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Boletim n° 31 / Geometrias'14 - Maio de 2014 ISSN 2183-1939 A IMPORTANCIA DA PRATICA DO DESENHO DE CONTORNO NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DO DESENHO DE OBSERVAGAO Teresa Pais” teresapais@iol.pt © Desenho de Contorno émodo de desenho com ca- racteristicas particulares ou imperativas. Executado exclusivamente por linha, que nao deve ser corrigida, apagada ou sobreposta, pode ser realizado a partir da observacio, de meméria ou imaginacao. Na repre sentagdo do real incide em aspetos locais do objeto percecionado, constréi-se de particular em particu- lar e desenvolve-se a partir de um ou mais pontos da imagem, progredindo para areas vizinhas adjacentes. A atitude que subjaz a este regime grafico é de ten- so, contensio ¢ controlo, a que corresponde um comportamento percetivo claramente distinto do implicado noutros modos de desenho de observagio, como propés Joaquim Vieira! na sua Teorla dos Mo- dos do Desenko’, onde distingue quatro atitudes per- cetivas correspondentes a varias ages: sensibilizar esquisso; explorar ~ esbogos conter compreender ~ detalhe. contorno; ¢ Exigindo por parte do executante concentragio vi- sual persistente ¢ continua, seguranca no traco pro- cessualmente impedido de correges © sem que a construgao da imagem se faga por ensaio de hipdtese € correcio, poder-se-a questionar a utilidade da pré- tica do desenho de contorno num contexto forma- tivo e de aprendizagem. Contudo, a experiéncia pe- dagogica como docente de desenho, tem permitido confirmar que se trata de um proceso que promove a disciplina da percecZo e contraria alguns erros que se verificam com frequéncia em trabalhos de alunos em fase inicial de aprendizagem, nomeadamente a associagio de informagio percecionada a conteados previamente adquiridos, A pritica do desenho de contorno num context pedagégico é relativamente recente. Segundo Betty Edwards? foi introduzida em 1941 por Nikolaides em The natural way to draw *, onde o autor recomen. dava aos alunos que se imaginassem a tocar nas for- ‘mas enquanto desenhavam; no entanto, jd em 1857, John Ruskin’ aconselhava a realizagao de exercicios de contorno com a intengao de dar firmeza A mao e memorizar as formas. Hoje, ¢ um exercicio comum em muitas escolas e sugerido em diversos manuais dedicados ao ensino do desenho. Para esclarecer a importancia da pratica do desenho de contorno no proceso de aprendizagem do dese- ho de observacio, desenvolvel se procedeu & sua caracterizagao através da identifi cago de aspetos processuais e formais recorrentes, -se um estudo onde da compreensio das condigées percetivas envolvidas, da andlise das reagdes mais caracteristicas, confron- tando-o com outros exercicios. METODOLOGIA GERAL, Este trabalho alicergou-se na anilise comparativa de desenhos realizados em cinco aulas, produzidos "Joaquim Pereira Pinto Vieira (Avintes, 1946) é Pintor e Professor Catedritico aposentado da Faculdade de Arquitetura da Univer- sidade do Porto, onde foi responsivel pela disciplina de Desenho I entre 1974 e 2009. Dirigiu as disciplinas de Desenho do curso de Arquitetura da Universidade do Minho desde 1997 até 2006, *Para compreender a nogdo de Modo de Desenho leia-se As Matéias do Desenho, texto inserido nas Ligde Teérices, publicadas em pintovieiraensinodesenho, blogspot.com. Como leitura complementar veja-se Vaz, Susana. 4 Modos para uma Perso Desenvolvida, Poiax n? 2, 2003, Edwards, Betty. Aprender a dibyjar com el lado derecho del cerebro, Barcelona: Ed. Urano, 1994, Pag, 98 “Nikolaides, Kimon, The natural way to dram: London: André Deutsh Edition, 1988, Pag, 9. * Ruskin, John, The elements of drawing, London: The Herbert Press, 1991. Pig, 65 ‘Texto escrito segundo Acordo Ortogrifico de 1990, * Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciéncias e Tecnologia da Universidade de Coimbra “Teresa Pais pss por alunos da disciplina de Desenho I do 1° ano do Mestrado Integrado em Arquitetura da Faculdade de Ciéncias ¢ Tecnologia da Universidade de Coimbra, durante 0 ano letivo 2010/2011. cada um dos vin- te © quatro alunos da turma, nas varias sessBes, fo- ram pedidas representages sequenciadas do mesmo motivo, nomeadamente um esboco e um desenho de contorno, em suportes com o mesmo formato e em igual periodo de tempo. O nimero total de desenhos recolhidos foi de duzentos e quarenta, A opcio pelo esbogo como termo de comparagio com 0 desenho de contorno prendew-se, por um lado, com 0 facto de serem modos opostos a0 nivel das atitudes © das caracteristicas percetivas ¢ pro- cessuais que 08 tipificam: 0 esbogo permite grande variabilidade no recurso a materiais e a clemen- tos plisticos, constréi-se do geral para 0 particu- lar e evolui por ensaio de hipdtese ¢ corregio; j6 0 desenho de contorno é executado exclusivamente por linha, que nao deve ser corrigida ou apagada, € progride de particular em particular, por sucessbes de informagio local. Por outro lado, as caracteris- ticas destes modos permitiram que os exercicios propostos tivessem mantido alguns aspetos comuns, como a escala dos desenhos, a duracio dos exercicios € 0 formato dos suportes, o que possibilitou restrin. gir as variaveis e focar a investigacZo nas metas que se pretendiam atingir. Os motivos tratados, um por aula, incidiram sobre dois mbitos tematicos - objetos e figura humana, onde foram contemplados alguns dos que, em geral, se abordam nas disciplinas de inicia (mios, sapatilhas, cadeiras, modelo vestido e autor- retrato). Os tempos ¢ formatos dos trabalhos reali- zados em cada aula variaram de acordo com as carac- teristicas de cada tema e com os objetivos delineados para cada exercicio. Para proceder A andlise comparativa, e com 0 prop6- sito de que o processo fosse 0 mais claro ¢ objetivo possivel, consideraram-se varios fatores de aprecia io, Estes fatores (ou parimetros) foram organizados em dois grupos: um respeitante as caracterfsticas dos desenhos ¢ outro as da realidade que eles represen- 6 ao desenho tavam, Como exemplo dos primeiros, aponta-se 0 P Fig 1 - Sequéncia da evolugio de uma imagem natural para uma imagem grifica na ética de um observador ppouco experiente (in Almeida, Paulo, ‘Mancha Direct: desenho como perepede ce expresido de valores tonas.). Boletim n? 31 / Geometrias'14 - Maio de 2014 ISSN 2183-1939 cumprimento do tempo estipulado, a ocupagio cri- teriosa da folha, o dominio do modo, do instrumen- to, da perspetiva ou a capacidade de sintese; e dos segundos, o dominio da escala, das formas, das pro- porgSes ou a imprevisibilidade do motivo. Em ambos 68 casos, procedeu-se a uma avaliagdo baseada em critérios objetivos, enumerativa, descritiva e quan- titativa, cujo fim foi constituir uma matriz, neutra, facilmente compreensivel e aplicivel a todos os de- senhos em anilise, independentemente do juizo que deles se pudesse fazer e do caricter ou valor artistico de cada um. Numa fase inicial, aos desenhos executados em cada aula fez-se corresponder uma “Ficha", onde consta- va, além dos dados relativos a apreciagio realizada a cada um dos parimetros, a leitura interpretativa dos resultados. Este estudo possibilitou perceber 0 impacto dos exercicios em cada um dos aspetos con. siderados, tendo em conta a experiéncia dos alunos em cada um dos modos, compreender os ritmos de aprendizagem do esbogo e do desenho de contorno e conhecer em que dominios residiram as maiores diferengas, virtudes ou fragilidades Posteriormente, cruzow-se a informacao relativa aos mesmos parimetros das varias Fichas e elaboraram- se outras, desta vez uma por parimetro, 0 que per- mitiu obter uma visio global da forma como os alu- nos reagiram a cada um dos fatores em estudo, CASO DE ESTUDO Um dos parimetros estudados, pertencente ao gru- po dos relacionados com o dominio da producio do desenho, teve por fim procurar entender em qual dos dois modos a percecio visual de determinado objeto & mais influenciada por aquilo que dele se conhece. A abordagem deste tema implicou, numa fase inicial, compreender como se processa a relacio entre ima- gem observada, processamento visual ¢ represen- taco. De forma muito simples e elucidativa, e to- mando 0 exemplo dado por Paulo Almeida’, veja-se que acontece quando se pede a alguém sem habitos de desenho que represente, por exemplo, 0 cio que esth a ver (Fig. 1) “Almeida, Paulo, Mancha Diectadesenho como percepso e expresdo de valores tonals. Guimares: Universidade do Minho, 2010. Pig. 17. p Teresa Pais, Boletim n° 31 / Geometzias'14 - Maio de 2014 ISSN 2183-1939 ‘Com muita probabilidade, a imagem que a pessoa produz tem pouco a ver com as Ase Fig. 2. Alno n°22 (2010-11). Sapatiha (detahes):esbogo ¢ desenbo de contorno (A5, 15 minutos, grafite e marcador, respetivamente) imagens retinianas obtidas durante a obser- vacio, Tera certamente mais relagio com a imagem mental de que essa pessoa dispie’, Esta imagem, modelo abstrato que permi- te a identificagao da coisa observada, resul- ta do conhecimento sobre as caracteristicas dos cies em geral ¢ das sucessivas sinteses de imagens de cies com que contactou. Entio, a imagem mental adapta-se a posigo espa- cial observada no cdo que esta A sua frente, - segundo rotagio e articulagio de elementos. A representacao grafica que a pessoa faz res- peita apenas contetidos formais e espaciais elementares, dispensando as caracteristi cas visuais da imagem original. Neste caso, como na generalidade daqueles em que se produz uma representacio mental, é dificil evitar a interposigao de modelos abstratos e simbé- licos na representagio, © que acontece mesmo em pessoas com hibitos de desenhol.... A conhecida publicagao da autoria de Betty Edwards propde varios exercicios com o intuito de evitar que estes simbolos bloqueiem ou atrofiem a percesao vi- sual. Esta autora parte de estudos no ambito das neu- rociéncias que indicam que os hemisférios cerebrais tém formas diferentes de processar a mesma infor- magio sensorial. No esquerdo, predomina a anilise, a racionalidade ¢ a verbalizaco; e, no direito, a sin. tese, a sensibilidade e a intuigo. O esquerdo apreen. de a realidade tendendo a traduzi-la em linguagem simbélica ¢ verbal; ¢ 0 direito, onde se desenvolve a percecao visual, esté vocacionado para a apreensio do que o rodeia sem recurso a ideias pré-concebidas, Como 0 hemisfério esquerdo propende a dominar © direito, as faculdades verbais e simbélicas sobre- pdem-se as percetivas. Por esta raz3o, a maior par- te das pessoas tende a desenhar simbolos ou formas cestercotipadas? em vez. de dados resultantes da ob: servagio, o que justifica que a grande maioria tenha dificuldades em desenhar'”. A interposigao de aspetos simbélicos na represei taco da realidade que caracteriza as imagens pro- duzidas por desenhadores iniciados foi estudada por um grupo de professores italianos, coordenados por Pino Parini'', Partindo da identificago de algumas das caracteristicas comuns observiveis em desenhos realizados por jovens pouco experientes no desenho de observagio, este investigador fez uma sintese das tendéncias que ocorrem com mais frequéncia e que sio responsiveis pelo cardcter “pobre e convencio nal” desses trabalhos. Sio elas a tendéncia para repe- tir formas sem alteragées, representar as coisas de frente ou de perfil, sobrevalorizar a linha de contor- no, representar as coisas separadamente, recorrer a convengSes gréficas para facilitar a representagio reduzir as formas a essencialidade geomiétrica Como estratégia de abordagem ao parimetro em es- tudo, que se identificou por ‘recurso a estercdtipos”, optou-se por considerar o referido elenco de tendén- * Sobre este assunto ver Caldas, Alexandre Castro - 4 heranea de Franz Joseph Gall. Lisboa: Mc Graw Hill, 1999. Pig. 108 "Edwards, Betty. Aprender a dibujar com el lado derecho del cerebro, Barcelona: Ed. Urano, 1994. "No contexto deste trabalho, as expressBes “formas estercotipadas” ou “esterebtipos” referem: se 4s formas de representacio muitas veres aprendidas na infincia que se sobrepBem a observagio de determinado objeto. Existem quase sempre inconscientemente & 'manifestam-se no desenho sem que a pessoa que desenka dé conta que os est a utilizar, Lino Cabezas, em Lar palabras del dibujo (In Los nombres del dibujo. Madrid: Ctedra, 2005. Pag. 436) diz que “estereotipar” se refere em sentido Hgurado 4 agio ou pensamento {que se repete imutavelmente assim como ao modelo fixo segundo o qual se propagam aquelas maneiras fixas de pensar ou de fazer, No pensamento estético, o termo tem uma acegio pejorativa e denota obsticulo interposto no desenvalvimento de um fixe criador, nfo sendo mais do que a repeticao vazia ¢ sem qualidade nem objetivos de formulas inventadas noutro lugar e desvaloriza das pela sua aplicagdo quase mecinica, "Neste contexto, consideraram-se como sinénimos de “esteredtipo” as expresses “convengio” e “forma simbolica" "Pino Paring. La experimentacion en los centrs de secundaria de Trento, In Lot rcorridos de la mirada. Del etecorpo o Ia ereaividad. Barcelona: Paidés, 2002. Pag. 172. Teresa Pais ry Lnspo Pig Alanon (20101), Arete Choy drab de omorrewat dom grikcemaror repent) cias eestudou-se em qual dosmodos cada uma delas foi observada com maior assiduidade”. A esse con- junto acrescentou-se a propensio para representar objetos como se fossem observados a partir de uma cota mais elevada e no se conside- rou a referente a variagdes cromé- ticas, uma vez. que em nenhum dos exercicios analisados foi utilizada a cor.Os dados recolhidos referen- tes a cada uma foram os seguintes: TENDENCIA PARA REPETIR FORMAS SEM ASALTERAR Observou-se que em grande parte dos esbogos ana- lisados houve maior propensio para representar da mesma maneira elementos que se repetem, no obstante as diferentes posigdes que ocupem e con. sequentes imagens que apresentem, na presungio de que conservam sempre as mesmas propriedades pelo facto de serem semelhantes, Pelo contrario, no modo contorno, os elementos formalmente idénti cos foram todos observados com a mesma acuidade visual. No exemplo da Fig, 2, note-se a diferenga de atitude na representagio de atacadores e ilh6s: no es- Fig. 4, Aluno n°11 (2010-11). cadeira: esbogo e desenho de contorno (AS, 20 minutos grafite e marcador, respetivamente) Boletim n® 31 / Geometrias’14 - Maio de 2014 ISSN 2183-1939 bogo, so apontados assumindo o valor de tarefa des ligada da percegdo, enquanto que no contorno cada clemento ¢ registado denotando compreensio de um facto visual pela observasio, TENDENCIA PARA REPRESENTAR AS COISAS DE FRENTE OU DE PERFIL Concluiu-se que 0s alunos, no esbogo, tenderam a colocar as maos e a si proprios perante o espelho em posig&es frontais, enquanto que no contorno essa predisposigdo nio foi to sentida, Na Fig. 3, mostra- se um esbogo e um desenho de contorno, realizados sequencialmente pelo mesmo aluno, exemplificati- - vos da diferenca de posiciona- ji mento nos dois modos. TENDENCIA PARA REPRESENTAR OBJECTOS COMO SE FOSSEM VISTOS A PARTIR DE UMA COTA MAIS ELEVADA Osresultados indicam que,no esbogo, houve menor propen- so para acentuar Angulos do que no desenho de contorno. Esta situagio foi particular mente evidente na represen- tagio de cadeiras, com espe- cial relevincia nos assentos € pés, como mostra a Fig. 4 "Na maioria dos pardmetros, a estratégia de abordagem passou pela sintese interpretativa, primeiro das caracteristics do modo cesbogo, depois das do contorno, terminando com uma simula conclusiva, enquanto que neste, optou-se por organizar o texto relatando ¢ interpretando os resultados atingidos por tendéncia” a “Teresa Pais Fig 5. Aluno nl 4 (2010-11). Figura humana: esbogoe désenho de contorno TENDENCIA PARA (A4, 30 minutos, grafite © marcador,respetivamente). REDUZIR AS FORMAS TENDENCIA PARA REPRESENTAR AS COISAS SEPARADAMENTE A ESSENCIALIDADE GEOMETRICA | A semelhanga da maior parte das predisposigées anteriores, tam- bbém esta foi mais notada no modo esbogo. No desenho de figura hu- ‘mana, tornou-se mais evidente no recurso a formas geometrizadas representativas de varias partes do corpo como cabega, membros su- periores e inferiores, mios e pés, como se mostra na Fig, 8. No au- torretrato, também foi observada, principalmente como consequén- cia dos primeiros registos gréficos, _genéricos ¢ abstratos, evidentes na oval a que alguns alunos recorreram como forma de sondar ou tatear dimensoes ¢ localizagio do rosto. ‘Trata-se, portanto, de uma tarefa desligada da per- Os dados recolhidos esclarecem que esta tendéncia _ceg30, como se pode verificar no exemplo da Fig. 9. se manifestou de forma mais acentuada no esbo- 0 do que no modo oposto, tendo sido es- pecialmente notada no tema da figura hu- mana, como mostra o exemplo da Fig, 5 O modelo foi representado de tal modo que as varias partes do corpo séo mostradas, ou tornando mais claramente identificivel cada parte visivel (caso do brago, antebrago ¢ mio), ou tornando mais visivel cada zona parcialmente oculta (caso da perna mais afas- tada do observador) ou ainda tornando o rosto numa entidade fechada, na qual foram colocados os restantes elementos (olhos, na riz, boca). Em qualquer destes casos, subjaz a vontade de que a leitura ¢ identificagio das diferentes partes do corpo seja 0 mais clara e inequivoca possivel. TENDENCIA PARA RECORRER A CONVENGOES GRAFICAS QUE FACILITAM A REPRESENTAGAO A anilise dos desenhos levou 4 conclusio de quenomodo esbogo foi ondemaisse observou estatendéncia,nomeadamente em certos por- menores da figura humana e auto-retrato, As Fig. 6 ¢ 7 mostram detalhes exemplificativos das diferengas de atitude nos dois modos. Teresa Pais a Fig 6. Aluno n’8 (2010-11). Figura humana (detalhe): esbogo e desenho de contorno (A4, 30 minutos, grafite e marcador, respetivamente), oOo & | Fig 7. Aluno n°14 (2010-11). Autorretrato (detalhe): esbogo e desenho ‘de contorno (A4, 30 minutos, grafite e marcador, respetivamente). 82 = ei ee Loss TENDENCIA PARA SOBREVALORIZAR A LINHA DE CONTORNO- Atentou-se, no caso do esbogo, que esta tendéncia se manifesta pela desvalorizagio da informagzo relacionada com 0 claro-es- | curo ¢ pela presenga da linha como tinico clemento plistico. No modo oposto, con- siderou-se que se traduz igualmente pela atribuiggo de importincia excessiva 8 linha {que define formalmente a coisa a represen- 1 tar, desconsiderando aspetos caracterizado: ) res da sua superficie Em relacio aos dados recolhidos, estas ten- déncias foram verificadas com maior assi duidade no modo esboso do que no oposto, como ilustra 0 par de desenhos da Fig, 10. Em sintese: os resultados mostram que, na maioria dos desenhos analisados, 0 es- bogo foi o modo onde se observou maior miimero de recursos a imagens estereo- tipadas, que se refletem nas tendéncias apontadas, Recorde-se que os esbocos em aprego foram as primeiras experién: cias que 0s alunos tiveram neste modo, A ‘maior parte ainda néo dominava 0 proces- so ¢ tinha dificuldade em construir 0 de- senho do geral para o particular, do que resultaram duas atitudes predominantes. Numa, os alunos tenderam a somar al- guns aspetos da realidade que foram ob- servando, revelando clarasdificuldades em estabelecer critérios de recolha de informacio. A necessidade de olhar para o objeto da represen- tagZo foi diminuta, porque ja 0 “conheciam” ou “ti- nham visto”. O registo foi-se construindo conta- minado por imagens pré-concebidas, num misto do que julgaram ver € do que sabiam, procurando garantir 0 seu reconhecimento, No final, houve quem procedesse a alguns reacertos timidos de ele- mentos que lhes pareceram merecer correcio, tal- vez porque ouviram o professor falar em “corrigit”. Noutra, os alunos avancaram para um procedimento de ordem diagramética que Thes dificultou a conti- nuidade do desenho. Como ja foi referido, o recurso Fig de contorno (A4, 30 minutos, grafite e marcador, respetivamente), Boletim n® 31 / Geometrias'14 - Maio de 2014 ISSN 2183-1939 8, Aluno n°L! (2010-11). Figura humana: esbogo e desenho Fig. 9. Aluno n°2 (2010-11). Autorretrato: esbogo e desenho de contorno (A4, 30 minutos, grafite e marcador, respetivamente). a tragados auxiliares assume com frequéncia 0 valor de rotina em tarefas desligadas da percesdo, 0 que faz com que 0 processo de medicao e registo tenda a entrar em “ciclos de redundéncia”", onde as formas se repetem sem correcdo ou confronto entre a ima- gem grifica e 0 motivo. O prosseguimento do exer- cicio exigia capacidade de sintese e bagagem visual que permitissem resolver a representagao de aspetos mais particulares, para as quais a maioria dos alunos no estava preparada, Esta fragilidade conduziu & abstragio simbolica, através da atribuigao de sinais a elementos julgados importantes no contexto da re- presentagi "A atitude de “soma” € designada por Peter Van Sommers como “aditiva”, em oposicio ao procedimento evoluido, que se faz de forma “inclusiva". Sommers, Peter Van, Drawing and cognition: experimental studies of grophic production proces. Cambridge: Cambridge University Press, 1984, Pag, 125. Sobre a nogio de ‘ciclo de redundéncia” consultar Almeida, Paulo, Mancha Direca:desenho como percepso e expreso de valores tonas. Guimaries: Universidade do Minho, 2010. Pig. 217. 83 Teresa Pais Boletim o” 31 / Geometrias'I4 - Maio de 2014 ISSN 2183-1939 CONCLUSOES O que foi dito parece indiciar que qualquer dos ea- ‘inhos percorridos no modo esbogo desembocou no recurso a imagens estercotipadas € no afastamento relativamente a dados visuais, pelo que se compreen- de que tenha sido neste modo que esse tipo de ima: _gens pré-formadas se tornasse mais predominante. Em relagdo ao desenho de contorno, o facto de pro: gredir de modo serial e constante, de particular em particular, exigindo atencio visual sobre as formas, contribuiu para contrariar a tendéncia de recorrer a convengSes, representar partes de um todo separada- mente ou geometrizar. Quando surgem formas idén ticas repetitivas, os niveis de concentragdo parecem manter-se inalterados, levando 0 aluno & observacio atenta de cada diferenga subtil entre clas. Também a propensio para valorizar a linha definidora da forma se dilui, uma vez que as esferas de referéncia deste modo sio as propricdades tangiveis dos objetos. Neste modo, a cadeira foi o fmico motivo que acu- sou indicios de que os alunos puseram em evidéncia dados cognitivos acerca das caracteristicas constantes do objeto em detrimento de dados visuais. Aqueles indicios, particularmente evidentes na representagio do assent, decorreram provavelmente da pouca ex- periéncia dos alunos em lidar com a perspetiva e da dificuldade levantada pela discrepancia entre as me- didas reais e as percecionadas A aquisiggo de experiéncia por parte dos alunos ea crescente capacidade do dominio dos modos nao sig- nificou, porém, diminuigio da frequéncia com que se verificou 0 recurso a estereétipos ou convengies, Lop Estes dados sugerem que a libertacio relativamente 4 permanéncia de estruturas simbélicas pré-formadas, ‘ou A projecdo de ideias sobre a realidade observa- da é pouco atenuada com a pritica ¢ que o grau de “contaminagéo” da resposta dada depende muito da natureza dos motivos. Nos casos de estudo considerados neste trabalho, a cadeira foi o que menos suscitou a presenga de este- rebtipos, o que reforca a ideia de que objetos carac- terizados por certa secura estrutural, nao orginicos, como é 0 caso deste ou dos sélidos geométricos, se tornam oportunos nestes primeiros exercicios. Ao invés, a figura ¢ 0 rosto humanos foram os mais “atin- gidos”, Estes iltimos so, com efeito, temas muito familiares, portadores de uma carga simbdlica tal que se transformam num obsticulo a tarefa percetiva € sio facilmente decompostos em varias partes “no- meiveis” (mio, perna, pé, cabega, olho, nariz, boca, etc.), facto que, como refere Edwards, condiciona a percecio visual. Acresce ainda ressalvar que poder haver outros fatores suscetiveis de contribuir para a sua amiudada presenca neste modo. Recorrendo no- vamente ao estudo de Pino Parini'’, podem apontar- se: a transposigo em termos figurativos da imagem “essencial” que a mente constréi cada ver.que se pen- sa ou nomeia uma coisa; os principios de economia ‘ou de minimo esforgo que dominam certos compor- tamentos psiquicos e mentais; a tendéncia da mio em conservar 0 mesmo movimento enquanto dese- nha; a aquisigio de convengdes grificas ou recursos ‘iteis para facilitar a representagio grifico-figurativa;, a estandardizag3o das formas, auspiciada por uma ati tude mental reticente a superar as convengdes; ou a persisténcia de arquétipos que operam de modo inconsciente tratam de reduzir as formas 4 es- sencialidade geométrica ou a es- truturas antropomérficas. Os resultados alcangados sugerem que a pritica do desenho de con. torno pode contribuir para o de- senvolvimento da percecdo visual, perspetivando incentivar a recolha de dados visuais em vez. de favo- recer representagdes com recur so a esteredtipos, constituindo-se como instrumento de indole peda- gogica de considerével interesse & relevancia, “Teresa Pais, 2014 = Fig, 10, Aluno n°I8 (2010-11), Mio: esbogo e desenho de contorno (A5, 15 minutos, grafite e marcador, respetivamente), Op. cit. Pag 173. Teresa Pals se

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