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CONTOS JAPONESES

URASHIMA TARO

Urashima Taro era um pescador que vivia no Japão. Certa vez, salvou uma
tartaruga que estava sendo maltratada na praia por alguns rapazes. Após o ato heroico,
Taro levou a tartaruga de volta ao mar.
No dia seguinte, outra tartaruga se aproximou dele e lhe disse que a pequena
tartaruga que ele salvara era na verdade a filha do imperador do Mar, que gostaria de
agradecê-lo. Ela permitiu ao pescador que subisse em seu casco para levá-lo a uma
viagem ao fundo do mar. Lá o pescador se encontrou com o imperador e a sua filha, que
estava transformada em uma bela moça. Urashima Taro ficou no palácio como hóspede
de honra e muitas festas foram feitas em sua homenagem. Assim foram se passando os
dias com celebrações, conforto e muita comida. Embora feliz nas águas marinhas,
Urashima começou a sentir saudades de sua família, e pediu para voltar. Ao partir,
recebeu da princesa uma arca de presente, com a promessa de que só a abrisse quando
ficasse bem velho e de cabelos brancos. Ao chegar em sua cidade não a reconheceu,
tudo estava diferente. Ele também não conseguiu reconhecer nenhuma das pessoas da
vila.
Começou a perguntar se ninguém conhecia um pescador chamado Urashima
Taro. Algumas pessoas disseram que tinham ouvido falar de alguém com esse nome,
que havia desaparecido no mar muitos anos atrás. Taro descobriu que se passaram
trezentos anos desde o dia em que decidiu ir ao fundo do mar.
Tomado por uma grande tristeza, voltou à praia na esperança de reencontrar a
tartaruga, mas desesperou-se e acabou abrindo a caixa que a princesa lhe havia
presenteado. De dentro dela saiu uma nuvem de fumaça branca, que o envolveu. De
repente, seu corpo se tornou velho e enrugado, nasceu-lhe uma longa barba branca e
suas costas se curvaram com o peso dos anos. Do mar, ouviu-se a voz doce e triste da
princesa: “Eu lhe disse para não abrir a caixa. Nela estavam todos os seus anos…”.
A caixa continha a “eterna juventude” de Urashima Taro e o pescador, sem
reconhecer seu valor, deixou-a ir para sempre. O povo japonês conta essa lenda há
gerações para relatar a importância de não desperdiçar o tempo apenas com diversões e
viver cada momento da vida dando seu devido valor ao local em que mora e às pessoas
com quem convive.
***
TSURU NYÔBÔ (A Esposa Grua)
versão da província de Yamagata
Às margens de um rio, vivia um jovem chamado Kinzô, que vivia de cortar
lenha nas montanhas e vendê-la na cidade. Certo dia, no caminho de volta da cidade, ao
atravessar uma montanha, viu um grupo de crianças brincando de amarrar a perna de
uma grua com uma corda; com o dinheiro da lenha que vendera, Kinzô comprou o
animal e soltou-o. Nessa noite, como não tinha dinheiro, estava pensando em tomar uma
sopa de folhas de nabo e ir dormir, quando ouviu alguém bater à porta. Era uma bela
jovem, que disse estar perdida e que pedia abrigo por uma noite. Kinzô, assustado,
convidou-a a entrar. Na manhã seguinte, a moça, juntando as duas mãos, pediu-lhe:
- Por favor, deixe-me ser sua esposa.
E ele aceitou. Então, ela disse:
- Vou tecer uma peça, mas até eu terminá-la, você não poderá me ver. Na noite
do sétimo dia, entregarei a você uma peça da qual certamente irá gostar.
Então, encerrou-se em um quarto e começou a tecer. Na noite do sétimo dia, a
esposa mostrou a Kinzô uma peça de tecido:
- Venda isto e compre o que quiser. Você poderá vender esta peça por cinco ryô.
Então, Kinzô levou o tecido à cidade e um nobre, admirado, comprou-o por dez
ryô, dizendo que se ele lhe trouxesse mais um, pagaria quinze ryô. Kinzô voltou para
casa e obrigou a esposa a tecer. Ela então disse-lhe:
- Está bem, mas até eu terminar, não me olhe de maneira nenhuma – e começou
a tecer. Mas Kinzô pensou: “Como ela pode tecer algo tão magnífico?” e, não
conseguindo conter-se espiou, às escondidas, por uma fresta, e levou um susto: uma
grua completamente depenada arrancava, de seu próprio corpo, uma pena, depois mais
uma, e ia tecendo. “Ah” - ele deixou escapar a voz. Nessa noite, o ruído da máquina
cessou tarde, e a esposa saiu do quarto trazendo o tecido. Sentou-se diante de Kinzô e
falou:
- Por um longo tempo, você cuidou de mim. Na verdade, sou a grua que você
salvou naquele dia. Como agradecimento, tornei-me sua esposa, mas como você
conheceu a minha identidade, preciso ir embora.
E, rapidamente, assumiu a forma de uma grua e levantou vôo, sob o brilho do
luar. Quando a grua dá um vôo de duas voltas, dá-se a isto o nome de tsurumakida; e ao
rio de onde se tirou a linha de tecelagem, Shokkigawa. Kinzô saiu de casa e construiu
um templo, ao qual foi dado o nome de Chinzôdera. Diz-se que neste templo ainda resta
uma mandala tecida pela grua.

***

O ESPÍRITO DO SALGUEIRO
(Traduzido por mim, da versão em inglês de Gordon Smith, Richard. Ancient Tales and Folklore of
Japan. London: A&C Black, 1908.)

Cerca de mil anos atrás (de acordo com as datas da história, 744 anos atrás) o
templo de “Sanjusangen-do” foi fundado. Isso foi em 1132. “San-ju-san-gen Do”
significa salão de trinta e três espaços; e dizem que atualmente há no templo mais de
33.333 figuras da Deusa Kwannon, a Deusa da Misericórdia.
Antes de o templo ser construído, em uma vila próxima havia um salgueiro de
grande porte. Era um lugar para todas as crianças da aldeia brincarem. Elas se
balançavam e subiam em seus galhos. Ela fornecia sombra aos idosos no calor do verão
e, à noite, quando o trabalho terminava, muitos eram os rapazes e moças da aldeia que
juravam amor eterno sob seus galhos. A árvore parecia uma influência para o bem de
todos. Mesmo o viajante cansado podia dormir em paz e quase seco sob seus galhos.
Infelizmente, mesmo naqueles tempos, os homens costumavam ser impiedosos com
relação às árvores. Um dia, os aldeões anunciaram a intenção de derrubá-la e usá-la para
construir uma ponte sobre o rio.
Morava na aldeia um jovem agricultor chamado Heitaro, que viveu perto da
velha árvore todos os seus dias, como haviam feito seus antepassados; e ele foi
intensamente contra cortá-la.
Alguns dias depois Heitaro, voltando do trabalho, encontrou uma linda moça
junto ao salgueiro. Instintivamente, ele se curvou. Ela devolveu a reverência. Eles
conversaram sobre a árvore, sobre sua idade e beleza. Eles pareciam, de fato, atraídos
um pelo outro por uma simpatia comum. Heitaro lamentou quando ela disse que
precisava ir e desejou-lhe “bom dia”. Naquela noite, sua mente estava longe de
conseguir pensar nas coisas comuns da vida. “Quem era a moça debaixo do salgueiro?
Como eu gostaria de poder vê-la novamente!”, pensou ele. Heitaro perdeu o sono
naquela noite. Ele havia contraído a febre do amor.
No dia seguinte, ele foi trabalhar cedo; e trabalhou o dobro o dia todo, para
tentar esquecer a moça do salgueiro; mas no caminho para casa à noite, eis que lá estava
a moça novamente! Desta vez, ela se adiantou para cumprimentá-lo da maneira mais
amigável. “Bem-vindo, bom amigo!”, ela disse. “Venha descansar sob os ramos do
salgueiro que você tanto ama, pois deve estar cansado”.
Heitaro prontamente aceitou o convite, e não apenas descansou, mas também
declarou seu amor.
Dia após dia, a moça misteriosa (que ninguém mais tinha visto) costumava
encontrar Heitaro, e finalmente ela prometeu se casar com ele, se ele não perguntasse
sobre seus pais ou amigos. “Não tenho nenhum”, disse ela. “Só posso prometer ser uma
esposa boa e fiel e dizer que o amo de todo o coração e alma. Chame-me, então, ‘Higo’,
e eu serei sua esposa.
No dia seguinte, Heitaro levou Higo para sua casa, e eles se casaram. Tiveram
um filho em pouco menos de um ano e ele se tornou a alegria dos pais. Não havia um
momento de tempo livre em que Heitaro ou sua esposa não brincassem com a criança, a
quem chamavam de Chiyodo. É duvidoso que houvesse em todo o Japão um lar mais
feliz do que a da família de Heitaro.
Infelizmente, onde neste mundo a felicidade tão completa dura muito tempo?
Mesmo que os deuses permitissem isso, as leis dos homens não permitiriam.
Quando Chiyodo – o menino mais bonito da vizinhança – completou cinco anos,
o ex-imperador Toba decidiu construir em Kyoto um imenso templo para Kwannon. Ele
contribuiria com 1001 imagens da Deusa da Misericórdia. (Agora, em 1907, como
dissemos no início, este templo é conhecido como “San-ja-san-gen Do” e contém
33.333 imagens. Tendo-se tornado conhecido o desejo do ex-imperador Toba, foram
dadas ordens pelas autoridades para recolher madeira para a construção do vasto
templo).
Heitaro tentou salvar a árvore novamente oferecendo todas as outras que tinha
em suas terras; mas isso foi em vão. Até os aldeões ficaram ansiosos para ver seu
salgueiro na construção do templo. Isso lhes traria boa sorte, eles pensaram, e em todo
caso seria um belo presente deles para o grande templo.
A hora fatal chegou. Uma noite, quando Heitaro , sua esposa e seu filho estavam
dormindo, Heitaro foi acordado pelo som de machados cortando madeira. Para sua
surpresa, ele encontrou sua amada esposa sentada na cama, olhando seriamente para ele,
enquanto as lágrimas rolavam por seu rosto e ela soluçava amargamente:
“Meu querido marido,” ela disse com voz sufocada, “ por favor, ouça o que eu
lhe digo agora, e não duvide de mim. Isso, infelizmente, não é um sonho. Quando nos
casamos, implorei a você que não me perguntasse minha história, e você nunca o fez;
mas eu disse que contaria a você algum dia, se houvesse uma ocasião real para fazê-lo.
Infelizmente, essa ocasião chegou, meu querido esposo. Eu sou o espírito do salgueiro
que você amou e tão generosamente salvou há seis anos. Foi para retribuir esta grande
bondade que apareci para você em forma humana, debaixo da árvore, esperando poder
viver com você e fazê-lo feliz por toda a sua vida. Infelizmente, não poderá ser! Eles
estão cortando o salgueiro. Como eu sinto cada golpe de seus machados! Devo retornar
para morrer, pois faço parte dele. Meu coração se parte ao pensar também em deixar
meu querido filho Chiyodo e em sua grande tristeza ao saber que sua mãe não está mais
no mundo. Conforte-o, querido marido! Ele tem idade e força suficientes para ficar só
com você, sem mãe agora, e ainda assim não sofrer. Desejo a ambos uma longa vida de
prosperidade. Adeus, meu querido! Eu devo ir para o salgueiro, pois eu os ouço
golpeando cada vez mais forte com seus machados, e me enfraqueço a cada golpe que
eles dão”.
Heitaro acordou seu filho assim que Higo desapareceu, perguntando se aquilo
não era um sonho. Não: não foi um sonho. Chiyodo, ao acordar, esticou os braços na
direção da mãe que já havia ido embora, chorando amargamente e implorando para que
ela voltasse.
“Minha criança querida”, disse Heitaro, “ela se foi. Ela não pode voltar. Venha!
Vamos nos vestir e ir ver seu funeral. Sua mãe era o espírito do Grande Salgueiro”.
Um pouco mais tarde, ao raiar do dia, Heitaro pegou Chiyodo pela mão e
conduziu-o até a árvore. Chegando lá, encontraram-na caída e já cortada. Os
sentimentos de Heitaro podem ser bem imaginados.
Porém algo estranho aconteceu! Apesar dos esforços conjuntos, os homens não
conseguiram mover o tronco nem um centímetro em direção ao rio, no qual seria levado
para Kyoto.
Ao ver isso, Heitaro dirigiu-se aos homens:
“Meus amigos,” disse ele, “o tronco morto da árvore que vocês estão tentando
mover contém o espírito de minha esposa. Talvez, se você permitir que meu filhinho
Chiyodo o ajude, será mais fácil para vocês; e ele gostaria de mostrar seu respeito à
mãe”.
Os lenhadores concordaram e, para grande espanto deles, quando Chiyodo
chegou à parte de trás do tronco e o empurrou com sua mãozinha, a madeira deslizou
facilmente em direção ao rio, seu pai cantando ao mesmo tempo um “Uta” (música
poética).
***

SENNIN (仙人), de RYŪNOSUKE AKUTAGAWA

(1ª edição em 1922)

Bem, estimados leitores, estou agora em Ōsaka e, portanto, contarei uma história
local. Há muito tempo, um homem veio à cidade em busca de emprego como criado.
Visto que se classificava entre os ajudantes de cozinha, era conhecido apenas pelo nome
genérico de Gonsuke. Gonsuke atravessou a cortina na entrada de uma agência que
anunciava colocação em qualquer trabalho e falou com o atendente, sentado no topo do
estrado da recepção com um longo cachimbo de bambu na boca.
— Senhor, eu gostaria muito de me tornar um sennin[1] e, portanto, imploro que
me designe a um empregador adequado para tal fim.
Como o atônito funcionário não respondeu imediatamente, Gonsuke continuou:
— Senhor, não me ouviu? Desejo ser enviado para me tornar um sennin.
— Lamento dizer, meu bom homem — respondeu o atendente por fim, ainda
fumando seu cachimbo —, que, como não temos experiência anterior em mediar o
trabalho de aspirantes a sennin, devo humildemente sugerir que você procure outro
lugar.
— Ah, mas senhor — protestou Gonsuke, parecendo muito descontente,
enquanto avançava sobre os joelhos de suas calças azul-acinzentadas. — O que o senhor
diz não é contrário ao que seu estimado estabelecimento proclama em sua cortina de
entrada? ‘Colocação em qualquer trabalho’… A sua reivindicação é válida? Ou é
enganosa e falsa? Gonsuke realmente tinha motivos para se exaltar.
— Ah, não, o que dizemos é verdade. Se o que você procura é um cargo através
do qual possa se tornar um sennin, examinarei devidamente o assunto neste mesmo dia.
Volte amanhã para receber nossa resposta.
Dessa forma, o atendente acedeu ao pedido de Gonsuke, mesmo quando tentava
evitá-lo. Como saberia, entretanto, para onde enviar um homem que desejava aprender
os segredos de um sennin? Assim, logo que Gonsuke sumiu de vista, ele saiu para
consultar um médico da vizinhança.
— E então, doutor? — perguntou em tom preocupado, depois de lhe contar a
história. — Para onde poderíamos enviá-lo a fim de se tornar um sennin?
O médico também deve ter ficado perplexo. Por algum tempo, permaneceu
sentado com os braços cruzados, apenas olhando para o pinheiro em seu jardim.
Ouvindo a conversa estava sua astuta esposa, cujo apelido era apropriadamente Velha
Raposa. Ela intrometeu-se sem hesitação:
— Envie-o para nós. Dentro de dois ou três anos sob nossos cuidados, ele
certamente se tornará um sennin para que todos vejam.
— Ah, estou muito feliz em ouvir isso e, com muita gratidão, devo confiá-lo a
vocês. De alguma forma, a intuição me informou sobre o vínculo cármico entre médicos
e aspirantes a sennin.
Com reverências ardentes e repetidas, o funcionário se despediu em sua
felicidade ignorante. O médico o observou partir. Então, ainda carrancudo, virou-se
exasperado para a esposa:
— Que completo absurdo! — repreendeu. — E o que, por favor, digame, você
pretende fazer quando, em poucos anos, esse caipira reclamar que não cumprimos
nenhuma das promessas que fez a ele?
Longe de aceitar a repreensão, a mulher respondeu com desdém:
— Segure a língua! Que chance teria gente como você, idiota honesto, de se
manter alimentada neste mundo impiedoso?
E, assim, ela o silenciou.
No dia seguinte, conforme prometido, o balconista voltou, desta vez com o
rústico Gonsuke, que agora vestia haori e hakama[2] – bem ciente, ao que parecia, de
que faria sua iniciação, embora, na verdade, ninguém fosse capaz de confundi-lo com
outra coisa que não um camponês. Era uma visão realmente estranha: o médico olhava
para ele como se o homem fosse um animal almiscarado das Índias.
— Então você deseja se tornar um sennin — disse o médico, com ar cético. — O
que foi que induziu essa sua ambição?
— Bem, não tenho muito a dizer. Mas, quando vi pela primeira vez o Castelo[3],
ocorreu-me que até o Grande Senhor[4], que lá reside, deverá morrer algum dia. Que
podemos viver suntuosamente, mas ainda assim retornaremos ao pó, como ocorre com
todos. Em suma: que toda nossa vida é um sonho passageiro... justamente o que senti
nesse instante.
— Então, você fará qualquer coisa para se tornar um mago? — A astuta esposa
do médico interveio prontamente.
— Sim, de fato, estou pronto para fazer o que for necessário.
— Muito bem. A partir deste momento, pelos próximos vinte anos, você
trabalhará para nós. E ensinaremos a você a arte dos sennin.
— Ah, senhora. Fico muito agradecido por isso.
— Porém, durante todo esse tempo, você não receberá um único centavo como
recompensa.
— Sim, senhora. Estou de acordo.
E assim, nos vinte anos seguintes, Gonsuke trabalhou na casa do médico. Ele
tirava água do poço; cortava lenha; cozinhava e limpava. Além disso, quando o médico
fazia suas visitas, era Gonsuke quem carregava a grande caixa de remédios. Nem uma
única vez reivindicou salário, nem mesmo uma única moeda, tornando-se um criado
mais precioso do que se poderia encontrar em todo o Japão.
Finalmente, as décadas se passaram. Novamente vestido com um haori, Gonsuke
se apresentou aos patrões e gentilmente expressou seus agradecimentos.
— E agora eu imploraria que vocês cumprissem a promessa repetida
frequentemente e me revelassem como poderia aprender a arte dos sennin e
alcançar a imortalidade.
O médico ouviu Gonsuke em silêncio taciturno. Tendo trabalhado com o homem
por tanto tempo sem pagamento, ele não ousava confessar, naquele momento, que não
possuía conhecimento algum sobre o segredo dos sennin.
Sua resposta foi brusca e desdenhosa: — É minha esposa quem pode te ensinar.
A mulher, por sua vez, falou com uma autoconfiança implacável:
— Vou lhe ensinar a arte e, em troca, você deve fazer tudo o que eu mandar, por
mais difícil que seja a tarefa. Caso contrário, não só terá negado o que procura, mas
também será obrigado a realizar mais vinte anos de trabalho sem remuneração, com a
morte como punição caso não cumpra.
— Por favor, coloque-me em meu dever, por mais assustador que seja! —
respondeu o exultante Gonsuke, enquanto esperava suas ordens.
— Então suba no pinheiro do jardim!
Desconhecendo por completo os segredos, a esposa sem dúvida pensava que, ao
designar tarefas impossíveis para Gonsulke, poderia extrair dele mais vinte anos de
serviço. E, mesmo assim, ao ouvir a ordem, ele imediatamente começou a escalar a
árvore.
— Continue! — Ela gritava, olhando para o pinheiro da beira da varanda. —
Mais alto, mais alto! — O haori de Gonsuke esvoaçava bem no topo da imponente
árvore no jardim.
— Agora solte sua mão direita!
Gonsuke, lenta e cautelosamente, fez o que lhe foi dito, mantendo sua mão
esquerda agarrada firme a um galho grosso.
— Solte também a outra mão!
Agora o marido se juntava a ela na varanda, exclamando com um olhar
perturbado: — Pare, mulher! Se soltar as duas mãos, o caipira vai cair nas pedras e, tão
certo como sou médico, será o seu fim.
— Não é sua vez de se apresentar no palco, querido. Deixe para mim… Solte
sua mão esquerda!
Gonsuke não esperou que ela terminasse. Resolutamente, soltou a mão. Dali,
entre os galhos mais altos, não havia razão para ele não mergulhar no chão.
Instantaneamente, Gonsuke e seu haori se desprenderam da árvore. E logo... Logo...
Mas o que era aquilo? Gonsuke não caiu! Ele se deteve no ar! Como uma marionete
sustentada por cordas invisíveis, ficou suspenso na luz brilhante do meio-dia.
— Obrigado! Obrigado! — Gonsuke gritou. — Finalmente, e tudo graças a
vocês, eu realmente me tornei um sennin!
Curvando-se em reverência, ele caminhou suavemente pelo céu azul até se
transformar em um pontinho e desaparecer entre as nuvens.
O destino do médico e de sua esposa é desconhecido, embora o pinheiro do
jardim tenha durado por anos. Diz-se que, embora o tronco sozinho tivesse quatro
braças de circunferência, Yodoya Tatsugorō[5] se deu ao trabalho de transferi-lo para
seu próprio jardim, para que no inverno pudesse contemplar seus galhos cobertos de
neve.
[1] . Segundo a tradição, o sennin é um ermitão sagrado que vive no coração de uma montanha
e tem poderes mágicos como voar, além de desfrutar de extrema longevidade.
[2] . Haori e hakama são duas partes da moda tradicional com uma longa história no Japão,
vistos em festivais e cerimônias. Haori é um casaco leve usado sobre o quimono, e hakama é
um quimono parecido com uma calça.
[3] . Castelo de Osaka, um dos castelos mais famosos do país, cuja construção foi iniciada em
1583.
[4] . Refere-se a Toyotomi Hideyoshi, que unificou o Japão no final do século XVI.
[5] . A menção de Yodoya Tatsugorō nos diz que o cenário da história é o século XVII. Yodoya
era um comerciante extraordinariamente rico, cuja extravagância levou o xogunato a confiscar
sua riqueza e enviá-lo para o exílio em 1705.

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