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Extrafiscalidade: Crise Econômica Mundial e o Estado Democrático de Direito
Extrafiscalidade: Crise Econômica Mundial e o Estado Democrático de Direito
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1.Introdução
O fenômeno da extrafiscalidade está presente há tempos no âmbito do Direito
Tributário. Figuras tributárias como os impostos de importação, imunidades, isenções,
entre outros, são exemplos em que se constata a utilização de normas tributárias com
nítido objetivo de realizar fins que não se restringem apenas à captação de recursos
financeiros para o Estado, mas adentram também a esfera do poder de regulação da
atividade econômica pelo Estado.
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apesar da elevada carga tributária ainda existente, o Estado tem buscado outras formas
de realizar os objetivos que fundamentam sua existência.
O Direito Financeiro tem como foco de estudo a gestão dos recursos públicos
inerentes à atividade estatal, que necessita desses recursos para o seu sustento. Versa
então sobre o sistema normativo da atividade financeira do Estado, disciplinando a
questão do orçamento público, das receitas, despesas e dívida pública.
Já o Direito Tributário trata da disciplina jurídica dos tributos, principal fonte dos
recursos públicos. Abarca os princípios e normas que regulam a criação, fiscalização e
arrecadação das prestações de natureza tributária.
Com isso, observa-se que é muito clara a função fiscal dos tributos, o que ocorre
quando eles têm a missão de financiar a ação do Estado que, por sua vez, tem como um
dos meios para consecução de seus fins, a prestação de serviços públicos aos cidadãos.
Por mais que nos dias de hoje possa parecer que a cobrança de tributos é
característica intrínseca, indissociável do próprio Estado, essa concepção não é real, ela
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Ernane Galvêas (2007, p. 317) destaca que na antiguidade, seja no Egito, na Pérsia, na
Grécia ou no Império Romano, o poder dos Estados se estabelecia em função da
grandeza de suas forças armadas. Esses exércitos não apenas defendiam as posses, mas
também se dedicavam a saquear, invadir, roubando riquezas e estabelecendo a
escravidão.
Entretanto, a função fiscal (arrecadação) não é a única que pode ser exercida pelos
tributos, eles não se limitam apenas a proporcionar recursos monetários para a ação
Estatal. Embora não devam estar desvinculados da ação Estatal e da consecução de seus
fins, os tributos podem ter uma função que vai além dos propósitos meramente
arrecadatórios.
A tributação moderna não está mais adstrita ao orçamento fiscal, é dizer, não é
simplesmente um meio de obter recursos para o Estado. Constitui, hoje um dos
principais instrumentos de repartição de riqueza e desenvolvimento econômico[...]
É interessante observar que apesar dos tributos possuírem estas funções bastante
nítidas, elas não se encontram dissociadas, não existindo tributos que tenham uma
conotação exclusivamente fiscal ou extrafiscal, não obstante existirem espécies de
tributos mais voltadas a uma ou a outra função.
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Os tributos que apontam para uma maior finalidade extrafiscal, como o caso do
imposto sobre propriedade territorial rural (ITR) majorado em relação às terras
improdutivas, proporcionam uma repercussão fiscal que é o montante do tributo pago
que ingressa nos cofres públicos. Já os tributos com finalidade eminentemente fiscal,
como o imposto sobre serviços (ISS) estabelecido por cada Município, também
repercutem de alguma maneira com conteúdo extrafiscal, pois representam um ônus no
exercício da atividade econômica. Podem ser, por exemplo, um estímulo ou uma
dificuldade à prestação de serviço em um determinado Município, ainda que esse não
seja seu fim primordial em determinada situação.
Para distinguir então quais são os tributos de caráter extrafiscal e quais são aqueles
que cumprem uma função fiscal, é necessário identificar qual o papel preponderante na
norma jurídica.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2002, p. 36) destaca que a supremacia do interesse
público:
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Nesse sentido, Marcus de Freitas Gouvêa (2006, p. 43) explica que a extrafiscalidade
é característica:
É difícil precisar desde quando são utilizadas normas tributárias como mecanismo de
promoção de determinadas condutas, Arthur Mohr, citado por Luís Eduardo Schoueri
(2005, p. 67 e 109), traz dois exemplos.
No ano de 184 a.C., no Império Romano, o censor Marcus Porcius Cato, como forma
de dificultar o processo de helenização, instituiu um imposto sobre o luxo, tornando mais
onerosa a decoração de residências com obras de artes gregas.
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o objetivo de promover uma proteção destes pássaros nos jardins reais. Já naquela
época os efeitos foram visíveis e em 1897 já não existia registro da posse de um rouxinol.
Naturalmente que a utilização de normas tributárias com fins tanto fiscais quanto
extrafiscais acompanhou as oscilações da própria teoria e estrutura estatal.
Em outras passagens, ainda nas primeiras fases do Estado Moderno, o soberano que
encarnava a figura do Estado atuou como gestor de grandes riquezas, e, através da
exploração das mesmas, auferia os recursos necessários à sustentação do Estado. As
diversas colônias de exploração existentes ao longo do mundo sustentavam as caras
iniciativas do poder público.
Já na Europa dos séculos XVIII e XIX, prevaleceu a lógica liberal de não intervenção do
Estado na economia. Sob a influência da lógica da "mão invisível", a intervenção estatal se
reduziu drasticamente prevalecendo o entendimento de que a tributação deveria ser
reduzida, possuindo uma limitada função arrecadatória. A maioria dos recursos deveria
ficar na iniciativa privada, considerada o setor produtivo da economia. O Estado deveria
se abster de interferir no equilíbrio natural a ser alcançado pelo mercado.
Luís Eduardo Schoueri (2005, p. 69) menciona que até o início do século XX
predominava a ideologia que determinava ao Estado uma posição restrita, no sentido de
mera vigilância do mercado econômico que deveria se organizar por "leis naturais".
Neste momento os Direitos Econômicos e Sociais ainda não estavam presentes nas
constituições e a função do Estado se limita à manutenção da ordem e defesa do
território.
As reiteradas crises econômicas indicaram que a teoria liberal não era suficiente para
que o Estado cumprisse seu objetivo na tutela do interesse público. O mercado se
mostrou ineficaz na contenção da crescente desigualdade e surgiram os defensores de
uma maior intervenção estatal.
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Com o advento das grandes guerras mundiais e a posterior queda dos regimes
fascistas, a reconstrução dos países devastados pelo conflito é acompanhada pela
necessidade apontada pelo regime capitalista de afastar o socialismo.
Flávio de Azambuja Berti (2006, p. 54) destaca que após a segunda guerra mundial
surgiram muitos movimentos sociais que instigaram os órgãos do governo a cumprir
novas responsabilidades no sentido de promover maior segurança jurídica, econômica,
bem como oferecer um seguro social que concedesse inúmeros benefícios aos
cidadãos.
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É nesse cenário atual que ganham mais força os tributos de caráter extrafiscal. Se por
um lado já não haveria tanta necessidade de arrecadar tributos devido a sensível redução
dos serviços públicos prestados diretamente pelo Estado, por outro, não se admite mais
o Estado Mínimo, uma vez que ele tem um importante papel a cumprir na realização dos
valores constitucionais.
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Sobre o autor
Flávio Lúcio Chaves de Resende
Procurador da Fazenda Nacional desde 2008. Graduado em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais (2007). Pós-Graduando Lato Sensu em
Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp e Rede LFG e
em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp e Instituto
Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e Rede LFGexperiência na área de
Direito, com ênfase em Direito Tributário, Constitucional, Administrativo e
Processo Civil. Ex-Gestor Fazendário da Secretaria de Estado de Fazenda de
Minas Gerais.
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