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2019 RESUMO EXP ANAIS Carolina Polezi e Debora Pacheco - Empoderamento Da Mulher-Dama Corpos Desejantes Na Dança de Salão P - 235
2019 RESUMO EXP ANAIS Carolina Polezi e Debora Pacheco - Empoderamento Da Mulher-Dama Corpos Desejantes Na Dança de Salão P - 235
Marcelo Knobel
COORDENADORA-GERAL
Teresa Dib Zambon Atvars
PRÓ-REITOR DE PESQUISA
Prof. Dr. Munir Salomão Skaf
PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO
Profa. Dra. Nancy Lopes Garcia
PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO
Profª. Dra. Eliana Martorano Amaral
DIRETORA DA FE-UNICAMP
Profa. Dra. Dirce Djanira Pacheco e Zan
DIRETORA-ASSOCIADA DA FE-UNICAMP
Profa. Dra. Débora Mazza
IMAGEM DA CAPA
Gustavo Torrezan
EDIÇÃO E DESIGN
Mirele Corrêa
DIAGRAMAÇÃO
Mirele Corrêa
PELO
Sistemas de Bibliotecas da UNICAMP /
Diretoria de Tratamento da Informação
Bibliotecário: Maria Lúcia Nery Dutra de Castro – CRB-8ª 1724
APRESENTAÇÃO 18
Silvio Gallo
Marcelo Vicentin
Mirele Corrêa
COMUNICAÇÕES
APRESENTAÇÃO
1
Três questões sobre seis vezes dois. In: Conversações, 2017, p. 62.
19
Silvio Gallo
Marcelo Vicentin
Mirele Corrêa
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21
egóicas, pois “(…) se o desejo não tem o prazer por norma, não é em nome de uma falta
que seria impossível remediar, mas, ao contrário, em razão de sua positividade, quer dizer,
do plano de consistência que ele traça no decorrer do seu processo” (DELEUZE, GUATTARI,
1996, p.26). Outro ponto fundamental é trazido por Espinosa em sua ética dos encontros.
Os afetos para este filósofo são as afecções do corpo, capazes de aumentar ou diminuir
nossa potência de agir. O que pode um corpo? Um corpo pode afetar e ser afetado.
Segundo Espinosa (1983), as afecções surgem do nosso encontro com o outro e com o
mundo, encontro esse que provoca uma alteração em nossa potência, fazendo-a aumentar
ou diminuir. Se é um bom encontro, se há produção de alegria, a afecção nos leva a
experimentar uma maior potência de agir no mundo. Por outro lado, se é um encontro que
produz afetos tristes, essa potência de afetar e ser afetado, de agir no mundo, vai diminuir.
Tentar produzir bons encontros em um mundo que nos comunica um turbilhão de afetos
tristes diariamente é, para Espinosa, uma questão de ética. Deleuze (1968), em “Espinosa
e o Problema da Expressão”, defende a necessidade de produção de bons encontros, de
associação com pessoas que despertam afetos alegres em nós, que aumentem nossa
potência de agir e com efeito que possamos também afetar de modo positivo. Portanto,
no amor é preciso reconhecer o outro como diferente, como possuidor de espaços
desconhecidos, sem querer entrar neles ou conquistá-los, pois não se pode apropriar-se
dos devires do outro. Em consonância com a proposta ética de Espinosa, está a estética da
existência de Foucault. A estética da existência pensada como uma ética do cuidado de si,
que se efetua em atos e ações para consigo e para com os outros, está implicada
diretamente na produção inventiva de si (novas formas de subjetivação), fazendo da sua
própria vida uma obra de arte, assim como também está implicada na capacidade de
transformação do mundo que o cerca (Foucault, 1985). Deste modo, em contrapartida aos
modos de amar influencidados pelo capitalismo, propomos uma nova suavidade no amor,
marcada pela ética da produção de bons encontros, pela estética do cuidado de si e pela
criação política de novos modos de subjetivação.
2
Tal noção assemelha-se ao que Guattari (1987, p.91) propõem como “máquina-consumidora-de-máquinas-
produtivas” que instauradas em sociedades com sistemas neocapitalistas e socialista-burocrática, tendem a
capturar os indivíduos por um Ideal.
3
GUATTARI; ROLNIK, 2005, p.40.
4
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs. vol. 3, São Paulo: Editora 34, 2012, p.92.
5
DELEUZE, G.; PARNET, C. Políticas. In: DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998,
p.102.
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com as necessidades do meio, por tais características é que vislumbro nelas, uma
possibilidade de fazer torção naquilo que a desterritorialização tem de danoso,
mortificador. Pois estas, em decorrência do desgaste se refazem constantemente e em
decorrência das variações se reinventam. Tanto o desgaste, quanto a reinvenção não são
virtudes, são condições de possibilidade para sua existência.
Tais máquinas só funcionam acopladas a outras máquinas, estão sempre em relação
com outras máquinas e conectadas necessariamente a um fluxo material contínuo, com o
qual toda máquina estabelece relação de necessidade. Ao engendrar-se as máquinas
produzem-se, multiplicam funções ou finalidades. A função do encontro da boca com o seio
no ato de amamentar pode ser pensada por exemplo em termos maquinícos. A máquina
seio emite um fluxo de leite, a máquina boca se acopla e corta o fluxo de leite. Corte esse
que é produtivo, uma vez que o encontro da máquina boca com a máquina seio pode
produzir a função de alimentação. Entretanto esse mesmo acoplamento pode não produzir
alimentação, a produção de leite pelo seio não é igual a produção de amamentação.
Muitas mães e bebes não conseguem extrair tais funções deste acoplamento maquiníco.
As máquinas desejantes não estabelecem entre si relação de natureza, elas produzem
funcionamentos diversos, por vezes dolorosos e inesperados. Portanto, podemos
considerar esse sujeito maquiníco “bricoleurs”, aquele que exercita a possibilidade da
bricolagem, essa arte de criar desvios em funções esperadas e produzir por acoplamentos
aparentemente improváveis.
Diante disso, se concordarmos com a concepção de processo de subjetivação
composto por movimentos de desterritorialização e reterritorialização, engendrados por
acoplamentos maquinícos que acaba por maquinar um sujeito “bricoleurs”, e se
retomarmos o funcionamento primordial da máquina desejante, o desarranjo,
compreendemos que a possibilidade de singularização é uma tarefa possível, e que se faz
como uma luta de dentro mesmo e através do funcionamento da axiomática capitalista.
Essa pragmática esquizoanalítica permite um enfrentamento no aqui e agora, onde criar
linhas de fuga não significa fugir dos problemas do momento. Mas, significa criar respostas
singulares aos problemas do momento.
Como considerações finais pensamos, que a criação operada pela máquina
“monstruosa”, desarranjada, essa capacidade de funcionar por acoplamentos diversos faz
com que seja possível produzir de maneira singular em meio a força de desterritorialização.
A máquina desejante desliza como um polvo com seus diversos tentáculos e ventosas, que
permitem aderência para produção de território quando necessário. Ela se deixa levar, mas
também impõe seu ritmo de criação. A astúcia da máquina “monstruosa” permite
produção de autonomia em relação a captura desejante e desterritorialização. É desse
modo que a dobra é efetuada, assim se dá a travessia da desterritorialização a
singularização. Nessa aposta conceitual, a produção de autonomia a criação de território,
afeto e segurança, se faz por mergulhos no caos, no múltiplo, do qual emergimos
impregnados de intensidades, de linhas de desejo que se projetam e conectam-se com isso
e aquilo e… e … Em resumo faz-se do limite de dissolução - desterritorialização- o ponto de
partida para ir um pouco mais adiante contra o que sufoca a singularização.
A questão que nos interessa pensar é o de fazer corpo com uma matéria viva, ativa
e criativa, em que o problema é o de entrar em comunicação com um mundo todo vivo, ao
invés de comunicar algo já dado, pronto e acabado (DELEUZE & GUATTARI, 1997;
STENGERS, 2017; EZCURDIA, 2016; DADA & FREITAS, 2018). São as florestas que ativam
neste trabalho movimentos iniciais em torno do que pode ser aprender a fazer corpo com
um mundo todo vivo. Uma das questões que a floresta suscita de interessante para pensar
é o fato de reunir uma abundância de seres-coisas-forças-mundos e propiciar condições
para encontros entre heterogêneos, com a possibilidade de gerar co-evoluções, co-criações
que se tornam afirmativas para todo o planeta, todo o cosmos. Nessas co-evoluções-
criações estão sempre envolvidas ecologias de devires (negro, índio, animal, vegetal,
criança, fungo, nuvem, máquina, pedra, animal, linha, luz, intensivo, elemental, cósmico...),
a chance de que sejamos afetados e afetemos, de que nos engajemos em movimentos de
alegre imbricação recíproca com as minorias, com os não-humanos, com tudo o que pode
potencializar o pensamento e a relação com a Terra. Serão as composições e
decomposições que experimentamos na disciplina “Arte, ciência e tecnologia” do Mestrado
em Divulgação Científica e Cultural do Labjor-IEL-Unicamp, e que têm a revista ClimaCom
como laboratório-ateliê de experimentação coletiva, que permitirão desdobrar essas
ideias. A disciplina foi pensada em 2019 em blocos de devires: devir-floresta-papel, devir-
criança-animal-traidor, devir-planta-casa-cosmos, devir-linha-ar-luz, devir-máquina-
número-matéria-viva, devir-negro-música-festa-cura, devir-rio-mulher-mar, devir-
índigena-intenso-molecular, devir-poesia-multiTÃO-anônima. Para pensar o que pode ser
comunicar em parceria com a floresta propomos encontros com diversos lugares (a Praça
da Paz na Unicamp, uma agrofloresta em Barão Geraldo, a Casa de Cultura Fazenda Roseira,
um experimento de pesquisadores da Embrapa-Campinas e INCT Mudanças Climáticas
Globais 2a. Fase e uma passagem artístico-científica-cultural na Mata Santa Genebra),
materiais (folhas, tecidos, papéis, pedras, tintas, instrumentos musicais, fotografias,
máquinas etc.) e práticas (de pintores, fotógrafos, músicos, professores, engenheiros
agrícolas, biólogos, filósofos, bruxas, antropólogos, poetas etc.). Tais encontros espaços-
tempos de catar-reunir materiais, sendo que os gestos de catar-reunir nunca se dissociam
e ganham uma potência sempre de criação, como no filme “Le glaneur et la glaneuse”
(2000), da cineasta Agnès Varda. Não se trata de catar para depois reunir, antes afirmar
que a cada encontro está em jogo um catar-reunir como um fazer corpo com uma matéria
viva. Com esses movimentos a própria ideia de floresta se amplia e multiplica, não está
mais restrita às áreas que costumeiramente denominamos florestas. Trata-se de dar vigor
a uma perceber-fazer-floresta por outros modos de existência (SOURIAU, 2017;
LAPOUJADE, 2017), modos de existência de papel (papel-revista, papel-jornal, papel-tela-
do-cinema, papel-tela-pintura, papel-multimídia etc.) (DIAS, 2017). Uma fé na
“instauração” (SOURIAU, 2017; LAPOUJADE, 2017) de toda uma sensibilidade de outra
natureza que permite criar um campo problemático potente para as dualidades sujeito-
objeto, realidade-ficção, humanos-não-humano, matéria-espírito, teoria-prática. Uma
29
atenção aos gestos que mobilizam uma “lucidez alegre” (STENGERS, 2017) que não nos
relegam à impotência, afirmando uma vitalidade diante destes tempos desafiadores,
tempos de mudanças climáticas, do Antropoceno, de Gaia... (DANOWSKI & VIVEIROS DE
CASTRO, 2014; STENGERS, 2015; LATOUR, 2019). Há nesta escrita uma vontade de
potencializar algumas cintilações (ORLANDI, 2018), uma espécie de brilhos de vida
ingovernável dos sistemas comunicantes que emergem das apostas do nosso grupo de
pesquisa “multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações”
(CNPq) ao se lançar na aventura de experimentar a comunicação/divulgação científica
como “divagação científica” (OLIVEIRA, 2011; ANDRADE, DIAS, 2009) e como “encontros
entre heterogêneos” (DIAS & RODRIGUES 2015; DIAS, RODRIGUES, PESTANA, 2019). Dar
atenção ao chamado da floresta de que comunicar possa dizer respeito a um fazer corpo
com artes, ciências, filosofias, tecnologias múltiplas, menores, porvir, gestadas no lidar com
os materiais (STENGERS, 2008; STENGERS, 2010-2012), no fazer do próprio corpo um
material entre materiais. Um chamado a multiplicar as saídas das autoritárias lógicas
representacionais, modernas e recognitivas, dos circuitos viciados que levam os humanos
a produzirem em lógicas em que se encontram apenas consigo mesmos.
para designar essa nossa prática, a loucura pode tornar-se força biopolítica, biopotência.
Mas o alcance dessa afirmação extrapola em muito a loucura ou o teatro, e permitiria
pensar a função de dispositivos multifacéticos – ao mesmo tempo políticos, estéticos,
clínicos – na reinvenção das coordenadas de enunciação da vida”, pontua Pelbart. Teatro
Ueinzz é invenção de signos no encontro entre signos, no encontro Min Tanaka e Kuniichi
e Ueinzz. Riscos. Nem Artaud pôde prever, programar tamanha crueldade. Mensagem não
limitável que continua a inventar outros tantos sentidos, teatro inventado línguas, para
além de uma Linguagem Teatral. Fina película que deixa indiscernível limite entre arte e
vida. Um grupo que não faz terapia com arte, nem faz arte terapêutica, porque só faz arte.
Inventa vida. Mostra que arte pode muito mais que uma formalidade sistemática de
costume e linguajar teatral. A Cia Teatral Ueinzz não pode ser classificada como uma
instituição de cunho social ou de assistência terapêutica. Ela trai este princípio. Não está
atrelada a nenhuma entidade do sistema de saúde mental, mas produz muito corpo saúde.
Ela é afirmação da potência criativa que alguns seres transbordam nos encontros de
diferença. A terapia perde muito com o trabalho da Ueinzz, perde o status de cura, de lugar
do cuidado, de forma eficaz de superação do sofrimento. Perde sentido. O teatro e a
filosofia ganham muito na companhia da Ueinzz. Ganham vida, ganham contornos
inimagináveis para sentidos explosivos; perdem forma e inventam outras formas em
desforma sempre prontas para se tornarem outras. Contudo, não é método eficaz de teatro
para um grupo específico de seres. Não têm exercícios específicos inovadores de uma
técnica teatral revolucionária. Porém, é território de diferenças, e por isso,
desterritorialização revolucionária. Na companhia da Ueinzz se produz muita vida!
Não há fora da cena, não há fora da vida... essa apresentação é guiada por essa
pequena fórmula que surgiu após a apresentação do espetáculo “Desterro” do grupo
teatral Coletivo Cê no Sítio Santo Antônio, munícipio de São Roque, em agosto de 2019. O
que se encena nos espetáculos é a própria vida, o contínuo vir a ser... uma pequena
percepção que produz outra forma de entrar em contato com uma pesquisa de mestrado
(OLIVEIRA, 2017)1, partindo da crença de que partilhar uma pesquisa é partilhar sempre de
outro lugar, com outra tonalidade de pensamento, com outro campo vibrátil. Uma
pesquisa de mestrado realizada por meio da experimentação com o arquivo de materiais
dos processos de criação artística do Coletivo Cê que insistia na vida, em buscar o princípio
vital de tudo que por vezes é caracterizado como estável e imóvel: os corpos, o
pensamento, as palavras, os papéis, as fotografias. Um reconectar-se com esses processos
de criação que requer retornar a um estado de linha e permanecer na beira desse vir a ser,
que nos faz entrar em contato com uma trama invisível que enreda os mais diferentes
modos de existência em um plano de composição comum, e nos faz pensar os ensaios e as
encenações como uma espécie de tear sensível que torna a encenação uma questão de
tecer, tramar, traçar, em que as linhas soltas pelos acontecimentos cênicos passam a se
compor com as linhas de outras vidas: uma dupla de cadelas, as sonoridades de uma rua
no final da tarde, as águas de uma cachoeira, o ranger da porta de um casarão antigo, uma
tonalidade de sol, as palavras de algum morador, o riso de uma criança, um voo de
passarinho. Nos deparamos no fazer cênico com um desfazer do eu-sujeito (DELIGNY,
2018)2, com um desmoronamento que faz com que ele abra as suas infinitas linhas a outras
composições, a outras tramas em que é imprevisível saber o que uma linha pode fazer
reverberar na outra, que níveis de tensão e soltura podem ser produzidos. Quem sabe quais
regiões obscuras uma pequena linha luminosa lançada ao espaço pode iluminar? Os fios
invisíveis que podem se tornar visíveis ao se enroscarem em um fio de luz?
Desmoronamento que nos aproxima do que o filósofo David Lapoujade anuncia como uma
despossessão total, da espoliação como uma condição a priori, onde os seres são obrigados
a se submeterem aos gestos, vozes e percepções que os agitam, onde só resta a eles algo
da ordem do vital: uma força, que não lhes pertence, mas a qual eles pertencem
(LAPOUJADE, 2017)3. Dos processos de criação artística do Coletivo Cê se proliferam ecos
de vozes, risos e gritos, borrões e cintilações e uma infinidade de materiais: fotografias,
desenhos, pedaços de papel escritos e rabiscados pelas crianças, falas dos moradores,
registros do que aconteceu em cada ensaio, letras de música, palavras do público que
tentam dizer sobre as apresentações. Um arquivo vivo que resta vibrando
incessantemente, prestes a explodir, composto por materiais que não conseguem existir
apenas como evidências e registros dos processos de criação artística do Coletivo Cê, nos
1
OLIVEIRA, Tatiana Plens. Exercícios de afutur-ar. 2017. 151 f. Dissertação (Mestrado em Divulgação Científica
e Cultural) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017b.
2
DELIGNY, Fernand. O aracniano e outros textos. 2 ed. São Paulo: n-1 Edições, 2018.
3
LAPOUJADE, David. Existências mínimas. São Paulo: n-1 Edições, 2017.
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quais a vida segue enfurecida, pedindo passagem, abrindo passagens. Estar junto desses
materiais é ver nascer uma série de entrelinhas: fotografias que se despedaçam e se juntam
a restos de folhas e flores; que ganham uma tonalidade de terra; que acolhem uma chuva
de folhas. É estar imerso em um continuum vital que nos arranca da ilusão da fixidez e nos
faz retornar a esse espaço primordial onde todas as coisas começam a brincar: as imagens
saem das fotografias, os fios de linha escapam e capturam poemas, as palavras pedem
espaços em branco numa página, uma saia dança e arrasta outras linhas com o seu
movimento, um desenho antigo da cachoeira vai se dissolvendo entre uma folha e outra
do papel, letras começam a desmoronar em uma página, fios de linha acendem e apagam
palavras com os seus trançados inventando uma travessia para o olhar. É estar imerso em
um processo infinito de pesquisa-criação, acolhendo os aprendizados do sutil, adiando o
substantivo para permanecer no verbo, o tecer em vez da teia, deslizando nesse
movimento vital de proliferar a vida como nascimento contínuo entrelinhas, em que
mesmo os verbos parecem conseguir escapar das relações de oposição - não há mais polos
em separado, o fazer está intimamente ligado ao desfazer -, e pensar, escrever, pesquisar
convoca as forças de outros verbos: limpar, tecer, cultivar, esperar, curar...
Um enorme contêiner cheio de lixo chega à costa brasileira, como de costume. Não
é de hoje que a Europa envia seu lixo oceano afora, mas, desta vez, estava eu passando uns
dias na praia com algum ex-namorado – provavelmente me perguntando se suportaria
reservar alguns gestos a uma só pessoa durante toda a vida, provavelmente intuindo que
um gesto se repete porque quer morrer outra vez e diferente, provavelmente pensando que
melhor seria me adaptar aos significados comuns dos gestos, que são uma ilusão difícil,
mas pelo menos assim eu, que cresci morrendo e matando de sexo antes de nascer, poderia
viver o luxo de transar sem camisinha, provavelmente ignorando que nunca tive prazer nem
mesmo em estar nu e sozinho – quando, num passeio de fim de tarde para conhecer a região
portuária, escutei um palavrão, tipo “CARALHO!”: logo ali à frente, alguns trabalhadores
do porto retiravam, da grande caixa-caravela de metal, dezenas de sacos plásticos com
fraldas maculadas e cozidas pelo calor, baterias enferrujadas, preservativos usados – que
provavelmente encaparam paus de todos os tamanhos, provavelmente paus dos velhos
homens do mundo, que provavelmente ainda comem o mundo todo, como de costume –,
seringas talvez infectadas, embalagens de nobres produtos brasileiros que voltaram vazias
e outros resíduos-surpresa. Imagine você que, talvez movido por uma curiosidade estranha
de quem nunca cruzou o Atlântico, mas fora invadido todos os dias e por todos os buracos
por muito lixo que vem de longe, chorume branco de valores-preservativos, obedeci à
vontade de revirar como um vira-lata aquilo que fedia mais que um cadáver exumado antes
do tempo. E foi entre papéis que escapavam de um saco de lixo hospitalar, ali entre os
rejeitos europeus, que encontrei o prontuário de um antigo paciente do hospital psiquiátrico
de Rodez, na França. “Antoine Marie Joseph Artaud”, dizia a identificação. “Delírio crônico
extremamente luxuriante; preocupações mágicas; dupla personalidade etc.; manias de
perseguição com períodos de reação violenta assinalados. Deve ser mantido”. Anexadas ao
prontuário, uma pilha de cartas escritas pelo paciente, que foram retidas pela
administração do hospital: todas ali, sujas de merda.
Antonin Artaud, a partir de 1937, inicia sua jornada de internações em diferentes
asilos de alienados franceses, sendo diagnosticado com “demência precoce” (antigo nome
para o que hoje a medicina define como esquizofrenia) e submetido a tratamentos que,
segundo os psiquiatras da época, poderiam estabilizar a doença que lhe causava variações
de identidade. Nesta pesquisa, vinculada a um projeto de mestrado concluído em 2018,
aproximei-me do volume de quase duzentas cartas escritas por Artaud quando esteve
internado no asilo de Rodez, entre 1943 e 1946, que apresentam o testemunho irregular
de um corpo que – entre sessões de eletrochoque e insulinoterapia, seguidas de longos
períodos de coma – tenta continuar seu intensivo processo de autodestruição/autogênese.
A correspondência com familiares, amigos e médicos responsáveis pelo tratamento,
não publicada em português, costuma ser ainda, quando muito, relegada a antigas
molduras psiquiátricas. Parece difícil, principalmente para os apaixonados pela imagem do
gênio rebelde, obviamente pouco complexa, vincular a Artaud palavras que condenam
enfaticamente o ato sexual e afirmam a necessidade de Deus. Esse lado “desinteressante”
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do alienado me pareceu ser, no entanto, não adversário da voz que bradaria pelo fim do
juízo poucos anos depois, e sim parte indispensável para uma leitura ampla de sua obra.
Atravessado pelo cenário de guerra, no momento em que os nazistas imprimiam
seu poder também na França, Artaud deixa nas cartas um rastro de resistência de ordem
distinta, menor, mas que parece revelar a luta contra um mesmo mal ocidental: a afirmação
do modelo, a busca pelo fundamento, a valorização da identidade e do real absoluto. Para
Artaud, os corpos estariam adorando apenas o poder do Nada e, por isso, vivendo como
fantasmas, espectros. Precisariam, assim, buscar em si mesmos o caminho até Deus, isto
é, a conexão com o prolongamento ao Infinito, que estaria em todas as coisas. O Deus de
Artaud, lido por esta pesquisa, revela-se não como fundo, mas coincide com a dimensão
sem finalidade do fora. Tal qual um autêntico alienado, ou seja, este que, para Artaud, seria
insuportável para toda a sociedade – para a medicina e para a polícia, sim, mas também
para o teatro e a literatura de seu tempo –, Deus estaria condenado a viver longe das
esferas.
A partir das questões mobilizadas nesta aproximação, criei um espaço literário-
performativo para me corresponder de outro modo com Artaud, que muitas vezes só
recebeu diagnósticos como resposta a suas palavras. O texto da dissertação foi assumido
também como dramaturgia teórico-ficcional. Foram cartografados cruzamentos espaço-
temporais e subjetivos, a partir dos quais criei possibilidades de elaborar o teatro, a vida, o
corpo e o sexo como práticas não-fundamentais, não-originais, não-transcendentais,
insignificantes, infinitas.
distinta do cotidiano porque trabalhada minuciosa e esteticamente, e, por isso, talvez mais
eficaz que os meros hábitos e ações reproduzidas na vida ordinária.
O presente artigo visa apresentar como o projeto de Artaud, ao buscar ultrapassar
a necessidade da palavra e do representar, permite ao teatro a exploração de suas plenas
potências: atores e atrizes não representam aqui um papel, dizendo um texto que por sua
vez remete a uma “ideia”. Assim, o teatro preconizado pelo encenador-poeta-louco-
maldito francês valoriza o gesto, a ação, as modulações, os gradientes, as possibilidades de
comunicação impensadas. O despertar de afetos ao invés de meros efeitos de arte. Música,
luzes, falas cantadas, bonecos de muitos metros de alturas, ações que se deslocam em
diferentes pontos e planos espaciais, uma poética concreta do e no espaço com
movimentos repetidos, ampliados, sutis, inusitados, surpreendentes. Aparições de seres
fantásticos, sucessão de imagens em fricções oníricas. Vozes que se desdobram do corpo
dos atores, ampliando-os, vibram sobre os sentidos do espectador, tocam sua pele, em
diferentes direções. Ademais, há uma poesia no tempo: pausas, suspensão, desaceleração,
explosões intensas, ritmos e quebras, silêncio e grito. Imobilidade. Duração.
O Teatro da Crueldade, renunciando e contrapondo-se àquilo que era entendido
como cerne ou base da arte teatral (o texto-tronco ou texto-raiz do qual brota e se
desenvolve a encenação), reencontra suas possibilidades e potências. Contrapondo-se
mesmo a ideia de que há um cerne, um substrato, uma ideia de essência que o define e o
captura, esse teatro cruelmente vivo, ativo, nada mais é do que conexões de inúmeras
linguagens existentes, esquecidas e ainda por se construírem. Teatro nômade. Teatro
rizoma.
1
Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de Tecnologia e Prestação de Serviços para a Rede
Pública de Ensino.
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O trajeto de uma pesquisa atravessa diversos momentos, está sujeita ao tempo, aos
improvisos, as surpresas, ao acaso que sempre a movimenta, a tessitura de uma escrita se
dá de várias formas, há recortes, por vezes se instaura o caos, é como uma verdadeira
maquinaria em processo de construção. Ao publicar um trabalho, não é comum o autor
escrever por quais caminhos passou, contar dos momentos de sofrimento, de coragem,
dos tormentos, das fissuras abertas que marcam o que podemos chamar de territórios da
pesquisa, coloca-se a pesquisa para “o mundo ver” após ela está corrigida, finalizada e
“pronta”, o foco do trabalho geralmente está em quais suas metodologias e resultados,
pouco ou quase nunca aquele que escreve é inserido nas linhas dessa escrita, os textos não
revelam o que afetou esse corpo. Mas o que escapa ao nos ausentarmos nas linhas de
nossos textos? Por quais territórios passamos nesse trajeto? O que nos atravessou? Esse
corpo foi movimentado? A Cartografia é um meio possível de movimentar a pesquisa, ela
“não é um método, mas um procedimento, um plano de composição, sendo assim, há um
trabalho pelas aberturas, pelos meios, pelas zonas, movimentos, linhas de desejos e de
conexões, com relações de velocidade e lentidões” (BRITO, 2017). Neste procedimento não
há um elemento a ser descoberto ou descrito, também não há um roteiro, ela se dá pelo
meio, não há um como fazer cartografia antes de entrar nas subjetividades, ela quer
mapear territórios, traçar linhas, acompanhar movimentos de desterritorialização,
promover escape. De outro modo, o pesquisador embebido na ciência régia, quer
instrumentalizar a pesquisa, aplicar métodos ou descobrir algo revolucionário, solucionar
problemas ou reafirmar através de experimentos “aquilo que já sabe”, sempre do mesmo
modo, preso aos formatos construídos antecipadamente por meio de parâmetros ou
normas, assim, a pesquisa passa a ser um estado meramente de reproduções. Importante
ressaltar que este “controle” sobre a pesquisa, através das metodologias, leva a uma
homogeneização da escrita (RAMOS, 2018), a finalidade é que o método possa ser testado
ou aplicado por todos, porém, nada se pode prever sobre os acontecimentos e
singularidades que daí derivam. Ao mostrar a possibilidade de ir por outras linhas do
pensamento, por aquela que escapa e flui, Deleuze e Guattari (2013) diz que esse
pensamento não sedentariza, mas vivencia e experimenta territórios fora. Os autores
afirmam também que o nômade é um desterritorializado que inventa suas máquinas de
guerra para ocupar novos espaços, que movimenta o espaço estriado. Na literatura de Mil
Platôs (Volume 5) no capítulo “Tratado de Nomadologia”, o Estado, instituído pelas
normas, enrijece e sedentariza o pensamento, quer fixar, regrar, impor limites, capturar a
todo custo as máquinas de guerra nômade, dessa forma, a ciência régia não para de
apropriar-se dos conteúdos de uma ciência nômade ou vaga, e esta não para de fazer
desvio nos conteúdos da ciência régia, porém, elas coexistem em um movimento constante
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de uma querer escapar e a outra querer deter... É nesse sentido que o “pesquisador
nômade” inventa suas máquinas de guerra para fazer fissuras nos espaços normatizados
da ciência engessada que é presente nas instituições escolares, acadêmicas, no intuito de
fazer rachaduras nesse sistema fechado e criar novos possíveis, novas linhas, percorrer
outros trajetos. O nômade reside o meio, transita no fora, faz movimentos de resistência,
abalando as estruturas do aparelho de Estado e seus modos de organização, para o nômade
não interessa os pontos de chegada ou de partida, mas sim os caminhos que percorre
(COSTA, 2018), a ciência nômada ou “menor” é da ordem dos acontecimentos, dos
encontros, dos signos, fluxos, do processo criativo, da subjetividade, sabendo disso, é
possível ser nômade em uma pesquisa? Para o pesquisador engendrado na ciência régia o
desafio é sair de sua zona de conforto, da linha reta e segmentária; não ter um caminho
pré-determinado, estar à deriva é desesperador, mas é importante ir para o fora deixar-se
perder, experimentar, passar por novos territórios, é necessário promover o fora como um
campo de agenciamento. Pesquisar pelas linhas do nomadismo têm seus desafios, alterar
o trajeto nem sempre é fácil, mudar as formas de conexão, de linguagens, de abordagens,
olhar para fora e dentro de um território (OLIVEIRA, 2012). E se a pesquisa for de tipo
nenhum? Como fazer pesquisa em educação sem um método, sem um caminho, algo para
“legitimar” a pesquisa, algo que nos deixe seguros? Colocar o pensamento em movimento,
gera caos, pode ir por linhas desconhecidas, e isto é assustador para quem escreve de
maneira “enrijecida”. Ao mover-se na escrita o pesquisador-cartógrafo constrói aberturas,
pois os movimentos de aprender e pesquisar estão na ordem do viver, não finalizam, fluem
em passagens construídas (MOURA, 2016). A arte de cartografar na pesquisa é estar
mergulhado no trabalho, não ser mero observador com neutralidade sob o objeto de
pesquisa, como prega o método científico positivista, mas estar no meio sendo mobilizado
por entre forças e afetos que o atravessam no entrelaçado de linhas, sem a ideia de
detentor do conhecimento, não há o “eu” como centro. A cartografia derruba a concepção
positivista de método científico que é marcada pelo anseio de neutralidade, universalidade
e verdade absoluta, o que está em jogo é o que se faz com aquilo que não se conhece de
antemão, aquilo que nos atravessa como um signo.
me para correr dali, mas tapetes grossos avermelhados avolumavam-se sob meus pés, e
multiplicavam-se a cada passada. O rapaz gritou-me: “Forja-te, Drasosari!” [...] O professor
extrator de sonhos (CORAZZA, 2019), é emissor-poeta, criador literário cuja fala é ritmo de
poesia e narrativa de aula-sonho. Embriagado pela vertigem do arquivo, é signo que
profana as máscaras da aula, pronto à captura dos instantâneos, seu corpo é também “um
símbolo que condensa forças poéticas” (BACHELARD, 1991, p. 133). Nesse jogo, sabe da
fragilidade de sua fala poética (AQUINO; CORAZZA; ADÓ, 2018) e considera as ressonâncias
do arquivo pontos de fuga paradoxais capturados para destilá-los na inconsistência do
informe (DELEUZE; GUATTARI, 2004; CORAZZA; 2013). A sonhografia é experimentação na
docência-pesquisa em seu direito de sonheria (CORAZZA, 2019), é projeção de sutilezas ao
diagnosticar devires atuais, pois “fareja movimentos mesmo nas ciências mais duras,
escandalizando a Besteira”, sendo a Besteira aquela que perde todos os encontros e ignora
a energia de impulsão (CHÂTELET, 1996, p. 41-44). O sonho é condição à imaginação
(FOUCAULT, 1954), chamariz ao pensamento, testemunho de deslocamentos, de
desterritorializações pulsionais que, afetando-nos, somos vítimas de nós mesmos, diante
do extraordinário, do óbvio, do incrível, de não-lugares, do impossível, da condição vígil de
estratificações, mas também de potências de aulas-sonho.
formas de vidas são a soma organizada de átomos, moléculas, e que na microforma, nas
microrrelações, as diferenças entre os compostos se anulam, dissolvem-se as
uniformidades e as fronteiras do corpo. “Processos múltiplos acontecem, desde a
(des)constituição, (des)codificação, (des)solução e (des)feixes de informações”. (SILVA,
2018, p.40). A relação que estabelecemos com a arte contemporânea, ciência e filosofia
nos permite imaginar outros modos de pensar e conceber a natureza e criar novas reflexões
com o mundo contemporâneo, tais reflexões que nos permitem conhecer mais adiante, a
fazer conexões inesperadas com situações improváveis. Em que medida a natureza
pertence ao mesmo terreno do pré-individual, quais agenciamentos existem entre o
orgânico e o não orgânico, entre o metabolismo e a máquina, entre o silício e o carbono,
entre o virtual e o real? “Que tipo de transformações ainda poderiam ser atualizadas no
humano?” Talvez teremos que partir de um pressuposto que a ideia de natural é e está
obsoleta e, portanto, podemos pensar numa obsolescência do humano. O atual cenário
nos apresenta, através do advento da engenharia genética e da biotecnologia, novas
imagens de natureza e do humano. De acordo com Haraway (2009), em: “Antropologia do
ciborgue: as vertigens do pós-humano”, a ficção científica está cheia de quimeras e
ciborgues – criaturas que são simultaneamente animal e máquina, inventam novos
acoplamentos, combinações, mutações e simbioses, habitam o mundo de forma ambígua,
naturais ou fabricados já apresentam uma intimidade nas imagens presentes em nossas
relações cotidianas. A arte contemporânea talvez seja uma das pioneiras em abordar esse
tema com tanta imaginação e criatividade. Nesse sentido artistas inventam relações entre
organismos e máquinas, que vão além do utilitarismo, instrumentalismo e submissão, mas
de uma dupla existência, que só se dá pela relação constante, por experimentações de
simbioses e conjunções entre o orgânico e o inorgânico, para pensar as novas interfaces
naturais e artificiais, de inventar outros arranjos, experimentar e inventar outras práticas
na/para contemporaneidade através dos trabalhos de alguns artistas. Esses artistas
experimentam diálogos com a natureza e seus artificialismos, tais como: Fernando Vicente,
Alexis Rockman, Angelo Vermeulen, e Dustin Yellin, entre outros. Experimentemos com
movimentos trazidos por esses artistas que produzem, experimentam e ressignificam
(com) outras naturezas tecno e geneticamente inventadas, pondo outras questões à
contemporaneidade. Nas diferentes produções artísticas a tecnologia e a máquina não são
apenas apresentadas como uma simples ferramenta. Metais, placas de silício, elementos
inorgânicos e de transição, entre outras diferentes manifestações da tecnologia, são
acoplados aos seres vivos, a serviço de uma poética. Assim, seres orgânicos e inorgânicos
evoluem conjuntamente para novas interfaces do ser. É nesse cenário que nossa pesquisa
inventa outras narrativas para pensar a relação entre ciência, arte e filosofia.
com o caótico, com o imprevisível, mas também com o molar, com o fixo e com o instituído.
É uma coisa e outra. Desejamos encontrar uma melodia compondo a perpassar
transversalmente nesses interstícios de traduções e experiências. Tudo se desfaz num
espaço movediço, incerto e inconsistente. Problematizamos, portanto, por meio das
pesquisas com os cotidianos e os referenciais antifundamentalistas, as cenas-corpos que
potencializam um currículo. Combatendo a totalidade falida dos currículos oficiais e a sua
desejada unicidade hegemônica, evidenciamos os currículos tecidos cotidianamente, os
quais produzem aprendizagens e performances, entre o caos e a ordem. Os corpos-cenas
ocupam e falam de diferentes lugares, divulgam e/ou ocultam o que nos faz bem,
duvidamos do que não queremos acreditar. Isso diz respeito aos efeitos dos agenciamentos
em que nós, pesquisadoras-professoras, não somos mais nós mesmos, mas estamos
sempre sendo ajudados, aspirados, multiplicados (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Somos
muitos, somos únicos, individuais-coletivos. Um plano de composição espinosano em que
um corpo afeta outros corpos, ou é afetado por outros corpos: nesse afetar e ser afetado,
o que também define um corpo na sua individualidade (DELEUZE, 2002). E, com o passar do
tempo, percebemos que são inúmeros os questionamentos que surgem no sistema
maquínico desse viver-ser professor involutivo. Esses cotidianos nos tocam e fazem pulsar
o desejo de um experimentar aguçado, bem como de uma escuta potente e um olhar
sensível que se constitui nos cotidianos em seus diferentes espaços-tempos. E, ainda, nesse
pesquisar, perceber que só olhar não basta, é preciso farejar, preparar o corpo, sentir o
pelo arrepiar, como um animal à espreita em busca da sua caça (DELEUZE, 2005). Esse
cotidiano nos apresenta um currículo provisório, emaranhado de histórias vividas e
significativas, constituídas pelas relações de força e de composição dos corpos. Assim,
diante das infinitas forças do cotidiano, nos deparamos com aqueles devires da pesquisa
que nos sacodem e nos trazem de volta, nos remetendo ao novo. Diferença e repetição.
Como diriam Deleuze e Parnet (1998, p.10), "Devir é jamais imitar, nem fazer como, nem
ajustar-se a um modelo, seja ele de justiça ou verdade”. Um inegável convite de um mover-
se ao contrário, andar na contramão, de ousar considerar uma temporalidade
(des)contínua, permitindo-nos, em nosso devir-pesquisador(a), uma verdadeira
desterritorialização de conhecimentos, pensamentos, sentidos e pulsações para que
possamos, revisitar os nossos vazios que, de certa maneira, habitam algumas tensões,
crenças e experiências que coexistem com outros mundos, em nossos corpos e que
produzem diferentes cenas. Que corpo é esse? Ou, que corpos são esses? O que podem
esses corpos nos currículos cotidianos das escolas? Não temos respostas. Mantemos as
perguntas.
Este ensaio se flexiona sobre certa noção de corpo, denominada Corpo Potencial,
para pensar acerca dos espaços de educação, dimensionando-os como uma contingência
espaço-temporal em encontros improváveis. Tal perspectiva aqui adotada, a da
imprevisibilidade, não ignora o exercitar-se em estudos sobre as condições nas quais se
opera, enquanto agentes nestes espaços, os modos de habitá-lo, ao contrário, justamente
afirma que a improvisação — tal como se apresentará no decurso do texto — é uma
efetuação de um corpo em estado de prontidão, com potencial para atualizar-se nos
encontros; é nesse sentido que se toma a improvisação como uma efetuação, atualização
de possíveis, ainda que, sobretudo, improváveis: inesperados, uma vez que se postula
desviar das condutas restauradas no fazer docente, tanto quanto nas práticas de pesquisa
(e aqui nos valemos da noção de pesquisa-docência). Por conseguinte, é pela via da
performance que chegamos à proposição de autoficção como um tornar-se o que se é,
dado que, tomando com Nietzsche o fundo trágico da existência (2005), ou o sem-fundo,
nas palavras de Deleuze (1988), a realidade na qual se constitui este que se torna passa a
ser correlacionada com a ficção — relação perspectivada junto a Flusser (2006). Desse
modo, uma problemática assim se apresenta: como desviar da representação (DELEUZE,
1988), ou, noutros termos, das condutas restauradas (CARLSON, 2010), para que o corpo
venha sempre a diferir de si mesmo, derivando, via improvisações, tornando-se o que se é
em acessos intermitentes de individuação (SIMONDON, 2003)? A partir desta inflexão,
onde se toma a autoficção deste docente-pesquisador, enquanto autor, como uma
performance nos espaços que ocupa (KLINGER, 2006), passamos a desdobrar o texto em
onze pontos, numa escrita fragmentária que intenta constituir certa imagem deste CorPo
(grafia adotada para diferir um Corpo Potencial), mas, sobretudo, um modo de mover-se,
de se compor nos encontros nos quais se dispõe; os pontos, a saber, são: primeiro
problema: liberar a ação, um corpo em estado de prontidão — o estado de improviso;
proposição primeira: o CorPo é um corpo em estado de improviso; proposição segunda:
não inserir seu corpo no tempo, manter-se inteiro; segundo problema: o que move esse
corpo? A ausência de sentido no compor, o grau de potência e a chance do jogador;
proposição terceira: um corpo que quer perseverar e nisso se compõe; proposição quarta:
disposição aos encontros; proposição quinta: desviar em direção aos possíveis pela via do
1
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS; Linha de pesquisa Filosofias
da Diferença e Educação; com dissertação intitulada “Pesquisa-improvisação: educação em jogo”, sob
orientação do professor Dr. Máximo Adó, com bolsa do CNPq. Graduado em Educação Física pela
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Artista de circo, dança e performance.
2
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Departamento de Ensino e Currículo da
Faculdade de Educação. Orientador no Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa
Filosofias da Diferença e Educação.
59
improvável; proposição sexta: afirmar o jogo entre Apolo e Dionísio; primeiro paradoxo: o
ser inteiro e o que é possível fazer hoje; segundo paradoxo: desviar da razão pela razão (e
retornar a ela); primeira tentativa de síntese: tornar-se o que se é como autoficção, um
acordo discordante. Estamos investidos em um pensar o pensamento com o texto, na
espreita de ficções eficazes, no sentido de produzir uma espécie de mito que intenta
funcionar como intercessor entre “eu” e o mundo, como uma verdade potente enquanto
criadora de realidades que vitalize a vida. Verdade inventada, mito, ficção: autoficção que
move nossas ações no mundo e mobiliza o pensar acerca do que compõe nosso corpo, e os
movimentos nos quais nos inserimos para novas composições que nos potencialize —
compreendendo a individuação enquanto um processo, e este, a partir de
experimentações de si. Assim, o que aqui se apresenta como um personagem neste palco-
texto, como um CorPo, é ensaiado insistentemente, performado numa pesquisa, na
invenção de corpos possíveis em nossa superfície cotidiana, em espaços de educação.
Corpo em atenção dispersa (e treinada) em meio aos labirintos de uma vida à qual se dá
sentido numa ficção; considera-se assim, com Deleuze (2002, p.25), que “será dito bom (ou
livre, ou razoável, ou forte) aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os
encontros, por se unir ao que convém a sua natureza, por compor a sua relação com
relações combináveis e, por esse meio, aumentar sua potência. Pois a bondade tem a ver
com o dinamismo, a potência e a composição de potências”. Não se trata, portanto, de um
objetivo a ser buscado (mesmo que objetivado enquanto invenção de uma busca
infindável), pois este corpo não se encontra em um estado definitivo (“eis O Corpo
Potencial!”, “tenho potência, logo, sou um Corpo Potencial!”); trata-se de um estado de
latência, uma criação incessante, para o qual a pesquisa-docência funciona como uma zona
de acontecimentos: espaço-tempo em jogo para a produção de encontros alegres e
potencialização dos corpos — estes entendidos enquanto processo, eles mesmos num
jogo, como matérias, corpos em encontros com corpos, corpos dentro de corpos, labirintos
corporais.
Assim, ora a máquina produz arregimentações ao que tem sido estabelecido como
“documento de caráter normativo”, a exemplo da Base Nacional Comum Curricular, ora a
máquina atua movida pelo desejo “[...] que faz correr, flui e corta” (DELEUZE; GUATTARI,
2011, p. 16) na produção do real. Não interpreta, não reproduz e não legitima uma imagem
representativa, mas inventa, borra, fissura os territórios macropolíticos a partir da criação
de um corpo sem órgãos – CsO.
A cria-invenção do CsO nos cotidianos escolares agenciam corpos-nômades
constituídos por múltiplas intensidades, aberto a sua capacidade de afetar e de deixar ser
afetado. O CsO é um corpo revolucionário, uma linha de fuga que busca escapar aos
sufocamentos rotineiros e busca por outras formas de potencializar a vida e, por isso,
61
Ao Corpo sem Órgãos não se chega, não se pode chegar, nunca se acaba
de chegar a ele, é um limite. Diz-se: que é isto – o CsO – mas já se está
sobre ele – arrastanto-se como verme, tateando como um cego ou
correndo como um louco, viajante do deserto e nômade da estepe. É
sobre ele que dormimos, velamos, que lutamos, lutamos e somos
vencidos, que procuramos nosso lugar, que descobrimos nossas
felicidades inauditas e nossas quedas fabulosas, que penetramos e somos
penetrados, que amamos (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 12).
Maria é um nome comum, que na boca e na letra de poetas descreve vidas comuns.
Assim para dizer do menor, do comum, o endereçamento desta carta se faz para Maria,
pensando na singularidade e na coletividade. Um trabalho que tenta se agenciar pelo sem
rosto, sem captura. Em um distanciamento da professora profética que anuncia o ideal a
ser percorrido em seu campo de atuação, buscamos a atenção, o corpo militante, a vida e
seus percalços, um professor-militante. Escolher escrever para Maria é um ato ético-
político-estético. Tal ato se concretiza em uma aposta que se justifica pelos moldes da
escrita. Escrever uma carta endereçada ao comum e, por este aspecto, militamos
academicamente por vias outras. Escrever para Maria ou Marias, aqui, é escrever para as
professoras e professores que transformam o seu corpo e sua atividade em ato de
militância. Estamos provocando no corpoescritura uma constituição docente ethopoiética,
uma fabricação com leituras de Deleuze e Guatarri, Gallo e com a experiência de habitar
este espaço voltado para a educação: a escola, a sala de aula. Em uma sociedade herdeira
do mecanicismo cartesiano, em que dividimos as partes, e a tomamos como absoluto para
entendimentos, reflexões, pensar a constituição das professoras e professores por uma via
que não se compartimenta, que toma a pessoa como um todo, que não a dividi, como se
fosse possível enfrentar os desafios diários com apenas uma ocupação: o que eu sou?
Quem sou eu? O que é ser uma professora? Como professora, ministrando aulas, também
sou esposa, mãe, amiga, profissional, louca, sã e outros possíveis. Então, quando utilizamos
o pronome pessoal “eu” é apenas como referencial dos possíveis que habitam uma pessoa.
Em uma teia rizomática, seguir, fluir essa constituição professoral, como manter ativa a
potência de se fazer? Abandonamos o já sabido para nos colocar na deriva e nas incertezas
da vida e da vida que se faz como professora. Um nome próprio que não diz um “eu”, mas
que busca pelo múltiplo, as muitas Marias que existem, resistem em educação. Romper
com a interiorização e a segmentação e apostar na singularidade e povoamento de estar
em uma escola, de estar na vida que se faz escolar. Sermos pobres como Francisco de Assis,
e como nos disse professor Gallo citando Antônio Negri, “porque somente nesse nível de
solidão poderemos alcançar o paradigma da exploração hoje” [...] “um grande recipiente
cheio de fatos cognitivos e organizacionais, sociais, políticos e afetivos...” (p. 60). Estarmos
pobres de saberes e de técnicas, diferentemente de um professor-profeta (alguém que
anuncia as possibilidades, alguém que mostra um mundo novo). O vetor professor-
militante está na vivência da miséria da educação, além de se conectar as misérias de
nossos estudantes, de nos conectar a miséria de nossos companheiros, as estratégias de
uma política macro, a opção por um devir menor buscando e fazendo afirmar um modo de
vida que parte do lugar em que estamos. Não acreditar em um modelo a ser alcançado,
mas em forçar, tensionar as mudanças a partir do que não queremos de misérias vividas,
como podemos derivar? Como ser outras e outros que não estes que estamos sendo e que
não nos traz alegria? Não é negar as paixões tristes e querer que ela não aconteça, mas a
partir dela abrimo-nos para agenciamentos, produzir na busca por alegrias. Afirmar a vida
em sua cotidianidade, em sua potência! Estar docente como estética da existência, política
70
como arte de ir se fabricando docente. Tais devaneios, provocados pelas leituras citadas
acima, provocam novo corpo no ambiente escolar e como não podia deixar de ser, opta
por uma escrita mais engajada aos afetos. Consideramos que escrever uma carta para
Maria é produzir um devir-professora militante.
Prezada Maria,
Como em nossa última conversa acerca das angustias da sala de aula, venho por
meio desta buscar novamente suas palavras para me tirar deste lugar. Enfrentar cada um
dos universos dos 630 estudantes que neste ano assumi é uma tarefa solitária, não fosse
nossas conversas.
Ultimamente tenho lido alguns autores que estão me colocando em uma relação
direta com esses estudantes. O que quero dizer é que faz muito tempo que não me satisfaz
o discurso que vem colado com a técnica de ensinar conteúdos, como: eles são
indisciplinados, não aprendem, etc....etc...
Tais leituras, conversas, criam-me outro corpo que possibilita enfrentar as misérias
e a solidão dessa vida que se faz em uma sala de aula.
Nesse sentido, do enfrentamento, nossas conversas por carta se tornam um campo
político, um espaço para ensaiarmos, pensarmos e repensarmos ações e o engajamento
daqueles que como nós participam das misérias e alegrias do mundo.
[...]
Vou terminando a missiva por aqui, no desejo que nossos desejos ativem outros
modos de estarmos na escola.
Carinhosamente,
Maria
Todas/os nós somos feitos de linhas de forças que nos atravessam, linhas duras e
linhas flexíveis, assim como ocupamos espaços lisos e estriados experimentando encontros
traduzidos em procuras, sensações, pensamentos, formações,... Esses experimentos
seriam então o como manejamos ou nos deixamos ser capturadas/os pelas linhas de forças
que nos atravessam, na tentativa de transformar essas forças em intensidades que nos
impulsionam para a vida. Aquilo que tem força suficiente para nos por em movimento.
Força o suficiente para nos fazer dançar com as forças convocadas, com as sensações
provocadas. No Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica de
Mato Grosso (Cefapro/MT) os encontros com a formação fazem eclodir uma infinidade de
possibilidades, uma delas irrompe como Curupira Cartonera, que mistura arte com ciência
e age como máquina de guerra, desatinando sensações e afectos que convocam a um devir-
formação, que luta com a formação-instituída. “Um devir-animal do guerreiro, um devir-
mulher, que ultrapassa tanto as dualidades de termos como as correspondências de
relações” (DELEUZE; GATTARI, 2007, p. 13). Porém sempre no perigo do aprisionamento.
Um entre-lugares. Um experimentar com o meio para tornar-se a própria formação. Ser a
própria formação ou ser digno dela, como nos ensinam Gilles Deleuze e Claire Parnet em
seus Diálogos (1998), ser o próprio acontecimento ou tornar-se o filho de seus próprios
acontecimentos. A Curupira Cartonera é uma parceria entre o Cefapro/MT e a Universidade
do Estado de Mato Grosso (Unemat), que propõe “um formato de publicação e um modo
de circulação diferente daqueles regularizados pela memória do fazer e publicar livros”
(VILHENA, 2016, p. 15). Essa parceria envolve alunas/os da Unemat, assim como
professoras-formadoras do Cefapro/MT no intuito de agregar um conjunto de inquietações
à procura de ritmo. (Des)territorializações (im)possíveis para uma formação também
(im)possível. Construção de mapas móveis, um cuidado coletivo com a formação. Um
cuidado com o encontro, pois as publicações são construídas artesanalmente com capas
de papelão idealizadas pelo grupo. Desde o seu nascimento, no ano passado (2018) e
institucionalização neste ano (2019), foram cinco títulos publicados, três traduções de
Eloísa Cartonera (Buenos Aires, 2003) e duas produções da própria Curupira Cartonera.
Nossos encontros são improvisações artísticas de busca de materiais para a construção de
capas, produção textual, traduções, diagramações, revisões,... além de encontros de
lançamento de títulos, que envolvem arte, música, poesia, economia solidária e venda de
livros. Nossos encontros são assim traduzidos como formação de futuras/os e atuais
professoras e professores, formação de gente, em arte e cultura e vida e poesia e música e
leitura e escrita. Máquina de Guerra contra a formação prescrita, pois responde a outras
regras e anima uma indisciplina fundamental do guerreiro, um questionamento da
hierarquia (DELEUZE; GUATTARI, 2007), do hábito de pensar modelos de produção,
divulgação e publicação de livros. Quando o movimento é desencadeado, quando nos
chama, nos convoca, é impossível recusar. Desejo irresistível. Imprevisto. Estremecedor.
Confiável. É quando você entende que é hora de dançar. Agora. Entre. Entre-dois. No Meio.
72
1
Este trabalho é parte do Projeto de pesquisa de estágio pós-doutoral “Cartografias intensivas em educação:
quando um modo de fazer diz de uma geografia” em andamento na Faculdade de Educação da UNICAMP,
sob supervisão do Prof. Wenceslao Machado de Oliveira Junior.
74
se refere aos olhos que seguem os códigos de sinalização prescritos das cidades, as placas
de sinalização que contém a informação correta sobre as coisas, do olho que é senão a
leitura dos sinais dados, dos olhos ávidos de história, de percurso pronto, de técnica de
observação nas sociedades mecânicas. Se não nos é dado ver, ver é o que precisa ser
produzido. Um ver de outra ordem, que exige um outro corpo. Como produzir um corpo?
Talvez seja preciso perguntar, então, “como ver” (Lapoujade, 2017, p. 43) ou, ainda, o que
nos impede de ver. Com esse procedimento, coloca-se em jogo um regime de percepção.
Lalita é o fio condutor de uma rede de potências também conhecida como Tantra.
Em um cenário de guerra, ela é sequestrada para servir como esposa de seu conquistador,
o general Ariano. Através de sua descendência, Indra vem ao mundo para se tornar o
príncipe guerreiro sempre livre, deus do trovão, máquina de guerra nômade que nunca
seria capturada por nenhuma formação de Estado.
O artigo apresenta uma narrativa que utiliza personagens conceituais em uma
versão mista e inventada - maquinação, linha de fuga - das duas principais correntes
históricas que narram as origens do tantrismo. O conto de Lalita e seus ancestrais carrega
elementos-chave das origens da cultura hinduísta com sua multiplicidade de sentidos,
versões, interpretações, escolas filosóficas, yoga, tantra e ayurveda. A história mais
comumente difundida no Ocidente diz que a civilização dravídica foi dizimada pelos povos
nômades de Arya, que destruíram as fundações do povo dravídico e se apropriaram de sua
cultura, difundindo posteriormente sua filosofia e mitologia. Essa corrente histórica tem
viés colonizado, já que se trata do ponto de vista dos historiadores colonos ingleses. Uma
segunda corrente, mais baseada nas evidências arqueológicas, menciona uma fusão entre
as duas culturas - em função de uma seca no rio Saraswati, ambos povos foram obrigados
a peregrinar e se fundiram.
A natureza nômade dos povos arianos é contestada pelas evidências arqueológicas.
No entanto, o personagem conceitual Indra, enquanto máquina de guerra, o Tantra em si,
traz à superfície essências nômades que atravessam o corpo e o pensamento como
potências afirmativas, através das maquinações do Gupta Vidya - sistema de transmissão
de ensinamentos passados corpo a corpo, boca a ouvido por uma longa linhagem de
mestres e discípulos, que se estende da Índia Ancestral até todos os recantos do mundo
contemporâneo.
Os pensamentos Samkhya e Tantra são vias afirmativas da vida, afirmando o corpo,
o ego, os prazeres, entendendo que é necessário o corpo para atingir instâncias
metafísicas. As maquinações do corpo e da mente se tornam algo único, pulsando a
transmissão de ensinamentos, de modo que afirma aquilo que é, sem negar ou recalcar os
acoplamentos das máquinas desejantes, apenas dominando-os, equalizando-os.
Samkhya/Tantra não nega instâncias fenomênicas, carnais, corpóreas ou materiais. Na
cultura yogue, dentro da filosofia tântrica, a existência é entendida como uma interação
entre espírito e matéria (purusha e prakitti), ambas possuindo o mesmo valor e
importância, conectadas e integradas. Purusha e prakritti são os aspectos da dualidade da
filosofia Samkhya. Assim como os soldados do Go, purusha e prakritti são os elementos
pretos e brancos do tantrismo, uniformes, com o mesmo valor e com potencial para fazer
inúmeras recombinações, desterritorializações e reterritorializações.
76
1
Doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP na Núcleo de estudos das subjetividades sob orientação da
Profa. Dra. Suely Belinha Rolnik.
2
Conceito apresentado por Suely Rolnik na Casa do Povo, São Paulo 19 de novembro de 2015.
78
Performance: Nada a dizer. É que alguns corpos não aguentam mais esses
lugares demarcadores de linguagens, enunciados forçados, enterrando
palavras de ordem feito estacas, lugares que estriam sobre o corpo
esteticismos éticos, reduzem suas forças, alienam seus possíveis,
castram-no, assopram o buraco da ferida e distribuem pasto comprado
para se comer. Há corpos famintos das areias do deserto, há corpos
brilhantes, grãos indiscerníveis, que, em se tratando dessa ética, também
não querem saber de nada disso, mas justo porque não se encontram
atados a ninguém. O que é performance? O que é a arte da performance?
Nada que ao se responder não se desfigure e deforme quem responda.
Nada que atenda a conjuntos conceituais. O que se sabe é que na e pela
performance algo maquina, molecularmente, e o que resta são
microanálises produzidas e produzindo o que, nela e dela, se maquina
(ALCANTARA, 2011, p.11).
Em nossa cartografia cultural atual, denominada por Suely Rolnik como logo-ego-
falocêntrica, o governo estatal mantém ainda um papel, uma imagem de conduta legalista
na organização da economia de indivíduos e equipamentos sociais, respondendo a fins
convenientes que servem a interesses econômicos capitais que vão além do próprio
Estado. Estes fins são tão efêmeros quantas são hoje nossas formas de individuação.
Paloma Meirelles
Universidade Federal Fluminense
meirellespaloma177@gmail.com
Com esses novos corpos que surgiam, sentimos a necessidade de repensar o próprio
conceito de corpo. Foi então que nos aproximamos inicialmente da obra de Antonin
Artaud, principalmente no que diz respeito ao seu conceito de corpo sem órgãos,
desenvolvido por Deleuze e Guattari em O Anti-Édipo (1972) e Mil Platôs (1980).
Como já indica o título do platô de Deleuze e Guattari – “Como criar para si um
corpo sem órgãos” –, nos indagávamos de que modo seria possível operar tal tarefa de
criação. Nossa experiência com os objetos relacionais indicava o contrário: num sistema
complexo e atravessado constantemente pelos afetos, o corpo “em si” não existe, ele é
uma ligação que se estabelece com o mundo, sempre de modo singular. Não é possível
falar em organismo uno, universal, replicado em todos os indivíduos. Esse arranjo se dá a
partir de uma “outra biologia”, sempre entrelaçada pelas memórias e afetos. Corpo cujos
inimigos não são exatamente os órgãos, mas sim a estratificação minuciosa do corpo – o
organismo – em que cada órgão só é pensado a partir de suas funções pré-estabelecidas.
Corpo, portanto, que não tem sentidos e estratos previamente estabelecidos, que
apenas na experiência produz “compreensões” sobre si, enquanto cliente; enquanto
terapeuta, corpo sensível e poroso ao que é trazido pelo cliente, podendo apenas assim
desfazer-se das estratificações de seu lugar de saber-poder e construir estratégias
terapêuticas singulares e inventivas.
Trata-se de abraçar a singularidade em sua radicalidade. Não mais ler o que estaria
oculto através de interpretações descoladas daquela história, mas sim produzir sentido,
num movimento de costura a partir do que é trazido pelo cliente (acerca das vivências na
Estruturação do Self ou não). Aqui torna-se clara a necessidade da criação de um corpo sem
órgãos, do terapeuta e do cliente. Por fim, acreditamos que o contato com outro modo de
pensar o corpo e as relações terapêuticas é fundamental para que a relação com a loucura
e a dimensão da subjetividade se reinaugure.
É nesse movimento incessante de mergulho em si que encontramos e produzimos
novos mundos.
Pamela Zacharias
zach.pamela@gmail.com
serem afetados, escapando das segmentações, estando para além da leitura da lógica
identitária.
O desejo é agenciamento, que atravessa um componente de pura singularidade,
rejeitando uma suposta universalidade. A sexualidade diz respeito a uma ética, ou seja,
como um corpo se relaciona com o outro, mas há também uma estética, como o corpo se
relaciona consigo mesmo, com sua singularidade, suas particularidades.
A sexualidade está ligada ao encontro, à vida, às relações possíveis e desejantes. O
desejo, tal como é colocado por Deleuze e Guatarri, torna-se a extrapolação de uma
sexualidade codificada, estruturada, essencializada, aprisionada pela máquina social.
Assim, ela é carregada por várias linhas, movimenta-se por entre a expressão do instinto
reprodutivo naturalizado e a necessidade de orientação, como fluidez das produções
desejantes.
Essa imagem do pensamento que coloca a sexualidade como desejo, também é
atravessada pelo conceito de Corpo sem Órgão, dos autores já mencionados, que se opõe
ao organismo, à organização orgânica se intensifica a partir de suas indeterminações. Por
ele passam intensidades, afetações, forças, potências, vitalidades... Ele desfaz o
organicismo, o “eu” como essência, abrindo o corpo para outras conexões intensificadas
pelos movimentos que se dão pelos afetos.
Não se pretende desconsiderar a importância política da luta pelo reconhecimento
e representatividade atrelada ao surgimento dos conceitos de gêneros e nem da Teoria
Queer. Mas os corpos, para além de uma política do reconhecimento, querem exercer sua
liberdade, rumo a outras experiências não edificantes, que escapam às normas deslizando
pelos sistemas de codificação. Portanto, existem aberturas para se pensar sobre a
sexualidade como desejo, que percorre múltiplas zonas de intensidades, com suas
singularizações e variações e seguem linhas abstratas, desfazem as formas, os
organismos... passam pelo Corpo sem Órgãos!
DA MULHER QUE DEVIEMOS ÀQUELAS QUE HÃO DE VIR: COMO RECONTAR A HISTÓRIA
SUSCITA DEVIR
Carolina Sarzeda
Universidade Federal Fluminense
carolinasarzeda@gmail.com
rouba esse corpo (...). É à menina, primeiro, que se rouba seu devir para impor-lhe uma
história, ou uma pré-história.” Pois que esta elaboração parece ser efetivamente o que está
em funcionamento na pesquisa de Calibã e a Bruxa.
Ora, poderíamos certamente encontrar ecos entre as bruxas e o tema dos devires-
minoritários. Estudar os processos que forjam a mulher enquanto função de trabalho de
reprodução, depurar desse diagrama as linhas que operam as formas e as funções do que
será uma mulher (molar), apontam a necessidade de pensar como essas operações ainda
articulam nossos corpos no presente e, sobretudo, pensar como criar novas saídas. É o que
parece que podemos anunciar que faz Federici quando, por um lado, não prescinde da
categoria “mulher” para investigar a história, enquanto por outro o faz expressamente a
partir de uma perspectiva feminista.
Foi necessário, assim, expropriar os corpos femininos ‒ cercá-lo com limites e
interdições e, ao mesmo tempo, fixar nele algumas engrenagens fundamentais ‒ para que
os fluxos do capital fossem garantidos. Necessário expropriá-los, travar uma luta contra as
mulheres, para liberar seus corpos de obstáculos que lhes impedissem de funcionar como
máquinas para produzir mão de obra. O capitalismo incide aí, na produção desse corpo
feminino, e o maquina para uma quase livre circulação dos fluxos capitais, bem como o faz
com o cercamento de terras. Trata-se de um violento, embora engenhoso, trabalho de
intervenção: tão essencial quanto os cercamentos.
É apenas na medida em que refazer a história agencia uma investigação em nossos
próprios corpos que esse estudo pôde se fazer. Recontar histórias é, afinal, um processo
de montagem (e desmontagem) corporal.
Aprender com as bruxas é aprender, então, que a gênese de nosso mundo não tem
apenas uma versão. Será preciso aprender insistentemente as novas versões de nossas
histórias. As histórias de bruxa são essas: histórias das rebeldias, das resistências.
Essa resistência é ao mesmo tempo molar e molecular. Lemos em Mil Platôs: “É
certamente indispensável que as mulheres levem a cabo uma política molar, em função de
uma conquista que elas operam de seu próprio organismo, de sua própria história, de sua
própria subjetividade: ‘Nós, enquanto mulheres…’ aparece então como sujeito de
enunciação. Mas é perigoso rebater-se sobre tal sujeito, que não funciona sem secar uma
fonte ou parar um fluxo. (...) É preciso, portanto, conceber uma política feminina molecular,
que se insinua nos afrontamentos molares e passa por baixo, ou através”.
Contra a indústria, somos corpo; contra o organismo somos máquina. Se nos
quiserem neutras, somos mulheres. Queiram-nos mulheres, seremos monstros. Feministas
serão estas; serão monstros de corpo indiscernível, mas jamais amorfo, incalculável, mas
jamais zerado, sanguinolentas, mas também sem filho, sem útero, sem ovário, com
testículos, sem menstruação. Feministas é o nome que escolhemos nos dar pra fazer caber
tanto as dores do que somos quanto as delícias do que queremos ser ‒ e, com rebeldia, já
somos.
Contra a anatomia, somos histéricas. Contra a histeria, fazemos história.
Este texto é uma reflexão acerca dos trânsitos pelos territórios da Educação em
Biologia, ocasião em que realizei coletivamente uma investigação de doutorado (SANTOS,
2018) em que nos dispusemos a cartografar (DELEUZE; GUATTARI, 2011) as possíveis
ressonâncias que a aliança - Experiências de pessoas trans – Ensino de Biologia - pode
produzir ao pensarmos as categorias de corpo, gênero e sexualidade na/com a Educação
em Biologia. Os encontros com corpos, gêneros e sexualidades “desobedientes”, acionados
pelas trans-existências, nos convocaram a outros olhares e lugares com a Educação em
Biologia. Uma das ressonâncias produzidas/disparadas no encontro - Experiências de
pessoas trans – Ensino de Biologia – foi a aproximação e conexão com a perspectiva da
filosofia da diferença, produzindo deslocamentos na robustez epistemológica da bio-logia.
Nesse sentido, o recorte aqui proposto teve como objetivo acionar as potencialidades e as
insurgências da filosofia da diferença na composição de outras visibilidades, outras
dizibilidades que inflexionaram desenhos e configurações outros ao acontecer da Educação
em Biologia. A partir desses contextos foi possível pensá-la, na esteira de Deleuze e Guattari
(2012), enquanto territórios constituídos por linhas de diferentes naturezas, ritmos e
direções, que podem normatizar e fixar modos existenciais ou investir em outras linhas que
criam territórios outros, singularizando e vitalizando as existências. Desse modo, ela foi nos
insurgindo como um território espacial subjetivo que tem a sua geografia, sua cartografia
e seu diagrama de forças que permite (des)territorializações de modos de ser e estar das
pessoas. (DELEUZE, 2013). A aliança aos conceitos da filosofia da diferença potencializaram
e visibilizaram os (re)arranjos, as maquinações e operações nas configurações territoriais
da Educação em Biologia, movimentos na investidura em regulações e normatizações com
centros de significância e subjetivação, bem como possíveis traçados de
desterritorializações – índices de abertura, de devir e de potencialização de novas formas
de vida com manobras e estratégias que compõem paisagens outras. Territórios
constitutivos de formas, forças, afetos e desejos que colocam em relevo momentos de
durezas, repetições, fraturas, criações, falhas, fracassos, exatidão, deslizamentos, certezas,
deslocamentos, capturas, torções e fugas, nos convidando a pensar que os territórios da
Educação em Biologia oscilam entre dois planos a partir dos movimentos dos corpos
(DELEUZE, 2002): de um lado, as superfícies de estratificação, normalizações e
(órgão)nização, e, por outro lado, o plano no qual eles resistem, insistem, criam e fluem
como Corpo sem Órgãos (CsO). (DELEUZE; GUATTARI, 2012). Os encontros - Ensino de
Biologia - experiências de pessoas trans - mostraram um conjunto revelador das forças que
atuam junto aos saberes disciplinares da Biologia e como tais forças ora submetem corpos,
gêneros, sexualidades, ora podem criar discursos potencializadores e movimentos
90
Matheus Silva
Doutorando em Artes pela UFMG
Matheus_silva84@yahoo.com.br
indissociavelmente cultural e subjetiva [...]” (ROLNIK, 2018. p. 33). Torna-se necessário que
os processos de modulação da lógica capitalística se pautem em ações micropolíticas
ativas, para que novos mundos possam ser gestados a partir do que os corpos enunciam e
dos modos de vida calcados em experiências corporais. Instâncias micropolíticas essas que
se colocam aos agenciamentos mínimos da existência e em relação às dimensões
macropolíticas de uma vida que se vive. Quando o regime colonial capitalístico reduz a
subjetividade ao sujeito, este se encontra em um momento de instabilidade e fragilidade,
sendo esse momento decisivo para seguir refazendo as mesmas manobras, ou então
propor novos e outros cortes aos modos de operação subjetivos.
Associado a tais noções, utilizo o conceito de programa performativo, desenvolvido
por Eleonora Fabião (2013), como maneira de pensar a operação para uma possível prática
de descolonização de tais corpos. O programa performativo ocorre a partir da ideia de
programa, em Deleuze e Guattari.
Programa é motor de experimentação porque a prática do programa cria corpo e
relações entre corpos; deflagra negociações de pertencimento; ativa circulações afetivas
impensáveis antes da formulação e execução do programa. Programa é motor de
experimentação psicofísica e política (FABIÃO, 2013. p.4).
Fabião propõe o programa como um disparador para a criação de performances,
sendo então um agenciamento maquínico posto a operar como desestabilizador de
territórios já formados: “[...] um conjunto de ações previamente estipuladas, claramente
articuladas e conceitualmente polidas a ser realizado pelo artista, pelo público ou por
ambos sem ensaio prévio” (FABIÃO, 2013. p. 4).
Proponho, assim, uma aproximação do programa performativo como dispositivo
para a construção de performatividade de gênero, sob a ótica de Paul B. Preciado. Se o
programa desloca a passividade do performer e desconstrói territórios e hábitos
corporificados, assume-se que pensar práticas de descolonização a partir de um recorte de
gênero se fazem pertinentes.
A noção de performatividade de gênero utilizada na pesquisa se dá a partir das
concepções desenvolvidas por Paul B. Preciado (2014), na proposição do que seria um
gênero prostético. Mais do que uma concepção linguística da ação, limitada ao campo
discursivo, o gênero prostético se produz a partir da materialidade do corpo:
É preciso ressaltar que a ideia de gênero proposta por Preciado é permeada pelos
estudos filosóficos desenvolvidos por Judith Butler, a partir dos anos 1990, e que considera
os gêneros enquanto ações, repetidas no tempo e marcadas por condições históricas,
linguísticas e sociais de existência. Dessa maneira, Butler dá ao gênero a perspectiva de
verbo, de ação, sem estar permeado por noções de fixidez.
Fazendo uma torção do termo e tendo como campo o pensamento de Butler, o
interesse da pesquisa se dá a partir do esgarçar de tais noções de gênero. As noções de
práticas descolonizadoras se dão a partir da realização operada pela materialidade dos
95
intervir, podemos crer que outros mundos, outros corpos, outras subjetivações são
possíveis. Um mundo sem tristeza, porque o sistema aposta na tristeza. Porque nada
alimenta mais o capitalismo do que a nossa tristeza. A tristeza nos fragiliza e imobiliza e
nos impede de lutar pelo que acreditamos.
Entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, a mobilização de artistas frente
a um cenário pouco favorável à arte contemporânea brasileira culminou na criação de uma
série de agenciamentos no circuito alternativo do Rio de Janeiro. Através de proposições
pensadas e executadas pelos próprios artistas, foram abertos diversos espaços
independentes e realizados projetos e exposições fora do meio institucional de museus e
galerias. Apesar de sua heterogeneidade, destaca-se o fato desses agenciamentos não
terem se agrupados por motivos puramente estéticos, tais quais os grupos modernos, mas
sim pelo afeto, numa foram de ativismo afetivista.1 Além disso, grande parte deles não
buscava atuar como uma força a sobrepor sobre o circuito institucional ou ir contra ele.
Mais do que lutar contra um sistema cultural errante, o que parece ter acontecido nos anos
1990 e se consolidado nos anos 2000, foi uma maneira de criar linhas de fuga num território
estratificado, fissurar aquele espaço-tempo e compreender que se as paredes do museu
haviam ficado pequenas, haviam as ruas para serem ocupadas e espaços para serem
geridos e criados. Buscar o novo.
A proposta dessa comunicação é apresentar algumas ações que aconteciam no
período, como o Zona Franca, Orlândia, Galeria do Poste, Projeto Subsolo e Gentil Carioca,
evidenciando suas características como resistência afirmativa e as maneiras como essas
proposições construíram novos territórios através da criação. Gilles Deleuze, assim como
Félix Guattari, são pensadores fundamentais nesta pesquisa não apenas por iluminá-la
teoricamente, mas pelo emprego de seus conceitos (de maneira mais ou menos explícita)
por diversos artista-pesquisadores que participavam das proposições artísticas do
período2. Para a comunicação, com a intenção de dialogar com o período e local em que
esses agenciamentos aconteciam, os pensamentos deleuzo-guattariano são atravessado
por textos escritos por Tatiana Roque e Ericson Pires em virtude do colóquio
Resistências(2002).3 O evento tinha a intenção de “subverter a polaridade entre
pensamento e ação, ao reunir intelectuais, artistas e militantes na construção de sentidos
das resistências na arte contemporânea”. Hoje, ao mesmo tempo em que se sabe que o
evento procurava sair do mundo puramente intelectual para a ação, também se reconhece
que o Colóquio conseguiu trazer para o debate teórico algo que estava acontecendo na
prática, discutindo maneiras de resistir que se concretizavam em forma de ações diversas
1
HOLMES, B. The affectivity manifesto. Escape the overcode: Activist art in the control society, 2008.
Traduzido por Luciane Briotto. Disponível em: http://vocabpol.cristinaribas.org/manifesto-afetivista/.
Acessado em: 31 jul 2019.
2
É relevante citar que, apesar da produção de Deleuze sobre artes visuais e cinema ter começado em meados
dos anos 1980, assim como suas aulas/conferências sobre música, foi no início dos anos 2000 que suas obras
foram traduzidas para o português, ampliando a disseminação no Brasil. Além disso, outro fato que acredita-
se ter disseminado o pensamento dos filósofos entre artistas no período, foi a vinda de Félix Guattari para o
Brasil, em 1992, através do convite de Suely Rolnik.
3
O evento foi realizado no CineBR Odeon, proposto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pelo Collège
International de Philosophie (Paris) e organizado por Tatiana Roque. Contou, ainda, com a presença do
filósofo Alain Badiou.
100
e que compartilhavam certo sentido comum. Em um dos trechos de Ericson Pires, o artista,
pesquisador, poeta e militante nas artes, escreve:
4
PIRES, E. 12 proposições: resistência, corpo, ação – estratégias e forças na produção plástica atual. Revista
Lugar Comum: Estudos de Mídia, Cultura e Democracia, Rio de Janeiro, v. 17, 2003. p. 109.
101
convocam quando reivindicam o direito de existir nos espaços, indo na contramão dos
processos operados pela máquina de estado.
Os dispositivos de captura de subjetividade operam a todo instante no nosso
cotidiano, somos adjetivados, enquadrados e capturados, sempre tendo como ponto de
regência o “eu” em sua vontade possesiva de estabilizar a experiência da subjetividade –
algo que vai além do sujeito, o sujeito seria um dos resultados da experiência da
subjetividade. Algo que Roseane Preciosa (2010), vai tensionando em sua tese de
doutorado “Rumores discretos da subjetividade” a respeito desses processos, nas palavras
da autora: “Curiosamente, somos sempre ou “isso” ou “aquilo”, aliás não só nós mesmos,
mas tudo que existe à nossa volta, o que nada nos exige, apenas respostas mecânicas,
esquemáticas, simplificadoras. É dessa forma que a vida faz sentido: eliminando quaisquer
variáveis (p.25 grifo da autora)”.
As novas subjetividades pedem passagem, contrapondo os modelos impostos pelo
estado, e essas, surgem com intuito de mobilizar as forças do meio, se apropriando das
forças vitais, mantendo o status quo. “A arte performativa acaba resistindo aos limites
apresentados pelo corpo e o transforma em potência máxima de presença” (FREGONEIS;
BONFITTO, 2018, p.50). Essa presença que engendra outros processos de subjetivação e
dessubjetivação na arte da performance, tendo no corpo, o canal catalisador da presença,
experiência de encontro intenso que transforma e desestabiliza os sujeitos, alargando a
experiência da subjetividade para algo coletivo,múltiplo e criativo.
É essa pluralidade que intervém nos processos normativos e de captura, a diferença
erigida que com sua potência se faz presença pura na performance. Além disso, o corpo
exerce um papel de resistência aos processos de subjetivação que buscam minar sua
diferença, sendo ele “um eu que se metamorfoseia a cada momento a fim de ressignificar
sua presença no mundo” (FREGONEIS; BONFITTO, 2018, p.47).
Destaca-se aqui, certa qualidade provisória desses processos, algo que, como coloca
Mansano (2009), sendo o sujeito um efeito provisório e precário desse processo de
subjetivação, e este “mantém-se em aberto uma vez que cada um, ao mesmo tempo em
que acolhe os componentes de subjetivação em circulação, também os emite, fazendo
dessas trocas uma construção coletiva viva” (p.111).
É nesse estado amorfo e provisório que a performance procura se inscrever, na sua
forma de presença e potência de vida, nada a ver com o sujeito-performer, e sim com certa
subjetividade que vai sendo desfeita durante a ação; é o nascimento de novos modos de
vida e corporeidades. Assim, apresenta Sander (2011) quando fala “é a descoberta de
novos possíveis. Ou ainda, limiares. Pois as artes nos dão pistas das zonas limítrofes, das
bordas” (p.141).
Portanto é pelos corpos e suas relações que vão dar a ver as forças operantes de
captura exercidas pelo estado, e o corpos em estado de presença produzem movimento de
resistência a esses processos de captura, mesmo que de forma provisória e quase
imperceptível ao macro.
Alessandra Melo
UNICAMP
a041693@dac.unicamp.br
Figura 1 - Apagamantos
Trazemos aqui pensamentos disparados por nosso contato com a obra “Kafka - Por
uma literatura menor” de Deleuze e Guattari (1977). Para nós estes meninos em
cumprimento de medidas sócio educativas podem ser pensados partindo-se do
pensamento desenvolvido por Deleuze e Guattari sobre a obra de Kafka. Assim como os
personagens de Kafka estão isolados por dinâmicas de exclusão da sociedade, também
estes meninos presos em sua minoridade sobrevivem: sem nome, resistindo a violência, a
perda da infância, ao estado, a instituição e as normas. Estes meninos permanecem
reinventando formas de existir e resistir nos vãos desta sociedade. Se por um lado os
personagens se afastam da língua maior, daquela língua determinada por regras rígidas e
passeiam nos vãos desta língua criando uma língua menor, os meninos por sua vez
reinventam formas de viver sua menoridade na vida, no mundo do crime, no vão da cidade,
nos vãos das grades.
“Di menor” assim como são chamados os meninos nos guetos das cidades (devido
a serem menores de dezoito anos) têm muito tempo para pensar ou chapar como dizem.
O prédio da Fundação Casa se organiza em andares e possui uma quadra poliesportiva no
alto do prédio. Quando os meninos internos chegam a este espaço (que é todo limitado
por grades de cima abaixo) percorrem exaustivamente o espaço, assim como fazem os
personagens de Beckett na tele peça “Quad II1” que foi comentada na obra: “Sobre o teatro
do esgotado de Deleuze” (DELEUZE, 2010).
1
BECKETT, Samuel. Quad, ubu.com/film/beckett_quad.html
104
Sem fios. Sem educação. Corpos movediços por entre ruas, escolas, instituições, a
expulsarem (im)prováveis capturas organizacionais, morais e identitárias a tentarem
roubar-lhes o próprio corpo. Organismo desorganizado, nômade, intensivo pelos pátios de
uma escola - Escola Municipal Antônio Carlos Coelho, Feira de Santana, BA - e pelas
perambulações e (des)ocupações de prédios públicos durante um movimento grevista, na
mesma cidade, durante o primeiro semestre de 2019.
Estudantes-corpos-zumbis e professoras em movimentos de reivindicação. Pátio da
escola. Ruas e prefeituras e câmaras municipais. Membros da gestão escolar, outros
estudantes, técnicos e políticos da prefeitura municipal feirenses estupefatos. Corpos des-
a-linhados em um borramento entre ficção e realidade, possibilitando que um plano
esgotado de uma educação esvaziada de identidades, palavras de ordem e generalizações
per-corram, sem pressa, uma paisagem-sonho. Gestos (s)em educação a expressarem
cotidianos múltiplos, efêmeros, intensivos.
Expandir o que não fixa. Experimentar o ar que emana dos corpos. Uma intervenção
dos estudantes, em um espaço do cotidiano por eles e elas escolhido, pretendendo a
possibilidade de romper com uma rotina já instituída. Trazer o questionamento sobre a
influência dos espaços em nossos movimentos, convidando esses corpos tão aprisionados
em controles cotidianos. Espaços projetados com finalidades específicas para os corpos
dóceis que obedecem: permanecer (salas de estar, de espera, museus); mover (corredores,
calçadas, espaços de comércios e lojas). Por que parar em alguns lugares? Por que e como
correr em outros? Que estruturas elementos e configurações promovem essa organização
dos corpos no espaço? Para esse espaço, talvez?
Coreografias para prédios, pedestres e pombos1, em vídeo, foi uma das inspirações
para os alunos-zumbis. Des-estabilizar. (Des)ocupar o pátio, o corpo alheio, os olhares
1
Instalação ocorrida em 2010 pela coreógrafa Dani Lima e pela cineasta Paola Barreto no Largo do Machado,
Rio de Janeiro.
106
atônitos dos outros estudantes, professores e profissionais da escola. Por que os zumbis
espantam a docilidade do controle? Sem pressa, ex-pressão a pulsar. Corpo-zumbi-
estudante.
Imagem 1 – Atividades com estudantes do 5º ano, no pátio da Escola Municipal Antônio Carlos Coelho.
Não demorou muito para o Estado fincar suas raízes e, com sua contenção máxima
dos fluxos e sua inerente estratificação, a figura do “mais frio dos monstros frios”, como
dizia Nietzsche, chegou para ficar com sua maquinaria abstrata pesada e sua moral
castradora. É isso que explica produção de corpos dóceis e submissos (SCHÖPKE, 2017, p.
297).
Grito pela maquinaria de guerra. (Des)montagens (d)e corpos. Gestos maquínicos
(s)em educação. Des-focar uma resistência às generalizações e expressões hegemônicas,
fixadoras de ideias, corpos, palavras, gestos, pensamentos. Por onde transitaria, como já
proposto para um pensamento em forças intensivas do diagrama para a expressão das ruas
e muros da/com a cidade (Andrade; Bastos, 2017), essa vontade de (sem)sentido para a
produção de linhas de fuga em uma relação para esvaziar o plano ‘educação’ em
(des)ocupação?
Corpo-professora-rua. Reivindicar. Vir a radicalizar? Quem reivindica? O conjunto
das professoras municipais? A representação sindical? Os corpos estendidos em frente aos
quadros de avisos, camas, ventiladores nas ocupações de ruas e salas de aula e Câmara
Municipal? Quem e o que radicalizar? Gestos desafiadores. Desatar os fios dos moldes, das
homogeneizações que parecem padronizar a vontade dos corpos.
A revolta é em si mesma o signo da capacidade de produzir uma interrupção, uma
suspensão nas significações dominantes e criar ‘gestos’, ações, signos e, talvez, até mesmo
falas, de acordo com as modalidades que podem não ser as do enunciador (LAZZARATO,
2014, p. 160).
Não queremos, nesse texto, explorar as tensões que Lazzarato (2014) aborda junto
às dimensões da semiótica através de conceitos de Felix Guattari para nos apresentar como
o capital pretende capturar (e, muitas vezes, com êxito) o funcionamento dos signos para
a dimensão da representação e sua impulsão para uma formatação do pensamento,
107
atrelando-o à quase uma necessidade de recognição do mundo através das palavras, das
imagens, dos fluxos interrompidos de seguirem pelos caos do não-reconhecível.
O que pretendemos, a partir dos corpos (de)compostos, (s)em educação, para essa
escrita/pensamento, é deslocar, desclassificar. Pensamentos desejantes em desequilibrar
fronteiras fixas entre imagem, ficção e realidade; conhecimento e explicação; educação,
arte e criação, indo em busca de um modo, um funcionamento a-riscado do diagrama com
a intensidade dos signos sensíveis, criativos. Intensidade do instante.
E é porque o diagrama está sempre na interface do actual e do virtual que ele pode
assegurar a passagem de um a outro por uma maquinaria que é a alma do diagrama. Essa
maquinaria não está lá para representar objetos, mas para produzir, no real, uma
actualização das suas componentes virtuais, revelar ao mundo sensível uma face inédita
do objeto (GODINHO, 2013, p. 141).
Des-caber. Invenções incomuns pelos espaços das vidas ordinárias, que de tão
comuns, muitas vezes frágeis, gesticulam em singularidades que promovem a existência.
Não uma promoção pela comunicação, por uma linguagem de acordos e consensos, mas
na experiência, na impossibilidade de um entendimento puramente cognitivo.
Proliferações como nos provoca Ricardo Basbaum com sul, sur, south2. Ilha? Continente?
Sul sem norte? Mapa sem território? “[...] a Cartografia propõe uma percepção expandida
para dar consistência a territórios que não cabem no mapa” (INCARBONE; WIEDEMANN,
p. 11, 2016).
Gestos-zumbis; gestos-indignados; cartografias (in)corpóreas; (out)coreografias
para ruas e escolas, para além de prédios e pombos, que gestassem linhas-forças
des(alinhadas), (des)controladas em um diagrama de sensações que per-corre o corpo,
pátio, escola, ruas para fazer vibrar uma vida outra. Pulsações caóticas de invenções de
espaços e tempos aiônicos, sub-versivos a versarem existências pulsantes em meio às
durezas fixadoras de tantos cotidianos micro-fascistas. (AR)riscar educAÇÃO. Des-a-fiar.
2
Obra de Ricardo Basbaum, 2009, disponível a visualização em: http://www.pipaprize.com/wp-
content/uploads/2011/06/012.jpg
108
Rafael Christofoletti
Universidade Federal de Rondônia - UNIR
rafael.c@unir.br
Entrar-se-á, então por qualquer parte, nenhuma vale mais que a outra,
nenhuma entrada tem privilégio, ainda que seja quase um impasse, uma
trincheira estreita, um sifão, etc. Procurar-se-á somente com quais outros
pontos conecta-se aquele pelo qual se entra, por quais encruzilhadas e
galerias se passa para conectar dois pontos, qual é o mapa do rizoma, e
como ele se modificaria imediatamente se se entrasse por um outro
ponto (DELEUZE & GUATTARI, 2017, p.9).
1
O Programa coordenado pela prof. Dra. Márcia Machado de Lima e pelo prof. Dr. Josemir Almeida Barros
se iniciou no segundo semestre de 2018.
109
2
Em “Infância, experiência e tempo” Leite (2011) traz provocações acerca da pesquisa, da pesquisa com
crianças e infâncias.
110
Lápis, papel, giz de cera. Três itens que estão presentes na rotina da maioria dos
centros de educação infantil. Os riscos, traços, rabiscos e desenhos, são produzidos pelas
crianças quase que como uma atividade rotineira, mecânica e/ou para passar o tempo. Seja
para representar uma história, uma atividade de algum momento, ou para desenhar em
um momento livre. Para alguns pode até ser que aqueles traços ou rabiscos digam pouca
coisa ou que seja um emaranhado de cores que nada dizem. Será mesmo? Esse artigo tem
por objetivo colocar o pensamento em movimento, com as fabulações criadas pelas
crianças quando em processo de criação desejante e imanente, onde ao usarem lápis
colorido e papel produzem e criam mundos, fabulam outros modos de pensar, criam fluxos
e cortes, pois algo passou pelo seu corpo, e ao criar no papel, a virtualidade se atualizou
em traços intensivos impressos em um papel.
Por esse motivo, não apostamos na ideia de representação ou descrição do que as
crianças desenham, para nós, pensamos que a representação em uma tela (desenho) diz
muito mais que traços, cores e formas, elas exprimem um certo modo de pensar, são
virtualidades que se atualizam na produção de modos diferenciais de se colocar no mundo
e movimentar o pensamento, na produção de maquinas desejantes. Diante disso, lançamos
a seguinte questão: O que enuncia uma criança quando registra uma intensidade em fluxo?
Com Deleuze (2007) pensamos em pintar com as forças do mundo, o registro não
se limita a uma reprodução ou a uma invenção de formas, mas sim de captar/exprimir a
força, ou seja, quando desenhamos há uma tentativa de tornar visível forças que não são
visíveis. “A força está em relação estreita com a sensação: é preciso que uma força se
exerça sobre um corpo, na forma de uma onda, para que haja sensação” (DELEUZE, 2007
p. 62).
Nesse sentido, as problematizações de Deleuze e Guattarri e a filosofia da diferença,
nos auxiliarão a pensar os modos pelos quais as enunciações infantis e os seus registros
artísticos pictográficos. Na atualização da sua força-pensamento, as crianças criam linhas
de fuga, fabulações, cujas intensidades que circulam em meio as expressividades vão
traçando outros possíveis, fazem cortes nos fluxos de produção.
Assim, é na composição entre as crianças e com os adultos que o plano virtual se
atualiza traçando mapas intensivos a partir de vetores ainda não pensados e vividos.
Apresentamos os desdobramentos, as ressonâncias e os contágios que se atualizaram a
partir das falas e dos registros das crianças e das relações singulares de cada uma delas
com os personagens virtuais.
Os registros pictográficos produzidos pelas crianças referem-se a uma aula com
crianças de 3 anos de um centro de educação infantil, onde as crianças a partir de um
encontro das com um personagem folclórico, e uma poção mágica, criaram um desejo
imanente pela composição, investigação e fabulação.
Em uma tarde, aparentemente comum em um centro de educação infantil,
adentramos a sala com o grupo de crianças de 3 anos e encontramos uma mesa com vários
111
alegria como forças revolucionárias e potência de uma grupalidade que resiste aos
engessamentos curriculares e inventam novos modos de constituição docente, pelos bons
encontros que, na produção de aprendizagens afetivas, possibilitam a imanência de uma
vida.
Como base teórica da pesquisa, utilizaremos os conceitos de “multidão” (HARDT E
NEGRI, 2005) e de “multiplicidade” (DELEUZE, 1995), pois estes nos remetem as diferenças
singulares existentes no cotidiano escolar que podem ser evidenciadas por meio do
trabalho coletivo, tornando-se essencial para a qualificação das ações, valorizando os
diversos saberes, as diferentes maneiras de viver.
Spinoza (2009) também contribui com a nossa pesquisa ao trazer-nos o conceito de
“afetos” compreendendo que são as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é
aumentada ou diminuída e, que as “afecções” são o corpo sendo afetado pelo mundo.
Reconhecendo a enorme importância do ambiente, da relação e do encontro, em suas
funções de afetação, o autor nos mostra que através de “bons” encontros as relações
podem se compor e aumentar nossa capacidade de agir.
São “praticantes ordinários” (CERTEAU, 2009) que criam e inventam diferentes
formas de saber e de fazer, de ensinar e de aprender e que são potencializadas pelo
trabalho coletivo. Através da “ciência prática do singular” abrem espaços/tempo para
processos de inventividade, advindos das microliberdades, em pequenos espaços sociais
como a escola, em que as táticas silenciosas e sutis jogam com o sistema dominante,
subvertendo a ordem por meio da poética do fazer cotidiano.
Na dimensão da conversação para a recriação de saberes e fazeres da escola de
modo coletivo (CARVALHO, 2009), possibilitam “abrir mão de certezas” e mergulhar no
“desconhecido”, vivenciando a experiência que nos atravessa (LARROSA, 2015), que nos
toca, que nos acontece no sentido da vida, que nos proporciona essa inquietação ao nos
estremecer sem a certeza de um sim ou um não.
Viver a arte do encontro no cotidiano escolar é vivenciar essa sedução da
participação, da combinação de vozes e criatividade, é se abrir para experiências
impulsionadoras dos processos de coletividade e inventividade que qualificam as ações
educativas à medida que possibilita a multiplicidade compartilhada.
Consideramos que a presente pesquisa se articula com a temática do VIII Seminário
Conexões: Deleuze e Corpo e Cena e Máquina e..., pois enfatiza as experimentações e
conexões produzidas nas múltiplas esferas do cotidiano escolar.
Acreditamos que por meio de “bons” encontros (SPINOZA, 2009) os protagonistas
do processo educativo ao se colocarem abertos às relações e, em busca do “comum”,
fortalecem as “zonas de comunalidade” (CARVALHO, 2009), o trabalho coletivo, delineando
uma docência inventiva que rompe as formas do currículo favorecendo a criação de novos
movimentos curriculares.
filosofia de Deleuze e Guatarri (1995; 2010) aporte para entende-la enquanto rede
heterogênea a partir do conceito de rizoma. Em Deleuze um agenciamento põe em
conexão multiplicidades tomadas nos diferentes campos da realidade. Um rizoma
constitui-se de agenciamentos de toda ordem, conectam-se cadeias biológicas, políticas,
econômicas, sociais, pessoas e coisas. “Um rizoma não começa nem conclui, ele se
encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore impõe o verbo
“ser” mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e...e...e” [...] (DELEUZE E GUATARRI,
1995, p. 37).
O que está no meio é a questão, o que liga, as conexões, as associações ou
agenciamentos. A rede abordada por Latour (2001) traz a compreensão de agenciamentos
enquanto associações híbridas, o mediador na rede é entendido como
seres/agenciamentos que não são nem puros humanos e nem puros não-humanos
actantes (atuantes). Inerente a todo agenciamento está a potência de criação e
imprevisibilidade, o ser/agenciamento provoca a ação, põe em movimento esse coletivo.
A “multiplicidade de multiplicidades” que compõe essas redes de emaranhados
potencializam a criação de novos agenciamentos. (DELEUZE; GUATARRI, 2011. P.62)
Da mesma forma Latour (1994, p. 16) destaca que “a rede de actantes é sempre
aberta, heterogênea de modo que, a princípio, é possível estabelecer todo e qualquer tipo
de conexão”. O texto busca assim nos dois autores e suas teorias/textos/agenciamentos o
fio condutor para análise.
A filosofia deleuziana nos permite empreender uma análise que acompanha a
realidade do Curso de Formação de Formadores Regionais e Locais da Educação
Infantil/CEFORT/PNAIC em seus movimentos e multiplicidades de entrelaçamento. O
entendimento de uma rede rizomática e seus agenciamentos envolvendo atores humanos
e não humanos (actantes), suas alianças de força, pulsão e repulsão.
A formação de Formadores Regionais e Locais apresentou-se como experiência
profícua para análise de uma rede que engendrou no seu devir os mais diversos actantes
que percorreram a cadeia de fluxos, que se atraíram, se repulsaram, se entrecruzaram,
criaram híbridos entre o projeto do Programa inicial do PNAIC e a prática pedagógica do
professor nas mais distantes escolas ribeirinhas do Estado do Amazonas.
Ivânia Marques
Secretaria de Educação – Prefeitura Municipal de Americana
marques.ivania@gmail.com
Davina Marques
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Hortolândia
davina.marques@ifsp.edu.br
Achei! Achei! Ah! Tem uma um pouquinho marrom. Tem umas... Estou separando as
diferentes, estou separando... Ah! Põe aqui junto. Folhas de múltiplas cores, gravetos de
múltiplos tamanhos, penas e peninhas, flores, cores - procurou-se, encontrou-se, separou-
se... Marcou-se o espaço com os pés. Criaram-se trilhas. Seguiram-se as trilhas. Depois,
brincar de (re)compor. Land Art em experimentação. Nas palavras de Canton (2019, p. 19),
trata-se de uma arte que não se caracteriza como sendo "de paisagem", mas sim "uma arte
feita na paisagem".
Nas conexões possíveis da educação, ensinantes e aprendentes funcionam como
engrenagens de uma máquina e funcionam como um bloco. Assim as crianças construíram,
coletivamente, seus objetos artísticos. É o que mostraremos no nosso trabalho. Mas o
vento... O vento levou! Ah....
Sebastian Wiedemann1
OLHO – Laboratorio de Estudos Audiovisuais / Faculdade de Educação - Unicamp
wiedemann.sebastian@gmail.com
Poderíamos dizer como Spinoza, O que pode um corpo? No entanto, desta vez nos
parece mais pertinente colocar o problema desde uma perspectiva pragmática. William
James, talvez diria, Como fazer com que o pensamento não abandone o corpo? ou em
outras palavras, Como não abandonar a experiência pura do pensamento que se faz corpo?
Fazer corpo com, como aquele gesto que não perde de vista as relações internas entre as
componentes que dão consistência ao próprio corpo e que por sua vez sempre é corpo de
corpos. Um desafio que exige alianças com técnicas que se recusam as abstrações e
relações externas, onde ficamos fora da experiência e do encorpar do pensamento. Torna-
se iminente a recusa a falar sobre ou a partir de. É preciso se aliar com uma preposição de
proximidade, emaranhamento e intimidade: com. Pensar com, pensar sendo parte de,
fazendo corpo com. Isto é, compartilhando o mesmo tempo e espaço, compartilhando a
mesma dimensão e superfície com os eventos que nos convidam a comparecer, a par com
eles ser, entanto devires que entre-vivem. Uma recusa do diferir cronológico para poder
abrir e intensificar um diferir e um diferencial no acontecer do acontecimento. Dar um salto
do extensivo ao intensivo. Esse ser em ato da experiência e que a faz pura, é justamente a
sua dimensão performática. Dimensão, a o mesmo tempo, de maior intensidade e de maior
fragilidade, dimensão dos gestos menores (Manning) e que exigem a instauração de novos
modos de fazer existir o pensamento como o são a prática e técnica da filosofia-
perfomance (Böhler) e do cinema performático (Bullot) e especulativo. Isto é, modos de
criar novas encenações, coreografias e até arquiteturas para o pensamento na intersecção
com a oralidade, como esse lugar de encorpamento e acoplamento, de criação de uma
continuidade na descontinuidade entre corpos e materialidades nas quais se está junto
com o próprio pensamento. Assim no contexto académico deixaríamos de habitar a
ocasião-fala/comunicação oral/palestra para estar e devir em ato com esse pensamento
enquanto acontece. Falamos ao mesmo tempo então de uma ilocalizabilidade do
pensamento que pressupõe a suspensão de esquemas perceptivos como o do par objeto-
sujeito, para se abrir a uma topologia diagramática e acentrada de fluxos contínuos e cortes
diferenciadores em relações de limites dinâmicos. Nesse entorno de turbulências e
tendências catastróficas que mantem o pensamento em movimento, é onde queremos
continuar a desdobrar o atrator perceptivo e perspectivistico que temos chamado de Azul
profundo. Um cenário e una fabulação especulativa (Haraway), onde pode se explorar,
habitar e esgotar o potencial de ecologias azuis e mais do que humanas que dão lugar a
novos modos de existência no e do pensamento. A instauração desses modos de existência
(Souriau) é o que ao mesmo tempo da consistência ao pensamento que é dramatizado e
que nesta ocasião passa pelo gesto de esculpir e dar a aparecer o Azul profundo como um
diamante cristalino. Noção poética e conceitual que queremos nutrir e fazer germinar a
partir das noções de imagem-cristal e de atual e virtual em Deleuze e em consonância com
1
Doutorando em Educação.
119
Bergson e Leibniz. O Azul profundo, como dobra e redobra infindável de uma ecologia azul
e azulante que inevitavelmente ressoa com um oceano, com uma aquosidade monadica e
incomensurável onde o virtual e atual talvez encontrem seu circuito mais ínfimo, seu
inframince (Manning), onde os possíveis em estado puro de germe e gênese proliferam e
pipocam em todas as direções e no maior grau de intensidade. Um Azul profundo que
escava e pole suas superfícies dando lugar a um diamante aquoso que fractaliza e difrata a
experiência tornando-a múltipla e mais rica. O Azul profundo como diamante cristalino,
como afirmação de processos cosmogeneticos irrestritos e que ao mesmo tempo diz que o
cosmos é um grande cinematógrafo mais do que humano. Eis aqui a premissa deste
experimento e gesto performático entre modos de experiência cinematográficos e seus
desdobramentos desabrochantes que afirmam o ponto de vista da criação. Um encontro
secreto entre Bergson e Whitehead num cinema impossível onde Deleuze
inesperadamente é o projecionista. Um filme que acontece, o Azul profundo, essa
tonalidade afetiva e intervalar que abisma o pensamento.
No filme experimental “O quarto proibido” (2015), o diretor Guy Maddin insere uma
história curta contada em formato de videoclipe, realizada em colaboração com a dupla de
produtores musicais Sparks. A história intitulada “The Final Derrière” conta a trajetória de
um homem que procura um cirurgião “especialista em luxúrias” para tratar o mal que lhe
assola: ele está “assombrado por bundas”.
Ao longo da história, o personagem é objeto das injunções de uma força pulsional
encarnada por uma personagem intitulada de “mestra paixão”, interpretada pela atriz
Geraldine Chaplin, que o açoita com um chicote virtual enquanto o sujeito delira
involuntariamente a imagem de mil traseiros.
Ao longo dessa composição audio-visual-musical-literária, o sujeito passa por três
procedimentos cirúrgicos feitos diretamente em seu cérebro, e sem chegar a um resultado
satisfatório ao final, em que o fim das imagens que modulam seu desejo é equivalente ao
fim do sujeito ele mesmo.
O tema é fantasmagórico por excelência, e mobiliza a mídia audiovisual para tornar
sensível uma dimensão do agenciamento que forma um tipo particular de individuação
subjetiva, caracterizada pela esquizoanálise de Deleuze e Guattari principalmente pelos
conceitos de rostidade e (sobretudo) ritornelo.
Neste videoclipe, Guy Maddin e Sparks agenciam corpo, cena, som, texto e uma
série de recursos de criação de imagem para expressar um jogo de modulações que
formam o agenciamento intra-subjetivo particular vivido por este sujeito assombrado por
imagens de traseiros. A poética cinematográfica de Guy Maddin é reconhecida por atualizar
uma espécie de arqueologia do audiovisual mediante mobilização de técnicas de
composição de imagem proveniente de diversas épocas do cinema, bem como de técnicas
pré-cinema.
A história a ser analisada aqui se encontra em continuidade com esta poética, e
mobilizada de modo isomórfico algumas técnicas pré-cinema para tornar sensível no plano
de expressão o que está posto no plano de conteúdo, como por exemplo, dentre outras
técnicas, a projeção de imagens de rostos sobre tecidos, típica dos espetáculos de
fantasmagoria de fins do século XVIII.
O videoclipe em questão se propõe, portanto, captar e tornar sensível um jogo de
forças virtuais que operam no fluxo de desejo do personagem, e que operam na condição
de imagens que modulam o desejo do personagem e que o fazem sofrer de um mal para o
qual ele também deseja a cura. Junto ao plano altamente sofisticado das imagens em cena,
está o texto da canção, distribuído entre voz offscreen e texto projetado na imagem como
diálogo entre os personagens.
A conjunção dos dois textos forma um agenciamento literário composto de figuras
de linguagem em que predominam analogias e ironia, como, por exemplo, nas passagens
em que a força de modulação desejante “vai com o chicote”, e na situação em que após o
121
UMA CONVERSA, O QUE É, PARA QUE SERVE: DIÁLOGO ENTRE EDUARDO COUTINHO E
GILLES DELEUZE
Marcelo Vicentin
Universidade São Francisco
marcelovicentin@yahoo.com.br
para o cotidiano, por sua vez, aponta para um gênero de produção no campo do audiovisual
que propõe uma outra natureza de narrativas, muito mais subjetiva e sensorial, bastante
distinta do cinema industrial, incorporando hibridismo como poética e linguagem, se
situando não mais na pureza do ‘ou’ encaixotante, mas assumem o advento do ‘e’
(GONÇALVES, 2014 – Narrativas Sensoriais). “E” que de acordo com Deleuze (2017 – Três
Questões Sobre Seis Vezes Dois. In: Conversações) desequilibra as relações, o ser, o verbo
etc.
Nos devires de Apichatpong, homem-macaco-fantasma, o bagre que faz sexo com
a princesa (Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas/2010), o tigre-xamã (Mal
dos Trópicos / 2004), misturam-se aos fantasmas que habitam o mundo dos vivos: Huav, a
esposa (Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas/2010), Pob (Hotel Mekong
/ 2012) reencarnação que se alimenta de entranhas, bem como a selva, o rio, a força da
natureza o movimentam para as fronteira entre realidade e fantasia, fato e ficção,
embaralham as percepções e sacudindo o evento cinema, como um acontecimento, cria
problemas, provoca o pensamento, nos põe a pensar novos pensamentos, põem em
evidencia e funcionalidade o devir no pensamento.
malha e dos fluxos contínuos da sociedade do controle. Tornou-se natural a presença das
câmeras e dos aplicativos em nossas rotinas.
Deleuze (2017, p. 220) diz que “estamos entrando nas sociedades de controle, que
funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação
instantânea”. A sociedade disciplinar, que mantém corpos presos ou confinados em locais
como escolas, hospitais, hospícios ou prisões, é atualizada por formas “ultrarrápidas de
controle ao ar livre” (DELEUZE, 2017, p. 224). Ao passo que a disciplina é descontínua,
infinita e de longa duração, fazendo-nos passar sem cessar de um espaço a outro – da
escola para a universidade, desta para a fábrica e assim até o fim de nossas vidas–, o
controle é contínuo e ilimitado. As formas de controle mudaram e os agenciamentos feitos
por essas novas formas, também.
Quais agenciamentos aquelas câmeras de segurança fazem com a praça do Ferreira
e com o que acontece na rotina desse lugar? Frequentada por diversas pessoas, de diversas
esferas sociais, a praça do Ferreira tem uma dinâmica própria. Pela manhã, bem cedo, é
possível ver a profusão de moradores de rua que vivem nela. O caminhar do dia vai dando
uma outra dinâmica que mistura transeuntes, vendedores ambulantes, trabalhadores,
comerciantes e que por essas características colocam também a praça como espaço público
em que frequentemente acontecem intervenções artísticas e de programas de saúde etc.
Há também um cinema/teatro onde acontecem festivais. Como as câmeras capturam essa
dinâmica?
Escolhemos esse espaço com público diverso para perceber os impactos que a
ciência e a tecnologia produzem. Ninguém sabia inicialmente o que estávamos fazendo ali.
As reações eram diversas: uns curiosos, outros receosos. “É fungo?”, perguntavam. “É
bactéria? O que é isso que vocês estão fazendo?”. “Vocês são da medicina?”. “O que tem
nisso ai?”. “Vocês cientistas não descobrem nada: cadê que já descobriram a cura do
câncer?”. Como essas reações se reverberam para pensamos nossas dinâmicas de mundo?
“Acreditar no mundo significa, principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos,
que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou
volume reduzido” (DELEUZE, 2017, p. 222). O que trouxemos aqui com a vídeo performance
Ponto Cego foi o que conseguimos capturar no curto espaço de tempo em que fizemos
parte da produção da dinâmica da praça para que possamos perceber como esse espaço-
tempo nos direciona a pensar na forma como estamos sendo capturados.
Flávia Liberman
Universidade Federal de São Paulo
toflavia.liberman@gmail.com
uma cartografia para então imaginar, quer dizer, criar em minha mente imagens poéticas
que funcionam em modos de metáforas que me permitem vincular-me com esse contexto
dos modos de Ver que estejam operativos nesses tempos. Procuro produz (sic) alguns
(des)velamentos desde o olhar, e uma vez gerado estas imagens, eu procuro maneiras de
levá-las ao espaço utilizando o meu Corpo como um suporte da ação e portador dessas
metáforas”. O artista nos apresenta um Corpo estendido, pendurado em carne e osso, que
rompe a rotina da cidade, mesmo silenciado, dispara perguntas que vão se (des)velando
através do confronto do expectador com a obra de arte. Um Corpo como suporte para uma
narrativa que estende o peso da própria vida. “Quanto pesa a carne? E quanto pesa a
pessoa através da carne, numa sociedade que nega e anula as pessoas?” Outras
cartografias performáticas do corpo e da carne são apresentadas nas obras do artista Fábio
Magalhães, o corpo e a carne engendram outras experiências sensoriais em que a técnica
e a poética são complementares. Carne abatida, mais ainda viva, pulsante. “Podemos dizer
que é uma espécie de uma metonímia perversa, pois afinal somos constituídos de carne.
Na carne é que se encontra o sentido de estar na vida, no mundo. É onde mora a pulsão.”
Carne humana e animal em composição inventando gestos e performances íntimas. Carne
ensacada, envelopada, uma vianda em estágio de latência introspectiva, puro devir em
oposição a qualquer equilíbrio. “My body is an image, hence a set of actions and reactions.
My eye, my brain, are images, parts of my body” (DELEUZE, 2001). Corpo-carne, elementos
extraídos da terra, movimentam uma cartografia do sensível que busca tencionar
dispositivos dados como naturais, que tentam tencionar o corpo duro e estático.
Relembrando à pergunta feita por Espinosa, citada por Deleuze: “O que pode o corpo?”,
que a todo o momento nos desafia a produzir outras escritas e leituras do gesto do corpo
através de encontros (in)esperados entre arte, ciência e filosofia. Espinosa nos responde
da seguinte forma: “A estrutura de um corpo é a composição da sua relação. O que pode
um corpo é a natureza e os limites do seu poder de ser afetado.” (DELEUZE, 2002, p.185).
Diante dessa possibilidade, instaura se um corpo que ramifica entre os espaços da natureza
e da cidade, além-terra. Parte de terra e parte de carne. Criam-se outros modos de viver e
de pensar. Um corpo que se veste de carne para habitar, na paisagem, instaurando novas
dimensões existenciais, corpo e carne nos mantém aliados da vida.
1
Professor substituto no Departamento de Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em
Psicologia Institucional pela
139
1
Cf. DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. Trad. Daniel Lins e Fabien Pascal Lins. São Paulo: Escuta, 2002,
p. 23. A posição central de Espinosa consiste em afirmar que “[…] há uma única substância que possui uma
infinidade de atributos, Deus sive Natura, sendo todas as criaturas apenas modos desses atibutos ou
modificações dessa substância.”
2
Ética, III, 2, escólio.
3
Não me valho da leitura completa e concisa da “Ética” para tal investimento.
4
Dispor a filosofia em favor de modos de variação da existência já explicita uma ética interna.
5
Cf. Deleuze, Gilles. Prefácio à Edição Americana de Diferença e Repetição. “Ter-se-á tentado falar em nome
próprio, e se terá aprendido que o nome próprio podia apenas designar o resultado de um trabalho, ou seja,
os conceitos que foram descobertos, sob condição de ter sabido fazê-los viver e exprimi-los com todas as
possibilidades da linguagem”. Trad. Luiz B. L. Orlandi e Guilherme Ivo. Traduzido originalmente de Différence
et répétition. Paris: P.U.F., 1968. No prelo.
141
de corpo interior ao espinosismo. Isso significa dizer nos encontrarmos com Deleuze-
Espinosa e nos deixarmos atravessar por suas linhas vulcânicas e nos indagarmos sobre o
que seria mais atual e pertinente do que nos perguntarmos a nós mesmos sobre “o que
pode o corpo?”.
Vê-se com Espinosa uma espécie de adiantamento do que Nietzsche faria três
séculos a frente, isto é, dedicar todo um edifício teórico-filosófico na desconstrução da
metafísica platônica e das verdades finais como fundamentações metafísicas de valores
morais, deixando claro que o conhecimento jamais poderia ser desvinculado da vida.
Inaugura-se aqui, com Espinosa, a morte de um Deus (e temos nisso uma questão também
central), pois é a partir daí e da descentralidade de uma filosofia transcendental que
podemos nos atribuir dele e minar a moral e suas implicações geradoras de afetos tristes.
A motivação básica dessa possível intersecção passa pela necessidade de estarmos
num congresso onde se traz como tema “Deleuze e Corpo”. Se tratando de corporeidades
ninguém melhor do que Espinosa propôs aos filósofos o corpo como espécie de um novo
modelo. Faço aqui esse movimento por um motivo bastante evidente. Muito se investe na
perspectiva de que Deleuze tenha consagrado belíssimos trabalhos como filósofo
posteriormente a publicação de sua tese de doutorado Diferença e Repetição, mas pouco
passou a se interrogar (talvez por já creditarmos nisso um certo esgotamento) acerca de
suas monografias. Deleuze passa da história da filosofia a filosofia propriamente dita, e
poderíamos mapear essa passagem em vários momentos de sua trajetória (estudante,
professor da educação básica etc.).
Dizia ele existir uma diferença abismal entre escrever em história da filosofia e
filosofar.
Há uma grande diferença entre escrever em história da filosofia e em filosofia. Num
caso, estuda-se a flecha ou os instrumentos de um grande pensador, suas presas e seus
troféus, os continentes que ele descobriu. No outro caso, talha-se sua própria flecha, ou
então arruma-se aquelas que lhe parecem mais bonitas, mas para tentar enviá-las noutras
direções, mesmo se a distância transposta é relativamente pequena ao invés de ser
estelar6.
De todo modo, aqui não se elimina a possibilidade da história da filosofia como
produtiva, pelo contrário, o filósofo da diferença só afirma existir uma grande diferença
entre um ato e outro. É claro que no primeiro movimento não se está fazendo filosofia
propriamente dita, mas se está estudando “as flechas”, “os instrumentos” do qual grandes
pensadores descobriram ou formularam. Deleuze não criminaliza a história da filosofia
como muitos pensaram ou quiseram fazê-lo falar em nome de seus interesses e épocas.
Seria no mínimo incongruente um filósofo que tanto se dedicou a outros pensamentos
afirmar que não se pode atribuir dos outros necessariamente aquilo que não é seu. Mas
Deleuze não só se atribui, ele se junta aos outros pensamentos e abstrai daí suas
necessidades. Ele os enraba de maneira produtiva, rouba criativamente e nos oferece essa
maneira de operar não como “modelo a ser seguido”, mas como “possibilidade”.
O que se pretende nesse artigo é mostrar como esse verbo auxilia na produção de
novos agenciamentos e como ele se associa a diferença da Ética em relação a uma Moral.
Para tanto, vamos seguir três passos dados por Deleuze para entender como Espinosa
opera na desconstrução da confusão gerada por esse par conceitual. Nesse sentido
6
Deleuze, Gilles. Prefácio à Edição Americana de Diferença e Repetição. Trad. Luiz B. L. Orlandi e Guilherme
Ivo. Traduzido originalmente de Différence et répétition. Paris: P.U.F., 1968. No prelo.
142
1
SPINOZA, B. de. Ética. Trad. Tomás Tadeu. Belo Horizonte/BH, Autêntica, 2014.
2
GALLO, S. Algumas notas em torno da pergunta: o que pode a imagem? In: DE CAMARGO, M. R. R. M.; LEITE,
C. D. P.; CHALUH, L. N. Linguagens e imagens: educação e políticas de subjetivação. Petrópolis/RJ: De Petrus
et Alii, 2014.
3
DELEUZE, G. Diferença e repetição. Rio de Janeiro/RJ: Graaal, 2006.
151
que, para Deleuze, a obra de arte não informa, não produz palavras de ordem, repetição,
recognição; ela expressa e provoca sensações, emoções. Assim, como imagem-sensação,
portanto, ela incita o pensamento, provoca a invenção e a criação. A potência do
pensamento se constitui quando a “[...] imagem não representa nada; ela é sensação pura,
puro sentido produzido na relação. E, na afecção que produz no sujeito, incita o
pensamento” (GALLO, 2014, p. 19).
De tal modo, lançamos, ainda com Gallo (2014), novas provocações para a
pergunta: o que pode a imagem? Será que o excesso de informações e fluxos de imagens
entorpece, anestesia, acelera, energiza o nosso pensamento? No encontro com as
professoras de educação infantil, esse questionamento do excesso de imagens nas nossas
vidas também foi problematizado. Elas ressaltam que, do mesmo modo que as imagens
vêm sendo utilizadas como “calmante”, para quietar as crianças, elas têm provocado,
também, muita inquietação e agitação, pois as crianças, em alguns momentos, chegam às
escolas absolutamente confusas com o excesso de imagens, precisando de espaçotempo
de aconchego e de conversa. As crianças, os jovens e também os adultos estão, cada vez
mais, envolvidos em um mundo imagético meramente informacional, assim, falta mais
tempo para conversar, pensar, se relacionar, imaginar, fantasiar e criar. Assim,
cartografamos o modo como os movimentos de invenção e de criação desse corpoescola
que se fazem e refazem, em processos de interação combinação e conexão,
acompanhando os fluxos das forças intensivas e dos agenciamentos que expandem a
potência de ação coletiva. Nesse contexto, fomos acompanhando os processos de
territorialização, desterritorialização e de reterritorialização, problematizando os silêncios,
as experimentações, os choros coletivos, as certezas e tristezas, as alegrias, as redes de
solidariedade, os conflitos – a multiplicidade, a diferença. O curta-metragem Alike4 foi
selecionado como um disparador de forças para as redes de conversas com as professoras
de dois centros municipais de educação infantil, localizados na capital do Espírito Santo.
Desse modo, este artigo mostra os modos como o encontro das professoras com as
imagens do curta Alike arrancou dos clichês uma nova imagem para as escolas, para os
currículos, para as infâncias. O artigo argumenta que o encontro com as imagens
cinematográficas em redes de conversações com as professoras provoca afecções que
possibilitam o movimento de pensamentos, expandindo, assim, as forças ativas, a potência
de ação coletiva, os processos de formação inventiva e os movimentos curriculares. A força
das imagens do curta Alike rompe como fluxo intensivo, possibilitando o intempestivo, as
insurreições que expandem a potência de ação coletiva e o deslizar do pensamento
nômade. Os devires, que pedem passagem por meio da imagem-cinema que desaloja o
pensamento, permitem o encontro com as diferenças que habitam os cotidianos da
educação infantil. As professoras, diante das perguntas, dos conflitos de ideias, das trocas
de experiências, reacendem a vontade de potência, multiplicando-se entre os desejosos
devires, dizendo sim para a vida.
4
ALIKE. Direção: Daniel Martinez Lara e Rafa Cano Méndez. Madrid: La Fiesta – produções cinematográficas,
2016
152
1
Licenciatura e Bacharelado em História (DECIS/UFSJ). Mestrado em Educação (PPEDU/UFSJ). Doutorando
em Educação (PPGE/UFJF).
2
Licenciatura e Bacharelado em Teatro (DELAC/UFSJ). Pós-Graduação em Ensino de Artes Visuais
(EBA/UFMG). Mestranda em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade (PIPAUS/UFSJ).
3
SCARELI, Giovana; FERNANDES, Priscila Correia. Cinema e cotidianos e pesquisa em educação. Quaestio,
Sorocaba, SP, v. 18, n. 1, p. 15-33, maio 2016
4
NA NATUREZA SELVAGEM. Direção e Produção: Sean Penn. EUA: Paramount, 2007. (148min.)
5
DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução: Peter Pál Pelbart. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2013.
6
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.
153
também nestas questões com o livro O Mestre Inventor7, de Walter Kohan (2015), onde o
protagonista, o professor Simón Rodríguez, assegura que o caminho para a transformação
é pensar por si próprio e não imitar. “A alternativa é sempre uma e a mesma: de um lado,
a criação, a invenção, o pensamento, a vida, a liberdade; do outro, a reprodução, o erro, a
imitação, a opinião, o servilismo” (KOHAN, 2015, p. 70). Parafraseando Walter Kohan,
concluímos que em todas as situações precisamos inventar, não existindo outro caminho,
“é preciso inventar porque imitar pode significar reproduzir a estrutura de dominação e
extermínio que vem prevalecendo durante séculos.” (KOHAN, 2015, p. 76).
Para pensarmos com o filme selecionaremos fotogramas e utilizaremos os
princípios do método documentário de análise de imagens, proposto por Ralf Bohnsack
(2010), principalmente no artigo intitulado A Interpretação de Imagens Segundo o Método
Documentário8. O referido método busca identificar o maior número possível de níveis
imagéticos que compõem a fonte, buscando o deslocamento do sentido literal das imagens
para o sentido documentário. O autor sugere uma série de passos para a análise, que são
inspirados fundamentalmente pelas análises iconográfica e iconológica, de Erwin Panofsky,
e icônica, de Max Imdahl. A análise pode ser dividida em passos, que são: discriminação da
fonte; análise pré-iconográfica; análise iconográfica; composição formal; interpretação
icônico-iconológica e, por fim, os elementos textuais.
Ademais, partindo do filme, pensaremos com os conceitos de Gilles Deleuze,
especialmente o de máquina de guerra, atravessados pelas propostas do evento e também
pela pergunta: o que pode o cinema na educação? Procuraremos relacionar e situar o
estudo também dentro da proposta do evento, de buscar caminhos outros, fluxos outros,
que possam movimentar nossas pesquisas e escritas acadêmicas.
7
KOHAN, Walter. O Mestre inventor. Relatos de um viajante educador. Tradução: Hélia Freitas. Belo
Horizonte: Autêntica. 2015.
8
BOHNSACK, Ralf. A interpretação de imagens segundo o método documentário. IN WELLER, Wivian; PFAFF,
Nicole (orgs.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes,
2010.
154
Romualdo Dias
Unesp/Rio Claro
romualdo.dias@commonactionforum.net
Chala não seja encaminhado a um internato, e não permite que a supervisão social e
educacional interfira na vida do menino, já que estes poderes institucionais, segundo
Carmela, não sabem como é a vida real do aluno; a segunda, em que a educadora deixa
que a menina Yeni pregue um santinho de Nossa Senhora da Caridade do Cobre no mural
da sala, lembrança esta deixada como presente pelo amigo de classe Camilo, antes de sua
morte, ocorrida dias antes. Como em Cuba não é permitido símbolos religiosos em
repartições do Estado, Carmela assume o risco de infringir a lei para que o sentido daquele
acontecimento de Yeni não fosse sufocado pelas normas.
Gostaríamos de analisar estas duas situações vividas pela personagem Carmela por
meio do eixo da diferença encontrado no pensamento de Gilles Deleuze. A filosofia da
diferença nos arranca das convenções que constituem a vida social, e nos lança nos riscos
e incertezas da intempestividade e da intensividade do acontecimento, no devir da
diferença. A diferença deleuziana abre uma fratura no espaço-tempo, na história
cronológica, nos permitindo pensar uma educação outra, do acontecimento, para além dos
rizomas estruturais do poder. A diferença nos permite pensar as pessoas em sua
singularidade e não por meio de categorias universais. Entendemos que Carmela opta pela
via da diferença em seus encontros com os alunos, em especial, Chala e Yeni. A professora
implode os fundamentos e as táticas do poder de estado, por debaixo, bem ali onde o
controle não dá conta de alcançar seu objeto de perseguição: a diferença-acontecimento-
singularidade. Se entendermos que o educar ocorre nas ressonâncias de corpos vivos e
reais, então o mais importante é o que está no “entre”, naquilo que não se diz em uma
política educacional, ou que não se vê na mensuração de uma avaliação, ou que não se
conceitua em um boletim, mas que está na escola. Nisso, podemos aprender muito com a
personagem Carmela. Não estamos sugerindo que ela se coloque como um modelo a ser
seguido, pois se assim o fizéssemos já estaríamos eliminando a diferença. Atentamos para
sua maneira de viver o acontecimento, a singularidade dos alunos, e, portanto, de fiar-se
no “entre”, que nos leva a pensar na constituição do educador radicalizando a diferença,
compondo-nos Máquina de Guerra, criadoras de fluxos de intensidade que possibilitem
outras maneiras de vida para além da estrutura social. Encontrar-se com uma singularidade
está implicado em testemunhá-la, em fazer o caminho dela, com ela, e não em determinar
o que ela tem que ser, julgando-a de maneira ausente. Valorar uma singularidade pelo
testemunho não é o mesmo que valorar pela imposição de uma moral social. Aí está o
disruptivo de Carmela em relação ao corpo institucional da educação. A professora Carmela
não se esquiva de se deixar afetar pelos dois educandos, Chala e Yeni, vivos, de carne e
sangue, não se permitindo capturar pelas políticas, normas e leis que fazem da gestão e da
supervisão escolar um lugar institucional que lida apenas com corpos de linguagem criados
pelo Estado para “equivaler” aos corpos vivos. Viver a educação-acontecimento-afeto-
singularidade, conforme nos leva a pensar a filosofia da diferença de Deleuze, exige um
cuidado-de-si ou uma criação do Corpo Sem Orgãos do educador, na medida em que só
pode se dar subterraneamente, rizomaticamente, por meio de contraefetuações, cuidando
para que não seja capturado pelas táticas homogeneizantes do poder.
A presente proposta busca articular-se à temática do evento produzindo um
atravessamento de fluxos, acoplamentos entre a máquina-Numa Escola de Havana, a
máquina-pensamento de Deleuze, a máquina-Educador e a máquina-educando.
O acontecimento, encontro com a diferença e alteridade é a condição originária de
todo e qualquer processo educativo e que problematiza nossa existência e nosso
156
pensamento enquanto educadores orquestrados por uma ordem jurídica e legal do Estado
que eliminam tal riqueza do acontecimento. O pensamento de Deleuze e ao filme Numa
Escola de Havana elevam nossa potência de criar uma vida docente mais intensa, cuidadosa
e de afetação.
Eder Amaral1
Departamento de Filosofia e Ciências Humanas, Área de Cinema e Audiovisual
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
ederamaral@uesb.edu.br
simples. Acho que as aulas têm equivalentes em outras áreas. Uma aula é algo que é muito
preparado. Parece muito com outras atividades. Se você quer 5 minutos, 10 minutos de
inspiração, tem de fazer uma longa preparação” (L’ABÉCÉDAIRE..., P comme professeur).
Com humor, Deleuze explica que “é preciso estar totalmente impregnado do assunto e
amar o assunto do qual falamos. Isso não acontece sozinho. É preciso ensaiar, preparar. É
preciso ensaiar na própria cabeça, encontrar o ponto em que... É como uma porta que não
conseguimos atravessar em qualquer posição” (id. ibid.). Não é de se espantar a dificuldade
deste professor com as portas, sejam elas as da sala de aula ou do pensamento. É que ao
nos aproximarmos, de olhos e ouvidos abertos, nos damos conta que não há nada que
garanta se tratar de um ser humano a siderar a audiência que o confina num ponto ínfimo
da sala, espremido entre a mesa e o quadro, espaço ainda assim mais que suficiente para
a efetuação do seu intrigante procedimento. Como bem soube dizer Claude Jaeglé em seu
primoroso retrato oratório de Gilles Deleuze (JAEGLÉ, 2005), em realidade, é mais um Ogro
que ali profere seu prodigioso ensino, buscando a posição precisa em que se torna possível
passar, fazer passar o pensamento. A articulação deste trabalho com o VIII Seminário
Conexões passa por três caminhos simultâneos, a saber: a leitura do ensino de Gilles
Deleuze como obra em curso; a afirmação da aula como procedimento que performatiza
seu pensamento e sua escrita; a problematização da imagem entre cinema e pensamento
no professor de Vincennes. Esta pesquisa é parte do projeto de pesquisa “Constelações do
problema da imagem no pensamento contemporâneo”, realizado no âmbito do Curso de
Cinema e Audiovisual da UESB, e investiga conexões entre cinema e pensamento na
perspectiva da filosofia da diferença, em especial a partir dos cursos e obras de Gilles
Deleuze a respeito do pensamento cinematográfico, concentrando-se atualmente na
preparação da tradução para o português dos quatro Cours sur le cinéma.
1
CARVALHO, J. M. O Cotidiano Escolar como comunidade de afetos. Petrópolis, RJ: DP et Aliii; Brasília, DF:
CNPq, 2009.
2
DELEUZE, G. Proust e os signos. Tradução: Antônio Pichet e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2003.
3
PARAÍSO, M. A. Um currículo entre formas e forças. Educação, Porto Alegre: Faculdade de Educação/UFRGS,
v. 38, n. 1, p. 49-58, jan./abr. 2015.
160
das escolas, expandindo a potência de ação das professoras. Ou seja, faz sacudir a poeira
dos Cmeis e embalançar os currículos e os processos de formação de professoras. Rolnik
(2007, p. 23)4 acena como tarefa do cartógrafo “[...] dar língua aos afetos que pedem
passagem”. Deleuze e Parnet (1977), por sua vez ensinam que, para encontrar, não há
método, porém requer uma longa preparação. Inspiradas nessas ideias-força adentramos
nos cotidianos de dois Cmeis munidas de planejamento, mas abertas ao inusitado. Com o
olhar à espreita e atentas aos devires, aos afetos e às forças que suscitariam dos encontros
com as imagens, buscamos cartografar o que se passa entre os corpos e acompanhar as
emoções, as sensações, os agenciamentos que promovem as invenções curriculares
cotidianas. Cada encontro apresentava uma peculiaridade, pois cada espaço, e,
principalmente, cada instante, se apresentam com a sua singularidade. O cotidiano escolar
é campo micropolítico que consiste na criação de agenciamentos intensificadores dos
processos de singularização, que produzem uma energia do desejo que movimenta
indivíduos e grupos, possibilitando processos de desterritorialização, reterritorialização e
criação. Para Deleuze e Guattari (2012)5, não há território sem aberturas, linhas de fuga,
vetores de saída. A desterritorialização ocorre por meio dos movimentos criados pelos
agenciamentos na operalização das linhas de fuga e a reterritorialização se constitui como
novos agenciamentos maquínicos de corpos e coletivos de enunciação. Vale ressaltar que,
sempre que houver movimento de desterritorialização, haverá movimento de
reterritorialização, ou seja, esses processos são indissociáveis. Percebemos, portanto, que
o encontro com as imagens cinematográficas em redes de conversações possibilitou pensar
questões importantes para a educação infantil, principalmente, desnaturalizar “verdades”
que circulam nos discursos educacionais por meio do encontro do pensamento com um
outro, “[...] que é o seu ‘fora’, mas não um fora que ele então representaria, como na teoria
clássica da representação e do signo” (TADEU, 2002, p. 50)6, mas um fora que inverte a
ordem, muda os sentidos. Ainda nessa direção, como reforça Tomaz Tadeu: “Não, esse
signo não representa nada, nem ninguém”. Trata-se, sobretudo, “[...] de um outro que
emite um signo que é o ainda não pensado, o impensável, intempestivo, o extemporâneo”
(p. 50). É o inusitado – que surge com os afetos que emergem das imagens-cinema.
Acreditamos ser possível pensar o inimaginável para a escola, para as infâncias, para os
currículos, para a educação – pensar na e com a diferença, quando suscitamos a quebra
dos clichês que carregam alguns regimes de “verdades” para a escola.
4
ROLNIK. S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina;
Editora da UFRGS, 2007.
5
DELEUZE. G; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. Rio de Janeiro: Ed.34, 1997/2012
6
TADEU, T. Arte do encontro e da composição: Espinosa + Currículo + Deleuze. Educação & Realidade. Porto
Alegre: Faculdade de Educação/UFRGS, v. 27, n. 2, jul/dez. 2002.
161
Como se escreve desmontando os órgãos? O que Clarice Lispector pode nos ensinar
com sua maquinaria do ato de escrever? O que se passa entre Deleuze e Lispector? A escrita
solicita uma linguagem, assim como uma posição diante do mundo e diante daquele que
exerce a arte de escrever como um modo de forjar meios, maneiras de pensar, de ser e de
existir, daí seu posicionamento ético e estético. Deleuze, amante da literatura, percorre a
escrita que passa pela gagueira e pela linguagem que cria variação. A escrita é vida e com
ela é possível acionar os devires, mesmo os mais imperceptíveis. Lispector não receia em
afirmar que escreve mobilizada pelo aberto, pelo impulso, em que as sílabas são cegas e os
sentidos passam pelo corpóreo, sendo que o labor da poética passa por uma vibração e a
palavra vem em sombras, em cores turvas, elas mudam de cor, de tom e de luz. Se a palavra
pode ter o poder de libertar a imaginação, ela também abre o vazio, uma ausência, aquilo
que nunca pode ser dito, pois a palavra foge de sua nomeação. A letra ao produzir palavra,
ela aparece trêmula, fragmentada e turva. Escrever é um caso de corpo e movimento, é
um caso de desmontagem dos órgãos e dos organismos; escrever é libertar a vida das
clausuras, promovendo uma experimentação com todos os sentidos, gerando um novo
corpo, outra forma de entendimento com o mundo. Não é nada fácil escrever, pois passa
por todo um processo de recolhimento, de escuta, de coletas de materiais, de estudo, de
observar o mundo, de olhar aquilo que se chama realidade para então “pela límpida
abstração de estrela do que se sente – capta-se a incógnita do instante que é duramente
cristalina e vibrante no ar e na vida” (LISPECTOR, 1998, p. 10). Clarice Lispector nos ajuda a
pensar quando questiona as regras, as normas, os enquadramentos, as formatações no ato
de escrever. Não se aprende a escrever por modelos pré-fabricados, escrever é ensaiar,
repetir, tentar, insistir, deixar passar a palavra que não vem inteira, a linguagem não fecha
a comunicação... Há uma luta diária com a palavra, com o que deseja ser dito, a palavra
corre, não se diz de um golpe só, escrever é labutar com os órgãos. Lispector inspira aquele
que lida com essa difícil arte de produzir um corpo com as palavras o “ato de escrever é
como quebrar rochas” (LISPECTOR, 1998, p 19). O corpo percorre a maquinaria de algo que
o atravessa e o deixa em espanto, a escrita passa por uma agitação, algo passa pelo corpo
que não pode ficar internalizado como se a mesma solicitasse uma espécie de saúde.
Nietzsche, em sua obra Ecce Homo (2003), afirma que foi no período de maior declínio de
seus órgãos que ele estava com maior atenção para sua saúde. Escrever para Nietzsche
passa pela vida e pela saúde. Escreve-se porque o corpo não aceita sucumbir aos poderes
tristes. Na mesma esteira, Deleuze, coloca que escrever é um atletismo corporal como se
escrever fosse produzir uma saúde. A escrita é uma forma de fazer o corpo se relacionar
com as coisas, com os objetos, com o pensamento, com os sentidos. A escrita é uma
máquina produtiva de fuga, porém fugir não é negar o mundo, ao contrário, é criar mundos
162
possíveis, um povo por vir. Deleuze, amante da escrita e da literatura, afirma que escrever
passa por uma clínica e uma crítica. Escreve-se porque algo atravessa o corpo, escreve-se
porque o mundo nos espanta, escreve-se porque alguma coisa incomoda. Assim, escrita é
marcada por uma angústia, uma maquinaria de desfazer o organismo, há nesse desfazer a
composição de outros órgãos por meio de uma coleta das existências mínimas, anotações
em fragmentos, o silêncio povoado. Lispector em suas obras não deixa de falar do ato de
escrever, fazendo o leitor sentir um corpo agitado, em que as palavras estão quase sempre
por fazer. Ela fala de seus gostos, de seus passeios por entre pessoas, livros, galerias e
leituras... E chega a indicar que não há um tempo para escrever, o seu tempo de escrita é
prolongado, deve ser cruzado por vários dispositivos que possam acionar o seu corpo,
agitar o seu pensamento... Não se escreve sem agitação, pois “escrever o aprendizado é a
própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós” (LISPECTOR, 2008, s/p). Aquele que
escreve compõe seu próprio ato, inventa seu próprio aprendizado do tempo. Deleuze
atravessa a literatura e outras artes, afirma em sua obra Crítica e Clínica (1997) que a
literatura é vida. Ora, o que Deleuze quer defender em várias de suas obras é a necessidade
de pensar em uma outra forma de produzir a escrita não dogmática, passando pela a
invenção de um modo de expressão. A escrita deve desmobilizar os órgãos, descongelar o
sangue que pulsa nas veias para criar outra língua. A literatura entra no pensamento de
Deleuze para operar um modo de fazer filosofia, um modo de produzir um estilo, um
pensamento que passe pela diferença. Para isso, é necessário compor também um outro
modo de fazer/pensar a escrita. O ensaio não compara os autores, antes deseja fazer passar
sons em uma temática cara para ambos. A escrita faz nascer palavras, forjar linguagem,
mas também produzir um corpo a partir de seus vazios e fragmentos. Como máquina de
desfazer os órgãos, a escrita exige do corpo daquele que escreve, uma agitação dos órgãos
para pensar.
1
Doutoranda em Teoria e História Literária (PPGTHL-IEL/Unicamp). FAPESP. Processo número: 2018/18988-
6).
164
Que forças mobilizam a escrita? Por que escrever? O que leva o escritor a dedicar
toda uma vida à escrita? Estas inquietações movimentam este ensaio, o qual pretende
tecer o seguinte argumento: escrever é uma necessidade vital do corpo. O que é vital para
um corpo? Para a Biologia, o oxigênio, a água, a luz solar e o alimento funcionam como
elementos vitais para a manutenção do corpo, a ausência de qualquer um destes
impossibilitaria a vida. Aqui, porém, o corpo é pensado para além da perspectiva
organicista. O corpo é, na esteira de Nietzsche, “uma grande razão, uma multiplicidade com
um único sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor” (1977, p. 51), trata-se
de uma multidão, jogo de forças. Este se define pela sua capacidade de afetação, por isso,
paira sobre ele uma plasticidade, promovendo um embaralhamento da organicidade; ele
se assemelha ao corpo da criança recém-nascida, um corpo vitalista em expansão de forças,
cuja forma não é fixa, um corpo que ainda não conhece as regras e os limites; o que o
atravessa são blocos de intensidades e afetos. Assim, para este corpo não-biológico, o vital,
isto é, aquilo que é necessário à vida, não é mais da ordem das ligações químicas orgânicas
e inorgânicas, o que o alimenta e o nutre são os desejos, os afetos, os signos... Tudo aquilo
que o toca, que o arrasta para o deserto, que o estremece, que produz movimentos,
deslocamentos. O que é vital para esse corpo são os signos que o violentam, são os blocos
de afectos e perceptos, estes, para Deleuze e Guattari (2010), são movimentos criadores
proporcionados pela Arte e suas múltiplas variações: a literatura, o teatro, a música, o
cinema... Nessa perspectiva, o ato de escrita é, também, o alimento para o corpo do autor,
um corpo vivo afetado por uma necessidade demasiadamente irresistível de sentir o
mundo, de habitá-lo por meio da palavra. Escreve-se com o nosso corpo, diz Lispector “Eu
não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida. As
palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, renda, música
transfigurada de órgão” (LISPECTOR, 2008, p. 16). Por essas linhas escrever é uma
necessidade vital, pois segundo Deleuze (1999, p. 3) “um criador só faz aquilo de que tem
absoluta necessidade” (DELEUZE, 2011, p. 3). O ato criador de Lispector era atravessado
por uma força estranha, um impulso que movimentava seu corpo “Por que escrevo?...
Escrevo, portanto, não por causa de uma nordestina mas por motivo grave de “força
maior”, como se diz nos requerimentos oficiais, por força de lei” (LISPECTOR, 2008, p. 16);
“É nesse, sentido, pois, que escrever me é uma necessidade” (LISPECTOR, 2008, p. 155);
“Quero apenas avisar que não escrevo por dinheiro e sim por impulso” (LISPECTOR, 2008,
p. 1). A escrita como resistência e desmontagem do corpo orgânico, ela é sempre um caso
de experimentação, uma força que anima o corpo, desterritorializando-o e
territorializando-o “Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto
mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria
simbolicamente todos os dias” (LISPECTOR, 2008, p. 21). Escrever é um exercício de fuga,
168
constante movimento, uma luta diária contra as codificações fixas ou, ao modo de
Espinosa, contra as paixões tristes, aquelas que enveredam o corpo para o seu declínio,
para a escravidão de um corpo sem vida. Essa batalha que o escritor trava todos os dias,
em prol de um corpo vivo, não é uma tarefa fácil, é doloroso desvencilhar-se dos estratos
sociais “Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rocha” (LISPECTOR, 2008, p. 19).
Caio Abreu diz que escrever é “Tirar sangue com as unhas... Mas tem que sangrar
abundantemente. Você está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É uma solidão
assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos
salvar da loucura, do suicídio, da autoanulação: um sentimento de glória interior. Essa
expressão é fundamental na mina vida (ABREU, 2015, p. 216). Em outra passagem o autor
narra: “eu escrevo por uma espécie de deficiência de viver a vida real, objetiva [...]. É uma
coisa para completar esse vácuo entre a coisa vivida e a observada. Escrever me dá a
sensação de que eu vivo intensamente”. Encontramos, portanto, nesses escritores,
Lispector e Abreu, o ato de escrita e criação como um modo de vida, na esteira de Foucault,
um exercício fundamental do cuidado de si. Escrever é um mergulho no mar profundo,
onde o autor nadar contra a corrente, chocando-se com as ondas, afinal é na violência do
encontro entre corpo e signos que o pensamento dar a pensar “A escrita, é uma violência,
um rapto; é uma metamorfose dolorosa do corpo que contém uma soma de espiritualidade
violenta e suscita uma aparente desordem extraordinária” (LINS, 2002, p. 67). O ato de
escrita é um encontro com a vida que passa pela experimentação de si e do/no outro, um
movimento de variação contínua, um exercício de torna-se outra coisa. Por isso, dirá
Deleuze (2011, p. 11), que “Escrever é um caso de devir”, uma pintura inacabada, uma
passagem pela vida, um processo. Esse autor invoca a criança, a mulher, o animal, os grupos
minoritários, pois escrever é entrar em zonas de vizinhanças com aquilo que foge aos
grandes blocos molares: homem-adulto-heterossexual. Uma escrita-devir passa pela
resistência à forma homem e suas classificações dicotômicas, libertando o corpo para criar
outra prática de vida, ainda que nas palavras, o corpo do autor, que experimenta uma
escrita-devir, tornar-se uma dobra, inventando outros modos de existência, uma vida mais
intensa. Assim, o escritor potencializa o seu corpo vivo se misturando, através da escrita,
com os estilhaços do animal e da criança e da mulher e, e, e... Estas são algumas das
provocações que desejamos partilhar, juntos, em um máximo de alteridade, no VIII
Seminário Conexões: Deleuze e Corpo e Cena e Máquina e...
Deleuze & Guattari, ao longo de sua obra, citam vários temas relativos à bruxaria e
afins. Em “Mil Platôs”, conceituam a partir de Carlos Castañeda, que conta suas
experiências com o bruxo Don Juan, cujos conceitos de tonal e nagual ressoam com os
conceitos bergsonianos de atual e virtual. Além disso, repetem como um ritornelo a
afirmativa “nós, os bruxos”, na citação ao yoga, na exemplificação do Tao enquanto plano
de imanência e, finalmente, colocando a bruxaria como a pragmática da multiplicidade
virtual. Em “O que é filosofia?” escrevem “pensar é sempre seguir a linha de fuga do vôo
da bruxa”. Nosso trabalho se propõe a identificar esses momentos na obra de Deleuze &
Guattari e colocando em ressonância com o Hermetismo, filosofia mística medieval que se
desdobra a partir da filosofia de Plotino, emergindo o que nomeamos de “bruxaria
deleuziana”, apoiado em uma bibliografia contemporânea, que se dedica ao tema.
Alguns autores se dedicam a confluir mais intensamente a filosofia deleuziana com
temas ligados à bruxaria e ao hermetismo: os ingleses Joshua Ramey e Matt Lee, o coletivo
argentino Estación Alógena, para citar alguns. Os novos estudos sobre Esoterismo
Ocidental do historiador Wouter Hanegraaff, entre outros, ajudam a fornecer uma
consistência inédita para essa empreitada. Eu defendi em 2012 a minha tese que se tornou
o livro “Confluências entre magia, filosofia, ciência e arte” a Ontologia Onírica” de 2013,
que foi pioneiro em tratar dessa temática no Brasil.
Os meus estudos acerca dos aspectos herméticos na obra de Deleuze & Guattari e
também inspirado em seu conceito de Corpo sem Órgãos, desenvolvi o chamado “exercício
em vortex”, mistura de meditação hindu e estado vibracional, oriundo do esoterismo
ocidental, que entra em ressonância, sob um viés transdisciplinar, com a proposta de
“performance”. Outra articulação é sobre o conceito de Deleuze & Guattari de máquina
abstrata, que ressoa com as forças conjuradas pelas bruxas. Dito de outra forma: o conceito
de máquina abstrata oferece uma consistência ontológica para muitas operações mágicas,
posto seu caráter de auto-organização trans-espacial e trans-temporal de forças.
Sobretudo a partir da obra de Ramey percebemos que Deleuze instala-se na
tradição dos filósofos herméticos, ligando-se a Plotino, que nos leva aos filósofos
herméticos medievais, Nicolau de Cusa e Giordano Bruno. Um filósofo como Deleuze, que
cita Plotino diversas vezes na obra e se dedica intensamente a Spinoza e a Bergson,
necessariamente possuirá alguma ressonância com os autores herméticos. Plotino é a
principal inspiração dos textos do Corpus Hermeticus, famosa compilação de textos
herméticos; Spinoza bebeu nessa fonte, e Bergson rende tributos a Plotino, a Spinoza e a
toda a tradição mística da filosofia. Além disso, se Matt Lee considera o bruxo do início do
século XX Austin Osman Spare como a bruxaria (imanente) que mais ressoa em Deleuze,
inevitavelmente chegaremos ao desdobramento contemporâneo da bruxaria de Spare: a
Magia do Caos, em que seu criador, Peter Carroll, cita com desenvoltura autores afins de
Deleuze, como Giordano Bruno, Spinoza, Leibniz e Whitehead, além de criar uma bruxaria
contemporânea desprovida (ao menos em sua proposta) de representação. Vale
mencionar o trabalho da antropóloga T. M. Lhurmann que observa em sua etnografia que
170
Tecemos aqui a arte da (re)existência forjada pelo Grupo de Pesquisa Philos Sophias
que tem movido pesquisadorxs, educadorxs, estudantes, pessoas que experimentam a
Filosofia da Diferença em suas produções acadêmicas, escritas livres e vivências cotidianas
na cidade de Bagé (RS) e na Universidade Federal do Pampa a qual estamos vinculados
como grupo de pesquisa. Grupo que constitui relações rizomáticas entre si, os lugares e
outrxs grupos intercessores dessas artes, constituindo o plano de imanência em que
buscamos nos libertar do peso da tradição e cultura acadêmica, do ensino e da pesquisa
operados “à luz” de epistemes modernas que insistem em nomear, classificar e segregar a
produção de conhecimentos, polarizando ciência e emoção, ciência e vida, e que
estabelecem regimes de verdades e governo dos corpos. Perserverar na vontade de
potência que nos move a experimentar essa arte de philosophar entre amigxs atravessados
por leituras, conversações e performances que realizamos na UNIPAMPA, nas praças,
parques, lares e outros lugares quando visitamos outras cidades, estados, regiões e
participamos de eventos que conectam intersessores, são linhas pelas quais traçamos
nossa existência nesse lugar e além dele. Territórios e desterritórios de compartilhamento,
de produções e experiências ativadas pelas teorizações de Nietzsche, Foucault, Deleuze e
Guattari que intensificam nossa coragem em viver e criar micropolíticas de perceptos e
afectos político-estéticas de cuidado de si. Pois, com Foucault aprendemos que as culturas
ocidentais e as epistemes modernas engendram tecnologias de poder e saber e biopolíticas
de controle que têm na população seu objeto, na economia seu saber mais importante e
na segurança seus mecanismos básicos. Práticas fascistas que atuam no governo das
condutas e capturam corpos individuais e coletivos para preservação da ordem social.
Produção delirante de máquinas desejantes, onde o desejo sinaliza algo que nos falta e nos
faz organismo no seio da produção capitalística, como nos dizem Deleuze e Guattari. Mas,
também dizem tratar-se de um simulacro. pois ao desejo nada falta, desejo é potência que
nos move à criação. Problematizar os códigos morais, transgredi-los e, inventar espíritos
livres que se elevem além da condição humana precária e servil, é o convite que Nietzsche
nos faz. Pois, o governo dos corpos e das mentes não se dá plenamente em termos dos
códigos sociais vigentes. Cada máquina desejante opera por cortes de fluxos em relação às
outras, estabelece diferentes conexões, escapa, resiste, se metamorfoseia. Nisso reside a
potência de produzir outras existências. Todo um jogo de subversão que, ao contrário de
nos fixar ao mundo tal como o percebemos, nos permitem inventar outros mundos, outras
existências, outros corpos, intensificando fluxos dissonantes ao combater o fascista que
também habita cada um de nós. Lançamos mão dessa maquinaria filosófica para colocar o
pensamento em fluxo e operar cortes, desesteritorializar pensamentos, discursos, relações
de poder e saber que possam nos imobilizar e abrir linhas de fuga que nos permitam
transpor a tradição de um cientificismo positivista, estruturalista ou mesmo marxista,
dialético, fenomenologico, existencialista e tantas outras formas de pensar baseadas na
interpretação, em identidades, nomeações e categorizações. Para isso, contamos com
Deleuze, pois descobrimos a partir dele a filosofia como criação de conceitos (maquinaria
172
trata-se de um corpo intenso, um corpo que resiste ao desejo, que faz militância às
maquinações impostas pelo Estado. É um corpo sem imagem, mas que é produzido no
próprio lugar, a seu tempo. Dentro desta perspectiva Deleuze e Guatarri (1997) trazem o
conceito de espaço liso e espaço estriado, no espaço liso esse movimento se caracteriza
nômade e vai constituindo um corpo na medida que ele consiga resistir e criar uma
desterritorialização do seu próprio espaço, já o movimento estriado é de reprodução e vai
de um ponto a outro, caracterizando um espaço homogêneo (RUIDIAZ, 2015). Dentro do
espaço estriado é possível criar diversas subjetivações que atravessam o corpo, porém, é
difícil avaliar as potencialidades criadoras desse espaço, onde se tem uma visão global e
um tanto relativa, enquanto isso no espaço liso a visão é local e absoluta, no local o espaço
não é visual, ou melhor, o próprio olho tem uma função háptica e não óptica (DELEUZE;
GUATARRI, 1997, vol. 5). Sendo assim, é necessário destrinchar o lugar, fazer fissuras e se
interrogar sobre os possíveis significados imersos na cultura local, pois é no lugar que a vida
vai fluindo e o que nos faz pensar como o lugar está relacionado com o corpo e com a
história do corpo, reconhecer que a paisagem do rio vem sofrendo modificações devido às
ações exploratórias na Amazônia, na medida que há alterações na paisagem há também
transformações nesse corpo amazônida, e isto tem posto em choque a dimensão cultural
do ribeirinho, que busca agora fazer travessias rio-mar no intuito de buscar linhas de fugas,
e construir sua própria máquina de guerra, como um ser nômade que não deixa o estado
se apropriar da função de “dirigir” essa máquina, mostrando a importância da potência de
um corpo que resisti.
um segundo deserto sobre o deserto, e o seu coração se cansará de andar. Quando surgir
então para ele o sol matinal, ardente como uma divindade da ira, quando para ele se abrir
a cidade, verá talvez, nos rostos que nela vivem, ainda mais deserto, sujeira, ilusão,
insegurança do que no outro lado do portão — e o dia será quase pior do que a noite”
(NIETZSCHE, 2000, p.181). Em todos os casos, tem-se a máquina de guerra como
provocação inventiva ante ao pensamento dominante, causador de processos identitários.
A guerra se faz para pensar o múltiplo e a diferença. Uma vez que, “a máquina de guerra é
invenção dos nômades”, estes criam pensamentos em fluxo, atrelado a vida, ao devir
constante, caminhando por territórios outros, espaços lisos, de resistência e criatividade.
A força do nômade está no deslocamento errante, que transita de um lugar a outro, no
aleatório e no provisório, sem se fixar à destinação, sem a orientação da dominação
racionalista, transcendente e metafísica. O nomadismo é uma espécie de reinvenção de
outros mundos possíveis. O nômade trilha o caminho da inspiração, de encontros
ressonantes de múltiplas sensações na produção de pensamentos. Algo evidente na trilha
sonora de inúmeras composições do rock, como, por exemplo, a música Infinita highway,
da banda Engenheiros do Hawaii, que ilustra bem esse nomadismo, em especial no trecho:
“Ninguém por perto, silêncio no deserto/ Deserta highway/ Estamos sós e nenhum de nós/
Sabe exatamente onde vai parar/ Mas não precisamos saber pra onde vamos/ Nós só
precisamos ir/ Não queremos ter o que não temos/ Nós só queremos viver/ Sem motivos,
nem objetivos/ Estamos vivos e isto é tudo/ É sobretudo a lei/ Da infinita highway”.
Sobretudo na infinita estrada do nômade andarilho errante, pois, “isso bem pode acontecer
ao andarilho; mas depois virão, como recompensa, as venturosas manhãs de outras
paragens e outros dias, quando já no alvorecer verá, na neblina dos montes, os bandos de
musas passarem dançando ao seu lado, quando mais tarde, no equilíbrio de sua alma
matutina, em quieto passeio entre as árvores, das copas e das folhagens lhe cairão somente
coisas boas e claras, presentes daqueles espíritos livres que estão em casa na montanha,
na floresta, na solidão, e que, como ele, em sua maneira ora feliz ora meditativa, são
andarilhos e filósofos. Nascidos dos mistérios da alvorada, eles ponderam como é possível
que o dia, entre o décimo e o décimo segundo toque do sino, tenha um semblante assim
puro, assim tão luminoso, tão sereno-transfigurado: — eles buscam a filosofia da manhã”
(NIETZSCHE, 2000, p.181).
Leomar Peruzzo
Universidade Federal do Paraná- UFPR
leomarperuzzo@hotmail.com
1
O tempo Aion é um tempo incorporal que cruza o tempo atual com o virtual; todavia esta é uma questão
será aprofundada caso o artigo seja aprovado e possa ser publicado. Ver: Deleuze, Gilles. Lógica do Sentido.
2009, p. 167.
187
1
BARTHES, R. A morte do autor. In: O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1998. P. 66.
2
DELEUZE, G; GUATTARI, F. O Anti-Edipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: editora 34, 2010. P. 273.
3
BARROS, M. Tratado geral das grandezas do ínfimo. Rio de Janeiro: Recorde, 2003. P.70
4
Neste caso, a palavra cistema escrita com a letra c intenciona denunciar o cissexismo e transfobia no sistema
social e institucional dominante, onde praticamente tudo é categorizado como feminino ou masculino.
Entendemos que a língua portuguesa é complexa e tem uma estruturação muito binária. Estamos
programados a identificar, desde sempre, tudo e todas as pessoas como ele ou ela. Desta forma, o sistema
linguístico favorece apenas duas opções de linguagem, desfavorecendo aqueles que não conseguem se
encaixar em nenhuma dessas opções de linguagem como as pessoas não binárias.
5
DELEUZE, G; GUATTARI, F. O Anti-Edipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: editora 34, 2010. P. 61.
190
pai! Faz a tua história é abrir fendas de autonomia de si, produzir demandas na contramão.
A dissidência e a marginalidade fazem sentido em meio ao caos criador.
O capitalismo é o grande golpe do desejo. O que consumimos? Que tipo de
contratos estamos assinando? Até onde podemos chegar? A violência é por si uma potência
econômica. Nosso projeto político é subverter a violência e criar afetividades por meio de
micropolíticas do desejo, versando um prazer possível. Libertem o desejo! Eu existo. Nós
existimos. A afirmação de nossa existência acontece pelo encontro de singularidades,
ruidosas e dissonantes. A estratégia é hackear o lugar comum, criar possibilidades de fala
e de falo, em palavras que sangram berros de existência. Queremos falar e ser possíveis.
No palco, cada acontecimento é único: o xóu se dá de múltiplas formas, em
constante atualização. Na página, o texto é um “uso produtivo da máquina literária, uma
montagem de máquinas desejantes, um exercício esquizoide que extrai do texto sua
potência revolucionária”6. SILÊNCIO. No hay banda, há máquinas de guerra a favor da vida
como obra de arte.
6
Idem. P.144 e 145
191
Este trabalho resulta de uma pesquisa que vem sendo realizada no curso de
Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Amazonas - UFAM. A pesquisa ainda está em andamento e foi iniciada no primeiro
semestre do ano de 2017. Ela levanta reflexões acerca das conexões que se agenciam no
curso de formação inicial de professores com o Espaço do Brincar. Ele é um dispositivo
digital que fomenta práticas e efeitos nas subjetividades dos futuros professores. Funciona
como um laboratório de pesquisas, de produção de materiais pedagógicos e de suporte
didático aos cursos de formação docente que têm relação com a temática dos jogos e
brincadeiras nas atividades escolares a partir de documentos norteadores da Educação
Básica1. Configura-se, portanto, como uma tecnologia de apoio para que os alunos em
processo de formação inicial para o exercício da docência possam conhecer, criar,
experimentar e simular propostas de atividades lúdicas relacionadas ao desenvolvimento
e aprendizagem das crianças da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
Portanto, é o objetivo-dispositivo pelo qual investigamos, de modo concreto, que
agenciamentos se estabelecem e como se estabelecem com os alunos que habitam o
território existencial do curso de Pedagogia e cursam a disciplina Jogos e Atividades
Lúdicas. Adotou-se como método para manejar a investigação a cartografia. A cartografia,
enquanto método de pesquisa, requer em seu funcionamento procedimentos concretos
encarnados em dispositivos. Isso porque o método cartográfico consiste no
acompanhamento de processos e de fluxos que estão em curso no território de
investigação. Por não se conformar com a mera representação do objeto o caminho
metodológico na cartografia se constrói pelo plano implicacional da experiência, pois se
trata de uma pesquisa-intervenção onde o conhecer e o fazer são procedimentos concretos
inseparáveis, adotados pelo pesquisador, para o mapeamento e a produção dos dados.
Para o método cartográfico todo território é composto por dispositivos e segundo Deleuze
(1990), o dispositivo é um conjunto multilinear composto de naturezas diferentes. As linhas
de subjetivação, que também formam o dispositivo inventam modos de existir. Neste
sentido, Deleuze em sua filosofia dos dispositivos, caracteriza-os com o repúdio aos
universais e com uma orientação modificada do eterno para a apreensão do novo, pois
pesquisar dispositivos e seus agenciamentos vai além de observá-los em funcionamento,
requer o acompanhamento e a intervenção em seus efeitos. Logo, estar implicada com o
dispositivo Espaço do Brincar foi o ponto de partida para a investigação. As concepções de
base teórica são tecidas: na área das tecnologias em Lévy (2010a, 2010b, 2011a, 2011b,
1
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI; Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil – RCNEI; Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs.
192
2014), filósofo e sociólogo que discute sobre a questão da técnica na constituição dos
grupos, da sociedade e das formas de saber, e no método de pesquisa em Deleuze e
Guattari (1992, 1995, 2011), filósofos da teoria das multiplicidades, que sustentam os
pilares do método cartográfico em parceria com as contribuições de Passos, Kastrup,
Escócia (2015) e Passos, Kastrup, Tedesco (2014). A experiência imanente de pesquisa
ampliou a compreensão de que o dispositivo digital Espaço do Brincar gera uma linha de
atualização que dá forma ao “complexo nó de tendências”2 da virtualização de jogos,
brincadeiras e atividades lúdicas, o que torna latente a criação nos esquemas de
pensamento e ação dos futuros professores. Neste sentido, a atualização é criação,
invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e de finalidades.
Acontece então, nos agenciamentos entre o dispositivo e os alunos de pedagogia, algo mais
que a dotação da realidade a um possível ou que uma escolha entre um conjunto
predeterminado, percebe-se no percurso de habitação territorial subjetividades
influenciadas por “uma produção de qualidades novas, uma transformação das ideias, um
verdadeiro devir” (LÉVY, 2011-b, p. 16-17) de ideias e criações dinâmicas que alimentam o
virtual e o atual. Logo, o dispositivo digital Espaço do Brincar gera um movimento dialético
de atualização e virtualização constante que potencializa os esquemas de pensamento e
ação no processo de apropriação do saber dos alunos de pedagogia. A dialética do virtual
e atual são dois modos diferentes de existir que em nada se parecem, mas se
complementam. A virtualização é um real em potência, um devir que chama inúmeras
formas de atualização. Essa dinâmica pulsante resulta no acontecimento da aprendizagem
de processos cognitivos, daquilo que ao ganhar forma pela atualização é chamado de
criação. Assim os saberes lúdicos dos alunos em formação inicial para o exercício da
docência são potencializados por uma aprendizagem que emerge da experiência imediata
com o dispositivo digital Espaço do Brincar, que no território de pedagogia, é fonte
virtualizada de inúmeros conhecimentos na área do brincar. Esses conhecimentos podem
ser atualizados e aplicados pelos alunos em situações diferentes da aprendizagem inicial,
realizada na disciplina Jogos e Atividades Lúdicas, pois “toda atualização efetiva de um
saber é uma resolução inventiva de um problema, uma criação” (LÉVY, 2011-b, p. 59).
2
Lévy (2001, p.16), usa o termo para definir o processo dinâmico da virtualização.
193
As tecnologias digitais dão início a uma nova ecologia cognitiva entre os humanos
que fomenta e alarga os processos de desterritorialização das subjetividades, criando novas
formas de comunicação, de apropriação do conhecimento, de se fazer pesquisa, de
organização do trabalho e da aquisição de novas competências. Para tanto, os novos
paradigmas epistemológicos apontam para a criação de um novo espaço, onde possam
acontecer as trocas, a construção e a reconstrução de conhecimentos desterritorializados,
passando da necessidade de se ter tempo, presença física e espaço rígidos para um outro
espaço com potencial de liberdade de movimento para se percorrer por vários caminhos,
a partir de uma concepção de não-linearidade e não-espacialidade chamado de virtual.
Neste sentido o presente trabalho busca refletir sobre as potencialidades didático-
pedagógicas da tecnologia graduacao@ufam, uma plataforma digital criada e desenvolvida
pelo Cefort - Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de Tecnologia e Prestação
de Serviços para a Rede Pública de Ensino, da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Amazonas. Ela foi desenvolvida para agenciar mediações didático-pedagógicas
no curso de pedagogia e possibilitar aprendizagens e criações de competências requeridas
pela era informática. Sua proposta pedagógica busca introduzir na organização curricular
do referido curso, novas práticas de ensino-aprendizagem que possam estar integradas ao
uso de novas tecnologias digitais. A metodologia da pesquisa baseia-se no referencial do
conceito de cartografia, apresentado por Deleuze e Guattari (2011, 1996, 1997-a, 1997-b).
O estudo iniciou com o levantamento bibliográfico que pudesse subsidiar a concepção
teórica e metodológica do trabalho. Em meio a tantos autores que discutem a emergência
das tecnologias na humanidade, selecionou-se como principal base teórica Deleuze e
Guattari (1992, 1995), filósofos da diferença e da teoria das multiplicidades que dialogam
e influenciam, a partir do conceito de rizoma, as obras do filósofo Pierre Lévy (1998, 2010a,
2010b, 2011a, 2011b), um instigante pensador sobre a questão da técnica na
contemporaneidade que discute o papel das tecnologias na constituição dos grupos e da
sociedade, cujo cenário atual está permeado pela grande velocidade da disseminação das
informações e mutações nas formas de saber. Recorreu-se ainda à pesquisa documental
onde foram levantadas as informações consideradas pertinentes. Dentre os arquivos e
documentos analisados destacam-se o projeto de concepção do desenho técnico,
194
Angélica Neuscharank
Universidade Federal de Santa Maria, RS.
angelicaneuscharank@yahoo.com.br
1
BERSGON, Henri. A evolução criadora. [tradução: Bento Prado Neto]. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 4ª ed. [tradução Paulo
Neves]. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
2
DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. 1ª ed. [tradução Luiz B. L. Orlandi]. São Paulo: Ed. 34, 1999.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. [tradução de Eloisa de Araújo Ribeiro]. São Paulo: Brasiliense, 2005.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2ª ed. [tradução de Luis B. L. Orlandi e Roberto Machado]. Rio de
Janeiro: Graal, 2006.
3
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência: texto integral / São Paulo, SP: Martin Claret, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra. Petrópolis: Ed. Vozes, 2011.
4
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução Bento Prado Jr. E Alberto Alonso Muñoz.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2005.
196
5
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante do tempo: história da arte e anacronismo das imagens. Tradução Márcia
Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tomam posição. Tradução Cleonice P. B. Mourão. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2017.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Remontagens do tempo sofrido. Tradução Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2018.
197
escolhidas trinta e cinco publicações para análise. O estudo dos artigos deu origem aos
temas deste trabalho, os quais foram subdivididos da seguinte forma: corpo na educação
infantil - discute pesquisas sobre práticas no interior das instituições de educação infantil
e faz análises referentes aos cuidados com os corpos das crianças e das professoras; corpos
parados - discute a questão da tentativa constante de manter os corpos das crianças
imobilizados nas escolas; controle dos corpos - discute pesquisas voltadas para análise das
formas de controle dos corpos nas escolas para além das tentativas de imobilizar o
movimento; corpo e subjetividade – apresenta pesquisas que relacionam concepções de
corpo, subjetividades e sujeitos na educação; o corpo como experiência - traz às discussões
textos que versam sobre a temática da valorização de outras formas de organização e de
pensamento sobre os corpos na escola, superando a visão de controle e paralisia; corpo
sem órgãos – trata de estudos que abordam especificamente o conceito de corpo sem
órgãos. Após a coleta dos dados de campo e do levantamento bibliográfico das pesquisas
sobre os corpos na educação infantil e ensino fundamental, foi realizado um estudo com
base no referencial teórico fundamentado em Friedrich Nietzsche, Michel Foucault, Gilles
Deleuze e Félix Guattari, especialmente no que tange à compreensão de corpo. Foram,
portanto, analisadas as categorias que surgiram, com o auxílio da cartografia. Como
resultado, foi elaborado um mapa dos corpos das crianças nos espaços escolares, e dentro
destes presencia-se as tentativas de controle dos corpos e suas estratégias, os produtos da
disciplina e as linhas de fuga. A partir das conclusões, acredita-se que, apesar de todo o
investimento em um modelo disciplinar na escola, as crianças escapam e criam linhas de
fuga constantemente.
Tal ensaio busca nos estudos dos currículos problematizar acerca da potência da
imagem-movimento capturadas (DELEUZE, 1985), como uma composição potente nos
processos de currículosformações (FERRAÇO; GOMES, 2013) da rede municipal de ensino
de Piúma-ES, entre alunos do 7º ao 9º ano do ensino fundamental, tendo como um dos
intercessores deste processo formativo o uso do aplicativo WhatsApp.
Tomando por base os estudos deleuzianos acerca do confronto entre o
materialismo com o idealismo, onde um buscava reconstituir a ordem da consciência com
movimentos materiais e o outro com puras imagens na consciência (DELEUZE, 1985),
buscamos principalmente nos conceitos de Cinema, Imagem-Movimento, pensar nas
composições rizomáticas possíveis, alinhando para tanto a ideia de capturar imagens do
cotidiano nos processos currículosformações.
Nesta perspectiva, considera-se que os espaços de formação docente que, pensados nesta
pesquisa como um entrelaçamento de currículo e formação, ou seja, como
currículosformações, se dão em múltiplos contextos, dentre os quais, utiliza-se do contexto
das práticasteorias de produção e usos de mídias. Garcia e Alves (2012, p. 504) afirmam
Nesta perspectiva, as redes sociais, são pensadas como “(...) linguagem a ser
desenvolvida nas escolas por docentes e discentes, em espaçostempos para troca de
conhecimentos e significações de todo o tipo” (GARCIA; ALVES, 2012, p. 504-505).
Portanto, interessa-nos problematizar como que as múltiplas interações realizadas no uso
do WhatsApp possibilitam processos potentes de tessitura dos currículosformações.
Raphael Vianna
PPGMA-UERJ
raphaelvmb@gmail.com
1
Composição Rotornelos.
Representantes de quatro províncias distintas (ecologia, filosofia, arte e antropologia social), pretendemos
estabelecer uma conversação, tendo como plataforma a filosofia de Gilles Deleuze, mais especificamente o
platô “1837. Acerca do Ritornelo”. De qual cidade científica teríamos sido expulsos?
A mesa redonda organiza-se em torno de uma articulação conceitual envolvendo máquinas, agenciamentos,
rizoma e ritornelo. Trata-se, portanto, de uma investigação sobre o conceito filosófico de ritornelo. Embora
não sejam examinados em detalhe, serão considerados problemas afins como: o originário-localizado do
romantismo alemão, o eterno retorno do mesmo em Nietzsche, a sociologia das máquinas no entre-guerras,
a deriva estética imaterial&conceitual (Berg, Klee, Messiaen, Pinhas). Nos interessa, por um lado explicitar e
desenvolver aspectos da filosofia de Gilles Deleuze (e Felix Guatarri), e por outro, buscar articulações
hodiernas decorrentes de lutas e expertises assumidas por cada integrante.
Estamos motivados pela questão do Antropoceno e as suas expressões - crise climática, extinção de espécies,
e, especialmente, a escassez e contaminação dos corpos hídricos-, das comunidades índígenas
(cosmopolíticas por vir) e da criação na arte contemporânea. Procuramos sair da chave de que sabemos o
que é terra, território, espaço, lugar, sítio, cosmos. Isso pode significar uma desterritorialização assumida e
desejada, que parte da situação territorial destas querelas no interior de um Brasil “amazônico”.
Pensamos que quem nos ensina sobre isso é sobretudo quem está lutando por isso/com isso (ativistas, índios,
artistas). O conceito de ritornelo nos ajuda a lidar com essas vozes, portanto, com essa polifonia.
Consideramos o ritornelo como o elemento que conecta água, comunidades indígenas e intervenções
estéticas, e tentaremos estabelecer uma relação polifônica entre essas vocalizações - percolações, gorgolejos,
brotamentos, dispositivos invisíveis, coqueiros giratórios, colunas que apontam para o lixo da Guanabara,
xapiris, devires-papagaio-de-xamãs, resina de yekohana, sandálias de chumbo no vulcão - como se tentará
demonstrar no decorrer das respectivas apresentações.
202
acompanharam as alterações das águas: olhos e línguas e narizes dos habitantes foram
percebendo o rebaixamento do solo, o ressecamento das fontes, o gosto modificado e o
odor diferenciado das águas. Aberração. O comum tornou-se diferente, e isso se tornou
um problema para os habitantes. Tornaram-se ativistas. Vociferaram. Buscaram aliados.
Parte-se dessa situação para investigar a relação entre água, corpo, paisagem, máquina e
território.
Carlos Estellita-Lins
FIOCRUZ
cefestellita@gmail.com
1
Texto da composição Rotornelos.
205
O ritornelo, esta cantiga enjoativa, é nojo (Eckel), sem ser náusea (Nausée). De certo modo,
o que faz Nietzsche é tomar a sério os pássaros que anunciam o retorno eterno do Mesmo,
mas que se ainda parecem com realejos. A doença super-territorializou, o nojo
desterritorializou e agora os realejos reterritorializam. O ritornelo é um rotornelo quando
tematiza o ventriloquismo implícito no realejo – quem canta? Uma máquina? Os animais
que encantam e estão ligados ao não-humano? Para quem se canta? Ao homem da praça
e do mercado? Mas ele não é apenas um duplo? A alegria da Grande-Saúde aparece como
júbilo, mas também como suspeita acerca da repetição etc.
Das palavras de ordem chegamos ao ritornelo. Manos por que teríamos ido das
causas justas aos slogans, destes aos gritos e daí mergulhado nas construções nômades e
efêmeras de territórios pelos pássaros. Bem mais em função do deslocamento de um
modelo indivíduo sociedade (traço ou marca agem fazendo signos) para um regime de
expressão de coletivos não-antropocentricos – marca ou traço já são agenciamentos. Ele
marca-demarca-remarca um território efêmero e provisório a partir de um centro em
deslocamento ou perpétuo desequilíbrio. A montante, o ritornelo vem pela disseminação-
estratificação dos devires, e vai desembocar a jusante, nos regimes de captura em torno
da máquina-de-guerra.
Cabe adotar intercessores. Intercessores são xerimbabos. Tomamos como
exemplos para discussão: o grande vidro de marcel duchamp e os invisíveis da Linemann
(versão coluna), assim como as fotografias de transe xamanico yanomami por claudia
andujar, uma fotografia da fábrica de água mineral caxambu, um canto extemporâneo de
passarinhos na noite de Santa Clara Poltergeist. Os desenhos dos xamãs comentam
fotografias, mas sobretudo desterritorializam imagens da floresta: exorcisam a intersecção
da estrada transamazônica com a Amazônia-jardim-de-Omama.
Os conflitos de território, ocupação, nação existentes desde a invasão dos mundos
ameríndios e hoje acirrados pela catástrofe climática e pela comodificação das atividades
agrícolas, pastoris e extrativas trazem para a cena guerras ou acordos com inúmeros
atores-actantes-agenciamentos em um estranho ballet. Um pensamento que rompe com
o senso comum do contrato social e da origem do estado, tematizando desterritorialização
e territorialização concomitantes nos traz promessas.
Sabemos o quanto a geografia foi importante para a ecologia política. Em ambas,
entretanto, ronda o espectro do espaço forma-pura, adequado ao Universo infinito, porém
cada vez mais distante dos multiversos, mundos imprecisos, cosmogonias e cosmologias
autóctones que não se calaram acerca da Terra. Sendo não-modernos justificamos o slogan
de que jamais fomos modernos no intuito de encantar (a)os pós-modernos.
A etnomatemática e uma pletora de etnografias dos americanistas e oceanistas vem
chamando a atenção para a gênese do espaço no pensamento selvagem. Quando
admitimos matemáticas intuicionistas com Brouwer e Heyting, por exemplo, estamos nos
aproximando do pensamento selvagem cujo rendimento lógico não pratica engenharia
nem cálculo. Ainda que se possa admitir muitas questões geométricas (nas inúmeras etnias
e algumas civilizações ameríndias), interessa ainda mais entender que distintas
apropriações do espaço e do território misturam-se. Esta tradução e sua antropologia
reversa, bem além da escola indígena aponta para lugares, topologias, tranças, ritornelos,
agenciamentos-sonho, agenciamentos-mito, xamanismos transversais, etc... Uma teoria
do território não antropocêntrica e da espacialização não-euclidiana verifica-se no
ritornelo. Ela não é somente não-quantitativa, mas talvez seja ainda anti-quantitativa, -
206
Ana Linnemman
analinnemann@gmail.com
Os trabalhos eróticos dos celibatários são alimentados pela agua que cai e por gás
natural. A queda d’agua nunca foi executada mas exerce sua ação invisível, e o gás é
fornecido mas escapa pelas aberturas, onde se solidifica. Viram então lantejoulas de gás
congelado, mais leves que o ar. Passam pelos furos das peneiras e ficam confusas, perdem
a individualidade e passam ao estado líquido. Sugadas através do arco de peneiras por uma
bomba borboleta, chegam às rampas de drenagem, descem por um tobogã e acabam na
região do esguicho. Enquanto isso, outros elementos da maquina movem-se
sorrateiramente, soltando gemidos.
A mecânica da parte superior:
Aqui a descrição de Tomkins, entremeada de citações de Duchamp: “A noiva é
movida pela gasolina do amor (uma secreção de suas glândulas sexuais)”, que é inflamada
por um motor de dois tempos. O primeiro tempo é o da explosão produzida pelos
celibatários por meio de um desnudamento elétrico cujo funcionamento é comparável,
segundo Duchamp, “a um carro que sobe uma ladeira em marcha lenta […] Aos poucos o
carro começa a acelerar e, como se consumido pela esperança, vai se tornando mais rápido
até roncar tiunfantemente”. O segundo tempo é provocado pelas faíscas do próprio
“magneto-desejo” da noiva. Embora Duchamp sugira, confusamente, que o desnudamento
efetuado pelo elétrico “controla” os arroubos sexuais da noiva, ele deixa claro que é a noiva
que tem pleno controle. Ela aceita o “desnudamento efetuado pelos celibatários e vai além,
em sua total nudez quando acrescenta ao seu primeiro foco de faíscas (o desnudamento
elétrico) o segundo foco do magneto-desejo”. A noção de uma força feminina misteriosa,
que é ao mesmo tempo passiva (permissiva) e ativa (fundada no desejo).
Como no grande vidro, é o movimento o que nos interessa. O movimento aberrante,
especialmente do invisível. A partir de uma série de obras, intervenções e exposições
realizadas por Ana Linnemann, busca-se tematizar a questão da máquina em sua relação
com a visibilidade, visão e evidência. A série Os Invisíveis, de Linnemann, trata de objetos
que, invisíveis por sua própria banalidade, são motorizados e submetidos a curtas e
discretas performances. Diante dessas peças, o foco que é normalmente reservado a
objetos de arte desliza para o canto do olho, que pode ser perturbado pelo seu movimento
inesperado. Nem todos o notam, mas os que notam suspeitam, tornando-se alertas como
um caçador à espreita da presa pressentida, mas não exatamente detectada. A experiência
de ter um pensamento acionado pelo olho implica na invenção desses ativadores mentais.
Em Os Invisíveis, o tempo perde sua circularidade para enfatiza-la em seguida. Se naquele
primeiro momento o tempo vira fenda, com a continuidade o espaço torna-se um relógio
e sua própria paródia.
Uma certa vocação do mecanismo (em contraposição às máquinas nômades) será
discutida utilizando como referência a coluna construída para a exposição do MAR-RJ, em
2017.
Marcelo Moura
PPGAS-UFRJ
mouramarcelosilva@gmail.com
Michel Mendes
UCS
mmendes1@ucs.br
1. Escrevo agora, a visão é, papel e tinta, sobre o papel. O branco, é papel yserías
atauriques y moçárabes de papel. Não deveriam senão a cutícula, do tempo, a lúnula da
unha do tempo, e por isso, escuro, e por isso, escravo, roo a unha do tempo até o sabugo,
do refugo, até o sugo e não resgo. A língua ser linguante caminha nas cordas sabendo do
não saber do tentar fazer estilando estilizando estilendo a palavrice menor do canto que
canta coisas e coisices nascedouras das nascentes não do uno.
2. Assim os textos surgem, da vida em meio ao Seminário de Tópicos Especiais:
Escritura e seu Combate – a folha em branco2, em 2019. O combate se afadiga pelos ensaios
1
Escritura produzida durante uma das aulas do Seminário a partir experimentações de poemas variados de
Manoel de Barros (1997).
2
Seminário oferecido durante o primeiro semestre de 2019 no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Caxias do Sul, para alunos de Mestrado e Doutorado, mediado pela Prof. Dra. Sônia Regina
da Luz Matos.
214
junto ao repertório de alguns textos de Gilles Deleuze, Roland Barthes, Haroldo de Campos
e Manoel de Barros, rasgando, aos poucos, a experimentação da folha em branco. Do
combate, o trágico da folha em branco: ela sempre carrega os clichês. Combate-se os
clichês, as metanarrativas, a verdade, a repetição do mesmo. Escreve-se para vazar vida:
vida-tese, vida-dissertação, vida-estudante. Escreve-se em meio à vida, outro combate.
Escrivida com experimentação escrita e leitura ensaística, traço, fragmento e fabulação.
3. A escrita, atravessada pela filosofia da diferença, sugere uma forte presença de
movimentos de violência. O texto é, antes de tudo, político: embrenhado em regimes de
signos, sujeito à interpretoses infinitas, mergulhado em agenciamentos e ator de uma
língua múltipla e cambiante. Uma escrita de caráter combate, resistência, uma escrita-
devir. Frente à variação dominante de língua na academia, dão sopros de resistência as
formas menores de expressão. Tomando Deleuze e Guattari (2011), a língua somente
subjugada aos seus regimes formais e maiores perde possibilidade de potência, vetando a
diferença; por outro lado, o trabalho naquela própria língua com fim de elevá-la a sua
potência expressiva abre possibilidades para que a língua seja explorada de maneiras não
antes consideradas; uma língua elevada a sua potência; uma escrita potente.
4. Em termos conceituais, escritura e escrita contornam significados distintos,
havendo na primeira um toque de sensibilidade, talvez um clamor artístico, pois esta
desenvolve a criação, retratando novas línguas e trazendo elementos terceiros para
construção de histórias ou palavras, enquanto a segunda caracteriza-se por ser mais rígida,
com destaque para o seu teor linguístico, principalmente, o falar sobre algo ou alguém.
5. O nobre evento, também convida a fazer devorações sugeridas pelos conceitos que faz
cena de escrita-vida: “para liberar a vida aí onde ela foi aprisionada” (uma das frases-
clichês, que atormentamos Deleuze e Deleuze/Guattari). Uma escrita que se estica para
expressar as intensidades, afinal: “Escrever é talvez trazer à luz esse agenciamento do
inconsciente, selecionar as vozes sussurrantes, convocar as tribos e os idiomas secretos, de
onde extraio algo que denomino Eu [Moi]. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p.18).
6. Na presente ausência deles: COSTA, Luciano Bedin da. Ainda escrever: 58 combates para
uma política do Texto. São Paulo: Lumme Editor, 2017. BARTHES, Roland. Novos Ensaios
Críticos. O Grau Zero da Escritura (1972/ 1953). São Paulo: Cultrix, 1974. DELEUZE, Gilles;
GUATTARI, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 2. 2. ed. Tradução de Ana
Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão – Rio de Janeiro: Editora 34, 2011. DELEUZE, Gilles.
Kafka: por uma literatura menor; Tradução de Rafael Godinho. Rio de Janeiro: Editora
Assírio & Alvim, 2003. BARROS, Manoel de. Livro sobre o nada. 4ª. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1997. 85 p. - a folha em branco cria sua própria tragédia.
Este texto traz um recorte dos processos de uma pesquisa de mestrado concluída
em fevereiro de 2019, envolvendo a cartografia (ROLNIK, 2007) de hortas urbanas em
Curitiba e a criação de modos de vida minoritários.
Ao cartografar esses processos, passei a perambular pela cidade em busca de
inutilidades, em busca da coexistência com os tropeços, com as incertezas. O que, também,
alinhava esta escrita. Cultivo do olhar. Deparar-se com a cidade das sarjetas, com o inútil,
com os cacos e as demolições, e, no encontro com as hortas, o convite ao inútil seguia como
companhia. Deixar-se levar por canteiros que insinuavam caminhos. Propunham desvios.
Reconheço as ervas daninhas ultrapassando os limites, desrespeitando os espaços
determinados, conectando-se em subsolo. Rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Travo
conversas com babosas, confrei, alecrim, Dona Jasti, Deleuze, Guattari e o sabiá. Seres que
vêm habitar um desejo de escrita mineral, vegetal, inumana. Permeável. Disponível.
Intensidades, movimentos, texturas e temperaturas. Interessam os processos de
diferenciação em movimento molecular. Marcas na escrita e na pesquisadora que, aberta
aos afetos que pedem passagem, busca as linhas de fuga que possam produzir variações
(ROLNIK, 2016).
É preciso estar infinitamente.
***
Erva doce
Desde menina fazia suas próprias vassouras de piaçava. Sua mãe chamava a pobre planta
de vai-tudo. Ia até o caule e puxava as fibras que iam soltando. Amarravam as pequenas
vassourinhas e depois tudo junto virava um grande feito. A fibra era a que melhor varria as
folhas secas na varanda.
Vai ver é porquê elas já se conheciam.
***
Presenças cultivadas. Deixar ir. Conservar incertezas. Pensando com modos de existir
vegetal, outros corpos, ativando um devir-planta. Mas como? Vislumbrar outros mundos.
Deixar fluir aquilo que escapa do viés antropocêntrico, que organiza e hierarquiza as vidas
no planeta a partir dessa referência. Mais um processo de experimentação. Criar com o
que absorve o próprio alimento. Fotossintetizar. Alterar formatos, bricolar.
Silêncios. Um corpo disponível, modificado a todo momento pelo que chega e o que vai.
Inviável a distinção entre fora e dentro, entre um eu e um outro. Fusão com o mundo.
Anuncio de ventania. Corpo fluido.
Os vegetais convidam à sensibilidade, o que escapa da necessidade de desvendar e
conceituar, das análises cognitivas e que buscam agrupar e delimitar e explicar. O desejo
216
anuncia a busca por uma linguagem trans que crie por associação, linguagem
acontecimento.
Com Emanuele Coccia (2018), o encontro com uma racionalidade que não se opõe a um
corpo, que não é da ordem da consciência ou do eu. Ela se estende à totalidade dos órgãos,
à totalidade do corpo: a racionalidade do mundo não se traduz em sistema nervoso, mas
como algo que anima de dentro toda porção de matéria.
***
Angélica
Ela gostava da janela
Quando escrevia, juntava a poltrona ficando com os joelhos abaixo do parapeito.
O caderno no colo fazia suar as coxas. Orvalho.
Era tudo sobre água, no fim.
é essa zona de vizinhança dissonante que tem sido explorada pelos corpos/mãos que
compõem o coletivo de criação Grup0nho, atentando para o que esta experiência intensiva
pode impelir a fulguração de outras possibilidades de se movimentar em meio às palavras,
às imagens, à prática educativa, à pesquisa, à vida...
Para tanto, algumas questões mobilizadoras têm acompanhado as produções desse
coletivo: Como fazer emergir entre as palavras da escrita acadêmica outras sonoridades?
Como povoar a leitura, a escrita e a imagem de possibilidades, distanciando-se da
informação, do relato, da representação e daquilo que faz cantar sempre em uníssono?
Como potencializar a escrita de forma que ela se torne experimentação e o leitor consiga
entoar outros timbres e inflexões com ela e para além dela? Que ritmos e sonidos podem
ser criados, acionados, no encontro/entrechoque de corpos-palavras, corpos-imagens,
corpos-existências?
Escrevemos, portanto, com aquilo que nos convida a mantermos um corpo-a-corpo
com a escrita, com a leitura, com as imagens, com o que mobiliza essas três potências a
entrarem em outras possibilidades performativas, possibilidades que nunca se sabem
antes do encontro. Encontro talvez seja a palavra-chave aqui, pois, é no encontro que
corpos-escritas, corpos-imagens, corpos-existências podem percussionar um ritmo ainda
não experimentado fazendo funcionar uma ‘política de tambores’ (BASBAUM, 2017).
Basbaum opera com esse termo para pensar os encontros entre corpos/pensamento e a
arte contemporânea, entretanto, nesse texto, rouba-se o termo para pensa-lo junto ao que
tem nos mobilizado, enquanto coletivo, a escrever e criar em meio à vida… Basbaum
menciona que “onde há ritmo, algo se torna público”. Quando algo toca, afeta1 um
corpo/pensamento, há ressonância, pulsação rítmica. Podemos dizer aqui, então,
roubando esse termo de Basbaum, que são as pulsações, ressonâncias ocasionadas pelos
encontros, que imantam essa coletividade de escrita do grupo, cujos integrantes vão, ao
mesmo tempo, modificando-se na pulsação rítmica do revezamento de suas leituras,
escritas e imagens.
1
O afeto é pensado aqui como variações nas potências de existir que se dão a partir dos encontros (SPINOZA,
2016). Também é entendido como “um modo de pensamento não representativo”, ou seja, como algo que
aciona devires (DELEUZE, 1976, online).
220
1
Graduado em História, mestre em Filosofia e História da Educação (UNICAMP) e Doutorando em Educação
(UNICAMP).
227
Se as máquinas técnicas são usadas pelos seres humanos para atingir um objetivo
predeterminado, as máquinas sociais usam os seres humanos como peças para a produção
de uma determinada realidade social. Essa lógica produtiva acaba conferindo às
instituições uma importância cabal na modelagem do corpo e da subjetividade. Enquanto
que o corpo ganha determinadas formas, conteúdos e expressões, dependendo da
máquina que se encontra inserido, a subjetividade é inundada por fluxos semióticos
axiomatizados pelo capital.
Se as máquinas técnicas e sociais colaboram com a consolidação das relações
sociais, as máquinas abstratas como fluxos semióticos são indispensáveis e de suma
importância para a atualização das diferentes máquinas e para a produção de
subjetividades. Os fluxos semióticos podem ser divididos e agrupados em: significantes e
a-significantes. Ambos operam no coração das atividades humanas criando consistências
subjetivas que fazem a passagem direta entre os estados de signos e os estados de coisas.
Para Guattari (2011, p. 112), esse “start”, realizado pela mescla semiótica dos fluxos, coloca
em funcionamento determinadas configurações da organização pessoal e interpessoal dos
indivíduos, das máquinas e dos demais seres vivos do socius.
Os fluxos semióticos a-significantes são percebidos por meio dos índices da bolsa
de valores, valor do dólar, gráficos de desemprego, conjuntos arquitetônicos, etc. Todas
eles não realizam discursos, mas induzem ações. Eles não agem como os signos
significantes que necessitam de outros signos referentes para se propagar em forma de
discurso, eles agem imediatamente sobre o comportamento dos indivíduos.
As semióticas a-significantes dependem quase sempre das semióticas significantes
para produzir sentidos, significações, interpretações, discursos, representações e
gramaticalidades. Até mesmo as sensações que emergem das relações a-significantes
devem ser traduzidas, interpretadas, compreendidas e reativadas por discursos de
normalidade.
As funções básicas de qualquer máquina são três: 1) toda máquina está relacionada
com os fluxos concretos e abstratos contínuos que ela corta; esses fluxos associativos
compõem os agenciamentos. 2) Toda máquina comporta uma espécie de código
protossubjetivo que se encontra encrostado nela, inseparável de sua própria composição.
Os códigos são signos legisladores que transmitem leis, condutas, regras morais etc., com
o objetivo de organizar as relações sociais. 3) Toda máquina quando corta um fluxo, acaba
gerando como decorrência de seu funcionamento um resíduo que faz aparecer um sujeito
adjacente ao seu produto. O sujeito nada mais é do que uma peça da máquina, ele é resíduo
de sua produção.
Como o desejo é produzido no interstício de um agenciamento, ele quase sempre
deixa de ser um elemento de transformação radical da realidade para cair nas significações
imobilizadoras e reprodutoras do sistema. Enquanto que as máquinas funcionam, as
estruturas significam. Em outras palavras, elas produzem representações capazes de
modelar o desejo para fazê-lo servir ao capital. Reorganizar o funcionamento das
máquinas, destruir outras, liberar o desejo e construir novas máquinas de guerra são
compromissos de todo mecânico social.
1
Mestrando em Artes.
229
sua vez, só pode advir duma maquinação própria que requer agenciamentos distintos de si
e de outrem: um novo espaço de criação, um novo lócus fazedor, um novo.
Para Santos (2013), em Deleuze e Guatarri, ao se pensar a questão da
desterritorialização, não se pode deixar de levar em consideração aquilo que se passa entre
Terra e Território. Segundo sua leitura: “Ora, entre os dois, se estabelece uma relação feita
de dois movimentos: a desterritorialização, processo que vai do território à terra e que faz
com que o primeiro se abra a um alhures; e a reterritorialização, processo que leva a terra
a refazer território” (2013, p. 45).
A desterritorialização, em linhas gerais, concerne também num apagar linhas e
redesenhá-las quer em conjecturas ordenadas ou catastróficas. De acordo com Deleuze &
Guatarri (1991):
empreendido, onde não somente todos estes conceitos trans-afetivamente são levadas à
cena como também incorrendo numa exposição própria dessa relação entre dança e
filosofia.
Isabela Giorgiano
Universidade Federal de Uberlândia
isagiorgiano@hotmail.com
1
Anna Halprin é dançaria, colaborou para a criação da arte experimental conhecida como dança pós-moderna
e junto com seus contemporâneos como Marce Cunningham e John Cage e alunos como Trisha Brown,
redefiniu a dança na América do pós-guerra. Uma das mais importantes pensadoras da performance. Anna,
em resposta à inquietação racial dos anos 60 formou a primeira companhia multirracial de dança, além de
criar, após tratar de seu câncer pela dança, programas de dança inovadores para pacientes com câncer e
AIDS. Se tornando pioneira no uso das artes expressivas para a cura e fundando junto a sua filha Daria o
Instituto Tamalpa (1978). Desenvolveu e realizou diversas oficinas voltadas ao processo criativo junto ao seu
marido Lawrence Halprin. Ao longo da sua carreira criou mais de 150 obras de teatro-dança e escreveu três
livros, Anna ainda atua profissionalmente.
2
Lawrence Halprin, foi botânico, arquiteto e paisagista estadunidense, atuou profissionalmente entre 1945
e 2009 (MARTINS, 2014), deixando muitos registros dos seus processos projetuais, que conversavam com
outras áreas do conhecimento. Halprin teve contato com diversos artistas e pensadores da sua época, sendo
a dançarina Anna Halprin, sua esposa, uma importante influência em seu trabalho. A sigla RSVP representa a
abreviatura de quatro procedimentos que envolvem o ciclo criado por Anna e Lawrence Halprin, para estudo
de processos criativos que são: os Recursos; as Pontuações, ou Notações; a Avaliação e a Performance.
233
A dança, que é fruição na imanência Gil (2004, p. 54) e a vida, que é vontade de
potência Nietzsche (2001), guardam entre si profundas imbricações. São composição de
“blocos de sensações, afectos e perceptos” (Deleuze; Guattari, 1996, p. 248) e possuem
vocação para a metamorfose e para a expansão permanente, por isso coincidem
ontologicamente. Também buscam, de modo incessante, ir além de si mesmas. Não
havendo, então, a definição de um corpo, de uma feição ou de um conjunto singular de
movimentos que caracterizem a vida e a dança. Elas são acontecimentos diferenciadores,
isto é, “aquilo que permanece indecidido entre o ter-lugar e o não-lugar, um surgir que é
indiscernível do seu desaparecer” (Badiou, 2002, p. 85). Acrescento, aqui, nessa complexa
imbricação vida x dança, uma terceira força: a infância. A vida, a dança e a infância parecem
coincidirem ontologicamente. Figura de começo é a infância, diria Nietzsche (2001). Ela
carrega em si o frescor das auroras, os mistérios dos acontecimentos imprevisíveis e a
intensidade da atemporalidade. É possível dizer, em uma alusão a Baruch Espinosa (2011),
que a vida, a dança e a infância parecem manifestar-se como “atributos e variações de uma
mesma substância” (p. 141); e que, coincidentemente, elas guardam em si e entre si a
potência da função fabuladora. Potência fabuladora mesma atuante na “invenção de um
povo que falta (Deleuze, 1995, p. 14). O movimento, efeito final do encontro entre forças,
faz a vida, a dança e a infância perseverarem nas suas próprias existências, mas,
paradoxalmente, também as arranca de si mesmo, sem cessar. Forças em relação e disputa
constante, a vida, a infância e a dança buscam a criação de um lugar para si. Buscam, sem
equilíbrio, um equilíbrio. Procuram, sempre, fazerem-se mais fortes e mais intensas.
Constrangem outras forças, assimilam-nas para afirmar suas próprias existências. Tensão
que se prova ora por leves e delicados movimentos, outras vezes por intensa violência
criativa. Assim, afirmando suas diferenças, expressam suas semelhanças, suas linhas de
vizinhança (Deleuze, 1992). Sem encontrar um ponto de repouso, no máximo desaceleram,
variam suas velocidades e surgem como “paisagens que só aparecem em movimento”
(Deleuze, 1995, p. 16). A dança, a infância e a vida, que são forças em relação, querem ir
além. Experimentando a dança e estudando a infância, intuí haver uma espécie de
paralelismo afirmativo, a vontade de expansão, entre vida, dança e infância. Esta intuição
que mexeu comigo, e de modo perturbador. Fui incitado, então, a encarnar a vontade de
potência da vida, da dança e da infância e a testemunhar, por intermédio da criação de
uma pesquisa cartográfica em educação, essa irremediável encarnação. Meu corpo, que é
feito de multiplicidade, pois nele há uma infinidade de relações que se compõem e se
decompõem em suas velocidades e lentidões (Deleuze; Guattari, 1997), foi surrupiado;
meus sentidos foram profundamente afetados por uma espécie de força desejante e por
uma vontade de compreensão que me arrastaram ao encontro da dança e da infância, na
nudez desta vida que se escoa. Como, na cena educacional, a coincidência ontológica entre
vida, dança e infância agenciam modos de resistência às políticas e práticas aniquiladoras
da alteridade? É deste não-lugar que eu olho, sinto, penso e escrevo uma cartografia
1
Doutor em Educação e Professor do Departamento de Metodologia de Ensino – MEN/UFSC.
234
dançarina. Isso porque assim como a dança, a infância e a própria vida, todo modo de ver,
sentir ou conhecer são transversalizados pela contemporaneidade do ser-estar-habitar-o-
mundo daquele que conhece e vê, daquele que busca afirmar-se, no palco da existência, a
partir do encontro com outras forças. O agenciamento da dança, da infância e da vida é,
para mim, transversalizado pelo “espírito político” de uma época. Elas ganham ou perdem
potência nas malhas da política e das formas de pensamento do um tempo presente. No
caso da dança, seu caráter propriamente político “se refere aos valores estéticos vinculados
ao ato de dançar. As atitudes e ações políticas atuam sobre as formas de dançar e os
caminhos pelos quais a dança é transformada”, afirma Freire (2011, p. 34). Já a dimensão
política da infância caracteriza-se pelo fato de ela “habitar outra temporalidade, outras
linhas [...] essa é a infância como acontecimento, como ruptura da história, como
revolução, como resistência e como criação” (Kohan, 2003, p. 63). Uma infância que
procura incessante por novos mapeamentos, encontro real-imaginário Deleuze (2006).
Infância artística, arteira e insurgente: devir e resistência. Infância e dança, portanto,
cocriam-se neste mundo aí, cocriam este mundo aí, afetando-o e sendo afetado por ele. O
corpo-infantil-dançarino, assim, “nos mostra afectos em relação com os perceptos que nos
dá. Mas não é somente em sua obra que ele os cria, ele os dá para nós e nos faz
transformados com ele, ele nos apanha no composto” (Deleuze; Guattari, 1997, p. 227).
Residiria aí, neste paralelismo político-revolucionário, o mais elevado grau de parentesco
entre a vida, a dança e a infância? O que se sabe e o que é possível saber sobre a dança, a
vida e a infância, afinal? O que a vida como vontade de dança e de infância têm a dizer para
a educação? Se há respostas precisas a estas indagações, não sei! Mas postos estão os
problemas rodeando em torno delas.
Carolina Polezi
Faculdade de Educação - Unicamp
contato@carolinapolezi.com.br
Este trabalho parte dos discursos de verdades produzidos na dança de salão sobre
a mulher-dama problematizando as tentativas de escapes na contemporaneidade. No
âmbito da dança de salão os papéis de homens e mulheres são claramente divididos a partir
de uma perspectiva heteronormativa. Deste modo trazemos uma mulher-dama carregada
de elementos que definem um modo de ser na sociedade e na dança, assim como os
movimentos que tentam desconstruir esse olhar a partir do empoderamento feminino,
mas que são capturados pelas máquinas sociais mantendo os mesmos lugares de homens
e mulheres, só que com outra roupagem. Para isso, realizamos um levantamento em livros
e textos que circulam em sites, blogs e redes sociais visitados por dançarinos.
Essas produções ilustram o que a dança de salão defende sobre como deve ser uma
mulher-dama. Um exemplo está na fala da professora Sheila Aquino ao enfatizar que “ser
uma boa dama não é saber milhões de passos, mas sim aprender a ser de fato uma
‘parceira’ de dança, embelezando com alegria, energia e leveza os passos indicados pelo
cavalheiro.” (2016, p. 98, grifo nosso). Outro professor reforça estes papéis ao afirmar que
“se o homem conduz, a mulher induz e seduz” (ARÔXA, 2017).
Uma das técnicas que mais expõem este modo de ser da dama é a condução, já que
por meio dela o homem é responsável por decidir e propor os movimentos que levam a
mulher a realizar os passos de dança. Para Pacheco (1998, p.11) “condução significa os
procedimentos pelos quais homem conduz/dirige a mulher durante a evolução dos passos
dancísticos”. Os papéis em que mulher-dama deve ser conduzida e homem-cavalheiro deve
ser condutor estão diretamente ligados às ideias que se esperam de cada um dos gêneros,
em que as características masculinas como “segurança, determinação, objetividade,
habilidade e domínio técnico” (GAIO; FIORANTI; COAN, 2009, p. 48) e características
femininas como “sensibilidade, empatia, criatividade e emotividade” (GAIO; FIORANTI;
COAN, 2009, p. 48) são utilizadas para justificar tais lugares, como afirma Bettina Ried
(2003) “o conduzir do cavalheiro exige segurança, determinação, objetividade, habilidade
e domínio técnico, enquanto que o seguir da dama, por sua vez, requer sensibilidade,
empatia, criatividade e emotividade” (p. 37).
Estes estereótipos da mulher-dama e do homem-cavalheiro vem sendo
questionados na contemporaneidade com as discussões sobre empoderamento feminino
na sociedade. Tais questionamentos também surgem nos espaços da dança de salão,
aparentemente incentivando a autonomia das mulheres. Mas, com um olhar mais
cuidadoso, é possível perceber que algumas palavras escapam reafirmando o estereótipo
dessa mulher-dama.
236
dos estereótipos tradicionais de gênero que são refletidos na dança de salão. Os discursos
são muito fortes e sedutores, sendo difícil romper um ideário de mulher-dama e homem-
cavalheiro. Assim, muitas dessas iniciativas sequer chegam a escapar-fissurar o aparelho
de estado, mostrando que fraturar o sistema e o imaginário da mulher-dama é complexo e
está sendo constantemente capturado para manutenção dos mesmos papéis na dança de
salão.
intensivas que vão preencher o espaço em tal ou tal grau. “O modelo da morte aparece
quando o corpo sem órgãos repele e depõe os órgãos (....) até a automutilação, até o
suicídio”. O CsO como modelo da morte é o caso extremo da catatonia esquizofrênica, que
marca o próprio limite da máxima repulsão ao funcionamento orgânico do corpo. No
entanto, se o CsO é também condição do desejo, isso se deve ao fato de que algum grau
de repulsa ao organismo é necessário para que a própria máquina funcione e produza. Caso
contrário, o organismo se sedimentaria e impediria o funcionamento das máquinas. Sendo
o organismo um produto, se não houver o condicionamento desestabilizante da instância
antiprodutiva do CsO sobre os produtos, não há enxerto imanente e recíproco do produto
no produzir, e vice-versa, de modo que o ciclo produtivo se interrompe. Dito de outra
maneira: “É certamente pelo corpo, é certamente pelos órgãos que o desejo passa, mas
não pelo organismo”, pois o organismo não passa de um estado, de um produto, que não
esgota o desejo em seu processo de produção da realidade.
O funcionamento produtivo das máquinas depende, portanto, dessa instância
antiprodutiva (o CsO), que tanto bloqueia e neutraliza as fixações do produto no organismo
quanto libera, desencadeia outras produções ao atrair outras tantas máquinas-órgãos
sobre si. É esse o estatuto paradoxal do CsO em O anti-Édipo. No seio da relação produção-
produto, no seio do processo de produção (imediatamente social e desejante ou
“metafísico”), o CsO é criado como terceiro termo que desencadeia tanto a neutralização
do organismo (repulsão) quanto a produção anorgânica (atração), enquanto opera como
condição desestabilizante do sistema. Impedido de se concluir, se apaziguar, se estabilizar
em seus produtos, o processo não pode fazer outra coisa que não retomar-se a si mesmo
enquanto produção de produção. Por isso que a oposição não se passa exatamente entre
o CsO e os órgãos, mas entre o conjunto do CsO e os órgãos contra o organismo, entendido
como esta “organização que impõe aos órgãos um regime de totalização, de colaboração,
de sinergia, de integração, de inibição e de disjunção”, e que fixa o corpo nessa identidade,
com uma forma definida e com funções orgânicas a cumprir. Sob o organismo, o corpo grita
e protesta com sua realidade intensiva, que pede passagem a outras tantas articulações
anorgânicas.
Cristiane Mesquita
Universidade Anhembi Morumbi
kekei@comum.com
campos como educação, esporte, arte, mídia, moda, entre outros e, para trazer uma
perspectiva clínica sob um “paradigma estético”, aproxima o conceito de “processos de
criação” e a noção de “saúde”. Essas abordagens dialogam com a perspectiva de Michael
Foucault (1985) sobre “o cuidado de si”: os modos de tomar a si como objeto de
conhecimento e campo de ação por meio de diversas atividades que atravessam práticas
individuais, sociais e políticas.
A partir da pergunta sobre como compor cartografias de cuidado e processos
coletivos de subjetivação, esta comunicação apresentará o Projeto Cuide-se: o cuidado de
si _ atividades sobre você, seu corpo, seus territórios e conexões consigo e com os outros,
que usa obras de arte como dispositivos clínicos em um trabalho com grupos de pacientes,
na clínica pública do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Originalmente chamado de
O cuidado de si: atividades sobre você, seu corpo, sua roupa e sua imagem, vem sendo
praticado desde o ano de 2014 e integra o Projeto clínico-ético-político, no qual trabalham
equipes multidisciplinares que tecem uma prática de clínica ampliada. Enfatiza o exercício
do cuidado de si como a interação de uma multiplicidade de referências conscientes e
inconscientes, muitas delas inscritas no corpo. Algumas das sessões do Cuide-se são
disparadas por obras de arte tomadas como “dispositivos clínicos” ou motes para elaborar
questões, no escopo clínico do projeto. O conceito de dispositivo é primeiramente
referenciado por Foucault (2001), que assim conceitua um aparato de mecanismos
institucionais, físicos e administrativos atravessados por diagramas de saber que produzem
e mantêm o exercício do poder nas instâncias sociais. Esta rede tem a capacidade de
capturar e controlar comportamentos, pensamentos, discursos e modos de vida das
pessoas num contexto social. Na perspectiva de Deleuze (1990) compreende-se que a
produção de diferenças e as linhas de subjetivação que se processam num dispositivo
podem ser também “linhas de fuga”, que escapam às linhas que anteriormente
compunham o diagrama: traçam tangentes, operam trajetos “entre o ver e o dizer e
inversamente, agindo como setas que não cessam de penetrar as coisas e as palavras, que
não cessam de conduzir à batalha”.
As obras tomadas como dispositivos podem ser facilitadoras do trânsito entre
conteúdos conscientes e inconscientes, uma vez que tocam camadas sensíveis e pré-
verbais; desencadeiam condensações, deslocamentos, ressignificações e elaborações. A
produção de sentido por meio da obra artística é potente, na medida em que ativa e
agencia um diagrama para o grupo e para cada paciente transitar e elaborar. Esta
comunicação abordará o Cuide-se, por meio da apresentação de três dos dispositivos
clínicos utilizados nas atividades, a fim de enfatizar as potencialidades das obras de arte na
montagem de novos diagramas subjetivos (Rolnik, 2014), que diferem dos diagramas
produtores de sofrimento.
E neste processo de pensar a infância do ponto de vista das crianças, o corpo torna-
se a possibilidade da brincadeira (Finco, 2007), quebrando com barreiras de um corpo
reprimido por práticas educativas que segregam e oprimem meninos e meninas,
desbravando outros olhares e intensificando as relações sociais, constituindo a sua
identidade.
Quando adentramos no espaço da Educação Infantil com um olhar mais sensível,
afinado e receptivo vislumbramos um território de experimentação, exploração e educação
de meninas pequenas, meninos pequenos e adultos/as em que as diversas sensações se
encontram num ambiente que é diferente, mas que irá lhe deixar marcas.
Nesse sentido, pensar no espaço é relevante, porque deve ser um lugar propiciador
para as crianças pequenas construírem as culturas infantis (Faria, 2005,2009, Prado, 2009),
também ambiente motivador da possibilidade do agir, tanto para si mesma e no convívio
com o outro, construindo com elas o significado da autonomia, reorganizando os espaços
e tempos. Assim como contribui Ambrogi (2011): “O espaço, nesse sentido, pode
igualmente proporcionar à criança as múltiplas formas de expressão pelos usos de
linguagens e suas formas de criação”. E completo mencionando, que o corpo é o viés das
expressões e das linguagens.
A movimentação das crianças no espaço da educação infantil implica em novos
arranjos que possibilitem outras formas de expressões. Porque ao estar nesses espaços à
criança constrói sua forma de ser e estar no mundo.
Sabrina de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
sabrina-de-oliveira@hotmail.com
Nas escolas, os tempos e espaços são planejados pelos adultos para receberem os bebês.
Entretanto, como dito anteriormente, os bebês reinventam a rotina escolar. Em uma
proposta de brincadeira com blocos de encaixe, por exemplo, há muitas transgressões: um
bebê arremessa o objeto pela janela, outro faz do encaixe um carrinho imaginário e outro
bebê sequer toca no brinquedo. Essas transgressões nada mais são do que
desterritorializações. Deleuze e Guattari (1980) complementam que para se compreender
um agenciamento, é preciso verificar sua territorialidade e suas linhas de
desterritorialização. Para os autores, o território é tão inseparável da desterritorialização
quanto o código da decodificação. Deleuze e Guattari (1995), ao discutirem o conceito de
cartografia, defendem a utilização de mapas em oposição ao decalque, visto que este
último sempre se volta a ele mesmo como uma cópia e não como uma criação. Os autores
assemelham os mapas ao conceito de rizoma, definido basicamente como raízes
emaranhadas, linhas múltiplas que se conectam e se cruzam. O rizoma, embora seja
territorializado, está sempre sujeito às linhas de fuga que apontam para novas e insuspeitas
direções (Gallo, 2016), assim como os bebês inseridos nesta pesquisa.
Nesse processo vivenciado pelos bebês é possível observar por intermédio das
cartografias que eles agem por desejo o que lhes possibilita inúmeras conexões, não só
mediante o território que se encontra, mas em territórios vizinhos, objetos, pessoas. O que
251
Não existe momento algum em que a criança não esteja mergulhada num
meio atual que ela percorre, em que os pais como pessoas só
desempenham a função de abridores ou fechadores de portas, guardas
de limiares, conectores ou desconectores de zonas. Os pais estão sempre
em posição num mundo que não deriva deles. Mesmo no caso do bebê,
os pais se definem em relação a um continente-cama como agentes nos
percursos da criança.
Aqui os pais não são compreendidos como lugares, mas sim como agentes dos
percursos das crianças, definidores e conectores de lugares. Agentes de poder e, muitas
vezes, de controle.
Na cartografia que apresentamos, vemos uma situação registrada em uma turma
de berçário, em uma creche, no primeiro dia de atividades. Trata-se de um dia planejado
para o início do processo de adaptação dos bebês e por esse motivo, cada bebê está
acompanhado de ao menos um adulto da família. Há dois cestos com materiais não
estruturados disponíveis para os bebês brincarem, colocados em dois cantos distintos da
sala.
A professora está apresentando aos pais a equipe, as regras da creche e a proposta
para o ano. Então, um bebê encontra uma escola de cabelo e começa a batê-la no chão
produzindo um som. A ação deste bebê com a escova, faz com que outros bebês tentem
se aproximar. Inicialmente, vemos uma tentativa de aproximação interrompida pelo adulto
mãe, que intercepta o movimento de seu bebê, o pega no colo e o leva de volta para o
ponto de origem. Vemos aqui o adulto atuando como um “desconector de zonas”.
Pouco tempo depois, um outro bebê tenta se aproximar do bebê que ainda produz
som batendo a escova no chão. Sua mãe também se aproxima, mas ao contrário da
primeira, esta permite o encontro dos bebês. Permite seu bebê conectar-se a esta zona.
Adentrar e experienciar esse lugar produzido pelo encontro do bebê com a escova.
252
Assim, o lugar-território produzido pelo bebê que batia a escova no chão, é desfeito
com a chegada do outro bebê. A escova muda de mão. Ganha outros sentidos. Para de
fazer barulho. E nesse processo de des-re-territorialização, envolvendo os dois bebês e a
escova, a mãe exerce unicamente o papel de conectora de lugar. Aquela que autoriza e
observa o encontra. Pronta para intervir. Mas apenas se necessário.
Nesse texto uma tentativa de análise de algumas imagens fotográficas a partir das
quatro formas de similitudes apresentadas no livro “As palavras e as coisas” de Michel
Foucault e de alguns conceitos/teorias deleuzianos que fortalecem a ideia de
representação, não como cópia apenas, mas como processo de criação/invenção...
re(a)presentações de uma cidade... cidades da cidade de Feira de Santana, cidades da
cidade de Salvador, ambas localizadas na Bahia. O click enquanto ato de criação.
Ao percorrer as trilhas de possibilidades da re(a)presentação percebo que a cidade
não apenas é, mas sim que ela está, pois é da ordem dos encontros e percursos. Relações
corpo-cidade-máquina. Registros visuais e também algo que vai muito além da cópia,
produtos de um sentir e para Deleuze (1981) “A sensação é o contrário do fácil ou do já
feito, do clichê, mas também o contrário do “sensacional”, do espontâneo…” A sensação é
entendida como resultado de uma ruptura com o vínculo sensório-motor. É o acidente, o
choque.
Representar, apresentar, reapresentar. Transformar, reorientar, (des)organizar
conceitos. Assim, escolhi a (des)construção da palavra/conceito representar em busca de
outras visualidades da paisagem fazendo uma ponte com o pensamento de Gilles Deleuze
(2009), que denuncia as características de um modelo de representação que se limita ao já
conhecido, já visto, “[...] a repetição opõe-se à representação” e de Michel Foucault (1999)
que, em “As palavras e as coisas”, apresenta formas de semelhanças, algumas visíveis e
outras invisíveis.
Quais as cidades de uma cidade? Até que ponto o corpo é capaz de promover
encontros e a partir dessa relação corpo-cidade-máquina potencializar outros modos de
ver/sentir a paisagem? Movida por essas perguntas iniciei uma busca por experiências
inéditas, sensações ativadas pelas “invisibilidades” das semelhanças e das cores e silêncios
perceptíveis apenas depois do click, na tela da câmera.
A conveniência é descrita por Foucault como a similitude das propriedades.
Apresenta características como a vizinhança com os lugares, aproximação,
emparelhamento, comunicação pelo movimento ou paixão, um efeito visível da
proximidade, signos, círculos que se tocam.
Ao percorrer a cidade de Feira de Santana-Bahia com uma câmera Canon 600D me
permito criar novos lugares. O corpo performático se inclina e os olhos capturam uma
cidade oculta, visíveis e invisíveis atravessam a lente e se desenham no display LCD. A
intensidade do evento atravessa a tela e me atrave(r)ssa como efeito de um choque, um
acidente. Forças, talvez muito mais potentes que o monumento, a “igreja gótica” da
Avenida Getúlio Vargas (figura 1) que emergem das/nas imagens clichês, pois as
intensidades são efeitos e não coisas, elas estão no aqui e agora, no encontro entre o eu e
o mundo, "encontros alegres", encontros vividos em que a vida se reinventa dentro dela
mesma.
254
1
Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/
viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=5743062
255
O que está representado nas figuras 1 e 2? Ruas? Céu? Movimento? Está tudo ali,
uma coisa mais outra coisa. Cidades de Feira de Santana e de Salvador. Maquinações de
um pensamento re(a)presentados na fotografia.
Tudo no mundo é marcado, uma palavra para cada coisa, um signo para cada lugar,
cidades para uma mesma cidade. Saberes movediços, e para Foucault, a ligação de cada
coisa se dá pela adição, teoria que para Deleuze se manifesta através do “e”, ou seja, uma
coisa e outra coisa e outra coisa no lugar do “ou”. As palavras são coisas a serem decifradas
e todas as linguagens do mundo formam a imagem da verdade. Tudo que é visto, ouvido
ou falado se constituem como saber, mas um saber ainda em construção, um saber de
reticências deleuzianas, aberto a novas interpretações, por isso, para Foucault as palavras
não se findam. Troquemos o “é” e o “ou” pelo “e” assim será possível perceber tantas
outras cidades de Feira de Santana, tantas outras cidades de Salvador.
São infinitas as possibilidades que uma imagem permite, pois representar é também
apresentar, criar algo novo seja através de um pensamento maquínico, seja através de
manipulações maquínicas em um software de edição, a partir desse (des), dessa
(des)construção de uma palavra, novas cidades se revelam e com elas revela-se também
uma manifestação, um agir que se transforma em possibilidades. A fotografia funcionou
como suporte para as imagens que povoaram o caminho que trilhei até aqui e também os
pensamentos analíticos e conceituais dessa escrita.
No verão, de um país cujo ano anterior estava marcado por sucessivos casos de
censura às Artes2, este bando de artistas de Cabaré decide lançar-se ao encontro na escrita
de uma dramaturgia. Fragmentos de cena, transeuntes. Nos trajetos da sede até as praças
públicas, artistas deslocam-se. Improvisos e imprevistos em guinada. Indo para rua com
perguntas. Máquina Selvática.
1
Cabaret Macchina – Uma pós-ópera anti-edipiana da casa Selvática – Dramaturgia de Francisco Mallmann e
Leonarda Glück, a partir da obra de Heiner Müller.
2
O ano de 2017 no Brasil foi marcado por episódios de censura a temas contemporâneos na Arte como as
narrativas LGBTQIA+ e censura a temas recorrentes, como a nudez.
257
3
E-mail de processo, perguntas de Francisco Mallmann que assina a dramaturgia da peça.
4
Anotação de conversa, diário de pesquisa.
258
5
Cabaret Macchina – Uma pós-ópera anti-edipiana da casa Selvática – Dramaturgia de Francisco Mallmann e
Leonarda Glück, a partir da obra de Heiner Müller.
6
Anotação de conversa - diário de pesquisa.
259
Operar como o cinema de Rivette e sua potência do sonho. Lugar paradoxo, sonho
na vida, ou vida no sonho, uma vastidão. Lugar que “o sonhador pode apreender o dia e a
noite, o sol e a lua, como grande circulo exterior que comanda todos os outros e reparte as
sombras e a luz.”(pg. 232, 2016). Deleuze vê na obra de Rivette três círculos, três espirais,
que se ricocheteiam, sínteses que abrem ao infinito e tensionam a relação da cena, e seus
atravessamentos do teatro e do cinema na obra de Rivette. Opondo-se a teatralidade,
Rivette, texto produzido por Deleuze utiliza dos três círculos, aspirais que se desenvolvem,
se rebatem, se ricocheteiam no entre, para então abrir a toda uma irrealidade. Irrealidade
que é a potência do cinema, e que atravessa as virtualizações dos corpos de modo
semelhante, o que faz com que Deleuze faça aproximações das operações destes, e seus
modos de gestação de imagens. Rivette fissura o atuar ao explorar os papeis, as atitudes e
posturas, as mascaras, de modo a fazer vazar em movimento a dissipação da imagem.
Potência do cinema, do sonho e do delírio. Lugar do delírio, do sonho, do devir, onde o
sonho e a realidade se embaralham, arejando os limites enrijecidos do que Pirre Levy
denomina de “barreira de Ferro ontológica”, para que o pensamento possa agenciar novos
mundos.
Beckett e seu espaços-qualquer (2010), seu desejo de um espaço esgotado, para
que infinito possa rodar, opera uma extenuação das potencialidades do espaço. Busca-se
dissipar a potência da imagem de modo a criar espaços-qualqueres, que por mais
geométricos e delimitados que se apresentem, possam ser povoados e percorridos,
gestando ritornelos paradoxais que esgotam o espaço ao passo que o abrem ao infinito.
Esgotar o banal para abrir outras coisas, o espaço-qualquer é um tipo de imagem do plano
da geografia da extensão, só é possível povoa-la como nômade.
Teço essas três praticas de artistas, junto ao pensamento de Deleuze e Guattari, que
elaboram complôs precários que nos permitem tatear forças do mundo, potencia de um
meta-cinema nos corpos, nas cenas, nas operações do pensamento desmistificando as
imagens solidificadas. Maquina necessária ao por vir de um devir juntos, em
acontecimentos e danças de birutas desejantes que se propõem a dançar as e nas forças
do mundo. Experimentação de brinquedos-corpos-acoplamentos “Birutas”, que em sua
corporeidade busca sublevar o potencial dos corpos em experimentação, em suas relações
com as imagens e seu plano de consistência.
Matheus Reis
PUC-Campinas / Atelier Contágio / Nave na Mata
mth.reis@gmail.com
espécies que a habitam, bem como o domínio artístico de onde partiu o processo de
criação, houve uma circunstancia singular que proporcionou o desenvolvimento de um
novo vocabulário adaptado a esta, referenciado por conceitos de Deleuze/Guattari,
Maturana/Varella, Jacob Von Uexküll, Richard Morris, Ilya Prigogine, Fritjof Capra, Tim
Ingold, Suely Rolnik e Eduardo Viveiros de Castro.
Portanto, esse trabalho tem como proposição apresentar uma reflexão sobre a
criação de cartografias. Pauta-se pela experiência fenomenológica do corpo em uma
paisagem específica e expõe questões para debate, tais quais: Como a cartografia
estabelece pontos de fixação, ou ritornelos, para traçar um plano de consistência? Como o
movimento de territorialização apreende a paisagem enquanto matéria de expressão?
Como os afetos utilizam-se de artifícios reconhecíveis da paisagem para fazerem-se
compreensíveis ao outro? Essas inquietações tornam-se singulares na medida em que se
sustentam pela dinâmica expansiva das lianas, bem como, pela interdependência entre os
corpos vivos e os resíduos da paisagem para formação de ambientes. Com isso, é possível
se pensar na cartografia como uma máquina de guerra do corpo em transversalidade com
o espaço liso da paisagem, pois além de modificar e gerar linhas de fuga no percurso do
pesquisador assume sua interferência como parte do jogo de forças do ambiente.
Curiosa e com um mapa em rascunho inicio uma viagem (sem destino final) à e na
margem dos currículos- certinhos, marcados por espaços e tempos hierarquizados,
centrados no tempo cronológico, na reprodução de práticas e na naturalização dos
materiais chamados materiais pedagógicos. Num dos pontos do mapa está Gilles Deleuze
(2002) com quem tenho experimentado movimentos outros de pensares e fazeres que
potencializam devires… Com Sandra Mara Corazza (s/d) experimento propostas outras de
formação de professoras-artistas que curiosas experimentam transver as materialidades
para desencadear devires na relação com os pensamentos sobre o que se define como
material pedagógico nos currículos-certinhos. Pois segundo Corazza (s/d, 22),
Encontros como esse são atravessados por forças e velocidades infinitas do caos
criando múltiplas possibilidades de pensares e de criares. Com as professoras experimentei
apanhar desperdícios, amar os restos e inventar… (Barros, 2000).
Para além de peças soltas, como materiais, as materialidades são ferramentas-
potências que abrem espaços para pensar e que não se limitam ao adjetivo de pedagógico.
Portanto, a escolha de materialidades está diretamente relacionada com suas
potencialidades de criar espaços-tempos efêmeros, multissensoriais, acolhedores,
desafiadores. A relação com as materialidades é experimental e poética e possibilita às
professoras-artistas conectarem-se a movimentos de criação e expressão dos seus
pensamentos e fazeres.
Poetizar com as materialidades que atravessam e se conectam com os currículos
plurais e que potencializam devires... poéticas líquidas e fluídas e escorregadias e
flutuantes… poéticas dos restos… [re]liga e extravasa e [re]combina e captura e se apropria
e surrupia farrapos e resíduos.... poéticas das marcas e dos deslocamentos do olhar…
poéticas outras que potencializam novos movimentos curriculares e colocam os
pensamentos em movimento.
Nos encontros-acontecimentos as professoras-artistas criaram pontes e conexões
com seus movimentos criativos experimentados coletivamente; com os processos de
deformação e transformação singulares. O contato inesperado com a coleção de
materialidades provocou nas participantes um desejo de se aventurarem pelas produções.
Os olhares e comentários de surpresa e de encantamento transbordaram-se de afetos
experimentados pelo corpo. Extraíram sensações das materialidades. Desmoronaram
pensamentos. As professoras-artistas experimentaram relações efêmeras e inusitadas.
Criaram composições que alargaram e diversificaram multiplicidades de pensamentos
sobre "material pedagógico".
Reticente pergunto: o que é material pedagógico na educação infantil, nos
currículos plurais?
podem se espalhar por todos os lados, sem caminho traçado de antemão, desorganizam a
ordem e operam em outros espaços-tempos criados em seus deslocamentos.
Enquanto as máquinas de guerra operam em uma lógica externa ao aparelho de
Estado, sua potência destruidora não existe em oposição a nada, está a serviço de uma
fúria, manifestação de afetos que vêm de fora e não têm objetivo futuro. Elas barbarizam
ao sair da lógica estatal e sua univocidade, admitindo uma multiplicidade de perspectivas
e, consequentemente, desviando do espaço- tempo admitido como único pela soberania
política.
Considerando a proposta do seminário, a apresentação pretende pensar como, ao
jogar em cena um Mao Tsé Tung embrenhado em uma selva amazônica que se torna
personagem e contracena com Lênin e outrora havia sido mata de coca, enquanto Fidel e
Che disputam uma partida de xadrez, o Mapa Teatro instaura essas manifestações
bárbaras. Pois é a montagem - articulando vídeos, gravações de rádio, atores e cenografia
– que cria saltos revoltosos e delirantes, que estilhaçam qualquer linearidade ou
circularidade do tempo. E a cada cena vemos personagens que vão e voltam e reaparecem
de outro jeito e a cada salto podem surgir alianças para além do teatro, interlocuções com
o espectador que opera da sua própria maneira criando formas de traduzir em si mesmo
(ou em texto) a experiência e elaborar pensamentos críticos.
Dito de maneira mais objetiva, considerando que a arte pode despertar a sensação
de um conceito, tratar a produção do Mapa Teatro a partir da noção de máquina de guerra
é uma tentativa de pensar como experiências estéticas podem causar deslocamentos
subjetivos que destituem o Uno do pensamento e liberam perspectivas para olhar o
macropolítico.
Paramilitares, indígenas, negros, camponeses, traficantes, guerrilheiros,
comerciantes, sicários, prostitutas, drogaditos, múltiplas formas de vida se espalham pelos
vídeos, pelas cenas, pelos pensamentos e se encontram e se modificam constantemente
nos trabalhos do grupo - e quem era vítima corre o risco de se tornar carrasco. Apresento
desdobramentos do meu encontro com a produção do grupo que, a partir das
problemáticas encontradas em seu processo criativo e em suas obras, estabelece
conversações poéticas com a temática da produção de subjetividade no capitalismo
contemporâneo.
Giovana Scareli
Universidade Federal de São João del-Rei
gscareli@yahoo.com.br
1
Primeiro período de ensaios, de abril a julho de 2015; uma pequena temporada de três apresentações em
julho de 2015; um novo período de ensaios em 2016 e uma temporada mais longa com treze sessões, em
setembro e outubro de 2016.
274
103). Corpos e(m) cena, “máquinas desejantes” (DELEUZE, 1976 apud ZOURABICHIVILI,
2004, p. 67), criando hiatos, panes, curtos-circuitos no cotidiano estriado da repetição.
Diante desta ameaça ao teatro, arriscamos o habitar de um espaço entre as estrias,
uma busca pelos espaços lisos, “o espaço nômade… o espaço onde se desenvolve a
máquina de guerra” (DELEUZE, GUATTARI, 2012, p.192) e, portanto, cheio de potência e
devir, em meio às marcações e as amarras. Nômade no pequeno, nos intervalos entre as
linhas fixas, entre as margens, abandonando a segurança delas para se lançar ao caos, ao
desconhecido, o não saber.
Nessa missão complexa, o ator deve ser aquele cuja força crescente se desenvolve
no espaço aberto e liso, como diz Lins (2014, p.139) quando fala sobre o pensamento
nômade, que deve ser aquele que deseja o não sabido, o não mensurável, o espaço que se
sabe de dentro, não pelas suas beiradas, pelos limites, mas pela falta destes. Uma
complexidade tamanha que exige um estado de alerta e disponibilidade do ator para
perceber, o tempo todo, para de novo se lançar.
Desejamos partilhar não só essa jornada de invenção, mas também os dispositivos
apresentados aos artistas do grupo em sala de ensaio, exercícios corporais, jogos,
dinâmicas trazidas de outras experiências ou inventadas especialmente nesse caminho.
Dinâmicas que treinam um fluir mais livre da energia, uma atenção para a cena, um corpo
mas livre, uma capacidade de mergulhar mais na imaginação exigida pela cena. Dispositivos
para fomentar devires.
Nesse deslocamento que uma pesquisa nos provoca e nos convoca, apontamos
algumas reflexões na relação arte-educação, corpo-cena: a necessidade de pensar na
verdade do encontro para a cena, uma verdade que convida o habitar do liso, que convida
ao caos, mesmo entre tantas estrias; a valorização das histórias dos atores e o contato com
saberes diversos e, por fim, a reflexão sobre essa prática, podem ser inspiradores à
educação porque acreditamos em uma educação que, apesar das salas que se repetem
(sala de aula, sala de ensaio) é possível encontrar espaços lisos onde esses espaços se
reinventam e se tornam espaços-máquinas, máquinas desejantes, máquinas de guerra.
lugares nesta formação social estratificada em que vivemos, instituída em nós e que nos
consolida nos lugares que ocupamos. Assim, é possível trabalhar paulatinamente nos
estratos mais profundos da subalternização do sujeito latino, promovendo agenciamentos
que balancem estruturas, estruturantes e estruturadas.
Para este caminho, é necessário uma preparação do terreno, portando, as aulas são
desenvolvidas junto a processos de ritualização do espaço, assim conseguimos garantir
este espaço-entre, um espaço intervalar, ideia que se aproxima do conceito de Ma para o
viver oriental, um lugar onde o vazio não é esvaziado, mas sim um espaço pleno de
possibilidades.
A partir da composição deste espaço para o ritual teatral de construção de outras
realidades realizadas no corpo, avançamos para uma busca pelo cuidado de si, inspirados
pelos estudos da Hermenêutica do sujeito de Michel Foucault, de modo a garantir uma
resistência para os corpos desviantes. Estas condições criam a potência para a
investigações cênicas formativas junto a multiplicidade de corpos e informações culturais,
para que possamos cultivar a esperança a partir da luta diária pelo singularizar-se.
Corpo e espaço são o campo de ação destas proposições para cena teatral, o espaço
da aula recebe um tratamento ritual, fortemente influenciado pelos estudos e Antonin
Artaud, em busca do que há no solo primordial desta linguagem, assim criando certa
distância entre processos de experiência do corpo com processos de formalização técnica
do corpo.
Estes deslocamentos para a construção de um “fazer escola”, fazem referência aos
estudos de Símon Rodríguez que nos possibilita a cultivar este terrenos fértil em que Artaud
se encontra com Deleuze e Guatarri, onde não mais sabemos os limites entre estes agentes,
onde este espaço de possibilidades se manifesta, lugar em que colocamos em questão os
limites do corpo e suas possibilidades expressivas junto ao espaço ritual, onde o lugar é
intensidade de corpos, neste lugar se confrontam máquinas desejantes por organizar
corpos e corpos sem órgãos como princípios de antiprodução que cada vez menos,
suportam o ruído das máquinas.
Rafael Limongelli
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
rafaelimao@gmail.com
MATA-ME DE PRAZER
-50.000km // levitação y deriva
Uma paisagem. Nela o fundo e o primeiro plano se confundem. Anti-fundo e Anti-
frente. A voz de Carolina Bianchi convoca em todos os cantos do mundo o tesão. Um tesão-
prática, um tesão-modo-de-vida, um tesão-afirmação-de-si-no-mundo. Sentada, faz uma
palestra sobre um pedaço de terra que se desprega do continente e entra em deriva. Ela
fala enquanto Tom Monteiro a acompanha manipulando seus fios eletro-acústicos
produzindo uma composição ambiental, cosmológica: uma invenção de uma nova origem
para um novo povoamento e uma nova gente.
1
Ver em https://arteview.com.br/saga-erotica-mata-me-de-prazer-de-carolina-bianchi-na-oswald-de-
andrade/ (consultado em 04/11/2019).
2
Ver em https://www.revistabarril.com/gemer-a-gramatica-da-existencia (consultado em 04/11/2019).
3
Ver em http://ycaradecavalo.blogspot.com/ (consultado em 04/11/2019).
278
Os corpos se espraiam por toda América Latina, atrás da orelha de um burro, pelas
pernas que cruzam constantemente os metrôs, pelos desertos do continente africano, pela
rua de casa, pela biboca do capão redondo. Pululavam multiplicidades! Direções delirantes
no espaço. Localização orientada pelo desejo ingovernável, pelo erótico de cada humano e
não-humano que há no espaço.
Sexo. Fazer sexo com o espaço e seus povoamentos em variação contínua.
Desorganizam os laços que atam os sujeitos, aos verbos e aos objetos. Não há
alguém que senta em algum objeto. A performance agencia corpos humanos e não
humanos na composição de máquinas (técnicas e sociais). Máquina de guerra meio torpes
Um surubão pós-pornográfico!
Na orgia disparada por Bianchi, performers despossuídas de suas sujeições
reconectavam a possessão de si mesmas em ações disruptivas, como “acariciar com prazer
o teclado do telefone público” e “penetrar com o punho o porta-guarda-chuvas” e “roçar
com carinho as escápulas no caule de uma planta” e “friccionar com fúria o totem-
informativo contra o chão” e “amassar o rosto com tesão contra a parede de vidro” e “abrir
com ternura e sensualidade as pernas da porta de vidro” etc.
As performers atravessavam o território esquadrinhado-estriado do espaços
culturais de sociabilidade movendo forças de alisamento. O que as conduzia não era
acessível às codificações, uma cosmologia embebida no embaralhado da linguagem, da
gramática que máquina heteronormativa inscreve os corpo. Explosão dos significados
reconhecíveis. Elas se atiravam de um desejo a outro, de uma conexão a outra sem plano
de voo ou roteiro prévio. São forças de expansão das possibilidades de percepção daquele
espaço, expansão das possibilidades de percepção do corpo entre o que é permitido-
aconselhável e o que é inimaginável, impossível, invisível, impensável e indizível. Uma
capacidade de afetar, perceber, ser afetado e ser percebido. Elas não estão defendendo
uma pauta, uma bandeira, uma aula, um conselho sobre “como devemos viver” e sobre “o
que você deve fazer”. Não há intencionalidades pedagógicas e vontade de esclarecer quem
assiste.
Elas faíscam.
Incendeiam quem se permitir queimar.
LOBO
- 50.000 km ~ + 50.000 km // morrer y suor
Homens correm intensamente, sem direção, desordenados, por muito tempo,
levados a exaustão, nús, com garrafas de vidro nas mãos. Uma mulher mata muitos homens
tentando falar um poema. Homens e mulheres tentam forjar um set de cinema. Um
estômago é arrancado com as mãos. Uma lagosta fala que homens e mulheres andarão de
mãos dadas segurando uma faca pelo fio. Homens e mulheres trocam saliva. Uma lagosta
vira corpo humano. Uma tinta fluorescente vira corpo humano. O corpo humano
desaparece. Não há mais sexos. Nada se resolveu.
Em LOBO, morte, sexo, guerra, terror, cinema, ficção, tudo se mistura, tudo se torna
superfície. Há apenas zonas de indistinção. Grandes manchas e borrões por toda a parte.
As imagens se formam e logo são abandonadas. Nunca nada é levado à lugar algum. Um
sonho. Um nightmare, uma égua cavalgando a noite sem ver um palmo a sua frente,
bufando com paixão. Uma ameaça à segurança e à estabilidade. Um atentado terrorista
279
Nós somos o parlamento pós-pôrno que está por vir. Eles dizem
“representar”. Nós dizemos “multitude”. Eles dizem “dívida”. Nós
dizemos “cooperação sexual e interdependência somática”. Eles dizem
“capital humano”. Nós dizemos “aliança multiespécies”. Eles dizem
“crise”. Nós dizemos “revolução” (p. 14).
inicial (A) e o ponto final (B) traçamos uma reta: ela se apresenta distinguível e mensurável
por uma régua, uma fita métrica, um GPS. Quando colocamos o percurso entre A e B em
caosmose é uma variação contínua de possibilidades de conexão entre A-B, a mesura da
distância entre os pontos e dos trajetos são feitas por intensidades e não extensões. Os
percursos trafegáveis entre A-B são multiplicidades, variações e repetições, decalques e
espaços que deslizam. Não apenas o múltiplo em oposição à um uno, mas uma
multiplicidade sem unidade, não a conjugação de vários unos em um múltiplo. Talvez,
transciplicidades – uma multiplicidade subtraída de qualquer unidade: n-1. N pode
corresponder a todos e à qualquer um, exceto apenas à um, como escrevem Deleuze e
Guattari (2014) sobre as multiplicidades micro e macro.
1
Mil Platôs volumes 1, 2, 3, 4, 5.
2
Investigação, arte e performance: intercessões. In: Conexões: Deleuze e arte e ciência e acontecimento e...
3
Corporeidades contemporâneas: do corpo-imagem ao-devir. Fractal: Revista de Psicologia, v. 21.
4
Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo.
5
Pesquisa e Acontecimento: o toque no impensado. In: Psicologia em Estudo.
282
6
Filiação intensiva e aliança demoníaca. In: Novos Estudos
7
Mapas, dança, desenhos: a cartografia como método de pesquisa em educação. In: Pro-Posições
283
Comer consiste em uma atividade vital para nós, seres humanos. As energias que
nos movem vem das comidas. Calorias, carboidratos, gorduras, proteínas, vitaminas.
Compostos bioquímicos essenciais para nossas existências. Mas para além do biológico, a
comida consiste em algo cultural, social, econômico, geográfico, sensível. Atravessamos e
somos atravessados pelo o que, como, quando e onde comemos. Carneiro (2003) traz que
“A alimentação é, após a respiração e a ingestão de água, a mais básica as necessidades
humanas. (...) além de uma necessidade biológica, é um complexo sistema simbólico de
significados sociais, sexuais, políticos, religiosos, éticos, estéticos etc (CARNEIRO, 2003,
p.1)”. Comer é básico. É base para interagir, para sobreviver. A partir do comer aprendemos
a conviver com o outro e com o meio em que vivemos. É uma experimentação do mundo
através dos sabores, cheiros, texturas, cores. Experimentamos organismos vegetais,
animais, fúngicos. Vivenciamos minerais. Conectamos com o que comemos
bioquimicamente e afetivamente. Perpassamos pelo biológico e adentramos o sensível,
através da arte de comer. Comer com os olhos, ouvidos, pele, boca. Perpassamos a
educação em seus diversos espaços, pois onde existem pessoas, existe socialização e
aprendizados. Onde existem pessoas, existe comida. Pensando na educação que acontece
para além dos ambientes escolares, atravessamos os espaços familiares, religiosos, ruas,
praças, parques, museus, comércios e também os meios midiáticos. As mídias fazem parte
de nossas vidas e participam da construção dos processos que nos movem. A Netflix
aparece como uma provedora de produtos midiáticos, produzindo e compartilhando-os
globalmente. Em seu site, trazem que Netflix é um serviço de que permite assistir séries,
filmes e documentários atravessando e conectando “mais de 190 países”. Conexões
virtuais, midiáticas. Conexões cheias de potências. Exclusiva da Netflix, a série documental
Chefs Table foi criada pelo diretor David Gelb e fala sobre comida. Mas mais do que comida,
a série foca em vidas, memórias, culturas. Cada um de seus episódios retratada a vida de
um/uma chef renomado/a no mundo. São trazidos afetos, emoções, dores e delícias para
a tela, onde a comida - em posição central - se funde com as histórias de cada um dos
gastrônomos, num movimento inseparável entre emoções-comida-memórias-culturas. A
comida é mostrada como caminho. Caminho que atravessa corpos por emoções, culturas,
crenças e diversidades. Caminho rizomático de multiplicidades. Também comemos pela
cultural, pelas mídias, nos alimentando de inspirações, ideias e emoções pela série.
Escolhemos para este trabalho retratar os afetamentos causados por um episódio da série,
que é o terceiro da segunda temporada, trazendo a chef Dominique Crenn. O episódio
retrata a comida para além de algo apenas orgânico, mas como lugar de memórias,
conexões, encontros. Dominique foi adotada quando era bem nova por uma família que
284
lhe deu muito afeto. Seus pratos são obras de arte, comidas estéticas, criativas, arte-
degustativa. Segundo ela, o que lhe move para cozinhar é criar conexões com as pessoas.
Produz então pratos-conexões, rotas de encontros entre histórias e vivências, mediadas
pelos cheiros, cores e sabores. A chef considera seu restaurante como sua casa, e ao chegar
nele, recebe-se um menu escrito na forma de poema. Monique diz que não está servindo
um menu mas sim uma história. A comida assume lugar de conversa, diálogo, no qual a
chef busca um retorno. Memórias são tocadas por essas comidas, pela poesia e pelo jeito
de cozinhar de Monique. Relembramos das nossas experiências com a comida, com o
cozinhar. Comer em casa, servir o outro, cozinhar dialogando. Os processos culinários como
momentos de construir os laços de amor, amizade. Cozinhar com afetos, coletivamente.
Comida como experiência. O restaurante chama-se Atelier Crenn, remetendo Atelier a um
espaço de criação, criatividade, produções coletivas, e Crenn ao sobrenome vindo de seu
pai, que também era um artista, sempre lhe incentivando a inventar e ser quem ela
realmente é. Antes de falecer presenteou a filha com um quadro de flores brancas
desabrochadas que faziam referência à filha desabrochando para a vida e o mundo. Ao
procurar pelo site do restaurante, a primeira imagem que se tem ao adentrá-lo é de um
vaso com flores brancas desabrochadas e, ao fundo, o quadro que foi presenteado pelo
pai. São flores atuais e do passado, naturais e artísticas. Flores sensíveis, preenchendo o
restaurante e seus visitantes de afetos e histórias. Seu pai já falecido permanece vivo nela
e em seu restaurante, em suas memórias, inspirações. Permanece como força, potência.
Posteriormente, Dominique abriu um novo restaurante, o Petit Crenn, inspirado em sua
mãe. É um espaço menos formal, de diversão. Alegria de mãe para a vida de Dominique,
de seus amigos e clientes. Durante o episódio, ela volta para sua cidade natal revisitando
suas memórias, trilhando seus mapas antigos, mas agora como nova Dominique. Numa
mistura entre sua cidade natal, infância e seus restaurantes, Dominique diz que “Não é
sobre nós criarmos pratos. É sobre nós conectarmos tudo”. Conectar o passado com o
presente, o presente com o futuro. Início e fim, sempre com o meio. O meio onde se vive,
lembra, sente. O meio onde se come. Um meio rizomático, assim como a comida,
conectando com as memórias, os desejos, as dores, cores e sabores. Ao cozinhar,
Dominique conta suas jornadas, suas experiências. Conta sobre seus pais, sobre a França,
sobre sua adoção. Conta histórias de vida, com emoções a partir das comidas, com arte a
partir da estética, dos sabores, cores e cheiros. Conta sobre ela, na medida em que também
vai descobrindo quem ela é. A cozinha, o restaurante, a comida e as poesias de Dominique
são ela e suas marcas. O episódio retrata recortes da vida da Chef e processos que a
marcaram. Através da comida são construídas narrativas sobre quem Dominique é. A
comida aparece pulsante, viva, artística, potente. Comida como meio, sempre no meio. O
meio onde as coisas acontecem. Comida rizomática, pois como trazem Deleuze e Guattari
(1995, p. 36) “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre
as coisas”. Comida que transporta, que retrata ambientes, que faz sentir, possibilitando
encontros e conexões com o outro e consigo.
Estes escritos têm por intuito pulverizar alguns lances de dados conjugados sobre
possíveis contribuições conceituais e teóricas – junto de nossas experimentações visuais,
de escrita e pensamento - que o teatro pode proporcionar ao campo filosófico-educacional.
A partir do pensamento de Gilles Deleuze e sua obra Sobre o Teatro - Um manifesto de
menos (2010), produzido a partir da obra dramatúrgica de Carmelo Bene - pinçamos o
conceito de devir-menor/minoração e a noção construída, pelo autor, sobre a operação de
subtração/amputação presente nas peças de Bene. Encantamo-nos com a admiração com
que Deleuze produz pensamento a partir do que o mesmo denomina de “operações de
amputação” de peças teatrais clássicas produzidas por Carmelo Bene: um teatro de
precisão/operação cirúrgica, entendendo-a como um “movimento de subtração, da
amputação, mas já recoberto por um outro movimento, que faz nascer e proliferar algo de
inesperado, como numa prótese […]” (DELEUZE, 2010, p. 29). Personagens são amputados
em seus lugares usuais de poder (família, Estado) para serem remexidos, deformados,
tomando novos usos e rumos, nascendo e morrendo em cena: mutantes em sua existência,
eles podem adquirir infinitas características ao longo da peça, onde parece se perder
qualquer referência fixa dos mesmos. Ao amputar clássicos, segundo Deleuze, Carmelo
Bene faz o teatro em si mesmo entrar num devir-minoritário: minorizar autores grandes e
personagens essenciais nos instiga o interesse de, junto com a operação de subtração,
‘minorar’, fazer vias de um devir-menor, dando um tratamento menor e encontrando uma
força ativa menor nas coisas, nos nossos modos de nos relacionarmos e concebermos o
mundo. Para Deleuze, encontrar e produzir movimentos de menos implica um minorar a
língua, torná-la exposta a sua variação contínua, deslocamentos em meio à força constante
e homogênea imposta por uma língua maior, standard. Porém, junto à língua (ao usarmos
essa língua), as minorações de Carmelo Bene implicavam um agir (gestos) perturbado,
corpo que se atrapalha por coisas remexidas do seu lugar ordeiro, senhoril e dominador
(BALESTRERI, 2018). É desse cenário exposto, desse agenciamento afetivo Bene-Deleuze,
que desejamos fazer ressonar aqui a operação de subtração/amputação e o tensionamento
286
RASGA A CARNE
Com base nos trabalhos acerca do Corpo sem Órgãos1 foi realizado este texto do
qual temos um resumo: Essa carne dura, endurecida pela vida, embrutecida pelos brutos,
duros. Menina, moça, mulher, quanto essa carne endureceu para ter que suportar tamanha
dor, dores e horrores. Uma carne que dia após dia se endurecia, se fechava, se calava. Dura
a carne virou pedra. Dura a dor se fixou em minha carne. Carne dura, fechada, calada. Essa
carne que se contraiu de tanta dor de falso dissabor. Uma alma pura e doce e tão dançante
e alegre e cantarolante, o seu brilho forte e belo de tão cálido e amarelo já cegava os
arredores. Esses arredores embrutecidos, coitados, estarrecidos não aguentam essa luz.
Esse brilho de alegria já ofusca os arredores escurecidos pelas almas brutalmente
endurecidas não te querem ver brilhar querida. Te açoitam, açoitam o seu corpo
cotidianamente, com gestos brutos e palavras carrancudas, dia após dia apagam cada
pedacinho dos seus pontos de luz, vão te jogando terra, paus, pedras, cuspes, palavras-
tiros, gestos-armas, vão te jogando pregos, ferros, açoites, pequeninos e grandes, todos os
tipos. E a carne dantes mole e bailante de uma pequena infante, vai se firmando em duros
blocos, pedaços, calosidades, embrutecimento, endurecimento, calcificação da carne e da
alma. Aos poucos o olhar morreu, a luz se foi e somente uma carne dura. Será carne ainda?
Ou apenas um pedaço de pau, de ferro, de prata escurecida, de ouro sujo, coberto com
cimento, cal, lama endurecida. Esses blocos calcificados de carne empedrada me dificultam
o respirar, me entortam o caminhar, me impedem de dançar e embaraçam o meu olhar.
Um olhar morto, feio, escuro, baixo, caído. Um pedaço de pau seco e duro tentando
sobreviver, rachando. Oh! Lágrimas profundas! Amoleçam este galho ressecado, hidratem
essas pedras sujas, limpem este ouro fosco! Águas salgadas de minhas lágrimas limpem
esse olhar obscuro. Lanças, me rasguem as armaduras! Facas, me rasguem aberturas, por
onde eu possa respirar! Suplico que me rasguem mais e mais! Me abram fendas para que
eu possa sangrar! Esse sangue estancado, essa carne endurecida, que o sangue possa
passar... que a água possa limpar e que o ar possa fluir... Rasguem a minha carne dura e
arranquem as pedras. Talvez mandar de volta àqueles que me jogaram, talvez embora para
longe de todos nós. Essas pedras embrutecidas que me pesam os ombros, deformam as
costas e entortam meus pés. Me salve ó mãos amigas, fortes e sábias! Me ajudem a
arrancar essas pedras que estão encravadas em minha dura carne. Que eu possa leve,
novamente devir. Que uma alma leve e bela possa florescer, fluir! Será que apenas na
morte poderei viver? A morte eu já muito desejei, já que o peso das pedras me atordoava.
Mas cresci e mais forte fiquei, pois com as pedras aprendi a conviver. A carne dura eu
demais suportei. E tão forte que eu fiquei, que já não mais percebia que a carne dura em
mim vivia. Dura já era a alma e dura era eu. Eu: dura carne bruta, ser embrutecido. Eu:
firme e forte, olhar turvo, sombra da morte. Mas... eis que a alma, tão bela e doce, por uma
fenda se fez passar. Em meio a tanta brutalidade, uma faca distraidamente rasgou o galho
secante e uma fenda bem pequenina deixou a alma luz menina me atravessar. E no meio a
1
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia 1.Trad. Luiz B. L. Orlandi, São Paulo:
Editora 34, 2011, 2ªed.
289
tanta carne dura, uma gotícula de água salgada, de uma lágrima quase apagada, gotejante
se fez passar. E os dias foram passando e a fenda que antes, tão pequenina, aos poucos se
foi abrindo. E agora eu vejo tão triste alma, aprisionada e endurecida, um pedacinho do
seu brilhar. Esse pequenino brilho de luz, devagarzinho já me conduz. E pouco a pouco
busco mais facas, garfos, agulhas e vou vagarosamente, rasgando a carne, cada pedacinho
já vai rasgante, abrindo fendas bem mais gigantes. A carne abre e se faz sangrante, vem
sangue meu me banhar de vida e a alma já vem pulsante. Abre essa fenda com mais alarde,
arrebenta essa carne com mais desgaste, arregaça essa carne dura. Com marteladas amacia
essa carne que aos pouquinhos já vem sangrante: uma luz intensa se faz brilhante. Vem
brilho meu me fazer dançante, vem com força cegar o errante que outro dia me fez açoite
e hoje me vê brilhante!
.......................................................................................................................
Sombra da morte, como sobrevivi? E forte! A luz do luar me ajudou, a cada nova lua
um novo suspiro. A saia rodada e os bicos dos seios me aluziram um ser mulher. Forte a
sombra da morte me ajudou. Como sobrevivi? Uma tia que de longe via. Como
sobreviveste? Sua força só pode ser grande pois como menina, moça, mulher, loba, no
meio de tantos machos, fortes, ofegantes, arrogantes, bravos ameaçantes? Como
sobrevivi? Mulher, menina, moça, meiga, o que te trouxe aqui? Que missão foi essa? E
como sobrevivi? Imagine então outras tantas mulheres? Em meio a tantas situações,
meninas, moças, fortes que apesar da constante sombra da morte sobrevivem. Meninas,
minhas amigas, somos todas sobreviventes, com nossos corpos ardentes despertando
desassossego nos meninos ao nosso redor. Doces Evas, que com olhares e seios seduzem.
Os homens, meninos, coitadinos, não conseguem, não se conseguem e como no tempo das
cavernas, doce sombra da morte que é hoje, eles nos atacam cotidianamente, nossos pais,
mães, irmãos, primos, tios, avós, amigos, vizinhos, estranhos, os homens, meninos nos
atacam! Que coisa que nós causamos nesses homens? Que loucura e desventura, que
desassossego que eles se jogam, nos machucam, nos xingam, abusam, nos subjugam...
Somos todas sobreviventes de nossos queridos entes, e depois a escola, os hospitais e
todos esses locais onde eles nos olham, seus olhares atordoados.
ANTIFASCISMO TROPICAL
Eduardo Passos
Universidade Federal Fluminense
e.passos1956@gmail.com
Foi na prisão que Caetano Veloso ouviu surpreso a preleção moral feita por um
militar que discorreu sobre a rebeldia da juventude e como o pop e o rock poderiam
destruir a estabilidade política conseguida com o que chamava de a Revolução de 64: a
capacidade de pulverizar a realidade e tratar fragmentariamente os costumes e os valores
morais era subversiva e justificava a repressão Essa mesma estirpe de subversão apareceria
também no primeiro trabalho conjunto de Gilles Deleuze e Felix Guattari, O anti-Édipo
(2010), publicado em 1972 sob efeito da onda contracultural disparada em 1968. Do lado
de cá e do lado de lá do Atlântico, modulava-se o enfrentamento ao fascismo e disputava-
se o sentido das noções de país e de desejo nas intervenções inventivas tropicalistas e
esquizoanalíticas. O que gostaríamos de fazer aparecer neste ensaio é a estranha conexão
entre as apostas brasileira e francesa, defendendo explicitamente que a coligação entre
estes trabalhos é a sintonia no modo subversivo não antagonista de enfrentamento ao
fascismo. Há certo rebatimento de época, uma coetaneidade entre os enfrentamentos
franceses e brasileiros que se fizeram sob uma afinação curiosa a partir da qual o desejo e
o Brasil podem se colocar sob a mesma ética.
No prefácio que escreveu para a edição estadunidense do livro de Deleuze e
Guattari, Michel Foucault (2010) indica que se trata de uma obra que apresenta a ética
para uma vida não fascista. Mas é preciso que entendamos que, sob a perspectiva que ali
se apresentava, haveria um fascismo molecularizado e menos evidente do que aqueles
realizados por Benito Mussolini e Adolf Hitler – embora também muito profundo e
incrustado nos processos de subjetivação como as experiências da Itália e da Alemanha nas
décadas de 1930 e 1940. Se Deleuze e Guattari têm razão ao apontar que toda molarização
produz molecularização, é preciso dizer que as experiências do Duce, do Führer e do
Generalíssimo produzem e espraiam certa cotidianidade fluida deste modo triste e
mortífero de relação com o outro. A análise crítica realizada em O anti-Édipo não focou
especialmente o fascismo clássico, com um chefe carismático, o nacionalismo exacerbado
e o culto da tradição que o caracterizou, mas aquele fascismo que, paradoxalmente após a
vitória do capitalismo e do comunismo contra esse mesmo fascismo na Segunda Guerra
Mundial, se espalhou como modo hegemônico de lidar com o outro. E se esse fascismo
molecularizado – já não mais percebido como forma, mas como fluxo – é o que o livro de
Deleuze e Guattari critica, talvez estejamos no momento mais propício de nossa história
recente para entendê-lo e enfrentá-lo. E se assim é, certamente outros modos de combate
serão demandados quando o fascismo se moleculariza como no Brasil da segunda metade
dos anos 2010 – modos não destrutivos de entrar no campo de batalha e que efetiva mais
uma luta-com do que uma luta-contra: uma agonística, mais do que um antagonismo.
291
O presente estudo se articula com esta edição do “VIII Seminário Deleuze e Corpo
e Cena e Máquina e...” pois objetiva suscitar as ocupações dos secundaristas como uma
máquina de guerra nômade produtora de saberes próprios de uma ciência menor que
inventou uma heterotopia da escola, criando uma micropolítica provocadora de diferenças.
Investiga as ocupações dos secundaristas nas escolas do Estado de São Paulo, que
ocorreram no ano de 2015, a partir do conceito de máquina de guerra nômade de Gilles
Deleuze e Félix Guattari. Para os autores os conceitos nos remetem a um acontecimento e
não a uma essência propriamente dita, trata-se de um encontro que reverberam as lutas
contra o aparelho de Estado e suas políticas de assujeitamentos sedentários. A máquina de
guerra possui uma potência criadora de multiplicidades subjetivas e funciona de modo
exterior ao aparelho de captura, sua organização é própria dos bandos e nômades
guerreiros, por vezes usa a guerra como forma de dispersar a centralização despótica do
Estado.
Relacionar as ocupações dos secundaristas com o conceito de máquina de guerra é
recepcioná-las como forma de resistência frente aos aparelhos de captura. A máquina de
guerra é uma forma de luta e sua guerra não pode ser confundida com a violência do
Estado. É um modo de se apropriar da escola, é uma tática de desterritorializar o espaço
estriado escolar. Opera nas linhas moleculares do desejo e de fuga, sua dimensão política
é criadora de potências que tendem a cortar, romper com as linhas molares próprias às
estratégias do aparelho de captura. Somente uma máquina de guerra pode cortar as linhas
molares que operam na captura reterritorializando os fluxos que tendem à fuga.
Nossa proposta é situar as ocupações dos estudantes a partir de uma micropolítica,
característica da máquina de guerra. A luta dos secundaristas permitiu a
desterritorialização do molde da escola, propiciando a inventividade de um espaço
heterotópico. As ocupações evidenciaram uma tática de subverter o funcionamento da
escola, rompendo com a demanda de estratégia de implementação da macropolítica
estatal de reorganização das escolas em ciclos e faixas etárias.
Nos platôs, “1227 - Tratado de Nomadologia: A Máquina de Guerra” e “7000 A.C -
Aparelho de Captura”, Deleuze e Guattari apresentam axiomas, proposições e problemas
para pensarmos a máquina de guerra e o aparelho de captura. O primeiro Axioma é para
afirmar que “A máquina de guerra é exterior ao aparelho de Estado”(DELEUZE, GUATTARI,
1997, p.11), esta tese da exterioridade da máquina de guerra é para confirmar que o Estado
está sempre em relação com um fora, com aquilo que escapa ao seu controle, um
acontecimento que está fora das suas normas e regras.
O segundo axioma que os autores nos colocam é que “A máquina de guerra é a
invenção dos nômades (por ser exterior ao aparelho de Estado e distinta da Instituição
Militar). A esse título, a máquina de guerra nômade tem três aspectos: um aspecto espacial
geográfico, um aspecto aritmético ou algébrico, um aspecto afectivo” (DELEUZE,
GUATTARI, 1997, p.50).
293
Rosane Preciosa
UFJF
rosane_preciosa@yahoo.com.br
Escrevo mobilizada por uma aflição pessoal, diante de uma série de acontecimentos
políticos que faz o Brasil a cada dia retrogradar em conquistas nos planos social, ético e
estético. Se uso o substantivo aflição é porque é algo que pega no corpo pra valer. E me
interessa demais que o corpo reaja ao que lhe parece insustentável, ao que possa
amortecer a exuberante vida que cada corpo traz consigo ao nascer, vida que deseja se
expandir e inventar valores, não apenas reproduzi-los docilmente.
Diante de um contexto de extrema adversidade e desolação que nos atinge, tenho
quase que diariamente me feito a seguinte pergunta: como resistir aos modos tristes que
esses tempos destilam? E resistir aqui, sublinho, é ultrapassar a ideia de combater, de
afrontar uma situação de opressão, ainda que seja necessário, mas sobretudo sintonizar
alguns lampejos de imaginação que saltam e revertem esse quadro, nos restituindo uma
vitalidade e uma alegria. Nesse sentido, me interessa sintonizar ações de artistas
“patenteados” ou não que acabam funcionando como um laboratório de descompressão
imaginativa
Pretendo, nesse artigo, reunir algumas ações artísticas que, de modos distintos e
singulares, nos convocam a nos insurgir contra o que sufoca nossa vitalidade, contra o que
breca nossa imaginação, ativando pequenas insurgências cotidianas. Há uma esfera das
micro ações por vezes negligenciadas, e que são contagiantes, legítimos catalisadores de
afetos, capazes de alterar a experiência das coisas do dia-a-dia.
Como referencial teórico, meu ponto de partida é a apropriação de alguns conceitos
da dupla Deleuze&Guattari, bem como de pensadores alinhados com a Filosofia da
Diferença, mas não só. É importante, a meu ver, trazer aportes teóricos procedentes do
campo da arte e da performance, passando pela literatura, bem como autores que
transitam pela Filosofia da Diferença, pela via da Educação. Entendo que um chão teórico
múltiplo suscita e ativa outros modos de pensar e sentir. Sobretudo traz frescor ao
pensamento.
para abordar o exercício investigativo Neste sentido a imanência como o planteia Deleuze
(1995), não dependente de um objeto nem pertencente a um sujeito, se faz presente nas
atualizações que sujeito e objeto fazem desde as interações de acontecimentos que
perpassam, neste caso isso, tanto a pesquisa quanto o pesquisador. Quer dizer todas as
singularidades e multiplicidades que se passam no encontro demarcado pelos interesses
enraizados no querer saber, conhecer, pontuar ou postular desde as ciências e por quem
procura dar forma a esses interesses. Assim, em Uma história [de um educador
matemático] da/na floresta... enquanto se narra uma pequena parte do caminhar e autuar
professional do autor junto às comunidades indígenas, onde se declara que antes dessa
experiência, nada sabia do que era se internar no mato, nem de navegar por horas e horas
no rio baixo o sol abraçador ou chuva inclemente e inesperada, nem da magia de noites e
noites sem energia elétrica. Pois mais do que um formador de professores em comunidades
esquecidas pelo favor de deus, era eu um caminhante errante em busca de respostas a
perguntas ainda não feitas...1 compõe-se um espaço-tempo que convida a pensar vida e
pesquisa de modo conjunto.
1
Trecho da narrativa composta pelo autor para operar, justamente, a proposta aqui apresentada.
298
Jussara Brigo
Prefeitura Municipal de Florianópolis
brigojussara@gmail.com
1
www.gecem.ufsc.br
2
DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro, São Paulo: Escuta, 1998, p. 15.
3
SOUZA, P. Agenciar. In: FONSECA, T. M. G.; NASCIMENTO, M. L.; MARASCHIN, C. (Org). Pesquisar na
Diferença: um abecedário. Porto Alegre: Sulina, 2012, p. 29.
301
4
DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 124.
5
FLORES, C. R.; MACHADO, R. B.; WAGNER, D. R. GECEM em montagem ou produzir conhecimento com um
grupo que estuda educação matemática. In: CUSTÓDIO, J. F. et al. (Org.). Programa de Pós-Graduação em
Educação Científica e Tecnológica (PPGECT): contribuições para pesquisa e ensino. p. 129-146. São Paulo:
Editora Livraria da Física, 2018, p. 131.
6
FLORES, C. R. Visualidade e Visualização Matemática: Novas Fronteiras para a Educação Matemática. In:
FLORES, C. R.; CASSIANI, S. (Org.). Tendências contemporâneas nas pesquisas em Educação Matemática e
Científica: sobre linguagens e práticas culturais. Cap. 4. p. 91-104. Campinas: Mercado de Letras, 2013.
7
SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, Etienne (Org.).
Como pensam as imagens. p. 21-36. Campinas, SP: Unicamp, 2012.
8
SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, Etienne (Org.).
Como pensam as imagens. p. 21-36. Campinas, SP: Unicamp, 2012, p. 22.
302
Carolina Tamayo
Universidad de Antioquia / Faculdade SESI-SP de Educação
carolina.tamayoo@udea.edu.co
Michela Tuchapesk
USP/ICMC-São Carlos
mtuchape@gmail.com
1
Notação usada no Projeto matemáticas realizado pelo grupo de estudos PHALA (Educação, Linguagem e
Práticas Culturais) da Faculdade de Educação da Unicamp, em parceria com LABJOR-Unicamp.
303
Uma criação de formas de operar que não produziu significado algum, um expoente
negativo passa a compor com subtração ao resultado de sua potência:
2−2 = 22 = 4 → 4 − 2 = 2 .
Dar um sentido ao expoente negativo, na escola, por professores e em vias de uma
metodologia, pode-se fazer o uso das propriedades de potência, construindo uma tabela
para diversos valores até presentificar uma regra matemática: dada uma potência x– y, com
x e y reais, o seu resultado é igual ao inverso de x elevado a y. Um caminho.
Uma aprendizagem, um abandono. Um vagar. Um vagabundiar. Deixar o corpo
mesmo que por um só instante nessa caminhada sine via. Produzir uma pele. Constituir
língua. Colocar uma veste. O importante não é a transformação de uma forma a outra, mas
o expor-se, o expandir-se, o existir. Não se trata da infidelidade a uma forma, que já não
permite expansão, e por isso necessita de substituição, mas de estar de cara com o
imprevisto, com o estranho, com o que desestabiliza, com o fora que não se resuma a uma
exterioridade, colocando em questão aquilo que se é. Um espaço líquido da metamorfose.
Trata-se de uma fidelidade ao riso. Ao que se põe em perigo e ao que questiona certezas.
Em uma formação que se faz e desfaz, que na travessia produz abandonos, o que
está em jogo é o risco, um desconhecido que volta a ameaçar. “Não sejas nunca de tal
forma que não possa ser também de outra maneira. Recorda-te de teu futuro e caminha
até a tua infância.” (LARROSA, 2004, p. 41).
É possível pensar a partir do momento em que não tem uma armadura disposta a
proteger? Em um eterno vagar que na caminhada acaba-se por abandonar-se?
Aprender, por vezes, exige o abandono do mundo e de nós mesmos. Aos modos de
Kastrup (2007), inventar-se e inventar o mundo, indissociavelmente.
Um paradoxo em constituição em vias da aprendizagem. Uma desapropriação. Se
por um lado aprendizagem, num sentido do dicionário, significa reter, prender; em uma
perspectiva nietzschiana, aprendizagem é um risco de perder todo o domínio das coisas.
Um arriscar-se à perda de si, à perda de uma das várias máscaras.
Abandonar moradas, talvez, seja essa uma expansão que se exige ao aprender uma
certa travessia vagus. “Toda pessoa é uma prisão, um vínculo.” (NIETZSCHE, 2012, p. 54).
Assim como diz Zaratustra o caminho não existe, nenhuma predestinação, nenhuma
norma, somente o desapego.
Aprender latim exige abandonos e, quando somos incapazes de abandonar, o amor
não acontece. Assim um aprender matemática pela matemática, forma e conteúdo
também podem ser alvos de um cupido.
É no risco, na perda de si, na vulnerabilidade, na insegurança de um sem caminho,
que um aprender habita uma desapropriação. Um tomar-se para si forças para deixar ir,
para abandonar, desprender-se das amarras de produção do já reconhecido. Desaprender.
Um constituir peles e línguas e escritas e falas e matemáticas outras.
Giovani Cammarota
Universidade Federal de Juiz de Fora
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Rio Claro
giovani.cammarota@gmail.com
Sala de aula, primeiro ano do Ensino Fundamental: uma infinidade de objetos povoa
as paredes. Objetos mudos para fazer ler, para fazer falar, para fazer contar, para fazer
representar. Letras palito maiúsculas e minúsculas, os números de zero a nove. Os cartazes
com os numerais respeitam a ordem crescente dos números naturais e se compunham
sempre da mesma maneira: cada um deles tinha o algarismo indo-arábico, de forma grande
e destacada na parte superior, no meio aparecia, por extenso, o nome do numeral
correspondente e logo abaixo, rosas coladas representando a quantidade que o numeral
apresentava. Assim, por exemplo, no cartaz que continha o número 2, aparecia a palavra
dois no meio e duas rosas abaixo.
Um problema para a educação matemática e representação: o numeral 0. Como é
possível representar a quantidade de um número que não possui quantidade, e por isso,
não possui representação? Como operar com a ideia de quantidade e representação com
o zero? Numa sala de aula de primeiro ano do Ensino Fundamental, um cartaz para o
número zero fixado na parede: na parte de cima, o algarismo 0, no meio a palavra zero, na
parte de baixo, nenhuma rosa, um espaço aparentemente “vazio”. Até então, a vida seguia
com aquele espaço vazio e outros cheios.
***
Certo dia, na aula de matemática, um menino começou a contar. E ele dizia em alto
e bom som: “zero, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, deeee...? Ué, tia, cadê
o dez?”. Uma criança instaura um problema: o que acontece com os números depois do
nove? A professora, em atenção ao que se passa, propôs a sua turma produzir cartazes com
os numerais e suas representações até o número 20. Assim, uma aula ia se fazendo.
Crianças e professora produzindo cartazes para o dez, para o onze, para o doze... seguindo
o modo de fazer instaurado pelos cartazes que silenciosamente habitavam a sala de aula
com o esquema: os algarismos, o numeral escrito por extenso, uma representação do
número com rosas.
O menino ávido pelo 10 pede para colar a rosa no cartaz. A rosa? A – artigo definido.
Definido: uma rosa seria colada por ele no numeral 10. E assim aconteceu. Representando
o número 10: uma rosa na parede. Logo na primeira produção, um problema se instaura: a
representação do número 10. Que maquinaria inventiva trava guerra com as
representações na produção de uma vida? Como maquinarias convidam as representações
307
próprio movimento da pesquisa. Um passeio, uma relação com o fora da educação infantil,
com a educação matemática seus foras e seus dentro e seus entre. Uma relação com o fora
da educação matemática na educação infantil, programada em currículos, em materiais
apostilados e planejamentos. A pesquisa em modo esquizo não se ocupa com solução de
problemas, mas com problematizações, colocando em movimento modos outros de se
pensar e praticar a educação na infância: durante todo trabalho de escrita e estudo,
consideraremos como dimensões as seguintes questões disparadoras: onde pousar a
atenção do cartógrafo? Como a matemática pode provocar vidas na educação infantil? O
que acontece quando nos voltamos para imagens produzidas por crianças? O que podem
imagens produzidas por crianças nos colocarem a pensar, de modo geral, sobre a educação
na infância e de modo específico, a educação matemática na infância? Igualmente, em
modo esquizo, a pesquisa não se ocupa com a busca de invariantes, como indica Clareto
(2015), ao contrário, ocupa-se com o que escapa à norma, com o que escapa em fluxos e
escorre das formas. Uma pesquisa na educação infantil que se apresenta em aberturas ao
que acontece, enquanto acontecimento. Nessa pesquisa, imagens produzidas pelas
crianças brincando e operando em seus mundos abrem uma perspectiva em que debaixo
da mesa se torna foco, trazem a possibilidade de uma trilha que leva à "Casa do Macaco",
produzem novas organizações em que cadeiras enfileiradas passam a ser um ônibus,
assumem a proximidade da flor em modo zoom, relacionam formas tão diversas e
impensadas como um globo e um telefone e, entre tantas outras imagens, possibilitam que
outras matemáticas ou uma amatemática possam ser inventadas.
Para começar: uma cena de uma pesquisa de doutorado em Educação que se ocupa
em pensar como crianças se produzem ao produzirem matemática.
***
Primeiro ano, ensino fundamental. Troca de professoras: sai a que está mais
próxima do processo de alfabetização, entra a que está mais próxima do conhecimento
matemático. Eu com ela, que me conta de uma conversa com a coordenação pedagógica.
Apresentava-se uma demanda: espalhar pela parede da sala de aula cartazes que
indicavam as quantidades de um a nove. A professora produziu os cartazes. Em cada um
deles, um numeral e desenhos das crianças para representar a quantidade correspondente
ao numeral.
Quando me sento próximo da professora, ela me dá os cartazes. Passo um a um,
reparando os desenhos. Enquanto isso, ela conversa com a turma sobre a atividade do dia,
que tinha a ver com localização no espaço dado um referencial, como estar à direita ou à
esquerda, acima ou abaixo de algum objeto ou pessoa. Foi quando a menina se aproximou
e logo emendou a questão: o que é isso? Sem esperar por uma resposta, apossou-se dos
cartazes no meu colo. São os números, né? O um, o dois, o três, o quatro, o cinco, o seis,
tem um desenho meu aqui! o sete, o oito, o nove, o de... Olha, está faltando o dez! A menina
apontava para um cartaz imaginário que deveria estar depois daquele que continha o nove.
É, está faltando o dez, concordei, e também o onze, o doze, o... A interrupção veio num tom
de urgência. VOCÊ SABIA QUE EXISTEM INFINITOS NÚMEROS? A pergunta da menina,
genuína questão de quem quer chamar a atenção para algo da mais vital importância, me
emudece. E ela, com os olhos nos cartazes, indiferente à minha surpresa, continuava atenta
à falta do dez depois do último cartaz. Numa tentativa de agarrar aquele momento,
evoquei a questão que o silêncio primeiro havia me dado: É mesmo? Então existem infinitos
números? E o que será que são infinitos números? A vozinha emendou como se fosse óbvio
que era porque eram muitos os números. Insisti: então, o que será que é infinito? E ela
insistiu com a resposta: infinito é número. E tão abruptamente quanto chegou, sem aviso a
menina me deixou com os cartazes, os números e o infinito, e voltou para sua carteira.
Os números são muitos e, por serem muitos, são infinitos. O infinito é número. Dois
enunciados e um pesquisador inquieto se engalfinham pelos dias que seguem a conversa
com a menina. Outras visitas minhas àquela turma se passam sem que o infinito retorne.
Até que algumas semanas depois, ainda tomado por aquela cena, chego perto da menina
e relanço a questão: o que será mesmo que é infinito? E ela relança a resposta: é porque
tem muitos números! Atualizo uma das muitas coisas que me vieram no intervalo entre as
duas conversas. Então se existem infinitos números, será que dá para contar todos eles? Se
dá eu não sei, mas se der, a gente vai ficar contando até aquele dia ali, oh! Com o dedo, a
menina apontava a foto de seu rosto colada em um calendário que havia na parede: trata-
se do dia do seu aniversário, no fim de dezembro. É maio, mas parece que um infinito se
311
1
“A criança não para de dizer o que faz ou tenta fazer: explorar os meios, por trajetos dinâmicos, e traçar os
mapas correspondentes” (DELEUZE, 2011, p. 83).
312
Há uma certa ideia de como uma disciplina deve ser apresentada aos alunos para
que o semestre letivo aconteça seguindo um formato institucional. As práticas de
apresentação/organização de um componente curricular podem não estar definidos em
uma legislação específica, mas seu status quo transita nos discursos produzidos pelos
professores de um curso de Licenciatura em Matemática, de tal maneira que, já no primeiro
dia de aula os alunos saibam o que acontecerá no decorrer de todo semestre letivo, isto é,
o hábito que impera nas práticas existentes no decorrer da formação de professores supõe
que cabe ao professor especificar seu plano, apresentar as datas das avaliações,
evidenciando de que forma os mesmos serão avaliados. Tais práticas acabam por se tornar
uma receita cujo objetivo é explicitar um caminho, que parece ser escolhido pelo professor,
mas já foi estratificado pelo aparelho de Estado. Tais hábitos acabam por se tornar um
círculo vicioso incorporado pelas Instituições de formação de professores. Diante deste
cenário, será possível produzir uma máquina de guerra capaz de criar um oásis onde o
professor, juntamente com seus alunos, invente seus próprios caminhos formativos? Ou
seja, como seria romper com o modelo encontrado nos discursos existentes na formação
de professores de Matemática? Levando em conta a necessidade de discutir esta formação
enquanto uma construção de um corpo singular, este texto tem o objetivo de evidenciar
alguns movimentos de formação a partir da produção de um mosaico das falas dos alunos
e professora que construíram a disciplina de Prática de Ensino em Matemática I e II de um
curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Federal de São Paulo. Para isso os alunos
foram convidados a responder as impressões que viveram no decorrer do semestre em
uma disciplina que, diferente das usualmente praticadas neste curso, não foi organizada
de antemão, de tal forma que, os alunos juntamente com a professora percorreram os
caminhos que surgiriam no entre meio deste movimento de formar-se. É valido ressaltar
que tais atividades nos permitiram evidenciar algumas potencialidades decorrente de um
movimento de construção das práticas que permearam os conteúdos desta disciplina em
si, mas também as implicações dos afetos na formação dos sujeitos que ajudaram a compor
os momentos que serão apresentados neste trabalho. Para a discussão desta temática nos
apropriaremos dos conceitos de Deleuze e Guatarri (1995) na busca por construir uma
máquina de guerra que carregue consigo todos os tipos de devires que embora não se
enunciem nas normas, são capazes de criar um espaço de construção de si mesmo no
interior de um espaço regimentado por um plano especifico de práticas e saberes. Sob o
ponto de vista de Deleuze e Gatarri (1997) a máquina de guerra é exterior ao Estado. Uma
máquina de guerra é uma multiplicidade pura que não se pode medir, pois tem em si uma
313
potência que se contrapõe as leis exercida pelo aparelho de Estado. Existe em uma
máquina de guerra certa celeridade e até mesmo uma crueldade incompreensível e, por
vezes, até uma piedade desconhecida. Uma máquina de guerra produz operações
singulares a partir dos fluxos de força e vive cada coisa em relações de devir. A potência da
máquina de guerra reside no fato de se constituir entre as organizações. Ela se instala nas
fendas do próprio aparelho de Estado, que insiste em se apropriar de suas criações. Dessa
forma, enquanto o aparelho de Estado se apropria e regulamenta certa invenção de uma
máquina de guerra, tal máquina já cria outra, produz linhas de forças capazes de fugir das
investidas de tal aparelho. Assim, nossa intenção foi que as produções dos discentes deste
curso de Licenciatura em Matemática, se tornassem as linhas de fuga que os fizessem
permanecer neste ambiente e não fugir dele. Acreditamos que tais práticas podem se
constituir uma dobra na própria ordem de um componente curricular. Na visão de Deleuze
(1988) uma aula precisa ser ensaiada tal qual no teatro, de tal forma que, se não a
ensaiarmos adequadamente, não estaremos suficientemente inspirados para tal evento.
Para este autor, a função de uma aula é gerar momentos de inspiração, que possam afetar
os sujeitos que participarão de determinado espetáculo. Para isso é preciso que o professor
considere fascinante a matéria que irá tratar, ache interessante a ponto de falar de um
determinado conteúdo com o máximo de entusiasmo. Ensaiar é isso. Corroboramos com
este autor e acreditamos que uma disciplina de prática de ensino deveria ser um grande
ensaio, onde seja permitido errar, mas que no fim reste a fascinante viagem por conceitos
matemáticos e práticas de ensino que nos levem nas múltiplas possibilidades de um
ensinar. Mas isso basta para ser professor de Matemática? Na nossa concepção este espaço
também pode se tornar um oásis onde seja preciso pensar as práticas docentes a partir do
cuidado de si, que segundo Foucault (2010) é um princípio de formação do sujeito,
enquanto senhor de suas escolhas, durante toda a sua vida. Consideramos que as vivências
dos alunos durante este um ano de experimentações matemáticas / pedagógicas /
vivenciais oportunizaram uma maneira outra de pensar a prática docente nas escolas. Tais
momentos proporcionaram a criação de um corpo singular enquanto criação de um si
mesmo. Não se trata mais de quem forma-se, mas sim de um formar-se. Não faz mais
sentido se discutir como é ser professor, mas sim, como é estar professor dentro de uma
sala de aula. Por fim, pelas falas dos alunos podemos perceber a magia de estar professor
enquanto um conceito transitório que permite construir com o outro a partir de um
processo de afetação que gera possibilidades múltiplas de uma transformação de si.
Paola Amaris-Ruidiaz
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
paolaamaris@gmail.com
Roger Miarka
Universidade Estadual Paulista
romiarka@gmail.com
COSTURAS EM RIZOMAS
1
Materiais necessários: já disponho dos materiais para realização da ação que é composto por: armação de
metal (quadrado) de 1m², cadeira, tules, imagens impressas em tecidos, linha e agulha de costura e fio de
nylon para pendurar o quadrado de metal. Duração estimada da ação: 60 minutos. Link da ação já realizada:
https://www.youtube.com/watch?v=69xrx1lDGqA
320
BIRUTAS N°11
1
https://www.youtube.com/watch?v=JHiWsdfz0qQ
2
Raphael Faria é graduando em bacharel e licenciatura no curso de Artes Visuais – UFU - Universidade Federal
de Uberlândia. Vinculado ao Grupo “ASFALTO – TEXTURAS ENTRE ARTES E FILOSOFIA”, atualmente
desenvolve sua pesquisa-práxis no campo de estudo da Performance arte e da intervenção urbana, em
atravessamento dos estudos Filosóficos.
321
MÁQUINA-ROTA
Uma aventura nos aguarda. Vamos juntos rumar para um lugar onde diversos seres
visíveis e invisíveis estão em choque. Que seres? Matinta-Perera, Parauá, Curupirá, Exu,
Afogado, Dona Tumba e tantos outros. Numa espécie de tarô às avessas. Um jogo menos
divinatório, e mais sensível, social, político, ecológico... Com as cartas reveladas, nos
permitimos escutar o outro, a nós próprios, e fabular com as criaturas que ganham
passagem. Este é um momento de criação conjunta, para intensificar a existência e
possibilitar forças para criar, entre a arte e a vida.
A performance é realizada em recinto fechado, pode ser uma sala de aula. Todos os
materiais necessários serão levados pelo artista. A duração pode variar entre 30min e 2h.
A Máquina-Rota, é um desdobramento da dissertação de mestrado, intitulada “Máquina-
Rota: um jogo cartográfico e suas linhas inventivas”, com acesso através do repositório de
dissertações do PPGARTES (Link: https://bit.ly/30PIwdN). Algumas imagens estão no perfil
do artista no Instagram (Link: https://bit.ly/2zEy7pp e https://bit.ly/2ZqV4vO).
1
Mestre em Teorias e Interfaces Epistêmicas em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da
Universidade Federal do Pará (PPGARTES-UFPA). É professor de artes da Escola de Aplicação da Universidade
Federal do Pará (EAUFPA), professor do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(PARFOR), integrante do coletivo Brutus Desenhadores e do corpo editorial da Revista Arteriais (PPGARTES-
UFPA).
322
RECONSTITUIÇÃO1
Minha amiga foi morta pela polícia militar em uma blitz de trânsito às nove horas
da manhã de um sábado: não basta dizer uma coisa assim para si mesmo apenas uma vez,
por isso repito. Tenho repetido que eu tenho uma amiga – e às vezes digo irmã – que levou
um tiro pelas costas durante uma parada policial às nove horas da manhã de um sábado, e
morreu com vinte e cinco anos. Nunca vai deixar de se repetir na minha cabeça – eu que
não durmo de madrugada, pensando, pensando, e acordo tarde demais – que os braços
dela amoleceram ao redor da cintura do namorado, que as mãos tentaram agarrar a garupa
e ela finalmente caiu sangrando no asfalto morno de um sábado meio começado. Há cinco
anos, os meus braços também deixam de me obedecer, as minhas mãos paralisam
repetindo o espanto de quando despertaram geladas, endureceram para segurar o peso da
cabeça, arrancaram os cabelos, bagunçaram as linhas da cara, bateram forte na testa
quatro ou cinco vezes: caralho, por onde seguir quando todas as estradas parecem estar
manchadas, quando os caminhos dados são insuportáveis?
RECONSTITUIÇÃO é uma escrita/leitura performativa que se expandiu a partir de
algumas linhas do livro Um Homem que Dorme, de Georges Perec. Tornou-se o exercício
constante, sempre reformulado, de dizer aquilo que desafia o silêncio depois do fim, esse
silêncio contra o vivo, cisão entre vida e morte que assegura a trama depressiva das
finalidades. Escrevi para não adoecer, para lembrar de esquecer. Se, por um lado, todos os
dias sou assediado pela vontade de não sair do quarto fechado, tomado pela sensação de
que o mundo acabou, insisto em evocar, por outro, a palavra que orbitaria fora desse
mundo arruinado, a voz que saiu de cena e não deixou de falar. É também, claro, uma busca
por justiça: rachar o silêncio compactuado – onde o sofrimento só poderia atuar sob a
ficção de um cenário-corpo íntimo/pessoal destruído –, para produzir um silêncio comum,
a distribuição do horror para além do medo, morada coletiva do grito que nunca exigiria
parada.
A prática de incorporação – experimentação que me move desde a infância, mas
que agora se desvincula da moral religiosa – é o traço ético/estético da performance.
Defendo que, quando se diz “in-corporar”, é preciso perceber um duplo ato: o prefixo que
dá direção (de fora para dentro), também pode indicar uma negação ou, mais
precisamente, uma recusa. Se a morte (ou a morta, em seu tempo que não passa) invade
o corpo que teima em reconstituir a cena violenta, ela “entra” e se apresenta também para
deformar a carne, impedir que o corpo vivo seja terminado, que lhe seja dado um fim longe
do desejo. A leitura é um enfretamento em nome do aberto, uma abertura de passagens,
a afirmação de um regime não-corporativo do tempo como prática de criação.
1
https://vimeo.com/358406791
2
Renan Dias é ator, diretor e mestre em Pedagogia do Teatro pela Escola de Comunicações e Artes da USP.
Seus trabalhos mais recentes, desenvolvidos principalmente em São Paulo e na Cidade do México, derivam
da autodestruição como prática expansiva do corpo, da palavra e do tempo. Suas pesquisas dialogam com a
obra de Antonin Artaud, principalmente com os textos produzidos durante os anos de encarceramento
psiquiátrico.
323
CORPO O QUÊ
BEBER A TERRA
Luciane Briotto1
PUC-S.P- Núcleo Estudos da Subjetividade / AAO(Associação da Agricultura Orgâica)
lubriotto@gmail.com
1
Em estudos e pesquisas relacionadas as Performances Tripode é a primeira apresentação em 2001– o ato
aparentemente simples de andar, enseja na violência da novidade uma possibilidade de pensar o corpo outro
— duas pessoas amarradas pelas pernas com uma fita, pode desiquilibrar o habitat do corpo cotidiano
evidenciando um pensamento andar em três apoios. O corpo se ve a reiventar-se rapidamente para recobrar
o equilíbrio em alguns lugares entre eles – Edital Funarte e Colônia Julio Moreira, ambas no Rio de Janeiro.
Participação em Coletivo de proposição artística site specific no evento Novos Povoamentos I e II (Seminário
da Puc-SP – Núcleos de Subjetividades). – (vale por duas bio).
Partição com imagens, em revistas, alternativas e de arte, no Brasil e no Japão.
327
São tantas as formas de agressão sofridas pelas mulheres, das psicologicas às físicas,
domésticas ou no local de trabalho; até o feminicídio, a dita morte “por amor”, que cada
vez mais aumenta em todo mundo. Desde tempos remotos até hoje, às mulheres foi
negado o corpo, o desejo, e o prazer, o feminino foi reduzido a mera maternidade, a uma
única função, isto é, de produzir heredeiros sadios e preferencialmente do sexo masculino.
A isto se unem as agressões, cada vez mais frequentes, quase sempre mortais, sofridas por
homossexuais e transexuais.
A artísta propõe a ação repetida do derramento de “sangue” sobre ela mesma, seja
simbolizando o próprio sacrifício de espiação, seja para ofercer um ritual catártico de
tomada de consciência e purificação daqueles que assistem ao evento. Alguns tecidos
brancos dispostos em volta da cena convidam silenciosamente os presentes a fazer parte
da ação, tomando a iniciativa de ajudar a protagonista. Deste modo, através da ação total,
se pretende também exprimir a idea que somente quando nos unimos, como iguais,
respeitando a diversidade, sobre o signo da consciência, de expiação e da cura recíproca,
podemos nos reencontrar num mundo mais igualitário.
O gesto de preparar e derramar a tinta vermelha sobre seu próprio corpo, trás ainda
memórias, leva a observar a sombra, o lado obscuro, “homicída”, presente em todos nós,
convida a denunciar o ciclo infinito de mortes, a despir-se do sofrimento do corpo e da
alma e a procurar uma possibilidade de mudanca, que pode acontecer somente através da
valorização do feminino e da renovação da consciência de grupo, da compaixão.
Articula-se com a temática do evento uma vez que busca um novo lugar do ser
humano no exorcismo do ciclo de crueldade, para criar o vazio permitindo seu poder
libertador. Sabendo que a dor do outro, pode ser a sua dor e que o encontro com o outro
significa dar um sentido universal a questões do feminino. Sangue é vida, o sangue que
escorre é morte, ciclos, o universo é interligado e todas as ações que fazemos gera um
movimento, essa ação nos modifica e modifica o todo, que seja esta a cintila para a Nova
Terra.
Foi apresentada pela primeira vez em Sorocaba na Mostra de Arte das Mulheres e
participou em Locarno, Suiça, no dia 11 de junho no Spazio Elle, centro cultural feminista,
dentro da programação da semana de preparação para a Grande Greve das Mulheres, que
aconteceu no dia 14 de junho, para garantir direitos trabalhistas, reivindicar equiparação
de salários com os dos homens, jornada de trabalho mais curta e abolir o assédio no local
de trabalho. Duração por volta de 17 minutos.
Materiais necessários: um balde de capacidade de 7 litros, de metal (alumínio) ou
plástico,de preferência na cor tijolo ou trasparente; uma bacia de cerca 80/100 cm de
1
Link da performance: Em Sorocaba/ SP: https://youtu.be/YCl1c2_PqoM; em Locarno, Suiça:
https://youtu.be/y5upcl9myAg
2
Silvana Sarti e formada em Desenho pela Faculdade Santa Marcelina, São Paulo (Brasil); Letras pela
Universidade de Sorocaba (SP), Brasil. Diplomada em Pintura, restauro e conservação pelo Centro Europeo
per i Mestieri del Patrimonio, Thiene (VI), Itália. Viveu na Itália de 2003 a 2013, colaborou com o jornal “Il
Giornale dell’Architettura”, Ed. Allemandi, Turim. Participa do grupo “Tutu Marambá, Artes do Corpo” desde
2013, Sorocaba (SP) Brasil.
328
Rafael Limongelli
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
rafaelimao@gmail.com
E N T RE1
Fernando Lobo3
Licores - Linguagem, Corpo e Estética na Educação / Programa de Pós-graduação em
Educação UFPR
fernandolobo82@gmail.com
Fernanda Frazão5
Licores - Linguagem, Corpo e Estética na Educação / Programa de Pós-graduação em
Educação UFPR
Ciclo e repetição na metamorfose dos tempos… No elo, faz-se Devir entre corpos
plurais. A ação se dá à máquina, que repete, repete, repete circuitos elétricos e progride
em modos pouco aleatórios de "des"normalização. A experiência traça a lembrança e
atravessa a Cena do Corpo Máquina.
1
E N T RE - https://www.youtube.com/watch?v=Ml0yDCurlqo&t=3s.
2
Cláudia Madruga Cunha. Licenciada em Filosofia pela UFPEL (1990), Mestre em Filosofia pela PUCRS (1998);
Doutora em Educação pela UFRGS (2006); Pós-Doutora em Educação pela Universidade do Porto UP (2016).
É professora Associada da UFPR, atua no Setor de Educação Profissional e Tecnológica e nos Programas de
Pós-graduação em Educação / PPGE e no Mestrado Profissional em Educação: Teoria e Prática de Ensino
/PPGE:MP. Atualmente ocupa o cargo de Coordenadora da cultura da UFPR.
3
Fernando Lobo. Multi-instrumentista, produtor e arte educador atua em diferentes seguimentos e estilos
musicais desde a década de 90, relaciona suas experiências musicais com a educação e a espiritualidade.
Mestrando em Educação pela UFPR. Traz em sua obra a mescla de culturas Caiçaras e Afrobrasileiras num
contexto de Arte Pop, se utiliza da tecnologia como conexão entre a raiz e o sutil num ambiente Pós moderno.
4
Simone Violanti. Está cursando o Mestrado em Educação na UFPR, com foco na Filosofia da Diferença, Devir-
palhaço e Educação do Campo. É especialista em Teatro pela USC-SP. Possui graduação em Educação Artística
- Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná (1995). Tem experiência na área de Artes e Arte-Educação,
com ênfase em Artes Cênicas e em experimentações artísticas, como nas áreas de dramaturgia, direção e
Interpretação, com aplicação em montagens teatrais e capacitação de professores.
5
Fernanda Frazão. Doutoranda em Educação na linha de Linguagem, corpo e estética (Universidade Federal
do Paraná), e Mestre em Educação (2012; Universidade Federal de São João del-Rei). Graduada em
Licenciatura em Pedagogia pela UNINTER (2017) e Licenciada em Filosofia (2007; Universidade Federal de São
João del-Rei).
331
Cada corpo sem órgãos é ele mesmo um platô, que comunica com os outros platôs
sobre o plano de consistência.
É um componente de passagem”.
(...)
“O campo de imanência não é interior ao eu, mas também não vem de um eu
exterior ou de um não-eu. Ele é antes como o Fora absoluto que não conhece mais os Eu,
porque o interior e o exterior fazem igualmente parte da imanência na qual eles se
fundiram”.
(...)
“E enfim a dificuldade de atingir este mundo da Anarquia coroada, se se fica nos
órgãos, “o fígado que torna a pele amarela, o cérebro que se sifiliza, o intestino que expulsa
o lixo”, e se se permanece fechado no organismo, ou em um estrato que bloqueia os fluxos
e nos fixa neste nosso mundo.
Percebemos pouco a pouco que o CsO não é de modo algum o contrário dos órgãos.
Seus inimigos não são os órgãos.
O inimigo é o organismo.
O CsO não se opõe aos órgãos, mas a essa organização dos órgãos que se chama
organismo”.
(...)
Trechos do livro Mil platôs, referente ao corpo sem órgãos (CsO) tema inspirado por
Deleuze e Guatarri em estudos de Antonin Artaud.
Corpo, desejo e máquina é são conexões que podemos articular.
Inspirada em DELEUZE E GUATARRI, (2005), a performance apresenta o encontro
de elementos constituintes numa conversa a oito pés, corpo, tambor, som, busca pelo
intermédio dos artistas-pesquisadores Cláudia Cunha, Fernanda Frazão, Fernando Lobo e
Simone Violanti expressar a sensibilização de múltiplos (in)corporais, onde o rizoma opera
as místicas do encontro pessoal e coletivo, que tal um exercício de corpo imanente ativa as
áreas da arte, educação, filosofia e antropologia, deslocando-as ou trazendo à tona ou às
bordas (da pele). Tais áreas e seus conceitos compõem as multiplicidades que formam o/s
corpo/s material/imaterial. Essa borda é linha limite para uma prática que busca através
da arte da palhaçaria e das místicas xamanismo e suas vivências, ativar dualismos que
implicam esse corpo entre corpos, assim o equilíbrio e desequilíbrio, o grotesco e o sutil, a
ludicidade e a mística são formas de elevar/aterrar um corpo profano/sagrado. Mobiliza
necessidades e contingências do dia a dia e exercita um mapa onde escola, trabalho, casa,
vida são territórios por desterritorializar por desconstruir representações para resignificá-
las. Esse corpo imanente atrai e retrai o ora palhaço ora xamânico ora palhaço e xamânico;
ativa algo vibrátil, enérgico, lúdico e vital que se movimenta entre multiplicidades e
territórios sempre possíveis e passiveis de serem interferidos por uma arte bufônica e
mística.
Com duração de 30 minutos, utiliza-se de mesa de som com 8 canais, 2 caixas ativas,
4 microfones Sm58, 4 pedestais de microfone, 1 Projetor de vídeo, 1 Retroprojetor.
332
A DOBRA, O DENTRO1
Juliana Bom-Tempo2
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e Curso de Dança – IARTE/UFU
ju_bomtempo@yahoo.com.br
Isabela Giorgiano
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e Curso de Dança – IARTE/UFU
Aline Salmin
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e Curso de Dança – IARTE/UFU
alinepsalmin@gmail.com
1
https://www.youtube.com/watch?v=BV4pihJV8LM;
https://drive.google.com/open?id=1eCdDVF7eqdaycntYfWMwMefdVk_5Qo7y;
https://drive.google.com/open?id=1Aw80pZvfnw-7Pyp6kCIhBMOizUebKT88;
https://drive.google.com/open?id=1dzaDIjr988W4hEvT_c-IcZqvBtmRAi4i.
2
https://drive.google.com/open?id=0B31jv0k45kcTRTQyNHl0RXVPemc
333
BUQUÊ1
Camila Jorge2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática
(UFPR)
1
Vídeo - https://www.youtube.com/watch?v=nAil3beOKLE (versão apresentada em 2017); Imagens -
https://docs.google.com/document/d/1TNlbpP_fMQuqzU7jPqs9QpukXAzcOSwHo-
_yqTXpBg4/edit?usp=sharing; Portfólio Camila Jorge -
https://drive.google.com/file/d/1oNxqpIUg41DIcjucoRPajxdhdXzkkB3D/view?usp=sharing
2
Camila Jorge nasceu em 1983, em Curitiba. É graduada Artes Cênicas Licenciatura e Geografia. Atua como
atriz-criadora, ministrante de oficinas, propositora e coordenadora de projetos. Desde 2007, pesquisa
improvisação, dramaturgia pessoal e palhaçaria. Trabalhou na Companhia do Ator Cômico, grupo Nu
Improviso, Coletivo Celeuma e Companhia E/OU. Em 2011 aprofundou seus estudos em dança como bolsista
da Casa Hoffmann (Curitiba). Em 2013 cursou a Formação Intensiva Acompanhada e fez estágio no Centro em
Movimento (c.e.m), em Lisboa, onde também esteve em nos dois anos seguintes para fazer cursos de verão,
residência artística e para o Festival Pedras (2014 e 2015). Desde então, continua a investigação do corpo e
do movimento em diferentes espaços públicos e privados. Há 11 anos trabalha no projeto Trupe da Saúde –
grupo de palhaços que visitam hospitais em Curitiba, atuando como palhaça e coordenadora artística. Desde
2013 integra o coletivo Filhas da Fruta – que investiga a criação artística na fronteira entre as artes cênicas e
a música, em relação com as pessoas e o espaço público. Em 2017 foi bolsista do IMP (Investigação do
Movimento Particular) e desenvolveu o trabalho “Buquê” (nome provisório). Em 2019 foi bolsista do projeto
20Minutos.Mov com o trabalho “Casamento Aberto”. Atualmente é mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e em Matemática (UFPR). Graduada em Educação Artística com
Habilitação em Artes Cênicas (FAP) e Geografia (UFPR)
334
AMAZÔNIA EM MIM1
1
Instagram: peters_marcela
2
Sou psicóloga, mestre em Psicologia escolas e do Desenvolvimento Humano, educadora e bailarina. Quando
criança e jovem estivem em intensa relação com o balé clássico e após a maternidade me reencontrei na
dança contemporânea e nas danças afro-brasileiras. Atualmente desenhei um projeto de doutorado num
misto entre psicologia, educação e arte; encontrando manifestações de culturas tradicionais brasileiras como
dispositivo para pensar questões sobre liberdade, governo, controle, autoridade, ampliando uma discussão
singular da minha dissertação de mestrado: a relação entre adultos e crianças.
335
FEITO HOMEM1
Feito homem é um móvito colorido do Manifesto Akuenda – tem mais uma bicha na
rua. Entende-se aqui como móvito colorido as experimentações em performance,
fotoperfomance, videoperfomance, improvisação em dança, desenhos, poesia e outros
dispositivos poéticos que servem como indutores para a criação dramatúrgica e
coreográfica da poética cênica Manifesto Akeunda – tem mais uma bicha na rua, fenômeno
de pesquisa do meu processo de doutoramento pelo Programa de Pós-graduação em Artes
da UFPA.
Trata-se de uma videoperfomance mais especificamente o Corpo LGBTQI, e/em
espaços físicos de civilidade como escolas, igrejas, quarteis, etc.
Os móvitos Coloridos fazem parte da Coreocartografia familiar do Manifesto
Akuenda – tem mais uma bicha na rua e a Coreocartografia familiar trata-se de uma teoria-
práxis de pesquisa e criação em dança inspirada na cartografia (DELEUZE, 1995) em diálogo
com os processos de criação (SALLES, 2006) em dança contemporânea (SILVA, 2005). Sua
fundamentação parte do princípio de que a criação em dança, que proponho, emerge
principalmente das relações familiares do corpo que dança, relações dadas em rede e
constituídas a partir das experiências ‘coreocorpográficas’ do sujeito no mundo.
Com duração de 3 minutos, necessita computador; datashow ou televisão, cabo P10
ou HDMI e caixa de som.
1
https://youtu.be/N7_RzgbusB4
2
Juanielson Alves Silva (Juan Silva) é graduado em Pedagogia pelas Faculdades Integradas Ipiranga; mestre e
doutorando em Artes pelo PPGArtes - UFPA; técnico em Dança com habilitação em intérprete-criador pela
Escola de Teatro e Dança da UFPA); Foi bolsista do Programa Integrado de Bolsas de Iniciação Cientifica da
UFPA (PIBIC) realizando pesquisas em processos criativos na contemporaneidade e dança-educação em
Belém do Pará. Artista autônomo que estuda e atua em várias linguagens das Artes, como fotografia, vídeo e
poeisa, mas principalmente na linguagem da Dança. Atuou como intérprete-criador na Companhia Moderno
de Dança e como ator e diretor coreográfico na Companhia Paraense de Potoqueiros. Colaborou como apoio
organizacional no Festival Escolar de Dança do Pará e como professor voluntário na Equipe de
Acompanhamento psicopedagógico e de dança no projeto social Aluno-Bailarino-Cidadão, além de já ter
atuado como professor de dança na Cia Athletica (Belém). Participou de espetáculos premiados
regionalmente e nacionalmente enquanto intérprete-criador da Companhia Moderno de Dança e do Grupo
de Dança Moderno em Cena de Belém do Pará em obras como: O que me envolve? (2012); UM (Prêmio
FUNARTE Klauss Vianna 2013) e Pliê: Dança em quatro atos (Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2015).
Possui experiência na área de Artes, com ênfase em Artes cênicas/Dança, e em Educação, atuando
principalmente no campo da dança-educação e pedagogia em ambientes não escolares.
336
1
Bolsista UFJF.
337
1
Esboçamentos de corpossom: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27158/tde-16052019-120236/
Vídeos: 1 – 2013: https://www.youtube.com/watch?v=a1vuUQsyAmI&t=65s; 2 – 2014, performance pássaros fictícios:
https://www.youtube.com/watch?v=bEuLRixxHxA; 3 – 2017, editado em 2019:
https://www.youtube.com/watch?v=3OIH4RF1fyQ&t=242s; 4 – 2019, ação durante a banca de doutoramento:
https://www.youtube.com/watch?v=g1Ztuq3963g&t=1s; Imagens (2013) do portifólio de Felipe Stocco, membro dos
núcleos de corpossom: https://felipestocco.hotglue.me/?laborat%C3%B3rio+corpossom+-+galeria+de+fotos
2
Francisco Lauridsen Ribeiro (Amani Jalala) é artista e terapeuta multidisciplinar. Coordena os núcleos de
corpossom. É bacharel em música com Habilitação em Instrumento pela ECA/USP (2006). Desde 2004 atua
como sonoplasta e como pesquisador nas aprendizagens entre desenho, som, produção de corpo – e suas
metamorfoses – e pedagogia-dramaturgia da atuação. Mestrou-se (2009-11) em Artes Cênicas (pedagogia do
teatro), orientado por Antônio Januzelli, com o mote ‘preparação do corpossom: atuação e voz concreta’.
Propôs e participou do espetáculo ‘laboratório corpossom na foz das cavernas’ (2013). Recebeu prêmio de
‘concepção sonora’ para a sonoplastia do espetáculo ‘aos que vieram antes de nós’ (direção de Maria Thais)
no Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau (2016). Doutorou-se na ECA/USP com a
pesquisa ‘esboçamentos de corpossom: a escrita do corpo na víscera do som’ (2015-2019), orientado por
Silvio Ferraz.
338
Ilma Guideroli2
Unifesp – Universidade Federal de São Paulo
ilma22@gmail.com
1
https://www.facebook.com/events/1544958418895275/ (cf. sobre, bem como discussão).
2
Ilma Guideroli é artista visual, fotógrafa e pesquisadora, mestre em Artes Visuais pela Unicamp. Atualmente,
realiza um segundo mestrado, agora em História da Arte, pela Unifesp. É bolsista Capes.
3
Alessandro Carvalho Sales é poeta e pesquisador. É doutor em Filosofia pela UFSCar e professor adjunto do
depto. de Ciências Sociais da Unifesp.
339
Matheus Silva2
Doutorando em Artes pela UFMG
matheus_silva84@yagoo.com.br
Como produzir-se um corpo desembestado? O que o corpo não aguenta mais? Que
força resiste? Trata-se de um campo de performação que se resume na mala vermelha em
um foco de luz ou em um espaço evidente para se construir um altar. Nesta mala
encontram-se os adereços necessários para esse corpo ganhar uma nova modulação,
experimentar-se. Na mala encontram-se uma raposa morta e empalhada, uma cortina,
maquiagens, uma prótese dentária, farinha e uma bolsa branca, tecidos, saltos. Como
inventar para si um corpo sem rosto, sem programações, livre e alegre? Como promover a
prática de um corpo destemido, inventivo e revolucionário? Um performer expande seus
adereços em seu entorno para inventar para si um novo corpo.
Com duração de 45 minutos, todo material necessário é disposto pelo artista, que
fará a ação em um espaço aberto. É necessário que seja realizada durante a tarde ou, no
caso de ser noite, em um espaço já iluminado.
1
1) http://adivinhaadiva.blogspot.com.br/; 2) https://www.youtube.com/watch?v=au4Yy5pT3BY; 3)
https://www.youtube.com/watch?v=cSfIaf5OL6c&t=95s
2
Matheus Silva é performer-pesquisador que investiga a construção do conceito de “Corpo Desembestado”
enquanto sua prática em processos criativos, pesquisa essa que também realizada com os coletivos artísticos
de Belo Horizonte. Professor substituto no Departamento de Artes da UFOP, desde 2018. Está cursando
doutorado em Artes na UFMG, na linha de pesquisa Artes da Cena, sob orientação da Profa. Dra. Maria Beatriz
Braga Mendonça (Bya Braga).
340
Literatura para Dançar é uma performance multimıd́ia que converge som e texto
com projeções de poemas visuais que oferecem ao público uma experiência de imersão
nos universos narrados. A proposta é dinâmica, esteticamente elaborada e de fácil
assimilação. Os temas são urgentes, como o racismo estrutural, misoginia, transfobia e a
ocupação de espaços públicos. Literatura pra Dançar é um trabalho de caráter popular,
com letras instigantes, paisagens sonoras cinematográficas e ritmos dançantes.
A performance realiza um agenciamento maquínico de elementos visuais, literários,
sonoros, musicais e cenográficos como uma mediação expressiva para a composição de
poemas multimídia cujos assuntos são temas de caráter sociocultural que perpassam a
esfera pública brasileira atual. O trabalho trata diretamente de temas historicamente
estruturais da sociedade brasileira mediante uma abordagem sensível, mediante uma
expressividade multimídia, e convidando o público a vivenciar uma experiência
simultaneamente intelectual e corpórea, atualizando, portanto, uma síntese particular
entre corpo e pensamento mediante a experiência da poesia.
Com duração de 40 minutos, necessita de dois microfones (de preferência s/ fio
Shure UT24/58); Monitores frontais, side/fill e para o Performer de Som; Um praticável
para o Performer de Som, régua Ac 127v e direct box line estéreo; Um projetor de vıd́eo
de, no mıńimo 2000 ansi-lumens; 01 tela de projeção ou superfıć ie branca de, no mıńimo,
3X2m; Cabo HDMI de 10m para projeção.
1
“Galera do Segundo Grau”: https://youtu.be/hn3q6IoyGLU; “Filme”: https://youtu.be/7fhhGITjk80;
“12 de Janeiro de 56”: https://youtu.be/iXfQZ7K1WLo; “Zé Cueca”: https://youtu.be/CaVvYuSY-Rg
2
Produtor musical, professor e pesquisador acadêmico. Doutor em Artes pela Universidade de São Paulo;
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto; e Graduado em Música também pela UFOP.
Atualmente é professor do curso de Produção Musical da Universidade Anhembi-Morumbi. Possui formação
complementar em tratamento de áudio, composição e análise musical. Sua produção artıś tica e acadêmica
já foi apresentada em diversos eventos no Brasil e no exterior, incluindo os Estados Unidos, Alemanha, França
e Irlanda.
3
Diretor de teatro, performer, escritor e videomaker. Formado em Artes Cênicas pela Universidade Federal
de Ouro Preto. Mestre em Estudos da linguagem pela mesma instituição. Fundou, em 2001, Grupo
Resid(ê)ncia Teatro e Audiovisual, em Ouro Preto. Foi produtor e vocalista do Grupo Galanga durante 15 anos,
banda mineira de rock. Com o Galanga lançou em 2016, "Coleção de Histórias Agudas", produzido pelo
guitarrista carioca André Sampaio. Como compositor, tem parcerias com a banda mineira Seu Juvenal e com
a Osso Banda, Rock ́n Roll pra crianças.
341
BANDA FISIOLÓGICA
Banda que vem de bando, agrupamento, mistura de gente com diferentes dizeres
do corpo. Banda Fisiológica é um acontecimento, um caos, uma causa, uma coisa, um
manifesto. Queremos falar e ser possíveis. Cada acontecimento é único: o xóu se dá de
múltiplas formas, em constante atualização. Nossa narrativa está amarrada aos
acontecimentos atuais da conjuntura política nacional, atuamos em consonância com
questões sociais afins. Conquistar possibilidades de expressão de alteridade, ocupar
espaços públicos, festivais de música e de artes do corpo, espaços de troca e empatia, fazer
da arte vida, fazer da arte manifesto. Ao público, a nossa carne, nossa respiração ofegante
perto nesse devir possibilidades animais, nuvens, vento... Ao público, mordidas, lambidas,
dizeres de um falo que nega o patriarcado. Queremos falar e ser possíveis.
Atualmente somos artistas residentes do espaço Jardim das Máquinas - SP, onde
noscolocamos em estado de investigação sonora, performática e sinestésica. Até então,
participamos de alguns eventos como festivais musicais e de performance e também
congressos acadêmicos. Acreditamos no estar juntos como possibilidade de mundos
outros. Acreditamos na amizade como resistência. Nosso projeto político é subverter a
violência e criar afetividades por meio de micropolíticas do desejo, versando um prazer
possível. Nosso lema: Libertem o desejo! Esquece teu pai!
342
O propulsor para a realização da ação Remova antes de usar foram as notícias sobre
o trabalho análogo ao escravo no mundo da moda, discutidas com foco na conscientização
do consumo/trabalho no mundo contemporâneo. Roupas baratas, coleções rápidas, o
mundo da fastfashion muitas vezes pode gerar péssimas condições de trabalho, e esse
problema deve ser questionado por várias camadas da sociedade: lojas, empresas
terceirizadas, Estado e inclusive consumidores. A consciência deve ser transbordada em
rede: o que está por trás da etiqueta que visto? Do que precisamos nos despir para calar a
tendência do ano? O que é oculto atrás dos números milionários da sociedade do lucro?
A partir dessa problematização, podemos estender a discussão para vários âmbitos
do trabalho no contexto social atual, pois a escravidão é um problema global e que atinge
outros setores além da moda. O dia do trabalho surge como dispositivo para a criação da
proposta Remova antes de usar,na qual, levantamos o foco nas relações de poder que
envolve o ciclo contemporâneo de trabalho. Vivemos em um século onde ilusoriamente
podemos consumir tudo, alcançar qualquer status, nada é divinamente nos entregue e
tudo pode ser de nosso pertence, e a relação trabalho escravo/capital ocupa de forma
negligente o local dessa ilusão.
Por isso, essa ação traz como referência o histórico de escravidão em suas diversas
temporalidades, transbordando no corpo que supera a dor ao focar no dinheiro. Exemplos
como o prédio Rana Plaza em Bangladesh e a divulgação de marcas brasileiras que se
envolveram com trabalho insalubre e escravo ilustram que o trabalho está longe de ser um
local democrático e em consonância com os direitos humanos.
Remova antes de usar possui duração de 8, 10, 12 ou 14 horas,onde corpos
trabalham, bordando à mão um tecido gigante com números de carteiras de trabalho,
pedidos de socorro e outros símbolos da pós modernidade trabalhista. Essa apropriação
1
Vídeo ação Av. Paulista - Autoria: Ágata Melquiades: https://www.youtube.com/watch?v=HVAYGdQmRW4;
Vídeo ação Galeria Mezanino - Autoria: Viny Psoa: https://vimeo.com/141855700
A performance foi realizada em formato de intervenção urbana,no dia 1 de maio – Dia do Trabalhador - na
Avenida Paulista, na qual três performers bordaram à mão um tecido gigante com números de carteira de
trabalho, pedidos de socorro e outros símbolos da pós modernidade trabalhista. Dessa ação, surgiu o convite
da Galeria Mezanino com direção de Renato de Cara, para a 1ª Mostra Movimenta – Festival de
Performances, com consultoria do jornalista Ivi Brasil e da performer Luanna Jimenes. O evento foi realizado
de 24 de julho a 1 de agosto. Remova antes de usar compôs a programação em formato de residência, de
segunda a sexta, com quatro performers -Cacau Francisco, AqueleMario, Marie Auip e Natália Coehl - durante
nove horas diárias. Do tecido bordado, surgiu uma instalação em bastidores que ficou exposta e à venda na
Mezanino.
Na programação da 17ª Mostra Sesc Cariri de Culturas, os performers bordaram durante 10 horas
consecutivas em frente ao maior shopping da região, localizado na cidade de Juazeiro do Norte. Sua última
ação foi realizada no Sesc São Paulo - Unidade Santana.
343
Um trabalho que solicita do trabalhador não seus músculos nem sua força
física, mas sua inteligência, sua força mental, sua imaginação, sua
criatividade - tudo isso que antes era do domínio privado, do sonho, das
artes, foi posto a trabalhar no circuito econômico. Com isto, o capitalismo
passou a mobilizar a subjetividade numa escala nunca vista (PELBART,
2003, p.132).
Mas e aqueles corpos que ainda servem como máquina? Como se dinamizam em
nossa sociedade?
Com expectativa de duração entre 8 e 10 horas, necessita de 4 cadeiras
padronizadas (três para performers/uma para público participativo bordar) e 1 mesa.
344
MARKETS IN BOGOTA
Markets in Bogotá, Colombia are traditional spaces that connect the countryside
and the city. Those spaces have been an important site in the city for the coordination of
resources and for populations interacting between each other. Since the last century,
however, they have lost their primacy and Western supermarkets are the main place for
purchasing products in the city. This video-essay wants to outline the results obtained
during a research that analyzes markets in Bogotá, Colombia and their special relationship
with qualities and potencies that other modern spaces, such as supermarkets, do not share.
It was undertook a fieldwork for four months and preliminary interviews were conducted
in pursuance of organizing a focal group in two sessions. The participants of the focal group
were selected under two main selection criteria: a) participant’s age range should be
between 60 – 90 years old and b) they should have worked in places nearby to the market
place named plaza del 7 de Agosto and have interacted constantly in other market place
named Mercado del 12 de Octubre. These selection criteria allowed to count with
participants who have both perspectives as an outsider and insider of marketplaces. The
main topic of the interviews and focal group was the relation between their biography and
traditional markets and their opinions about the dynamics of these places.
After the data collection, the interviews were analyzed and theoretical research was
conducted. This research guided the project through theoretical contrast among the
hierarchy of sensation, such as primary/secondary quality distinction, that goes along with
modernity's theoretical project, -Specially Descartes and Locke-. As a result of this exercise,
it was found that those models are different from the experience of the interviews, the
configuration of markets led us to reflections about quality-potency that are guided by
Deleuze. We established that there is no differentiation between smell, color, and notion
of spaces, giving all of them the same importance in popular markets. Even the potencies
are highlighted in this space because of the transitivity of products, or the special results
that people want from magic/medicinal plants. The relevance of this 30 minute video-essay
is how it shows a dialogue with contemporary theories about quality/potency and
traditional space and how the interviewee locate itself in the world through their
experience of buying in the markets. This experiment allows us to use this format to guide
the people from our arguments to the experiences that involve prioritizing
quality/potency's over spaces, and in the process, it might be possible to rescue this multi-
sensorial experience from our own oblivion.
The main reason to submit this proposal is related to the audience that was
targeted. This project was created to be presented to countries that do not have this kind
of spaces. It is important to present it in Brazil as it has traditional markets. Scholars who
know this kind of reality can enrich the discussion and criticize the approach of the topic
on different levels. This can be useful in order to polish the research and deep into the
topic.
As a video essay, the presentation requires a computer, a video-beam to reproduce
the media, and a good environment to exhibit a 30 minutes film. Due to travel expenses, I
345
cannot afford to travel, but in the case that the video-essay is accepted I would pay for our
inscription, and we can agree on a video-conference or a Q&A. In that case, it would be
necessary to establish an internet connection to communicate properly and organize the
meeting.
346
ENTRE GRADES1
Wescley Dinali3
Universidade Federal de Juiz de Fora
wescleydinali@yahoo.com.br
1
Link do vídeo: https://youtu.be/qDUbqRSC6Mk
2
Renata Morais Lima, graduada em Filosofia (UFJF), possui Mestrado em Educação e atualmente é
Doutoranda em Educação (PPGE/UFJF). Desenvolve pesquisas em Filosofia da Educação, atuando nos
seguintes temas: estudos foucaultianos e educação, estudos deleuzianos e educação. Professora da
educação básica no estado do Rio de Janeiro.
3
Wescley Dinali, graduado em Pedagogia (UFSJ), possui Mestrado em Educação e atualmente é Doutorando
em Educação (PPGE/UFJF). Pesquisador associado ao Travessia Grupo de Pesquisa NEC-UFJF. Desenvolve
pesquisas em Filosofia da Educação, atuando nos seguintes temas: estudos foucaultianos e educação,
estudos deleuzianos e educação, movimentos undergrounds, movimento punk e educação.
4
Marcos Adriano de Almeida possui mestrado em educação (UFJF) e a especialização em É graduado em
Ciências e licenciatura plena em Matemática - no Instituto Superior de Ciências, Letras e Artes de Três
Corações. Atua como professor de matemática na rede pública de ensino da cidade de Juiz de Fora/MG.
Atualmente é Doutorando em Educação (PPGE/UFJF).
347
“A arte diz o que as crianças dizem”, escreveu Deleuze em Crítica e Clínica. Isso me
ajuda a entender como me relaciono com as crianças. Há doze anos convivo e brinco com
crianças pequenininhas na periferia da cidade de Campinas. Assistir as crianças brincando
me impacta como se estivesse frente a um quadro num museu, ou como se ouvisse um
concerto, ou assistisse a um filme com teor estético potente o suficiente para me deslocar.
Arte é conhecimento e se a Arte diz o que as crianças dizem, as cenas das crianças
brincando entrelaçam-me com um conhecimento des-palavrado: um conhecimento
corporal, encarnado, que chuta latas, escala barrancos, interioriza o balançar...
Diariamente as crianças e os espaços-tempos que, com elas, compõem a minha vida de
professora me convidam a devir-criança!
Uma composição com posições marcantes de sons, quadros, texturas e falas
mostram a Infância de um Centro de Educação Infantil de Campinas. Em um bairro
periférico, numa instituição de Educação Pública, crianças e adultas, num encontro-
acontecimento entre si e entre espaços e tempos, deliram o ser-se humano poético
infante! Filmado no primeiro semestre de 2019 pela professora da turma, esse vídeo
brincante floresce peraltagens, antecipa sons e espia a potência criadora das crianças.
Ressalta, em manifesto, uma Pedagogia da Infância Libertária e Descolonizadora!
Duração de 5m25s.
1
https://youtu.be/7aQZqc4lgSw
348
1
Íntegra do concerto: https://www.youtube.com/watch?v=oGYQmtC5B5E. Documentário (2017, 90 min)
sobre pesquisa e processos composicionais do concerto: https://vimeo.com/244706359 senha rrrecomva
Artigo em publicação científica: Revista Climacom Labjor-IEL-UNICAMP
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=7829.
2
Bacharel com Composição e Regência e atualmente mestrando em Artes Performativas com pesquisa em
Voz-Corpo no IA-UNESP onde criou e organiza Núcleo de Estudos sobre Novas Metodologias de Pesquisa em
Artes (https://www.ia.unesp.br/#!/pesquisa/grupos/evpm/novas-metodologias/). Tem concerto e trabalho
científico premiados, publicados e transformados no longa documental ‘ECO Cantos da Terra’. Contribuiu
com a Cia Minik Mondò (2009 a 2011); a Taanteatro Cia (2012 a 2014 e 2017); a Cia Sansacroma (2014 a
2017). É curador do Cine Volver no Lab Mundo Pensante. Desde 2003 realiza oficinas e ateliês-residência em
Ecoperformance.
349
1
https://www.youtube.com/watch?v=R3kmNSioUCg&t=3s
2
https://drive.google.com/file/d/1KDKdNB4TRIx3c3ZM45zZryjSzdGsOLRj/view?usp=sharing
350
1
Sobre a pesquisa de movimento há material neste link:
https://diegoesteves.in/cena/2017/02/10/enquanto-o-novo-espetaculo-nao-vem/; Ênfase no malabarismo:
https://diegoesteves.in/videos/2017/12/27/sujeito-a-objetos/; E um site com notas produzidas pelos público
presente na primeira exposição: http://diegoesteves.in/caosmologia/
2
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS; Linha de pesquisa Filosofias
da Diferença e Educação; com dissertação intitulada “Pesquisa-improvisação: educação em jogo”, sob
orientação do professor Dr. Máximo Adó, com bolsa do CNPq. Graduado em Educação Física pela
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Artista de circo, dança e performance. Portfólio: em
https://diegoesteves.in/ podem ser encontradas maiores informações, com destaque para
https://diegoesteves.in/sala-de-apresentacao/
351
1
Mauro Tanaka Riyis, músico e luthier de cordas convencionais e com um trabalho educativo não
convencional com materiais do cotidiano e sucata. Expôs seu trabalho no II Panorama de Luthieria
Experimental de São Paulo, no Sesc Avenida Paulista e em parques públicos das cidades de Sorocaba, Paulínia
e Santo André.
352
Artista Marginal – Bicho N°28 – Meet Space é fruto da prática cotidiana de se colocar
em programa, zerar-se, abrir-se ao infinito, a escuta do Cosmos. O que se encontra no rolar
dos dados cósmicos são configurações de novas naturezas, novas ecologias, novos corpos.
Natureza Caosmica , como conceitua Guattari, ao citar o exemplo dos polvos do canal de
Veneza, vida que involui na água poluída, artistas da sobrevivência, maquina de guerra, de
fuga, que busca existir nas fissuras de humanização. Escutar os sons da natureza é um gesto
de humildade, ser preenchido de uma pequenez humana ao passo vibra a potencia de ser
bicho. Ser tão bicho, que as terras, os socius, os objetos se tornam corpos. Se tornar corpo,
e pensamento, e sensibilidade, e terra, e borboleta... vem sempre depois de um encontro
com o mundo, de uma experiência impossível. De uma cena construída em meio ao caos.
O vídeo-dança é atravessado por práticas artísticas variadas, copiadas, aglutinadas,
mixadas, adotadas pelo artista como axioma de construção de corpo. Movimento que no
entre do corpo e da cena, onde dilui-se na experiência, que se fecundam os novos corpos
inimagináveis. Busca cotidiana anti-cotidiano, busca de intensidade e de vida. Se involui
por meio do que o mundo nos sopra, suas brisas e seus tornados, onde ser humano é
indiferente. Onde se é bicho, por não se saber o que se é, ser qualquer coisa, ser
movimento.
Com duração de 10: 31 mnutos, necessita de projetor e notebook com entrada usb.
1
https://www.youtube.com/watch?v=5cY_NEICOBo
2
Raphael Faria é graduando em bacharel e licenciatura no curso de Artes Visuais – UFU - Universidade Federal
de Uberlândia. Vinculado ao Grupo “ASFALTO – TEXTURAS ENTRE ARTES E FILOSOFIA”, atualmente
desenvolve sua pesquisa-práxis no campo de estudo da Performance arte e da intervenção urbana, em
atravessamento dos estudos Filosóficos.
353
The tear of psychoanalysis is produced by Felix Guattari and Gilles Deleuze. They
call it schizoanalysis, territory of wolves, desiring machines that transform the identity of
cogito ego into a future (it) schizo.
Clinic praxis. Radical mise-en-scene in which nobody remains exempted from
effective offence, the spatial hierarchies become anarchic and speech no longer figures out
the metric of a structured unconscious.
When this happens, the gift of happening “language is stretched to its limits,
towards music and silence”.
Schizoanalysis is a thought of immanence, over-the-top production of the real and
no longer the oedipal triangulation of an expressive unconscious.
Speed transforms the point in line and the divan becomes the tool box, direct entry
in the body of the real.
The abstract machine of schizoanalysis thus becomes an operator of distinctive
synthesis, populating with intensities the flesh regained.
Cases of thoughts. Cases of initiations of abstract blood. Scaffold of escape lines in
immediate connection with the outside. The outside of the inside, cross-cutting rhizomatic
paradoxes that inhabit the desertic zones of desire.
That no place or place created neither above nor beneath but on the wind surface
which offers its hospitality.Text written in 1992.
Duration Schizoanalysis Devices: 18 min; notebook, projector
1
https://www.youtube.com/watch?v=7ynBChrPy4M&feature=youtu.be
ou https://www.youtube.com/watch?v=75Q_NRd8POE&feature=youtu.be
2
Stella Angel Villegas, born in Rosario, is a Schizoanalyst and Plastic Artist who does research and generates
poetic connections between thinking and artistic creation as practices for life, a philosophic-poetic proposal
to create health.
She founded in 1992 and runs the Centre for Studies and Research on Medicine and Art, institution which
provides further insight into the problems of the XXI century, cross thinking and transdisciplinary aesthetics.
She is a pioneer in the Virtual Forum and Sessions for Schizoanalysis.
She is Professor and Consultant on Philosophy.She conducts seminars-workshops and conferences on the
thought of Gilles Deleuze and Felix Guattari in Argentina, Cuba and Lisbon, Portugal.
354
Coletivo Cronopi@s
UNESP / Rio Claro
roger.miarka@unesp.br
yeyemarch@gmail.com
claudia.scanto@gmail.com
1
O Coletivo Cronopi@s é um grupo – de pesquisa, de estudo, de extensão, de amigos.– habitante da
Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro, que tem buscado operar com a Filosofia da Diferença
em investigações junto a comunidades em condição de vulnerabilidade social, promovendo a diferença como
produtora de conhecimento. Nessa perspectiva, vale-se de elementos da Arte e da Etnomatemática e da
Filosofia e da Educação Matemática e..., não como um fim em si mesmo, mas como meios para lidar com as
urgências das comunidades com que trabalha em pesquisas intervencionistas.
2
Corpos dissonantes chamaremos aqueles que se desviam da norma, interrompem uma linha de
continuidade, que pela própria existência se afastam de padrões de beleza idealizados, estética e eficiência
propostos pelas sociedades ocidentais contemporâneas.
355
LAGO1
1
https://www.amandaleite.com.br/lago / https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=9nb--
zcOqMI
2
Amanda M. P. Leite – Fotógrafa. Pós-Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora
e Pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade e no curso de Pedagogia da
Universidade Federal do Tocantins (UFT). www.amandaleite.com.br
3
Renata Ferreira da Silva - Atriz. Pós-Doutora em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora e
Pesquisadora no curso de Teatro da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
www.renataferreiraatriz.com.br
357
1
Doutorando em Educação UNESP-Rio Claro; Pedagogo e mestre em educação pela UNICAMP; Diretor de
EMEI em Piracicaba-SP; Professor do curso de Pedagogia da UNIMEP; membro do FPEI.
2
Doutoranda e mestra em Educação na UNESP-Rio Claro; Professora do Curso de Comunicação da UNIMEP.
359
1
Corpo-Escrita: https://youtu.be/DtEwmiWfjcQ; Corpo-Palavra: https://youtu.be/v5wSfVi0qpQ; Corpo-Pele:
https://youtu.be/MbVL4W8lbQA; Corpo-Escuta: https://youtu.be/CAtosr7nxZE; Corpo-Imagem:
https://youtu.be/Y94bTGt8Lvo
2
Professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Geografia, Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Grupo de Pesquisa
RASURAS – Geografias Marginais (Linguagem, Poética, Movimento). Doutor em Geografia pela Universidade
Estadual de Campinas - UNICAMP (2009) onde desenvolveu tese sobre o tema Geografia e Cinema; Pós-
Doutorado pela Universidade do Minho, em Braga, Portugal (2017/2018), onde desenvolveu pesquisa sobre
o tema Geografia e Dança. Desenvolve pesquisas em Epistemologia da Geografia Humana Contemporânea e
da Nova Geografia Cultural, com ênfase nos estudos sobre a Geografia da Diferença (Estudos Deleuzianos e
pós-estruturalismo) e seus desdobramentos nos temas: Paisagem na relação linguagem experiência-
sensibilidade a partir do cinema, literatura e dança; Imagem da Cidade, Videografias, Geoetnografias e
Corpografias Urbanas; Imaginação Espacial e Política das Imagens.
Destaques: 2018 - III Encuentro Latinoamericano de Investigadores sobre Cuerpos y Corporalidades (Seleção
Oficial. Vídeo: Corpo-Paisagem); 2019 - Ciudanza 2019 - 10 Encuentro de Danza em Paisajes Urbanos de
Buenos Aires (Pesquisador-Artista Selecionado); 2019 - Muestra Movimiento Audiovisual, México. (Seleção
Oficial. Vídeo: Carne e Pedra); 2019 - VII Fiver (International Screendance Movement) / BAC Madrid – Bienal
de las Artes del Cuerpo, Imagen y Movimiento de Madrid) (Pesquisador-Artista convidado)
360
SOBRE OS ORGANIZADORES:
Sílvio Gallo
Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1986),
mestrado em Educação (1990), doutorado em Educação (1993) e livre docência em
Filosofia da Educação (2009), todos pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente
é Professor Titular (MS-6) da Universidade Estadual de Campinas. Desde 2007 é bolsista
produtividade do CNPq. Membro de diversas associações científicas do campo da Filosofia
da Educação no Brasil e no exterior, foi Presidente da SOFIE - Sociedade Brasileira de
Filosofia da Educação entre 2014 e 2018. É co-editor da Revista Fermentario, publicada
pela FFyH da Universidad de la República (Uruguai) e pela FE-Unicamp. Editor Chefe da
Revista Pro-Posições, da Faculdade de Educação da Unicamp. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Filosofia da Educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: filosofia francesa contemporânea e educação, ensino de filosofia, filosofia e
transversalidade, anarquismo e educação.
Marcelo Vicentin
Pós-Doutorando em Educação (2018), Doutor em Educação (2018) e Mestre em Educação
(2013) pela Universidade São Francisco (USF); Especialista em Mídias na Educação (2012)
pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Bacharel em Cinema (1995) pela
Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP), Licenciado em Língua Portuguesa pela
Faculdades Integradas Teresa Martin (2003). Experiência na área de Educação, com ênfase
em temas como: currículo, práticas culturais, educação de jovens e adultos e filosofia
contemporânea. Pesquisador dos grupos de pesquisa Phala (Pesquisa em Educação,
Linguagem e Práticas Culturais), Transversal e GPEFE (Estudos Foucaultianos e Educação),
com enfoque em discussões que atravessam educação, subjetividade, na perspectiva da
filosofia contemporânea.
Mirele Corrêa
Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Graduada
em Pedagogia pela Universidade Regional de Blumenau - FURB (2012). Mestre em
Educação pela Universidade Regional de Blumenau - FURB (2017). Integrante do Grupo de
Pesquisa Políticas de Educação na Contemporaneidade, da Linha de Pesquisa "Educação,
Cultura e Dinâmicas Sociais" (FURB) e do Grupo PHALA - Educação, Linguagem e Práticas
Socioculturais, da Linha de Pesquisa "Filosofias da Diferença" (UNICAMP). Pesquisa a
produção de subjetividades na escola contemporânea, com foco nas políticas de currículo
neoliberais e a produção de violências a partir de uma perspectiva pós-crítica.