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COMITÊ EDITORIAL

CONSELHO EDITORIAL Gilberto Protásio dos Reis – PMMG


Glauco Leão Ferreira Alves – PCGO
Coronel PM Marco Antonio de Castro Guimarães
Comando da Academia da Polícia Militar de Goiás Guilherme Costa Câmara – MPPE
(presidente) Hélio Hiroshi Hamada – PMMG
Tenente-Coronel PM Eli Braz da Silva Junior Isabela de Andrade Gama – ECEME
Comando da Academia da Polícia Militar de Goiás
Jan Marcel de Almeida Freitas Lacerda – UFT
Tenente-Coronel PM Geyson Alves Borba Joara de Paula Campos – PCGO
Comando da Academia da Polícia Militar de Goiás
José Vicente da Silva Filho – PMESP
Major PM Alexandre Grevy Magacho Barcellos
Leonardo Bernardes Melo – PMGO
Comando da Academia da Polícia Militar de Goiás
Lorenna Dantas Lara – PCGO

EDITORES Luciano Lucindo da Silva – UFG


Luciano Stremel Barros – Universidade Autônoma
Major PM Alexandre Grevy Magacho Barcellos de Lisboa/IDESF
Comando da Academia da Polícia Militar de Goiás
Marcello Martinez Hipólito – PMSC
3º Sargento PM Sullyvan Garcia da Silva Marcos Lima – UFCE
Comando da Academia da Polícia Militar de Goiás
Melissa de Mello Martins Gomes de Oliveira – UFF
Nazareno Marcineiro – FAPOM/ SC
ASSESSORIA EDITORIAL
Osvaldo Canela Junior – Escola Magistratura/PR
Soldado PM Adriano de Lima Teixeira
Paula Fernandes Teixeira Canedo – PCGO
Comando da Academia da Polícia Militar de Goiás
Rafael Delfino Rodrigues Alves – PMGO
Rodrigo Tapia Passos de Oliveira – SPTC/GO
CONSELHO CIENTÍFICO NACIONAL
Tatiane Ferreira Vilarinho – PMGO
Alexandre Peres Teixeira - Escola Superior de Guerra – ESG Tomaz Espósito Neto – UFGD
Alex Jorge das Neves – PMGO Wanderson Felipe Silva do Nascimento - PMGO
Amauri Meireles – PMMG Wendel de Jesus Costa – PMGO
Ana Paula Toledo Vieira – PMGO
Anderson Luiz Brasil Silva – Polícia Penal/GO
CONSELHO CIENTÍFICO INTERNACIONAL
Carlos Eduardo Nascimento – UNICERP
Cintiene Sandes Monfredo Mendes - ESG Juan Carlos Nieto Aldana – Colegio de Estudios
Superiores de Administración (CESA), Colômbia
Danilo Fabiano Carvalho – PCGO
Erik Alda - The American University, EUA
Edna Rodrigues Araújo – PMGO
José Manuel Ugarte - Universidad de Buenos Aires,
Eli Braz da Silva Junior – PMGO
Argentina
Érico Duarte – UFRGS
Ritesh Kumar Meena – University of Gujarat, India
Fausto Mendonça – ITA
Hafez Hussin – Brunel University London, United
Fernando Galvão – UFMG Kingdom
Fernando José Ludwig – UFT Cihan Aydiner – Embry-Riddle Aeronautical
Fernando Tonet – UNISINOS University, USA

Gabriel Eliseu Silva – PMGO Oleskyenio Enrique Florez Rincon – Universidad


Externado de Colombia/ Policía Nacional de
Gabriel Schimschak – USP Colombia, Colombia
SUMÁRIO

EDITORIAL

Onde Nasce a Polícia Militar no Estado de Goiás


Cel QOPM Marco Antonio de Castro Guimarães
07
ARTIGOS

Audiência de Custódia e Seus Reflexos na Capital do Estado de Roraima em Meio à Crise


Migratória Venezuelana
Zedequias de Oliveira Júnior, Flávio Tupinambá Cruz de Souza,
Francisco Artemízio Silva Freitas e Wellingson Cavalcanti de Almeida
09
Análise de Componentes Principais como Ferramenta para Identificação de Vulnerabilidade a
Ataques de Explosões de Caixas Eletrônicos no Centro-Oeste de Minas Gerais
Luciana do Carmo Socorro Nominato, Diego Filipe Cordeiro Alves
e Antônio Hot Pereira de Faria
27
Análise do Efeito Terminal de Projéteis em Gelatina Balística Visando a Utilização de Munição
Calibre .308 Win para Atendimento de Ocorrência com Reféns à Curta Distância
Alcir Amorim Júnior e Ana Carolina Russo
47
Implicações Jurídicas e Administrativas da Aplicação da Pena de Suspensão do Exercício do
Posto, Graduação, Cargo ou Função
Leonardo Ferreira Borges e Leandro Silva Antunes
63
A Utilização de Locais de Acumulação de Acidentes de Trânsito como Norteadores de Políticas
de Redução a Acidentes nas Rodovias Federais Brasileiras
Júlio César Matos De Oliveira e Eduardo Monteiro De Castro Gomes
81
Análise da Matriz Curricular do Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares do Estado de Goiás
Elyézer de Paula Reis e Tatiane Ferreira Vilarinho
97
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e Inovação na PMGO: Uma Proposta para o
Aperfeiçoamento da Tomada de Decisão, do Emprego dos Recursos Policiais e Modernização
da Gestão do Policiamento Ostensivo Preventivo
Geyson Alves Borba
115
Mortes Violentas Durante a Quarentena: Uma Análise Comparativa da Incidência de
Homicídios Dolosos na Cidade de Manaus, nos Meses de abril e maio de 2020, em Relação ao
mesmo Período de 2019
Izaura Rodrigues Nascimento, Danelle Tamborini Lopes e Diogo de Lima Albuquerque
135
O “Atirador Designado” e a Atividade Policial: Um Olhar Crítico sobre os Aparelhos de Pontaria
Alcir Amorim Junior
155
SOBRE
A Revista Brasileira de Estudos de Segurança Pública (REBESP) é um periódico interdisciplinar
de publicação semestral, editada desde 2008 e registrada no Instituto Brasileiro de Informação em
Ciência e Tecnologia (IBICT) sob o número ISSN 2175-053X. Conforme Regimento de Ensino da
PMGO (Portaria nº 13313/2020 – PM) o Comando da Academia da Polícia Militar do Estado de Goi-
ás - CAPM, Academia Conde dos Arcos, é o responsável pela coordenação e do referido periódico.

ENDEREÇO e CONTATO
Comando da Academia de Polícia Militar do Estado de Goiás
Rua 252, nº21, Setor Leste Universitário, Goiânia-Goiás
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Coleção Conde dos Arcos : Revista Brasileira de Estudos de Segurança Pública —

REBESP — Vol. 14, n. 02 — Goiânia-Goiás: Academia da Polícia Militar

JUNHO / JULHO 2021

172 p.; 21x30cm

Edição Semestral.
EDITORIAL

Onde nasce a Polícia Militar no Estado de Goiás


A Academia da Polícia Militar do Estado de Goiás, neste ano de 2021, em 11 de junho, com-
pleta 81 anos de dedicação a formação e aperfeiçoamento dos valorosos e abnegados policiais mili-
tares do nosso Estado. Fundada em 1940, com o nome de Departamento de Instrução Militar (DIM),
com objetivo inicial de formar soldados, sendo seu primeiro comandante o Major PM Cícero Bueno
Brandão, continua até os dias de hoje sendo considerada o nascedouro de nossa sesquicentenária
instituição.

Em 1952, esta Escola de Formação de Policiais Militares abrigou o primeiro Curso de Forma-
ção de Oficiais. No entanto, no período compreendido entre 1955 e 1965, os Oficiais da corporação
passaram a ser formados em outros Estados da Federação, ficando responsável apenas pelos cursos
de Aperfeiçoamento e Formação de Graduados e o de Formação de Soldados. O Curso de Formação
de Oficiais voltou a ser ministrado regularmente no ano de 1966, sendo assim até os dias atuais.

No ano de 1971, esta Unidade Escola passou a ser denominada “Centro de Formação e Aper-
feiçoamento - CFA”, por força do Decreto nº 145 de 11 junho, e somente em 14 de março de 1985
que ela passou a ser denominada de “Academia da Polícia Militar”, quando o Curso de Formação
de Oficiais passa a ser reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura como um curso de nível
superior.

Hoje a Academia da Polícia Militar é sede do Comando da Academia da Polícia Militar do


Estado de Goiás (CAPM), um grande Comando da PMGO, e tem como objetivo principal o pla-
nejamento, a coordenação, a execução, a fiscalização e o controle de todas as atividades de ensino,
instrução, formação, aperfeiçoamento, pesquisa, especialização e extensão de Oficiais e Praças da
Polícia Militar, não só de nosso Estado, como de várias outras Unidades da Federação.

Desde sua criação, praticamente todo efetivo da PMGO passou pela Academia, seja em seus
cursos de formação (CFO, COS e CFP), de aperfeiçoamento (CSP, CEGESP, CHOA, CHOM, CAS,
EAS e EAC), de capacitação profissional (Vários) e de Pós Graduação (MBA em Gestão de Seguran-
ça Pública e Pós Graduação em Gestão de Polícia Ostensiva), uma vez que desde o ano de 2017 ela
foi reconhecida pelo Conselho Estadual de Educação de Goiás como Instituição de Ensino Superior,
onde atualmente já realiza um curso de doutorado em direitos humanos, em parceria com a UFG.

No ano de 2020, quando completou 80 anos, a Academia da Polícia Militar recebeu toponímia
própria, sendo batizada de “Academia Conde dos Arcos”, conforme a Portaria nº 13.144 de 28 de
abril de 2020.

07
EDITORIAL

A toponímia faz homenagem a Dom Marcos José de Noronha e Brito, o 6º Conde dos Arcos,
que foi o primeiro Governador da então emancipada Capitania de Goiás, no período de 8 de novem-
bro de 1749 a 31 de agosto de 1755, sendo este o responsável pela instituição das primeiras medidas
para a consolidação da educação em nosso estado, criando escolas e bibliotecas, bem como traçou
as primeiras orientações que nortearam a fundação da nossa gloriosa Polícia Militar do Estado de
Goiás.

O CAPM criou e é responsável pela Revista Brasileira de Estudos de Segurança Pública (RE-
BESP), cadastrada no International Standard Serial Number (ISSN) sob o número 2175-053X, que é
um periódico científico eletrônico de divulgação semestral de estudos na área da Segurança Pública
reconhecida em âmbito estadual, nacional e internacional, que tem objetivo de divulgar a produção
científica original da área da segurança pública, com ênfase nos campos teórico e prático que en-
volvem modelos de policiamento, atividades de defesa social e práticas de instituições de segurança
pública, possuindo o seu comitê editorial, órgão responsável diretamente pela administração do re-
ferido periódico.

Sem dúvida nenhuma nossa casa de ensino carrega os valores, símbolos, significados, memó-
rias e história de toda a grandeza de uma unidade que é admirada e respeitada por todos nós policiais
militares de Goiás, bem como por outras instituições de ensino sejam elas civis ou militares.

Fica aqui o reconhecimento deste comando, a todos os comandantes que tiveram o privilégio de
estar à frente desta unidade, os oficiais e praças que nela serviram, instrutores e professores que nela
atuaram, e principalmente, os alunos que por ela passaram e que tornaram sem dúvida nenhuma a
Polícia Militar do Estado de Goiás a instituição que ela é hoje, referência em promoção de segurança
pública e bem-estar social à toda sociedade goiana e a todo Brasil.

Aqui começa a Polícia Militar de Goiás!

Escola da Honra e da Lealdade.

Marco Antonio de Castro Guimarães – Coronel PM


Comandante do Comando da Academia da Polícia Militar de Goiás

08
ISSN 2175-053X ARTIGO

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E SEUS REFLEXOS NA CAPITAL DO ESTADO


DE RORAIMA EM MEIO À CRISE MIGRATÓRIA VENEZUELANA

Zedequias de Oliveira Júnior RESUMO: No dia 04 de setembro de 2015, ocorreu a primeira


audiência de custódia no estado de Roraima, em um período marcado
Universidade Federal de Roraima (UFRR) e por instabilidades no sistema penitenciário estadual e pela incipiente
Ministério Público (RR), Boa Vista, Roraima, crise migratória venezuelana. A partir dos fatos e dados apresentados,
Brasil:E-mail: zedequiasjunior@hotmail.com o objetivo deste trabalho é abordar, numa análise crítica e ponderada,
Flávio Tupinambá Cruz de Souza o reflexo dos números de audiências de custódia já realizadas em Boa
Vista, capital do estado de Roraima, pela Justiça Estadual no período
Universidade Federal de Roraima (UFRR), de 2015 a 2020, fazendo um destaque especial às audiências de
Boa Vista, Roraima, Brasil. E-mail: flavio- imigrantes venezuelanos de 2016 a 2020. Para tanto, será usado o
tupirr@hotmail.com método de pesquisa qualitativa e quantitativa; de pesquisas
Francisco Artemízio Silva Freitas bibliográficas, jurisprudenciais e exploratórias de dados de fontes
abertas. No decorrer deste estudo, serão observados os reflexos na
Universidade Federal de Roraima (UFRR) e sociedade boa vistense que gerou a implementação das audiências de
Polícia Federal, Boa Vista, Roraima, Brasil. custódia, em especial aquelas relacionadas aos presos imigrantes
E-mail: guerra4646@hotmail.com venezuelanos. Portanto, as audiências de custódia em Boa Vista/RR
contribuíram significativamente para o controle da superlotação nos
Wellingson Cavalcanti de Almeida presídios da capital, o que, a contrario sensu, trouxe benefícios para a
diminuição dos índices de criminalidade, evitando que presos
Universidade Federal de Roraima (UFRR) e brasileiros e imigrantes viessem a ser recrutados por organizações
Exercíto Brasileiro, Boa Vista, Roraima, criminosas que atuam dentro dos presídios da capital roraimense.
Brasil. E-mail: wellingalm@hotmail.com
Palavras-chave: Audiência de custódia. Flagrante. Imigrantes. Boa
Vista/RR. Criminalidade.

CUSTODY HEARING AND ITS IMPACT ON THE CAPITAL


OF THE RORAIMA STATE IN THE MID OF THE
VENEZUELAN MIGRATION CRISIS

ABSTRACT: On September 4, 2015, the first custody hearing took


place in the state of Roraima, in a period marked by instabilities in the
state penitentiary system and the incipient Venezuelan migratory
crisis. Based on the facts and informations presented, the objective of
this work is to address, in a critical and considered analysis, the
reflection of the numbers of custody hearings already held in Boa
Vista, Roraima’s capital, by the State Justice in the period from 2015
to 2020, with a special emphasis on the audiences of venezuelan
immigrants from 2016 to 2020. For this purpose, will use the method
of qualitative and quantitative research; bibliographic, jurisprudential
and exploratory research of open source informations. In the course
of this study, will be observed the reflexes in the boavistan society
that generated the implementation of custody hearings, especially
those related to venezuelan immigrant prisoners. It’s concluded,
therefore, that the custody hearings in Boa Vista/RR contributed
significantly to the control of overcrowding in prisons in the capital,
which, contrario sensu, brought benefits to the reduction of crime
rates, preventing brazilian prisoners and immigrants were to be
recruited by criminal organizations operating within prisons on
Roraima’s capital.

Keywords: Custody Hearing. Flagrant. Immigrants. Boa Vista/RR.


Criminality.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Junior ZO, Souza FTC, Freitas FAS e Almeida WC

Introdução
presente artigo apresenta uma discussão sobre os reflexos das audiências de custódia na

O cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima, em meio à crise migratória venezuelana
pela qual o estado vem enfrentando em decorrência do que poderia ser classificado como
uma verdadeira diáspora venezuelana.

No início deste ano, Roraima foi apontada pelo Governo Federal como o estado brasileiro
com maior superlotação carcerária, apresentando o número de presos proporcionalmente muito acima
do número de vagas. Juntando-se a isso, tem sido recorrente o número de casos midiáticos com
ocorrência policial envolvendo venezuelanos migrantes na cidade de Boa Vista/RR, o que, naturalmente,
faz recrudescer, nas pessoas, o pensamento de que o estrangeiro bolivariano seja o principal responsável
pelo aumento da criminalidade.
Diante dessa problemática, este estudo compenetrou os esforços de pesquisa para
compreender até que ponto o instituto de audiências de custódia – como um instrumento de direito
processual, que tem como finalidade garantir os direitos fundamentais da pessoa presa, especialmente
evitando prisões ilegais ou desnecessárias – tem contribuído para o desafogamento do sistema carcerário
local e impactado nos índices de criminalidade.
Partindo da apresentação de dados numéricos, busca-se abordar, numa análise crítica e
ponderada, o reflexo das audiências de custódia já realizadas na capital do estado de Roraima, de 2015
a 2020 e o que isso representa para a população e para a pessoa presa, especialmente o venezuelano.
Para alcançar esse objetivo, realizou-se pesquisa de dados coletados em fontes abertas, assim como em
jurisprudências, em bibliografias e em artigos.
Inicialmente, será feita uma breve contextualização doutrinária e jurisprudencial sobre
audiência de custódia, como um instituto de direito processual, e sobre seus primórdios na cidade de
Boa Vista/RR. Em seguida, serão apresentados dados gráficos e numéricos acerca das audiências de
custódia de brasileiros e imigrantes, junto a uma análise de dados sobre o sistema carcerário da cidade
de Boa Vista/RR, enfatizando a questão migratória venezuelana e sua repercussão criminal.
Por fim, discorrer-se-á, em breves considerações finais, acerca dos reflexos positivos que a
implementação das audiências de custódia trouxe para a cidade de Boa Vista/RR, sobretudo ajudando a
reduzir o volume de presos no sistema penitenciário estadual, evitando, dessa forma, que presos
brasileiros e imigrantes de pouca periculosidade fossem recrutados dentro dos presídios dominados
pelas organizações criminosas que lutam entre si por espaço e poder.

2 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

10
Audiência de custódia e seus reflexos na capital do Estado de Roraima em meio à crise migratória venezuelana

A repercussão jurídico-processual do instituto da audiência de custódia


A adoção da audiência de custódia (AC) suscitou, desde seus primeiros momentos,
acalorada discussão jurídica, com parcela da doutrina sustentando sua aceitabilidade no ordenamento
jurídico pátrio e outra parcela divergindo dessa compreensão, sustentando a desnecessidade de tal
instituto, uma vez que o art. 306 do Código de Processo Penal (CPP) já previa a ciência da prisão ao
juiz (BRASIL, 1941).

Deve-se ressaltar ainda a grande quantidade de publicações e manifestações de instituições


sobre a temática em apreço, relatando a ausência de servidores e de condições financeiras que
permitissem a execução dos seus dispositivos, assim como a provável incompetência legislativa do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para inovar no ordenamento jurídico. Essas contrariedades
concretizaram-se na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.240/SP (BRASIL, 2015a), ajuizada pela
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL/BR).

O STF julgou improcedente o pedido, conforme disposto no informativo nº 795 (BRASIL,


2015b), entendendo que a iniciativa do CNJ/TJSP queda-se em harmonia com o Pacto de San José da
Costa Rica. Dessa forma, não extrapola aquilo que é pronunciado no tratado internacional e no próprio
CPP, não havendo, portanto, inovação jurídica, mas explicitação de conteúdo normativo já existente.
Contudo, houve a necessidade de concretizar a AC no sistema processual penal em
decorrência da ausência de uma lei que fizesse referência ao instituto. Nessa vertente, foi criada a Lei
nº 13.964 (BRASIL, 2019), conhecida por Pacote Anticrime, que efetivou várias mudanças no CPP,
dentre elas a de seu art. 310. Destarte, passou a abordar de forma clara a AC, com o fulcro de impedir a
prisão ilegal, bem como os maus tratos durante a execução da mesma, assegurando, no sistema jurídico-
processual, a proteção dos direitos e das garantias fundamentais constitucionais.

Contextualização

O Brasil ratificou, por intermédio do Decreto Legislativo nº 678, a Convenção Americana


de Direitos Humanos, conhecida internacionalmente como Pacto San José da Costa Rica. Esse
instrumento de Direito Público Internacional impõe, em seu art. 7°, item 5, que haja apresentação
tempestiva do detido à autoridade judicial competente, nos termos abaixo:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou
outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em
prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua
liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo
(BRASIL,1992).

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Junior ZO, Souza FTC, Freitas FAS e Almeida WC

Os tratados internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir gozam de especial posição


topográfica no ordenamento jurídico brasileiro, na esteira do que dispõe o art. 5º, § 3º, da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), abaixo exibido:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (BRASIL, 1988).

Pela dicção do parágrafo retromencionado, caso os tratados alhures sejam aprovados


obedecendo ao rito qualificado para a alteração da Constituição e versarem sobre direitos humanos,
serão internalizados com status de Emendas Constitucionais (EC). A contrario sensu, se forem
aprovados sem tal observância, serão considerados normas supralegais, gozando de primazia sobre os
demais instrumentos normativos.
Assente a obrigatoriedade de apresentação do preso assumida, ex vi do art. 7°, item 5, do
Pacto San José da Costa Rica, retro exibido, com fulcro na mora legislativa em editar norma
regulamentadora de tal procedimento, o Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Ministério da
Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo resolveram lançar o Projeto Audiência de
Custódia (SÃO PAULO, 2015), sendo considerada a primeira providência adotada com o mister de
concretizar o direito do preso de ser apresentado à autoridade judiciária competente.
Na situação vertente, em que pese ter havido outras iniciativas de implementação da
audiência de custódia em âmbito nacional, foi somente com a Resolução nº 213/15-CNJ (BRASIL,
2015c) que se deu efetivamente a regulamentação do direito de pronta apresentação do preso.
A esse respeito, cumpre ressaltar que a elaboração da aludida resolução se deu com espeque
nas diretrizes erigidas pela Comissão Interamericana no Relatório sobre o Uso da Prisão Preventiva nas
Américas (RUPPA), nos termos que seguem previstos no item VIII, c.9:

A aplicação da prisão preventiva deverá ser decidida em audiência oral, com a intervenção de
todas as partes, incluindo as vítimas, garantindo os princípios do contraditório, imediatidade,
publicidade e celeridade. Em determinadas condições este requisito poderá ser satisfeito com o
uso de sistema de videoconferência adequado (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, 2013).

Visando minudenciar sua sistemática de consecução, instituiu-se, no Brasil, o Sistema de


Audiência de Custódia (SISTAC), uma plataforma eletrônica do CNJ colocada à disposição das Centrais
de Custódia em todo o país (BRASIL, 2015c). O sistema produz dados a partir das audiências, traça um
perfil dos conduzidos e das condições em que ocorreu a prisão, possibilitando a elaboração de políticas
públicas.

Destarte, além da garantia de apresentação do preso ao juiz, destaca-se, dentre os principais


objetivos da AC no Brasil, o desafogamento do sistema carcerário nacional. Roberth José de Sousa
4 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Audiência de custódia e seus reflexos na capital do Estado de Roraima em meio à crise migratória venezuelana

Alencar (2015), ao mencionar os benefícios da audiência de custódia, diz: “Uma das vantagens é o
combate à superlotação dos presídios, na medida em que a Audiência de Custódia minimiza a
possibilidade de prisões desnecessárias e ilegais”.
De fato, o problema da superlotação carcerária é uma realidade no Brasil e o estado de
Roraima tem enfrentado, nos últimos anos, desafios complexos relacionados à superlotação de suas
unidades carcerárias, sobretudo na Penitenciária Agrícola Monte Cristo (PAMC) que é considerada a
maior unidade prisional da capital e do estado.
A implementação da AC do estado de Roraima ocorreu no dia 04 de setembro de 2015, com
a presença do Ministro do Superior Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e do Presidente do Tribunal
de Justiça de Roraima/TJRR, das partes de acusação e defesa e do preso em flagrante, senhor Dionildo
Bezerra. Embora esse instituto tenha chegado em Roraima quase sete meses após a sua implementação
oficial no Brasil, é importante ressaltar que, naquele momento, Roraima foi o único estado do país a
implantá-lo em todas as cidades onde o Poder Judiciário se fazia presente.

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Como já assinalado, a audiência de custódia objetiva apresentar o preso à autoridade


judiciária em até 24h após sua prisão, sendo atores desse ato processual o Ministério Público, o
advogado ou defensor público, além do magistrado que presidirá o feito. O juiz analisará aspectos
referentes à legalidade, à necessidade e à adequação da continuidade da prisão, podendo proceder ao
relaxamento da mesma se tiver havido alguma violação à norma procedimental. Caso não se verifique
qualquer ilegalidade, poderá substituir a constrição da liberdade por medidas cautelares diversas da
prisão, bem como decretar a custódia cautelar.
Frisa-se que, antes da Lei 13.964/19 (BRASIL, 2019), havia o entendimento do STJ de que
a não apresentação do preso ao juiz, antes da conversão do flagrante em prisão preventiva, não gerava
qualquer nulidade. Diante disso, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do julgamento naquela
corte, em sede do Habeas Corpus n° 344989/RJ, asseverou: “Operada a conversão do flagrante em
prisão preventiva, fica superada a alegação de nulidade na ausência de apresentação do preso ao juízo
de origem, logo após o flagrante [...]’’ (BRASIL, 2016, online).
Com a inserção do Pacote Anticrime no ordenamento jurídico brasileiro, o CPP sofreu várias
mudanças, dentre as quais pode-se destacar a proibição da autoridade judiciária decretar ou converter a
prisão em flagrante em preventiva de ofício, em qualquer fase da persecução penal, conforme a nova
redação conferida ao art. 311 do Código de Processo Penal.

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Junior ZO, Souza FTC, Freitas FAS e Almeida WC

Corroborando com essa compreensão, impende reproduzir a ementa do RHC 135081/MG


cuja relatoria coube ao Ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca, julgado pela quinta turma em
03/11/2020, nos seguintes termos:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO


PREVENTIVA DECRETADA DE OFÍCIO PELO JUÍZO PROCESSANTE. ILEGALIDADE.
ART. 310, II, DO CPP DEVE SER INTERPRETADO CONFORME O ART. 311, DO MESMO
REGRAMENTO, À LUZ DAS CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA ACUSATÓRIO.
ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI N. 13.964/2019. PRELIMINAR ACOLHIDA.
PREJUDICADA A ANÁLISE DO MÉRITO RECURSAL. PARECER FAVORÁVEL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RECURSO PROVIDO (BRASIL, 2020, online).

Como se verifica, nova jurisprudência tem sido assentada em obediência ao comando legal,
observando-se a necessidade de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou
por representação da autoridade policial, abstendo-se o juízo de decretá-la de ofício.

Práxis das audiências de custódia em Boa Vista/RR


Destarte, faz-se fundamental observar os dados e os reflexos das audiências de custódia na
capital roraimense, tendo em vista o recente fenômeno da intensa imigração venezuelana para Roraima.
Com o apoio do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), especificamente pelos dados colhidos do
Núcleo de Plantão Judicial e Audiências de Custódia (RORAIMA, 2020), será possível vislumbrar
informações importantes acerca do tema discutido em tela.

Audiências de custódia na Justiça Estadual

Em primeiro plano, há de se destacar que o gráfico abaixo (Figura 1) aponta os dados


referentes ao total geral das audiências de custódia ocorridas em Roraima no período de 2015 a
outubro/2020, incluindo brasileiros e estrangeiros. Nessa linha, é importante salientar que a maioria dos
números apresentados na imagem a seguir referem-se aos registros coletados na Comarca de Boa
Vista/RR.
As informações expostas abaixo demonstram que houve 6.575 audiências de custódias
ocorridas no período que consta no título do gráfico. O dado numérico mais alto encontrado na exposição
anterior revela que foram realizados 8.596 autos de prisões em flagrante pelas autoridades policiais.
Nesse prumo, verifica-se que o dado o qual mais se destaca no gráfico são as prisões preventivas
decretadas, totalizando um percentual de 52,65% (RORAIMA, 2020):

6 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Audiência de custódia e seus reflexos na capital do Estado de Roraima em meio à crise migratória venezuelana

Figura 1: Gráfico das audiências de custódia: Total geral no período de 2015 até outubro/2020

Fonte: Autores sobre dados do NUPAC/TJRR (2020)

De outra banda, percebe-se que as concessões de liberdades com cautelares quedam-se um


pouco abaixo das prisões preventivas, restando um percentual de 44,92%. De mais a mais, os dados
fornecidos pelo TJRR demonstram que os outros números apresentados (liberdade com compromisso,
encaminhamento assistencial, reiteração nas audiências de custódia, indícios de agressão policial e
relaxamentos de prisão) ficam abaixo da linha percentual de 10%.
Identifica-se, nos dados cedidos pelo TJRR, portanto, que as solturas concedidas sobrepujam
os encarceramentos, na medida em que os números de liberdade e de relaxamento somam o total de
4.070. Aliado a isso, nota-se que, dos 8.596 “flagranteados”, realizaram-se apenas 6.575 audiências de
custódia, configurando a possibilidade da ocorrência do instituto da fiança. Houve, então, a
desnecessidade da audiência de custódia e posterior liberdade do agente pelo pagamento do valor
auferido, totalizando o número de 2.021.

A particularidade das audiências de custódia dos venezuelanos

Em sentido oposto ao gráfico anterior (Figura 1), observamos que a Figura 2 (Gráfico das
audiências de custódia: venezuelanos no período de 2016 até outubro/2020) aponta para a inversão dos

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Junior ZO, Souza FTC, Freitas FAS e Almeida WC

números atinentes às prisões preventivas decretadas e às liberdades com medidas cautelares concedidas.
Vejamos:
Figura 2: Gráfico das audiências de custódia: venezuelanos no período de 2016 até outubro/2020

Fonte: Autores sobre dados do NUPAC/TJRR (2020)

Nessa premissa, a contagem total de venezuelanos presentes em audiência de custódia


reflete o número total de 928 custodiados e, além disso, ocorreram 1.246 prisões em flagrante no período
referente ao gráfico. Os dados referentes às prisões preventivas apontam para o percentual de 42,54%,
de modo que, de outro lado, a porcentagem referente às liberdades com medidas cautelares indica o total
de 55,38%, sendo a maioria na contagem numérica observada na figura (RORAIMA, 2020).
Ademais, observa-se no gráfico anterior que as informações do TJRR pertinentes ao
encaminhamento assistencial, à reiteração nas audiências de custódia, aos indícios de agressão policial
e aos relaxamentos de prisão seguem a tendência de baixo crescimento como na Figura 1, todavia,
apresentando-se ainda mais abaixo, não ultrapassando a porcentagem de 7%.
Característica peculiar das audiências de custódia alusivas aos venezuelanos (estrangeiros)
é a presença dos intérpretes, profissionais qualificados para tradução oral de uma língua para a outra, os
quais visam auxiliar o custodiado na prestação do devido amparo à Justiça, conforme a Resolução n°
213/15-CNJ em seu Protocolo II, item III:

8 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

16
Audiência de custódia e seus reflexos na capital do Estado de Roraima em meio à crise migratória venezuelana

A pessoa custodiada estrangeira deve ter assegurada a assistência de intérprete e a pessoa surda
a assistência de intérprete de LIBRAS, requisito essencial para a plena compreensão dos
questionamentos e para a coleta do depoimento, atentando-se para a necessidade de (i) a pessoa
custodiada estar de acordo com o uso de intérprete, (ii) o intérprete ser informado da
confidencialidade das informações e (iii) o entrevistador manter contato com o entrevistado,
evitando se dirigir exclusivamente ao intérprete (BRASIL, 2015c).

Segundo o TJRR, é possível inferir que o número total de solturas de venezuelanos, isto é,
concessão de liberdade com cautelares (690), relaxamentos (26) e ocorrência do instituto da fiança com
liberdade (318) configuram-se em 1.034, sobrepondo-se, dessa maneira, ao número total de
encarceramentos ocorridos (530).

Crise migratória venezuelana e repercussão criminal

É cediço o fato de que a crise que atinge a Venezuela transcende suas próprias fronteiras e
impacta a outros países. Desde meados de 2013, o referido país se arrasta em uma instabilidade
econômica, política e humanitária que vem piorando gradativamente. O Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados (ACNUR) estima que atualmente existem 4.600 venezuelanos morando nos
catorze abrigos sediados em Roraima (ONU, 2020).
A ONU avalia ainda que o número de venezuelanos que deixaram o país ultrapassa 4
milhões de pessoas e o Brasil seria o quinto destino mais procurado por eles. Para garantir o atendimento
humanitário aos refugiados e migrantes venezuelanos em Roraima, principal porta de entrada da
Venezuela no Brasil, o Governo Federal criou, em 2018, a Operação Acolhida, uma grande força-tarefa
humanitária executada e coordenada pelo Governo Federal com o apoio de agências da ONU e de mais
de 100 entidades da sociedade civil (ONU, 2019).
A Operação Acolhida oferece assistência emergencial aos refugiados e migrantes
venezuelanos que cruzam a fronteira na cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén adentrando o
Brasil pela cidade de Pacaraima/RR, distante 314 km da capital Boa Vista/RR cujo acesso se dá pela
BR 174. Desde o início da crise migratória, estima-se que mais de 264 mil venezuelanos entraram e
permaneceram no Brasil (BRASIL, 2020a).
A Operação Acolhida está estruturada em três eixos: ordenamento da fronteira, acolhimento
e interiorização. Interessante destacar o eixo de interiorização. Este compreende uma dinâmica que tem
o escopo de oferecer maiores oportunidades de inserção socioeconômica aos venezuelanos em outros
Estados da Federação e diminuir a pressão sobre os serviços públicos do estado de Roraima.

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Junior ZO, Souza FTC, Freitas FAS e Almeida WC

Conforme os dados da Operação Acolhida, desde o início da estratégia de interiorização, em


abril de 2018 até janeiro de 2020, já foram interiorizadas mais de 30 mil pessoas para cerca de 400
cidades brasileiras em 24 Unidades da Federação. Somente em 2019, foram interiorizadas mais de 22
mil pessoas. No total, até 2020, estima-se que ocorreram 43.994 interiorizações de venezuelanos
refugiados e migrantes (BRASIL, 2020b).
Na análise dos reflexos da expansiva imigração venezuelana sobre a criminalidade local, é
imperioso compreender que nesse processo de interação social, é natural que surjam desequilíbrios.
Penteado Filho (2020, p.166) afirma: “O aumento das taxas criminais por áreas geográficas é
proporcional ao crescimento da respectiva densidade demográfica populacional”.
Há de se compreender ainda que equilíbrio ou desequilíbrio sociais são resultantes da
igualdade ou desigualdade na distribuição de renda e infraestrutura social (CASTRO, 2010). Destarte,
levando em consideração o fato de que a maioria dos venezuelanos que entram em nosso país não
possuem quaisquer rendimentos e de que muitos acabam sendo cooptados por grupos criminosos
brasileiros, criando-se uma classe de excluídos em território nacional, é de se esperar que ocorra um
aumento considerável dos índices de violência e de criminalidade.
Pode-se afirmar que o maior problema não está relacionado a imigrantes que cometem
crimes esporádicos, mas sim àqueles que são aliciados pelo crime organizado brasileiro. Segundo o
Ministério da Justiça e Segurança Pública, em julho do corrente ano, foram presos dezenove
venezuelanos pela Polícia Federal na operação Triumphus, acusados de cometerem crimes a mando de
facção brasileira, restando comprovado por depoimentos que, pelo menos, 700 venezuelanos estavam
inseridos em facções locais (BRASIL, 2020c).

População carcerária venezuelana em Boa Vista/RR


Em 2020, o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)
aponta que Roraima lidera o ranking como o estado brasileiro com o maior número de encarcerados de
origem venezuelana, totalizando 309 detentos somente no sistema penitenciário de Boa Vista/RR. Esse
número representa uma média de 86,5% do total de venezuelanos encarcerados em todo o país e de 8%
do total geral de presos no sistema penitenciário da capital roraimense (BRASIL, 2020d). Veja-se a
seguir:

10 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Audiência de custódia e seus reflexos na capital do Estado de Roraima em meio à crise migratória venezuelana

Figura 3: Gráfico dos Venezuelanos presos no Brasil no 1° semestre de 2020

Fonte: Autores sobre dados do DEPEN (2020)

Mister se faz assinalar que, ainda segundo os dados do DEPEN, a população carcerária de
Boa Vista/RR, até junho de 2020, distribuída nos cinco estabelecimentos carcerários da capital, é de
3.693 presos (1.313 no regime fechado, 551 no regime semiaberto, 931 no regime aberto e 898 no regime
provisório). Dentre estes 3.693 presos, estão 309 venezuelanos distribuídos da seguinte maneira, nos
estabelecimentos prisionais da capital (BRASIL, 2020e):
Tabela 1: Distribuição dos venezuelanos presos nos estabelecimentos prisionais em Boa Vista/RR

Estabelecimento Prisional Quantidade de presos venezuelanos


Cadeia pública feminina de Boa Vista/RR 29
Cadeia pública masculina de Boa Vista/RR 07
Casa do Albergado Prof. Aracélis Souto Maior 30
Central de Monitoração eletrônica de Pessoas 8
Penitenciária Agrícola Monte Cristo 235

Total 309

Fonte: Autores sobre dados do DEPEN (2020)


Nota-se que a Penitenciária Agrícola Monte Cristo, maior estabelecimento prisional do
estado, é a que detém a maior concentração de presos venezuelanos e também é o local onde ficam
encarcerados todos os presos pertencentes às organizações criminosas, principalmente o Primeiro
Comando da Capital e o Comando Vermelho (PEREIRA, 2017). No gráfico abaixo, podemos verificar

11

19
Junior ZO, Souza FTC, Freitas FAS e Almeida WC

um paralelo entre a quantidade de venezuelanos e os demais estrangeiros encarcerados em Boa Vista/RR


até junho de 2020:

Figura 4: Gráfico dos estrangeiros presos em Boa Vista/RR no 1° semestre de 2020

Fonte: Autores sobre dados do DEPEN (2020)

É importante observar que Boa Vista/RR tem sido destino e passagem de muitos
estrangeiros, sobretudo por se tratar de uma tríplice fronteira (Brasil – Guiana Inglesa – Venezuela).
Porém, fica evidente, pelos dados do gráfico, que os venezuelanos têm sido o grupo de estrangeiros mais
vulnerável e alvo do sistema penal.

A desmistificação da criminalidade imigrante

Incontestavelmente, o tema da imigração vinculado à criminalidade tem sido um conteúdo


que gera análises tanto no âmbito nacional como internacional. O 1° relatório da comissão externa da
câmara dos deputados destinada a tratar da crise na Venezuela, em especial na fronteira com o Brasil
(NICOLETTI, 2019), concluiu que, de 2015 a 2019, houve um aumento significativo dos casos de furto,
de roubo e de lesão corporal, praticados por venezuelanos no estado de Roraima. O número de
homicídios permaneceu relativamente estável nesse período.

Desta feita, resta plenamente cabível o questionamento acerca do cometimento de crimes


dessa natureza por migrantes que, teoricamente, são acolhidos por programas do Governo Federal em
parceria com a ONU e com demais órgãos. Cabe presumir, entretanto, a compreensão bem acertada de
12 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Audiência de custódia e seus reflexos na capital do Estado de Roraima em meio à crise migratória venezuelana

que nem todos os venezuelanos que cruzam a fronteira são alocados em abrigos. Há uma seleção de
pessoas baseada em princípios de vulnerabilidade social os quais norteiam os critérios de escolha dos
que viverão aos cuidados do Estado brasileiro.

Ademais, nem todos os imigrantes venezuelanos são pessoas que buscam sobrevivência em
nosso país, pois é inegável que a pragmática da imigração tem mostrado que muitos que ultrapassam as
fronteiras têm chegado ao Brasil, passando-se por refugiados na intenção de perpetrar crimes.
Entrementes, não é raro ouvir pessoas que moram em Boa Vista/RR acusando um venezuelano como
suspeito de todo e qualquer crime que ocorra na cidade.

De igual modo, é notória a influência dos meios de comunicação local veiculando


diariamente notícias que vinculam o crescimento da criminalidade, na cidade, ao fluxo migratório
desordenado. Com efeito, tem-se a propagação de um conteúdo com alto viés discriminatório que incita
as pessoas a uma maior indiferença e desconfiança para com os estrangeiros.
No entanto, a despeito do crescimento da criminalidade, como consequência do aumento da
quantidade de pessoas estrangeiras em situação de miserabilidade morando em um lugar de poucas
oportunidades, oportuno é dizer que, em números totais, o Sistema Nacional de Informações de
Segurança Pública (SINESP) registrou uma queda expressiva de ocorrências policiais em Boa Vista/RR,
saindo de 2.064 em 2016 para 759 em 2020 (BRASIL, 2020f).
Outro dado importante trazido pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), coloca
Roraima em uma escala decrescente, nos últimos três anos, no que diz respeito ao número de crimes de
homicídio e a outros crimes envolvendo armas de fogo. Ademais, pelos dados apresentados da
população venezuelana encarcerada, percebe-se que eles representam um percentual de 8% se
comparado aos demais detentos em Boa Vista/RR, o que leva a acreditar que os imigrantes não seriam
os maiores responsáveis pela aparente sensação do aumento da criminalidade em Boa Vista/RR.

Considerações finais

De um modo geral, desde que foi implantada a audiência de custódia em Boa Vista/RR, os
dados resultantes de sua condução sempre foram os maiores indicadores de eficiência no tocante aos
objetivos a que ela se propôs. Em relação a tais objetivos, destacam-se os dados relacionados ao escopo
de controle da superlotação nos presídios e, do mesmo modo, o impacto das solturas no aumento da
criminalidade na cidade de Boa Vista/RR.
Deveras, chega-se à compreensão de que as audiências de custódia em Boa Vista/RR têm
alcançado o propósito de, se não controlar, pelo menos decrescer a superlotação no sistema prisional da

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Junior ZO, Souza FTC, Freitas FAS e Almeida WC

capital de Roraima, posto que a maioria dos flagrantes que são convertidos em preventiva têm ficado
abaixo dos números referentes às liberdades com cautelar, com compromisso, ao encaminhamento
assistencial e ao relaxamento de prisão. Isso implica em um menor encarceramento e consequente
desafogamento de vagas nos presídios.
Em outra vertente, a ideia de que as audiências de custódia em Boa vista/RR seriam
instrumento de instigação e aumento da criminalidade, igualmente, não se sustenta diante dos índices
decrescentes de criminalidade que a cidade vem registrando em números absolutos, nos últimos anos.
Outrossim, sobre as audiências de custódia de imigrantes venezuelanos em Boa Vista/RR,
percebe-se que quase 60% destes não foram encarcerados após a apresentação ao magistrado. Tal
observação significa dizer que eles não são os principais responsáveis pela maioria dos delitos ou
aumentos sazonais da criminalidade na cidade. Ademais, o percentual mínimo de encarcerados
venezuelanos em Boa Vista/RR corrobora com esse entendimento.
Portanto, como não poderia ser diferente, o instituto da audiência de custódia manifesta sua
eficiência, eficácia e legitimidade jurídica, tanto no que diz respeito ao controle da superlotação prisional
quanto na redução da quantidade de presos imigrantes e brasileiros que poderiam se tornar mão de obra
fácil para o crime organizado dentro e fora dos cárceres da cidade de Boa Vista/RR.

Dedicatória
Dedicamos este trabalho ao professor Rodrigo Cardoso Furlan (in memorian), idealizador
desta temática na disciplina de Direito Processual Penal I, do curso de bacharelado em Direito da
Universidade Federal de Roraima.

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Sobre os Autores
Zedequias de Oliveira Júnior é Professor de Direito da UFRR; Promotor de Justiça do MPRR; Mestre
em Direito Ambiental; Doutorando em Recursos Naturais; Esp. em Direito Penal, Proc. Penal, Civil e
Proc. Civil; ex-Delegado de Polícia de Goiás; 1 Tenente R2 da PM de Goiás. https://orcid.org/0000-
0001-7368-3138

Flávio Tupinambá Cruz de Souza é Acadêmico de Direito da UFRR; Membro Fund. da Liga
Acadêmica de Direito do Estado – UFRR; Estagiário do Primeiro Juizado Especial Cível da Comarca
de Boa Vista – TJRR. https://orcid.org/0000-0001-6006-1815

Francisco Artemízio Silva Freitas é Acadêmico de Direito da UFRR; Membro Fund. da Liga
Acadêmica de Ciências Criminais do Estado de Roraima; Agente de Polícia Federal; Sargento R2 do
Exército Brasileiro; Graduado em Gestão de Segurança Pública; Esp. em Direito Penal.
https://orcid.org/0000-0001-5214-2746

Wellingson Cavalcanti de Almeida é Acadêmico de Direito da UFRR; Licenciado em Geografia pela


UFRN; Primeiro Sargento do Exército Brasileiro. https://orcid.org/0000-0001-7574-132X

Recebido: 23 dez. 2020


Aceito: 26 mai. 2021

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26
ISSN 2175-053X ARTIGO

ANÁLISE DE COMPONENTES PRINCIPAIS COMO FERRAMENTA PARA


IDENTIFICAÇÃO DE VULNERABILIDADE A ATAQUES DE EXPLOSÕES DE
CAIXAS ELETRÔNICOS NO CENTRO-OESTE DE MINAS GERAIS

Luciana do Carmo Socorro RESUMO: Ataques a caixas eletrônicos são uma realidade no Brasil. Tornaram-se
Nominato uma das atividades criminosas de maior repercussão social e que desafia a capacidade
de reação dos órgãos responsáveis pela segurança pública, uma vez que o fenômeno
Polícia Militar de Minas Gerais, se apresenta, principalmente, por meio da interiorização da violência, atingindo
Belo Horizonte, MG. E-mail: municípios menos estruturados. Considerando a dificuldade de se prever como essa
luciananominato@hotmail. com modalidade criminal irá se comportar espacialmente, há grande desafio para atuar de
maneira preventiva. Considerando-se a perspectiva econômica, há diversas variáveis
Antônio Hot Pereira de Faria que podem influenciar na decisão do criminoso em escolher um alvo quanto às
possibilidades de ganhos e risco de prisão ou punição. Assim, o objetivo central deste
Polícia Militar de Minas Gerais, trabalho é definir um conjunto de variáveis que combinadas possam permitir uma
Belo Horizonte, MG. E-mail: análise dos municípios mais vulneráveis à incidência criminal de ataques a caixas
luciananominato@hotmail.com eletrônicos. Para tanto, utilizou-se, na pesquisa, da Análise de Componentes
Principais (ACP), técnica estatística de análise multivariada voltada para a síntese de
Diego Filipe Cordeiro Alves
um grande número de variáveis em um único fator que compreenda uma parcela
Consultor em Geotecnologias, considerável da variância dos dados. O recorte espacial do trabalho se deu na 7ª
Belo Horizonte, MG. E-mail: Região de Polícia Militar e com análise de eventos perpetrados no período de 2012 a
2017. Os resultados permitiram descrever os eventos desencadeados, verificar a
diegofcalves@gmail.com correlação entre as variáveis elencadas para caracterizar os municípios e analisar a
vulnerabilidade de ataques. Os resultados da pesquisa mostraram a capacidade da
técnica de Análise de Componentes Principais para a síntese de variáveis
socioeconômicas na proposição de um índice de Vulnerabilidade dos municípios a
ataques a caixas eletrônicos, apresentando alternativas aos estudos deste fenômeno.
Palavras-chave: Ataques a caixas eletrônicos. Análise de Componentes Principais.
Crime.

PRINCIPAL COMPONENTS ANALYSIS AS A TOOL TO IDENTIFY


VULNERABILITY TO ATM EXPLOSION ATTACKS IN THE MIDWEST
OF MINAS GERAIS

ABSTRACT: Attacks at ATMs are a reality in Brazil. They have become one of the
criminal activities with the greatest social repercussion and it challenges the reactive
capacity of the organs responsible for public security, since the phenomenon presents
itself mainly through the internalization of violence, reaching less structured cities.
Considering the difficulty of predicting how this criminal modality will behave,
spatially, there is a great challenge to act in a preventive way. Considering the
economic perspective, there are several variables that can influence the decision of
the criminal in choosing a target as to the possibilities of gains and risk of
imprisonment or punishment. Thus, the central objective of this work is to define a
set of variables that allow an analysis of the vulnerability of the cities to the criminal
incidence of ATM attacks. For this purpose, we used the Principal Components
Analysis (PCA), a multivariate statistical analysis technique, aimed at the synthesis
of a large number of variables in a single factor that comprises a considerable portion
of the data variance. The spatial analysis of the work took place in the 7th Military
Police Region and analyzed events from the period of 2012 to 2017. The results
allowed us to describe the events triggered, to verify the correlation between the
variables listed to characterize the municipalities and to analyze the vulnerability of
attacks. The results of the research showed the capacity of the Principal Component
Analysis technique for the synthesis of socioeconomic variables in proposing an
index of vulnerability to attacks on ATMs, presenting alternatives to the studies of
this phenomenon.
Keywords: Attacks on ATMs. Principal component analysis. Crime.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021 27

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Nominato LCS, Faria AHP e Alves

Introdução

O
s ataques a caixas eletrônicos têm sido observados em todo território brasileiro e vêm
desafiando as instituições de segurança pública. A celeridade com que criminosos vêm
atacando, agressivamente, principalmente cidades interioranas, tem exigido providências
cada vez mais robustas dos estados, uma vez que, notadamente, os eventos atingem a qualidade de vida
da população, espalham medo, sensação de insegurança e provocam grande repercussão social.
O Brasil foi alvo de 5,68 ataques a bancos por dia, em 2016, num total de 2082 ataques
(ROBERTA, 2017). Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores de Segurança Privada
(CONTRASP, 2017), Minas Gerais é, desde 2015, o primeiro estado no ranking em explosões, posição
antes ocupada pelo estado de São Paulo.
No cenário mineiro, as explosões de caixas eletrônicos representaram, em média, 13 ataques
a agências por mês em 2017 ou um caso a cada 2,2 dias; situação que levou as autoridades a
estabelecerem protocolo de crise para resposta ao crime organizado (PARANAÍBA, 2017).
Os primeiros ataques em Minas Gerais datam do ano de 2011 1. Não obstante, já existem
normas reguladoras de segurança para estabelecimentos bancários desde a década de 1980 2. Desde os
primeiros registros, o delito vem se repetindo em séries mais ou menos continuadas, o que legitima
discussões e estudos sobre o fenômeno no que tange a sua distribuição espacial, padrões
comportamentais dos autores, reflexos socioeconômicos, incidências e reincidências, dentre outros
aspectos.
Em relação à distribuição dos eventos no espaço, conforme estabelecido por Brantingham e
Brantingham (1981) e, posteriormente, por Rengert et al. (1999), a localização de um crime envolve
fatores complexos, que tornam improvável sua eclosão aleatória. Conforme a criminologia ambiental,
há fatores locacionais que interferem na escolha dos autores de delitos quanto à seleção dos locais onde
irão cometer crimes. Conhecer os fatores que podem influenciar nessas escolhas é desafio para as
ciências que se debruçam sobre o fenômeno criminal.
Considerando-se a perspectiva econômica, descrita pela Teoria Econômica da Escolha
Racional do Crime (BECKER, 1976), a dinâmica criminal é tida como um mercado em que os atores
do processo (ofensores, vítimas, autoridades policiais) vão se comportar de acordo com as regras de

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021


1
Conforme dados obtidos no Armazém de dados de Registros de Evento de Defesa Social (REDS) obtido pelo Sistema
Integrado de Defesa Social (SIDS).
2
Lei Federal nº. 7.102 de 1983 passou a regular a segurança para estabelecimentos financeiros e a estabelecer normas de
funcionamento das empresas particulares, que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores.
Lei Estadual nº. 12.971 de 1998, com vistas a dificultar as ações delitivas, tornou obrigatória a instalação de dispositivos de
segurança nas agências e postos de serviços de instituições bancárias e financeiras. Entretanto, mediante os registros dos
ataques, vê-se que muitas são as unidades que ainda não cumprem a medida integralmente.
28

28
Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

otimização de comportamento. Esses protagonistas “formam expectativas sobre oportunidades relativas


legítimas e ilegítimas, incluindo a severidade e certeza da punição, baseadas nas informações
disponíveis” (EHRLICH, 1996, p. 45).
No conceito de Clarke (1993), a teoria da escolha racional examina a decisão que o
criminoso faz frente aos fatores que influenciam em suas avaliações de risco, de recompensas e de senso
moral. O balanço entre possíveis riscos e recompensas influenciam os alvos selecionados pelo
delinquente.
Na perspectiva da escolha racional, a tomada da decisão dos crimes predatórios é um
processo que percorre vários estágios. Ocorre que, uma vez motivado, assim que decide pela prática
criminal, o infrator entrará num estado de prontidão. Estando pronto, aplicará seu conhecimento direto
e indireto sobre o alvo desejado, consoante às possíveis soluções e caminhos identificados para a
consecução do objetivo. Concentra-se, doravante, em seu potencial nas decisões instrumentais e na
oportunidade do crime. Sua decisão em delinquir será baseada no esforço desprendido e na recompensa,
sopesando riscos e a probabilidade de ser punido, inclusive quanto à gravidade da pena. Na prática, o
infrator é “[...] essencialmente motivado por recompensas e punições externas, e [...] amplamente
indiferente à pressão social ou apelos à sua consciência” (CORNISH; CLARKE, 1986, p. 59-68).
A análise do problema do crime do ponto de vista racional e da livre vontade de delinquir,
com base em critérios econômicos tem propiciado estudos baseados em técnicas quantitativas capazes
de mensurar a qualidade da decisão humana em razão da disponibilidade de recursos e benefícios,
resultantes da seleção subjetiva de utilidade por parte do ofensor.
Assim, há de se investigar quais fatores (variáveis) podem influenciar na decisão/escolha de
um criminoso ou organização criminal na seleção de uma localidade para ser alvo de um ataque.
Critérios positivos (relacionados aos ganhos) como circulação/disponibilidade monetária, número de
postos bancários; de acessibilidade como número de trechos ou entroncamentos rodoviários; ou
negativos (relacionados a possiblidade de captura/punição) como infraestrutura de segurança pública
instalada, etc. devem ser observados.
Nesse sentido, este trabalho se propõe à aplicação de uma metodologia que, por meio de
análise de múltiplas variáveis dos locais de atuação de delinquentes dedicados a ataques a caixas
eletrônicos, possa realizar uma análise sobre os fatores que contribuam para a vulnerabilidade de
determinados municípios, tornando-os alvo do crime. Assim, tem-se por objetivo geral definir uma
variável síntese que permita analisar a vulnerabilidade municipal para a incidência criminal de ataques
a caixas eletrônicos.
O recorte espacial foi realizado nos municípios que compõem a 7ª Região da Polícia Militar
29

29
Nominato LCS, Faria AHP e Alves

(RPM), localizada no centro-oeste mineiro. A 7ª RPM foi escolhida como universo da pesquisa em
função de se destacar no ranking das regiões mais atacadas que apresentaram série histórica
significativa 3 no período de 2011 a 2017.
O parâmetro analítico utilizado foram os eventos ocorridos nos municípios no período de
análise e sua correlação com variáveis socioeconômicas estruturais, as quais podem torná-los mais
atrativos a ação dos criminosos e, portanto, mais vulneráveis a ataques.
O presente estudo se justifica, primeiramente, do ponto de vista prático, por se tratar de uma
investigação acerca de uma modalidade criminosa que tem, hodiernamente, desafiado as instituições de
segurança pública na sua prevenção e combate. Do ponto de vista acadêmico, poucas iniciativas foram
empreendidas na utilização de técnicas de análise multivariada para realização de cenários prospectivos,
como ferramenta complementar às atividades de Inteligência de Segurança Pública (ISP), considerando-
se, principalmente, o desafio metodológico, o acesso e o volume de informações a serem processadas
nesse tipo de análise.

Análise de Componentes Principais


Tomando-se a explicação de Varella (2008), a Análise de Componentes Principais é uma
técnica da estatística multivariada que consiste em transformar um conjunto de variáveis originais em
outro conjunto de variáveis de mesma dimensão, denominadas de componentes principais.
Segundo Alencar (2009):
[...] a Análise de Componentes Principais é uma técnica Matemático-Estatística que busca
eliminar a redundância existente entre um grupo de variáveis criando outras, por meio de uma
combinação linear entre elas. Essas novas variáveis criadas sintetizam a maior variabilidade dos
dados originais, não são correlacionadas entre si e são ordenadas segundo a proporção da
variância que podem explicar (ALENCAR, 2009, p. 123).

A partir da análise das componentes principais, pode-se encontrar um modelo para


classificar ou detectar relações entre pontos.
Barroso (2003) e Alencar (2009) elencam os objetivos da ACP:
a) Gerar novas variáveis em um número reduzido, mas que consigam expressar de
modo satisfatório a informação contida no conjunto original de dados;
b) Reduzir a dimensão do problema que está sendo estudado, como passo prévio
para futuras análises;
c) Eliminar, quando for possível, algumas variáveis originais, caso elas contribuam
com pouca informação.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021


3
Refere-se ao índice comparativo entre as regiões mais atacadas (11ª, 12ª, 7ª e 9ª Regiões), no período de 2011 a 2017.
30

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Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

Conforme Johnson e Wichern (1998), geometricamente, essas combinações lineares


representam a seleção de um novo sistema de coordenadas, obtido através da rotação de eixos do sistema
de coordenadas original. Esses novos eixos representam as direções com o máximo de variabilidade.

Figura 1: Rotação de Eixos efetuada pelas Componentes Principais

Fonte: Alencar (2009, p. 125).

Nota: O segmento “a” revela uma menor variabilidade dos dados quando comparado
ao segmento “b” por causa da rotação de eixos.

Os componentes principais apresentam propriedades importantes: cada componente


principal é uma combinação linear de todas as variáveis originais, são independentes entre si e estimados
com o propósito de reter, em ordem de estimação, o máximo de informação em termos da variância total
contida nos dados (VARELLA, 2008, p. 3).
A técnica estatística pode ser aplicada em pesquisas de diversas naturezas. É muito utilizada
para reconhecimento de padrões, como um método de análise de grande eficácia para se tratar grandes
massas e extrair informações complexas. Simplifica e reduz os dados de um conjunto original e busca a
melhor referência desse conjunto, a partir da extração das variáveis que se apresentarem com maior
relevância.
Assim, a análise de componentes principais consiste, essencialmente, em reescrever as
coordenadas das amostras em outro sistema de eixo mais conveniente para a análise dos dados.
Em outras palavras, as n-variáveis originais geram, por meio de suas combinações lineares,
n-componentes principais, cuja principal característica, além da ortogonalidade, é o fato de serem
obtidas em ordem decrescente de máxima variância, ou seja, a componente principal 1 (CP1) detém
mais informação estatística que a componente principal 2 (CP2), que por sua vez tem mais informação

31

31
Nominato LCS, Faria AHP e Alves

estatística que a componente principal 3 (CP3), e assim por diante (NETO; MOITA, 1998).
Um parâmetro de análise para analisar se uma componente principal (CP) é suficientemente
capaz de sintetizar o conjunto de variável, sem perder uma quantidade grande de informações das
variáveis originais, é definido por Rencher (2002), como sendo um percentual de variância que deve ser
explicada pela primeira componente principal (CP1) ou pelas primeiras CPs (CP1 e CP2, por exemplo),
girando em torno de 70%; o que demonstra que a(s) componente(s) são suficientes para representar a
variância dos dados originais.

Caracterização do objeto de estudo: a 7ª Região de Polícia Militar

A 7ª Região da Polícia possui uma área territorial de 32.039,75 Km2 e uma população
estimada em 1.167.356 habitantes. Articula-se em unidades operacionais; 7º BPM (Bom Despacho), 23º
BPM (Divinópolis), 60º BPM (Nova Serrana), 63º BPM (Formiga), 19ª Cia PM Independente (Ind)
(Pará de Minas), 7ª Cia PM Ind de Policiamento Especializado (Divinópolis), e cuida da segurança
pública de 50 municípios e 40 distritos com um efetivo de 1591 policiais militares.

Figura 1: Mapa de Localização da 7ª RPM

Fonte: Elaborado pelos autores.


32 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

32
Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

A economia dos municípios centra-se no comércio, registrando polos atratores, que


fortalecem a Região e a destacam no cenário mineiro: Divinópolis, comércio focado no vestuário; Nova
Serrana, polo calçadista, com forte prospecção em indústria do ramo e oferta de mão de obra para todo
o país; Santo Antônio do Monte, referência em pirotecnia no país; Bom Despacho, gado leiteiro e
agricultura e, Itatiaiuçu, destaque para a mineração.
Os caixas eletrônicos se transformaram em atrativo para as quadrilhas que, racionalmente,
buscam o lucro fácil, de preferência com reduzida possibilidade de prisão. Segundo análise de dados no
SIDS (2017), os ataques na Região têm coincidido com as datas de recebimento de salários,
normalmente, na primeira e na última semana do mês; e ocorrido em municípios onde o efetivo é menor
e, por vezes, distante da unidade de recobrimento 4.
A primeira ocorrência na região foi registrada em São Gonçalo do Pará, em 2012. As
reincidências dos ataques têm provocado o não restabelecimento das unidades bancárias e a ausência de
serviços. Tomando-se como base as informações do SIDS (2017), no período de 2012 a 2017, dos 44
municípios atingidos, a maioria registrou reincidência de ataques, destacando-se Pitangui, com 10
registros. Em termos de faixa horária dos ataques na 7ª Região, conforme SIDS (2018), a faixa de horário
que mais registrou incidência foi de 02 h 30 min às 03 h 59 min.

Materiais e Métodos
A partir da definição dos objetivos da pesquisa, fixaram-se os critérios para a coleta de
dados: o objeto de estudo (ataques a caixas eletrônicos) recorte espaço-temporal (municípios que
compõem a 7ª RPM, com eventos que ocorreram de 01/01/2012 a 31/12/2017). Após a coleta dos dados,
realizou-se uma crítica sobre eles, no intuito de identificar e suprimir valores estranhos ao levantamento.
Caminhando para a prática, explica-se, nos seguintes passos, o procedimento do
pesquisador:
a) Estruturou-se uma matriz, em dois eixos, com dados altamente correlacionados,
mas não independentes: n (registros), representando os municípios-alvo e p (atributos),
representados pelas variáveis, cuja escolha aponta para um conjunto de características
físicas, econômicas e estruturais do espaço geográfico, em que os alvos se inserem;
b) A ACP, na prática, não deve ser utilizada com somente duas variáveis, em razão
de medir a distância dos objetos, motivo pelo qual, foi definido o maior número de variáveis
possíveis, que pudessem ter alguma correlação com os ataques;

4
Unidades que na articulação operacional tem a responsabilidade por suplementar os recursos das unidades policiais com
responsabilidade territorial.
33

33
Nominato LCS, Faria AHP e Alves

c) Cada variável foi ajustada para ter média zero e os dados serão, ao final,
centralizados, conforme mapa de covariância;
d) Outro procedimento foi manter o mesmo padrão de medida (metro, moeda) para
as coletas em relação ao eixo das variáveis;
e) Os dados foram submetidos ao software; os eixos foram rotacionados,
rigidamente, no espaço dimensional (p) para novas posições (eixos principais), de forma a
possibilitar o cálculo geométrico e descobrir qual a maior variância (Componente Principal
1 – CP1), a segunda maior variância (CP2) e assim sucessivamente. O último eixo tende a
apontar a menor variância (nuvem de pontos). Os eixos principais não são correlacionados;
f) As componentes principais do trabalho são resultantes da combinação não linear
das variáveis originais (A), assim dispostas pelo conjunto de eixos não correlacionados da
matriz;
g) A CP1 é a que melhor representa a sumarização dos dados, bem como a menor
distância média entre os pontos do eixo de variância. Pelo seu detalhamento é possível
hierarquizar os resultados de forma a diminuir as dificuldades de percepção global do
fenômeno e melhor direcionar o foco para as variáveis mais importantes, em prol da
definição da vulnerabilidade municipal;
h) A reorientação dos dados, a partir da CP1, determina que as primeiras dimensões
tragam o maior número de informações sobre o fato.
A apresentação dos dados trabalhados e processados pelas técnicas de Análise de
Componentes Principais foi realizada por meio de tabelas, gráficos e mapas.

Base de dados

A escolha da região de análise se deu pela ausência de decréscimos significativos de eventos,


ao longo do tempo, conforme Tabela a seguir:

Tabela 1: Regiões da Polícia Militar de Minas Gerais com maior frequência de ataques a caixas eletrônicos
– 2012-2017
Período
Região Total
2012 2013 2014 2015 2016 2017
11ª RPM 14 24 30 6 23 11 108
12ªRPM 45 30 20 9 25 14 143
7ª RPM 14 36 34 20 25 25 154
9ª RPM 60 83 38 15 15 7 218
Total anual 133 173 122 50 88 57 623
Fonte: Elaborado pelos autores.
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Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

Conforme se observa na Tabela 1, a 7ª RPM destacou-se, nos últimos três anos (2015 a
2017), mantendo-se na liderança do número de ataques. O número de ataques por municípios que
compõem a 7ª RPM está representado na Tabela a seguir.

Tabela 2: Número de ataques por município – 7ª RPM – 2012 a 2017.

MUNICÍPIO Ataques MUNICÍPIO Ataques

PITANGUI 10 PARÁ DE MINAS 3

DIVINÓPOLIS 9 PEDRA DO INDAIÁ 3

DORES DO INDAIÁ 6 PERDIGÃO 3

FORMIGA 6 PIMENTA 3

ITAPECERICA 6 POMPÉU 3

ITATIAIUÇU 6 SANTO ANTÔNIO DO MONTE 3

MARTINHO CAMPOS 6 ARCOS 2

ARAÚJOS 5 CAMACHO 2

BAMBUÍ 5 LAGOA DA PRATA 2

CONCEIÇÃO DO PARÁ 5 LEANDRO FERREIRA 2

ITAÚNA 5 LUZ 2

CARMO DO CAJURU 4 MORADA NOVA DE MINAS 2

IGARATINGA 4 ONÇA DE PITANGUI 2

MOEMA 4 SÃO JOSÉ DA VARGINHA 2

PAINS 4 CÓRREGO DANTA 1

SÃO GONÇALO DO PARÁ 4 ESTRELA DO INDAIÁ 1

SÃO SEBASTIÃO DO OESTE 4 MEDEIROS 1

ABAETÉ 3 PAINEIRAS 1

BOM DESPACHO 3 PEQUI 1

CLÁUDIO 3 BIQUINHAS 0

CÓRREGO FUNDO 3 CEDRO DO ABAETÉ 0

IGUATAMA 3 JAPARAÍBA 0

MARAVILHAS 3 QUARTEL GERAL 0

NOVA SERRANA 3 SERRA DA SAUDADE 0

PAPAGAIOS 3 TAPIRAÍ 0

Fonte: SIDS (2017).


35

35
Nominato LCS, Faria AHP e Alves

Posteriormente, definiu-se uma série de variáveis que pudessem ser levadas em


consideração, em um processo racional de tomada de decisão, quanto ao cometimento de delitos. Em
linhas gerais, as variáveis estão sintetizadas no Quadro abaixo.

Quadro 1: Variáveis e fontes de coleta


DADO FONTE
Quantidade de ataques SIPOM
Efetivo policial Intranet PM
Número de unidades operacionais da PMMG PMMG
Presença de Unidade de Recobrimento - PMMG PMMG
Quantidade de viaturas (4 e 2 rodas) PMMG
Unidade Exército Brasileiro (EB) EB 2017
Unidades Corpo de Bombeiros Militar (CBMMG) CBMMG
Distância para o polo regional (Divinópolis) - linha reta em Km IGA – IEDE 5
Distância para o polo regional (Divinópolis) - rodovias em Km Google Maps
Tempo deslocamento para Divinópolis Google Maps
Distância para Belo Horizonte - linha reta IGA – IEDE
Distância para Belo Horizonte - rodoviária Google Maps
Tempo deslocamento para Belo Horizonte Google Maps
Quantidade de rodovias asfaltadas DER-MG 6
Quantidade de rodovias vicinais DER-MG
km de malha rodoviária DER-MG
Área urbana (km²) Malha Digital IBGE 7
Área rural (km²) Malha Digital IBGE
Número de municípios limítrofes Malha Digital IBGE
Presença de aeroportos homologados PMMG/ANAC
Quantidade de hotéis e pousadas PMMG
Área município (km²) IBGE
IDHM 2010 – IBGE IBGE
Faixa do IDHM (baixo, médio, alto) PNUD
População (CENSO 2010) IBGE
Densidade demográfica (CENSO 2010) IBGE
Renda per capita IPEA
Índice de Gini IPEA
Valor total dos rendimentos recebidos IPEA 2000
Despesas nas atividades de comércio IPEA 1960
Despesas nas atividades de serviços IPEA 1960
Número de agências bancárias SIPOM
Número de posto bancário SIPOM
Número de caixas eletrônicos SIPOM
Poupança IPEA 2012
Aplicações bancárias IPEA 2011
Depósitos bancários à vista - privado IPEA 2011
Número de comércio de explosivos - ativos EB 2017
Presença de mineradoras - ativas EB 2017
Número de comércio de pólvora EB 2017
Fonte: Elaborado pelos autores.

Destaca-se para a análise da acessibilidade dos municípios, que ainda foi criada uma variável

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021


5
Base Digital das Sedes Municipais – Infraestrutura Estadual de Dados Espaciais (IGA/IEDE)
6
Malha Digital das Rodovias do Estado de Minas Gerais
7
Malha Digital dos Municípios de Minas Gerais – 2010 - IBGE
36

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Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

modelando-se a rede rodoviária por meio de um grafo 8, a fim de identificar o número de sedes de
municípios próximos acessíveis a partir do município de análise. Essa variável é relevante pelo modus
operandi utilizado pelos infratores, que se deslocam por meio terrestre para os ataques e saem
rapidamente dos municípios utilizando-se da rede viária. No exemplo abaixo, o município de Santo
Antônio do Monte tem acesso a 7 sedes de municípios.

Figura 2: Exemplo de Análise de Acessibilidade a sedes distantes até


60 km do município de análise

Fonte: Elaborado pelos autores.

Foi realizada análise de diversas variáveis dos municípios que foram alvo de ataques a
caixas eletrônicos, de modo a identificar se há um conjunto de variáveis que se correlacionam
linearmente com o intuito de extrair um componente que abarque as variáveis de maneira a sintetizar a
análise e analisar a vulnerabilidade aos ataques.

8
Um grafo G (N, L), algumas vezes chamado grafo não direcionado (undirected graph) consiste de dois conjuntos de
informações: um conjunto de nós (node), N {n1 , n2 , ..., ng), e um (ou mais) conjunto(s) de linhas, L {l1 , l2 , ..., lL), entre
pares de nós (WASSERMAN, FAUST, 1999, p 94-96).

37

37
Nominato LCS, Faria AHP e Alves

Quanto à operacionalização do modelo empírico, os dados foram submetidos aos cálculos


por meio do software Ninna®, versão 3.3.1.0, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em
Geografia – Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
para modelagens de ACP em diversos ramos.

Resultados e Discussões
Os municípios que foram alvo de ataques a caixas eletrônicos na área da 7ª Região de Polícia
Militar, no período de 2012 a 2017, estão representados no mapa a seguir:

Figura 3: Número de ataques a caixas eletrônicos – 7ª RPM –


2012-2017

Fonte: Dados da Pesquisa.

Conforme se vê, destacaram-se, na 7ª RPM, os municípios:


a) Pitangui com 10 eventos;
b) Divinópolis com 9 eventos;
c) cinco municípios foram atacados por 6 vezes (Dores do Indaiá, Formiga,
Itapecerica, Itatiaiuçu, Martinho Campos);
d) quatro municípios foram alvo de ataques por 5 vezes (Araújos, Bambuí,
Conceição do Pará e Itaúna);
38 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

e) seis municípios tiveram ataques por 4 vezes (Carmo do Cajuru, Igaratinga,


Moema, Pains, São Gonçalo do Pará, São Sebastião do Oeste);
f) quatorze municípios tiveram 3 ataques, no período (Abaeté, Bom Despacho,
Cláudio, Córrego Fundo, Iguatama, Maravilhas, Nova Serrana, Papagaios, Pará de Minas,
Pedra do Indaiá, Perdigão, Pimenta, Pompeu e Santo Antônio do Monte);
g) oito municípios atacados por 2 vezes (Arcos, Camacho, Lagoa da Prata, Leandro
Ferreira, Luz, Morada Nova de Minas, Onça de Pitangui e São José da Varginha);
h) cinco municípios foram atacados 1 vez (Córrego Danta, Estrela do Indaiá,
Medeiros, Paineiras, Pequi) e apenas seis municípios não foram atacados no período de
análise (Biquinhas, Cedro do Abaeté, Japaraíba, Quartel Geral, Serrada Saudade e Tapiraí).
A média de ataques por município, no período, foi de 3,12 eventos. Verifica-se que os
municípios mais atacados são destacados em termos de acessibilidade por malha rodoviária e número
de sedes acessíveis, em um período de uma hora, além de possuírem elevados indicadores de circulação
monetária.
Pelo mapa, é possível identificar que, com exceção de Japaraíba, os municípios que não
tiveram ataques são periferias da 7ª RPM, em porção norte-noroeste, destacando-se pelo menor número
de acessos rodoviários e acessos a outros municípios, e pelo maior tempo de deslocamento para a sede
do polo regional (Divinópolis). Destacaram-se, também, pelas variáveis que englobam a dimensão
“circulação monetária”, sendo, portanto, menos atrativas.
Inicialmente, realizou-se o cálculo das componentes principais considerando-se o número
de ataques como sendo uma variável, já que o evento pode reincidir em um município.

Tabela 3: Resumo ACP com variável de ataques - 7ª RPM – 2012-2017


Variância
CP Autovalor Variância Nº Variáveis
Acumulada
1 12,9894 64,95 64,95 12
2 2,2584 11,29 76,24 2
3 1,8388 9,19 85,43 1
Fonte: Dados da Pesquisa.

A primeira componente principal (CP1) obteve como resultado uma variância de 64,95%
dos dados, representativa conforme parâmetro definido por Rencher (2002), e foi composta por 12
variáveis: população; valor total de rendimentos; número de caixas eletrônicos; número total de viaturas;
efetivo policial; número de agências bancárias; postos bancários; depósitos bancários à vista (privado);
poupança; despesas nas atividades de comércio; aplicações bancárias; despesas nas atividades de
serviços. A CP2 compôs-se por duas variáveis: número de sedes acessíveis a 60 minutos e tempo de
39

39
Nominato LCS, Faria AHP e Alves

deslocamento para Belo Horizonte, sendo a última, para o cálculo da ACP, normalizada e com sinal
invertido 9.
Em um segundo momento, realizou-se o mesmo cálculo desconsiderando a variável número
de ataques. Obteve-se as mesmas variáveis compondo as componentes principais, porém com ligeira
alteração em relação aos valores obtidos.

Tabela 4: Resumo ACP sem variável de ataques - 7ª RPM –


2012-2017
Variância
CP Autovalor Variância Nº Variáveis
Acumulada
1 12,6696 66,68 66,68 12
2 2,0905 11,00 77,69 2
3 1,8353 9,66 87,34 1
Fonte: Dados da Pesquisa

Os escores da primeira componente principal (CP1) para ambos os casos estão representados
nos mapas a seguir:

Figura 4: Primeira Componente Principal – 7ª RPM – 2012-2017

(a) (b)
Fonte: Dados da Pesquisa.
Nota: (a) Com variável de ataques (b) Sem variável de ataques

Em uma análise comparativa entre os índices encontrados, destacou-se Divinópolis como o


REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021
9
A variável normalizada utilizada no cálculo da ACP possui valor entre 0 e 1 e possui correlação positiva com os ataques.
Utilizou-se de padronização de escala para a transformação de diferentes indicadores para valores de zero e um, como forma
de agregar diferentes medidas e estabelecer correlação (positiva/negativa) entre elas.
40

40
Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

município que abarcou os resultados mais relevantes para pressupor a incidência de ataques a caixas
eletrônicos. Na sequência, destacaram-se os municípios de Itaúna, Formiga, Pará de Minas, Nova
Serrana, Bom Despacho e, em continuidade, Pitangui, Pompéu, Dores do Indaiá, Luz, Bambuí, Luz,
Santo Antônio do Monte, Arcos, Itapecerica. Os demais municípios apareceram com valores inferiores.
Assim, pode-se depreender que, apesar de supostamente o fator reincidência, expresso pela quantidade
de ataques ao município, ser um fator importante, essa variável não guardou relevância, pela técnica
utilizada no trabalho, pois em ambos os cenários praticamente não houve alteração nos resultados
encontrados.
O risco do ataque criminoso é influenciado pelo elemento valor (atrativo) do alvo para o
agressor. Das 12 variáveis da CP1, a maioria se vincula à circulação monetária: valor total de
rendimentos; número de caixas eletrônicos; número de agências bancárias; postos bancários; depósitos
bancários à vista (privado); poupança; despesas nas atividades de comércio; aplicações bancárias;
despesas nas atividades de serviços.
Na abordagem da racionalidade do crime, os resultados são bem ajustados à perspectiva
economicista e ao cálculo de custos e benefícios em Becker (1976): as variáveis econômicas (maioria
na CP1) são as que mais respondem pela seleção do infrator. Aponta-se, do ponto de vista econômico,
que a razão dos ataques se consubstancia no lucro fácil e rápido; e do ponto de vista estrutural de
segurança pública (efetivo policial e número total de viaturas), porque, em tese, o aparelho policial é a
única barreira à vista para que o crime não ocorra.
Por fim, a variável população, não menos significativa, funciona como pano de fundo
determinante para que a coexistência de todas as variáveis significativas em relação ao crime. Isto
porque, mesmo que implicitamente, os fatores demográficos determinam em boa parte a relação das
demais variáveis, já que quanto mais população, maior a infraestrutura urbana e de segurança pública 10
e maior a circulação monetária, assim por diante.

Considerações Finais

A utilização da técnica da ACP se apresentou como alternativa contundente para analisar a


vulnerabilidade dos municípios alvos de ataques a caixas eletrônicos na 7ª Região da Polícia Milita e
melhorar a performance da segurança pública na contenção das ocorrências, sendo composto por
variáveis combinadas linearmente, e dispostas em um conjunto de indicadores de infraestrutura de

10
Conforme a Resolução nº 4674 de 26 de junho de 2018, os critérios de distribuição do efetivo previsto nas Unidades de
Execução Operacional da PMMG são determinados pela população como critério primário (MINAS GERAIS, 2018).
41

41
Nominato LCS, Faria AHP e Alves

segurança pública, de acessibilidade, de infraestrutura urbana e circulação monetária.


Pelas componentes principais foram obtidas 12 variáveis que apresentam um percentual de
variância em torno de 70% (66,68%). Essas variáveis foram apontadas como as que melhor expressam
e sintetizam o índice socioeconômico-estrutural da região de estudo, sendo: população; valor total de
rendimentos; número de caixas eletrônicos; número total de viaturas; efetivo policial; número de
agências bancárias; postos bancários; depósitos bancários à vista (privado); poupança; despesas nas
atividades de comércio; aplicações bancárias; despesas nas atividades de serviços.
Os testes resumitivos da ACP, com e sem a variável de ataques, suportam o desempenho do
processo e confirmam o grau de assertividade dos resultados. A coexistência de variáveis econômicas e
sociais se liga, inevitavelmente, às taxas criminais do espaço geográfico observado.
O mapeamento da vulnerabilidade dos alvos (atração espacial; posição geográfica ocupada
em relação à localização espacial na Região; contemplação da acessibilidade, da infraestrutura local) e
a compreensão do risco associado viabilizam a abstração de diagnósticos sobre padrões delitivos e
vítimas em potencial.
Em termos práticos, os resultados apresentados podem ser objetivamente aplicados na
atividade operacional, pela sustentação e reorientação de estratégias no teatro de operações e nas
atividades de inteligência, para potencializar seus conhecimentos.
Em campo acadêmico, o trabalho fomenta a utilização de técnicas multivariadas para análise
de dados empíricos no campo da segurança pública. A técnica pode ainda ser utilizada para análise de
outras tipologias criminais ou para a mesma, em diferentes cenários espaciais.
Na dimensão socioinstitucional, o fomento de novas tecnologias em prol da segurança
pública alinha-se aos objetivos do estado em conter o avanço da criminalidade, principalmente para as
regiões interioranas, e às estratégias institucionais para o fortalecimento da capacidade institucional,
com ganhos na qualidade dos serviços, no aumento da sensação de segurança e otimização de resultados
à sociedade.
O produto do trabalho permite sugerir a inclusão de técnicas de análises multivariadas na
atividade de análise criminal aplicada, com emprego de softwares específicos para este fim, como é o
caso do Ninna®, para assessoramento dos níveis decisórios, no que se refere à priorização de possíveis
alvos de ataques a caixas eletrônicos.
Considerando-se as peculiaridades de cada região e, ainda, o caráter exploratório e inaugural
da presente pesquisa, com emprego inovador da metodologia para análise de risco, o método poderá ser
adaptado e melhor calibrado com trabalhos posteriores. Assim, é possível sugerir que o trabalho seja
feito também com dados de outras regiões do estado, a fim de melhor reunir dados empíricos que refinem

42 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

42
Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

as análises.

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44 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

44
Análise de componentes principais como ferramenta para identificação de vulnerabilidade a ataques de explosões de caixas eletrônicos no
centro-oeste de Minas Gerais

Sobre os Autores
Luciana do Carmo Socorro Nominato é Especialista em Segurança Pública, Polícia Militar de Minas
Gerais. Desenvolve pesquisas relacionadas aos temas de Segurança Pública, inteligência preditiva no
enfrentamento de ataques a caixas eletrônicos, dentre outros. https://orcid.org/0000-0001-9256-4775.

Antônio Hot Pereira de Faria é Doutor em Geografia – Tratamento da Informação Espacial pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Polícia Militar de Minas Gerais. Desenvolve
pesquisas relacionadas aos temas de Segurança Pública, Análise Espacial e Métodos de Análise Espacial
aplicados à Segurança. https://orcid.org/0000-0003-0543-7503.

Diego Filipe Cordeiro Alves é Doutor em Geografia – Tratamento da Informação Espacial pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Desenvolve trabalhos relacionados às temáticas de
Análise Espacial, Sistemas de Informações Geográficas e no desenvolvimento de metodologias de
Análise Espacial aplicadas à Segurança Pública. https://orcid.org/0000-0003-3461-2657.

Recebido: 23 dez. 2020


Aceito: 26 mai. 2021

45

45
46
ISSN 2175-053X ARTIGO

ANÁLISE DO EFEITO TERMINAL DE PROJÉTEIS EM GELATINA BALÍSTICA


VISANDO A UTILIZAÇÃO DE MUNIÇÃO CALIBRE .308 WIN PARA
ATENDIMENTO DE OCORRÊNCIA COM REFÉNS À CURTA DISTÂNCIA

Alcir Amorim Júnior RESUMO: O complexo cenário de uma ocorrência com reféns requer o pleno domínio de
ferramentas operacionais que podem, por vezes, trazer resultados desfavoráveis às vítimas
Polícia Militar de São e terceiros. No momento do caos de um incidente crítico, frações de segundos podem definir
Paulo, São Paulo, Brasil. e- o sucesso ou insucesso de uma missão, na qual o sniper terá pouco tempo para analisar o
mail: alcirjunior@policia cenário e realizar um tiro com segurança. Portanto, ter ferramentas adequadas e mais seguras
militar. sp.gov.br são elementos essenciais para favorecer o processo decisório. Neste sentido, a pesquisa
buscou trazer à discussão a munição de precisão utilizada pelos atiradores de elite do Grupo
Ana Carolina Russo de Ações Táticas Especiais do Estado de São Paulo (GATE). Com um projétil de formato e
peso não condizentes com a distância de operação desses incidentes, temerário é considerado
FUNDACENTRO e o seu emprego, haja vista a sua capacidade de transfixação. Por isso, imprescindível é o
Instituto Mauá de estudo e a busca por uma munição com melhores efeitos em balística terminal, frente às
Tecnologia., São Caetano demandas impostas pelo desafiador cenário urbano. Como o mercado brasileiro,
do Sul, Brasil. e-mail: representado pela empresa Companhia Brasileira de Cartuchos – CBC, não dispõem de tal
ana.russo@maua.br recurso, foi necessária uma busca no mercado internacional por munições indicadas às
aplicações urbanas. De posse dos dados balísticos dessas munições, foram detalhadamente
analisados os seus desempenhos, com o objetivo de subsidiar as empresas no
desenvolvimento de uma munição adequada ou a compra por parte da Polícia Militar do
Estado de São Paulo. Hoje, acredita-se que o protótipo de uma munição com projétil de
125gr, utilizada nos testes em gelatina balística, suprirá esta lacuna do disparo direto, à
curtíssima distância, em ocorrências com reféns.

Palavras-chave: Munição de precisão. Curta distância. Controle pós alvo. Munição para
o ambiente urbano.

ANALYSIS OF THE TERMINAL EFFECT OF PROJECTILES IN


BALLISTIC GELATIN AIMING AT THE USE OF .308 WIN CALIBER
AMMUNITION TO ATTEND THE OCCURRENCE WITH HOSTAGES AT
CLOSE RANGE

ABSTRACT: The complex scenario of a hostage rescue event requires full mastery of
operational tools that can bring unfavorable results to victims and third parties. Being that,
in the moment of chaos, many times, fractions of seconds will define the success or failure
of the missions. Therefore, having adequate and safer tools are essential to favor the
decision-making process. In this sense, knowing the current precision ammunition used by
snipers of the Special Tactical Action Group of the State of São Paulo, with a projectile of
shape and weight not consistent with the operating distance of these incidents; reckless is
the application given its ability to transfix, in a dynamic environment, where the sniper will
have little time to analyze the scene and make a shot safely. Therefore, the study and search
for ammunition with better effects in terminal ballistics, in face of the demands of the urban
scenario is essential to save lives. As in the Brazilian market, represented by the company
Companhia Brasileira de Cartuchos - CBC, they do not have such a resource, it was
necessary to search the international market for ammunition, these indicated for urban
applications. With ballistic data provided, the performance was analyzed, seeking the
development of a product or the direction of purchase by the Military Police of the State of
São Paulo. Today, it is believed that the prototype of ammunition with a 125gr projectile,
used in ballistic gelatin tests, will fill this gap of direct firing, at a very short distance, in
hostage rescue events
Keywords: Precision ammunition. Short range. Post-target control. Ammunition for the
urban environment.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

47
Júnior AA e Russo AC

Introdução
pesquisa teve por objetivo apresentar o estudo técnico realizado pelo Grupo de Ações

A Táticas Especiais (GATE), órgão especializado da Polícia Militar do Estado de São Paulo,
a fim de propor uma solução que atenda às necessidades operacionais atualmente observadas
nas ocorrências com resgate de reféns, quando da utilização do sniper policial para o tiro de
comprometimento à curta distância.
A justificativa para a realização do trabalho tem como base o dados de possível resultado
balístico desfavorável e pelo excesso de transfixação da munição atualmente utilizada, CBC .308 Win
Match HPBT de 168 gr 9 (COMPANHIA BRASILEIRA DE CARTUCHOS, 2018), devido às suas
características (forma e peso do projétil).
Assim como descrito por Oliveira et al. (2009), a equipe de sniper do GATE observou, com
casos práticos, que balística terminal é incerta. Assim, após o projétil atingir o corpo, torna-se difícil ser
assertivo em relação à sua trajetória, portanto é temerário garantir total segurança. Em balística, os
efeitos estarão vinculados às características do projétil (tipo de ponta, peso, velocidade e diâmetro) e ao
tecido atingido (densidade, constituição, forma etc.). Na cabeça, por exemplo, por ter a constituição
circundada por ossos, também ocorrerá a deformação e a fragmentação do projétil. Aprendemos em
1990, a duras penas, que um disparo ascendente na cabeça pode mudar totalmente sua trajetória e causar
uma catástrofe, provocando um desfecho indesejável em uma ocorrência de regate de reféns, como no
caso da Professora Adriana Caringe. Na ocasião, o sniper estava posicionado a 29 metros de distância,
portando o fuzil FN, modelo 3011, com munição do tipo Full Metal Jacket (FMJ) – não se tem registros
de detalhes quanto ao peso.
Em 17 de outubro de 2020 houve outra experiência da capacidade de transfixação da
munição CBC .308 Win Match HPBT de 168 gr, durante o resgate de dois reféns (mãe e filha de colo)
no município de Campinas. Após o causador fazer menção de atentar contra a vida dos reféns, o sniper,
que já tinha ordem de engajamento determinada pelo comandante do incidente, incapacitou o
transgressor. Embora tenha havido uma prévia e criteriosa análise do cenário pelo atirador, o projétil
defletiu aproximadamente 35 graus após perfurar o alvo, vindo a atingir duas paredes, percorrendo cerca
de 05 metros dentro do ambiente, antes da fragmentação total, quando atingiu uma parede no fundo do
cômodo. O sniper estava posicionado a 14 metros do alvo e portava o fuzil Armalite AR10 SuperSASS.
Considerou-se curta distância a operação abaixo dos 150 metros. Entretanto, as ocorrências
atendidas pelo GATE comumente acontecem a uma distância média de 30 metros do posicionamento
do atirador de precisão (distância entre o sniper e o alvo). No ano de 2020, por exemplo, o GATE atuou
em 34 ocorrências, sendo que em 24 delas houve posicionamento do sniper, conforme apresentado na
2 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

48
Análise do efeito terminal de projéteis em gelatina balística visando a utilização de munição calibre .308 win para
atendimento de ocorrência com reféns à curta distância

Tabela 1, que traz a distância média de 36 metros, com desvio padrão de 22,6 metros.
Tabela 1: Distância de posicionamento em ocorrências em 2020

Data Ordem Data


Ordem Cronológica Distância (m) Distância (m)
Ocorrência Cronológica Ocorrência
1 01/jan. 35 18 21/jun. *
2 07/jan. 57 19 22/jul. *
3 09/jan. 12 20 04/ago. 120
4 20/jan. 39 21 09/ago. 29
5 18/mar. * 22 02/set. 22
6 06/abr. 12 23 08/set 27
7 15/abr. 35 24 21/set. *
8 24/abr. 37 25 28/set. 54
9 10/mai. 45 26 30/out. *
10 10/mai. 55 27 19/nov. *
11 11/mai. * 28 19/nov 53
12 13/mai. 34 29 29/nov. 40,5
13 02/jun. * 30 03/dez. *
14 12/jun. 14 31 10/dez. 28
15 12/jun. 25 32 12/dez. 21
16 18/jun. 43 33 15/dez. 12
17 20/jun. 25 34 15/dez. *
Média 36,4 ± 22,6
* Ocorrência sem utilização do sniper
Fonte: (AUTOR, 2020)
Tanto os testes em treinamentos como as atuações reais em campo indicavam para a
necessidade de uma munição com projétil mais leve e com uma ponta expansiva, para aumentar o
controle de danos e erros pós-alvo. Ou seja, uma munição com menor possibilidade de danos colaterais
em ocorrências com reféns, com resultados não favoráveis às possíveis vítimas, dentro do teatro de
operações.
Entre os snipers, observa-se uma preocupação, aparentemente lógica, com a relação entre a
redução de massa do projétil e o efeito desejado da incapacitação instantânea, alcançada como efeito
direto da interação entre projétil e a área específica do cérebro (tronco cerebral - mesencéfalo, ponte e
bulbo), para garantia da incapacidade de efetuar qualquer movimento (MAIO, 1999).
Todavia, estudos mostram a efetividade dos projéteis de alta velocidade (velocidade de boca
de cano acima dos 2000 fps), com efeitos devastadores para o tecido inelástico do cérebro, dentro da
caixa craniana. Ademais, a redução do peso do projétil e sua ponta expansiva, contribuiriam para a
transferência de energia, aumentando a área de seção transversal do projétil, devido à deformação, com
aumento da cavidade permanente e consequente desaceleração do projétil, resultando em menor poder
de transfixação (KARGER, 1995).
3

49
Júnior AA e Russo AC

Metodologia
Metodologia

Em função disso, iniciou-se uma busca para encontrar munições mais leves para o calibre,
com recomendação do fabricante para operação em ambientes urbanos. Apesar de vastas opções de
munições no calibre .308 Win, muitas delas são direcionadas para caça. Trata-se de munições precisas,
já que o calibre em si é preciso, mas sem a garantia de confiabilidade e exatidão exigidas para a função
policial, logo, opções descartadas. Também foram analisados os projéteis das empresas Sierra Bullets,
Nosler, Berger Bullets, porém alguns não foram citados, devido à indicação operacional que diverge do
que é esperado para as missões urbanas, além de não ter sido encontrados dados balísticos que
qualificassem como uma munição adequada a ser usada pelo GATE.
Existe uma grande gama de munições táticas direcionadas ao uso policial, tais como a
munição: 308 Win TAP 110gr TAP (Figura 1) Urban (HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021a).
Tal munição apresentava as seguintes características de performance: rápida expansão, fragmentação
completa, alta cavidade permanente, baixa penetração, ponta de polymer tip e base plana. Coeficiente
balístico da munição: 0,290 – G1.

Figura 1: Munição 308 Win 110gr Tap Urban

Fonte: (HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021a)

A pesquisa continuou em busca de munições direcionadas ao ambiente urbano. Encontrou-


se a munição: .308 Win Swiss P Final SR, conforme Figura 2, (SWISS, [s.d.]), com indicação para
curtas distância, proposta de alto poder de parada, fragmentação total para se evitar danos colaterais e
projetada para missões de curto alcance. Em vez de projétil com ponta de polymer tip, é dotada de ponta
oca, tendo o núcleo de chumbo e revestimento de tombac (liga de cobre e zinco). Coeficiente balístico
da munição: 0,2397 (G1).

4 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

50
Análise do efeito terminal de projéteis em gelatina balística visando a utilização de munição calibre .308 win para
atendimento de ocorrência com reféns à curta distância

Figura 2: Munição .308 Win Swiss P Final SR

Fonte: (SWISS, [s.d.])

Na Figura 3, é apresentada a munição .308 Win Tap 155gr ELD Match Tap Precision,
(HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021a) que tem o formato Bolt Tail e ponta de polímero, o que
garante um bom coeficiente balístico (0,461 – G1) e boa balística terminal, que pode ser traduzida em
grandes cavidades temporária e permanente, além de bom desempenho com vidro (HORNADY LAW
ENFORCEMENT, 2021b).

Figura 3: Munição 308 Win 155gr ELD Match Tap Precision

Fonte: (HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021b)

Também foram encontradas as munições 308 Win Tap 168gr A-MAX Tap Precision
(coeficiente balístico: 0,475 – G1) e a 308 Win Tap 168gr ELD Match Tap Preciscion (coeficiente
balístico: 0,523 – G1), ambas do fabricante Hornady. As duas são muito parecidas, exceto pela diferença
do material de polímero da ponta dessa, mais resistente, que proporciona aumento do coeficiente
balístico, ou seja, um melhor voo do projétil e, consequentemente, maior energia no alvo.
Segundo a descrição do fabricante, a munição 308 Win Tap 168gr A-MAX Tap Precision
(HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021c) vem com a indicação de oferecer melhor controle do
projétil, sem penetração excessiva, além da possibilidade de disparos indiretos. Por isso, foram
considerados apenas os seus dados, até por entender que se aproximam (Figura 4).

51
Júnior AA e Russo AC

Figura 4: Munição 308 Win 168gr A-Max Tap Precision

Fonte: (HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021c)

Direcionada para a produção de munições e acessórios para aplicadores da lei, além de


fabricante e comerciante de marcas confiáveis e sólidas na atividade policial no mundo como Speer LE,
Federal Premium LE, Blackhanwk e Force on Force, a empresa Vista Outdoor traz em seu site
informações importantes, onde é possível encontrar um rol de munições, com comparações e resultados
de testes feitos baseados no protocolo de teste do FBI para munições.

Da Speer LE, encontrou-se a munição Gold Dot Duty Ammunition de 150gr (SPEER
AMMUNITION, [s.d.]). Apesar de a empresa não focar na curta distância, é direcionada ao uso policial,
além de ser um meio de comparação - desempenho em gelatina balística (Figura 5) – em relação a outras
munições com projéteis de peso próximo, mas com formato e tipos diferentes. Essa munição tem a
jaqueta ligada ao núcleo de chumbo, o qual fica exposto, cuja principal função é a manutenção de peso
na balística terminal. Com isso, serão produzidos menos projéteis secundários, além de garantir boa
penetração e expansão para disparos indiretos. Coeficiente balístico da munição: 0,414 (G1).

Figura 5: Munição Gold Duty Ammunition 150gr

Fonte: (VISTA OUTDOOR, [s.d.])

6 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

52
Análise do efeito terminal de projéteis em gelatina balística visando a utilização de munição calibre .308 win para
atendimento de ocorrência com reféns à curta distância

Encontrou-se, também, a munição Tactical Tru 308 Win 168gr da Federal Premium Law
Enforcement (VISTA OUTDOOR, [s.d.]), com a proposta de uma munição no formato boat tail e ponta
de polímero para controle pós alvo,o que confere menor poder de transfixação e maior transferência de
energia. Coeficiente Balístico da munição: 0,49 – G1 (Figura 6).

Figura 6 : Munição Tactical Tru 308 Wi 168gr

Fonte: (VISTA OUTDOOR, [s.d.])

A ideia de se conhecer o desempenho balístico de munições com peso de 168gr, com outro tipo
de ponta, é importante para correlacionar com a munição atualmente utilizada e, com isso, projetar
impactos na balística terminal.
Outra informação é o coeficiente balístico, que nas palavras de Bryan Litz, é a medida de quão
bem o projétil penetra no ar (LITZ, 2015), ou seja, uma medida de desempenho do projétil.
Com base no que se encontrou em munições direcionadas ao uso policial, com garantia de menor
transfixação, fez-se uma comparação dos dados fornecidos de desempenho em gelatina balística (Tabela
2, Tabela 3 e Tabela 4). Procurou-se comparar dados com testes similares, passo de raiamento 1:12’’ e
tamanho do cano de 24’’, padrão previsto pela norma SAAMI Z299.4 (SAAMI, 2015). A munição da
Ruag não dispunha de teste em gelatina, por isso não se encontra na tabela.

Tabela 2: Velocidade (FPS) dos projéteis de diferentes fabricantes

Gold D. 308 308 Win


Comprimento 308 Win 308 Win T Tact T 308 Gold 308
Win Win 168 g A-
(jardas) T110 g TU 155 g ELD Win 168 g Win 168 g
150 g Max
0 3187 2820 2785 2676 2650 2650
100 2851 2600 2589 2490 2470 2460
200 2539 2391 2401 2312 2298 2277
300 2248 2191 2220 2141 2132 2103
400 1976 2001 2048 1977 1974 1936
500 1726 1821 1883 1822 1822 1778
Fonte: (HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021a, 2021b, 2021c; VISTA OUTDOOR, [s.d.] modificado)

53
Júnior AA e Russo AC

Tabela 3: Energia (FT LBS) dos projéteis de diferentes fabricantes

Gold D. 308 308 Win


Comprimento 308 Win 308 Win T Tact T 308 Gold 308
Win Win 168 g A-
(jardas) T110 g TU 155 g ELD Win 168 g Win 168 g
150 g Max
0 2481 2648 2669 2671 2619 2619
100 1985 2252 2306 2313 2276 2257
200 1574 1903 1983 1994 1969 1935
300 1234 1599 1696 1710 1696 1650
400 954 1333 1443 1459 1453 1398
500 727 1104 1221 1238 1238 1179
Fonte: (HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021a, 2021b, 2021c; VISTA OUTDOOR, [s.d.] modificado)

Tabela 4: Penetração e expansão máxima em cavidade temporária em gelatina


balística utilizando projéteis de diferentes fabricantes

Testes em Gold D. 308 308 Win


308 Win 308 Win T Tact T 308 Gold 308
gelatina Win Win 168 g A-
T110 g TU 155 g ELD Win 168 g Win 168 g
balística 150 g Max
Penetração total 25,4 45,08 34,92 36,19 35,56 50,8
( )
Exp. Máx. cav. 15,24 25,9 15,24 16,51 17,19 18,8
T ( )
Fonte: (HORNADY LAW ENFORCEMENT, 2021a, 2021b, 2021c; VISTA OUTDOOR, [s.d.] modificado)
Para efeito de comparação, foram destacadas as velocidades, energias, penetração total em
gelatina balística e a expansão máxima da cavidade temporária em gelatina balística.
A última munição comparada é a Gold Medal 308 Win 168gr Federal Premium Law
Enforcement, coletou-se os dados dessa munição, pois ela tem o mesmo projétil utilizado pela munição
fabricada pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) na fabricação da CBC .308 Win Match HPBT
de 168 gr, o Sierra Matchking Hollow Point Boat Tail (HPBT). Então, como não se tinha os dados
fornecidos pela CBC, utilizamos os dados da Vista Outdoor (VISTA OUTDOOR, [s.d.]).
Fazendo uma análise, tem-se o dobro de penetração, que é relacionado com o poder de
transfixação do projétil. Seguindo a graduação dos pesos, vemos que os projéteis com pontas de polymer
tip, tem uma capacidade muito maior de transferência de energia e, portanto, menor transfixação.
Após os dados coletados, sabendo das características das ocorrências, ou seja, disparo a uma
distância média de 30 metros, direto e em um ponto específico da cabeça, ficou estabelecido,
inicialmente, que precisávamos de uma munição de precisão com peso de 110gr a 155gr, com ponta de
polímero, já que, além do coeficiente balístico melhor, tem melhor desempenho terminal. A princípio,
descartou-se a munição de 168gr, devido a sua maior penetração e indicação, apesar de ressaltada a
menor transfixação, para disparos indiretos. A partir daí o objetivo foi alinhar compras ou um possível
desenvolvimento de munição que antedesse a demanda com a CBC.
O primeiro passo foi a solicitação formal de dados técnicos da munição CBC .308 Win

8 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

54
Análise do efeito terminal de projéteis em gelatina balística visando a utilização de munição calibre .308 win para
atendimento de ocorrência com reféns à curta distância

Match HPBT de 168 gr, feita em 22 de março de 2018. A empresa foi instada a emitir um Protocolo
Técnico Policial, nos moldes do Protocolo do FBI; além de ser questionada da indicação de uso da
munição e sua viabilidade de aplicação em ocorrências de resgate de reféns; por fim, questionada se
possuía munições de precisão com projéteis mais leves (de 110gr a 155gr) e expansivos em seu portfólio.
Tal solicitação desencadeou uma reunião, sendo apresentada a necessidade da munição. Tão
logo, um Gerente Comercial da empresa CBC, Sr. João Sanches, apresentou a possibilidade de montar
um protótipo com um projétil de 125gr do tipo Tipped MatchKing (TMK) da empresa Sierra Bullets,
com ponta de polímero, como informa o fabricante, de resina de acetil, projetada para alta precisão e
desempenho terminal, e, com isso, viabilizar testes em gelatina balística.

Em 23ABR19, uma comissão de formada por atiradores de precisão do GATE compareceu


ao estande externo do laboratório balístico da CBC em Ribeirão Pires para análise e registro do
desempenho balístico.

Dados gerais do teste em estande


Os disparos realizados a distâncias de 20 e 50 metros (Figura 7) com armamento próprio do
GATE (Figura 8), com o foco de conhecer o efeito terminal dos projéteis em gelatina balística (Figura
9).
Figura 7: Sniper posicionado a 50 metros

Fonte: (AUTOR, 2018)

Figura 8: AR 10 SuperSASS

Fonte: (AUTOR, 2018)


9

55
Júnior AA e Russo AC

Com objetivo de simular o efeito do disparo indireto, foi realizado 01 (um) disparo com
pano pesado a 50 metros (Figura 10), utilizando a munição de 125gr.
Importante frisar que na maioria dos testes realizados para a análise de munição é tomado
como base o protocolo do FBI para armas curtas, onde são realizados diversos disparos indiretos a 3
metros, tendo como corpo de prova panos pesados, chapas de metais, para-brisa de veículos etc. Porém,
neste teste específico, buscava-se o conhecimento do poder de transfixação dos projéteis utilizados e
dos protótipos de munições mais leves da CBC, na gelatina balística, tendo como referência o que as
munições citadas na introdução apresentam.
Outra observação, poderíamos nos ater a outros detalhes balísticos, como peso retido, por
exemplo, mas como não conseguimos concentrar esses dados, atemos simplesmente à transfixação e
diâmetro da cavidade temporária, tendo como referência o que as munições disponíveis no exterior,
direcionadas ao trabalho policial e com a indicação de aplicação ao ambiente urbano, fazem nesse
sentido.
Figura 9: Gelatina balística bruta Figura 10: Gelatina balística com pano

pesado

Fonte: (AUTOR, 2018) Fonte: (AUTOR, 2018)

A Tabela 5 apresenta a relação de munições avaliadas no presente estudo.


Tabela 5: Munições avaliadas no trabalho

Munições avaliadas Observação


CBC 308WIN HPBT 168GR item de linha
CBC 308WIN HPBT 175GR item desenvolvido aguardando avaliação do Exército
CBC 308WIN EXPT 150GR item de linha
308WIN TMK 125GR munição de protótipo
308WIN TMK 168GR munição de protótipo
Fonte: (AUTOR, 2018)

Resultados e Discussão
Aqui se faz necessário relembrar o objetivo do disparo: a incapacitação instantânea, ou seja,
o disparo no ponto específico, que destruirá o cérebro do infrator. O que foi visto foi a reprodução do
10 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

56
Análise do efeito terminal de projéteis em gelatina balística visando a utilização de munição calibre .308 win para
atendimento de ocorrência com reféns à curta distância

que já afirmado, projéteis mais leves e expansivos, devido a energia e deformação, penetram menos,
iniciam a fragmentação antes, sendo assim, mais indicados ao cenário proposto.

Resultados consolidados

A tabela Tabela 6 tem os dados das munições, com seu peso em grains (gr), modelo (Tipped
MatchKing – TMK, Expansivo Pontiagudo – EXPT e Hollow Point Boat Tail - HPBT), início da
expansão da cavidade permanente em centímetros (distância que percorreu na gelatina para começar a
expandir), comprimento total da cavidade temporária, diâmetro da cavidade temporária, com quantos
centímetros começou a fragmentar, penetração total e, nas observações, a distâncias que foi o tiro e se
estava com tecido.
Tabela 6: Resultados em gelatina balística
INCIO DA CAVIDADE CAVIDADE
PROJÉTIL FRAG PENETRAÇÃO
MUNIÇÃO MODELO EXPANSÃO TEMPORÁRIA TEMPORÁRIA OBSERVAÇÃO
(GR) (CM) TOTAL (CM)
(CM) TOTAL (CM) Ø (CM)

308 125 TMK IMEDIATO 16,5 12,5 5 25 50 M


308 125 TMK IMEDIATO 18 10 6 28 50 M C/TEC
308 125 TMK IMEDIATO 15 13 17 31 20 M
308 150 EXPT 1 24 14 10 45 50 M
308 168 TMK 2,5 16,5 13 13,5 32 50 M
308 168 HPBT 12 23 15 14 59 50 M
308 175 HPBT 11 20,5 12,5 13 40 50 M

Fonte: (AUTOR, 2018)

Com relação aos diâmetros das cavidades permanentes, não se encontra diferenças
extremamente relevantes com as munições TMK, exceto pela penetração da munição mais leve, que foi
menor. A munição de 150gr EXPT tem uma capacidade de transferência de energia, inicia a cavidade
permanente após 1 centímetro de penetração, mas tem a maior extensão de cavidade permanente
relativamente maior e uma penetração grande, se comparada as munições TMK.
As munições do tipo HPBT, percorrem de 11 a 12 centímetros para começarem a se
expandir, relacionado ao tipo de ponta e energia que esses projéteis possuem.

Imagens dos resultados balísticos em gelatina balística.


A Figura 11 apresenta o resultado da munição CBC .308 Win 125gr, disparada a 50 metros
da gelatina balística.

11

57
Júnior AA e Russo AC

Figura 11: Disparo a 50 metros com 125gr TMK

Fonte: (AUTOR, 2018)

Como pode ser observado na Figura 11, houve início da expansão imediata da cavidade
temporária, sendo o projétil que teve a menor penetração total.
A Figura 12 apresenta o resultado da munição CBC .308 Win 125gr, disparada a 50 metros, com
pano pesado à frente da gelatina balística.
Figura 12: Disparo a 50 metros com 125gr TMK em pano pesado

Fonte: (AUTOR, 2018)

Como pode ser observado na Figura 12, o início da expansão da cavidade temporária é
imediato, penetrando um pouco mais do que o tiro direto na gelatina. O objetivo principal deste teste é
simular um disparo indireto e registrar o comportamento na gelatina balística.
A Figura 13 apresenta o resultado da munição de 125gr, disparada a 20 metros da gelatina
balística.
Figura 13: Disparo a 20 metros com munição 125gr TMK

Fonte: (AUTOR, 2018)

12 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Análise do efeito terminal de projéteis em gelatina balística visando a utilização de munição calibre .308 win para
atendimento de ocorrência com reféns à curta distância

Como pode ser observado na Figura 13, houve início da expansão imediatamente, maior
extensão e menor diâmetro da cavidade temporária, se comparado ao que a mesma munição fez a 50
metros, o que é justificado pela maior energia na distância registrada, tendo, portanto, maior penetração
(31 cm), porém, praticamente a metade do que a munição de 168gr (atualmente utilizada) fez a 50
metros, conforme observado na Tabela 6. A Figura 14 apresenta o resultado da munição de 150gr,
disparada a 50 metros da gelatina balística.
Figura 14: Disparo a 50 metros com munição 150gr EXPT

Fonte: (AUTOR, 2018)

Como pode ser observado na Figura 14, houve início da expansão pós 1 centímetro de
penetração, porém, uma grande penetração (45 cm). Se compararmos com munição mais pesada (168gr
TMK) com ponta de polímero, conforme dados compilados na Tabela 6, penetra 13 centímetros a mais.
A Figura 15 apresenta o resultado da munição de 168gr TMK, disparada a 50 metros da
gelatina balística.

Figura 15: Disparo a 50 metros com munição 168gr TMK

Fonte: (AUTOR, 2018)

Como pode ser observado na Figura 15, houve início da expansão pós 2,5 centímetros de
penetração, com uma penetração total de 32 centímetros, ou seja, 27 centímetros a menos que a munição
de 168gr HPBT, utilizada atualmente nas ocorrências de reféns em São Paulo. Uma demonstração como
o formato da ponta e constituição do projétil são determinantes na balística terminal.
13

59
Júnior AA e Russo AC

A Figura 16 apresenta o resultado da munição de 168gr HPBT, disparada a 50 metros da


gelatina balística.

Figura 16: Disparo a 50 metros com munição 168gr HPBT

Fonte: (AUTOR, 2018)

Como pode ser observado na Figura 16, houve início da expansão pós 12 centímetros de
penetração, com uma penetração total de 59 centímetros. Essa foi a munição com maior penetração do
teste, sendo uma munição com grande capacidade de transfixação.
A Figura 17 apresenta o resultado da munição de 175gr HPBT, disparada a 50 metros da
gelatina balística.

Figura 17: Disparo a 50 metros com munição 175gr HPBT

Fonte: (AUTOR, 2018)


Como pode ser observado na Figura 17, houve início da expansão pós 11 centímetros de
penetração, com uma penetração total de 40 centímetros. O teste foi realizado com essa munição para
se avaliar o comportamento e discutir possibilidades de aplicação ulterior.

Parecer técnico da CBC

Por fim, a CBC emitiu um relatório, através do qual o engenheiro da CBC, que acompanhou
os testes descritos, afirmou em sua conclusão técnica de que a munição .308 Win 125gr TMK é aquela
que apresenta maior velocidade de expansão e de transferência de energia. Além disso, por ser um
projétil leve para o calibre (125gr), sua tendência é de penetrar menos nos meios testados, como pôde
ser observado. Logo, dentre as munições apresentadas, é a que apresentaria menor risco de danos
colaterais por excesso de penetração/transfixação.
14 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

60
Análise do efeito terminal de projéteis em gelatina balística visando a utilização de munição calibre .308 win para
atendimento de ocorrência com reféns à curta distância

Conclusão
O Estudo Técnico evidenciou diversos aspectos balísticos relacionados ao peso e forma dos
projéteis, com resultado direto no poder transfixação e transferência de energia;
Sabe-se que o peso do projétil implica diretamente na transfixação devido a energia cinética,
sendo que, a utilização de uma ponta expansiva, implicará nas cavidades temporária e permanente,
devido a deformação e a fragmentação, com isso, auxiliando com o problema do excesso de
transfixação.
O estudo corrobora com a proposição de uma munição com um projétil mais leve e com
ponta expansiva de polymer tip; no caso a munição de 125gr que a Companhia Brasileira de Cartuchos
montou como protótipo para teste.
Frisa-se o objetivo do estudo foi direcionar a compra ou o desenvolvimento de uma munição
de precisão a ser usada no calibre .308, nas ocorrências de resgate de reféns, as quais se caracterizam
pelo disparo direto, na curta distância. No caso, a referida munição, não é indicada para os disparos
indiretos.
A gelatina balística é um meio de comparação de desempenho de munições, não sendo a
representação do que ocorrerá no corpo humano, devendo, portanto, a munição a ser adquirida,
submetida a testes em outros corpos de provas.
Duas coisas a serem observadas, primeiro relacionada ao peso do projétil. Apesar da
indicação do projétil de 125gr da Sierra Bullets de forma objetiva decorrente dos testes, entendemos
que, possivelmente, os projéteis com peso entre 110gr até 155gr atingiria os objetivos do presente
trabalho (uma munição com grande poder de transferência de energia e pouca transfixação), com base
na pesquisa realizada. Segundo com relação ao material expansivo da ponta, sendo taxativo que a ponta
deve ser de polymer tip, já que foi observado nos testes que a munição .308 Win 150gr EXPT, Soft
Point, com ponta expansiva de chumbo, apesar de transferir mais energia durante a penetração, ainda
tem muito poder de transfixação.

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15

61
Júnior AA e Russo AC

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Precision. Power. Made in Switzerland. Disponível em: <https://www.swiss-p.com/en/Products/308-Win-
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VISTA OUTDOOR. Law Enforcement - Federal Premium LE, Speer LE, BLACKHAWK!, Eagle - Rifle
Details. Disponível em: <https://le.vistaoutdoor.com/ammunition/federal/rifle/details.aspx?id=1004>. Acesso
em: 13 jan. 2021.

Sobre os Autores
Alcir Amorim Junior possui graduação em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de
Polícia Militar do Barro Branco, graduação em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul e graduação em
Administração de Empresas pelas Faculdades Integradas Campos Salles. Atualmente é 1° Tenente da PMESP.
Desde 2016 trabalha no Grupo de Ações Táticas Especiais, onde é o Comandante da Equipe de SNIPER.
https://orcid.org/0000-0003-1484-1356.

Ana Carolina Russo possui graduação em Engenharia Ambiental pela UNESP, mestrado em Tecnologia Nuclear
pelo IPEN/USP e doutorado em Engenharia de Infraestrutura Aeronáutica ITA. Atualmente é pesquisadora
visitante na FUNDACENTRO e professora do Instituto Mauá de Tecnologia. https://orcid.org/0000-0003-0276-
1690.

Recebido: 31 jan. 2021


Aceito: 26 mai. 2021

16 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

62
ISSN 2175-053X ARTIGO

IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E ADMINISTRATIVAS DA APLICAÇÃO DA


PENA DE SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DO POSTO, GRADUAÇÃO, CARGO
OU FUNÇÃO

Leonardo Ferreira Borges RESUMO: Este artigo aborda as implicações jurídicas e administrativas da
aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
Universidade de Brasília (UnB), função prevista no Código Penal Militar brasileiro aplicável aos militares,
Brasília, Brasil. E-mail: partindo da constatação de uma possível tendência de aplicação desta
tutant09@yahoo.com.br reprimenda, no âmbito da Auditoria Militar do Distrito Federal, em razão da
recorrência da aplicação desta pena em condenações. O artigo analisa a
Leandro Silva Antunes legislação penal militar que rege as polícias e corpos de bombeiros militares
estaduais e do Distrito Federal e as instituições das Forças Armadas, cotejando
Instituto Superior de Ciências quesitos como antiguidade, contagem de tempo de serviço, uso da farda,
Policiais (ISCP/PMDF), Brasília, impactos na remuneração e a possibilidade de frequentar cursos. Conclui-se que
Brasil. E-mail: emaildoleandro a pena de suspensão alcança seu objetivo, ao trazer para os apenados impactos
antunes@gmail.com que demonstram justa reprovação à conduta, incidindo na carreira militar.
Aponta-se também a escassez de estudos no ramo do Direito Penal Militar, em
que pese a existência de instâncias da Justiça Militar em todas as Unidades
Federativas e da União e de um considerável número de indivíduos sujeitos aos
seus preceitos e balizes.

Palavras-chave: Justiça militar. Pena de suspensão. Restrição de direitos.


Conselho de Justiça.

LEGAL AND ADMINISTRATIVE IMPLICATIONS OF THE


APPLICATION OF THE SUSPENSION PENALTY FOR THE
EXERCISE OF MILITARY RANK, POSITION AND FUNCTION

ABSTRACT:This article addresses the legal and administrative implications of


the application of the penalty of suspension from the exercise of the military
rank, position or function provided for in the Brazilian Military Penal Code
applicable to the military. Starting from the finding of a possible trend in the
application of this reprimand within the scope of the Military Audit of the
Federal District due to the recurrence of the application of this penalty. This
article analyzes the current military criminal legislation, that governs the state
military police and firefighters and the Brazilian Armed Forces, comparing
issues such as military seniority, counting the length of service, wearing of
uniform, impacts on remuneration and the possibility of attend courses. It is
concluded that the penalty of suspension achieves its objective by bringing to
the sentenced impacts that demonstrate a just disapproval of the conduct,
affecting the military career. It is also pointed out the scarcity of studies in the
field of Military Criminal Law, despite the existence of instances of Military
Justice in all Brazilian states and Union and a considerable number of individuals
subject to its precepts.
Keywords: Attacks on ATMs. Principal component analysis. Crime.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

63
Borges LF e Antunes, LS

Introdução
Direito Penal Militar é, segundo Roth (2006), um dos mais especializados e antigos ramos do

O Direito brasileiro, no entanto, tal área do conhecimento é pouco estudada e difundida nas escolas
de Direito. Isso reflete em raras produções científicas no campo da Justiça Militar e das suas
particularidades no Brasil (ARAÚJO, 2008). Historicamente, a Justiça Militar brasileira é constituída
como um tipo de “foro híbrido, caracterizado pelo encontro de dois mundos: o militar e o jurídico”
(SOUZA; SILVA, 2016, p. 316).
As ações penais militares são competências da Justiça Militar, conforme estabelecido, na
Carta Magna brasileira, que as distingue e define. No âmbito das Forças Armadas, a Justiça Militar da
União é competente para processar e julgar, além de militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
também os civis por crimes previstos na legislação castrense (BRASIL, 1988, art. 124). Já no âmbito
das Unidades Federativas, as justiças militares estaduais e do Distrito Federal são competentes para
processar e julgar militares dos corpos de bombeiros e polícias militares (BRASIL, 1988, art. 125, §§ 4º
e 5o).
O parágrafo 3o do art. 125 estabelece a possibilidade de criação de Tribunal de Justiça Militar
nos Estados, quando o efetivo de militares for superior a vinte mil integrantes (BRASIL, 1988, art. 124,
§ 3o). Todavia, apenas os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul possuem tribunais
militares estaduais. Enquanto nos demais estados, a justiça militar vincula-se aos respectivos tribunais
de justiça (ROTH, 2003; STM, 2019). No Distrito Federal, a Auditoria Militar do Distrito Federal
(AMDF) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) é a instância judiciária
competente para processar e julgar os militares da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e do Corpo
de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF).

O repertório legal castrense é ainda composto por legislação penal militar específica:
Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, Código Penal Militar – CPM (BRASIL, 1969a); Decreto-
lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969; e Código de Processo Penal Militar - CPPM (BRASIL, 1969b).
E tal como ocorre no Direito Penal comum, Coimbra Neves e Streifinger (2012) asseveram que as
normas penais militares podem ser divididas em materiais ou substantivas, que são aquelas que
codificam, isto é, que descrevem os fatos típicos, tal como no CPM; e formais ou adjetivas, aquelas que
regulam o processo, o CPPM. Os autores, todavia, destacam que o que está previsto no art. 263 do CPPM
é uma intersecção que enseja, em sobreposição conceitual, a divisão que permanece, ainda assim, útil
para resolução de questões que remetam à retroatividade da lei penal.

Há ainda dispositivos eivados de polêmica, tais como a Lei 13.491/17 (BRASIL, 2017), que

2 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

64
Implicações jurídicas e administrativas da aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função

alterou o art. 9º do CPM e foi recebida com duras críticas por operadores jurídicos, como as de Gomes
e Mariú (2018), segundos os quais, é completamente incompatível com a expansão da competência da
Justiça Militar em processar e julgar crimes cuja competência originária encontra-se consolidada e
garantida na conceituação do juiz natural. Tal lei ainda foi seriamente criticada por Lopes Júnior (2018),
o qual atribui à Justiça Militar da União, em detrimento do Tribunal do Júri, a competência para processar
e julgar crimes dolosos contra a vida, eventualmente, praticados contra civis por militares federais, por
ocasião de operações de garantia da lei e da ordem, o que, ainda segundo o autor, é “um absurdo jurídico
muito mal formulado pelos legisladores brasileiros”.

A esse respeito, Cruz (2020, p. 607) afirma que a alteração atinge frontalmente o princípio
da igualdade, dando tratamento diferenciado e injustificável a militares das Forças Armadas e estaduais
“que podem, inclusive, trabalhando em operação conjunta, serem submetidos a juízos totalmente
distintos”. A autora também assevera que a alteração além de ter estendido a competência da justiça
militar, extrapolou os bens jurídicos tutelados por ela. Observe-se, contudo, que a Lei 13.491/17 não
trouxe alterações em relação aos crimes dolosos contra a vida praticados por policiais ou bombeiros
militares, mantendo-se inalterada a competência do Tribunal do Júri prevista no art. 9º, §1º do CPM.

O presente artigo, dessa forma, tem como objetivo geral cotejar os quesitos da pena de
suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função, previstos nos artigos 55 e 64 do CPM
(BRASIL, 1969a). Examinando-se, assim, as formas de execução e as consequências jurídicas e
administrativas da condenação e cumprimento da referida reprimenda.

Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o objeto de estudo, bem como a
análise dos dispositivos castrenses vigentes e da jurisprudência. Para a composição do corpus da presente
pesquisa, foi realizada a busca pelo termo “pena de suspensão” no site do Diário Oficial do Distrito
Federal (DODF), delimitando-se ao recorte temporal de 2015 a 2020. Foram encontradas, dessa maneira,
quatro publicações relacionadas à pena de suspensão do posto, que variaram entre três e sete meses.
Todos os condenados eram oficiais integrantes da PMDF, réus em processos diferentes. Tal resultado
pode representar uma tendência da AMDF. Outra busca, usando-se as mesmas palavras-chave, foi
realizada no acervo jurisprudencial do Superior Tribunal Militar (STM), na qual fora encontrado um
único caso de condenação de oficiais da Marinha do Brasil com a aplicação da pena de suspensão do
posto, porém, em julgamento ocorrido no ano de 2005.

No âmbito de décadas de previsão da pena de suspensão nos dispositivos penais castrenses,


pouco se conhece a respeito dos efeitos da imposição deste tipo específico de reprimenda penal. A
presente pesquisa, então, esforça-se para responder à pergunta norteadora: quais são as consequências
3

65
Borges LF e Antunes, LS

práticas (jurídicas e administrativas) da aplicação da pena de suspensão do posto, graduação, função e


cargo? À parte da busca empírica limitar-se aos julgados da AMDF, o tema é abrangente, já que a
reprimenda penal, escopo deste artigo, é aplicável a militares estaduais e das Forças Armadas de todo o
país, regidos pelos mesmos dispositivos penais, em sua maior parte, similares.

A Pena de suspensão ao exercício do posto, graduação cargo ou função e o


Direito Penal Militar no Brasil

O Conselho de Justiça

A Emenda Constitucional n° 45 de 2004 estabeleceu a competência dos juízes de direito do


juízo militar, isto é, um juiz togado, para processar e julgar singularmente os crimes militares cometidos
contra civis, além das ações judiciais contra condutas disciplinares de militares. A emenda reiterou a
competência do Conselho de Justiça que, sob a presidência de um juiz de direito do juízo militar,
processará e julgará os demais crimes militares (BRASIL, 2004, art. 124, §5º).
O Conselho de Justiça é um colegiado do tipo escabinato composto por um juiz togado,
presidente do conselho, e de quatro juízes militares temporários sorteados, em que todos votam
igualmente. As deliberações e decisões do Conselho, refletem em juízo de reprovação do fato típico, ao
propiciar que o julgamento de militares seja feito por seus pares, em teoria, indivíduos mais
familiarizados e capazes de escrutinar as circunstâncias que envolvem o exercício laboral e, por isso
mesmo, com melhores repertórios avaliativos a respeito da conduta criminosa praticada por seus
congêneres (NEVES; STREIFIGNER, 2014).
O Conselho de Justiça tem características sui generis podendo ser tanto Conselho
Permanente de Justiça (CPJ) para processar e julgar crimes militares cometidos pelas praças (e civis,
eventualmente), quanto Conselho Especial de Justiça (CEJ) formado para casos que envolvam oficiais.
Se no caso do CPJ os juízes militares são sorteados e renovados para atuarem por tempo certo, não se
vinculando aos processos, no CEJ os juízes militares atuam especificamente no processo para o qual
foram sorteados. Trata-se, neste último caso, do princípio da identidade física do juiz em que o CEJ se
extinguirá apenas com a decisão final do processo (ASSIS, 2008, p. 184). Além disso, enquanto o juiz-
auditor é um magistrado de carreira, investido por concurso público, togado, dotado das prerrogativas e
garantias constitucionais (BRASIL, 1988, art. 94), os juízes militares são investidos na função, por meio
de sorteio entre os oficiais elegíveis em lista elaborada pelas forças militares, e não no cargo. Os juízes
militares são, durante a reunião do Conselho de Justiça, juízes de fato, não gozando, entretanto, das
prerrogativas afetas aos magistrados de carreira.

4 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

66
Implicações jurídicas e administrativas da aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função

No Conselho de Justiça castrense, após os debates entre o representante do Ministério


Público e o advogado de defesa, os cinco juízes votam alternadamente sendo o primeiro o juiz de direito
e depois os juízes militares, do mais moderno para o mais antigo (BRASIL, 1969b, art. 435). Desta tal
maneira, o voto técnico é proferido pelo juiz togado e os demais votos são proferidos com os
posicionamentos e convicções formadas pelos juízes militares, independentemente uns dos outros
(ASSIS, 2018), assegurando-se a imparcialidade e independência de cada um deles (ASSIS, 2008).
Pressupõe-se que o voto técnico do juiz de direito norteará os votos dos juízes militares que,
fundamentadamente, podem discordar como previsto no art. 438 do CPPM.
Em se seguindo fielmente os princípios norteadores da Justiça Militar, ornados pela
imparcialidade e sob os preceitos inderrogáveis da lei, com base nas provas e nos fatos, as deliberações
do colegiado de juízes do Conselho de Justiça (permanente ou especial) são, pode-se dizer, as mais
próximas da decisão justa (ROTH, 2003; ARAÚJO, 2006).

Das penas previstas no Código Penal Militar Brasileiro

O Direito Penal Militar brasileiro é marcado pela previsão de pena extremamente severa,
como é o caso da pena capital, aplicável nas hipóteses de crimes militares praticados em tempo de guerra
e outras mais brandas. Semelhante ao que ocorre no Direito Penal comum, as penas são sanções impostas
pelo Estado que exerce seus poderes e prerrogativas por intermédio de suas estruturas judiciárias e
administrativas, aplicando reprimendas, em tese, sempre compatíveis com os delitos. A legitimidade
coaduna-se com a legalidade dos ordenamentos estatuídos, uma lógica própria do Estado de direito
(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998).
Há dois fundamentos em relação à imposição de uma pena no CPM (BRASIL, 1969a): o
preventivo/exemplificativo, pelo qual se espera que outras pessoas percebam que o cometimento de
conduta semelhante acarretará a mesma sanção, servindo assim como exemplo; e o fundamento
retributivo, pelo qual, em face do mal causado à sociedade, o condenado terá um mal legal imposto pelo
Estado.
Orientados pela letra do art. 69 do CPM, considerando o necessário e suficiente para
demonstração da reprovabilidade e prevenção do crime, considerando ainda o disposto no art. 59, II, do
Código Penal, os juízes definem a pena privativa de liberdade, para em seguida fixarem o regime de
cumprimento inicial e aplicação da suspensão da execução prevista no art. 84 do CPM, quando for o
caso. As circunstâncias judiciais são parâmetros vinculantes e condicionadores da aplicação da pena
pelo juiz, dando limite à sua discricionariedade (SHECAIRA; CORRÊA Jr., 2002), servindo-se ainda os
juízes do juízo militar, de critérios subjetivos previstos no art. 33 do Código Penal (BRASIL, 1940),
5

67
Borges LF e Antunes, LS

dada a ausência da previsão de regimes prisionais no CPM.


Borges (2019) defende que, no Direito Militar, praticamente não há distinção no
cumprimento das penas de reclusão e detenção. A reclusão, em teoria, seria mais grave, por se tratar de
quantitativo, podendo variar de 1 a 30 anos. Enquanto a detenção pode variar entre 30 dias a 10 anos,
de acordo com o art. 58 do CPM (BRASIL, 1969a). Ambas as penas podem ser convertidas em prisão,
quando forem iguais ou inferiores a 2 anos (BRASIL, 1969a, art. 59).
No CPM (BRASIL, 1969a), há uma divisão entre penas principais (aquelas previstas no tipo
penal castrense) e penas acessórias (aquelas que complementam o direito de punir do Estado). As penas
principais classificam-se em: pena privativa da vida, aquela que cerceia o direito à vida; penas privativas
de liberdade, aquelas que cerceiam o direito de ir e vir; e as penas restritivas de direito, que, conforme o
próprio nome induz, restringem algum direito ao condenado.
Dentre as penas principais, conforme assinala o artigo 55 do CPM (BRASIL, 1969a),
encontra-se na alínea “f”, a pena de suspensão ao exercício do posto graduação, cargo ou função:
Art. 55. As penas principais são:
a) morte;
b) reclusão;
c) detenção;
d) prisão;
e) impedimento;
f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função;
g) reforma.
É mister esclarecer os termos contidos na alínea “f” do art. 55. Posto é o grau hierárquico do
Oficial, conferido por ato do Governador do Distrito Federal e confirmado em Carta Patente. Por sua
vez, graduação, é o grau hierárquico da Praça, conferido pelo Comandante-Geral da Corporação
(BRASIL, 1984, art. 15, §§ 1º e 2º). No Estatuto dos Militares (BRASIL, 1980, art. 16, §§ 1º e 3º), tanto
o posto como a graduação possuem conceitos similares.
Enquanto o cargo policial militar é um conjunto de deveres e responsabilidades cometidos
ao policial militar em serviço ativo, a função policial militar é o exercício das obrigações inerentes do
cargo policial militar (BRASIL, 1984, art. 21 e 24). Os mesmos vocábulos estão explicitados no Estatuto
dos Militares (BRASIL, 1980, art. 20 e 22) com similar conceituação.
Necessário se faz recorrer às observações de Saraiva (2014), que assinala que as
terminologias dos dispositivos militares se diferenciam dos conceitos do Direito Administrativo comum.
Se na Administração Pública há função sem cargo, na Gestão Militar, esse fato não ocorre. Em essência,
um cargo militar decorre do posto ou da graduação do sujeito, parece então razoável crer que a pena de
suspensão aplicada aos militares é apenas a referente ao posto ou graduação, sendo que aos servidores
civis a suspensão alcançaria o cargo ou a função pública que exercem.
O artigo 64 do CPM (BRASIL, 1969a) detalha melhor a sanção de suspensão e seu parágrafo
6 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

68
Implicações jurídicas e administrativas da aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função

único prevê sua aplicabilidade, por conversão, a militar não mais da ativa:

Art. 64. A pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função consiste na
agregação, no afastamento, no licenciamento ou na disponibilidade do condenado, pelo tempo
fixado na sentença, sem prejuízo do seu comparecimento regular à sede do serviço. Não será
contado como tempo de serviço, para qualquer efeito, o do cumprimento da pena.

Caso de reserva, reforma ou aposentadoria

Parágrafo único. Se o condenado, quando proferida a sentença, já estiver na reserva, ou


reformado ou aposentado, a pena prevista neste artigo será convertida em pena de detenção, de
três meses a um ano.

O verbo suspender é utilizado como sinônimo de interromper temporariamente ou privar


provisoriamente do exercício de um cargo e respectivas vantagens (ASSIS, 2018). Notoriamente, o
artigo 64 se refere a posto ou graduação, motivo pelo qual, a partir daí, depreende-se ser uma pena
aplicável tanto aos oficiais quanto às praças.
O parágrafo único do artigo 84 do CPM (BRASIL, 1969a) aduz que não se pode conceder a
suspensão condicional da pena, isto é, não se aplica o sursis para a pena de suspensão:
Art. 84 - A execução da pena privativa da liberdade, não superior a 2 (dois) anos, pode ser
suspensa, por 2 (dois) anos a 6 (seis) anos, desde que:
I - o sentenciado não haja sofrido no País ou no estrangeiro, condenação irrecorrível por outro
crime a pena privativa da liberdade, salvo o disposto no 1º do art. 71;
II - os seus antecedentes e personalidade, os motivos e as circunstâncias do crime, bem como sua
conduta posterior, autorizem a presunção de que não tornará a delinquir.
Restrições
Parágrafo único. A suspensão não se estende às penas de reforma, suspensão do exercício do
posto, graduação ou função ou à pena acessória, nem exclui a aplicação de medida de segurança
não detentiva.

Explicitamente, o CPM (BRASIL, 1969a) positiva também o prazo de 04 anos para


prescrição da pena de suspensão, conforme caput do art. 127:
Art. 127. Verifica-se em quatro anos a prescrição nos crimes cuja pena cominada, no máximo, é
de reforma ou de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função.

Abrangência e implicações da pena de suspensão do posto ou da graduação

No Brasil, de modo geral, prevalece “uma tendência histórica de privilegiar a utilização de


critérios subjetivos, ligados à pessoa do condenado, quanto à aplicação da pena” (TEIXEIRA, 2015),
com isso, a imposição da pena de suspensão parece não possuir critérios objetivos específicos, cabendo
ao Conselho de Juízes a decisão colegiada.
Em análise de versões anteriores do Código Penal Militar - CPM, Romeiro (1994) verificou
que a pena de suspensão já era prevista no CPM de 1891, bem como a de suspensão do comando pelo
tempo definido na sentença. No CPM de 1944, figurou a pena de suspensão do exercício do posto ou
cargo, sendo acrescida, nesta versão, a previsão de não ser contado como tempo de serviço o período do
7

69
Borges LF e Antunes, LS

cumprimento da pena.
A abrangência da pena foi amplificada com o acréscimo no CPM vigente, dos termos
graduação e função. Tal previsão permite “abranger todos os possíveis autores do crime militar”,
conforme esclarece a Exposição de Motivos, item 8 de Luís Antônio da Gama e Silva, então Ministro
da Justiça, ao apresentar o projeto do Código Penal Militar de 1969 (GAMA; SILVA, 1969). Da mesma
maneira, o mencionado Item 8 esclarece que, por não ter sentido a pena de suspensão prevista pelo art.
64, quando imposta a militar da inatividade, por ocasião da sentença condenatória, o parágrafo único do
artigo, nesta hipótese, determina sua conversão em pena de detenção “quando proferida a sentença”.
Necessário se faz ainda destacar que a Lei n° 13.491/2017 (BRASIL, 2017), que alterou o
Código Penal Militar, ao redefinir alguns crimes militares e ampliar a competência da Justiça Militar
dos Estados e da União, transferiu competências da justiça comum para a castrense, vindo a adicionar
complexidades ao conceito de crimes militares (ARAS, 2018). Tal alteração, segundo Aras (2018), deve-
se à ampliação do emprego de militares da Forças Armadas em demandas de manutenção da lei e da
ordem. A alteração manteve a competência do tribunal do júri, para julgar militares estaduais quanto aos
crimes dolosos contra a vida de civis (BRASIL, 2017, art. 9º, § 1º) e, a Justiça Militar da União, para as
condutas dolosas contra a vida de civis praticados por militares das Forças Armadas, quando
enquadrados nas hipóteses dos incisos do §2º do art. 9º (BRASIL, 2017).

Santos (2013) define que, além dos quesitos tipicidade, ilicitude e culpabilidade, um crime
militar deve, necessariamente, enquadrar-se nas hipóteses dos incisos do art. 9º do CPM (BRASIL,
1969a). No entanto, o mesmo CPM (BRASIL, 1969a) prevê a pena de suspensão apenas para os
seguintes crimes militares: art. 170 - ordem arbitrária de invasão; art. 174 - rigor excessivo; art. 197 -
retenção indevida; art. 198 - omissão de eficiência de força; art. 201 - omissão de socorro; art. 204 -
exercício de comércio por oficial; art. 266 - modalidade culposa do crime de desaparecimento;
consunção ou extravio; art. 324 - inobservância de lei; regulamento ou instrução; e art. 340 - crime de
recusa de função na Justiça Militar. Notório é que, de maneira geral, à exceção do previsto no art. 324,
todos os demais são crimes praticados apenas por oficiais. De forma bem argumentada, Neves e
Streifinger (2014) advogam pela inconstitucionalidade do art. 324 por ferir o princípio da legalidade o
que tornaria a pena de suspensão de graduação impossível, no entanto, os próprios autores apontam
decisão do STM em que se firmou entendimento pela possibilidade de aplicação da pena de suspensão
de posto, graduação, cargo ou função.

8 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

70
Implicações jurídicas e administrativas da aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função

O Cumprimento da Pena de Suspensão: Medidas Administrativas e Efeitos da


Condenação
No que se refere à competência para execução da pena de suspensão, vale destacar que esta
compete à autoridade administrativa, não à judiciária, conforme está prescrito no art. 604 do CPPM
(BRASIL, 1969b) que diz, in verbis:

Art. 604. O auditor dará à autoridade administrativa competente conhecimento da sentença


transitada em julgado, que impuser a pena de reforma ou suspensão do exercício do posto,
graduação, cargo ou função, ou de que resultar a perda de posto, patente ou função, ou a exclusão
das forças armadas.
Parágrafo único. As penas acessórias também serão comunicadas a autoridade administrativa
militar ou civil, e figurarão na folha de antecedentes do condenado, sendo mencionadas,
igualmente, no rol dos culpados.

Considerando os casos da PMDF, na prática, a AMDF expede carta condenatória


comunicando ao Comandante-Geral da Corporação a condenação de integrante da força à pena de
suspensão. Aquela autoridade administrativa oficia ao Chefe do Departamento de Gestão de Pessoal
(DGP), determinando a aplicação da pena que, por sua vez, expede documentos aos Chefes da Diretoria
de Pessoal Militar (DPM) e da Diretoria de Promoção e Avaliação de Desempenho (DPAD) para
cumprimento e registros documentais.
Conforme apresentado no art. do CPM, ainda que a pena de suspensão do posto implique no
afastamento temporário do serviço ativo, em consequência da agregação, a medida não tem natureza de
“descanso ou férias” (ALVES-MARREIROS, 2015). O “regular comparecimento do sentenciado à sede
do serviço” destina-se a permitir o controle integral de suas atividades por seus superiores. Na vida
castrense, tal medida, simbolicamente carrega a mensagem de que o sentenciado, no cumprimento da
pena, submete-se ao jugo da Administração Militar.
Também se coaduna a afirmação de Alves-Marreiros (2005) que, caso o sentenciado fosse
dispensado do comparecimento à organização militar, a sanção penal imposta poderia ser visualizada
pelos seus pares como uma espécie de recompensa do tipo “férias remuneradas”. Sendo assim, o seu
comparecimento à unidade é lado visível, por assim dizer, do castigo penal que lhe foi imposto,
justificando-se plenamente.
Nota-se que a redação afirma que o condenado deve comparecer regularmente à sede do
serviço. Se o condenado é um militar, a sua sede de serviço originária é o quartel, desta forma ele deve
ser revertido quando se, por acaso, estiver agregado por prestar serviço em outro órgão, como se verá
mais detalhadamente adiante. Nessa hipótese, o apenado não pode exercer as atribuições do seu posto,
ou mesmo, qualquer outra função ou cargo, devendo ser afastado e colocado em disponibilidade,
permanecendo agregado, adido ao órgão de pessoal da corporação militar a que pertencer.
9

71
Borges LF e Antunes, LS

A Antiguidade e o Tempo de Serviço

O art. 16 do Estatuto dos Policiais Militares do DF (BRASIL, 1984) define, em seu parágrafo
1º, que “a antiguidade em cada posto ou graduação é contada a partir da data da assinatura do ato da
respectiva promoção, nomeação, declaração ou inclusão, salvo quando estiver taxativamente fixada
outra data”.

O parágrafo 2º do art. 16, em seu inciso I, aponta que, entre os policiais militares do mesmo
Quadro, a antiguidade se dá pela posição nas respectivas escalas numéricas ou registros existentes na
Corporação. E, finalmente, em se tratando de policiais militares da ativa e da reserva remunerada, de
iguais postos ou graduações, a precedência é definida pelo tempo de efetivo serviço no posto ou
graduação (BRASIL, 1984, art. 16, § 4º). Similarmente, há as mesmas previsões no art. 17, § 2º, item
“a” do Estatuto dos Militares (BRASIL, 1980) e no art. 16, § 2º, item “a” do Estatuto dos Bombeiros
militares do CBMDF (BRASIL, 1986).

Em melhores palavras, se o militar condenado à pena de suspensão foi promovido com


outros pares e, por exemplo, cumpriu uma pena de 6 meses de suspensão, significa dizer que todos os
pares passarão a ter precedência sobre ele, uma vez que terão 6 meses de tempo de serviço a mais,
comparado ao do condenado. O próprio art. 64 de encarrega de deixar isso límpido ao mencionar que
“não será contado como tempo de serviço, para qualquer efeito, o do cumprimento da pena” (BRASIL,
1969a, art. 64).

O Uso da Farda

Uma questão duvidosa quanto ao militar apenado com a suspensão se dá quanto ao uso da
farda. No art. 73 do Estatuto dos Policiais Militares do Distrito Federal (BRASIL, 1984), assim como
nos dispositivos do Estatuto dos Militares (BRASIL, 1908, art. 76) e do Estatuto do Bombeiros-militares
do CBMDF (BRASIL, 1986, art. 74), encontra-se definido que os uniformes da instituição militar são
privativos dos militares das respectivas forças e simbolizam a autoridade militar, com as prerrogativas
que lhe são inerentes. Tem-se no dispositivo da PMDF:

Art. 73. Os uniformes da Polícia Militar com seus distintivos, insígnias e emblemas, são
privativos dos policiais-militares e representam o símbolo da autoridade policial-militar, com as
prerrogativas a ela inerentes.
Parágrafo único - Constituem crimes previstos na legislação específica o desrespeito aos
uniformes, distintivos, insígnias e emblemas policiais-militares, bem como, seu uso por parte de
quem a eles não tiver direito (BRASIL, 1984, art. 73).

Na pena de suspensão, fica latente que o militar deve comparecer à unidade militar e assim,

10 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

72
Implicações jurídicas e administrativas da aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função

denota-se que ele deva comparecer regularmente vestido do seu uniforme, distintivos, insígnias e
emblemas, em tratando de integrantes da ativa.

A obrigatoriedade de comparecer regularmente à unidade militar designada impede também,


no caso dos policiais militares do DF, que exerçam qualquer atividade remuneratória com vínculo
empregatício e venham, eventualmente, a solicitar averbação como tempo de serviço civil. Tal
subterfúgio teria respaldo na jurisprudência do Parecer n° 404/2016-PRCON/PGDF da Procuradoria-
Geral do DF em que um militar integrante do CBMDF, mesmo em licença para tratamento de interesse
particular (LTIP), prevista no §1º, item “c” do art. 67 do Estatuto dos Bombeiros-Militares do CBMDF
(BRASIL, 1986), ao celebrar vínculo empregatício na esfera privada, averbou em seu histórico o tempo
de serviço para fins de contagem (PGDF, 2016).

A Questão Pecuniária

Questionamento que emerge a partir da aplicação da pena de suspensão é em relação ao


recebimento da remuneração durante o seu cumprimento da reprimenda. Rememorando Rosseto (2015),
compreende-se que a legislação deve tratar explicitamente das alterações na percepção dos vencimentos
do militar sob suspensão e, se não trata, não há de se inovar na pena.

No âmbito da PMDF e do CBMDF, a Lei nº 10.486/2002 dispõe sobre a remuneração dos


militares distritais. No art. 6º encontram-se as hipóteses de suspensão temporária da remuneração e
outros direitos pecuniários, não se encontrando a situação de cumprimento da pena de suspensão ao
exercício do posto, graduação, cargo ou função (BRASIL, 2002, art. 6º).
O inciso VI do art. 27, da Lei nº 12.086/2009, que estabelece os critérios e condições para a
progressão hierárquica dos militares do DF, deixa claro um dos efeitos decorrentes da aplicação da pena
de suspensão do posto, graduação, cargo ou função, ao definir que o militar não poderá constar em
Quadro de Acesso.
O § 4º do art. 122 do Estatuto dos Policiais Militares do DF (BRASIL, 1984) já
regulamentava o quesito de contagem de tempo de serviço ao estabelecer que não é computável para
efeito algum o tempo decorrido em cumprimento de pena de suspensão por sentença transitada em
julgado.

Agregação e Recondução à Corporação de origem durante o cumprimento da


Pena

Durante o período de cumprimento da reprimenda, os militares são agregados, por serem


11

73
Borges LF e Antunes, LS

considerados afastados temporariamente do serviço ativo. No caso dos militares do DF, a agregação
ocorre com base na letra "o" do inciso III, do § 1º do artigo 77, da Lei n° 7.289, de 18 de dezembro de
1984 (BRASIL, 1984). Dispositivos jurídicos semelhantes são encontrados no inciso XI, do Art. 82, da
Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, Estatuto dos Militares (BRASIL, 1980) aplicável aos militares
das Forças Armadas e no item 14 do § 1º do artigo 78 da Lei nº 7.479, de 2 de junho de 1986, o Estatuto
dos Bombeiros Militares do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal (BRASIL, 1986).

Em face do previsto no art. 77 caput e inciso I do § 1º do Estatutos dos Policiais Militares


do Distrito Federal (BRASIL, 1984), bem como no art. 80 e no inciso I do art. 81 do Estatuto dos
Militares (BRASIL, 1980), a agregação é a situação na qual o militar deixa de ocupar vaga na escala
hierárquica de seu Quadro e, na prática, no que se refere à suspensão do posto ou graduação, o que enseja
em um reposicionamento do militar, na precedência dos militares do quadro impactando na antiguidade
e no interstício (tempo obrigatório necessário que um militar deve permanecer no posto ou graduação
para ser promovido). A característica ressaltante da pena reside, portanto, na não contagem do tempo de
serviço, o que, por si, remete a outras consequências.
Desta forma, se um militar estiver exercendo suas funções em outro órgão que não seja sua
instituição militar de origem, em face da pena de suspensão do posto, por exemplo, ele deve ser revertido,
pois o apenado nesta hipótese não pode exercer as atribuições do seu posto, ou mesmo qualquer outra
função ou cargo, devendo ser afastado e colocado em disponibilidade, permanecendo agregado, ou seja,
adido ao órgão de pessoal da corporação militar de origem.

A matrícula e frequência em cursos obrigatórios de carreira

Os militares, estaduais ou das Forças Armadas, ao longo de suas carreiras, são instados a
frequentarem cursos obrigatórios como pré-requisitos para suas ascensões na carreira. No âmbito da
PMDF e do CBMDF, por exemplo, em conformidade com a Lei nº 12.086 (BRASIL, 2009), nos arts.
32 e 38, que abordam os cursos da carreira exigidos em lei, para ingresso no Quadro de Acesso ao posto
ou graduação, ficariam os militares impossibilitados de se matricularem ou frequentarem quando
cumprindo pena de suspensão, em razão da superveniência da condenação.

Durante o cumprimento da pena, o apenado está impedido de exercer as atribuições de seu


posto ou graduação, motivo pelo qual é agregado e considerado como se não estivesse no serviço ativo.
Decorre dessa lógica compreensão que a matrícula em cursos de qualquer natureza, não apenas os
obrigatórios de carreira, somente poderiam ocorrer se o militar se encontrasse em situação regular, isto
é, no exercício pleno de seu posto ou graduação. A medida administrativa apropriada, em caso de militar
já matriculado em curso, é o desligamento.
12 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

74
Implicações jurídicas e administrativas da aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função

Discussão
Na Apelação nº 2005.01.050125-8, o STM (2007) manteve-se a aplicação da pena de
suspensão ao exercício do posto a oficiais que, culposamente, causaram danos uma embarcação da
Armada. A tese da apelação arguiu em torno do teor do inciso VI, §3º, do art. 142, da CF/1988 (BRASIL,
1998), segundo o qual, um oficial somente poderia perder o posto e a patente “se for julgado indigno do
oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de
paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra”. Na decisão, o STM repeliu a argumentação
sustentando que não se tratava de pena de perda de posto ou patente, mas, especificamente de suspensão.
Deliberou ainda, aquela corte superior, que a perda do posto ou patente prevista na carta
constitucional implica no afastamento definitivo, ao passo que a suspensão é o afastamento temporário.
Por conseguinte, a declaração de indignidade para o oficialato, não é requisito para aplicação da
suspensão do posto. Na mesma oportunidade, a suprema corte militar brasileira, em sua exposição,
declarou que a pena de suspensão não é degradante, aviltante ou infamante, visto que não viola a
Constituição da República. Esse posicionamento doutrinário já era defendido por Rosa (2002), cuja a
visão era a de que sempre foi comum encontrar quem pensasse que os ditames da justiça militar
afrontavam princípios de direitos humanos.
No Recurso Especial nº 1.325.778 (REsp 1325778), submetido ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ) e relatado pela Ministra, Maria Thereza de Assis Moura, em 2014, restou pacificado mais
outro entendimento jurisprudencial: a possibilidade de aplicação da pena de suspensão, nos termos do
art. 64 do CPM a ex-militares. Na análise, a ministra Maria Thereza recorreu à sustentação elaborada
pelo Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Alexandre Demetrius Pereira, em cuja Apelação nº
6.028/09, para manter a aplicação da suspensão do posto a um ex-oficial da Polícia Militar do Estado de
São Paulo, mesmo tendo ele já sido demitido das fileiras da corporação, pugnou:
O objetivo da norma do art. 64, parágrafo único, é, simplesmente, evitar a impunidade, não
deixando sem a aplicação de uma penalidade criminal, em relação ao réu que, no curso do
processo penal militar, e ao mesmo tempo da prolação da sentença, já não mais exerce sua função
ou ocupa o posto do qual deveria ser suspenso por força da pena criminal abstratamente
cominada (Apelação no. 6.028 apud STJ, 2014, REsp 1325778).

Daí depreendeu-se o entendimento do jurisprudencial do STJ de que, mesmo na condição de


civil, o ex-militar licenciado, assim como o militar da reserva ou reformado, havendo sido condenado e
apenado com a suspensão do posto ou da graduação, cumpre-a, visto que a esta é convertida à pena de
detenção de três meses a um ano, nos termos do artigo 64 § único do CPM. Percebe-se, portanto, com
clareza, a possibilidade de aplicação da suspensão, com a alteração da modalidade de cumprimento.

13

75
Borges LF e Antunes, LS

Conforme mencionado na jurisprudência do STM, o militar apenado com a suspensão não


perde sua patente ou graduação e não deixa, portanto, de ser militar. Nesta colação, porém, surge uma
questão aparentemente contraditória sobre o uso do uniforme, visto que durante o período de
cumprimento da reprimenda de suspensão do posto ou graduação, os militares da atividade são
considerados afastados temporariamente do serviço ativo. No caso dos policiais militares, há ainda o
previsto no art. 70 do Estatuto dos Policiais Militares do Distrito Federal (BRASIL, 1984), que define o
uso do uniforme, dos distintivos insígnias e emblemas como uma prerrogativa. Diante disto, havendo
omissão taxativa, pressupõe-se que o uso do uniforme deva ser preservado e o condenado à pena de
suspensão use-o regularmente.
O policial militar do DF, no cumprimento da pena de suspensão, é agregado, deixando assim
de ocupar vaga na sua escala hierárquica (BRASIL, 1984, art. 77), situação a partir da qual, ele não
contará tempo de serviço para efeito algum e, tampouco, de permanência no posto ou graduação. Ao
término do cumprimento da pena e, ao retornar para o seu respectivo Quadro, os policiais militares, antes
mais modernos que tenham permanecido listados, passam a ser mais antigos que o condenado.
Diante de toda essa abordagem, o maior impacto da pena de suspensão dá-se na contagem
de tempo de serviço, na apuração do interstício e, por conseguinte, na manutenção da antiguidade do
condenado. Por analogia, tais consequências aplicam-se aos militares das Forças Armadas e do CBMDF.
Depreende-se ainda que o condenado, durante o cumprimento, não pode ser matriculado ou mantido em
cursos obrigatórios da carreira para fins de promoção.

Conclusões

O presente artigo analisou as implicações práticas da aplicação da pena de suspensão do


exercício do posto, graduação, cargo ou função, examinando-se as formas de execução e as
consequências administrativas da condenação e cumprimento da pena. A aplicação desta reprimenda
parecer ser uma tendência da Justiça Militar do DF.

Observou-se que a pena de suspensão do posto ou da graduação não afronta princípios


constitucionais, conforme compreensão da mais alta corte militar brasileira. Não se trata de perda de
posto ou graduação, como pontuado, mas da impossibilidade de exercer plenamente as prerrogativas
inerentes.

A pena de suspensão do exercício do posto pode ser aplicada aos oficiais quando da
incidência dos delitos capitulados nos arts. 170, 174, 197, 198, 201 e 266 todos do CPM. Por outro lado,
a pena de suspensão da graduação para as praças é prevista no art. 324. Quando apenado com a suspensão

14 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

76
Implicações jurídicas e administrativas da aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função

do posto ou graduação, do cargo e função, o militar é agregado por ser considerado temporariamente
afastado do serviço ativo. Há duas implicações práticas bastante características no cumprimento da pena
de suspensão. Durante o cumprimento da pena, o militar figura como agregado, fora dos quadros a que
pertence, como se não estivesse no serviço ativo, e o tempo decorrido nesta condição não pode ser
contado para qualquer efeito, seja para fins de tempo de serviço ou para interstício no posto ou
graduação. Por esse motivo, o apenado ainda é impedido de frequentar cursos de carreira, não podendo
ser matriculado ou, se já estiver, ser administrativamente desligado.

Há aparente incógnita quanto ao recebimento normal da remuneração e ao uso do uniforme.


Advogamos como legal e adequado o recebimento normal da remuneração, visto que não há nenhuma
vedação com expressa menção a qualquer tipo de incidência nos proventos do apenado. Por analogia,
entendemos como obrigação, e não como uma prerrogativa, o uso do uniforme pelo apenado durante o
cumprimento da pena. Mesmo agregado, como se não estivesse no serviço ativo, a natureza da pena o
coloca numa zona cinzenta, em que o apenado continua a ser militar, obrigado a comparecer
regularmente em unidade militar.

O presente artigo buscou, assim, preencher uma lacuna na literatura do Direito, ao trazer
bojo do conhecimento jurídico tema relevante, sobretudo, para operadores do Direito Penal Militar.
Apontamos como limitações à presente pesquisa a impossibilidade de levantamento no âmbito das
auditorias militares estaduais sobre a frequência da aplicação da reprimenda em estudo. Constatamos
também escassa produção científica na área do Direito Penal Militar brasileiro, em que pense haver
instâncias da justiça militar em todas as unidades federativas brasileiras, e ainda instâncias da justiça
militar da União. Além disso, há um considerável número de militares sob o jugo deste ramo específico
do Direito, o que deveria justificar o estabelecimento de agendas e estudos na área.

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16 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

78
Implicações jurídicas e administrativas da aplicação da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou
função

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Sobre os Autores
Leonardo Borges Ferreira é Doutorando em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações -
PSTO/Universidade de Brasília, Mestre em Administração - PPGA/Universidade de Brasília e Bacharel
em Direito – UDF. http://orcid.org/0000-0002-8254-5519.

Leandro Antunes e Silva é Professor do Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP/PMDF), Mestre
em Ciência Política - Centro Universitário Euro-Americano, Especialista em Gestão Estratégica de
Segurança Pública pelo Instituto Superior de Ciências Policiais – ISCP e Bacharel em Direito - Centro
Universitário de Brasília – UniCEUB. https://orcid.org/0000-0002-1759-0444.

Recebido: 23 dez. 2020


Aceito: 26 mai. 2021

18 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

80
ISSN 2175-053X ARTIGO

A UTILIZAÇÃO DE LOCAIS DE ACUMULAÇÃO DE ACIDENTES DE TRÂNSITO


COMO NORTEADORES DE POLÍTICAS DE REDUÇÃO A ACIDENTES NAS
RODOVIAS FEDERAIS BRASILEIRAS

Júlio César Matos De Oliveira RESUMO: Esta pesquisa explorou a pertinência de utilização de locais
de acumulação de acidentes de trânsito como norteadores para a
Polícia Rodoviária Federal, Brasília/DF, formulação e monitoramento de políticas de redução de acidentes de
Brasil. E-mail: julio.jcmo@yahoo.com.br trânsito nas rodovias federais. Para alcançar seus objetivos, foi
empregado o modelo de identificação de locais de acumulação de
acidentes elaborado pelo CEFTRU/UnB para a análise do banco de
Eduardo Monteiro De Castro Gomes dados de acidentes de trânsito da Polícia Rodoviária Federal, com a
Universidade de Brasília Brasília/DF, Brasil. proposição de níveis de criticidade para os locais de acumulação. Os
E-mail: edunb01@hotmail.com resultados sugerem que, em 2018, 2,85% dos quilômetros de rodovias
federais foram responsáveis por 37,90% dos acidentes de trânsito e
que quanto maior o nível de criticidade do local de acumulação, maior
sua participação no total de acidentes. Em suas conclusões, o artigo
sugere que a utilização de técnicas de identificação de locais de
acumulação de acidentes pode ser útil para a formulação,
monitoramento e avaliação de políticas de redução de acidentes de
trânsito, visto que sugere onde a ação governamental é mais
necessária, otimizando o uso de recursos humanos e financeiros.

Palavras-chave: Rodovias federais. Acidentes de trânsito. Locais de


acumulação.

THE USE OF HOTSPOTS OF TRAFFIC ACCIDENTS AS


GUIDELINES FOR ACCIDENT REDUCTION POLICIES ON
BRAZILIAN FEDERAL HIGHWAYS

ABSTRACT: This research explored the possibility of using traffic


accident hotspots as guidelines for formulating and monitoring
policies to reduce traffic accidents on federal highways. To achieve
its objectives, the model of identification of accident accumulation
sites developed by CEFTRU / UnB was used to analyze the traffic
accident database of the Federal Highway Police, with the proposal of
levels of criticality for the accumulation sites. The results suggest that,
in 2018, 2.85% of the kilometers of federal highways are responsible
for 37.90% of traffic accidents and that the higher the level of
criticality of the accumulation site, the greater their participation in
the total of accidents. In its conclusions, the article suggests that the
use of techniques for identifying accident accumulation sites can be
useful for the formulation, monitoring and evaluation of traffic
accident reduction policies, since it suggests where government action
is most needed, optimizing the use of human and financial resources.

Keywords: Federal highways. Traffic acidentes. Hotspots.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

81
Oliveira JCM e Gomes EMC

Introdução
ados da Organização Mundial da Saúde - OMS, mostram que no ano de 2013 o número de

D mortes por acidentes de trânsito no Brasil foi de 41.291 pessoas (WHO, 2015). Além do
prejuízo social com as internações, sequelas e perda precoce de vidas, Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas - IPEA, estimou que os custos econômicos dos acidentes de trânsito no Brasil
em 2014 foram da ordem de 40 bilhões de reais (IPEA, 2015).
No Brasil, a Lei nº 13.614/18, criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no
Trânsito (PNATRANS), que estabelece que a atuação dos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito,
no que se refere à política de segurança no trânsito, deverá voltar-se prioritariamente para o
cumprimento de metas anuais de redução de índice de mortos por grupo de veículos e de índice de
mortos por grupo de habitantes, ambos apurados por Estado e por ano, detalhando-se os dados
levantados e as ações realizadas por vias federais, estaduais e municipais (BRASIL, 2018a).
Local crítico de acidente de trânsito significa uma interseção ou trecho entre interseções
consecutivas que apresenta uma frequência de acidentes excepcionalmente elevada, se comparada com
as demais interseções ou trechos entre interseções da malha viária (CEFTRU, 2002).
A partir da situação apresentada, o artigo pretende responder à seguinte pergunta: A
identificação de locais de acumulação de acidentes de trânsito nas rodovias federais é capaz de nortear
políticas de redução de acidentes?
Considerando a pergunta de pesquisa, o objetivo do artigo é investigar a capacidade dos
locais críticos de acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras em embasarem a formulação,
monitoramento e avaliação de políticas públicas de redução a acidentes. Para isso, será verificada a
relação entre os locais críticos de acidentes de trânsito com o total de acidentes e a malha viária das
rodovias federais, além de analisada a pertinência do escalonamento dos locais de acumulação de
acidentes em diferentes níveis de criticidade.

Referencial Teórico

Um acidente de trânsito pode ser classificado como: “uma colisão ou incidente envolvendo
pelo menos um veículo rodoviário em movimento, numa via pública ou privada, à qual a população
tenha direito de acesso” (OMS, 2012).
Da mesma forma, um local de acumulação de acidentes de trânsito, ou também denominado
como ponto crítico de acidentes de trânsito, pode ser conceituado como um local em que a recorrência
dos acidentes é excessivamente alta, a partir de determinada metodologia de análise, e que, por isso,
desperta o interesse de ações de segurança viária (XAVIER; COUTO, 2016). Ferreira e Martins (2014)
2 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

82
A utilização de locais de acumulação de acidentes de trânsito como norteadores de políticas de redução a acidentes nas
Rodovias Federais Brasileiras

esclarecem que a identificação errada de locais de acumulação de acidentes produz uma ineficiente
alocação de recursos e consequentemente reduz a eficácia das medidas adotadas.
Os diversos métodos de identificação de pontos críticos são baseados em medidas de
desempenho de segurança que variam desde a frequência observada de acidentes até medidas de
segurança mais sofisticadas, obtidas a partir de modelos estatísticos (HAUER et al., 2002; MIRANDA-
MORENO et al., 2005; CHENG e WASHINGTON, 2008; AASHTO, 2010; MONTELLA, 2010;
COLL, MOUTARI e MARSHALL, 2013).
Moutari e Marshall (2013) esclarecem que a construção de um índice de desempenho de
segurança viária consiste nos seguintes passos principais: a seleção dos indicadores a serem agregados
e a escolha do método a ser usado para agregá-los. Os métodos comumente usados para agregar os
indicadores de segurança viária são técnicas de ponderação, que consistem em atribuir pesos a cada um
dos indicadores selecionados para enfatizar sua importância, de modo que possam contribuir para a
construção do índice de desempenho de segurança viária.
No Brasil, diversos trabalhos empregaram a construção de índices para a identificação de
pontos críticos de acidentes de trânsito com a utilização de diferentes abordagens metodológicas. Por
exemplo, Ishikawa et al. (2008) analisou pontos críticos de acidentes de trânsito em severidade,
pertencentes à rede viária da cidade de Maringá/PR a partir da técnica SEGVIA do sistema SEGTRANS
(SIMÕES, 2001). Em suas conclusões, o estudo apontou que o mapeamento dos pontos críticos é
fundamental para fazer comparações e análises com vias que apresentem características geométricas
semelhantes, para que no futuro os projetistas tenham uma previsão de como essas vias irão operar e
consequentemente, melhorar o projeto geométrico visando a segurança do usuário (ISHIZAKA et al.,
2008).
Raia Júnior e Santos (2006) compararam a identificação de pontos críticos de acidentes
através da técnica de agrupamentos espaciais e a consulta de Base de Dados Relacionais (BDR) na
cidade de São Carlos/SP. Os autores concluíram que a técnica de agrupamento espaciais identificou uma
quantidade maior de pontos críticos em relação às BDR, além da reclassificação dos níveis de criticidade
desses pontos.
Pereira, Palmeira e Reis (2019) utilizaram a metodologia de análise de decisão multicritério
(MCDA) para estudar os acidentes de trânsitos ocorridos no Distrito Federal. Em suas conclusões, os
autores apresentaram um modelo de identificação de pontos críticos de acidentes, por Região
Administrativa do DF.
Vasconcellos et al. (2007) propuseram um índice de segurança para o serviço de transporte

83
Oliveira JCM e Gomes EMC

rodoviário de passageiros, que poderia ser utilizado em função de dois tipos de indicadores: indicadores
de efeito e indicadores de causa. Os indicadores de efeito representam os quantitativos dos fatos
ocorridos relacionados à segurança. Os indicadores de causa são avaliações de procedimentos ou ações
que favoreçam a segurança do serviço. Uma das diferenças entre os indicadores de causa e efeito é que
os primeiros têm características preventivas. As ações que podem ser geradas a partir dos indicadores
objetivam minimizar os riscos de ocorrências referentes a segurança. Já os resultados dos indicadores
de efeitos geram ações corretivas, uma vez que esses tipos de indicadores se fundamentam em fatos já
realizados.
Peña e Goldner (2012) realizaram a análise dos acidentes de trânsito ocorridos nas
interseções entre rodovias federais no estado de Santa Catarina. O estudo permitiu compreender as
relações entre os tipos de acidentes ocorridos em interseções e as características físico-operacionais das
mesmas, onde se identificou que interseções com maiores volume médio diário de veículos implicaram
em um maior número de acidentes e respectivas gravidades e também que interseções inseridas em
meios urbanos implicaram em maiores taxas de acidentes.
A partir da apresentação dos fundamentos teóricos e estudos precedentes que delinearam a
realização da pesquisa, a seção seguinte discorrerá sobre os procedimentos metodológicos adotados para
a execução do estudo.

Metodologia

O desenvolvimento da pesquisa envolveu as seguintes fases: revisão da literatura; coleta dos


dados; e identificação de locais críticos de acidentes.
A primeira fase consistiu na revisão da literatura sobre acidentes de trânsito e locais de
acumulação de acidentes de trânsito, a fim de apresentar os estudos já realizados e os resultados
encontrados nos trabalhos sobres estes assuntos. Da mesma forma, a revisão da literatura fundamentou
os pressupostos teóricos empregados na pesquisa realizada.
Na fase seguinte, o banco de dados da Polícia Rodoviária Federal dos anos de 2017 e 2018
foram a base para a aquisição dos dados de acidentes de trânsito nas rodovias federais. Os dados foram
minerados e organizados a partir dos critérios descritos abaixo:
1) Unidade da Federação – UF;
2) Rodovia – BR;
3) Quilômetro – KM;
4) Acidentes sem vítimas, acidentes com vítimas e acidentes com mortos.
Para a identificação dos locais críticos de acidentes de trânsito foi empregado o método
4 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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A utilização de locais de acumulação de acidentes de trânsito como norteadores de políticas de redução a acidentes nas
Rodovias Federais Brasileiras

proposto no manual de procedimentos para o tratamento de locais críticos de acidentes de trânsito,


elaborado pelo Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes - CEFTRU, da Universidade
de Brasília, elaborado como parte do convênio estabelecido com o Programa PARE, do Ministério dos
Transportes. A escolha do método de CEFTRU (2002) se fundamenta na inexistência de informações
relativas ao volume médio de veículos nas rodovias federais, condição básica para aplicação de métodos
estatísticos mais elaborados. No entanto, Teodoro, Alcântara e Barbosa (2014) ao realizar um estudo
comparativo entre os resultados obtidos com a metodologia para identificação de pontos críticos
apresentada por CEFTRU (2002) e os resultados obtidos por meio de uma técnica de estatística espacial
com a utilização do Estimador de Intensidade de Kernel, apresentaram em suas conclusões que os
resultados de ambos os métodos são convergentes. Desta forma, demonstra-se que o método de
CEFTRU (2002), mesmo sendo um método numérico absoluto, ou seja, mais simples, produz resultados
confiáveis no que se refere à identificação de locais críticos de acidentes de trânsito.
A aplicação do método de identificação de locais críticos de acidentes de trânsito proposto
por CEFTRU (2002) é composta por uma série de etapas. Tendo em vista as características dos trechos
utilizados e dos objetivos da pesquisa, houve a adequação do método, principalmente no que tange à
definição das unidades padrão de severidade (UPS), como será explicado mais adiante.
Após a definição do período da pesquisa, que foram os anos de 2017 e 2018, e a definição
da unidade de análise ser por quilômetro, ocorreu a exclusão dos trechos com número de acidentes
menor ou igual a três, exceto aqueles com registro de pelo menos um acidente com mortos.
Em seguida, a próxima etapa consistiu na estratificação dos acidentes por tipo de severidade
e determinação das unidades de padrão de severidade (UPS), para cada quilômetro, considerando pesos
específicos para acidentes sem vítimas (ASV), acidentes com vítimas (ACV) e acidentes com mortos
(ACM). CEFTRU (2002) esclarece que o índice de severidade de acidentes considera o número de
ocorrências e destaca a gravidade dos acidentes, associando a cada situação (acidentes sem vítima,
acidentes com vítima e acidentes com mortos) um determinado peso. O emprego do índice de severidade
é importante para a identificação não apenas de locais com grande número de acidentes, mas de locais
com grande número de acidentes com maior gravidade.
CEFTRU (2002) estabelece no Manual de procedimentos para o tratamento de locais críticos
de acidentes de trânsito os pesos 13, 6, 4 e 1, respectivamente, para os acidentes com mortos, acidentes
com feridos envolvendo pedestres (atropelamentos), acidentes com ferido(s) e acidentes apenas com
danos materiais (sem vítimas). No entanto, para questões de mobilidade e tempo de resposta a acidentes,
foco da pesquisa proposta, essa distinção entre acidentes com vítimas e atropelamentos não tem

85
Oliveira JCM e Gomes EMC

aplicabilidade, assim, os atropelamentos serão computados entre os acidentes com vítimas ou acidentes
com mortos, conforme o caso, e, para a pesquisa, será adotada o peso médio proposto para acidentes
com vítimas (4) e atropelamentos (6), ou seja, 5. Esta adaptação também foi realizada por Teodoro,
Alcântara e Barbosa (2014) sem que isso prejudicasse a obtenção de resultados válidos na pesquisa.
A equação abaixo demonstra o cálculo da UPS:

UPS = ASV + 5 X ACV + 13 X ACM

Continuando, a etapa seguinte consistiu na determinação da média aritmética das UPS


relativas aos quilômetros das rodovias federais de todas as unidades da federação. Com a definição da
média das UPS, os quilômetros críticos de acidentes de trânsito foram graduados a partir de três
categorias:
- Local de Acumulação de Acidentes (LAA) = média das UPS, até uma vez o desvio padrão;
- Local de Severa Acumulação de Acidentes (LSAA) = acima de uma vez o desvio padrão
das UPS, até duas vezes o desvio padrão das UPS;
- Local de Extrema Acumulação de Acidentes (LEAA) = acima de duas vezes o desvio
padrão das UPS.
Registra-se que CEFTRU (2002) não faz a graduação dos locais críticos de acidentes de
trânsito, estabelecendo apenas como local crítico todos os trechos com UPS acima da média. Entretanto,
tendo em vista a variação da UPS entre os trechos acima da média, o estudo propõe a graduação dos
locais críticos, a fim de aprofundar o conhecimento sobre o objeto do estudo.
O quadro 01 sintetiza a metodologia de identificação dos locais críticos de acidentes adotado
na pesquisa.
Quadro 01: Metodologia de identificação de locais críticos de acidentes de trânsito.
ETAPA ATIVIDADES
1ª Período a ser estudado → 2017 e 2018
2ª Seleção de locais e ocorrências → Acidentes sem vítimas, acidentes com vítimas e
acidentes com mortos, por BR e UF.
3ª Exclusão dos trechos com número de acidentes menor ou igual a três, exceto aqueles com
Registro de pelo menos um acidente com mortos no período em estudo.
4ª Estratificação dos acidentes por tipo de severidade e determinação das unidades de padrão
de severidade – UPS.
5ª A partir da média aritmética das UPS, graduar os locais críticos de acidente de trânsito em:
Local de Acumulação de Acidentes (LAA), Local de Severa Acumulação de Acidentes (LSAA)
e Local de Extrema Acumulação de Acidentes (LEAA).
Fonte: Elaborado pelos autores

Após a realização dos procedimentos metodológicos descritos acima, foi possível apontar
os locais críticos de acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras, como será apresentado na
seção seguinte.
6 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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A utilização de locais de acumulação de acidentes de trânsito como norteadores de políticas de redução a acidentes nas
Rodovias Federais Brasileiras

Resultados

A partir do banco de dados da Polícia Rodoviária Federal, foram analisados no estudo


75.922 quilômetros de rodovias federais. Nos quais, no ano de 2017, foram registrados 89.418 acidentes,
sendo 30.577 acidentes sem vítimas, 53.659 acidentes com vítimas e 5.182 acidentes com mortos. Em
2017, a população brasileira era de 207.660.929 habitantes (IBGE, 2017) e a frota de veículos de
97.091.956 veículos (DENATRAN, 2019).
Em 2018, foram registrados 69.206 acidentes de trânsito, sendo 15.243 acidentes sem
vítimas, 49.460 acidentes com vítimas e 4.502 acidentes com mortos. No mesmo período, a população
brasileira somou 208.494.900 habitantes (IBGE, 2018) e a frota de veículos, 100.746.553 veículos
(DENATRAN, 2019). A tabela abaixo representa a variação dos acidentes ocorridos em rodovias
federais nos anos de 2017 e 2018.
Tabela 01; Variação do número de acidentes entre 2017 e 2018 nas rodovias federais.

Indicador 2017 2018 Variação (%)


População 207.660.929 208.494.900 0,40
Frota 97.091.956 100.746.553 3,76
Acidentes 89.418 69.206 -22,60
Acidentes sem vítimas 30.577 15.243 -50,15
Acidentes com vítimas 53.659 49.460 -7,83
Acidentes com mortos 5.182 4.502 -13,12
Acidentes/100 mil habitantes 43,06 33,19 -22,91
Acid. sem vítimas/100 mil habitantes 14,72 7,311 -50,35
Acid. com vítimas/100 mil habitantes 25,84 23,72 -8,19
Acid. com mortos/100 mil habitantes 2,49 2,16 -13,47
Acidentes/100 mil veículos 92,10 68,69 -25,41
Acid. sem vítimas/100 mil veículos 31,49 15,13 -51,96
Acid. com vítimas/100 mil veículos 55,27 49,09 -11,17
Acid. com mortos/100 mil veículos 5,34 4,47 -16,27
Fonte: Elaborado pelos autores

A análise da Tabela 01 indica uma redução no número de acidentes no ano de 2018 em


relação ao ano anterior. Essa redução foi verificada em todos os tipos de acidentes (sem vítimas, com
vítimas e com mortos). No mesmo sentido, ao se verificar os resultados ante a população e a frota de
veículos, a redução dos acidentes permanece, inclusive, com valores semelhantes aos encontrados nos
números absolutos.
Após a aplicação da metodologia proposta para a identificação dos locais críticos de
acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras, foram encontrados os resultados descritos na
tabela abaixo para a unidade de padrão de severidade (UPS), nos anos de 2017 e de 2018. A UPS pode
7

87
Oliveira JCM e Gomes EMC

ser entendida como um indicador da violência no trânsito das rodovias federais.

Gráfico 01: UPS por estado em 2017 e 2018.

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AM
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AP

AC

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MG

MA
DF

CE

MT

MS
SC

SP

TO
RO
RN

SE
BR

ES
PR

PB

RR

PA

BA
RJ

PE
RS

PI
2017 2018

Fonte: Elaborado pelos autores

A média nacional da UPS no ano de 2018 foi 30,13. Dos 27 estados de federação, 15
apresentaram valor da UPS menor do que a média nacional e 12, maior. Dentre as UF’s com menor
valor da UPS em 2018, destacam-se o Amazonas, com 15,32, Tocantins, com 17,75, e Alagoas, com
18,46. Em sentido contrário, as UF’s com maior valor da UPS em 2018 foram: Santa Catarina, com
47,47; Distrito Federal, com 46,60; e São Paulo, com 44,78.
Os resultados apontam que houve uma redução na média nacional da UPS em 2018 de
0,63% em relação a 2017, quando o valor da UPS foi 30,32. Essa tendência no âmbito nacional se repetiu
em 13 estados, com destaque para os estados do Amapá, com redução de 26,42%, Amazonas, com
redução de 18, 29%, e Pará, com redução de 14,16%. Em sentido contrário, 14 estados tiveram aumento
do valor da UPS em 2018 em relação a 2017, com destaque para os estados do Rio Grande do Norte,
com aumento de 7,78%, Paraíba, com aumento de 6,95%, e Mato Grosso do Sul, com aumento de
6,54%.
A partir da verificação das UPS, foi possível identificar os locais de acumulação de acidentes
nas rodovias federais brasileiras. O gráfico abaixo apresenta os resultados encontrados na identificação
de locais de acumulação de acidentes de trânsito nas rodovias federais nos anos de 2017 e 2018, em
relação à malha viária.

8 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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A utilização de locais de acumulação de acidentes de trânsito como norteadores de políticas de redução a acidentes nas
Rodovias Federais Brasileiras

Gráfico 02 – Porcentagem de locais de acumulação de acidentes, por estado.

17
16
15
14
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10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0

GO

AM
AC
AP
AL

MG

CE

MA
DF

MT

MS
SP
SC

TO
SE

RN

RO
BR

ES

PR
PE

PB

PA

RR
RJ

RS

BA
PI
2017 2018

Fonte: Elaborado pelos autores

A média nacional da porcentagem de locais de acumulação de acidentes no ano de 2018 foi


de 2,85% da malha viária federal. Os estados com maior porcentagem de locais críticos em relação a
sua malha viária foram: Distrito Federal, com 16,34%; Rio de Janeiro, com 9,93%; e São Paulo, com
9,90%. Em sentido contrário, os estados com menor porcentagem de locais críticos em relação a sua
malha viária foram: Amazonas, com 0,21%; Roraima, com 0,35%; e Amapá, com 0,45%.
Os resultados apontam que houve uma redução na média nacional da porcentagem de locais
de acumulação de acidentes em 2018 de 18,10% em relação a 2017, quando os locais de acumulação de
acidentes somaram 3,48% da malha viária federal. Essa tendência no âmbito nacional se repetiu em 24
estados, com destaque para os estados do Rio Grande do Sul, com redução de 32,68%, Roraima, com
redução de 30,14%, e Sergipe, com redução de 29,07%. Em sentido contrário, 3 estados tiveram
aumento da porcentagem de locais de acumulação de acidentes em relação a 2017, são eles: Piauí, com
aumento de 13,66%, Mato Grosso, com aumento de 7,71%, e Tocantins, com aumento de 4,46%.
O gráfico abaixo apresenta a participação dos locais de acumulação de acidentes em relação
ao total de acidentes ocorridos nos anos de 2017 e 2018 nas rodovias federais brasileiras.

89
Oliveira JCM e Gomes EMC

Gráfico 03: Participação dos locais de acumulação no total de acidentes, por estado.

60
55
50
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0

GO
AP

AM
AC

AL
DF

CE

MA
MG
SP
SC

MT

MS
TO
BR

ES
PA
RN

PE
PR

RR
PB

RO

SE
RJ

BA
PI

RS
2017 2018

Fonte: Elaborado pelos autores

Em 2018, a média nacional da participação dos acidentes ocorridos nos locais de


acumulação no total de acidentes foi de 37,90%. Assim, os 2,85% da malha viária federal identificada
como acumuladora de acidentes foram responsáveis por 37,90% do total de acidentes. Os estados em
que os acidentes ocorridos nos locais de acumulação tiveram maior participação no total de acidentes
foram: Distrito Federal, com 55,31%; Amapá, com 50,29%; e São Paulo, com 47,07%. Em sentido
contrário, os estados em que os acidentes ocorridos nos locais de acumulação tiveram menor
participação no total de acidentes foram: Amazonas, com 15,32%; Tocantins, com 17,66%; e Matos
Grosso do Sul, com 18,57%.
Os resultados apontam que houve uma redução na média nacional da participação dos
acidentes ocorridos nos locais de acumulação no total de acidentes em 2018 de 3,14% em relação a
2017, quando os acidentes ocorridos nos locais de acumulação somaram 39,13% do total de acidentes.
Essa tendência no âmbito nacional se repetiu em 15 estados, com destaque para os estados de Sergipe,
com redução de 21,54%, Roraima, com redução de 20,05%, e Rio de Janeiro, com redução de 10,89%.
Em sentido contrário, 12 estados tiveram aumento na participação dos acidentes ocorridos nos locais de
acumulação no total de acidentes em relação a 2017, com destaque para os estados do Amazonas, com
aumento de 33,82%, Mato Grosso, com aumento de 21,73%, e Tocantins, com aumento de 15,34%.
Com o objetivo de se criar um indicador para verificar o impacto dos locais de acumulação
de acidentes sobre o total de acidentes, o gráfico abaixo apresenta a razão entre os locais de acumulação
de acidentes e sua participação no total de acidentes ocorridos nos anos de 2017 e 2018.

10 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

90
A utilização de locais de acumulação de acidentes de trânsito como norteadores de políticas de redução a acidentes nas
Rodovias Federais Brasileiras

Gráfico 04: Impacto dos locais críticos sobre os acidentes em 2017 e 2018, por estado.

120
110
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60
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10
0
AM
AP

GO
AC

AL
CE

MA

MG
MS

MT

DF
TO

SC

SP
BR
RR

PA
RO

RN

SE
BA

RS

PB

PE
PR
ES
PI

RJ
2017 2018

Fonte: Elaborado pelos autores

Ao se analisar a razão dos resultados obtidos na identificação dos locais de acumulação de


acidentes e a participação dos acidentes ocorridos nesses locais no total de acidentes no ano de 2018,
observa-se que a média nacional foi de 13,30. Os estados em que foram encontradas as maiores razões,
ou seja, os maiores impactos dos locais de acumulação sobre o total de acidentes, foram Roraima, com
115,01, em que 0,35% da malha viária foi responsável por 40,25% dos acidentes; Amapá, com 111,75,
em que 0,45% da malha viária foi responsável por 50,29% dos acidentes; e Amazonas, com 72,96, em
que 0,21% da malha viária foi responsável por 15,32% dos acidentes. Em sentido contrário, os estados
em que foram observadas as menores razões entre a porcentagem de locais de acumulação de acidentes
sobre o total da malha viária e a participação dos acidentes ocorridos nesses locais no total de acidentes
foram Distrito Federal, com 3,41, em que 16,34% da malha viária foi responsável por 55,71% dos
acidentes; Rio de Janeiro, com 4,21, em que 9,93% da malha viária foi responsável por 41,84% dos
acidentes; e Sergipe, com 4,41, em que 6,85% da malha viária foi responsável por 30,23% dos acidentes.
Outra observação pertinente é que, dos 7 estados da Região Norte, 6 estão entre os que possuem maior
impacto dos locais de acumulação sobre o total de acidentes. Uma possível explicação para esses
resultados pode ser a maior aglomeração populacional nas capitais ou em poucos centros urbanos nessa
região.
Os resultados apontam que houve um aumento na média nacional da razão entre os locais
de acumulação e o total de acidentes em 2018 de 18,27% em relação a 2017, quando a razão foi de

11

91
Oliveira JCM e Gomes EMC

11,24. Assim, sugere-se que o impacto dos locais de acumulação de acidentes sobre o total de acidentes
aumentou de 2017 para 2018. Essa tendência no âmbito nacional se repetiu em 24 estados, com destaque
para os estados do Rio Grande do Sul, com aumento de 35,59%, Amazonas, com aumento de 34,65%,
e Rondônia, com aumento de 32,85%. Em sentido contrário, 3 estados tiveram redução no impacto dos
locais de acumulação de acidentes sobre o total de acidentes, em relação a 2017. São eles: Acre, com
redução de 5,14%, Pará, com redução de 1,10%, e Piauí, com redução de 0,77%.
A fim de aprofundar o conhecimento acerca do objeto da pesquisa, os locais de acumulação
de acidentes foram, a partir da metodologia adotada no estudo, divididos em três níveis de criticidade:
locais de acumulação de acidentes (LAA), locais de severa acumulação de acidentes (LSAA) e locais
de extrema acumulação de acidentes (LEAA). A tabela abaixo apresenta os resultados dos locais de
acumulação de acidentes por nível de criticidade no ano de 2018.
Tabela 02: Impacto dos locais de acumulação de acidentes por nível de criticidade, em 2018.
Geral LAA LSAA LEAA
(%) Impacto (%) Impacto (%) Impacto (%) Impacto
malha viária 97,15 1,66 0,71 0,47
acidentes 62,10 0,64 15,79 9,51 10,21 14,33 11,89 25,07
acid. sem vítimas 70,54 0,73 13,59 8,18 7,72 10,83 8,16 17,21
acid. com vítimas 59,03 0,61 16,27 9,80 11,21 15,73 13,49 28,45
acid. com mortos 65,17 0,67 18,57 11,18 8,37 11,75 7,93 16,72
Fonte: Elaborado pelos autores

A partir dos resultados, observa-se que, no ano de 2018, os 2,85% (2.162 quilômetros) de
quilômetros críticos corresponderam, em geral, a 29,46% dos acidentes sem vítimas, 40,97% dos
acidentes com vítimas e 34,83% dos acidentes com mortos nas rodovias federais brasileiras.
Os resultados contidos na Tabela 02 apontam que os locais de acumulação de acidentes
(LAA) corresponderam a 1,66% (1.261 quilômetros) da malha viária federal, mas representaram 15,79%
dos acidentes ocorridos nas rodovias federais. Analisados por tipo de acidente, os LAA concentraram
13,59% dos acidentes sem vítimas, 16,27% dos acidentes com vítimas e 18,57% dos acidentes com
mortos.
Os locais de severa acumulação de acidentes (LSAA) corresponderam a 0,71% (541
quilômetros) da malha viária federal, mas representaram 10,21% dos acidentes ocorridos nas rodovias
federais. Analisados por tipo de acidente, os LSAA concentraram 7,72% dos acidentes sem vítimas,
11,21% dos acidentes com vítimas e 8,37% dos acidentes com mortos.
Os locais de extrema acumulação de acidentes (LEAA) corresponderam a 0,47% (360
quilômetros) da malha viária federal, mas representaram 11,89% dos acidentes ocorridos nas rodovias
federais. Analisados por tipo de acidente, os LEAA concentraram 8,16% dos acidentes sem vítimas,
12 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

92
A utilização de locais de acumulação de acidentes de trânsito como norteadores de políticas de redução a acidentes nas
Rodovias Federais Brasileiras

13,49% dos acidentes com vítimas e 7,93% dos acidentes com mortos.
Ao se analisar o impacto de cada nível de criticidade sobre o total de acidentes, observa-se
que, quanto maior a criticidade do local de acumulação, maior sua relevância sobre o total de acidentes,
já que um trecho menor corresponde a uma quantidade proporcionalmente maior de acidentes,
independente do tipo. Por exemplo, nos acidentes com mortos, os quilômetros em geral possuem um
impacto (razão) sobre o total de acidentes no valor de 0,67. No entanto, para os LAA esse valor é de
11,18; para os LSAA, 11,75; e, para os LEAA, 16,72. No exemplo, observa-se que, quanto maior o nível
de criticidade, maior o impacto no total de acidentes.
Concluída a análise dos resultados encontrados na pesquisa, a seção a seguir apresentará os
resultados do estudo.

Conclusão

A pesquisa buscou verificar a relevância da identificação dos locais de acumulação de


acidentes de trânsito na orientação de políticas de redução de acidentes nas rodovias federais brasileiras.
Neste sentido, os resultados sugerem que a identificação dos locais críticos tem potencial para delinear
a ação do Estado no combate aos acidentes de trânsito de forma mais eficiente, pois aponta onde esse
problema é mais grave. Além disso, a utilização dos locais de acumulação de acidentes pode otimizar o
emprego de recursos humanos e financeiros, pois indica onde a ação governamental é mais necessária.
Além disso, o estudo propõe a utilização de indicadores para a formulação, o monitoramento
e a avaliação das políticas de redução a acidentes de trânsito. Por exemplo, a UPS pode ser empregada
como indicador de violência no trânsito utilizada para monitorar e avaliar resultados, bem como os locais
de acumulação podem ser empregados como indicadores para a formulação de políticas públicas e os
níveis de criticidade podem ser empregados para subsidiar a tomada de decisão pelos gestores a partir
de eventuais restrições orçamentárias, pois indicam, dentre os locais críticos, os trechos que mais
necessitam da intervenção estatal. Por fim, os locais de acumulação podem ser identificados em
diferentes níveis de agregação, como Estado, município, rodovia, delegacia ou posto da Polícia
Rodoviária Federal, a fim de se conhecer a realidade dos acidentes de trânsito nas rodovias federais em
diferentes estratos, o que permite o desenvolvimento de ações mais direcionadas. Por exemplo, o estudo
apontou os estados que tiveram redução ou aumento no valor da UPS entre 2017 e 2018, assim, o poder
público pode direcionar seus esforços para as unidades da federação que possuem maior dificuldade em
reduzir a gravidade dos acidentes.
Sugere-se para trabalhos futuros a análise qualitativa dos locais de acumulação de acidentes,
13

93
Oliveira JCM e Gomes EMC

a fim de identificar o que faz de cada um desses trechos de rodovia crítico. Além de trazer um
conhecimento mais amplo do fenômeno, a análise qualitativa poderá traçar medidas de tratamento para
cada local crítico, podendo indicar, inclusive, a nível governamental, qual órgão responsável pelas ações
a serem tomadas para mitigar a ocorrência de acidentes de trânsito nesses locais. Por exemplo, se a
análise qualitativa verificar que determinado local crítico concentra muitos acidentes por causa de
alguma deficiência na sinalização viária ou na conservação da rodovia, o órgão de infraestrutura de
transportes seria acionado para atuar nesse local. De outra forma, se a análise qualitativa verificar que
determinado local crítico concentra muitos acidentes por causa de uma aglomeração populacional não
organizada, o órgão de desenvolvimento social seria acionado para atuar nesse local.
Dentre as limitações do estudo, pode-se destacar a pequena quantidade de estudos sobre o
tema no Brasil, o que prejudica o desenvolvimento do campo. Outra questão foi a inexistência de dados
sobre volume de tráfico a nível nacional de forma satisfatória, o que limita a utilização de métodos de
análise mais complexos. O próprio objeto de estudo se apresentou como um desafio à pesquisa, pois se
tratou de dezenas de milhares de quilômetros de rodovias federais, pavimentadas e não pavimentadas,
localizadas nos mais diversos pontos do extenso território brasileiro. No entanto, a despeito das
limitações, o estudo pode colaborar com o entendimento do objeto e abrir caminho para que outros
pesquisadores possam dar prosseguimento ao desenvolvimento de estudos sobre o tema.

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Sobre os Autores
Júlio César Matos de Oliveira é mestre em Gestão Pública pela UnB, especialista em análise de dados
em políticas públicas pela Enap e graduado em Letras pela UnB. Policial Rodoviário Federal.
https://orcid.org/0000-0002-5139-173X.

Eduardo Monteiro de Castro Gomes é doutor em estatística e computação (USP). Trabalha há mais
de 10 anos como professor da Universidade de Brasília e tem como área de interesse principal a
aplicação de metodologias estatísticas em dados públicos. https://orcid.org/0000-0002-8948-9855.

Recebido: 09 fev. 2020


Aceito: 26 mai. 2021

16 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

96
ISSN 2175-053X ARTIGO

ANÁLISE DA MATRIZ CURRICULAR DO CURSO DE HABILITAÇÃO DE


OFICIAIS AUXILIARES DO ESTADO DE GOIÁS

Elyézer de Paula Reis RESUMO: O objetivo deste estudo foi analisar a Matriz Curricular do Curso de
Habilitação de Oficias Auxiliares (CHOA) da Polícia Militar do Estado de Goiás
Polícia Militar do Estado de Goiás,
(PMGO). Para tanto, foi feita uma comparação entre as matrizes dos cursos de
Goiânia, Goiás, Brasil: E-mail:
elyezerdepaula1@gmail.com
2010 a 2018, a Matriz Curricular Nacional (MCN) e os perfis profissiográficos
do chefe de polícia e do oficial da PMGO. Para verificar o impacto do curso na
Tatiane Ferreira Vilarinho atividade de oficial, um questionário foi aplicado aos egressos. Dessa forma,
pôde-se observar aspectos específicos e variações nas matrizes do CHOA, mas
Polícia Militar do Estado de Goiás,
que estão alinhadas com a Matriz Curricular Nacional. Também foi possível
Goiânia, Goiás, Brasil: E-mail:
evidenciar qual a forma de ingresso, o tempo de efetivo serviço, a área de
tfteen@gmail.com
atuação no serviço policial, a função exercida, o grau de formação, a satisfação
profissional, a execução de atividades previstas no perfil profissiográfico, além
das disciplinas comuns que contribuem para atividade profissional dos oficiais.
Diante dos resultados obtidos, uma sugestão para a Matriz Curricular do CHOA
foi desenvolvida com intuito de propor uma evolução na formação do policial
militar, contribuir para o aperfeiçoamento e a atuação próspera de profissionais
que exerçam cargo de chefe de polícia ostensiva.

Palavras-chave: Chefe de polícia. Matriz Curricular. Perfil profissiográfico.

ANALYSIS OF THE CURRICULUM MATRIX OF THE


QUALIFICATION COURSE OF AUXILIARY OFFICERS OF THE
STATE OF GOIÁS

ABSTRACT: The objective of this study was to analyze the Curriculum Matrix
of the Qualification Course for Auxiliary Officers (CHOA) of the Military
Police of the State of Goiás (PMGO). For this purpose, a comparison was made
between the matrices of the courses from 2010 to 2018, the National Curriculum
Matrix (MCN) and the professional profiles of the police chief and the PMGO
officer. To verify the impact of the course on the activity of an officer, a
questionnaire was applied to the graduates. Thus, it was possible to observe
specific aspects and variations in the CHOA matrices, but which are aligned
with the National Curriculum Matrix. It was also possible to show the form of
entry, the length of effective service, the area of operation in the police service,
the function performed, the degree of training, professional satisfaction, the
performance of activities provided for in the professional profile, in addition to
the common disciplines that contribute to the professional activity of the
officers. In view of the results obtained, a suggestion for the CHOA Curriculum
Matrix was developed in order to propose an evolution in the training of the
military police, to contribute to the improvement and the successful
performance of professionals who exercise the position of ostensive police
chief.

Keywords: Chief of police. Curriculum Matrix. Professional profile.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

97
Reis EP e Vilarinho TF

Introdução

A
Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO), assim como as demais polícias militares do
Brasil, possui uma estrutura organizada com base em pilares da hierarquia e disciplina, eixos
norteadores da caserna. Essas corporações possuem duas carreiras distintas, praças e
oficiais. Quem exerce função de praça executa atividades e auxilia a carreira dos oficiais, que são os
responsáveis pelo planejamento, pela fiscalização e pela coordenação das atividades na polícia militar.
No estado de Goiás, a Lei nº 17.866, de 19 de dezembro de 2012, fixa o efetivo da Polícia
Militar do Estado de Goiás e o distribui em postos e graduações, conforme o Quadro de Organização e
Distribuição de Efetivo (QODE) na corporação: a) Quadro de Oficiais Policiais Militares (QOPM); b)
Quadro de Oficiais da Saúde (QOS – composto por médicos, odontólogos, psicólogos e
multiprofissionais); c) Quadro de Oficias Auxiliares (QOA); d) Quadro de Oficiais Músicos (QOM); e)
Quadro de Praças Policiais Militares (QPPM); f) Quadro de Praças Músicos (QPM); e g) Quadro de
Praças de Saúde (QPS) (GOIÁS, 2012).
Para viabilizar a progressão do quadro de praças combatentes na carreira, a PMGO permite
que subtenente e 1º sargento, com larga experiência profissional, ascendam à carreira por meio do Curso
de Habilitação de Oficiais Auxiliares (CHOA). Tendo isso em vista, este artigo busca 1) fazer uma
análise comparativa entre as matrizes curriculares do referido curso durante o período de 2010 a 2018,
à luz da Matriz Curricular Nacional (MCN) para ações formativas dos profissionais da área de Segurança
Pública e do perfil profissiográfico do oficial da PMGO; 2) verificar o impacto do curso na atividade de
oficial.
Espera-se, a partir deste estudo, fomentar informações para que a alta gestão possa
estabelecer uma nova Matriz Curricular do CHOA, mais próxima do que está apregoado na MCN, com
foco no engajamento e aprimoramento técnico-profissional de gestores da polícia ostensiva,
responsáveis pela preservação da ordem pública, para que exerçam suas atribuições de modo mais
integrado e qualificado.

Revisão De Literatura

De modo geral, o ensino é ministrado a partir de perspectivas pedagógicas e convicções de


ideias, conforme apregoado na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB),
a qual engendra que os estabelecimentos de ensino devem executar e elaborar sua proposta pedagógica
(BRASIL, 1996).
O Projeto Político Pedagógico (PPP), instrumento orientador da ação educativa,
2 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

98
Análise da Matriz Curricular do Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares do Estado de Goiás

estabelecido pelo art. 12 da LDB, conforme esclarece Veiga (2008), não se limita somente aos
fundamentos teórico-metodológicos da escola, mas à sua constante evolução e, em sentido mais amplo,
ao engajamento de todos os atores sociais, funcionários, comunidade, família, pais, mães, responsáveis
legais e outros que buscam um processo participativo das instituições de ensino.
Nesse sentido, Martins (2016) reverbera que o PPP dos cursos de graduação é o documento
que abrange normas, especificações e evolução do curso ministrado, elementos que determinam a matriz
curricular – peça fundamental que define a atuação de educadores e a disposição das disciplinas a serem
ministradas, bem como a distribuição da carga horária durante o curso e sua ementa.
Pereira (2014), em sua dissertação O ensino na Academia da Polícia Militar em Goiás:
matrizes curriculares, mudanças e permanências 1970 a 2012, afirma que o ensino profissional é
proposto para capacitar e qualificar o pessoal dos quadros da Polícia Militar de Goiás, trazendo alicerces
fundamentais ao desempenho das funções de polícia ostensiva. Também ressalta que a Matriz Curricular
Nacional tem um aspecto que evidencia o respeito à diversidade regional, dando aos estados liberdade
e independência na elaboração de suas matrizes curriculares, respeitando a realidade social de cada um.
A MCN para as ações formativas de profissionais da Segurança Pública é realizada no
âmbito da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) como um referencial didático-pedagógico
concebido para subsidiar o planejamento e as ações das instituições de segurança estaduais, além de ser
uma ferramenta para nortear e estimular um núcleo comum de disciplinas que podem congregar
conteúdos cuja visão é integrar a unidade de pensamento e a ação formativa desses profissionais
(BRASIL, 2014). Esse instrumento norteador para formação das Forças de Segurança Pública é
embasado em eixos articuladores, áreas temáticas, orientações teórico-metodológicos e diretrizes
pedagógicas.
As áreas temáticas abrangem conteúdos fundamentais para formação da área de Segurança
Pública e sua preparação para o exercício da função. Elas foram relacionadas em oito tópicos-temáticos
a seguir de forma a agrupar áreas do conhecimento a serem trabalhadas nos cursos de formação,
habilitação e aperfeiçoamento para esses profissionais:

a) Sistemas, Instituições e Gestão Integrada em Segurança Pública;


b) Violência, Crime e Controle Social;
c) Conhecimentos Jurídicos;
d) Modalidades de Gestão de Conflitos e Eventos Críticos;
e) Valorização Profissional e Saúde do Trabalhador;
f) Comunicação, Informação e Tecnologias em Segurança Pública;
g) Cultura, Cotidiano e Prática Reflexiva;

99
Reis EP e Vilarinho TF

h) Funções, Técnicas e Procedimentos em Segurança Pública.

Essas oito áreas temáticas estabelecem o universo de conteúdo a ser desenvolvido pelas
áreas de conhecimento, propiciando atualizações de acordo com a realidade das diversas instituições,
conforme seu contexto local e regional, totalizando uma carga horária comum de 908 (novecentos e
oito) horas.
Para Sanches e Sousa (2008), deve-se observar a constante evolução cultural, moral e
econômica da sociedade, o que interfere na aplicabilidade da polícia ostensiva e, sobretudo, de
conteúdos e metodologias de ensino da Matriz Curricular, já que cada curso atende a particularidades
institucionais de sua época. Já Silva (2018), em seu estudo sobre as repercussões da nova Matriz
Curricular do Curso de Formação de Praças na Pós-Graduação em Polícia e Segurança Pública, no
estado de Goiás, observou uma melhoria na Matriz Curricular, ao se investir em profissionais de
Segurança Pública, e a consequente evolução da instituição.
Ao fazer uma análise comparativa antes e depois da exigência do bacharelado em Direito
para os cursos de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), Sousa (2019)
verificou que o melhor desempenho de profissionais com curso superior em relação àqueles que
ingressaram com ensino médio não se deve ao requisito de uma graduação específica. A formação
superior por si só conduz à eficiência nas atividades, por isso a condição para o ingresso pode ser outra
formação universitária. O autor mostra ainda que a diferença ocorre porque a Matriz Curricular dos
cursos de Formação de Oficiais bacharéis em Direito está mais alinhada ao perfil de futuros tenentes da
instituição militar.
Conforme dados obtidos junto ao Arquivo Geral e à Seção Técnica de Ensino do Comando
da Academia da Polícia Militar do Estado de Goiás (CAPM), a instituição começou a numerar as turmas
do CHOA após a Lei nº 11.596, de 26 de novembro de 1991, que vigorou até o ano de 2013 e reorganizou
o Quadro de Oficiais Auxiliares e de Oficiais Especialistas (QOE) da PMGO. Em 1992, a 1ª turma do
CHOA tinha um total de 27 formandos policiais militares do estado (GOIÁS, 1991). Já a atual legislação
passou a vigorar a partir da 14ª turma, de 2018, com base na Lei nº 19.452, de 14 de setembro de 2016,
que reorganizou o Quadro de Oficiais Auxiliares, QOA, e o de Oficiais Músicos, QOM (GOIÁS, 2016).
É evidente que, anterior a 1992, existiram outras turmas do CHOA que, por vezes, tiveram
as nomenclaturas de Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares ou Curso de Habilitação de Oficiais da
Administração, que não serão especificadas neste trabalho.

4 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

100
Análise da Matriz Curricular do Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares do Estado de Goiás

Tabela 1: Turmas do CHOA

Turma Ano Turma Total PMGO


1 1992 Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares - CHOA/1992 27
2 1994 Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares - CHOA/1994 29
3 1996 Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares - CHOA/1996 26
4 1998 Curso de Habilitação de Oficiais da Administração - CHOA/1998 10
5 1999 Curso de Habilitação de Oficiais da Administração - CHOA/1999 20
6 2001 Curso de Habilitação de Oficiais da Administração - CHOA/2001 20
7 2004 Curso de Habilitação de Oficiais da Administração - CHOA/2004 30
8 2006 Curso de Habilitação de Oficiais da Administração - CHOA - Turmas A e B 2005/2006 79
9 2006 Curso de Habilitação de Oficiais da Administração - CHOA - Turma C 2006 40
10 2008 Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares - CHOA/2008 43
11 2010 Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares - CHOA/2010 85
12 2013 Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares - CHOA/2013 165
13 2016 Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares - CHOA/2016 209
14 2018 Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares - CHOA 2017/2018 54
Total 837
Fonte: Elaborada pelo autor (2020)

Assim, pode-se observar que a legislação de 2016 regulamentou o processo seletivo para a 13ª turma
do CHOA, nesse mesmo ano, e passou a vigorar para a 14ª turma em diante, trazendo vagas para subtenentes pelo
critério de antiguidade, na proporção de 1 (uma) vaga por antiguidade para cada 4 (quatro) vagas por
merecimento, o que não existia anteriormente.

Matriz Curricular da 11ª turma a 14ª turma do CHOA

Ao observar as matrizes curriculares do CHOA da 11ª turma, percebe-se que existiam muitas
disciplinas presenciais específicas do Procedimento Operacional Padrão (POP), 3ª edição (GOIÁS,
2014). À época, a PMGO acabara de revisar o POP e utilizou a 11ª turma do CHOA, após o término do
curso, para difundi-lo no seio de sua tropa. Assim, a matriz dessa turma, conforme Sanches e Sousa
(2008), buscou atender a uma necessidade institucional da época.
As disciplinas do POP intentam consolidar conceitos humanísticos voltados à inclusão
social, respeitando a forma de agir e pensar de cada cidadão, bem como o papel ético, moral e social
que deve ser seguido por cada policial militar. Também foram implementadas, de forma simultânea,
estratégias de ensino para divulgação e assimilação da atualização doutrinária para continuidade do
aprimoramento e da qualificação dos recursos humanos (GOIÁS, 2014).
Ao analisarmos a carga horária acadêmica, constatamos que a 13ª turma do CHOA foi a que
obteve maior quantidade de horas-aulas, 1320 (mil trezentos e vinte), a única com um período de
habilitação de 6 (seis) meses, conforme o plano de curso, e a maior carga horária de estágio
5

101
Reis EP e Vilarinho TF

supervisionado. As outras turmas tiveram em média 5 (cinco) meses de curso.


Houve 14 (catorze) disciplinas em comum entre a 11ª e a 14ª turma, a saber: Atividade de
Inteligência; Comunicação Social e Oratória; Defesa Pessoal Policial; Direito Penal e Processual Penal
Militar; Direitos Humanos; Educação Física Militar e Saúde; Estágio Supervisionado; Gestão
Patrimonial; Medicina Legal; Ordem Unida; Processos e Procedimentos Administrativos Disciplinar;
Técnica Policial Militar I; Técnica Policial Militar II; e Uso Seletivo da Força.
Da 11ª turma a 14ª, existiam disciplinas na modalidade de Ensino a Distância (EaD) que
eram realizadas pela Senasp, por serem requisitos para o CHOA da época, mas que não foram
contabilizadas como carga horária final do curso, publicadas separadamente nos assentamentos dos
policiais. A 11ª turma e a 12ª não tiveram cursos de EaD realizados pela Gerência de Ensino a Distância
(GEAD) da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás, sendo a 13ª turma e 14ª turma de EaD
realizadas na plataforma da PMGO. A análise das matrizes indica que a disciplina de Procedimento
Operacional Padrão, 3ª edição revista e ampliada, em especial, saiu da modalidade presencial, chegando
a essas turmas na modalidade EaD (com 80 horas-aulas), com 8 (oito) horas-aulas presenciais para
aplicação de verificações presencias do conteúdo estudado (GOIÁS, 2014).
As turmas estudadas tiveram 50 disciplinas no total, algumas dessas mudaram sua
nomenclatura, como, por exemplo, a disciplina Uso Seletivo da Força (USF), que, com a evolução no
âmbito da Senasp, foi chamada de Uso Progressivo da Força e Uso Escalonado da Força. Algumas
disciplinas deixaram de existir, como, por exemplo, Informática e Técnicas de Ensino; outras, ligadas
ao POP, foram incluídas na modalidade EAD. Já a 13ª e a 14ª turmas tiveram a disciplina de Técnica
Especial de Direção Policial. Na 14ª turma, deixaram de existir as disciplinas de Análise Criminal,
Direito Administrativo, Direito Constitucional, Policiamento Comunitário, Administração Financeira e
Orçamentária e Policiamento de Trânsito.

O perfil profissiográfico do chefe de polícia ostensiva

O perfil profissiográfico é uma ferramenta que ajuda a delimitar as características desejáveis


de um profissional, trazendo habilidades e especificidades de cada cargo, sejam elas cognitivas,
atitudinais e operativas. Sousa (2019) elenca o perfil de uma determinada profissão, o exame detalhado
das qualidades para o desempenho de uma função, desde seu início, considerando o processo seletivo,
o ingresso, a formação, a atualização e o aperfeiçoamento dos profissionais, apresentando as obrigações,
o entendimento, as especificações, competências e a aptidão para o desempenho razoável do cargo.
Segundo Sanches e Sousa (2008), o perfil profissiográfico é o esboço sucinto das
particularidades culturais, morais, físicas e psicológicas que cada agente ou chefe de polícia necessita

6 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

102
Análise da Matriz Curricular do Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares do Estado de Goiás

ter ou vir a ter para execução adequada das atividades policiais militares, além de descrever as
responsabilidades e competências específicas da função. Nessa mesma linha, é bom observar a Portaria
nº 23/2008-PM1, emitida pela 1ª Seção do Estado Maior da Corporação, que define o perfil
profissiográfico do chefe de polícia ostensiva da PMGO, bem como os conceitos, as missões e o perfil
do policial militar, visando aprimorar a Matriz Curricular dos cursos de Formação de Oficiais e Praças
(GOIÁS, 2008).
Essa normativa traz ainda as atribuições constitucionais da instituição e as competências do
chefe de polícia ostensiva e do agente de polícia ostensiva. O primeiro é um oficial, gestor das atividades
de polícia ostensiva, com conhecimento, capacidade e habilidade para planejar, coordenar e dirigir as
atividades de polícia ostensiva. E o segundo é um profissional que exerce a função de praça, possui
conhecimento, capacidade e habilidade para execução das atividades de polícia ostensiva.
Essas duas competências fazem parte de uma lista similar de qualidades, atributos e
características psicológicas previstas nos cursos de Formação de Oficiais e Praças. Para chefe de polícia,
planejamento, coordenação e fiscalização são características inerentes a sua atividade. Já para o agente
de polícia ostensiva, a qualidade na execução é fundamental. Há, segundo Oliveira e Oliveira (2012),
18 (dezoito) pontos de convergência e apenas um exclusivo do chefe de polícia, que é a capacidade de
persuasão, dada pelo aperfeiçoamento do modo de persuadir e pela boa oratória, adquirida por meio da
clareza na exposição do conhecimento.
É evidente que o perfil profissiográfico elaborado pela instituição visou tão somente a
evolução da matriz para os cursos de formação, não englobando diretamente o CHOA, por ser este um
curso na modalidade de aperfeiçoamento técnico, conforme previsto no Regimento de Ensino da PMGO
(GOIÁS, 2018).
O psicólogo e jornalista americano Goleman (2015), escritor do best-seller inteligência
emocional, explica que o QI e as habilidades técnicas são importantes na formação de um líder, mas o
que é mais significativo é a inteligência emocional, acompanhada de iniciativa e visão estratégica. Por
isso, várias empresas buscam essas qualidades e fazem investimentos em seus profissionais, almejando
uma melhor eficiência na busca de resultados satisfatórios.
Para o CAPM, representante da Polícia Militar de Goiás, segundo análise de Sousa (2017),
é cada vez mais fundamental refletir sobre os propósitos das atividades formativas, pois o investimento
em capital humano e a valorização do profissional se torna primordial para vencer as adversidades e
colaborar para o rendimento das forças de Segurança Pública.
Gomes (2019) destaca que as matrizes curriculares do Curso de Formação de Sargentos
(CFS) e do Curso Especial de Formação de Sargentos (CEFS), na Polícia Militar de Minas Gerais,

103
Reis EP e Vilarinho TF

atendem ao desenvolvimento das competências necessárias para realização de tarefas previstas no perfil
profissiográfico de sargentos. Ele observou, ainda, que um discente do CEFS alia sua formação mais à
experiência profissional, já que soma o conhecimento com as habilidades desenvolvidas no decorrer de
sua carreira na instituição.

Legislação sobre o Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares

Na Polícia Militar de Minas Gerais, de acordo com Sousa (2019), existe o Curso de
Habilitação de Oficiais (CHO), com duração de um ano e finalidade de formar profissionais ao cargo de
2º tenente que assumirão a função de oficial nas áreas operacional e administrativa. Como ingressos do
processo seletivo estão subtenentes, 1º sargento e 2º sargento da polícia militar mineira com, no máximo,
24 anos e, no mínimo, 15 anos de efetivo serviço. Dentre os requisitos, não consta a necessidade do
bacharelado em Direito para o Curso de Habilitação de Oficiais.
No estado de Goiás, a legislação anterior, disposta na Lei nº 11.596, de 26 de novembro de
1991, previa que o Quadro de Oficiais Auxiliares e o Quadro de Especialistas seriam constituídos por
2º tenente PM, 1º tenente PM e capitão PM, com acesso aos cargos de subtenente PM e 1º sargento PM
quem se ingressa no quadro após aprovação no CHOA (GOIÁS, 1991).
Para ingressar no CHOA, cada candidato deve obter aprovação em testes intelectuais e de
aptidão física, possuir o Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS), escolaridade equivalente ao 2º
grau, ter no mínimo 10 (dez) anos na graduação de sargento, sendo 2 (dois) na graduação de 1º sargento,
ter aptidão comprovada em inspeção de saúde, estar classificado, no mínimo, com bom comportamento
e ter conceito profissional e moral favorável da Comissão de Promoção de Oficiais, devendo integrar a
referida comissão, para este fim, o comandante, chefe ou diretor do candidato (GOIÁS, 1991).
Para seleção, o candidato não pode estar submetido ao Conselho de Disciplina, nem na
condição sub judice, preso preventivamente ou respondendo a Inquérito Policial Militar, salvo se por
fato ocorrido em consequência do serviço e que não constitua ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor
policial militar, ou, ainda, estar licenciado para tratar de interesse particular, condenado à pena de
suspensão de cargo ou função prevista no Código Penal Militar durante o prazo de suspensão ou estar
cumprindo sentença condenatória (GOIÁS, 1991).
O CHOA na PMGO atualmente é regulado pela Lei nº 19.452, de 14 de setembro de 2016,
que reorganiza o Quadro de Oficiais Auxiliares e o Quadro de Oficiais Músicos da Polícia Militar do
Estado de Goiás. A legislação assegura os critérios e as condições para que subtenente PM e 1º sargento
PM da ativa da corporação ingresse e se promova no referido quadro. Este é constituído de 2º tenente
PM, 1º tenente PM, capitão PM e major PM, que assumam função operacional, administrativa e

8 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

104
Análise da Matriz
Análise
Curricular
da Matriz
do Curso
Curricular
de Habilitação
do Curso de
deHabilitação
Oficiais Auxiliares
de Oficiais
do Estado
Auxiliares
de Goiás
do Estado de Goiás

atividades relacionadas
atividades relacionadas
à Polícia Judiciária
à PolíciaMilitar.
Judiciária
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9 9

105
Reis EP e Vilarinho TF

Para isso, foi elaborado um questionário, aplicado por meio da plataforma Google Forms,
com intuito de obter respostas de forma anônima, voluntária e satisfatória, com viés exclusivamente
acadêmico, que foi disponibilizado através de um link enviado para o público-alvo por mensagens
individuais e aos grupos de WhatsApp das turmas, a fim de verificar o impacto do curso em questão na
atividade profissional de acordo com o perfil dos respondentes.

Apesar da dificuldade de encontrar artigos específicos publicados sobre o Cursos de


Habilitação de Oficiais Auxiliares, foram identificados outros que abordavam questões acerca da matriz
curricular, da formação e do ensino policial militar que alicerçaram análise dos dados, como segue.

Resultados e Discussão

As quatro turmas tiveram um total de 513 (quinhentos e treze) policiais militares formados.
O questionário foi respondido por 149 (cento e quarenta e nove) oficiais e ficou disponível por um
período de 15 (quinze) dias, tempo suficiente para obter as respostas.
As turmas mais novas tiveram maior participação no questionário proporcionalmente em
relação à quantidade de formandos. O que se pôde perceber é que quanto mais tempo tinha a turma,
maior a possibilidade desses policiais já estarem na reserva remunerada ou reforma.

Gráfico 1: Faixa etária dos respondentes ao ingressarem no CHOA

Faixa etária

Fonte: Elaborado pelo autor (2020)

Ao analisar a faixa etária dos respondentes ao ingressaram no CHOA, verificou-se que 35%
tinha entre 40 e 44 anos, 29% de 35 a 39 anos e 23% de 45 a 49 anos, o que corresponde a uma média
de idade de 40 a 44 anos. Nenhum pesquisado disse ter mais de 55 anos quando iniciou o curso. Quando
observada isoladamente, a faixa etária de 50 a 54 anos compreendia egressos da 13ª e da 14ª turmas, o
10 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

106
Análise da Matriz Curricular do Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares do Estado de Goiás

que se justifica pelo advento da nova legislação do CHOA, que trouxe novos critérios de seleção, seja
por antiguidade e/ou merecimento, com avaliação de prova e análise da ficha individual de pontuação
(GOIÁS, 2016).
Desse quantitativo, 88,6% são do sexo masculino e 11,4% do sexo feminino. Do total, 11%
tinham entre 11 a 14 anos de tempo de efetivo serviço na PMGO quando começou o CHOA, 39% entre
15 a 19 anos, 24% de 20 a 24 anos, 23% de 25 a 29 anos e somente 3% tinham mais de 30 anos de
efetivo serviço, sendo esses integrantes das duas últimas turmas, após a implementação da nova
legislação sobre o CHOA (GOIÁS, 2016).
Também foi perguntado qual a escolaridade do respondente ao iniciar no CHOA. Dentre as
duas opções de resposta disponibilizadas, que se referiam à educação básica (ensino fundamental) e à
pós-graduação stricto sensu (doutorado), nenhum dos respondentes marcou esta última opção. Em
relação às outras respostas, 4% afirmaram ter concluído o mestrado, 38% têm pós-graduação lato sensu,
32% possuem graduação (licenciatura, bacharelado ou tecnólogo), 19% têm curso superior sequencial
e 7% apenas ensino médio.
Posteriormente, fazendo uso das mesmas opções, foi questionando a atual escolaridade de
cada um, referente ao ano de 2020. Os resultados apresentaram 1% de doutorado, 7% de mestrado, 43%
de pós-graduação lato sensu, 27% de graduação (licenciatura ou tecnólogo), 17% de superior sequencial
e 5% de ensino médio. Percebemos, a partir dessas respostas, uma pequena diminuição na porcentagem
de pessoas graduadas (licenciatura ou tecnólogo), de 32% para 27%, fato explicado por ter sido elevado
o índice de pós-graduação lato sensu de 38% para 43% e o nível de mestrado e doutorado de 4% para
8% atualmente. Isso demonstra que os oficiais do QOA depois da formação do CHOA estão em
constante aperfeiçoamento.
Gráfico 2: Área de atuação no serviço policial militar

Fonte: Elaborado pelo autor (2020)

11

107
Reis EP e Vilarinho TF

Os oficiais participantes foram também indagados sobre qual área do serviço policial trabalham,
operacional ou administrativo. Em seguida, foi feita uma pergunta aberta caso atuassem em outras áreas não
especificadas, muitos responderam que atuam nas duas áreas, alguns informaram que são Comandantes de
Policiamento de Unidade (CPU) e Comandante de Companhia ou Pelotão, já outros exercem função no serviço
administrativo, mas eventualmente trabalham como CPU.
No estudo Formação do oficial da PMMG: uma análise do desempenho profissional dos egressos
antes e depois do advento da Lei Complementar nº 115 Lei n° 115, Sousa (2019) constatou que dos oficias
tenentes do QOPM mineiro, 66% em média trabalham no serviço operacional e 34% no serviço administrativo.
Se excluirmos a 12ª turma do CHOA de 2013 dos dados utilizados neste estudo, a proporção entre
os egressos que trabalham no serviço operacional e administrativo ficaria com 55% e 45%, respectivamente,
aproximando-se da pesquisa de Sousa (2019). Destaca-se que o estudo da PMMG trabalhou somente com o perfil
dos oficiais tenentes do QOPM. Já este estudo considerou tenentes, capitães e majores do QOA.
Na sequência, foi averiguado qual a principal função exercida na instituição, sendo que 42% dos
respondentes são chefes de seção, 21% são CPU, 1% comandante de unidade, 9% comandante de companhia,
11% comandante de pelotão, 4% adjunto de seção e 12% relataram outra função. Em relação a este último grupo,
as respostas variaram entre chefe de seção de inteligência, adjunto de seção de inteligência, seção de secretaria,
gerência de segurança institucional, COD comando, Rotam comando, CPE comando, subcomandante de unidade,
professor, respondendo por todas as seções administrativas da unidade, com atuação em várias frentes de serviço
e confecção de processos e procedimentos administrativos diversos.
Assim, verificou-se, conforme o perfil profissiográfico estabelecido pela Senasp, que chefes de
polícia ostensiva estão exercendo atribuições de dirigir, coordenar e executar atividades de polícia ostensiva e
preservação da ordem pública, além de coordenar e executar ações de inteligência destinados a prevenir a
criminalidade, planejar e coordenar ações de treinamento da tropa e executar o poder da Polícia Judiciária Militar
na apuração de infrações penais militares que envolvam seus membros. Esses estão presentes também no
planejamento, na coordenação e execução do emprego de recursos humanos e materiais necessários para o
desempenho da atividade-fim, cumprindo a política de pessoal e administrativa institucional, dentre outras
atribuições (GOIÁS, 2008).
Sobre o grau satisfação profissional como oficial da PMGO, a maioria respondeu ser ótimo ou
excelente. Resultado semelhante foi obtido quando abordado se o CHOA foi capaz de capacitá-los no exercício
das tarefas como oficial. Já quando perguntados sobre as tarefas na atividade profissional, sem citar a capacitação
no CHOA, a maioria respondeu que a capacitação advém da experiência profissional. Já quando abordado sobre
as tarefas nas atividades profissionais e se a capacitação vem da experiência profissional, da troca de informações
com colegas de trabalho ou do CHOA, 85% disseram que a capacitação vem da experiência profissional,
demonstrando, assim como Gomes (2019), o quão importante é essa variável na capacitação desses habilitandos.
Isso evidencia que esses profissionais chegam ao oficialato com experiência profissional salutar,
sendo que 63% tinham de 15 a 24 anos de tempo de efetivo serviço na PMGO quando começaram o CHOA.

12 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

108
Análise da Matriz Curricular do Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares do Estado de Goiás

Nesse viés, foi indagado se a capacitação recebida no CHOA é compatível com o nível de exigência na atividade
profissional, 7% dos respondentes discordam plenamente dessa afirmação, mas 68% concordam parcialmente ou
plenamente. Isso é corroborado porque as disciplinas estão alinhadas à Matriz Curricular Nacional e, conforme
Sanches e Sousa (2008), às particularidades institucionais relacionadas ao período do curso.
Posteriormente, foi questionado sobre a percepção de importância e domínio de vários temas na
atividade profissional do cargo de tenente da PMGO, de acordo com o nível de concordância de 1 a 5, sendo 1
“discordo totalmente”, 2 “discordo”, 3 “indiferente”, 4 “concordo” e 5 “concordo totalmente”. Assim, foi
inquirido sobre a atividade de comandantes de pelotão na coordenação de turnos operacionais, na confecção de
processos e procedimentos administrativos diversos, na administração de recursos logísticos e recursos humanos
diversos até o nível de pelotão/setor, no zelo pela hierarquia e disciplina, no planejamento e coordenação de
operações policiais militares e na análise criminal. As respostas tiveram resultados semelhantes, sendo que a
maioria concorda ou concorda totalmente.
Já um dado que chamou a atenção, foi quanto à abordagem na promoção de reuniões comunitárias.
A maioria dos respondentes concordam que é: (a) necessário estabelecer pautas de discussão em conjunto com a
comunidade; (b) mobilizar a comunidade para as reuniões e (c) definir em conjunto com a comunidade as
estratégias de entretamento aos problemas locais. Outro dado semelhante ocorreu no desenvolvimento de
atividades de comunicação organizacional, ao se estabelecer parcerias, ou ainda quando se tratou da confecção
de escalas de serviço, diligenciar para a aquisição de recursos logísticos necessários e treinamento da tropa.

Gráfico 3: Necessidades apontadas na promoção de reuniões comunitárias

Fonte: Elaborado pelo autor (2020)

Por último, foi questionado sobre a contribuição das 43 disciplinas na atividade profissional do
oficial. Assim, foram elencadas as 10 disciplinas que mais auxiliaram a nova formação, são elas: Processos e
Procedimentos Administrativo Disciplinar; Direito Penal Militar e Processual Penal Militar; Atividade de

13

109
Reis EP e Vilarinho TF

Inteligência; Análise de Cenário e Riscos; Direito Administrativo; Planejamento Operacional; Análise Criminal;
Comunicação Social e Oratória; Direito Penal; e Gerenciamento de Crises, estando essas previstas na Matriz
Curricular Nacional (BRASIL, 2014).
Porém, ao analisar o rol de disciplinas que menos contribuíram na atividade profissional pós-
formatura, as mais citadas pelos respondentes foram Defesa Pessoal Policial; Técnica Especial de Direção
Policial; Trabalho de Conclusão de Curso; Estágio Supervisionado; Medicina Legal; Ordem Unida; Técnica de
Ensino; Gestão de Licitações e Contratos Administrativos; Teoria Geral da Administração; e Procedimento
Operacional Padrão – Módulo EAD.

Gráfico 4: Dez disciplinas que menos ajudam na atividade profissional do oficial

Fonte: Elaborado pelo autor (2020)

A Polícia Militar do Estado de Goiás, buscando padronizar condutas para melhorar a


qualidade da prestação de serviço público, a partir de um elevado grau de profissionalismo, determinou
uma sequência de diretrizes com objetivo de tornar legítimas as ações do estado perante a sociedade
quando instituiu o Procedimento Operacional Padrão, 3ª edição, revista e ampliada, sendo tal disciplina
elencada nos diversos cursos da instituição, como Defesa Pessoal Policial, devendo ser a frequência o
que causou repulsa aos questionados. Outra explicação é a repetição do assunto tratado em outras
disciplinas, como Uso Seletivo da Força e Técnica Policial Militar I e II (GOIÁS, 2014).
Quanto à disciplina Medicina Legal, houve redução na carga horária a partir da 12ª turma. A
disciplina de Ordem Unida é um dos recursos mais eficazes para se atingir o exercício de comando e
coordenação, pois tem uma interação entre chefe e liderados na qual a tropa demonstra quatro
indicadores de efetividade, como moral, disciplina, espírito-de-corpo e proficiência, sendo de suma
14 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

110
Análise da Matriz Curricular do Curso de Habilitação de Oficiais Auxiliares do Estado de Goiás

importância nos cursos. Apesar disso, ela apareceu como a sexta de menor importância, por ser praticada
todos os dias durante o curso, seja nas formaturas matinais no CAPM, nos deslocamentos em perfeita
ordem ou em outras circunstâncias diárias.
Em relação à disciplina de Estágio Supervisionado, o futuro oficial é empregado como reforço
para o policiamento em geral, seja na execução do policiamento ostensivo a pé, no patrulhamento
ostensivo ou policiamento em evento, e não necessariamente estão empregados no planejamento, na
coordenação e direção das Atividades de Polícia Ostensiva e preservação da ordem pública prevista no
perfil profissiográfico (GOIÁS, 2008).
As turmas abordadas neste estudo não tiveram Trabalho de Conclusão de Curso. Quanto aos
resultados em relação à Defesa Pessoal Policial e Técnica Especial de Direção Policial, uma evolução
na grade curricular foi observada. Isso se deve porque, normalmente, o oficial não é empregado na
direção de veículo oficial. A disciplina de Teoria Geral da Administração foi retirada da matriz
curricular da 14ª turma.
De acordo com a vivência no curso, os habilitados chegaram a realizar a formação com larga
experiência profissional, havendo redução do tempo de disciplinas como Técnica Policial Militar I
(disciplina teórica e prática) e a retirada da disciplina de Técnica Policial Militar II (teórica), já que essa
já é realizada na forma de Ensino a Distância, através do POP, 3ª edição, revista e ampliada.

Considerações Finais
Este trabalho buscou, de modo geral, analisar a Matriz Curricular do Curso de Habilitação
de Oficias Auxiliares da PMGO e, de maneira específica, comparar as matrizes do CHOA de 2010 a
2018, com a Matriz Curricular Nacional e o perfil profissiográfico do oficial da PMGO, além de verificar
o impacto do curso na atividade do oficial.
De acordo com o perfil da pesquisa, das dez disciplinas que menos ajudam na atividade
profissional do oficial e o perfil desses pesquisados, verifica-se que devem ser retirados da Matriz
Curricular do CHOA os conteúdos de Defesa Pessoal Policial, Técnica Especial de Direção Policial,
Medicina Legal, Técnica de Ensino, Teoria Geral da Administração e Técnica Policial Militar II. Mesmo
estando no rol das dez disciplinas que menos ajudam, as disciplinas de Ordem Unida, Estágio
Supervisionado, Gestão de Licitação e Contratos e Procedimento Operacional Padrão devem ser
mantidas. Já quanto à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, ela também deve permanecer,
apesar da repulsa dos respondentes, já que é fruto de um trabalho intelectual e individual, corroborado
pelos avanços que a instituição pode alavancar com esse exercício de produção de escrita e compreensão
do processo de pesquisa.

15

111
Reis EP e Vilarinho TF

Também foi verificado que o impacto do curso interfere na formação do novo chefe de
polícia ostensiva, mas deve ser constantemente considerado o nível de experiência desse profissional, o
que gera uma certa satisfação favorável para o exercício da sua atividade laboral.
Diante de todos os resultados, uma sugestão para a Matriz Curricular do CHOA foi
desenvolvida, conforme o Apêndice A deste estudo, objetivando auxiliar a corporação nas ações
formativas para futuros chefes de polícia ostensiva do estado de Goiás.

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16 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

112
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Sobre os Autores
17

113
profissional dos egressos antes e depois do advento da lei complementar Nº 115. Belo Horizonte,
2019.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro et al. Escola: espaço do Projeto Político Pedagógico. 13. ed. São Paulo:
Editora Papirus, 2008. Reis EP e Vilarinho TF

Elyézer de Paula Reis é Licenciado em Física pela Pontifícia Universidade Católica Reis EP ede Goiás TFe
Vilarinho
Sobre os
Bacharel em Autores
Direito pela Faculdade Lions. Especialista em Docência do Ensino Superior. 2º Tenente
QOAPM, Chefe da Seção Técnica de Ensino, do Núcleo de Ensino a Distância e Professor do Comando 17
da Academia da Polícia Militar. https://orcid.org/0000-0003-1062-0994
Elyézer de Paula Reis é Licenciado em Física pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e
Bacharel Ferreira
Tatiane em Direito pela Faculdade
Vilarinho é MestreLions. Especialista
e Doutora em Docência
em Ciência do Ensino
da Informação pelaSuperior. 2º Tenente
UNB, estudiosa do
QOAPM,
Ensino na Chefe da Seção
Segurança Técnica
Pública de Ensino,
e Policial dodo
Militar Núcleo
Estado dede
Ensino
Goiás.a Distância e Professor do Comando
https://orcid.org/0000-0002-3802-
da Academia da Polícia Militar. https://orcid.org/0000-0003-1062-0994
6893
Tatiane Ferreira Vilarinho é Mestre e Doutora em Ciência da Informação pela UNB, estudiosa do
Ensino na Segurança Pública e Policial Militar do Estado de Goiás. https://orcid.org/0000-0002-3802-
6893
Recebido: 04 ago. 2020
Aceito: 26 mai. 2021

Recebido: 04 ago. 2020


Aceito: 26 mai. 2021

18 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

18 114 v. 14, n. 2, 2021


REBESP, Goiânia,
ISSN 2175-053X ARTIGO

INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SISTEMA DE ANÁLISE CRIMINAL E


INOVAÇÃO NA PMGO: UMA PROPOSTA PARA O APERFEIÇOAMENTO DA
TOMADA DE DECISÃO, DO EMPREGO DOS RECURSOS POLICIAIS E
MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO DO POLICIAMENTO OSTENSIVO
PREVENTIVO
Geyson Alves Borba RESUMO: O presente artigo teve o objetivo analisar a efetividade e eficácia da criação
de um Sistema de Análise Criminal e Inovação na Polícia Militar do Estado de Goiás
Polícia Militar de Goiás, - PMGO no intuito de, aperfeiçoar e modernizar a gestão de polícia ostensiva
Goiânia, Goiás, Brasil. E- preventiva, bem como propor a estruturação de um Centro de Análise Criminal e
mail:geysonborba@hotmail. Inovação como órgão central de gestão de todo o sistema e verificar a possibilidade
com da elaboração de uma Doutrina de Análise Criminal e Inovação para a PMGO. A
pesquisa foi motivada diante da necessidade de se normatizar e solucionar a produção
de análise criminal, para que promova uma inovação contínua no âmbito institucional,
aperfeiçoando a tomada de decisão em todos os níveis de planejamento (estratégico,
tático e operacional), possibilitando o correto emprego dos recursos policiais e ao
mesmo tempo fomentando a modernização da gestão do policiamento ostensivo
preventivo. Para tanto, utilizou-se obras bibliográficas, artigos científicos, leis,
pesquisa de campo, juntamente com a aplicação de questionário direcionado aos
comandantes de unidades operacionais, administrativas e especializadas após
autorização da Chefia de Estado Maior Estratégico da Instituição. Sendo constatado
a importância da criação de um Sistema de Análise Criminal e Inovação na PMGO e
a elaboração de uma doutrina que estabeleça um conjunto de ensinamentos,
princípios, e conceitos para padronizar todas as atividades a serem desenvolvidas.

Palavras-chave: Análise Criminal. Inovação. Polícia Militar.

INSTITUTIONALIZATION OF THE CRIMINAL ANALYSIS AND


INNOVATION SYSTEM AT PMGO: A PROPOSAL FOR THE
IMPROVEMENT OF DECISION-MAKING, THE EMPLOYMENT OF
POLICE RESOURCES AND MODERNIZATION OF THE MANAGEMENT
OF OSTENSIVE PREVENTIVE POLICING

ABSTRACT: This article aimed to analyze the effectiveness and efficiency of the
creation of a Criminal Analysis and Innovation System in the Military Police of the
State of Goiás - PMGO in order to improve and modernize the preventive police
management, as well as propose the structuring of a Criminal Analysis and Innovation
Center as the central management body for the entire system and verify the possibility
of developing a Criminal Analysis and Innovation Doctrine for PMGO. The research
was motivated by the need to standardize and solve the production of criminal
analysis, as well as promoting continuous innovation within the scope of the PMGO,
in order to improve decision-making at all levels of planning (strategic, tactical and
operational), promoting the correct use of police resources and at the same time
promoting the modernization of the management of ostensive-preventive policing.
For that, bibliographic works, scientific articles, laws, field analyzes were used,
together with the application of a questionnaire directed to the commanders of
operational, administrative and specialized units after authorization of the Institution's
Strategic Staff. Being evidenced the importance of creating a Criminal Analysis and
Innovation System at PMGO, as well as the elaboration of a doctrine in order to
establish a set of teachings, principles, and concepts to standardize all the activities to
be developed.

Keywords: Criminal Analysis. Innovation. Military police.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

115
Borba GA

Introdução

A
atividade de análise criminal, que já se encontra consolidada no meio cientifico da segurança
pública, visa o desenvolvimento de estudos sobre dinâmica criminal, elaboração de políticas,
programas, projetos e ações de redução de violência e criminalidade, estratégias de promoção
da sensação de segurança, prospecção de cenários, apoiando e facilitando o processo decisório com
objetivo em atingir melhores resultados.
Já a atividade de inovação tem como foco criar e propor novas ideias, meios, métodos,
técnicas, táticas, protocolos, processos e soluções voltados para o aprimoramento profissional, avaliação
organizacional, otimização da gestão, aplicação de recursos, critérios de avaliação, medidas de
desempenho, modernização tecnológica e evolução gerencial e institucional.
É notório que a primeira atividade complementa a segunda, por disponibilizar um
diagnóstico com as possíveis causas do problema, e verifica as possíveis soluções, no entanto, com um
diferencial, a atividade de análise criminal realiza a solução destes problemas através de novas práticas,
concepções, pontos de vista que permitam uma solução mais duradoura, eficaz e eficiente.
Com a escassez de efetivo e recursos materiais, bem como investimentos no montante
apropriado, é vital a adoção de uma concepção de inovação, no intuito de criação de novas ideias e
estratégias, com o objetivo de colaborar para implementação de melhorias operacionais e
administrativas, novos processos e métodos organizacionais, aprimoramento tecnológico, assim como
o aumento da performance no alcance de metas e objetivos da instituição.
Outro fator preponderante é o devido assessoramento dos comandantes em seus respectivos
níveis com conhecimentos que permitam o ato decisório em menor tempo e com um grau apurado de
certeza, subsidiando assim, os planejamentos com conhecimentos que permitam potencializar as ações
do policiamento ostensivo preventivo em suas unidades.
Diante do exposto, o presente artigo cientifico tem os objetivos de analisar a efetividade e
eficácia da criação de um Sistema de Análise Criminal e Inovação na Polícia Militar do Estado de Goiás,
aperfeiçoar e modernizar a gestão de polícia ostensiva preventiva e propor a estruturação de um Centro
de Análise Criminal e Inovação como órgão central de gestão de todo o sistema e verificar a
possibilidade da elaboração de uma Doutrina de Análise Criminal e Inovação para a PMGO.
A pesquisa foi motivada diante da necessidade de se normatizar e solucionar a produção de
uma análise criminal que promova uma inovação contínua no âmbito da Polícia Militar do Estado de
Goiás, que auxilie na tomada de decisão em todos os níveis de planejamento (estratégico, tático e
operacional), promovendo o correto emprego dos recursos policiais e ao mesmo tempo fomente a
modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo.
2 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

116
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

A quebra de paradigmas dentro das polícias militares sempre foi um desafio para os gestores.
A necessidade de se reinventar está cada vez mais evidente, e vários motivos alertam para isso, como a
falta de investimento, déficit de efetivos, sobrecarga de trabalho, mudança na dinâmica do crime,
competição institucional com outras formas de segurança e inúmeros outros fatores. Contudo, ainda
existem resistências no seio da tropa, no sentido de impedir a inovação e evitar quebrar certas tradições
que acabam por atrasar o seu desenvolvimento.
É cogente a necessidade de mudança na visão de segurança pública, principalmente no que
diz respeito ao policiamento ostensivo preventivo, se quisermos resultados mais eficazes e efetivos. A
demanda por informações para planejar de maneira competente é latente, contudo, o processo não
finaliza ao término do planejamento, é necessário executá-lo, e para isso a adoção de estratégias e
metodologias modernas é ainda mais latente, sobretudo para conseguir superar os motivos já elencados
quanto à necessidade de se reinventar.
Somente com ações exclusivamente policiais, não se consegue promover a preservação da
ordem pública e a paz social. É preciso ir além, devendo haver a assunção das responsabilidades como
ente integrante e participativo da sociedade.
Dentro das polícias militares existem pressões, tanto internas como externas, para que haja
uma reestruturação da sua forma de atuação ou de sua estrutura, partindo de diferentes focos como
criação de canais de interlocução com a comunidade mais efetivos e confiáveis, qualificação e
valorização profissional de seus policiais, adoção de estratégias e monitoramento do que é produtivo no
policiamento. Toda essa tentativa ou processo de mudança de cultura é marcada por avanços e
retrocessos, influenciado diretamente pela utilização de sistemas de análises e informações,
metodologias de trabalho, ideias que realmente fazem a diferença, que rompem paradigmas, ou seja,
pela aceitação de que o caminho para o sucesso passa obrigatoriamente pela adoção de uma cultura de
incentivo a inovação e produção de análises e informação.
A criação de um Sistema de Análise Criminal na PMGO, consubstanciado no princípio da
interação e no caráter sistêmico e sinérgico, pode vir a estimular o intercâmbio de conhecimentos por
intermédio do fluxo de informação, conhecimento, diagnósticos, prospecções e relatórios. Normatizaria
ainda o acesso e divulgação de informações e documentos, sempre levando em consideração o tipo de
usuário ou público e a audiência que receberá a informação, o propósito pelo qual tal informação estará
sendo divulgada e o contexto de cada situação onde haverá a divulgação.
A efetivação de um sistema desta envergadura, mediante a articulação coordenada das
unidades que o constituem, respeitada a autonomia funcional e observadas as normas legais pertinentes
a atividade-fim, proporcionaria a coordenação, orientação, execução, supervisão, fiscalização das

117
Borba GA

atividades de análise criminal, bem como incentivaria a implementação de programas, projetos e ações
estratégicas de inovação, modernização e aperfeiçoamento da gestão da PMGO e do policiamento
ostensivo preventivo.
O presente trabalho foi desenvolvido por meio de levantamentos realizados em obras
bibliográficas, artigos científicos, leis, pesquisa de campo, juntamente com a aplicação de questionários
direcionados aos comandantes de unidades da PMGO com a devida autorização da Cheia de Estado
Maior Estratégico da Instituição. Foi criado utilizando o Google Forms, um aplicativo do pacote Google
Drive com serviço de armazenamento e sincronização de arquivos, sendo o questionário (Apêndice A)
composto de 10 (dez) perguntas, cujo link de acesso foi disponibilizado via Sistema Eletrônico de
Informações, ficando disponível por 10 (dez) dias. As respostas obtidas foram analisadas dentro do
contexto geral do trabalho, juntamente aos demais dados apurados na pesquisa bibliográfica.

A Análise Criminal e a Inovação


Origem, produção e barreiras da análise criminal
De acordo com Souza (2008), as origens da Análise Criminal têm suas raízes na atividade
de inteligência que, por sua vez, pode ser encontrada tanto em estratégias chinesas de guerra, quanto em
batalhas épicas descritas em outros textos. Em quaisquer dessas publicações, entretanto, existe algo em
comum: o fato de que as ferramentas da estratégia e da inteligência utilizadas são dependentes da
obtenção de dados e informações que, após análise, servem como base para a tomada de decisões.
Na Era Moderna, os primeiros passos da Análise Criminal, como hoje é concebida, podem
ser identificados na Inglaterra, através do trabalho do magistrado Henry Fielding (1707-1754) que, ao
sistematizar os dados de denúncias de crimes, os utilizava para fazer a alocação dos policiais nas ruas
(DANTAS; SOUZA, 2004).
Segundo Peterson (1994 apud DANTAS; SOUZA, 2004), cada vez mais os países e os
departamentos de polícia têm adotado a Análise Criminal como apoio às suas operações de prevenção
e de investigação. Setores específicos de Análise Criminal têm sido criados nas organizações policiais
e, em certos países, como os Estados Unidos e o Canadá, a atividade de analista criminal constituiu-se
em uma carreira profissional específica.
Em decorrência, surgiram importantes associações representativas desses profissionais, com
o principal objetivo de difundir a Análise Criminal e de estabelecer padrões internacionais de
qualificação, tanto da atividade, quanto dos profissionais que a praticam. Entre essas associações estão,
por exemplo, a Associação Internacional de Analistas de Segurança Pública (International Association
of Law Enforcement Analysts - IALEIA), criada em 1980 e a Associação Internacional de Analistas de

4 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

118
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

Crime (International Association of Crime Analysts - IACA), criada em 1990 (PETERSON, 1994;
MACA, 2007).
No Brasil, apenas recentemente a Análise Criminal tem sido introduzida formalmente no
cardápio de ferramentas disponíveis para a segurança pública. Em razão deste cenário é parca a tradução
de obras literárias especializadas sobre o tema. Os profissionais brasileiros que se interessam pela
temática, ainda precisam buscar fontes estrangeiras, porém ainda encontram dificuldades com relação
ao contexto, que normalmente não guarda consonância com a realidade vivenciada no Brasil. Todavia,
pouco a pouco, a Análise Criminal tem se tornado tema de discussão e ferramenta de trabalho em
diversas organizações policiais brasileiras, ocupando, cada vez mais, espaço relevante no processo de
tomada de decisão e desencadeamento de ações no âmbito da segurança pública (BEATO, 2000 apud
DANTAS; SOUZA, 2004).
Embora sua introdução e uso sejam recentes, a Análise Criminal tem sido cada vez mais
utilizada, sendo limitada pela falta de visão dos gestores policiais arraigados com velhas práticas que o
conhecimento científico pouco a pouco tem colocado por terra.
A Análise Criminal, como especificam os especialistas reconhecidos mundialmente, é um
instrumento de apoio à atividade de segurança pública, seja ela de prevenção ou de repressão de crimes
e desordem. Em decorrência, ela serve a diferentes circunstâncias conforme sejam os objetivos finais
do processo decisório.
Atualmente, existe uma ampla e farta produção de informação, metodologias e técnicas
sobre o tema no âmbito da segurança pública em diferentes países, como os Estados Unidos da América
(EUA), Inglaterra, Canadá e que, infelizmente, no Brasil, tal produção é escassa e restrita a algumas
instituições acadêmicas e a alguns profissionais bastante especializados na gestão policial, o que poderia
ser considerado um empecilho na formulação de políticas de segurança pública.
De acordo com Dantas e Souza (2004), essa escassez pode estar relacionada a duas possíveis
questões: de um lado a ausência de uma cultura técnica de análise criminal que não favorece uma
necessária presteza no estabelecimento de grandes sistemas nacionais de dados agregados para a gestão
pública de segurança; de outro, o não surgimento de uma cultura técnica que favoreça a análise criminal,
pela ausência de um sistema de dados agregados que lhe dê sustentação.

A inovação na Administração Pública

Quando iniciamos as pesquisas sobre inovação, Koch e Hauknes (2005) ressaltam que para
a realização de inovações atreladas aos objetivos de bem-estar da sociedade, se faz necessário gerar um
quadro de análise que abarque elementos políticos e de um contexto não mercantil. A partir disso deve-

119
Borba GA

se procurar entender motivações e impedimentos à inovação onde o controle público, o fornecimento de


serviços basilares e/ou a ausência de propriedade são características inerentes à prestação do serviço
(DJELLAL & GALLOUJ, 2012; KOCH & HAUKNES, 2005).
Brandão e Bruno-Faria (2013) observam que na Administração Pública existem elementos
que facilitam ou são barreiras às suas inovações. Facilitadores consistem nos elementos que causam
influência e geram iniciativas às atividades inovadoras, prezando a excelência operacional e a eficiência
de custos, sendo sua compreensão de suma importância à assimilação do processo de inovação em
organizações públicas. Já as barreiras abrangem fatores que influenciam negativamente o processo de
inovação, permanecendo em evidência seja quando existe carência de apoio à inovação - como também
no déficit na habilidade de gestão intergovernamental e inter setorial - seja quando há dificuldade, entre
outros, de capacitação da equipe e entraves legais e orçamentários (BRANDÃO & BRUNO-FARIA,
2013).
Acerca da inovação em serviços, Gallouj (1997) explica que existem três abordagens
teóricas principais: baseada em serviços, tecnicista e integradora. Na abordagem integradora a inovação
presente nos serviços pode ser observada, segundo o autor, em cinco ocasiões: I. Em produto (serviço
final); II. Em processo (renovação de procedimentos produtivos e distribuição e ou entrega); III.
Organizacional (novas formas de organização e gestão); IV. Mercado (novo comportamento do
ambiente); e V. Ad hoc (atendendo necessidades particulares de clientes). Gallouj e Weinstein (1997)
observam que uma vez em que há simultaneidade entre produção e consumo do serviço é praticamente
impossível realizar uma alteração no produto sem efetivar modificações no processo. Portanto, inovação
em serviços geralmente implica em mudanças em elementos do processo produtivo e do produto,
simultaneamente (GALLOUJ, 1997; GALLOUJ & WEINSTEIN, 1997).
Para Mulgan (2007) existem seis elementos facilitadores capazes de promover a inovação
no setor público: 1. Capacidade das lideranças organizacionais em estabelecer uma cultura de inovação;
2. Gatilhos políticos, orçamentários e tecnológicos e necessidades dos cidadãos; 3. Criatividade e
capacidade de recombinação do serviço; 4. Estímulo a protótipos e pilotos; 5. Capacidade para mobilizar
a implementação e disseminação da inovação em larga escala; e 6. Existência de um sistema de gestão
de riscos. Ainda segundo o autor existem fatores que governos podem aplicar para aumentar as chances
de que as inovações venham a instituir valor público, como criar ambientes favoráveis, recrutar pessoas
inovadoras, prover demanda para soluções (e produtos) e criar espaços protegidos, onde ideias radicais
possam se desenvolver.
Apesar de ser reconhecida, a importância da inovação à melhoria de serviços públicos,
Storey (2000) argumenta que as respostas dessas organizações estão aquém do esperado e as razões

6 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

120
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

desse baixo rendimento são os fatores que se constituem como barreiras às atividades de inovação.
Segundo Braga (2006), as inovações na polícia são respostas a crises e aos novos dilemas
produzidos pela incompatibilidade entre um novo tipo de problema criminal versus um subsistema ciclo
de polícia obsoleto. O “choque externo” que os sistemas sofrem, produzido pelas manifestações de um
novo problema criminal é a “mola propulsora da inovação”.
Partindo da definição de Moore (2003), um modelo mínimo de inovação se apresenta a partir
de duas premissas: uma com foco na identificando e tratamento de problemas criminais, como missão
da organização policial e uma segunda com priorização do policiamento ostensivo, como principal
recurso da organização policial.
Em relação a inovação na segurança pública, geralmente, as possibilidades de inovação são
consideradas como poucas e as organizações que operam no sistema são avaliadas como impermeáveis
às inovações e são relatadas mais barreiras do que facilitadores (GOLDSTEIN, 1990). Destaca-se que
pouco se pesquisa sobre a área de segurança pública (ROLLIM, 2007); a exceção tem sido serviços de
polícia comunitária e de policiamento orientado à solução de problemas, abordagens colaborativas entre
policiais, cidadãos e agências que compõem os sistemas de segurança pública (GOLDSTEIN, 1990).
Especificamente falando sobre a Polícia Militar (PM) do Brasil, ainda que seja o “órgão de governo
mais facilmente acessado e a presença mais visível do poder do Estado” (BITTNER, 2003, p. 29), as
inovações esbarram no exacerbado corporativismo, na visão militarizada, no abismo entre a PM e a
comunidade e na falta de planejamento e do controle gerencial.
E, talvez por constituir a parte mais visível do enfrentamento diário do crime, em face de
seu caráter eminentemente ostensivo, a PM tem buscado modificações quanto a sua estrutura, suas
competências, seu modo de atuar (especialmente a abordagem policial) e a natureza de suas atividades
(OLIVEIRA, 2011).

Resultados e Discussões
Buscou-se, na presente pesquisa, analisar a efetividade e aceitabilidade da criação tanto de
um Sistema de Análise Criminal e Inovação da Polícia Militar do Estado de Goiás – PMGO, como de
uma Agência Central para gerir tal sistema, no intuito de aperfeiçoar e modernizar a gestão de polícia
ostensiva preventiva e verificar a relevância da elaboração e disponibilização de uma Doutrina de
Análise Criminal e Inovação para a PMGO para nortear e ajudar na padronização das atividades.
Fica claro que tal demanda é importante para a Polícia Militar de Goiás, bem como para
outras instituições de segurança pública, principalmente na preparação e planejamento das atividades
para o policiamento ostensivo preventivo. Vários autores aqui citados comprovam isso, quando

121
Borba GA

demonstram a importância da análise criminal para uma instituição de segurança pública e as barreiras
a serem enfrentadas, o que um sistema de análise criminal pode contribuir para vencê-las. O mesmo
acontece em relação a inovação, onde vários autores citados explicitam sua importância para a melhoria
de serviços públicos, principalmente na adoção de respostas a crises e escassez de recursos dentro da
segurança pública.

Gráfico 1 - Área de atuação da unidade policial pesquisada

Fonte: o autor (2020).

O questionário foi disponibilizado, após autorização da Chefia do Estado Maior Estratégico


da PMGO, aos comandantes de unidades da PMGO no intuito de verificar suas opiniões quanto aos
objetivos do presente artigo.
O organograma da PMGO, possui 136 unidades subordinadas ao Comando Geral, tendo
respondido a pesquisa 108 comandantes de unidades, o que atribui a pesquisa um nível de confiabilidade
de 99% e uma margem de erro de 5,65% em relação a sua variação. A referida amostra ainda atingiu
uma cobertura de 79,5% da amostra estabelecida, tendo se declarado como unidades administrativas
13% delas, 77,8% unidades operacionais e 9,3% unidades especializadas, conforme gráfico acima.
O gráfico abaixo apresenta um panorama onde 61,1% das unidades, quase todas unidades
operacionais, informaram que não possuem uma seção ou departamento responsável pela elaboração
de análise criminal e inovação. Outros 23,1% declararam possuir somente de análise criminal, que na
sua grande maioria são unidades de nível tático, como regionais e alguns grandes comandos
operacionais e outros 14,8% responderam possuir uma seção responsável tanto pela análise criminal
como pela inovação, todas unidades do nível estratégico, como seções do Estado Maior e unidades de
apoio.

8 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

122
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

Gráfico 2 - Existência na unidade pesquisada de seção ou departamento responsável pela elaboração de


análise criminal e inovação

Fonte: o autor (2020).


Diante da confirmação de 42 unidades (38% da amostra) de que possuem seção ou
departamento que realizam análise criminal e inovação, 35,7% delas responderam funcionar sem
nenhuma regulamentação, 33,3% responderam funcionar através de norma instituída na estrutura da
instituição e 19% informaram estar regulamentadas tanto por norma da intuição como da unidade,
estando ainda 11,9% regulamentadas apenas com norma da unidade, conforme gráfico acima.
Fica evidente a falta de padronização da regulamentação das poucas unidades que
declararam possuir uma seção responsável pela análise criminal e inovação, sendo que a maior parte
delas funcionam sem regulamentação nenhuma.

Gráfico 3 - Presença de regulamentação da seção ou departamento responsável pela elaboração de análise


criminal e inovação existentes nas unidades pesquisadas

Fonte: o autor (2020).


Das 27 unidades que informaram possuir regulamentação, 18 delas informaram se tratar de
uma portaria da Instituição, 05 unidades declaram estar regulamentadas por uma ordem verbal e 4 por
um istrumento normativo ou da Secretária de Segurança Pública ou do próprio poder executivo, ficando
evidente nestes casos, se tratar de unidades pertencentes diretamente ao comando da Polícia Militar de
Goiás.
9

123
Borba GA

Gráfico 4 - Tipo da regulamentação da seção ou departamento responsável pela elaboração de análise


criminal e inovação existentes nas unidades pesquisadas

Fonte: o autor (2020).


Após verificada a capacidade de produção de análise criminal e inovação das unidades da
PMGO, bem como a sua regulamentação para funcionamento, foi questionado se as unidades recebem
algum tipo de informação ou apoio formal de alguma outra seção ou departamento da instituição ou
outro órgão de segurança pública, constando que a maioria, 39,8% não recebe nenhum apoio ou
informações acerca de análise criminal e inovação para que possa planejar ou fundamentar sua tomada
de decisão. 22,2% alegaram receber apoio formal na área tanto da PMGO como de outras instituições
de segurança pública, 26,9% afirmaram receber apoio e informações somente em relação a análise
criminal da Polícia Militar de Goiás, 5,6% citaram receber apenas apoio em relação a inovação por parte
da instituição e 4,6% apontaram receber apenas informações sobre inovação de outras forças de
segurança pública, de acordo com o gráfico abaixo.
Gráfico 5 - Tipo de apoio recebido pelas unidades pesquisadas em relação a análise criminal e inovação
por outros departamentos de segurança pública

Fonte: o autor (2020).


Fica evidente a fata de apoio em relação a análise criminal e inovação nas unidades

10 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

124
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

operacionais ou o direcionamento de apoio específico em determinadas unidades, dificultando assim,


qualquer preparação ou planejamento de nível estratégico e tático, o que acaba por prejudicar a
execução da atividade-fim da instituição, que é o policiamento preventivo ostensivo.
Foi indagado ainda aos comandantes de unidades, através de pergunta aberta, se em caso
positivo de receber análise criminal ou apoio formal para inovação de alguma outra seção ou
departamento da PMGO ou de outro órgão da segurança pública, que especificassem qual ou quais. A
maioria dos comandantes, que são de unidades estratégicas e táticas, responderam receber ou do
Observatório de Segurança Pública da Secretária de Segurança Pública de Goiás – SSP/GO ou da 3º
Seção do Estado Maior da PMGO essa análise de dados.
O Observatório de Segurança Pública é o órgão responsável a nível de Secretária da
Segurança Pública pela produção de estatísticas de segurança pública e análise criminal, no entanto,
sua competência é de assessorar o nível estratégico, não consegue atender de maneira adequada o
nível tático, e muito menos o nível operacional. Já a PM/3 é uma seção do Estado Maior Estratégico
da PMGO que é responsável pelo planejamento operacional da instituição, mas a própria posição da
referida seção evidencia seu nível de atuação, ou seja, estratégico, portanto, também não conseguindo
atender de maneira satisfatória as unidades de nível tático e operacional em relação a produção de
análise criminal e inovação.
Dentre os 108 comandantes de unidades entrevistados, 24 deles informaram receber
informações de análise criminal que são enviadas por Núcleos de Análise Criminal que foram criados
em alguns Comandos Regionais de forma integrada, no entanto a capacidade de produção destes
núcleos está vinculada diretamente a quantidade de recursos disponibilizados pelos comandantes
regionais, que vária de gestor para gestor, não possibilitando uma periodicidade e ininterrupta
produção de análise criminal.
Outros comandantes de unidades afirmaram ter acesso a plataforma Qlick Sense, que é
gerenciada pelo Observatório de Segurança Pública da SSP/GO e disponibiliza painéis contendo
análise criminal tática e informações gerenciais de segurança pública, mas o acesso a referida
plataforma é restrito e a falta de operadores de segurança pública para desenvolverem novos painéis
e até mesmo com a capacidade de manuseio da referida ferramenta não são suficientes para atender a
demanda das unidades, principalmente as operacionais.
Foi possível identificar através das respostas que cerca de 08 (oito) unidades regionais
repassam informações sobre análise criminal e inovação recebidas do comando da Instituição ou da
Secretária de Segurança Pública a suas unidades subordinadas, mas isso não é uma ação
institucionalizada, obrigatória, e acaba não possibilitando que a limitada análise criminal produzida

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Borba GA

ou informações acerca de inovação cheguem nas unidades operacionais possibilitando seu correto uso.
É incontestável diante do cenário identificado a falta de acesso, de normatização da
distribuição, da produção adequada, do uso correto e oportuno por parte das unidades da Policia
Militar, principalmente das unidades operacionais, em relação a análise criminal e inovação, o que
prejudica ainda mais, como já exemplificado neste artigo o combate e prevenção a criminalidade,
preservação da ordem pública, otimização do policiamento ostensivo preventivo e desenvolvimento
institucional.
Os comandantes ouvidos na pesquisa são quase que unanimes, 88% deles, em concordar
que um órgão central na PMGO a nível de comando que gerenciasse um sistema com capilaridade até
as unidades operacionais, que desse suporte à produção de conhecimento sobre análise criminal e na
criação e implementação de novas estratégias de combate à criminalidade, seja operacional,
tecnológica, administrativa ou em outra área, seria importante para a instituição e para suas unidades.
Apenas 9,3% opinaram que não teria grande relevância e 2,8% declararam não ser relevante para a
instituição, conforme explicitado no gráfico abaixo.

Gráfico 6 - Aceitabilidade da criação de um órgão central na PMGO para gerenciamento e produção de


análise criminal e inovação

Fonte: o autor (2020)


Em relação a importância da criação de uma doutrina de análise criminal e inovação
especifica da PMGO, sendo de opinião que essa contribuiria para o aprimoramento e consolidação
destas atividades na instituição. Observa-se ainda, que 87% concordaram, 9,3% defende que não teria
grande importância e 3,7% alegaram que não teria relevância para instituição.

12 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

126
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

Gráfico 7 - Aceitabilidade da criação de uma doutrina de análise criminal e inovação para a produção,
aprimoramento e consolidação dessas atividades na PMGO

Fonte: o autor (2020)


Em seguida procurou-se identificar qual a subordinação mais adequada para o
funcionamento da agência central que seria responsável por coordenar todo o sistema de análise
criminal e inovação na corporação, com capilaridade até nas unidades operacionais, tendo 57,4%
defendido que devia ser subordinada diretamente ao Chefe do Estado Maior Estratégico da PMGO,
31,5% ao Comandante Geral e 11,1% ao Subcomandante Geral, segundo o gráfico a seguir.

Gráfico 8 - Subordinação dentro da PMGO da Agência Central de Análise criminal e inovação

Fonte: o autor (2020)

Finalizando a pesquisa, com o objetivo de se verificar as judicativas da escolha do nível de


subordinação da agência central, em pergunta de resposta aberta, qual seria motivo da escolha da
autoridade, sendo que a predileção pelo Chefe do Estado Maior Estratégico se deu devido
principalmente pela organização funcional da instituição, onde o Estado Maior é o responsável direto
pela elaboração e monitoramento de planejamento estratégico da PMGO, assessorando direto ao
Comandante e Subcomandante: na tomada de decisões ao elaborar estratégias de combate à

13

127
Borba GA

criminalidade e preservação da ordem pública, otimização do policiamento ostensivo preventivo e


desenvolvimento institucional. A análise criminal e inovação para serem eficientes e eficazes
dependem diretamente dessas estratégias.

Implicações para a Polícia Militar


Por meio deste trabalho, percebeu-se a necessidade premente da criação de um Sistema de
Análise Criminal e Inovação, consubstanciado ao planejamento, controle, coordenação e execução das
atividades de análise criminal e inovação no âmbito da Polícia Militar do Estado de Goiás, com foco no
aperfeiçoamento e modernização da gestão de polícia ostensiva preventiva.
Deste modo, um sistema institucionalizado permitiria o aperfeiçoamento de uma atividade
criminal que visaria o desenvolvimento de estudos sobre dinâmica criminal, elaboração de políticas,
programas, projetos e ações de redução de violência e criminalidade, estratégias de promoção de
sensação de segurança, prospecção de cenários, apoiando e facilitando o processo decisório com
objetivo em atingir melhores resultados. Já a inovação focaria em criar e propor novas ideias, meios,
métodos, técnicas, táticas, protocolos, processos e soluções voltadas ao aprimoramento profissional,
avaliação organizacional, otimização da gestão, aplicação de recursos, critérios de avaliação, medidas
de desempenho, modernização tecnológica e evolução gerencial e institucional.
O Sistema de Análise Criminal e Informação da PMGO - SACRI-PM seria subordinado ao
Comando da Instituição, através da Chefia do Estado Maior Estratégico e caberia aos integrantes, no
âmbito de suas competências, o monitoramento da dinâmica criminal e seus impactos no policiamento
ostensivo preventivo, produção de dados acerca da produtividade policial militar, estatística e análise
criminal, através de metodologias e processos sistemáticos, com o objetivo de fornecimento de
informações oportunas e pertinentes sobre padrões do crime e suas correlações de tendências, assim
como possibilidades de inovações, projetos e pesquisas de modernização, para subsidiar o planejamento
estratégico, tático e operacional, potencializando as ações e estratégias de polícia ostensiva, otimizando
a aplicação de recursos e assessorando o ato decisório, possibilitando que ele seja realizado em menor
tempo e com um grau mais apurado de certeza.
O SACRI-PM seria assim gerenciado: a nível estratégico através do Centro de Análise
Criminal e Inovação – CRACI, ligado diretamente ao Estado Maior Estratégico da PMGO; a nível tático
pelos Núcleos Regionais da Analise Criminal e Inovação – NURACRI (Comandos Regionais) e pelos
Núcleos de Apoio de Análise Criminal e Inovação – NACRI (Grandes Comandos) e, a nível operacional
pelos Núcleos Locais de Análise Criminal e Inovação – NULACRI. Para melhor compreensão do que
foi acima proposto, apresentamos o organograma da Polícia Militar do Estado de Goiás, destacando em

14 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

128
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

vermelho, onde cada uma destas unidades de análise criminal e inovação seriam instaladas:

Figura 1 – Estrutura Organizacional da Polícia Militar do Estado de Goiás

NÍVEL ESTRATÉGICO

NÍVEL TÁTICO
CACRI

NURACRIs

NÍVEL OPERACIONAL
NULACRIs

Fonte: o autor (2020)


De maneira objetiva o Sistema de Análise Criminal e Inovação da PMGO possuiria sua
estrutura conforme organograma abaixo:

Figura 2 – Estrutura Organizacional do Sistema de Análise Criminal e Inovação da Polícia Militar do


Estado de Goiás - SACRI

Fonte: o autor (2020)


Já a Agência Central de Analise Criminal e Inovação, funcionaria como uma seção de Estado
Maior da Corporação e teria como missão subsidiar a PMGO quando da elaboração de suas estratégias,
15

129
Borba GA

programas e ações de polícia ostensiva e na tomada de decisão, por meio da produção de análise
criminal, inovação, acompanhamento da dinâmica criminal, prospecção, projetos e pesquisas, para
modernização de sua governança, otimização de boas práticas e aperfeiçoamento profissional,
possuindo a seguinte estrutura organizacional:

Figura 3 – Estrutura Organizacional da Agência Central de Análise Criminal e Inovação da Polícia Militar
do Estado de Goiás - CACRI

Fonte: o autor (2020)

Considerações Finais

Este trabalho buscou analisar a efetividade e eficácia da criação de um Sistema de Análise


Criminal e Inovação na Polícia Militar do Estado de Goiás - PMGO com o objetivo de, aperfeiçoar e
modernizar a gestão de polícia ostensiva preventiva, bem como, propor a estruturação de um Centro de
Análise Criminal e Inovação como órgão central de gestão de todo o sistema e verificar a possibilidade
da elaboração de uma Doutrina de Análise Criminal e Inovação para a PMGO.
A pesquisa foi motivada diante da necessidade de se normatizar e solucionar a produção de
análise criminal, para que promova uma inovação contínua no âmbito institucional, aperfeiçoando a
tomada de decisão em todos os níveis de planejamento (estratégico, tático e operacional), possibilitando
o correto emprego dos recursos policiais e ao mesmo tempo fomentando a modernização da gestão do
policiamento ostensivo preventivo.
Para alcançar este objetivo, buscou-se: (a) realizar uma leitura sistematizada para a

16 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

130
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

investigação documental em artigos científicos, livros e leis que debatiam a temática abordada; (b)
aplicar um questionário estruturado, por meio do Google Forms, direcionado aos comandantes de
unidades operacionais, administrativas e especializadas após autorização da Chefia de Estado Maior
Estratégico da Instituição. Como resultado, observou-se a importância da criação de um Sistema de
Análise Criminal e Inovação na PMGO e a elaboração de uma doutrina que estabeleça um conjunto de
ensinamentos, princípios, e conceitos para padronizar todas as atividades a serem desenvolvidas.
Por fim, verificou-se a importância da elaboração de uma Doutrina de Análise Criminal e
Inovação que estabeleça um conjunto de ensinamentos, princípios, e conceitos padronizando todas as
atividades a serem desenvolvidas pelas unidades que compõem o Sistema. Devido ao caráter
multidisciplinar de criação de uma doutrina, optamos em não elaborar uma proposta.

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18 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

132
Institucionalização do Sistema de Análise Criminal e inovação na Pmgo: uma proposta para o aperfeiçoamento da tomada
de decisão, do emprego dos recursos policiais e modernização da gestão do policiamento ostensivo preventivo

Sobre o Autor
Geyson Alves Borba é Tenente Coronel da PMGO, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Gestão
Prisional – UFG, em Policiamento Comunitário - UNISUL, em Gestão de Ciência Policiais - FALBE,
em Desenvolvimento Gerencial na Administração Pública - FAAP/SP e em Altos Estudos de Segurança
Pública - UEG. Atua como docente na área de Análise Criminal, Inteligência, Gerenciamento de Crise
e Negociação Policial em várias Instituições de Segurança Pública e professor universitário nas áreas de
Direito e Segurança Pública.

Recebido: 31 jan. 2021


Aceito: 26 mai. 2021

19

133
134
ISSN 2175-053X ARTIGO

MORTES VIOLENTAS DURANTE A QUARENTENA: UMA ANÁLISE


COMPARATIVA DA INCIDÊNCIA DE HOMICÍDIOS DOLOSOS NA CIDADE
DE MANAUS, NOS MESES DE ABRIL E MAIO DE 2020, EM RELAÇÃO AO
MESMO PERÍODO DE 2019
Izaura Rodrigues Nascimento RESUMO: O novo coronavírus, doença recém-descoberta, gerou grandes transformações
no mundo todo, principalmente de ordem econômica, social, política, cultural e psicológica.
Programa de Pós-graduação em Na capital amazonense, as mudanças supracitadas, aliadas a outros fatores, também
causaram impactos sobre a criminalidade. Nesse sentido, o objetivo geral do artigo foi
Segurança Pública, Cidadania e
verificar a incidência do crime de homicídio doloso durante a quarentena decorrente da
Direitos Humanos/UEA, Manaus, COVID-19 na cidade de Manaus, nos meses de abril e maio de 2020, em comparação ao
Brasil. E-mail: izaura27@ mesmo período de 2019. Para tanto, realizou-se a abordagem acerca da violência, o exame
gmail.com do crime de homicídio doloso à luz da legislação vigente e a explanação sobre a doença e
as medidas adotadas pelo governo estadual durante a pandemia, bem como a análise
Danelle Tamborini Lopes comparativa da incidência de homicídios dolosos na cidade em lide durante o período
citado, quanto às variáveis de sexo, faixa etária e meio utilizado. Dessa forma, quanto à
FUNDACENTRO e Instituto metodologia, a pesquisa foi do tipo quantitativa, quanto à técnica de abordagem; descritiva,
Mauá de Tecnologia., São Caetano no que tange aos fins da pesquisa; e, bibliográfica e documental, acerca dos meios, com
do Sul, Brasil. E-mail: dados oriundos da Secretaria Executiva Adjunta de Inteligência (SEAI), apresentando como
ana.russo@maua.br autores de base Arendt (1973), Bourdieu (1989; 1997), Bourdieu e Passeron (1992), Elias
(1994), Zaluar (1999), Lima, Misse e Miranda (2000), Barreira e Adorno (2010), Misse
Diogo de Lima Albuquerque (2016), Wieviorka (2016) e Muniz, Caruso e Freitas (2018), Santos (2015). Ao final,
constatou-se que as medidas adotadas durante a quarentena, especialmente quanto ao
Polícia Militar do Amazonas, distanciamento social, afetaram a criminalidade de forma positiva e reduziram a incidência
Manaus, Brasil. E-mail: dos crimes de homicídios dolosos na cidade de Manaus no período analisado,
ddla.msp20@uea. edu.br principalmente em abril de 2020.

Palavras-chave: Violência. Criminalidade. Homicídio doloso. COVID-19. Quarentena.


Distanciamento Social.

VIOLENT DEATHS DURING QUARANTINE: A COMPARATIVE ANALYSIS


OF THE INCIDENCE OF INTENTIONAL HOMICIDES IN THE CITY OF
MANAUS, IN THE MONTHS OF APRIL AND MAY 2020, IN RELATION TO
THE SAME PERIOD IN 2019

ABSTRACT: The new coronavirus, a newly discovered disease, has generated major
changes worldwide, mainly of an economic, social, political, cultural and psychological
nature. In the capital of Amazonas, the aforementioned changes, combined with other
factors, also had an impact on crime. In this sense, the general objective of the article was
to verify the incidence of the crime of intentional homicide during the quarantine resulting
from COVID-19 in the city of Manaus, in the months of April and May 2020, compared to
the same period in 2019. the approach on violence was carried out, from the perspective of
the main authors of sociology, the examination of the crime of intentional homicide in the
light of the current legislation and the explanation about the disease and the measures
adopted by the state government during the pandemic, as well as the comparative analysis
of the incidence of intentional homicides in the city in question during the mentioned
period, regarding the variables of sex, age and means used. Thus, as for the methodology,
the research was of the quantitative type, as for the approach technique; descriptive, with
regard to the purposes of the research; and, bibliographic and documentary, about the
media, with data from the Executive Assistant Secretary of Intelligence (SEAI), presenting
as base authors Arendt (1973), Bourdieu (1989; 1997), Bourdieu e Passeron (1992), Elias
(1994), ), Zaluar (1999), Lima, Misse e Miranda (2000), Barreira e Adorno (2010), Misse
(2016), Wieviorka (2016) and Muniz, Caruso e Freitas (2018), Santos (2015). In the end,
it was found that the measures adopted during the quarantine, especially regarding social
detachment, positively affected crime and reduced the incidence of crimes of intentional
homicides in the city of Manaus in the analyzed period, mainly in April 2020.

Keywords: Violence; Crime; Willful homicide; COVID-19; Quarantine; Social distancing.

REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

135
Nascimento IR, Lopes DT e Albuquerque DL

Introdução

A
discussão sobre violência não é atual. Entretanto, sua abordagem é imprescindível para
compreender a dinâmica desse fenômeno social na sociedade brasileira, ainda mais quando
se fala em crime de homicídio doloso, cujo resultado traduz uma série de causas das mais
diversas ordens. Essa temática se torna ainda mais latente em razão do novo coronavírus, doença recém-
descoberta, que logo foi capaz de causar grandes transformações no mundo todo, principalmente de
natureza econômica, social, política, cultural e psicológica.
O fato é que, no Estado do Amazonas, mais especificamente na cidade de Manaus, as
mudanças supracitadas, aliadas a fatores como desconhecimento sobre as consequências da nova
doença, a crise no sistema público de saúde e as medidas de distanciamento social para conter a
disseminação do vírus, causaram impactos positivos ou negativos também sobre a criminalidade, uma
vez que, em épocas de pandemias, afloram nas pessoas sentimentos como solidariedade, generosidade
e compaixão, mas também poder, dominação e ganância, caracterizados como potencializadores de
distúrbios sociais.
Nesse contexto, a justificativa do artigo reside justamente na necessidade de compreender
como a COVID-19 afetou a criminalidade local. O esperado era que, no período da quarentena,
especialmente em razão do distanciamento social recomendado pelo governo estadual, pelo qual
restringiu boa parte do comércio e da circulação de indivíduos, a incidência de homicídios na capital
amazonense tenha se alterado. Dessa forma, surgiu a seguinte problemática: Como ocorreu a dinâmica
dos crimes de homicídios dolosos durante a quarentena em Manaus, principalmente no período de
distanciamento social imposto pelo Governo do Estado?
Para solucionar o problema em comento, o objetivo geral do artigo é verificar a incidência
do crime de homicídio doloso durante a quarentena decorrente da COVID-19 na cidade de Manaus, nos
meses de abril e maio de 2020, em comparação ao mesmo período de 2019, recorte temporal em que
prevalecia o distanciamento social recomendado pelo governo estadual.
Assim, como desdobramento, os objetivos específicos são: realizar uma abordagem sobre a
violência à luz de estudos dos principais autores da sociologia, com uma breve discussão acerca do
conceito de violência, implicações e desdobramentos; examinar o crime de homicídio doloso tipificado
no Código Penal Brasileiro, mais especificamente quanto às classificações de simples, privilegiado e
qualificado, que possuem como bem juridicamente tutelado o direito à vida; explanar sobre a COVID-
19 e as medidas adotadas pelo Estado do Amazonas durante a pandemia, voltadas ao distanciamento
social; comparar a incidência de homicídios dolosos na cidade de Manaus durante a quarentena, mais
especificamente nos meses de abril e maio de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019,
2 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

136
Mortes
Mortes
violentas
violentas
durante
durante
a quarentena:
a quarentena:
uma análise
uma análise
comparativa
comparativa
da incidência
da incidência
de homicídios
de homicídios
dolosos
dolosos
na cidade
na cidade
de Manaus,
de Manaus,
nos meses
nos meses
de abril
de eabril
maio e maio
de 2020,
de 2020,
em relação
em relação
ao mesmo
ao mesmo
período
período
de 2019
de 2019

quanto
quanto
às variáveis
às variáveis
de sexo,
de sexo,
faixafaixa
etáriaetária
e meio
e meio
utilizado.
utilizado.
ParaPara
a consecução
a consecução
dos objetivos
dos objetivos
traçados,
traçados,
a pesquisa é do étipo
a pesquisa do quantitativa,
tipo quantitativa,
quanto
quanto
à técnica
à técnica
de abordagem,
de abordagem,
no intuito
no intuito
de investigar
de investigar
se a se
incidência
a incidência
de homicídios
de homicídios
na cidade
na cidade
de Manaus
de Manaus
foi maior
foi maior
durante
durante
a quarentena,
a quarentena,
maismais
especificamente
especificamente
nos meses
nos meses
de abril
de abril
e maio
e maio
de 2020,
de 2020,
utilizando-se
utilizando-se
comocomo
parâmetro
parâmetro
de comparação
de comparação
o mesmo
o mesmo
período
período
de 2019.
de 2019.
Da mesma
Da mesma
forma,
forma,
no que
no que
tangetange
aos fins
aos fins
da da
pesquisa,
pesquisa,
o artigo
o artigo
é de énatureza
de natureza
descritiva,
descritiva,
detalhando
detalhando
a incidência
a incidência
do crime
do crime
de homicídio
de homicídio
doloso
doloso
na na
capital
capital
amazonense,
amazonense,
entreentre
os meses
os meses
de abril
de abril
e maio
e maio
de 2020
de 2020
em comparação
em comparação
ao período
ao período
respectivo
respectivo
de de
2019.2019.
Igualmente,
Igualmente,
no que
no concerne
que concerne
aos meios,
aos meios,
o estudo
o estudo
será será
tantotanto
bibliográfico,
bibliográfico,
com com
o levantamento
o levantamento
de de
informações
informações
disponíveis
disponíveis
em livro,
em livro,
revistas
revistas
e sítios
e sítios
oficiais,
oficiais,
em meio
em meio
físicofísico
ou digital,
ou digital,
quanto
quanto
documental,
documental,
com com
o levantamento
o levantamento
de dados
de dados
oriundos
oriundos
da Secretaria
da Secretaria
Executiva
Executiva
Adjunta
Adjunta
de Inteligência
de Inteligência
(SEAI),
(SEAI),
que, que,
apósapós
tratamento,
tratamento,
serãoserão
transformados
transformados
em informações
em informações
para para
posterior
posterior
análise
análise
dos resultados.
dos resultados.
Nesse
Nesse
sentido,
sentido,
os autores
os autores
de base
de base
do presente
do presente
artigo
artigo
são Arendt
são Arendt
(1973),
(1973),
Bourdieu
Bourdieu
(1989;
(1989;
1997),
1997),
Bourdieu
Bourdieu
e Passeron
e Passeron
(1992),
(1992),
EliasElias
(1994),
(1994),
Zaluar
Zaluar
(1999),
(1999),
Lima,Lima,
MisseMisse
e Miranda
e Miranda
(2000),
(2000),
Barreira
Barreira
e Adorno
e Adorno
(2010),
(2010),
Misse
Misse
(2016),
(2016),
Wieviorka
Wieviorka
(2016)
(2016)
e Muniz,
e Muniz,
Caruso
Caruso
e Freitas
e Freitas
(2018),
(2018),
Santos
Santos
(2015).
(2015).

Referencial
Referencial
Teórico
Teórico

NesteNeste
item,item,
será será
realizado
realizado
um levantamento
um levantamento
teórico
teórico
acerca
acerca
da violência
da violência
sob asob
ótica
a ótica
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principais
principais
autores
autores
da sociologia,
da sociologia,
bem bem
comocomo
do crime
do crime
de homicídio
de homicídio
doloso
doloso
e o direito
e o direito
à vida,
à vida,
e da e da
COVID-19
COVID-19
e as emedidas
as medidas
adotadas
adotadas
pelo pelo
Estado
Estado
do Amazonas
do Amazonas
para para
o enfrentamento
o enfrentamento
da disseminação
da disseminação
da da
doença
doença
durante
durante
a pandemia.
a pandemia.

Violência
Violência
à luzà da
luzsociologia
da sociologia

O estudo
O estudo
da violência,
da violência,
na visão
na visão
dos principais
dos principais
autores
autores
da sociologia,
da sociologia,
faz-se
faz-se
importante
importante
para para
que seja
que seja
possível
possível
compreender
compreender
a dinâmica
a dinâmica
dessedesse
fenômeno
fenômeno
social
social
na sociedade
na sociedade
brasileira.
brasileira.
É claro
É claro
que, que,
no período
no período
de pandemia,
de pandemia,
em razão
em razão
principalmente
principalmente
do decreto
do decreto
que restringiu
que restringiu
o funcionamento
o funcionamento
de grande
de grande
parteparte
do comércio
do comércio
e da ecirculação
da circulação
de pessoas,
de pessoas,
o esperado
o esperado
era que
era aque
incidência
a incidência
de homicídios
de homicídios
na capital
na capital
tivesse
tivesse
sido sido
alterada
alterada
por conta
por conta
dessedesse
fatorfator
exógeno,
exógeno,
situação
situação
que que
será será
tratada
tratada
em tópico
em tópico
próprio
próprio
e e
posterior
posterior
à discussão
à discussão
atual.atual.
Norbert
Norbert
EliasElias
(1994),
(1994),
ao tratar
ao tratar
do processo
do processo
de monopolização
de monopolização
da força
da força
físicafísica
estatal,
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de feudalismo,
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a estabilização
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estreita
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Estado,
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sociais
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sociedade
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pacificada,
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uso livre
das forças
das forças
3 3

137
Nascimento IR, Lopes DT e Albuquerque DL

e a autotutela deixam de ser permitidos em detrimento do monopólio de uso da força exercido pelo
Estado.
Passado o período do feudalismo e a assunção do capitalismo como modo de produção,
assim como a consequente formação dos Estados-nação, configurando-se como detentores do
monopólio da violência legítima, o mundo continuou a viver guerras e revoluções. Tais modificações
trouxeram um desenvolvimento técnico dos implementos da violência e de seu potencial destrutivo, que
sequer o meio político tenha previsto, sendo a essência da ação violenta regida pela categoria ‘meio-
fim’ (ARENDT, 1973). Na 2ª Guerra Mundial, por exemplo, os Estados Unidos da América
necessitavam dar um fim ao combate contra o Japão. Para tanto, utilizaram-se de duas bombas atômicas,
que culminou na dizimação de centenas de milhares de pessoas que não tinham relação direta com a
guerra.
Saindo do campo da violência física, é preciso destacar o conceito de violência simbólica
desenvolvido inicialmente por Bourdieu e Passeron (1992), na obra “A reprodução: elementos para uma
Teoria do Sistema de Ensino”. Os autores definiram violência simbólica como o poder de imposição de
uma cultura dominante a partir da avaliação do sistema de ensino da França da década de 1960. Para
eles, de forma implícita, a instituição escolar é um ambiente de reprodução do arbitrário cultural, sendo
o sistema dominante o responsável pela violência em tela. Como consequência dessa relação de força e
de imposição, restam a parcialidade e desigualdade entre os alunos. Exemplo disso é o que eles
conceituaram como capital cultural, ou seja, as experiências trazidas pelos alunos à sala de aula, como
por exemplo o acesso ao teatro e a possibilidade de viagens, o qual é relevante para o desempenho
escolar, mas que varia de discente para discente e também acarreta diferenciação entre eles.
Além disso, a violência simbólica pode ser vista a partir da teoria dos campos,
especificamente do campo do poder, no qual “um universo social autônomo, capaz de produzir e de
reproduzir, pela lógica do seu funcionamento específico, um corpus jurídico relativamente independe
dos constrangimentos externos” (BOURDIEU, 1989, p. 210).
No respectivo campo, apresenta-se a figura dos dominantes e dos dominados, os quais se
inter-relacionam, mas preservam suas desigualdades, tornando-se também um campo de lutas, cujo
objetivo é transformá-lo ou conservá-lo. A violência simbólica é, portanto, uma violência que se exerce
tacitamente por quem a sofre e ainda por quem a exerce, mesmo que de forma inconsciente
(BOURDIEU, 1997).
Para Santos (2015) o autor acima fornece a demonstração detalhada, multivariada, da
realidade social que reorienta o olhar do sociólogo para uma perspectiva relacional a partir de uma visão
que prima pelas relações sociais, e não as entidades sociais, a qual possibilita a reconstrução dos espaços

4 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

138
Mortes violentas durante a quarentena: uma análise comparativa da incidência de homicídios dolosos na cidade de Manaus,
nos meses de abril e maio de 2020, em relação ao mesmo período de 2019

das posições sociais, por meio do qual as classes, as frações de classe e os grupos sociais e culturais ou
as categorias sociais elaboram práticas de reprodução social.
Lógico que a categoria proposta pelo estudo se refere a homicídios dolosos ocorridos na
cidade de Manaus no período de abril e maio de 2020, em comparação com o mesmo período do ano de
2019, crimes estes executados por ações físicas, mediante a utilização de instrumentos, via de regra arma
de fogo. No entanto, é necessário compreender que a violência simbólica explicada por Bourdieu (1989;
1997) está presente no dia-a-dia, e que, mesmo invisível, pode influenciar no cometimento de crimes,
como por exemplo quando uma mulher vítima de feminicídio morre em razão de seu gênero.
Após a Guerra Fria, verifica-se a mudança na ideia de violência. O terrorismo torna-se global
e a criminalidade organizada prospera fazendo com que haja o aumento da sensação de insegurança,
representando, com isso, a mudança dessa violência, conforme ensina Wieviorka (2016). A globalização
tem um papel importante, nesse contexto, pois, frequentemente usada de forma ideológica, corresponde
à ideia de que o neoliberalismo é a única e melhor forma de economia no mercado.
Ademais, Wieviorka (2006) defende que, atualmente, a violência possui uma nova
abordagem, a qual postula um vínculo entre cultura e violência, introduzindo a noção de sujeito, como
sendo a capacidade do ser humano se construir, dominar sua experiência e escolhas, tendo em vista que
outras abordagens clássicas não conseguiram explicar a crueldade, a violência gratuita e a violência pela
violência.
Barreira e Adorno (2010), ao escrever o capítulo “A violência na sociedade brasileira”
constante da coleção Horizonte das Ciências Sociais do Brasil, trouxeram à baila a análise da violência
entre os anos de 1960 a 2010, a partir de um arcabouço literário já existente, além das mudanças de
paradigma e novas formas de conflitos, como por exemplo, o encarceramento em massa e o crime
organizado. No mesmo sentido, Lima, Misse e Miranda (2000) afirmam que o enfoque sociológico
acerca da violência e da criminalidade no Brasil foi mais evidente a partir de 1970, com o início da
mudança no panorama societário do país, que se manteve nas décadas seguintes, como a evolução do
número de homicídios dolosos, o avanço do tráfico de entorpecentes, o prejuízo decorrente das
consequências da pobreza e da desigualdade social, dentre outros. Com o crescimento da pesquisa
científica, foi possível verificar a divisão das mazelas em áreas temáticas, como por exemplo,
criminalidade violenta, delinquência, segurança pública, violência urbana e justiça criminal, e suas
respectivas subáreas temáticas.
Nos ensinamentos de Zaluar (1999), a partir da década de 1960 o país passou por grandes
transformações políticas, econômicas e sociais, as quais influenciaram o conceito de criminalidade e

139
Nascimento IR, Lopes DT e Albuquerque DL

violência. Para tratar sobre violência e crime no Brasil da redemocratização, a autora apresentou
abordagens desenvolvidas por pesquisadores sociológicos e políticos. Segundo ela, o estudioso social
defendia a preservação de direitos humanos e resumia a violência ao conflito de classes sociais advindo
do modelo marxista, principalmente no contexto urbano. Por outro lado, o estudioso político defendia a
preservação de liberdades individuais e civis, observando conflito não apenas em questão propriedade,
mas também em debates de gênero, raças, dentre outros, denotando uma visão pluralista de sociedade.
Apesar de não ter sido objeto de investigação de muitos pesquisadores, como Zaluar (1999),
Muniz, Caruso e Freitas (2018) passaram a investigar os estudos das polícias nas ciências sociais entre
os anos de 2000 e 2017, como produtoras de violência estatal. Os autores verificaram que as atividades
policiais não eram frutos diretos de pesquisas científicas, mas eram observadas secundariamente como
parte do monopólio estatal de violência legítima.
Adiante, Muniz, Caruso e Freitas (2018), ao ampliar os indexadores da pesquisa para além
de “polícia”, constataram que as pesquisas voltadas à temática em lide versam sobre a violência estatal
e ilegítima observadas à época da ditadura militar e da redemocratização e na atualidade, investigações
que ganharam força a partir de 1980. Na década de 2000, por conseguinte, foram levantadas questões
sobre a atividade policial e a manutenção da ordem pública, sob o enfoque de controles internos e
externos, bem como sobre a melhoria da atuação policial e mudança da cultura de violência e corrupção
institucional nos limites da legalidade.
Para Misse (2016), a palavra violência não tinha o mesmo significado que possui nos dias
atuais. A expressão denotava força, guerra, poder e domínio, motivo pela qual compreendia-se que
violência não se tratava de conceito, e sim de uma categoria relacionada a um acontecimento.
Argumentava-se, ainda, que a contenção da violência só poderia ser realizada por outra violência, essa
última feita pelo Estado, por meio do processo de criminalização. Nota-se, todavia, que a violação estatal
é legal e legítima.
Ademais, Wieviorka (2016) aduz que é necessário tratar a violência no sentido estrito de
agressão física intencional, interpessoal ou coletiva, sendo que a violação urbana nasce da
desestruturação do conflito coletivo entre o capital e o trabalho fazendo surgir a delinquência difusa dos
anos 1990, reforço ao racismo, etc. Entretanto, Wieviorka (2016) não inclui a violência simbólica de
Bourdieu e Passeron.
Outrossim, Misse (2016) entende que é necessário tratar a violência como um conceito de
acumulação social da violência, da qual decorrem três sentidos, quais sejam, violência entre pessoas,
violência estatal e coercitividade da estrutura social. Nessa ótica, a violência não tem um sentido único,
mas pode apresentar concepções polissêmicas de acordo com a natureza e gravidade dos fatos. Entende-

6 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

140
Mortes violentas
Mortes violentas
durante adurante
quarentena:
a quarentena:
uma análise
umacomparativa
análise comparativa
da incidência
da incidência
de homicídios
de homicídios
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Manaus,
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2019 de 2019

se, comse,
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se voltaram
à discussão
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de violência
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apresenta
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interpretações,
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como representação
social social
É, portanto,
É, portanto,
nesse contexto
nesse contexto
de pandemia
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da COVID-19,
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após
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do conceito
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de violência,
de violência,
implicações
implicações
e até desdobramentos,
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artigo na
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na amazonense
capital amazonense
durante durante
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o período
de isolamento,
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especificamente
especificamente
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meses
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e maio
abril de
e maio
2020,deem
2020,
comparação
em comparação
ao mesmo
ao mesmo
períodoperíodo
de 2019.de 2019.

Homicídio
Homicídio
doloso doloso
e o direito
e o direito
à vida à vida

A vida A
é ovida
ponto
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de todosdeostodos
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e liberdades
previstos.
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Baseando-se
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está incluído
no rol dos
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não dependem
não dependem
de normatização
de normatização
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ou realidade
ou realidade
social para
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para sua
legitimidade
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(BARROSO,
(BARROSO,
2020), 2020),
devendodevendo
apenas apenas
serem reconhecidos
serem reconhecidos
pelo ordenamento
pelo ordenamento
jurídicojurídico
vigente.vigente.
Em âmbito
Em âmbito
internacional,
internacional,
a Convenção
a Convenção
Americana
Americana
sobre Direitos
sobre Direitos
HumanosHumanos
de 1969,
de 1969,
tambémtambém
denominada
denominada
Pacto dePacto
San de
José
San
daJosé
Costa
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Rica, que
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todo
que
indivíduo
todo indivíduo
tem o direito
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à vida,
podendo
não podendo
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privado
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arbitrariamente
arbitrariamente
(BRASIL,
(BRASIL,
1992b),1992b),
qualidade
qualidade
esta inerente
esta inerente
à pessoaà pessoa
humanahumana
e protegida
e protegida
por lei, por
segundo
lei, segundo
o PactooInternacional
Pacto Internacional
dos Direitos
dos Direitos
Civis e Civis
Políticos
e Políticos
(BRASIL,
(BRASIL,
1992a).1992a).
No Brasil,
Nopositivado
Brasil, positivado
como direito
comofundamental,
direito fundamental,
este direito
esteestá
direito
elencado
está elencado
no caputnodocaput
artigodo artigo
5º da Constituição
5º da Constituição
da República
da República
Federativa
Federativa
do Brasil
dode
Brasil
1988de(BRASIL,
1988 (BRASIL,
1988). Igualmente,
1988). Igualmente,
como oscomo os
delitos contra
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vida devem
a vida ser
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criminalmente
ser criminalmente
responsabilizados
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(MENDES;
(MENDES;
BRANCO,
BRANCO,
2020), a2020),
tutela a tutela
penal protege
penal protege
a vida da
a vida
pessoa
da antes
pessoamesmo
antes mesmo
de seu nascimento.
de seu nascimento.
O crimeOdecrime
homicídio,
de homicídio,
nesse contexto,
nesse contexto,
está previsto
está previsto
no artigono121,
artigo
constante
121, constante
do Capítulo
do Capítulo
I “Dos crimes
I “Dos contra
crimesacontra
vida” ea do
vida”
Título
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“Dos Crimes
I “Dos Crimes
contra contra
a pessoa” do Código
a pessoa” do Código
Penal Brasileiro
Penal Brasileiro
(BRASIL,
(BRASIL,
1940), 1940),
sendo considerado
sendo considerado
o delitoo por
delito por
excelência,
excelência,
pelo qual
pelo
umqual
indivíduo
um indivíduo
extingueextingue
a vida de
a vida
outrode(HUNGRIA;
outro (HUNGRIA;
FRAGOSO,
FRAGOSO,
1979) de1979)
várias
de várias
formas eformas
sob vários
e sobpretextos.
vários pretextos.
Em linhas
Emgerais,
linhas qualquer
gerais, qualquer
indivíduo
indivíduo
pode serpode
sujeito
ser ativo
sujeitoouativo
sujeito
ou passivo
sujeito passivo
do delito
dodedelito de
homicídio,
homicídio,
cuja execução
cuja execução
ocorre de
ocorre
diversas
de diversas
maneiras,
maneiras,
mediantemediante
condutaconduta
comissiva
comissiva
ou omissiva,
ou omissiva,
sendo sendo
a vida humana
a vida humana
extrauterina
extrauterina
o bem jurídico
o bem jurídico
tuteladotutelado
desse tipo
desse
penal
tipo(MIRABETE;
penal (MIRABETE;
FABBRINI,
FABBRINI,
2019). 2019).
Quanto Quanto
ao elemento
ao elemento
subjetivo,
subjetivo,
o homicídio
o homicídio
pode serpode
doloso
ser ou
doloso
culposo
ou culposo
e essa diferenciação
e essa diferenciação
reside na
reside na
intençãointenção
do agente.
do agente.
Assim, no
Assim,
crimenodoloso
crime odoloso
agenteotem
agente
a intenção
tem a intenção
de produzir
de produzir
a morte adamorte
vítima
da(dolo
vítima (dolo

7 7

141
Nascimento IR, Lopes DT e Albuquerque DL

direto) ou assume o risco da produção (dolo eventual), diferentemente do delito culposo em que o autor
não quer a produção do resultado e não assume seu risco, agindo mediante imprudência, negligência ou
imperícia (JESUS, 2020). Dessa forma, enquanto o homicídio culposo está elencado no artigo 121, §§
3º e 4º combinado com o artigo 18, II, do Código Penal, o homicídio doloso, objeto do estudo, está
previsto no artigo 121, caput, §§ 1º e 2º do mesmo diploma legal.
Nesse sentido, o homicídio simples, disposto no artigo 121, caput, do Código Penal, e cuja
pena é de detenção de seis a vinte anos, é caracterizado quando há a intenção de produzir o resultado
morte, mas não há a configuração dos requisitos necessários aos homicídios privilegiado e qualificado,
definidos no artigo 121, §§ 1º e 2º do CP (GONÇALVES, 2020), sendo, dessa forma, caracterizado por
exclusão.
O homicídio privilegiado, por sua vez, arrolado no artigo 121, § 1º do CP, não é um delito
autônomo, pois consiste em caso de diminuição da pena prevista para o homicídio simples, qual seja,
detenção de seis a vinte anos, de um sexto até a metade. Essa minimização decorre da menor
reprovabilidade da conduta do agente, face a requisitos subjetivos oriundos da motivação do crime, o
qual age em virtude de relevante valor moral ou social ou sob a dominação de forte emoção incontinenti
provocação da vítima (CAPEZ, 2020).
Já o homicídio qualificado, definido no artigo 121, § 2º, incisos I a VII, do CP e elencado
no rol dos crimes hediondos, nos termos do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990,
possui pena de reclusão de doze a trinta anos, o que altera a forma de cumprimento de pena para regime
inicialmente fechado, de acordo com o artigo 33, § 2º, “a” do CP. Dessa forma, verifica-se que a pena
cominada para esses casos decorre da gravidade da conduta do agente e da posição de vulnerabilidade
da vítima.
Cumpre ressaltar, com isso, que, nas lições de Gonçalves (2020), as qualificadoras podem
ser classificadas em razão dos motivos (paga, promessa de recompensa, motivo torpe ou fútil, bem como
contra membros das Forças Armadas, no exercício da função ou em consequência), do modo de
execução (traição, emboscada, dissimulação ou outra forma de dificulte ou impossibilite a defesa da
vítima), do meio de execução (veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura, meio insidioso ou cruel ou que
resulte em perigo comum), de conexão (para garantir execução, impunidade, ocultação ou vantagem de
outro delito) e de feminicídio (crime contra a mulher no âmbito de violência doméstica ou familiar ou
menosprezo ou discriminação contra a mulher, conforme § 2º-A do dispositivo em comento).
Dessa forma, verifica-se que, como a vida é um bem inerente ao ser humano, configurado
mesmo antes da tutela dos ordenamentos jurídicos nacional e internacional, além de pressuposto aos
demais direitos e liberdades, o Estado tem o dever de proteção e garantia desse direito (MENDES;

8 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

142
Mortes violentas durante a quarentena: uma análise comparativa da incidência de homicídios dolosos na cidade de Manaus,
nos meses de abril e maio de 2020, em relação ao mesmo período de 2019

BRANCO, 2020). Desse modo, o artigo 121, caput, §§ 1º e 2º do CP, o qual prevê os crimes de
homicídios dolosos, simples, privilegiado e qualificado, respectivamente, e suas penas, os quais variam
de acordo com suas circunstâncias, representa um tipo penal importante na garantia dos direitos
fundamentais do indivíduo.

A COVID-19 e as medidas adotadas durante a quarentena

O primeiro relato de coronavírus no mundo ocorreu em dezembro de 2019, em Wuhan, na


província de Hubei, localizada na República Popular da China (OPAS, 2020). No Brasil, o primeiro
registro aconteceu no dia 26 de fevereiro de 2020, na cidade de São Paulo, tratando-se de um homem
de 61 anos com histórico de viagem à Itália (BRASIL, 2020a). Em seguida, em 11 de março, a
Organização Mundial da Saúde considerou a COVID-19, também denominada SARS-CoV-2, como
pandemia (OPAS, 2020). Dois dias depois, em 13 de março, o Governo do Amazonas anunciou a
primeira notificação da doença na cidade de Manaus, em uma paciente de 39 anos, a qual voltara
recentemente de Londres (AMAZONAS, 2020a).
Posteriormente, no dia 24 de março, houve a confirmação da primeira morte no Estado,
ocorrida no Hospital Delphina Aziz, cuja vítima era um homem de 49 anos proveniente do município
de Parintins-AM. Como a doença rapidamente se espalhou na cidade, no dia 28 do mesmo mês, após
111 casos confirmados e vários sob suspeita, distribuídos na capital e em quatro municípios, o Amazonas
foi enquadrado na categoria de transmissão comunitária (AMAZONAS, 2020b).
Diante da gravidade, da transmissibilidade e da incerteza do comportamento social da
doença, bem como do alto índice de contaminação e da previsão de que, do universo de infectados, 20%
precisaria de atendimento hospitalar e 5% de suporte respiratório (BRASIL, 2020b), o que podia
culminar no temerário colapso do Sistema Único de Saúde local, o Governo do Amazonas recorreu a
diversos critérios no combate à COVID-19 (AMAZONAS, 2020c), como por exemplo a criação de um
Plano de Contingência Estadual para Infecção Humana pelo SARS-CoV-2 (AMAZONAS, 2020d) e a
instituição do Comitê Intersetorial de Enfrentamento e Combate ao COVID-19 (AMAZONAS, 2020e).
Nesse contexto, várias medidas foram adotadas no combate à pandemia, sejam por entidades
públicas ou privadas, centralizadas ou descentralizadas, das três esferas dos poderes. Devido ao escopo
do artigo, no entanto, será dado ênfase às medidas tomadas durante a quarentena, principalmente aquelas
que culminaram em mudanças na sociedade e nas relações sociais. Sob essa ótica, as principais medidas,
voltadas ao distanciamento social, foram determinadas pelo Governo do Estado, com base em
recomendações feitas pelo Comitê Intersetorial de Enfrentamento, a fim de evitar o alastramento do

143
Nascimento IR, Lopes DT e Albuquerque DL

novo coronavírus nos municípios, principalmente na cidade de Manaus, onde se concentra mais da
metade da população (IBGE, 2020).
Dentre as medidas adotadas na capital amazonense durante a quarentena, voltadas ao
distanciamento social e, com isso, à contenção da proliferação da doença, destacam-se a suspensão de:
eventos promovidos pelo governo (AMAZONAS, 2020e; 2020m; 2020q; 2020r; 2020s), eventos com
mais de 100 pessoas (AMAZONAS, 2020f; 2020m; 2020q) e posteriormente de 10 pessoas
(AMAZONAS, 2020r); visitação a presídios e centros de detenção, visitação a pacientes vítimas da
doença e férias dos servidores dos sistemas de saúde e segurança (AMAZONAS, 2020e; 2020m; 2020q;
2020r; 2020s); participação de servidores públicos em eventos ou viagens interestaduais e internacionais
(AMAZONAS, 2020e; 2020f; 2020m; 2020q; 2020r) e intermunicipais (AMAZONAS, 2020f; 2020m;
2020q; 2020r).
Outrossim, com a suspensão de aulas no âmbito da rede pública estadual (AMAZONAS,
2020e; 202f; 2020h; 2020m; 2020q; 2020r; 2020s), com igual recomendação às instituições privadas
(AMAZONAS, 2020e; 2020m; 2020q; 2020r; 2020s). Além disso, a instituição de home office aos
servidores públicos do grupo de risco, com exceção dos grupos de saúde e de segurança pública
(AMAZONAS, 2020e), com posterior suspensão de atendimento presenciais nos órgãos da
Administração Pública Direta e Indireta e adoção de escala de revezamento, com exceção das unidades
essenciais e casos de urgência e emergência das pastas de saúde e segurança pública (AMAZONAS,
2020g; 2020m; 2020q; 2020r), sendo o home office estendido aos demais servidores (AMAZONAS,
2020k; 2020q; 2020r).
Igualmente, com a suspensão de: academias e similares e transporte fluvial de passageiros
(AMAZONAS, 2020h; 2020m; 2020q; 2020r; 2020s); transporte rodoviário para lazer ou intermunicipal
(AMAZONAS, 2020i; 2020m; 2020n; 2020p; 2020q; 2020r) e interestadual (AMAZONAS, 2020m;
2020n; 2020p; 2020q; 2020r); bares, lanches, praças de alimentação e restaurantes, boates, casas de
show, centros de eventos, igrejas e templos religiosos (AMAZONAS, 2020j; 2020m; 2020q; 2020r;
2020s); e estabelecimentos comerciais e de serviços não essenciais e de lazer (AMAZONAS, 2020k;
2020o; 2020p; 2020q; 2020r), com previsão de funcionamento apenas de estabelecimentos de serviços
essenciais (AMAZONAS, 2020k; 2020l; 2020o; 2020p; 2020q; 2020r; 2020s).
Dessa forma, nota-se que, desde o início da quarentena em Manaus, em 16 de março de 2020
(AMAZONAS, 2020e), até o dia 1º de junho de 2020 (AMAZONAS, 2020s), marco da retomada
gradual das atividades, as recomendações governamentais foram no sentido do distanciamento social,
fenômeno caracterizado pela permanência das pessoas em suas residências, com saídas apenas para
realização de suas necessidades essenciais. O fato é que tais recomendações geraram uma transformação

10 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

144
Mortes violentas durante a quarentena: uma análise comparativa da incidência de homicídios dolosos na cidade de Manaus,
nos meses de abril e maio de 2020, em relação ao mesmo período de 2019

na vida das pessoas e causaram impactos na sociedade (BEZERRA, et. al., 2020), sejam eles políticos,
econômicos, sociais, culturais, dentre outros, não sendo diferente sobre a criminalidade.

Metodologia

Com o escopo de verificar a incidência do crime de homicídios durante a pandemia na cidade


de Manaus, nos meses de abril e maio de 2020, em comparação ao mesmo período de 2019, foram
traçados os caminhos metodológicos da presente pesquisa. Primeiramente, por meio de pesquisa
bibliográfica, esclareceu-se sobre a violência à luz de estudos dos principais autores da sociologia, com
uma breve discussão acerca do conceito de violência, implicações e desdobramentos. Em seguida,
utilizando-se do mesmo tipo de pesquisa, examinou-se o crime de homicídio doloso tipificado no Código
Penal Brasileiro, mais especificamente quanto às classificações de simples, privilegiado e qualificado,
os quais possuem como bem juridicamente tutelado o direito à vida.
Posteriormente, ainda mediante pesquisa bibliográfica, realizou-se uma abordagem sobre a
COVID-19 e as medidas voltadas ao distanciamento social adotadas pelo Estado do Amazonas durante
a pandemia. Por fim, recorrendo à pesquisa documental, com dados fornecidos pela Secretaria Executiva
Adjunta de Inteligência (SEAI), comparou-se a incidência de homicídios dolosos na cidade de Manaus
durante a quarentena, mais especificamente nos meses de abril e maio de 2020, em comparação com o
mesmo período de 2019.
Destarte, quanto à técnica de abordagem, a pesquisa foi de natureza quantitativa, pois
buscou-se investigar se a incidência de homicídios na cidade de Manaus foi maior durante a quarentena,
mais especificamente nos meses de abril e maio de 2020, em que imperavam as medidas governamentais
de distanciamento social voltadas ao combate à doença, tendo como parâmetro de comparação com o
mesmo período de 2019. Cumpre salientar, no entanto, que, em nenhum momento, o presente artigo
pretendeu analisar as causas dos resultados alcançados, motivo pelo qual o estudo configura-se
puramente como quantitativo.
Ademais, no que se refere aos fins da pesquisa, o artigo é de natureza descritiva, vez que,
para compreender o fenômeno das mortes violentas, detalhou a incidência do crime de homicídio doloso
na capital amazonense, entre os meses de abril e maio de 2020 em comparação ao período citado de
2019.
Outrossim, quanto aos meios, a pesquisa foi tanto bibliográfica, para a consecução dos
objetivos específicos 1, 2 e 3, com o levantamento de informações disponíveis em livro, revistas e sítios
oficiais, em meio físico ou digital, quanto documental, para a elaboração do quarto objetivo específico,
11

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Nascimento IR, Lopes DT e Albuquerque DL

com dados oriundos da Secretaria Executiva Adjunta de Inteligência (SEAI), os quais, após tratamento,
foram transformados em informações.
Ratifica-se, ainda, que, como o tema foi delimitado à investigação da incidência de
homicídios dolosos na pandemia, o recorte temporal da presente pesquisa retratou os meses de abril e
maio de 2020, em comparação ao mesmo intervalo do ano de 2019. A escolha de tal recorte foi
justificada por ser compatível com o período de tentativa de distanciamento social recomendada pelo
Estado do Amazonas.
Para tanto, em 08 de setembro de 2020, por meio do Ofício s/nº-2020, foram solicitadas
informações, junto à Secretaria Executiva-Adjunto de Inteligência, acerca dos homicídios dolosos na
cidade de Manaus, no período de abril a maio de 2019 e abril a maio de 2020, de acordo com o sexo,
faixa etária, meio utilizado e turno da ocorrência. Em resposta, no dia 11 do referido mês, a Gerência de
Estatística do órgão em lide, integrante da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas,
encaminhou, via e-mail, os dados solicitados, identificando como fontes dos dados o Sistema Integrado
de Segurança Pública e o Instituto Médico Legal. Todavia, pela dinamicidade da pesquisa, deixou-se de
utilizar a variação turno da ocorrência.
Após a fase de coleta e no intuito de comparar a incidência de homicídios dolosos na cidade
de Manaus durante a quarentena, mais especificamente no recorte temporal acima mencionado, tabulou-
se os dados no Programa Excel, para traçar a comparação entre o mês de 2020, considerando a
quarentena, em relação ao mesmo mês de 2019.
Dessa forma, a primeira tabela trata da variação de homicídios dolosos mês a mês por sexo
e faixa etária em Manaus, fornecendo quatro situações para análise, quais sejam, sexo feminino em
abril/2019 versus abril/2020, sexo feminino em maio/2019 versus maio /2020, sexo masculino em
abril/2019 versus abril/2020 e sexo masculino em maio/2019 versus maio/2020, enquanto que a segunda
tabela versa sobre a variação dos meios empregados, como agressão física, arma branca, arma de fogo,
decapitação, estrangulamento e não informado (N.I). Em seguida, foram realizadas as análises dos
resultados, tanto em relação aos dados específicos quanto aos aspectos gerais, com indicação de redução,
crescimento e estagnação da incidência dos casos em comento.

Resultados E Discussões

O primeiro aspecto a ser destacado é que os dados fornecidos pela Secretaria Executiva
Adjunta de Inteligência (SEAI) não contemplaram a faixa etária de 0 a 11 anos e não informado
(N.I.) no sexo feminino no ano de 2019. Com isso, no intuito de facilitar a comparação entre os
meses de abril e maio dos anos de 2020 e 2019, a citada faixa etária foi incluída com valor zerado,
12 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Mortes violentas durante a quarentena: uma análise comparativa da incidência de homicídios dolosos na cidade de Manaus,
nos meses de abril e maio de 2020, em relação ao mesmo período de 2019

em razão de não terem ocorrido casos nos períodos na faixa etária informada.
A tabela abaixo apresenta os números absolutos e variações de homicídios dolosos
ocorridos na cidade de Manaus nos períodos de abril e maio de 2020, momento em que vigorava a
quarentena estabelecida pelo governo do Estado de Amazonas, em comparação aos mesmos meses
do ano de 2019, estando dividida por faixa etária e sexo e demonstrando as variações crescentes ou
decrescentes importantes ao estudo.
Tabela 1: Variação de homicídios dolosos mês a mês por sexo e faixa etária em Manaus
SEXO FAIXA ETÁRIA ABR/19 ABR/20 ∆ MAI/19 MAI/20 ∆
0 A 11 ANOS 0 0 0% 0 1 100%
12 A 17 ANOS 0 0 0% 0 1 100%
18 A 24 ANOS 1 0 -100% 2 1 -50%
25 A 29 ANOS 2 0 -200% 3 0 -300%
FEM 30 A 34 ANOS 0 0 0% 0 2 200%
35 A 64 ANOS 2 0 -200% 1 1 0%
65 ANOS OU MAIS 0 0 0% 0 0 0%
N.I. 0 0 0% 0 0 0%
TOTAL 5 0 -500% 6 6 0%
0 A 11 ANOS 0 0 0% 0 0 0%
12 A 17 ANOS 4 3 -25% 5 5 0%
18 A 24 ANOS 13 5 -62% 19 13 -32%
25 A 29 ANOS 19 9 -53% 13 9 -31%
MASC 30 A 34 ANOS 9 5 -44% 9 9 0%
35 A 64 ANOS 13 11 -15% 7 11 57%
65 ANOS OU MAIS 1 0 -100% 1 0 -100%
N.I. 1 2 100% 1 4 300%
TOTAL 60 35 -42% 55 51 -7%
Fonte: elaborada pelos autores (2020).

Em relação ao sexo feminino, no período comparativo entre abril/2020 e abril/2019,


percebeu-se variação decrescente nas faixas etárias de 18 A 24 ANOS, 25 A 29 ANOS e 35 A 64
ANOS, mantendo-se as demais estagnadas. Com isso, numa visão geral, de cinco homicídios
ocorridos em 2019 para zero em 2020, houve uma redução de 500% na incidência dos crimes
durante o mês de abril, período de quarentena em Manaus. Por outro lado, nos meses de maio/2020
e maio/2019, houve um aumento na incidência nas faixas etárias de 0 A 11 ANOS, 12 A 17 ANOS
e 30 A 34 ANOS, bem como redução nas faixas de 18 A 24 ANOS, 25 A 29 ANOS e estagnação
nas demais. Pela análise geral, o número de seis homicídios em 2019 e seis em 2020 representa uma
estagnação na variação dos índices.
Quanto ao sexo masculino, por sua vez, em relação aos meses de abril/2020 e abril/2019,
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Nascimento IR, Lopes DT e Albuquerque DL

houve estagnação para a faixa etária de 0 A 11 ANOS, variação decrescente para as faixas de 12 A
17 ANOS, 18 A 24 ANOS, 25 A 29 ANOS, 30 A 34 ANOS, 35 A 64 ANOS e 65 ANOS OU MAIS
e variação crescente nos casos de idade não foi informada. Com isso, no geral, verificou-se uma
redução de 42% no índice de homicídios dolosos no período indicado, passando de 60 em abril/2019
para 35 em abril/2020. No que tange aos meses de maio/2020 e maio/2019, por sua vez, constatou-
se estagnação nas faixas etárias de 0 A 11 ANOS, 12 A 17 ANOS e 30 A 34 ANOS, variação
decrescente nas de 18 A 24 ANOS, 25 A 29 ANOS e 65 ANOS OU MAIS e variação crescente nas
de 35 A 64 ANOS e nos casos de idade não foi informada. Assim, o total de 55 casos em maio/2019
para 51 em maio/2020 representou uma redução de 7% no índice de homicídios dolosos de pessoas
do sexo masculino durante a pandemia.
Dessa forma, pela análise dos dados acima demonstrados, é possível afirmar que das 04
(quatro) situações analisadas, 03 (três) apresentaram reduções de incidência (sexo feminino em
abril/2019 versus abril/2020, sexo masculino em abril/2019 versus abril/2020 e sexo masculino em
maio/2019 versus maio/2020), havendo estagnação apenas da variação sexo feminino em maio/2019
versus maio/2020. Denota-se, portanto, que as medidas adotadas durante a quarentena, voltadas ao
distanciamento social, afetaram de forma positiva esse panorama e reduziram a incidência dos
crimes de homicídios dolosos no período analisado, principalmente no mês de abril de 2020, que
registrou a maior redução.

Tabela 2: Variação dos meios empregados mês a mês na execução dos homicídios dolosos na cidade de
Manaus
MEIO EMPREGADO ABR/19 ABR/20 ∆ MAI/19 MAI/20 ∆
AGRESSÃO FISICA 3 5 66,67% 4 10 150%
ARMA BRANCA 7 6 -14,29% 6 16 166,7%
ARMA DE FOGO 53 24 -54,72% 47 29 -38,3%
DECAPITAÇÃO 0 0 0% 1 0 -100%
ESTRANGULAMENTO 2 0 -200% 3 0 -300%
N.I. 0 0 0% 0 2 200%
Fonte: elaborada pelos autores (2020).

Igualmente, a tabela acima apresenta os números absolutos e variações dos meios


empregados na execução dos homicídios dolosos na cidade de Manaus nos meses de abril e maio
de 2020, intervalo compatível com a quarentena, em relação ao mesmo período de 2019,
apresentando as variações crescentes ou decrescentes importantes ao estudo.
Após análise comparativa entre os meses de abril de 2020 e 2019, constatou-se redução
nos casos de arma branca, arma de fogo e estrangulamento, estagnação nas situações de casos não
14 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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Mortes violentas durante a quarentena: uma análise comparativa da incidência de homicídios dolosos na cidade de Manaus,
nos meses de abril e maio de 2020, em relação ao mesmo período de 2019

informados e decapitação, e crescimento de 66,67% no caso de agressão física, como resultado de


três ocorrências em 2019 para cinco em 2020. Por outro lado, em relação aos meses de maio de
2020 e 2019, houve redução nos casos de arma de fogo, decapitação e estrangulamento, bem como
crescimento nos meios não informados (zero em 2019 e dois em 2020), agressão física (quatro em
2019 e dez em 2020) e arma branca (6 de 2019 para 16 em 2020), com destaque aos dois últimos
meios.
Pelo exposto, pelo exame geral dos dados da tabela 2, aferiu-se que, em termos
absolutos, o meio empregado para execução do crime continua sendo a arma de fogo. Porém, ainda
assim, houve redução percentual desse meio no período analisado. Igualmente, constatou-se o
aumento das agressões físicas como meio para se executar o crime de homicídio doloso, mesmo
durante a quarentena, bem como um aumento de 166,7% nos casos de arma branca no mês de
maio/2020 para maio/2019.

Considerações

O objetivo do presente artigo foi verificar a incidência do crime de homicídios durante a


pandemia na cidade de Manaus, nos meses de abril e maio de 2020, em comparação ao mesmo período
de 2019. Para tanto, foi realizada uma abordagem da violência, sob a ótica dos principais autores da
sociologia, o estudo do crime de homicídio doloso, cujo bem juridicamente tutelado é o direito à vida,
bem como explanação sobre o novo coronavírus e as medidas adotadas pelo Governo do Amazonas
durante a pandemia voltadas ao distanciamento social, além da comparação da incidência de homicídios
dolosos na cidade de Manaus durante a quarentena, mais especificamente nos meses de abril e maio de
2020, em relação ao mesmo do ano anterior, quanto às variáveis de sexo, faixa etária e meio utilizado.
Dessa forma, após análise da temática violência, constatou-se que as medidas adotadas
durante a quarentena, especialmente quanto ao distanciamento social, afetaram a criminalidade de forma
positiva e reduziram a incidência dos crimes de homicídios dolosos no período analisado,
principalmente no mês de abril de 2020, período de maior redução.
Com isso, após a análise dos dados, percebeu-se que a estratégia governamental na restrição
de circulação de pessoas na capital amazonense, por ocasião da pandemia do COVID-19, afetou de
forma positiva os índices absolutos de homicídios dolosos na cidade de Manaus causando sua redução.
Entretanto, quanto aos instrumentos utilizados na execução dos crimes, constatou-se uma diminuição
do uso de armas de fogos, apesar de ainda se tratar do meio mais recorrente para tal, e o aumento dos
casos de homicídios por agressões físicas e armas brancas, o que denota proximidade entre a vítima e o
15

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Nascimento IR, Lopes DT e Albuquerque DL

autor do crime, fato que pode ser explicado exatamente pela restrição à circulação de pessoas imposta
pelo governo.

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Sobre os Autores
Izaura Rodrigues Nascimento: É Doutora em Relações Internacionais e Desenvolvimento Regional
(UnB/UFRR/Flacso). Professora do Programa de Pós-graduação em Segurança Pública, Cidadania e
Direitos Humanos/UEA, na cidade de Manaus/AM. https://orcid.org/0000-0001-5508-8730.

Danelle Tamborini Lopes: É Mestranda em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos da


Universidade do Estado do Amazonas e Major da Polícia Militar, lotada na Secretaria de Segurança
Pública do Estado do Amazonas sediada na cidade de Manaus. https://orcid.org/0000-0003-0626-2506.

Diogo de Lima Albuquerque: É Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos da


Universidade do Estado do Amazonas e Major da Polícia Militar, lotado no I Colégio Militar da Polícia
Militar do Amazonas, sediado na cidade de Manaus. https://orcid.org/0000-0002-7238-8564.

Recebido: 17 abr. 2020


Aceito: 26 mai. 2021

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ISSN 2175-053X ARTIGO

O “ATIRADOR DESIGNADO” E A ATIVIDADE POLICIAL: UM OLHAR


CRÍTICO SOBRE OS APARELHOS DE PONTARIA

Alcir Amorim Junior RESUMO: Este trabalho busca analisar o emprego do atirador em cenários caóticos,
em que infratores detêm grande poderio bélico e dificultam as estratégias e respostas
Polícia Militar do Estado de policiais rápidas, seguras e eficazes. Para isso, torna-se necessário treinar um policial
São Paulo, São Paulo, Brasil. a operar um fuzil de assalto de forma competente, dentro do ambiente urbano. Dessa
E-mail: alcirjunior@policia forma, algumas tropas no Estado de São Paulo vêm introduzindo treinamentos para o
militar.sp.gov.br; juniorasp “atirador designado”, inspirados, principalmente, no Exército Americano. A pesquisa
2012@gmail.com realizada tratou de conhecer o cerne da doutrina – originariamente das Forças
Armadas – trazendo para a realidade policial, com suas peculiaridades e necessidades,
tendo o objetivo de identificar a viabilidade do policial de uma unidade especializada,
com treinamento adequado de balística, portando um fuzil de assalto comum, com
munição comum, e com um aparelho óptico adequado, realizar disparos precisos e
controlados em médias distâncias. Foi ainda realizado um teste em campo para
conhecer as limitações operacionais impostas pelos equipamentos disponíveis e, a
partir daí, traçar um direcionamento para os tipos de sistemas de armas (arma,
munição e aparelho de pontaria) possíveis. Ao final será permitido concluir que há
viabilidade na função de “atirador designado”, contanto que a doutrina seja
devidamente treinada e disseminada.

Palavras-chave: Policial. Atirador designado. Fuzil. Tropas especiais. Sniper.

THE “DESIGNATED MARKSMAN” AND THE POLICE ACTIVITY: A


CRITICAL LOOK AT THE AIMING DEVICES

ABSTRACT: This work seeks to analyze the use of the marksman in chaotic scenarios,
in which offenders have great military power and hinder the police strategies and
responses that are fast, safe, and effective. For this, it is necessary to train a police
officer to operate an assault rifle competently, within the urban environment. Thus,
some troops in the State of São Paulo have been introducing training for the
“designated marksman”, inspired mainly by the American Army. The research carried
out tried to know the core of the doctrine - originally from the Armed Forces - bringing
it to the police reality, with its peculiarities and needs, to identify the viability of the
police of a specialized unit, with adequate ballistics training, carrying a common
assault rifle, with common ammunition, and with a suitable optical device, make
accurate and controlled shots at medium distances. A field test was also carried out to
find out the operational limitations imposed by the available equipment and, from
there, to draw a direction for the types of weapon systems (weapon, ammunition, and
aiming device) possible. In the end, it will be allowed to conclude that there is viability
in the role of “designated marksman” as long as the doctrine is properly trained and
disseminated.

Keywords: Police. Designated Marksman. Rifle. Special Troops. Sniper.

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Junior AA

Introdução

O
emprego do termo “Atirador Designado” vem se ampliando no cotidiano das polícias no
Brasil e, em alguns casos, tem provocado uma confusão no conceito desta ferramenta e,
consequente, equívocos no emprego operacional. Diante desta questão, a atual pesquisa
pretende apresentar a origem, aplicação operacional e equipamentos utilizados para viabilizar tal função.
No Estado de São Paulo, observa-se um movimento por formar tropas capazes de suprir as
demandas criminosas, uma tentativa para dar resposta, principalmente, aos crimes violentos, furtos
qualificados realizados em instituições financeiras pelo crime organizado; como relatado pelo Cap. PM
José Alexandre Camargo em sua monografia, cujo tema é “uso do fuzil em ocorrências complexas: o
aumento da distância de segurança em confrontos armados como ferramenta protetiva” (CAMARGO,
2019); em suma, o autor propõe treinamento diferenciado para melhorar a resposta da polícia,
aumentando a distância dos confrontos e, assim, propiciando mais segurança aos operadores.
Os delitos ainda se caracterizam por serem realizados por grande quantidade de infratores,
os quais possuem planejamento e alto poder beligerante (armas portáteis). Eles realizam os ataques,
majoritariamente, durante o período noturno, muitas das vezes em cidades pequenas, onde o
policiamento é reduzido e há uma maior facilidade para acesso e controle das vias de fuga.
Em suma, o atirador designado é um policial operador com conhecimento de tiro e balística,
responsável pela proteção de sua equipe, capaz de realizar um disparo a média distância (até os 300
metros) de forma precisa e controlada. Porta um fuzil semiautomático comum, com munição comum e
com equipamento óptico de baixa magnificação, que o capacite à função.
Em São Paulo, o que se vê, até por não ser uma iniciativa formal da polícia, com
especialização específica, muitas vezes, são policiais trabalhando com equipamentos inapropriados,
sequer sabendo operá-los. Acoplam-se, em alguns casos, equipamentos ópticos particulares, já visto até
lunetas de caça e equipamentos para “armas de airsoft”. Tais equipamentos podem ter efeito reverso e
prejudicando a atuação do atirador, mantendo-o em erro sobre a crença de que o equipamento óptico lhe
trará vantagem operacional.
Portanto, o objetivo deste trabalho é expor de forma breve um pouco sobre a origem do
atirador designado e apresentar as dinâmicas de treinamentos, emprego, sistema de arma (arma, munição
e aparelho de pontaria) e, principalmente, perceber se realmente um aparelho óptico trará aumento de
desempenho operacional baseado nos testes feitos e descritos na metodologia.
A justificativa do trabalho se alicerça no conhecimento dos possíveis danos colaterais a
outras pessoas por falta de conhecimento e emprego errôneo do fuzil no ambiente urbano.

156 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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O “atirador designado” e a atividade policial: um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria

Abordagem Teórica
A ideia de se melhorar a performance do disparo de um operacional é antiga e remonta à
Guerra da Crimeia (1853 a 1856), onde um Oficial já desenvolvera uma mira telescópica para fuzis.
Conta a história que, após visualizar dois combatentes, sendo que um portava equipamento de
observação e o outro um fuzil, o Ten Cel David Davidson teve a ideia de otimizar as funções e criar
uma mira telescópica básica para fuzis. (HASKEW, 2016)
Esse pensamento se desenvolveu, criando a figura do Atirador de Elite, tecnicamente
treinado para vários tipos de missões, portando fuzis ferrolhados e capazes de operar de forma
independente, sendo, muitas vezes, uma fonte de informações para tomada de decisão, além de ser um
operador com um amplo conhecimento de balística, camuflagem e cartografia.
Ocorre que a formação de tais operacionais era demasiadamente longa e demandava um
tempo de amadurecimento maior do que se precisa, quando a pretensão é somente dar maior precisão
nos disparos de um militar. Ou seja, vislumbrou-se a existência de um meio termo entre o Atirador de
Elite – altamente preparado – e um operador comum, que perdia seus disparos constantemente.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), pode-se dizer que existiu o primeiro fuzil
de atirador designado, quando o Exército alemão tentou colocar lunetas em todos os fuzis de infantaria.
O Fuzil era o K98 ZF4 fabricado pela J.P. Sauer & Sohns. A ideia central era dar maior precisão para
um atirador de infantaria (Everyday Marksman, 2019).
Na atualidade, as maiores referências no assunto são as Forças Armadas Americanas.
Chamado de Atirador Designado do Esquadrão (Squad Designated Marksman – SDM), conforme o
Manual do Corpo de Fuzileiros Navais, o MCIP 3-10A.4i, (U.S. MARINE CORPS, 2020), e o Manual
do Exército FM 3-22.9. Ambos os documentos apresentam filosofias muito parecidas: dar conhecimento
básico de fundamentos de tiro e balística a um atirador comum, para que esse faça a proteção de seu
esquadrão em distâncias intermediárias. Para tanto, é utilizado um fuzil leve, semiautomático e com um
equipamento óptico de baixa magnificação.
Evidente que o emprego do Atirador Designado para as atividades policiais não se limitaria
a proteção de sua equipe, este operacional daria apoio às tropas especiais para que progredissem no
terreno; a dinâmica da atuação permitiria que, através de equipamentos de observação e armamento
apropriado, quando fosse o caso, os atiradores designados garantiriam a proteção da tropa e informariam,
de imediato, possíveis casos de perigo à vida de policiais e terceiros.

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157
Junior AA

Figura 1: Formulário de Registro de Tiro do Exército Americano

Fonte: (UNITED STATES ARMY, 2011)

Uma consideração importante é o que se entende em relação às distâncias intermediárias.


Segundo (PLASTER, 2006), o atirador designado militar é efetivo em uma distância de 320 a 540
metros.
A informação da distância é corroborada no Manual de Atirador Designado do Exército
Americano, o qual traz que o atirador é treinado para efetuar disparos em alvos de 300 a 500 metros, o
que pode ser confirmado, no formulário de registro de tiro (Figura 1), por meio do qual se verifica a
manutenção das habilidades necessárias exigidas pela missão (UNITED STATES ARMY, 2011).
No caso para os aplicadores da lei, levando-se em consideração os calibres com projéteis de
alta velocidade para os quais às polícias tem dotação para compra, no caso, o 7,62x51mm e o
5,56x45mm, este trabalho considera a curta distância o emprego até os 150 metros de distância, a média

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O “atirador designado” e a atividade policial: um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria

entre 150 e 300 metros e, acima dos 300 metros, longa distância. Aqui se faz uma conjugação entre
calibres disponíveis, trabalho policial e distâncias médias de enfrentamento.
Este autor entende ser adequado ressaltar a importância de se adotar o calibre 5,56x45mm
para as aplicações em médias distâncias. Este raciocínio é reforçado pela ideia de que, dentro de um
cenário urbano, há de se tomar cuidado com os possíveis danos colaterais e o excesso de transfixação,
correlacionado com a tendência perfurante de projéteis de alta velocidade.
Não é excluída a possibilidade de que determinadas unidades, em determinados cenários,
migrem para o calibre 7,62x51mm, contanto que seja feita uma adequada conjugação entre arma e
munição, com um estudo ideal entre passo de raiamento, peso e tipo de munição.
Um olhar técnico, chega ao entendimento de que, dos calibres disponíveis, o mais adequado
é o 5,56x45mm, pois é um projétil que tende a impactar e permanecer no corpo, mitigando os riscos de
efeitos colaterais, como afirmado por Vicent J. M. Di Maio em sua obra Gunshot Wounds (MAIO, 1999,
p. 206).
Outra consideração acerca do calibre 5,56x45mm é a facilidade com o treinamento. Projétil
de alta velocidade, mais leve, se comparado com o 7,62x51mm; o que se traduz com uma curva balística
mais plana e a capacidade de se atingir alvos com mais agilidade. Ou seja, com uma arma zerada ou
aferida entre os 200 e 250 metros (dependerá do fuzil e munição), o operador treinado, facilmente
atingiria alvos até os 300 metros sem ajuste em sua arma.
Se a filosofia da atividade do Atirador Designado é ser um operador comum, integrado em
uma equipe; o Atirador Designado Policial, muitas vezes irá desempenhar a atividade de patrulhamento
ostensivo, portando seu fuzil de assalto, ou seja, necessariamente deve ser um fuzil leve, com o qual o
operador possa fazer longas caminhadas e permanecer por longos períodos de tempo com a arma em
bandoleira.
Em resumo, o calibre 5,56x45mm é o mais indicado por oferecer menor risco a vida de
terceiros, ser um calibre mais fácil de operar e que proporciona um fuzil mais leve e mais efetivo para
o trabalho policial.
Os fuzis utilizados são variados, com preferências para os fuzis da Heckler Koch, no calibre
7,62x51mm, o modelo G28, garantido pela empresa uma dispersão de precisão adequada para a função.
Segundo o levantamento desse autor, o Exército Americano utiliza desde 2016 uma versão mais leve do
G28, o M11A1. No calibre 5,56x45mm , observa-se variações do HK 416, o M27IAR e o G38 DMR,
além de opções como os fuzis da FN Herstal da série SCAR e as famosas plataformas AR (ARMY
RECOGNITION, 2020; HECKLER, 2020).
Durante as pesquisas sobre a ferramenta atirador designado aplicada ao uso policial, no
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Junior AA

exterior, foi observada a tentativa de modificação de fuzis na plataforma AR (Assault Rifle), nas suas
variações: AR-15/M16/M4; fuzis no calibre 5,56x45mm, e dotados de lunetas com magnificação
máxima entre 4x a 10x. Um colunista do sítio eletrônico “SNIPER1”, autor do artigo: “Além do rifle de
patrulha: adicionando a capacidade do Atirador Designado” relata a necessidade do desenvolvimento
de tal ferramenta. Durante troca de mensagens (e-mail) com o autor, este informou que desde 2009 trata
do assunto. Que, contudo, não existe, nas agências que ele conhece, movimento organizado nesse
sentido, como um programa institucional, sendo tais iniciativas, individuais de policiais (FAIRBURN,
2011).
Quando a literatura fala sobre equipamentos ópticos de baixa magnificação há de se
compreender que as possibilidades são vastas. O primeiro exemplo são as lunetas com magnificação
variável, começando com 1x de aumento e indo até o máximo de 10x. Um bom exemplo são as lunetas
atualmente utilizadas pelos atiradores designados do exército americano, a Sig Sauer TANGO 1-6x24.
(SIG SAUER, 2018).
Outra boa alternativa são as lunetas vistas sendo utilizadas pelo Atirador Especial do
Exército Português no sitio eletrônico da Worriors – online tactical magazine – a VCOG (Variable
Combat Optical Gunsight) da Trijicon, disponíveis nas configurações 1-6x24 e 1-8x28 (TRIJICON,
[s.d.]; WARRIORS, [s.d.]).
Outras possibilidades para os equipamentos de baixa magnificação, são as lunetas com
magnificação fixa ou o uso conjugado de mira holográfica com magnificador. As duas configurações
são possíveis, como exemplo de lunetas com magnificação fixa, tem-se as lunetas de combate da
Trijicon, as ACOG (Advanced Combat Optical Gunsight), descrita como a luneta oficial de média
distância do Corpo de Fuzileiros Navais e das Forças de Operações Especiais dos Estados Unidos da
América. Essas lunetas podem ser encontradas com várias opções de magnificação e retículos com
ajustes para queda balística, inclusive. As opções com Holográficas e Magnificadores são possíveis
também, visto no mercado, opções de retículos com ajustes de queda e magnificadores com opções de
magnificação, de acordo com a necessidade do usuário (TRIJICON, [s.d.])
Com relação a formação no exterior, dos militares tem uma duração de cerca de 2 semanas;
ainda nos Estados Unidos da América existem algumas academias de tiro que oferecem cursos com a
proposta de formar atirador designado policial, com duração de 3 dias a 2 semanas. A empresa Sig
Sauer, por exemplo, dispõe de um curso de 3 dias de duração, desde que o atirador atenda alguns pré-
requisitos; no caso, ter concluído o curso de instrutor de rifle e o curso de operador avançado de rifle,
que dão cerca de 2 semanas de conhecimentos prévios.
O conteúdo do curso foca nos sistemas de armas do Atirador Designado, balística básica,

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O “atirador designado” e a atividade policial: um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria

zeragem de aparelho de pontaria, posições de tiro, estimativa de distância, aplicativos balísticos e


técnicas de tiros rápidos (SIG SAUER ACADEMY, 2020).
A especialização em São Paulo, aos policiais já habilitados a operar com fuzis, abordaria
os assuntos supracitados no parágrafo anterior, com duração de cerca de duas semanas e meia.

Metodologia
Informações iniciais
O teste foi realizado em 07 de julho de 2020, no município de Itu-SP (dados climáticos:
temperatura – 28°, humidade – 51%, altitude – 585m), com os seguintes materiais e observações
pertinentes:
• O fuzil empregado foi o FN Herstal SCAR-L 5,56x45mm (Erro! Fonte de referência
não encontrada.). Foi realizado o teste com este fuzil tendo em vista a recente aquisição da Polícia
Militar de São Paulo. Não foi realizado o teste com Imbel 5,56 IA2, por não ser adequado devido a sua
tampa da caixa da culatra.
Figura 2: Fuzil FN SCAR-L 5,56

Fonte: (AUTOR, 2020)


• Munição CBC OTM 77gr (lote CBC 0061 2° TRIM/19) (Figura 3), considerando o passo de
raiamento do fuzil (1:7’’), a munição apresentou fator de estabilidade adequado. (LITZ, 2015);
Figura 3: Munição CBC OTM

Fonte: (AUTOR, 2020)


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Junior AA

• Mira holográfica Horus, conjugada com um magnificador da Meprolitght MX3-T de 3x de


magnificação (Figura 4);
Figura 4: Fuzil com holográfica e magnificador

Fonte: (AUTOR, 2020)

• Luneta BARSKA 6-24x50mm IR (Figura 5) com retículo do tipo Mil Dot, sabe-se que a
magnificação máxima dessa luneta não é o ideal para a função, por isso, foi utilizada a magnificação mínima em
todas as fazes do teste; e

Figura 5: Fuzil com luneta

Fonte: (AUTOR, 2020)

• Bipé Harrys 6” a 9”.

Informações Gerais
O teste não foi feito em túnel de vento, com o fuzil em uma estativa; já que, desta forma, o fuzil
manteria sua precisão de fábrica e a mudança de um ou outro aparelho óptico, mudaria sim a acurácia (exatidão)
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O “atirador designado” e a atividade policial: um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria

dos disparos. O que queríamos é saber o ganho de performance em campo, atirando primeiro com a mira aberta,
disponibilizada pelo fabricante, depois com mira holográfica e magnificador, e, por fim, com luneta.
O teste foi realizado por dois atiradores de elite devidamente treinados, habilitados e certificados
pelo Grupo de Ações Táticas Especiais de São Paulo (GATE/SP) e todos os disparos foram realizados na posição
deitada, com apoio.
Os equipamentos utilizados foram os descritos e que se tinha disponível para o teste, talvez com uma
ou outra configuração, ou seja, a utilização de outros aparelhos de pontaria, o resultado poderia ser distinto.
Nenhum dos atiradores também tinha atirado com as referidas armas, o treinamento com o equipamento poderia
trazer melhora nos disparos. Valemos da experiência, conhecimento e expertise com armas do Sniper, que
conhece técnicas de aferição, fundamentos de tiro e balística, reduzindo-se possíveis variáveis externas; vento,
por exemplo.

Precisão e Acurácia

Precisão é a medida de quão agrupados estão os disparos, ou seja, a proximidade entre eles; e acuraria
é a medida de quão pertos estão do centro do alvo (Figura 6), (LITZ, 2015).

Figura 6: Diferença entre precisão e acurácia

Fonte: (AUTOR, 2020)

Disposição do estande de tiro para o teste


Foram colocados alvos em 06 (seis) distâncias: 50, 100, 150, 200, 250 e 300 metros (Figura
7 e Figura 8); sendo que até os 150 metros foram colocados alvos de papel com referência de 3 Minutos
de Ângulo (MOA) da distância e alvos de metal; a partir dos 200 metros, foi colocado alvos PM -L-74

163

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Junior AA

e alvos metálicos (plates).

Figura 7: Conjunto de alvos dos 50 - 150 metros

Fonte: (AUTOR, 2020)

Figura 8: Conjunto de alvos dos 200 - 300 metros

Fonte: (AUTOR, 2020)

O objetivo com os alvos alvo de papel foi aferir a precisão e acurácia de 03 (três) disparos.
Os alvos metálicos tinham 30 cm de diâmetro e, com eles procurava-se saber, principalmente, se os
disparos ficariam dentro da zona letal, ou seja, dentro da altura entre o osso esterno e o umbigo, local
onde a incapacitação física eventual provocada pelo choque hipovolêmico é mais efetiva, por se tratar
de possível disparo no coração e grandes vasos. Isso considerando que fazendo a visada no centro da
circunferência, fosse o centro do peito de um infrator. Em cada alvo metálico deu-se o máximo de 02
(dois) disparos, porém, apenas se daria segundo, caso o atirador não acertasse o primeiro. Objetivo do
segundo disparo nos alvos metálicos era conhecer a capacidade do atirador, com o aparelho óptico
específico, após o primeiro disparo, fazer a correção e conseguir fazer um segundo disparo eficaz.

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O “atirador designado” e a atividade policial: um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria

Sequência

Antes do teste, cada aparelho de pontaria foi aferido para os 100 metros, a velocidade de
boca de cano da arma foi medida e, assim, confeccionado uma tabela balística para saber exatamente
onde o projétil estaria passando nas distâncias dos alvos.
Posteriormente, realizados os disparos em todos os alvos de papel e, na sequência, nos alvos
metálicos.

Resultados Consolidados
Resultados da parte prática
Como o teste foi feito com fuzil e munição comum, com o objetivo de se efetuar disparos
na zona letal, esperava-se manter uma dispersão de precisão até os 3 MOA (considerado o valor do
MOA de 2,908 cm a 100 m) em todos os alvos e acurácia (altura e lateralidade) abaixo dos 15 cm do
centro do alvo nas distâncias acima dos 150 metros, o que garantiria acertos efetivos até os 300 metros.
Considera-se satisfatória a dispersão de precisão de 1,5 MOA, mas aqui contava-se com todas as
variáveis externas e do atirador.
Duas considerações, foi observado pelos dois atiradores que com mira mecânica ficava
difícil de enxergar alvos após os 150 metros. Também, foi relatado a dificuldade de manutenção da
visada no mesmo ponto com a holográfica, mesmo com o ajuste de intensidade do retículo.
Observa-se, pelo resultado do atirador 01, que os disparos com mira mecânica foram
precisos e acurados até os 150 metros, a partir daí muita variação, o melhor exemplo são os disparos
precisos aos 200 metros, porém, não acurados, um claro exemplo de uma pobre visualização
proporcionada pelo aparelho de pontaria. O acerto nos plates confirmaram isso, com assertividade
apenas até os 150 metros; todos no primeiro disparo, ou seja, o atirador não consegue conseguir fazer a
correção necessária para acertar o segundo disparo nos alvos seguintes.
Com mira holográfica e magnificador os disparos foram precisos e acurados até os 250 metros,
aos 300 metros foi preciso, mas com acurácia prejudicada. Nos plates houve acerto com o primeiro
disparo até os 200, conseguindo-se acertar o alvo de 250 metros no segundo disparo.
O uso de luneta proporcionou um aumento significativo na acurácia dos disparos, ou seja,
disparos mais perto do centro do alvo, que puderam ser corroborados com 100% de acerto nos disparos
em plates, todos no primeiro tiro.

Quadro 1: Resultados do Atirador 01

165

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Junior AA

ATIRADOR 01
Acurácia (cm) Acerto em plate
Distância Precisão (MOA)
Altura Lateralidade 1° disparo Total Porcentagem 2° disparo Total com o 2° disp Porcentagem
50 1,29 1,49 0,93 1 0 1
Mira Mecânica

100 0,91 0,72 2,14 1 0 1


150 3,15 3,31 7,39 1 0 1
3 50% 3 50%
200 1,09 20,08 10,78 0 0 0
250 6,21 23,44 8,01 0 0 0
300 1,16 40,98 9,4 0 0 0
50 1,35 1,17 1,87 1 0 1
Holográfica com
Magnificador

100 2,53 6,62 6,32 1 0 1


150 1,85 4,93 6,98 1 0 1
4 67% 5 83%
200 1,24 7,02 2,93 1 0 1
250 1,18 0,27 8,57 0 1 1
300 0,88 22,25 11,65 0 0 0
50 2,62 0,42 0,07 1 0 1
100 1,82 0,38 1,47 1 0 1
Luneta

150 2,43 0,53 4,68 1 0 1


6 100% 6 100%
200 2,16 0,35 4,35 1 0 1
250 0,93 1,65 7,53 1 0 1
300 2,06 9,2 13,49 1 0 1
Fonte: (AUTOR, 2020)

O resultado do atirador 02 com mira mecânica, quanto à precisão e acurácia foi boa até os
250 metros, porém, aos 200 metros já se observa uma considerável variação quanto a acurácia, mais
uma vez pela dificuldade de visualização. Os acertos em plates foi igual ao atirador 01, sendo que o
disparo no alvo de 150 metros só foi obtido na segunda tentativa, com a correção.

Quadro 2: Resultados do Atirador 02


ATIRADOR 02
Acurácia (cm) Acerto em plate
Distância Precisão (MOA)
Altura Lateralidade 1° disparo Total Porcentagem 2° disparo Total com o2° disp Porcentagem
50 1,29 1,19 2,16 1 0 1
Mira Mecânica

100 0,98 0,89 0,6 1 0 1


150 1,01 0,34 1,11 0 1 1
2 33% 3 50%
200 2,48 12,31 10,92 0 0 0
250 2 9,48 5,88 0 0 0
300 1,73 23,99 15,71 0 0 0
50 1,45 1,02 0,03 1 0 1
Holográfica com
Magnificador

100 3,72 5,54 1,86 1 0 1


150 2,19 6,46 7,3 1 0 1
4 67% 5 83%
200 2,4 12,28 5,18 0 1 1
250 3,25 8,31 1,07 1 0 1
300 2,43 14,07 0,47 0 0 0
50 2,15 0,48 0,08 1 0 1
100 0,97 2,25 0,26 1 0 1
Luneta

150 1,58 3,26 0,02 1 0 1


5 83% 6 100%
200 3,12 3,22 1,21 1 0 1
250 1,46 5,61 2,07 1 0 1
300 1,42 11,92 4,25 0 1 1

Fonte: (AUTOR, 2020)

Os disparos com mira holográfica e magnificador foram acurados até os 300 metros, tendo

166 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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O “atirador designado” e a atividade policial: um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria

uma variação pequena quanto a precisão aos 100 e 250 metros. Acertou-se alvos até os 250 metros,
sendo que acertou o alvo a 200 metros na segunda tentativa.
A precisão e acurácia com a luneta mais uma vez foi melhor, resultando em tiros mais
próximos do centro do alvo e acertos em plates. O atirador 02 também teve 100% de aproveitamento,
sendo que o acerto no alvo de 300 metros aconteceu no segundo disparo.

Visualização com os aparelhos de pontaria disponíveis

O objetivo das imagens é transpassar o cenário visto pelo atirador através dos aparelhos de
pontaria.
Como existe uma diferença entre a capacidade de ampliação entre o magnificador utilizado
e a luneta, a visualização com a luneta foi melhor, já que o zoom inicial é de 6x.

Mira mecânica

Segue abaixo o cenário visto através da mira mecânica (Figura 9 e Figura 10):

Figura 9: Mira mecânica - 50 aos 250 metros Figura 10: Mira mecânica - 300 metros

Fonte: (AUTOR, 2020) Fonte: (AUTOR, 2020)

Como informado pelos atiradores durante os testes, difícil a visualização dos alvos após os 150
metros.

Mira holográfica e magnificador

Segue abaixo cada alvo visto por meio da mira holográfica (Figura 11 a 16):

167

167
Junior
Junior
AA
Junior
AA AA

Figura
Figura
Figura
11:11:
Mira
11:
Mira
holográfica
Mira
holográfica
holográfica
- 50- metros
50- metros
50 metros Figura
Figura
Figura
12:12:
Mira
12:
Mira
holográfica
Mira
holográfica
holográfica
- 100
- 100
metros
- 100
metros
metros

Fonte: (AUTOR,
Fonte:
Fonte: 2020)
(AUTOR,
(AUTOR,
2020)
2020) Fonte:
Fonte:
Fonte:
(AUTOR,
(AUTOR,
(AUTOR,
2020)
2020)
2020)

Figura
Figura
Figura
13:13:
Mira
13:
Mira
holográfica
Mira
holográfica
holográfica
- 150
- 150
metros
- 150
metros
metros Figura
Figura
Figura
14:14:
Mira
14:
Mira
holográfica
Mira
holográfica
holográfica
- 200
- 200
metros
- 200
metros
metros

Fonte: (AUTOR,
Fonte:
Fonte: 2020)
(AUTOR,
(AUTOR,
2020)
2020) Fonte:
Fonte:
Fonte:
(AUTOR,
(AUTOR,
(AUTOR,
2020)
2020)
2020)

Figura
Figura
Figura
15:15:
Mira
15:
Mira
holográfica
Mira
holográfica
holográfica
- 250
- 250
metros
- 250
metros
metros Figura
Figura
Figura
16:16:
Mira
16:
Mira
holográfica
Mira
holográfica
holográfica
- 300
- 300
metros
- 300
metros
metros

Fonte:
Fonte: Fonte:
(AUTOR,
(AUTOR,(AUTOR,
2020)
2020) 2020) Fonte:
Fonte:
Fonte:
(AUTOR,
(AUTOR,
(AUTOR,
2020)
2020)
2020)

Com
Com
holográfica
Com
holográfica
holográfica
e magnificador,
e magnificador,
e magnificador,
houve
houve
houve
ganho
ganho
ganho
na visualização
na visualização
na visualização
e, por
e, por
e,
consequência,
por
consequência,
consequência,
maiores
maiores
maiores
168168168 REBESP,
REBESP,
REBESP,
Goiânia,
Goiânia,
Goiânia,
v. 14,v.n.14,
v.
2,n.
14,
2021
2,n.2021
2, 2021

168
O “atirador designado” e a atividade policial: um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria

acertos em distâncias maiores. A melhora é relacionada com o zoom que o aparelho pode proporcionar
ao operador. Pôde-se ver o alvo até os 300 metros, porém, nenhum dos atiradores acertou, mesmo
sabendo da queda balística e fazendo correções.
Diferentes tipos de retículos com referências de queda do projétil podem ajudar em médias
distâncias e com isso, melhor aproveitamento do aparelho óptico.
Como veremos com a luneta abaixo, 3x de aumento pode não ser o ideal, um magnificador
de 4x para melhorar visualização de alvos acima dos 150 metros é o ideal.

Luneta

Segue abaixo cada alvo visto por meio da luneta (Figura 17 a 22):
Figura 17: Luneta - 50 metros Figura 18: Luneta - 100 metros

Fonte: (AUTOR, 2020) Fonte: (AUTOR, 2020)

Figura 19: Luneta - 150 metros Figura 20: Luneta - 200 metros

Fonte: (AUTOR, 2020) Fonte: (AUTOR, 2020)

169

169
Junior AA
Junior
JuniorAA
AA

FiguraFigura
Figura
21: Luneta
21:
21:Luneta
Luneta
- 250 metros
--250
250metros
metros FiguraFigura
Figura
22: Luneta
22:
22:Luneta
Luneta
- 300 metros
--300
300metros
metros

Fonte: Fonte:
(AUTOR,
Fonte:(AUTOR,
(AUTOR,
2020) 2020)
2020) Fonte: Fonte:
(AUTOR,
Fonte:(AUTOR,
(AUTOR,
2020) 2020)
2020)

Com luneta
Com
Comluneta
luneta
houvehouve
houve
ganhoganho
ganho
tambémtambém
também
na visualização.
na
na visualização.
visualização.
Logo Logo
melhor
Logo melhor
melhor
performance
performance
performance
em distâncias
em
emdistâncias
distâncias
maiores.
maiores.
maiores.
O principal
OO principal
principal
destaque
destaque
destaque
é o retículo,
éé oo retículo,
retículo,
que sãoque
que
assão
são
marcações
as
as marcações
marcações
embutidas
embutidas
embutidas
na lente
na
nada
lente
lente
luneta.
da
da luneta.
luneta.
Foi FoiFoi
mais perceptível
mais
mais perceptível
perceptível
o alinhamento
oo alinhamento
alinhamento
do fuzil
do
docom
fuzil
fuzilocom
com
alvo,oo além
alvo,
alvo,de
além
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serde
de
possível
ser
ser possível
possível
fazer correções
fazer
fazer correções
correções
de altura
de
de altura
altura
e ee
lateralidade
lateralidade
lateralidade
de forma
de
de forma
forma
mais eficaz.
mais
mais eficaz.
eficaz.

Conclusão
Conclusão
Conclusão
O ganho
O
O ganho
ganho
de performance,
de
de performance,
performance,
ou seja,
ou
oudisparos
seja,
seja, disparos
disparos
mais precisos
mais
mais precisos
precisos
e acurados
ee acurados
acurados
foramforam
foram
observados,
observados,
observados,
de de de
formaforma
forma
progressiva
progressiva
progressiva
(mira (mira
mecânica,
(mira mecânica,
mecânica,
depoisdepois
depois
holográfica
holográfica
holográfica
com magnificador
com
com magnificador
magnificador
e, por e,fim,
e, por
porluneta),
fim,
fim, luneta),
luneta),
de acordo
de
de acordo
acordo
com cada
com
comaparelho
cada
cada aparelho
aparelho
de pontaria
de
de pontaria
pontaria
apresentado.
apresentado.
apresentado.
Não existe
Não
Não existe
existe
certo ou
certo
certo
errado
ou
ou errado
errado
em seem
em
optar
se
se optar
por
optar
umpor
por
ouum
um
outro
ou
ou outro
outro
equipamento
equipamento
equipamento
óptico;óptico;
óptico;
deve-se,
deve-se,
deve-se,
sim, saber
sim,
sim, saber
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limitação
aa limitação
limitação
do material.
do
do material.
material.
O queO O
seque
que
pode
se
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pode
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afirmar,
com certeza,
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com certeza,
certeza,
é éé
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muito
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muito
mais vantajoso
mais
mais vantajoso
vantajoso
trabalhar
trabalhar
trabalhar
com uma
com
comluneta
uma
uma luneta
luneta
com zoom
com
com zoom
zoom
variável
variável
variável
para se
para
para
aproveitar
se
se aproveitar
aproveitar
toda atoda
toda aa
capacidade
capacidade
capacidade
operativa
operativa
operativa
do equipamento.
do
do equipamento.
equipamento.
A luneta
AA luneta
luneta
com magnificação
com
commagnificação
magnificação
variável
variável
variável
dá a opção

dá aa opção
opção
de trabalhar
de
de trabalhar
trabalhar
com ocom
com
aumento
oo aumento
aumento
de acordo
de
de acordo
acordo
com com
com
a necessidade,
aa necessidade,
necessidade,
além de
além
além
conseguir
de
de conseguir
conseguir
trabalhar
trabalhar
trabalhar
com um com
com
equipamento
um
um equipamento
equipamento
que pode
que
queirpode
pode
até 10x
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até
de10x
10x
zoom,
de
de zoom,
zoom,
quando
quando
quando
o objetivo
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objetivo
for alvo
for
formais
alvo
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mais
mais longos;
longos;
já os magnificadores

já os
os magnificadores
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e lunetas
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lunetas
com magnificação
com
com magnificação
magnificação
fixa deve
fixa
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deve
deve
o meio
ter
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meio
termotermo
termo
de magnificação
de
de magnificação
magnificação
para não
para
para
senão
não
perder
se
se perder
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o campo
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campo
de visão
de
de visão
do
visão
ambiente,
do
do ambiente,
ambiente,
sendosendo
sendo
o idealoode
ideal
ideal
4x.de
de 4x.
4x.
A luneta
AA luneta
luneta
de magnificação
de
de magnificação
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variável
variável
variável
deve ser
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ser
primeiro
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primeiro
plano plano
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com
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com
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magnificação
que que
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comece
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1x
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o máximo
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máximo
de 10x,
de
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10x,
10x, sendo
sendo
ideal que
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tenha
que
que tenha
um
tenha
retículo
um
um retículo
retículo
iluminado
iluminado
iluminado
com ajuste
com
com ajuste
ajuste
de de de
quedaqueda
queda
balística,
balística,
balística,
no mínimo.
no
no mínimo.
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Com base
Com
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base
base
resultados
nos
nos resultados
resultados
apresentados,
apresentados,
apresentados,
com oscom
com
equipamentos
os
os equipamentos
equipamentos
disponíveis,
disponíveis,
disponíveis,
com holográfica
com
com holográfica
holográfica
e magnificador,
ee magnificador,
magnificador,
o atirador
oo atirador
atirador
designado
designado
designado
estariaestaria
estaria
apto aapto
apto
realizar
aa realizar
realizar
disparos
disparos
disparos
de combate
de
de combate
combate
até osaté
até
250os
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250
250 metros;
metros;
e ee
com luneta
com
com luneta
luneta
com magnificação
com
com magnificação
magnificação
variável,
variável,
variável,
até osaté
até
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300
300 metros
metros
ou mais,
ou
ou mais,
para
mais,situações
para
para situações
situações
pontuais
pontuais
pontuais
e portando
ee portando
portando
170 170
170 REBESP,REBESP,
REBESP,
Goiânia,Goiânia,
Goiânia,
v. 14, n.v.
2,
v.14,
2021
14,n.n.2,2,2021
2021

170
O “atirador designado” e a atividade policial: um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria

um aplicativo balístico. Os resultados mostram, ainda, que facilmente um operador com luneta faria
disparos na região da cabeça até os 100 metros, claro que não na qualidade e precisão de um disparo de
incapacitação instantânea, função exclusiva de sniper policial.
Não existiu um foco no fuzil, mas deve ser analisado que o trilho picatinny onde se colocará
o aparelho óptico, deve ser fixo e em peça única. Os fuzis da Imbel, com a tampa da caixa da culatra
móvel, em testes anteriores, mostraram-se inconstantes com holográficas, por isso foram
desconsiderados.
A munição a ser utilizada deve ser analisada, pois o passo de raiamento do fuzil e o objetivo
da missão determinará qual será a mais viável. A munição OTM de 77gr da CBC, com o fuzil FN Scar-
L apresentou boa estabilização e bons resultados de precisão.
Com relação a formação necessária, um programa com 2 semanas e meia seria o ideal, sendo
a primeira semana focada em conhecimentos teóricos de balística, sistema de armas, equipamentos,
medidas angulares, além de conhecimento prático de zeragem de aparelho de pontaria e fundamentos
de tiro; e as demais, com treinamento prático de estimativa de distâncias, posições variáveis, técnicas
para uso do ponto em branco, vento e alvos em movimento.
Por fim, o contínuo estudo e consequente avanço das técnicas e táticas operacionais é a
chave do sucesso das ciências policiais, corroborando com o objetivo principal de qualquer força
policial: defender a vida das pessoas e aplicar a lei.

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Junior AA

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nov. 2020

Sobre o Autor
Alcir Amorim Junior possui graduação em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela
Academia de Polícia Militar do Barro Branco, graduação em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul
e graduação em Administração de Empresas pelas Faculdades Integradas Campos Salles. Atualmente é
1° Tenente da PMESP. Desde 2016 trabalha no Grupo de Ações Táticas Especiais, onde é o Comandante
da Equipe de SNIPER.

Recebido: 17 dez. 2020


Aceito: 26 mai. 2021

172 REBESP, Goiânia, v. 14, n. 2, 2021

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