uma penitência maior. Mas o con
eles devido, como também todo o castigo temporal por eles mere fessor não deseja impor uma penitência que supere a capacidade
cido. Quem morresse imediatamente depois do batismo iria para o do penitente. Se alguma vez nos é prescrita uma penitência que nos
céu nesse mesmo instante. E isto seria assim mesmo que a dor dos parece impossível de cumprir, seja por que motivo for, devemos di zê•lo
pecados cometidos antes do batismo fosse imperfeita. ao sacerdote, -e ele a ajustará convenientemente.
Uma vez prescrita a penitência, temos obrigação em consciência
"'
Mas a pessoa que morresse logo depois de se confessar, não
iria imediatamente para o céu necessariamente. Enquanto o castigo de cumpri-la e de cumpri-la do modo que nos foi prescrita. Por
eterno devido pelo pecado é perdoado por completo no sacramento exemplo, se me foi dito que fizesse um ato de fé, esperança e caridade
da Penitência, a porção do castigo temporal cancelada dependerá da uma vez ao dia durante uma sLmana, não seria correto "liquidar" o
perfeição da dor que o penitente tiver tido. Quanto mais ardente assunto rezando os sete atos de uma vez.
tenha sido a sua contrição, menor satisfação lhe restará por oferecer Negligenciar deliberadamente o cumprimento da penitência seria
aqui ou no purgatório. pecado mortal, se se tratasse de uma penitência grave imposta por
Uma historieta (não da vida real, claro) ilustrará este ponto. pecados graves. Negligenciar uma penitência leve seria um pecado
Conta-se de um homem que foi confessar-se depois de viver muitos venial. É claro que esquecer-se dela não é pecado, pois ninguém
anos afastado de Deus. Em penitência, o sacerdote prescreveu-lhe pode pecar por ter memória fraca. Se nos esquecemos de cumprir
que rezasse um terço todos os dias durante um mês. O penitente a penitência, acontece simplesmente que a dívida temporal, da qual
exclamou: "Como é possível, se fui ingrato com Deus tantos anos! a penitência nos teria absolvido, permanece ainda em nosso débito.
Com certeza absoluta tenho que fazer muito mais do que isso!". Por es-ta razão, deveríamos acostumar-nos a cumpri-la imediatamente
"Se você está tão arrependido - respondeu-lhe o sacerdote -, talvez após a confissão, a não ser oue o confessor rios indique outra oca
um terço diário durante uma semana seja suficiente". Então o pe sião para fazê-lo.
nitente, comovjdo, começou a chorar: "Quanto Deus me amou,
quanto suportou a minha ingratidão e os meus pecados! Nflo há Deve--se recordar que a .penitência prescrita na confissão tem uma
nada que eu não fizcs:-.c por Ele agora''. "Se está te/o arrependido - eficácia especial para pagar a dívida de castigo temporal, por ser
replicou o sacerdote . hasta que reze cinco pai•nossos e cinco ave parte do sacramento da Penitência. Devemos, claro está, fazer vo
-marias uma só vez". luntariamente outros atos de penitência. Todas as nossas obras me
Esta história realça a importância das nossas disposiçôcs intc• .... , ritórias_ podem ser oferecidas em satisfação dos nossos pecados, e é
riorcs na recepçüo do sacramento da Penitência. Quanto mais pro• conve_mente fazê lo assim; e não somente as orações que rezamos,
funda for a nossa dor e mais nos sentirmos movidos por um desin· as 1ssas que oferecemos, ou os atos de religião ou de caridade que
tcressado amor a Deus, menos "relíquias" do pecado restarão; menos praticamos, mas todas e cada uma de nossas ações praticadas no
dívidas de castigo temporal nos ficarão, sem dúvida, por satisfazer decorr er da nossa jornada centrada em Cristo; quer dizer, todas
com satisfação penitencial. as açoes (exceto as más, evidentemente) realizadas em estado d.;
graça e com um sentido de oferenda a Deus. Estas ações ganham•
344 A CO'.\"FISS.-\.0

-nos méritos para o céu e ao mesmo tempo são aceitas como satis• CAPÍTULO XXXII
fação pelos nossos pecados.
Não obstante, oração por oração e obra por obra, nada nos ,
A PEXA 'l'E:\IPOHAL E ,\S INDULGÊNCIAS
pode dar maior certeza de satisfazermos por nossos pecados do que
a penitência que nos é imposta na confissão. Estas penitências ofi
ciais têm uma eficácia sacramental, um poder de reparação que ne
nhuma penitência espontânea pode igualar.
É oportuno recordar que nenhuma de nossas obras de penitên
cia teria valor algum diante de Deus se Jesus Cristo já não tivesse ,...
pago pelos nossos pecados. A reparação oferecida por Jesus Cristo
na Cruz é infinita, mais do que suficiente para pagar a totalidade .
da dívida espiritual de toda a humanidade. Mas Deus, por um de
sígnio expresso, quer que partilhemos com Cristo a sua obra de
satisfação pelos pecados. Deus aplica os méritos de Cristo à nossa
dívida de castig6 temporal na medida da nossa disposição de fazer
penitência. O valor real das nossas penitências pessoais é insignifi AS INDULGÊNCIAS -

1"·
cante aos olhos de Deus, mas esse valor torna-se enorme quando
unido aos méritos de Jesus Cristo. As indulgências proporcionam-nos um modo acessível e provei
_·-,, toso de podermos satisfazer pelo çastigo temporal que ficamos de
Este motivo permite que as nossas orações, boas obras e sofri
mentos possam ser oferecidos em satisfação pelos pecados dos outros, vendo depois de os nossos pecados terem sido perdoados. Podemos
além dos nossos. Deus quer que participemos na obra de redenção. ganhar indulgências todos -os dias. Sabemos que abreviam o nosso
É parte do privilégio de sermos membros do Corpo Místico de Cristo purgatório. Talvez sejamos até capazes de citar de cor a Sj.Ja de!!:_
podermos satisfazer com Ele o castigo temporal devido pelos peca nição no catecismo: "Indulgência é a remissão da_P!'na.JemJLoral
dos dos outros. Conscientes desta possibilidade, devemos aproveitar d .!'.elos nossos pec30os Ja perdoados qgarrt-o à culpa, quea
as oportunidades. Em cada doença (inclusive nessa ligeira dor de Igreja_c_onc,deJora_ do sa_cramento Oa Penitência''..
cabeça de hoje), em cada frustração, em cada contrariedade, sabere mos .. l Mas alguma vez você -tentou explicar a doutrina das indulgên
ver a matéria prima da qual temos que tirar satisfação pelos pecados e cias a um amigo não católico? Saberá então por experiência que
salvar almas. E nunca nos assaltará a tentação (rara, certamente) de não é tarefa fácil. Em primeiro lugar, há todo um emaranhado de
pensar que o confessor nos impôs uma penitência mui to grande. Se mal-entendidos por esclarecer. A própria palavra "indulgência" veio
nós não necessitamos dela, em algum lugar existe uma alma que a adquirir nos nossos tempos uma conotação ligeiramente desfavo rável.
dela precisa. Uma mãe indulgénte parece ser aquela que deixa os filhos fazerem o
que lhes apetece; uma pessoa indulgente consigo própria será aquela
que se abandona aos instintos, que despreza as motiva ções mais
nobres. Em resumo, a palavra "indulgência" significa hoje certo
relaxamento moral, certa degradação dos ideais.

l
Por isso, normalmente temos que começar por explicar as indul
gências dizendo o que elas não são. E evidente que uma indulgência
mio é nenhuma licença para pecar, como não é nenhum perdão dos
pecados cometidos. Na verdade, as indulgências nada têm a ver com
os pecados enquanto tais. As indulgências dizem respeito unica
mente à pena temporal que devemos a Deus depois de os nossos
pecados terem sido perdoados no sacramento da Penitência (ou por
um ato de contrição perfeita). É preciso frisar, pois, que só pode ga
nhar uma indulgência quem estiver em estado de graça santificante.
340 A PENA TEMPORAL E AS INDULGJlNClAS
,:,; J \:IH-Ll; '.',;CIAS 34i

1
Igreja utilizou durante séculos (ultimamente simplificado pela Cons-
Depois de esclarecer os mal-entendidos, o nosso objetivo seguin te
será dar uma explicação positiva da natureza das indulgências. Um
1 primeiro passo consistirá em demonstrar o direito que a Igreja tem
' de remir o castigo temporal que devemos a Deus pelos nossos pecados

\ perdoados. Para isso, basta recordar as palavras de Cristo


3 São Pedro e aos sucessores de São Pedro, os Papas: "Tudo o
que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na
terra será desligado nos céus" (Mt. 16, 19); e quase as mesmas pala vras
repetidas numa ocasião posterior a todos os Apóstolos bem como
aos seus sucessores, aos bispos da Igreja Católica (Mt 18, 18). Jesus

\ pronunciou essas palavras sem acrescentar condições ou exce


;ões, quer dizer, deu à sua Igreja o poder de tirar da alma dos
homens qualquer impedimento que dificultasse a sua entrada no céu.
Este poder inclui, portanto, não só o de perdoar os pecados, que se
-..i.... realiza pelo sacramento da Penitência, como também o de remir a
pena temporal, quê se obtém por meio das indulgências.
A Igreja exerceu este poder de remir a pena temporal desde
os primórdios da história cristã. Nesses primeiros tempos, em que
Ós cristãos tinham um horror ao pecado muito maior do que atual
mente, os pecadores arrependidos tinham de cumprir grandes peni
tências antes de serem readmitidos na comunidade cristã. Havia
pecadores que podiam ter de fazer penitência pública durante qua
renta dias, três anos, ou mesmo por toda a vida, conforme a gravi
dade do pecado e do escândalo ocasionado. As penitências podiam
consistir, por exemplo, em vestir-se de saco e cobrir-se de cinzas, je juar,
autoflagelar-se, retirar-se para um convento, ajoelhar-se à porta de
uma igreja para suplicar as orações dos que nela entrassem, ou
vagar pelos campos vivendo de esmolas.
1
Na era dos mártires, quando milhares e milhares de cristãos
eram presos e mortos pela sua fé, tornou-se costume entre os peni
tentes recorrerem à intercessão desses mártires, isto é, dos cristãos
que estavam encarcerados à espera do dia da execução. Um mártir
il encarcerado redigia então um pedido de perdão dirigido ao bispo, e
entregava-o ao penitente. Estes escritos chamavam-se "cartas de paz".
' Quando o penitente apresentava a sua carta ao bispo, este absolvia-o
da árdua penitência pública que o confessor lhe impusera, e não só
da penitência pública, mas também da dívida para com Deus, isto é,
do castigo temporal que a penitência visava satisfazer. Conseguia-se
ess efeito transferindo para o pecador arrependido o valor satisfa
tôrio dos sofrimentos do mártir.
Assim começou na Igreja a prática das indulgências. Esta é
tambl:m a origem do "sistema de medição das indulgências que a
tit ão quena dizer rezentos drn menos concedida pela Igreja uma remissão de pena tem poral igual à que
ui ,w purgatório. Queria dizer que esse ato de piedade ele mesmo obtém por sua ação". Isto quer dizer quc a Igreja, em
çc
,o
reduzia tanta
pt:na t;mporal quanta q e seria remida .se a
t1 virtude <lo poder dado a ela por Cristo, duplica o valor sat!síatúriv
da boa obra realizada.
"I pess_o , egu d a antiga disciplina da lgreJa, fizesse Qualquer oração ou boa obra a que foram concedidas indul gências
n trezentos dms de pemtencia pubhca. é como um cheque que a Igreja nos põe nas mãos. Podemos descontá-lo
d da conta do banco espiritual das superabundantes satis-
No plano salvífico de Deus, nem uma só oração,
ul
ge nem uma lá orima de arrependimento, nem uma picada 1
nt
ia
de dor se perdem: até o 1cnor mfrito satisfatório que
uma pessoa possa ganhar e de que não precise para '
ru os seus próprios pecados, junta-se ao tesouro de
m méritos de que a Igreja pode dispor para atender às
d necessidades espirituais de seus filhos, unidos uns aos
oc outros, intimamente, pelo vínculo da Comunhão dos
tri Santos. Este grande depósito de satisfa c;ão
na acumulada está à nossa disposição para pagarmos as
", penas tem porais devidas pelos nossos pecados. É o
de chamado tesouro espiritual da Igreja, que a Igreja
P conserva e distribui.
au A hasc deste tesouro espiritual da Igreja encontra-
lo se nos méritos infinitamentl'. satisfatórios do próprio
V Cristo. Sendo Deus:= tudo o que Jesus fez e sofreu
I). tinha um valor infinito. Com a sua vida e morte,
U constituiu um depósito inesgotável de méritos,
m suficiente para atender às necessidades de toda a
a humanidade até o fim dos tempos. A este tesouro
i somam-se os méritos de Maria, nossa Santíssima Mãe
d (que não necessitou desses méritos para si), os dos
ul santos que fize ram boas obras muito além das suas
gê necessidades, e as satisfações
,,
nc excedentes de todos os membros do Corpo Místico de
ia Cristo.
de A Igreja concede as indulgências tirando-as do
tr tesouro espiritual de méritos satisfatórios de Cristo e
ez dos santos. Vejamos como atua uma indulgência: a
nt Igreja diz que concede indulgência p_arciªla qualquer
os oraçãolcgitima com que façamos um ato de-fé (e
di também de csperançi; caridade e contrição). Com isso,
as a Igreja dec1ara: "Se você está sem pc.:ado mortal e
. recita um ato de fé com atenção e ckvoçüo. eu, sua
p Mãe-. a Igreja, oferC\'O a Deus, do meu tesouro
or espiritual, os m0ritos que forem neces&ários para
ex satisfazer o castigo temporal devido pelos seus
e pecados, pelo mesmo valor merit()rio que teria,
m independentemente da indulgência, o seu ato de fé".
pl Com efeito, na disciplina atu l da Igreja, "ao fiel
o, que, ao menos contrito de corac;üo. realiza uma obra
n enriquecida com uma indul gi:ncia parcial, é
348 A PE:-IA TEMPORAL E AS 1:-:ouLGENCIAS 349
1:-;DL'LGE:-:CIAS PLE ARIAS

fações de Cristo e dos santos. e assim pagar a nossa própria dívida


para com Deus. Esta dívida é paga em maior ou menor grau - no Além disso, é necessário ter ao menos iÍotenção_geJde lucrnr
caso das indulgências parciais - segundo o amor com que fizermos a indulgência, visto que a Igreja não nos força a aceitá-la. Para
a obra enriquecida com indulgências. isso bastaa inten ão era!. Assim, se cada domingo formulo esta
inte çãô: " eus misericordioso, _que_ro _gan ar todas ãi_Ln !Jlgência .
Às vezes, no entanto, a Igreja nos dá, por assim dizer, um que pu4_er Jl s_t_F_ie_IJlaJHJ._-esfµtpr nl_ e_t.! _ o _ganharei _ouais_gl._!5!r iI_!dl_!!:_
cheque em branco contra o seu tesouro espiritual: é o que chamamos gencías que ten 111 sido concedidas às oraçõese õoas obras que .
indulgência plenária. Neste caso, é como se a· Igreja nos dissesse: •digà_ou_Ja Turante.essa semana, mesmo que não me lembre disso
"Cumpra estas condições que estabeleci - com todas as disposições no momento de realizá-las, e mesmo que ignore se tal ação ou ora
devidas - e eu, sua Mãe, a Igreja, tirarei do meu tesouro espiritual ção goza de indulgências concedidas pela Igreja. Melhor ainda que
toda a satisfação que for necessária para apagar inteiramente as suas expressar essa intenção uma vez por semana, é a prática de fazê-lo
dívidas de pena temporal". Se ganhássemos uma indulgência ple cada di!l, c_omo parte das nossas orações da manhã.
nária e morrêssemos logo após, reunir-nos-íamos a Deus no céu Não é preciso dizer que, para ganhar determinada indulgência, é
imediatamente, sem ter que satisfazer pelos nossos pecados no pur preciso, por último, realizar exatamente no tempo, lugar e modo
gatório. prescritos todos os requisitos que a Igreja tenha estabelecido para se
Na ....P!ática, é muito difícil ter a certeza de se ter ganho uma ganhar essa indulgência.
indulgência plenária. Para consegui-la, é necessário estar absoluta-
•• meritOcíesprendido de rodo pecado deliberado, o que exige uma ãor
- sincera de fodõs - s. tanto V -como- in6rt i e_ o pr EQ _
sito de evitar daí por. diante até o menor pecado. Nem sempre
INDULGENCIAS PLENARIAS "A
podemos ter a certeza-clequea-nossa reffunc1a aojiecado é tão totaf Quando consideramos o grande número de indulgências plená
como se exige. A Igreja, no enfaiii ao-conceder uma indulgênci-a rias que a Igreja pôs à nossa disposição, torna-se evidente que, se
tivermos de sofrer no purgatório antes de entrar no céu, será dupla
plenária, concede-a com aoa menos
idéia de que, se não aestamos devidamente
\
preparados para lucrá-la, ganhe111_os_ indulgência parcial mente por culpa nossa. As indulgências plenárias são tão numerosas
mente, segundo a maior ou menor perfeição das nossas -disposíções. e as obrasdas
ponsável prescritas para
preguiças lucrá-lasnos
espirituais tãopode
fáceis, que asódescurá-las
levar a mais irres
ou I
Para ganhar cada uma das indulgências plenárias, além da con ignorá-las. --·
dição mencionada, são requeridas outras três: confissão sacrament A indulgência plenária só pode ser lucrada uma vez por dia.
comunhão eucarística e oração pelas intenções doJfumÕ_-1'ontífice.. Exceptua-se apenas a indulgência plenária que a Igreja concede em
Ás três condições podem ser preenchidas em dias diversos, antes ou perigo de morte, que pode ser ganha mesmo que, nesse dia, o mori '<·
após a realização da obra prescrita; mas convém que a comunhão bundo já tenha lucrado outra indulgência plenária. Nisto diferem
e a oração _eelas intenções do SoberaJJo Pontífic se façam no mes: as plenárias das parciais, que podem ser ganhas tantas vezes quantas
mo dia em que se pratica a obra. se realizem as obras prescritas. Assim, quando digo com devoção
a Salve-Rainha, ganho uma indulgência parcial, e, se a disser cem
Já dissemos que o primeiro requisito essencial é possuir o estado vezes ao dia, ganharei cem vezes essa indulgência.
de graça santificante no momento de ganhar a indulgência. Isto signi Convém ter em conta que as indulgências plenárias que ganhe mos
fica que uma pessoa pode começar a ganhar uma indulgência inclu J)âO pod Jll._ser apli_cadas a outras pessoas vivas. _Nesta matéria,
sive com um pecado mortal na alma, mas deve estar em estado de cad_a qual tem que enfrentar o seu próprio débho. Mas podemos
graça ao terminar a obra a que se concederam indulgências. Por aplica, todas as indulgências - plenárias ou parciais - às almas
exemplo, se se podem ganhar indulgências visitando um santuário, do purgatório. ----
desde que também nos confessemos e comunguemos, podemos estar
em pecado mortal no momento de realizar a visita, e ainda ganhar Como a Igreja tem autoridade direta sobre os seus membros
a indulgência se recebermos dignamente os sacramentos da Penitên cia vivos, podemos ter a certeza dos efeitos das indulgências que ga
e da Eucaris6a.e. re_2eai:!!)0S pelas intenções. do Santo Pad Para n amos para nós, sempre que cumpranws as condições necessá·
este último ponto, é s ficiente rezar um Pai-nosso e uma Ave-M_'l.tia. nas. Este é o ensinamento comum de um considerável número
1:-,:0ULGE:-;CIAS PLE:-IARIAS 351
3,:50 A PE"A TE\ll'ORAL E AS 1:-,:DcLGE:s;cus

1:' de teólogos. Mas a Igreja não tem autoridade dirt:ta sobre as almas suir sempre mais e da nossa cegueira em relação às necessidades de
do purgatório. As indt!lg ncias que oferecemos por elas são a título
'!' d..: sufrági0, isto é, têm o valor de petiç:"10 a Deus, para que aplique
próximo.
Podemos fazer a Via-Sacra cm poucos minutos ou numa hora.
a indulgêni.:ia a dc.ternli11<1d<1 <lhild ou almas pelas-·quais se ganha e Desde que percor!amos as esta• ões meditando sobrl': a Paix5.o de
se ofrrecc. Se esta indulgência é realmente aplicada ou n IO, depen Nosso Senhor Jesus Cristo, ganharemos a indulgência. Quando a
de da miscrÍcórdfa- de Deus. Devemos confiar em que essa alma Via-Sacra é feita puhlicamentc por um grupo (como na paróquia,
1eccbcrá a indulgência que ganhamos para ela: mas, como não há durante a Quaresma), hasta que um dos presentes vá de estaç5.o em
mancirn de sabê-lo com cateza, a Igreja nos permite oferecer mais (.staç5.o, mas todos têm que fazer a sua meditação pessoal. Para
dl· uma indulgência plenária pela alma do mesmo defunto. fazer a Via-Sacra, não necessitamos de nenhum livro. Se a nossa
Podemos estar bem certos de que a maioria de nós incorre cons imaginação é pequena. podemos servir-nos de um livro, mas pode
tantcmentc cm dí\·ida com Deus. Não somos anjos que levam urna mos também fazer as nossas reflexões pessoais.
vida sem pecado. E mesmo que os nossos pecados n:to sejam muito
grandes, temos que fazer penitência por eles, aqui ou no mais além. O "Enchiridion Indulgentiarum" contém uma longa relação àe
E ninguém senão nós terá a culpa se nos apresentarmos no outro indulgências, que süo manifestação da solicitude maternal da Igreja
mundo carregados dessa dívida. Mencionamos a seguir algumas das para com seus filhos. Todas elas constituem, além disso, um incentivo
indulgências que podem ser facilmente ganhas no dia a dia, man para vivermos uma vida cristã mais intensa e para santificarmos os
tendo assim a nossa conta em zero, deveres quotidianos. Assim, por exemplo, estão enriquecidas com;
indulgência parcial as seguintes práticas piedosas: fazer o sinal da\
/': s indulgências rn1tnrgadas à rec!1ª-.Ç_Q_2._do_ _! } -J -9 ,_!llWl.e; -ci Cruz, dizendo "Em nome do Pai .. "; a visita ao Santíssimo Sacra
i! rosas como seria de espera_r: <l_e_Jlma devos_ã12_ cujo cen1rn é Aquela_ meniõ para adorá-lo (se se prolonga por meia hora, a indulgência ,
", que é "o rcfúgia.....do.s p dores". Ao recitarmos as cinco dezenas '--> é plenária); dizer uma comunhão espiritual; fazer oração mental; '
1
'
do terço, a Igreja concedellma i dulgência_ p_are:L mesmo que as visitar um cemitério e lá rezar, pelo menos mentalmente, pelos de
é
contas do terço nf10 estejam bentas. Se esta recjtaçiio for feita em funtos (esta indulgência aplica-se às almas do Purgatório, e é plená- \
e- família ou nu.ma igreja, pode-se ganhar indulgêoc@ plenária, _desde ria se a visita se faz entre os dias I e 8 de novembro); ler a Bíblia 1
que se rezem cinco dezenas sem interrupção, em voz alta e medi (a indulgência é plenária se a leitura se faz durante meia hora);
tando cada mistério. Também foi concedida i dulgência_J?_arcial o ensinar ou aprender a doutrina cristã; participar de um recolhimento
uso devoto de um terço devidamente bento_ mensal. etc.
y .1- Via-Sacra é outro fácil atalho para o céu. Todas as vezes E, ao lado destas práticas espirituais, há três concessões gerais
que a fazemos diante de estações legitimamente erigidas, ganhamos de indulgências, com as quais a Igreja quer ajudar os fiéis a im
indul!!ência plenária. Ê muito fácil compreender por quê. Ninguém pregnar de espírito cristão a vida diária: I.ª) concede-se indulgência
(jue siga devotamente o Senhor no seu caminho d agonia poderá parcial ao fiel cristão que, ao cumprir os seus deveres e aceitar os
ddxar de sentir urna dor mais profunda de seus pecados, que foram sacrifícios da vida. levanta o coração a Deus com confiança humilde,
a causa desses sofrimentos, e renovar os seus propósitos de emenda. acrescentando - mesmo que seja só mentalmente - urna jacula
Por isso, a Igreja concede também ipdulgência plenária aos que - tória: 2.ª) tamhém se concede indulgência parcial ao fiel cristão que,
estando !!!!Pedidos de ir a uma igreja ou capela para fazer a Via• com fé e espírito de caridade, se dedica - com esforço pessoal ou
-Sacra - dedicam pelo menos meia hora à leitura e meditaçfio da com os seus bens materiais - a servir os irm os que padecem ne
paixão e morte de Cnsto. cessidade; 3.ª) por último, concede-se indulgência parcial àqueles
Para ganhar a indulgi:ncia da Via-Sacra, o que se requer é que que, com espírito de penitência, se ahstêm espontaneamente de algu
vamos de estação em estação - costumam ser cruzes, quadros ou ma coisa lícita que lhes seja agradáveL
relevos - meditando nos sofrimentos de Cristo. Isto quer dizer que
---Y-
<levemos considerar o significado do que Jesus qui sofrer por nós
,, • --:$ ""' t;;Jv' ,_e,.,.:
t
e tirar disso alguma conclusão prática. Por exemplo, se meditarmos
que Jesus foi despojado da última coisa que lhe restava - as suas
vestes - sentir-nos-emos envergonhados das nossas ânsias de pos-
',
<-..:._ --v,,-- ·, r ·\..-;,
r- • ,-- "
:.,Ü.-4<./,}0 _..._ ..J-·L.l',e-1.,--..._::,
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1--c'-,..._).,,,_c_.,. ,-l ,I, j;;;..d,_,,o..-::; e ...>, ·VY'- -.,.-,. ç;.J"""C....L...-- u.
.:>-( • '- ' · 1 '
cw- - '"',. c_Q_,..,,..-,,..-,.0.,. c,1....v ,1 'lc-. .-. -::-. ---- ,..,,..........ct_.
•• I ,---c_.,"'_.J. -•.:..---:--·,.--.-,-, ,. lJ ') - ,-----------------------------,
i :1 O SACRA !E'sTO DOS E'sFER IOS 3,'5'.3

O Evangelho de São Marcos (6. 12-13) dá-nos noticia deste

(
CAPÍTULO XXXIII sacramento dos enfermos ao dizer que os Apóstolos. '·tendo partido.
A UNÇÃO DOS ENFERMOS pregavam a penitência, expulsavam numerosos demônios. t: ungiam
,, cGm óleo muitos enfermos e os curavam". Mas a descrição clássica
1
que as Escrituras nos dão deste sacramento encontra-se na Epístola
de São Tiago (5. 14-15): "Está doente algum de vós? Chame os
sacerdotes da Igreja, e estes façam orações sobre ele, ungindo-o com
óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o enfermo. e o
Senhor o aliviará; e, se estiver com pecados, ser-lhe-ão perdoados".
O óleo que se usa na administração deste sacramento é chama
do "óleo dos enfermos" ou "Santos óleos". É um dos três ókos
que o bispo da diocese ahençoa na sua catedral na manhã de Quinta
-Feira Santa; os outros dois são o Santo Crisma e o óleo dos Cate
cúmenos, que é utilizado no Batismo. Os Santos óleos sflo de azeite
puro de oliveira - ou de outro óleo extraído de plantas -. bento
pelo bispo, sem adição nenhuma. É matéria muito adequada para
O SACRAMENTO DOS ENFERMOS manifestar parte do sinal externo do sacramento. se considerarmos
os efeitos medicinais e fortalecedores que são atribuídos ao óleo.
Em seus esforços misericordiosos por levar-nos para o céu e Em casos urgentes. o óleo pode ser bento pelo próprio sacerdote ao
unir-nos a Ele, Deus chega até os últimos limites. Jesus deu-nos o realizar o rito da Unção dos Enfermos.
sacramento do Batismo, com o qual nos limpa do pecado original Na administração do sacramento da Unção dos Enfermos, hú
e de todos os pecados cometidos antes do Batismo. Conhecendo certas leituras e orações - anteriores e subsequentes -, que o sa
a nossa fraqueza, deu-nos também o sacramento da Penitência, pelo cerdote diz quando há tempo suficiente. Mas a essência do sacra
qual se perdoam os pecados cometidos depois do Batismo. Como mento está na própria unção e na breve oração que a acompanha.
se o impacientasse ver uma alma demorar-se um só instante a entrar Ao administrar este sacramento, o sacerdote unge com o óleo a
no céu, Jesus deu à sua Igreja o poder de remir a pena temporal fronte e as mãos do enfermo. Em caso de nt.:cessidadc, hasta que
devida pelo pecado, mediante a concessão de indulgências. Final realize uma única unção na fronte ou, segundo as condiçôes do
mente, como que para ter toda a certeza de que ninguém perderá doente, na parte mais apropriada do corpo.
o céu ou sofrerá no purgatório, a não ser por culpa própria, Jesus Enquanto faz as unções, recita a seguinte oração: "'Por esta
instituiu o sacramento da Extrema-Unção ou Unção dos Enfermos. santa unção e por sua piíssima misericórdia. o Senhor venha em teu
Podemos defini-la como "um sacramento instituído para alívio espi auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus
ritual e mesmo temporal dos fiéis que correm risco de morte por pecados, Ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos".
doença ou velhice".
O antigo nome deste sacramento, "Extrema-Unção", começou Quando chega o momento de ter que enfrtu+ttr ó nsco da morte,
a ser usado nos fins do século XII. Nos séculos anteriores, era por doença ou velhice, experimenta-se normalmente uma sensação
conhecido como "Unção dos Enfermos", tal como nos nossos dias. de grande angústia, o que é natural. Deus dotou a natureza huma
O termo "Extrema-Unção" tinha um significado puramente litúr na de um forte apego à vida - o chamado instinto de conservação -,
gico. Indicava que, geralmente, se tratava da última das quatro ,recisamente para garantir que concedamos ao nosso bem físico o
unções que um cristão podia receber: o Batismo, a Confirmação, a cuidado necessário e não exponhamos a vida a perigos desnecessários.
Ordem Sagrada e, finalmente, a Extrema-Unção. Mas o povo en Não há razão para nos envergonharmos ou para pensar que
tendia erroneamente que se tratava da unção última e que, depois de n?s falta fé se nos assustamos ao sentir que começa a pairar sobre
recebê-la, o mais provável era que a pessoa morresse. Foi, pois, nos a sombra da morte. Para combater esse medo à morte e para
oportuno que o Concíiio Vaticano II tivesse dado preferência ao J ir J.º4q: causª-_!_lDero_9L OCus outorgou-nos o sacramento da Un-
termo "Unção dos Enfermos" sobre o de "Extrema-Unção". ção dos Enfermos. - -- -
3.54 A U'.'\ÇÃO DOS ENFER IOS
QllA'.'sDO DEVE !OS CHA IAR O SACERDOTE 355

É um sacramento que nos confere a graça do Espírito Santo, neste


caso um aume1110 de graça santificante, pois o sacramento da Unção fortalecida e preparada para repelir os últimos embates do mundo,
dos Enfermos requer que a pessoa que o recebe já esteja livre de do demônio e da carne.
pecado mortal. Assim se robustece na alma essa vida sobrenatural, Como a Penitência é o sacramento que Deus estabeleceu para
essa união com Deus, que é a raiz de toda a fortaleza e a medida 0
perdão dos pecados mortais, o enfermo que estiver em pecado
da nossa capacidade para a felicidade do céu. deverá confessar-se antes de receber a Unção dos Enfermos. No en
A Unção dos Enfermos, além de aumentar em nós a graça san tificante, tanto é consolador saber que a Extrema-Unção perdoa também o
dá-nos a sua específica graça sacramental. O principal ob jtto dessa pecado mortal, se o enfermo não estiver em condições de se con
graça do Espírito Santo é confortar e fortalecer a alma do fessar. É o que pode suceder, por exemplo, quando a Unção é
enfermo, "reanimado pela confiança em Deus e fortalecido con tra administrada a uma pessoa que está inconsciente e, antes de perder
as tentações do maligno e as aflições da morte", como diz o novo a consciência, faz um ato de contrição imperfeito.
Ritual. É a graça que alivia a angústia e dissipa o medo. É a
graça que permite ao enfermo abraçar a vontade de Deus e enfrentar Não há dúvida de que o fim principal do sacramento da Unção
sem apreensões a possibilidade da morte. É a graça que dá forças dos Enfermos é esp preparar a alma para a morte, se esta
à alma para vencer as tentações de dúvida, para desapegar-se das chegar. Mas produz também um efeito secundário e condicional:
coisas desta vida e mesmo para enfrentar o desespero que pode causar devolver a saúde corporal ao enfermo ou a quem está com um
o último esforço de Satanás para arrebatar essa alma a Deus. Sem ferimento grave. O novo Ritual - repetindo a doutrina tradicional
dúvida, alguns dos que me lêem já devem ter recebido alguma vez da Igreja - indica qual é a condição para que se possa esperar
a Unção dos Enfermos, se não mais de uma vez. Se assim foi, este efeito: "quando for conveniente à salvação espiritual". Por
sabem por experiência própria, como o sabe quem escreve estas li outras palavras: se for espiritualmente bom para o enfermo recupe rar
nhas, que é grande a paz e a confiança em Deus que este sacra a saúde, então pode-se certamente esperar que se cure.
Mas não será uma cura súbita e miraculosa. Deus não multi
li mento outorga.
A serenidade e a fortaleza espirituais são aumentadas ainda mais
plica os seus prodígios desnecessariamente. Sempre que possível, atua
por meio de causas naturais. Neste caso, a cura será o resultado
pelo segundo efeito deste sacramento: preparar a alma para entrar das forças naturais estimuladas pelas graças do sacramento. Na me
imediatamente no céu, concedendo-lhe o perdão dos pecados veniais dida em que elimina a angústia, tira o medo, inspira confiança em
e purificando-a dos resíduos do pecado. Se tivermos a grande feli Deus e leva a aceitar a sua vontade, a Unção dos Enfermos atua so
cidade de poder receber este sacramento quando começarmos a correr bre os processos corporais, suscitando a melhora física do paciente.
É evidente que não temos o direito de esperar esta melhora se o
o risco da morte, poderemos ter a confiança quase absoluta de en
trar na bem-aventurança do céu logo depois de expirarmos. Espe sacerdote só for chamado quando o enfermo já estiver desenganado
ramos que os nossos parentes continuem rezando por nós após a e sem esperança.
:i nossa morte, pois nunca poderemos estar certos da qua1idade das Mas "sem esperança" não é uma boa expressão. Qualquer sa
I' nossas disposições ao recebermos este sacramento, e, de qualquer ma cerdote que tenha experiência nesta matéria poderá relatar algumas
neira, se não necessitamos dessas orações, alguém se beneficiará de curas surpreendentes e inesperadas que se sucederam à administração
da Unção dos Enfermos.
las. Mas podemos ter uma grande confiança em que, uma vez
recebida a Unção dos Enfermos, veremos a face de Deus logo
depois de a nossa alma deixar o corpo. A alma purificou-se de QUANDO DEVEMOS CHAMAR O SACERDOTE
.1 tudo o que poderia afastá-la dessa união: dos pecados veniais e da
1
pena temporal devida pelos pecados. Qualquer católico que tenha atingido o uso da razão pode e
Os resíduos do pecado que este sacramento purifica incluem a deve receber o sacramento da Unção dos Enfermos quando estiver
fraqueza moral da alma que resulta dos pecados, tanto do original em perigo de morte por doença, acidente ou velhice. Este sacra
como dos pessoais. Esta fraqueza - que chega até à indiferença mento pode ser repetido se o doente convalescer após ter recebido
moral - pode assaltar facilmente na hora da morte quem foi um ª Unção, ou também se, perdurando a mesma doença. vier a encon
pecador habitual. Mais uma vez, porém, a alma do enfermo é agora trar-se em situação mais grave. Também pode ser administrado an-
356 A UNÇÃO DOS ENFERMOS
QL'A:S:DO DE\'E\10S CHAMAR O SACERDOTE 357
tes de uma operação ctrurgica, se a causa da intervenção for uma
doença grave. Como o fim deste sacramento é confortar a alma diata. Talvez resolva que não, mas, como bom pastor que é, gos
em suas angústias, eliminar os efeitos do pecado e proteger-nos con tará de saber quem está doente ou acamado na sua paróquia, e
tra os seus assaltos, é evidente que este sacramento só pode ser quererá visitar os membros enfermos da sua grei, nem que seja para
i' conferido às crianças sempre que tenham atingido tal uso de razão lhe dar a sua bênção e levar-lhe umas palavras rle afeto. Mesmo
que possam encontrar conforto nele. Pode ser dada a Unção aos nos casos em que não lhe pareça conveniente administrar a Unção
doentes privados dos sentidos ou do uso da razão, desde que haja dos Enfermos, desejará levar a Sagrada Comunhão aos que se en
base para pensar que provavelmente a pediriam se estivessem no contrem recluídos em casa por algum tempo. Nunca devemos ter
pleno gozo de suas faculdades. receio de aborrecer um sacerdote chamando-o para atender uma pes
O perigo de morte deve estar no corpo da pessoa, quer em con soa doente da nossa família, mesmo que a doença não seja de morte.
sequência de uma doença, de um ferimento ou da velhice. Neste
último caso, deve tratar-se de pessoas de idade, cujas forças se en Tão desastrado como demorar a Unção dos Enfermos por igno
contrem sensivelmente debilitadas, mesmo que não sofram de uma rância é fazê-lo por um afeto mal entendido. É o que se dá quando
enfermidade grave. A Unção dos Enfermos não pode, pois, ser ad os parentes mais próximos do enfermo temem que a visita do sacer
ministrada aos soldados antes de entrarem em combate, mesmo que, dote cause um trauma no doente. "'Não queríamos assustar mamãe
logicamente, corram o risco de ser mortos. Também não pode ser dizendo-lhe que estava muito mal". Em mais de uma ocasião o
administrada a um criminoso antes de ser executado. O perigo de sacerdote terá que conter a sua pressão sanguínea ao ouvir explica ções
morte devido a causas externas não habilita ninguém a receber este deste jaez, às três da madrugada, junto ao corpo inconsciente de
sacramento. uma pessoa que deveria ter recebido a Unção dos Enfermos uma
Infelizmente, há às vezes pessoas que têm todo o direito de semana antes.
receber a Unção dos Enfermos, e que morrem sem recebê-la pelo Para nos darmos conte. da falta de caridade que isso representa,
descuido ou por um carinho errôneo dos que as assistem. É o que basta perguntarmo-nos a nós mesmos: "Se eu estivesse em perigo
se passa quando se desconhecem ou se conhecem mal os fins deste de morte, quereria ser avisado ou não?',' De cem, noventa e nove
sacramento. A Unção dos Enfermos não é apenas para os que es responderiam que sim. Por muito cristã que seja a vida que leve
tão prestes a soltar o último suspiro. É para todos aqueles cujo mos, sabemos que poderíamos pôr um pouco mais de intensidade em
estado permita pensar que estão em perigo de morte; para qualquer nossas orações se soubéssemos que o nosso Juízo estava próximo.
tipo de doença, ferimento ou operação que um médico diagnostique E a verdade é que não vamos morrer só por receber o sacra
como critico; até mesmo para qualquer estado físico que alguns mé
mento da Extrema Unção. Qualquer inquietação que possamos sen
dicos considerem simplesmente sério. Nessas circunstâncias, deve-se
tir ao sabermos do nosso estado será rapidamente acalmada e mais
conceder ao enfermo o benefício da dúvida. Por exemplo, se a víti
ma de um acidente parece estar gravemente ferida, o sacerdote não que acalmada pelas graças do sacramento. O medo à Unção dos
deve esperar pelo resultado das radiografias e demais reconhecimen Enfermos corno arauto da morte é uma superstição que remonta à
tos para administrar-lhe o sacramento. Idade Média. Os historiadores da Igreja contam-nos que, na Idade
1: Média, era tal a idéia errada que se fazia deste sacramento que a
Um princlpio basilar que a familia, os amigos ou qualquer pes
i soa responsável por um enfermo deveriam seguir é chamar o sacer pessoa que se recuperava depois de ter sido ungida era tratada como
1
t dote a tempo. A tempo quer dizér com a antecedência suficiente se, literalmente, tivesse regressado da sepultura. Se era casada, não
para que a Unção dos Enfermos produza no paciente todos os seus !he era permitido continuar as relações conjugais; não podia prestar
efeitos, tanto espirituais como físicos. A que é que isso leva? Uma Juramento; legalmente, tinha morrido.
regra geral é que, se uma pessoa se encontra doente a ponto de Há outro ponto digno de menção a respeito do momento em
precisar de um médico, deve também estar doente a ponto de ser que se deve chamar o sacerdote: é que a Unção dos Enfermos só
necessário avisar o pároco, pois normalmente não se chama o médico pr duz os seus efeitos espirituais se a alma, ainda presente no corpo,
por qualquer doença sem importância. estiver em estado de graça ou tiver feito um ato de contrição antes
Ao ser avisado, o próprio sacerdote se encarregará de fazer as de perder a consciência. Não sabemos em que momento a alma
perguntas suficientes para saber se é ou não necessária a unção ime- abandona o corpo. O fato de o coração não bater e de ter cessado
a respiração não é garantia de que a alma já não esteja no corpo.
358 A Ui\ÇAO DOS E:-.FEH.\IOS
'-JL-_\:\])0 UE\-E.\IOS CIIA.\IAR O SACERDOTE ,3,-j\)

Ê por isso que a Igreja autoriza os sacerdotes a administrar o sacra

\
mento se ainda houver dúvida quanto à morte. Em caso de morte pode ser jLJgada na pia,, agradecerá que haja no quarto um vaso de
repentina, como um acidente ou um ataque cardíaco, também se flores para derramar a agua na terra da planta.
deve chamar o sacerdote. A não ser que e até que já tenha come Se tiver que levar a comunhão a outros doentes, o sacerdote
çado a decomposição, a alma ainda pode estar presente no corpo. não faz esta opcraç.'.io, porque ainda conserva Hóstias consagradas
O sacerdote ainda pode administrar o sacramento de forma condi na teca. Neste caso, antes de sair, faz o sinal da Cruz sobre o en
cional. fermo, com a bolsa que contém o Santíssimo Sacramento. A seguir,
é acompanhado cm silêncio até a porta.
Um membro da sua família está doente. A doença parece séria, Em casos de enfermidades longas, em que o sacerdote tem que
ou, pelo menos, deixará a pessoa incapacitada por longo tempo levar os sacramentos com frequência, recomenda-se à família que
(como uma fratura da bacia). Você informa o pároco e o pároco adquira um exemplar do Ritual dos Sacramentos. Este livreto con
ihe diz que irá visitá-la. Que preparativos são necessários? tém as oraçôes que se utilizam na comunhão dos enfermos, e com
Evidentemente, se a visita não for senão urna visita de amigo, ele qualquer membro da família pode responder adequadamente às
porque a doença não parece grave ("passarei por aí esta tarde para orações, cm vez de obrigar o próprio sacerdote a fazê-lo.
ver a vovó"), não haverá necessidade de preparar nada. Mas se o
sacerdote disser: "Irei amanhã cedo, depois da Missa das oito, para Quando há grave perigo de morte, o doente recebe - além da
levar-lhe a Sagrada Comunhão", serão necessários alguns pre Penitência e da Unção a Eucaristia em forma de Viático. É
parativos. útil recordar que, como á'Tgreja ensina, todos os fiéis em perigo de
Neste caso, deve-se colocar uma mesinha junto à cama ou à ' morte, seja qual for a causa, têm obrigação de receber a Sagrada
cadeira do enfermo. Se você não a tem, basta a parte superior da Comunhão. Se o bispo autoriza, pode-se celebrar a Missa na casa
cômoda. Cobre-se a mesinha (ou o que fizer as suas vezes) com do doente e, dentro dela, administra-se-lhe o Viático.
um pano branco e limpo. Coloca-se em cima um crucifixo ladeado "Viático" é uma palavra latina que significa "provisão de via
por duas velas de cera. Deve haver também um aspersório de água gem". O Santo Viático é, por isso, simplesmente, a Sagrada Comu
benta ou, se não se dispõe dele, um pratinho cheio de água com um nhüo administrada a quem está em perigo de morte. Ao administrar
raminho, que o sacerdote poderá usar como aspersório depois de o Santo Viático, o sacerdote segue um rito análogo ao da comunhão
benzer a água. Convém que haja também um copo com água da dos doentes, mas, ao dar a partícula consagrada, depois de dizer
torneira, para o sacerdote poder purificar os dedos após a comu "O Corpo de Cristo", acrescenta imediatamente - ou depois de ter
nhão, e um paninho ou guardanapo limpo. dado a comunhão : "Que Ele te guarde e te conduza à vida eterna!".
As ve)as devem ser acesas antes de o sacerdote entrar. Ao en Como Viático, a Sagrada Comunhão pode ser dada a qual quer
trar, o saderdote diz: "A paz esteja nesta casa e com todos os seus hora do dia ou da noite, mesmo que·o enfermo já tenha rece bido a
habitantes" ou outra fórmula litúrgica de saudação. A seguir, em comunhão nesse dia como ato de devoção, e sem levar em
silêncio, ajoelha-se e coloca sobre a mesinha a bolsa que contém a conta o tempo decorrido desde a última vez que tomou alimento.
I' Sagrada Hóstia; depois levanta-se e asperge o quarto com a água benta. Evidentemente, em casos de extrema urgência, não devemos de
Os parentes e demais pessoas que estiverem no quarto ajoelham-se à morar-nos a chamar o sacerdote por não termos preparado o quarto
t· entrada do sacerdote. Após a aspersão e a oração que a acompanha, do enfermo. A sua presença imediata é mais importante do que as
o sacerdote faz sinal às pessoas que estão no quarto para que saiam, velas e a água benta. O sacerdote não se queixará por não encon
se tiver que ouvir a confissão do enfermo. trar as coisas bem preparadas.
Terminada a confissão, o sacerdote chama de novo a família,
que, ao entrar, se ajoelha outra vez. Se o doente não for confes
sar-se ou se houver no quarto outras pessoas que desejam comungar,
recitará o ato penitencial, e, depois de uma leitura do Novo Testa•
menta, rezará com todos o Pai Nosso. Depois de dar a comunhão
ao enfermo, limpa a teca (a caixinha metálica que continha a Sa
grada Hóstia) e purifica os dedos com água. Como essa água não
() (,llT t. l·\t SACERDOTE? 361

CAPÍTULO XXXIV
E a(1uele que ofereí.:e o saí.:rifício em nome do grupo - como minis
! f(de Deus - é o saí.:erdote.
1

AS ORDENS SAGRADAS
Como os homens ofereceram sacrifícios a Deus desde o começo
da raça humana, desde o começo houve sacerdotes. No primeiro
período da história bíblica ,--:- a era dos patriarcas o sacerdote
era (! próprio chefe de fam1ha. Era ele quem oferecta os sacnbc10s
"aD us por si e pela família. Adão foi o sacerdote da sua família,
assim i.:OIDO Noé, Abraão e os demais patriarcas o foram das suas.
Mas. nos tempos de Moisés, Deus dispôs que o sacerdote do seu
povo escolhido, os judeus, pertencesse à família de Aarão, da tribo
de Levi. O primogênito de cada geração dos descendentes de Aarão
seria o sumo sacerdote, e os demais levitas seus ajudantes.
Quando se estabeleceu a Nova Lei de Cristo, terminou a Lei
Antiga e com ela o sacerdócio que lhe era próprio. A Nova Lei
O QUE É UM SACERDOTE? do a or teria um sacrifício e um sacerdócio novos. Na última Ceia,
Jesus instituiu o Santo Sacrifício da Missa, em que o dom oferecido
Para saber o que é um sacerdote, é preciso saber primeiro o que
a Deus nào seria mais uma simples oferenda simbólica de ovelhas
é um sacrifício. Hoje em dia, a palavra "sacrifício" é usada em t ou bois, de pão ou vinho. Pela primeira vez e para sempre, seria
muitos sentidos. Mas, no seu significado estrito e origina], é a ofe renda
um dom digno de Deus; seria o dom do próprio Filho de Deus;
de um dom a Deus, feita por determinado grupo, por interme-
um dom de valor infinito, tanto como o próprio Deus é infinito. Na
....--âiôclealguém que tenha o direito de representar esse grupo. Santa Missa, sob as aparências de pão e de vinho, Jesus renovaria

1 O propósito da oferenda é prestar culto coletivo a Deus; quer


dizer, reconhecer o supremo domínio de Deus sobre os homens, agra
decer-lhe suas mercês, satisfazer pelos pecados do homem e pedir
incessantemente o oferecimento que, de uma vez para sempre, fez
na cruz, imolando-se a Si próprio. Na Santa Missa dar-nos0ia a
cada um de nós, seus membros batizados, a oportunidade de nos
-lhe seus benefícios. Deus não necessita dos nossos dons, pois tudo
unirmos a Ele neste oferecimento.
o que existe, foi Ele que o fez. Mesmo que lhe oferecêssemos uma
montanha de diamantes, estes em si não teriam nenhum valor aos Mas quem seria o sacerdote humano que estaria diante do altar,
olhos de Deus. Antes de Jesus se ter dado a nós como oferenda o homem cujos lábios e mãos Cristo usaria para a oferenda de Si?
perfeita no Sacrifício da Missa, o homem nada tinha a oferecer a Quem seria o sacerdote humano a quem Cristo daria o poder de
Deus que fosse realmente digno dEle. tornar Deus-Homem presente no altar, sob a aparências de pão e
r Não obstante, desde o começo da história humana, foi do agra
do de Deus que o homem lhe manifestasse os seus sentimentos por
de vinho? Para começar, havia onze sacerdotes (não hã a certeza
de que Judas estivesse presente no momento em que os Apóstolos
meio de sacrifícios. De tudo o que Ele nos desse, tomaríamos o foram feitos sacerdotes). Na nhima Ceia, como sabemos, Jesus con
melhor (fossem cordeiros, bois, frutas ou grãos), e lho restituiríamos, feriu o sacerdócio aos seus ApóstoJos quando lhes mandou e,
destruindo-o no altar como símbolo da nossa oferenda. Estas ofe mandá-lo, lhes deu o poderOe fazer o que Ele acabara de fazer.
rendas não podiam ser senão um gesto simbólico, como a gravata Disse-lhes: "Fazei isto em minha memória" (Luc 22, 20).
que um joão-ninguém presenteia a seu tio rico e generoso pelo Natal. Foi este poder, o poder de oferecer sacrifícios em nome de Cristo
Mas expressavam melhor que as palavras os profundos sentimentos e no do Corpo Místico, a Igreja ( o que significa em nome dos que
do coração humano para com Deus: "Deus onipotente - quereria estão unidos a Cristo pelo Batismo, isto é, no seu nome e no meu),
dizer o ofertante -, sei que Tu me deste tudo o que tenho. Dou-te q e tornou os Apóstolos sacerdotes. A este poder de mudar o
graças por tua bondade. Peço-te perdão por não te servir melhor. pao e o vinho no seu Corpo e Sangue, Jesus acresí.:entou na noite
Por favor, mostra-te bom e misericordioso para comigo". Um sa t:rifício do Domingo <la Ressurrciçüo o poder de perdoar os pecados em
é uma oração em ação. É a oração em ação de um grupo. seu nome. quando disse: "Àqueles a quem perdoardes os pecados,
J(-j:,! .-\S OH.UE:\S SAl;H.\UAS
(l (Jl-E f: 1·\I SAC:EHDOTE? 363

ser-lhes-ão perdoados; àqudes a quem os retiverdes, ser-lhes-ão reti dos" se perguntar: "Não será que Deus me qtkT sacerdote?" Note-se
(Jo 20, 22-23). Além desses poderes, Cristo conferiu aos Após tolos o que a pergunta não é: '•Gostaria eu de ser sacerdote?", mas sim:
poder de evangelizar - anunciando em nome de Cristo a Boa Nova - •·Deus quer que cu seja sacerdote?" É uma pergunta que se deveria
e o de reger como Pastores o povo de Deus. fi)rmular e ponderar na ora(/10 por um período de tempo razoavelmen
Este poder sacerdotal que Jesus conferiu aos seus Apóstolos
te longo. É evidente que Deus não quer que todos os jovens se façam
não era para morrer com eles. Jesus veio salvar as almas de todos
sact'fdotcs: há outras vocações a cumprir, especialmente a da pater
os homens, até o fim do mundo. Por conseguinte, os Apóstclos
nidade. Mas todos os homens serão mais felizes no seu matrimônio
transmitiram esse poder a outros homens na cerimônia que hoje cha
mamos o sacramento da Ordem Sagrada. No livro dos Atos dos cristão e na sua paternidade se antes se certificarem de que não
Apóstolos, vemos relatada uma das primeiras (se não a primeira) fecharam os ouvidos à chamada de Deus para uma paternidade es
das ordenações conferidas pelos Apóstolos: "A proposta foi bem rece piritual.
bida por toda a assembléia e escolheram Estêvão, homem cheio de fe
Quais são os sinais da vocação para o sacerdóLio? Na verdade, a
e do Espírito Santo, e Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas
vocação é uma chamada do bispo. Quando um bispo comunica a
e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram-nos aos Apóstolos,
um jovem, ao término dos estudos do seminário, que deve preparar-se
e estes. depois de terem orado, impuseram-lhes as mãos" (At 6, 5-6).
para receber o sacramento da Ordem Sagrada, esse é o fator essen
Estes homens foram ordenados di 1conos, não sacerdotes. Mas
a cena permite-nos ver os Apóstolos compartilhando e transmitindo cial da vocação. Para responder a essa chamada, é necessário que
o sagrado poder que Cristo lhes outorgara. Com o decorrer do tem o jovem esteja em estado de graça e tenha um caráter excepcional mente
po, os Apóstolos consagraram bispos, para que estes prosseguissem sólido. É imprescindível que tenha concluído os necessários estudos de
a sua missf10. Estes bispos, por sua vez, ordenaram mais bispos e filosofia e teologia.
É necessário também que tenha 24 anos feitos; sem dispensa,
presbíteros, e estes últimos bispos, por sua vez, outros mais. De tal
\, modo que o sacerdote católico de hoje pode dizer, na verdade, que
o seu poder sacerdotal, recebido pelo sacramento da Sagrada Ordem,
não se pode administrar o sacramento da Ordem a jovens de menos
idade. É necessário que seja filho de pais católicos validamente ca
lhe foi dado pelo próprio Cristo, numa cadeia ininterrupta que re sados. A Igreja confia muito na formação que o candidato ao sa
monta até Ele. cerdócio recebeu num lar cabalmente católico, no espírito de fé e
amor a Deus em que cresceu, porque moldam decisivamente o ca
Mil novecentos e poucos anos transcorreram desde aquela oca sião ráter do homem que virá depois. Mas a Igreja dispensa desta con
em que Jesus Cristo elevou os onze Apóstolos ao sacerdócio, na dição o filho de um matrimônio misto, inclusive um filho ilegítimo,
noite da Páscoa, quando se reuniu com eles para celebrá-la. Desde se os demais fatores para o sacerdócio forem favoráveis. Finalmente,
então, talvez tenha havido alguma ocasião na história da Igreja em o candidato à Ordem Sagrada deve ter reta intenção: a intenção de
que se contasse com suficiente número de sacerdotes para atender às se dedicar ao serviço de Deus no sacerdócio, para santificar a sua
/' necessidades do Povo de Deus, mas esta ocasião nào é certamente
a nossa. Süo precisos sacerdotes, sacerdotes e mais sacerdotes: é uma
alma e santificar os outros. Em seu coração não deve haver nenhum
outro motivo além desse, quando se ajoelha para receber o sacramento
;:
das necessidades mais urgentes de hoje. da Ordem Sagrada.
São precisos sacerdotes fiéis e piedosos no nosso próprio país,
onde tantas paróquias estão insuficientemente dotadas e muitas almas Estamos, porém, falando do fim do caminho para o sacerdócio.
são parcamente atendidas. A necessidade é ainda maior em terras O que é que ocorre com o seu comc:,;0? Como é que um rapaz
de missão, onde povos inteiros clamam por um sacerdote, e não há pode conhecer esse caminho e começar a segui-lo? Em primeiro
sacerdotes para enviar. Podemos estar certos de que Deus, cujo lugar, não se deve esperar nenhuma revelação especial, pois, pelo
menos, não é isso o normal. Deus não dará um piparote no rapaz
interesse na salvação das almas é absoluto, não tem a culpa deste
e lhe dirá: "Eh, você. Quero que seja sacerdote!" Deus nos deu ca?
estado das coisas. Podemos estar certos de que Ele está chamando
eça e quer que a utilizemos. Ele iluminará a nossa razão e guiar-
continuamente ao sacerdócio muitos jovens que, por uma razão ou nos-á suavemente, se lhe dermos oportunidade na nossa oração pessoal,
por outra, não prestam ouvidos à sua voz. mas espera também que sigamos os sinais indicariores, já que os pôs
Nenhum jovem deveria escolher o seu estado na vida sem antes para isso.
o, CH\L·, ]) \ OHDDI SA(;RADA 365
,3(-H AS ORDENS SAGRADAS
tolos. têm a ple itude do sacramento da Ordem e participam o
Deixemos que o rapaz pergunte a si me mo: "Tenho boa saúde?'' Sacerdócio de Cnsto, sumo e eterno Sacerdote e Cabeça da lgreJa,
Não é n cessário que seja um super-homem, mas uma constituição "presidindo no lugar de Deus o rebanho do qual são pastores, como
enfermiça não é o que mais ajuda a perseverar nos longos anos de mestres da doutrina. sacerdotes do culto sagrado e ministros do go
estudo. Depois, deve perguntar-se: Tenho uma capacidade razoável verno (Lumen Gentium, n. 20).
para estudar e para aprender?" Não precisa ser um gênio, mas, - o segundo grau é constituído pelos presbíteros - os sacer
em geral, os estudos que se requerem são mais exigentes que em dotes -. que estão unidos aos bispos na dignidade sacerdotal, em
outras instituições docentes. É muito provável que, se habitualmente bora só o bispo possua a plenitude do sacerdócio e o presbítero o
tem notas más, tudo aponte numa direção oposta ao sacerdócio. possua em grau subordinado, como cooperador da_ Ordem episc pal.
As perguntas continuam: "Confesso-me regularmente e comun "Em virtude do sacramento da Ordem, segundo a imagem de Cnsto,
r.o com freqüência?" Se a resposta for "não", aí está um defeito sumo e eterno Sacerdote, eles são consagrados para pregar o Evan
que pode ser facilmente reparado: basta começar agora. Finalmente, gelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, de maneira que
o jovem deve interrogar-se: "Vivo habitualmente em estado de gra ;ão verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento" (Lumen Gentium,
\'.ª· evito o pecado mortal?" Se a resposta for negativa, issc também n. 28).
se pode remediar facilmente com a ajuda da graça e dos sacramentos. - o terceiro grau é constituído pelos diáconos. Não possuem
Para que um joYcrn pense no sacerdócio, não é necessário que seja o sacerdócio, mas um ministério sagrado para que "fortalecidos com
um santo. Se ;·osse assim, haveria muito poucos sacerdotes ou até a graça sacramental, sirvam ao Povo de Deus no serviço da Liturgia,
nenhum. Antes, porém, é preciso que queira ser melhor. Boa saú da palavra e da caridade, em comunhão com o bispo e seu presbi
de, inteligência e virtude: são dons da natureza e da graça que cons tério" (Lumen Gentium, n.0 29).
tituem os pré-requisitos para o sac?rdócio.
Se um _jovem está em condições de responder afirmativamente Diáconos, presbíteros e bispos: eis os três graus da Ordem Sa
;'ts quatro perguntas anteriores e encontra em seu coração a genero grada instituída por Jesus Cristo. Cada um deles, como cada sa
sidade suficiente para se entregar a Deus e ao serviço dos seus irmãos, cramento, aumenta a graça santificante. Cada grau imprime um
então convém que fale logo com o seu pároco ou o diretor espiritual caráter na alma; cada grau ascendente, como um sol gradativamente
sobre a possibilidade de ir para o seminário. E quando revelar as mais brilhante, envolve e contém o caráter do que o havia precedido.
suas intençôes aos pais, estes devem dar-lhe toda espécie de ânimos. Nesse caráter se enraiza e se fundamenta o direito e o poder pró
Não têm por que empurrá-lo, mas sim animá-lo. Mais de uma vo prios da Ordem que se recebe: para o diácono, o de batizar, pregar,
cação se perdeu pela falsa prudência de alguns pais que diziam: administrar a Sagrada Comunhão, assistir e abençoar o matrimô
"Espera até terminares o secundário", "Espera até o fim do curso". nio, etc.; para o presbítero, o de mudar o pão e o vinho no Corpo
Como se pudesse haver esperas quando Deus chama! Não há pe e Sangue de Cristo e o de perdoar os pecados; para o bispo, o
rigo de que o jovem seja coagido a perseverar no semmano. Pelo único que tem a plenitude do sacerdócio, o de confirmar e o de

I' contrário, até chegar ao final, deverá provar continuamente que pos
sui as condições necessárias.
Isto é o que um jovem e seus pais podem fazer. Mas o que
ordenar, isto é, o de transmitir a outros o sacerdócio por meio do
sacramento da Ordem Sagrada. E além do aumento da graça san
tificante e do caráter sacerdotal, o ordenado recebe a graça especial
todos devemos fazer é pedir todos os dias em nossas orações e em do sacramento, que clama a Deus em seu favor para que receba
nossas Missas pela santidade dos sacerdotes e dos seminaristas, com todas as graças atuais de que possa necessitar para o fiel cumpri
uma súplica especial para que muitos jovens ouçam a voz de Deus mento da sua missão.
e se encaminhem para o altar.
Nos primeiros tempos do Cristianismo, a ordem do diaconato
ra o final; quer dizer, era uma meta em si, e os diáconos eram
OS GRAUS DA ORDEM SAGRADA importantes auxiliares dos bispos e dos sacerdotes. Em séculos mais
recentes, o diaconato caiu em desuso como "ordem" ativa, e con
O sacramento da Ordem difere dos outros sacramentos pelo fato verteu se em mero passo para o sacerdócio. Assim, só se podiam
de nele existirem três graus: encontrar diáconos nos seminários, e um diácono permanecia nessa
- o primeiro grau são os bispos que, como sucessores dos Após-
366 .,s ORDEl'\S SAGRADAS 367
os 13JSJ'()S E OL THAS DIC.'.\IDA.DES
1

condição por poucos meses, até receber a ordenação sacerdotal. mais modernos, alguns membros da Alta Igreja Anglicana reviveram
Felizmente. o Concílio Vaticano II restaurou a primitiva concepção a id ia da Missa. mas não têm bispos que sejam verdadeiros suces
do diaconato. Os seminaristas continuarão a receber a Ordem do orcs dos Apó tolos, nem bispos que possuam qualquer dos poderes
diaconato antes da ordenação sacerdotal. Mas procura-se que haja queo sacramento da Ordem Sagrada confere. N 10 mencionamos
outros homens (mesmo casados) que sejam ordenados diáconos com este fato com espírito de altivo desdém, mas como um triste fato
' 0 propósito de permanecerem nessa condição. Ajudarão os bispos histórico: devemos sentir-nos mais motivados a renovar a nossa ora
' e os sacerdotes, batizando, pregando, distribuindo a Sagrada Comu dto pelo irmüos separados, para que voltem ao autêntico e único
'
nhão, assistindo e abençoando o matrimônio, instruindo o povo, 1'.ehanho de Cristo.
presidindo às orações dos fiéis e a certos atos de culto, oficiando
enterros e exéquias, dedicando-se a ofícios de caridade e administra
ção. De fato, farão quase tudo o que faz um sacerdote, a não ser OS BISPOS E OUTRAS DIGNIDADES
celebrar a Santa Missa e confessar.
O terceiro e o mais elevado passo do sacramento da Ordem
No entanto, ~ª maioria dos que recebem o diaconato, fazem-no Sagrada é o episcopal. Quando se necessita de um novo bispo para
como passo para se tornarem sacerdotes, presbíteros. Este segundo pr;sidir uma diocese ou para alguma missão imix,rtante dentro da
passo do sacramento da Ordem Sagrada será para eles o definitivo Igreja, o Papa, como sucessor de Pedro, designa o sacerdote que
- exceto para os que venham a ser bispos - e ninguém poderá deve ser elevado à ordem episcopal. Este sacerdote recebe então a
sonhar ou desejar uma dignidade maior: ao inclinar-se cada manhã terceira "imposição de mãos" de outro bispo (as duas anteriores
sobre o pão e o vinho e pronunciar as palavras de Cristo: "Isto é foram no diaconato e no presbiterato) e, por sua vez, converte-se
o meu Corpo. Isto é o meu Sangue", o sacerdote se sentirá ani em bispo. Ao poder de oferecer a Santa Missa e de perdoar os
quilado pelo sentimento da sua própria indignidade, pela consciên pecados. junta-se agora o de administrar a Confirmação por direito
cia da sua humana fraqueza. E, certamente, seria aniquilado se não próprio e o poder exclusivo dos bispos de administrar o sacramento
fosse sustentado pela graça do sacramento da Ordem Sagrada, que da Ordem Sagrada, de poder ordenar outros sacerdotes e de consa•
Deus concede infalivelmente a quem a pede com humildade. grar outros bispos,
Evidentemente, este poder de oferecer o sacrifício da Hóstia Per• Com esta terceira imposição de mãos do bispo consagrante (habi
feita a Deus, como instrumento vivo de Cristo Sacerdote e em nome tualmente acompanhado por outros bispos, chamados co-consagran tes).
de todo o povo de Deus, é o que distingue um sacerdote de um o novo bispo recebeu o Espírito Santo pela última vez. O Esnírito
ministro ou pastor protestante. Não seria incorreto chamar ministro Santo desceu sobre ele pela primeira vez quando recebeu o
ou pastor a um sacerdote, pois é ministro do altar, servidor de Cristo Batismo, e deu-lhe o poder de participar com Cristo na sua ofe
e do rebanho de Cristo. É também pregador, e poder-se-ia chamá-lo renda sacrificial e de receber a graça dos demais sacramentos. O
assim, pois nos prega a mensagem da salvação. Espírito Santo desceu outra vez sobre ele na Confirmação, e confe
Mas, se é co reto chamar a um sacerdote ministro ou pregador, riu-lhe o poder de participar com Cristo no seu ofício profético: o
é incorreto chamar sacerdote a um ministro ou pregador protestante. poder de propagar a fé com a palavra e com as obras. O Espírito
O ministro protestante não tem o poder de oferecer sacrifícios, que Santo veio mais uma vez, com novos poderes e graças, no diaco
é precisamente o que torna sacerdote um sacerdote. Aliás, os mi nistros nato e no presbiterato. E, agora, ao ser ordenado bispo, o Espírito
protestantes - com exceção dos membros da Alta Igreja An glicana ou Santo desce sobre ele pela última vez: já não há novos poderes
Episcopaliana - nem sequer acreditam nesse poder. Alguns ministros que Deus possa conferir a0 homem. Pela última vez, a sua alma
episcopalianos ou anglicanos consideram-se a si mesmos sacerdotes, ficará marcada com um caráter - o pleno e completo caráter do
mas infelizmente estão enganados. Não têm quem lhes possa sacramento da Ordem Sagrada -, o caráter episcopal.
conferir o poder sacerdotal. A essência da ordem episcopal reside no poder de o bispo se
A linha de sucessão pela qual o poder sacerdotal chegou até perpetuar a si mesmo, no poder de ordenar sacerdotes e de consa
nós, de Cristo para os Apóstolos, de bispo para bisoo, neles que grar outros bispos, isto é, no poder de ele, sucessor dos Apóstolos,
brou-se há séculos, quando a Igreja Anglicana repudiou totalmente perpetuar esta sucessão apostólica. É um poder que jamais se po
a idéia da Santa Missa e de um sacerdote sacrificial. Em tempos derá perder. Assim como um sacerdote nunca pode perder o poder
368 AS 01\UE'.\S SACRADAS
os BISPOS E OUTRAS DIGNIDADES 369

de converter o pão e o vinho no Corpo e Sangue do Senhor. mi;smo


que apostate e abandone a Igreja Católica, um bispo jamais poderá As igrejas ortodoxas não devem ser confundidas com os mem bros
perder o seu poder de ordenar outros sacerdotes e bispos. nem mes da Igreja Católica que pertencem aos ritos orientais. Quase todos
mo no caso de abandonar a Igreja Católica. Aqui se encontra a nós somos católicos de rito latino. Mas há grandes grupos de
principal diferença entre a Igreja Católica e as diversas confissões católicos em alguns países. sobretudo na Europa oriental e na Ásia,
protestantes. que já desde os começos da Igreja tiveram a Santa Missa e os
sacramentos na sua própria língua; assim, por exemplo, os cató licos
Como já vimos, os protestantes não crêem na Santa Missa nem gregos ou os católicos armênios. Muitas das suas cerimônias são
num sacerdócio que inclua o poder de oferecer o Santo Sacrifício diferentes das nossas. Mas crêem no Papa como cabeça da Igreja e
e, por conseguinte, não crêem no sacramento da Ordem Sagrada. Fez são tão verdadeiros católicos como você e como eu. Os católicos de rito
-se notar que os membros da Alta Igreja Anglicana e Episcopaliana latino podem perfeitamente assistir à Missa, sempre que o desejarem,
crêem na Missa e no sacerdócio, mas deixaram de ter bispos e sa numa igreja católica de rito oriental - como a maronita ou a melquita
cerdotes reais no século XVI. Os que estavam então à testa da - e receber nela a Sagrada Comunhão. Orientais ou ocidentais, somos
Igreja na Inglaterra eliminaram da cerimônia da ordenação toda re um em Cristo.
ferência à Missa e ao poder de oferecer o Santo Sacrifício. Sem a
Diácono, sacerdote, bispo: os três graus do sacramento da Ordem.
intenção de ordenar sacerdotes sacrificiais, o sacramento da Ordem
é inválido, nüo há tal sacramento. Ocorre o mesmo com qualquer
Acima do bispo não existe poder maior que Deus dê aos homens.
sacramento: faltando a intenção, falta o sacramento. Se um sacer Entào que acontece com o Papa? Não tem mais poder que os
dote pronuncia as palavras da Consagração tendo diante de si pão bispos ordinários? E que se passa com os cardeais e os arcebispos?
e vinho (por exemplo, no almoço), o pão e o vinho não ficarão con Onde é que entram e que fazem?
sagrados se o sacerdote não teve a intenção de fazê-lo. Seja quem Não. O Papa não tem um poder espiritual maior que o dos

l
for que administre um sacramento, deve ter a intenção de fazer o demais bispos. Tem mais autoridade, uma jurisdição mais extensa
que o sacramento pretende fazer, ou então o sacramento será invá que a de qualquer outro bispo. Por ser bispo de Roma, sucessor
lido. Foi por isso que se extinguiram os bispos e os sacerdotes na de São Pedro, tem autoridade sobre toda a Igreja. Estabelece leis
Igreja Anglicana: ao suprimirem na cerimônia da ordenação a in para toda a Igreja. Designa os sacerdotes que serão bispos e atribui
tenção de ordenar sacerdotes e bispos que oferecessem o Sacrifício, dioceses a esses bispos. Goza também de um privilégio muito es pecial,
suprimiram seus bispos e sacerdotes. que Jesus deu a São Pedro e aos seus sucessores: o privilégio da
infalibilidade. Por este privilégio divino, Deus preserva o Papa de erro
As coisas são muito diferentes com as chamadas igrejas orto doxas, quando se pronuncia definitivamente, para a Igreja universal, sobre
como a Igreja Ortodoxa Grega, a Russa, a Romena, a Armê nia e matérias de fé ou de moral, usando da plenitude da sua auto ridade
demais. Há uns mil anos, quando todo o mundo cristão era católico, os docente. Mas o poder essencial do Santo Padre, ao ser eleito Papa, não
hierarcas eclesiásticos de alguns países separaram-se de Roma, se torna maior do que quando o consagraram bispo.
rompendo a sua comunhão hierárquica com o Papa. Não obstante, O ofício de Cardeal não tem absolutamente nada a ver com o
!" continuaram a crer em todas as verdades que a Igreja Catá· lica poder sacerdotal. O cardinalato é um posto honorífico, inteiramente
à margem do sacramento da Ordem Sagrada. Os cardeais não são
t ensinava, como a Missa e os sacramentos. Seus bispos conti
nuaram a ser bispos. E estes bispos continuam a ordenar sacer• senão os conselheiros do Papa, colaboradores, especiais em altos car
dotes validamente e a consagrar outros bispos como seus sucessores. gos do governo da Igreja, e formam o colégio eleitoral que escolhe
Com o poder sacerdotal assim transmitido através dos séculos, as um novo Papa. Teoricamente, um cardeal nem sequer tinha que ser
igrejas ortodoxas possuem ainda hoje a Missa e os sacramentos. E sacerdote. Atualmente, não se costuma nomear cardeais que não
por isso, nos casos de necessidade previstos pelas leis da Igreja, llDl sejam sacerdotes ou bispos, mas houve um tempo na Igreja em que
católico pode assistir a uroa Missa numa igreja ortodoxa, e - nos também eram nomeados entre os leigos. O título de cardeal é muito
lugares onde não há um sacerdote católico - poderia inclusive con· antigo na Igreja, mas foi o Papa Nicolau II que no ano de 1059
fessar-se com um padre ortodoxo e receber a comunhão e a Unção organizou o colégio cardinalício de forma muito semelhante à que
dos Enfermos. Em total, há dezesseis ramos da Igreja Ortodoxa. conhecemos hoje, e deu aos cardeais o direito de elegerem o novo
Papa, quando a Santa Sé fica vacante.
1
)7() AS ül\DE'.\S S..\GHADAS O.':> Hl l'O F Ol.TlL\S DIG:\IDADES 37:
J'
r
Para entendermos o ofício de arcebispo, devemos conhecer um
ção paroquial da Igreja: \'á ias paró ias ormam um arcipr,cst dt•
pouco da composição física da Igreja. O mundo divide-se em dioceses \·ários arcipn:staLlos. uma c.hncese; vanas dioceses, uma provmua, e
ou circunscrições equivalentes. Deve haver cerca de duas mil divisões todas as províncias do mundo compõem a Igreja. universal.
Uessas na Igreja de hoje. Cada diocese ou prelatura tem limites Ao chegar aqui, algu m perguntará: "E os monsenhnres? Que
geográficos bem precisos, como os têm as nações e as províncias. têm a ver com tudo i to?". O título de monsenhor. com o din:itn
Só algumas circunscrições - como os Vicariatos militares - não têm de usar uma batina roxa em lugar da preta, é uma honra que (l
território, e abrangem ilm grupo de pessoas - por exemplo, os mi Papa confere a um sacerdote, normalmente a pedido do hispo cm
litares - de um determinado país. Cada pessoa domiciliada dentro cuja diocese reside. Geralmente, o sacerdote a quem se concede tal
dos limites de uma diocese pertence a essa diocese. Cada ct:occse
honra é um membro da "família oficial" do bispo: o chanceler, o
divide-se em paróquias que, por sua vez - fora os casos de paró
secretário, o vigário geral, etc.; ou um pároco cujo trabalho excep cional
quias pessoais, como paróquias para grupos de imigrantes, para uni
merece um reconhecimento especial. A concessão do título de
versitários etc. - têm limites geográficos bem definidos, e qualquer
monsenhor a um sacerdote também lhe dá como que um selo oficial
pessoa domiciliada dentro desses limites pertence a c sa paróquia,
esteja ou não "registrada". Os únicos que podem dizer verdadei ramente de aprovação do bispo, mas não lhe confere nenhum aumento de
que nfto pertencem a nenhuma paróquia são os vagabundos poder sacerdotal ou de autoridade.
permanentes, aqueles que nfio têm domicílio fixo em nenhum lugar.

A frente de cada diocese há um bispo. O bispo que governa


uma diocese chama-se o Ordinário dessa diocese. O título de Ordi nário
distingue o bispo que governa uma diocese dos bispos titulares, que são
os que não têm diocese própria. Quando são consagrados bispos, pode-
se dar a estes o título de uma diocese extinta, geralmente o de uma
cidade da Africa ou da Asia que deixou de existir como diocese séculos
atrás. Um bispo titular pode ser designado para ajudar o Ordinário
de uma diocese grande, e nesse caso é chamado bispo auxiliar. Ou pode
também ocupar-se de algum trabalho dio cesano ou inter-diocesano,
como ser reitor de uma universidade ca tólica ou delegado papal.
Várias dioceses adjacentes agrupam-se para formar uma provJncm
da Igreja. A diocese principal da província chama-se arquidiocese,
e seu Ordinário, arcebispo. Este não é o "chefe" das dioceses da
província, pois cada bispo governa a sua própria diocese. Mas
11 tem a precedência de honra e o dever de convocar os bispos da
província e de presidir às suas reuniões. E, assim como há bispos
titulares, há também arcebispos titulares, que não estão à frente de
nenhuma arquidiocese. O Papa deu-lhes esse tratamento como uma
dignidade em reconhecimento pelo importante trabalho de que se
ocupam ou pelos meritórios serviços que prestaram.

Voltando à organização da Igreja em dioceses, vemos que a


maioria delas se divide em vários arciprestados, cada um abran
gendo várias paróquias limítrofes. Um dos párocos dentro desse ter
ritório é nomeado arcipreste pelo bispo, e o Ordinário delega nele
numerosas tarefas menores de supervisão. Esta é, pois, a organiza-
11 o \!.HHl\1():,,;ro FOI FEITO l'OR DEUS 373
'I
·lj CAPÍTULO XXXV homem e ü mulher os órgãos genitais. Foi Ele quem - para
garantir , perpetuaÇ dn gêner h_umano . uniu ao uso de3scs
órg<.lo-s i.üú grau muno devaUo de . prazer f1s1co. Do fato de ser
O IATRJ.\[ü TO Deus o autor do sexo e de ser bom tudo o que Ele faz, segue-se
que o sexo t.': alg(, bom. E assim é, realmente, pois pela relação
C'i':>Cncial ...:nrn Deus. que participa no ato procriador, o sexo não é
<llgt1 :-.impksmentc bom, _p3s Sat!.!g e sagrado. _
.,....------ Tncmfo' um ponto' que merece ser sahentado: a :'lllntidade bá
./ sica do SL'XO. Quando se perde o sentido da sacralidade do sexo,
( a santidade do matrimônio é esquecida e o sexo se converte num
\ brinquedo, num instrumento excitante de prazer, deixando de ser
instrumento de Deus. A infidelidade conjugal e a prostituição, o
divórcio fácil e as uniões casuais são alguns dos males que surgem
quandu se violenta o sexo, arrancando-o da ordem divina das coisas.
Há até pessoas boas que podem sofrer por uma concepção errónea
O MATRIMóNIO FOI FEITO POR DEUS do sexo. A distorção produzida pelo pecado original cria frequen
temente dificuldades para manter o impulso sexual dentro do rumo
O ser vivo mais simples é a célula. Uma célula viva repro e Deus lhe lra ou, que é_ o do matrimônio genuíno. Por outro
duz-se por um processo de fissão, de divisão. Começa a crescer de 1a00-:--áté mesmo pessoas i)iedoSas podem cometer o êáo de confun
tamanho, depois comprime-se a si mesma pelo meio e divide-se em dir o ato procriador com o abuso do sexo e, por uma falsa lógica,
duas células vivas. À medida que as células crescem e se multipli considerar o ato sexual como algo sujo e degradante, quando na
1 li cam, o processo repete-se continuamente. tealidadc é um presente magnífico de Deus. Mais de um casal se
Ao planejar a raça humana, Deus poderia ter decretado que tem visto despojado da plena felicidade conjugal por esse errôneo
ela se propagasse de maneira semelhante. Snh tal desígnio, um ho estado de consciência.
nem poderia começar a dilatar-se mais e mais, até formar gradual
mente um duplicado dos seus órgãos originais e, no momento preciso, ,....- Deus, para assegurar o reto uso do poder procriador, fundou
separarem-se as duas metades e constituirem duas pessoas em vez a instituição matrimonial: a união indissolúvel, por toda a vida, de
de uma. um homem com uma mulher. A necessidade dessa união é evi•
Isto é uma quimera, é claro, mas serve para compreendermos dente, pois nüo só é necessário que nasçam filhos,_ mas também que
que Deus nüo tinha por que ter feito a humanidade composta de sejam cuidados e criados com amor pelo pai e pela mãe que os
homens e mulheres. Deus mio tinha por que ter compartilhado seu trouxeram ao mundo. Os juizados de menores e os manicômios dão
11 poder criador com as criaturas e fazer depender o começo de uma nova testemunho diário dos males que se produzem quando se quebra a
i vida da livre cooperação de um homem e uma mulher com Ele. unidade e a permanência do ·matrimônio.
1' Há um número ilimitado de maneiras diferentes que Deus poderia Mas Dcús não instituiu o matrimônio com o fim exclusivo de
1' ter escolhido para a multiplicação dos seres humanos, se o tivesse povoar a terra. "Não é bom que o homem esteja só", disse Deus
'
'
querido. quando Adão dormia no Eden. "Dar-lhe-ei• uma companheira se
Deus quis precisamente como é: dividiu os ser melhante a ele". É desígnio divino que o homem e a mulher se
em homens e mulheres, e deu-lhes o poder de produzirem novas completem um ao outro, que se apoiem um no outro, que contri•
1 vidas humanas em união com Ele. Pela íntima união a que cha• huam para o mútuo crescimento espiritual. Nessa união por toda
mamo sexu:1) a homem e a mulher produzem uma ª vida de um homem e uma mulher, tanto suas mentes e coraçoes
imagem co o seus corpos se fundem numa unidade nova e mais rica, cum•
1
física· deles mesmos, e neste novo corpo, tao maravtlhosamente co• pn do .ªs_sim o fim estabelecido por Deus. Estabeleceu De.us esta
meçado, Deus infunde uma alma espiritual e imortal. Foi Deus umao un1ca e irrevogável do matrimônio quando, no Paraíso, fez
quem concedeu aos homens a faculdade de procriar, que é como de Eva a companheira de Adão.
se chama a faculdade sexual. Foi Deus quem planejou e deu ao
Ji4 O ,IATIU,I0:-;10
() \L\TRl IO:-;IO FOI FEITO POR DEUS 375

Esta unidade e indissolubilidade foi estritamente confirmada por Não é de surpreender, pois, que Jesus Cristo elevasse o matri
Deus ao longo de toda a história bíblica, com duas exceçôcs. Depois mônio à categoria de sacramento. O momento preciso em que isso
do dilúvio, Deus permitiu aos• patriarcas como Abraão e Jacó que sucedeu, não o sabemos. Alguns pensam que pode ter sido nas bodas
''') tomassem mais de uma esposa a fim de que a terra se repovoasse de Caná. Outros dizem que foi quando esclarecia aos fariseus: "Não
1
mais rapidamente. Mais tarde, quando os judeus se libertaram da lestes que no princípio o Criador os fez homem e mulher? E disse:
escravidão do Egito, permitiu-lhes o divórcio e um novo matrimônio 'Por isso o homem deixará o pai e a mãe e unir-se-á à mulher, e
cm casos de adultério comprovado; ainda que, como lhes fez notar serão os dois uma só carne'. Portanto, o que Deu uniu, o homem
mais tarde. tenha afrouxado a lei estrita até esse ponto por causa não separe" (MI 19, 4-7). Mas as especulações sobre o momento
da "dureza de seus corações". preciso em que Jesus Cristo converteu o matrimônio em sacramento
Com a vinda de Jesus, cessaram essas exceções à unidade e à são inúteis. Basta-nos sab(:r, pela constante e ininterrupta tradição
permanência do vínculo matrimonial. Até os tempos de Cristo, o da Igreja, que Jesus operou essa transformação do vínculo matri
matrimônio, ainda que união sagrada, era apenas um contrato civil monial.
entre um homem e uma mulher. Mas Jesus assumiu esse contrato -
a troca de consentimentos maritais entre um homem e uma mulher Como sabemos, um sacramento é um sinal externo que confere
- e fez dele canal da graça, transformou-o num sacramento para uma graça interna. No matrimônio, o sinal externo é a troca de
1, os cristãos. matrimônio como "um sacramento gue esta consentimentos maritais entre um homem e uma mulher batizados.
e-
belece uma sánta e indissolúvel união entre um hOmeffi llillfl.- mu Por outras palavras, o homem e a mulher que vão contrair matri
mônio administram o sacramento um ao outro. Não é correto dizer
lher e_lhe_ - d;Lgiaças para se amarem )m1 ao outro s;antamente e
--educarem cris!ã_mtnte -OS filhos". --- (embora se diga frequentemente) que "João e Maria foram casados
pelo padre Pio". O correto é dizer: "João e Maria casaram-se na
Não é díficil compreender a razão pelo qual Jesus Cristo fez do presença do padre Pio". O sacerdote não pode administrar o sacra mento
matrimônio um sacramento. Já desde o começo da humanidade do matrimônio: os únicos que podem fazê-lo são os nubentes. O
o matrimônio era uma união sagrada. Era o instrumento divino para sacerdote ou o diácono não são senão a testemunha oficial que representa
engendrar, criar e educar as sucessivas gerações de seres humanos. Era Cristo e a sua Igreja. Ordinariamente, a presença do miw nistro,
i "obrigatório", poderíamos dizê-lo, que fosse elevado à categoria de sacerdote ou diácono, é essencial; sem ele, não haveria sacraw menta
sacramento. Fora do sacerdócio, não há estado na vida que clame nem matrimônio. Mas não é ele quem o administra.
!\ com tanta força pela concessão da graça como o matrimônio. O caso raro em que não é necessária a presença de um sacerdote
: Independentemente de que se queiram bem, é muito difícil que ou diácono para o sacramento do matrimônio não nos diz respeito,
duas pessoas possam viver juntas dia após dia, ano após ano, com mas é interessante conhecê•lo. Se um homem e uma mulher bati•
as inevitáveis falhas e defeitos de suas personalidades chocando-se zados desejam casar-se, mas lhes é impossível conseguir a presença
entre si; que possam ajudar-se mutuamente a crescer em bondade de um sacerdote dentro de trinta dias ou mais, então a Igreja esta
e perfeição apesar dessas faltas - ajustando-se pouco a pouco uma belece que, para haver sacramento, basta prestarem o mútuo conw
à outra, de modo que os defeitos de uma se "encaixem" nas virtu sentimento marital perante duas testemunhas. São casos que se pow
des da outra, e da sua própria diferença surja a unidade. Não é <lem dar, por exemplo, em países onde a religião é perseguida ou
tarefa fácil. É uma maravilhosa evolução - como a da borboleta cm países de missão, cm que, salvo nas zonas periféricas, rara vez
que sai da crisálida -, mas muito custosa. se vê um sacerdote. Se algum dos nuberites estiver em perigo de
Além disso, no novo plano que Jesus Cristo tinha para a huma morte, nem sequer é preciso esperar os trinta dias: se não se pode
nidade, havia uma necessidade adicional de graça: Jesus dependeria conseguir a presença de um sacerdote, os noivos poderão casar-se
dos pais para o contínuo crescimento do seu Corpo Místico, dessa prestando o mútuo consentimento perante duas testemunhas, e rece berão
união na graça pela qual todos os batizados são um cm Cristo. Daí sem dúvida o sacramento do matrimônio.
em diante, não bastaria que os pais católicos gerassem, criassem Exceptuados estes casos, um católico não pode casar•se valida
e educassem a prole para a vida natural: Jesus confiava-lhes essa mente a não ser na presença de um sacerdote, ou de outra testemu
tarefa também para a vida de santidade. Sem a orientação e a fortaw nha qualificada, designada pela autoridade edesiástica competente.
leza da graça, os homens estariam perante uma tarefa impossível. Para presidir ao casamento, tem competência o sacerdote que esteja
J n \L.\TRl\lô'-:10 EKCERRA CRAÇAS ESPECIAIS
376 O MATRIMôNIO 177

à frente da paróquia em que se celebra a cenmoma, ou o bispo da Além do aumento da graça santificante - todos os sacramentos
diocese, ou o sacerdote delegado pelo pároco ou pelo bispo. O cató de vivos a conferem -, o matrimônio confere também a sua própria
lico que pretenda casar-se perante um magistrado civil (um juiz civil eraça especial. a graça sacramental, que consiste no direito de rece
ou um juiz de paz) não estará casado de maneira nenhuma, e come ber de Deus as graças atuais de que os esposos possam necessitar
terá um pecado mortal consentindo nessa cerimônia; o casal viverá através dos anos para assegurarem uma união feliz e frutuosa. Para
em pecado mortal habitual durante todo o tempo em que os dois que possa produzir plenamente os seus efeitos, esta graça necessita
estiverem vivendo juntos. Dois não católicos que se casam perante da cooperação de ambos os cônjuges. A graça destina-se a essa
um pastor protestante ou um magistrado civil estão autenticamente entidade singular, a esse "um em dois'" que o matrimônio operou.
casados. Se não são batizados, o matrimônio é puramente "natural", Mas se uma das partes falta ao cumprimento dos seus deveres cris
como os que se davam antes de Jesus Cristo ter instituído o sacra tüos, o outro cônjuge poderá contar ainda com graças excepcionais
mento do Matrimônio. Mas se os dois não católicos são batizados, de fortaleza e sabedoria.
o seu matrimônio é sacramento. Para um católico, portanto, não Concretizando mais, a graça sacramental do matrimônio aper
há outro modo de se casar validamente a não ser recebendo o sacra mento feiçoa o amor natural entre marido e mulher. elevando-o a um nível
,,\ do Matrimônio. Quando Jesus instituiu os sacramentos, foi para que sobrenatural que ultrapassa indizivelmente a mera compatibilidade
1,
seus seguidores os utilizassem. mental e física. Dá ao amor conjugal uma qualidade santificante
que ·o torna instrumento e caminho para crescer e alcançar a santi
dade. Confere, além disso, generosidade e responsabilidade para ge
O MATRIMóNIO ENCERRA GRAÇAS ESPECIAIS rar e criar os filhos, prudência e discernimento para enfrentar os
i,
lli.,, inúmeros problemas que a vida familiar traz consigo. Ajuda os
, Se o esposo (ou a esposa) tiver tido um dia mau e estiver tal esposos a adaptarem-se aos defeitos um do outro e a desculpá-los.
vez desanimado pela pressão de um problema doméstico sério, E tudo isto é apenas uma parte do que a graça do matrimônio pode
sentindo-se tentado a autocompadecer-se e a pensar que foi um erro fazer por aqueles que, com a sua cooperação, dão a Deus ocasião
casar-se, esse é o momento de recordar que o matrimônio é um de mostrar o seu poder.
sacramento. E o momento de recordar que tem absoluto direito a Há uns quatrocentos anos, ao propor a doutrina católica sobre
qualquer graça de que possa necessitar nessa situação; a qualquer o matrimônio, o Concílio de Trento declarava: "A graça que aper
graça de que possa carecer para fortalecer a sua humana fraqueza feiçoa o amor natural (de marido e mulher), confirma a união in
1 e chegar à solução do problema. Aos esposos que fazem tudo dissolúvel e santifica os esposos, é a que o próprio Cristo nos mere
o que está em suas mãos para que seu matrimônio seja verda ceu por sua Paixão, corno indica o Apóstolo São Paulo quando diz:
deiramente cristão, Deus comprometeu-se a dar todas as graças de que 'Esposos, amai as vossas esposas, como Cristo amou a sua Igreja'".
nece5sitam e quando as necessitem, e Deus é sempre fiel aos seus Con iderar que Jesus Cristo, quando sofria a sua Paixão, pen
compromissos. sava nos esposos cristãos, aperceber-se de que um dos fins pelos
Sendo um sacramento, o matrimônio confere graça, e, como quais Jesus morreu na cruz foi ganhar as graças de que eles neces
qualquer sacramento, confere dois gêneros de graça. Em primeiro sitariam no matrimônio, parece-me um pensamento maravilhosa
lugar, no próprio momento em que é recebido, infunde um aumento mente fecundo para os esposos católicos. Igualmente fecundo será
de graça santificante. Quando os noivos se voltam para descer os meditar que o Espírito Santo inspirou São Paulo a comparar o
degraus do altar, suas almas são espiritualmente mais fortes e mais estado matrimonial à união e à comuniéação, repletas de frutos e
belas do que quando, minutos antes, subiram ao altar. de graça. que existem entre Cristo e sua Esposa, a Igreja.
É essencial, claro está, que se apresentem a receber o sacramento
com a alma em estado de graça. O fim do sacramento do Matri Além de conferir graça, o sacramento do Matrimônio é a forja
mônio não é perdoar os pecados, e a pessoa que o recebesse em do vínculo matrimonial, desse intercâmbio moral que se efetua na
pecado mortal cometeria um sacrilégio, um pecado grave. O casa al ta dos cônjuges. Há apenas três sacramentos que, por terem por
mento seria real e válido, mas não se pode conceber um início mais 0
bJeto diretamente Deus e o seu culto - o Batismo, a Confirmação
infeliz do que esse para uma obra que supõe a mais íntima colabo ª ?rdem Sagrada -, imprimem na alma esse sinal espiritual e
ração com Deus. tndelevel a que chamamos "caráter" do sacramento. Estes três sa-
:r;s
O \L\THl\lúi\IO
1l \1.\THI\Jú.'\ilO E\.CEHH.--\. GHAÇAS ESl-'ECL--\.IS :J7lJ

cramenlos fazem-nos participar de divasas maneiras no sacerdó


cio de Cristo. Não ohstante, os teólogos nüo vacilam cm comparar f, licito, evidentemente, obter a separação civil, s0 for necessário
o vínculo matrimonial a esses caracteres sacramentais. e inclusivea para o marido ou a mulher se protegerem do cônjuge malvado ou
c:enominá-lo um quase-caráter. desertor. Ias a separação e o divórcio civis não poderão quebrar
Oeste "quase-caráter", deste vínculo matrimonial, surgem as duas 0 vínculo matrimonial. Se a pessoa em questão contraísse matri rnl\

propriedades do matrimônio: a unidade e a indissoluhi!fr!ade. nio civil com um novo esposo, separar-se-ia da graça de Deus para
viver em pecado habitual. Trocaria a sua felicidade eterna pelos poucos
A unidade do matrimônio significa que um homem só pode anos de consolo e companhia que espera encontrar no seu egundo
ter uma esposa, e uma mulher um só marido. A unidade do matri '·matrimônio". Mas mesmo esse consolo estaria minado pela certeza de
mônio opõe-se à poligamia (várias esposas) e à poliandria (vários se ter afastado de Deus.
maridos). Desde a vinda de Cristo, a monogamia (um marido com Sentimos uma grande compaixão pelas pessoas que se vêem a hra\
uma mulher) tornou-se a regra sem exceção. OS com essa alternativa, e tenta-nos a revolta: "Por que Deus tem
de ser tão intransigente em não desfazer o vínculo matrimonial? Por
A indissolubilidade do matrimônio significa que é uma união que não prevê alguma saída para casos de injustiça tão fla grante?".
perrnanente. Uma vez que um homem e urna mulher se tenham

,
unido em matrimônio cristão consumado, não há poder na terra, A resposta é que, tendo Deus decidido criar o gênero humano
nem sequer o -do Papa, que possa dissolver esse vínculo. "O que composto de homem e mulher, e tendo estabelecido que os dois
Deus uniu, o homem não separe" (Mt 19, 6). Sob circunstâncias juntos cooperassem para povoar a terra e também o céu, viu-se obri
muito especiais, a Igreja tem poder para dissolver um matrimônio gado a fazer do matrimônio uma união permanente, a fim de asse
que não seja o sacramental (por exemplo, o de duas pessoas não gurar o cumprimento dos seus fins (quando dizemos "decidido" e
batizadas, quando uma das partes recebe o batismo mais tarde),e "obrigado", estamos falando de Deus em termos puramente huma
para dissolver o matrimônio sacramental que nunca foi consumado. nos). Se os filhos tinham de alcançar a idade adulta na plenitude
Mas mesmo o matrimônio entre dois protestantes validamente bati- da nohreza que Deus quis que tivessem - de filhos de Deus, feitos
2<1.dos é uma união sacramental e, uma vez consumado, nem a pró à sua imagem e semelhança -, era essencial que tivessem a estabili
pria Igreja pode dissolvê-lo.. As leis civis poderão p.ermifü_o divórcio dade emocional, mental e espiritual que só se pode alcançar cres
e um novo casamentQ civi , JBc:tS nem üm nelll-0-utro valemaõs()Iti-- cendo junto dos pais.
1 Mais ainda. Mesmo que não houvesse filhos a levar em conta,
tamente nada diante de Deus. A pessoa divorciada que se casa·
Ollrra vez e seu novo compànheiro vivem em adultério habitual, se ' o fim secundário do matrimônio continuaria a exigir uma união per
o matrimônio anterior foi válido; é um adultério legalizado, manente. Este fim secundário é a mútua complementação que um
mas adultério apesar de tudo. homem e uma mulher estão destinados a alcançar um no outro, o
Há ocasiões em que a indissolubilidade do vínculo matrimonial enriquecimento e o amadurecimento que resultam de fundirem suas
parece de uma dureza excessiva. Pensamos em casos comoo do vidas numa unidade nova. É um fim que jamais se poderia alcançar
marido cuja esposa perde a razão. É declarada incurável, e nunca ,; se o vínculo matrimonial fosse temporário ou rescindível.
sairá do manicômio em que foi internada. O marido fica com várias Eslas razões nos levam a afirmar que a indissolubilidade do
crianças nas mãos e, não obstante, não poderá casar-se outra vez vínculo matrimonial está baseada na lei natural, a qual é obrigatória
enquanto a esposa viver. Ou podemos pensar também na esposa mesmo que não existisse nenhum decreto positivo da parte de Deus..
que, para garantir a segurança dos filhos e a sua própria, é obrigada porque nasce da própria natureza do homem tal como é.
a separar-se de um marido bêbado e brutal. As crianças necessitam Podia se argumentar: "Sim, tudo isso está muito hem. Mas
não poderia haver uma dispensa para os casos excepcionalmente difí
de um pai, mas ela não pode contrair novo matrimônio enquanto o • ceis?" Infelizmente, se os planos de Deus têm que se cumprir, não
marido viver. Ou podemos pensar ainda no cônjuge cujo marido ou
pode haver exceções. Quando um homem e uma mulher sabem que
mulher é claramente "um mau caráter" e a parte inocente é deixada thn que aceitar-se um ao outro "até que a morte os separe'', então,
sozinha para levar adiante a família ou se vê condenada a viver uma
noventa e nove de cada cem casos conseguirão levar para a trente
vida de solidão e frustração. Não pode haver novo matrimônio a sua vida matrimonial. Se o adultério, ou a brutalidade, ou a de-
enquanto o desertor viver.
380 O MATRIMONIO A PREVISÃO FORJA MATRIMôNIOS FELIZES 381

scrçào. fossem razão suficiente para quebrar o vínculo e dar o direito Antes de pronunciar o seu compromisso de celibato e de aceitar
de casar-se outra vez, como seria fácil arrumar esses mdtivos! Para a sua chamada ao sacerdócio, um jovem pensa e reza durante muitos
confirmá-lo. basta observar esses países com grandes facilidades para anos, sob a orientação de um diretor espiritual competente. E, ape
o divórcio, cujos índices. juntamente com os de novos matrimônios, sar de o compromisso matrimonial ser tão permanente e tão abso
sobem continuamente de forma alarmante. Não; trata-se de um caso luto como o do celibato, um jovem e uma moça decidem, às vezes,
cm que Deus não poderá ceder nem um pouco, se não quiser que pronunciá-lo depois de poucos meses (ou mesmo semanas) de conhe
se perca a sua causa. cimento, baseados talvez, como única recomendação, na mútua atra ção
E um dos casos em que um indivíduo (por exemplo, uma mãe física. Quando esta desaparece, não restam senão cinzas.
inocente abandonada) tem que sofrer pelo bem comum. Os que Para a pessoa prudente, que sabe que o matrimônio é a sua
dizem que os inocentes nunca deveriam ;sofrer, o que na realidade vocação, quais são os passos preliminares para a escolha do futuro
querem dizer é que a virtude deveria ser praticada só quando fosse cônjuge? A primeira e a mais elementar das precauções há de ser
fácil fazê-lo. Por esse princípio, seria perfeitamente aceitável que namorar alguém que seja ca,ólico, e católico praticante. Quando
um católico preso num país comunista negasse a sua fé. se com isso marido e mulher sabem que não poderão ajoelhar-se diante do altar
&e livrasse da prisão. Por esse princípio, os mártires teriam sido
i uns pobres tontos, e a virtude dependeria simplesmente do pouco
para comungar juntos, nem viver sob um código de princípios n10•
'·,, rnis comum, nem rezar as mesmas orações em companhia dos filhos
:,: que de nós se exigisse. que virào, dãu começo à sua vida de casados com uma desvanta.
E quanto à esposa abandonada e ao marido solitário, Deus co gcrn terrível. E a única maneira de garantir que alguém se casará
nhece os seus problemas melhor que ninguém, e podemos estar certos com um bom católico é namorar quem o seja. Isto traz à nossa
de que Ele lhes dará o valor, a fortaleza e a ajuda necessárias, se o consideração o problema dos matrimônios mistos: "Caso-me com
deixarem intervir. A criança abandonada necessita de um pai, sim, este rapaz protestante, que é melhor que muitos católicos que co
e por essa razão Deus será duplamente Pai para ela. Tenhamos a nheço". Muito bem. Mas quem disse que é uma boa idéia querer
confiança de saber que Deus se preocupa com elas, pelo menos tanto casar-se com um mau catóJico?
como nós.
Uma conclusão prática deriva de tudo isto: a de que um cató O princípio moral básico que rege a situação que se origma
lico de reta consciência jamais deverá sair frequentemente com um quando um rapaz e uma moça saem frequentemente juntos, é que
marido ou uma mulher separados ou divorciados. Normalmente, esta essa assiduidade só se justifica quando é parte da procura de com
companhia é já de per si um pecado grave, mesmo que ninguém panheiro para o sacramento do Matrimônio. A constante e amistosa
esteja pensando em casamento. A ocasião de pecado, o perigo de rdação entre duas pessoas de sexo oposto ocasiona perigos morais,
apego, estão sempre presentes. que são muito reais e que não desculpam os namoros "para diver·
É útil repetir aqui que o casamento de dois não católicos pe tir-se" e nada mais. Isto não quer dizer que um jovem deva casar-se
rante um juiz civil ou um ministro de outra confissão ou religião, com a primeira moça com quem saia ou que uma moça deve con•
é um matrimônio verdadeiro e válido, uma união permanente. O não trair matrimônio com o seu primeiro acompanhante. Todo o pro•
católico divorciado pode pensar que é livre de contrair novas núpcias, púsito do namoro é conhecerem-se um ao outro o suficiente para que
mas os decretos de Deus são diferentes. cada uma das partes possa responder adequadamente a esta per
gunta: "Poderia eu viver feliz e santamenté com esta pessoa, em
matrimônio cristão, para sempre?" É bem possível que seja preciso
A PREVISÃO FORJA MATRIMôNIOS FELIZES clt:scartar muitos candidatos antes de encontrar o adequado.
O que o princípio fundamental do namoro aconselha é que um
E triste ver que, às vezes, algumas pessoas põem mais cuidado moço e uma moça não saiam juntos a não ser que ambos sejam
na escolha de um carro ou da casa que na do marido ou da esposa, livres e queiram e possam contrair matrimônio, se assim o decidirem.
apesar de ser esta uma união por toda a vida, indissolúvel, para as Este princípio, evidentemente, proscreve os encontros regulares entre
horas boas e as horas más. Mais ainda, o que os noivos estão esco adolescentes. um mal bastante alastrado na sociedade de hoje. Não
lhendo é uma vocO{'ão divina, um estado de vida de que dependerá se pode pretender que jovens ainda no ginásio possam casar-se antes
a sua própria salvação e, em parte, a dos filhos. de passados muitos anos. Pôr-se injustificadamente em ocasião de
:382 O 1!ATHl1!0NIO 383
\ l'RE\'ISAO FOH]A \IATRl\lúNIOS FELIZES

pecado grave "por saírem juntos" é, com toda a objetividade, um podem enganar-s.;, o diretor espiritual pode enganar-se, mas Deus
pecado grave. Não existe rapaz tão forte nem moça tão boa que nunca se engana. Pedir luzes a Deus para fazer a escolha ade
eliminem o perigo do pecado. quada em matéria tão delicada e ouvir a sua resposta nos momen
' Para a maioria das pessoas, a adolescência é um período de tos de íntima oração diante do sacrário, são passos elementares do
' 1 conflitos emocionais, porque os adolescentes se encontram em terra 11oivado.
de ninguém: já não são crianças e ainda não chegaram a homens. A confissão e a comunhão frequentes farão parte deste pro
Estfio divididos entre o desejo de independência pessoal, próprio da erama de oração. Tendo por meta um lar feliz e cristão, os noivos
maturidade, e a relutância em abandonar a segurança da meninice. f,rocurarüo fazer o que estiver ao s u alcance para merecer as bên çJos
Vêem-se perturbados por sentimentos recém-despertados e por ânsias divinas para a sua futura m,1ão. Mesmo com a melhor das intencões,
prementes do seu desenvolvimento glandular. Os pais que acrescen tam a constante companhia que os noivos fazem um ao outro 3prcs nta
a essas tensões uma nova pressfto, animando ou aceitando com certo perigo para a virtude da castidade. Com jsto, não estamos
placentemente os namoros de seus filhos, estão-lhes causando um querenda semear a sombra da dúvida sobre a virtude dos jovens.
verdadeiro mal. João e Maria podem formar um lindo par, viver Simplesmente, dizemos que a natureza decaída é a natu• reza
um romance nocente, encantador, angelical, mas, se continuam sain decaída e que é um insensato todo aquele que se vangloria de que a
do juntos, em breve isso deixará de ser assim. sua virtude não tem ponto de ruptura. Para duas pessoas que
1
1
Quando chega a idade de casar-se, papal e mamãe não têm que estão noivas, a confissão frequente e a Sagrada Comunhão são a
fazer a escolha em lugar do filho ou da filha. É o filho ou filha melhor garantia de que não começarão a burlar os preceitos divi nos,
a melhor garantia de que não empanarão a beleza e a santidade
il, quem terá de viver com o cônjuge escolhido, e devem ser eles a <lo matrimônio, tomando liberdades prematrimonais a que não têm
i1 tomar a decisão. direito. Os noivos que realmente queiram que seu matrimônio seja
Não obstante, a não ser que sejam uns tolos integrais, papai felia. irão ao altar com a segurança de saber que foram felizes em
e mamãe terão aprendido bastante da natureza humana com o trans guardar-se um para o outro sob o controle da razão e da graça.
correr dos anos, e aos quarenta nu cinquenta saberão atravessar a Só depois que a sua união se tiver realizado com a participação de
máscara do encanto superficial de uma pessoa e chegar ao seu ser Deus, ao contraírem o Matrimônio, é que buscarão essa unidade de
real muito mais facilmente que um jovem de vinte. C{1rpos mediante o ato nobre e santo que é parte do plano criador
Jovem sensato é aquele que fala destas coisas com o pai ou de Deus, e que se converte num desafio irreverente a Deus quando
a mãe antes de contrair um compromisso sério de casar-se. Insensato se realiza à margem da sua vontade.
é o filho ou filha que acolhe qualquer manifestação de reserva dos Aconselhar-se pmdcntemente, orar, guardar a pureza prematri
pais com um magoado: "Bom, a mim agrada-me, e o que conta monial e procurar um cônjuge catóiico: estes são os alicerces sobre
é isso". É verdade que os pais podem ter preconceitos: é difícil os qu;::iis se constrói um matrimôrHo feliz, seguro e fecundo.
que um pai admita que fulaninho é suficientemente bom para lhe
levar a filha; é difícil que uma mãe admita que essa moça cuidará Se possível, celebrar-se-á dentro da Missa. Esta Missa nupcial
tão bem do seu filho como ela o faz. Mas, em geral, os pais conhe não é essencial para que se celebre o sacramento do Matrimônio, que
cem os seus próprios preconceitos e esforçam-se por ser objetivos l'. recebido quando os noivos prestam mútuo consentimento diante
em suas apreciações. E muito mais quando o filho ou a filha pa do sacerdo!e e de outras testemunhas. Por isso, o sacramento do
recem estar sinceramente apaixonados. Matrimônio pode ser celebrado sem Missa.
Se a atitude paterna parece totalmente irrazoável, há um terceiro Mas não há noivos que, desejando conseguir toda a graça que
árbitro objetivo a quem o jovem pode recorrer para obter um bom lhes seja possível para cumprir a sua vocação, não solicitem que se
conselho: o diretor espiritual. Tendo em conta que o matrimônio celebre a Missa de casamento. Tanto mais que a Igreja recomenda
L· uma vocaçüo para toda a vida, com tão importantes e duradouras a celebração do matrimônio dentro da Missa. Há na liturgia uma
consequências, parece de elementar senso comum consultar sobre esta Missa especirll de OrdenrJçâo para quando alguém se oferece a Deus no
clccisão quem possa aconselhar-nos bem: o nosso diretor espiritual. sacerdócio. Há uma Missa especial de Consagração quando se ofe-
1 cce a Deus uma igreja nova, um novo edifício. Não é de surpreen
Além de pedir conselho e de refletir, o jovem sinceramente cató
lico deve impregnar a sua decisão de uma contínua oração. Os pais der. pois. que haja uma Missa para os nubentes que se vão dedicar
384 O MATRIMÔNIO 1'.·\TEH:S:ll)AilE HESl'O:S:SA \'EL 385

a Deus como cooperadores da sua obra de criação e redenção, como nadas", ·graves razões pessoais", •·rrlntivos morais suficientes e se
uma pequena igreja dentro da sua Igreja. Esta é a importância que guros" . "justas causas" ... ) : se não fosse assim, "só o fato de os
a Igreja concede ao sacramento do Matrimônio. i..'l1njugcs não atacarem a natureza do ato e estarem também dispos
Os esposos católicos que encarem a sua união como uma voca tns a aceilar o filho que. 1ün ohstante as suas precaw;õcs, viesse à
ão divina receberão o sacramento do Matrimônio depois de um luz. n:LO bastaria por si só para garantir a retidão da intenção e a
noivado casto, em que se conservaram perto de Deus pela oração e nwrali<la<lc irrcpn:cn ível dos prl1prios motivos'" (Pio XII, Alocução,
pelos sacramentos, e ajoelhando-se juntos para receber a Sagrada 2iJ- l 0-1951) . Portantn. trata-se de Ycr em cada caso se concorrem
Comunhão durante a Missa de casamento: aqui está um matrimônio as circunstâncias que permitem seguir esse caminho. É uma situa
em que tanto os noivos como as pessoas que os amam poderão L'ÜO delicada. que nftn se deve resolver sem recorrer à oração e aos
apoiar-se. inteiramente certos de que não lhe faltará solidez. acramento . e à orientação de um confessor de reto critério.

PATERNIDADE RESPONSAVEL
!·1
i.r Nestes últimos tempos, fala-se muito de "paternidade respon
sável". São comentários que se inspiram cm dois fatores. Um, o
perigo imaginado por alguns demógrafos de que a terra se povoará
até o ponto de não haver alimento suficiente para todos. O outro,
l' i
1:, o custo crescente do atendimento médico, da educação e formação
cultural de que os filhos necessitam para integrar-se com êxito na
vida do mundo moderno.
A paternidade responsável significa que os pais devem viver a
prudência cristã ao engendrar seus filhos. Generosos e realistas, de
vem considerar as su"as circunstâncias atuais e agir em consequência.
Nisto nada há de anticristão. Deus dotou-nos de inteligência, e
espera que os esposos saibam usá-la à hora de cooperarem na con
tinuidade da obra divina da Criação.
A questão crucial surge quando se consideram os meios para
!! conseguir esta paternidade responsável. Abster-se do uso do matri
mônio por consentimento mútuo e livre, tanto periodicamente como
por longas temporadas é, certamente, um direito legítimo dos esposos.
Prevenir a concepção por meios mecânicos ou químicos já é doutrina
contrária à lei natural e, portanto, gravemente pecaminosa. De acor
do com os ensinamentos da Igreja, só em determinadas circunstân
cias pode ser lícita a limitação da natalidade mediante o recurso à
continência periódica. "Se, para espaçar os nascimentos existem
motivos sérios, derivados das condições físicas ou psicológicas dos
côiljuges ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então
é lícito ter em conta os ritmos naturais, imanentes às funções gera doras,
para usar do matrimônio só nos períodos infecundos". (Paulo VI,
Humanae Vitae, n.0 16).
Mas não se há de esquecer que devem existir causas propor
cionalmente graves para adotar essa conduta (diversos documentos
do Magistério empregam as expressões "motivos sérios e proporcio-
.-\(;E'.\TES DA c;H..\Ç-\ JS

CAPÍTL'LO XXXVI sacramentos. pois só o poder pessoal ele J1...·sus pode fazê-lo. Cnm
todo O poder que, como Corpo !v1ístico de Cristo. lhe é próprio, a
OS SAClL\JJE'.',TAlS igreja dirige a Deus uma súplica que se estende ª. todos os que
devotamente utilizem essa água benta i..:m nome de Cnsto.
Quando Usamos a água benta com devoção, refugiamo-nos sob
a ampla oraçào da [greja. como as crianças procuram proteger-se
da chuva refugiando-se debaixo do guarda-chuva aberto pela mãe.
Uma fé inll'rior na amorosa prnvidência divina e a consciência da
nossa total dependC:111.:ia de Deus, sflo as disposições pessoais que
tornarão a oraçf10 da Igreja eficaz cm nós. Esta é a dupla raiz
da eficácia dos sacramentais: a oraçfw da Igreja e as disposições
interiores de quem os usa.
Alguns sacramentais süo coisas, outros aç·i>es. Além da água
benta, há muitas coisas que a Igreja abençoa e que. com essa bênção.
AGENTES DA GRAÇA
destina a usns religiosos. Entre elas cstào os que chamamos artigos
de devoçüo: velas. cinzas. palm3s. crucifixos, medalhas, terços. esca·
A palavra "sacramental" as.semelha-se muito à palavra "sacra pulários. imagens do Senhor, da Virgem e dos santos.
mento", e com motivo, pois "sacramental" significa: "algo seme Os sacramentais que süo açtws comr,rccndcm diferentes bênçüo
lhante a um sacramento", embora haja uma grande diferença entre e exorcismos que a Igreja concede por meio dos seus bispos e sac r
um e outro. Um sacramento é um sinal externo instituído por Jesus dotes. Algumas, destas bC:nçãos têm por fim dedicar alguma coisa
Cristo com o fim de dar a graça às nossas almas. Um sacramental ao culto divino. como um cálice, um altar, paramentos litúrgicos, etc.
é também um sinal externo, mas os sacramentais foram instituídos Outras destinam-se simplesmente a invocar a misericórdia e a pro teção
pela Igreja e não dão a graça por si. antes nos preparam para :i de Deus sobre a coisa ou pessoa que se benze. como um lar. um
graça, despertando em nós scn timentos de fé e de amor; intercedem automóvel. campos e colheitas, crianças ou doentes. Pouca gente
diante de Deus para que nos conceda a sua graça. Qualquer graça conhece a grande ahundància de hênçãos com que a Igreja proveu
que possamos obter pelo uso dos sacramentais vem das nossas dis o seu depósito de sacramentais. Há uma bênção, quer dizer, uma
posições interiores e do poder da oração da Igreja, que garante os oração oficial, com todo o poder de Cristo apoiando a sua Igreja.
sacramentais. para pratica.mente cada necessidade ou instrumento de importância
Veremos tudo isto mais claramente se examinarmos um dos sa na vida humana.
cramentais que nos é mais familiar: a água benta. A água benta
é pura água da torneira, que a Igreja, por meio do sacerdote, abençoa. Um sacramental de um gênero muito especial é o exorcismo,
pelo qual a Igreja. cm nome de Cristo. manda ao demtmio que aban
Ao abençoá-la, o sacerdote dirige-se a Deus com a seguinte done o corpo de uma pessoa de quem se tenha apossado. Antes
oração: "Deus eterno e todo-poderoso, quisestes que pela água, fonte da morte de Jesus na cruz. o poder de Satanás sobre o homem e
de vida e princípio de purificação, as nossas almas fossem purifi a natureza era muito maior que agora. Por isso a possessão dia
cadas e recebessem o prêmio da vida eterna. Abençoai esta água hólica era muito mais frequente antes do Calvário do que a.gora.
para que nos proteja neste día que vos é consagrado, e renovai em Por sua morte. Jesus redimiu 0 homem e anulou o domínio de Sata
nós a fonte viva da vossa grac;a, a fim de que nos livre de todos nàs. Raras vezes agora - e para alcançar um hem que só Ele
os males e possamos aproximar-nos de Vós com o coração puro e conhece - Deus permite a possessão diabólica.
receber a vossa salvação". Por esta razão, antes de permitir um exorcismo oficial, a l!ueja
Isto é a água benta. A Igreja tomou um elemento comum da é muito cuidadosa em verificar se se trata de um caso de possessão
vida cotidiana e o converteu em instrumento da graça, embora não real ou de um simples -desequilíbrio mental. Só o sacerdote nomea do
dispensador da graça, não portador direto da graça, como são os pelo hispo pode realizar um exorcismo solenemente. Quando
J8S OS SACRAME!'.TAIS
\(,J-:\TL:-- 1).-\ (,H.-\Ç·\ ,'),'-,\)

têm lugar, é muito·difkil ter notícia desses exorcismos. pois a Igreja dote k\ a a Sagrada Comunhüo a um enfermo, as velas ardem também
estabelece com muito rigor que se guarde segredo total por parte na mesinha ond.: se coloca a Hóstia. Nalguns países, acendem ve
de todos os que neles participam. las hcnws dos dois lados de um L'.rucifixn enquanto os membros
Alguns dos sacramentais mais usados num lar católico são o da família se ajot:'!ham para rezar juntos a::; oraçôes diárias ou o terço.
crucifixo, a água benta e os círios ou velas bentas. O mais usado
pelas pessoas é o escapulário do Carmo ou, em sua substituição. a A cxL'.eçf10 das conta bentas do rosário, o sacram.:ntal mais usado
meda1ha-esca pulário. pelas pessoas é possivdmente o escapulário do Canno. Consiste em
Nos lares dos católicos que procuram ter na fé o motor da ua duas peças retangulares de lã marrom (as estampas que trazem não
vida, o crucifixo ocupa um lugar proeminente. É colocado numa süo essenciais), unidas por duas fitas ou cordões levados sobre os
parede ou sobre um móvel ou peanha da sala mais digna da casa, ombros. A maioria de nós recebeu o escapulário quando se prepa·
e também nos quartos de dormir. O valor de um crucifixo como rava para a primeira comunhão, provavelmente sem perceber bem
ajuda para a oraçf1n e para a vida cristã l'. evidente: não há símbolo do que se tratava.
que nos lembre tão vivamente o infinito amor de Deus pelo homem O costume de usar o escapulário data da Idade Média. Na
como esta imagem do prúprio Filho de Deus pregado na cruz por quela época, era fr.equente perrnitir•se aos leigos ingressarem nas or•
amor de nós, para que possamos alcançar a vida eterna. Nada pode dens religiosas como "oblatos" ou membros associados. Estes oblatos
participavam das orações e boas obras dos monges, e era-lhes per•
incitar•nos mais ao arrependimento dos nossos pecados do que essa
mitido usar o escapulário monástico. Esse escapulário (da palavra
rcprescntaçüo de Jesus crucificado por nossas culpas. Nada pode
latina "scapula", que significa "ombro") é uma longa peça de pano
ser melhor âncora cm nossas tribulações e contrariedades de cada
que se enfiava pela cabeça do monge, cobrindo-lhe a frente e as
dia que esta imagem de Cristo agonizante, que dá sentido e valor costas, sobre a túnica. Para ficarem mais práticos, os escapulários
ao nosso sofrimento. usados pelos membros leigos das ordens religiosas começaram a di•
Num lar ca-tólico. é bom que haja também água benta. A água. minuir de tamanho, até chegarem ao irredutível mínimo dos escapu•
elemento universal ele limpeza, não requer explicações complicadas !árias de hoje.
como símbolo do poder puÍ-ificador da graça de Deus. Jú se expôs Nos nossos dias, há um total de dezoito tipos de escapulários
atrás o valor da água benta como sacramental. E surpreendente difundidos entre os católicos, cada um originado numa ordem reli
que não se vejam mais católicos encherem seus frasquinhos com a giosa diferente. Mas o mais usado é o escapulário marrom da Or•
água benta que lhes podem facilitar em todas as igrejas. dem Carmelita, cuja especial patrona é a Virgem do Carmo. A po
pularidade do escapulário marrom é devida. em parte. a uma visão
Em muitos lares católicos há também alguns círios ou velas atribuída a São Simão Stock, um dos carmelitas do século XIII. Afir
hcntas. guardados num lugar de fácil acesso ou colocados effi dois ma•se que a Santíssima Virgem Maria prometeu a São Simão que
candelabros ao lado da imagem do Crucificado. O uso de lampa• ninguém morreria em pecado mortal se usasse o seu escapulário.
rinas ou velas como elemento acessório do culto religioso parece ter A visão de São Simão Stock é uma tradição piedosa e não ma•
sido uma prática universal na história do homem. Mesmo entre os téria de fé, nüo é algo cm que devamos crer neçessariamente. Mas,
pagãos e, evidentemente. entre os antigos judeus, as velas tinham quer creiamos ou nào na autenticidade da visão, devemos ter pre
por expresso desígnio de Deus um papd importante nas cerimônias sente que muitos Papas fomentaram o uso do escapulário do Carmo
religiosas. Na primitiva Igreja. as vdas e outras luzes eram neces• e lhe concederam indulgências, como uma devoção grata a Santa
sárias porque o Santo Sacrifício se oferecia na escuridão da madrn• Maria: ao usá·k>. ficamos sob o seu amparo maternal; e aqueles a
gada ou nas trevas das catacumbas. Aliás. nfto é de estranhar que quem foi colocado pelo sacerdote participam das Missas, orações e
o uso das velas tenha acudido à imaµ.inacfto dos primeiros cristüos co• boas obras da Ordem Carmelita.
mo símbolo de Cristo, Luz do mundo (Lc I. 78-79). Uma vez colocado, pode-se substituí-lo por uma medalha-esca
A Igreja apressou•se a santificar este simbolismo ao prescrever pulário que se traz constantemente sobre o corpo, como uma etiqueta
e:xprcssamcnte o uso de velas no culto divino: devem arder duas ou ou selo que nos lemhra a cada momento a nossa dedicação à Mãe
mais velas na Santa Missa e na administração da maioria dos sa de Deus e M 1t.' nos:-.a.
cramentos e cm muitas outras cerimônias religiosas. Se um sacer·
(,)UE E A ORAÇÃO E POR (,)UE ORAR/ 391

CAPÍ l LO XXXVII
Em primeiro lugar, devemos reconhecer a infinita majestade de
Deus seu supremo poder como Amo e Senhor de toda a Criação:
A ORAÇAO este 'é o primeiro e o principal fim da oraçáo. Oferecer a Deus
uma adoração digna dEle era a primeira das intenções de Jesus ao
entregar-se na cruz, e também a primeira intenção na oração que
Ele compôs e nos deu: "Santificado seja o vosso nome". Também
deve ser a primeira das nossas intenções ao orar.
Devemos, além disso, reconhecer a infinita bondade de Deus,
e agradecer-lhe os inumeráveis favores e benefícios que nos conce deu.
Por cada graça que recebeI_Uos da mão de Deus na nossa vida, há dez
mil mais que só conheceremos na eternidade, quando se desdobrar ante
os nossos olhos o plano completo de Deus para nós. Somos como
QLIE E A ORAÇÃO E POR QUE ORAR? crianças pequenas que se dão conta do amor de sua mãe quando esta
lhes sacia a fome e lhes cura as feridas; e reconhecem o amor do pai
quando este lhes dá presentes e brinca com elas; mas não têm a
Talvez não nos tenhamos apercebido suficientemente do grande menor consciência das precauções e cuidados, das previ sões e
privilégio que é o podermos falar com Deus na oração. É duro planos, das preocupações e sacrifícios que se derramaram so bre estes
imaginar como teria sido a nossa vida se Deus tivesse optado por seres pequenos e despreocupados. Assim devemos a Deus mais
agasalhar-se sob o manto da sua majestade, deixando que os· ho gratidão pelos dons que não conhecemos do que por aqueles que
mens se arranjassem como pudessem. St:: não houvesse comunicação conhecemos. E este é o segundo fim da oração: agradecer a Deus
possível entre Deus e nós, seríamos como barcos sem leme nem rã os seus benefícios.
dio, à deriva no mdo do oceano, sem direção, nem guia,. nem es Como pertencemos a Deus até a última fração do último milímetro
perança. do nosso ser, devemos-lhe uma lealdade absoluta. Somos obra de
A oração se define como "a elevação da mente e do coração suas mãos, muito mais que um relógio é obra do relojoeiro que o
a Deus". Elevamos a nossa mente a Deus quando concentramos construiu. Não há nada que Ele não tenha direito a pedir-nos.
nEle a nossa atenção, como quando nos dirigimos a alguém a quem Se optarmos por desobedecer-lhe, a malícia do nosso ato é muito su
temos uma importante mensagem a comunicar e estamos verdadei perior à do filho desnaturado que levanta a mão para ferir a mãe
ramente empenhados em consegui-lo; como quando concentramos a mais amorosa e sacrificada. Se os anjos tivessem corpo, tremeriam
nossa atenção em quem tem algo importante a dizer-nos, e não que ante o abismo de ingratidão que um pecado supõe. Daí o terceiro
remos perdê-lo. Elevamos o nosso coração a Deus quando deixa dos fins da oração: pedir perdão por nossas rebeliões e reparar (me
mos que a nossa vontade seja arrebatada por um ato de amor; como lhor aqui do que no mais além) a pena que tenhamos merecido.
o marido que, por cima do jornal aberto, contempla a mulher e o Em último lugar - e muito em último lugar -, o fim da oração
filho pequeno, e é arrastado a um ato de amor por eles, talvez sem é pedir as graças e os favores de que necessitamos, para nós ou para
pronunciar uma palavra sequer. os outros. Se ignoramos os fins da oração e a encaramos simples
A necessidade de orar (e sem oração não há salvação) está mente como um meio de forçar Deus a dar-nos o que queremos a
enraizada na própria natureza do homem, que é criatura de Deus e nossa oração dificilmente será oração: não devemos surpreender-nos
beneficiário de suas mercês. Foi Deus que nos fez, no corpo e na se volta à terra como o foguete que falha no seu lançamento e cai
alma. Somos seus cem por cento. Todo o bem que temos vem-nos sem :er alcançado o objetivo. É melhor, sem dúvida, fazer oração de
de Deus; dependemos dEle até para o ar que respiramos. pehçao do que não orar nunca. Há nesta oração um mínimo de
Por esta relação que temos com Deus, devemos-lhe a obrigação tl ora<;ão porque, ao fazermos um pedido, reconhecemos que as mer
de orar. A oração é um ato de justiça, não um voluntário ato de ces nos vêm de Deus. Contudo, se todas as nossas orações fossem
piedade; é um dever que temos de cumprir,. não um gesto amável do tipo "dá-me, Senhor", estaríamos falhando lamentavelmente cm
dar a Deus o que lhe é devido.
que, graciosamente, nos dignamos fazer.
392 A ORAÇÃO
<Jl'E E A ORAÇAO E POR QUE ORARº 39.1

Quando elevamos o nosso coração a Deus, suplicando-lhe que


atenda às nossas necessidades, é evidente que não lhe contamos nada da família e, depois, do grupo maior composto por muitas famílias:
que Ele já não saiba. Deus sabe o que nos faz falta muito melhor a comunidade.
que nós mesmos: conhece as nossas necessidades desde toda a eter
nidade. Uma oração de petição por nós concentra-nos a atenção na A oração cm grupo ou em comum é especialmente grata a Deus.
nossa indigência e mantém viva a consciência da bondade de Deus; Já desde a origem do homem, a oração em comum exprimiu a nossa
na oração pelos outros dá-se-nos a oportunidade de realizarmos atos unidade em Deus, os laços de caridade fraterna que deveriam unir
de caridade sem fim. É por estes motivos que Deus quer que fa. todos os homens de boa vontade. Para os católicos, representa
çamos oração de petição, e não para que com ela tratemos de refres além disso a nossa unidade no Corpo Místico de Cristo. É esta uni
car-lhe a memória: Ele sabe muito bem de que coisas necessitamos, dade que dá à oração de um grupo muito mais força que a mera
mas quer que nós também o saibamos e que estejamos tão empenha soma das orações dos indivíduos que o compõem. Neste sentido, a
dos nelas que as peçamos. oração em comum é a oração de Cristo de um modo especial, "porque
Adoração, agradecimento, reparação, petição: são estes os quatro onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou Eu no
fins daoraçao. meio deles" (Mt 18, 20). É o que faz que as orações de uma família
É preciso considerar que, quando rezamos à Santíssima Virgem
que reza unida ou de um grupo que reza junto, sejam tão eficazes e
fio gratas a Deus.
ou aos santos, estamos adorando a Deus. Nós o honramos quando
honramos a sua Mãe e os seus amigos mais queridos. Louvamo-lo Muitas orações como o terço ou as novenas recitadas em comum
quando reverenciamos essas obras primas da graça divina. Com são orações de um grupo não oficial e, por isso, são chamadas ora
prazemo-lo quando pedimos o auxílio destes companheiros do Corpo ções privadas. Mas quando o Corpo Místico de Cristo, a sua Igreja,
Místico de Cristo, agora triunfantes no céu. É vontade de Deus ora oficialmente em seu nome, temos a chamada oração litúrgica ou
que reconheçamos a nossa unidade em Cristo, nossa Cabeça, a inter r,ública. A Santa Missa é oração litúrgica. A Liturgia das Horas,
dependência de uns para com os outros na terra, e a nossa depen yue todos os sacerdotes têm o dever de recitar diariamente, é oração
dência da Mãe e dos irmãos do céu. litúrgica. Os sacramentos, consagrações e bênçãos oficiais concedidas
pela Igreja são oração litúrgica. A oração litúrgica é sempre oração
Não somos anjos. Somos criaturas compostas de uma alma es pública, mesmo que a recite uma só pessoa - como, por exemplo,
piritual e de um corpo físico. É o homem completo - alma e cor quando um sacerdote reza a Liturgia das Horas -, porque, na ora
po - quem deve adorar a Deus. Como era, pois, de esperar, a forma <;ão litúrgica, é toda a Igreja que ora. É Cristo no seu Corpo Mís
mais elementar de oração é a que chamamos oração vocal, na qual tico (o que nos inclui a você e a mim) quem ora, ainda que o faça
a mente, o coração e os órgãos vocais se unem para oferecer a Deus através de um único indivíduo, designado como seu representante.
a adoração, a gratidão, a dor e a súplica que lhe são devidas.
A oração vocal não deve ser necessariamente uma oração audível. Além da oração vocal, há outra forma de oração a que cha
Podemos - e assim o fazemos frequentemente - orar em silên mamos oração mental. A forma de oração mental mais comum é
cio, mexendo somente "os lábios da mente". Mas se, para rezar, a chamada meditaçüo. Na oração mental, como o próprio nomi..::
usamos palavras, ainda que as digamos silenciosamente, essa oração indica, a mente e o coração fazem todo o trabalho, sem que inter
é oração vocal. As vezes, os gestos assumem o lugar das palavras venham os órgãos da palavra ou as próprias palavras. Não é o
na oração. Uma genuflexão reverente a Jesus no Santíssimo Sacra mesmo que oração silenciosa, na qual as palavras têm ainda a sua
mento, por exemplo, ou benzer-se sem pronunciar palavra alguma, função. Poderíamos dizer que a essência da oração mental está em
ou fazer uma inclinação respeitosa ao ouvir o nome de Deus, são deixarmos que Deus nos fale, em vez de lhe estarmos nós falando
formas corporais de oração, e entram na classificação de oração vo• o tempo todo, como na oração vocal.
cal, mesmo que não se emitam sons. Na forma de oração mental den·ominada meditação, o que faze
A oração vocal deve ser necessariamente audível quando for mos, simplesmente, é meditar (isto é, pensamos, "ruminamos"), fa lando
um grupo que reza. Deus não fez dos homens seres solitários, des• com Deus sobre uma verdade de fé ou um episódio da vida do
Senhor ou de seus santos. E fazemos isso não para aumentar os
tinados a viverem separados uns dos outros. Fez-nos entes sociais,
nossos conhecimentos, o que seria estudo, mas para aumentar
membros de grupos, dependentes uns dos outros, primeiro do grupo
ª TT3ssa fé, a nossa esperança e o nosso amor, tratando de aplicar
,\ OHAÇAO <JUE CHEGA A DEUS 39,'5
)\lt A ORAÇÃO

do teri.;o, rezada com devoção, vale mais que um terço completo re


a nós, dç um modo prático, a verdade ou o episódio que conside
ranws. O Evangdho é a ajuda ideal para a nossa meditação, ainda zado à velocidade de metralhadora, sem parar para pensar no que
·l se está dizendo. É perfeitamente possível cair numa neurose com
que quase todos os bons livros de espiritualidade possam proporcio-

[
pulsiva em matéria de oração: a de pensar que certas orações ou
11ar-nos um bom trampolim para alcançá-la. Todos praticamos a
determinado número delas têm necessariamente que chegar a Deus,
oraçüo mental em algum grau, quando meditamos os mistérios do
ainda que o tempo de que dispomos não nos permita fazê-lo com
Rosário ou os sofrimentos do Senhor ao fazermos a Via-Sacra.
atenção e piedade interior.
Mas, para <.:rcscermos realmente em santidade e obtermos luzes divi-
Temos, pois, que começar a nossa oração recolhendo-nos em

1 as em todas as nossas necessidades, teríamos que dedicar todos os
Deus, formulando o propósito de rezar bem, de manter a atenção,
dias um tempo fixo à <1raçüo mental; talvez quinze ou vinte minu
se não no que dizemos, ao menos nAquele a quem dizemos. É im
tos no recolhimento da nossa casa ou diante de Jesus no sacrário.
portante começar com esta intenção, porque,' a não ser que estejamos
Além da meditaçüo, há uma forma mais elevada de oração
com um humor espiritual excepcional, a nossa mente se perderá em
mental: a oração de contemplação, em que a mcn'te cessa a sua ati
divagações pouco depois de termos começado a orar. Orar é tra
vidade e simplesmente, por um ato de amor, "vê" a Deus na sua
balho duro. ·A mente humana não aceita facilmente uma concen
infinita amabilidade, e deixa que seja Ele a fazer na alma o que
tração intensa, A dificuldade de manter uma atenção constante pio
quiser fa7cr. Se você pensa que este tipo de oração está fora do seu
ra se a nossa mente estiver perturbada por preocupações ou ansie dades,
alcance, basta que se lembre daquela vez em que se ajoelhou numa
enfraquecida pela doença ou pelo cansaço. E, evidentemente, podemos
igreja, sem fazer outra coisa senão olhar para o sacrário, com a
também estar certos de que o diabo fará os maiores esfor ços para
mente em quietude. Sem palavras nem esforços para ordenar os pen
desviar a nossa atenção para outras coisas, enquanto pro curamos orar.
samentos, você sentiu uma grande sensação de paz, de alegria, e uma
Mas nada disto nos deve inquietar se começamos com o sincero
nova fortaleza: fez uma oração conterhplativa.
propósito de nos mantermos recolhidos e atentos, se estendemos a
A verdade é que a maioria de nós fala excessivamente a Deus;
mão para agarrar a mente de cada vez que a pilhamos vagabun
nüo lhe damos suficientes oportunidades para que seja Ele quem nos deando. É somente quando as nossas distrações são voluntárias,
fale a nús. quando nascem da indiferença ou do desinteresse pelo que fazemos,
que a nossa oração deixa de ser oração. Deus só nos pede que
A ORAÇAO QUE CHEGA A DEUS façamos o possível; conhece as nossas dificuldades e não levará em
conta o que não for culpa nossa.
Não acho que muitos de nós tenhamos o privilégio de conseguir Mais ainda, Quanto mais importunados formos pelas distrações
uma entrevista pessoal com um chefe de estado ou uma audiência involuntárias, tanto mais a nossa oração será agradável a Deus, pel<'
privada com o Papa. Mas não é difícil imaginar como estaríamos maior esforço que requereu. Uma ação trabalhosa feita por Deus é
alentos ao que iríamos dizer, atentos a cada palavra que esse ilustre sempre mais meritória que a mesma ação feita com facilidade. Esta
personagem nos di sesse, se essa ocasiüo se apresentasse. Portanto, é, diremos de passagem, a resposta às pessoas que se desculpam de
quando nos dispomos a falar com o Augusto Personagem que é Deus, não fazer oração com o pretexto de que não sentem nada, de que.
não têm vontade. Quanto menos vontade se tenha, mais agradável
11cm sequer é nccessano mencionar que a primeira das condições
a Deus será a oração que lhe oferecermos com essa dificuldade. A
para fazê-lo é o recolhimento, a atenção, se quisermos que a nossa
nossa oração não deve depender do nosso estado de ânimo. É um
crnçüo seja algo mais que uma ficção.
dever que temos para com Deus, não um entretenimento a que nos
N::io hú nenhuma magia especial nas palavras, por muito que as
entregamos para passar uns bons momentos.
alonguemos ou multipliquemos. Ao ensinar-nos a sua própria ora•
çüo, o Pai Nosso, Jesus disse-nos: '"Nas vossas orações, não multi Além do recolhimento necessário para orar com atenção, deve mos
pliqueis as palavras, como fazem os pagãos, que julgam que serão manter na oração um espírito de humildade, a consciência da nossa
ouvidos I.1 força de palavras. Não os imiteis, porque vosso Pai sabe total dependência de Deus, do nosso absoluto desamparo sem Ele.
de que coisas cslais necessitados, antes que vós lho peçais." (Mt 6, Oração e orgulho são termos que se excluem mutuamente: não
7-8). Nosso Senhor não desaconselha a quantidade na oração; o
que l'l)mkna 0 .i quantidade a expensas da qualidade. Uma dezena
;q(, OH:\Ç-\(l
\ OHAÇAO QlºE C:HEC.\ A DECS 397
1
podem A nra,ÜP t11rna-:--I.'. muito difícil para {) soberbo.
Ci.H.:xi ur. pks não. As vezes, responde: "Não, não te darei isso que me pedes,
rara n que se julga c111tt1-s11fi1.:i llll' r.: n:-10 quer devl.'.r natfa a ninguém. 1 porque, em vez de ajudar•te no teu caminho para o céu, seria para
Ahaixar a cab:.: a t:' dnhrar o jl)C\ho para reCl)llh ..:er o própriri ti um obstáculo. Em vez disso. dar•te·ei uma coisa muito melhor.,.
nada diantr.: <lt.! Deu 0 um gesto muito doloroso para uma pessoa A L·nmum sabedoria dos homens segue também essa linha. Quando
assim. Isw explica p()r que a sohcrha leva tantas vezes à pada 0 Carlinhos. que tem três anos. se embeiça de repente pela faca
brilh,:rnte que mam.1e km na mão, esta não lha dará, por muito que
r
da f .
ele a peça. Mas, se for uma mãe prudente, dar•lhe-á em troca uma
w Um ten.:..;iro requisito da nossa oração 0 que. quando pedimos, cnlher. para 4ue hrinquc com ela. Talvez o Carlinhos se sinta "leva
11: dt:,·cmos ter um profundo e sincero desejo de conseguir as graças do na conversa", mas. se pudt:sse entender as razões. bendiria a
1. que pedimos. É de temer que, algumas vezes. peçamos essas graças ua mãe.
1', levados simplesmente pelo sentido do dever, mas sem quaê-las real Às vez.:s. nós, os homens. pedimos coisas que achamos que se·

l!lti
mente. Nestes casos, a nossa oração pretende amordaçar-nos a cons riam boas para nós; um trabalho melhor remunerado, mais saúde,
c1encia; não é oração mental de maneira nenhuma. Assim, um bê· a bênção de um filho num lar estéril. Mas Deus pode pensar de
maneira diferente. Na sua infinita sabedoria, Ele vê até o último
li bado pode esfar pedindo a graça da temperança, mas sem querer
de coração deixar de beber. O jovem impuro pode rezar pedindo detalhe as consequências da menor mudança em nossas circunstân·
li a castidade, mas sem querer realmente deixar o seu vício ou, o que cias. tanto no que diz respeito a nós como aos outros. Um trabalho
i! vem a ser o mesmo, sem lançar mão dos meios necessários para melhor remunerado pode causar.nos mais tarde um abrandamentn
:;; na virtude. Uma saúde mais robusta pode privar-nos dessa carga
evitar as ocasiões de pecado. Não temos o direito de pedir a Deus
I,11
as suas graças se não estamos decididos a fazer o que estiver ao • de gloriosos méritos que os outros e nós estamos ganhando com a
no sa doença. Um filho nesse lar estéril talvez possa ocasionar um
nosso alcance para, ao menos. tirar os obstáculos que possam estor•
var a ação da graça. dia a perda de uma alma. Seja o que for que peçamos, Deus não
Como exemplo final. citaremos o da pessoa que pede a Deus mJ•lo darú se não contribuir de algum modo para o nosso verda•
que lhe aumente a caridade, sem querer de verdade abandonar e deiro bem, se não nos levar ao fim para que Deus nos criou: a eterna
prazer da murmuração maliciosa, sem querer realmente fazer as pazes felicídadc com Ele 110 céu.
"com essa pessoa impossível" do escritório ou da oficina, sem que• '•
rer ver no próximo menos educado ou de diferente classe social uni E isto estende-se também ao& favores esp1ntuais que pedimos:
:1
irmão igual a ele perante Deus. podemos ver-nos assaltados por ferozes tentações de um tipo ou de
Juntamente com a soherha (da qual é aliada). a falta de cari· f'Utro, tentações que parecem pôr•nos em perigo imediato de pecar
11 dade é um obstáculo terrível para obtermos fruto da nossa oração. e estão minando as nossas energias espirituais. Pensamos: "Se con·
1 Não podemos esperar que Deus acolha a nossa oração se olhamos seguisse livrnr•me delas, se achasse paz interior, como rezaria melhor,
com. desdém ou rancor para alguma alma que Ele criou e pela qual como viveria melhor a minha fé!" E assim, pedimos a Deus a gra·
Cristo morreu na cruz. Uma oração que carrega o lastro das faltas ça da castidade, da temperança ou da paciência. Mas, nos planos
habituais de- caridade tem pouca oportunidade de chegar até Deus. de Deus. o meu caminho para a santidade e para o céu deve passar
por uma senda empinada. cheia de lutas e vitórias enfrentadas dia
Numa aula de catecismo, um sacerdote perguntou certa vez a a dia. Peço a Deus que me livre da tentação. e a sua resposta é
um menino: "Deus sempre responde às nossas orações?" O meni• dar-me a graça de que necessito para vencê·la no momento em que
no respondeu: "Sim, padre". O sacerdote insistiu: "Então, por <1parecer.
que não conseguimos sempre o que pedimos?"'. Após um instante Esta foi a experiência de São Paulo. e não nos dc.!vemos sur•
!! de perplexidade, o menino respondeu: "Deus sempre responde às rrecnda se for também a nossa. São Paulo diz.nos (2 Cor 12.
7-(J): "foi-me dado um espinho na carne. um anjo de Satanás, para
nossas orações; o que acontece 6 que umas vezes responde sim, e
outras vezes responde não". me eshofctl!ar e impedir que eu me orgulhe. Três vezes roguei ao
O jovem teólogo merecia nota máxima pelo seu esforço, em Senhor que o apartasse de mim. Mas Ele me disse: Basta-te a
bora a sua resposta não tenha sido completa. Deus nunca responde mmha g:ra a. porque é na fraqueza que se revela por completo o
a uma oração - isto é, a uma oração ,:erdadeira - com um sim- meu poder. Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas fra-
:39,'{ A ORAÇAO
POR QUE ! DEVEMOS ORAR? 399

quezas, para que habite em mim a força de Cristo". Se nós não ÀS vezes, podemos ver aqui e agora a resposta que substitui a nossa
nos podemos gloriar de boa vontade em nossas fraquezas, ao mcnof petição, mas, frequentemente, não é assim.
st..":rá vontade de Deus que as aceitemos com paciência até o fim.

Chegamos, pois, à quarta condição que deve caracterizar a nossa POR QUEM DEVEMOS ORAR?
oração. Devemos rezar não somente com recolhimento, com a cons
ciência da nossa pobreza interior e da nossa total dependência de Em primeiro lugar e antes de tudo, cada um deve rezar por si
Deus, com o desejo sincero de conseguir dEle o que pedimos; como ,, mesmo, para alcançar a graça de viver e morrer em estado de graça.
devemos orar também com uma confiança cheia de amor na bon Parece uma atitude egoísta? Não o é. É o reto amor de si mesmo,
dade de Deus. Isto requer que oremos com a confiança de uma (1 tipo de amor próprio que Deus quer que tenhamos. Subordinado
criança, absolutamente certos de que Deus ouvirá as nossas petições· a Deus, cada um é o guardião da sua própria alma, com a primor•
jíl e lhes dará uma resposta. A essa confiança estará ligado o senti dial responsabilidade de alcançar a união eterna com Ele, Se fa
li. mento de total submissão à superior sabedoria de Deus. Ele nos lhannos nesta responsabilidade, teremos falhado em tudo, Todas as
Jma e quer para nós o melhor. Se o que lhe pedimos é inconve demais petições se perdem na insignificância quando as comparamos
niente, deix,inws cm suas müos a decisão de substituir essa graça com a importância de pedir uma morte feliz, de pedir a graça "da
li' que pedim,,s por outra que Ele queira. Mas cremos firmemente que perseverança final", como é denominada. Não deveríamos começar
i Deus semprt' nos escuta e nos responde. Se não cremos nisto de
todo o nosso coração. a nossa oração não é oração de maneira ne
nenhuma jornada sem esta súplica: "Dai-me, Senhor, as graças de
que necessito para cumprir a vossa vontade aqui e ser feliz em união
1
nhuma. convosco na eternidade... •
1 Há uma petição que sempre podemos fazer sem reservas: a das O amor próprio verdadeiro - o desejo de viver e morrer na
f:,Tac.;as necessárias para alcançarmos o céu. Quando o conteúdo da graça de Deus - é também a medida do nosso amor ao próximo:
nossa oração é esse, sabemos que o que queremos coincide absoluta "Ama o próximo cortlo a ti mesmo". Em consequência, as orações
mente com o que Deus quer. A sua vontade e a nossa identifi pelo bem espiritual do próximo têm preferência sobre os pedidos de
cam-se. Uma orac,;ão assim é sempre atend,ida, desde que se faça i.:<. favores temporais para nós mesmos, A pergunta: "E quem é o meu
acompanhar pela quinta e última condição: a perseverança. O ho mem próximo?", o próprio Jesus respondeu claramente. Meu próximo é
que nunca cessa de pedir a graça da sua salvação, tem a cer teza de qualquer pessoa que sofra uma necessidade que eu possa remediar.
que irá para o céu. Em assuntos espirituais, esta resposta deve abranger o mundo inteiro
it' A perseverança é essencial a toda a oração. Nunca desanima
e as almas do purgatório,
Deve-se levar em conta, não obstante, que existem diferentes
remos· se recordarmos que Deus faz tudo à sua maneira e a seu graus de obrigação nas orações que devemos ao próximo. A nossa
tempo. Podemos estar pedindo o arrependimento ou a conversão primeira obrigação estende-se às pessoas que estão mais perto de
de um ser querido, e sentir-nos tentados a desanimar por não vermos ,, nós: os esposos devem rezar um pelo outro: os pais pelos filhos,
mudança nenhuma nessa pessoa. Devemos então lembrar-nos de que os filhos por seus pais e irmãos. Num grau mais abaixo, também
o que realmente importa é a sua salvação, não necessariamente um devemos rezar pelos nossos parentes e amigos, e muito especialmente
sinal externo de conversão que nos sirva de consolo. Se Deus re pelos nossos inimigos, se tivermos algum. A gratidão obriga-nos a
solve responder à nossa oração dando a essa pessoa a graça para rezar pelos nossos benfeitores, especialmente pelos benfeitores espiri
fazer um ato de contrição perfeita no último segundo da sua vida. tt ais; o Papa, o nosso bispo, o pároco e demais sacerdotes da pa
muito bem, faça-se, Deus meu, a vossa vontade. Embora Deus não roqurn.
<''
nos tenha dado a mesma certeza de atender às orações pelos outros No nosso esforço por orar segundo a mente de Cristo, devemos
como atenderá àquelas em que pedimos por nós mesmos, a nossa t r muito presente a sua Igreja, todos os hispos, sacerdotes e re1i
confiança deve permanecer inalterável. gmsos, que devem dar um testemunho especial da presença de Cristo
Enquanto não chegarmos ao céu, não conheceremos, certamente, na t.erra.
tudo o que Deus fez. todos os dons e graças que nos concedeu eII1 Devemos rezar pelo nosso país e pelas autoridades que o gover
resposta às orações que, no momento, nos parecia que não escutava. nam. para que dirijam seus destinos com prudência e segundo a
A ORAÇÃO POR QUDI DE\'E IOS ORAR? 401
400

vontade de Deus. Se a nossa consciência tiver um pouco de sensi mos os nossos órgãos vocais no serviço de Deus, e, para fazermos
bilidade, rezaremos também por aqueles a quem tenhamos feito sofrer, uma boa oração, é suficiente que a nossa mente consciente se dirija
em especial por aqueles a quem tenhamos feito sofrer espiritualmente a Deus simplesmente, com sentimentos de fé, confiança e amor.
com o nosso mau exemplo, com a nossa negligência ou as nossas As orações básicas que todo católico deve conhecer são o Pai
faltas de caridade: '·Deus meu, que ninguém sofra ou se perca por -Nosso, a Ave-Maria, o Credo dos Apóstolos, o Confesso a Deus
minha culpa", é uma súplica que deveríamos colocar entre as mais rodo-Poderoso, o Glória ao Pai, os atos de Fé, Esperança, Caridade
apreciadas que digamos. E, evidentemente, devemos rezar pelas almas e de Contrição. O Pai-Nosso é a oração perfeitamente formulada
do purgatório, esse próximo que sofre e que depende de nós tão que o próprio Jesus Cristo nos deu quando os discípulos lhe pediram:
completamente. "Senhor, ensina-nos a orar". A maior parte da Ave-Maria vem
Há tantas pessoas por quem rezar! Os missionários, os pecado res, t«mbém das páginas inspiradas dos Evangelhos; não há melhor ma neira
os descrentes, além daqueles que já mencionamos. Uma suges tão de podermos saudar Maria do que empregando as palavras que o
prática é fazer uma lista de todas as pessoas que queiramos recomendar próprio Deus escolheu para fazê-lo, por meio do Arcanjo São Gabriel e
a Deus, e dar-lhe uma rápida vista de olhos cada dia, ao fazermos de Santa Isabel.
!,,
as nossas orações da manhã. Se não tivermos tempo, um "pela O Credo ou Símbolo dos Apóstolos, pelo qual renovamos a
minha lista" bastará. nossa adesão aos principais mistérios da fé cristã, remonta aos co
1
Certa ocasião, contaram-me o que se passou com João e sua meços da Igreja, e é uma das nossás orações mais antigas. O Con
mulher. Voltavam para casa depois de terem ido de compras. Ao fíteor, ou Confesso a Deus Todo-Poderoso, é uma oração com a
li, passarem diante de um igreja, a esposH sugeriu: "João, entremos um qual, ao mesmo tempo que confessamos nossas culpas, pedimos a
:
momento para fazer uma visita". João respondeu: "Agora? Im intercessão dos anjos e dos santos; a Igreja usa-a fréquentemente na
possível! Não trouxemos os devocionários". Esta história não deve sua liturgia, em especial como preparação para a Santa Missa e para
ser verdadeira. Parece impossível que um católico adulto possa ser a Sagr::da Cr1munhão. e é uma boa oração para qualquer ocasião.
tão ingênuo que Pense que não pode dirigir-se a Deus com palavras O valor do Glória ao Pai, uma singela oração de adoração e louvm
ü Santíssima Trindade, é evidente. Evidente é também a necessi
próprias. Algumas das nossas melhores orações têm sido aquelas
que nos saíram do coração espontaneamente, indo diretas a Deus, dade de fazermos atos de fé, esperança e caridade. as três virtudes
,·t- leologais que nos infundiram no Batismo. O ato de contrição -
sem pensar um só segundo nas esquisitices da retórica. Mais ainda,
algumas das nossas melhores orações são essas em que não utiliza que pode expressar-se em muitas fórmulas diferentes - é necessário
para tornarmos explicita a nossa compunção pelos pecados e o pt'·
mos palavras, em que fixamos a nossa atenção cheia de amor em
:1: Deus e lhe pedimos que nos fale. dido do perdão divino.
:1
Mas há algumas orações básicas que deveríamos saber de cor.
Quando nos ajoelhamos pela manhã, ainda com os olhos pesados de sono,
1· é bom recitar umas palavras que nos sejam familiares, que nos
"' subam com facilidade aos lábios. Também à noite são ótimas essas
J

l
orações que sabemos de cor e que não exigem nenhum esforço do
nosso cérebro cansado.
Da mesma maneira, quando andamos pela rua ou dirigimos o
1,
, L·arro. quando executamos uma tarefa monótona, podemos recitar
, frequentemente al umas orações aprendidas de cor. sem por isso disp trair
a nossa atenção do trabalho que tenhamos entre mãos.
l Nesses casos, livres do esforço de ter que pensar como dizer as
" palavras, poderemos dirigir a nossa atenção para o significado do que
dizemos. Mas deve-se notar que, mesmo quando fazemos uso de
orações aprendidas de cor, não é essencial fixar a atenção no significado
i de todas e cada uma das palavras que usamos. Ocupa-

1:
C no. a J1âl) ser que Deus atue conosco, é costume começar e acabar
o todas as nossas orações com o sinal da Cruz. O sinal da Cruz é como
m uma chamada a Deus para que faça valer as nossas oraçües como
o um ato de fé cm duas das verdades mais importantes da religião: a
Santís sima Trindade e a Redenção. Quando dizemos ··cm nome" (no
n sin gular, não no plural), expressamus a nossa fé na unidade de Deus.
o Quando dizemos "do Pai, do Filho e do Espírito Santo", declara
. mos a nossa fé no fato de em Deus Uno ha t.:t .res Pessoas Divinas.
d Enquanto traçamos uma cruz da fronte ao pdto e de ombro a om
a bro, confessamos a nossa convicção de que, pela sua morte na Cruz.
Jesus Cristo redimiu a Humanidade.
d
o , Aprendemos em crianças, nas nossas aulas de catecismo, que
uevemos rezar pela manhã, ao acordar, e à noite, ao deitar-nos, antes e
depois das refeições, e à hora da tentação. A manhã, a noite e
q
u ª"
e

f
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. 102 A ORAÇÃO

CAPÍTULO xxxvm
refeições são boas auxiliares para a nossa memoria, bons cabides
onde pendurarmos o nosso dever de oração. Masa verdadeira res
posta à pergunta "Quando devemos orar?" é: "Sempre". O próprio o PAI osso
Jesus nos deu essa resposta: ••E digo-vos ... que deveis rezar sempre
e não desfalecer" (Lc 18, 1), e os Apóstolos nas suas Cartas repeti
ram muitas vezes essa resposta. Rezamos sempre quando dedicamos
todaa nossa jornada a Deus, e cada momento a cumprira sua von
tade. Nenhum dia deveria começar sem oferecermos a jornada a "'
De u s .
E ste oferecimento poderã ser feito com palavras próprias: "Deus
meu, tudoo que hoje vou fazer, dizer, pensar e aL·eitar, quero fazê.lo.
dizê-lo, pensá-lo e sofrê-lo por amor de Ti". Depois teremos que
prosseguir no nosso esforço para tornar esse dia aceitável a Deus,
um esforço real para identificarmos a nossa vontade coroa dEle. Mui
1
tas vezes ao dia podemos renovar o oferecimento da manhã, espe A MELHOR ORAÇÃO
H
111
cialmente em momentos de dificuldade, como algo que nos recorde Se quisermos aprender bem uma coisa, sempre que puder
que "isto, faço-o por Deus", o que aliviarã a nossa carga quando mos, interrogaremos um perito na matéria. A pergunta que cena
começar a pesar-nos. vez um dos discípulos fez a Jesus estava, pois, cheia de senso C(i
Não é pecado omitir as orações da manhã, roas, se as omiti- mum: "Senhor, ensina-nos a orar". E Cristo respondeu, dirigin
11, mos, estaremos perdendo algo que jamais poderemos recuperar: dei do-se não só a quem o interrogava, mas a todos os homens, a você
i.' xamos escapar um dia sem havê-lo oferecidoa Deus. e a mim. A sua resposta foi a oração que conhecemos por Pai Nosso.
111 e que encontramos inteira no Evangelho de São Mateus.
O Pai Nosso é chamado com razão a oração dominical, pois
1

nos foi dada pelo próprio Senhor - Dominus, em latim -, que é


Deus. Quem melhor que Deus pode saber o tipo de oração que
deseja escutar? Não é de surpreender, pois, que a Igreja faça um
uso tão frequente da oração dominical, tanto na Santa Missa como
em outros ritos. Não é de surpreender que o Pai Nosso seja a
oração favorita dos cristãos em toda a parte. E já que a usamos
tão frequentemente, é importante vislumbrar a riqueza de significado
4ue as suas palavras encerram.

Começamos dizendo: 'j?ai Nosso gue estais no céu"., Estas


poucas palavras contêm uní mundo de pensamentos e sentimento,.
•1I Nelas se contém o esmagador privilégio de nos podermos dirigir a
l 1
1 l Deus, ao infinitamente Grande e Santo, ao Senhor da Criação, com
) o titulo familiar de Pai. Nelas está o pensamento do seu amor por
1
nós, por cada um de nós individualmente. Ele me criou porque
me amava, porque desde toda a eternidade amou a minha imagem
1 na sua mente divina e quis que me unisse a Ele no céu. Nessas
Palavras está esse amor por mim que o levou a atrair-me a Si pela
gra9a santificante. e que fez de mim, não seu servidor, mas um filho
1 muno querido.
.HH o P.-\I osso .·\ IELHOH ORAÇÃO fü5

essas palaHa:-. e CL1ntém esse amor por mim que o leva a e.lória. Os corações e as mãos dos m1ss1onanos, espalhados pelo
..'.Uardar-me continuamente. pn:c:çdcndo-mt.: e seguindo-me com a sua undo inteiro, sentem-se fortalecidos quando milhões de pessoas re
raça. cuidando por lodos os meios possí\'cis - l'xceto o de tirar-me zam todos os dias: "Venha a nós o vosso reino".
,1 liberdade - de levar-me com segurança até Ele no céu. Às ve
zes, tendemos a esquecer quüo pessoal é o interessç que Deus tem z "Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu": que
por nós. Sem nos darmos conta, caímos em maneiras humanas de / todo o mundo sobre a terra lhe obedeça com a prontidão e a alegria
imaginar Deus. Há mais de 3.500 milhões de homens sobre a terra, com que o fazem os anjos e os santos do céu. São palavras muito
c podemos sentir-nos inclinados a pensar que a atenção que Deus fáceis de pronunciar, principalmente quando pensamos na obediência
me dedica tem que se dividir de algum modo e que, com tanta total dos outros. Mas quando se trata da pessoa que mais direta
gente, tem que ser muito superficial. Ao pensarmos assim, esque mente podemos controlar - isto é, de nós mesmos -. vemos que
cemos que Deus é infinito, e que os números nada significam para exigem mais esforço para pôr em prática. Evidentemente, as pala
Ele. Mesmo que eu fosse ó único homem sobre a terra, Deus não vras "seja feita a vossa vontade" seriam vazias se não contivessem
: poderia amar-me e interessar-se por mim mais do que o faz agora. um propósito: cumpri-las efetivamente na nossa vida pessoal, pôr

I' !
'!
É isto o que record1..1 quando digo: ''Pai Nosso que estais no céu'·.
A palavra "'nosso" também é importante. A oração dominical
ponto final às nossas queixas, lamentos e auto-compaixões. Exigem
que enchamos o peito e levantemos o queixo para enfrentar com

' 1..:uma oração de perfeita caridade: de amor a Deus, a quem nos generosidade as incontáveis contrariedades e aborrecimentos de cada
! oferecemos sem. reserva : de amor ao nosso próximo, aos homens, jornada, que tantas vezes nos têm feito vacilar. "Seja feita a vossa
i para quem pedimos as graças e favores que pedimos para nós mes vontade" quer dizer: "Tudo o que Vós quiserdes, meu Deus, eu
mos. É uma oraçüo de unidade cristã, de unidade sob Deus, uma também o quero, ainda que me custe. Confio na vossa graça para
t1raçüo cujo tema repetido - o "nosso" o- "nós" - nos recorda aceitar bem a vossa vontade até o fim".
cm cessar que C uma oração que nüo podemos recitar com o cora Como qualquer boa oração, o Pai Nosso começa pondo em pri
l/lo centrado cm nós mesmos. meiro lugar o que é devido a Deus: a sua glória e louvor, essa glória
que os homens lhe tributam especialmente quando cumprem a sua
1- "Santificado seJa 1..1 vosso nome", prosseguimos, cumprindo o vontade em tudo. Depois, e só depois, é que podemos pensar nas
dcvi:r primáno de qualquer oraçao: a adoraçfto t o louvor a Deus. nossas necessidades.
A nossa existência tem por único motivo darmos glória a Deus como
obra de suas mãos e testemunhas vivas da sua bondade, misericór Os bons pais conhecem as necessidades que seus filhos têm de
dia e poder. A voz muda das criaturas inanimadas e irracionais. alimento, roupa, casa, brinquedos, livros, férias, etc. Mas agrada
que df'.o glória a Deus só com a sua existência, acrescentamos o aos pais que os filhos conheçam a origem de todas essas coisas que
mais nobre louvor de línguas e corações. Há aqui alguma coisa lhes chegam com tanta facilidade. Agrada aos pais que os filhos
mais que um simples eco do cântico dos anjos na noite de Natal: lhes peçam essas coisas, mesmo que sejam algo já decidido de ante
"Glória a Deus nas alturas". mão. Com esses sentimentos, os pais refletem o amor paternal de
Deus, de que são exemplo e agentes humanos.
Mas não nos satisfaz o louvor que Deus recebe: nosso amor por Não é de estranhar, pois, que a segunda parte da Oração do
Ele não ficará satisfeito enquanto todos os homens de toda a terra Senhor se ocupe das necessida_des de quem ora. E com que mara
não forem seus fiéis servidores e juntarem suas vozes num contínuo vilhosa simplicidade Jesus as menciona! Abandonados a nós mes
hino de louvor a Deus. Assim rezamos quando dizemos: "Venha mos, teríamos caído facilmente num palavreado interminável. "Rogo
a nós o vosso reino·•. Rezamos para que a graça de Deus encontre -vos, meu Deus, que nos deis bastante alimento e roupa decente,
morada em todos os corações e estabeleça neles o domínio do seu uma casa acolhedora e um carro razoável, e boa saúde, e êxito no
amor. Rezamos para que se realizem as palavras de Cristo: que "haja novo trabalho, e umas férias agradáveis, e ... ah, sim!, as graças para
um só rebanho e um só pastor": que o reino visível de Cristo na levarmos uma vida honesta e, em especial, para vencer este meu
terra, a sua Igreja, seja porto de salvação para todos os homens. temperamento endiabrado. . . e. "
Rezamos também pelo advento do seu reino celestial: para que to Poderíamos compor uma ladainha muito longa. Mas Jesus cor
dos aqueles por quem Jesus morreu reinem com Ek na sua eterna ta caminho tranquilamente e concentra tudo em oito palavras: "O
1()(j O l'.\l OS O
\ \IELHOH OH.A(,:Ao .1(1-;'

p:t0 nosso dl.' cada dia nos dai hoje''. A palavra "püu" simboliza
3qui todas as nossas necessidades, tanto materiais como espirituais. Iestial vos perdoará. Mas se não pçrdoanks aos humen , t.1mb m
Püdçmos acrescentar a nos a ladainha particular, se o dl.'.sejarnrns. \"OSSO Pai não perdoará as vossas falw " (Mt 6. 14-15). Estamos

A nossa lista detalhada nüo será se1üo um cnntinuarmns rçconhe tocando o centro nevrálgico da vida e da prática crist3.s quando so
ccndo a nossa total dependência de Deus, coisa que, pnrtanto, !hl'. mos capazes de amar o pecador e, ao mesmo tempo, detestar o
será grata. !\-1as quando dizemos ··o püo nos5.o de cada dia'', na pecado. Cristo disse noutro lugar: "Mas eu vos digo: amai os vossos
r alidadc já dissemos tudo. inimigos e orai pelos qw: vos perseguem, para que sejais filhos do
As palavras ''de cada dia" sLto aqui a chave, e tC:m por contra vosso Pai que está no céu, que faz nascer o sol sobre bons e maus
ponto a palaHa ''hoje". É como se Jesus quisesse lembrar-nos, sem e chover sobre justos e injustos" (Mt 5, 44-45). Este é o sinal de
pre que recitamos o Pai Nosso, aquela bela passagem <lo seu Sermão que pertencemos a Cristo. Isto é o que na vida interior distingue
da _Montanha: "Não vos inquieh::is com a vossa vida, com o que os homens das crianças.
haveis de comer ou de beber, nem com o vosso corpo, com o que
tereis para vestir. Não vale mais a vida que o alimento. e o corpo A dificuldade de praticar esta caridade total para com todos,
mais que o vestido? Olhai as aves do céu. que nf10 semeiam, nem também para com os inimigos, deve convencer-nos de como é ne
ceifam, nem fazem provisão nos celeiros, e contudo vosso Pai celes cessário apoiar-nos na graça de Deus. se quisermos vencer as nossas
tial as alimenta. Não valeis v()s mais do que das? Qual de vós, tentações. E assim Jesus põe em nossos lábios a petiçüo final da
com todas as suas preocupações, pode acrescentar um ctwado sua sua oraç5.o: ''Não nos deixeis cair cm tentação, mas livrai-nos do
estatura? E por que vos preocupais com o que havt'.is de vestir? mal".
Vede como crescem os lírios do campo: 1üo traha\ham nem fiam. "Não nos deixeis cair em tentação'' é uma forma de dizer to rnada
E, no entanto, eu vos digo que nem Salomüo cm toda a sua glória da antiga língua hebraica, que poderíamos parafrasear assim: "Livrai-nos
se vestiu como um deles. Se, pois. Deus assim veste uma erva do de toda tentação que seja demasiado forte para as nossas forças, e dai-
campo, que hoje existe e amanhà é Jançada ao fogo. quanto mais nos a vossa fortaleza para vencer qualquer tentação que nos
não fará convosco, homens de pouca fé!" (Mt 6, 25-30). assalte". Porque Deus, é claro, não induz ninguém à ten tação. As
"Não vos preocupeis", L'. a mensagem que Jesus encerra na frase vezes, diz-se que Deus tentou uma pessoa, como a Abraão ao mandar-
"o pão nosso de cada dia". "Não te preocupes cismando se a chu lhe que sacrificasse seu filho Isaac: mas nestes casos a palavra
va estragará a tua festa da semana que vem, se perderús o teu tra "tentação" significa prova, não uma indução ao pecado. São Tiago
balho no fim do mês, se essa dorzinha pode ser um cfrncer. Não adverte-nos: "Ninguém diga na tentaçào: ·Sou tentado por Deus',
compreendes que Deus conhece todo esse assunto, que se interessa porque Deus n5.o pode ser tentado ao mal nem tenta ninguém" (1, 13).
por ele, que estará a teu lado, aconteça o que acontecer, e que, co_m "Livrai-nos do mal". Pai. protegei-nos de todo mal; do mal
Ele, as coisas nunca serão tão duras como tu as imaginas? Bastam-te fisico, na medida em que estiver de acordo com a vossa vontade,
os trabalhos de hoje: pede só o que precisas hoje; do amanh:1, haveis mas especialmente do mal espiritual que possa roçar a nossa alma.
de ocupar-vos, tu e Deus, quando chegar". E com esta conclusão, recitamos uma oraç5.o perfeita.

A seguir, vem a parte mais dura <lo Pai Nosso: ..Pei-doai as


11 nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofen
dido". Não custa pedir a Deus que perdoe os nossos pecados, mas
1,
fazer depender esse perdão da generosidade com que perdo3.mos. aos

que nos têm ofendido, é às vezes muito durn: especialmente quando
1 sofremos uma injúria verdadeira às mãns de outro, se aquele que
pensúvamns ser nosso amigo nos trai, se o colega em quem confiá
vamos espalha difamações sobre nós, preju<licand11 a 111.)5,sa reputa
t.;C10, se somos tratados injustamente pelo nosso chefe.
Temos que perdoar se esperamos ser perdoados: 'Porque, se
vós perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai ce-
40Y
\ ol'.C t.R \ BiBl.i.V

a quem chamamos Padres da !grei -- Grande parle da Tradição !oi


C.srÍ1ULO XXXlX L-anonizada pelos decretos dos Conc1hos da lgreJa e pelas declaraçoes
-solenes- ex cathedra - dos Papas. Em última instância, quem pode
A BÍBLIA separar o grün da palha. e dizer quais as verdades que silo parte da
Tradiçào. é somente a Igreja: a Igreja representada pela pessoa do
Papa. ou por um concílio ecumênico (de todos os bispos do mundo)
presidido pelo Papa, ou pelos bispos que, em comunhão como Papa.
ensinam cm suas dioceses do mundo inteiro.
A Bíhlia e a Tradição não são duas fontes separadas da ver•
Jade cristü. Para nós, como para os nossos irmãos separados-
os protestantes -, a Bíblia é a regra da fé. Mas para nós éa Bíblia
tal como é interpretada pela ininterrupta Tradição da comunidade
cristã,a Igreja. Nas confissões protestantes, a Bíblia é interpretada
por cada indivíduo conforme as suas htzes pessoais. Há um ditado
que diz que quem trata de se curar a si mesmo tem um tolo por
, l médico. Com maior razão poderíamos dizer que aquele que se erige
VüCE LE A BIBLIA? a si mesmo cm seu próprio Papa tem um tolo por guia espiritual.
() ignorante, o inescrupuloso, -o egoísta, podem torcer as palavras da
Podemos chegar ao céu sem kr a Bíblia. Se não fosse assim, os Escritura Santa e faz0-las dizer quase tudo o que lhes passa pela
analfabetos 1üo teriam esperança. Se a lcilurJ. da Bíblia fosse ne cabeça. A própria Bíhlia chama a atenção para esse perigo. São
cessária para ir parao cé-.J. a maioria das pessoas que viveram antes Pedro, na sua segunda epístola (3, 16), falando dos escritos de São
da invenção da imprensa (uns 500 anos atrás) também se veriam Paulo, diz: "Há neles alguns pontos difíceis de entender, que ho
num grave apuro para chegar ao céu. mens incultos e inconstantes adulteram. não menos que as demais
Sabemos que Deus não fez depender a nossa salvaç:t0 das nossas Escrituras, para sua própria perdição".
possibilidades de ler ou ter uma Bíblia. .ksus nft0 ordenou aos seus
Apóstolos: "Idee escrevei tudo o que vos disse para que todoso O ponto que queria deixar claro - o de que a Tradição tem
possam ler''. O que disse foi: "Ide e pregai.' Idee ensinai!" As importância essencial, e que temos necessidade da voz viva de Cristo
suas vcrdadçs iam difundir-se (Cl1mo se fez antes cfea7mprcnsa ter na sua Igreja para que nos interprete as. Sagradas Escrituras - era
sido inventada), principalmente. por meio <la palavra falada. É cer to uma simples introdução à verdadeira questão, lemos a Bíblia? Só
que alguns dos Apóstolos e de seus con1panhciros, como Marcos e purgue a Bíblia. não é o único caminho de salvação, como acabamos
Lucas, passarama escrito muitas coisas referentes à vidae à dou de ver, não devemos concluir que não há lugar para ela em nossa
trina de Nosso Senhor. Mas os ensinamentos orais dos Apóstolos vida espiritual. A Bíblia não é tudo, mas é um grande Algo que
eram tão palavra de Deus como os ensinamentos escritos que encon- nenhum católico interessado no seu progresso espiritoa.l pode permi
tramos no Novo Testamento. tir-se ignorar.
Os ensinamentos orais dos Apóstolos foram transmitidos de gc- Alimentamos a nossa alma com a Palavra Encarnada de Deus.
raçào cm geraçüo por meio dos Papas e bispos da Igreja Católica. Nosso Senhor Jesus Cristo, presente na· Sagrada Eucaristia. E tam hém
A palavra latina "tra<litio" designa algo q_ue se entrega, e, por isso, nutrimos a nossa mente e o nosso cora\·ão com a palavra de Deus
cs ensinamentos orais que l)S Ap{ístolos entrcgaranl para serem trans que nos foi entregue pelos patriarcas, profetas e Apóstolos que
mitidos chamam-sea Tradiçf10 da Igreja. A Tradiçüo que se baseia -:s..:rcveram os livros da Bíblia. O que eles nos dão é palavra de
em Jesus e nos seus Ap(1stolos é uma fonte das verdades divinas Deus. Ainda que nüo tivessun necessariamente que perceber o que
ck igual categoria quea Bíblia. rvlais ;.1inda, muitas partes da Bíblia ocorria, Deus inspirou os autores dos livros bíblicos para que cscrc
:-.1..riam muito dil'ít.-1..·is de :-.cr1..·m cntcndid is a,dcquadam-:ntc, <..'. nãú vcs cm o que escreveram. E, ao escrevê-lo, Deus preservou-os do
11\ sscmos <-1 Tradü;:10 para guiar a nossa lntcrprctaçüo. ci ro por um ato especial da sua providência. Depois, por um novo
Os Lll..,inamenlo'.'> nrais dP.., Ap{,..,tl,h):-. fnra!ll 1.'ill grnndt'. parte re· :-1tu da sua providência, fez que os livros escritos soh a sua inspi-
i..,tradn.., plH cs\.·ntn pclns L'scritt11\ s nistiins eh)-; primt":irn-.; 1cmpos.
L
410 A JllBLIA
\'üCE LE A BIBLIA! 411

ra\ãü se <.:l1nservasscrn através de milha1es de anos e de gerações Cristo pensa, julgar como Cristo julga,. falar e agir como Cristo fala
sucessivas. Finalmente, pela infalível autoridade da sua Igreja, indi ria e agiria. Esta semelhança com Cnsto preencherá o n?s o m_old_e
cou quais, de entre todos os livros aparentemente sagrados, foram pessoal e se modificará d ac rdo com as nossas caracter.1st1 s mdt
os únicos realmente inspirados por Ele. viduais, numa gloriosa diversidade de formas; mas o pnnc1p10 fun
Esta é a Bíblia (da palavra grega "biblion". que significa "o damental e unificador será sempre a semelhança com Cristo, que
livro''). Contém setenta e três divisões ou "livros", conforme são jamais se poderá deixar de notar.
chamados, alguns dos quais são omitidos em certas edições protes Nüo podemos moldar-nos segundo a imagem de Cristo se não
t&ntes da Bíblia. Escrita por autort:s diferentes (todos inspirados 0 conhecemos bem. Para conhecê-lo, o melhor caminho é o Evange lho.
por Deus), a Bíblia come a pdo livro do Gênesis. atribuído ao pa Melhor que a imagem de segunda mão que possamos extrair de sermões
triarca Moisés. t: termina com o livro do Apocalipse, escrito pelo e livros de espiritualidade, é a imagem sem aditivos que dEle nos
1
Apóstolo São João. Poderíamos dizer que Deus teve muito traba dão os quatro evangelistas. Depois; nas epistolas de Paulo, Pedro,
1I
lho para nos dar a Bíblia e. naturalmente, espera que a leiamos. Judas Tadeu, Tiago e João encontraremos os ensinamentos de Cristo
Se alguma organizaç:10, dessas que existem para pesquisar a opi desenvolvidos, especialmente a doutrina sobre a lei da ca ridade.

nião pública, fizesse um levantamento entre as famílias católicas para Voltando ao Antigo Testamento, encontraremos nos seus livros
1,, saber quantas têm e quantas usam a Bíblia, os resultados poderiam históricos o grandioso plano de Deus para a salvação do homem,
, ser surpreendentes. Já que não se fez tal pesquisa (pelo menos que que veremos manifestar-se lentamente ao longo de muitos séculos.
eu sabia), só podemos fazer conjeturas: eu penso que são bem Nos livros proféticos, veremos Cristo vir até nós como uma sombra
poucos os lrrres católicos em que há uma Bíblia, e que são menos qw.: se projeta snhre a parede de uma casa. Nos livros sapienciais,
ainda aqueles em que a lêem. acharemos os princípios de uma conduta e uma vida virtuosas que
A Igreja faz um uso muito amplo da Bíblia na sua liturgia. Deus incutiu na humanidade através de longos períodos de expe
Muitas partes da Santa Missa e do ritual dos sacramentos, grande riência humana. Tudo isto e mais encontraremos na Bíblia, se a
parte da Liturgia das Horas e de outros ritos oficiais foram tirados lermos regularmente. na atitude de reverência e oração que a pala
da Bíblia. A Bíblia é também um livro precioso para a pregação vra de Deus exige.
Ni sacerdotal: a maioria dos sermões ou homilias não são senão co
..1 mentários a alguma verdade básica contida na Sagrada Escritura. Devemos, evidentemente, ler uma versão autorizada da Bíblia.
!
Não é que haja duas Bíblias, a "católica" e a "protestante", a "boa"
1 À vista de todos estes fatos - mas especialmente tendo em conta e a "má". Há uma só Bíhlia, a que Deus inspirou e foi escrita
1111 que a Biblia é a palavra inspirada por Deus -, é de estranhar que livro após livro, século após século, em hebreu antigo e cm grego.
não haja mais católicos que leiam a Bíblia regularmente, para seu Os frágeis manuscritos originais pereceram há muito, mas ainda se
1
enriquecimento pessoal e para seu progresso espiritual. conservam cópias. manuscritas que remontam aos primeiros tempos
Não nos admira muito que os protestantes nos superem na pro do Cristianismo. Destes manuscritos, ou da famosa tradução para
pagação e no uso da Bíblia: para o protestante. a Bíblia é tudo; o latim de São Jerônimo (a chamada 'Vulgata"), derivam as tra
para nós, é apenas uma parte do nosso ambiente religioso, mas é duções modernas para as línguas da atualidade. São as versôes em
uma parte muitíssimo importante, de modo que, se a descuramos, língua vernácula da Bíblia.
perdemos uma grande riqueza espiritual. Se for traduzida para uma língua moderna por um perito ou
Dizemos - e assim cremos - que a essência da vida cristã peritos bíblicos, e depois aprovada pelo Papa ou pelos bispos de
está no esforço em reproduzirmos em nós a imagem de Cristo. O um país como traduc./10 adequada, então essa tradução chama-se
nosso fim é fazermo-nos semelhantes a Cristo. Queremos aprender \:ersão aprorada ou autorizada. Isto significa que essa versão está
a ver a vida como Ele a vê, e não viver os nossos dias de um modo hvre de erros na medida em que as coisas humanas o podem estar.
fragmentário, com a vida de família, o trabalho que nos obtém o Um catúlico sá pode ler essas rersães aprovadas. Mesmo uma tra
pão, o descanso, as responsabilidades sociais e as relações pessoais c]ução da Bíblia feita por um escriturista católico só pode ser utili
t'requenteme!lte em conflito entre si. A nossa semelhança com Cristo zada pelos católicos depois de uma aprovação oficial da Igreja.
nos dará a chave para alcançarmos essa unidade de vida, para viver mos Vemos, pois, que, à hora de escolhermos uma Bíblia, não se trata
uma vida coerente, que faça sentido. Isto significa pensar como
412 A H!HLIA

de optar por uma católica contra outra protestante, mas por uma
versão aprovada contra outra que não tem aprovação. Convém, por
isso, certificar se de que se trata de um versão aprovada, antes de ''
comprá-la.
Mas interessa muito que a tenhamos e leiamos. Se ainda não
o fizemos, comecemos hoje. íKJJICE AKALíTICO

A Apóstolos
miss,lo: 114
Aborto: 196
1 Absolvição: 339
urdt>naram bispos; 115
ordPnaram sacerdotes: 115
l,
Abstinência: 217 todos chamados a sê-lo: 120
Adão: 45, 47 Apostolicidade da Igreja: 122
Acedia, pecado contra a carida Apropriação: 78
de: 173 Arcebispos: 370
Ação de graças Ascensão: 73
fim da Missa: 281 Assunção: 64, 143
oração de: 391 Automóvel
Adoração imprudência na condução de:
fim da Missa: 280 197
oração de: 391 Autoridade
Adultério: 202, 378 da Igreja: 130
Ágape: 275 dos pais: 191
Água benta: 386 Avareza: 60
Alegria
fruto do Espírito Santo: 105 B
Alma
criação direta de Deus: 44
Batismo: 225, 228, 231-249
natureza da: 23 capacita para receber os sacra mentos:
operações da: 77 235
pecado, morte da: 54 caráter do: 235
união com o corpo: 41 certificado; 239
Altar, panos de: 295 confere a graça santificante: 82
de desejo: 249
Amor: 101-103 de filhos nascidos fora do ca-
ao próximo: 171, 304 samento canônico: 238
de Deus: 171.173 de sangue: 249
entre os membros da Comunhão dever dos pais: 192
dos Santos: 136 imprime caráter: 230
essencial ao culto a Deus: 162 incorpora a Cristo: 118
Anglicanos, 366 infunde a caridade: 18
Animais (matar): 195 ministro do: 246
padrinhos: 239
Anjos: 31-38 privado: 247-248
Anunciação: 62 solene: 242-246
Aparições: 21 toma-nos filhos de Deus: 82
Apocalipse: 142 torna-nos membros da Igreja:
Apostasia: 164 113
virtudes morais infusas pelo: 96
li 1 J);l)JCE A);ALlTlCO
J\JJH.! \\.\l.illl.(J
-1 l.5
Bcm-aventuran as: 1I 0-111 Comunhão dos Santos: 134-136
Benignidade ,1utor Ja Bíblia; 21 dm<1 (1,a Igre,j,1: 114
Concomitância: 268 bondade, rnz,lü da <.:rúiç.âu: 11
fruto do Espírito Santo: 10.5 •, J.::ms: 104
Confirmação: 228, 250-257 cunhe<.:Jnwnto: 16
Bíblia: 87. 408-412 Confissão: 336-344 criou por livre nmtide; 33 frutr). : 103
fonte da Re\'elação, com a Tra- o Filho con 'cbido por obra do:
dição: 21 antes de comungar: 308 exi tt'I1lÜ ck: 20 6'3
freqüente: 59 c,r.!!;;1, doin d,·; 19 antifit';1rlor: 78
inspirada por Deus: 21
penitência: 343 Lon.-,tr ,.-, df: l-17
interprl'ta<,'ão prh·ada: 123
,,u11•t:
J:.:reJ 1, lJ,d n Ll a de: 56 Eslerili2 1çtío: 198
versc"íes da: 411 preparação: 322 \T-
sacrílega: 337 ki d1_•: 1-17 [ucaris1ia: 228. 2-"8-27
Bispos: 367 naturPZa de; 22-26 ef1·itos sobrt> a C(incnpi cêncfa:
sigilo da; 337-338
Blasfêmia: 184 perfdç;ôes; 22 3()7
Conhecimento
Bondade baseado na fé: 98
püSSp; 13 fim: 303
fruto do Espírito Santo: 105 reino <lf': 69 fonte de vida: 89
tipo possuído por Jesus Cristo: obrigac,:,fo de receber: 215
perfeição de Deus: 24 67 tres Pessoas: 27
vontade de: recebida sacrilegamente: 175
Conselho clc>terrnina a moralidade: 56 sacramento de -rc,cinwnto espi
c dom do Espírito Santo: 104
Conselhos evangélicos: 156-159
iclentifica •ão com: 59 ritu:il: 305
Diácono: 365 Eutanúsia: 198
Calendário da Igreja: 216 Contemplação: 88, 394 Dias santos: 216 Eva: 42
Cálice: 295 ContinênCia Diocese: 370 Evolução: 42-44
Calúnia: 210 fruto do Espírito Santo: 105 Divórcio: 378 Exame de consciência: 323
Cardeal: 369
Caridade: 96
fruto do Espírito Santo: 105
Contracepção: 384
Contrição: 325, 327-335
imperfeita: 325
' DngmJ: 214
defini<_Jio: 20
.Excomunhão: 114
Exemplo: l 99
Domingos Existência. fim da: l J
organizada: 151 perfeita: 325
propósito de emenda: 329 obrignção de ir à i\-1i. sa: 186, 216 Exorcismo: 37
pecados contra: 172 trabniho servil: 189
virtude infusa: 96, 101 Crucifixão: 72 Dons do Espírito Santo: 104
ato sacramental: 387
Cartas de paz: 346 Crucifixo: 388 Extrema-unção: 226, 352-359
Castidade: 202 Dons preternaturais: 45. 49
Culto Duelo: 196
conselho evangélico: 1,51, 157, ação de graças: 281
159 dever natural: 162 F
fruto do Espírito Santo: 105
pccndos contra: 60
expressão de Esperança: 169-170 E
fim principal: 282
voto perpétuo de Maria: 63 Fé
não católico: 168 Embnagués: 197 atos de: 162
Castigo: 341-355 por ato de amor: 170 Emoção: 171
eterno: 341 reparação: 281 completa: l18
temporal: 341, 345-352 unidade do: 124 Encarnação: 62-69 cultivar a: 223
Céu Entendimento divina: 98
dom do Espírito Santo: 104 doutrinal: 163
graus de felicidade: 83
natureza do: 13 D Epifania: 67 fruto do Espírito Santo: 105
Escândalo: 199 humana: 98
Cibório: 295 natureza: 97
Ciênci8.. comp8.tível com a reli Defeitos: 59 por irrcvcrCncia: 179
pecado contra a: 164
gião: 43 Demônio: 34 Escapulário: 389 profissão de: 163
Circuminccssão, 77 Desespero: 170 Escritura: 408-4 I 2 relação com a ra;,;ão; 129-133
Cisma: 113 Desobediência: 51 Esperança: 99-103 virtude teologal: 96
Detração: 211 Mos de: 168-173 Felicidade
Comunhão: 303-317
ato de rPCf'pção da Eucaristia:
Deus essenci;ll ao culto dt' Ü(•m: 162 capacidade para: 17
virtt1dc teologal: 96 do du: 13
2,59, .'3(),] adoração: 280
amor de: 171-173 Espiritismo: 176 graus de, no cb1: 83
confissão mitcs da: 308
requisitos: 307 base da esperança: 101 Espírito cristão: 109 por obediJncia à lei de Deus:
148
prova-se pela obediência· 47 Espírito Santo: 27. 75-111
Fim dos temoos: 137-144
1'\lllC:E \'\ \L!IICO
llfi I ü!CE A ALITICO 417

Formalismo: 90
Fornicação: 202 indefcctibilidade: l,11 i/ sacrifício: 68 M
infolibilidade: 131 união com, na Eucaristia: 303. Mal
leis da: 21.5 307
Adão e Eva livres de sofrimen to:
Fortaleza: 109 militante: 13.5 união hipostática: 64
45
florn do Espírito Santo: 10,5 organi mo: 114 vida oculta: 67

1
compatibilidade com a bondade
sobrenatural: 96 p: <lecente: 13.'5 vida pública: 69 de Deus: 24
Fraude: 206 Heino de Deus na terra: 64 José: 63 Maldição: 182
Frulos do Espírito Santo: 105 salvat,.·ão fora da: 132 Judas Iscariotes: 71
sociedade hierárquica: 11,5 1 Mandamentos: 147-220
Frutos da Missa: 282 socieclade jurídica: 116
Juízo da Lei de Deus: 147-209
Furto: 206-208 final: 120 da Jg,eja, 150, 215-220
sociedade visível: 116
particular: 138 Mansidão: 105
triunfante: 135
temerário: 211
G universal cm extensf.o: 128
universal: 143 Matrimônio: 201, 219, 228,
Igrejas ortodoxas: 297, 368 372-385
Juramento: 179-181
Gabriel: 32 Imaculada Conceição: 49 indissolubilidade: 378
Justiça: 108, 206 instituição: 372
anunciação a faria: 62 Imagens: 176 pecados contra: 205
Gctsêmani: 71 Indefeclihilidade da Igreja: 131 leis que o regulam: 219
perfeição de Deus: 26 misto: 220
Graça: 75-94 índice de livros proibidos: 174 soda1: 111 unidade e permanência: 373, 378
ajuda para a felicidade: 18 Indiferentismo, tipo de heresia: virtude cardeal: 96
atual: 84
Meditação: &7, 393
aumenta pela penitencia: 320
167 Mentira: 210
Indulgências: 345-351 L
cooperação com: 169 IJ Mérito: 90-94
eficaz: 8.c:í Infalibilidade: 131 Laicato: 120 Milagres: 69
habitual: 82 fnfcrno Milenarismo, 142
sacramental: 227, 354·
Latria: 272
começou com a queda dos an Laxismo: 164 Mínistros: 366
santificante; 82 jos: 33
Guerra: 196 natureza: 138 Legítima defesa: 196 Missa: 87, 89, 274-302
Gula: 60 Infinito, perfeição de Deus: 24 Lei aos domingos: 281
de Deus, expressão de Amor: 147 oferece Jesus Cristo: 187
1nsultos: 212 oração litúrgica: 393
<le :\foisés, completada por Jesus
H Intenção ·, , Cristo: 149 Missal: 296
Ili determina a malícia do pecado: Mistérios
58
I] moral: 148
Heresia: 144, 166 -
natural: 148 Santíssima Trindade: 62
efeito meritório: 93 Leis da Igreja: 215 Encarnação: 62
1 Homem fnveja '. -
i criação: 39-53 Leituras Modéstia: 203
pecado capital: 60
natural: 92 para cultivar a fé: 163 fruto do Espírito Santo: 105
contra a caridade: 173
precauções: 173 Monogamia: 378
1
razão de sua existência: 11
sobrenatural: 94 l,, Liturgia Morte: 137
Hr',stia, composição da: 269 J ·\.,
significado: 301 Adão e Eva livres da: 46
' participação: 301 Mutilação, 198
I Jansenismo: 309 Longanimidade: 105
Jesus Cristo: 66-69 Lúcifer: 33 N
Idolatria: 161 adquiriu conhf'cimento experi Lumen Gloriae: 82 Nome
Igreja: 112-133 mental: 67 Lutero de batismo: 239
apostolicidade: 122 Cabeça do Corpo \1ístico: 19, igrt'ja luterana: 126-127 dever de honrar o nome de
atributos da: 121-1.13 11G Deus: 178-186
nega a Pres(•m;a Real ua Eucd
autoridade: J.'30 Calwça da Igrpja: 114 ristía: 2(il , 263 importànda: 178
duas naturezas: 64 :..
concílios: 409 uúmcro dos mandarnC'ntos: 160
continnidadc: 127 m(•rf'ce a graça: 81
prt'Sl'nte na Eucaristia: 2,'59-270
re\·olta <le: 127 o
Corpo 1Iístico: 19, 116 Luxúria: 60 Ohediência: 109
Cristo, cabei,:a da: 114 ressnrrt>i1;ão: 72
rcvclat,.·()cs de: 20-21 Lu;, da Glória: 82 df' Je m Cristo: H8
Espírito Santo, alma cb: 114
INDICE ANALITICO !:\DICE Ai\ALITlCO 419
4l8

Q Sacerdote
dos filhos: 191 dor dos: 342 definição, 360
dos anjos: 33 jurisdição: 320
prova de amor: 47
efeitos: Quaresma
recusa de: 55 formais: 54
57 abstinência: 217 oferece sacrifícios; 279
Obras de misericórdia casamento durante: 219 poder de consagrar: 270
grau de gravidade: 51 Sacramentais: 386
corporais: 151-153 heresia: 166
espirituais: 153-155 intenção determina a malícia: 57 Sacramentos: 217-223
Obsessão diabólica: 37 material: 57 R batismo: 231-249
ódio: 172 mortal: 52 caráter: 230
confirmação: 250-257
óleo dos catecúmenos: 353 condições: 56
Onipresença conseqüências quanto ao mé " Rafael: 32
Razão, relação com a fé: 129-
definição: 225-226
eucaristia: 258-273
rito: 92
perfeição de Deus: 25 133 matrimônio: 217, 372-385
ocasiões de: 329
Oração: 390-402 omissão: 55 Redenção: 70-74 ordem: 360-371
contemplativa: 88, 394 opção individual: 55 penitência: 318-326
apropria-se à Segunda Pessoa:
definição: 86 original: 46-50, 239 unção dos enfermos: 352-359
78
fonte da graça: 86 perdão dos: 134-136 natureza: 68 Sacrifício
meditação: 88, 393 propósitos de emenda: 329 papel de Maria: 49 da 1-hssa: 276
mental: 87, 393 venial: 51 Reino de Deus: 69 de Jesus Cristo: 68
obra de misericórdia espiritual: Pena temporal: 341, 345-351 natureza do: 278
153
Religião Sacrilégio: 173-177, 257
Penitência: 217, 228, 318-326
parte da prática da virtude: 59
vocal: 87, 392 aumenta a vida espiritual: 89 ,. diferenças de: 167
primeira virtude moral: 96 Salários: 206
Salvação
1 Orgulho: ver Soberba pública: 346 razão para estudá-la: 16
! restitui a graça santificante: 84, Religiosos fora da Igreja: 132
1! Ordem: 115, 228, 360-371 86 estado religioso: 158 graça santificante: 82
Ortodoxos gregos: 127, 297 Pentecostes: 116 votos dos; 181 será completada no juízo fina!:

.
Perjúrio: 180 Relíquias: 177 143
Petição, fim da Missa: 281 Reparação: 281 Santidade
i p
Piedade: 104 • Ressurreição: 72-74, 137-144
da doutrina: 126
1 perfeição de Deus: 26
Piedade filial: 109 . de todos os homens: 143
Santíssima Trindade:
1 Paciência: 105 Planejamento familiar: 384 Restituição: 208

J
ações apropriadas às três Pessoas:
11 Padrinhos: 239-241 Pobreza: 151, 155-159 por calúnia e difamação: 214 78
Pais Poliandria: 378 Revelação natureza: 27-30, 7,'5-77
,, com plctada com São João: 20
autoridade: 191
Poligenia: 378 Santos
deveres: 192 cristã: 20 comunhão dos: 134-136
idosos: 193 Possessão diabólica: 36 natureza da: 20 não (, snpcrstiç:-io: 176
responsabilidade: 384 Pragmatismo: 124 privada: 21 rela(;ão com os \'Í\·os: l.3. -11R
Pai-Nosso: 403-407 Preguiça: 61 Rosário: ver Terço Satanás: 34
Paráclito: 75 Presença Real: 261 Rouho: ver Furto Segregaçüo: 11 1
Paramentos: 292 Presunção: 170 Ruhricas: 296 Sermão da Montanha: 11O
Patriotismo: 109 Procriação: 201 Sexo: 200-204. 372
Paz: 105 Promessa: 180 Sigilo da Confissão: J,37-338
Pecado: 341-344 Providência: 100 s obrigação do: 213
atual: 51, 54-61 Prudência: 96, 108 Soberba
capitais: 60-61 Sabedoria causa de apostasia: 165
Purgatório dom do Espírito Santo, 104 elemento do pecado origin::tl: -17
comissão: 55 almas do, na Comunhão dos
contra a caridade: 172 perfeição de Deus: 24 incompatível com a oração: 3%
Santos: 135 Sacerdócio intelectual: 35
contra a esperança: 170
doutrina: 140 história: 361 pecado capital: 60
contra a fé: 164 duração: 141 Suborno: 207
tlifrn•nte dos defeitos: 59 de todos os cristãos: 119-120
--t20 11\l)]CE AKALlTICO

Suicídio: 195
V
Sucessão apostólica: 129
Superstição: 173-177 Verdade: 210
Via Sacra: 350
T Viático: 359
Vitico: 359
Temor de Deus: 105 Vício: 60-61
Temperança: 96, 109 Vitima sacrificial: 278
Tempo, natureza do: 14 Virgem Maria: 62-66
Tentações: 35 anunciação: 62
Terço, indulgências concedidas: corredentora: 63
devoção à: 65
350 honrá-la: 176
Tibieza: 173 isenta da morte: 143
Tolerância: 168 isenta do pecado original: 49
Tradição: 21, 408 Mãe de Deus: 65
sem pecado: 339
Transubstanciação: 267 Virtudes: 95-111
cardeais: 96, 108
u definição: 95
esperança: 168-170 1.:
Unção dos enfermos: 226, 352- justiça: 206
modéstia: 203 :-.IIHIL OHST.-\T
359 Silo Paulo, 25 de junho de lHô [
morais: 96, 107-111
União com Deus: 139 naturais: 95 P. Frei Arnaldo Vicenh' BC'lli, Ofmc<1p.
União hipostática: 62-64 sobrenaturais: 96
IMPRntATL!R
Unidade teologais: 96 S:lo Paulo, 25 de junho de H)8I
dos cristãos: 304 Visão beatifica: 82, 139 .. t José Thurler
de fé; prova <la verdadeira Igre Vocação: 158, 363 Bispo Auxiliar e Vigáriu GN,il
ja: 123 Vontade
das três divinas Pessoas: 27
base do amor: 171
nota da Igreja: 121
Votos religiosos: 180-182

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