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REITOR

Marcelo Knobel

COORDENADORA-GERAL
Teresa Dib Zambon Atvars

PRÓ-REITOR DE PESQUISA
Prof. Dr. Munir Salomão Skaf

PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO
Profa. Dra. Nancy Lopes Garcia

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO
Profª. Dra. Eliana Martorano Amaral

PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E CULTURA


Prof. Dr. Fernando Augusto de Almeida Hashimoto

DIRETORA DA FE-UNICAMP
Profa. Dra. Dirce Djanira Pacheco e Zan

DIRETORA-ASSOCIADA DA FE-UNICAMP
Profa. Dra. Débora Mazza

COORDENADOR(A) DO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO:


Prof. Dr. Antônio Carlos Rodrigues de Amorim

COORDENAÇÃO DE PESQUISA E EXTENSÃO


Profa. Dra. Debora Mazza
VIII SEMINÁRIO CONEXÕES: DELEUZE E Entidade Promotoras/Coparticipantes
CORPO E CENA E MÁQUINA E... I Universidade Estadual de Campinas -
ENCONTRO DELEUZE E EDUCAÇÃO E UNICAMP
MATEMÁTICA E... Pró-Reitoria de Pesquisa
Faculdade de Educação
Campinas – SP, 11 a 14 de novembro de 2019 Grupo PHALA – Grupo de Pesquisa em
Local: Faculdade de Educação, Universidade Educação, Linguagem e Práticas Culturais
Estadual de Campinas – UNICAMP
Programa de Pós-Graduação em Educação
– FE/UNICAMP – Linha de Pesquisa
Linguagem e Arte em Educação
Coordenação do evento
Associação de Leitura do Brasil – ALB
Alexandrina Monteiro (FE/UNICAMP)
Red de Estudios Latinoamericanos Deleuze
Sílvio Gallo (FE/UNICAMP)
y Guattari
Instituto de Economia
Comissão organizadora
Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado
Alan Isaac Mendes Caballero (UNICAMP)
de São Paulo - FAPESP
Alexandrina Monteiro (UNICAMP)
Coordenação de Aperfeiçoamento de
Antonio Carlos Amorim (UNICAMP)
Pessoal de Nível Superior - Capes
Antônio Miguel (UNICAMP)
Rizoma - Distribuidora de Editoras
Cesar Donizetti Leite (UNESP/Rio Claro)
Independentes
Jackeline Rodrigues Mendes (UNICAMP)
Goma - Arte e Cultura
Laisa B. O. Guarienti (UFSM)
Laura Henrique Corrêa (UNIFAL)
Comissão Científica
Marcelino Mendes Curimenha (UNICAMP)
Alexandre Filordi Carvalho - UNIFESP
Marcelle Ferreira Louzada (UNICAMP)
Alexandrina Monteiro - UNICAMP
Marcelo Vicentin (USF)
Alik Wunder - UNICAMP
Marcos Ribeiro de Santana (UNICAMP)
Antônio Carlos Rodrigues de Amorim -
Marcus Novaes (UNICAMP)
UNICAMP
Mateus Barbosa Verdú (UNICAMP)
Cesar Donizetti Leite - UNESP/Rio Claro
Mirele Corrêa (UNICAMP)
Gabriela Guarnieri de Campos Tebet -
Olivia Pires Coelho (UNICAMP)
UNICAMP
Rafael Moraes Limongelli (UNICAMP)
Jackeline Rodrigues Mendes - UNICAMP
Renato Mendes de Azevedo Silva
Marcelo Vicentin - USF
(UNICAMP)
Roger Miarka - UNESP
Roger Miarka (UNESP/Rio Claro)
Sílvio Donizetti Gallo - UNICAMP
Sálua Domingos Guimarães (PHALA)
Sônia Maria Clareto - UFJF
Samuel Edmundo López Bello
Valéria Aroeira Garcia - (Semed Campinas)
(FACED/UFRGS)
Wenceslao Oliveira - UNICAMP
Silvio Gallo (UNICAMP)
Renata Aspis - UFMG
Valéria Aroeira Garcia (Semed Campinas)

Organizadores do Caderno de Anais


Sílvio Gallo
Marcelo Vicentin
Mirele Corrêa
PROJETO GRÁFICO DA CAPA
Mirele Corrêa

IMAGEM DA CAPA
Gustavo Torrezan

EDIÇÃO E DESIGN
Mirele Corrêa

DIAGRAMAÇÃO
Mirele Corrêa

** O conteúdo dos resumos e sua adequação técnico-linguística é de inteira responsabilidade de seus


respectivos autores.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA

PELO
Sistemas de Bibliotecas da UNICAMP /
Diretoria de Tratamento da Informação
Bibliotecário: Maria Lúcia Nery Dutra de Castro – CRB-8ª 1724

Se52c Seminário Conexões, 8., Campinas, SP, 2019.


Caderno de anais [do] VIII Seminário Conexões [recurso
eletrônico] / Sílvio Gallo, Marcelo Vicentin, Mirele Corrêa
(orgs.) -- Campinas, SP : UNICAMP/FE, 2019.
361 p.

Publicação digital em formato PDF:


https://conexoesdeleuze2019.wordpress.com/

1. Deleuze,Gilles, 1925-1995. 2. Corpo e mente.


3. Congressos e convenções. 4. Educação. 5. Matemática.
I. Gallo, Silvio. II. Vicentin, Marcelo. III. Corrêa, Mirele.
.
CDD - 128.2
- 060
- 370
- 510
ISBN 978-65-5093-004-2
SÚMARIO

APRESENTAÇÃO 18
Silvio Gallo
Marcelo Vicentin
Mirele Corrêa

COMUNICAÇÕES

O AMOR E AS RELAÇÕES AFETIVAS NA CONTEMPORANEIDADE: uma proposta 21


ética, estética e política
Josiane Cristina Orlando de Souza 23
A INVENÇÃO DE UMA MÁQUINA DO CUIDADO
Gustavo Alves Eduardo
Fernando Hiromi Yonezawa
DA DESTERRITORIALIZAÇÃO A SINGULARIZAÇÃO: importância do desarranjo 26
da máquina desejante como possibilidade de criação
Tuhany de Oliveira Sabino
ECOLOGIAS DE DEVIRES: do chamado a fazer-perceber floresta 28
Susana Oliveira Dias
A MÁQUINA BINÁRIA DO ESTADO: do desejo da política à política do desejo 30
Alan Isaac Mendes Caballero
ESQUIZOCENIA: na Cia Ueinzz se produz teatro, na companhia Ueinzz se 32
produz vida
Tarcísio Moreira Mendes
ARTE-MAGIA: “Os Carlitos” em cena 34
Caroline Soares de Lima
Dulce Mari da Silva Voss
NÃO HÁ FORA DA CENA, NÃO HÁ FORA DA VIDA... 36
Tatiana Plens Oliveira
CENA INFINITA: uma correspondência com Antonin Artaud 38
Renan Dias Santos
O TEATRO RIZOMA DE ANTONIN ARTAUD 40
Thiago Miguel Lopes Ribeiro Cunha Sabino
UMA IDEIA DE DRAMATURGIA MENOR NO INFINITO DE UBU REI: aprender a 42
praticar um Teatro Menor
Renato Mendes de Azevedo Silva
GEOPEDAGOGIA DA IMANÊNCIA DIGITAL: uma outra ambiência de formação 44
continuada de professores no Amazonas
Maria Ione Feitosa Dolzane
Zeina Rebouças Correa Thomé
Aliuandra Barroso Cardoso Heimbecker
LINHAS CARTOGRÁFICAS: a máquina nômade atravessando a pesquisa 46
Ana Karoline Damasceno Santos
Maria dos Remédios de Brito
DELEUZE E CORPO E CENA E MÁQUINA E SONHO: sonhografias da diferença 48
Marina dos Reis
Sandra Mara Corazza
ACEITAM-SE REJEITOS PARA A CRIAÇÃO: ecologias experimentais na expressão 50
artística do Ensino Médio
Breno Filo Creão de Sousa Garcia
NATUREZA, ORGANISMOS E MÁQUINAS PARA O AMANHÃ: encontros 52
inesperados entre arte, ciência e filosofia
Antonio Almeida da Silva
APRENDIZADO, POTÊNCIA, DEVIR-MESTRE 54
Rubens Antonio Gurgel Vieira
INVOLUÇÃO E OS CURRÍCULOS COTIDIANOS: a efemeridade de uma vida- 56
corpo
Letícia Regina Silva Souza
Tamili Mardegan da Silva
CORPO POTENCIAL: autoficção de um tornar-se o que se é 58
Diego Winck Esteves
Máximo Daniel Lamela Adó
CORPOS DANÇANTES NA TESSITURA DE CURRÍCULOS RIZOMÁTICOS: uma 60
experimentação esquizo
Marina de Oliveira Delmondes
Mariana de Oliveira Delmondes
AGENCIAMENTOS E INTERSECÇÕES E ACONTECIMENTOS E DESEJOS E 63
APRENDIZAGENS E...
Elder José de Oliveira
Rubens Antônio Gurgel Vieira
OS DRAMAS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO: o que pode a escrita da vida? 65
Renata Ferreira da Silva
O ACONTECIMENTO E A CRIAÇÃO DO NOVO: a potência do espaço Pacto 67
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC no aprender do estado do
Amazonas
Clotilde Tinoco Sales
Zeina Rebouças Corrêa Thomé
UMA CARTA COMO APOSTA DE SEGUIR SE FAZENDO PROFESSORA: Prezada 69
Maria
Renata Morais Lima
CURUPIRA CARTONERA: ciência e arte como formação-resistência no 71
Cefapro/MT
Marcia Regina Gobatto
À ESPERA DOS MORCEGOS PLANO [1] DE TRABALHO EM EDUCAÇÃO 73
Ana Maria Hoepers Preve
YOGA NÔMADE: maquinações do Gupta Vidya 75
Pedro Henrique Cunha Azalim
Waldir Ramos Neto
NOMADISMOS ENTRE ARTE E CLÍNICA 77
Sabrina Batista Andrade
O MAIS PROFUNDO É A PELE: objetos relacionais e o despertar de um corpo 79
sem órgãos
Paloma Meirelles
LUTO, GESTAÇÃO E PARTO: fragmentos esquizo-filosóficos-literários 81
Pamela Zacharias
SEXUALIDADE COMO DESEJO: para além da lógica identitária 83
Helane Súzia Silva dos Santos
DA MULHER QUE DEVIEMOS ÀQUELAS QUE HÃO DE VIR: como recontar a 85
história suscita devir
Carolina Sarzeda
DESAPRENDER: prática insurgente - o que nós, professores cisgêneros, 87
devemos aprender da coletividade das pessoas trans para uma educação
decolonial
Jeimy Marcela Cortés Suarez
CORPOS TRANS E A EDUCAÇÃO EM BIOLOGIA: des-territorializações e 89
conexões com a filosofia da diferença
Sandro Prado Santos
Matheus Moura Martins
CORPO DESEMBESTADO: por um bufão-ciborgue-bixa 91
Matheus Silva
DESCOLONIZAÇÃO DOS CORPOS FEMININOS: implicações micropolíticas da 93
arte-vida
Aline Pinheiro Salmin
Juliana Soares Bom-Tempo
O QUE PODE UM CORPO EM TEMPOS DE CATÁSTROFE? processos de 96
subjetivação na contemporaneidade
Terezinha Maria Schuchter
Fábio Luiz Alves de Amorim
Jaconias Dias Rodrigues
RESISTIR, RE-EXISTIR, CRIAR: AGENCIAMENTOS ARTÍSTICOS E AFETIVISMO 99
Helena Wilhelm Eilers
CORPOS EM ESTADOS DE PRESENÇA: performando novos modos de existência 101
Juscelino Ferreira Mendes Junior
Juliana Soares Bom-Tempo
“DI MENOR”: cenas e passagens entre o esgotamento e a menoridade 103
Alessandra Melo
CORPOS (S)EM EDUCAÇÃO: des-a-fios em (des)ocupação 105
Elenise Cristina Pires de Andrade
Vívian Carla Reis Nery
Priscila Ledoux Costa Silva
FORMAÇÃO E(M) IMAGENS: infâncias 108
Rafael Christofoletti
DESDOBRAMENTOS, RESSONÂNCIAS, CONTÁGIOS... as produções das crianças 110
sobre o papel e seus fluxos e cortes desejantes e fabuladoras
Camilla Borini Vazzoler Gonçalves
A ARTE DO ENCONTRO NO COTIDIANO ESCOLAR: forças que rompe as formas 112
do currículo
Hociene Nobre Pereira Werneck
Sandra Kretli da Silva
ENTRE MEIO: os agenciamentos e a formação de professores da Educação 114
Infantil no âmbito do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa no
estado do Amazonas
Jucimara Canto Gomes
Zeina Rebouças Correa Thomé
TERRITÓRIOS OCUPADOS EM EFEMERIDADES: criançar 116
Ivânia Marques
Davina Marques
AZUL PROFUNDO: Esculpindo um diamante cristalino do e no pensamento 118
como filosofia-performance e modo de experiência cinematográfico e
especulativo
Sebastian Wiedemann
O VIDEOCLIPE COMO CRÍTICA E CLÍNICA: uma análise de O último traseiro de 120
Guy Maddin e Sparks
Henrique Rocha de Souza Lima
IMAGEM DE UM SEGREDO: Deleuze, David Lynch e a pedagogia da percepção 122
Cristiano Bedin da Costa
Elena de Oliveira Schuck
UMA CONVERSA, O QUE É, PARA QUE SERVE: diálogo entre Eduardo Coutinho 124
e Gilles Deleuze
Renata de Oliveira Ramos
APICHATPONG WEERASETHAKUL: poéticas e linguagens e... 125
Pedro Santos Paviotti Vicentin
Marcelo Vicentin
SEPULTADOS VIVOS: conectando com a areia radioativa e corpo e máquina e... 127
Marina Meira Coelho
Daril Domingos Motta
APRENDIZAGEM, MOTRICIDADE E DIFERENÇA: uma possibilidade de 129
deslocamentos
Paulo Henrique Oliveira Lopes
Rubens Antônio Gurgel Vieira
PONTO CEGO: ciência, arte e fungos para pensar o invisível 131
Fabíola Simões Rodrigues da Fonseca
Reno Beserra Almeida
Cesar Augusto Baio Santos
CORPO SEM ÓRGÃOS E DEVIR: modelo e experiência de uma morte animada 133
Fabrício Martins Pinto
UMA VIDA Z: construção de um corpo cartógrafo 135
Fernando Pena Miguel Martinez
Flávia Liberman
CARTOGRAFIAS DA CARNE E OSSO E OUTRAS NATUREZAS: devir carne, devir 136
gente
Antonio Almeida da Silva
NIETZSCHE, CLÍNICA E AUTOGENEALOGIA 138
Yan Menezes Oliveira
DELEUZE, ESPINOSA E NÓS: ACERCA DO TRATADO DA ETOLOGIA 140
Mateus Barbosa Verdú
COM A PALAVRA, MICHEL SERRES: as idades da vida e as aprendizagens que 143
nos constituem
Maria Emanuela Esteves dos Santos
ENTRE O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS: a experiência-Brasil na formalização 145
dos saberes em administração pública
Laura Henrique Corrêa
CULTURA E DIFERENÇA NA EDUCAÇÃO BÁSICA EM ANGOLA 146
Marcelino Mendes Curimenha
DELEUZE SOBRE FOUCAULT: aprender pela escuta do outro 148
David da Silva Pereira
Silvana Dias Cardoso Pereira
ENCONTROS E CONEXÕES: imagens cinematográficas e redes de conversações 150
movimentam currículos e formação de professores
Sandra Kretli da Silva
Marlucy Alves Paraíso
NA NATUREZA SELVAGEM: reflexões sobre cinema e educação e máquina e 152
corpo e nomadismo e...
Diogo José Bezerra dos Santos
Ana Karla Tzortzato Almeida
O PROFESSOR ENTRE A NORMATIZAÇÃO E A DIFERENÇA: pensando a 154
constituição do educador com a filosofia deleuziana e o filme “Numa escola de
Havana”
Fernando Cesar Pilan
Romualdo Dias
O OGRO E SUA ARTE DE ATRAVESSAR PORTAS: procedimentos do professor 157
Gilles Deleuze
Eder Amaral
IMAGENS-CINEMA E REDES DE CONVERSAÇÕES: movimentam as invenções 159
curriculares e a formação de professores
Sandra Kretli da Silva
Marlucy Alves Paraíso
A MAQUINARIA DA ESCRITA COMO DESMONTAGEM DOS ÓRGÃOS: 161
atravessamentos por entre Clarice Lispector e Deleuze
Maria dos Remédios de Brito
Dhemersson Warly Santos Costa
O ESTILO NA FILOSOFIA DE GILLES DELEUZE 163
Amanda Fievet Marques
LEITURAS DELEUZIANAS DE POETAS QUE SE AUTODENOMINAM MARGINAIS: 165
cartografando a partir da literatura menor
Eliane Aparecida Bacocina
ATOS DE CRIAÇÃO: o corpo e a escrita 167
Dhemersson Warly Santos Costa
Maria dos Remédios de Brito
BRUXARIA DELEUZIANA: o hermetismo na obra de Deleuze & Guattari 169
Nelson Job V Carvalho
DA ARTE DE (RE)EXISTIR PHILOSOPHICAMENTE 171
Dulce Mari da Silva Voss
RIO-MAR EM TRAVESSIA: o corpo e a paisagem 173
Sinara Ramos Monteiro
Ana Karoline Damasceno Santos
Maria dos Remédios de Brito
ESCAVANDO O RIZOMA: devires a partir de uma filosofia-vegetal 175
Tiago Amaral Sales
Lúcia de Fátima Dinelli Estevinho
ROCK MACHINE: a sonoridade de um pensamento nômade 177
Marcos Ribeiro de Santana
CORPO SEM ÓRGÃOS: performer artista e o performer arte educador 179
Leomar Peruzzo
Claudia Cunha Madruga
COREOCARTOGRAFIA FAMILIAR, LINHAS DE FUGA E...: reflexões sobre criações 181
em dança como modos de dilatação da vida
Juanielson Alves Silva
Maria do Remédios de Brito
DISSERTAÇÃO DESSEMELHANTE: encontro entre arte da performance e 183
educação esquizita põe a pensar a pesquisa acadêmica
Sônia Maria Clareto
Tarcísio Moreira Mendes
LAGO: fotografia e acontecimento 185
Amanda Maurício Pereira Leite
Renata Ferreira da Silva
DILEMAS DA PERFORMANCE NA ERA DO REGISTRO 187
Suianni Cordeiro Macedo
João Paulo Leite Guadanucci
SILÊNCIO: no hay banda 189
Marcelle Ferreira Louzada
ESPAÇO DO BRINCAR: os agenciamentos de um dispositivo digital na formação 191
inicial de professores
Aliuandra Barroso Cardoso Heimbecker
Zeina Rebouças Corrêa Thomé
OS AGENCIAMENTOS DIDÁTICOS-PEDAGÓGICOS DA TECNOLOGIA DIGITAL NO 193
CURSO DE PEDAGOGIA
Aliuandra Barroso Cardoso Heimbecker
Zeina Rebouças Corrêa Thomé
Maria Ione Feitosa Dolzane
O QUE PODEM AS NOÇÕES DE TEMPO JUNTO ÀS FILOSOFIAS DA DIFERENÇA? 195
Modos de existência e resistência de docentes-pesquisadoras no campo da
educação
Angélica Neuscharank
Carin Cristina Dahmer
Marilda Oliveira de Oliveira
O CORPO NA ESCOLA: as relações de poder na transição da educação infantil 197
para o ensino fundamental
Adriana Maimone Aguillar
Antônio dos Santos Andrade
A POTÊNCIA DAS IMAGENS NOS PROCESSOS DE CURRÍCULOSFORMAÇÕES: 199
rizoma, afecções e whatsApp
Julio César da Silva de Alvarenga
CRISE ECOLÓGICA, CRISE HÍDRICA E POLIFONIA 201
Raphael Vianna
ESPAÇO, MÁQUINA, MATEMÁTICAS E RITORNELOS 204
Carlos Estellita-Lins
SÉRIES, MÁQUINAS E A PERSISTÊNCIA DO INVISÍVEL 207
Ana Linnemman
OS YANOMAMI E SUAS PALAVRAS: SOBRE CANTOS, DISCURSOS, 209
DOCUMENTOS
Marcelo Moura
MÁQUINAS DE GUERRA, INTENTOS DE PRODUZIR ESCRITAS A N-1 211
Marcela Bautista Nuñez
Marilda Oliveira de Oliveira
ESCRITURA E SEU COMBATE: a folha em branco 213
Sônia Regina da Luz Matos
Roger Andrei de Castro Vasconcelos
Michel Mendes
Camila Fátima Cavion
DEVIR VEGETAL: experimentações com um corpo – planta – escrita 215
Gabriela de Sousa Tóffoli
Kátia Maria Kasper
COLETIVO DE CRIAÇÃO GRUPONHO: política de tambores 218
Cristian Polleti Mossi
Francieli Regina Garlet
Marilda Oliveira de Oliveira
Vivien Kelling Cardonetti
PERFORMANCES COTIDIANAS: corpos, máquinas e invenção de vidas nas 220
escolas
Ana Carolina Justiniano
REPRESENTAR A INCLUSÃO? uma perspectiva a partir da filosofia da diferença 222
Daniel de Raeffray Blanco Nascimento
SeiZo Vinicius Soares
PRÁTICAS DE LIBERDADE NO ÂMBITO PEDAGÓGICO ATUAL: disputas de 224
correlação de forças
Adriana Marcondes Machado
Marcela Peters Cremasco Gonçalves
Patrícia Peixoto Zapletal
FÉLIX GUATTARI: máquinas concretas e máquinas abstratas 226
André Campos de Camargo
DANÇA IMANENTE: uma des-re-territorialização do corpo em poéticas 228
artístico-performativas contemporâneas em/do movimento
Robson Farias Gomes
O CORPO NA PRODUÇÃO DO URBANO: uma chance de nos mover no caos 231
Isabela Giorgiano
A INFÂNCIA, A DANÇA E A VIDA: insurgências estético-políticas na educação 233
Rogério Machado Rosa
EMPODERAMENTO DA MULHER-DAMA? Corpos desejantes na dança de salão 235
Carolina Polezi
Debora Reis Pacheco
ENTRE A ABERTURA E O COLAPSO: o corpo sem órgãos em O Anti-Édipo 238
Frederico Pacheco Lemos
ZIGUEZAGUES ENTRE ARTE E FILOSOFIA: obras-dispositivos na clínica ampliada 240
do Projeto Cuide-se
Cristiane Mesquita
REESCRITAS DE UM DIÁRIO ESQUIZO: modos e processos de uma escrita- 242
pesquisa cartográfica e anedípica
Juan Alexander Salazar Silva
INFLEXÕES CLÍNICAS EM ESQUIZOANÁLISE: os conceitos de corpo sem órgãos e 244
devir como sentido
Fabrício Martins Pinto
Yan Menezes Oliveira
O QUE AS CRIANÇAS CONTAM DO/NO CORPO NOS ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO 246
INFANTIL E COMO ELAS RE-SIGNIFICAM ESSES ESPAÇOS?
Fernanda Ferreira de Oliveira
REFLEXÕES DELEUZIANAS ACERCA DA CARTOGAFIA DOS BEBÊS 248
Sabrina de Oliveira
CONEXÕES BEBÊS E CORPO E MÁQUINA: um registro cartográfico dessas 250
conexões
Gabriela Guarnieri de C. Tebet
Gustavo Almeida de Barros
CORPO, CIDADE E MÁQUINA: re(a)presentações da cidade a partir da 253
fotografia
Tatiane Alves Ribeiro
TRAJETOS-PROCESSOS DE UMA MÁQUINA SELVÁTICA PELA CIDADE 256
Thalita Alves Sejanes
Kátia Maria Kasper
BIRUTAS N°1: práxis nômades de viver na e/a cidade 259
Raphael Gonçalves de Faria
CARTOGRAFIA AMBIENTAL: máquina de guerra na paisagem 261
Matheus Reis
EXPERIMENTAÇÕES COM DESENHO NO ENSINO DE SOCIOLOGIA: construindo 263
sentido a partir dos afetos
Isabela Froes Righi
Graziele Ramos Schweig
Caio Morais Sena
O DEVIR-JOVEM E O DEVIR-ESCOLA: cartografando processos de subjetivação 265
de jovens em uma escola pública do Rio de Janeiro
Eleonora Abad Stefenson
PESQUISA, EXPERIMENTAÇÃO E ATENÇÃO AO ACONTECIMENTO: 267
agenciamentos entre Ciências Sociais e ensino
Graziele Ramos Schweig
Árllan Maciel Cunha Alves
DELEUZE E FORMAÇÃO DE PROFESSORXS: um mapa em rascunho 269
Sálua Domingos Guimarães
PERSPECTIVAS BÁRBARAS DA VIOLÊNCIA: a produção do laboratório de 271
artistas Mapa Teatro pensada como máquina de guerra
Clara Barzaghi de Laurentiis
O TEATRO COMO ESPAÇO-MÁQUINA 273
Juliano Felisatti Gonçalves Pereira
Giovana Scareli
O CORPO NO TEATRO COMO ROTA DE FUGA: caminhos por porções de terra 275
de esperança
Élder Sereni Ildefonso
SEM CONCILIAÇÃO! Antifascismo, transfeminismos e uma cavalgada com 277
trabalho cênico de Carolina Bianchi
Rafael Limongelli
A CARTOGRAFIA E A PERFORMANCE COMO FERRAMENTAS DE PESQUISA EM 281
EDUCAÇÃO
Adriana Maimone Aguillar
CARTOGRAFIAS GUSTATIVAS: olhares a partir de um episódio da série Chefs 283
Tables
Tiago Amaral Sales
Daniela Franco Carvalho
DELEUZE E O TEATRO: experimentações por entre subtrações e devires- 285
menores em educação
Alice Copetti Dalmaso
Ana Cláudia Barin
Denise Meller Losekann
Rafael Agatti Durante
RASGA A CARNE 288
Adriana Maimone Aguillar
ANTIFASCISMO TROPICAL 290
Danichi Hausen Mizoguchi
Eduardo Passos
MÁQUINA DE GUERRA NÔMADE: uma tática das ocupações dos secundaristas 292
Rodrigo Conceição Ferreira de Moraes
TESTEMUNHAR O INSUPORTÁVEL: uma cartografia do abuso sexual infantil 294
Karina Acosta Camargo
DESTAMPAR A IMAGINAÇÃO PARA FLORESCER OUTROS MODOS DE CONVÍVIO 296
Rosane Preciosa
VIDA, PESQUISA E IMANÊNCIA: uma história [de um educador matemático] 297
da/na floresta...
Jorge Isidro Orjuela Bernal 298
CURRÍCULOS-OUTROS E AS OCUPAÇÕES DAS ESCOLAS PAULISTAS
Débora Reis Pacheco
EM CENA: corpo e arte e matemática e… ]entre[ uma corpartemática 300
Mônica Maria Kerscher
Cláudia Regina Flores
Jussara Brigo
Angélica D’Avila Tasquetto
APRENDER MATEMÁTICAS: um encontro com signos 302
Carolina Tamayo
Michela Tuchapesk
ENTRE LÍNGUA E FALA E ESCRITA E PELE: que matemáticas acontecem? 304
Marta Elaine de Oliveira
O MENINO E AS ROSAS: ou das diferenças produzidas com um zero 306
Pedro Rocha Silveira de Mendonça
Margareth Sacramento Rotondo
Giovani Cammarota
INAUGURAÇÕES DA INFÂNCIA: uma amatemática pega nos desvios e não em 308
estradas
Bianca Santos Chisté
O LADO DE FORA DE UM INFINITO: cenas de um encontro entre crianças e 310
matemática
Giovani Cammarota Gomes
PRÁTICA DE ENSINO EM MATEMÁTICA: um espaço de criação para um estar 312
professor de Matemática
Tássia Ferreira Tártaro
UM CUBO, UMA AULA: perturbar com controle, descontrole? 314
Margareth Ap. Sacramento Rotondo
Maria Paula Pinto dos Santos Belcavello
ENCONTROS E FLUXOS NUMA ESCOLA: educadora matemática em potência de 316
criação, fratura e resistência
Paola Amaris-Ruidiaz
Roger Miarka
PERFORMANCES

COSTURAS EM RIZOMAS 319


Caue de Camargo dos Santos
Marilda Oliveira de Oliveira
BIRUTAS N°1 320
Raphael Gonçalves de Faria
MÁQUINA-ROTA 321
Breno Filo Creão de Sousa Garcia
RECONSTITUIÇÃO 322
Renan Dias Santos
CORPO O QUÊ 324
Robson Farias Gomes
BEBER A TERRA 326
Luciane Briotto
SANGUE DO MEU SANGUE 327
Silvana Sarti Silva
VOYAGE CYBORG SONORA # 5: antifagem true 329
Rafael Limongelli
E N T RE 330
Cláudia Madruga Cunha
Fernando Lobo
Simone Andreia Violanti
Fernanda Frazão
A DOBRA, O DENTRO 332
Juliana Bom-Tempo
Isabela Giorgiano
Aline Salmin
BUQUÊ 333
Camila Jorge
AMAZÔNIA EM MIM 334
Marcela Peters Cremasco Gonçalves
FEITO HOMEM 335
Juanielson Alves Silva
APARECEU A MARGARIDA: performance de uma educação 336
Tarcísio Moreira Mendes
I AM SORRY MR SCELSI + UMANIMUSGO 337
Francisco Lauridsen Ribeiro
NA ESTRADA, O QUE SE PASSOU? 338
Ilma Guideroli
Alessandro Carvalho Sales
O CORPO DESEMBESTADO DE ADIVINHAADIVA 339
Matheus Silva
LITERATURA PARA DANÇAR 340
Henrique Rocha de Souza Lima
BANDA FISIOLÓGICA 341
Marcelle Ferreira Louzada
REMOVA ANTES DE USAR 342
Francisco das Chagas Pessoa Cacau
Marie Araújo Auip
MARKETS IN BOGOTA 344
Mauricio Rene Baez
ENTRE GRADES 346
Renata Morais Lima
Wescley Dinali
Marcos Adriano de Almeida
COM-POSIÇÕES DE UM PARQUE INFANTE 347
Vanessa Lima da Silva
ECO – ODE A ECOSOFIA 348
Rodrigo Reis Rodrigues
ESTUDO SOBRE REDES Nº1 349
Luiz Gabriel Catoira de Vasconcelos
CAOSMOLOGIA: dinâmica e reciprocidade 350
Diego Winck Esteves
JAMAIS INTERPRETE, EXPERIMENTE 351
Mauro Tanaka Riyis
ARTISTA MARGINAL – BICHO N°28 – MEET SPACE 352
Raphael Gonçalves de Faria
SCHIZOANALYSIS DEVICES CROSS-SECTIONAL READING OF PSYCHOANALYSIS 353
Stella Angel Villegas
QUE PODE UM PROFESSOR TRANS? 354
Roger Miarka
Jeimy Marcela Cortés Suarez
Claudia Cunha Madruga
LAGO 356
Amanda Maurício Pereira Leite
Renata Ferreira da Silva
DESCARGA DE AFETOS: esquizoartezando em banheiros 358
Peterson Rigato da Silva
Claudia Seneme Canto
CORPOGRAFIAS EM TEMPOS DE SOBREMODERNIDADE: tecer protocolos para 359
um habitar sensível-poético
Antonio Carlos Queiroz Filho
18

APRESENTAÇÃO

Para Gilles Deleuze o E desiquilibra, desordena as relações, o ser, o verbo, o espaço,


o tempo etc., incomoda as fronteiras por sempre indicar novos limiares, novos encontros,
ampliando as potências do viver e do vivido.

“o E não é nem um nem o outro, é sempre entre os dois, é a fronteira,


sempre há uma fronteira, uma linha de fuga ou de fluxo, mas não se vê,
porque ela é o menos perceptível. E, no entanto, é sobre essa linha de
fuga que as coisas se passam, os devires se fazem, as revoluções se
esboçam”1.

Em sua oitava edição, o Seminário Conexões: Deleuze e..., organizado pela


Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (FE/Phala) durante os dias 11 e 14 de
novembro de 2014, sob o tema Deleuze e Corpo e Cena e Máquina e…, teve como foco a
experimentação e a propagação de conexões produzidas nas múltiplas esferas de nossa
vida contemporânea.
Nas fronteiras entre a tecnologia, a ciência, as artes, articuladas em torno dos
conceitos de máquina e corpo e cena… atravessadas pela perspectiva deleuziana na
composição com as filosofias da diferença, o Seminário, nesta edição, em termos artísticos
teve como eixos privilegiados as mais diferentes artes da cena: teatro, dança, performance,
cinema etc., naquilo que podem mobilizar o pensamento na educação e na filosofia. Para
tanto, artistas, estudantes, professores, curiosos estiveram conosco, deixando-se
atravessar por outras maneiras de ser e estar no mundo, outras sensações e percepções,
de modo a nos constituirmos eticamente outros.
De sua polimorfia, de seus nós, ramificaram-se nesse 8º Conexões linhas que
estreitaram a participação de pesquisadores latino-americanos, particularmente com a Red
Deleuze y Guattari Latinoamérica (REELD&G); fluxos que abriram espaço para o I Encontro
Deleuze e Educação e Matemática e…, tendo como eixo a dobra entre Filosofias da
Diferença e Educação Matemática; e linhas de fuga para performances, com uma
programação exclusiva, a fim de confundir as formas, os modelos, as estruturas,
explorando outros caminhos, explorando e se movendo para outras direções.

1
Três questões sobre seis vezes dois. In: Conversações, 2017, p. 62.
19

Múltiplos fluxos entre corpos e subjetividades e teatros e vidas e pensamentos e


experimentações e aprendizagens e educações e pesquisas e clínicas e gêneros e
resistências e infâncias e cinemas e imagens e sentidos e diálogos e autores e literaturas e
escritas e encontros e filosofias e artes e performances e professores e escolas e danças e
esquizoanálises e cartografias e cidades e trajetos e devires e máquinas de guerra e
diálogos e matemáticas e salas de aula e ensinos e imanências e desterros e ecologias e
rizomas e modulações e vídeos e fotos e... compõem e decompõem as multiplicidades de
linhas e experimentações de encontros possíveis e imagináveis que alargaram as fronteiras
do Seminário Conexões.
São essas experimentações dos encontros e invenções vivenciadas no 8º Seminário
Conexões: Deleuze e Corpo e Cena e Máquina e… e no I Encontro Deleuze e Educação e
Matemática e…, é o que buscamos indicar nesse caderno de Anais, por meio das 141
comunicações e 33 performances distribuídas por 31 mesas e 16 eixos que abordaram as
mais diferentes temáticas pelos quatro dias de evento.

Silvio Gallo
Marcelo Vicentin
Mirele Corrêa
20
21

O AMOR E AS RELAÇÕES AFETIVAS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA PROPOSTA ÉTICA,


ESTÉTICA E POLÍTICA

Josiane Cristina Orlando de Souza


Universidade de São Paulo
psi.josianesouza@gmail.com

Na contemporaneidade vivemos um modo característico de produção de


subjetividade, a saber, a subjetividade capitalística. Tal subjetividade afeta a maneira como
produzimos afetos e relacionamentos em nossa vida. Se faz necessário compreender estas
afetações e agenciar novos modos de experimentar o amor em sua potência. Segundo
Guattari, a “máquina capitalística produz (...) aquilo que acontece conosco quando
sonhamos, quando devaneamos, quando fantasiamos, quando nos apaixonamos e assim
por diante. (...)” (GUATTARI, 2005, p. 22). Ao corpo pleno interessa apenas a expansão
economica, estando as mercadorias subordinadas a este objetivo, portanto, tanto os
objetos de consumo quanto a própria subjetividade, se tornaram meios indispensáveis
para essa expansão capitalista, lembrando, nesse sentido, a afirmação de Guattari (1986)
de que a subjetividade atualmente é mais valiosa do que o petróleo. O capital, no interior
da própria produção, produz subjetividades faltosas, desejos eternamente insatisfeitos,
capturando o desejo no íntimo teatral e familiar, operando pela via da privatização da
subjetividade, na medida em que “ (…) acarretam menos numa publicização do privado do
que numa privatização do público: o mundo inteiro se passa em família, sem que se tenha
que deixar a sua televisão” (DELEUZE, GUATTARI, 2010, p. 332). Este funcionamento do
capital tem, conforme Guattari (2005), reduzido a experiencia amorosa a uma apropriação
do corpo, imagem e devir do outro, não o sentindo como companheiro de partilha, mas
como uma propriedade privada, da qual se toma posse. Para Rolnik (1982) a influência do
capital no modo de amar na atualidade tem alcançado dois extremos: o primeiro é a relação
especular, o apego excessivo que gera simbiose familialista sufocante e tóxica, e o segundo
são as máquinas celibatárias, sem territórios fixos, que vivem de desterritorializações e de
intensidades puras que fragilizam e se desmancham no ar. Ambos modos extremos de
amar e se relacionar são perigosos, pois enfraquecem os agenciamentos do desejo e até
mesmo a produção de novos territórios de vida. Diante de tais modos de amar, pelos quais
se pode transitar vez ou outra, nos deparamos com um profundo sofrimento emocional
gerado pela ideia de insucesso amoroso. A culpa e a insegurança, acompanhados de uma
autoestima fragilizada, despotencializa os afetos, enfraquece o corpo e impede a
experimentação de novos territórios do desejo e do amor. E então, nos perguntamos: será
possível um modo diferente de amar? Uma nova suavidade no amor? Talvez, um primeiro
ponto na busca por respostas, é ressaltar que, para a esquizoanálise, o desejo não é
constituído pela falta, pois para Deleuze e Guattari (1996), o desejo é processo, produção
da realidade no social, daí a denominação produção desejante. Não falta para o sujeito o
objeto, mas o sujeito é que falta ao desejo, pois é este que o produz, não havendo, pois,
sujeito determinado, mas sempre em produção na realidade social. O exemplo do amor
cortês, citado pelos autores em Mil Platôs vol.3, é paradigmático a esse respeito, pois a
postergação dos amantes não pode ser interpretada como a lei da falta, senão por um
desejo que preenche a si próprio, incitando a criação de um corpo sem órgãos por onde
passam intensidades capazes de diluir o eu e o outro, em virtude das singularidades não
22

egóicas, pois “(…) se o desejo não tem o prazer por norma, não é em nome de uma falta
que seria impossível remediar, mas, ao contrário, em razão de sua positividade, quer dizer,
do plano de consistência que ele traça no decorrer do seu processo” (DELEUZE, GUATTARI,
1996, p.26). Outro ponto fundamental é trazido por Espinosa em sua ética dos encontros.
Os afetos para este filósofo são as afecções do corpo, capazes de aumentar ou diminuir
nossa potência de agir. O que pode um corpo? Um corpo pode afetar e ser afetado.
Segundo Espinosa (1983), as afecções surgem do nosso encontro com o outro e com o
mundo, encontro esse que provoca uma alteração em nossa potência, fazendo-a aumentar
ou diminuir. Se é um bom encontro, se há produção de alegria, a afecção nos leva a
experimentar uma maior potência de agir no mundo. Por outro lado, se é um encontro que
produz afetos tristes, essa potência de afetar e ser afetado, de agir no mundo, vai diminuir.
Tentar produzir bons encontros em um mundo que nos comunica um turbilhão de afetos
tristes diariamente é, para Espinosa, uma questão de ética. Deleuze (1968), em “Espinosa
e o Problema da Expressão”, defende a necessidade de produção de bons encontros, de
associação com pessoas que despertam afetos alegres em nós, que aumentem nossa
potência de agir e com efeito que possamos também afetar de modo positivo. Portanto,
no amor é preciso reconhecer o outro como diferente, como possuidor de espaços
desconhecidos, sem querer entrar neles ou conquistá-los, pois não se pode apropriar-se
dos devires do outro. Em consonância com a proposta ética de Espinosa, está a estética da
existência de Foucault. A estética da existência pensada como uma ética do cuidado de si,
que se efetua em atos e ações para consigo e para com os outros, está implicada
diretamente na produção inventiva de si (novas formas de subjetivação), fazendo da sua
própria vida uma obra de arte, assim como também está implicada na capacidade de
transformação do mundo que o cerca (Foucault, 1985). Deste modo, em contrapartida aos
modos de amar influencidados pelo capitalismo, propomos uma nova suavidade no amor,
marcada pela ética da produção de bons encontros, pela estética do cuidado de si e pela
criação política de novos modos de subjetivação.

Palavras-chave: Amor; Capitalismo; Subjetividade.


23

A INVENÇÃO DE UMA MÁQUINA DO CUIDADO

Gustavo Alves Eduardo


Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional / Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES)
gustavoalvese@gmail.com

Fernando Hiromi Yonezawa


Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional / Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES)
fefoyo@yahoo.com.br

Entendemos que o conceito de cuidado não é precisamente explorado nas


produções de Deleuze e Guattari. Entretanto ao explorarmos conceitualmente suas obras,
descobrimos que é possível abrir discussões entorno do cuidado na atualidade e os efeitos
na produção de subjetividade. Com isso, gostaríamos de retomar algumas contribuições a
partir de Félix Guattari e Suely Rolnik (2005) no que toca a “produção de subjetividade”,
exercitando uma articulação junto a Gilles Deleuze e o próprio Félix Guattari (2012) com os
conceitos de “máquina de guerra” e “molecularidade”, apostamos que há um investimento
máquinico na fabricação da subjetividade que está em constante processualidade no
“entre-meio” dos planos molar e molecular das relações. Configurar-se-ia, assim, um
processo de subjetivação dos modos de vida. Para tanto, há uma aposta que o cuidado se
constitua numa máquina de guerra que por meio da dimensão molecular, pode causar
fissuras, transgressões e desvios na produção de subjetividade capitalística.
A produção de subjetividade é uma das discussões mais pertinentes no
contemporâneo, podendo a subjetividade ser entendida na atualidade como uma
engrenagem; peça que é fundamental à toda dinâmica de produção (GUATTARI & ROLNIK,
2005). Na análise de compreender como a produção de subjetividade se configura no
contemporâneo, chamamos atenção para os processos de subjetivação.
A construção da subjetividade perpassa pelo investimento de dimensões
econômicas, sociais, científicas, culturais, tecnológicas, midiáticas, biológicas e entre outras
possibilidades. Forjando novos sentidos e expressões de si e do mundo. É preciso entender
que os processos de subjetivação fabricam certos modos de vida; modelam, consomem e
capturam as produções subjetivas, há aí uma maquinação da subjetividade que alcança e
interfere justamente “(...) no coração dos indivíduos, em sua maneira de perceber o
mundo, de se articular com o tecido urbano, com processos maquínicos do trabalho e com
a ordem social (...)1 e é através dessa parafernália de processos que o real vai se
configurando, a subjetividade vai ganhando contorno, ou seja, os modos de vida vão sendo
produzidos.
Nesse sentido Guattari e Rolnik (2005) indicam que a subjetividade é forjada de
acordo com as circulações do social, aquilo que atinge o plano da linguagem e nos chega
por meio da família, dos equipamentos, das relações sociais e tecnológicas, estão
registradas no “entre-meio” como processos, movimentos e forças, operando sobre nós
certos modos de se colocar no mundo. Podemos nomear essas circulações do social como
processos de subjetivação que impulsionados pela realidade capitalística, produzem
1
GUATTARI, F; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. 7º ed. Petrópolis: Vozes, 2005, p.34.
24

conexões diretas com representações hegemônicas do mundo, incorporando os sujeitos


na realidade por meio de representações-idealizações do humano.
Em suma, trata-se de representações importantes de como se colocar no mundo;
afinal, a subjetividade é o efeito das produções sociais que nos registram sobre o campo
das relações, embora tais representações acabem tomando um caráter universal de
identidade, impulsionando a criação do Ideal-de-Ser-Eu2. Diante disso, estamos registrados
e propícios à dívida, à alta e incompletos, o que acaba paralisando ou dificultando a
produção de novos sentidos e possibilidades. Tal dinâmica de representações-idealizações
acaba produzindo boas copias que pautadas na semelhança, rejeitam tudo aquilo que é
desprovido de similitude e, que se apresenta como diferença.
Essa perspectiva de produção da subjetividade acaba colocando justamente em
contraposição uma ideia de sujeito, encontrado nas ciências humanas como identidade
estruturada no interior da natureza humana. Entretanto, autores como Guattari e Rolnik
(2005, p.40) nos ajudam a entender que a subjetividade “(...) não é passível de totalização
ou de centralização no indivíduo”, pois suas configurações estão em constante modulação
com a multiplicidade de processos, encontros, discursos, práticas e acontecimentos que
circulam pelo tecido social. Entender a subjetividade sendo “(...) essencialmente fabricada
e modelada no registro do social”3 é deslocar a concepção de que os modos de vida estão
constituídos no campo individual. Para tanto, apontamos a subjetividade como efeito dos
processos que estão em constante produção social atualmente. Com isso, reduzir a
subjetividade às funções do ego, seria como rodopiar entorno de nós mesmos.
A subjetividade é alvo de processos que se atravessam por todos os lados e
direções, “(...) o vivido é segmentarizado espacial e socialmente”4 somos tomados por
segmentos que como prescrições nos apontam certos modos de habitar, circular a cidade,
trabalhar, sobretudo, viver. Ora, daí, podemos pensar, já que somos todos
segmentarizados, somos todos feitos de linhas também. Indivíduos e grupos, somos todos
perpassados por linhas, contudo, tais linhas são tidas de formas bem diversas (DELEUZE &
GUATTARI; PARNET, 1998; 2012). Contudo, todas as linhas estão emaranhadas, como as
linhas da palma da mão, ou bem como, a roda da saia rendada em bordados de Richelieu
das baianas na cultura afro-brasileira.
Nosso interesse é propriamente encontrar em meio a esse emaranhado de linhas,
uma linha outra que efetivamente se encontre em vias de agitação, clandestinidade, desvio
e transgressão. Seriam as linhas de fuga que, marcadas por movimentos de
desterritorialização, acabariam, por se agitar, descodificando e produzindo mutações entre
os segmentos numa dimensão molecular, numa dimensão sensível (DELEUZE & GUATTARI,
2012). Essa linha “(...) tem algo de excessivamente misterioso, pois, (...) ela não tem nada
senão a alma do dançarino...”5, seus ritmos emitem conexões com outras linhas de fuga
que, ora tendem a conjunções do tipo “e” nos lançando para mais além, ora podem se
transformar em linhas de pura abolição, destruição e morte, portanto, eis aí um perigo e
um convite a prudência.

2
Tal noção assemelha-se ao que Guattari (1987, p.91) propõem como “máquina-consumidora-de-máquinas-
produtivas” que instauradas em sociedades com sistemas neocapitalistas e socialista-burocrática, tendem a
capturar os indivíduos por um Ideal.
3
GUATTARI; ROLNIK, 2005, p.40.
4
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs. vol. 3, São Paulo: Editora 34, 2012, p.92.
5
DELEUZE, G.; PARNET, C. Políticas. In: DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998,
p.102.
25

Para tanto, pensamos que o cuidado como um exercício ético-político-estético pode


estar presente em diferentes campos de atuação, se acoplando as máquinas de guerra que
entre os segmentos, acabam por provocar linhas de fuga que, podem produzir
transformações micropolíticas em meio à lógica capitalística de produção de subjetividade.
Com isso, há aí uma outra subjetividade, há aí uma existência se inventando.
Nesse sentido, apostar numa máquina do cuidado, junto aos nossos autores
Deleuze e Guattari (2012) corresponde a pensar que à máquina de guerra que opera fluxos
de descodificação e desterritorialização, impulsionando as linhas de fuga, emitindo novos
fluxos mutantes e assegurando novas-conexões. Poder-se-ia acoplar e inventar uma
máquina do cuidado que, acabe por remanejar processos inventivos, interferindo
diretamente na produção de subjetividade capitalística por meio da dimensão
micropolítica.
As linhas de fuga ao se conectarem com outros fluxos, acabam se prolongando e
colocando em expansão suas intensidades (DELEUZE e GUATTARI, 2012). Com isso,
podemos pensar numa máquina do cuidado que afirme a produção de subjetividade por
uma dimensão micropolítica conforme já dito. Produzindo resistência e afirmação da vida
em meio a produção de subjetividade capitalística, que acaba por nos registrar em relações
de assujeitamento, culpabilização, infantilização, tutela e idealizações (GUATTARI e
ROLNIK, 2005).
Propor a invenção de uma máquina do cuidado, é configurar uma postura de estar
à espreita dos processos moleculares que atiçam e confrontam aspectos tidos como
endurecidos. Uma máquina do cuidado que escapa da lógica de reprodução dos
parâmetros, dos estatutos das organizações e das regras; duras e frias preestabelecidas em
determinados espaços terapêuticos, educacionais, assistenciais - e sobretudo - de cuidado.
Não se trata, com isso, de se colocar em oposição às práticas de cuidado, aos aparelhos e
dispositivos que já se encontram em disposição nos mais variados campos de atuação. Essa
máquina do cuidado tem como dinâmica a produção de processos inéditos, inventivos,
transgressores e desviantes. Será preciso nos colocarmos em um exercício-ético-político-
estético constante do pensamento, da relação com outro, com as práticas e com o efeito
das nossas atividades. Provocando brechas, fissuras e rupturas que proporcionem o
exercício inventivo e reflexivo constante na composição de outras práticas, outras relações,
outros afetos e outros encontros que, já são em si afirmações políticas.

Palavras-chave: Cuidado; Máquina, Molecularidade.


26

DA DESTERRITORIALIZAÇÃO A SINGULARIZAÇÃO: IMPORTÂNCIA DO DESARRANJO DA


MÁQUINA DESEJANTE COMO POSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO

Tuhany de Oliveira Sabino


Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional- Ufes
tuhanysabino@hotmail.com

Somos contemporâneos de um modo de produção de subjetividade que se faz de


forma massificada, dentro de padrões de imagem e comportamentos delimitados por um
consenso do que seja ideal e normal. Esse achatamento da subjetividade tem como um de
seus efeitos, sua modulação enquanto algo pré-fabricado, oferecendo condições para que
ela se difunda indefinidamente como bem de consumo, consumo existencial. Esse modo
de produção é próprio da organização social capitalista, a qual estamos imersos, do ponto
de vista da produção desejante, é uma antiprodução; pois massifica o que deveria ser
singular. O capitalismo produz necessidades globalizadas, hegemônicas, que se encaixam
dentro de seus parâmetros de consumo/produção, que por sua vez é sempre faltoso,
individualizante e massificado. Enquanto o desejo é sempre minoritário, emerge de uma
conformação singular de forças.
A subjetividade capitalística, impõem sucessivas rupturas de sentido, e a cobrança
da produção do novo a todo momento, produz no contemporâneo formas de adoecimento
psíquico, um cansaço que parece não ter fim, ou, forma. Uma angústia, sentimento de
culpa advindo da ideia de que tudo o qu se faz não é suficinte, corre nos corpos de maneira
geral, -com certas diferenças- uma sensação de que poderiamos produzir mais. Gerando
corpos exaustos, pela atividade em si, e pela cobrança moral de funcionar como máquina
mecânica. Esse movimento de produção acelerada e massificada compõe um processo
nomeado por Deleuze e Guattari de desterritorialização e reterritorialização.
A desterritorialização capitalística se dá em vários âmbitos, material e existencial,
que por sua vez estão bastante contaminados um do outro. As formar produzidas por essa
axiomática são artificiais e descartáveis, em decorrência de sua velocidade acelerada e
levada ao infinito. Pois bem, neste trabalho proponho atermo-nos as incidências da
desterritorialização no que concerne à subjetividade, entendida aqui como um
emaranhado complexo de elementos heterogêneos, traços históricos, memórias coletivas,
memórias afetivas, localização geoespacial, modo de habitação, etc, atravessam a vida das
pessoas e de alguma forma vão compor/formar o processo de subjetivação.
Subjetivação está referida conectada ao processo de produção, que por sua vez é
diferente de um processo pensado em etapas, como a produção industrial. Processo de
produção é entendido aqui como uma síntese conectiva, não linear, imanente e
simultânea, onde não há etapas ou circuitos isolados um do outro. Nesta perspectiva a
produção, registro, distribuição e consumo se conectam em várias direções, uma
determina a outra sem ordem linear. Nessa perspectiva o inconsciente, o desejo e a
subjetividade são pensadas enquanto produção, sendo assim: tudo é produção, nada é
natural, produzimos produção, registro, distribuição, consumo, angústias, liberdade,
servidão.
Os agentes desta produção não são máquinas mecânicas, e sim maquínicas, são
máquinas desejantes. As máquinas desejantes possuem potencial de variação de acordo
com as características consideradas, se põe a funcionar de maneira inventiva de acordo
27

com as necessidades do meio, por tais características é que vislumbro nelas, uma
possibilidade de fazer torção naquilo que a desterritorialização tem de danoso,
mortificador. Pois estas, em decorrência do desgaste se refazem constantemente e em
decorrência das variações se reinventam. Tanto o desgaste, quanto a reinvenção não são
virtudes, são condições de possibilidade para sua existência.
Tais máquinas só funcionam acopladas a outras máquinas, estão sempre em relação
com outras máquinas e conectadas necessariamente a um fluxo material contínuo, com o
qual toda máquina estabelece relação de necessidade. Ao engendrar-se as máquinas
produzem-se, multiplicam funções ou finalidades. A função do encontro da boca com o seio
no ato de amamentar pode ser pensada por exemplo em termos maquinícos. A máquina
seio emite um fluxo de leite, a máquina boca se acopla e corta o fluxo de leite. Corte esse
que é produtivo, uma vez que o encontro da máquina boca com a máquina seio pode
produzir a função de alimentação. Entretanto esse mesmo acoplamento pode não produzir
alimentação, a produção de leite pelo seio não é igual a produção de amamentação.
Muitas mães e bebes não conseguem extrair tais funções deste acoplamento maquiníco.
As máquinas desejantes não estabelecem entre si relação de natureza, elas produzem
funcionamentos diversos, por vezes dolorosos e inesperados. Portanto, podemos
considerar esse sujeito maquiníco “bricoleurs”, aquele que exercita a possibilidade da
bricolagem, essa arte de criar desvios em funções esperadas e produzir por acoplamentos
aparentemente improváveis.
Diante disso, se concordarmos com a concepção de processo de subjetivação
composto por movimentos de desterritorialização e reterritorialização, engendrados por
acoplamentos maquinícos que acaba por maquinar um sujeito “bricoleurs”, e se
retomarmos o funcionamento primordial da máquina desejante, o desarranjo,
compreendemos que a possibilidade de singularização é uma tarefa possível, e que se faz
como uma luta de dentro mesmo e através do funcionamento da axiomática capitalista.
Essa pragmática esquizoanalítica permite um enfrentamento no aqui e agora, onde criar
linhas de fuga não significa fugir dos problemas do momento. Mas, significa criar respostas
singulares aos problemas do momento.
Como considerações finais pensamos, que a criação operada pela máquina
“monstruosa”, desarranjada, essa capacidade de funcionar por acoplamentos diversos faz
com que seja possível produzir de maneira singular em meio a força de desterritorialização.
A máquina desejante desliza como um polvo com seus diversos tentáculos e ventosas, que
permitem aderência para produção de território quando necessário. Ela se deixa levar, mas
também impõe seu ritmo de criação. A astúcia da máquina “monstruosa” permite
produção de autonomia em relação a captura desejante e desterritorialização. É desse
modo que a dobra é efetuada, assim se dá a travessia da desterritorialização a
singularização. Nessa aposta conceitual, a produção de autonomia a criação de território,
afeto e segurança, se faz por mergulhos no caos, no múltiplo, do qual emergimos
impregnados de intensidades, de linhas de desejo que se projetam e conectam-se com isso
e aquilo e… e … Em resumo faz-se do limite de dissolução - desterritorialização- o ponto de
partida para ir um pouco mais adiante contra o que sufoca a singularização.

Palavras-chave: Criação; Máquina Desejante; Singularização.


28

ECOLOGIAS DE DEVIRES: DO CHAMADO A FAZER-PERCEBER FLORESTA

Susana Oliveira Dias


Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor-Nudecri-Cocen-Unicamp)
susana@unicamp.br

A questão que nos interessa pensar é o de fazer corpo com uma matéria viva, ativa
e criativa, em que o problema é o de entrar em comunicação com um mundo todo vivo, ao
invés de comunicar algo já dado, pronto e acabado (DELEUZE & GUATTARI, 1997;
STENGERS, 2017; EZCURDIA, 2016; DADA & FREITAS, 2018). São as florestas que ativam
neste trabalho movimentos iniciais em torno do que pode ser aprender a fazer corpo com
um mundo todo vivo. Uma das questões que a floresta suscita de interessante para pensar
é o fato de reunir uma abundância de seres-coisas-forças-mundos e propiciar condições
para encontros entre heterogêneos, com a possibilidade de gerar co-evoluções, co-criações
que se tornam afirmativas para todo o planeta, todo o cosmos. Nessas co-evoluções-
criações estão sempre envolvidas ecologias de devires (negro, índio, animal, vegetal,
criança, fungo, nuvem, máquina, pedra, animal, linha, luz, intensivo, elemental, cósmico...),
a chance de que sejamos afetados e afetemos, de que nos engajemos em movimentos de
alegre imbricação recíproca com as minorias, com os não-humanos, com tudo o que pode
potencializar o pensamento e a relação com a Terra. Serão as composições e
decomposições que experimentamos na disciplina “Arte, ciência e tecnologia” do Mestrado
em Divulgação Científica e Cultural do Labjor-IEL-Unicamp, e que têm a revista ClimaCom
como laboratório-ateliê de experimentação coletiva, que permitirão desdobrar essas
ideias. A disciplina foi pensada em 2019 em blocos de devires: devir-floresta-papel, devir-
criança-animal-traidor, devir-planta-casa-cosmos, devir-linha-ar-luz, devir-máquina-
número-matéria-viva, devir-negro-música-festa-cura, devir-rio-mulher-mar, devir-
índigena-intenso-molecular, devir-poesia-multiTÃO-anônima. Para pensar o que pode ser
comunicar em parceria com a floresta propomos encontros com diversos lugares (a Praça
da Paz na Unicamp, uma agrofloresta em Barão Geraldo, a Casa de Cultura Fazenda Roseira,
um experimento de pesquisadores da Embrapa-Campinas e INCT Mudanças Climáticas
Globais 2a. Fase e uma passagem artístico-científica-cultural na Mata Santa Genebra),
materiais (folhas, tecidos, papéis, pedras, tintas, instrumentos musicais, fotografias,
máquinas etc.) e práticas (de pintores, fotógrafos, músicos, professores, engenheiros
agrícolas, biólogos, filósofos, bruxas, antropólogos, poetas etc.). Tais encontros espaços-
tempos de catar-reunir materiais, sendo que os gestos de catar-reunir nunca se dissociam
e ganham uma potência sempre de criação, como no filme “Le glaneur et la glaneuse”
(2000), da cineasta Agnès Varda. Não se trata de catar para depois reunir, antes afirmar
que a cada encontro está em jogo um catar-reunir como um fazer corpo com uma matéria
viva. Com esses movimentos a própria ideia de floresta se amplia e multiplica, não está
mais restrita às áreas que costumeiramente denominamos florestas. Trata-se de dar vigor
a uma perceber-fazer-floresta por outros modos de existência (SOURIAU, 2017;
LAPOUJADE, 2017), modos de existência de papel (papel-revista, papel-jornal, papel-tela-
do-cinema, papel-tela-pintura, papel-multimídia etc.) (DIAS, 2017). Uma fé na
“instauração” (SOURIAU, 2017; LAPOUJADE, 2017) de toda uma sensibilidade de outra
natureza que permite criar um campo problemático potente para as dualidades sujeito-
objeto, realidade-ficção, humanos-não-humano, matéria-espírito, teoria-prática. Uma
29

atenção aos gestos que mobilizam uma “lucidez alegre” (STENGERS, 2017) que não nos
relegam à impotência, afirmando uma vitalidade diante destes tempos desafiadores,
tempos de mudanças climáticas, do Antropoceno, de Gaia... (DANOWSKI & VIVEIROS DE
CASTRO, 2014; STENGERS, 2015; LATOUR, 2019). Há nesta escrita uma vontade de
potencializar algumas cintilações (ORLANDI, 2018), uma espécie de brilhos de vida
ingovernável dos sistemas comunicantes que emergem das apostas do nosso grupo de
pesquisa “multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações”
(CNPq) ao se lançar na aventura de experimentar a comunicação/divulgação científica
como “divagação científica” (OLIVEIRA, 2011; ANDRADE, DIAS, 2009) e como “encontros
entre heterogêneos” (DIAS & RODRIGUES 2015; DIAS, RODRIGUES, PESTANA, 2019). Dar
atenção ao chamado da floresta de que comunicar possa dizer respeito a um fazer corpo
com artes, ciências, filosofias, tecnologias múltiplas, menores, porvir, gestadas no lidar com
os materiais (STENGERS, 2008; STENGERS, 2010-2012), no fazer do próprio corpo um
material entre materiais. Um chamado a multiplicar as saídas das autoritárias lógicas
representacionais, modernas e recognitivas, dos circuitos viciados que levam os humanos
a produzirem em lógicas em que se encontram apenas consigo mesmos.

Palavras-chave: Ecologias de Devires; Floresta; Perceber-Fazer.


30

A MÁQUINA BINÁRIA DO ESTADO: DO DESEJO DA POLÍTICA À POLÍTICA DO DESEJO

Alan Isaac Mendes Caballero


Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
alanisaac09@gmail.com

Tendo como pressuposto a neutralidade política da máquina estatal, o Estado de


Bem-Estar-Social pode ser visto como uma possibilidade democrática para a igualdade de
oportunidades e redistribuição de riquezas a fim de garantir os direitos constitucionais de
seus cidadãos pela intervenção do Estado na economia e com o uso de políticas sociais na
preservação da vida e dignidade humana, destacando-se aqui os direitos sexuais. Este
modelo de Estado está comprometido, portanto, com uma biopolítica da população,
estratégia de controle sobre as taxas de natalidade, mortalidade e longevidade. Porém, o
caráter neutro alija outro pressuposto mais importante para a compreensão da ação do
Estado sobre uma população: a relação da ação política dos servidores do Estado dentro e
fora desta estrutura, acrescentando-se outros grupos ou pessoas de organizações civis e
internacionais, também conhecidos por atores, na produção de políticas sexuais enquanto
políticas públicas sociais, culminando em negociações e disputas de interesse para
governar corpos e desejos de um povo, produzindo uma diversidade de identidades em
virtude da multiplicação de diferenças. Esta movimentação de sujeitos pode provocar uma
conexão entre esferas de atuação pública e privada nas políticas sociais, modificando as
compreensões neutras acerca do Estado de Bem-Estar-Social. É oportuno mencionar este
processo enquanto a captura do Estado, com poderes políticos sobre a sexualidade de uma
população, por interesses burgueses, situando-o em uma democracia burguesa. Sob estas
condições, o Estado e seus atores passam a vincular políticas assistenciais, de saúde e de
diversidade sexual com as concepções burguesas de prazer, família e desejo, em contraste
com as experiências de vida dos usuários desses serviços, incorrendo em reducionismos da
noção de vida. Nesse sentido, apropriamo-nos do pensamento político-filosófico de Gilles
Deleuze associado aos estudos feministas e estudos de gênero em nosso referencial teórico
para aproximar o Estado e seus sujeitos com as noções de máquina binária e máquina de
guerra, destacando-se os dispositivos de controle e suas tecnologias sexuais para a
elaboração de identidades capturadas por condutas burguesas do corpo. Presencia-se
então uma sociedade de controle na qual o Estado age como uma máquina binária na
produção de corpos, gêneros e sexualidades desejáveis, capturando suas subjetividades,
assujeitando-os e até mesmo excluindo-os das esferas públicas de convivência e dos
serviços oferecidos pelo Estado, podendo-se considerar a abjeção de corpos um elemento
necessário neste circuito produtivo. Em contraste com as sociedades disciplinares, a
governamentalidade dos séculos XX-XXI encontra na revolução tecnológica instrumentos
informacionais e comunicacionais para a dispersão de signos, orientando emoções,
pensamentos e desejos de um povo, constatado pelas relações entre os discursos contidos
no texto da política e seus efeitos midiáticos e de enquadramento, consistindo,
respectivamente, em alcançar objetivos políticos predeterminados e em cuidados
paliativos. “Direitos Humanos”, “direitos sexuais”, “direitos reprodutivos”, “dignidade
humana”, “cidadania”, “diversidade sexual”, “igualdade de gênero”, “cultura de paz” e
“combate à discriminação e preconceito” são exemplos de signos a serviço da máquina do
Estado. São criadas complicações na análise dessa materialidade semiótica quando a
31

máquina binária do Estado está inserida em um circuito político-econômico de


dependência no qual as políticas locais estão em comunicação com políticas globais, as
quais apresentam alguma responsabilidade na promoção de objetivos burgueses através
da promoção de uma agenda internacional movida pelo contexto de globalização de
mercados e, portanto, conexão entre máquinas binárias, as quais são também, deste ponto
de vista, máquinas híbridas: sociedades de controle estabelecidas por relações de
dependência. Nesse contexto é fundamental considerar as máquinas de guerra, um
conjunto de forças agenciadas contra a máquina do Estado. Os interesses deste
contramovimento, ou nomadismo consiste em uma resistência na defesa dos próprios
interesses, um movimento alinhado com o desejo ativo de seus sujeitos, uma luta contra a
dominação, cujo desafio está em afirmar o local contra o global e, por esta razão, procura
desprender-se das máquinas binárias. Finalmente, consideramos que explorar os conceitos
de máquina binária (ou máquina híbrida) e máquina de guerra contribuem para situar os
sujeitos na relação desejo-política de uma era de fragmentação das relações humanas e da
própria noção democrática do que é uma vida humana quando esses novos modos de
existência são levadas a cabo pelos discursos e signos da máquina binaria do Estado;
contribui também para compreender o quanto as dimensões do poder do Estado não estão
limitadas ao seu próprio sistema nacional, mas também às tecnologias que transformam
sujeitos em máquinas acopladas à máquina do Estado, agenciando a política do desejo ao
desejo pela política. A partir desta exposição, Gilles Deleuze orienta um pensamento
político na valorização do povo como manifestação da vida e inspira uma política das
multiplicidades corpóreas pelo desejo revolucionário, destacando-se a necessidade de
levar em consideração as resistências, agenciamentos entre sujeitos e o devir para a
elaboração de políticas de identidade que valorizem as diferenças, consistindo em
referência útil aos estudos feministas e aos estudos de gênero na intersecção com as
políticas públicas.

Palavras-chave: Gilles Deleuze; Máquina Binária/Máquina de Guerra; Políticas Sexuais.


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ESQUIZOCENIA: NA CIA UEINZZ SE PRODUZ TEATRO, NA COMPANHIA UEINZZ SE


PRODUZ VIDA

Tarcísio Moreira Mendes


Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFJF1
tarcisiodumont@yahoo.com.br

A partir da cartografia de uma ocupação promovida pela Cia. Teatral Ueinzz, no


Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, põe-se a pensar a relação entre Teatro, outras
linguagens artísticas e Filosofia na produção de vidas possíveis. A Cia Ueinzz que era
“composta por pacientes e usuários de serviços de saúde mental, terapeutas, atores
profissionais, estagiários de teatro ou performance, compositores e filósofos, diretores de
teatro consagrados e vidas por um triz”, hoje, passa a abrigar “especialistas em
enciclopédias marítimas, trapezistas frustradas, caçadores de sonhos, atrizes
interpretativas. Há também inventores da pomba-gíria, incógnitas musicais, mestres
cervejistas e seres nascentes”. A “Ueinzz é um território cênico para quem sente vacilar o
mundo […] Comunidade dos sem comunidade, para uma comunidade por vir”, assim a cia
é apresentada no site do Núcleo de Estudos da Subjetividade da PUC-SP. A Ocupação
Ueinzz contou com oficinas, com apresentações do espetáculo “Cais das ovelhas” e
palestras do diretor da cia., o filósofo Peter Pál Pelbart, do filósofo japonês Kuniichi Uno e
do artista japonês, que é a dança, Min Tanaka. Os conceitos de Gilles Deleuze e Félix
Guattari são usados como armas para desterritorializar Teatro, Filosofia e Clínica. Devir-
animal da cena teatral com berros de ovelhas, de psicólogos, de terapeutas, de usuários de
um sistema de saúde que não diferencia profissional de paciente. Todas e todos são
pacientes, exercitando um tempo outro. Mas nada a ver com perda da velocidade. Corpo-
conexão, corpo movimento. Não é possível dizer o corpo e o outro corpo, apenas invenção
de um corpo cena. Aqui um conceito importante, corpo sem órgãos! Emaranhado de linhas
sem eu, sem outro, apenas linhas formando corpo. No desejo de controle do processo cria-
se uma dicotomia, uma idealidade: maior “formalização” das linhas das artes visuais em
oposição ao sem forma das linhas da expressão corporal. Todavia, ao ser indagada pelos
companheiros de cena acerca do que pensava no momento da feitura de sua estátua
humana, a atriz responde “Não sei. Estava pensando em nada não”. Todos riem. Penso.
Linhas se cruzam, ora uma forma reconhecida, ora uma nova forma a se inventar, produção
de corpo: corpo-papel-lápis, corpo-da-cena, corpo-lápis-cena-papel... Um grande berraço,
muitos berros, ovelhas, “béhéhéhéh”. Ritornelo ovelhístico toma corpo, devir-animal
“cafééé´, caféééé...” Diversão, pois são várias versões que se desenrolam e se inventam no
território teatro. O ator não finge beber, se embebeda de ações. A ação física de Constantin
Stanislavski sem psicologização televisiva. Composição corpo real com aqueles corpos
atuais. Uma tal repetição para diferença digna de um espetáculo do Tanztheater Wuppertal
de Pina Bausch. Expressividade, atividade que inventa língua em cena. Dança-teatro-
desenho-filosofia na produção de corpo, vida. Na Ueinzz não importa a gramática da língua,
mas a articulação em uso, descodificação gramatical que radicaliza o discurso da cena.
Atualização do programa de Antonie Artaud que vaza a Régia Gramática da Cena, na
confusão de signos, na com-fusão de signos, na invenção de teatro. “É nesse diapasão que
eu diria que na esquizocenia, termo cunhado por um de nossos diretores [Sérgio Penna]
1
Bolsista UFJF/Membro do Travessia Grupo de Pesquisa.
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para designar essa nossa prática, a loucura pode tornar-se força biopolítica, biopotência.
Mas o alcance dessa afirmação extrapola em muito a loucura ou o teatro, e permitiria
pensar a função de dispositivos multifacéticos – ao mesmo tempo políticos, estéticos,
clínicos – na reinvenção das coordenadas de enunciação da vida”, pontua Pelbart. Teatro
Ueinzz é invenção de signos no encontro entre signos, no encontro Min Tanaka e Kuniichi
e Ueinzz. Riscos. Nem Artaud pôde prever, programar tamanha crueldade. Mensagem não
limitável que continua a inventar outros tantos sentidos, teatro inventado línguas, para
além de uma Linguagem Teatral. Fina película que deixa indiscernível limite entre arte e
vida. Um grupo que não faz terapia com arte, nem faz arte terapêutica, porque só faz arte.
Inventa vida. Mostra que arte pode muito mais que uma formalidade sistemática de
costume e linguajar teatral. A Cia Teatral Ueinzz não pode ser classificada como uma
instituição de cunho social ou de assistência terapêutica. Ela trai este princípio. Não está
atrelada a nenhuma entidade do sistema de saúde mental, mas produz muito corpo saúde.
Ela é afirmação da potência criativa que alguns seres transbordam nos encontros de
diferença. A terapia perde muito com o trabalho da Ueinzz, perde o status de cura, de lugar
do cuidado, de forma eficaz de superação do sofrimento. Perde sentido. O teatro e a
filosofia ganham muito na companhia da Ueinzz. Ganham vida, ganham contornos
inimagináveis para sentidos explosivos; perdem forma e inventam outras formas em
desforma sempre prontas para se tornarem outras. Contudo, não é método eficaz de teatro
para um grupo específico de seres. Não têm exercícios específicos inovadores de uma
técnica teatral revolucionária. Porém, é território de diferenças, e por isso,
desterritorialização revolucionária. Na companhia da Ueinzz se produz muita vida!

Palavras-chave: Arte-Vida; Cia Teatral Ueinzz; Esquizocenia.


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ARTE-MAGIA: “OS CARLITOS” EM CENA

Caroline Soares de Lima


Universidade Federal do Pampa
carol.unipampa@hotmail.com

Dulce Mari da Silva Voss


Universidade Federal do Pampa
sophiasphilos@gmail.com

Em cena, perceptos e afectos inspirados em oficinas de teatro do Grupo Os Carlitos


(Bagé,RS). Experimentação de encontros potentes na produção de subjetividades e
corporeidades que reinventam formas de existir, conviver, produzir e habitar territórios,
ou seja, operação de ações criadoras que movimentam a vida e colocam os sujeitos em
relação, como forças que impelem e fazem transbordar existências outras. Trata-se do
desejo de produzir movimentos que transformem os corpos com orgãos, estruturados pela
lógica moderna de organismo biológico, criando outras possibilidades de existência no
teatro. A construção dessa temática se deu por relações rizomáticas de experiências que
vivi aprendendo teatro, fazendo desse lugar o palco da pesquisa do Mestrado Acadêmico
em Ensino (UNIPAMPA) para compor o cenário, o roteiro e o elenco da Dissertação. A
pesquisa levou-me a indagar e produzir insights sobre: como se produzem corpos e
subjetividades no teatro e no ensino? Que possíveis conexões podem ser criadas
virtualmente entre teatro e ensino? Penso as artes (teatro, dança, literatura, cinema entre
outras) enquanto territórios abertos para a criação de múltiplas subjetividades que
potencializam relações, onde os corpos se movimentam em ações criadoras de si. Falo dos
territórios constituídos pelas oficinas do Grupo Os Carlitos, territórios que
desterritorializam pessoas, lugares, relações. Cartografei essas relações, a partir das
experiências vividas. Na dramaturgia contemporânea surge o teatro pós-dramático, uma
arte teatral que reivindica outra forma de fazer teatro para além da imitação via
representação de um “real existente”. Pautadas na ideia do que não está posto, da criação,
as artes teatrais se elevam para além do real. Priorizam o acontecimento e não o sentido,
já que buscam encenar e fazer circular diferentes sentidos. Desse modo a dramaturgia
contemporânea transforma-se na própria ação de experimentação, o que produz outras
corporeidades. No meu entendimento os sentidos não são fechados, eles podem ser
criados na própria ação de experimentação que conecta espírito e corpo. Para Bergson “o
corpo é uma atualização do espírito na matéria” (BALTAZAR, 2010, p. 33 -34). Não há
separação entre matéria e espírito, o corpo une a matéria (condições físicas, mentais,
biológicas dos seres vivos) e o espírito (as sensações, percepções, emoções que o formam).
A matéria não é puramente física e biológica e nem o espírito é transcendental, não está
ligado à religiosidade, mas é uma articulação dessas diferentes capacidades que dão vida
ao corpo. O que se evidencia nas narrativas dxs atores e atrizes é a produção de conexões
que incorporam teatro e vida dos sujeitos, com outros lugares, outros territórios. As artes
teatrais experimentadas tornam-se forças, potências que impulsionam a vida e
estabelecem com ela relações de intersecção, criando fluxos que se cruzam com outras
experiências que vivemos. Performances que produzem o próprio corpo, a experiência de
si. Não se trata de negar que a vida, por muitas vezes, encontra-se presa à convenções,
35

padrões, máscaras e disfarces, que pretendem capturar, imobilizar, agenciar os corpos e as


mentes de modo a prescrever e disciplinar comportamentos, ideias e ações. Contudo, há
sempre possibilidades de transgredir tal ordem e experimentar outras formas de estetizar
as relações e vivenciar processos outros de formação subjetiva, de modo a desviar-se e
desdobrar-se em outras formas de existência. Ao me mover nas experimentações teatrais
com o Grupo Os Carlitos descobri uma arte-magia de produção de subjetividades singulares
e corpos em devir. Um poder mágico, místico, que eleva a vida como um todo, que a faz
transcender para além das materialidades e existências individuais. Emoção que reverbera
e fortalece vínculos humanos ao cuidar da vida, ao retirá-la de tudo que aprisiona, imobiliza
e quer fixá-la. Vida potência criadora de devires outros. Arte de viver e conviver que
acontece na criação de afectos e perceptos, atravessamentos sensíveis de corpos e
existências moventes que possibilitam escapar da ordem que engendra cercos e mascara
o desejo real pulsante em todo ser humano, desejo de vida plena. Abrir brechas nos cercos,
não fixar-se ao mundo, mas elevar-se e mover-se em virtualidades como personagem
vidente, nômade, “aquele que pode ver além e compartilhar o que vê com aqueles que
estão à sua volta”. O que Deleuze chama de fabulação, uma forma de criação que faz crer
na possibilidade de um real minoritário, de um novo corpo, outro estilo de existência que
se desvia de todo e qualquer padrão, ao transpor o que nos separa de nós mesmos, pois:
“se o homem foi uma maneira de aprisionar a vida, não será necessário que, sob uma outra
forma. a vida se libere no próprio homem?” (DELEUZE, 2008, p. 114). E, encontrar aliados
para nos tornarmos mais fortes nessas travessias. Amigxs, como aquelxs que encontro no
Grupo Os Carlitos e que, pelas afecções sensíveis que experimentamos juntos, me
moveram até aqui e me levam a seguir pela vida afora.

Palavras-chave: Carlitos; Arte-magia;Teatro.


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NÃO HÁ FORA DA CENA, NÃO HÁ FORA DA VIDA...

Tatiana Plens Oliveira


Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
tati.plens@gmail.com

Não há fora da cena, não há fora da vida... essa apresentação é guiada por essa
pequena fórmula que surgiu após a apresentação do espetáculo “Desterro” do grupo
teatral Coletivo Cê no Sítio Santo Antônio, munícipio de São Roque, em agosto de 2019. O
que se encena nos espetáculos é a própria vida, o contínuo vir a ser... uma pequena
percepção que produz outra forma de entrar em contato com uma pesquisa de mestrado
(OLIVEIRA, 2017)1, partindo da crença de que partilhar uma pesquisa é partilhar sempre de
outro lugar, com outra tonalidade de pensamento, com outro campo vibrátil. Uma
pesquisa de mestrado realizada por meio da experimentação com o arquivo de materiais
dos processos de criação artística do Coletivo Cê que insistia na vida, em buscar o princípio
vital de tudo que por vezes é caracterizado como estável e imóvel: os corpos, o
pensamento, as palavras, os papéis, as fotografias. Um reconectar-se com esses processos
de criação que requer retornar a um estado de linha e permanecer na beira desse vir a ser,
que nos faz entrar em contato com uma trama invisível que enreda os mais diferentes
modos de existência em um plano de composição comum, e nos faz pensar os ensaios e as
encenações como uma espécie de tear sensível que torna a encenação uma questão de
tecer, tramar, traçar, em que as linhas soltas pelos acontecimentos cênicos passam a se
compor com as linhas de outras vidas: uma dupla de cadelas, as sonoridades de uma rua
no final da tarde, as águas de uma cachoeira, o ranger da porta de um casarão antigo, uma
tonalidade de sol, as palavras de algum morador, o riso de uma criança, um voo de
passarinho. Nos deparamos no fazer cênico com um desfazer do eu-sujeito (DELIGNY,
2018)2, com um desmoronamento que faz com que ele abra as suas infinitas linhas a outras
composições, a outras tramas em que é imprevisível saber o que uma linha pode fazer
reverberar na outra, que níveis de tensão e soltura podem ser produzidos. Quem sabe quais
regiões obscuras uma pequena linha luminosa lançada ao espaço pode iluminar? Os fios
invisíveis que podem se tornar visíveis ao se enroscarem em um fio de luz?
Desmoronamento que nos aproxima do que o filósofo David Lapoujade anuncia como uma
despossessão total, da espoliação como uma condição a priori, onde os seres são obrigados
a se submeterem aos gestos, vozes e percepções que os agitam, onde só resta a eles algo
da ordem do vital: uma força, que não lhes pertence, mas a qual eles pertencem
(LAPOUJADE, 2017)3. Dos processos de criação artística do Coletivo Cê se proliferam ecos
de vozes, risos e gritos, borrões e cintilações e uma infinidade de materiais: fotografias,
desenhos, pedaços de papel escritos e rabiscados pelas crianças, falas dos moradores,
registros do que aconteceu em cada ensaio, letras de música, palavras do público que
tentam dizer sobre as apresentações. Um arquivo vivo que resta vibrando
incessantemente, prestes a explodir, composto por materiais que não conseguem existir
apenas como evidências e registros dos processos de criação artística do Coletivo Cê, nos

1
OLIVEIRA, Tatiana Plens. Exercícios de afutur-ar. 2017. 151 f. Dissertação (Mestrado em Divulgação Científica
e Cultural) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017b.
2
DELIGNY, Fernand. O aracniano e outros textos. 2 ed. São Paulo: n-1 Edições, 2018.
3
LAPOUJADE, David. Existências mínimas. São Paulo: n-1 Edições, 2017.
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quais a vida segue enfurecida, pedindo passagem, abrindo passagens. Estar junto desses
materiais é ver nascer uma série de entrelinhas: fotografias que se despedaçam e se juntam
a restos de folhas e flores; que ganham uma tonalidade de terra; que acolhem uma chuva
de folhas. É estar imerso em um continuum vital que nos arranca da ilusão da fixidez e nos
faz retornar a esse espaço primordial onde todas as coisas começam a brincar: as imagens
saem das fotografias, os fios de linha escapam e capturam poemas, as palavras pedem
espaços em branco numa página, uma saia dança e arrasta outras linhas com o seu
movimento, um desenho antigo da cachoeira vai se dissolvendo entre uma folha e outra
do papel, letras começam a desmoronar em uma página, fios de linha acendem e apagam
palavras com os seus trançados inventando uma travessia para o olhar. É estar imerso em
um processo infinito de pesquisa-criação, acolhendo os aprendizados do sutil, adiando o
substantivo para permanecer no verbo, o tecer em vez da teia, deslizando nesse
movimento vital de proliferar a vida como nascimento contínuo entrelinhas, em que
mesmo os verbos parecem conseguir escapar das relações de oposição - não há mais polos
em separado, o fazer está intimamente ligado ao desfazer -, e pensar, escrever, pesquisar
convoca as forças de outros verbos: limpar, tecer, cultivar, esperar, curar...

Palavras-chave: Escrita; Cena; Vida.


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CENA INFINITA: UMA CORRESPONDÊNCIA COM ANTONIN ARTAUD

Renan Dias Santos


ECA/USP
renandias.1990@gmail.com

Um enorme contêiner cheio de lixo chega à costa brasileira, como de costume. Não
é de hoje que a Europa envia seu lixo oceano afora, mas, desta vez, estava eu passando uns
dias na praia com algum ex-namorado – provavelmente me perguntando se suportaria
reservar alguns gestos a uma só pessoa durante toda a vida, provavelmente intuindo que
um gesto se repete porque quer morrer outra vez e diferente, provavelmente pensando que
melhor seria me adaptar aos significados comuns dos gestos, que são uma ilusão difícil,
mas pelo menos assim eu, que cresci morrendo e matando de sexo antes de nascer, poderia
viver o luxo de transar sem camisinha, provavelmente ignorando que nunca tive prazer nem
mesmo em estar nu e sozinho – quando, num passeio de fim de tarde para conhecer a região
portuária, escutei um palavrão, tipo “CARALHO!”: logo ali à frente, alguns trabalhadores
do porto retiravam, da grande caixa-caravela de metal, dezenas de sacos plásticos com
fraldas maculadas e cozidas pelo calor, baterias enferrujadas, preservativos usados – que
provavelmente encaparam paus de todos os tamanhos, provavelmente paus dos velhos
homens do mundo, que provavelmente ainda comem o mundo todo, como de costume –,
seringas talvez infectadas, embalagens de nobres produtos brasileiros que voltaram vazias
e outros resíduos-surpresa. Imagine você que, talvez movido por uma curiosidade estranha
de quem nunca cruzou o Atlântico, mas fora invadido todos os dias e por todos os buracos
por muito lixo que vem de longe, chorume branco de valores-preservativos, obedeci à
vontade de revirar como um vira-lata aquilo que fedia mais que um cadáver exumado antes
do tempo. E foi entre papéis que escapavam de um saco de lixo hospitalar, ali entre os
rejeitos europeus, que encontrei o prontuário de um antigo paciente do hospital psiquiátrico
de Rodez, na França. “Antoine Marie Joseph Artaud”, dizia a identificação. “Delírio crônico
extremamente luxuriante; preocupações mágicas; dupla personalidade etc.; manias de
perseguição com períodos de reação violenta assinalados. Deve ser mantido”. Anexadas ao
prontuário, uma pilha de cartas escritas pelo paciente, que foram retidas pela
administração do hospital: todas ali, sujas de merda.
Antonin Artaud, a partir de 1937, inicia sua jornada de internações em diferentes
asilos de alienados franceses, sendo diagnosticado com “demência precoce” (antigo nome
para o que hoje a medicina define como esquizofrenia) e submetido a tratamentos que,
segundo os psiquiatras da época, poderiam estabilizar a doença que lhe causava variações
de identidade. Nesta pesquisa, vinculada a um projeto de mestrado concluído em 2018,
aproximei-me do volume de quase duzentas cartas escritas por Artaud quando esteve
internado no asilo de Rodez, entre 1943 e 1946, que apresentam o testemunho irregular
de um corpo que – entre sessões de eletrochoque e insulinoterapia, seguidas de longos
períodos de coma – tenta continuar seu intensivo processo de autodestruição/autogênese.
A correspondência com familiares, amigos e médicos responsáveis pelo tratamento,
não publicada em português, costuma ser ainda, quando muito, relegada a antigas
molduras psiquiátricas. Parece difícil, principalmente para os apaixonados pela imagem do
gênio rebelde, obviamente pouco complexa, vincular a Artaud palavras que condenam
enfaticamente o ato sexual e afirmam a necessidade de Deus. Esse lado “desinteressante”
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do alienado me pareceu ser, no entanto, não adversário da voz que bradaria pelo fim do
juízo poucos anos depois, e sim parte indispensável para uma leitura ampla de sua obra.
Atravessado pelo cenário de guerra, no momento em que os nazistas imprimiam
seu poder também na França, Artaud deixa nas cartas um rastro de resistência de ordem
distinta, menor, mas que parece revelar a luta contra um mesmo mal ocidental: a afirmação
do modelo, a busca pelo fundamento, a valorização da identidade e do real absoluto. Para
Artaud, os corpos estariam adorando apenas o poder do Nada e, por isso, vivendo como
fantasmas, espectros. Precisariam, assim, buscar em si mesmos o caminho até Deus, isto
é, a conexão com o prolongamento ao Infinito, que estaria em todas as coisas. O Deus de
Artaud, lido por esta pesquisa, revela-se não como fundo, mas coincide com a dimensão
sem finalidade do fora. Tal qual um autêntico alienado, ou seja, este que, para Artaud, seria
insuportável para toda a sociedade – para a medicina e para a polícia, sim, mas também
para o teatro e a literatura de seu tempo –, Deus estaria condenado a viver longe das
esferas.
A partir das questões mobilizadas nesta aproximação, criei um espaço literário-
performativo para me corresponder de outro modo com Artaud, que muitas vezes só
recebeu diagnósticos como resposta a suas palavras. O texto da dissertação foi assumido
também como dramaturgia teórico-ficcional. Foram cartografados cruzamentos espaço-
temporais e subjetivos, a partir dos quais criei possibilidades de elaborar o teatro, a vida, o
corpo e o sexo como práticas não-fundamentais, não-originais, não-transcendentais,
insignificantes, infinitas.

Palavras-chave: Cena Social; Corpo; Escrita Performativa.


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O TEATRO RIZOMA DE ANTONIN ARTAUD

Thiago Miguel Lopes Ribeiro Cunha Sabino


Doutorando em Artes - UNESP
thiagomiguelsabino@gmail.com

O teatro de Crueldade proposto por Antonin Artaud é frequentemente


compreendido como uma tentativa de superação da arte teatral em voga de seu tempo -
das primeiras décadas do século XX - e mesmo da própria noção de teatro enquanto arte
do espetáculo. De fato, há uma crítica a certo fazer teatral e a sociedade burguesa que o
engendra, porém, a oposição de Artaud não se limita à dimensão artística. O poeta francês,
por meio de uma operação da exploração e investigação da linguagem teatral, visa ao
ataque a própria ideia de linguagem enquanto tal: propriedade de comunicação e
estruturação de pensamento. Nesse movimento de ruptura com a linguagem, a ideia de
representação e a palavra enquanto logos são questionadas não apenas por sustentarem
o teatro que se propõe superar, mas, sobretudo, por fundarem modos de pensar, sistemas
de pensamentos, concepções de conhecimento que, por sua vez, orientam modos de
existência apartados das potências da vida. O artigo propõe refletir sobre a maneira como
Artaud apresenta o teatro como um lugar privilegiado para tal empreitada: uma
possibilidade de reinvenção da vida, reconfigurando modos de percepção e hábitos de
pensamento. A noção de rizoma de G. Deleuze e F. Guatari (2011) é utilizada para pensar
esse teatro da crueldade em suas múltiplas camadas ou faces em contraposição ao teatro
“tradicional” hegemônico. Este seguiria um modelo “arbóreo”, cuja encenação repousaria
sobre um logos pré-estabelecido, legitimador, representado pela palavra do dramaturgo,
constituindo-se em um teatro assujeitado, cooptado, capturado, alienado, reduzido à
representação da palavra (quer a do texto dramático, quer a de uma ideia conceitual).
O teatro da Crueldade se constitui na tentativa de experimentação radical dos
meios constituintes da linguagem da cena: ação (composição) no tempo e espaço.
Experimentação aqui não deve ser entendida como uma mera ação exploratória, no
sentido de pesquisa da estética teatral por si mesma, de “arte pela arte” em uma
concepção de “Arte” afastada da vida (ou superior a esta). Para Artaud não há hierarquia,
nem separação. É por entender que linguagem, arte e vida não estão separadas, que as
proposições artaudianas ganham relevância: a experimentação é sobre a própria vida, não
é um jogo fortuito, mas uma aposta em que a vida teria “tudo perder” (ou ganhar).
É sob essa perspectiva que podemos entender a aproximação que Artaud faz entre
arte e ritual. O lugar reservado à arte, e especificamente ao teatro, seria o da mera
contemplação, em que o jogo da representação é a chave para os fazedores. Já a
decodificação ou interpretação do signo para o prazer narcísico e piedoso das ideias é a
chave que determina a função do espectador. Por outro lado, a ideia de ritual apresentar-
se-ia como uma tentativa de religar o teatro: a questões fundamentais da existência (como
a vinculação aos mitos fundadores nas sociedades tradicionais); à possibilidade de
transformação dos indivíduos (como nos diversos procedimentos dos ritos de passagem);
e à qualidade da eficácia (o rito existe não para entreter, mas por se acreditar que ele é
eficaz na operação sobre a realidade). Atribuir uma dimensão ritual ao espetáculo seria
deslocar esse último da representação para o plano da experimentação, da ação real,
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distinta do cotidiano porque trabalhada minuciosa e esteticamente, e, por isso, talvez mais
eficaz que os meros hábitos e ações reproduzidas na vida ordinária.
O presente artigo visa apresentar como o projeto de Artaud, ao buscar ultrapassar
a necessidade da palavra e do representar, permite ao teatro a exploração de suas plenas
potências: atores e atrizes não representam aqui um papel, dizendo um texto que por sua
vez remete a uma “ideia”. Assim, o teatro preconizado pelo encenador-poeta-louco-
maldito francês valoriza o gesto, a ação, as modulações, os gradientes, as possibilidades de
comunicação impensadas. O despertar de afetos ao invés de meros efeitos de arte. Música,
luzes, falas cantadas, bonecos de muitos metros de alturas, ações que se deslocam em
diferentes pontos e planos espaciais, uma poética concreta do e no espaço com
movimentos repetidos, ampliados, sutis, inusitados, surpreendentes. Aparições de seres
fantásticos, sucessão de imagens em fricções oníricas. Vozes que se desdobram do corpo
dos atores, ampliando-os, vibram sobre os sentidos do espectador, tocam sua pele, em
diferentes direções. Ademais, há uma poesia no tempo: pausas, suspensão, desaceleração,
explosões intensas, ritmos e quebras, silêncio e grito. Imobilidade. Duração.
O Teatro da Crueldade, renunciando e contrapondo-se àquilo que era entendido
como cerne ou base da arte teatral (o texto-tronco ou texto-raiz do qual brota e se
desenvolve a encenação), reencontra suas possibilidades e potências. Contrapondo-se
mesmo a ideia de que há um cerne, um substrato, uma ideia de essência que o define e o
captura, esse teatro cruelmente vivo, ativo, nada mais é do que conexões de inúmeras
linguagens existentes, esquecidas e ainda por se construírem. Teatro nômade. Teatro
rizoma.

Palavras-chave: Antonin Artaud; Deleuze; Teatro-Ritual.


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UMA IDEIA DE DRAMATURGIA MENOR NO INFINITO DE UBU REI: APRENDER A


PRATICAR UM TEATRO MENOR

Renato Mendes de Azevedo Silva


Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
renatomendesdeazevedosilva@hotmail.com

Muito, porém nunca o bastante, se falou acerca do tema da “literatura menor”,


conceituado pela dupla G. Deleuze e F. Guatarri em sua obra Kafka: por uma literatura
menor (1977). Com base nos elementos básicos que caracterizariam essa forma de criação
poética, pode-se associar diferentes expressões literárias ao conceito fabricado nessa
análise acerca do autor tcheco que ressignificava e subvertia o idioma alemão. Propondo
aqui o que o filósofo Sílvio Gallo chamou de “deslocamento conceitual” (GALLO, 2002, p.
172), e de maneira análoga, pode-se atribuir a ideia de “menor”, em toda a sua dimensão
filosófica, a outra possibilidade criativa alheia à literatura. Como no caso supracitado deu-
se à educação, trataremos aqui do exercício de imaginar uma dramaturgia menor, ou ainda,
um teatro menor.
Antes de nos demorarmos nos três elementos constitutivos que permeiam a ideia
de menor, cabe estabelecer que, fundamentalmente, qualquer ideia de teatro menor
existiria em oposição a um teatro maior, este remetendo aos cânones, ao território
estabelecido pelas máquinas de estado, àquilo que se tem como idioma comum à
linguagem dramatúrgica. Tratamos pois do mesmo pilar da sociedade a que Deleuze e
Guatarri se oporiam em outro de seus escritos conjuntos, o Édipo, este que, Rei, transposto
em texto teatral por Sófocles, seria alçado ao mais elevado grau do que se espera enquanto
arte por Aristóteles, em sua Arte Poética (2007), bem como de toda a tradição erudita que
nele se fia. Quem seria, pois, essa antítese do Édipo primevo, teatral? Dentre tantas
respostas possíveis para esta questão, investigaremos pistas para tal conceituação no Ubu
Rei (1972, 1986, 1987 e 2007), do bufão francês da derrocada do século XIX, Alfred Jarry.
Entendendo que Jarry tinha na sua ideia de ‘pathaphysica (sempre nessa grafia
característica, com apóstrofe no início) um princípio prático, uma aplicação de suas ideias
poéticas teatrais ao estilo de vida cotidiano (o que por si só já romperia com o teatro
edipiano, que se dá na mimesis), podemos citar capítulos biográficos que reverberam numa
teatralidade menor. Mas antes, tratemos dos elementos formais.
Uma dramaturgia menor, como a literatura, precisa desterritorializar o idioma.
Como Kafka, numa República Tcheca sitiada pelos alemães, usava o idioma do dominador
para produzir cultura dissidente à hegemonia que lhe era imposta, o idioma deve romper
com aquilo que lhe é exigido, construir linhas de fuga, propor novas possibilidades, escapar
ao domínio. Adepto do uso desmedido e desenfreado de neologismos em sua escrita, Jarry
escapa à norma culta da alta literatura francesa da belle époque, zombando da insuficiência
de significados que seu idioma lhe possibilita. Num jogo comparativo, podemos lançar um
olhar sobre suas quatro traduções que temos publicadas de seu clássico Ubu Rei, em
português brasileiro: a de Ferreira Gullar (1972), a de José Rubens Siqueira (1986), a de
Theodomiro Tostes (1987) e a de Sergio Flaksman (2007). Todas com seus devidos méritos,
partem da impossibilidade de se traduzir determinadas expressões para a criação de cada
um seu mundo, de maneira que observamos como nem mesmo parecem tratar do mesmo
material fonte. Pensando a própria linguagem teatral como uma linguagem própria,
43

possuidora de seus respectivos signos e normas, podemos ainda perceber uma


desterritorialização dessa própria teatralidade. Com corruptelas e, novamente,
neologismos, elementos da cultura popular e palavreado de baixo calão puderam ser
vistos, lidos e ouvidos pela primeira vez dentro de um espaço reservado para o sagrado rito
teatral.
Num segundo elemento fundamental para a escrita dramatúrgica menor, sua
ramificação política se dá no campo da micropolítica, mais do que na macropolítica,
embora nesta também se possa fazer sentir. Aqui podemos contrapor, não excluindo, mas
complementando, o conceito de teatro político, como fabulado por Erwin Piscator (1968),
pensando não só nos desdobramentos enquanto ator profeta, que vislumbra um futuro
projeto de sociedade com seu teatro, mas ainda mais um militante, que busca a
pavimentação de um presente que possibilite futuros outros. Há na teoria do teatro político
uma brecha para vislumbrarmos a ramificação política de um teatro menor: quando o
encenador alemão se refere à vanguarda histórica do dadaísmo, que chamou de “posição
anarquista contra a burguesia bitolada, revolta contra a arte e as demais atividades
intelectuais” (PISCATOR, 1968, p. 38), não ignorando a quase que total influência de Jarry
sobre os dadaístas. A contraposição satírica ao racionalismo carrega o teor político da
dramaturgia menor de Jarry, levando-o a desdobramentos de campo mais amplo. Seu
protagonista, o Pai Ubu, ora uma infantil (no mais potente e criativo sentido do termo)
caricatura de um professor de física que o atormentara na juventude, passara a ser lida
pela crítica como uma poderosa representação da burguesia parisiense, uma crítica de teor
classista.
Como característica final para determinar uma dramaturgia menor, precisamos nos
debruçar sobre o valor coletivo que a obra deve assumir. Este seria o ponto em que a
dramaturgia menor, ainda vinculada diretamente à ideia de literatura, e o teatro menor se
separam, ou melhor, se complementam. O teatro deve ser visto como uma arte
ontologicamente coletiva. Mesmo na sua mais egoísta forma, a de monólogo, só se torna
teatro de fato quando há o encontro com o espectador. Dá-se, portanto, no momento, na
relação, na produção de uma relação subjetiva e – por que não? – subjetivante, rompendo
com a literatura e com a dramaturgia, que habitaria algum lugar no entremeio. Entender a
teatralidade de Jarry como acontecimento, não só faz jus à vivência performativa e
poetizada que o ‘pataphysico desenvolve a partir de si, como contrapõe nova e
definitivamente a poética edipiana de Aristóteles, que considera o espetáculo, a encenação
teatral, como a menos importante e única dispensável dentre as partes constitutivas da
arte cênica.
Encenemos, reencenemos e desencenemos o Ubu, não (somente) no texto, mas no
que ele tem a nos ensinar. Nas práticas coletivas que se pode pensar a partir dos
agenciamentos e da experiências, não caindo no erro de territorializá-lo, criando um novo
cânone. Que o aprendizado que tiremos seja infinito como a espiral que discorre da imensa
barriga do Pai Ubu. Infinito, mas nunca maior.

Palavras-chave: Alfred Jarry; Deleuze; Dramaturgia Menor; ‘Pataphysica; Teatro Menor;


Teatro Político.
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GEOPEDAGOGIA DA IMANÊNCIA DIGITAL: UMA OUTRA AMBIÊNCIA DE FORMAÇÃO


CONTINUADA DE PROFESSORES NO AMAZONAS

Maria Ione Feitosa Dolzane


Universidade Federal do Amazonas
ione.dolzane@outlook.com

Zeina Rebouças Correa Thomé


Universidade Federal do Amazonas
zeinathome@gmail.com

Aliuandra Barroso Cardoso Heimbecker


Universidade Federal do Amazonas
aliuandra@gmail.com

Definir as coisas pelo que elas podem propicia


experimentações, abre-se toda uma exploração das
coisas que nada tem a ver com essências.
Deleuze (1980)

Este texto apresenta a experiência de gestão do Programa Nacional de


Alfabetização na Idade Certa-(PNAIC) que incluiu também a Formação Continuada de
Professores do Ensino Básico das Redes municipal e estadual do Amazonas com práticas
desenvolvidas em uma plataforma digital em rede, numa perspectiva de apreender a
diferença nos agenciamentos e conexões de uma máquina de produção da vida que pulsa
no espaço da alfabetação e letramento, um acontecimento denominado Geopedagogia da
Imanência Digital, uma outra ambiência de formação continuada de professores no
Amazonas. Toma-se aqui uma das muitas pistas desse processo: o mapeamento
metodológico da experimentação de Formação Continuada de Professores no Amazonas,
surgida da necessidade de uma formação que apresentasse um encaminhamento
metodológico adequado aos projetos e planejamentos das pesquisas resultantes da prática
nessas formações. Nesse sentido, o CFORT-AM1 concebe a pesquisa empírica e,
especificamente, a pesquisa no espaço da formação continuada professores como um ato
imanente da própria formação, não podendo ser desvinculada da prática docente.
Considerando o contexto em que as tecnologias de comunicação e informação na vida
cotidiana das pessoas tem despertado o interesse singular dos educadores no sentido de
construir e utilizar a potencialidade desses recursos no trabalho pedagógico, os programas
de formação que se utilizam de mediadores tecnológicos não podem desconsiderar a
insuficiência dos modelos metodológicos apriorísticos e rígidos, com variadas propostas
teóricas e tipos de objeto na área que apenas decalcam modelos prontos para atender ritos
estabelecidos. O que se propõe no processo de pesquisa da Geopedagogia da Imanência
Digital do CEFORT são propostas básicas de experimentar e propagar a diferença em sua
multiplicidade, a partir de propostas metodológicas adequadas à diversidade de pesquisas.
Acredita-se que optar pela renúncia do conforto de regras pré-estabelecidas permite uma

1
Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de Tecnologia e Prestação de Serviços para a Rede
Pública de Ensino.
45

atenção mais atenta às diferenças, ao abandono da repetição, rumo a autonomia


metodológica de tomadas de decisões. Esse artigo traz o resultado das práticas refletidas
nessa ‘máquina de pensar diferente’ sobre três movimentos apreendidos no processo de
produção das pesquisas no Programa PNAIC: o movimento em torno das problematizações;
o movimento em torno da fundamentação teórica e o movimento empírico da prática
pedagógica na Geopadegaogia da Imanência Digital, mostrando-se como acontecimento
encarnado no processo central da produção do conhecimento no espaço da Formação
Continuada de Professores no Amazonas.

Palavras-chave: Experimentação; Formação; Metodologia,.


46

LINHAS CARTOGRÁFICAS: A MÁQUINA NÔMADE ATRAVESSANDO A PESQUISA

Ana Karoline Damasceno Santos


Universidade Federal do Pará
anakarolinedamasceno@gmail.com

Maria dos Remédios de Brito


Universidade Federal do Pará
mrdbrito@hotmail.com

O trajeto de uma pesquisa atravessa diversos momentos, está sujeita ao tempo, aos
improvisos, as surpresas, ao acaso que sempre a movimenta, a tessitura de uma escrita se
dá de várias formas, há recortes, por vezes se instaura o caos, é como uma verdadeira
maquinaria em processo de construção. Ao publicar um trabalho, não é comum o autor
escrever por quais caminhos passou, contar dos momentos de sofrimento, de coragem,
dos tormentos, das fissuras abertas que marcam o que podemos chamar de territórios da
pesquisa, coloca-se a pesquisa para “o mundo ver” após ela está corrigida, finalizada e
“pronta”, o foco do trabalho geralmente está em quais suas metodologias e resultados,
pouco ou quase nunca aquele que escreve é inserido nas linhas dessa escrita, os textos não
revelam o que afetou esse corpo. Mas o que escapa ao nos ausentarmos nas linhas de
nossos textos? Por quais territórios passamos nesse trajeto? O que nos atravessou? Esse
corpo foi movimentado? A Cartografia é um meio possível de movimentar a pesquisa, ela
“não é um método, mas um procedimento, um plano de composição, sendo assim, há um
trabalho pelas aberturas, pelos meios, pelas zonas, movimentos, linhas de desejos e de
conexões, com relações de velocidade e lentidões” (BRITO, 2017). Neste procedimento não
há um elemento a ser descoberto ou descrito, também não há um roteiro, ela se dá pelo
meio, não há um como fazer cartografia antes de entrar nas subjetividades, ela quer
mapear territórios, traçar linhas, acompanhar movimentos de desterritorialização,
promover escape. De outro modo, o pesquisador embebido na ciência régia, quer
instrumentalizar a pesquisa, aplicar métodos ou descobrir algo revolucionário, solucionar
problemas ou reafirmar através de experimentos “aquilo que já sabe”, sempre do mesmo
modo, preso aos formatos construídos antecipadamente por meio de parâmetros ou
normas, assim, a pesquisa passa a ser um estado meramente de reproduções. Importante
ressaltar que este “controle” sobre a pesquisa, através das metodologias, leva a uma
homogeneização da escrita (RAMOS, 2018), a finalidade é que o método possa ser testado
ou aplicado por todos, porém, nada se pode prever sobre os acontecimentos e
singularidades que daí derivam. Ao mostrar a possibilidade de ir por outras linhas do
pensamento, por aquela que escapa e flui, Deleuze e Guattari (2013) diz que esse
pensamento não sedentariza, mas vivencia e experimenta territórios fora. Os autores
afirmam também que o nômade é um desterritorializado que inventa suas máquinas de
guerra para ocupar novos espaços, que movimenta o espaço estriado. Na literatura de Mil
Platôs (Volume 5) no capítulo “Tratado de Nomadologia”, o Estado, instituído pelas
normas, enrijece e sedentariza o pensamento, quer fixar, regrar, impor limites, capturar a
todo custo as máquinas de guerra nômade, dessa forma, a ciência régia não para de
apropriar-se dos conteúdos de uma ciência nômade ou vaga, e esta não para de fazer
desvio nos conteúdos da ciência régia, porém, elas coexistem em um movimento constante
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de uma querer escapar e a outra querer deter... É nesse sentido que o “pesquisador
nômade” inventa suas máquinas de guerra para fazer fissuras nos espaços normatizados
da ciência engessada que é presente nas instituições escolares, acadêmicas, no intuito de
fazer rachaduras nesse sistema fechado e criar novos possíveis, novas linhas, percorrer
outros trajetos. O nômade reside o meio, transita no fora, faz movimentos de resistência,
abalando as estruturas do aparelho de Estado e seus modos de organização, para o nômade
não interessa os pontos de chegada ou de partida, mas sim os caminhos que percorre
(COSTA, 2018), a ciência nômada ou “menor” é da ordem dos acontecimentos, dos
encontros, dos signos, fluxos, do processo criativo, da subjetividade, sabendo disso, é
possível ser nômade em uma pesquisa? Para o pesquisador engendrado na ciência régia o
desafio é sair de sua zona de conforto, da linha reta e segmentária; não ter um caminho
pré-determinado, estar à deriva é desesperador, mas é importante ir para o fora deixar-se
perder, experimentar, passar por novos territórios, é necessário promover o fora como um
campo de agenciamento. Pesquisar pelas linhas do nomadismo têm seus desafios, alterar
o trajeto nem sempre é fácil, mudar as formas de conexão, de linguagens, de abordagens,
olhar para fora e dentro de um território (OLIVEIRA, 2012). E se a pesquisa for de tipo
nenhum? Como fazer pesquisa em educação sem um método, sem um caminho, algo para
“legitimar” a pesquisa, algo que nos deixe seguros? Colocar o pensamento em movimento,
gera caos, pode ir por linhas desconhecidas, e isto é assustador para quem escreve de
maneira “enrijecida”. Ao mover-se na escrita o pesquisador-cartógrafo constrói aberturas,
pois os movimentos de aprender e pesquisar estão na ordem do viver, não finalizam, fluem
em passagens construídas (MOURA, 2016). A arte de cartografar na pesquisa é estar
mergulhado no trabalho, não ser mero observador com neutralidade sob o objeto de
pesquisa, como prega o método científico positivista, mas estar no meio sendo mobilizado
por entre forças e afetos que o atravessam no entrelaçado de linhas, sem a ideia de
detentor do conhecimento, não há o “eu” como centro. A cartografia derruba a concepção
positivista de método científico que é marcada pelo anseio de neutralidade, universalidade
e verdade absoluta, o que está em jogo é o que se faz com aquilo que não se conhece de
antemão, aquilo que nos atravessa como um signo.

Palavras-chave: Cartografia; Máquina; Pesquisa.


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DELEUZE E CORPO E CENA E MÁQUINA E SONHO: SONHOGRAFIAS DA DIFERENÇA1

Marina dos Reis


Universidade Federal do rio Grande do Sul
mdr@ufrgs.br

Sandra Mara Corazza


Universidade Federal do rio Grande do Sul
sandracorazza@terra.com.br

Começamos pelo meio, como um sonho, apresentando o conceito sonhografia,


invenção poética de aulas-sonho (HEUSER, GUERREZI, 2018) pelo preparo tradutório do
arquivo da educação com sonhos-matéria ou via labor onírico (FREUD, 1966). Percorre
intraduzíveis (a-traduzíveis) do original, que funcionam como conteúdo manifesto; opera
qualitativamente ao amplificar as imagens evocadas; traduz não pela literalidade da
linguagem, mas pela lógica do corpo do professor, em seus estados de associações
onirofílicas; considera as multiplicidades do inconsciente para deslocar a-traduzíveis
(FREUD, 1996; DELEUZE, 2004; CORAZZA, 2013); equaciona-se por EIS (Espaços, Imagens,
Signos) e engendra-se no empirismo do método do informe (CORAZZA, 2013; DELEUZE,
2006) atravessando o corpo de AICE (Autor, Infantil, Currículo, Educador), máquina de
sonhos. Mapas mentais passam à elaboração tradutória da matéria, usando do rigor
intelectual (CAMPOS, 2018) sobre o sonho alheio (DELEUZE, 1999), artistando as imagens
interiores fugidias, as heterotopias (FOUCAULT, 2010). Sendo o sonho não contado uma
carta não aberta (FREUD, 1996), e tal correspondência uma mensagem a nós mesmos,
então o que pode a tradução do pensamento que sonha? Segue excerto: Sonhografia para
um analista (REIS, 2019, p. 152), que transalucinou a matéria do Caderno de Notas 2 de
Escrileituras (PEREIRA; BELLO, 2011): Nas várias vezes em que piscamos durante o dia, ato
involuntário que o corpo administra, não estaremos sonhando, naqueles átimos de
escuridão, para não padecer por imaginar a vida? Sonho vívido. Palhas vomitadas por uma
entrada estreita sugaram meu corpo e o cuspiram num grande cômodo. “É hora do jantar”
— disse a matriarca sentada no entorno de uma imensa mesa de vidro oval, ceia bem
servida com uvas verdes, copos de cristal e vinho até as metades, bandejas de arroz branco
como papel; um enorme leitão reluzente em sua gordura cozida jazia central, abaixo de
uma luz de candeias dispostas num lustre. Assentindo com a cabeça um rapaz de nariz
romano carregando óculos anos 60 enfiados com cabelos ralos escuros penteados
displicentemente para disfarçar uma calvície sorriu mansamente e ofereceu-me o lugar à
sua esquerda. Meu corpo emanava uma fragrância de hortelã, mais intensa ao me
aproximar dele, sentei ao seu lado. Sob meus olhos um formigamento, de imediato peguei
o talher, e vi refletidos, no seu convexo, insetos negros vermifóides rastejantes, daqueles
que saem dos túmulos e que são difíceis de matar, com dois chifres lembrando tentáculos
asquerosos, passeando afoitos em volta de minhas órbitas, arregalando-me os olhos,
prendendo as pálpebras. Larguei a colher, gritei esfregando a cara e, em desespero, ergui-
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 / "This study was financed in part by the
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001".
49

me para correr dali, mas tapetes grossos avermelhados avolumavam-se sob meus pés, e
multiplicavam-se a cada passada. O rapaz gritou-me: “Forja-te, Drasosari!” [...] O professor
extrator de sonhos (CORAZZA, 2019), é emissor-poeta, criador literário cuja fala é ritmo de
poesia e narrativa de aula-sonho. Embriagado pela vertigem do arquivo, é signo que
profana as máscaras da aula, pronto à captura dos instantâneos, seu corpo é também “um
símbolo que condensa forças poéticas” (BACHELARD, 1991, p. 133). Nesse jogo, sabe da
fragilidade de sua fala poética (AQUINO; CORAZZA; ADÓ, 2018) e considera as ressonâncias
do arquivo pontos de fuga paradoxais capturados para destilá-los na inconsistência do
informe (DELEUZE; GUATTARI, 2004; CORAZZA; 2013). A sonhografia é experimentação na
docência-pesquisa em seu direito de sonheria (CORAZZA, 2019), é projeção de sutilezas ao
diagnosticar devires atuais, pois “fareja movimentos mesmo nas ciências mais duras,
escandalizando a Besteira”, sendo a Besteira aquela que perde todos os encontros e ignora
a energia de impulsão (CHÂTELET, 1996, p. 41-44). O sonho é condição à imaginação
(FOUCAULT, 1954), chamariz ao pensamento, testemunho de deslocamentos, de
desterritorializações pulsionais que, afetando-nos, somos vítimas de nós mesmos, diante
do extraordinário, do óbvio, do incrível, de não-lugares, do impossível, da condição vígil de
estratificações, mas também de potências de aulas-sonho.

Palavras-chave: Aula; Invenção; Sonhografias.


50

ACEITAM-SE REJEITOS PARA A CRIAÇÃO: ECOLOGIAS EXPERIMENTAIS NA EXPRESSÃO


ARTÍSTICA DO ENSINO MÉDIO

Breno Filo Creão de Sousa Garcia


Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (EAUFPA)
brenofilo@gmail.com

Nesta proposição serão compartilhados o resultado de uma série de


experimentações poéticas em torno das possibilidades que um rejeito oferece em termos
de possibilidade crítica, teórica e inventiva na vida dentro e fora da sala de aula. Rejeitos
são compreendidos como materiais que não possuem mais utilidade... mas com a criação
artística, outras existências podem ser inventadas para eles. Escombros, entulhos,
destroços e mesmo achados de fundo de armário podem alinhavar-se a memórias e afetos
sensíveis, agregando assim novas formas de vida. Poéticas como as de Manoel de Barros e
Artur Bispo do Rosário, por exemplo, não somente os aceitam, como afirmam a cada
produção: o lixo é matéria de criação por excelência.
A intenção é compartilhar os frutos de uma experimentações artísticas coletivas a
partir da percepção de que existe um grande descaso e omissão com nosso entorno e com
a natureza. Existe toda uma realidade social, econômica e política em nosso espaço que
afeta destrutivamente nossos modos de ver e criar sentido, por isso a arte assume um papel
fundamental para a fundamentação de significados e valores. Contando com a arte
enquanto disciplina e campo epistêmico possível de ganhar força na escola,
compreendemos ela como uma possível trilha de transformação quando transversalizada
com os saberes ecológicos. Portanto, a partir os pressupostos da ecologia da mente de
Gregory Bateson, da geofilosofia de Gilles Deleuze, da valoração das formas de vida virtuais
com David Lapoujade, das três ecologias de Félix Guattari, da ecologia menor de Ana
Godoy, a arte bruta de Jean Dubuffet e, sobremaneira, as poéticas ecológicas de artistas
como Dennis Oppenhein, Artur Barrio, Jocatos, Nelson Félix e Lúcia Gomes, um trabalho
transversal entre o ensino de arte e ecologia encontra sustentação para ser tramado. Com
estes intercessores, defende-se uma ecologia que não se resume ao conservacionismo, e
se percebe ciente dos movimentos e transformações da natureza. Propõe-se uma ecologia
que não separa o humano da natureza, tampouco as reverberações psíquicas e sociais das
políticas e agressões que o ser humano realiza no meio ambiente. Observando a base da
palavra: eco-logia é oikos e logos, habitação e linguagem (ou lógica), ou seja,
experimentamos uma forma de pensamento que transforme a ecologia num habitar
poético da realidade através do traço artístico.
Aqui se materializam experimentações técnicas em conexão com matérias
reconfiguradas em (re)jeitos. Eles proporcionam suportes, visibilidades e sentidos diversos,
entremeando as temáticas indutoras de desenhos-obras realizadas em 2018, e dinâmicas
a serem experimentadas no âmbito formal e não-formal, nas quais as seguintes dimensões
serão enfatizadas: a dimensão do inusitado, enquanto acontecimento que retira tudo de
sua condição existencial cotidiana; da gambiarra, compreendida como processo inventivo
insurgente nas periferias, agenciando e maneiras de viver no mundo longe de
individualismos; e do híbrido, enquanto condição de entrecruzamento de diferentes
culturas, condições sociais, linguísticas etc.; que se mostram como conceitos-guias para o
livre exercício dessas práticas, aqui consideradas como fluxos de escuta de si e do outro,
51

com a arte enquanto prática de transformação.


Este modo de fazer pesquisa aciona o estabelecimento de cuidados, tanto em
relação a ecologia própria de cada encontro, somado ao cuidado com a qualidade da vida
sobre o planeta Terra, em especial com a Amazônia. Esse princípio da arte como ecologia
para as mais ameaçadas formas de vida, seja humana e/ou animal, que para além da defesa
da vida suscita a sua constante afirmação e reinvenção. Com isto, abrem-se espaços
disciplinares como a escola, materializando o pleno desejo de que a pesquisa no ensino da
arte seja geradora de experiências capazes de produzir intensidades na vida íntima e social
dos educandos. Além disto, expande as reflexões fomentadas pela lei n° 9.795/1999, que
incide sobre as questões de preservação do meio ambiente no âmbito institucional,
mesclando-as às resoluções da CNE/CEB n° 7/2010 que situa também a escola no meio dos
debates a respeito de saúde, sexualidade, gênero, vida familiar e social e diversidade
cultural. Ou seja, nossa relação com o meio ambiente influencia a nossa relação de
formação psíquica e emocional.
Em Belém do Pará, esta é uma proposta necessária. Somos todos conscientes do
desperdício irregular de materiais, dos alagamentos provocados pela gestão insuficiente
de saneamento básico aliada ao clima, além da toxicidade das águas nos bairros periféricos,
existindo toda uma condição política, social e cultural em progressiva e estrutural crise,
fruto das intensas transformações técnico-científicas, que merece ser rearticulada de
forma ético-política. Além disso, esta preocupação com a cidade é redimensionada neste
projeto por seu princípio-chave: a prática artística como a potência da vida sobre o planeta
terra; com o desenho como uma prática da vida que entrelaça, em seus atos ecológicos,
poéticos e filosóficos, o meio ambiente, as relações sociais e a subjetividade humana,
conforme Félix Guattari nos provoca.
Com este intento, diversos experimentos produzidos entre a sala de aula e ateliês
coletivos organizados entre o Complexo Artístico da Escola de Aplicação da Universidade
Federal do Pará (EAUFPA) e os ateliês nômades do coletivo Brutus Desenhadores, foram
realizados durante o ano de 2018 e constituem a base epistêmica e prática deste trabalho.
Desenhos e leituras, realizados em instâncias experimentais por discentes, estagiários e
orientandos permitiram o surgimento de formas inovadoras de linguagem, entendimento
e ações a respeito das manifestações de rejeição (material e psíquica) que ocorrem na
terra, bem como oportunidades de reflexão crítica a respeito de como o imaginário pessoal
e coletivo se comporta diante delas. Deste modo, podemos fomentar, a partir do
compartilhamento de nossos procedimentos de criação, a conexão entre o ensino de arte
e o pensamento contemporâneo, em prol de atitudes de vida transformadora neste
mundo.

Palavras-chave: Ensino de Arte; Ecologia; Desenho.


52

NATUREZA, ORGANISMOS E MÁQUINAS PARA O AMANHÃ: ENCONTROS INESPERADOS


ENTRE ARTE, CIÊNCIA E FILOSOFIA

Antonio Almeida da Silva


UEFS
almeida.uefs@gmail.com

Engendra uma possível natureza para as condições do amanhã, seres humano-


animais, humano-vegetais estabelecem novas condições para o antropoceno.
Artificialidades sistêmicas que diluem as fronteiras existentes entre ciência, ficção e arte.
Uma natureza para o amanhã que pensa outros modos de existência entre humanos,
animais e máquinas, a partir dos encontros interfronteiriços entre arte, ciência e filosofia.
No que diz respeito ao diálogo contemporâneo entre máquina e natureza, encontramos
algumas reflexões nos estudos de Gilbert Simondon (2008 e 2009), Anne Sauvagnargues
(2006), Gilles Deleuze e Félix Guattari (2010), Donna Haraway et all, (2009), entre outros
autores que apostam em novas interfaces da natureza. No bojo de novas manifestações da
natureza, emergem da arte contemporânea formas não convencionais de apresentar os
organismos, dando à natureza novas interfaces. Inter-Expor a natureza em conectividade,
interfaces virtuais e reais. Entre mestiçagens e hibridismos instaura-se uma conjunção
poética da estratificação e da conjunção entre o primitivo e o inédito, engendram-se novos
fluxos de genes no ritmo de vida dos diferentes seres. Como a ciência, a filosofia e a arte
nos ajudam a pensar as novas relações entre natureza e máquina, apontando para
contemporâneo novos desafios, diálogos e reflexões? Experimentamos na arte um modo
de escrever filosofia, pensar na arte e ciências como potências abertas ao devir criativo. O
que, e que obra podemos inventar com o encontro entre matérias, arte, ciências e filosofia?
Como ser afetado por esses encontros? Essas e outras questões comporão formas de
experimentar escritas, pesquisas e vida. Pensamos aqui arriscar algumas possibilidades de
experimentar derivações com os encontros entre os artistas e suas produções, tentando
atravessar um pensamento com encontros com a filosofia, arriscamos possibilidades
escritas curatoriais para pensar diferentes processos de individuação que ocorrem no
encontro do leitor/expectador com a obra do artista. Apresentamos uma escrita que atua
como um procedimento curatorial, que se manifesta por inúmeras vontades, que vão
desde associar, compor, simbiotizar, relacionar arte, filosofia e ciência. A escrita como um
método ou um gesto de ocupar diferentes pensamentos, imagens e representações sobre
natureza e produzir um encontro entre diferentes saberes. Arte, ciência e filosofia
estabelecem diálogos e arranjos, que criam metamorfoses e deslocam as imagens para
compor com as naturezas inusitadas. Entendemos que esse encontro possa trazer novas
possibilidades de abordagens e de criação de formas de pensar e escrever sobre a natureza,
tanto no que se refere ao natural, como no que diz respeito à cultura. Assim, como
compreender e experimentar a vida de forma distinta, onde possamos escapar das
dualidades de forças entre o inorgânico e o orgânico para apostar nas redes, intersecções,
interconectores e simbioses entre esses. Explorar, assim como faz Deleuze (2012), os
lugares de indeterminação e de indiscernabilidade entre os diferentes elementos, onde
animal, vegetal e mineral se tornam indiscerníveis. É sob a égide dos processos de
individuação que se dá a mais íntima relação entre o orgânico e o inorgânico; já não se trata
de função ou invasão, mas origens comuns, gêneses comuns. Considerando que todas as
53

formas de vidas são a soma organizada de átomos, moléculas, e que na microforma, nas
microrrelações, as diferenças entre os compostos se anulam, dissolvem-se as
uniformidades e as fronteiras do corpo. “Processos múltiplos acontecem, desde a
(des)constituição, (des)codificação, (des)solução e (des)feixes de informações”. (SILVA,
2018, p.40). A relação que estabelecemos com a arte contemporânea, ciência e filosofia
nos permite imaginar outros modos de pensar e conceber a natureza e criar novas reflexões
com o mundo contemporâneo, tais reflexões que nos permitem conhecer mais adiante, a
fazer conexões inesperadas com situações improváveis. Em que medida a natureza
pertence ao mesmo terreno do pré-individual, quais agenciamentos existem entre o
orgânico e o não orgânico, entre o metabolismo e a máquina, entre o silício e o carbono,
entre o virtual e o real? “Que tipo de transformações ainda poderiam ser atualizadas no
humano?” Talvez teremos que partir de um pressuposto que a ideia de natural é e está
obsoleta e, portanto, podemos pensar numa obsolescência do humano. O atual cenário
nos apresenta, através do advento da engenharia genética e da biotecnologia, novas
imagens de natureza e do humano. De acordo com Haraway (2009), em: “Antropologia do
ciborgue: as vertigens do pós-humano”, a ficção científica está cheia de quimeras e
ciborgues – criaturas que são simultaneamente animal e máquina, inventam novos
acoplamentos, combinações, mutações e simbioses, habitam o mundo de forma ambígua,
naturais ou fabricados já apresentam uma intimidade nas imagens presentes em nossas
relações cotidianas. A arte contemporânea talvez seja uma das pioneiras em abordar esse
tema com tanta imaginação e criatividade. Nesse sentido artistas inventam relações entre
organismos e máquinas, que vão além do utilitarismo, instrumentalismo e submissão, mas
de uma dupla existência, que só se dá pela relação constante, por experimentações de
simbioses e conjunções entre o orgânico e o inorgânico, para pensar as novas interfaces
naturais e artificiais, de inventar outros arranjos, experimentar e inventar outras práticas
na/para contemporaneidade através dos trabalhos de alguns artistas. Esses artistas
experimentam diálogos com a natureza e seus artificialismos, tais como: Fernando Vicente,
Alexis Rockman, Angelo Vermeulen, e Dustin Yellin, entre outros. Experimentemos com
movimentos trazidos por esses artistas que produzem, experimentam e ressignificam
(com) outras naturezas tecno e geneticamente inventadas, pondo outras questões à
contemporaneidade. Nas diferentes produções artísticas a tecnologia e a máquina não são
apenas apresentadas como uma simples ferramenta. Metais, placas de silício, elementos
inorgânicos e de transição, entre outras diferentes manifestações da tecnologia, são
acoplados aos seres vivos, a serviço de uma poética. Assim, seres orgânicos e inorgânicos
evoluem conjuntamente para novas interfaces do ser. É nesse cenário que nossa pesquisa
inventa outras narrativas para pensar a relação entre ciência, arte e filosofia.

Palavras-chave: Arte; Filosofia; Máquina.


54

APRENDIZADO, POTÊNCIA, DEVIR-MESTRE

Rubens Antonio Gurgel Vieira


FE-Unicamp/FEFISO
rubens@fefiso.edu.br

A questão da aprendizagem é fundamental para o campo da educação,


compreendida tradicionalmente como o objetivo final de todo processo de ensino. O ato
de aprender é, portanto, um fenômeno de extremo interesse de qualquer professor, que
almeja ver seus esforços frutificarem. Entretanto, há uma tradição filosófica que tem
despotencializado processos educativos em nome de uma necessidade de controle da
aprendizagem. Para Gallo (2013) a base filosófica que atravessa todo o campo educacional
possui uma matriz platônica, ou seja, um pensamento que se instaura como verdade e
divide o conhecimento em sensível e ideal. Aprofundemos: em sua alegoria da caverna,
Platão evidencia uma hierarquia das ideias em cima da sensibilidade, as capacidades do
corpo, onde somente a razão via filosofia é capaz de elevar o ser humano para o mundo
ideal, o mundo perfeito. Com isso, Platão impõe uma moral sobre o conhecimento que
relega a multiplicidade à níveis inferiores. A questão a ser perseguida é a elevação pelas
ideias, convenientemente as platônicas, num ato de reconhecer aquelas já presentes em
nossa alma, essa sim, vinda diretamente do mundo das ideias. Aprender é, portanto, um
ato de recognição. De algum modo, boa parte dos pensadores subsequentes na história da
filosofia ocidental não escapam de tal matriz e, em um movimento típico da modernidade,
criam suas filosofias em bases representacionais, ou seja, do pensamento enquanto
instrumento de abordagem do real – este compreendido como exato em relação as
abstrações racionais. A filosofia moderna deve, portanto, muito a Platão e,
consequentemente, as ciências que se desenvolvem a partir da racionalidade moderna
(SCHERER, 2005). Entre as ciências modernas que se encaixam no descrito acima estão
tanto a educação quando a psicologia (aqui nos interessa mais especificamente a psicologia
da aprendizagem). Ambas geram teorizações que visam o mesmo ímpeto de dominação e
controle científico, e desta forma a ideia de que a aprendizagem pode ser explicada de
maneira universal e, mais importante, ser controlada, se torna uma das facetas mais
evidentes da educação escolar dos últimos séculos. Entretanto, é visível o desconforto no
momento de aplicação de tais teorizações. Isto nos leva a pensar como é possível sustentar
uma vontade de verdade científica diante de tamanha riqueza de pensamentos? Em um
movimento contrário, apostamos que a multiplicidade de compreensões, longe de
constituírem uma fraqueza teórica, compõe justamente um contexto fértil de novas
criações. Teorizar filosoficamente é, assim, um movimento de vislumbre de novas
possibilidades. Compreendemos que este movimento do pensamento não é livre das fortes
contestações modernas, passando então a ser alvo de críticas que apontam o
perspectivismo como um relativismo perigoso. É possível que o primeiro grande pensador
a ganhar destaque por defender que a interpretação da realidade depende do ponto de
vista e de relações imersas em disputas por poder seja o filósofo Alemão Friedrich
Nietzsche. Para ele, a vida é potencializada em atos de coragem que transvaloram as
verdades construídas pela moral, aquele conhecimento entendido como verdade que
impõe a todos modos de existência (NIETZSCHE, 2008). Apoiando-se na perspectiva
nietzschiana, poderíamos afirmar que a ciência educativa na junção da didática com a
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psicologia da aprendizagem comporia uma moral que impõe modos de compreensão do


que é o ato de aprender e modos de se atingir. Como diz Gallo (2013), a matriz platônica
leva a compreensão de que a aprendizagem está colada ao ensino, o que pressupõe
controle – o mesmo controle objetivado pelas metodologias científicas. O processo
educativo guiado pela busca de obtenção de resultados uniformes, pautados em uma
teorização que se coloca como uma verdade universal, transforma neste sentido um campo
potente de multiplicidades em um espaço despotencializado de normalização. Para dar
conta da árdua tarefa, o conceito de aprendizagem inventiva de Virginia Kastrup se mostra
basilar e de extrema importância. A filiação teórica da autora é a mesma que tencionamos
perspectivar, representantes da filosofia francesa contemporânea herdeiros do filósofo
alemão Friedrich Nietzsche. Assim, diante de um impasse semelhante sobre aprendizagem,
a discursividade instaurada pela filosofia francesa contemporânea inspirou Kastrup (1999),
principalmente a partir de Deleuze e Bérgson, a repensar o que é aprender, fugindo do
campo da psicologia. Assim, para Kastrup é construir um mundo para si, ao mesmo tempo
em que se constrói, em um processo de articulação de multiplicidades que denominou de
aprendizagem inventiva. Nesta concepção de aprendizagem, a relação estabelecida pelos
termos é o foco da análise, em oposição às classificações estruturadas de assujeitamento
individual (KASTRUP, 2001). Na concepção psicológica hegemônica e mesmo no senso
comum, quando falamos de aprendizagem, imediatamente remetemos a um sujeito
aprendente. A aprendizagem tradicional é um processo de moralização que fere uma ética
dos devires (KASTRUP, 1999). Para nos contrapor a tal visão, acreditamos que existem
infinitas formas de se conceber a aprendizagem, afinal o campo da aprendizagem é
território de disputa. Aprender é sempre uma transformação na subjetividade; um
movimento constante em relação estreita com a potência dos encontros; estar sensível aos
signos, mas como tal acontecimento está no campo das multiplicidades, pensar (e não
reconhecer) é sempre uma violência; aprende-se junto com alguém e não a partir de
alguém, o que nos leva a advogar o direito a invenção de problemas, não se limitando ao
ato recognitivo. Na ânsia de lutar contra os efeitos deletérios das organizações sociais
modernas, inúmeras teorizações tradicionais, críticas e mesmo as pós-críticas vêm batendo
muito forte nas concepções educacionais clássicas. A partir de Deleuze, Bérgson, Scherer e
Kastrup, é possível repensar o que é aprender, deixando de pensar a aprendizagem como
uma conexão do sujeito a uma realidade representada, única e concreta. Ao contrário, a
aprendizagem se torna um pensamento singular sobre um dado problema, algo contextual,
inventivo e singular. Com as pistas acima, é possível criarmos alguns princípios que balizam
uma pedagogia que objetiva a criação, ao invés de se limitar a recognição: ensinar é estar
sensível ao devir; ensinar é modular o controle; ensinar é articular macro e micro política;
ensinar é experimentar encontros; ensinar é avaliar constantemente o processo.

Palavras-chave: Aprendizagem; Invenção; Recognição.


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INVOLUÇÃO E OS CURRÍCULOS COTIDIANOS: A EFEMERIDADE DE UMA VIDA-CORPO

Letícia Regina Silva Souza


Universidade Federal do Espírito Santo
le.reginna@gmail.com

Tamili Mardegan da Silva


Universidade Federal do Espírito Santo
tamilimardegan@hotmail.com

Infinidades. Corpos. Cenas. Linhas. Traços. Palavras. Pontos. Rascunhos. Gestos.


Sombras. Cores... Que juntos compõem os fluxos cartográficos experimentados na
efemeridade de uma vida-corpo. Palavras e pontos que, fugazmente, num dado momento,
são pensados como a última cena e o último corpo de, e… Uma vida na imanência dos seus
devires, naquele instante, que estavam apenas num interstício de tempo, de vida e de
desejo. Última fórmula. A conexão do sentimento de incompletude do ensaio-escrita que
aqui propomos, demonstra as aberturas dos movimentos imanentes possíveis pelo devir-
pesquisadora e devir-professora e devires... num processo que provoca um reterritorializar,
de novo e sempre. Ritornelo. Um movimentar-se sem mesmo sair do lugar e mover-se nos
diferentes espaços-tempos (ina)habitáveis que traçam as linhas cartográficas, juntos às
cenas produzidas pelos corpos em seus diferentes processos de involução. Dessa maneira,
estamos na defesa do conceito de um devir que é involutivo, pois preferimos chamar de
involução essa forma de evolução que se faz entre heterogêneos e, sobretudo, carregada
pela condição de que não se confunda a involução com uma regressão. Logo, sentiremos,
neste contexto, que a involução é criadora. Que, em outras palavras, involuir é formar um
bloco que corre seguindo sua própria linha, ‘entre’ os termos postos em jogo e sob as
relações assinaláveis. Partimos deste pressuposto conceitual de se pensar os
acontecimentos que reverberam o involuir dos devires-docentes e é isso que desejamos
cartografar no decorrer desta pesquisa. Em meio às práticas-políticas cotidianas, que são
produzidas entre uma docência e um pensamento nômade, estão os fluxos que
tensionarão, nas dobras, a experiência de um nomadismo docente. Nessa perspectiva,
vemos serem inventados novos/outros possíveis que fazem da pesquisa uma escrita
inquietada na dimensão propriamente micropolítica do texto que é a sua natureza
cartográfica (ROLNIK, 2007). Desejamos forçar o pensamento... Pensar é o deslocar-se, é a
ruptura, é o atravessamento com as verdades advindas do fora. Definiremos o “fora”, como
um devir de forças que subtraem a história, dando ao pensamento sua tendência inatual e
geográfica. Por que, então, se referir a tal pensamento como intempestivo? Devido à
experimentação que entrelaça o ato de pensar, se fazendo antagônica aos pensamentos
instituídos pelas verdades absolutas e determinadas pelo consenso sócio-político a qual
somos parte e nele (re)existimos cotidianamente. Nos hiatos e nas rupturas existem
combinações que desmembram ou abraçam e percebemos que isso faz parte do rizoma-
educação. São linhas de intensidade que se arrebentam em todas as direções, escapam da
perseguição totalizadora e fazem contato com outras raízes, seguindo outras direções para
se tornar o pesadelo do pensamento nivelado. Esse intermezzo é a nossa aposta para
experienciarmos os fluxos rizomáticos que estão sempre por dentro das estruturas. A
cotidianidade é múltipla, carregada de sentidos e nuances. Lidamos com o incontrolável,
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com o caótico, com o imprevisível, mas também com o molar, com o fixo e com o instituído.
É uma coisa e outra. Desejamos encontrar uma melodia compondo a perpassar
transversalmente nesses interstícios de traduções e experiências. Tudo se desfaz num
espaço movediço, incerto e inconsistente. Problematizamos, portanto, por meio das
pesquisas com os cotidianos e os referenciais antifundamentalistas, as cenas-corpos que
potencializam um currículo. Combatendo a totalidade falida dos currículos oficiais e a sua
desejada unicidade hegemônica, evidenciamos os currículos tecidos cotidianamente, os
quais produzem aprendizagens e performances, entre o caos e a ordem. Os corpos-cenas
ocupam e falam de diferentes lugares, divulgam e/ou ocultam o que nos faz bem,
duvidamos do que não queremos acreditar. Isso diz respeito aos efeitos dos agenciamentos
em que nós, pesquisadoras-professoras, não somos mais nós mesmos, mas estamos
sempre sendo ajudados, aspirados, multiplicados (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Somos
muitos, somos únicos, individuais-coletivos. Um plano de composição espinosano em que
um corpo afeta outros corpos, ou é afetado por outros corpos: nesse afetar e ser afetado,
o que também define um corpo na sua individualidade (DELEUZE, 2002). E, com o passar do
tempo, percebemos que são inúmeros os questionamentos que surgem no sistema
maquínico desse viver-ser professor involutivo. Esses cotidianos nos tocam e fazem pulsar
o desejo de um experimentar aguçado, bem como de uma escuta potente e um olhar
sensível que se constitui nos cotidianos em seus diferentes espaços-tempos. E, ainda, nesse
pesquisar, perceber que só olhar não basta, é preciso farejar, preparar o corpo, sentir o
pelo arrepiar, como um animal à espreita em busca da sua caça (DELEUZE, 2005). Esse
cotidiano nos apresenta um currículo provisório, emaranhado de histórias vividas e
significativas, constituídas pelas relações de força e de composição dos corpos. Assim,
diante das infinitas forças do cotidiano, nos deparamos com aqueles devires da pesquisa
que nos sacodem e nos trazem de volta, nos remetendo ao novo. Diferença e repetição.
Como diriam Deleuze e Parnet (1998, p.10), "Devir é jamais imitar, nem fazer como, nem
ajustar-se a um modelo, seja ele de justiça ou verdade”. Um inegável convite de um mover-
se ao contrário, andar na contramão, de ousar considerar uma temporalidade
(des)contínua, permitindo-nos, em nosso devir-pesquisador(a), uma verdadeira
desterritorialização de conhecimentos, pensamentos, sentidos e pulsações para que
possamos, revisitar os nossos vazios que, de certa maneira, habitam algumas tensões,
crenças e experiências que coexistem com outros mundos, em nossos corpos e que
produzem diferentes cenas. Que corpo é esse? Ou, que corpos são esses? O que podem
esses corpos nos currículos cotidianos das escolas? Não temos respostas. Mantemos as
perguntas.

Palavras-chave: Cotidianos; Currículos; Involução.


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CORPO POTENCIAL: AUTOFICÇÃO DE UM TORNAR-SE O QUE SE É

Diego Winck Esteves1


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação
winckesteves@gmail.com

Máximo Daniel Lamela Adó2


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação
maximo.lamela@ufrgs.br

Este ensaio se flexiona sobre certa noção de corpo, denominada Corpo Potencial,
para pensar acerca dos espaços de educação, dimensionando-os como uma contingência
espaço-temporal em encontros improváveis. Tal perspectiva aqui adotada, a da
imprevisibilidade, não ignora o exercitar-se em estudos sobre as condições nas quais se
opera, enquanto agentes nestes espaços, os modos de habitá-lo, ao contrário, justamente
afirma que a improvisação — tal como se apresentará no decurso do texto — é uma
efetuação de um corpo em estado de prontidão, com potencial para atualizar-se nos
encontros; é nesse sentido que se toma a improvisação como uma efetuação, atualização
de possíveis, ainda que, sobretudo, improváveis: inesperados, uma vez que se postula
desviar das condutas restauradas no fazer docente, tanto quanto nas práticas de pesquisa
(e aqui nos valemos da noção de pesquisa-docência). Por conseguinte, é pela via da
performance que chegamos à proposição de autoficção como um tornar-se o que se é,
dado que, tomando com Nietzsche o fundo trágico da existência (2005), ou o sem-fundo,
nas palavras de Deleuze (1988), a realidade na qual se constitui este que se torna passa a
ser correlacionada com a ficção — relação perspectivada junto a Flusser (2006). Desse
modo, uma problemática assim se apresenta: como desviar da representação (DELEUZE,
1988), ou, noutros termos, das condutas restauradas (CARLSON, 2010), para que o corpo
venha sempre a diferir de si mesmo, derivando, via improvisações, tornando-se o que se é
em acessos intermitentes de individuação (SIMONDON, 2003)? A partir desta inflexão,
onde se toma a autoficção deste docente-pesquisador, enquanto autor, como uma
performance nos espaços que ocupa (KLINGER, 2006), passamos a desdobrar o texto em
onze pontos, numa escrita fragmentária que intenta constituir certa imagem deste CorPo
(grafia adotada para diferir um Corpo Potencial), mas, sobretudo, um modo de mover-se,
de se compor nos encontros nos quais se dispõe; os pontos, a saber, são: primeiro
problema: liberar a ação, um corpo em estado de prontidão — o estado de improviso;
proposição primeira: o CorPo é um corpo em estado de improviso; proposição segunda:
não inserir seu corpo no tempo, manter-se inteiro; segundo problema: o que move esse
corpo? A ausência de sentido no compor, o grau de potência e a chance do jogador;
proposição terceira: um corpo que quer perseverar e nisso se compõe; proposição quarta:
disposição aos encontros; proposição quinta: desviar em direção aos possíveis pela via do

1
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS; Linha de pesquisa Filosofias
da Diferença e Educação; com dissertação intitulada “Pesquisa-improvisação: educação em jogo”, sob
orientação do professor Dr. Máximo Adó, com bolsa do CNPq. Graduado em Educação Física pela
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Artista de circo, dança e performance.
2
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Departamento de Ensino e Currículo da
Faculdade de Educação. Orientador no Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa
Filosofias da Diferença e Educação.
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improvável; proposição sexta: afirmar o jogo entre Apolo e Dionísio; primeiro paradoxo: o
ser inteiro e o que é possível fazer hoje; segundo paradoxo: desviar da razão pela razão (e
retornar a ela); primeira tentativa de síntese: tornar-se o que se é como autoficção, um
acordo discordante. Estamos investidos em um pensar o pensamento com o texto, na
espreita de ficções eficazes, no sentido de produzir uma espécie de mito que intenta
funcionar como intercessor entre “eu” e o mundo, como uma verdade potente enquanto
criadora de realidades que vitalize a vida. Verdade inventada, mito, ficção: autoficção que
move nossas ações no mundo e mobiliza o pensar acerca do que compõe nosso corpo, e os
movimentos nos quais nos inserimos para novas composições que nos potencialize —
compreendendo a individuação enquanto um processo, e este, a partir de
experimentações de si. Assim, o que aqui se apresenta como um personagem neste palco-
texto, como um CorPo, é ensaiado insistentemente, performado numa pesquisa, na
invenção de corpos possíveis em nossa superfície cotidiana, em espaços de educação.
Corpo em atenção dispersa (e treinada) em meio aos labirintos de uma vida à qual se dá
sentido numa ficção; considera-se assim, com Deleuze (2002, p.25), que “será dito bom (ou
livre, ou razoável, ou forte) aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os
encontros, por se unir ao que convém a sua natureza, por compor a sua relação com
relações combináveis e, por esse meio, aumentar sua potência. Pois a bondade tem a ver
com o dinamismo, a potência e a composição de potências”. Não se trata, portanto, de um
objetivo a ser buscado (mesmo que objetivado enquanto invenção de uma busca
infindável), pois este corpo não se encontra em um estado definitivo (“eis O Corpo
Potencial!”, “tenho potência, logo, sou um Corpo Potencial!”); trata-se de um estado de
latência, uma criação incessante, para o qual a pesquisa-docência funciona como uma zona
de acontecimentos: espaço-tempo em jogo para a produção de encontros alegres e
potencialização dos corpos — estes entendidos enquanto processo, eles mesmos num
jogo, como matérias, corpos em encontros com corpos, corpos dentro de corpos, labirintos
corporais.

Palavras-chave: Autoficção; Corpo; Improviso.


60

CORPOS DANÇANTES NA TESSITURA DE CURRÍCULOS RIZOMÁTICOS: UMA


EXPERIMENTAÇÃO ESQUIZO

Marina de Oliveira Delmondes


PPGE/UFES/CAPES
marinaodelmondes@hotmail.com

Mariana de Oliveira Delmondes


PMG
marioliveiraef@hotmail.com

O corpo sob a pele é uma fábrica superaquecida, e por


fora, o doente brilha, reluz, em todos os seus poros,
estourados. (ARTAUD, 1947)

Corpos-cartógrafos são movidos pelo desejo de pensar os currículos a partir da


filosofia da diferença de Deleuze e Guattari – D&G. Apostando na perspectiva teórico-
metodológica da pesquisa com os cotidianos, deixamo-nos afetar pela potência ético-
estética-política da criação de outras formas de rizomar curriculos que esteja, “[...] muito
mais afeto às multiplicidades e ao intempestivo do que aqueles que caracterizam como
representações de conclusões prescritivas” (FERRAÇO; ALVES, 2017, p. 135).
A nossa aposta é de que, em meio aos corpos-capitalísticos que atuam nos
cotidianos das escolas como máquinas sociais que tendem a normatizar, controlar os
corpos, produzir subjetividades, determinar receitas de como fazer processos de ensino-
aprendizagem e educação, engendrando políticas dominantes, os corpos-nômades
dançam-deslizam-expandem-inventam pelos terrítórios escolares numa experimentação
esquizo. Nesse sentido, entendemos com Deleuze e Guattari (2011, p.16):

As máquinas desejantes são máquinas binárias, com regra binária ou


regime associativo; sempre uma máquina acoplada à outra. A síntese
produtiva, a produção de produção, tem uma forma conectiva: ‘e’, ‘e
depois’... É que há sempre uma máquina produtora de um fluxo, e uma
outra que lhe será conectada, operando um corte, uma extração de fluxo
(o seio – a boca). E como a primeira, por sua vez, está conectada a uma
outra relativamente à qual se comporta como corte ou extração, a série
binária é linear em todas as direções.

Assim, ora a máquina produz arregimentações ao que tem sido estabelecido como
“documento de caráter normativo”, a exemplo da Base Nacional Comum Curricular, ora a
máquina atua movida pelo desejo “[...] que faz correr, flui e corta” (DELEUZE; GUATTARI,
2011, p. 16) na produção do real. Não interpreta, não reproduz e não legitima uma imagem
representativa, mas inventa, borra, fissura os territórios macropolíticos a partir da criação
de um corpo sem órgãos – CsO.
A cria-invenção do CsO nos cotidianos escolares agenciam corpos-nômades
constituídos por múltiplas intensidades, aberto a sua capacidade de afetar e de deixar ser
afetado. O CsO é um corpo revolucionário, uma linha de fuga que busca escapar aos
sufocamentos rotineiros e busca por outras formas de potencializar a vida e, por isso,
61

Ao Corpo sem Órgãos não se chega, não se pode chegar, nunca se acaba
de chegar a ele, é um limite. Diz-se: que é isto – o CsO – mas já se está
sobre ele – arrastanto-se como verme, tateando como um cego ou
correndo como um louco, viajante do deserto e nômade da estepe. É
sobre ele que dormimos, velamos, que lutamos, lutamos e somos
vencidos, que procuramos nosso lugar, que descobrimos nossas
felicidades inauditas e nossas quedas fabulosas, que penetramos e somos
penetrados, que amamos (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 12).

Nessas maquinarias do desejo, os pés puseram-se a dançar, as mãos coloriram


rostos, cada batida entoava um movimento que deslizava do chão de uma escola pública
municipal, localizada na cidade litorânea do Espírito Santo, chamada Guarapari, até aos
palcos do teatro Universitário da Universidade Federal do Espírito Santo, localizada na
capital Vitória. Alunos se tornaram dançarinos, professoras se tornaram espectadoras, uma
escola entrou em cena, se desconfigurou, se reinventou, o palco do teatro se tornou um
lugar de práticas-políticas pedagógicas, na tessitura de uma educação arteira e na produção
de um currículo rizomático.

Movimentos que emergiram de uma formação docente titulada “Especialização em


Ensino da Dança” do Centro de Educação Física e Desporto – CEFD/UFES reverberou o
convite para a participação no evento “Mostra Pedagógica de Danças Populares”, realizada
em novembro de 2018. Os alunos litorâneos experimentaram o cheiro da terra indígena,
dançaram Parintins, inssurgiram em boi-bumba, boi garantido e boi caprichoso. Do solo
capixaba até as terras amazônicas, os corpos-dançantes rizomaram, ou seria a
experimentação de uma Nova Terra por vir? Concernente às máquinas dançantes,
concordamos com Romaguera, Silva e Marques (2019, p. 297),
62

Dança-se porque somos um corpo desordenadamente em movimento. E


a dança é assim, jamais poderá ser coreografada. Diz respeito ao toque, à
epidermo de superfícies em contato com o mundo perdido no mais
profundo das sensações: a pele. Captura imagens de sons que pouco tem
a ver com uma música ou coreografia. Busca subsídios para um
movimento do corpo como gesto criativo, ao mesmo tempo poético e
político, porém, sempre de outra maneira.

Nessa perspectiva, consideramos a experimentação D&G como nômade, como um


agenciamento intensivo que se desloca e se conecta em outros pontos, ainda que não se
saia do mesmo lugar ou da mesma coreografia. Assumimos a dança como uma
experimentação esquizo possível, uma cria-invenção do devir CsO que agencia os currículos
rizomáticos transbordantes dos cotidianos escolares. Quanto ao corpo, “[...] é tão somente
um conjunto de válvulas, represas, comportas, taças ou vasos comunicantes: um nome
próprio para cada um, povoamento do CsO, Metrópoles, que é preciso manejar com o
chicote” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 16). Por fim, nossa proposta âncora-se no desejo
de por os corpos-pesquisadores a dançar, a criar para si um CsO.

Palavras-chave: Corpo sem Órgãos; Cotidianos Escolares; Currículos Rizomáticos.


63

AGENCIAMENTOS E INTERSECÇÕES E ACONTECIMENTOS E DESEJOS E APRENDIZAGENS


E...

Elder José de Oliveira


Faculdade de Educação Física da ACM Sorocaba – FEFISO
elderjoliveira99@gmail.com

Rubens Antônio Gurgel Vieira


FE-Unicamp/FEFISO
rubens@fefiso.edu.br

Visto a multiplicidade de pesquisas sobre a área da aprendizagem e como isso dobra


na educação, temos como objetivo neste trabalho, que se encontra em processo de
desenvolvimento, o intento de pensar as possibilidades de intersecções, de
agenciamentos, de conexões entre desejo e aprendizagem. Pois, nesta área, muitos
discursos de enfrentam e lutam pela validação, porém, existem algumas lacunas que
escapam da estrutura, da ordem, da forma, do padrão, desviam do controle, vemos que
um dos deslizes de se pensar em teorias da aprendizagem é normatizar, diminuir a
intensidade da diferença aparecer, o que não quer dizer que a diferença não apareça, pelo
contrário. Por essa via, para se pensar de outros modos, estamos inspirados em alguns
autores e autoras, dentre eles, destacamos: Silvio Gallo, Virgínia Kastrup, Gilles Deleuze e
Félix Guattari, no intento utilizá-los de modus operantes, enquanto ferramentas a nos
ajudar com a imanência de nossos problemas.
Por essa via, estamos trabalhando a cartográfica com Passos, Kastrup e Escóssia
(2015) enquanto método de pesquisa, que eles entendem como uma forma de
acompanhar processos de agenciamentos do desejo, e se abrir a eles. Deste modo também,
não pretendemos chegar em um ponto final, mas se atentar aos acontecimentos do
processo, sendo tudo agenciamento de enunciados e desejos, para Deleuze e Guattari
(2017). Trazemos para pensar aqui, o conceito de rizoma a partir de Deleuze e Guattari
(2011) para, a partir dele jogar com as multiplicidades, o rizoma para eles, possuem
princípios, sendo que um é atravessado por outro, não tendo uma ordem linear a ser
seguida. O rizoma não possui uma sequência dada a priori, marcada de antemão, diferente
disso, um rizoma se dá em movimento transversal e se conecta com as coisas, seguindo a
lógica do acontecimento, da imanência do encontro de afirmar o “e... e... e...” escapando
da lógica binária. Por esses movimentos, entendemos que esse trabalho culmina em uma
escrita-rizoma, uma escrita rizomática que advém de resultados, efeitos.
Virgínia Kastrup (2007) defende a ideia que existe duas perspectivas para pensar a
aprendizagem, sendo pela recognição e invenção, a recognição se dá em uma
aprendizagem a partir de imagens, de fotos, pensamentos fixos, isto é, cria-se uma imagem
de pensamento sobre o que é aprender e, a aprendizagem acontece ao resolver esse
problema. Valendo a ressalva que na maioria de nossa vida agirmos por essa forma, com
os hábitos, coisas da rotina, na qual já estamos acostumados. A aprendizagem enquanto
invenção têm relações com as potências dos encontros, ela enquanto acontecimento se dá
em relações a imanência dos problemas, problemas aqui não para ser solucionados, com
uma resposta única, mas, sim como Kastrup coloca, para serem inventados, e ainda não
enquanto um problema na ordem do racional, e sim para ser sentido.
64

Em necessidade, fomos em Deleuze e Guattari (2011) para falar sobre desejo, de


modo a sobrevoo, para eles o desejo pode ser entendido a partir de desejo enquanto falta
e como produção. O desejo enquanto falta, entendemos ele sendo uma alusão, um
fantasma, pensando com Nietzsche de Deleuze (2018) é uma maneira de negar a vida, de
esperar para ser feliz. O desejo enquanto produção é aquilo que nos move, que nos dá
vontade de vida, o que nos move.
Pela imanência dos acontecimentos, outro ponto que alimenta este trabalho é a
ideia que Henri Bergson (apud KASTRUP, 2007) de inteligência e intuição. Kastrup entende
a inteligência com a capacidade de resolver problema, um problema já dado, e ao
desenvolver técnicas é possível ser respondido em um menor tempo e com melhor
precisão. A intuição, diferente desta lógica racional da inteligência, é movida pelos afectos,
pela sensibilidade que é sempre singular, isto é, vemos pela intuição um problema sensível,
onde se faz um convite para criar, para inventar, para pensar diferente. A inteligência, como
caminha um sentido lógico, logo cessa o espaço para as diferenças, as singularidades, para
os acasos, fecham-se em determinadas estruturas.
No intento de criar e possibilitar e notar e muitas outras coisas aqui, pois, estamos
lançando convites para se pensar nas intersecções do desejo e aprendizagem, defendemos
que o aprender pode, mas não precisa ser sempre um movimento chato,
despotencializado, fraco, entendemos com Gallo (2008) que o aprender demanda perder
tempo e, ele utiliza uma metáfora de “lançar sementes” pois, no processo de aprendizagem
não há garantias a priori, do que é aprendido. Mas, vemos com Bergson (apud KASTRUP,
2007) uma possibilidade de intuir, claro que, cada pessoa tem seu tempo singular, talvez,
as coisas façam sentido após anos, dias, meses, e talvez não faça, mas, pensando em aulas
enquanto acontecimento, podemos intuir o que pode elevar a potência do encontro. Por
esses caminhos abertos até aqui, caminhos à novos mares, pretendemos expor
possibilidades das conexões do desejo e aprendizagem, caminhando com Nietzsche, no
sentido de afirmar a vida, vivendo momentos potentes, alegres, felizes, mas que, não
necessariamente precisam ser, pois estão além do bem e o mal (DELEUZE, 2018).
Assim, enquanto nossas considerações transitórias, defendemos a ideia de
agenciamentos e intersecções e conexões do desejo e aprendizagem, conversando com a
lógica do rizoma. Não no sentido de moralizar a diferença, afirmando a aprendizagem pela
recognição seja melhor que pela invenção, ou vice-versa, mas, sim que elas coexistem e
acontecem juntas, ora uma com mais intensidade e em outros momentos outra. Isso
também se encaixa com a inteligência e intuição, desejo como falta e produção. Neste
emaranhado de sentidos, defendemos esta, uma aprendizagem em intersecções com o
desejo e, sendo uma forma de afirmar a vida.

Palavras-chave: Aprendizagem; Desejo; Intersecções.


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OS DRAMAS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO: O QUE PODE A ESCRITA DA VIDA?

Renata Ferreira da Silva


UFT
renataferreira@uft.edu.br

A pesquisa é aqui potencializada a partir da força da dramatização (Deleuze, 2006)


para pensar a escrita como autoformação ativada por encenações que inventam espaços-
tempos particulares, forças de produção da vida. O texto, como desdobramento de
pesquisa de pós-doutorado em teatro (2018), destaca um percurso metodológico que se
dá por acontecimentos, encontros de uma atriz que pensa a educação.
Para criar cenas (dinamismos espaços-temporais) e estudos (ideias–força)
proponho um paralelismo afetivo (Spinoza, 2010) que instaura um pensamento sobre
pesquisa a partir dos “encontros”, capacidade de afetar e ser afetado, que levam ao que
procuramos caracterizar, em chave de diferença com o senso comum, como “uma política
da amizade”.
Os relatos se tornam índices de singularidade. O que pode a escrita da vida?
Análogos à dramaturgia, esses relatos são divididos em atos, cenas (dinamismos espaços-
temporais) e estudos (ideias–força). Os dramas de uma pesquisa podem, assim, pensar a
pesquisa como geradora de dados, ao invés de coleta de dados; pensando modos de se
fazer, no lugar de moldes a serem reproduzidos.
Os dramas acontecem como linhas de intensidade que cruzam os atos de escrita
por meio de encenações criando determinações espaço-temporais dinâmicas no cenário
de uma autoformação, de um pensamento sobre ser professora/atriz/acadêmica. As cenas
são ativadas por questões: onde e quando o corpo é ativado numa transformação? Como
ele é inteligido no processo de conhecimento? Como podemos criar os objetos que
desejamos? Não o que é o corpo, mas que é o corpo em diferentes cenas/casos/acidentes.
Tal como pontua Deleuze (2006, p. 134) “é o conhecimento científico, mas é também o
sonho, e são também as coisas em si mesmas que dramatizam”. Um drama deleuziano é
um espaço-tempo com seis propriedades, aqui traduzidos em sete dramas:
Primeiro Drama - O Drama cria espaço-tempo particulares, forças. Existe um campo
de produção. Uma pesca. Cerco por aqui e bato ali. Bato de baixo para cima e de cima para
baixo. “Esses dinamismos supõem sempre um campo no qual eles se produzem fora do
qual eles não se produziriam [...]” (DELEUZE, 2006, p.132). Cenas podem ser descritas,
estudos podem ser tramados criando, de forma imanente, um modo de formar-se,
produzir-se em atos. Cada Ato exercita “esvaziar a tela” da educação de uma série de ideias
dadas, prontas e prescritas. Como um ato de fala que não é ouvido, mas visto, vejo nas
imagens descritas e nos textos estudados o docente por vir, numa escrita que fabula uma
“dissociação das duas potências” – a da imagem cena e a da fala dos estudos. Como uma
síntese disjuntiva, uma ligação que valoriza em vez de anular a disparidade dos termos que
ela junta.
Segundo drama - O Drama forma uma regra de especificação para os conceitos que,
sem eles, permaneceriam incapazes de se dividirem logicamente. O corpo pode ser ativado
em encontros, divididos por cenas e estudos que respondem a regra: seguir a sensação do
corpo. A sensação do corpo é a marca do encontro com o outro. Estas marcas geralmente
são do campo do risco, do erro, da surpresa, da dúvida, do medo, da coragem e da força
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experimentados, ou seja, marcas de intensidades que não são explicadas ou interpretadas,


mas existem por variação.
Terceiro drama - O Drama determina o duplo aspecto da diferenciação. Se a
condição da experiência são as intensidades envolvidas numa profundidade, a intensidade
é a potência da diferença. “Sendo a intensidade diferença, é preciso ainda que as diferenças
de intensidade entrem em comunicação” (DELEUZE, 2006, p.132). O trabalho pode operar
na criação de séries, com movimentos forçados, por meio de acoplamentos: Ato+ato,
cena+estudo, corpo+ideia. Trabalhamos também por ressonância dentro da série,
reverberando a potência do corpo, e suas relações com modos de atuação de uma vida. As
relações expressas encarnam a dramatização, uma política de vida.
Quarto drama - O drama comporta ou designa um sujeito larvar, embrionado, pois
como tecido informal dramatiza várias formas, produz diferenças como resultado. Como
pensar a realidade a partir de um indivíduo pronto, imutável e substancial? O devir é uma
dimensão do ser. “A individuação é, pois, devir do ser e não modelo do ser que esgotaria
sua significação” (DAMASCENO, 2007, p.178). Se formos um processo de individuação, uma
modelagem, uma realidade relativa, uma fase de ser dependente de nossa dimensão pré-
individual, como insiste Deleuze, não estamos esgotados, estabilizados, mas nos
atualizamos, ou seja, produzimos formas diferentes como força vital. “Estranho teatro feito
de determinações puras, agitando o espaço, e o tempo, agindo diretamente sobre a alma,
tendo larvas por atores” (DELEUZE, 2006, p.134). O drama está no limiar do sujeito que se
torna potência de variação continua, numa vida que escreve, atua e que quer se reinventar
eternamente, pois deseja produzir mais força na força que a constitui.
Quinto drama - O Drama constitui um teatro especial – o devir do pensamento. São
atualizações expressas em ideias que acontecem sob certos casos. A pesquisa se dá por
acontecimentos, choques, encontros, ou seja, nos momentos em que se singulariza. Os
acontecimentos são tomados como forças, combustíveis de criação, que não resultam de
escolhas, mas de uma forma de movimento que quanto mais move, viaja, encontra, estuda,
escreve e atua; mais cria potência de mover, viajar, estudar, escrever e atuar.
Sexto drama - O Drama exprime ideias múltiplas. “Os dinamismos espaço-temporais
puros têm o poder de dramatizar os conceitos, porque eles, primeiramente, atualizam,
encarnam Ideias” (DELEUZE, 2006, p.135). A ideia de uma transformação que segue a
sensação do corpo é virtual e atualiza-se na diferenciação, ou seja, nos diversos modos,
casos, séries, cenas e estudos que prolifera. Muitas vezes, encontraremos estudos
divergentes, algumas pontas soltas. Mas, o drama da vida seria perfeitamente fechado,
lógico e bem amarrado?
Sétimo drama – O Drama da pesquisa atualiza-se em ato, em cenas que desenham
um espetáculo teatral, que cria condições de possibilidade para a criação: a escrita. E
depois, tudo que foi escrito e estudado volta ao corpo para se fazer teatro: variações de si
mesma. Pode uma ficção intensificar uma vida?
Os dramas da pesquisa querem torcer a ideia de pesquisa/escrita gerando dados ao
invés de coletá-los para pensar modos de se fazer ao invés de modos de ser feito. Forma-
se na escuta do corpo, na criação de problemas e conexões, de cenas e estudos, na
produção de possibilidades de vida, de percepção e de afecção diante do cotidiano de vidas
que pensam a educação andando por aí, querendo encontros, novas ideias.

Palavras-chave: Corpo; Dramatização; Pesquisa.


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O ACONTECIMENTO E A CRIAÇÃO DO NOVO: A POTÊNCIA DO ESPAÇO PACTO


NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA - PNAIC NO APRENDER DO ESTADO
DO AMAZONAS

Clotilde Tinoco Sales


Faculdade de Educação da universidade Federal do Amazonas
Docente do Departamento de Métodos e Técnicas – DMT
clotildetsales@gmail.com

Zeina Rebouças Corrêa Thomé


Faculdade de Educação da universidade Federal do Amazonas
Docente do Departamento de Métodos e Técnicas – DMT
zeinathome@gmail.com

Este trabalho tem por objetivo socializar uma experiência inédita de


acompanhamento pedagógico da formação continuada do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa - PNAIC, no estado do Amazonas, o qual foi desenvolvido na
Plataforma Moodle hospedada no Laboratório de Hipermídia do Centro de Formação,
Desenvolvimento de Tecnologias e Prestação de Serviços para as Redes Públicas de Ensino
- CEFORT. Trata-se de um recorte da pesquisa de doutoramento em educação no
PPGE/FACED/UFAM, a qual se encontra em andamento com enfoque no
“ACONTECIMENTO E A CRIAÇÃO DO NOVO: a potência do espaço Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa - PNAIC no aprender do estado do Amazonas”. O programa
do PNAIC, foi implantado pelo MEC, em julho de 2012, e implementado pelos estados, o
Distrito Federal e os municípios em regime de colaboração. O público alvo eram os
alfabetizadores de todo o Brasil. Uma das ações propostas pelo programa era o
acompanhamento pedagógico dos orientadores de estudo (formadores dos
alfabetizadores), pelos formadores da IES. Nessa perspectiva, numa carga horária de 200
horas anuais, 40 horas eram disponibilizadas para as “atividades extrassala”, as quais
incluíam: tarefas exigidas pelos formadores da IES, acompanhamento técnico e pedagógico
dos orientadores de estudo junto aos alfabetizadores em seus respectivos municípios,
entre outras. Ocorre que, o estado do Amazonas apresenta peculiaridades geográficas que
precisam ser consideradas para executar qualquer ação educacional, pois a grande maioria
dos municípios é separada a grandes distâncias pelas águas. Diante de tal desafio a gestão
administrativa e pedagógica do PNAIC, instalada no CEFORT, junto aos desenvolvedores de
ambientes virtuais na plataforma Moodle, customizou o ambiente digital modular para
efetivar o acompanhamento pedagógico em tempo remoto. O Moodle é um software livre
projetado por Martin Dougiamas em 2001, para desenvolver cursos de educação a
distância, porém ao longo dos anos seu uso foi ampliado para as mais diferentes
finalidades, em mais de 200 países, incluindo o Brasil. Nessas finalidades se aplicam os
cursos presenciais e tele presenciais de capacitação em empresas, por universidades
corporativas, entre outros. (NAKAMURA, 2009; SILVA, 2011). Na formação do PNAIC, no
estado do Amazonas o Moodle foi customizado em ambiente virtual modular
especificamente para realizar o acompanhamento pedagógico em tempo remoto. Nesse
processo de acompanhamento virtual formadores e cursistas tinham interatividade com as
ferramentas do sistema e interagiam entre si mediados por orientações técnicas e
68

pedagógicas e de avaliação das atividades propostas aos orientadores de estudo. Na


produção colaborativa dessa experiência de formação e acompanhamento pedagógico
virtual passamos como grupo a viver as novas tecnologias intelectuais abordadas por Pierre
Lévy (1993). Isto confirmamos em suas próprias palavras: “A inteligência ou a cognição são
resultado de redes complexas onde interagem um grande número de atores humanos,
biológicos e técnicos (Lévy, 1993, p. 83). E ainda: “Não sou “eu” que sou inteligente, mas
“eu” com o grupo humano do qual sou membro, com minha língua, com toda uma herança
de métodos e tecnologias intelectuais (dentre as quais o uso da escrita). (Idem., p. 83).
Temos como método de pesquisa a cartografia fundamentado nos estudos de Deleuze e
Guattari, em Mil Platôs – Capitalismo e esquizofrenia (1995), na perspectiva da filosofia da
diferença e nas pesquisas e experiências de Passos, Kastrup e Escóssia, os quais afirmam
que o método cartográfico “é acompanhamento de processos, implicação em processos de
produção, conexão de redes e rizomas. [...] (2015, p. 10). Temos o método da cartografia,
com ênfase nos seis princípios engendrados para produzir os conhecimentos e a realidade:
1º e 2º princípios – de conexão e de heterogeneidade; 3º - princípio da multiplicidade; 4º -
princípio de ruptura a-significante; 5º - Princípio da cartografia e de decalcomania. Esses
princípios conectam-se num processo ininterrupto de interação e mediação entre sujeito,
objeto, coisas, máquinas, corpo, mente, linguagem, símbolos. Na vida e no processo da
pesquisa - sujeitos, objetos, coisas, eventos, estabelecem relações de forças entre si e são
afetados de diversas maneiras, pois como fala Deleuze em “Nietzsche e a filosofia” (1976),
“ O que define um corpo é esta relação entre forças dominantes e forças dominadas. Toda
relação de forças constitui um corpo: químico, biológico, social, político. (p.21). Em “O Anti-
Édipo – Capitalismo e esquizofrenia (1972), Deleuze e Guattari reafirmam que nossos
corpos são máquinas desejantes, tem imanente o desejo. Logo, nossos órgãos conectam-
se e se afetam ininterruptamente. No mundo capitalista esquizofrênico, os processos, as
relações de forças e afecções também acontecem, considerando que os produtos da
natureza são transformados em máquinas que, por sua vez, produzem outras máquinas
que produzem os mais diversos tipos de produtos de consumo para atender nossas
máquinas desejantes. Como afirmam Deleuze e Guattari (1972, p. 9), ”[...] tudo é produção:
produção de produções, de ações; produções de registros, de distribuições e de pontos de
referência; produções de consumos, de volúpias, de angustias e dores. [...] os registros são
imediatamente consumidos, destruídos, e os consumos diretamente reproduzidos. Através
da pesquisa temos constatado que as novas tecnologias da informação e comunicação
contribuem significativamente com os processos e produtos educacionais, seja na
modalidade presencial, semipresencial e a distância. Por meio delas as inteligências
coletivas se constroem produzindo novos saberes, conhecimentos e experiências numa
relação de forças e afetos de modo contínuo. Ao mesmo tempo, em que atendemos nossos
desejos maquínicos, vamos vivenciando nossas angustias e medos, convivendo numa
relação de forças ativas dos que comandam e de forças reativas dos comandados. Todas
essas relações acontecem num rizoma de heterogeneidades, multiplicidades, de ruptura a-
significante de corpos químicos, biológicos, sociais e políticos.

Palavras-chave: Criação; Formação; Potência.


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UMA CARTA COMO APOSTA DE SEGUIR SE FAZENDO PROFESSORA: PREZADA MARIA

Renata Morais Lima


Doutoranda pela Universidade Federal de Juiz de Fora-MG
rmoraislima@yahoo.com.br

Maria é um nome comum, que na boca e na letra de poetas descreve vidas comuns.
Assim para dizer do menor, do comum, o endereçamento desta carta se faz para Maria,
pensando na singularidade e na coletividade. Um trabalho que tenta se agenciar pelo sem
rosto, sem captura. Em um distanciamento da professora profética que anuncia o ideal a
ser percorrido em seu campo de atuação, buscamos a atenção, o corpo militante, a vida e
seus percalços, um professor-militante. Escolher escrever para Maria é um ato ético-
político-estético. Tal ato se concretiza em uma aposta que se justifica pelos moldes da
escrita. Escrever uma carta endereçada ao comum e, por este aspecto, militamos
academicamente por vias outras. Escrever para Maria ou Marias, aqui, é escrever para as
professoras e professores que transformam o seu corpo e sua atividade em ato de
militância. Estamos provocando no corpoescritura uma constituição docente ethopoiética,
uma fabricação com leituras de Deleuze e Guatarri, Gallo e com a experiência de habitar
este espaço voltado para a educação: a escola, a sala de aula. Em uma sociedade herdeira
do mecanicismo cartesiano, em que dividimos as partes, e a tomamos como absoluto para
entendimentos, reflexões, pensar a constituição das professoras e professores por uma via
que não se compartimenta, que toma a pessoa como um todo, que não a dividi, como se
fosse possível enfrentar os desafios diários com apenas uma ocupação: o que eu sou?
Quem sou eu? O que é ser uma professora? Como professora, ministrando aulas, também
sou esposa, mãe, amiga, profissional, louca, sã e outros possíveis. Então, quando utilizamos
o pronome pessoal “eu” é apenas como referencial dos possíveis que habitam uma pessoa.
Em uma teia rizomática, seguir, fluir essa constituição professoral, como manter ativa a
potência de se fazer? Abandonamos o já sabido para nos colocar na deriva e nas incertezas
da vida e da vida que se faz como professora. Um nome próprio que não diz um “eu”, mas
que busca pelo múltiplo, as muitas Marias que existem, resistem em educação. Romper
com a interiorização e a segmentação e apostar na singularidade e povoamento de estar
em uma escola, de estar na vida que se faz escolar. Sermos pobres como Francisco de Assis,
e como nos disse professor Gallo citando Antônio Negri, “porque somente nesse nível de
solidão poderemos alcançar o paradigma da exploração hoje” [...] “um grande recipiente
cheio de fatos cognitivos e organizacionais, sociais, políticos e afetivos...” (p. 60). Estarmos
pobres de saberes e de técnicas, diferentemente de um professor-profeta (alguém que
anuncia as possibilidades, alguém que mostra um mundo novo). O vetor professor-
militante está na vivência da miséria da educação, além de se conectar as misérias de
nossos estudantes, de nos conectar a miséria de nossos companheiros, as estratégias de
uma política macro, a opção por um devir menor buscando e fazendo afirmar um modo de
vida que parte do lugar em que estamos. Não acreditar em um modelo a ser alcançado,
mas em forçar, tensionar as mudanças a partir do que não queremos de misérias vividas,
como podemos derivar? Como ser outras e outros que não estes que estamos sendo e que
não nos traz alegria? Não é negar as paixões tristes e querer que ela não aconteça, mas a
partir dela abrimo-nos para agenciamentos, produzir na busca por alegrias. Afirmar a vida
em sua cotidianidade, em sua potência! Estar docente como estética da existência, política
70

como arte de ir se fabricando docente. Tais devaneios, provocados pelas leituras citadas
acima, provocam novo corpo no ambiente escolar e como não podia deixar de ser, opta
por uma escrita mais engajada aos afetos. Consideramos que escrever uma carta para
Maria é produzir um devir-professora militante.

Prezada Maria,
Como em nossa última conversa acerca das angustias da sala de aula, venho por
meio desta buscar novamente suas palavras para me tirar deste lugar. Enfrentar cada um
dos universos dos 630 estudantes que neste ano assumi é uma tarefa solitária, não fosse
nossas conversas.
Ultimamente tenho lido alguns autores que estão me colocando em uma relação
direta com esses estudantes. O que quero dizer é que faz muito tempo que não me satisfaz
o discurso que vem colado com a técnica de ensinar conteúdos, como: eles são
indisciplinados, não aprendem, etc....etc...
Tais leituras, conversas, criam-me outro corpo que possibilita enfrentar as misérias
e a solidão dessa vida que se faz em uma sala de aula.
Nesse sentido, do enfrentamento, nossas conversas por carta se tornam um campo
político, um espaço para ensaiarmos, pensarmos e repensarmos ações e o engajamento
daqueles que como nós participam das misérias e alegrias do mundo.
[...]
Vou terminando a missiva por aqui, no desejo que nossos desejos ativem outros
modos de estarmos na escola.
Carinhosamente,
Maria

Palavras-chave: Carta; Formação de Professor; Professora Militante.


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CURUPIRA CARTONERA: CIÊNCIA E ARTE COMO FORMAÇÃO-RESISTÊNCIA NO


CEFAPRO/MT

Marcia Regina Gobatto


Cefapro/MT
marciagobatto@hotmail.com

Todas/os nós somos feitos de linhas de forças que nos atravessam, linhas duras e
linhas flexíveis, assim como ocupamos espaços lisos e estriados experimentando encontros
traduzidos em procuras, sensações, pensamentos, formações,... Esses experimentos
seriam então o como manejamos ou nos deixamos ser capturadas/os pelas linhas de forças
que nos atravessam, na tentativa de transformar essas forças em intensidades que nos
impulsionam para a vida. Aquilo que tem força suficiente para nos por em movimento.
Força o suficiente para nos fazer dançar com as forças convocadas, com as sensações
provocadas. No Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica de
Mato Grosso (Cefapro/MT) os encontros com a formação fazem eclodir uma infinidade de
possibilidades, uma delas irrompe como Curupira Cartonera, que mistura arte com ciência
e age como máquina de guerra, desatinando sensações e afectos que convocam a um devir-
formação, que luta com a formação-instituída. “Um devir-animal do guerreiro, um devir-
mulher, que ultrapassa tanto as dualidades de termos como as correspondências de
relações” (DELEUZE; GATTARI, 2007, p. 13). Porém sempre no perigo do aprisionamento.
Um entre-lugares. Um experimentar com o meio para tornar-se a própria formação. Ser a
própria formação ou ser digno dela, como nos ensinam Gilles Deleuze e Claire Parnet em
seus Diálogos (1998), ser o próprio acontecimento ou tornar-se o filho de seus próprios
acontecimentos. A Curupira Cartonera é uma parceria entre o Cefapro/MT e a Universidade
do Estado de Mato Grosso (Unemat), que propõe “um formato de publicação e um modo
de circulação diferente daqueles regularizados pela memória do fazer e publicar livros”
(VILHENA, 2016, p. 15). Essa parceria envolve alunas/os da Unemat, assim como
professoras-formadoras do Cefapro/MT no intuito de agregar um conjunto de inquietações
à procura de ritmo. (Des)territorializações (im)possíveis para uma formação também
(im)possível. Construção de mapas móveis, um cuidado coletivo com a formação. Um
cuidado com o encontro, pois as publicações são construídas artesanalmente com capas
de papelão idealizadas pelo grupo. Desde o seu nascimento, no ano passado (2018) e
institucionalização neste ano (2019), foram cinco títulos publicados, três traduções de
Eloísa Cartonera (Buenos Aires, 2003) e duas produções da própria Curupira Cartonera.
Nossos encontros são improvisações artísticas de busca de materiais para a construção de
capas, produção textual, traduções, diagramações, revisões,... além de encontros de
lançamento de títulos, que envolvem arte, música, poesia, economia solidária e venda de
livros. Nossos encontros são assim traduzidos como formação de futuras/os e atuais
professoras e professores, formação de gente, em arte e cultura e vida e poesia e música e
leitura e escrita. Máquina de Guerra contra a formação prescrita, pois responde a outras
regras e anima uma indisciplina fundamental do guerreiro, um questionamento da
hierarquia (DELEUZE; GUATTARI, 2007), do hábito de pensar modelos de produção,
divulgação e publicação de livros. Quando o movimento é desencadeado, quando nos
chama, nos convoca, é impossível recusar. Desejo irresistível. Imprevisto. Estremecedor.
Confiável. É quando você entende que é hora de dançar. Agora. Entre. Entre-dois. No Meio.
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Habitar o encontro com a formação torna-se então inevitável. Exercício de exploração da


multidão que vive em nós. Improvisação. Percepção das linhas de forças que nos
atravessam. Práticas de atenção que podem reverberar no cotidiano, na vida, na formação.
Porém temos consciência que a construção da dança-da-formação só pode se concretizar
através das revoluções moleculares que vivem em nós. Isto porque a singularidade da
gestação de nossas ações caminha por conexões sempre novas, sempre próprias, apesar
da tentativa de cooptação através das normas e modelos instituídos. “Elementos de
agenciamentos maquínicos não subjetivado, sem propriedades intrínsecas” (Idem, p. 13).
Um exercício contínuo de práticas de atenção. Buscas constantes por frestas, gretas,
rachaduras que convocam sensações e afectos, formando um plano de composição.
Composição de pessoas com novas e (im)possíveis (com)posições de formação, de
produção de leitura e escrita. Outras possibilidades formativas, que não é uma afronta ao
instituído, mas uma valoração da produção e divulgação marginal. Não é a destruição do
instituído, da formação instituída, da produção instituída, mas um pensar com, uma crítica
aos seus pressupostos, pois a máquina de guerra sempre surge de outra parte, do
inesperado, do imprevisto. Uma dança construída na coletividade, não uma imposição.
Alianças. Contágios. É transformar a matéria da construção, diagramação, revisão,
divulgação e publicação de livros em resistência, em uma possível (re)existência da
formação de acadêmicas/os e professoras e professores com a Curupira Cartonera, com o
Cefapro/MT, com a Unemat.

Palavras-chave: Curupira Cartonera; Formação; Resistência.


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À ESPERA DOS MORCEGOS PLANO [1] DE TRABALHO EM EDUCAÇÃO

Ana Maria Hoepers Preve1


FAED/UDESC e FE/UNICAMP
anamariapreve@gmail.com

Em minha graduação em Biologia, participei como bolsista de uma pesquisa sobre


morcegos do Estado de Santa Catarina. Nela, fazíamos imersões noturnas no mato para a
realização de observação e coleta. O presente texto apresenta alguns detalhes
depreendidos do contato com a noite enquanto esperava pela passagem e captura dos
morcegos, e apresenta uma reflexão sobre o corpo e o meio nas situações de pesquisa em
educação. Da primeira aproximação com a experiência de pesquisa relatada pergunta-se:
o que do mundo nos interessa pesquisar, ou seja, o que nos leva decidir parar para estudar
em um determinado lugar? Como as permanências nos lugares de estudo solicitam um
estado de estar no mundo, em que é possível esperar, deixar que algo nos chegue na sua
velocidade, sem a ânsia acadêmica da busca por dados e por respostas? Nesse sentido é
que interessa pensar com os sinais que os meios emitem, e o quanto estes sinalizam
caminhos, ritmos e questões não pensadas para um modo de fazer pesquisa em educação.
Pensar as forças no corpo no encontro com as forças no mundo e cuja dobra produz um
corpo e o meio no qual se está imerso: entre estes uma atmosfera. Pensar com o não
pensado da pesquisa para tensionar a produção do corpo que insiste numa imagem de
pesquisa, num modo de fazê-la que é reafirmador do dispositivo escolar e de outros
dispositivos de comunicação produtores de subjetividades.
Se é o corpo o lugar onde as forças do mundo forjam uma subjetividade de massa,
é dele também que depende a criação de modos de vida não experimentados. O corpo que
obedece é o mesmo que resiste e cria. Pesquisar, portanto, é um fazer corpo com o que se
estuda, é fazer corpo (ROLNIK, 1993) com o mundo. As questões postas neste texto
integram uma pesquisa maior sobre a exploração de planos de composição para uma
pesquisa em educação que envolve, na atualidade, a formação de educadores em geografia
e em educação ambiental por meio de oficinas que, por sua vez, explora a noção de
cartografias intensivas em educação. O que é preciso produzir para estar nos meios? De
que modo o meio emite sinais ao pesquisador e de que modo o pesquisador trabalha em
si a espera dos sinais. Há um mundo que passa enquanto se espera. Pode-se pensar que há
todo um modo de estudo baseado no ato de acolher o que nos chega. Para este plano [1]
de trabalho em educação o ato de parar, de esperar e de acolher os sinais implica uma
relação com o pensamento de Francesco Careri em Caminhar e Parar, de Emanuele Coccia
em A vida das plantas: uma metafísica das misturas, e do cineasta Werner Herzog, em
especial no livro Sinais de Vida, que, juntos, compõem com Deleuze uma constelação de
autores que permitem explorar as relações entre o corpo e o meio e as maquinações que
aí se produzem.
Na espera, sossega um corpo, aquieta-se o pensamento dado, pensa-se com o que
não estava dado na pesquisa sobre os morcegos. J.M.G. Le Clézio, em Índio Branco,
pergunta-se “quando os sinais deixarem de surgir, que fazer dos olhos? (s/d, p.28). Le Clézio

1
Este trabalho é parte do Projeto de pesquisa de estágio pós-doutoral “Cartografias intensivas em educação:
quando um modo de fazer diz de uma geografia” em andamento na Faculdade de Educação da UNICAMP,
sob supervisão do Prof. Wenceslao Machado de Oliveira Junior.
74

se refere aos olhos que seguem os códigos de sinalização prescritos das cidades, as placas
de sinalização que contém a informação correta sobre as coisas, do olho que é senão a
leitura dos sinais dados, dos olhos ávidos de história, de percurso pronto, de técnica de
observação nas sociedades mecânicas. Se não nos é dado ver, ver é o que precisa ser
produzido. Um ver de outra ordem, que exige um outro corpo. Como produzir um corpo?
Talvez seja preciso perguntar, então, “como ver” (Lapoujade, 2017, p. 43) ou, ainda, o que
nos impede de ver. Com esse procedimento, coloca-se em jogo um regime de percepção.

Palavras-chave: Cartografias Intensivas em Educação; ; Modos de Ver; Plano de Pesquisa.


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YOGA NÔMADE: MAQUINAÇÕES DO GUPTA VIDYA

Pedro Henrique Cunha Azalim


Universidade Federal de São João del Rei-MG (UFSJ)
pedroazalimcunha@gmail.com

Waldir Ramos Neto


Universidade Federal de São João del Rei-MG (UFSJ)
waldirramosneto@yahoo.com.br

Lalita é o fio condutor de uma rede de potências também conhecida como Tantra.
Em um cenário de guerra, ela é sequestrada para servir como esposa de seu conquistador,
o general Ariano. Através de sua descendência, Indra vem ao mundo para se tornar o
príncipe guerreiro sempre livre, deus do trovão, máquina de guerra nômade que nunca
seria capturada por nenhuma formação de Estado.
O artigo apresenta uma narrativa que utiliza personagens conceituais em uma
versão mista e inventada - maquinação, linha de fuga - das duas principais correntes
históricas que narram as origens do tantrismo. O conto de Lalita e seus ancestrais carrega
elementos-chave das origens da cultura hinduísta com sua multiplicidade de sentidos,
versões, interpretações, escolas filosóficas, yoga, tantra e ayurveda. A história mais
comumente difundida no Ocidente diz que a civilização dravídica foi dizimada pelos povos
nômades de Arya, que destruíram as fundações do povo dravídico e se apropriaram de sua
cultura, difundindo posteriormente sua filosofia e mitologia. Essa corrente histórica tem
viés colonizado, já que se trata do ponto de vista dos historiadores colonos ingleses. Uma
segunda corrente, mais baseada nas evidências arqueológicas, menciona uma fusão entre
as duas culturas - em função de uma seca no rio Saraswati, ambos povos foram obrigados
a peregrinar e se fundiram.
A natureza nômade dos povos arianos é contestada pelas evidências arqueológicas.
No entanto, o personagem conceitual Indra, enquanto máquina de guerra, o Tantra em si,
traz à superfície essências nômades que atravessam o corpo e o pensamento como
potências afirmativas, através das maquinações do Gupta Vidya - sistema de transmissão
de ensinamentos passados corpo a corpo, boca a ouvido por uma longa linhagem de
mestres e discípulos, que se estende da Índia Ancestral até todos os recantos do mundo
contemporâneo.
Os pensamentos Samkhya e Tantra são vias afirmativas da vida, afirmando o corpo,
o ego, os prazeres, entendendo que é necessário o corpo para atingir instâncias
metafísicas. As maquinações do corpo e da mente se tornam algo único, pulsando a
transmissão de ensinamentos, de modo que afirma aquilo que é, sem negar ou recalcar os
acoplamentos das máquinas desejantes, apenas dominando-os, equalizando-os.
Samkhya/Tantra não nega instâncias fenomênicas, carnais, corpóreas ou materiais. Na
cultura yogue, dentro da filosofia tântrica, a existência é entendida como uma interação
entre espírito e matéria (purusha e prakitti), ambas possuindo o mesmo valor e
importância, conectadas e integradas. Purusha e prakritti são os aspectos da dualidade da
filosofia Samkhya. Assim como os soldados do Go, purusha e prakritti são os elementos
pretos e brancos do tantrismo, uniformes, com o mesmo valor e com potencial para fazer
inúmeras recombinações, desterritorializações e reterritorializações.
76

O Gupta Vidya é um princípio de transmissão de ensinamentos de mestre a discípulo


de “boca a ouvido”. Ou sentido de forma Yogue como se o conhecimento fosse transmitido
e recebido pelo terceiro olho, o centro de energia localizado entre sobrancelhas, Ajnã
Chakra. No alinhamento destes centros energéticos, os ensinamentos são compartilhados.
Discípulos com o tempo foram tornando-se mestres, em uma linhagem de mestres que
perpetuaram esses conhecimentos até chegar aos dias de hoje. Como uma árvore ancestral
que dá origem as suas sementes e protege suas mudas até que tenham forças para seguir
com suas próprias forças na absorção do prana, a bioenergia.
Lalita é uma criança filha de um indiano e uma brasileira, e é o membro mais jovem
de uma família que em 2019, no município de Ouro Preto, Minas Gerais, se dedica
exclusivamente ao resgate do Tantra em si por meio do Gupta Vidya, em uma busca por
uma ancestralidade de conexão com a natureza e com todos os seres que nela habitam.
Lalita está crescendo, recebendo esses conhecimentos desde a pequena infância. Com uma
criação vegetariana, ela vai, aos poucos, conhecendo os movimentos de seu corpo e de sua
mente, sendo uma das expressões da multiplicidade trazida para a contemporaneidade
pelo espírito do velho deus-guerreiro Indra. O que pode Lalita? Ela recebe os ensinamentos
de seus mestres, aprende movimentos e os retransmite aos seus amiguinhos, sendo um
elo numa imensa cadeia de seres. Ao se movimentar, ela expande sua imaginação.
Simpática, ela recebe os inúmeros visitantes de sua família que vive em um Ashram,
apresentando seu mundo interior através de desenhos que faz nas folhas de um flipchart
que seus pais têm na sala de casa. Os desenhos feitos pela pequena Lalita são simples,
infantis de acordo com a idade que ela está. Mas, curiosamente, todos apresentam um céu
e um chão. Desde pequena sendo ensinada sobre os conhecimentos do yoga, a pequena
Lalita afirma sua existência, de um modo integrado, unindo seus sonhos infantis com uma
certa precisão técnica que transparece em suas ilustrações, que são simples, mas
fundamentadas.
Lalita é resistência. Desde a representação simbólica das mulheres oprimidas por
colonos invasores, até a jovem menina que carrega em si a potência do yoga tântrico que
resiste à descaracterização destes ensinamentos.
O artigo Yoga Nômade - Maquinações do Gupta Vidya foi escrito com base nas idéias
de fusão e alinhamento das filosofias deleuziana (mais especificamente operando o
conceito de máquina de guerra de Mil Platôs 5) e das principais correntes filosóficas do
pensamento hinduísta, conhecimento obtido através da obra literária de Arnaldo de
Almeida. Para contrapor correntes históricas e epistemologias, os autores apoiaram-se nos
trabalhos de Andre Lysebeth, Aghorananda Saraswati, David Frawley, Georg Feuerstein e
Marcos Rodrigues.

Palavras-chave: Corporeidade; Nomadismo; Yoga.


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NOMADISMOS ENTRE ARTE E CLÍNICA

Sabrina Batista Andrade1


sabrina35andrade@gmail.com

Esta pesquisa passa pela experimentação investigativa da ação clínica enquanto


ação performática, pois ambas podem ser constituintes de deslocamentos de si em devires
e acontecimentos. Busca-se atualizar uma escuta que converse com os sentidos produzidos
pelo ethos neoliberal do atual momento em que vivemos. E atente aos riscos destes
sentidos sofrerem uma queda à afetos niilistas, produzidos por desejos capturados e
tendencialmente cristalizados, dando passagem à corriqueiros e imperceptíveis micro-
fascismos.
A construção de uma clínica que desoriente estes micro-fascismos quer abrir
margens à lugares de liberação e passagem do desejo à acontecimentos que se constituam
enquanto novas apreensões da realidade e criem outras formas de presença no mundo.
Performatizar a clínica e a vida, seus espaços, sua conduta, tangencia alternativas ao que é
vivido nos corpos enquanto anestesiamento e normopatia.
A pesquisa de mestrado que desenvolvi no Núcleo de Estudos da Subjetividade, no
programa de pós-graduação em Psicologia Clínica, da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, sob orientação da Professora Dra. Suely Rolnik, intitulada aqui como
“Nomadismos entre arte e clínica”; visa problematizar ações performáticas a luz de
conceitos como: “máquina de guerra” de Deleuze e Guattari e de “inconsciente colonial"2
de Suely Rolnik. A partir desta conjugação procuro investigativar a ação clínica enquanto
ação performática, pois ambas são constituintes de deslocamentos de si em devires e
acontecimentos. Busco pistas tanto para a desnaturalização de saberes e práticas -
principalmente as práticas clínicas que legitimam a produção de um inconsciente colonial,
capturado agora por forças neoliberais - como para a possibilidade de criação de novos
modos de vida e intervenção na realidade. A proposta de uma performatização da vida,
corpo e pensamento, produz deslocamentos nos afetos e saberes instituídos, e
transversalizam novas práticas clínicas.
Busca-se para tanto, atualizar uma escuta que atente aos sentidos produzidos pelo
ethos neoliberal no atual momento em que vivemos, e perceba os riscos destes sentidos
sofrerem uma queda à afetos niilistas - produzidos por desejos capturados e
tendencialmente cristalizados – dando passagem à corriqueiros e imperceptíveis micro-
fascismos. A construção de uma clínica que desoriente estes micro-fascismos quer, abrir
margens à lugares de liberação e passagem do desejo à acontecimentos que se constituam
enquanto novas apreensões da realidade e criem outras formas de presença no mundo.
Performatizar a clínica e a vida, seus espaços, sua conduta, tangencia alternativas ao que é
vivido nos corpos enquanto anestesiamento e normopatia.
Este trabalho aborda a experiência afetiva-conceitual que tenho junto a clínicas
performáticas onde desenvolvo usando dispositivos variados e que transitam entre a arte
e a clínica. Trata-se pois, de práticas inventivas e bricoleurs, que atuam junto a um
inconsciente esquizoanalítico, isto é, um inconsciente que funciona como uma usina e não

1
Doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP na Núcleo de estudos das subjetividades sob orientação da
Profa. Dra. Suely Belinha Rolnik.
2
Conceito apresentado por Suely Rolnik na Casa do Povo, São Paulo 19 de novembro de 2015.
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se detém aos modelos familiaristas. Neste inconsciente o desejo é sempre um investimento


no campo social, e leva-nos a experimentar suas mutações, seus deslocamentos, a fim de
intensificar novas possibilidades de existência.
A presente pesquisa investiga as possibilidades da ação performática na produção de
deslocamentos de lógicas enrijecidas e comportamentos naturalizados; pensando de que
forma estas ações maquinam desestabilizações do proscrito no campo social, aquilo
aparentemente indevido de ser manifesto livremente. É importante atentar que a prática
performática, a produção de corpo e pensamento pela ação artística, procura mover-se
num jogo errante e despretensioso, uma vez que não tem a intenção de criar enunciados
forçados e aceitos socialmente. Esta prática de deriva e de jogo despretensioso sugere a
criação de um espaçamento liso, que subverte a lógica de captura necessária aos
mecanismos de reprodução do Estado, como pode-se observar no texto de Alcantara,
membro do Obscena:

Performance: Nada a dizer. É que alguns corpos não aguentam mais esses
lugares demarcadores de linguagens, enunciados forçados, enterrando
palavras de ordem feito estacas, lugares que estriam sobre o corpo
esteticismos éticos, reduzem suas forças, alienam seus possíveis,
castram-no, assopram o buraco da ferida e distribuem pasto comprado
para se comer. Há corpos famintos das areias do deserto, há corpos
brilhantes, grãos indiscerníveis, que, em se tratando dessa ética, também
não querem saber de nada disso, mas justo porque não se encontram
atados a ninguém. O que é performance? O que é a arte da performance?
Nada que ao se responder não se desfigure e deforme quem responda.
Nada que atenda a conjuntos conceituais. O que se sabe é que na e pela
performance algo maquina, molecularmente, e o que resta são
microanálises produzidas e produzindo o que, nela e dela, se maquina
(ALCANTARA, 2011, p.11).

Em nossa cartografia cultural atual, denominada por Suely Rolnik como logo-ego-
falocêntrica, o governo estatal mantém ainda um papel, uma imagem de conduta legalista
na organização da economia de indivíduos e equipamentos sociais, respondendo a fins
convenientes que servem a interesses econômicos capitais que vão além do próprio
Estado. Estes fins são tão efêmeros quantas são hoje nossas formas de individuação.

Palavras-chave: Arte; Clínica; Performance; Política.


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O MAIS PROFUNDO É A PELE: OBJETOS RELACIONAIS E O DESPERTAR DE UM CORPO


SEM ÓRGÃOS

Paloma Meirelles
Universidade Federal Fluminense
meirellespaloma177@gmail.com

O presente trabalho se propõe a apresentar a investigação de um coletivo de


pesquisa que se dá em torno da relação entre corpo, pensamento e subjetividade, inspirada
no trabalho de Lygia Clark e Lula Wanderley com os objetos relacionais e em certo
momento, convocada a aproximar-se do conceito de corpo sem órgãos, retomado de
Artaud por Deleuze e Guattari nos dois tomos de Capitalismo e Esquizofrenia.
Somos um coletivo de pesquisa intitulado "Memória da pele, membrana da alma:
corpo, pensamento e subjetividade''. Para nós, sempre se fez presente a questão da
condução do processo terapêutico e que outro corpo o profissional psi precisa construir.
Temos interesse justamente no acompanhamento dos processos subjetivos e não em
alguma espécie de desvelamento ou hermenêutica, para que supostamente se chegue
sempre à axiomática universal da subjetividade.
O interesse por esse tema surge como desdobramento de uma outra pesquisa que
debruçou-se sobre o trabalho desenvolvido há mais de três décadas pelo poeta visual e
psiquiatra Lula Wanderley no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira,
no Rio de Janeiro. Lula retoma em seu trabalho, de modo singular e inventivo, o percurso
da artista plástica Lygia Clark com os chamados objetos relacionais, introduzindo-os no
tratamento de pessoas diagnosticadas com graves acometimentos psíquicos.
Os objetos relacionais, criados por Lygia já ao final de seu percurso estético, são
feitos de materiais simples, como sacos plásticos, água, areia, conchas, tecidos, porém
dotados de alto potencial sensorial. Ao entrar em relação com os participantes a partir do
contato direto com a pele podem produzir inúmeras sensações, formas outras de sentir o
próprio corpo, na medida em que acionam memórias e afetos do sujeito, possibilitando
assim uma reconfiguração subjetiva. A criação de Lygia, até então no campo estético e da
arte contemporânea, faz romper os limites entre arte e clínica e nos possibilita outro modo
de endereçamento às loucuras e aos fenômenos subjetivos.
A fim de melhor examinar aquilo sobre o que nos debruçávamos - a relação corpo-
pensamento-subjetividade, principalmente a partir da investigação empreendida por Lygia
Clark com o uso dos objetos relacionais -, fazemos uso de diversas ferramentas teóricas,
como o pensamento de Espinosa, Deleuze & Guattari e da própria Lygia. Em paralelo a esse
trabalho de exercício do pensamento, e movidas pela aposta metodológica de ser o corpo
fonte de conhecimento, realizamos um primeiro conjunto de oficinas corporais, inspiradas
no trabalho de Lygia Clark com a Estruturação do Self. Vimo-nos, enquanto grupo,
construindo um novo corpo, sensível ao que percebíamos em nós durante e também após
as experimentações, a partir do compartilhamento de nossos relatos. Neles havia
experiências múltiplas de outros modos de sentir o próprio corpo, a partir do contato com
os objetos relacionais. Memórias eram convocadas, ideias elaboradas e sentidas com mais
clareza do que se faria numa tentativa de elaboração racional dos fatos. O corpo mostrava-
se múltiplo, carregava potência para reinaugurar-se.
80

Com esses novos corpos que surgiam, sentimos a necessidade de repensar o próprio
conceito de corpo. Foi então que nos aproximamos inicialmente da obra de Antonin
Artaud, principalmente no que diz respeito ao seu conceito de corpo sem órgãos,
desenvolvido por Deleuze e Guattari em O Anti-Édipo (1972) e Mil Platôs (1980).
Como já indica o título do platô de Deleuze e Guattari – “Como criar para si um
corpo sem órgãos” –, nos indagávamos de que modo seria possível operar tal tarefa de
criação. Nossa experiência com os objetos relacionais indicava o contrário: num sistema
complexo e atravessado constantemente pelos afetos, o corpo “em si” não existe, ele é
uma ligação que se estabelece com o mundo, sempre de modo singular. Não é possível
falar em organismo uno, universal, replicado em todos os indivíduos. Esse arranjo se dá a
partir de uma “outra biologia”, sempre entrelaçada pelas memórias e afetos. Corpo cujos
inimigos não são exatamente os órgãos, mas sim a estratificação minuciosa do corpo – o
organismo – em que cada órgão só é pensado a partir de suas funções pré-estabelecidas.
Corpo, portanto, que não tem sentidos e estratos previamente estabelecidos, que
apenas na experiência produz “compreensões” sobre si, enquanto cliente; enquanto
terapeuta, corpo sensível e poroso ao que é trazido pelo cliente, podendo apenas assim
desfazer-se das estratificações de seu lugar de saber-poder e construir estratégias
terapêuticas singulares e inventivas.
Trata-se de abraçar a singularidade em sua radicalidade. Não mais ler o que estaria
oculto através de interpretações descoladas daquela história, mas sim produzir sentido,
num movimento de costura a partir do que é trazido pelo cliente (acerca das vivências na
Estruturação do Self ou não). Aqui torna-se clara a necessidade da criação de um corpo sem
órgãos, do terapeuta e do cliente. Por fim, acreditamos que o contato com outro modo de
pensar o corpo e as relações terapêuticas é fundamental para que a relação com a loucura
e a dimensão da subjetividade se reinaugure.
É nesse movimento incessante de mergulho em si que encontramos e produzimos
novos mundos.

Palavras-chave: Corpo sem Órgãos; Objetos Relacionais; Subjetividade.


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LUTO, GESTAÇÃO E PARTO: FRAGMENTOS ESQUIZO-FILOSÓFICOS-LITERÁRIOS

Pamela Zacharias
zach.pamela@gmail.com

A temática do VIII Seminário Conexões nos convida a pensar agenciamentos


possíveis entre o pensamento de Gilles Deleuze e corpo e cena e máquina e... Motivada
por esse convite, surgiu a vontade de escrever sobre recentes experiências corpóreas: o
luto, a gestação e o parto. Este trabalho busca compartilhar tais experiências relacionando-
as ao pensamento filosófico deleuzeano, em especial acerca do corpo-máquina e do Corpo
sem Órgãos.
Para tanto, elegeu-se apresentar uma escrita pseudo-literária, fragmentada, em
que subjetividades múltiplas dão a ver perceptos das intensidades vividas:
experimentações que desorganizaram um corpo e fizeram dele instrumento para a
produção de novas intensidades.
No que diz respeito ao referencial teórico, o trabalho ampara-se, em especial, nos
livros de Gilles Deleuze e Félix Guattari que dão o mote para este volume do Seminário
Conexões: O anti-édipo e Mil platôs. Mas também inspira sua escrita em Crítica e Clínica,
Cinema II, ambos de autoria exclusiva de Deleuze e em Kafka: por uma literatura menor,
também escrito em parceria com Guattari.
Neste trabalho, aposta-se em articulações possíveis entre três intensas experiências
vivenciadas pela autora e os conceitos de corpo, máquinas e CsO. A dor de uma perda, a
gestação de um filho e a vivência de um parto são experiências fortes demais para serem
racionalizadas, apesar da psicanálise e seus instrumentos de captura. São experiências para
as quais não há mediadores que amenizem sua carga sensível. A potência destrutiva que
nelas se efetua impele ao rearranjo. Faz emergirem novas intensidades. A violência da
perda e da morte pode atuar como dispositivo para a criação da vida. A violência da
gestação e do nascimento pode levar à destruição, fazer desaparecer ruínas, abrindo
espaço às novas forças desejantes que atuam nesses processos.
O luto é um estado repleto de afectos tristes, nos quais as potências se contraem e
a vida mingua. Imprime no corpo uma passividade distante de uma vontade de potência,
distante de uma força que possa provocar no pensamento um movimento, distante do que
poderia criar e gerar vida. Contudo, nesse estado, pode haver o esvaziamento de “desejos”
que usam o corpo para atingir determinados fins e objetivos, sempre enquadrados em um
arranjo social, em uma organização produtiva. O luto age por improdução. Um corpo que
não pode mais reagir; corpo improdutivo que não mais responde aos incessantes
imperativos do mundo. Neste trabalho, partilha-se da experiência do luto enquanto
experimentação de um estado de desarranjo da organicidade e de quebra de esquemas
sensório-motores. Na vivência desse corpo, o luto permitiu-lhe abrir-se a um estado
intensivo, por conta da desorganização e esvaziamento que nele impôs.
A gestação, por outro lado, permite expansão. Um corpo em constante rearranjo.
Um corpo que engendra novos espaços em si, cria recombinações e abre-se a novas
sensações. Órgãos que se (des)organizam em novas disposições. Órgãos que se espremem
e órgãos que se expandem. Útero que cresce, que envolve e acolhe. Órgãos que surgem.
Placenta que alimenta. Vida que é gerada e da qual dois (ou mais) seres nascem: mãe-bebê,
bebê-mãe. Multiplicidades. Gestação é fluxo, movimento. Produção de produção.
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Por fim, o parto é um Acontecimento para o qual é necessário desapegar-se de toda


racionalidade. O trabalho de parto engendra um estado de sensação pura. Corpo que
obedece apenas aos seus impulsos e instintos. Pré-racional. Corpo em devir-animal. Para
parir é preciso expandir-se. Desfazer-se de amarras e certezas. Entregar-se ao mistério do
desconhecimento. O trabalho de parto imprime no corpo a experimentação de um CsO.
Tais sensações provocam no corpo novas disposições. Um Corpo sem Órgãos ao
qual as interpretações e significações todas são inúteis. Um corpo que demanda a
experimentação. Daí a escolha por uma escrita que busca torcer-se e criar pequenas
liberdades no intuito de dar a ver a sensação. Tenta-se experimentar uma escrita que não
interprete as experiências, mas as faça ressoar em perceptos e afectos. Escrita
fragmentada, que se move como um corpo-esquizo. Arrisca-se uma composição literária
potencializada pelo pensamento filosófico, na qual os conceitos que embasam a temática
deste seminário são reverberados em sensações produzidas pela linguagem. Ainda que
fruto de uma subjetividade, essa linguagem busca mergulhar em uma multiplicidade que
se expande para além do sujeito e para além do humano. Busca reverberar sensações.
Gerar pequenos mundos, parir novas vidas.

Palavras-chave: Corpo; CsO; Experimentação.


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SEXUALIDADE COMO DESEJO: PARA ALÉM DA LÓGICA IDENTITÁRIA

Helane Súzia Silva dos Santos


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA
helanesantos@yahoo.com.br

A questão que move a construção deste texto é: como os corpos experimentam a


sexualidade para além da lógica identitária? Inicialmente, enfatiza-se que existem vários
estudos, com diferentes perspectivas teóricas, sobre a temática. Entre eles, aqueles que
abordam conceitos de gênero relacionados ao exercício da sexualidade. Estes configuram-
se como uma oposição ao determinismo biológico nas relações entre os sexos, tendo
caráter fundamentalmente social e cultural, recusando assim, a naturalização dos papéis
atribuídos ao homem e a mulher, biologicamente determinados. No entanto, tais conceitos
ainda continuam seguindo a lógica das relações de poder ligadas a necessidade de
regulação dos corpos.
É possível dizer que existem abordagens teóricas sobre gênero, as quais envolvem
um movimento no sentido de desconstrução da universalização do exercício da
sexualidade. Assim como ocorrem movimentos de capturas relacionados a esses outros
modos de existência, pois há uma proliferação de segmentos identitários. Daí o surgimento
da sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros), que vem
se ampliando e trazendo outras possibilidades identitárias para as experimentações dos
corpos ligadas a sexualidade. Tal inferência pode ser ratificada pela sigla LGBTQ+, na qual
é acrescentado o termo Queer.
A Teoria Queer denuncia a restrição das liberdades em relação ao que se faz com os
corpos, consolidada pelo poder normativo e regulador, questionando assim o viés
identitário tradicional do exercício da sexualidade, como gênero, padrões, modelos e
normas que as atravessam. Esta teoria considera o exercício da sexualidade como um ato
político, capaz de combater o controle da singularidade dos corpos.
Mesmo que a Teoria Queer seja considerada uma política pós-identitária dos
corpos, alicerçada teoricamente também na Filosofia da Diferença, enfatiza-se que ela não
consegue dar conta da diferença, pois não faz rupturas com o sentido identitário e
classificatório dos modos de existir. Ela apenas amplia as segmentações identitárias,
trazendo a possibilidade de trânsito livre entre elas, assim sempre se “é”, no sentido de
poder afirmar uma essência vinculada a existência. Há sempre a possibilidade de escolha
de um segmento classificatório da sexualidade, mesmo que não se permaneça nele. Os
conceitos de gêneros e a Teoria Queer estão vinculados ao binarismo do pensamento
arborescente.
Neste texto, caminha-se por entre as linhas teóricas da Filosofia da Diferença de
Gilles Deleuze e Félix Guattari. Com esses pensadores pretende-se traçar outra imagem do
pensamento ligada a singularidade da existência e suas potências, para além do que
classifica e enquadra num sistema binário. Considera-se uma vida como pura imanência,
que comporta uma multiplicidade de planos heterogêneos de existência.
Nesse contexto teórico, a sexualidade é desejo traçado como uma multiplicidade
irredutível à unidade, que desarranja as formas universalizantes da existência. O desejo é
posto não como falta, mas como produção, criação, invenção. A sexualidade como desejo
percorre outros modos de existência, ela agencia encontros, faz os corpos afetarem e
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serem afetados, escapando das segmentações, estando para além da leitura da lógica
identitária.
O desejo é agenciamento, que atravessa um componente de pura singularidade,
rejeitando uma suposta universalidade. A sexualidade diz respeito a uma ética, ou seja,
como um corpo se relaciona com o outro, mas há também uma estética, como o corpo se
relaciona consigo mesmo, com sua singularidade, suas particularidades.
A sexualidade está ligada ao encontro, à vida, às relações possíveis e desejantes. O
desejo, tal como é colocado por Deleuze e Guatarri, torna-se a extrapolação de uma
sexualidade codificada, estruturada, essencializada, aprisionada pela máquina social.
Assim, ela é carregada por várias linhas, movimenta-se por entre a expressão do instinto
reprodutivo naturalizado e a necessidade de orientação, como fluidez das produções
desejantes.
Essa imagem do pensamento que coloca a sexualidade como desejo, também é
atravessada pelo conceito de Corpo sem Órgão, dos autores já mencionados, que se opõe
ao organismo, à organização orgânica se intensifica a partir de suas indeterminações. Por
ele passam intensidades, afetações, forças, potências, vitalidades... Ele desfaz o
organicismo, o “eu” como essência, abrindo o corpo para outras conexões intensificadas
pelos movimentos que se dão pelos afetos.
Não se pretende desconsiderar a importância política da luta pelo reconhecimento
e representatividade atrelada ao surgimento dos conceitos de gêneros e nem da Teoria
Queer. Mas os corpos, para além de uma política do reconhecimento, querem exercer sua
liberdade, rumo a outras experiências não edificantes, que escapam às normas deslizando
pelos sistemas de codificação. Portanto, existem aberturas para se pensar sobre a
sexualidade como desejo, que percorre múltiplas zonas de intensidades, com suas
singularizações e variações e seguem linhas abstratas, desfazem as formas, os
organismos... passam pelo Corpo sem Órgãos!

Palavras-chave: Corpo sem Órgãos; Desejo; Sexualidade.


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DA MULHER QUE DEVIEMOS ÀQUELAS QUE HÃO DE VIR: COMO RECONTAR A HISTÓRIA
SUSCITA DEVIR

Carolina Sarzeda
Universidade Federal Fluminense
carolinasarzeda@gmail.com

Calibã e a bruxa, de Silvia Federici, é um livro de guerra. Tanto na medida em que


narra a caça às mulheres, quanto quando pretende, deliberadamente, fornecer máquinas
de resistência e rebelião para disputar o presente. Federici enxerta a história das mulheres
na história do capitalismo. Se ainda não o fizemos, o faremos: ler histórias de mulheres e
fazer ler a partir de histórias das mulheres.
Antes do relógio e da máquina a vapor: o corpo foi a primeira máquina criada por e
para a produção capitalista. É o que lemos, já a certa altura de sua discussão em Calibã e a
Bruxa, que a expropriação e o cercamento dos corpos feminizados é o fundo ‒ falso,
todavia necessário ‒ para que a maquinaria capitalística se reproduza. Entre a expropriação
de terras que marca a transição para o capitalismo e a opressão contra as mulheres há mais
parentesco do que se poderia supor.
Transformar a mulher em máquina de reprodução foi imprescindível para que o
capitalismo se desdobrasse. Há, em história e corpo das mulheres, segredos infames sobre
história e corpo do capitalismo. Relevos que dão pistas das engrenagens e funcionamentos
da maquinaria capitalística. Foi necessário travar uma luta contra as mulheres - um
engenhoso e violento trabalho de intervenção, tão essencial quanto os cercamentos - para
que os fluxos do capital fossem garantidos. Atravessamos os acontecimentos da transição
para o capitalismo no movimento das palavras de Federici e seus aliados: páginas que
recifram a história para decifrá-la novamente.
Por que, ainda hoje, é necessário refazer a história das mulheres? As bruxas tomam
a palavra para narrar o que ainda não foi dito. Grosso modo, pode-se dizer que, ao eleger
mulheres enquanto categoria de análise, Federici as elege também como protagonistas e
argumenta em favor da legitimidade e privilégio desta ferramenta para operar a história. É
que, se o capitalismo se funda nas engrenagens de um corpo “feminino” ‒ forjando, às
mulheres, uma identidade sexual e suas funções ‒ ainda não podemos transcender o
gênero para travar as discussões contra o patriarcado nem tampouco contra o capitalismo.
Seria preciso, assim, operar a história e o presente a partir do gênero para maquinar outras
saídas possíveis. Para entender a história das mulheres é necessário analisar as diferenças
que o capitalismo introduziu nos processos de reprodução (de força de trabalho).
Comovidas pela argumentação de Silvia, diríamos além disso que para entender o
capitalismo é necessário analisar como a guerra contra as mulheres é operacionalizada em
função do capital.
Partimos de acontecimentos e estabelecemos que, aqui, invocamos autores,
conceitos e bruxas como alianças, passes de mágica, cilindros de oxigênio, lastros, roupas
térmicas, guarda-chuvas e armas ‒ postos à prova a todo momento com o crivo e a
utilidade disso tudo à vida no presente.
Aqui, sobretudo, interessa discutir como recontar histórias das bruxas suscita devir.
Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari escrevem: “A questão é primeiro a do corpo ‒ o corpo
que nos roubam para fabricar organismos oponíveis. Ora, é à menina, primeiro que se
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rouba esse corpo (...). É à menina, primeiro, que se rouba seu devir para impor-lhe uma
história, ou uma pré-história.” Pois que esta elaboração parece ser efetivamente o que está
em funcionamento na pesquisa de Calibã e a Bruxa.
Ora, poderíamos certamente encontrar ecos entre as bruxas e o tema dos devires-
minoritários. Estudar os processos que forjam a mulher enquanto função de trabalho de
reprodução, depurar desse diagrama as linhas que operam as formas e as funções do que
será uma mulher (molar), apontam a necessidade de pensar como essas operações ainda
articulam nossos corpos no presente e, sobretudo, pensar como criar novas saídas. É o que
parece que podemos anunciar que faz Federici quando, por um lado, não prescinde da
categoria “mulher” para investigar a história, enquanto por outro o faz expressamente a
partir de uma perspectiva feminista.
Foi necessário, assim, expropriar os corpos femininos ‒ cercá-lo com limites e
interdições e, ao mesmo tempo, fixar nele algumas engrenagens fundamentais ‒ para que
os fluxos do capital fossem garantidos. Necessário expropriá-los, travar uma luta contra as
mulheres, para liberar seus corpos de obstáculos que lhes impedissem de funcionar como
máquinas para produzir mão de obra. O capitalismo incide aí, na produção desse corpo
feminino, e o maquina para uma quase livre circulação dos fluxos capitais, bem como o faz
com o cercamento de terras. Trata-se de um violento, embora engenhoso, trabalho de
intervenção: tão essencial quanto os cercamentos.
É apenas na medida em que refazer a história agencia uma investigação em nossos
próprios corpos que esse estudo pôde se fazer. Recontar histórias é, afinal, um processo
de montagem (e desmontagem) corporal.
Aprender com as bruxas é aprender, então, que a gênese de nosso mundo não tem
apenas uma versão. Será preciso aprender insistentemente as novas versões de nossas
histórias. As histórias de bruxa são essas: histórias das rebeldias, das resistências.
Essa resistência é ao mesmo tempo molar e molecular. Lemos em Mil Platôs: “É
certamente indispensável que as mulheres levem a cabo uma política molar, em função de
uma conquista que elas operam de seu próprio organismo, de sua própria história, de sua
própria subjetividade: ‘Nós, enquanto mulheres…’ aparece então como sujeito de
enunciação. Mas é perigoso rebater-se sobre tal sujeito, que não funciona sem secar uma
fonte ou parar um fluxo. (...) É preciso, portanto, conceber uma política feminina molecular,
que se insinua nos afrontamentos molares e passa por baixo, ou através”.
Contra a indústria, somos corpo; contra o organismo somos máquina. Se nos
quiserem neutras, somos mulheres. Queiram-nos mulheres, seremos monstros. Feministas
serão estas; serão monstros de corpo indiscernível, mas jamais amorfo, incalculável, mas
jamais zerado, sanguinolentas, mas também sem filho, sem útero, sem ovário, com
testículos, sem menstruação. Feministas é o nome que escolhemos nos dar pra fazer caber
tanto as dores do que somos quanto as delícias do que queremos ser ‒ e, com rebeldia, já
somos.
Contra a anatomia, somos histéricas. Contra a histeria, fazemos história.

Palavras-chave: Caça às Bruxas; Deleuze e Guattari; Devires-Minoritários; História das


Mulheres; Silvia Federici.
87

DESAPRENDER: PRÁTICA INSURGENTE - O QUE NÓS, PROFESSORES CISGÊNEROS,


DEVEMOS APRENDER DA COLETIVIDADE DAS PESSOAS TRANS PARA UMA EDUCAÇÃO
DECOLONIAL

Jeimy Marcela Cortés Suarez


Unesp- Rio Claro
yeyemarch@gmail.com

“Arriscar trazer produção de conhecimento, em


pessoas trans, existe uma expropriação, uma pilhagem
epistêmica da luta, existe toda uma tendência a
observar a experiência trans como uma experiência de
objetos, a ser apresentada e compreendida como
exótica, ser compreendida como o radicalmente
outro.”

Akin Bakari (personagem de minha pesquisa, que


com seu empreendedorismo ajudou na prática da
coletividade por meio de uma empresa que hoje é
pioneira em dar emprego a pessoas marginalizadas).

Este resumo aborda a minha dissertação de mestrado, no Programa de Pós-


Graduação em Educação Matemática, em diálogo com a pergunta: O quanto se precisa,
como pessoa cisgênero, aprender de pessoas transgênero, não binárias para pensar uma
educação por/em/com/para a diversidade?
Este escrito move-se como inquietude, tentativa de reconstrução das noções sobre
como as relações discriminatórias precisam passar por uma proposta decolonial que vai,
então, desde a denúncia à colonialidade até a proposta de construção de um movimento
insurgente que rompa com a base epistêmica moderna.
Coloco-me no trabalho como uma pesquisadora que em seu campo de pesquisa
habito com as diferenças, sou uma mulher cisgênero, professora de matemática, que
entende que precisamos evidenciar com os exercícios decoloniais. Como uma rede para
reconhecer nossos modos de existir de agir, na constituição de uma nova humanidade, na
reconstrução de conceitos desde nossa América.
Na procura de uma rebelião e aprender abandonar outros que foram sujeitos
modelados sobre o ideal imperial de homem branco, heterossexual e cristão, é um
chamado para mover um pensamento fronteiriço para os historicamente silenciados e
marginalizados pelas relações coloniais. As reflexões apresentadas são construídas a partir
da leitura de autoras e autores trans da América Latina, e de maneira mais específica, pela
fala de uma pessoa em processo de sua transição. Essa reflexão permite discutir diferentes
aspectos: a necessidade de problematizar a cisgeneridade, e as possibilidades de
pedagogias de ‘nostredade’ que é uma nova subjetividade que atua junto a construção de
uma consciência social em contextos educativos, conceito que propõe a Ativista Travesti
de Nacionalidade Argentina que opera junto a conceitos da Filosofia da Diferença como um
convite a pensar a realidade social assumindo que falhamos e precisamos reagir para entrar
no médio de outros modos de vida.
Precisa-se caminhar na direção contrária a um debate sobre o caráter natural-
normal ou adquirido-anormal de alguns comportamentos, discussão que destaca a
88

necessidade de pensar a diversidade em outros termos; denunciar os problemas de uma


educação cultural normativa, pois, “a existência numa dada sociedade de uma dicotomia
de personalidade determinada pelo sexo, limitada pelo sexo, pune em maior ou menor
grau todo indivíduo que nasce em seu âmbito”.
Esse caráter punitivo é bem exposto também por Butler (2011), sob outros
caminhos: “o gênero é aquilo que é assumido, invariavelmente, sob coação, diária e
incessantemente, com inquietação e prazer”. Para essa educação normativa, as
dissidências são um grande problema, “ademais, haverá realmente um problema?”
(BEAUVOIR, 2016 p. 654).
Fomos crescendo em sociedades, assim como as faixas de pedestre que temos na
calçada e nas ruas nos indicando que devemos parar em vermelho e avançar em verde. Do
mesmo modo ninguém nasceu sabendo que morrer também é lei de vida, e foi assim, que
começamos a ter comportamentos que fomos assumindo como “normais” ou como
pessoas que - seguindo a natureza, a biologia – confrontam-se com discursos, experiências
e corpos que vêm questionar essa suposta normalidade que dizemos possuir e da qual
dizemos fazer parte. Saberes que por muito tempo consideramos neutros e objetivos vêm
sendo questionados, desestabilizados, resignificados, transgredidos e/ou atualizados por
outros corpos, outros discursos e outras experiências de vida.
Meu objetivo não é fazer uma descrição intrometida da experiência trans, já que
meu desejo é repensar como professora minha prática, como posso aprender como pessoa
cisgênero, aprendendo das transidentidades e com elas.

Palavras-chave: Cisgênero; Professores; Transexualidade.


89

CORPOS TRANS E A EDUCAÇÃO EM BIOLOGIA: DES-TERRITORIALIZAÇÕES E CONEXÕES


COM A FILOSOFIA DA DIFERENÇA

Sandro Prado Santos


Universidade Federal de Uberlândia – UFU/ICENP
sandro.santos@ufu.br

Matheus Moura Martins


Instituto Federal do Triângulo Mineiro – Campus Uberaba/MG
matheusmmm12@yahoo.com.br

Este texto é uma reflexão acerca dos trânsitos pelos territórios da Educação em
Biologia, ocasião em que realizei coletivamente uma investigação de doutorado (SANTOS,
2018) em que nos dispusemos a cartografar (DELEUZE; GUATTARI, 2011) as possíveis
ressonâncias que a aliança - Experiências de pessoas trans – Ensino de Biologia - pode
produzir ao pensarmos as categorias de corpo, gênero e sexualidade na/com a Educação
em Biologia. Os encontros com corpos, gêneros e sexualidades “desobedientes”, acionados
pelas trans-existências, nos convocaram a outros olhares e lugares com a Educação em
Biologia. Uma das ressonâncias produzidas/disparadas no encontro - Experiências de
pessoas trans – Ensino de Biologia – foi a aproximação e conexão com a perspectiva da
filosofia da diferença, produzindo deslocamentos na robustez epistemológica da bio-logia.
Nesse sentido, o recorte aqui proposto teve como objetivo acionar as potencialidades e as
insurgências da filosofia da diferença na composição de outras visibilidades, outras
dizibilidades que inflexionaram desenhos e configurações outros ao acontecer da Educação
em Biologia. A partir desses contextos foi possível pensá-la, na esteira de Deleuze e Guattari
(2012), enquanto territórios constituídos por linhas de diferentes naturezas, ritmos e
direções, que podem normatizar e fixar modos existenciais ou investir em outras linhas que
criam territórios outros, singularizando e vitalizando as existências. Desse modo, ela foi nos
insurgindo como um território espacial subjetivo que tem a sua geografia, sua cartografia
e seu diagrama de forças que permite (des)territorializações de modos de ser e estar das
pessoas. (DELEUZE, 2013). A aliança aos conceitos da filosofia da diferença potencializaram
e visibilizaram os (re)arranjos, as maquinações e operações nas configurações territoriais
da Educação em Biologia, movimentos na investidura em regulações e normatizações com
centros de significância e subjetivação, bem como possíveis traçados de
desterritorializações – índices de abertura, de devir e de potencialização de novas formas
de vida com manobras e estratégias que compõem paisagens outras. Territórios
constitutivos de formas, forças, afetos e desejos que colocam em relevo momentos de
durezas, repetições, fraturas, criações, falhas, fracassos, exatidão, deslizamentos, certezas,
deslocamentos, capturas, torções e fugas, nos convidando a pensar que os territórios da
Educação em Biologia oscilam entre dois planos a partir dos movimentos dos corpos
(DELEUZE, 2002): de um lado, as superfícies de estratificação, normalizações e
(órgão)nização, e, por outro lado, o plano no qual eles resistem, insistem, criam e fluem
como Corpo sem Órgãos (CsO). (DELEUZE; GUATTARI, 2012). Os encontros - Ensino de
Biologia - experiências de pessoas trans - mostraram um conjunto revelador das forças que
atuam junto aos saberes disciplinares da Biologia e como tais forças ora submetem corpos,
gêneros, sexualidades, ora podem criar discursos potencializadores e movimentos
90

intensivos. A proposta movimentou e fez insurgir as engrenagens dos arranjos territoriais


da Educação em Biologia. Ora, se os encontros permitiram e potencializaram a contestação
dos campos fechados dos territórios da Educação em Biologia, para, então, percorrer
outras passagens/paisagens, é porque se trata de detectar menos unificação, e mais fluxos,
negociações, conexões, intensidades. Com isso, nesses territórios as sexualidades, os sexos
e os gêneros também podem fluir como um regime de ex-periment(ações), oper(ações),
afet(ações), lig(ações) entre superfícies, forças e energias, desfazendo uma totalidade
orgânica que encerra subjetividades e experimentações. Podem se conectar num campo
de ligações e operações com um conjunto de fluxos que não intercepta especificamente às
genitálias, fazendo percorrer não-linearidades, zonas de variações, conjunções com o
campo biológico, social, histórico e... e..., acionando um devêm singularizações,
experimentações, criações a partir dos movimentos dos corpos que seguem linhas pelos
territórios da Educação em Biologia, (des)fazendo formas, organismos,
(des)potencializando forças num princípio rizomático. (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Tais
contextos nos possibilitaram acionar e operar com um deslocamento conceitual com a
noção de educação maior e educação menor (GALLO, 2017) para pensarmos a Educação
em Biologia no diálogo com corpos, gêneros e sexualidades. A educação em Biologia maior
é aquela que proscreve os corpos do campo da experiência, circunscrevendo-os numa
organização estrutural orgânica, submetidos à primazia das explicações biológicas. Já a
Educação em Biologia menor está implicada no devêm singularizações, experimentações,
criações a partir dos movimentos dos corpos, (des)fazendo formas e organismos.
(DELEUZE; GUATTARI, 2011). Uma máquina de resistência (GALLO, 2016) que arranca o
lugar fixador dos corpos, gêneros e sexualidades, modificando-os “n” vezes, fazendo
percorrer não-linearidades, zonas de variações e alianças com o campo biológico, social,
histórico. Consideramos que os encontros e as conexões entre - Experiências de pessoas
trans – Ensino de Biologia – agenciaram uma conexão da proposta investigativa do
doutorado com a filosofia da diferença que potencializou a visibilidade e a dizibilidade da
Educação em Biologia enquanto territórios políticos, éticos e estéticos, apontando para
nuances e movimentos no caráter supostamente totalitário desses territórios, ora povoado
e de discursos exatos, (órgão)nizados, estratificados de corpos, gêneros e sexualidades ora
atravessado por torções, fissuras, escapes, criações e deslocamentos de sentidos, criando
paisagens que sinalizam pistas de relações de poder, de como se processa, como se faz e
quais noções de sexo, gênero, corpo, sexualidade, razão, verdade, ciência e política são
postas em circulação nos territórios e da produção de batalhas, disputas e negociações do
que pode ser (não) dito, vivido, sentido, reproduzido, ensinado, esquecido e (não)
reconhecido.

Palavras-chave: Educação em Biologia; Filosofia da Diferença; Desterritorializações.


91

CORPO DESEMBESTADO: POR UM BUFÃO-CIBORGUE-BIXA

Matheus Silva
Doutorando em Artes pela UFMG
Matheus_silva84@yahoo.com.br

A presente comunicação oral tem o interesse em traçar uma cartografia


diagramática “extradisciplinar”, conforme uma conexão entre John Rajchman e Ricardo
Basbaum, e visualizar os dispositivos teórico-práticos do processo de criação performática
que experimento para configurar a noção de “corpo desembestado”, explanando sobre sua
potência de instaurar uma existência “bufão-ciborgue-queer”, capaz de gerar
acontecimentos artísticos em distintos espaços arquitetônicos, nos limiares entre arte da
performance, vida e filosofia. Talvez, seja mais interessante apontar que um começo é
sempre o meio, onde a experiência da existência é vivida através de todos os sentidos e
possibilidades a ponto de fazê-la assumir forma, tornar-se realidade. Logo, o ponto de
partida para a atividade artística em um corpo desembestado é a sua própria vida. De fato,
a presente pesquisa nas artes da cena parte da trajetória na qual tracei, nos últimos anos,
uma sobreposição de distintos suportes da experiência na arte da performance. Tal
atividade, a partir de 2016, intensificou-se via a investigação das potências inventivas de
um corpo desembestado, quando passo a instaurar a existência que nomeio “bufão-
ciborgue-queer”. Para isso, traço uma cartografia teórico-prática que atravessa essa trama
e que compartilho nesse texto, a fim de apontar pistas que compõem um processo de
criação na arte da performance, entremeado ao estrondo da guerra cotidiana que vivemos
em nosso país. Engendra-se, assim, uma zona de confluência entre noções e conceitos
filosóficos e artísticos, como “precariedade”, de Eleonora Fabião, “inquietude de si”, de
Cassiano Sydow Quilici, “movimentos aberrantes” e “instauração”, de David Lapoujade,
“parresia”, de Michel Foucault, “desrazão”, de Peter Pál Pelbart, “devir-animal” e
“esgotamento”, de Gilles Deleuze e Félix Guattari para conceber, através da arte da
performance, a existência: bufão, conforme Bya Braga e Joaquim Elias, ciborgue e bixa, de
acordo com as noções interligadas de Donna Haraway, Paul B. Preciado e Paco Vidarte. Eis
que uma cena expandida é gerada via esse “corpo desembestado”, contribuindo para
potencializar o tema “Deleuze e Corpo e Cena e Máquina e…”, do presente VIII Seminário.
A presente comunicação é a cartografia diagramática do processo de instauração de um
ponto de vista bufão-ciborgue-queer em um corpo desembestado, através de ações
realizadas na arte da performance, no período entre junho de 2016 a junho de 2019. Uma
exploração que se foca na radicalidade de uma experiência artística performática, “um
acontecimento que eclode da transgressão programada de convenções estéticas e sociais,
apostando na eficácia transformadora (política, estética, existencial, etc) de suas
estratégias” (QUILICI, 2015, p.107). Compartilho esse mapa diagramático
“extradisciplinar”, para que demais pesquisadores possam acompanhar meu mergulho na
zona de confluência entre arte da performance, vida e filosofia e possam, com ele, traçar
novos percursos e, ainda, promover a ascensão de múltiplas transmutações corpóreas,
bem como de existências e populações que nos habitam e geram uma nova percepção de
mundo. Pistas e indagações acompanham tanto a construção do conceito de um “corpo
desembestado” quanto seus acontecimentos performáticos, levantando questões tais
como: como instaurar uma existência mínima via arte da performance? Essa existência
92

mínima é um bufão-ciborgue-queer a partir de quais conexões? O que converge das


diferentes noções artísticas e filosóficas para compreender a montagem de um “corpo
desembestado”? Como elas podem contribuir para sua realização? Como desenhar essa
cartografia diagramática acoplando processo investigativo e ações realizadas? Como se
sustenta a pesquisa e instauração, em meu próprio corpo, de um processo de criação
artística? A arte de instaurar existência mínima pode ser apreendida via uma diluição entre
arte da performance e vida? Como legitimar tal vivência informável de “existências
mínimas” em um corpo de um bufão-ciborgue-queer performático? Como funciona essa
conjunção, essa confluência? Mas como superar os valores sociais normativos e produzir
para si um “corpo desembestado”? Como tal atividade afeta seu entorno, as pessoas?
Como os conceitos filosóficos podem contribuir não só para o processo criativo de um
performer, como também para seu modo de existir e de dar existência a outras potências
inventivas que lhe coabitam? De que modo instaurar em um corpo um novo mundo, uma
existência mínima bufão-ciborgue-bixa? Em que medida, em um processo de criação
artística, desembestar-se, disparar-se, soltar-se, perder-se o freio? E até mesmo, essas
perguntas são pertinentes? Trata-se, por fim, de um processo que é acompanhado por
pistas e sinais desconhecidos, e não por certezas e fundamentos pré-existentes.

Palavras-chave: Ciborgue; Bixa; Bufão.


93

DESCOLONIZAÇÃO DOS CORPOS FEMININOS: IMPLICAÇÕES MICROPOLÍTICAS DA ARTE-


VIDA

Aline Pinheiro Salmin


Universidade Federal de Uberlândia
alinepsalmin@gmail.com

Juliana Soares Bom-Tempo


Universidade Federal de Uberlândia
ju_bomtempo@gmail.com

A pesquisa intitulada Descolonização do corpo feminino: micropolíticas da arte e da


vida, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC/UFU) e
orientado pela Prof.ª Dr. ª Juliana Soares Bom-Tempo, tem como proposta cartografar
quais possíveis práticas colaboram com uma implicação vinculada à descolonização dos
corpos femininos. Os estudos se desdobram por experimentações artísticas e de vida
realizadas por mulheres, considerando suas heterogêneses e tendo como mote a questão:
o que tais corpos podem e como desejam construir certo estar no mundo? De que maneira,
em instâncias micropolíticas, as experimentações artísticas e de vida realizadas por
mulheres são capazes de construir processos de subjetividade que diferem e subvertem as
noções já dadas sobre como pode operar um ser mulher no mundo? Como mulheres
artistas, com trabalhos circunscritos nas artes do corpo pensam e propõem ações que
descolonizam os corpos de um estado atrelado a captura do desejo pelo capitalismo?
Mediado por tais atravessamentos, há o desenvolvimento de um processo de
criação cênico que se constrói com e por meio de laboratórios de experimentações prático-
teóricos como modo possível para traçar linhas e redes de conexões entre as diversas
questões levantadas durante o processo de pesquisa. O processo criativo se constrói na
tentativa de que os aspectos práticos e teóricos da pesquisa sejam indissociáveis. Os
laboratórios de experimentação retroalimentam as pesquisas conceituais que, por sua vez
são atravessadas pelos encontros estéticos-artísticos-existenciais de outros corpos que
mobilizam reflexões e inquietações da investigação.
A pesquisa prevê a entrevista com 6 artistas brasileiras, inseridas nas artes do corpo,
como um dos processos de articulação de linhas cartográficas de práticas de
descolonização. Pelo levantamento de questões coletadas durante as entrevistas e que
tem como mote conceitual os procedimentos de práticas de descolonização realizadas por
essas mulheres em instâncias artísticas, de processos de criação e de existências, torna-se
possível abarcar tais redes de implicações. Os critérios de escolha das artistas para a
entrevista perpassam aspectos relacionados a escolha de trabalhos que tangenciem
aspectos e modos de subversão de noções de gênero construídas a partir de forças
dominantes de subjetivação.
O conceito de descolonização presente nesta investigação se apropria do conceito
de descolonização do inconsciente, proposto por Suely Rolnik (2018) em “Esferas da
Insurreição: notas para uma vida não cafetinada”. De acordo com a autora, o atual
momento do capitalismo tem jogado prioritariamente com a força vital dos seres no
mundo, em seu aspecto pulsional, de vida, de modo que “[...] a fonte da qual o regime
extrai sua força não é mais apenas econômica, mas também intrínseca e
94

indissociavelmente cultural e subjetiva [...]” (ROLNIK, 2018. p. 33). Torna-se necessário que
os processos de modulação da lógica capitalística se pautem em ações micropolíticas
ativas, para que novos mundos possam ser gestados a partir do que os corpos enunciam e
dos modos de vida calcados em experiências corporais. Instâncias micropolíticas essas que
se colocam aos agenciamentos mínimos da existência e em relação às dimensões
macropolíticas de uma vida que se vive. Quando o regime colonial capitalístico reduz a
subjetividade ao sujeito, este se encontra em um momento de instabilidade e fragilidade,
sendo esse momento decisivo para seguir refazendo as mesmas manobras, ou então
propor novos e outros cortes aos modos de operação subjetivos.
Associado a tais noções, utilizo o conceito de programa performativo, desenvolvido
por Eleonora Fabião (2013), como maneira de pensar a operação para uma possível prática
de descolonização de tais corpos. O programa performativo ocorre a partir da ideia de
programa, em Deleuze e Guattari.
Programa é motor de experimentação porque a prática do programa cria corpo e
relações entre corpos; deflagra negociações de pertencimento; ativa circulações afetivas
impensáveis antes da formulação e execução do programa. Programa é motor de
experimentação psicofísica e política (FABIÃO, 2013. p.4).
Fabião propõe o programa como um disparador para a criação de performances,
sendo então um agenciamento maquínico posto a operar como desestabilizador de
territórios já formados: “[...] um conjunto de ações previamente estipuladas, claramente
articuladas e conceitualmente polidas a ser realizado pelo artista, pelo público ou por
ambos sem ensaio prévio” (FABIÃO, 2013. p. 4).
Proponho, assim, uma aproximação do programa performativo como dispositivo
para a construção de performatividade de gênero, sob a ótica de Paul B. Preciado. Se o
programa desloca a passividade do performer e desconstrói territórios e hábitos
corporificados, assume-se que pensar práticas de descolonização a partir de um recorte de
gênero se fazem pertinentes.
A noção de performatividade de gênero utilizada na pesquisa se dá a partir das
concepções desenvolvidas por Paul B. Preciado (2014), na proposição do que seria um
gênero prostético. Mais do que uma concepção linguística da ação, limitada ao campo
discursivo, o gênero prostético se produz a partir da materialidade do corpo:

O gênero não é simplesmente performativo (isto é, um efeito das práticas


culturais linguístico-discursivas) como desejaria Judith Butler. O gênero é,
antes de tudo, prostético, ou seja, não se dá senão na materialidade dos
corpos. É puramente construído e ao mesmo tempo inteiramente
orgânico. [...] O gênero poderia resultar em uma tecnologia sofisticada
que fabrica corpos. (PRECIADO, 2014. p. 29)

É preciso ressaltar que a ideia de gênero proposta por Preciado é permeada pelos
estudos filosóficos desenvolvidos por Judith Butler, a partir dos anos 1990, e que considera
os gêneros enquanto ações, repetidas no tempo e marcadas por condições históricas,
linguísticas e sociais de existência. Dessa maneira, Butler dá ao gênero a perspectiva de
verbo, de ação, sem estar permeado por noções de fixidez.
Fazendo uma torção do termo e tendo como campo o pensamento de Butler, o
interesse da pesquisa se dá a partir do esgarçar de tais noções de gênero. As noções de
práticas descolonizadoras se dão a partir da realização operada pela materialidade dos
95

corpos femininos, problematizando então as estruturas de poder também não linguísticas


e não apenas as estruturas discursivas. Assim, é possível cartografar modos em que os
corpos femininos possam agir ativamente, em instâncias micropolíticas, como estratégias
de descolonização de estruturas de poder hegemônicas frente aos modos de existências
das mulheres.

Palavras-chave: Artes do Corpo; Descolonização dos Corpos Femininos; Micropolítica


Ativa.
96

O QUE PODE UM CORPO EM TEMPOS DE CATÁSTROFE? PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO


NA CONTEMPORANEIDADE

Terezinha Maria Schuchter


Universidade Federal do Espírito Santo
terezaschuchter@yahoo.com.br

Fábio Luiz Alves de Amorim


Faculdade Estácio de Sá de Vitória / Secretaria de Estado da Educação do ES
Fabioamorim36@gmail.com

Jaconias Dias Rodrigues


Secretaria Municipal de Educação da Serra – ES
jaconiasdias@gmail.com

Nossa intenção é problematizar a conjuntura política, econômica, social e cultural


instaurada e os processos de subjetivação, a partir de Rolnik, Lazzarato, Negri e Hardt,
lançando apostas que transitam entre o resistir, o insurgir e o engendrar novos modos de
ser e estar no mundo. Recorremos a uma pesquisa bibliográfica para discutirmos como
chegamos a esse estado de coisas. Apontamos que o controle da vida, da subjetividade, é
um dos traços fundamentais do regime capitalista neoliberal. O intuito não é apenas deixar
o corpo dócil, mas acelerar sua capacidade de produzir o que interessa ao regime,
desviando-o de seu destino ético, que é a capacidade de criação associada à vida. Nessa
armadilha, nossos corpos passam a reproduzir, também, o status quo.
Então, se antes eram os corpos submissos, agora são necessários corpos flexíveis,
voláteis, conectados, que circulam por vários lugares e se enredam com outros corpos pelas
redes virtuais. Transitam, ou pelo menos pensam que transitam, sem barreiras, mas a
certeza é que o fazem na velocidade da circulação do capital mundial. Esse, sim, sem
fronteiras. Então não é preciso força bruta para impor as condições necessárias ao sistema,
mas a mudança da força dos desejos. Corrompe-se a política do desejo.
Segundo Rolnik (2018), o que vemos hoje é algo que, num primeiro momento,
parece paradoxal, contraditório, que é aliança entre neoliberalismo e neoconservadorismo
extremo, porque o alto grau de complexidade e flexibilidade do atual regime de
acumulação está longe do arcaísmo e da rigidez das forças conservadoras. Entretanto é
possível compreender os motivos que levam a essa aliança: neste momento, fazem-se
necessárias forças bem rudes para destruir todas as conquistas democráticas e fazer ruir
os protagonistas dessas conquistas.
Isso nos faz compreender o cenário instaurado a partir de 2016 no Brasil, mesmo
em meio aos nossos gritos: Não vai ter golpe! E se trata de uma experiência em escala
mundial. Diante disso, nossa sensação é de impotência, angústia, mal-estar, adoecimento,
perplexidade, assombramento. E quando somos tomados por esses sentimentos, aloja-se
em nós a política de subjetivação guiada pelo inconsciente colonial. Perdemos a potência
do combate da micropolítica ativa e tendemos a nos deixar levar pela micropolítica reativa,
ou a reduzir nossas análises à esfera macropolítica com foco nas questões sobre a crise da
democracia e do Estado de direito, ou sobre como recuperar as condições de vida
97

democrática e resgatar esse Estado. Nesse ínterim, nossa incapacidade aflora e dá


condições para que as forças regressivas e conservadoras germinem.
Lazzarato (2014, p. 23) aponta que a crise que vivenciamos “[...] produz apenas
sujeições negativas e regressivas (o homem endividado)”. Endividado por quê? Nesse
contexto, no reino do capital e da mercadoria, o consumo passa a ser visto como uma das
poucas possibilidades para a felicidade, mas o consumo endivida. Assim, o consumo
também acaba por alimentar paixões tristes, e a responsabilização pelas dívidas e tristezas
recai sobre cada um de nós individualmente. O mesmo autor pergunta: “O que acontece
com o homem endividado na crise? Qual sua principal atividade? [...] ele paga. Ele deve
expiar sua falta – a dívida – pagando sem cessar [...]” (LAZZARATO, 2017, p. 27).
Hardt e Negri (2016a) apontam que o apogeu do neoliberalismo gerou crises na vida
econômica e política, mas, principalmente, operou transformações sociais e
antropológicas. E problematizam as consequentes formas de fabricação/produção de
novas figuras de subjetividade. Para eles, além da subjetividade endividada, criada pela
hegemonia das finanças e dos bancos, “[...] o regime de segurança e o estado generalizado
de exceção construíram a figura oprimida pelo medo e sequiosa de proteção: o
securitizado. E a corrupção da democracia forjou uma figura estranha, despolitizada: o
representado” (HARDT; NEGRI, 2016a, p. 21).
Como alternativa, o regime conclama as pessoas a se tornarem “empresárias de si
mesmas”, o que é “[...] o objetivo do capital como máquina de assujeitamento”
(LAZZARATO, 2014, p. 23). Como afirmamos “[...] com o neoliberalismo, as práticas de
governo passam pelo indivíduo, pela sua subjetividade, por seus comportamentos e por
seus estilos de vida” (LAZZARATO, 2014, p. 45).
Reiteramos que essas “novas” subjetividades tendem a consolidar a morte da
potência do vivo, do poder de criação, pulsação e singularização. Tornamo-nos reféns.
Rolnik ([201-]) discute o quanto isso ainda é fortalecido pela ideia de deficiência de si
mesmo, e o mal-estar se transforma, ainda, em sentimento de culpa, inferioridade,
autodepreciação, vergonha, ódio, ressentimento. Além do consumo, o desejo conectará a
subjetividade a produtos de tarja preta da indústria farmacológica, a igrejas ou terapias de
treinamento da autoestima, ou aos complexos discursos intelectuais. Segundo Rolnik
([201-], p. 20), “[...] tais mercadorias são usadas como perfumes para esconder o odor
infecto de uma vida estagnada”.
Os autores referenciados discutem possíveis nesse contexto. Tamanho o estrago
produzido nos processos de subjetivação, faz-se necessária uma descolonização dos
inconscientes. E a descolonização dos inconscientes passa pelo terreno das relações mais
íntimas e, ao mesmo tempo, das relações coletivas, comuns, da multidão (HARDT; NEGRI,
2005, 2016b; ROLNIK, 2018). A efetuação de possíveis é um processo necessário. A
resistência é um dos possíveis. “[...] Esta resistência deve-se abrir a um processo de criação,
de transformação da situação, de participação ativa nesse processo. Nisso consiste resistir
[...]” (LAZZARATO, 2006, p. 21).
Apostamos, que, apesar de vivermos um momento de mais alta periculosidade –
que afeta não apenas questões da ordem econômica, mas dimensões da ordem cultural e
social ligadas diretamente às nossas vidas, individuais e coletivas, aos processos de
subjetivação – não podemos nos sucumbir. Isso é o que o regime financeirizado neoliberal
espera de nós. Entretanto compreendemos que essa “nova” ordem é uma construção
histórica, ideológica, discursiva, portanto, humana. Podemos, então, intervir. Se podemos
98

intervir, podemos crer que outros mundos, outros corpos, outras subjetivações são
possíveis. Um mundo sem tristeza, porque o sistema aposta na tristeza. Porque nada
alimenta mais o capitalismo do que a nossa tristeza. A tristeza nos fragiliza e imobiliza e
nos impede de lutar pelo que acreditamos.

Palavras-chave: Corpos; Neoliberalismo; Subjetivação.


99

RESISTIR, RE-EXISTIR, CRIAR: AGENCIAMENTOS ARTÍSTICOS E AFETIVISMO

Helena Wilhelm Eilers


Mestranda em Artes Visuais (PPGAV/ EBA / UFRJ)
helenaweilers@gmail.com

Entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, a mobilização de artistas frente
a um cenário pouco favorável à arte contemporânea brasileira culminou na criação de uma
série de agenciamentos no circuito alternativo do Rio de Janeiro. Através de proposições
pensadas e executadas pelos próprios artistas, foram abertos diversos espaços
independentes e realizados projetos e exposições fora do meio institucional de museus e
galerias. Apesar de sua heterogeneidade, destaca-se o fato desses agenciamentos não
terem se agrupados por motivos puramente estéticos, tais quais os grupos modernos, mas
sim pelo afeto, numa foram de ativismo afetivista.1 Além disso, grande parte deles não
buscava atuar como uma força a sobrepor sobre o circuito institucional ou ir contra ele.
Mais do que lutar contra um sistema cultural errante, o que parece ter acontecido nos anos
1990 e se consolidado nos anos 2000, foi uma maneira de criar linhas de fuga num território
estratificado, fissurar aquele espaço-tempo e compreender que se as paredes do museu
haviam ficado pequenas, haviam as ruas para serem ocupadas e espaços para serem
geridos e criados. Buscar o novo.
A proposta dessa comunicação é apresentar algumas ações que aconteciam no
período, como o Zona Franca, Orlândia, Galeria do Poste, Projeto Subsolo e Gentil Carioca,
evidenciando suas características como resistência afirmativa e as maneiras como essas
proposições construíram novos territórios através da criação. Gilles Deleuze, assim como
Félix Guattari, são pensadores fundamentais nesta pesquisa não apenas por iluminá-la
teoricamente, mas pelo emprego de seus conceitos (de maneira mais ou menos explícita)
por diversos artista-pesquisadores que participavam das proposições artísticas do
período2. Para a comunicação, com a intenção de dialogar com o período e local em que
esses agenciamentos aconteciam, os pensamentos deleuzo-guattariano são atravessado
por textos escritos por Tatiana Roque e Ericson Pires em virtude do colóquio
Resistências(2002).3 O evento tinha a intenção de “subverter a polaridade entre
pensamento e ação, ao reunir intelectuais, artistas e militantes na construção de sentidos
das resistências na arte contemporânea”. Hoje, ao mesmo tempo em que se sabe que o
evento procurava sair do mundo puramente intelectual para a ação, também se reconhece
que o Colóquio conseguiu trazer para o debate teórico algo que estava acontecendo na
prática, discutindo maneiras de resistir que se concretizavam em forma de ações diversas

1
HOLMES, B. The affectivity manifesto. Escape the overcode: Activist art in the control society, 2008.
Traduzido por Luciane Briotto. Disponível em: http://vocabpol.cristinaribas.org/manifesto-afetivista/.
Acessado em: 31 jul 2019.
2
É relevante citar que, apesar da produção de Deleuze sobre artes visuais e cinema ter começado em meados
dos anos 1980, assim como suas aulas/conferências sobre música, foi no início dos anos 2000 que suas obras
foram traduzidas para o português, ampliando a disseminação no Brasil. Além disso, outro fato que acredita-
se ter disseminado o pensamento dos filósofos entre artistas no período, foi a vinda de Félix Guattari para o
Brasil, em 1992, através do convite de Suely Rolnik.
3
O evento foi realizado no CineBR Odeon, proposto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pelo Collège
International de Philosophie (Paris) e organizado por Tatiana Roque. Contou, ainda, com a presença do
filósofo Alain Badiou.
100

e que compartilhavam certo sentido comum. Em um dos trechos de Ericson Pires, o artista,
pesquisador, poeta e militante nas artes, escreve:

Re-insistências. Resistência. Existir. Re-existir: sempre no possível,


sempre nas possibilidades. Romper, continuar. Ir além do óbvio,
do sim domesticado, do clichê assumido como real. Inaugurar
sempre a possibilidade, novas possibilidades, a possibilidade do
outro. Insistir. Re-insistir4.

Por fim, acredita-se que frente ao atual cenário político-cultural brasileiro é


importante resgatar movimentações que fugiram à estrutura institucional e, de forma
alternativa, expandiram as bordas do experimental e do território da arte. Trabalhar a
memória de tais agenciamentos não tem como finalidade repeti-los, refazê-los ou, talvez,
buscar neles e em outros eventos do período uma saída para barreiras que a arte enfrenta
hoje ou poderá enfrentar no futuro. Procura-se, sim, registrar o passado para que sirva de
ponto de conexão e reflexão com o presente, afinal, perguntas como: qual o limite da arte
vão se transfigurando ao longo da história. Sabe-se, porém, que, independentemente do
tempo-espaço, a arte afeta e é afetada por outros eventos e outras disciplinas, e, por meio
desses atravessamentos, tem possibilidade de expandir seu território, infiltrar-se e criar
novas subjetividades.

Palavras-chave: Artes Visuais, Circuito Alternativo, Resistência

4
PIRES, E. 12 proposições: resistência, corpo, ação – estratégias e forças na produção plástica atual. Revista
Lugar Comum: Estudos de Mídia, Cultura e Democracia, Rio de Janeiro, v. 17, 2003. p. 109.
101

CORPOS EM ESTADOS DE PRESENÇA: PERFORMANDO NOVOS MODOS DE EXISTÊNCIA

Juscelino Ferreira Mendes Junior


Universidade Federal de Uberlândia
junior1xd@hotmail.com

Juliana Soares Bom-Tempo


Universidade Federal de Uberlândia
ju_bomtempo@yahoo.com.br

Partimos aqui da premissa de que, corpo é presença; em processos de devires que


produzem a cada encontro novos modos de existência e relações, sendo ele alvo das
máquinas de estado que investem suas forças no intuito de territorializar e capturar esses
corpos, apostamos na performance como uma possível linha de fuga desses processos de
captura, um território fronteiriço, onde o corpo pode produzir outras subjetividades.
Portanto, o objetivo desse texto é abordar as relações de produção de corporeidades na
performance, entendendo que o corpo é uma manifestação de estados de presença pura
e pulsante que se compõe nas relações entre corpos.
Dentro do campo da performance Fabião (2010) propõe expandir a ideia de corpo
para além do corpo fisiológico, sendo ele visível ou invisível, cadeira, ideias e etc., “um
corpo é sempre uma multidão de relações e, como tal, está permanentemente deflagrando
relações. Corpo em relação com corpo forma corpo. O entre-lugar da presença é no nosso
corpo o que não está em nós” (IBID. 2010, p.323). Na performance apreendemos aqui o
corpo de forma diluída, estabelecendo conexões e encontros no “entre” das relações, uma
passagem do sujeito fixado na identidade, apontando para uma produção de subjetividade
diluída e intensa, corpo e sujeito que se colocam no tempo presente, sem qualquer relação
hierárquica entre corpo e mente etc.
Deleuze (2002) em sua leitura de Espinosa nos aponta para uma concepção de
corpo confluente com a ideia apresentada acima, colocando que um corpo se define pela
sua capacidade de afetar e ser afetado, é na composição do encontro que podemos
experimentar e perceber a extensão das relações agenciadas entre corpos. Um movimento
agenciado na performance, quando nos abrimos a compartilhar, viver juntos uma
experiência performática e de criação. “Mas, agora, trata-se de saber se relações (e quais?)
podem se compor diretamente para formar uma nova relação mais “extensa”, ou se
poderes podem se compor diretamente para construir um poder, uma potência mais
‘intensa’” (Ibid, 2002, p.131). Portanto, as corporeidades produzidas nas relações
performáticas, se abrem as intensidades gestadas nesse entre dos corpos, engendrando
outras experiências de produção de subjetividade, se voltando a experimentar os fluxos de
forças que compõem os encontros.
Outra questão que nos interessa nas relações entre corpos, é acerca das
subjetividades que emergem na composição de forças que atravessa uma produção de
corporeidades. Como se abre o corpo na relação de produção de subjetividade para
compor outros modos na performance? Que tipo de corporeidade é essa que surge da
relação entre corpos na performance? Anuncia-se corpos que devém transgressores, não
apenas no sentido de serem extracotidianos, mas nas relações éticas-estética-políticas que
102

convocam quando reivindicam o direito de existir nos espaços, indo na contramão dos
processos operados pela máquina de estado.
Os dispositivos de captura de subjetividade operam a todo instante no nosso
cotidiano, somos adjetivados, enquadrados e capturados, sempre tendo como ponto de
regência o “eu” em sua vontade possesiva de estabilizar a experiência da subjetividade –
algo que vai além do sujeito, o sujeito seria um dos resultados da experiência da
subjetividade. Algo que Roseane Preciosa (2010), vai tensionando em sua tese de
doutorado “Rumores discretos da subjetividade” a respeito desses processos, nas palavras
da autora: “Curiosamente, somos sempre ou “isso” ou “aquilo”, aliás não só nós mesmos,
mas tudo que existe à nossa volta, o que nada nos exige, apenas respostas mecânicas,
esquemáticas, simplificadoras. É dessa forma que a vida faz sentido: eliminando quaisquer
variáveis (p.25 grifo da autora)”.
As novas subjetividades pedem passagem, contrapondo os modelos impostos pelo
estado, e essas, surgem com intuito de mobilizar as forças do meio, se apropriando das
forças vitais, mantendo o status quo. “A arte performativa acaba resistindo aos limites
apresentados pelo corpo e o transforma em potência máxima de presença” (FREGONEIS;
BONFITTO, 2018, p.50). Essa presença que engendra outros processos de subjetivação e
dessubjetivação na arte da performance, tendo no corpo, o canal catalisador da presença,
experiência de encontro intenso que transforma e desestabiliza os sujeitos, alargando a
experiência da subjetividade para algo coletivo,múltiplo e criativo.
É essa pluralidade que intervém nos processos normativos e de captura, a diferença
erigida que com sua potência se faz presença pura na performance. Além disso, o corpo
exerce um papel de resistência aos processos de subjetivação que buscam minar sua
diferença, sendo ele “um eu que se metamorfoseia a cada momento a fim de ressignificar
sua presença no mundo” (FREGONEIS; BONFITTO, 2018, p.47).
Destaca-se aqui, certa qualidade provisória desses processos, algo que, como coloca
Mansano (2009), sendo o sujeito um efeito provisório e precário desse processo de
subjetivação, e este “mantém-se em aberto uma vez que cada um, ao mesmo tempo em
que acolhe os componentes de subjetivação em circulação, também os emite, fazendo
dessas trocas uma construção coletiva viva” (p.111).
É nesse estado amorfo e provisório que a performance procura se inscrever, na sua
forma de presença e potência de vida, nada a ver com o sujeito-performer, e sim com certa
subjetividade que vai sendo desfeita durante a ação; é o nascimento de novos modos de
vida e corporeidades. Assim, apresenta Sander (2011) quando fala “é a descoberta de
novos possíveis. Ou ainda, limiares. Pois as artes nos dão pistas das zonas limítrofes, das
bordas” (p.141).
Portanto é pelos corpos e suas relações que vão dar a ver as forças operantes de
captura exercidas pelo estado, e o corpos em estado de presença produzem movimento de
resistência a esses processos de captura, mesmo que de forma provisória e quase
imperceptível ao macro.

Palavras-chave: Corpo; Performance; Presença.


103

“DI MENOR”: CENAS E PASSAGENS ENTRE O ESGOTAMENTO E A MENORIDADE

Alessandra Melo
UNICAMP
a041693@dac.unicamp.br

Estamos na Fundação Casa, local no qual meninos em cumprimento de medida


socioeducativa assistem aulas de filosofia durante o período da manhã. Como funciona este
tempo e quais são as cenas que se repetem neste espaço de reclusão?

Figura 1 - Apagamantos

Trazemos aqui pensamentos disparados por nosso contato com a obra “Kafka - Por
uma literatura menor” de Deleuze e Guattari (1977). Para nós estes meninos em
cumprimento de medidas sócio educativas podem ser pensados partindo-se do
pensamento desenvolvido por Deleuze e Guattari sobre a obra de Kafka. Assim como os
personagens de Kafka estão isolados por dinâmicas de exclusão da sociedade, também
estes meninos presos em sua minoridade sobrevivem: sem nome, resistindo a violência, a
perda da infância, ao estado, a instituição e as normas. Estes meninos permanecem
reinventando formas de existir e resistir nos vãos desta sociedade. Se por um lado os
personagens se afastam da língua maior, daquela língua determinada por regras rígidas e
passeiam nos vãos desta língua criando uma língua menor, os meninos por sua vez
reinventam formas de viver sua menoridade na vida, no mundo do crime, no vão da cidade,
nos vãos das grades.
“Di menor” assim como são chamados os meninos nos guetos das cidades (devido
a serem menores de dezoito anos) têm muito tempo para pensar ou chapar como dizem.
O prédio da Fundação Casa se organiza em andares e possui uma quadra poliesportiva no
alto do prédio. Quando os meninos internos chegam a este espaço (que é todo limitado
por grades de cima abaixo) percorrem exaustivamente o espaço, assim como fazem os
personagens de Beckett na tele peça “Quad II1” que foi comentada na obra: “Sobre o teatro
do esgotado de Deleuze” (DELEUZE, 2010).

1
BECKETT, Samuel. Quad, ubu.com/film/beckett_quad.html
104

Tanto a cenas dos meninos quanto a da peça remetem ao esgotamento do espaço


e as possibilidades e impossibilidades de movimento. Em minha percepção ambos se
colam, pois há semelhanças e aproximações, meninos acinzentados percorrem
exaustivamente um espaço num jogo teatral, personagens em branco e preto percorrem
exaustivamente um espaço na tele peça “Quad II” Se na tele peça quem busca esgotar os
movimentos são os personagens, na realidade são os meninos que percorrem
incansavelmente os cantos da quadra poliesportiva que fica no alto dos três andares do
prédio. Muito além do cansado que se debate, se recusa a dormir e alterna estados o
esgotado passa por diferenciações, afastamentos e muito mais estados, no entanto, os
personagens são criações, já os meninos estão confinados na vida real. Na cena que não é
de uma tele peça, mas que se cola a ela nesta reflexão, muitos dos meninos internos na
instituição ao preferem andar ao redor ao da quadra ao invés de praticar alguma outra
atividade proposta. Os meninos internos cumprem uma passagem (como dizem) e, ao
passar do tempo, esgotamento após esgotamento, meses de clausura são notados e
tingem as peles do mesmo amarelo das grades que os prendem.
Eu não aguento mais, eu não aguento mais ficar aqui! Esta é uma frase recorrente.
A limitação esgota os internos de várias maneiras: linguagem, espaço, palavra, gesto,
condições que se excedem ao possível, ao tolerável. Mas estes meninos são devires
nômades, existência feroz, resistência. Mas diante de tantas impossibilidades que o foge a
todos os conceitos do mundo, grades, portas, gestos obrigatórios, ordens que dobram em
outras? Os meninos fogem! Fabulam e criam, imaginam, criam forças, resistem e
reinventam a vida de muitas formas.
Este esgotamento pelo qual os meninos passam de outra forma também atinge o
trabalho do professor em sala de aula, pois nós em conjunto com eles também somos
levados ao esgotamento, limita-se a vestimenta, pede-se que o cabelo seja preso em coque
(para que haja menos formas de nos atarem em caso de rebelião), que o brincos sejam
pequenos para que nunca se tornassem armas, são inúmeros os relatórios e cuidados
especiais para desenvolver o trabalho. Inúmeras as cenas de revista que posso recordar e
que dariam mais uma cena ou talvez uma tele peça, porém que surge após este
esgotamento? O que ocorre após esta cena que se repete? Acontece algo que extravasa o
pequeno quadro lousa da sala de aula, extravasa o limite da instituição e desencadeia uma
metamorfose. Surge após e esgotamento uma prática de sala de aula que funciona como
uma alquimia de movimento. São convites, encontros, geração, fluxos de pensamento,
acontecimentos que extravasam os limites impostos pela instituição na medida que
produzimos imagens e palavras dentro da sala de aula. São forças de que criação reveladas
ao levarmos propostas de criação e reflexão com uma nova dimensão que extrapola a
normalidade, vaza pelas grades, supera o esgotamento e transborda em poesia, imagens e
sons destes ‘di menor’.

Palavras-chave: Esgotamento; Imagens; Fundação Casa.


105

CORPOS (S)EM EDUCAÇÃO: DES-A-FIOS EM (DES)OCUPAÇÃO

Elenise Cristina Pires de Andrade


Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, BA
nisebara@gmail.com

Vívian Carla Reis Nery


Universidade Estadual de Feira de Santana; Secretaria Municipal de Educação de Feira de
Santana, BA
vcrnery@gmail.com

Priscila Ledoux Costa Silva


Secretaria Municipal de Educação de Feira de Santana, BA
priscilaledoux@bol.com.br

Traços, linhas partidas, cujos arranjos móveis e


fugidios afirmam o corpo na sua intensidade como
multiplicidade de percursos, por meio dos quais se é
sempre um clandestino, sem fé, sem lei, sem rei.
Ana Godoy, 2007

Sem fios. Sem educação. Corpos movediços por entre ruas, escolas, instituições, a
expulsarem (im)prováveis capturas organizacionais, morais e identitárias a tentarem
roubar-lhes o próprio corpo. Organismo desorganizado, nômade, intensivo pelos pátios de
uma escola - Escola Municipal Antônio Carlos Coelho, Feira de Santana, BA - e pelas
perambulações e (des)ocupações de prédios públicos durante um movimento grevista, na
mesma cidade, durante o primeiro semestre de 2019.
Estudantes-corpos-zumbis e professoras em movimentos de reivindicação. Pátio da
escola. Ruas e prefeituras e câmaras municipais. Membros da gestão escolar, outros
estudantes, técnicos e políticos da prefeitura municipal feirenses estupefatos. Corpos des-
a-linhados em um borramento entre ficção e realidade, possibilitando que um plano
esgotado de uma educação esvaziada de identidades, palavras de ordem e generalizações
per-corram, sem pressa, uma paisagem-sonho. Gestos (s)em educação a expressarem
cotidianos múltiplos, efêmeros, intensivos.
Expandir o que não fixa. Experimentar o ar que emana dos corpos. Uma intervenção
dos estudantes, em um espaço do cotidiano por eles e elas escolhido, pretendendo a
possibilidade de romper com uma rotina já instituída. Trazer o questionamento sobre a
influência dos espaços em nossos movimentos, convidando esses corpos tão aprisionados
em controles cotidianos. Espaços projetados com finalidades específicas para os corpos
dóceis que obedecem: permanecer (salas de estar, de espera, museus); mover (corredores,
calçadas, espaços de comércios e lojas). Por que parar em alguns lugares? Por que e como
correr em outros? Que estruturas elementos e configurações promovem essa organização
dos corpos no espaço? Para esse espaço, talvez?
Coreografias para prédios, pedestres e pombos1, em vídeo, foi uma das inspirações
para os alunos-zumbis. Des-estabilizar. (Des)ocupar o pátio, o corpo alheio, os olhares
1
Instalação ocorrida em 2010 pela coreógrafa Dani Lima e pela cineasta Paola Barreto no Largo do Machado,
Rio de Janeiro.
106

atônitos dos outros estudantes, professores e profissionais da escola. Por que os zumbis
espantam a docilidade do controle? Sem pressa, ex-pressão a pulsar. Corpo-zumbi-
estudante.

Imagem 1 – Atividades com estudantes do 5º ano, no pátio da Escola Municipal Antônio Carlos Coelho.

Fonte: Arquivo pessoal de Priscila Ledoux Costa Silva.

Não demorou muito para o Estado fincar suas raízes e, com sua contenção máxima
dos fluxos e sua inerente estratificação, a figura do “mais frio dos monstros frios”, como
dizia Nietzsche, chegou para ficar com sua maquinaria abstrata pesada e sua moral
castradora. É isso que explica produção de corpos dóceis e submissos (SCHÖPKE, 2017, p.
297).
Grito pela maquinaria de guerra. (Des)montagens (d)e corpos. Gestos maquínicos
(s)em educação. Des-focar uma resistência às generalizações e expressões hegemônicas,
fixadoras de ideias, corpos, palavras, gestos, pensamentos. Por onde transitaria, como já
proposto para um pensamento em forças intensivas do diagrama para a expressão das ruas
e muros da/com a cidade (Andrade; Bastos, 2017), essa vontade de (sem)sentido para a
produção de linhas de fuga em uma relação para esvaziar o plano ‘educação’ em
(des)ocupação?
Corpo-professora-rua. Reivindicar. Vir a radicalizar? Quem reivindica? O conjunto
das professoras municipais? A representação sindical? Os corpos estendidos em frente aos
quadros de avisos, camas, ventiladores nas ocupações de ruas e salas de aula e Câmara
Municipal? Quem e o que radicalizar? Gestos desafiadores. Desatar os fios dos moldes, das
homogeneizações que parecem padronizar a vontade dos corpos.
A revolta é em si mesma o signo da capacidade de produzir uma interrupção, uma
suspensão nas significações dominantes e criar ‘gestos’, ações, signos e, talvez, até mesmo
falas, de acordo com as modalidades que podem não ser as do enunciador (LAZZARATO,
2014, p. 160).
Não queremos, nesse texto, explorar as tensões que Lazzarato (2014) aborda junto
às dimensões da semiótica através de conceitos de Felix Guattari para nos apresentar como
o capital pretende capturar (e, muitas vezes, com êxito) o funcionamento dos signos para
a dimensão da representação e sua impulsão para uma formatação do pensamento,
107

atrelando-o à quase uma necessidade de recognição do mundo através das palavras, das
imagens, dos fluxos interrompidos de seguirem pelos caos do não-reconhecível.

Imagem 2 – Professoras da Rede Municipal de Ensino de Feira de Santana em momentos do movimento


grevista de março de 2019.

Fonte: Arquivo pessoal de Priscila Ledoux Costa Silva e Vívian Nery

O que pretendemos, a partir dos corpos (de)compostos, (s)em educação, para essa
escrita/pensamento, é deslocar, desclassificar. Pensamentos desejantes em desequilibrar
fronteiras fixas entre imagem, ficção e realidade; conhecimento e explicação; educação,
arte e criação, indo em busca de um modo, um funcionamento a-riscado do diagrama com
a intensidade dos signos sensíveis, criativos. Intensidade do instante.
E é porque o diagrama está sempre na interface do actual e do virtual que ele pode
assegurar a passagem de um a outro por uma maquinaria que é a alma do diagrama. Essa
maquinaria não está lá para representar objetos, mas para produzir, no real, uma
actualização das suas componentes virtuais, revelar ao mundo sensível uma face inédita
do objeto (GODINHO, 2013, p. 141).
Des-caber. Invenções incomuns pelos espaços das vidas ordinárias, que de tão
comuns, muitas vezes frágeis, gesticulam em singularidades que promovem a existência.
Não uma promoção pela comunicação, por uma linguagem de acordos e consensos, mas
na experiência, na impossibilidade de um entendimento puramente cognitivo.
Proliferações como nos provoca Ricardo Basbaum com sul, sur, south2. Ilha? Continente?
Sul sem norte? Mapa sem território? “[...] a Cartografia propõe uma percepção expandida
para dar consistência a territórios que não cabem no mapa” (INCARBONE; WIEDEMANN,
p. 11, 2016).
Gestos-zumbis; gestos-indignados; cartografias (in)corpóreas; (out)coreografias
para ruas e escolas, para além de prédios e pombos, que gestassem linhas-forças
des(alinhadas), (des)controladas em um diagrama de sensações que per-corre o corpo,
pátio, escola, ruas para fazer vibrar uma vida outra. Pulsações caóticas de invenções de
espaços e tempos aiônicos, sub-versivos a versarem existências pulsantes em meio às
durezas fixadoras de tantos cotidianos micro-fascistas. (AR)riscar educAÇÃO. Des-a-fiar.

Palavras-chave: Corpo; Educação Básica; Filosofia da Diferença.

2
Obra de Ricardo Basbaum, 2009, disponível a visualização em: http://www.pipaprize.com/wp-
content/uploads/2011/06/012.jpg
108

FORMAÇÃO E(M) IMAGENS: INFÂNCIAS

Rafael Christofoletti
Universidade Federal de Rondônia - UNIR
rafael.c@unir.br

Muitos cursos de formação e capacitação realizados por Secretarias de educação e


universidades partem de uma idéia de falta e de uma ordem explicadora. De um lado, tais
formações viriam a preencher a falta de um conhecimento ou prática de determinados
professores, de outro reproduzem uma lógica explicadora que ao invés de auxiliar a
incapacidade a compreender afirma a incapacidade do professor enquanto tal (RANCIÉRE,
2013).
Em grande medida, as propostas de formação não surgem do interesse e de
questões do cotidiano que mobilizam os professores e vêm de “cima para baixo”. Será
possível pensar espaços de formação horizontais e coletivos que levem em conta
problemáticas trazidas pelos próprios professores?
Partindo desses questionamentos surge a idéia do projeto “Formação e(m)
imagens: infâncias”. Uma proposta de “curso”, ou melhor, uma proposta de
experimentação com professores de quatro escolas públicas de ensino infantil e
fundamental do município de Porto Velho, Rondônia. Esse projeto é uma das ações do
Programa de extensão “Cartas do Rio a Rua” 1 - vinculado ao Departamento e Ciências da
Educação da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) - que nasce do contato com a
comunidade riberinha do distrito de Nazaré (Baixo Madeira) e de conversas acerca das
relações entre Universidade, comunidade e as condições de leitura e escrita das crianças.
O Programa busca estimular o diálogo entre crianças de Porto Velho por meio da troca de
cartas e provocar diálogos que possam se transformar em atividades poéticas de criação.
Constam do Programa “Cartas” seis ações: Cartas; Entrevista Teatral; Oficinas de Leitura
literária, Alfabetização e Jogo Ação; Exposição “Do Rio a Rua: Infâncias da Terra”; Livro
Ilustrado online “Cartas do Rio a Rua” e Formação e(m) imagens: infâncias.
Com o objetivo de desenvolver uma ação de formação de professores que possa
fazer fugir à esse misto de julgamento, culpabilização e incapacidade outras perguntas se
colocam: Seria possível a realização de um “curso” sem planejamento e conteúdo prévio?
Um curso sem começo, meio e fim? Um curso que não traz soluções, respostas prontas
sobre modos de agir, mas que crie um espaço de comum com os professores? Qual a
entrada possível para uma proposta de experimentação desse tipo?

Entrar-se-á, então por qualquer parte, nenhuma vale mais que a outra,
nenhuma entrada tem privilégio, ainda que seja quase um impasse, uma
trincheira estreita, um sifão, etc. Procurar-se-á somente com quais outros
pontos conecta-se aquele pelo qual se entra, por quais encruzilhadas e
galerias se passa para conectar dois pontos, qual é o mapa do rizoma, e
como ele se modificaria imediatamente se se entrasse por um outro
ponto (DELEUZE & GUATTARI, 2017, p.9).

1
O Programa coordenado pela prof. Dra. Márcia Machado de Lima e pelo prof. Dr. Josemir Almeida Barros
se iniciou no segundo semestre de 2018.
109

Há alguns anos o grupo I-mago (laboratório da imagem, experiência e criação) tem


se debruçado a pensar modos outros de fazer pesquisa (pesquisa experiência) e suas
relações com as imagens. As imagens das/com as crianças, por exemplo, tem sido um
importante intercessor para problematizar a(s) infância(s) e questões do desenvolvimento
infantil2.
Sabe-se que a grande maioria dos trabalhos no campo da educação com imagens
tem se caracterizado pela instrumentalidade. Aqui, a imagem é a nossa entrada. A imagem
como conexão de outras coisas por vir e como possibilidade de um estabelecimento de um
plano comum.
Ao apresentar a proposta de curso para os professores é dito que se trata de um
curso sem um conteúdo pronto e sem um número fixo de encontros (de horas). O que se
tem são três momentos que dependem exclusivamente do interesse e da disponibilidade
do grupo (e da escola) para acontecer. A suspeição inicial em relação à proposta é unânime
em todas as escolas, mas em geral topam a aposta para ver o que acontece.
O curso possui três momentos de duração variável a depender da escola e,
sobretudo, do grupo de professores: apresentação, filmes e produção. Depois de um ou
dois encontros de apresentação, o grupo escolhe um ou dois filmes para assistir (aqui os
encontros tem duração maior por conta da exibição e das conversas que surgem depois
dos filmes). Posteriormente, no terceiro momento, os professores se colocam a produzir e
assistir as próprias imagens.
Como mencionado, a proposta tem a perspectiva de ser desenvolvida junto a quatro
escolas do município de Porto Velho (ensino infantil e fundamental, escolas rurais e
urbanas). Atualmente, o projeto encontra-se no momento final em uma escola e no
momento inicial em outra. Intercorrências tem afetado o andamento não apenas do
projeto de formação, mas como do próprio Programa “Cartas”. Para se ter uma idéia esse
ano algumas escolas ribeirinhas ainda não começaram o ano letivo por conta de problemas
com empresas de transporte.
A presente proposta de experimentação tem produzido diferentes efeitos. Na
primeira escola, no decorrer dos encontros, surgiu grande interesse por parte dos
professores pela discussão de temas como, por exemplo, o comportamento das crianças e
a disciplina. Foi então sugerido a leitura e discussão de um texto sobre disciplina, algo que
não havia sido planejado e que foi acolhido pelo grupo. De qualquer modo, considera-se
que o projeto de experimentação com os professores é uma aposta e nem sempre produz
ressonâncias e problematizações. Vale o risco.

Palavras-chave: Experimentação; Formação; Imagens.

2
Em “Infância, experiência e tempo” Leite (2011) traz provocações acerca da pesquisa, da pesquisa com
crianças e infâncias.
110

DESDOBRAMENTOS, RESSONÂNCIAS, CONTÁGIOS... AS PRODUÇÕES DAS CRIANÇAS


SOBRE O PAPEL E SEUS FLUXOS E CORTES DESEJANTES E FABULADORAS

Camilla Borini Vazzoler Gonçalves


Universidade Federal do Espírito Santo
camillavazzoler@gmail.com

Lápis, papel, giz de cera. Três itens que estão presentes na rotina da maioria dos
centros de educação infantil. Os riscos, traços, rabiscos e desenhos, são produzidos pelas
crianças quase que como uma atividade rotineira, mecânica e/ou para passar o tempo. Seja
para representar uma história, uma atividade de algum momento, ou para desenhar em
um momento livre. Para alguns pode até ser que aqueles traços ou rabiscos digam pouca
coisa ou que seja um emaranhado de cores que nada dizem. Será mesmo? Esse artigo tem
por objetivo colocar o pensamento em movimento, com as fabulações criadas pelas
crianças quando em processo de criação desejante e imanente, onde ao usarem lápis
colorido e papel produzem e criam mundos, fabulam outros modos de pensar, criam fluxos
e cortes, pois algo passou pelo seu corpo, e ao criar no papel, a virtualidade se atualizou
em traços intensivos impressos em um papel.
Por esse motivo, não apostamos na ideia de representação ou descrição do que as
crianças desenham, para nós, pensamos que a representação em uma tela (desenho) diz
muito mais que traços, cores e formas, elas exprimem um certo modo de pensar, são
virtualidades que se atualizam na produção de modos diferenciais de se colocar no mundo
e movimentar o pensamento, na produção de maquinas desejantes. Diante disso, lançamos
a seguinte questão: O que enuncia uma criança quando registra uma intensidade em fluxo?
Com Deleuze (2007) pensamos em pintar com as forças do mundo, o registro não
se limita a uma reprodução ou a uma invenção de formas, mas sim de captar/exprimir a
força, ou seja, quando desenhamos há uma tentativa de tornar visível forças que não são
visíveis. “A força está em relação estreita com a sensação: é preciso que uma força se
exerça sobre um corpo, na forma de uma onda, para que haja sensação” (DELEUZE, 2007
p. 62).
Nesse sentido, as problematizações de Deleuze e Guattarri e a filosofia da diferença,
nos auxiliarão a pensar os modos pelos quais as enunciações infantis e os seus registros
artísticos pictográficos. Na atualização da sua força-pensamento, as crianças criam linhas
de fuga, fabulações, cujas intensidades que circulam em meio as expressividades vão
traçando outros possíveis, fazem cortes nos fluxos de produção.
Assim, é na composição entre as crianças e com os adultos que o plano virtual se
atualiza traçando mapas intensivos a partir de vetores ainda não pensados e vividos.
Apresentamos os desdobramentos, as ressonâncias e os contágios que se atualizaram a
partir das falas e dos registros das crianças e das relações singulares de cada uma delas
com os personagens virtuais.
Os registros pictográficos produzidos pelas crianças referem-se a uma aula com
crianças de 3 anos de um centro de educação infantil, onde as crianças a partir de um
encontro das com um personagem folclórico, e uma poção mágica, criaram um desejo
imanente pela composição, investigação e fabulação.
Em uma tarde, aparentemente comum em um centro de educação infantil,
adentramos a sala com o grupo de crianças de 3 anos e encontramos uma mesa com vários
111

copos cheios de líquidos transparentes, parecendo água, e um imenso caldeirão... Atentas


àqueles objetos, as crianças se questionavam e suspeitavam que uma certa feiticeira com
cara de Jacaré poderia ter visitado o Centro de Educação Infantil. Resolvemos nos arriscar
e experimentamos misturar os líquidos para ver o que aconteceria. A cada nova mistura
uma cor diferente! Como um líquido transparente poderia se tornar roxo? Rosa? Verde?
Com olhares curiosos as crianças analisavam cada etapa do experimento, investigando
cada movimento, trocando opiniões, sentindo os cheiros, na tentativa de desvendar este
mistério. Uma criança destemida resolveu tocar o líquido mágico com um dedo. Até que
de súbito!
O feitiço fez efeito! A criança se transformou em um lobo! Espantadas e ao mesmo
tempo maravilhadas as outras crianças tentavam entender aquele novo movimento,
perguntavam o que estava acontecendo, mas não tinha jeito o lobo só uivava! Parecia que
o feitiço ainda não estava completo... algumas galinhas começaram a cacarejar. Um dragão
apareceu! E agora o que fazer? Como podemos resolver esse feitiço? Como fazer com que
as crianças voltem a ser crianças? Questionou uma das crianças. E se misturássemos todos
os feitiços? Sugeriu outra. Poderia dar certo? Dentro do caldeirão jogamos todos os líquidos
coloridos e o forte cheiro daquele superfeitiço trouxe as crianças de volta.
A partir do feitiço da Cuca muitos foram os desdobramentos. A curiosidade e a
investigação da mudança de cor de cada copo tomavam conta daquele espaçotempo.
Diante do deslocamento que provocamos nas crianças, decidimos pedir que registrassem
o que aconteceu perguntando: O que a Cuca poderia fazer com o feitiço?
Mas, como pintar uma sensação? Como representar um uivo? Um cheiro? Um som?
Uma sensação que passou pelo seu corpo? Desafiamos as crianças a expressarem aquela
experiência singular em um papel, pois elas continuavam em produção desejante. Quando
o desejo cresce e transborda, ele cria, e as crianças estavam em fabulação em invenção...
Investigando o acontecimento singular elas pensavam e pintavam as forças daquele feitiço,
imprimiam no papel os desejos daquela intensidade vivida em seus corpos, em seus fluxos
e cortes.
Se “[...] toda máquina é o corte de fluxo em relação àquela com que está conectada”
(DELEUZE, GUATARRI, 2010, p. 55), os desenhos das crianças funcionam para que
problematizarmos as máquinas desejantes criadas por elas nos fluxos e cortes, na produção
de uma produção. Ou seja, no encontro com a produção de “poções mágicas” as crianças
criaram outras conexões de uma máquina que produziram fluxos em uma outra a ela
conectada processando, assim, um corte, uma interrupção dos fluxos.
A força desse texto, está justamente nas máquinas desejantes das crianças em seus
desenhos intensivos e como podemos pensar que as suas produções. Suas criações e
fabulações nos auxiliam a pensar a definição de que máquina desejante “[...] é o seu poder
de conexão ao infinito, em todos os sentidos e em todas as direções” (DELEUZE, GUATARRI,
2010, p. 514).

Palavras-chave: Criança; Fabulação; Máquina Desejante.


112

A ARTE DO ENCONTRO NO COTIDIANO ESCOLAR: FORÇAS QUE ROMPE AS FORMAS DO


CURRÍCULO

Hociene Nobre Pereira Werneck


Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
hociene@gmail.com

Sandra Kretli da Silva


PPGMPE/UFES
sandra.kretli@hotmail.com

Este texto-resumo trata de uma pesquisa em andamento que problematiza os


encontros de formação continuada de professores, os movimentos de invenções
curriculares e o trabalho coletivo que se constitui no cotidiano escolar. Justifica-se pela
necessidade de superar as limitações relativas ao trabalho coletivo e aos movimentos
curriculares no cotidiano escolar impostos pelas muitas máquinas de poder que engessam
os currículos e modelam atitudes. Acreditamos que as experimentações criadas pelos
professores e estudantes, que articulam relações entre disciplinas escolares, sociedade e
autoformação, afirmam a beleza da vida que pulsa e vibra nas pequenas coisas, no “entre”,
nos encontros e (des)encontros e, consequentemente, constitui-se em forças que rompe
as formas do currículo.
Questionamos, então, na produção da pesquisa: De que modo os encontros
estabelecidos no cotidiano escolar podem potencializar o trabalho coletivo e favorecer as
invenções curriculares?
Sendo assim, a presente pesquisa objetiva cartografar os afetos que emergem dos
encontros estabelecidos no cotidiano escolar, considerando que por meio desses
encontros, de onde se deriva uma multiplicidade de composições, expande-se a potência
coletiva e uma docência inventiva vai se delineando, criando novos movimentos
curriculares.
Aposta num currículo como redes de conversações e ações complexas “que busca
os possíveis da sua constituição fundado na dimensão da conversação para a recriação de
saberes, fazeres e afetos da/na escola como uma comunidade” (CARVALHO, 2009, p.188).
Apresenta como abordagem metodológica a pesquisa qualitativa de inspiração
cartográfica e as redes de conversações derivadas de encontros com professores de uma
escola de Educação Infantil do município de Serra-ES.
A nossa intenção é dialogar com os professores utilizando como instrumentos de
produção de dados a observação participante, o registro em diário de campo, o registro
fotográfico, as narrativas, as conversas e as experiências vivenciadas no cotidiano escolar.
Procuramos estudos que dialogam dentro da perspectiva da filosofia da diferença,
da coletividade, da valorização das experiências cotidianas e dos movimentos curriculares
inventivos. Entretanto, pela exiguidade do espaço, registraremos apenas alguns dos
referenciais que compõe com nosso trabalho.
Tomamos, então, como referência a pesquisa A força revolucionária das
experimentações políticas de amizade, alegria e grupalidade nos currículos e na formação
de professores da Educação Infantil de Maria Riziane Costa Prates (2016) que compõe com
as nossas investigações ao defender os afetos e as experimentações políticas de amizade e
113

alegria como forças revolucionárias e potência de uma grupalidade que resiste aos
engessamentos curriculares e inventam novos modos de constituição docente, pelos bons
encontros que, na produção de aprendizagens afetivas, possibilitam a imanência de uma
vida.
Como base teórica da pesquisa, utilizaremos os conceitos de “multidão” (HARDT E
NEGRI, 2005) e de “multiplicidade” (DELEUZE, 1995), pois estes nos remetem as diferenças
singulares existentes no cotidiano escolar que podem ser evidenciadas por meio do
trabalho coletivo, tornando-se essencial para a qualificação das ações, valorizando os
diversos saberes, as diferentes maneiras de viver.
Spinoza (2009) também contribui com a nossa pesquisa ao trazer-nos o conceito de
“afetos” compreendendo que são as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é
aumentada ou diminuída e, que as “afecções” são o corpo sendo afetado pelo mundo.
Reconhecendo a enorme importância do ambiente, da relação e do encontro, em suas
funções de afetação, o autor nos mostra que através de “bons” encontros as relações
podem se compor e aumentar nossa capacidade de agir.
São “praticantes ordinários” (CERTEAU, 2009) que criam e inventam diferentes
formas de saber e de fazer, de ensinar e de aprender e que são potencializadas pelo
trabalho coletivo. Através da “ciência prática do singular” abrem espaços/tempo para
processos de inventividade, advindos das microliberdades, em pequenos espaços sociais
como a escola, em que as táticas silenciosas e sutis jogam com o sistema dominante,
subvertendo a ordem por meio da poética do fazer cotidiano.
Na dimensão da conversação para a recriação de saberes e fazeres da escola de
modo coletivo (CARVALHO, 2009), possibilitam “abrir mão de certezas” e mergulhar no
“desconhecido”, vivenciando a experiência que nos atravessa (LARROSA, 2015), que nos
toca, que nos acontece no sentido da vida, que nos proporciona essa inquietação ao nos
estremecer sem a certeza de um sim ou um não.
Viver a arte do encontro no cotidiano escolar é vivenciar essa sedução da
participação, da combinação de vozes e criatividade, é se abrir para experiências
impulsionadoras dos processos de coletividade e inventividade que qualificam as ações
educativas à medida que possibilita a multiplicidade compartilhada.
Consideramos que a presente pesquisa se articula com a temática do VIII Seminário
Conexões: Deleuze e Corpo e Cena e Máquina e..., pois enfatiza as experimentações e
conexões produzidas nas múltiplas esferas do cotidiano escolar.
Acreditamos que por meio de “bons” encontros (SPINOZA, 2009) os protagonistas
do processo educativo ao se colocarem abertos às relações e, em busca do “comum”,
fortalecem as “zonas de comunalidade” (CARVALHO, 2009), o trabalho coletivo, delineando
uma docência inventiva que rompe as formas do currículo favorecendo a criação de novos
movimentos curriculares.

Palavras-chave: Coletividade; Encontros; Invenções Curriculares.


114

ENTRE MEIO: OS AGENCIAMENTOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO


INFANTIL NO ÂMBITO DO PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA NO
ESTADO DO AMAZONAS

Jucimara Canto Gomes


Universidade Federal do Amazonas - UFAM
jucimaracanto@hotmail.com

Zeina Rebouças Correa Thomé


Universidade Federal do Amazonas- UFAM
zeinathome@gmail.com

O texto realiza reflexão seguindo os agenciamentos que constituíram a experiência


da Formação para Formadores Locais e Regionais da Educação Infantil realizado pelo
Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de Tecnologia e Prestação de Serviços
para a Rede Pública de Ensino – CEFORT da Universidade Federal do Amazonas no âmbito
do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC - no Estado do Amazonas no
ano de 2017/2018. A reflexão busca no entrecruzar-se da compreensão de agenciamento
em Deleuze e Guatarri (2010) e nas proposições de Latour (1994) o aporte para
acompanhar os actantes da rede rizomática em seus agenciamentos máquinicos com
fluxos, cortes, associações e linhas de fuga, desvelando com isso o entre meio dessa
realidade que muito tem a dizer.
O ponto de conexão em que se adentra a rede e seus agenciamentos para realizar
a reflexão aqui empreendida foi o curso de Formação de Formadores da Educação Infantil
realizada pelo Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de Tecnologia e
Prestação de Serviços para a Rede Pública de Ensino – CEFORT da Universidade Federal do
Amazonas no âmbito do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa/PNAIC realizado
no período de 2017 a 2018. O programa buscava atender à Meta 5 do Plano Nacional de
Educação que estabelece a obrigatoriedade de “alfabetizar todas as crianças no máximo
até o final do terceiro ano do Ensino Fundamental”. (MEC/PNAIC 2017, p.03).
O CEFORT com o objetivo de atender a formação dos Professores da Educação
Infantil nos 62 Municípios do Estado do Amazonas, empreendeu um trabalho de
experiência coletiva em rede considerando as especificidades culturais e ambientais da
região, a partir da compreensão que esta requer abordagem diferenciada da criança
urbana, ribeirinha, indígena, quilombola e de fronteira dessa região com suas
multiplicidades inserida no contexto amazônico.
Situamo-nos nessa rede enquanto um de seus actantes, o Formador Regional,
compondo com o Coordenador Estadual da União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME), Coordenador de Gestão, Coordenador de Formação, Formador
Estadual, Formador Local, Professores, Coordenadores Pedagógicos e todos os atores não
humanos o coletivo analisado. Os actantes estiveram envolvidos no movimento de
atividades presenciais, exercícios metodológicos em serviço, acompanhamento a distância
mediado por Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA e é no entre meio desses
movimentos e seus agenciamentos que a reflexão se delineia.
A compreensão de agenciamentos analisados na cadeia de conexões que se
constituiu a formação de Formadores Regionais e Locais da Educação Infantil, tem na
115

filosofia de Deleuze e Guatarri (1995; 2010) aporte para entende-la enquanto rede
heterogênea a partir do conceito de rizoma. Em Deleuze um agenciamento põe em
conexão multiplicidades tomadas nos diferentes campos da realidade. Um rizoma
constitui-se de agenciamentos de toda ordem, conectam-se cadeias biológicas, políticas,
econômicas, sociais, pessoas e coisas. “Um rizoma não começa nem conclui, ele se
encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore impõe o verbo
“ser” mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e...e...e” [...] (DELEUZE E GUATARRI,
1995, p. 37).
O que está no meio é a questão, o que liga, as conexões, as associações ou
agenciamentos. A rede abordada por Latour (2001) traz a compreensão de agenciamentos
enquanto associações híbridas, o mediador na rede é entendido como
seres/agenciamentos que não são nem puros humanos e nem puros não-humanos
actantes (atuantes). Inerente a todo agenciamento está a potência de criação e
imprevisibilidade, o ser/agenciamento provoca a ação, põe em movimento esse coletivo.
A “multiplicidade de multiplicidades” que compõe essas redes de emaranhados
potencializam a criação de novos agenciamentos. (DELEUZE; GUATARRI, 2011. P.62)

[...] um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões


numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida
que ela aumenta suas conexões. Não existem pontos ou posições num
rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz.
Existem somente linhas (DELEUZE; GUATTARI, 2011:24).

Da mesma forma Latour (1994, p. 16) destaca que “a rede de actantes é sempre
aberta, heterogênea de modo que, a princípio, é possível estabelecer todo e qualquer tipo
de conexão”. O texto busca assim nos dois autores e suas teorias/textos/agenciamentos o
fio condutor para análise.
A filosofia deleuziana nos permite empreender uma análise que acompanha a
realidade do Curso de Formação de Formadores Regionais e Locais da Educação
Infantil/CEFORT/PNAIC em seus movimentos e multiplicidades de entrelaçamento. O
entendimento de uma rede rizomática e seus agenciamentos envolvendo atores humanos
e não humanos (actantes), suas alianças de força, pulsão e repulsão.
A formação de Formadores Regionais e Locais apresentou-se como experiência
profícua para análise de uma rede que engendrou no seu devir os mais diversos actantes
que percorreram a cadeia de fluxos, que se atraíram, se repulsaram, se entrecruzaram,
criaram híbridos entre o projeto do Programa inicial do PNAIC e a prática pedagógica do
professor nas mais distantes escolas ribeirinhas do Estado do Amazonas.

Palavras-chave: Agenciamentos; Formação; PNAIC.


116

TERRITÓRIOS OCUPADOS EM EFEMERIDADES: CRIANÇAR

Ivânia Marques
Secretaria de Educação – Prefeitura Municipal de Americana
marques.ivania@gmail.com

Davina Marques
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Hortolândia
davina.marques@ifsp.edu.br

Apresentamos aqui uma experiência em Educação Infantil, explorando arte,


experimentação e agenciamento maquínico. A proposta é pensar essa experiência a partir
de conceitos inspirados nos escritos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, atravessados por
outros autores como Walter Kohan, César Leite, e artistas como Kátia Canton e Luís
Martinelli. Ideias de efêmero, experimentação, land art, território e agenciamento
perpassam a escrita pontuada por imagens que serão apresentadas no trabalho. Trazemos
esta proposta para o VIII Conexões Deleuze para socializar, com os participantes, um
movimento criativo entre crianças e o espaço em que convivem.
Efêmero diz-se daquilo que dura um dia, que é passageiro, temporário, transitório,
que desabrocha e fenece em um período curto (como uma flor), podendo germinar,
florescer e dispersar sementes (HOUAISS, 2009).
Experimentação, inspirada nos escritos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, diz-se das
aproximações, dos processos abertos que exploram possibilidades, atrações, (re)arranjos,
refere-se a respostas a convites, à habitação de zonas fronteiriças. Com esses autores,
entendemos a experimentação a partir da improvisação sobre um plano. Essa ideia de
improviso, entretanto, não tem a ver com espontaneísmo, com o apenas acaso, mas com
a proposta de algo inventivo, que escapa ou permite escapar, que atravessa ações em
linhas de fuga, aquelas que criam, linhas de vida.
Estamos em processo crianceiro, de pesquisa em devir-criança. Queremos olhar e
ver, movimentar o pensamento: "[...] pesquisar com crianças é, já em si, um convite a outra
modalidade de pesquisa, é um convite a pensar pesquisa como experiência e não a
pesquisa como experimento" (LEITE, 2011, p. 125).
Agenciamentos surgem como constelações de elementos que agregam forças do
desejo e que constroem máquinas que funcionam juntas produzindo novidades (neste
caso, arte criança), um criançar alegre e bonito. Agenciamento se diz dos movimentos
coletivos de enunciação e dos movimentos maquínicos do desejo: agenciamentos nas
capturas, nas linhas de composição, nas escolhas contínuas, nos atravessamentos em
acontecimentos intensivos que nos afetam. Agenciamento tem estreita relação com o
conceito de território: “O território é, ele próprio, lugar de passagem. O território é o
primeiro agenciamento, a primeira coisa que faz agenciamento, o agenciamento é antes
territorial.” (DELEUZE; GUATTARI, 2002, p.132). Agenciamentos são conjuntos de linhas,
em imanência. (Cf. DELEUZE, 2003).
Em efemeridade e em experimentação, crianças da Escola Municipal de Educação
Infantil Corimbó (Americana, SP) explora(ra)m os espaços de brincar. Experimentando
inicialmente a ideia de coleta, as crianças buscaram os materiais nos seus espaços, em
caminhos repetidos e novos e em cada lugar se revelava uma cena (MARTINELLI, 2012).
117

Achei! Achei! Ah! Tem uma um pouquinho marrom. Tem umas... Estou separando as
diferentes, estou separando... Ah! Põe aqui junto. Folhas de múltiplas cores, gravetos de
múltiplos tamanhos, penas e peninhas, flores, cores - procurou-se, encontrou-se, separou-
se... Marcou-se o espaço com os pés. Criaram-se trilhas. Seguiram-se as trilhas. Depois,
brincar de (re)compor. Land Art em experimentação. Nas palavras de Canton (2019, p. 19),
trata-se de uma arte que não se caracteriza como sendo "de paisagem", mas sim "uma arte
feita na paisagem".
Nas conexões possíveis da educação, ensinantes e aprendentes funcionam como
engrenagens de uma máquina e funcionam como um bloco. Assim as crianças construíram,
coletivamente, seus objetos artísticos. É o que mostraremos no nosso trabalho. Mas o
vento... O vento levou! Ah....

Palavras-chave: Agenciamento Maquínico; Educação Infantil; Land art.


118

AZUL PROFUNDO: ESCULPINDO UM DIAMANTE CRISTALINO DO E NO PENSAMENTO


COMO FILOSOFIA-PERFORMANCE E MODO DE EXPERIÊNCIA CINEMATOGRÁFICO E
ESPECULATIVO

Sebastian Wiedemann1
OLHO – Laboratorio de Estudos Audiovisuais / Faculdade de Educação - Unicamp
wiedemann.sebastian@gmail.com

Poderíamos dizer como Spinoza, O que pode um corpo? No entanto, desta vez nos
parece mais pertinente colocar o problema desde uma perspectiva pragmática. William
James, talvez diria, Como fazer com que o pensamento não abandone o corpo? ou em
outras palavras, Como não abandonar a experiência pura do pensamento que se faz corpo?
Fazer corpo com, como aquele gesto que não perde de vista as relações internas entre as
componentes que dão consistência ao próprio corpo e que por sua vez sempre é corpo de
corpos. Um desafio que exige alianças com técnicas que se recusam as abstrações e
relações externas, onde ficamos fora da experiência e do encorpar do pensamento. Torna-
se iminente a recusa a falar sobre ou a partir de. É preciso se aliar com uma preposição de
proximidade, emaranhamento e intimidade: com. Pensar com, pensar sendo parte de,
fazendo corpo com. Isto é, compartilhando o mesmo tempo e espaço, compartilhando a
mesma dimensão e superfície com os eventos que nos convidam a comparecer, a par com
eles ser, entanto devires que entre-vivem. Uma recusa do diferir cronológico para poder
abrir e intensificar um diferir e um diferencial no acontecer do acontecimento. Dar um salto
do extensivo ao intensivo. Esse ser em ato da experiência e que a faz pura, é justamente a
sua dimensão performática. Dimensão, a o mesmo tempo, de maior intensidade e de maior
fragilidade, dimensão dos gestos menores (Manning) e que exigem a instauração de novos
modos de fazer existir o pensamento como o são a prática e técnica da filosofia-
perfomance (Böhler) e do cinema performático (Bullot) e especulativo. Isto é, modos de
criar novas encenações, coreografias e até arquiteturas para o pensamento na intersecção
com a oralidade, como esse lugar de encorpamento e acoplamento, de criação de uma
continuidade na descontinuidade entre corpos e materialidades nas quais se está junto
com o próprio pensamento. Assim no contexto académico deixaríamos de habitar a
ocasião-fala/comunicação oral/palestra para estar e devir em ato com esse pensamento
enquanto acontece. Falamos ao mesmo tempo então de uma ilocalizabilidade do
pensamento que pressupõe a suspensão de esquemas perceptivos como o do par objeto-
sujeito, para se abrir a uma topologia diagramática e acentrada de fluxos contínuos e cortes
diferenciadores em relações de limites dinâmicos. Nesse entorno de turbulências e
tendências catastróficas que mantem o pensamento em movimento, é onde queremos
continuar a desdobrar o atrator perceptivo e perspectivistico que temos chamado de Azul
profundo. Um cenário e una fabulação especulativa (Haraway), onde pode se explorar,
habitar e esgotar o potencial de ecologias azuis e mais do que humanas que dão lugar a
novos modos de existência no e do pensamento. A instauração desses modos de existência
(Souriau) é o que ao mesmo tempo da consistência ao pensamento que é dramatizado e
que nesta ocasião passa pelo gesto de esculpir e dar a aparecer o Azul profundo como um
diamante cristalino. Noção poética e conceitual que queremos nutrir e fazer germinar a
partir das noções de imagem-cristal e de atual e virtual em Deleuze e em consonância com
1
Doutorando em Educação.
119

Bergson e Leibniz. O Azul profundo, como dobra e redobra infindável de uma ecologia azul
e azulante que inevitavelmente ressoa com um oceano, com uma aquosidade monadica e
incomensurável onde o virtual e atual talvez encontrem seu circuito mais ínfimo, seu
inframince (Manning), onde os possíveis em estado puro de germe e gênese proliferam e
pipocam em todas as direções e no maior grau de intensidade. Um Azul profundo que
escava e pole suas superfícies dando lugar a um diamante aquoso que fractaliza e difrata a
experiência tornando-a múltipla e mais rica. O Azul profundo como diamante cristalino,
como afirmação de processos cosmogeneticos irrestritos e que ao mesmo tempo diz que o
cosmos é um grande cinematógrafo mais do que humano. Eis aqui a premissa deste
experimento e gesto performático entre modos de experiência cinematográficos e seus
desdobramentos desabrochantes que afirmam o ponto de vista da criação. Um encontro
secreto entre Bergson e Whitehead num cinema impossível onde Deleuze
inesperadamente é o projecionista. Um filme que acontece, o Azul profundo, essa
tonalidade afetiva e intervalar que abisma o pensamento.

Palavras-chave: Cinema Especulativo; Diamante Cristalino; Filosofia-Performance.


120

O VIDEOCLIPE COMO CRÍTICA E CLÍNICA: UMA ANÁLISE DE O ÚLTIMO TRASEIRO DE GUY


MADDIN E SPARKS

Henrique Rocha de Souza Lima


Universidade de São Paulo
henriquerocha@usp.br

No filme experimental “O quarto proibido” (2015), o diretor Guy Maddin insere uma
história curta contada em formato de videoclipe, realizada em colaboração com a dupla de
produtores musicais Sparks. A história intitulada “The Final Derrière” conta a trajetória de
um homem que procura um cirurgião “especialista em luxúrias” para tratar o mal que lhe
assola: ele está “assombrado por bundas”.
Ao longo da história, o personagem é objeto das injunções de uma força pulsional
encarnada por uma personagem intitulada de “mestra paixão”, interpretada pela atriz
Geraldine Chaplin, que o açoita com um chicote virtual enquanto o sujeito delira
involuntariamente a imagem de mil traseiros.
Ao longo dessa composição audio-visual-musical-literária, o sujeito passa por três
procedimentos cirúrgicos feitos diretamente em seu cérebro, e sem chegar a um resultado
satisfatório ao final, em que o fim das imagens que modulam seu desejo é equivalente ao
fim do sujeito ele mesmo.
O tema é fantasmagórico por excelência, e mobiliza a mídia audiovisual para tornar
sensível uma dimensão do agenciamento que forma um tipo particular de individuação
subjetiva, caracterizada pela esquizoanálise de Deleuze e Guattari principalmente pelos
conceitos de rostidade e (sobretudo) ritornelo.
Neste videoclipe, Guy Maddin e Sparks agenciam corpo, cena, som, texto e uma
série de recursos de criação de imagem para expressar um jogo de modulações que
formam o agenciamento intra-subjetivo particular vivido por este sujeito assombrado por
imagens de traseiros. A poética cinematográfica de Guy Maddin é reconhecida por atualizar
uma espécie de arqueologia do audiovisual mediante mobilização de técnicas de
composição de imagem proveniente de diversas épocas do cinema, bem como de técnicas
pré-cinema.
A história a ser analisada aqui se encontra em continuidade com esta poética, e
mobilizada de modo isomórfico algumas técnicas pré-cinema para tornar sensível no plano
de expressão o que está posto no plano de conteúdo, como por exemplo, dentre outras
técnicas, a projeção de imagens de rostos sobre tecidos, típica dos espetáculos de
fantasmagoria de fins do século XVIII.
O videoclipe em questão se propõe, portanto, captar e tornar sensível um jogo de
forças virtuais que operam no fluxo de desejo do personagem, e que operam na condição
de imagens que modulam o desejo do personagem e que o fazem sofrer de um mal para o
qual ele também deseja a cura. Junto ao plano altamente sofisticado das imagens em cena,
está o texto da canção, distribuído entre voz offscreen e texto projetado na imagem como
diálogo entre os personagens.
A conjunção dos dois textos forma um agenciamento literário composto de figuras
de linguagem em que predominam analogias e ironia, como, por exemplo, nas passagens
em que a força de modulação desejante “vai com o chicote”, e na situação em que após o
121

terceiro procedimento cirúrgico, o mais invasivo de todos, o médico diz ao personagem:


“agora seu cérebro está novinho como a bunda de um neném”.
Este videoclipe atualiza a mídia audiovisual e o formato particular do music vídeo
para realizar, portanto, uma articulação conjunta entre máquina literária e máquina
musical como meio para expressar uma situação na qual os acontecimentos são em sua
grande maioria de natureza virtual. Assim, o trabalho aqui analisado coloca em cena um
processo de produção e reprodução desejante, ativando um devir clínico do videoclipe, no
qual este formato trata não apenas da dimensão virtual do desejo, povoado de fantasmas
(rostidade) e repetições (ritornelos) virtuais, mas também do devir da própria música
popular de massas, em seu crescente povoamento e sua crescente fixação por bundas.
Ao longo de seu variado espectro de “gêneros musicais”, a música pop produzida
no âmbito das mídias digitais para ser consumida em massas tem um personagem principal
em comum: a bunda. Ela é o personagem principal em diversas produções do trap, rap,
funk, raggaeton, mumbathon, enfim, de todas as variantes da Bass Music não apenas no
âmbito da indústria fonográfica mainstream e de circulação global, mas também das
indústrias culturais locais.
Considerando este fato, o agenciamento maquínico áudio-visual-musical-literário-
cenográfico produzido por este item particular em formato de videoclipe, atua como fato
simultaneamente crítico e clínico, na medida em que torna sensível um jogo de forças que
compõe o agenciamento virtual que forma um sujeito particular em sua relação com seu
desejo, e também, torna sensível uma dimensão particular que atravessa o corpo social do
capitalismo global através de mídias visuais e fonográficas: a multidão de traseiros e sua
agência na composição do desejo de massas no antropo-capitaloceno.

Palavras-chave: Fantasma; Ritornel; Videoclipe.


122

IMAGEM DE UM SEGREDO: DELEUZE, DAVID LYNCH E A PEDAGOGIA DA PERCEPÇÃO

Cristiano Bedin da Costa


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
cristianobc@ufrgs.br

Elena de Oliveira Schuck


Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
elena.schuck@gmail.com

Em entrevista concedida na ocasião da publicação de Cinema 1: A imagem-


movimento (publicada em Dois regimes de loucos com o título “Retrato do filósofo
enquanto espectador”), Deleuze, dizendo se considerar um espectador ingênuo, defende
a ideia de que todas as imagens de cinema são literais e devem ser tomadas literalmente,
em seu dado imediato. Destituída de qualquer profundidade, a imagem, tomada como
imagem plana, não representa suposta realidade alguma, sendo ela para si mesma toda a
sua realidade, uma realidade à letra, em cheio, de chofre. São as imagens, portanto, que
irão impor ao espectador determinado uso dos olhos e dos ouvidos. São as imagens que
exigem determinada postura para serem vistas, e é sempre por meio de tais posturas, por
meio da aprendizagem que elas envolvem, que se pode articular as ideias cinematográficas
com aquelas advindas de outros campos de criação. Para nós, trata-se de pensar entre o
cinema, a filosofia e a educação. Mais especificamente, entre Deleuze, David Lynch e o que
entendemos ser uma pedagogia da percepção. Para tanto, partimos de uma linha de fuga,
traçada por um gesto preciso: o sussurro de Laura Palmer ao ouvido de Dale Cooper. A
cena-leitmotiv de Twin Peaks, de Lynch, é a construção de um espaço tão preciso quanto
escorregadio, o espaço delimitado em sonhos, no tempo passado e nas potências do
futuro. Partimos de uma linha de fuga, partimos da imagem de um segredo. Que se passou?
O que poderá ter acontecido? O segredo permanecerá impenetrável, a imagem rasa – ou
a imagem de superfície sem profundidade, segundo a terminologia de Serge Daney
retomada por Deleuze – exige ser tomada literalmente, em sua planeza, apenas por aquilo
que há nela e dentro dela: destacada do antes e do depois, uma imagem só vale pelos
pensamentos que ela cria ou pelas novas funções de pensamento que ela desencadeia.
Para Deleuze, uma imagem cinematográfica é um espaço particular, um meio no qual são
produzidas imagens de pensamento a ele imanentes (ou seja, possíveis de serem pensadas
apenas nesse meio). Nesse sentido, o exercício de pensar por imagens está diretamente
relacionado a uma pedagogia da percepção, a uma pedagogia que insistentemente faz ver,
ouvir e sentir de outros modos, pela força e sugestão imagéticas. Um segredo jamais
descoberto é uma realidade impenetrável, que impõe um movimento circular ao redor do
informe, do que não está decidido, do que espanta e não deixa de nos fazer regressar ao
sem-resposta. Entendendo que o ato de criação envolve um trabalho de pensamento,
sendo que pensar é necessariamente ir de encontro à imagens-clichê e saberes
estratificados, uma pedagogia da percepção coloca em cena um esforço que não é de
descoberta e resolução de problemas, mas sim de repercussões e deslocamentos
contínuos. Se o segredo não instaura uma profundidade, não há nada oculto e a história
não irá avançar ou retroceder em favor de uma descoberta. O que o segredo encena é uma
potencialidade inesgotável, uma força de suspensão que institui um avesso ao mesmo
123

tempo em que escapa a toda possibilidade de revelação (um vacúolo de não-comunicação


que escapa a todo controle, segundo os termos deleuzianos em “Controle e devir”). Secreto
por transparência, secreto por nada esconder, secreto por um esquecimento fundamental,
o ato imagético-educativo não é memória; encontra-se na produção, não na
representação. Partimos de uma linha de fuga, partimos de uma imagem-clandestina que
nos coloca em relação e nos faz evoluir na ambiência problemática do incognoscível (o
segredo como matéria inapreensível, uma existência de borda que ultrapassa os limites da
percepção), que nos oferece posturas (estados do corpo e do espírito diante do
imperceptível que subjaz ao que está se passando ou acabou de acontecer), que instaura
suspenses invertidos (que é esse nada presente que faz com que algo tenha acontecido?).
De Laura Palmer ao agente Dale Cooper, pelo acoplamento boca-orelha, pensa-se sempre
entre-dois, tal como insistem Deleuze e Guattari. Partimos, portanto, do entre-lugar.
Partimos de um sussurrado agenciamento coletivo e buscamos dar novas direções a linhas
que já se encontram em movimento. Nesse espaço, o que está em jogo é a possibilidade
ou não da existência de percepções e posturas outras, de alianças inéditas, de pactos
marginais (só os devires são secretos de fato, ensinam-nos os Mil platôs). Clandestina, a
imagem é uma máquina de guerra. Diante dela, a partir dela ou mesmo nela, pelos signos
que emite e no espaço-tempo anônimo que engendra em sua pedagogia, pode-se, quem
sabe, apreender a resistir, a suscitar acontecimentos e a compartilhar um mundo.

Palavras-chave: David Lynch; Deleuze; Pedagogia da Percepção.


124

UMA CONVERSA, O QUE É, PARA QUE SERVE: DIÁLOGO ENTRE EDUARDO COUTINHO E
GILLES DELEUZE

Renata de Oliveira Ramos


CEFET/MG
renataor@gmail.com

O objetivo dessa comunicação é apresentar uma tentativa de colocar “em conversa”


ou, buscar as linhas convergentes entre a concepção do cineasta Eduardo Coutinho sobre
a entrevista (que ele chama de conversa) e as ideias do filósofo Gilles Deleuze a respeito
de conversa, mais exatamente no texto “Uma conversa, o que é, para que serve”, texto, ele
próprio, uma conversa com a jornalista francesa Claire Parnet.
Deleuze inicia esse texto, dizendo que numa conversa, ou entrevista, parte-se,
geralmente, de questões, e as questões, segundo ele, “são fabricadas, [e]se não deixam
que você fabrique suas questões, com elementos vindos de toda parte, de qualquer lugar,
se as colocam a você, não tem muito o que dizer” (DELEUZE, 1998, p. 9). Quando uma
questão é colocada por outro, a possibilidade de emergir uma conversa que acione
elementos heterogêneos à fala e aos argumentos se enfraquece, e o normal é que se caia
em binarismos, que é a lógica do senso comum. Portanto, a formulação de questões,
propor uma conversa partindo de questões previamente elaboradas, principalmente se
tratando de questões gerais, a forma clássica da entrevista seria praticamente uma anti-
conversa.
Coutinho afirma, a respeito de seus filmes, que prefere chamar a situação da
entrevista de conversa, por considerar que a forma pressuposta da entrevista destrói o
clima de diálogo buscado por ele, “o improviso, o acaso, a relação amigável, às vezes
conflituosa, entre os conversadores dispostos, em tese, dos dois lados da câmera – esse é
o alimento essencial do documentário que procuro fazer” (COUTINHO apud OHATA, 2013,
p. 16).
Apostando na convergência entre essas concepções de conversa, irei apresentar
algumas considerações dessa relação Deleuze/Coutinho a partir da análise do filme As
Canções (2011).
Em vários de seus filmes, Coutinho se utiliza de artifícios para “fazer falar” que, no
momento da conversa, extrapolam a colocação de questões, ou diminuem a possibilidade
de redução do encontro a binarismos. No filme As Canções, o diretor simplesmente pediu
que os personagens cantassem uma canção significativa para eles e o que se segue são
conversas que acontecem entre cada personagem-cantor e o diretor, mediadas pelo
aparato cinematográfico.

Palavras-chave: Conversa; Documentário.


125

APICHATPONG WEERASETHAKUL: POÉTICAS E LINGUAGENS E...

Pedro Santos Paviotti Vicentin


Universidade Federal do Espírito Santo
pedropavioti@gmail.com

Marcelo Vicentin
Universidade São Francisco
marcelovicentin@yahoo.com.br

Apichatpong Weerasethakul, diretor tailândes, trabalha “com a memória e com


elementos do mundo concreto ao mesmo tempo. Mas, às vezes, não tento atingir nada,
apenas deixo a imagem e o som fluírem, como um rio”. Sua narrativa é um mundo de signos
e sintaxe de cinematografia autoral. Cinema que não segue a narrativa clássica com
começo, meio, fim; mas imagens que fluem como um rio, com passado e presente se
misturando em camadas, misturas de realidade e fantasia, fato e ficção; experimentações
fronteiriças, nas bordas da reflexão, o silêncio. Nas bordas do campo visual, a exploração
do extracampo, de elementos fora da visão do plano: sons, luzes, vultos, explorando a
hibridez, dinâmicas potências contemporâneas, com diversos elementos que a situam
sempre num entre, bem no meio de embaralhamentos, trazendo assim, camadas que nos
movimenta, nos põe a pensar.
No Apichatpong tudo se confunde propositalmente: com a estrutura narrativa
dando lugar à sua ausência, deixando que a história se construa coletivamente pelas
pessoas. Nesta fronteira em que reside o filme, a ficção dá a mão para a realidade e se
assumem como uma coisa única, feito animal híbrido, inclassificável. Blocos de imagem que
inventam, transformam, produzem acontecimentos sobre o mundo, nos movimenta por
caminhos difíceis, violentos, silenciosos que se repelem ao mesmo tempo em que se
fundem; por um cinema de movimentos físicos, cosmológicos, de incontrolável
transformação.
O cinema para Deleuze e Guatari (O que é a Filosofia, 2013), cria sensações, blocos
de sensações formados por perceptos e afectos; constituindo em corpo forças não
corporais, operando uma força, uma vibração sobre outro corpo, provocando sensação,
desencadeando alguma transformação, colocando movimento em alguém ou algo: um
“tornar-se”, remetendo a um devir. O cinema de Apichatpong ao mergulhar
profundamente no sobrenatural, nas forças da natureza, na floresta, na vida, nos mortos,
em seres híbridos, meio homem, meio animal, provoca o pensamento, devires,
potencialidades; produz vibrações, coloca em movimento o pensamento, produz
acontecimento, força o pensamento a pensar sobre a vida. “É pelo corpo (e não mais por
intermédio do corpo) que o cinema se une com o espírito, com o pensamento. ‘Dê-me,
portanto, um corpo’ é, antes de mais nada, montar a câmera sobre um corpo cotidiano”
(DELEUZE, 2018, p.275. Cinema 2 – a imagem-tempo).
Assim, Apichatpong entre fantasmas e realidade, entre a ficção e o documental,
constrói uma delicada trama de reverberações poéticas com dimensões também políticas
- não só em seus diálogos, mas até mesmo na lentidão de seus longos planos que, se
contrapostos com a freneticidade hollywoodiana, veríamos quase o avesso um-do-outro,
uma oposição de linguagem ao cinema dos grandes estúdios americanos. Um olhar voltado
126

para o cotidiano, por sua vez, aponta para um gênero de produção no campo do audiovisual
que propõe uma outra natureza de narrativas, muito mais subjetiva e sensorial, bastante
distinta do cinema industrial, incorporando hibridismo como poética e linguagem, se
situando não mais na pureza do ‘ou’ encaixotante, mas assumem o advento do ‘e’
(GONÇALVES, 2014 – Narrativas Sensoriais). “E” que de acordo com Deleuze (2017 – Três
Questões Sobre Seis Vezes Dois. In: Conversações) desequilibra as relações, o ser, o verbo
etc.
Nos devires de Apichatpong, homem-macaco-fantasma, o bagre que faz sexo com
a princesa (Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas/2010), o tigre-xamã (Mal
dos Trópicos / 2004), misturam-se aos fantasmas que habitam o mundo dos vivos: Huav, a
esposa (Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas/2010), Pob (Hotel Mekong
/ 2012) reencarnação que se alimenta de entranhas, bem como a selva, o rio, a força da
natureza o movimentam para as fronteira entre realidade e fantasia, fato e ficção,
embaralham as percepções e sacudindo o evento cinema, como um acontecimento, cria
problemas, provoca o pensamento, nos põe a pensar novos pensamentos, põem em
evidencia e funcionalidade o devir no pensamento.

Palavras-chave: Devires; Cinema; Fronteiras.


127

SEPULTADOS VIVOS: CONECTANDO COM A AREIA RADIOATIVA E CORPO E MÁQUINA


E...

Marina Meira Coelho


Estudo de Cultura Contemporânea ECCO - UFMT
mc_meira@hotmail.com

Daril Domingos Motta


Estudo de Cultura Contemporânea ECCO - UFMT
darildmotta@gmail.com

Em Guarapari, a presença de terras raras com propriedades radioativas tem


transformado o modo das relações estabelecidas com esse fenômeno espontâneo. Em sua
composição, as areias monazíticas — como são chamadas as terras raras — apresentam
elementos radioativos como o Tório, Urânio, dentre outros. Sua utilização é complexa.
Serviram (e ainda servem) para lastro de navios e filamentos de lâmpadas incandescentes,
para a produção de bomba atômica e, por último, foi descoberta e aproveitada como
elemento capaz de promover saúde.
Pela propriedade de cura, a partir das propriedades do conjunto de seus elementos,
os corpos de pessoas que buscam tratamento encontram, nas areias pretas da praia de
Guarapari, a base perfeita para depositarem suas dores. O primeiro cientista a abordar a
temática foi o físico e médico Antônio Silva Melo (1886-1973), que inicialmente se
apaixonou pelas belezas das praias capixabas e, logo depois, pela formação que teve em
Berlim (Medicina), analisou a capacidade terapêutica da monazita.
Diante desse contexto, ‘Sepultados Vivos’ é a conexão perfeita de entrelaçamento
do corpo sem órgão, conceito apresentado por Deleuze e Guattari, que nasce da
capacidade de se abrir para novas sensações, novas disposições, na qual (e para qual) a
experimentação é uma condição. Pode ser entendido a partir da máxima: “A dor te limita,
mas o desejo produz”. Assim, entende-se o corpo sem órgão como um conjunto de
práticas, que, ao relacionar-se com a monazítica, cria condições de desejos.
Como Deleuze e Guattari expõem em O Anti-Édipo (2010, p. 514), “o que define
precisamente as máquinas desejantes é o seu poder de conexão ao infinito, em todos os
sentidos e em todas as direções”, nessa perspectiva, ‘Sepultados Vivos’ desejam a cura de
sua enfermidade e, naquela imersão, todas as possibilidades são consideradas, tudo que
foge à vida anestesiada, tudo que desfaz o entorpecimento da rotina, tudo que produza
intensidade, tudo que gere novos agenciamentos, organizações, aumento da potência, a
cura e o bem-estar.
Tem-se, assim, máquina e corpo permeados pela radioatividade. Corpo
transpassado, sem órgão. Medo? Cura? A busca? A máquina? Ou o corpo? O corpo
máquina, que chega a seu primeiro contato com as areias monazíticas em forma de
organismo, com utilidade, inserido para realizar determinados fins. Ao fugir desse
sedentarismo amarrado na lógica capitalista, nossos órgãos são capturados. A partir desse
contexto, o órgão é sempre instrumento de algo para além dele mesmo, neste caso, o
social. Deleuze e Guattari, em Mil Platôs, Vol. 3, Capitalismo e Esquizofrenia (1996, p. 19-
20), afirmam que:
128

O organismo não é corpo, o corpo sem órgão, mas um estrato sobre o


corpo sem órgão, quer dizer, um fenômeno de acumulação, de
coagulação, de sedimentação que lhe impõe formas, funções, ligações,
organizações dominantes e hierarquizadas, transcendências organizadas
para extrair trabalho útil.

Nesse cenário, em contato com a radioatividade, os corpos sepultados (vivos),


transformados em máquinas desejantes, mesclam o natural com a essência humana e com
a ciência. Tudo para Deleuze e Guattari (1996) é produção, constante movimento, pois nós,
seres humanos, também fazemos parte desse fluxo material: peças se juntando e se
separando, se juntando em partes que se sobrepõe, decompõe e justapõe. Corpo, areia,
dores e saúde. O movimento das máquinas é contínuo, expande-se, contrai-se, arranja-se,
desarranja-se, sempre com algo passando por cima de algo, com alguma coisa engolindo
outra. Caos? Não exatamente… As máquinas desejantes são, pois, uma multiplicidade
positiva que superam a identidade, e, talvez por isso não seja tão simples identificá-la com
clareza. Isso porque, ao falar em máquinas, sentimo-nos impedidos, justamente, por
ficarmos presos nas ideias de identidade e sujeito.
Diante disso, tem-se do entrelaçamento com a areia monazítica a produção de
expectativas de cura, vida saudável, corpo sem órgão, máquina desejante, para que o
indivíduo se regozije ao poder cantar, andar, perambular sem dores ou até mesmo com a
mera possibilidade de ficar sem as dores, a partir do contato com as areias radioativas.
Assim, as areias que foram usadas por e para diversas finalidades trazem um novo sentido
de vida nos dias atuais. Várias linhas de fuga surgem a partir das máquinas desejantes, seus
fluxos e conexões. É o devir. Uma construção engendrada meio homem natural, humano,
não humano, com órgão, sem órgão, máquina, radioativa, para fazer um novo fim, criando
possibilidades de conviver nesse mundo mesclado por aquilo que é aplicado pelo social e
cultural.
Ao manter contato com as areias monazíticas, o ‘Sepultado Vivo’, o corpo sem
órgãos, enterrando-se nelas, livra-se de dores, faz novos afetos, conversa com outros que
buscam alívio e acreditam no poder de cura, surgindo uma nova forma de ver o mundo,
novas afetações.
A cura ou a crença que se espera da capacidade da areia monazítica para o corpo,
para a máquina desejante, produz fluxos que se apresentam conforme apontado por
Guattari (1999), nas três ecologias necessárias para a manutenção da vida: a social, a
ambiental e a cultural, criando, assim, novas possibilidades da existência humana a partir,
inicialmente, da dor.

Palavras-chave: Corpo sem Órgão; Deleuze e Guattari; Radioatividade.


129

APRENDIZAGEM, MOTRICIDADE E DIFERENÇA: UMA POSSIBILIDADE DE


DESLOCAMENTOS

Paulo Henrique Oliveira Lopes


Faculdade de Educação Física da A.C.M Sorocaba
pauloemail2112@gmail.com

Rubens Antônio Gurgel Vieira


Faculdade de Educação Física da A.C.M Sorocaba / Universidade de Campinas
rubens@fefiso.edu.br

O presente trabalho busca aproximar as literaturas da aprendizagem motora e


filosofia da diferença, a fim de que seja possível pela cartografia registrar as possibilidades
que essa aproximação possa nos oferecer. Tendo em vista que tal encontro pode estar
acontecendo de maneira recente, não nos debruçamos a compreender nossos registros
como uma expansão à Aprendizagem Motora como campo científico dos estudos em
Comportamento Motor, e nem priorizamos restringir-nos a dialética tradicional, as
opondo. Foi possível notar, na tentativa de responder à pergunta- quais as possibilidades
de pensar a diferença na Aprendizagem Motora? - uma bifurcação do encontro em
questão, sendo potencializados pelos apontamentos de Kastrup e Foucault, para quem a
produção cientifica e filosófica se divide em: analítica da verdade e/ou ontologia do
presente. A primeira possibilidade, cercada pelos pretextos da ciência/filosofia moderna,
tende compor o tempo como espaço percorrido, tendo suas produções marcadas pela
representação e por sua incorporação ao sujeito; esta vertente nos permitiu relacionar as
pesquisas da Aprendizagem Motora como engajadas pelos pretextos científicos modernos
de cunho analítico e de comprovação, não sendo possível pensar a Aprendizagem Motora
como diferenciação do próprio ser. A segunda, tomada pelo entendimento bergsoniano de
tempo como duração e mudança, potencializa-nos a expor os limites de se pensar a
Aprendizagem Motora por representações e cortes de cunho analítico. Estando assim
agenciados pelos conceitos de Aprendizagem Inventiva e Movimento Aberrante pensamos
na possibilidade de uma aprendizagem motora como (re)invenção do corpo-movimento,
tendo abertura aos próprios problemas motores recorrentes dos encontros imanentes,
singulares e múltiplos que escapam às representações, violentando os fluxos habituais.
Com esses autores compreendemos que a aprendizagem motora revela um abertura às
sensibilidades que fazem mergulhar numa perplexidade e impedem o acionamento
imediato dos esquemas motores, remetendo a motricidade ao seu aspecto maquínico de
produção de fluxos e agenciamentos. Problematizamos as concepções clássicas da
motricidade para além do processo de aquisição de habilidades motoras, deslocando o
indivíduo de um processo de busca do movimento eficiente e dando às estruturas
compreendidas como “controladores motores” uma diferenciação com um inconsciente
que se encontra num processo de produção, potencializado por suas próprias questões e
encontros; para além das dadas tarefas motoras, reivindicando assim, como o esquizo de
“O Anti-Édipo” o estar além do simples referenciado, dos falsos problemas. Consideramos
então, com os deslocamentos proporcionados por este encontro filosofia da diferença e
aprendizagem motora a grande possibilidade de criação, agitando uma das principais áreas
que gerenciam a graduação no curso de Educação Física. Nos aproximamos com a temática
130

do evento em questão podendo produzir aproximações que desestabilizam certezas que


não abrem espaço para o devir-artístico e inventivo nas produções acadêmicas do curso
em questão. Avançando com as indagações propostas pelos pensadores Gilles Deleuze,
Félix Guattari, Henri Bergson, Virgínia Kastrup, Silvio Gallo e Michael Foucault, nos vemos
conduzidos por caminhos incertos que nos potencializam a escrita por territórios pouco
explorados, ou antes, desconsiderados. Abrimos espaço à uma pesquisa rizomática, que se
encontra em um processo de produção junto à um pensamento aberto ao infinito,
energizado pelos inúmeros encontros de nossos corpos. É diante destes deslocamentos
que uma nova perspectiva dos estudos sobre Aprendizagem Motora vem se desenhando.
A abertura sensório-motora proposta por Gilles Deleuze em “Diferença e Repetição” diante
do processo de aprendizagem parece suportar o que por muito tempo vem sendo abafado
nos estudos mais clássicos do comportamento motor humano. Essa, por sua vez, encara
um mergulho no caos para retirar dele não respostas, mas sim, aberturas, problemas que
incitam a produção desejante, a geração de novos fluxos e, por assim dizer, não sendo
passível de representação pelo cognitivismo ou pela lógica do movimento brutalmente
especializado. Se faz necessário a criação, a invenção singular da própria motricidade, dos
próprios problemas motores, das próprias habilidades maneiras de se locomover,
manipular, girar, flexionar, arremessar, arrastar, saltitar, escalar e ... e... e ... É dentro deste
encontro que achamos nossas possibilidades e agenciamentos, criando nossas conexões
com a Educação Física e a Filosofia; agitando certezas, promovendo rizoma em direções
múltiplas, fugindo de uma imagem única de pensamento, de fascínio pelas fazes, processos
que cristalizam os devires e matam o desejo criador de novas formas, novos seres e novos
mundos.

Palavras-chave: Aprendizagem, Deleuze; Motricidade.


131

PONTO CEGO: CIÊNCIA, ARTE E FUNGOS PARA PENSAR O INVISÍVEL

Fabíola Simões Rodrigues da Fonseca


Universidade Federal do Ceará
fsrfonseca@gmail.com

Reno Beserra Almeida


Universidade Federal do Ceará
renoalm@gmail.com

Cesar Augusto Baio Santos


UNICAMP
baio.cesar@gmail.com

A performance Ponto Cego foi realizada na cidade de Fortaleza, em 2019, e tinha


como proposta levantar questões sobre as formas como a ciência e a tecnologia têm
impactado e modificado nossas formas de produzir o mundo e de estar nele. Para tanto,
reunimos nove performers na praça do Ferreira, região central de Fortaleza, que se
posicionaram próximos e vestiram jalecos, luvas, máscaras de laboratório e começaram a
caminhar pela praça, por entre os que transitavam por lá, levando nas mãos uma placa de
Petri que continha ágar batata (meio de cultura que serve de alimento para esporos de
fungos e bactérias que irão aderir à placa).
Ao pensar a invisibilidade potente dos esporos dos fungos e das bactérias em
conflito com a presença das câmeras de segurança, as quais almejam tornar visíveis
mesmos os espaços infinitesimais do cotidiano de cada sujeito que cruza a praça, abrimos
espaços para pensarmos com Deleuze as sociedades de controle. Para que/quem servem
essas câmeras? Partindo das discussões feitas por Foucault (1999) sobre a sociedade
disciplinar e seus regimes de visibilidade, assim como das maneiras como a vida é
capturada pelos cálculos do poder, seguimos em direção à sociedade de controle, de
Deleuze. Uma vez que a cada sociedade corresponde um tipo específico de máquina, que
tornam possível compreender quais formas “sociais capazes de lhes darem nascimento e
utilizá-las” (DELEUZE, 2017, p. 227), tomamos as câmeras de segurança 360º como ponto
de partida para discutir a questão do controle. As câmeras de segurança em questão têm
a peculiaridade de não ter nenhum ponto cego, o que faz com que cada movimento, e
mesmo cada pequeno gesto, de quem transita por esses locais seja capturado o tempo
todo e traduzidos em dados, ou cifras, informações quantificáveis, expropriadas de
qualquer relação de causa e efeito. Estas câmeras são mecanismos de controle que dão, “a
cada instante, a posição de um elemento em um espaço aberto” (DELEUZE, 2017, p. 228-
229). Cabe perguntamo-nos o que está sendo feito com esses dados.
No livro “1984” George Orwell anuncia uma sociedade vigiada por câmeras e,
quando elas saíram da literatura para compor programas de televisão, nos assustamos.
Inicialmente nos assustamos para em seguida nos acostumarmos com ela. Hoje em dia nos
acostumamos com programa classificados como reality shows e raramente nos
incomodamos com as câmeras de segurança que compõe as paisagens da maioria das
cidades. Não questionamos a presença da câmera, bem como não questionamos a forma
como os aplicativos de celular igualmente nos controlam. Isso tornou-se invisível dentro da
132

malha e dos fluxos contínuos da sociedade do controle. Tornou-se natural a presença das
câmeras e dos aplicativos em nossas rotinas.
Deleuze (2017, p. 220) diz que “estamos entrando nas sociedades de controle, que
funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação
instantânea”. A sociedade disciplinar, que mantém corpos presos ou confinados em locais
como escolas, hospitais, hospícios ou prisões, é atualizada por formas “ultrarrápidas de
controle ao ar livre” (DELEUZE, 2017, p. 224). Ao passo que a disciplina é descontínua,
infinita e de longa duração, fazendo-nos passar sem cessar de um espaço a outro – da
escola para a universidade, desta para a fábrica e assim até o fim de nossas vidas–, o
controle é contínuo e ilimitado. As formas de controle mudaram e os agenciamentos feitos
por essas novas formas, também.
Quais agenciamentos aquelas câmeras de segurança fazem com a praça do Ferreira
e com o que acontece na rotina desse lugar? Frequentada por diversas pessoas, de diversas
esferas sociais, a praça do Ferreira tem uma dinâmica própria. Pela manhã, bem cedo, é
possível ver a profusão de moradores de rua que vivem nela. O caminhar do dia vai dando
uma outra dinâmica que mistura transeuntes, vendedores ambulantes, trabalhadores,
comerciantes e que por essas características colocam também a praça como espaço público
em que frequentemente acontecem intervenções artísticas e de programas de saúde etc.
Há também um cinema/teatro onde acontecem festivais. Como as câmeras capturam essa
dinâmica?
Escolhemos esse espaço com público diverso para perceber os impactos que a
ciência e a tecnologia produzem. Ninguém sabia inicialmente o que estávamos fazendo ali.
As reações eram diversas: uns curiosos, outros receosos. “É fungo?”, perguntavam. “É
bactéria? O que é isso que vocês estão fazendo?”. “Vocês são da medicina?”. “O que tem
nisso ai?”. “Vocês cientistas não descobrem nada: cadê que já descobriram a cura do
câncer?”. Como essas reações se reverberam para pensamos nossas dinâmicas de mundo?
“Acreditar no mundo significa, principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos,
que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou
volume reduzido” (DELEUZE, 2017, p. 222). O que trouxemos aqui com a vídeo performance
Ponto Cego foi o que conseguimos capturar no curto espaço de tempo em que fizemos
parte da produção da dinâmica da praça para que possamos perceber como esse espaço-
tempo nos direciona a pensar na forma como estamos sendo capturados.

Palavra-chave: Ciência e Arte; Fungos; Sociedade de Controle.


133

CORPO SEM ÓRGÃOS E DEVIR: MODELO E EXPERIÊNCIA DE UMA MORTE ANIMADA

Fabrício Martins Pinto


Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal
Fluminense
fabricio.martinspinto@gmail.com

A presente proposta de trabalho objetiva debater alguns elementos sobre a morte


no pensamento de Deleuze e Guattari, tomando como referência para esse debate os
conceitos de Corpo sem órgãos (CsO) e de devir na obra “O Anti-Édipo” — primeiro tomo
da série “Capitalismo e esquizofrenia”. Nessa obra de autoria conjunta, a partir do conceito
de máquina desejante, os autores apresentam um maquinismo em uma interlocução crítica
com a psicanálise, buscando radicalizar, nessa interlocução, o que há de quantitativo,
intensivo e pulsional no plano dos processos subjetivos e que, não raro, em favor do fator
qualitativo, edipiano e estrutural, uma determinada psicanálise minimizou. Assim, embora
o tom de manifesto dessa obra tenha favorecido uma leitura antipsicanalítica, entendemos
que, em “O anti-Édipo”, está lançada a tarefa de levar às últimas consequências uma
dimensão econômica no plano do Inconsciente, diante do que esses autores fazem
coincidir uma economia pulsional e uma economia política nesse plano. A partir disso,
propomos pensar as considerações de Deleuze e Guattari sobre a morte no bojo desse
maquinismo como via privilegiada para a radicalização do que há de quantitativo, intensivo
e pulsional. É em “O Anti-Édipo” que o tema da morte, presente desde produções
anteriores tanto de Deleuze quanto de Guattari, comparece dotada de um modelo e de
uma experiência. Ao modelo da morte, os autores referem o Corpo sem órgão (CsO), que
não se reduz ao corpo orgânico, mas diz respeito, antes, a uma dinâmica de formação e
desformação de qualquer matéria, e que emerge a partir de uma síntese específica na
autoprodução do inconsciente: a síntese disjuntiva. É pela síntese disjuntiva e a repulsão
dos órgãos — unidades extensas e funcionais dotadas de qualidade que organizam um
corpo — que um corpo pode se desorganizar e se afirmar sem órgãos, ou seja: se afirmar
como uma matéria amorfa, matéria intensiva; preenchido por puras variações de
intensidade ou quantidade energética em movimento. E se o CsO é o modelo da morte na
medida em que é a morte do organismo, à experiência da morte, os autores referem o
devir, entendido como a experiência dessa matéria intensiva e quantitativa que preenche
o CsO. De tal maneira, o devir comparece como uma intensidade ou quantidade energética
desligada de formas e organizações, que funciona como força de desformação das formas
que entram em devir: antes de ser a passagem de uma forma à outra, devir é perecer de
ser o que se é numa zona de indiscernibilidade, numa experiência intensiva que é sensível,
mas imperceptível: um “eu sinto” (Je sens) de um sujeito irrefletido, mais primário, que não
pode ser qualificável em princípio — muito embora seja condição para criação de outras
formas e novas qualidades. Nesse desfazimento do organismo, tanto pela repulsão dos
órgãos na síntese disjuntiva quanto pelo perecer no devir, destacamos uma dimensão
tanática, muito mais que erótica, que é imediata à produção de um CsO preenchido por
devires. E sendo o CsO seu modelo e o devir sua experiência, é no maquinismo de “O Anti-
Édipo” que a morte passa a ser positivamente descrita: não é mais definida negativamente
como ausência ou abolição de intensidade, equilíbrio absoluto ou inércia intensiva tal como
um Nirvana, mas definida positivamente como pura intensidade ou quantidade energética
134

que, sem forma, qualidade ou organização, comparece como excesso. Além da


negatividade da ausência, a morte, portanto, com os conceitos de CsO e devir, pode ser
pensada como uma morte em vida, que se define positivamente pelo excesso. O que nos
leva a dizer não mais de uma morte inanimada, definida negativamente, mas aquilo que
chamamos de uma morte animada — certamente não por evocar felicidade ou euforia,
mas porque positivamente definida como excesso de intensidade ou quantidade
energética. É nessa positivação da morte que podemos pensar um outro estatuto para o
conceito freudiano de pulsão de morte. Distanciando esse conceito de uma tendência ou
um impulso de retornar ao inanimado, a pulsão de morte pode ser pensada como uma
tendência ou um impulso ao que há além do organismo, além da organização do princípio
do prazer: impulso à morte definida como excesso intensivo, e força de desfazimento e
desformação dos organismos que é condição para a criação de outras formas de vida. Nesse
sentido, recusando a pulsão de morte como uma tendência ou um impulso de retornar ao
inanimado, a partir do modelo e da experiência da morte, em “O Anti-Édipo”, Deleuze e
Guattari se referem a uma “pulsão de morte maquínica” e mesmo a um “instinto de
morte”. Esse último, um termo empregado por Deleuze desde anos antes e que expressa,
não um resgate do referente biológico e orgânico, mas uma dimensão econômica da pulsão
de morte anterior à organização simbólica. É nessa torção da pulsão de morte, sobretudo
no debate com a psicanálise em “O Anti-Édipo”, que podemos incluir uma morte animada
no maquinismo do plano do inconsciente e notar, aí, a radicalização econômica do que há
de intensivo e pulsional nesse plano. Diante disso, podemos pensar uma morte e uma
pulsão de morte não mais como o que limita a expansão da vida externamente, ou como
aquilo que limita a vida na própria vida, mas podemos pensar a morte e uma pulsão de
morte como princípio de ilimitação da própria vida. Trata-se de incluir a morte e a pulsão
de morte nos processos subjetivos e refundá-las em um vitalismo: trata-se de pensar uma
morte e uma pulsão de morte incluídas como desfundamento do maquinismo e condição
para os processos de produção clínicos, criativos, estéticos e existenciais. Nessa medida,
desde que extirpada da natureza negativa, podemos pensar a morte com Deleuze e
Guattari como radical afirmação da vida — o que não implica, contudo, em fazer a vida
recair numa mortificação. Mortificação essa que, como inanimado, padecimento e
limitação, também constatamos presente nas políticas de subjetivação próprias do
capitalismo contemporâneo.

Palavras-chave: Corpo sem Órgãos; Devir; Morte Animada.


135

UMA VIDA Z: CONSTRUÇÃO DE UM CORPO CARTÓGRAFO

Fernando Pena Miguel Martinez


Universidade Federal de São Paulo
fernandop.m.martinez@gmail.com

Flávia Liberman
Universidade Federal de São Paulo
toflavia.liberman@gmail.com

Este trabalho visa apresentar o curta-metragem “Uma vida Z: construção de um


corpo cartógrafo” (disponível pelo link: https://www.youtube.com/watch?
v=Woc_4mBF4vo&t=39s), baseado em entrevistas feitas à psicóloga clínica e
esquizoanalista Maria Zeneide Monteiro (1954 – 2018), personagem importante na
constituição do campo de práticas da psicologia corporal em seu encontro com a filosofia
da diferença. Sua trajetória nos permite acompanhar um modo de trabalho com a presença
do corpo que não o reduz à condição de substância ou de objeto, mas como parte de um
processo histórico e organizado em um campo sócio-político. O pano de fundo inicial desta
pesquisa teve como premissa visibilizar a seguinte problemática: como um corpo produz
mundos, e, como certos mundos produzem corpos? Um ponto de partida foi pesquisar não
os conceitos e práticas das psicoterapias corporais per si, mas compreender como o
pensamento reichiano e neorreichiano foram ganhando tônus e textura em nosso contexto
cultural, bem como compreender como essas formas de pensamento se afetaram com a
filosofia de Deleuze e Guattari e reorganizaram práticas e saberes. Tivemos por escolha de
método a cartografia, em seu interesse em acompanhar as políticas de desejo em curso
nessa história: a experiência de um corpo em seu tempo – como escutou, o que intuiu, que
rumos tomou, que escolhas foram sendo feitas, que combates foram sendo selecionados.

Palavras-chave: Análise Institucional; História Oral; Psicoterapias Somáticas.


136

CARTOGRAFIAS DA CARNE E OSSO E OUTRAS NATUREZAS: DEVIR CARNE, DEVIR GENTE

Antonio Almeida da Silva


UEFS
E-mail: almeida.uefs@gmail.com

Traçamos uma cartografia que experimenta nas produções de alguns artistas da


contemporaneidade, buscando, no corpo, na carne, nos ossos, nas vísceras, exercícios de
performance para pensar em alguns conceitos trazidos da filosofia da diferença para o
campo da arte. Artistas que invocam estranhas cartografias. Nas usinas da carne faz-se do
corpo animal o seu avesso, onde se extrai todos os seus ossos, suas mucosas, seu sangue,
... O que mais podemos extrair do corpo? Carne, ossos e vísceras, a toda a sorte, a toda
uma vida! Naturezas vivas ou mortas mobilizam uma imanência poética, o sangue e a carne
animal incomodam a paisagem. O artista como um parasita da carne, ocupando o corpo
com contornos perturbadores, expondo seu corpo e suas vísceras a situações inusitadas.
Uma cartografia da carne com ou sem ossos, num estado de devir outro. Uma cartografia
marginal, social, de denúncia, de profanação, invade o corpo, galerias e cidade. O sangue é
a vianda para percepções do mundo e os ossos tentam sustentar o peso da cidade sobre o
corpo. Naturezas híbridas e em estado de transição entre o humano e o animal (o animal
desprende sua superfície, a micropele humana). Harmonia e violência se revezam entre
cada gesto com o corpo, organização desorganizante e desorganização organizante. Nossa
pesquisa reuniu um conjunto de operações trazidas pela arte contemporânea, no qual
alguns artistas apontam ao corpo outras narrativas e devires, explorando, nas diferentes
produções, sensações íntimas, perturbadoras e ao mesmo tempo estéticas. Investigamos
algumas relações com os conceitos de devir e corpo sem órgãos, trazidos pela filosofia de
Gilles Deleuze e Felix Guattari, entre outros interlocutores, na tentativa de pensar as
práticas artísticas como possibilidades de diálogos, intersecções, fricções e escapes entre
arte, ciência e filosofia para experimentar escritas por meio das nossas sensações e afetos.
Nosso desafio é trazer outras narrativas sobre o corpo, através do encontro com a arte
contemporânea, sendo atravessado pela filosofia da diferença. Diante disso, escavamos
algumas produções artísticas que trazem através das fotografias, pinturas e performances
relações interespecíficas, inusitadas, simbióticas e mutantes com a carne, corpo e imagens.
Corpo, carne e vísceras em encenações meticulosamente planejadas e improvisações
performáticas que borram os limites da percepção. Inspiramos na pergunta de Espinosa “O
que pode o corpo?”, investigamos, nas diferentes propostas artísticas, outras perspectivas
de pensar a natureza do corpo, para buscar novos diálogos com os acontecimentos
relacionados com o cotidiano e a subjetividade. Em Rodrigo Braga, o desejo animal que
está na pele, no sangue, na carne (pré-superfície humana). Braga esquece o homem e
experimenta outras condições e performances com os animais. Quantos bichos/gentes
habitam no gesto do artista? “A carne animal é essa dor, mas, essa carne animal também
é matéria, no sentido plástico, ela para mim é matéria, quando trago o animal eu me trago
também.” Como contrapeso e contra-gravidade, 70 quilos de carne e ossos pendurados e
expostos numa rede. O corpo do artista semidesnudo em carne e osso disposto tal como
uma vianda (vitrine) de açougue, nas ruas de Salvador em 2010, na performance instalação
de Santiago Cao. O artista empresta seu Corpo para compor o ambiente, experimenta com
seus desejos e sensações com as pessoas que passam pelas ruas da cidade. “Busco criar
137

uma cartografia para então imaginar, quer dizer, criar em minha mente imagens poéticas
que funcionam em modos de metáforas que me permitem vincular-me com esse contexto
dos modos de Ver que estejam operativos nesses tempos. Procuro produz (sic) alguns
(des)velamentos desde o olhar, e uma vez gerado estas imagens, eu procuro maneiras de
levá-las ao espaço utilizando o meu Corpo como um suporte da ação e portador dessas
metáforas”. O artista nos apresenta um Corpo estendido, pendurado em carne e osso, que
rompe a rotina da cidade, mesmo silenciado, dispara perguntas que vão se (des)velando
através do confronto do expectador com a obra de arte. Um Corpo como suporte para uma
narrativa que estende o peso da própria vida. “Quanto pesa a carne? E quanto pesa a
pessoa através da carne, numa sociedade que nega e anula as pessoas?” Outras
cartografias performáticas do corpo e da carne são apresentadas nas obras do artista Fábio
Magalhães, o corpo e a carne engendram outras experiências sensoriais em que a técnica
e a poética são complementares. Carne abatida, mais ainda viva, pulsante. “Podemos dizer
que é uma espécie de uma metonímia perversa, pois afinal somos constituídos de carne.
Na carne é que se encontra o sentido de estar na vida, no mundo. É onde mora a pulsão.”
Carne humana e animal em composição inventando gestos e performances íntimas. Carne
ensacada, envelopada, uma vianda em estágio de latência introspectiva, puro devir em
oposição a qualquer equilíbrio. “My body is an image, hence a set of actions and reactions.
My eye, my brain, are images, parts of my body” (DELEUZE, 2001). Corpo-carne, elementos
extraídos da terra, movimentam uma cartografia do sensível que busca tencionar
dispositivos dados como naturais, que tentam tencionar o corpo duro e estático.
Relembrando à pergunta feita por Espinosa, citada por Deleuze: “O que pode o corpo?”,
que a todo o momento nos desafia a produzir outras escritas e leituras do gesto do corpo
através de encontros (in)esperados entre arte, ciência e filosofia. Espinosa nos responde
da seguinte forma: “A estrutura de um corpo é a composição da sua relação. O que pode
um corpo é a natureza e os limites do seu poder de ser afetado.” (DELEUZE, 2002, p.185).
Diante dessa possibilidade, instaura se um corpo que ramifica entre os espaços da natureza
e da cidade, além-terra. Parte de terra e parte de carne. Criam-se outros modos de viver e
de pensar. Um corpo que se veste de carne para habitar, na paisagem, instaurando novas
dimensões existenciais, corpo e carne nos mantém aliados da vida.

Palavras-chave: Arte; Carne-Osso; Devir.


138

NIETZSCHE, CLÍNICA E AUTOGENEALOGIA

Yan Menezes Oliveira1


Universidade Federal do Espírito Santo
yan_menezes@hotmail.com

O presente trabalho se desdobra a partir da pesquisa de mestrado do autor,


realizado na Universidade Federal do Espírito Santo e defendida no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia institucional, e tem como intuito discutir sobre a atividade clínica
em sua abrangência que combina heterogeneamente a área da produção de saúde e a
produção estética dos corpos, partindo não do paradigma biomédico, mas sim do
pensamento da diferença que, a nosso ver, tem em comum certa valoração afirmativa da
experiência do sofrimento e a ênfase nas vivências e corporeidades dos processos de
produção de subjetividade. Desta forma, nosso plano é traçar uma cartografia, com o
auxílio de Gilles Deleuze e Michel Foucault, da forma como a clínica se produziu atrelada
ao modelo médico moderno e como tal atividade poderia sofrer uma torção, apoiando-nos
no pensamento e obra de Friedrich Nietzsche, em especial quando este se debruça de
maneira crítica sobre seu próprio corpo e vivências, em direção à afirmação do sofrimento
e à produção estética. Para tanto, aproximamo-nos do o autor intenta apontar as relações
de ressonância entre a literatura, filosofia e a clínica psiquiátrica. Deste esforço tomamos
duas colocações para embasar nosso trabalho. A primeira delas é a divisão da atividade
clínica e seu trato com o sofrimento na forma de patologia em, minimamente, três atos
medicinais: a etiologia (pesquisa das causas da doença), a sintomatologia (estudo dos
signos da doença) e, por fim, a terapêutica (o estudo ou aplicação de um tratamento). Será
a partir desta pista sobre a divisão da atividade clínica, bem como de sua proveniência
inclinada a negar, equilibrar, normalizar e objetificar o sofrimento dos corpos a partir de
certa “vontade de verdade” que esboçamos uma genealogia do modelo clínico da
modernidade. Tal genealogia se apoia no pensamento de Michel Foucault referente à
emergência de tal modelo ao longo do século XIX na clínica médica e psiquiátrica, bem
como a partir dos textos de Sigmund Freud que tocam no tema da clínica psicanalítica.
Ainda na esteira do pensamento deleuziano, acompanhamos a possibilidade de
haver intercessões possíveis entre a literatura, a filosofia e a clínica, afirmando como essas
atividades partilharam pontos de intercessão ao refletirem relações de sentido e
transformação do sofrimento. A partir desta colocação, pensamos na possibilidade da
criação deste espaço de intercessão que propomos, isto é, um espaço onde seja possível
usar e criar novos conceitos e concepções a partir das reverberações entre a filosofia de
Nietzsche e a atividade clínica. Para tanto, tomamos em muito emprestada a interpretação
deleuziana de que proposta crítica nietzschiana seria baseada na crítica do valor e do
sentido que as vontades produzem, ou seja, no aspecto ético-moral que envolve, fortalece
e adoece as vontades. Em muitos aspectos, tentamos reverberar essa concepção da crítica
nietzschiana com a atividade clínica em seu aspecto positivo, isto é, no que tange a
proposta de uma clínica livre de preconceitos morais metafísicos, que ensejaria abafar a
relevância das vivências e dos corpos na constituição da subjetividade, e constantemente
crítica em relação a qualquer formação moral, bem como afirmativa em relação à

1
Professor substituto no Departamento de Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em
Psicologia Institucional pela
139

importância da experiência do sofrimento. Aproximamo-nos ainda de Deleuze diante de


sua compreensão do homem como espécie que lida mal com a experiência do sofrimento
e que, portanto, se torna adoecida pelo ressentimento, e a interpretação do trabalho de
Nietzsche como uma proposta não de melhoramento, mas de superação do homem e de
libertação da vontade do espírito de vingança. A aproximação e troca conceitual entre
Nietzsche e a atividade clínica se justifica tanto em função da singular interpretação do
filósofo a respeito do sofrimento e do adoecimento ao longo de sua obra, quanto de sua
aproximação da atividade quando o pensador busca em seu corpo, em suas vivências e em
seu próprio trabalho diagnosticar e transformar diversos aspectos considerados
decadentes e doentes da modernidade. Para a produção do referido espaço de intercessão,
dois movimentos foram realizados a partir do pensamento crítico de Nietzsche. Em
primeiro lugar, uma crítica genealógica da emergência dos valores do modelo clínico da
modernidade, partindo de sua composição durante a transição do século XVIII para o XIX
dentro da Europa a partir da prática médica, passando pela clínica psiquiátrica e alcançando
os trabalhos psicanalíticos de Sigmund Freud.
Dentro desta análise genealógica, buscou-se identificar expressões da “vontade de
verdade” na clínica, em especial as noções de “equilíbrio”, “normalidade” e “objetividade”
dentro da teoria e da prática de tal modelo clínico para, desta maneira, contrapor com o
pensamento de Nietzsche, abertamente avesso a tais noções estáticas, distantes dos
corpos e vivências e próximas de uma moralidade metafísica. Em segundo lugar, o trabalho
se propôs a pesquisar dentro da obra e do método genealógico de Nietzsche um conjunto
de conceitos que corroborassem com a produção de um modelo clínico distante de
preconceitos morais metafísicos que teriam orientado essa atividade. Recorreu-se ao
estudo e entrelaçamento de conceitos dentro da obra do autor tais como corpo, grande
razão, saúde, transvaloração de todos os valores, perspectiva trágica e etc.. Adiante,
recorremos às recentes pesquisas sobre a obra e o pensamento de Nietzsche que
trabalham o conceito de autogenealogia. Tais pesquisas nos ajudaram a refletir a respeito
do pensamento genealógico nietzschiano quando este teria modificado seu foco da análise
da cultura para uma análise de seu corpo e suas próprias vivências, bem como de sua
trajetória intelectual.
Diante dessa operação genealógica de si, dessa auto avaliação dos valores que
teriam constituído sua própria subjetividade, Nietzsche teria empregado o rigor
genealógico do médico da cultura para se tornar um médico de si e ser capaz de operar a
transvaloração de todos os valores constituintes do sistema moral de que fazia parte.
Conclui-se ser possível aproximar e criar um espaço de intercessão entre o pensamento de
Nietzsche e a atividade clínica de forma a propor uma crítica em relação aos preconceitos
morais metafísicos que sustentam a “vontade de verdade” acerca do sofrimento e afastam
o homem da perspectiva trágica da vida e da superação de sua condição como homem do
ressentimento.

Palavras-chave: Autogenealogia; Clínica; Nietzsche.


140

DELEUZE, ESPINOSA E NÓS: ACERCA DO TRATADO DA ETOLOGIA

Mateus Barbosa Verdú


Faculdade de Educação / Unicamp
mateus.verdu@gmail.com

O presente ensaio tem como pensamento dominante uma possível leitura da


história da filosofia a partir de Gilles Deleuze (1925-95), sobretudo no que concerne aos
investimentos interpretativos do filósofo francês ao ler Baruch Espinosa (1632-77) e sua
filosofia prática de diferenciação da Ética em relação a uma Moral – tema decorrente da
teoria central espinozista1 que implica na necessidade de um Tratado da Etologia. Operar
(n)essa diferença, a partir de Deleuze-Espinosa e Deleuze leitor de Espinosa, é abrir escuta
as interrogações levantadas por eles e, a partir daí, clarear caminhos para a atualidade de
problemas que implicam na restrição “do que pode o corpo?”2 frente ao poder de ser
afetado. Veremos que distanciar esses conceitos é tarefa indispensável frente a posição da
inauguração de um Tratado da Etologia que mapearia o poder de ser afetado de cada
sujeito animal, isto é, a variação dos modos de existência de cada Ser relacionada a sua
vontade de poder.
Vale ressaltar, a nível de prudência, que a leitura aqui realizada passa pela
interpretação de Deleuze acerca de Espinosa e não por Espinosa propriamente dito3. Num
primeiro momento temos esse movimento interpretativo sobre a teoria espinosista, no
qual Deleuze opera arrancando dali conceitos, fazendo-os agir em favor de sua atualidade4.
Mas ele o faz a partir da criação, não se pode deixar de dizer isso. Chamarei, portanto, esse
movimento de duplo-interpretativo, isto é, Deleuze-Espinosa e Deleuze leitor de Espinosa
valendo-se de suas questões e criando a partir de seu potente encontro com o corpus
textual espinosista. Já se tem aqui caldo suficiente para múltiplas interpretações, mas
querer-se-á falar em nome próprio (como sugeriu Deleuze5) e daí origina-se um movimento
de interpretação da interpretação e co-criação; uma soma em pensar junto com Deleuze-
e Espinosa, mas a partir de nossa atualidade. Passamos aqui ao movimento triplo da
interpretação. Portanto, se trata de uma interpretação da interpretação – algo justo ao se
levar em consideração que Deleuze tenha-o lido satisfatoriamente na medida em que o
colocou em função de seus problemas. Operar assim, colocando agora Deleuze e Espinosa
a serviço da nossa atualidade e reinaugurando a atualidade prática de suas filosofias e a
necessidade que a Ética nos impõe, isto é, operar a partir de um Tratado da Etologia.
Colocar a teoria de Espinosa, lida por Deleuze, em nosso favor e ampliar a própria noção

1
Cf. DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. Trad. Daniel Lins e Fabien Pascal Lins. São Paulo: Escuta, 2002,
p. 23. A posição central de Espinosa consiste em afirmar que “[…] há uma única substância que possui uma
infinidade de atributos, Deus sive Natura, sendo todas as criaturas apenas modos desses atibutos ou
modificações dessa substância.”
2
Ética, III, 2, escólio.
3
Não me valho da leitura completa e concisa da “Ética” para tal investimento.
4
Dispor a filosofia em favor de modos de variação da existência já explicita uma ética interna.
5
Cf. Deleuze, Gilles. Prefácio à Edição Americana de Diferença e Repetição. “Ter-se-á tentado falar em nome
próprio, e se terá aprendido que o nome próprio podia apenas designar o resultado de um trabalho, ou seja,
os conceitos que foram descobertos, sob condição de ter sabido fazê-los viver e exprimi-los com todas as
possibilidades da linguagem”. Trad. Luiz B. L. Orlandi e Guilherme Ivo. Traduzido originalmente de Différence
et répétition. Paris: P.U.F., 1968. No prelo.
141

de corpo interior ao espinosismo. Isso significa dizer nos encontrarmos com Deleuze-
Espinosa e nos deixarmos atravessar por suas linhas vulcânicas e nos indagarmos sobre o
que seria mais atual e pertinente do que nos perguntarmos a nós mesmos sobre “o que
pode o corpo?”.
Vê-se com Espinosa uma espécie de adiantamento do que Nietzsche faria três
séculos a frente, isto é, dedicar todo um edifício teórico-filosófico na desconstrução da
metafísica platônica e das verdades finais como fundamentações metafísicas de valores
morais, deixando claro que o conhecimento jamais poderia ser desvinculado da vida.
Inaugura-se aqui, com Espinosa, a morte de um Deus (e temos nisso uma questão também
central), pois é a partir daí e da descentralidade de uma filosofia transcendental que
podemos nos atribuir dele e minar a moral e suas implicações geradoras de afetos tristes.
A motivação básica dessa possível intersecção passa pela necessidade de estarmos
num congresso onde se traz como tema “Deleuze e Corpo”. Se tratando de corporeidades
ninguém melhor do que Espinosa propôs aos filósofos o corpo como espécie de um novo
modelo. Faço aqui esse movimento por um motivo bastante evidente. Muito se investe na
perspectiva de que Deleuze tenha consagrado belíssimos trabalhos como filósofo
posteriormente a publicação de sua tese de doutorado Diferença e Repetição, mas pouco
passou a se interrogar (talvez por já creditarmos nisso um certo esgotamento) acerca de
suas monografias. Deleuze passa da história da filosofia a filosofia propriamente dita, e
poderíamos mapear essa passagem em vários momentos de sua trajetória (estudante,
professor da educação básica etc.).
Dizia ele existir uma diferença abismal entre escrever em história da filosofia e
filosofar.
Há uma grande diferença entre escrever em história da filosofia e em filosofia. Num
caso, estuda-se a flecha ou os instrumentos de um grande pensador, suas presas e seus
troféus, os continentes que ele descobriu. No outro caso, talha-se sua própria flecha, ou
então arruma-se aquelas que lhe parecem mais bonitas, mas para tentar enviá-las noutras
direções, mesmo se a distância transposta é relativamente pequena ao invés de ser
estelar6.
De todo modo, aqui não se elimina a possibilidade da história da filosofia como
produtiva, pelo contrário, o filósofo da diferença só afirma existir uma grande diferença
entre um ato e outro. É claro que no primeiro movimento não se está fazendo filosofia
propriamente dita, mas se está estudando “as flechas”, “os instrumentos” do qual grandes
pensadores descobriram ou formularam. Deleuze não criminaliza a história da filosofia
como muitos pensaram ou quiseram fazê-lo falar em nome de seus interesses e épocas.
Seria no mínimo incongruente um filósofo que tanto se dedicou a outros pensamentos
afirmar que não se pode atribuir dos outros necessariamente aquilo que não é seu. Mas
Deleuze não só se atribui, ele se junta aos outros pensamentos e abstrai daí suas
necessidades. Ele os enraba de maneira produtiva, rouba criativamente e nos oferece essa
maneira de operar não como “modelo a ser seguido”, mas como “possibilidade”.
O que se pretende nesse artigo é mostrar como esse verbo auxilia na produção de
novos agenciamentos e como ele se associa a diferença da Ética em relação a uma Moral.
Para tanto, vamos seguir três passos dados por Deleuze para entender como Espinosa
opera na desconstrução da confusão gerada por esse par conceitual. Nesse sentido

6
Deleuze, Gilles. Prefácio à Edição Americana de Diferença e Repetição. Trad. Luiz B. L. Orlandi e Guilherme
Ivo. Traduzido originalmente de Différence et répétition. Paris: P.U.F., 1968. No prelo.
142

trataremos de Espinosa tendo como ponto de partida: a) Espinosa o materialista; b)


Espinosa o imoralista e c) Espinosa o ateu.

Palavras-chave: Espinosa; Ética; Etologia; Deleuze; Moral.


143

COM A PALAVRA, MICHEL SERRES: AS IDADES DA VIDA E AS APRENDIZAGENS QUE NOS


CONSTITUEM

Maria Emanuela Esteves dos Santos


Universidade Federal de São João Del Rei
mariaemanuela@ufsj.edu.br

Recentemente, fomos surpreendidos com a notícia da morte do filósofo francês


Michel Serres. Em casa, nos arredores de Paris, conforme dito pelos amigos mais próximos,
esse grande pensador contemporâneo, encerrou sua passagem entre nós de forma
tranquila, saindo de cena sem levantar alardes, discretamente. Filósofo de censo aguçado
sobre o seu tempo, Serres foi incansável no exercício de pensar o homem, os saberes, as
ciências da vida, o mundo, sempre buscando um olhar enciclopédico, já familiar para quem
se ocupava em ler sua inesgotável obra, revisitada a cada nova publicação a que ele se
dedicava continuamente. Em cada elemento na composição dessa obra, foi se tecendo uma
filosofia singular e um modus de estar no mundo. Na sua filosofia, uma das preocupações
mais persistentes era de ordem ontológica. Pensar o ser para ele, era pensar a
transformação, as várias mudanças de sentido que nos constituem dia a dia na experiência
da vida. De tal forma, que ele sempre afirmava que só por ocasião da morte se poderia
dizer o ser é, remetendo àquilo que essa expressão traz de fixidez e definição. Era frequente
vê-lo associar essa afirmação com o aqui jaz do túmulo, pois para ele, somente aí se poderia
dizer o que fomos na vida, a partir dos vários encontros que nos constituíram. Em cada
encontro com a diferença, uma nova cor é adicionada no casaco de Arlequim, personagem
do qual ele se utilizava para falar das mestiçagens que vão constituindo o ser.
Assim, em razão de sua morte recente, nos perguntamos hoje: qual foi afinal o
casaco de Arlequim que Serres teceu ao longo de sua vida, agora que estamos diante do
aqui jaz desse pensador incansável e de sensibilidade aguçada sobre o seu tempo? Não
pretendemos, obviamente, responder aqui essa grande questão. Mas somos convidados
por esse questionamento a revisitar algumas reflexões que esse filósofo fez sobre o ser e a
vida. E para tanto, recorremos, sobretudo, à sua bela obra, Filosofia Mestiça na qual não é
difícil encontrar diversos momentos em que ele traz, de forma singular, essa reflexão.
Desses tantos momentos destacam-se: “Sou então, na realidade, todos aqueles que sou
dentro e através dos relacionamentos sucessivos ou justapostos nos quais me vejo
embarcado, produtores do eu, sujeito adjetivado, sujeitado ao nós e livre de mim” (1993,
p.167). E continua “sim, os adjetivos mergulham por si mesmos uns dentro dos outros e
brincam sem parar de sujeitos” (p.168). É dessa forma que, para Serres, o eu matizado,
mesclado, mestiçado se lança no mundo das coisas, assim como esse mundo das coisas se
lança sobre ele, ao seu tempo. Eis então: “Eu: barulho violento. Eu: nota longa. Eu:
pronome [...] Eu: terceira pessoa, cada um, os outros, todos, aquilo, o mundo e a terceira
pessoa impessoal das intempéries temporais: chove, chora, venta... e se lamenta; troveja,
grita...” (p.171). Onde o sujeito nessa terceira pessoa? Arlequim lançado sobre o mundo e
o mundo tecendo as cores do seu casaco multicor.
Podemos dizer então que Serres foi um filósofo da vida, do ser na vida, ou melhor,
do sendo na vida e não nos surpreende encontrar em uma agradável conversa com Michel
Polacco, em 2015, publicado pela edições Le Pommier, uma referência no trecho As idades
da vida, de não ser a juventude a melhor idade da vida para ele. Há tantos ganhos morais
144

no envelhecimento que superam as perdas físicas inevitáveis. Isso, se pensarmos a lógica


das idades da vida - jovem, adulto e velho - a partir do exercício cotidiano de inteligência e
cultura. Sobre esse ponto de vista, a lógica do tempo se inverte, de tal forma, que podemos
pensar a passagem pelas diferentes idades da vida como um ganho de juventude, ou um
rejuvenescimento. A pior doença da velhice é, para Serres, o ressentimento.
Ressentimento do qual ele bem tratou em outra obra recente C’était mieux avant (2017),
no qual ele se ocupa dos “velhos resmungões” que queixam de um tempo passado no qual
não se convivia com gerações Polegarzinhas (2012).
Assim, se o ser é constituído pelos encontros com a diferença ao longo da vida, essa
vida só pode ser de ganho, de soma, de rejuvenescimento, como afirma ele em Du bonheur
aujourd’hui (2015). Envelhecer tem a prerrogativa de trazer a alegria das aprendizagens
nos diferentes encontros que se efetuaram, bem como o descompromisso com todas as
bobagens da vida produtiva/cotidiana que nos sufoca.
O convite em fazer essa nova visita sobre as reflexões ontológicas de Serres em
Filosofia Mestiça significa, por sua vez, se encontrar com um pensamento apaixonado pela
vida e pelas experiências com a diferença a que ela nos lança. Significa um encontro com
um pensamento da diferença que se manifesta na vida. E revisitar um pensamento que
nesse momento deixa seu ponto final na vida, é um convite para conhecer os matizes de
um casaco de Arlequim que se constituiu sem se furtar aos grandes espaços de
aprendizagem da vida, cultivando o exercício da inteligência nas diferentes experiências
sobre esses grandes espaços.

Palavras-chave: Aprendizagens; Envelhecimento; Michel Serres.


145

ENTRE O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS: A EXPERIÊNCIA-BRASIL NA FORMALIZAÇÃO


DOS SABERES EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Laura Henrique Corrêa


Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL
correalaura@hotmail.com

Neste estudo foi abordada sob a perspectiva arqueogenealógica de Michel Foucault


a formalização dos saberes em administração pública no Brasil. Para tanto, foram
selecionados dois documentos históricos aos quais aplicou-se o método de análise de
discurso: Assistência técnica em administração pública, elaborado pelo então diretor da
primeira escola de administração pública da América Latina – EBAPE/RJ -Benedicto Silva
(1954) no período de implantação dessa graduação no Brasil; e a Resolução do Conselho
Nacional de Educação nº 1 de 13 de janeiro de 2014, que estabelece pela primeira vez no
país, as diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em administração
pública, norma que se mantém em vigor e regulamenta o curso na atualidade. No arquivo
é possível descrever as relações entre saber-poder e verdade onde elabora-se o dispositivo
jurídico que busca regulamentar a condutas dos corpos, e, portanto, almeja a produção de
certas subjetividades. Nesse feixe de relações expostas pelos discursos, é possível
identificar um referente comum: a elaboração da norma. Este foi o princípio de
diferenciação desse enunciado específico dentro de um acontecimento, experimentado
por sujeitos que ocupam posições de representantes de instituições da administração ou
educativas. Desta maneira incorpora-se a agremiação de campos associados em
correlação, que culminam na materialidade final específica, que é a formalização da diretriz
curricular nacional estabelecida para o curso de graduação em administração pública. Em
poucas palavras, descreve-se o agenciamento pela norma dos discursos do saber
administrativo e pedagógico para a condução das condutas. Tais aspectos objetivam as
pluralidades no encarceramento do saber pedagógico de “fora para dentro”, pois há a
busca por um perfil fixo a ser alcançado, seja referente à produção dos seres, que devem
incorporar um “ethos republicano” preestabelecido pela norma, ou mesmo do próprio
curso, que em sua constituição histórica enuncia a aspiração de transplantar
conhecimentos estrangeiros aos portadores de “males e deficiências”, à uma “nação
subdesenvolvida”, aos que necessitavam de “assistência adequada contra o empirismo”.
Estabelece-se um jogo de distinções, seja objetiva ou subjetivamente, onde a classificação
opera produzindo. Por um lado os administradores ditos “incapazes, estéreis, produtores
de desordem”, que carregam a culpa inócua das formações seculares em seus atos
cotidianos, e ainda, transferindo-as a toda uma nação, que quiçá consegue mensurar o
quanto fora saqueada pela colonização. Por outro, impede que aflore os conhecimentos
advindos das margens, que constituem a necessidade cotidiana da população sendo
mapeada, e essa, passando a ser objeto do pensamento e das ações do administrador
público, ainda que não do agente político.

Palavras-chave: Administração Pública; Formalização dos Saberes no Brasil; Subjetivação


Política; Subjetivação Ética.
146

CULTURA E DIFERENÇA NA EDUCAÇÃO BÁSICA EM ANGOLA

Marcelino Mendes Curimenha


Universidade Estadual de Campinas
curimenha@hotmail.com

O presente estudo é resultado da pesquisa desenvolvida no mestrado acadêmico


de Educação e buscou compreender diferentes aspectos da formação do sujeito da
educação angolana no campo da cultura nas disciplinas do Ensino Primário a partir da Lei
de Bases do Sistema de Educação e nos documentos que foram produzidos a partir da
reforma curricular. Estes documentos buscaram repensar e reconfigurar uma definição
descontinua sobre cultura no espaço escolar rompendo com o regime discursivo de cultura
que teve seu surgimento no começo da década de 1970. Aqui, pelas condições da época,
marcado pela concepção marxista e por um ambiente de ruptura com o colonialismo, o
ensinamento que vigorava se dava pela eliminação dos registros coloniais no pensamento
do angolano nativo, a eliminação das diferenças étnicas e sociais e o estabelecimento de
uma unidade angolana que se refletia no hino nacional de Angola, nos textos legislativos,
nos musicados e nas manifestações poéticas.
Culturalmente, Angola esteve marcada por discursos que pretendiam banir as
diferenças mediante um projeto estatal cuja intenção era instituir a formação de um sujeito
padronizado pelos víeis ideológicos. Isto criou uma forte instabilidade nacional e teve
implicâncias nas decisões políticas, separando o angolano entre o nortenho e sulano,
reproduzindo o imaginário do inimigo, dos muros entre nós e os outros, na construção do
nacionalista autêntico distante do estranho e do angolano periférico. A primeira
Constituição Nacional, de uma república pós-independente, pretendia efetiva uma
higienização cultural. No artigo 5ª, a lei afirma: “será promovida e intensificada a
solidariedade econômica, social e cultural entre todas as regiões da República Popular de
Angola, no sentido do desenvolvimento comum de toda a Nação Angolana e da liquidação
das sequelas do regionalismo e do tribalismo” (ANGOLA, 1975, p. 1). Além disso, o Hino
Nacional prometia um convite a uma “Angola, avante! Revolução, pelo poder popular”, e
apelava à necessidade de uma “pátria unida”, com liberdade, no entanto, sendo apenas
“um só povo, uma só nação” (ANGOLA, 1975, ONLINE).
Essa limpeza, que visava expurgar qualquer identidade confusa e dispersa,
trabalhava em duas frentes. Primeira: na eliminação da etnicidade cultural dos diferentes
povos – tribos – que compõem a grande e diversificada família angolana. E, em segundo
lugar: descontruir os resíduos do colonialismo. Angola é um país com aproximadamente
nove línguas nacionais que representam diferentes sociedades, regiões e culturas.
Doravante, estás diferenças eram percebidas, no dizer de Gaio (2017, p. 270), pelo governo
com “um caráter nocivo à questão da diversidade cultural, entendida como ameaça à
integridade territorial. O anticolonialismo, por seu turno, busca solapar tal diversidade sob
a égide da ideologia marxista”. Para isso, seria necessário pensa um modelo de sujeito que
reunisse qualidades intrínseca da angolanidade e que fosse o padrão central do angolano
verdadeiro. Diferente do angolano disperso em suas diversidades, precisava-se com isso
destitui-lo e reinventá-lo, já que este sujeito, visto como diferente, não poderia fazer parte
da cultura sólida, original e genuinamente angolana.
147

Desse modo, pretende analisar a noção de diferença, sujeito e cultura no


documento curricular do Ensino Primário de Angola, e, por conseguinte, examinar as
formas que os discursos curriculares permitem estabelecer uma ruptura com a cultura
tradicional, historicamente pensada em formatar modos de comportamentos,
subjetivações e de governamento de condutas nas relações sociais entre os estudantes da
educação básica. Para tanto se utiliza da pesquisa qualitativa por meio da análise
documental, tais como: os currículos escolares, os textos que pensam sobre cultura
angolana e a implicância no Ensino Primário, assim como outros materiais com a Lei de
Bases do Sistema de Educação de Angola, documentos curriculares que implementados em
2013 romperam com o pensamento tradicionalmente construído entre os anos de 1975 a
2001 sobre unidade cultural, eliminação da diferença e que ao mesmo tempo
sedimentavam o preconceito e a divisão étnica. Este rompimento se nota na ordem dos
discursos sobre socialização, diálogo e tolerância com o outro nas relações sociais do
ambiente escolar.
Nada é mais caro do que a temática sobre identidade, cultural e nacionalismo nos
países africanos, marcado pelas diversidades étnico-linguística e pelas organizações
religiosas, com suas multiplicidades, especificidade e verossimilhanças. Em Angola não é
diferente. Durante a invenção do sujeito angolano as formações discursivas que tentaram
gerir a sociedade objetivaram eliminar as diferenças, unificando e criando uma cultural
padronizada, nacional e originalmente angolana. No entanto, emerge a partir da reforma
curricular um pensamento descontinuo e que busca descontruir o pensamento normativo,
visto como verdadeiro. Os textos curriculares vão valorizando a diferença, o diferente e a
relação com outro como modo de socialização, aprendizagem e respeito ao outro. Para
isso, os documentos curriculares aproveitam-se destas oportunidades, introduzidas
mediante a reforma curricular para repensar a cultura e notam que é nas relações culturas
que se torna um espaço privilegiado para descontruir a banalização do sujeito que reúne
características singulares. A diferença é vista como algo a ser respeitada e a diversidade
como qualidade a ser celebrada.

Palavras-chave: Cultura; Educação Básica; Diferença.


148

DELEUZE SOBRE FOUCAULT: APRENDER PELA ESCUTA DO OUTRO

David da Silva Pereira


UTFPR
dpereiraedu@gmail.com

Silvana Dias Cardoso Pereira


Unicamp / UTFPR

Em out.1985, Deleuze inicia um de seus últimos Cursos na Universitè de Vincennes


– Paris 8. Ele elege, para tanto, as Formações Históricas em Michel Foucault, pouco mais
de um ano da morte desse filósofo, seu contemporâneo. Na primeira sessão, do dia 22,
Deleuze faz um sobrevoo inicial sobre as publicações foucaultianas (de 1961 a 1984).
Ressalta a vedação que Foucault deixara para obras póstumas e, curiosamente, sinaliza a
existência de um texto inacabado que seria publicado em 08.fev. 2018 (fev., na França),
como História da Sexualidade IV – Les Aveux de la Chair. Contudo, o que se pretende com
esta reflexão é fixar a escuta na forma pela qual Gilles Deleuze resgata o legado
foucaultiano para ressaltar dois períodos – 1961-1975 e 1975-1984. No primeiro período,
ressalta o arquivo como “Formação Histórica”, como um estudo de História (Foucault,
1984). Interessa-lhe, segundo Deleuze, uma investigação sobre comportamentos e
mentalidades históricas acerca do que se diz e o que se vê em um período. Ver, fazer ver e
dizer. Três ações significativas nesse percurso foucaultiano na forma de ler, de
compreender, de sentir de Deleuze. Assim, ler Foucault e ouvir Deleuze sobre Foucault são
exercícios distintos que provocam impressões distintas em leitores do século XXI, trinta e
cinco, quarenta anos após da morte do autor e do Curso de Deleuze. Algo que precisa ser
assinalado sobre essa leitura deleuzeana de Foucault é o fato de que ele não teve acesso
aos Cursos do Collège de France publicados a partir 1997 na França e que chegaram ao
Brasil a partir de 2001. Não teve acesso igualmente à publicação dos Dits et Ecrits, cuja
primeira edição francesa é de 1984. De certa forma, o Deleuze desse primeiro encontro
ainda é bastante marcado pelo Vigiar e Punir, pela influência da visibilidade arquitetural e
do esquadrinhamento visual aplicada às instituições e aos corpos, assim como os efeitos
da disciplina. Encanta-se com a descrição do dispositivo de visibilidade idealizado por
Jeremy Bentham e aplicado às prisões de forma a ressaltar o jogo de luzes e de sombras
que “guarda” os corpos. Aproxima, em sua análise, Folie et Deraison (por meio do hospital)
e Surveiller et Punir (por meio da prisão) quanto à construção dessas obras, separadas por
catorze anos (1961 / 1975). No segundo período, 1975-1984, Deleuze destaca que Foucault
passará ao plano do poder, sem abandonar, contudo, a questão do saber. Importante é,
contudo, perceber que esse estudo sobre as Formações Históricas em Foucault, Curso do
segundo semestre de 1985, tem sequência em jan.1986, por meio de dezoito sessões
acerca dessa passagem à questão do poder em Foucault. Como já dito, há apenas
sinalizações de um terceiro momento foucaultiano relacionado ao desejo, em vista da
publicação dos volumes 2 e 3 da História da Sexualidade vir a público muito próximo de sua
morte, em jun.1984. Entretanto, é muito interessante ouvir o exercício reflexivo de Deleuze
sobre Foucault e seu percurso intelectual por meio das obras, pois um outro exercício –
que tome os Cursos de 1971 a 1984 ou de 1978 a 1984 do Collège de France possibilita uma
compreensão completamente distinta de Foucault. Desse modo, passados trinta e cinco
149

anos da morte de Foucault, de um percurso de três décadas de produção e de debates


profundamente inquietantes para o seu tempo e para o presente tempo, reúnem-se
finalmente as condições para uma investigação profunda sobre sua obra e sobre o seu
legado, suas preocupações e questões de investigação, mas, principalmente, sobre o seu
método hipercrítico colocado em relevo por Deleuze nessas magistrais partilhas que se
deram nos Cursos sobre filósofos e sobre a relação entre a Filosofia e a Arte, e sobre
Foucault entre out.1985 e jun.1986. Assim, o objetivo desta comunicação é o de pensar
coletivamente os efeitos dessa escuta, as possibilidades desse encontro fora do seu tempo,
com alguém já sem possibilidade de contestar. Ouvir Deleuze sobre Foucault, trinta e
quatro anos após esse primeiro encontro de seu curso de 1985-86, é encontrar uma
reflexão rigorosa acerca do legado foucaultiano, mas, também, é pensar com Deleuze
acerca da atemporalidade das contribuições foucaultianas, da sedução de seu método, da
eficácia de seu discurso, da razão de lê-lo ainda hoje. Visibilidade e Enunciado, Ver e Dizer.
Deleuze oferece por meio do seu curso de 1985-86 uma outra janela para os estudos
foucaultianos. É por meio dessa escuta de um outro, um outro contemporâneo de Foucault,
que se busca pistas para pensar com Foucault a partir da escuta de Deleuze.

Palavras-chaves: Escuta do Outro; Deleuze; Foucault.


150

ENCONTROS E CONEXÕES: IMAGENS CINEMATOGRÁFICAS E REDES DE CONVERSAÇÕES


MOVIMENTAM CURRÍCULOS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Sandra Kretli da Silva


PPGMPE/ Universidade Federal do Espírito Santo
sandra.kretli@hotmail.com

Marlucy Alves Paraíso


FAE/ Universidade Federal de Minas Gerais
marlucyparaiso@gmail.com

Este artigo constitui-se de fragmentos de uma pesquisa de pós-doutorado que


procura investigar a força das imagens cinematográficas nos processos de formação de
professoras e nos movimentos de invenções curriculares. Problematiza o que pode a
imagem?, questionando se o “uso” das imagens cinematográficas provoca rupturas no
pensamento dogmático e favorece a passagem para o pensamento nômade habitar o
“plano de imanência” do corpoescola. Entende como corpoescola o corpo intensivo e
coletivo que se constitui por meio dos encontros, conexões e da sua capacidade de afetar
e de ser afetado na produção das múltiplas experimentações cotidianas. Spinoza (2014)1
aponta que a experiência a ninguém ensinou o que pode um corpo. O autor sugere que,
para descobrirmos a potência de um corpo, é preciso que estejamos atentos ao seu poder
de afetar e de ser afetado e de como se interage e experimenta com outros corpos. Assim,
problematizamos a força das imagens-cinema nos encontros de formação de professoras,
a fim de capturar os afetos que emergem do encontro com essas imagens e o modo como
essas afecções promovem novas invenções curriculares. Estamos cercados de imagens por
todos os lados e de experiências imagéticas que possibilitam encontros com diferentes
linguagens e afecções, produtoras de pensamento e de conhecimentos. Silvio Gallo (2014)2,
argumenta que a comunicação hoje é imagética e discute duas formas/forças das imagens:
a primeira – é que a imagem informa e, portanto, é palavra de ordem. Como palavra de
ordem, ela não é pensamento, mas, sim, informação, conformação, representação,
repetição, recognição. Para abrir outra possibilidade para a imagem, o autor questiona se
ela pode devir-pensamento. A imagem como informação, palavra de ordem, ainda é
recorrente nos espaçostempos escolares. Reforça, assim, a ideia de imagem como
representação, repetição, ou seja, prevalece a lógica da recognição, da reprodução, do
pensamento dogmático, que costuma habitar as ideias universais. Nessa perspectiva, o
pensamento tomado como representação é o pensamento com imagem, centrado no
conceito de identidade e que remete a diferença ao erro. Deleuze (2006)3 insiste na busca
de uma filosofia da diferença que rompa com o pensamento como representação. Investe
no pensamento como criação, que possa pensar o novo, o im/pensável, o diferente – o
pensamento nômade. Para isso, faz-se necessário investir em um pensamento sem
imagem. Um pensamento que escapa, que experimenta, que inventa. Gallo (2014) ressalta

1
SPINOZA, B. de. Ética. Trad. Tomás Tadeu. Belo Horizonte/BH, Autêntica, 2014.
2
GALLO, S. Algumas notas em torno da pergunta: o que pode a imagem? In: DE CAMARGO, M. R. R. M.; LEITE,
C. D. P.; CHALUH, L. N. Linguagens e imagens: educação e políticas de subjetivação. Petrópolis/RJ: De Petrus
et Alii, 2014.
3
DELEUZE, G. Diferença e repetição. Rio de Janeiro/RJ: Graaal, 2006.
151

que, para Deleuze, a obra de arte não informa, não produz palavras de ordem, repetição,
recognição; ela expressa e provoca sensações, emoções. Assim, como imagem-sensação,
portanto, ela incita o pensamento, provoca a invenção e a criação. A potência do
pensamento se constitui quando a “[...] imagem não representa nada; ela é sensação pura,
puro sentido produzido na relação. E, na afecção que produz no sujeito, incita o
pensamento” (GALLO, 2014, p. 19).
De tal modo, lançamos, ainda com Gallo (2014), novas provocações para a
pergunta: o que pode a imagem? Será que o excesso de informações e fluxos de imagens
entorpece, anestesia, acelera, energiza o nosso pensamento? No encontro com as
professoras de educação infantil, esse questionamento do excesso de imagens nas nossas
vidas também foi problematizado. Elas ressaltam que, do mesmo modo que as imagens
vêm sendo utilizadas como “calmante”, para quietar as crianças, elas têm provocado,
também, muita inquietação e agitação, pois as crianças, em alguns momentos, chegam às
escolas absolutamente confusas com o excesso de imagens, precisando de espaçotempo
de aconchego e de conversa. As crianças, os jovens e também os adultos estão, cada vez
mais, envolvidos em um mundo imagético meramente informacional, assim, falta mais
tempo para conversar, pensar, se relacionar, imaginar, fantasiar e criar. Assim,
cartografamos o modo como os movimentos de invenção e de criação desse corpoescola
que se fazem e refazem, em processos de interação combinação e conexão,
acompanhando os fluxos das forças intensivas e dos agenciamentos que expandem a
potência de ação coletiva. Nesse contexto, fomos acompanhando os processos de
territorialização, desterritorialização e de reterritorialização, problematizando os silêncios,
as experimentações, os choros coletivos, as certezas e tristezas, as alegrias, as redes de
solidariedade, os conflitos – a multiplicidade, a diferença. O curta-metragem Alike4 foi
selecionado como um disparador de forças para as redes de conversas com as professoras
de dois centros municipais de educação infantil, localizados na capital do Espírito Santo.
Desse modo, este artigo mostra os modos como o encontro das professoras com as
imagens do curta Alike arrancou dos clichês uma nova imagem para as escolas, para os
currículos, para as infâncias. O artigo argumenta que o encontro com as imagens
cinematográficas em redes de conversações com as professoras provoca afecções que
possibilitam o movimento de pensamentos, expandindo, assim, as forças ativas, a potência
de ação coletiva, os processos de formação inventiva e os movimentos curriculares. A força
das imagens do curta Alike rompe como fluxo intensivo, possibilitando o intempestivo, as
insurreições que expandem a potência de ação coletiva e o deslizar do pensamento
nômade. Os devires, que pedem passagem por meio da imagem-cinema que desaloja o
pensamento, permitem o encontro com as diferenças que habitam os cotidianos da
educação infantil. As professoras, diante das perguntas, dos conflitos de ideias, das trocas
de experiências, reacendem a vontade de potência, multiplicando-se entre os desejosos
devires, dizendo sim para a vida.

Palavras-chave: Imagens Cinematográficas; Movimentos Curriculares; Redes de


Conversações.

4
ALIKE. Direção: Daniel Martinez Lara e Rafa Cano Méndez. Madrid: La Fiesta – produções cinematográficas,
2016
152

NA NATUREZA SELVAGEM: REFLEXÕES SOBRE CINEMA E EDUCAÇÃO E MÁQUINA E


CORPO E NOMADISMO E...

Diogo José Bezerra dos Santos1


Universidade Federal de Juiz Fora - UFJF
diogo.oroiz@gmail.com

Ana Karla Tzortzato Almeida2


Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ
anatzortzato @gmail.com

Concordamos com as autoras Giovana Scareli e Priscila Fernandes (2016) quando,


no artigo intitulado Cinema e cotidianos e pesquisa em educação3, afirmam que “o cinema,
os filmes, os diretores de cinema e seus métodos de fazer cinema nos ajudam a
compreender, não somente os seus filmes, mas também o mundo à nossa volta” (SCARELI;
FERNANDES, 2016, p.16). Propomos um trabalho que tem como objetivo refletir e discutir
sobre conceitos de Gilles Deleuze por meio de uma obra cinematográfica, o filme Na
Natureza Selvagem (Into The Wild, 2007)4. O filme é inspirado no livro homônimo, escrito
por Jon Krakauer, sobre a história de Christopher McCandless, um jovem americano que
aos 22 anos largou sua vida estável, de classe média-alta, para partir em busca de liberdade
e novas possibilidades de vida. Christopher, abandona a sua própria identidade,
rebatizando-se com o nome Alexander Supertramp. Com um destino em sua mente, o
distante e desabitado estado americano do Alasca, o garoto cruza o continente e as vidas
de muitas pessoas. Gilles Deleuze, na obra Conversações5, destaca que “a única
oportunidade dos homens está no devir revolucionário, o único que pode conjurar a
vergonha ou responder ao intolerável.” (DELEUZE, 2013, p. 215). Neste sentido, vemos o
protagonista do filme respondendo ao intolerável lançando mão de seus devires. Deleuze
e Parnet, no livro Diálogos6, afirmam que “os devires não são fenômenos de imitação, nem
de assimilação.” (DELEUZE; PARNET, 1998. p. 10). No filme, Christopher MacCandless não
imita e não reproduz comportamentos. Não assimila ordens. Escapa às representações e
às tentativas de dominação e controle dos desejos. Improvisa trilhas. Varia a conduta.
Segue seus devires e é arrastado por caminhos desconhecidos. Como um nômade, faz do
caminho a sua casa. Pensaremos como uma atitude como essa de Chris McCandlle pode
criar buracos nas estruturas que trabalham para condicionar e controlar a subjetividade.
Chris ousa romper o “cano de água” que canaliza e condiciona desejos, fazendo-se fugir,
“[…] como quando se arrebenta um cano ou um abcesso. Fazer passar fluxos, sob os
códigos sociais que os querem canalizar, barrar.” (DELEUZE, 2013, p. 30). Pensaremos

1
Licenciatura e Bacharelado em História (DECIS/UFSJ). Mestrado em Educação (PPEDU/UFSJ). Doutorando
em Educação (PPGE/UFJF).
2
Licenciatura e Bacharelado em Teatro (DELAC/UFSJ). Pós-Graduação em Ensino de Artes Visuais
(EBA/UFMG). Mestranda em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade (PIPAUS/UFSJ).
3
SCARELI, Giovana; FERNANDES, Priscila Correia. Cinema e cotidianos e pesquisa em educação. Quaestio,
Sorocaba, SP, v. 18, n. 1, p. 15-33, maio 2016
4
NA NATUREZA SELVAGEM. Direção e Produção: Sean Penn. EUA: Paramount, 2007. (148min.)
5
DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução: Peter Pál Pelbart. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2013.
6
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.
153

também nestas questões com o livro O Mestre Inventor7, de Walter Kohan (2015), onde o
protagonista, o professor Simón Rodríguez, assegura que o caminho para a transformação
é pensar por si próprio e não imitar. “A alternativa é sempre uma e a mesma: de um lado,
a criação, a invenção, o pensamento, a vida, a liberdade; do outro, a reprodução, o erro, a
imitação, a opinião, o servilismo” (KOHAN, 2015, p. 70). Parafraseando Walter Kohan,
concluímos que em todas as situações precisamos inventar, não existindo outro caminho,
“é preciso inventar porque imitar pode significar reproduzir a estrutura de dominação e
extermínio que vem prevalecendo durante séculos.” (KOHAN, 2015, p. 76).
Para pensarmos com o filme selecionaremos fotogramas e utilizaremos os
princípios do método documentário de análise de imagens, proposto por Ralf Bohnsack
(2010), principalmente no artigo intitulado A Interpretação de Imagens Segundo o Método
Documentário8. O referido método busca identificar o maior número possível de níveis
imagéticos que compõem a fonte, buscando o deslocamento do sentido literal das imagens
para o sentido documentário. O autor sugere uma série de passos para a análise, que são
inspirados fundamentalmente pelas análises iconográfica e iconológica, de Erwin Panofsky,
e icônica, de Max Imdahl. A análise pode ser dividida em passos, que são: discriminação da
fonte; análise pré-iconográfica; análise iconográfica; composição formal; interpretação
icônico-iconológica e, por fim, os elementos textuais.
Ademais, partindo do filme, pensaremos com os conceitos de Gilles Deleuze,
especialmente o de máquina de guerra, atravessados pelas propostas do evento e também
pela pergunta: o que pode o cinema na educação? Procuraremos relacionar e situar o
estudo também dentro da proposta do evento, de buscar caminhos outros, fluxos outros,
que possam movimentar nossas pesquisas e escritas acadêmicas.

Palavras-chave: Cinema, Educação, Subjetividade.

7
KOHAN, Walter. O Mestre inventor. Relatos de um viajante educador. Tradução: Hélia Freitas. Belo
Horizonte: Autêntica. 2015.
8
BOHNSACK, Ralf. A interpretação de imagens segundo o método documentário. IN WELLER, Wivian; PFAFF,
Nicole (orgs.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes,
2010.
154

O PROFESSOR ENTRE A NORMATIZAÇÃO E A DIFERENÇA: PENSANDO A CONSTITUIÇÃO


DO EDUCADOR COM A FILOSOFIA DELEUZIANA E O FILME “NUMA ESCOLA DE HAVANA”

Fernando Cesar Pilan


Doutorando em Educação - Unesp/Rio Claro / Professor de Filosofia – IFSP/Boituva
ferpilan@ifsp.edu.br

Romualdo Dias
Unesp/Rio Claro
romualdo.dias@commonactionforum.net

Pensar a tensão entre diferença e alteridade na constituição do educador é algo


muito raro na educação. Muito geralmente, grandes modelos didático-pedagógicos
assumem para si a tarefa de pensar e promover a formação de professores, e, por serem
modelos universais, dificilmente conseguem ser sensíveis às intensidades e as tensões que
envolvem a relação educador-educando no acontecimento. Neste sentido, este trabalho
pretende trazer como sugestão de pensamento a seguinte pergunta: como se constitui um
educador pensado a partir da radicalização da diferença e da tensão das afetações de
alteridade?
Buscaremos pensar possíveis respostas à pergunta proposta com o filme “Numa
Escola de Havana”, do diretor Ernesto Daranas, e com a filosofia da diferença de Gilles
Deleuze, em especial em suas obras “Diferença e Repetição”, “Lógica do Sentido”, e
também em “O Anti-Édipo” e “Mil Platôs”, ambos em coautoria com Félix Guattari. A partir
do atravessamento destas obras com o filme de Ernesto Daranas, buscamos vislumbrar
virtualidades possíveis do acontecimento no processo educacional, que geralmente são
desprezadas, tornadas invisíveis e aniquiladas no contexto da educação escolar moderna.
Em resumo muito breve, podemos dizer que o filme retrata a afetuosa relação da
professora Carmela com sua classe, e que na história pelo menos dois fluxos atravessam a
vida da professora, marcando profundamente sua posição como educadora: as vidas de
Chala e Yeni. Chala é filho de Sonia, uma mulher depressiva, dependente química e que
não cuida bem do menino. Além disso, Chala mora ao lado de uma rinha de cães, para a
qual empresta alguns animais para brigar, ajudando sua mãe no sustento da casa com o
dinheiro da renda.
A menina Yeni vive apenas com o pai em Havana, e é chamada pela turma de
“palestina”, devido a sua naturalidade ser da província de Holguín, 745 km de Havana; isto
trará muitos problemas jurídicos e legais para a permanência da menina e de seu pai na
cidade de Havana, pois em Cuba é necessário ter endereço fixo para permanecer em
definitivo em uma cidade.
A história de Carmela, portanto, será atravessada por estas duas vidas ao longo de
todo a trama e culminará em sua possível demissão da escola pela supervisão educacional.
Atendendo aos propósitos de nosso trabalho, escolhemos alguns momentos muito
marcantes destas relações entre a educadora Carmela e os educandos Chala e Yeni, que
nos levam a pensar como se dá a constituição de um educador quando, para ele, o que
realmente importa é a diferença, o acontecimento, a singularidade e não os modelos
homogeneizantes do Estado e das instituições. Destacaremos duas situações: a primeira,
em que Carmela assume os riscos frente a institucionalidade escolar para que o menino
155

Chala não seja encaminhado a um internato, e não permite que a supervisão social e
educacional interfira na vida do menino, já que estes poderes institucionais, segundo
Carmela, não sabem como é a vida real do aluno; a segunda, em que a educadora deixa
que a menina Yeni pregue um santinho de Nossa Senhora da Caridade do Cobre no mural
da sala, lembrança esta deixada como presente pelo amigo de classe Camilo, antes de sua
morte, ocorrida dias antes. Como em Cuba não é permitido símbolos religiosos em
repartições do Estado, Carmela assume o risco de infringir a lei para que o sentido daquele
acontecimento de Yeni não fosse sufocado pelas normas.
Gostaríamos de analisar estas duas situações vividas pela personagem Carmela por
meio do eixo da diferença encontrado no pensamento de Gilles Deleuze. A filosofia da
diferença nos arranca das convenções que constituem a vida social, e nos lança nos riscos
e incertezas da intempestividade e da intensividade do acontecimento, no devir da
diferença. A diferença deleuziana abre uma fratura no espaço-tempo, na história
cronológica, nos permitindo pensar uma educação outra, do acontecimento, para além dos
rizomas estruturais do poder. A diferença nos permite pensar as pessoas em sua
singularidade e não por meio de categorias universais. Entendemos que Carmela opta pela
via da diferença em seus encontros com os alunos, em especial, Chala e Yeni. A professora
implode os fundamentos e as táticas do poder de estado, por debaixo, bem ali onde o
controle não dá conta de alcançar seu objeto de perseguição: a diferença-acontecimento-
singularidade. Se entendermos que o educar ocorre nas ressonâncias de corpos vivos e
reais, então o mais importante é o que está no “entre”, naquilo que não se diz em uma
política educacional, ou que não se vê na mensuração de uma avaliação, ou que não se
conceitua em um boletim, mas que está na escola. Nisso, podemos aprender muito com a
personagem Carmela. Não estamos sugerindo que ela se coloque como um modelo a ser
seguido, pois se assim o fizéssemos já estaríamos eliminando a diferença. Atentamos para
sua maneira de viver o acontecimento, a singularidade dos alunos, e, portanto, de fiar-se
no “entre”, que nos leva a pensar na constituição do educador radicalizando a diferença,
compondo-nos Máquina de Guerra, criadoras de fluxos de intensidade que possibilitem
outras maneiras de vida para além da estrutura social. Encontrar-se com uma singularidade
está implicado em testemunhá-la, em fazer o caminho dela, com ela, e não em determinar
o que ela tem que ser, julgando-a de maneira ausente. Valorar uma singularidade pelo
testemunho não é o mesmo que valorar pela imposição de uma moral social. Aí está o
disruptivo de Carmela em relação ao corpo institucional da educação. A professora Carmela
não se esquiva de se deixar afetar pelos dois educandos, Chala e Yeni, vivos, de carne e
sangue, não se permitindo capturar pelas políticas, normas e leis que fazem da gestão e da
supervisão escolar um lugar institucional que lida apenas com corpos de linguagem criados
pelo Estado para “equivaler” aos corpos vivos. Viver a educação-acontecimento-afeto-
singularidade, conforme nos leva a pensar a filosofia da diferença de Deleuze, exige um
cuidado-de-si ou uma criação do Corpo Sem Orgãos do educador, na medida em que só
pode se dar subterraneamente, rizomaticamente, por meio de contraefetuações, cuidando
para que não seja capturado pelas táticas homogeneizantes do poder.
A presente proposta busca articular-se à temática do evento produzindo um
atravessamento de fluxos, acoplamentos entre a máquina-Numa Escola de Havana, a
máquina-pensamento de Deleuze, a máquina-Educador e a máquina-educando.
O acontecimento, encontro com a diferença e alteridade é a condição originária de
todo e qualquer processo educativo e que problematiza nossa existência e nosso
156

pensamento enquanto educadores orquestrados por uma ordem jurídica e legal do Estado
que eliminam tal riqueza do acontecimento. O pensamento de Deleuze e ao filme Numa
Escola de Havana elevam nossa potência de criar uma vida docente mais intensa, cuidadosa
e de afetação.

Palavras-chave: Constituição do Educador; Diferença; Numa Escola de Havana.


157

O OGRO E SUA ARTE DE ATRAVESSAR PORTAS: PROCEDIMENTOS DO PROFESSOR GILLES


DELEUZE

Eder Amaral1
Departamento de Filosofia e Ciências Humanas, Área de Cinema e Audiovisual
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
ederamaral@uesb.edu.br

Apesar do inegável reconhecimento do filósofo/autor Gilles Deleuze pelos livros


Cinema 1: A imagem-movimento (1983) e Cinema 2: a imagem-tempo (1985) no campo dos
estudos cinematográficos contemporâneos, espanta o relativo silêncio que paira sobre a
voz do professor Deleuze, na medida em que estas obras (como quase tudo o que ele
escreveu a partir de 1979) emergem em condições que merecem, por si só, um estudo mais
atento. A proposta deste trabalho consiste em circunstanciar a singularidade dos cursos de
Gilles Deleuze na Universidade Paris VIII/Vincennes, colocando em evidência a realação
entre procedimento e estilo em seu ensino, particularmente nos Cours sur le cinéma (1981-
1985). Antes de se tornar um dos mais celebrados nomes da filosofia universitária francesa
que emergiu entre os acontecimentos de maio de 1968, Deleuze foi professor de liceu
(1948-1957) (DOSSE, 2010), tendo ensinado os adolescentes que frequentavam a escola
durante o período da Liberação. Parte da geração que deflagraria a Grande Recusa alguns
anos depois já estava habituada à voz daquele que se tornaria, a partir dos anos 1970, um
dos mais importantes pensadores da filosofia contemporânea. A originalidade da sua
perspectiva em relação à história da filosofia (revigorando e convocando correntes
subterrâneas e mesmo “malditas” pela filosofia em voga naquele momento), Deleuze é
responsável, ao lado de Michel Foucault, por uma “virada nietzscheana” (genealógica e
anti-representacional) no pensamento francês. Não por acaso, seu trabalho transitará
pelas mais variadas zonas de confronto do século XX (psicanálise, estruturalismo,
existencialismo, marxismo, fenomenologia etc.), traçando um estilo de pensamento cuja
força maior é a afirmação da imanência como bússola ética, estética e política. Não
obstante o brilho do Deleuze autor de obras decisivas como Diferença e Repetição (1968)
e Lógica do sentido (1969), nos interessa aqui pôr em relevo o Deleuze professor.
Particularmente, aquele que, tendo sido convidado a compor o Departamento de Filosofia
da recém-criada Universidade Paris VIII (Vincennes), fará do seu ensino um prodigioso
laboratório de conceitos. A cada semestre, o professor apresentava um novo curso aos seus
ouvintes, provenientes de diversas partes do mundo, com as mais variadas formações,
trajetórias e propósitos. “O momento do curso é, assim, aquele de um duplo movimento:
o da criação dos conceitos e o de colocá-los em prática, do confronto com um objeto e com
um grupo de ouvintes que se reúne todas as terças-feiras pela manhã para escutar Gilles
Deleuze pensar em voz alta” (LA VOIX DE GILLES DELEUZE..., online). Falando
semanalmente para uma audiência tão heteróclita, Deleuze se propunha a uma verdadeira
experimentação da aula como terreno em formação, cuja extensão e consistência eram
formuladas e reformuladas a cada terça-feira, dando aos cursos uma ambiência mais
próxima de um laboratório ou oficina do que de uma sala de aula convencional. Se o
professor Deleuze trabalha como um artesão do conceito e artista da aula, é porque
entende que ensinar exige uma atitude muito especial: “A questão das aulas é muito
1
Professor Adjunto.
158

simples. Acho que as aulas têm equivalentes em outras áreas. Uma aula é algo que é muito
preparado. Parece muito com outras atividades. Se você quer 5 minutos, 10 minutos de
inspiração, tem de fazer uma longa preparação” (L’ABÉCÉDAIRE..., P comme professeur).
Com humor, Deleuze explica que “é preciso estar totalmente impregnado do assunto e
amar o assunto do qual falamos. Isso não acontece sozinho. É preciso ensaiar, preparar. É
preciso ensaiar na própria cabeça, encontrar o ponto em que... É como uma porta que não
conseguimos atravessar em qualquer posição” (id. ibid.). Não é de se espantar a dificuldade
deste professor com as portas, sejam elas as da sala de aula ou do pensamento. É que ao
nos aproximarmos, de olhos e ouvidos abertos, nos damos conta que não há nada que
garanta se tratar de um ser humano a siderar a audiência que o confina num ponto ínfimo
da sala, espremido entre a mesa e o quadro, espaço ainda assim mais que suficiente para
a efetuação do seu intrigante procedimento. Como bem soube dizer Claude Jaeglé em seu
primoroso retrato oratório de Gilles Deleuze (JAEGLÉ, 2005), em realidade, é mais um Ogro
que ali profere seu prodigioso ensino, buscando a posição precisa em que se torna possível
passar, fazer passar o pensamento. A articulação deste trabalho com o VIII Seminário
Conexões passa por três caminhos simultâneos, a saber: a leitura do ensino de Gilles
Deleuze como obra em curso; a afirmação da aula como procedimento que performatiza
seu pensamento e sua escrita; a problematização da imagem entre cinema e pensamento
no professor de Vincennes. Esta pesquisa é parte do projeto de pesquisa “Constelações do
problema da imagem no pensamento contemporâneo”, realizado no âmbito do Curso de
Cinema e Audiovisual da UESB, e investiga conexões entre cinema e pensamento na
perspectiva da filosofia da diferença, em especial a partir dos cursos e obras de Gilles
Deleuze a respeito do pensamento cinematográfico, concentrando-se atualmente na
preparação da tradução para o português dos quatro Cours sur le cinéma.

Palavras-chave: Aula; Gilles Deleuze; Procedimento.


159

IMAGENS-CINEMA E REDES DE CONVERSAÇÕES: MOVIMENTAM AS INVENÇÕES


CURRICULARES E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Sandra Kretli da Silva


PPGMPE/UFES
sandra.kretli@hotmail.com

Marlucy Alves Paraíso


FAE/UFMG
marlucyparaiso@gmail.com

Este artigo apresenta fragmentos de uma pesquisa de pós-doutoramento que


buscou compor encontros com as professoras de dois centros municipais de educação
infantil (Cmeis), localizados na capital do Espírito Santo, Vitória, fazendo “usos” de imagens
cinematográficas para movimentar o pensamento e expandir as combinações que podem
ser organizadas coletivamente para fazer os currículos embalançar na escola. Os encontros
com as professoras aconteceram, quinzenalmente, durante o primeiro semestre letivo de
2019 e tiveram como elemento disparador para as redes de conversações (CARVALHO,
2009)1 curtas-metragens e animações, em função do curto tempo disponibilizado para
planejamentos coletivos na/da escola. Assim, logo após a exibição dos curtas, as
professoras começavam a verbalizar os perceptos e os afectos constituídos a partir do
encontro com as imagens-cinema em redes de conversações. Acreditamos, com base em
Deleuze (2003, p. 35)2, que “[...] há sempre violência de um signo que nos força a buscar,
que nos rouba a paz”. A nossa intenção, ao levar as imagens-cinema para esses encontros,
era apostar que esse signo artístico fizesse embalançar o pensamento das professoras,
forçando-as a pensar novas ideias para as escolas e para os currículos, propiciando,
portanto, acontecimentos inusitados, encontros inexplicáveis, com o intuito de
desterritorializar os currículos para a invenção de novos desejos coletivos, outras
combinações e composições. Nesse contexto, problematizamos: Qual é a potência das
imagens nos encontros de professoras? Que forças passam entre os corpos das professoras
que possibilitam embalançar os currículos? Que combinações podem ser feitas para a
composição curricular por meio das redes de conversas travadas nesses encontros com as
imagens cinematográficas? Sabemos que, nos currículos, há formas que indicam ações
prescritivas e repetitivas que fazem pouco sentido para os praticantes dos cotidianos,
produzindo tristezas e adoecimentos. Mas há, também, engendradas nessas formas,
muitas forças que produzem “rupturas nas formas” e buscam conexões com os afectos
alegres, que expandem a potência de vida (PARAÍSO, 2015)3. O argumento desenvolvido
neste artigo é o de que os encontros com as imagens cinematográficas, seguidos de redes
de conversações, possibilitam a expansão de forças que movimentam as formas e nos
ajudam a experimentar e explorar o infinito e o impensável dos currículos, das infâncias,

1
CARVALHO, J. M. O Cotidiano Escolar como comunidade de afetos. Petrópolis, RJ: DP et Aliii; Brasília, DF:
CNPq, 2009.
2
DELEUZE, G. Proust e os signos. Tradução: Antônio Pichet e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2003.
3
PARAÍSO, M. A. Um currículo entre formas e forças. Educação, Porto Alegre: Faculdade de Educação/UFRGS,
v. 38, n. 1, p. 49-58, jan./abr. 2015.
160

das escolas, expandindo a potência de ação das professoras. Ou seja, faz sacudir a poeira
dos Cmeis e embalançar os currículos e os processos de formação de professoras. Rolnik
(2007, p. 23)4 acena como tarefa do cartógrafo “[...] dar língua aos afetos que pedem
passagem”. Deleuze e Parnet (1977), por sua vez ensinam que, para encontrar, não há
método, porém requer uma longa preparação. Inspiradas nessas ideias-força adentramos
nos cotidianos de dois Cmeis munidas de planejamento, mas abertas ao inusitado. Com o
olhar à espreita e atentas aos devires, aos afetos e às forças que suscitariam dos encontros
com as imagens, buscamos cartografar o que se passa entre os corpos e acompanhar as
emoções, as sensações, os agenciamentos que promovem as invenções curriculares
cotidianas. Cada encontro apresentava uma peculiaridade, pois cada espaço, e,
principalmente, cada instante, se apresentam com a sua singularidade. O cotidiano escolar
é campo micropolítico que consiste na criação de agenciamentos intensificadores dos
processos de singularização, que produzem uma energia do desejo que movimenta
indivíduos e grupos, possibilitando processos de desterritorialização, reterritorialização e
criação. Para Deleuze e Guattari (2012)5, não há território sem aberturas, linhas de fuga,
vetores de saída. A desterritorialização ocorre por meio dos movimentos criados pelos
agenciamentos na operalização das linhas de fuga e a reterritorialização se constitui como
novos agenciamentos maquínicos de corpos e coletivos de enunciação. Vale ressaltar que,
sempre que houver movimento de desterritorialização, haverá movimento de
reterritorialização, ou seja, esses processos são indissociáveis. Percebemos, portanto, que
o encontro com as imagens cinematográficas em redes de conversações possibilitou pensar
questões importantes para a educação infantil, principalmente, desnaturalizar “verdades”
que circulam nos discursos educacionais por meio do encontro do pensamento com um
outro, “[...] que é o seu ‘fora’, mas não um fora que ele então representaria, como na teoria
clássica da representação e do signo” (TADEU, 2002, p. 50)6, mas um fora que inverte a
ordem, muda os sentidos. Ainda nessa direção, como reforça Tomaz Tadeu: “Não, esse
signo não representa nada, nem ninguém”. Trata-se, sobretudo, “[...] de um outro que
emite um signo que é o ainda não pensado, o impensável, intempestivo, o extemporâneo”
(p. 50). É o inusitado – que surge com os afetos que emergem das imagens-cinema.
Acreditamos ser possível pensar o inimaginável para a escola, para as infâncias, para os
currículos, para a educação – pensar na e com a diferença, quando suscitamos a quebra
dos clichês que carregam alguns regimes de “verdades” para a escola.

Palavras-chave: Imagens-Cinema. Movimentos Curriculares; Redes de Conversações.

4
ROLNIK. S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina;
Editora da UFRGS, 2007.
5
DELEUZE. G; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. Rio de Janeiro: Ed.34, 1997/2012
6
TADEU, T. Arte do encontro e da composição: Espinosa + Currículo + Deleuze. Educação & Realidade. Porto
Alegre: Faculdade de Educação/UFRGS, v. 27, n. 2, jul/dez. 2002.
161

A MAQUINARIA DA ESCRITA COMO DESMONTAGEM DOS ÓRGÃOS:


ATRAVESSAMENTOS POR ENTRE CLARICE LISPECTOR E DELEUZE

Maria dos Remédios de Brito


Universidade Federal do Pará
mrdbrito@hotmail.com

Dhemersson Warly Santos Costa


dhemerson-santos@hotmail.com

Como se escreve desmontando os órgãos? O que Clarice Lispector pode nos ensinar
com sua maquinaria do ato de escrever? O que se passa entre Deleuze e Lispector? A escrita
solicita uma linguagem, assim como uma posição diante do mundo e diante daquele que
exerce a arte de escrever como um modo de forjar meios, maneiras de pensar, de ser e de
existir, daí seu posicionamento ético e estético. Deleuze, amante da literatura, percorre a
escrita que passa pela gagueira e pela linguagem que cria variação. A escrita é vida e com
ela é possível acionar os devires, mesmo os mais imperceptíveis. Lispector não receia em
afirmar que escreve mobilizada pelo aberto, pelo impulso, em que as sílabas são cegas e os
sentidos passam pelo corpóreo, sendo que o labor da poética passa por uma vibração e a
palavra vem em sombras, em cores turvas, elas mudam de cor, de tom e de luz. Se a palavra
pode ter o poder de libertar a imaginação, ela também abre o vazio, uma ausência, aquilo
que nunca pode ser dito, pois a palavra foge de sua nomeação. A letra ao produzir palavra,
ela aparece trêmula, fragmentada e turva. Escrever é um caso de corpo e movimento, é
um caso de desmontagem dos órgãos e dos organismos; escrever é libertar a vida das
clausuras, promovendo uma experimentação com todos os sentidos, gerando um novo
corpo, outra forma de entendimento com o mundo. Não é nada fácil escrever, pois passa
por todo um processo de recolhimento, de escuta, de coletas de materiais, de estudo, de
observar o mundo, de olhar aquilo que se chama realidade para então “pela límpida
abstração de estrela do que se sente – capta-se a incógnita do instante que é duramente
cristalina e vibrante no ar e na vida” (LISPECTOR, 1998, p. 10). Clarice Lispector nos ajuda a
pensar quando questiona as regras, as normas, os enquadramentos, as formatações no ato
de escrever. Não se aprende a escrever por modelos pré-fabricados, escrever é ensaiar,
repetir, tentar, insistir, deixar passar a palavra que não vem inteira, a linguagem não fecha
a comunicação... Há uma luta diária com a palavra, com o que deseja ser dito, a palavra
corre, não se diz de um golpe só, escrever é labutar com os órgãos. Lispector inspira aquele
que lida com essa difícil arte de produzir um corpo com as palavras o “ato de escrever é
como quebrar rochas” (LISPECTOR, 1998, p 19). O corpo percorre a maquinaria de algo que
o atravessa e o deixa em espanto, a escrita passa por uma agitação, algo passa pelo corpo
que não pode ficar internalizado como se a mesma solicitasse uma espécie de saúde.
Nietzsche, em sua obra Ecce Homo (2003), afirma que foi no período de maior declínio de
seus órgãos que ele estava com maior atenção para sua saúde. Escrever para Nietzsche
passa pela vida e pela saúde. Escreve-se porque o corpo não aceita sucumbir aos poderes
tristes. Na mesma esteira, Deleuze, coloca que escrever é um atletismo corporal como se
escrever fosse produzir uma saúde. A escrita é uma forma de fazer o corpo se relacionar
com as coisas, com os objetos, com o pensamento, com os sentidos. A escrita é uma
máquina produtiva de fuga, porém fugir não é negar o mundo, ao contrário, é criar mundos
162

possíveis, um povo por vir. Deleuze, amante da escrita e da literatura, afirma que escrever
passa por uma clínica e uma crítica. Escreve-se porque algo atravessa o corpo, escreve-se
porque o mundo nos espanta, escreve-se porque alguma coisa incomoda. Assim, escrita é
marcada por uma angústia, uma maquinaria de desfazer o organismo, há nesse desfazer a
composição de outros órgãos por meio de uma coleta das existências mínimas, anotações
em fragmentos, o silêncio povoado. Lispector em suas obras não deixa de falar do ato de
escrever, fazendo o leitor sentir um corpo agitado, em que as palavras estão quase sempre
por fazer. Ela fala de seus gostos, de seus passeios por entre pessoas, livros, galerias e
leituras... E chega a indicar que não há um tempo para escrever, o seu tempo de escrita é
prolongado, deve ser cruzado por vários dispositivos que possam acionar o seu corpo,
agitar o seu pensamento... Não se escreve sem agitação, pois “escrever o aprendizado é a
própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós” (LISPECTOR, 2008, s/p). Aquele que
escreve compõe seu próprio ato, inventa seu próprio aprendizado do tempo. Deleuze
atravessa a literatura e outras artes, afirma em sua obra Crítica e Clínica (1997) que a
literatura é vida. Ora, o que Deleuze quer defender em várias de suas obras é a necessidade
de pensar em uma outra forma de produzir a escrita não dogmática, passando pela a
invenção de um modo de expressão. A escrita deve desmobilizar os órgãos, descongelar o
sangue que pulsa nas veias para criar outra língua. A literatura entra no pensamento de
Deleuze para operar um modo de fazer filosofia, um modo de produzir um estilo, um
pensamento que passe pela diferença. Para isso, é necessário compor também um outro
modo de fazer/pensar a escrita. O ensaio não compara os autores, antes deseja fazer passar
sons em uma temática cara para ambos. A escrita faz nascer palavras, forjar linguagem,
mas também produzir um corpo a partir de seus vazios e fragmentos. Como máquina de
desfazer os órgãos, a escrita exige do corpo daquele que escreve, uma agitação dos órgãos
para pensar.

Palavras-chave: Escrita; Desfazer os Órgãos; Literatura.


163

O ESTILO NA FILOSOFIA DE GILLES DELEUZE

Amanda Fievet Marques1


Universidade Estadual de Campinas
amandafievet@gmail.com

O objetivo deste trabalho consiste em realizar uma leitura da filosofia de


Gilles Deleuze a partir do problema do estilo. Intenciona -se, a esse propósito,
realizar uma investigação inicial da noção de estilo a partir das obras filos óficas
especificamente dedicadas a literatos – Marcel Proust (1964), Sacher-Masoch e
Marquês de Sade (1967), Kafka (1975). O objetivo em exposição ampla é a análise
da relação da noção de estilo como conectivo entre a literatura e a elaboração de
sua filosofia da diferença. Em continuidade à linha interpretativa forjada por
Roberto Machado, assume-se aqui o pressuposto de que a filosofia de Deleuze tem
como objetivo principal “tematizar o que seja pensar, e o pensamento não é
exclusividade da filosofia e sim uma propriedade de qualquer tipo de saber”
(MACHADO, 1990, p. 165). No esforço de pensar o pensamento, Deleuze já em
Nietzsche e a filosofia (1962) recusa alguns pressupostos metafísicos do
pensamento ocidental, como a unidade do sujeito pensante, a ideia de que o
pensamento está voltado para o verdadeiro e a premissa de que pensar é
reconhecer. Esse problema, central para ele, será retomado em Proust e os signos
(1964) e Diferença e repetição (1968), a propósito de demonstrar que, embora a
filosofia recuse a doxa como opinião, mantém-na na forma do pensamento, e tal
manutenção diz respeito ao que ele denomina “imagem dogmática do
pensamento”. A filosofia de Deleuze realiza ao longo de sua obra, a investigação de
outros registros disciplinares como a arte e a ciência. Deseja-se perceber aqui, de
que modo a noção de estilo lhe é cara, isto é, quais procedimentos literários
Deleuze encontra nas obras a que se dedica, e de que modo esses procedimentos
ressoam na criação de sua filosofia – já que ela está intimamente relacionada à
literatura desde Proust e os signos, em 1964, até o conjunto de ensaios Crítica e
Clínica, de 1993, sem contar as inúmeras referências distribuídas no decorrer do
movimento de criação de sua filosofia. Assume-se que seja relevante, como justificativa
em extensão às considerações iniciais, elucidar as relações entre a literatura e a filosofia de
Deleuze, uma vez que a compreensão do procedimento deleuzeano estabelecido com a
literatura forneceria uma chave para entender a sua própria filosofia naquilo que se propõe
de diferencial. É esta a justificativa do trabalho, que se legitima pela constituição de uma
leitura da filosofia de Deleuze a partir das obras dedicadas a literatos. Especificamente
consideramos fundamental compreender o sentido atribuido à literatura por meio dos
conceitos de imagem do pensamento, desejo, micropolítica, devir, estilo, conceitos-chave
da filosofia aqui em questão. Assim, o trabalho se justifica no plano interno em que se
moverá a proposta de leitura da filosofia de Deleuze a partir da noção de estilo e pela
relação com a literatura, quanto no plano transcendental, da imagem do pensamento
criada pela filosofia de Deleuze em relação às outras filosofias. O escopo desse trabalho

1
Doutoranda em Teoria e História Literária (PPGTHL-IEL/Unicamp). FAPESP. Processo número: 2018/18988-
6).
164

se dedicará à análise das três obras em que Deleuze se dedica particularmente à


literatura: Proust e os signos (1964), Sacher-Masoch – o frio e o cruel (1967) e Kafka
– por uma literatura menor (1975), a propósito de perceber o que em cada caso
literário se articula ao projeto da filosofia de Deleuze. E, por último, às obras Mil
Platôs (1980) e Crítica e Clínica (1993), em que a investigação se debruçará sobre a
crítica da linguagem, a partir da qual se propõe a noção de estilo. Deleuze e Guattari
na obra Mil Platôs (1980), desenvolvem o problema da linguagem e do Rosto. O platô Ano
zero – Rostidade diz respeito ao desenvolvimento de duas questões: “o que cria o Rosto?”
– diagnóstico da semiótica correlata ao capitalismo –, e “como desfazer o Rosto?” –
apresentação de uma possibilidade de resistência, ou em outras palavras, da criação de
existência fora das categorias aprisionadoras da espécie de modo de vida padronizada. A
primeira interrogação, que vai pensar a criação do rosto, já indica que o rosto não é próprio
do corpo, que ele é produção que acontece quando, tanto a cabeça como o corpo deixam
“(...) de ter um código corporal polívoco multidimensional – quando o corpo, incluindo a
cabeça, se encontra descodificado e deve ser sobre-codificado por algo que
denominaremos Rosto” (DELEUZE E GUATTARI, p. 31). Aqui a descrição da semiótica
primitiva como “não-significante, não-subjetiva, essencialmente coletiva, polívoca e
corporal, apresentando formas e substâncias de expressão bastante diversas” (ibid., p. 38),
está a propósito de demonstrar as diferenças com relação à sociedade ocidental, em que
linguagem, pensamento e vida conectam-se estritamente à rostidade. As estratégias de
poder características da sociedade ocidental relacionam-se, como bem conceituado por
Michel Foucault, à normalização dos corpos que serão disciplinados e adestrados, a fim de
se torná-los úteis economicamente e dóceis politicamente, enquanto nas sociedades
primitivas eles são postos em conexão com a natureza, a espiritualidade, a animalidade –
isto é, o corpo, o pensamento e a linguagem são atravessados por substâncias muito
diversas, para além do significante. A proposta em Mil Platôs é que esta máquina de
produção de rostos é um dispositivo de poder desencadeado por determinadas
circunstâncias: “(...) podemos datar a máquina de rostidade, atribuindo-lhe o ano zero do
Cristo e o desenvolvimento histórico do Homem branco (...)” (ibid., p. 46). Esta máquina de
rostidade está vinculada à criação de unidades de rosto: professor-aluno, médico-paciente,
juiz-réu, homem-mulher, que assim conduzem muito mais à assunção de rostos
previamente fornecidos que à elaboração de um. Além disso, tal máquina se conecta à
natureza da linguagem, do sujeito e do racismo. Enfim, serão investigadas as modalizações
da noção de estilo nessas últimas obras. Enquanto em Mil Platôs, o estilo aparece como
figura da difereça para escapar à semiótica predominante, em Crítica e Clínica, o estilo
aparece vinculado à vida.

Palavras-chave: Estilo; Filosofia da Diferença; Literatura.


165

LEITURAS DELEUZIANAS DE POETAS QUE SE AUTODENOMINAM MARGINAIS:


CARTOGRAFANDO A PARTIR DA LITERATURA MENOR

Eliane Aparecida Bacocina


IFSP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
elianeab3@gmail.com

O trabalho apresenta recortes de uma Tese de Doutorado realizada numa pós-


graduação em Educação, a partir de interlocução com poetas que se autodenominam
marginais e constituem um grupo que atua de maneira não formal com produção de
poemas. O grupo, denominado Sarau das Ostras, constitui-se por cinco integrantes
escritores de poemas e tem como inspiração a ostra, elemento comum no litoral, que
diante dos obstáculos, resiste e produz a pérola, assim como o grupo que, frente aos
desafios da vida cotidiana, produz poesia. Os poetas, Ludimar, Fernandes, Nego Panda,
RO3P e Abel, conheceram-se por meio de rodas poéticas, grupos de rap e eventos diversos
e, a partir de processos diversos de identificação e afinidades, passaram a se encontrar e
apresentar seus textos em saraus, além de realizar produções coletivas. A pesquisa
intenciona trazer à discussão o papel e o lugar da escrita poética e o modo como dela o
grupo se utiliza, reverberando em travessias de fronteiras do pensamento e processos
emancipatórios. A proposta de cartografar as práticas de invenção (escrita e produção
poética) postas em ação por estes sujeitos nesta comunidade de escritores surgiu a partir
dos estudos de Deleuze e Guattari, mais especificamente no livro “Kafka: para uma
literatura menor” (2003) e de Rolnik, em “Cartografia Sentimental” (2011). Foi possível
identificar, nas produções do grupo, que atua no litoral sul paulista, com o objetivo de fazer
pensar sobre questões sociais, políticas e cotidianas, alguns elementos que remetem a uma
escrita que é desterritorializada, política e coletiva, conforme delineado pelos autores na
obra em questão. A desterritorialização se mostra por meio de escritas que desvelam as
próprias histórias de vida e saberes dos autores, considerando vivências em espaços
abertos e periferias. Tais produções expressam visões políticas, apresentadas a partir de
temáticas da vida cotidiana de personagens que resistem a sistemas pré-definidos. A
questão coletiva pode ser identificada em trechos de poemas que remetem a construções
do grupo, por exemplo, no verso “o barato é loko”, muitas vezes citado por eles em
diferentes contextos. O material de pesquisa é constituído por leitura de livros publicados
pelos poetas, trechos de diálogos em entrevistas abertas, às quais intitulou-se “Conversas
poéticas”, observação de vídeos nos quais os corpos dos poetas se apresentam, vivências
formativas diversas e impressões da pesquisadora, que foram sendo compostas durante o
período de estudos e da elaboração da tese. A própria composição do texto da tese
revelou-se um processo de expansão de pensamento... Foi se produzindo uma escrita
outra, que não se conteve aos limites da escrita acadêmica... A partir das pistas deixadas
pela denominação de um estilo anunciado pelo grupo - marginal, permitiu-se seguir as
margens. Para ondem levaram? Das margens da página, margens do rio, margens que se
situavam nas periferias, margens do pensamento poético, a tese foi seguindo em direção
a um mar de possibilidades... devires... Destaca-se, para esse trabalho, de forma particular,
a forma como alguns poemas produzidos pelo grupo parecem ser produzidos para
declamar, a partir de movimentos da voz, do corpo e das mãos. São poemas que, ao serem
lidos, precisam ser escutados em voz alta, visualizados em seus modos possíveis de
166

performance. Os poetry slams apresentados pelo grupo revelam uma potência de


possibilidade e de criação que não se explica, mas que precisa ser vivenciada por meio de
processos de experimentação. Despertam a atenção os relatos de dois poetas do grupo,
quando afirmam que aquilo que querem escrever, muitas vezes, não cabe nas margens da
folha e é necessário criar estratégias de oralização, a fim de demonstrar, nos momentos de
apresentação do grupo, trazer aos espectadores algumas sensações que possam remeter
ao contexto de produção. Muitas vezes, a intenção do grupo é promover o inusitado, a
partir das sensações que podem ser despertadas e dos “baratos” que podem ser
proporcionados a cada apresentação. O trabalho que se apresenta constitui-se, portanto,
de um convite, convite para aventurar-se e mergulhar na poética de uma escrita – fala –
movimento das pessoas e textos que se entrelaçam nessa trama. Muitos convites vieram
antes – convite aceito pelos poetas que se encontravam, pela pesquisadora que se
entrelaçou às trajetórias dos poetas e dos poetas que, por sua vez, aceitaram compartilhar
suas histórias e criações que se encontram, após a pesquisa, em movimentos
desterritorializados, políticos e coletivos.

Palavras-chave: Cartografia; Devir; Literatura Menor.


167

ATOS DE CRIAÇÃO: O CORPO E A ESCRITA

Dhemersson Warly Santos Costa


Dhemerson-santos@hotmail.com

Maria dos Remédios de Brito


Universidade Federal do Pará
mrdbrito@hotmail.com

Que forças mobilizam a escrita? Por que escrever? O que leva o escritor a dedicar
toda uma vida à escrita? Estas inquietações movimentam este ensaio, o qual pretende
tecer o seguinte argumento: escrever é uma necessidade vital do corpo. O que é vital para
um corpo? Para a Biologia, o oxigênio, a água, a luz solar e o alimento funcionam como
elementos vitais para a manutenção do corpo, a ausência de qualquer um destes
impossibilitaria a vida. Aqui, porém, o corpo é pensado para além da perspectiva
organicista. O corpo é, na esteira de Nietzsche, “uma grande razão, uma multiplicidade com
um único sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor” (1977, p. 51), trata-se
de uma multidão, jogo de forças. Este se define pela sua capacidade de afetação, por isso,
paira sobre ele uma plasticidade, promovendo um embaralhamento da organicidade; ele
se assemelha ao corpo da criança recém-nascida, um corpo vitalista em expansão de forças,
cuja forma não é fixa, um corpo que ainda não conhece as regras e os limites; o que o
atravessa são blocos de intensidades e afetos. Assim, para este corpo não-biológico, o vital,
isto é, aquilo que é necessário à vida, não é mais da ordem das ligações químicas orgânicas
e inorgânicas, o que o alimenta e o nutre são os desejos, os afetos, os signos... Tudo aquilo
que o toca, que o arrasta para o deserto, que o estremece, que produz movimentos,
deslocamentos. O que é vital para esse corpo são os signos que o violentam, são os blocos
de afectos e perceptos, estes, para Deleuze e Guattari (2010), são movimentos criadores
proporcionados pela Arte e suas múltiplas variações: a literatura, o teatro, a música, o
cinema... Nessa perspectiva, o ato de escrita é, também, o alimento para o corpo do autor,
um corpo vivo afetado por uma necessidade demasiadamente irresistível de sentir o
mundo, de habitá-lo por meio da palavra. Escreve-se com o nosso corpo, diz Lispector “Eu
não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida. As
palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, renda, música
transfigurada de órgão” (LISPECTOR, 2008, p. 16). Por essas linhas escrever é uma
necessidade vital, pois segundo Deleuze (1999, p. 3) “um criador só faz aquilo de que tem
absoluta necessidade” (DELEUZE, 2011, p. 3). O ato criador de Lispector era atravessado
por uma força estranha, um impulso que movimentava seu corpo “Por que escrevo?...
Escrevo, portanto, não por causa de uma nordestina mas por motivo grave de “força
maior”, como se diz nos requerimentos oficiais, por força de lei” (LISPECTOR, 2008, p. 16);
“É nesse, sentido, pois, que escrever me é uma necessidade” (LISPECTOR, 2008, p. 155);
“Quero apenas avisar que não escrevo por dinheiro e sim por impulso” (LISPECTOR, 2008,
p. 1). A escrita como resistência e desmontagem do corpo orgânico, ela é sempre um caso
de experimentação, uma força que anima o corpo, desterritorializando-o e
territorializando-o “Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto
mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria
simbolicamente todos os dias” (LISPECTOR, 2008, p. 21). Escrever é um exercício de fuga,
168

constante movimento, uma luta diária contra as codificações fixas ou, ao modo de
Espinosa, contra as paixões tristes, aquelas que enveredam o corpo para o seu declínio,
para a escravidão de um corpo sem vida. Essa batalha que o escritor trava todos os dias,
em prol de um corpo vivo, não é uma tarefa fácil, é doloroso desvencilhar-se dos estratos
sociais “Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rocha” (LISPECTOR, 2008, p. 19).
Caio Abreu diz que escrever é “Tirar sangue com as unhas... Mas tem que sangrar
abundantemente. Você está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É uma solidão
assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos
salvar da loucura, do suicídio, da autoanulação: um sentimento de glória interior. Essa
expressão é fundamental na mina vida (ABREU, 2015, p. 216). Em outra passagem o autor
narra: “eu escrevo por uma espécie de deficiência de viver a vida real, objetiva [...]. É uma
coisa para completar esse vácuo entre a coisa vivida e a observada. Escrever me dá a
sensação de que eu vivo intensamente”. Encontramos, portanto, nesses escritores,
Lispector e Abreu, o ato de escrita e criação como um modo de vida, na esteira de Foucault,
um exercício fundamental do cuidado de si. Escrever é um mergulho no mar profundo,
onde o autor nadar contra a corrente, chocando-se com as ondas, afinal é na violência do
encontro entre corpo e signos que o pensamento dar a pensar “A escrita, é uma violência,
um rapto; é uma metamorfose dolorosa do corpo que contém uma soma de espiritualidade
violenta e suscita uma aparente desordem extraordinária” (LINS, 2002, p. 67). O ato de
escrita é um encontro com a vida que passa pela experimentação de si e do/no outro, um
movimento de variação contínua, um exercício de torna-se outra coisa. Por isso, dirá
Deleuze (2011, p. 11), que “Escrever é um caso de devir”, uma pintura inacabada, uma
passagem pela vida, um processo. Esse autor invoca a criança, a mulher, o animal, os grupos
minoritários, pois escrever é entrar em zonas de vizinhanças com aquilo que foge aos
grandes blocos molares: homem-adulto-heterossexual. Uma escrita-devir passa pela
resistência à forma homem e suas classificações dicotômicas, libertando o corpo para criar
outra prática de vida, ainda que nas palavras, o corpo do autor, que experimenta uma
escrita-devir, tornar-se uma dobra, inventando outros modos de existência, uma vida mais
intensa. Assim, o escritor potencializa o seu corpo vivo se misturando, através da escrita,
com os estilhaços do animal e da criança e da mulher e, e, e... Estas são algumas das
provocações que desejamos partilhar, juntos, em um máximo de alteridade, no VIII
Seminário Conexões: Deleuze e Corpo e Cena e Máquina e...

Palavras-chave: Corpo; Escrita; Devir.


169

BRUXARIA DELEUZIANA: O HERMETISMO NA OBRA DE DELEUZE & GUATTARI

Nelson Job V Carvalho


HCTE/UFRJ
nelsonjobvortex@gmail.com

Deleuze & Guattari, ao longo de sua obra, citam vários temas relativos à bruxaria e
afins. Em “Mil Platôs”, conceituam a partir de Carlos Castañeda, que conta suas
experiências com o bruxo Don Juan, cujos conceitos de tonal e nagual ressoam com os
conceitos bergsonianos de atual e virtual. Além disso, repetem como um ritornelo a
afirmativa “nós, os bruxos”, na citação ao yoga, na exemplificação do Tao enquanto plano
de imanência e, finalmente, colocando a bruxaria como a pragmática da multiplicidade
virtual. Em “O que é filosofia?” escrevem “pensar é sempre seguir a linha de fuga do vôo
da bruxa”. Nosso trabalho se propõe a identificar esses momentos na obra de Deleuze &
Guattari e colocando em ressonância com o Hermetismo, filosofia mística medieval que se
desdobra a partir da filosofia de Plotino, emergindo o que nomeamos de “bruxaria
deleuziana”, apoiado em uma bibliografia contemporânea, que se dedica ao tema.
Alguns autores se dedicam a confluir mais intensamente a filosofia deleuziana com
temas ligados à bruxaria e ao hermetismo: os ingleses Joshua Ramey e Matt Lee, o coletivo
argentino Estación Alógena, para citar alguns. Os novos estudos sobre Esoterismo
Ocidental do historiador Wouter Hanegraaff, entre outros, ajudam a fornecer uma
consistência inédita para essa empreitada. Eu defendi em 2012 a minha tese que se tornou
o livro “Confluências entre magia, filosofia, ciência e arte” a Ontologia Onírica” de 2013,
que foi pioneiro em tratar dessa temática no Brasil.
Os meus estudos acerca dos aspectos herméticos na obra de Deleuze & Guattari e
também inspirado em seu conceito de Corpo sem Órgãos, desenvolvi o chamado “exercício
em vortex”, mistura de meditação hindu e estado vibracional, oriundo do esoterismo
ocidental, que entra em ressonância, sob um viés transdisciplinar, com a proposta de
“performance”. Outra articulação é sobre o conceito de Deleuze & Guattari de máquina
abstrata, que ressoa com as forças conjuradas pelas bruxas. Dito de outra forma: o conceito
de máquina abstrata oferece uma consistência ontológica para muitas operações mágicas,
posto seu caráter de auto-organização trans-espacial e trans-temporal de forças.
Sobretudo a partir da obra de Ramey percebemos que Deleuze instala-se na
tradição dos filósofos herméticos, ligando-se a Plotino, que nos leva aos filósofos
herméticos medievais, Nicolau de Cusa e Giordano Bruno. Um filósofo como Deleuze, que
cita Plotino diversas vezes na obra e se dedica intensamente a Spinoza e a Bergson,
necessariamente possuirá alguma ressonância com os autores herméticos. Plotino é a
principal inspiração dos textos do Corpus Hermeticus, famosa compilação de textos
herméticos; Spinoza bebeu nessa fonte, e Bergson rende tributos a Plotino, a Spinoza e a
toda a tradição mística da filosofia. Além disso, se Matt Lee considera o bruxo do início do
século XX Austin Osman Spare como a bruxaria (imanente) que mais ressoa em Deleuze,
inevitavelmente chegaremos ao desdobramento contemporâneo da bruxaria de Spare: a
Magia do Caos, em que seu criador, Peter Carroll, cita com desenvoltura autores afins de
Deleuze, como Giordano Bruno, Spinoza, Leibniz e Whitehead, além de criar uma bruxaria
contemporânea desprovida (ao menos em sua proposta) de representação. Vale
mencionar o trabalho da antropóloga T. M. Lhurmann que observa em sua etnografia que
170

bruxas inglesas contemporâneas, a despeito de se inscrever em uma linhagem de bruxas


medievais que utilizam forças da e na Natureza ou seja, forças de cunho imanente,
descrevem suas práticas mágicas alocadas em “outro mundo”, de cunho puramente
espiritual, separado do mundo em que elas vivem. A partir dessa etnografia, uma “bruxaria
deleuziana” se instala justamente no tocante a, de um lado, um “retorno” a uma bruxaria
imanente, de outro, ao expressar de forma prática (ou criando Corpos sem Órgãos) a
bruxaria presente de forma pontual na obra de Deleuze & Guattari.

Palavras-chave: Bruxaria; Deleuze; Hermetismo.


171

DA ARTE DE (RE)EXISTIR PHILOSOPHICAMENTE

Dulce Mari da Silva Voss


Universidade Federal do Pampa
sophiasphilos@gmail.com

Tecemos aqui a arte da (re)existência forjada pelo Grupo de Pesquisa Philos Sophias
que tem movido pesquisadorxs, educadorxs, estudantes, pessoas que experimentam a
Filosofia da Diferença em suas produções acadêmicas, escritas livres e vivências cotidianas
na cidade de Bagé (RS) e na Universidade Federal do Pampa a qual estamos vinculados
como grupo de pesquisa. Grupo que constitui relações rizomáticas entre si, os lugares e
outrxs grupos intercessores dessas artes, constituindo o plano de imanência em que
buscamos nos libertar do peso da tradição e cultura acadêmica, do ensino e da pesquisa
operados “à luz” de epistemes modernas que insistem em nomear, classificar e segregar a
produção de conhecimentos, polarizando ciência e emoção, ciência e vida, e que
estabelecem regimes de verdades e governo dos corpos. Perserverar na vontade de
potência que nos move a experimentar essa arte de philosophar entre amigxs atravessados
por leituras, conversações e performances que realizamos na UNIPAMPA, nas praças,
parques, lares e outros lugares quando visitamos outras cidades, estados, regiões e
participamos de eventos que conectam intersessores, são linhas pelas quais traçamos
nossa existência nesse lugar e além dele. Territórios e desterritórios de compartilhamento,
de produções e experiências ativadas pelas teorizações de Nietzsche, Foucault, Deleuze e
Guattari que intensificam nossa coragem em viver e criar micropolíticas de perceptos e
afectos político-estéticas de cuidado de si. Pois, com Foucault aprendemos que as culturas
ocidentais e as epistemes modernas engendram tecnologias de poder e saber e biopolíticas
de controle que têm na população seu objeto, na economia seu saber mais importante e
na segurança seus mecanismos básicos. Práticas fascistas que atuam no governo das
condutas e capturam corpos individuais e coletivos para preservação da ordem social.
Produção delirante de máquinas desejantes, onde o desejo sinaliza algo que nos falta e nos
faz organismo no seio da produção capitalística, como nos dizem Deleuze e Guattari. Mas,
também dizem tratar-se de um simulacro. pois ao desejo nada falta, desejo é potência que
nos move à criação. Problematizar os códigos morais, transgredi-los e, inventar espíritos
livres que se elevem além da condição humana precária e servil, é o convite que Nietzsche
nos faz. Pois, o governo dos corpos e das mentes não se dá plenamente em termos dos
códigos sociais vigentes. Cada máquina desejante opera por cortes de fluxos em relação às
outras, estabelece diferentes conexões, escapa, resiste, se metamorfoseia. Nisso reside a
potência de produzir outras existências. Todo um jogo de subversão que, ao contrário de
nos fixar ao mundo tal como o percebemos, nos permitem inventar outros mundos, outras
existências, outros corpos, intensificando fluxos dissonantes ao combater o fascista que
também habita cada um de nós. Lançamos mão dessa maquinaria filosófica para colocar o
pensamento em fluxo e operar cortes, desesteritorializar pensamentos, discursos, relações
de poder e saber que possam nos imobilizar e abrir linhas de fuga que nos permitam
transpor a tradição de um cientificismo positivista, estruturalista ou mesmo marxista,
dialético, fenomenologico, existencialista e tantas outras formas de pensar baseadas na
interpretação, em identidades, nomeações e categorizações. Para isso, contamos com
Deleuze, pois descobrimos a partir dele a filosofia como criação de conceitos (maquinaria
172

de enunciação) e produção de repetição complexa que potencializa a diferença pura.


Pensar a diferença em si mesma e a relação do diferente com o diferente,
independentemente das formas de representação, binarismos que conduzem ao mesmo,
forças reativas e negativas que cristalizam o pensamento e a vida. Saltar sobre esses
cerceamentos e forças de morte, produzir outros fluxos e acoplamentos a outras máquinas,
é o que nos move. Ou seja, ao philosophar dentro e fora dos limites estruturantes da
universidade, desorganizamos territórios e corpos e (re)inventamos outras formas de neles
habitar, de (re)existir pelo meio. Promovemos estudos, projetos e pesquisas de temas no
campo das artes, cinema, dança, teatro, literatura. Repertório cartografado pelos conceitos
de Foucault, como: subjetivação, estética da existência, saber-poder, cuidado de si,
sexualidade, e Deleuze e Guattari, rizoma, máquina, devir, entre outros. Experimentações
que que nos movem em outras direções, acionam deslocamentos dos corpos produtivos,
organizados (corpo de cada um que precisa responder aos desejos delirantes dos
agenciamentos sociais, profissionais, institucionais) e nos lançamos na arte de (re)inventar
existências, criação de devires intensos. É assim que a ação de pensar se (re)configura como
uma arte de existência criativa, um estado de devir intensivo. Pensar que provoca a
despersonalização intensa que deseja separar-nos de nós mesmos, das coisas que nos
impedem, que queiram matar nossas forças ativas, vitais Ação de pensar que se transfigura
em potência criativa. Em suma, vivenciamos a arte de philoosophar complexa que só pode
ser suscitada entre amigxs, como nos diz Nietzsche (2012) que se tornam melhores inimigos
na nudez de uma relação de reciprocidade, mestres nas artes de falar e calar que provocam
a vontade de potência. Experimentamos nossa arte de phiilosophar não para constituir uma
moral do “bem agir”, mas para criar reciprocidade capaz de produzir existências que
subvertam a individuação ou mesmo coletivização. Logo, operamos o philosophar num
estilo rizomático, movediço, intermezzo, nômade, deixando proliferar e misturar
pensamentos e emoções que porventura surgirem e que possam entrar em relação de
corrente, contra-corrente de redemoinhos com outros fluxos vitais.

Palavras-chave: Devir; Filosofia da Diferença; Vontade de Potência.


173

RIO-MAR EM TRAVESSIA: O CORPO E A PAISAGEM

Sinara Ramos Monteiro


Universidade Federal do Pará
sina.monteiro1@gemail.com

Ana Karoline Damasceno Santos


Universidade Federal do Pará
anakarolinedamasceno@gmail.com

Maria dos Remédios de Brito


Universidade Federal do Pará
mrdbrito@hotmail.com

Como resistir aos poderes nefastos de um sistema capitalista que penetra a


Amazônia floresta adentro que a coloca em chamas em prol dos interesses econômicos e
políticos de uma elite local e global? Como resistir a poluição dos rios? O descaso com
milhares de famílias ribeirinhas, povos do rio mar e da floresta que persiste em viver com
um corpo necessitado de cuidados, educação e políticas públicas...? O meu corpo ribeirinho
corre rio mar afora, em travessia, em prol de um corpo que resista aos poderes. Esse ensaio
fala de ruídos coletados em travessia rio mar, beirando paisagens, identidades e saberes
das águas, onde busco enfatizar a realidade da vida ribeirinha na comunidade de Vila Nova
do Bagre, localizada no município de Bagre Marajó-PA. Boa parte do povo ribeirinho que
vive ao entorno da vila vive de subsídios atrelados aos recursos naturais, a maioria vive em
casas de madeiras, buscam seu sustento da pesca, da feitura de farinha, da caça, da
extração de madeira, palmito e açaí. Nessa comunidade apesar de se ter água encanada a
mesma não possui tratamento, não tem posto de saúde e a escola só funciona da 1º a 4º
série, sendo necessário diariamente buscar sanar suas necessidades. Essa busca é marcada
por travessias em rios, furos, igarapés, florestas, pelo conhecer, pelo experimentar, pelos
encontros e os desafios da vida cotidiana. Em meio a essas travessias rio-mar a fora que
emerge o corpo ribeirinho, caboclo e marajoara que a todo momento é interrogado pelos
padrões sociais, por ser um corpo que faz trocas de saberes e que possui um imaginário
que vem das águas e da floresta, que vai contramaré das ações exploratórias a favor do
desenvolvimento econômico, mas de antemão precisamos nos perguntar: A quem serve
este desenvolvimento econômico? Respaldados neste avanço e desenvolvimento, os
grandes detentores de poder na sociedade continuam uma exploração desenfreada dos
recursos naturais, sobretudo, na Amazônia, onde se encontra a maior biodiversidade do
mundo. No entanto, os resultados dessa exploração afetam diretamente o corpo
amazônida, o projeto capitalista modifica a paisagem, altera o curso das águas provocando
o amazônida fazer travessias, agora diferentes, buscando linhas de fuga neste rio que já
não é mais o mesmo. O respeito e cuidado com a natureza pelo povo ribeirinho emerge do
seu vasto imaginário, por meio de lendas como a do boto-cor-de-rosa, mãe d'água, cobra
grande e mãe da floresta…. Toda a diversidade da localidade ribeirinha abre espaço para
expressão do corpo, isso nos leva a pensar em um corpo não orgânico mas sem órgãos que
para Deleuze e Guatarri (1995) “não é um corpo vazio e desprovido de órgãos, mas um
corpo sobre o qual o que serve de órgãos se distribui segundo movimentos de multidões”,
174

trata-se de um corpo intenso, um corpo que resiste ao desejo, que faz militância às
maquinações impostas pelo Estado. É um corpo sem imagem, mas que é produzido no
próprio lugar, a seu tempo. Dentro desta perspectiva Deleuze e Guatarri (1997) trazem o
conceito de espaço liso e espaço estriado, no espaço liso esse movimento se caracteriza
nômade e vai constituindo um corpo na medida que ele consiga resistir e criar uma
desterritorialização do seu próprio espaço, já o movimento estriado é de reprodução e vai
de um ponto a outro, caracterizando um espaço homogêneo (RUIDIAZ, 2015). Dentro do
espaço estriado é possível criar diversas subjetivações que atravessam o corpo, porém, é
difícil avaliar as potencialidades criadoras desse espaço, onde se tem uma visão global e
um tanto relativa, enquanto isso no espaço liso a visão é local e absoluta, no local o espaço
não é visual, ou melhor, o próprio olho tem uma função háptica e não óptica (DELEUZE;
GUATARRI, 1997, vol. 5). Sendo assim, é necessário destrinchar o lugar, fazer fissuras e se
interrogar sobre os possíveis significados imersos na cultura local, pois é no lugar que a vida
vai fluindo e o que nos faz pensar como o lugar está relacionado com o corpo e com a
história do corpo, reconhecer que a paisagem do rio vem sofrendo modificações devido às
ações exploratórias na Amazônia, na medida que há alterações na paisagem há também
transformações nesse corpo amazônida, e isto tem posto em choque a dimensão cultural
do ribeirinho, que busca agora fazer travessias rio-mar no intuito de buscar linhas de fugas,
e construir sua própria máquina de guerra, como um ser nômade que não deixa o estado
se apropriar da função de “dirigir” essa máquina, mostrando a importância da potência de
um corpo que resisti.

Palavras-chave: Amazônida; Corpo; Ribeirinho.


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ESCAVANDO O RIZOMA: DEVIRES A PARTIR DE UMA FILOSOFIA-VEGETAL

Tiago Amaral Sales


Universidade Federal de Uberlândia
tiagoamaralsales@gmail.com

Lúcia de Fátima Dinelli Estevinho


Universidade Federal de Uberlândia
lestevinho@gmail.com

O rizoma é um conceito botânico que remete a caules subterrâneos que crescem


horizontalmente, se alastrando pela terra em sentidos diversos. São crescimentos que
alastram e conquistam territórios, territorializando espaços e desterritorializando outros.
Apropriando-se deste conceito biológico, os filósofos Deleuze e Guattari o ressignificaram,
trazendo o conceito de rizoma como contraposição aos paradigmas arbóreos, hierárquicos
e lineares, buscando criar conexões e rotas de fuga para a multiplicidade. Deleuze e
Guattari (1995, p 13-14) refletem que “É preciso fazer o múltiplo, não acrescentando
sempre uma dimensão superior, mas, ao contrário, da maneira simples, com força de
sobriedade, no nível das dimensões de que se dispõe, sempre n-1 (é somente assim que o
uno faz parte do múltiplo, estando sempre subtraído dele). Subtrair o único da
multiplicidade a ser constituída; escrever a n-1. Um tal sistema poderia ser chamado de
rizoma. Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e
radículas. Os bulbos, os tubérculos, são rizomas. Plantas com raiz ou radícula podem ser
rizomórficas num outro sentido inteiramente diferente: é uma questão de saber se a
botânica, em sua especificidade, não seria inteiramente rizomórfica. Até animais o são, sob
sua forma matilha; ratos são rizomas. As tocas o são, com todas suas funções de hábitat,
de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura. O rizoma nele mesmo tem formas
muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos até suas
concreções em bulbos e tubérculos. (...) Há o melhor e o pior no rizoma: a batata e a grama,
a erva daninha”. Buscando multiplicidades, nos encontramos no meio. Meio entre
processos, meio vivo e em movimento. No dia 28 de julho de 2019 realizamos a atividade
Escavando o Rizoma com integrantes do Uivo: matilha de estudos em criação, arte e vida,
coletivo de estudos da filosofia deleuzeana. Neste dia nós desbravamos os rizomas vegetais
e filosóficos, simultaneamente, a partir de uma dinâmica-aula-reunião que aconteceu no
Laboratório de Ensino de Ciências e Biologia da Universidade Federal de Uberlândia (LEN-
UFU). Numa mistura entre filosofia e biologia vivenciamos a diferença. Diferença entre arte
e biologia, entre ciências naturais e filosofia, diferença unida através de rizomas. Diferença
que não busca definições, que liberta a partir das possibilidades, multiplicidades. Diferença
rizomática, caulinar. Meio entre a biologia e filosofia, meio das diferenças. Deleuze e
Guattari (1995, p. 36) trazem que “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra
sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é
aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo "ser", mas o rizoma tem como tecido
a conjunção "e... e... e..." Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o
verbo ser. Para onde vai você? De onde você vem? Aonde quer chegar? São questões
inúteis. (...) É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem
velocidade. Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para
176

outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que


as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire
velocidade no meio (DELEUZE & GUATTARI, 1995, p. 36)”. No meio de um laboratório de
ensino de ciências ganhamos velocidade. Colocamos nas mesas placas com plantas. Eram
plantas arbóreas, plantas rizomáticas, plantas arbóreo-rizomáticas. Plantas diversas. Em
meio as plantas surgiram seres desconhecidos para integrantes do grupo como planárias e
protozoários. Seres minúsculos que ora se moviam, ora estavam parados, conectando
curiosidades zoológicas com as discussões rizomáticas. Mediados pelas plantas e pelo livro
“Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia” de Deleuze e Guattari desbravamos novos
territórios e ressignificamos os antigos. Fomos para lugares diversos, permeados pela vida
pulsante, pelas plantas. Construímos mapas confusos, diversos, mapas rizomáticos, mapas
através das plantas. Capim, espada-de-são-jorge, alface d’água, ervas daninhas... Plantas
arbóreas ou rizomáticas, arbóreas e rizomáticas. “Existem estruturas de árvore ou de raízes
nos rizomas, mas inversamente, um galho de árvore ou uma divisão de raiz pode recomeçar
a brotar em rizoma. (...) No coração de uma árvore, no oco de uma raiz ou na axila de um
galho, um novo rizoma pode se formar (1995, p. 23)” refletem Deleuze e Guattari. Em
qualquer lugar pode brotar um rizoma. Através de lupas mudamos nossas perspectivas,
possibilitando novos olhares. Aumentamos as imagens, observamos com outros olhos.
Olhos filosófico-científicos. Olhos que sentem, criam, descobrem. Cortamos os rizomas em
fatias enquanto caminhávamos pelos mil platôs. Pigmentamos os cortes para conseguir
observar as estruturas rizomáticas. Fragmentamos para criar conexões. Nos colocamos em
devires. Devir-planta, devir-biologia, devir-rizoma. Devires que ganharam velocidade e nos
levaram para espaços diversos, brotando rizomaticamente novas possibilidades.
Atravessamos linhas em rotas de fuga à rigidez. Conectamos as discussões com arte,
ciência, política, religião e educação, rompendo barreiras através de caules subterrâneos.
Barreiras estas construídas socialmente e desconstruídas pelo rizoma. Brincando com o
estudo da vida e do conhecimento construímos outras formas de pensar a vida e o
conhecimento. Brincamos com o rizoma e nos conectamos em multiplicidade, liberdade e
alegria.

Palavras-chave: Botânica; Filosofia; Rizoma.


177

ROCK MACHINE: A SONORIDADE DE UM PENSAMENTO NÔMADE

Marcos Ribeiro de Santana


Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
mrsantana01@hotmail.com

Deleuze recita o texto “O andarilho”, de Nietzsche, descrito na obra “Humano,


demasiado Humano”, em que as primeiras palavras ilustram a perspectiva do andarilho
errante nietzschiano: “Quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão, não pode
se sentir mais que um andarilho sobre a Terra — e não um viajante que se dirige a uma
meta final: pois esta não existe. Mas ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto
realmente sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com muita firmeza a nada
em particular; nele deve existir algo de errante, que tenha alegria na mudança e na
passagem” (NIETZSCHE, 2000, p.181). Ele recita o aforismo ao som da banda de rock
Heldon; marcando a relação entre filosofia e rock. Visto que a filosofia deleuziana é descrita
como a arte de formar e criar conceitos, a partir de uma experiência-vida, no encontro com
os intercessores, que pode ser algo não-filosófico. Nesse sentido, isto faz do rock um
intercessor que potencializa a criação de novos conceitos. A inspiração para o encontro
dessas duas potências criativas está descrita em Conversações, quando Deleuze (2013,
p.178), ao falar da prática da docência, afirma: “Nada se opõe em princípio a que um curso
seja um pouco até como um concerto de rock”. Porém, ele nunca escreveu nada sobre esse
gênero musical, mas é possível pensar nesse encontro, quando descreve: “A história da
filosofia deve não redizer o que disse um filósofo, mas dizer o que ele subentendia
necessariamente, o que ele não disse e, no entanto, estava presente no que ele disse”.
Fazendo uso dos argumentos deleuzianos, o presente trabalho implica na tentativa criativa
de escrever sobre filosofia e rock, algo que ele não disse, mas está potencialmente
subentendido em sua obra. Ou seja, buscar encontrar elementos no rock que produz
ressonâncias filosóficas, criando uma experiência do pensamento capaz de inventar
conceitos. Esse encontro será realizado por meio de uma colagem na maneira elaborada
por Deleuze em Diferença e Repetição. Pois, ao investigar a história da filosofia ele a toma
com a pretensão de desempenhar a função semelhante a colagem em uma pintura, na
perspectiva da criação e não da mera reprodução. Ao pensar a filosofia e o rock como duas
potências do pensamento, não há a pretensão pela busca da unidade entre elas, mas sim
por um duplo criativo – a capacidade inventiva que elas provocam. A abordagem adotada
aqui, tem como função utilizar a colagem tomando como experimento os conceitos de
máquina de guerra e pensamento nômade, problematizados por Deleuze e encontrando
neles ressonâncias no rock. Ou seja, apresentar a sonoridade de quando o rock se fez
máquina de guerra e pensamento nômade, por meio de suas músicas. Um exercício
delineado por uma experimentação maquínica de um agenciamento linear construído
sobre linhas de fuga, que gera um ato de transgressão ao pensamento dominante,
emergidos por aparelhos de captura do Estado, que tanto a filosofia como o rock
combatem. O mesmo desafio de combate é trilhado pelo andarilho errante: “Sem dúvida
esse homem conhecerá noites ruins, em que estará cansado e encontrará fechado o portão
da cidade que lhe deveria oferecer repouso; além disso, talvez o deserto, como no Oriente,
chegue até o portão, animais de rapina uivem ao longe e também perto, um vento forte se
levante, bandidos lhe roubem os animais de carga. Sentirá então cair a noite terrível, como
178

um segundo deserto sobre o deserto, e o seu coração se cansará de andar. Quando surgir
então para ele o sol matinal, ardente como uma divindade da ira, quando para ele se abrir
a cidade, verá talvez, nos rostos que nela vivem, ainda mais deserto, sujeira, ilusão,
insegurança do que no outro lado do portão — e o dia será quase pior do que a noite”
(NIETZSCHE, 2000, p.181). Em todos os casos, tem-se a máquina de guerra como
provocação inventiva ante ao pensamento dominante, causador de processos identitários.
A guerra se faz para pensar o múltiplo e a diferença. Uma vez que, “a máquina de guerra é
invenção dos nômades”, estes criam pensamentos em fluxo, atrelado a vida, ao devir
constante, caminhando por territórios outros, espaços lisos, de resistência e criatividade.
A força do nômade está no deslocamento errante, que transita de um lugar a outro, no
aleatório e no provisório, sem se fixar à destinação, sem a orientação da dominação
racionalista, transcendente e metafísica. O nomadismo é uma espécie de reinvenção de
outros mundos possíveis. O nômade trilha o caminho da inspiração, de encontros
ressonantes de múltiplas sensações na produção de pensamentos. Algo evidente na trilha
sonora de inúmeras composições do rock, como, por exemplo, a música Infinita highway,
da banda Engenheiros do Hawaii, que ilustra bem esse nomadismo, em especial no trecho:
“Ninguém por perto, silêncio no deserto/ Deserta highway/ Estamos sós e nenhum de nós/
Sabe exatamente onde vai parar/ Mas não precisamos saber pra onde vamos/ Nós só
precisamos ir/ Não queremos ter o que não temos/ Nós só queremos viver/ Sem motivos,
nem objetivos/ Estamos vivos e isto é tudo/ É sobretudo a lei/ Da infinita highway”.
Sobretudo na infinita estrada do nômade andarilho errante, pois, “isso bem pode acontecer
ao andarilho; mas depois virão, como recompensa, as venturosas manhãs de outras
paragens e outros dias, quando já no alvorecer verá, na neblina dos montes, os bandos de
musas passarem dançando ao seu lado, quando mais tarde, no equilíbrio de sua alma
matutina, em quieto passeio entre as árvores, das copas e das folhagens lhe cairão somente
coisas boas e claras, presentes daqueles espíritos livres que estão em casa na montanha,
na floresta, na solidão, e que, como ele, em sua maneira ora feliz ora meditativa, são
andarilhos e filósofos. Nascidos dos mistérios da alvorada, eles ponderam como é possível
que o dia, entre o décimo e o décimo segundo toque do sino, tenha um semblante assim
puro, assim tão luminoso, tão sereno-transfigurado: — eles buscam a filosofia da manhã”
(NIETZSCHE, 2000, p.181).

Palavras-chave: Máquina; Nômade; Rock.


179

CORPO SEM ÓRGÃOS: PERFORMER ARTISTA E O PERFORMER ARTE EDUCADOR

Leomar Peruzzo
Universidade Federal do Paraná- UFPR
leomarperuzzo@hotmail.com

Claudia Cunha Madruga


Universidade Federal do Paraná- UFPR
cmadrugacunha@gmail.com

Os autores que tratam do tema da performance remontam sua aceitação como


meio de expressão artística independente à década de 70. Golbderg (2015) comenta que
antes disso embora a performance fosse utilizada, era deixada de lado no processo de
avaliação do desenvolvimento artístico. No prefácio do A arte da performance do futurismo
ao presente, a autora comenta que “a performance tem sido vista como uma maneira de
dar vida a muitas ideias formais e conceituais nas quais se baseia a criação artística. As
demonstrações ao vivo sempre foram usadas como uma arma contra os convencionalismos
da arte estabelecidos” (GOLDBERG, 2015, s/p). Do ponto de vista da arte se pode dizer que
o século XX se caracterizou como um século de rupturas e nele a performance teve início
com o manifesto futurista de 1909 em Paris e foi se modificando com o Dadaísmo, o
Surrealismo e a Bauhaus. Esses movimentos influenciaram uma performance em especial
surgida nas Américas por volta de 1930, com a chegada de exilados europeus de guerra a
Nova York. Cohen (2011) ao tratar de certa ontologia ou origem da performance vai tomar
a performance como arte de fronteira, sobre a passagem da década de 60 para 70 vai dizer
que há um laço forte entre performance e arte viva ou live art.
Ainda, segundo Cohen há uma corrente ancestral da performance que passa pelos
ritos tribais, pelas celebrações dionisícas dos gregos e romanos. Mas, estando a
performance refletida e incorporada como linguagem artística ao final do século XX, a
performance influencia o estruturalismo vigente e é influenciada por ele. Há uma tríade
implicada nos estudos da performance que a relacionam com: a filosofia, a uma estética do
momentâneo, da ruptura e do acontecimento (DELEUZE; GUATTARI, 1996), ao teatro (a
arte), aos estudos da cena, da presença e a antropologia, da recepção e da arte como ritual.
A seguir adentramos conceitualmente em Deleuze.
Deleuze e Guattari apropriam-se do conceito de “Corpo sem Órgãos” criado e
praticado por Antonin Artaud (1993). Esse último, declara guerra aos órgãos e estabelece
intensidades outras para a criação de teatralidades. “O CsO é o campo de imanência do
desejo, o plano de consistência própria do desejo” (DELEUZE, GUATTARI,1996, p. 14). As
sobreposições do CsO demarcam territórios, ocupam sensibilidades, intensidades e afetos
desestabilizando a máquina de captura que age sobre a matéria corporal, edificando,
solidificando automatismos padronizados. A máquina age sobre a “[...] matéria onde não
existem deuses; os princípios, como forças, essências, substâncias, elementos, remissões,
produções; as maneiras de ser ou modalidades como intensidades produzidas, vibrações,
sopros. Números” (DELEUZE, GUATTARI, 1996, p. 19).
Os estudos da performance, desde seu surgimento (década de 1960), são
desenvolvidos “a partir de paradigmas que se alinham às discussões mais recentes em
termos de conhecimento, experiência, subjetividade, poder, discurso, estética” (ICLE, 2010,
180

p. 11). Essas dimensões oferecem a potência e asseguram a infinidade de possibilidades de


caminhos investigativos pois os estudos da performance e os estudos “correlatos partem,
de fato, da confluência de três campos distintos, a saber: as Artes, a Antropologia e a
Filosofia” (ICLE, 2010, p. 11).
Os estudos da Performance representam uma possibilidade para um conjunto de
práticas que permitiriam a construção de um CsO vivo, desprovido das concepções de
organismo, e pulsante em sua singularidade. Considerar as diversificadas abordagens
conceituais dos estudos da performance consiste em uma intenção desta iniciativa de
estudo e pretende aprofundar as interfaces entre “sua especificidade como linguagem
artística, [...] sua manifestação como ação e prática social e sua qualidade performativa, ou
seja, na sua Performatividade” (ICLE, 2010, p. 11).
Tendo por base as questões do CsO trazidas pelos filósofos da diferença e por outros
os princípios da Performance Art instiga-nos a compreensão da produção de efeitos da
presença em obras de arte teatrais e a relação entre a cena e a sala de aula. Ambos podem
e devem possuir concepções poéticas na Arte da Performance para a construção de
teatralidades. O objetivo dessa pesquisa, para além de discutir os efeitos de presença que
resultam da experiência de criação teatral, é saber quais linhas que habitam o corpo
fissurado do performer artista e o performer arte educador?
Se por um lado desvendar um corpo sem órgãos é experienciar os atravessamentos
de fluxos, desejos, sensações, estados de passagem e espaços internos de paisagens
fragmentadas, por outra face, representa reconstruir espaços para o potente
desdobramento de novas formas de interação com os agenciamentos do mundo
contemporâneo e dos contextos da docência. Em consonância com Icle (2011) a
experiência da docência no campo das artes cênicas onde a Arte da Performance pressupõe
sempre um movimento que produz efeitos de presença no estabelecimento de uma
“cultura particular que lhe confere um lugar de enunciação e um modo de percepção”
(ICLE, 2011, p. 16). Tanto em uma aula como performando teatro, identificamos certo
tensionamento entre gesto e corpo do docente e do performer em que “[a] presença é,
portanto, uma construção no plano da linguagem [...], não podemos perceber,
entrementes, senão efeitos de presença” (ICLE, 2011, p. 16 -17).

Palavras-chave: Corpo sem Órgãos; Docência em Arte; Performance Arte; Presença.


181

COREOCARTOGRAFIA FAMILIAR, LINHAS DE FUGA E...: REFLEXÕES SOBRE CRIAÇÕES EM


DANÇA COMO MODOS DE DILATAÇÃO DA VIDA

Juanielson Alves Silva


Doutorando do Programa de Pós-graduação em Artes da UFPA
Juanielsonsilva@gmail.com

Maria do Remédios de Brito


Professora associada do Programa de pós-graduação em Artes da UFPA
mrdbrito@hotmail.com

Coreocartografia familiar é uma abordagem metodológica criada em minha


pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Artes da UFPA, intitulada
Farinha poética: a coreocartografia familiar de um rito artístico, e que está sendo melhor
estruturada em meu processo de doutoramento no mesmo programa de pós-graduação
na pesquisa, até então, denominada Coreocartografia familiar: dispositivos metodológicos
para pesquisa e criação em Dança.
A se saber, a Coreocartografia familiar trata-se de uma teoria-práxis de pesquisa e
criação em dança inspirada na cartografia (DELEUZE, 1995) em diálogo com os processos
de criação (SALLES, 2006) em dança contemporânea (SILVA, 2005). Sua fundamentação
parte do princípio de que a criação em dança, que proponho, emerge principalmente das
relações familiares do corpo que dança, relações dadas em rede e constituídas a partir das
experiências ‘coreocorpográficas’ do sujeito no mundo. Desta forma, a Coreocartografia
familiar subverte os caminhos e as estruturas já preestabelecidas nos sistemas sócios
políticos e culturas do artista-pesquisador e propõe por meio do processo criativo em
dança outros mecanismos para dilatação da vida. Para uma melhor compreensão de como
funciona este processo de dilatação da vida, me aproximo do conceito de linhas de fuga
(DELEUZE e PARNET, 1998), compreendidas como devires, sem começo, nem fim e que não
se submetem a lógica binaria dos sistemas de engessamento.
Dada, ainda a necessidade de compreender que o desenvolvimento de um teoria-
práxis em dança só é possível a partir do fazer dança, este trabalho também propõe uma
reflexões sobre os entrelaces do Rito Artístico Farinha poética, obra cênica resultante de
meu mestrado e os rastros inicias do Manisfesto Akuenda – tem mais uma bicha na rua,
obra cênica em construção em meu doutorado, uma vez que ambas são frutos da
proposição de coreocartografia familiar e nascem das experiências partilhadas com minha
família biológica e ganham, ao longo de seus processos outras dimensões familiares.
Sendo assim, investigar as compreensões de Corpo, cena e máquina orientes das
abordagens de Gilles Deleuze torna-se de suma importância para o desenvolvimento deste
trabalho, bem como para o desenvolvimento de minha pesquisa como um todo. Haja vista
que pretendo em minha tese abordar três instâncias da coreocartografia familiar: o
processo de pesquisa corporal; o processo criativo e o processo de escrita. Esta
organização não tem como intenção a dicotômica ou separação pragmática destes
processos, uma vez que eles acontecem de forma transversal e reafirmam o lugar da
pesquisa e criação em dança como espaço para um fluxo contínuo, aberto e de não
aprisionamento do pensamento em categorias.
A Coreocartografia familiar, desta forma, é maquina de guerra, estrutura do
182

sensível, da dilatação dos sentidos, da percepção e da expressão corporal, é território em


construção, em transbordamento, é rio fluente que escorrer e foge, que abre caminhos,
espaço da/para criação e da espacialidade do sujeito, da consciente dos espaços que se
ocupa e dos que ainda se pode ocupar e dos encontros que os processos podem gerar.
Logo, a Coreocartografia familiar instaura-se como um plano de agenciamento dos
fenômenos da arte, da vida e da universidade, para se pensar os saberes, em suas diversas
manifestações, de forma que estes estejam tão imbricadas que a prática e a teoria em
Dança que afloram dos galhos e das raízes desta ‘árvore genealógica’ não horizontal,
possam espalhar-se em diversos territórios.
Não há fim aqui, tão pouco respostas já dadas e medidas codificadas, não me
interessa fazer um bolo de receitas prontas, o que encontro diante de mim são caminhos a
se desvelar, ou melhor, a serem criados, encontro-me imerso em reflexões e possibilidades
prováveis e improváveis, e para ser sincero me interessam muito mais os problemas do que
do que as resoluções. Não há, por tanto, uma intenção de fim, mas uma finalidade neste
trabalho, suas considerações serão indutoras para reflexões outras sobre os
deslocamentos dessa teoria-práxis em dança, a qual chamo de Coreocartografia familiar.
Uma vez que, não é a formulação de um método científico positivista com fórmulas e
formas fechadas que me interessa, mas a estruturação de princípios moventes,
dispositivos, pistas, caminhos e estratégias para a criação de um sistema de pensamento
em Artes que permita-me, assim como permita outros pesquisadores inventar seus
próprios modelos, criar alicerces para um pensamento artístico-acadêmico mais subjetivo
e sensível, tendo como referencial primeiro os corpos e as trajetórias de vida daqueles que
pesquisam, daqueles que dançam e, principalmente daqueles que pesquisam enquanto
dançam e vice-versa.

Palavras-chave: Cartografia; Coreografia; Família.


183

DISSERTAÇÃO DESSEMELHANTE: ENCONTRO ENTRE ARTE DA PERFORMANCE E


EDUCAÇÃO ESQUIZITA PÕE A PENSAR A PESQUISA ACADÊMICA

Sônia Maria Clareto


Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFJF
sclareto@yahoo.com.br

Tarcísio Moreira Mendes1


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFJF
tarcisiodumont@yahoo.com.br

Uma dissertação desenvolvida no território da Educação que usa como armas o


referencial teórico-metodológico dos trabalhos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, mais
especificamente, a abordagem metodológica da cartografia e da esquizoanálise, em aliança
com a Arte da Performance, sofre ataques nas redes sociais. Como efeito, o setor de
pesquisa da instituição solicita ao programa de pós-graduação – que não sabe responder –
e em última instância, à banca de aprovação e à orientadora do trabalho, esclarecimento
sobre a decisão acerca da aprovação do trabalho naquele dessemelhante formato. Isso põe
a pensar pesquisa e escrita na academia. A dissertação em questão põe a pensar uma
educação esquizita para os modelos que pretendem impor um único modo semelhante de
pesquisa. Embate entre uma Ciência Régia e uma ciência nômade na produção de uma
ciência por vir, uma ciência outra. Exercita-se o engendramento do pensar no pensamento
acadêmico, ou seja, um movimento de produção de pensares outros, distintos do
pensamento hegemônico da área. A função de um trabalho acadêmico se põe, neste
âmbito, a produzir possíveis que aumentem a potência de vida, ou nas palavras do filósofo
Spinoza, que promova paixões alegres. Assim, a pesquisa cartográfica ou esquizoanálise
praticada se coloca como um movimento em relação com o fora: o fora da pesquisa, o fora
do já pensado, o ainda não pensado. Um fora que se coloca como resistência aos modos
mais hegemônicos de pesquisar: a pesquisa que busca a solução de problemas e a pesquisa
que busca por invariantes, universais. Pratica, também, uma formação bricoleur, pois,
como um artista da bricolagem, o pesquisar se exercita como formação de livre associação.
No exame de qualificação do trabalho de mestrado em Educação, uma apresentação, a
Arte da Performance usada como dispositivo de pesquisa na Educação. Um corpo nu no
território da educação põe a pensar educação junto à arte da performance. Que efeitos são
produzidos no encontro entre performance e educação? Esquizo-paranóicos? Esquizo-
nomádicos? Resistência à desterritorialização promovida pela arte no encontro com
educação é produzida. Paradoxalmente, o questionamento à pesquisa acadêmica parte do
fora da academia colocando em questão os critérios acadêmicos. Violências. Educação põe-
se a pensar em seus critérios violentada pelo fora da arte. Academia põe-se a pensar em
seus critérios, violentada pelo fora das redes sociais. Desterritorialização sem moralidade,
embora seja sempre risco os movimentos paranoicos fascistas. Tal denúncia se espalha
rapidamente, roubando a atenção das tais redes sociais e, por conseguinte, do território
acadêmico, captura. O processo midiático das chamadas “redes sociais” de onde parte uma
“denúncia” em relação à referida dissertação assusta e desperta um inconsciente fascista
acadêmico. O território estratificado, hierarquizado, no qual doutores são os senhores da
1
Bolsista UFJF.
184

lei da pesquisa acadêmica é alisado pela intensificação da idealidade do modelo científico


transmutado em senso comum das redes sociais. Opiniões são emitidas sem que a
dissertação seja sequer lida. Ou, opiniões são emitidas, com ares de cientificidade a partir,
apenas, da leitura do Resumo, do Abstract e após assistir a um fragmento da performance
realizada na qualificação do trabalho, e erroneamente divulgada como parte da defesa da
dissertação. Sites, blogs e páginas em facebook se ocupam com um policiamento ideológico
e moral – hopiniotizado (hipnotizados+idiotizados+opinativo). A dissertação trata de
política, de uma micropolítica que desdobra macropolítica de pesquisa, que se coloca como
uma prática, uma ação política na construção de uma vida e de uma educação que
aumentem a potência de agir no mundo, em variação, em que a diferença se coloca na
promoção de mais diferença, sem desejar ser diferente. O trabalho ocupa a Academia para
produzir outras academias, exercitando-se em outras leituras e escritas. Desse modo,
convoca uma leitora ou leitor por vir, uma leitora ou leitor que falta, que maquine sua
criação, disposta e disposto a produzir corpo outro junto à experienciação da leitura. A
dissertação se ocupa em fazer ciência ou pensar outros modos de fazer ciência, sem
pretender criar um Método Universal, uma Ciência Racionalista ou perpetuar o reinado da
Ciência Régia – um único modo de pensar. “Não somos científicos. Fazemos vida. Que
fazemos, então?” questiona um dos platôs da dissertação. Um embate entre uma Ciência
Maior, Aparelho de Estado, e uma ciência nômade, máquina de guerra. Como máquina de
guerra – sem desejar a guerra, violência gratuita, intolerante, reacionária e fascista – uma
pesquisa produz um texto que maquina modos outros de viver e fazer educação e pesquisa
em educação junto à arte. Que academia esta por vir? Vidas possíveis são disparadas.

Palavras-chave: Educação Esquizita; Formação Bricoleur; Pesquisa Acadêmica.


185

LAGO: FOTOGRAFIA E ACONTECIMENTO

Amanda Maurício Pereira Leite


Universidade Federal do Tocantins (UFT)
amandaleite@mail.uft.edu.br

Renata Ferreira da Silva


Universidade Federal do Tocantins (UFT)
renataferreira@mail.uft.edu.br

Tomamos a imagem fotográfica como lugar de acontecimento. Um modo de pensar,


de ter ideais, aberturas, experimentações, estabelecendo conexões imprevistas com outras
forças vitais. O acontecimento é o próprio sentido. As fotos propõem acontecimentos,
geram singularidades, mexem com o evento, com a ordem do evento. O acontecimento
está sempre em devir. As fotografias operam como meio, rizoma, travessia, conversações.
Não há ordem de leituras e de invenções, tampouco existe uma palavra última. Estamos
diante da contaminação, do múltiplo, da linha de fuga, aquilo que escapa ao mesmo tempo
em que se deseja narrar, pegar, ver, pensar, e...
A série fotográfica foi produzida em 2017, na cidade de Palmas, capital do
Tocantins. Lago é uma depressão natural na superfície da Terra que contém uma
quantidade variável de água. Água da chuva, água de nascente, água dos rios que vazam
nestas depressões. A quantidade de água de um lago depende do clima de cada região. No
Tocantins, um dos estados de temperaturas mais elevadas do Brasil, os lagos são
alternativas para refrescar o calor intenso. A série fotográfica surge como uma provocação
ao mês de setembro, um dos meses mais quentes neste estado. É possível tomar conceitos
deleuzeanos como acontecimento, diferença e repetição para tencionar os
atravessamentos cotidianos?
Se todo começo é um tipo de retorno, aqui, o espelho propõe olhar as fotografias
mais de uma vez, examiná-las, estabelecer jogos entre as coisas, suspender o tempo e quiçá
compartilhar a poesia, pensamento em devir. O reflexo não representa, ao contrário,
arrisca, produz diferença e repetição, lançando a paisagem de tons pastéis às margens de
um lago. Que lago? Lago de palha que flutua. Ilha de tempo. Constelação de pensamentos,
intensidades e sentidos.
Assim, a construção de sentidos envoltos no devir pode se dar a partir da
multiplicidade do real e do conhecimento que temos das coisas. Não se trata de imitar o
outro, mas, entregar-se ao momento, abandonar as significações e experimentar a vida e
seus múltiplos. Poderíamos pensar em um tipo de encontro entre o ser humano e a coisa
(série fotográfica) em que não há um centro fixo, mas potencialidade de forças que se
conectam e se separam abrindo passagem a outras.
A personagem nos conduz para uma árvore. Observa os arredores. Vê o horizonte.
Deseja a vastidão, o infinito. Oásis cristalino, profundo. O solo árido e o ardor das
queimadas nos pedem (enquanto artistas e pesquisadoras) um tipo de performanence, de
resistência. Miragem. Efeito óptico para além de um desvio de luz nos objetos. Sabor de
água doce. Frescor. No tempo de cada fotografia as coisas se transformam. Ar. Memória.
Cheiro… Cada fotografia inaugura o lugar do olhar. Abertura. Leitura. Distorção.
Deslocamento.
186

Para Deleuze (2009), o acontecimento opera quando o pensamento pensa, isto é,


quando algo de fora (neste caso as imagens) forçam o pensar e no próprio pensar vivemos
experiências. O acontecimento fragmenta o tempo, não obedece uma lógica linear
(chronos). É Aion1, tempo atemporal. O conjunto de fotografias dispostas na série Lago
pede que as pensemos e re-começemos de novo, de novo, de novo... um pensar que não
se finda, mas que torna as significações sensíveis.
As fotografias dizem de heterogeneidade, de dissenso, de atravessamentos de
forças, traços, movimentos. O jogo se dá numa espécie de roubo, de contágio, de
contaminações que não quer fixar o pensamento sobre algo, nem mesmo aprisionar ou
ater uma ideia, mas aceita o convite visual, faz pulsar o devir – um território de passagem,
um vir-a-ser; um tornar-se que se opõe a um estado estático e imutável do ser.
Para Adolfo Navas Montejo (2017, p. 83-84)

há [...] certos devires em curso que envolvem a fotografia em outros


dispositivos e horizontes. E deve-se dizer que podem constituir linhas de
fuga no campo de forças no campo nomeado como cultura fotográfica,
no qual a fotografia precisa sair de certa redoma instrumentalizante e
apostar na imagem fotográfica mais transversal, como território em
contínua reconquista de liberdade, no fundo, sempre, no conjunto da
imagem por vir como o desconhecido.

Não vamos explicar as imagens, fugir de uma didática pedagogizante e as vezes


classificatória, talvez seja também um modo de resistência. Resistir às lógicas postas, a
representação de clichês, a paradigmas, etc. Na contramão da explicação, o acontecimento
possibilita experimentar as imagens fotográficas como uma maquinaria do pensar, do
devir. Independe do contexto em que as imagens foram capturadas e da noção de passado,
presente e futuro. Acontecimento é atravessamento que afeta a subjetividade e instaura
no sujeito a diferença, o corte, a pausa, o entre-tempo. “Não existe obra que não indique
uma saída para a vida, que não trace um caminho por entre as vias. Tudo o que escrevi era
vitalista, pelo menos eu espero, e constituía uma teoria dos signos e do acontecimento”
(DELEUZE, 2013, p. 183).

Palavras-chave: Acontecimento; Deleuze; Fotografia.

1
O tempo Aion é um tempo incorporal que cruza o tempo atual com o virtual; todavia esta é uma questão
será aprofundada caso o artigo seja aprovado e possa ser publicado. Ver: Deleuze, Gilles. Lógica do Sentido.
2009, p. 167.
187

DILEMAS DA PERFORMANCE NA ERA DO REGISTRO

Suianni Cordeiro Macedo


Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
suianni.macedo@gmail.com

João Paulo Leite Guadanucci


Mestre em História da Arte pela Escola de Comunicações e Artes da USP
jplg1975@gmail.com

Parece haver um consenso de que o potencial artístico da performance advém, em


grande medida, de duas características: sua permeabilidade e sua abertura em relação a
realidade; e sua adesão a um determinado “aqui-agora”, o que implica sua efemeridade. A
primeira característica a diferenciaria do teatro, ao passo que a segunda a distinguiria das
artes visuais (para citar as duas linguagens mais estritamente ligadas ao advento da
performance). Ambas as características se coadunam e inviabilizariam a repetição de uma
performance “tal e qual” ela ocorreu numa determinada ocasião, dando pistas sobre a
natureza desse tipo de discurso artístico.
Nesse sentido, os impulsos de criação e as potências sensíveis da performance
convergem para o corpo dos performers, doravante agentes e suportes dos sentidos
estéticos, éticos e políticos da obra de arte. Ao atuarem, contaminam de inusitada
expressividade o conjunto com o qual interagem - os outros corpos e o espaço circundante
-, comprometendo-os num mesmo acontecimento. A arte, como afirmam Deleuze e
Guattari em “O que é Filosofia”, são composições através das quais se pode fazer passar o
caos ao mundo, trazendo para aquilo que se crê ordenado outros destinos potenciais,
desvios e devires que fazem da vida variação. Os perceptos e os afetos criados pela arte,
ressaltam os dois filósofos, fazem emergir sub-versões e re-existências, que visam “esse
povo que ainda não existe” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.228-229). Na performance, essa
dinâmica, advém precisamente, da ação in loco, do inevitável encontro do corpo-artista
com o corpo-público.
Vivemos, todavia, uma época marcada pelo imperativo do registro: a experiência
das coisas do mundo parece carregar consigo a necessidade de sua captação a partir de
algum dispositivo tecnológico (e sobretudo imagético), a fim de transformá-la em instante
durável e reprodutível. A performance, considerada como linguagem artística, acusa as
consequências dessa circunstância de diversos modos, todos eles impactando sua própria
lógica de funcionamento e suas possibilidades de expressão. Ainda que se possa traçar uma
coexistência na história da linguagem entre sua prática e a reflexão acerca dos processos
de registro, verifica-se no panorama artístico contemporâneo notável empenho e
investimento técnico na produção das imagens das ações, por meio do uso de câmeras
paradas e móveis. Não raro se observa o uso de ambas as formas de captação, uma para
fornecer um ângulo que possa captar nos mínimos detalhes a ação em desenvolvimento e
outra que registra também a presença e a circulação do público. Além do vídeo, é comum
o uso da fotografia durante toda a execução da performance.
Esse texto propõe um caminho de reflexão sobre a influência da presença das
câmeras, considerando-as como mediadoras entre os performers e os públicos. A proposta
visa apontar potências estéticas, fugas e capturas, surgidas intencionalmente ou à revelia
188

nas propostas iniciais dos artistas.


Por meio da ênfase na unicidade e da irreprodutibilidade da ação, os artistas da
performance buscaram, num primeiro momento histórico, romper a lógica do mercado de
arte segundo a qual as obras de arte eram sobretudo itens para investimento e especulação
econômica. Nesse sentido, a performance seria um exemplo do que Jacques Rancière
(2009), em A partilha do sensível, denominaria como a passagem do “regime tradicional
das Belas Artes” para o “Regime Estético da Arte” que inaugura uma forma diversa de
percepção bem com de partilha da experiência sensível entre artistas e públicos. A
preocupação demasiada com o registro sugere, contudo, um investimento na posteridade
e aponta, consequentemente, a desvalorização do momento presente. Os dispositivos
interpõem-se visual e fisicamente entre artistas e espectadores, deixando claro a
permanência da obra em outro formato, enquanto feitura/construção/criação de uma
memória; sugerem assim a elaboração de um segundo tipo de discurso, derivado da ação
presencial, com suas próprias características formais e estilísticas. Não raro, o registro
deixaria de ser mero suporte de documentação histórica, passando a possuir uma
linguagem artística própria.
Tais consequências interferem, sem dúvida, na experiência dos públicos, tendo em
vista que a performance se distingue das demais formas de expressão por sua adesão
irrestrita ao tempo vivenciado, o que acarreta desdobramentos fundamentais para sua
recepção. Não é por acaso que outras áreas de ação humana, como o esporte e o circo,
apropriam-se da palavra “performance” para denotar algo “que pode resultar em sucesso
ou fracasso”. A parafernália audiovisual montada sugere que aquilo que vemos foi feito
para ser gravado e estaria, de certo modo, protegida do risco de fracassar. Negligenciar o
impacto do registro na experiência da obra, se seguimos as considerações de Deleuze e
Guattari, resultaria em lançar as ações de performance no universo das experiências já
codificadas pela própria mediação dos aparelhos de registro - portanto, estéreis de todo e
qualquer porvir. Se a criação deixa de estar aberta ao devir, a obra corre o risco de se deixar
capturar por fórmulas já controladas.
Outro fato talvez reforce essa captura: em geral, o excesso de dispositivos de
registro estimula nos espectadores um comportamento análogo (ademais predominante
na atualidade): filmar com seus próprios aparelhos a performance, acrescentando-lhe uma
segunda camada de "domesticação".
Parece-nos possível, portanto, afirmar que o abuso de instrumentos e práticas de
registro de performances cria erosões na essência da linguagem; cabe a este ensaio a
tentativa de refletir até que ponto a mediação tecnológica e imagética coloca em xeque o
potencial expressivo da performance e em que medida abriria outras possibilidades aos
artistas.

Palavras-chave: Performance; Registro; Re-existência.


189

SILÊNCIO: NO HAY BANDA

Marcelle Ferreira Louzada


Faculdade de Educação – Unicamp
marcelle.f.louzada@gmail.com

Um brinde ao corpo contra todas as coações. Contra todos os (pre)conceitos e


códigos. Aos seres que não se enquadram, a todos os que fogem do mercado das boas
intenções, que fazem da vida um estado de obra e se arriscam até às máximas
consequências. Às experimentações de um corpo sem órgãos. Às mães, às hereges, artistas,
bruxas, curandeiras, putas, trans, travestis dentre tantos paralelos essenciais. Um brinde
aos que desobedecem. Este é um texto-manifesto em prol do corpo e de seus prazeres
possíveis. Trata-se de verbos que desenham versos, em uma celebração do corpo que
também é palavra e é escrita. Compreende-se que “escrever é, através de uma
impessoalidade prévia, atingir aquele ponto em que só a linguagem atua, performa, e não
eu”1. Porém, aqui, “a boca já não fala. Ela bebe a letra”2.
Assim, “uma palavra abriu o roupão para mim. Ela deseja que eu a seja”3. Em cena:
Banda Fisiológica, um ajuntamento de artistas com diferentes formações. Ao invés da
execução de músicas, entretanto, o que se grita são manifestações que querem afectar o
cistema4 hegemônico e de representação, em um conjunto de partituras envolvendo
corpo, som e imagem. Megafone, microfones, sintetizadores, teclado, guitarra, tambores,
apito, panelas, fôrmas de bolo, radiografias funcionam como ferramentas desse mote
sonoro, imbuído de poética textual e textura visual. Não se trata de um espetáculo, de uma
cena, uma encenação. “A máquina desejante não é uma metáfora”5. Trata-se da existência
de um corpo que é festa.
Na intenção de construir uma poética espacial como um ato político, interessa-nos
um fazer artístico como um ato de rebeldia; entendemos a baderna como uma catarse anti-
sistemica. Queremos abortar regras, inclusive àquelas que nos limitam a uma determinada
arte ou um determinado saber. Através da diversidade das ações praticadas, abordamos
questões relacionadas a gênero, políticas do corpo, desterritorialização do sexo,
transfeminismo, cultura do assédio e da procriação para combater o predestinado, criando,
assim, outras redes de convívio, na construção de políticas outras.
Nesta Sociedade do Controle sentimos na pele que o medo é biológico! Querem
capturar nossos desejos, querem controlar nosso prazer. Porém, aqui, queremos introduzir
a produção no desejo, nos autorizamos corpos falantes onde o prazer é possibilidade de
criação de mundos outros, mundos todos. Confrontando o falo como centro de tudo,
afrontamos o patriarcado com a morte do pai, o grande detentor de poder. Esquece teu

1
BARTHES, R. A morte do autor. In: O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1998. P. 66.
2
DELEUZE, G; GUATTARI, F. O Anti-Edipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: editora 34, 2010. P. 273.
3
BARROS, M. Tratado geral das grandezas do ínfimo. Rio de Janeiro: Recorde, 2003. P.70
4
Neste caso, a palavra cistema escrita com a letra c intenciona denunciar o cissexismo e transfobia no sistema
social e institucional dominante, onde praticamente tudo é categorizado como feminino ou masculino.
Entendemos que a língua portuguesa é complexa e tem uma estruturação muito binária. Estamos
programados a identificar, desde sempre, tudo e todas as pessoas como ele ou ela. Desta forma, o sistema
linguístico favorece apenas duas opções de linguagem, desfavorecendo aqueles que não conseguem se
encaixar em nenhuma dessas opções de linguagem como as pessoas não binárias.
5
DELEUZE, G; GUATTARI, F. O Anti-Edipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: editora 34, 2010. P. 61.
190

pai! Faz a tua história é abrir fendas de autonomia de si, produzir demandas na contramão.
A dissidência e a marginalidade fazem sentido em meio ao caos criador.
O capitalismo é o grande golpe do desejo. O que consumimos? Que tipo de
contratos estamos assinando? Até onde podemos chegar? A violência é por si uma potência
econômica. Nosso projeto político é subverter a violência e criar afetividades por meio de
micropolíticas do desejo, versando um prazer possível. Libertem o desejo! Eu existo. Nós
existimos. A afirmação de nossa existência acontece pelo encontro de singularidades,
ruidosas e dissonantes. A estratégia é hackear o lugar comum, criar possibilidades de fala
e de falo, em palavras que sangram berros de existência. Queremos falar e ser possíveis.
No palco, cada acontecimento é único: o xóu se dá de múltiplas formas, em
constante atualização. Na página, o texto é um “uso produtivo da máquina literária, uma
montagem de máquinas desejantes, um exercício esquizoide que extrai do texto sua
potência revolucionária”6. SILÊNCIO. No hay banda, há máquinas de guerra a favor da vida
como obra de arte.

Palavras-chave: Arte; Corpo; Gênero.

6
Idem. P.144 e 145
191

ESPAÇO DO BRINCAR: OS AGENCIAMENTOS DE UM DISPOSITIVO DIGITAL NA


FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

Aliuandra Barroso Cardoso Heimbecker


Universidade Federal do Amazonas
aliuandra@gmail.com

Zeina Rebouças Corrêa Thomé


Universidade Federal do Amazonas
zeinathome@gmail.com

Este trabalho resulta de uma pesquisa que vem sendo realizada no curso de
Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Amazonas - UFAM. A pesquisa ainda está em andamento e foi iniciada no primeiro
semestre do ano de 2017. Ela levanta reflexões acerca das conexões que se agenciam no
curso de formação inicial de professores com o Espaço do Brincar. Ele é um dispositivo
digital que fomenta práticas e efeitos nas subjetividades dos futuros professores. Funciona
como um laboratório de pesquisas, de produção de materiais pedagógicos e de suporte
didático aos cursos de formação docente que têm relação com a temática dos jogos e
brincadeiras nas atividades escolares a partir de documentos norteadores da Educação
Básica1. Configura-se, portanto, como uma tecnologia de apoio para que os alunos em
processo de formação inicial para o exercício da docência possam conhecer, criar,
experimentar e simular propostas de atividades lúdicas relacionadas ao desenvolvimento
e aprendizagem das crianças da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
Portanto, é o objetivo-dispositivo pelo qual investigamos, de modo concreto, que
agenciamentos se estabelecem e como se estabelecem com os alunos que habitam o
território existencial do curso de Pedagogia e cursam a disciplina Jogos e Atividades
Lúdicas. Adotou-se como método para manejar a investigação a cartografia. A cartografia,
enquanto método de pesquisa, requer em seu funcionamento procedimentos concretos
encarnados em dispositivos. Isso porque o método cartográfico consiste no
acompanhamento de processos e de fluxos que estão em curso no território de
investigação. Por não se conformar com a mera representação do objeto o caminho
metodológico na cartografia se constrói pelo plano implicacional da experiência, pois se
trata de uma pesquisa-intervenção onde o conhecer e o fazer são procedimentos concretos
inseparáveis, adotados pelo pesquisador, para o mapeamento e a produção dos dados.
Para o método cartográfico todo território é composto por dispositivos e segundo Deleuze
(1990), o dispositivo é um conjunto multilinear composto de naturezas diferentes. As linhas
de subjetivação, que também formam o dispositivo inventam modos de existir. Neste
sentido, Deleuze em sua filosofia dos dispositivos, caracteriza-os com o repúdio aos
universais e com uma orientação modificada do eterno para a apreensão do novo, pois
pesquisar dispositivos e seus agenciamentos vai além de observá-los em funcionamento,
requer o acompanhamento e a intervenção em seus efeitos. Logo, estar implicada com o
dispositivo Espaço do Brincar foi o ponto de partida para a investigação. As concepções de
base teórica são tecidas: na área das tecnologias em Lévy (2010a, 2010b, 2011a, 2011b,

1
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI; Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil – RCNEI; Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs.
192

2014), filósofo e sociólogo que discute sobre a questão da técnica na constituição dos
grupos, da sociedade e das formas de saber, e no método de pesquisa em Deleuze e
Guattari (1992, 1995, 2011), filósofos da teoria das multiplicidades, que sustentam os
pilares do método cartográfico em parceria com as contribuições de Passos, Kastrup,
Escócia (2015) e Passos, Kastrup, Tedesco (2014). A experiência imanente de pesquisa
ampliou a compreensão de que o dispositivo digital Espaço do Brincar gera uma linha de
atualização que dá forma ao “complexo nó de tendências”2 da virtualização de jogos,
brincadeiras e atividades lúdicas, o que torna latente a criação nos esquemas de
pensamento e ação dos futuros professores. Neste sentido, a atualização é criação,
invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e de finalidades.
Acontece então, nos agenciamentos entre o dispositivo e os alunos de pedagogia, algo mais
que a dotação da realidade a um possível ou que uma escolha entre um conjunto
predeterminado, percebe-se no percurso de habitação territorial subjetividades
influenciadas por “uma produção de qualidades novas, uma transformação das ideias, um
verdadeiro devir” (LÉVY, 2011-b, p. 16-17) de ideias e criações dinâmicas que alimentam o
virtual e o atual. Logo, o dispositivo digital Espaço do Brincar gera um movimento dialético
de atualização e virtualização constante que potencializa os esquemas de pensamento e
ação no processo de apropriação do saber dos alunos de pedagogia. A dialética do virtual
e atual são dois modos diferentes de existir que em nada se parecem, mas se
complementam. A virtualização é um real em potência, um devir que chama inúmeras
formas de atualização. Essa dinâmica pulsante resulta no acontecimento da aprendizagem
de processos cognitivos, daquilo que ao ganhar forma pela atualização é chamado de
criação. Assim os saberes lúdicos dos alunos em formação inicial para o exercício da
docência são potencializados por uma aprendizagem que emerge da experiência imediata
com o dispositivo digital Espaço do Brincar, que no território de pedagogia, é fonte
virtualizada de inúmeros conhecimentos na área do brincar. Esses conhecimentos podem
ser atualizados e aplicados pelos alunos em situações diferentes da aprendizagem inicial,
realizada na disciplina Jogos e Atividades Lúdicas, pois “toda atualização efetiva de um
saber é uma resolução inventiva de um problema, uma criação” (LÉVY, 2011-b, p. 59).

Palavras-chave: ; Agenciamento; Dispositivo; Professores.

2
Lévy (2001, p.16), usa o termo para definir o processo dinâmico da virtualização.
193

OS AGENCIAMENTOS DIDÁTICOS-PEDAGÓGICOS DA TECNOLOGIA DIGITAL NO CURSO


DE PEDAGOGIA

Aliuandra Barroso Cardoso Heimbecker


Universidade Federal do Amazonas
aliuandra@gmail.com

Zeina Rebouças Corrêa Thomé


Universidade Federal do Amazonas
zeinathome@gmail.com

Maria Ione Feitosa Dolzane


Universidade Federal do Amazonas
ione.dolzane@outlook.com

As tecnologias digitais dão início a uma nova ecologia cognitiva entre os humanos
que fomenta e alarga os processos de desterritorialização das subjetividades, criando novas
formas de comunicação, de apropriação do conhecimento, de se fazer pesquisa, de
organização do trabalho e da aquisição de novas competências. Para tanto, os novos
paradigmas epistemológicos apontam para a criação de um novo espaço, onde possam
acontecer as trocas, a construção e a reconstrução de conhecimentos desterritorializados,
passando da necessidade de se ter tempo, presença física e espaço rígidos para um outro
espaço com potencial de liberdade de movimento para se percorrer por vários caminhos,
a partir de uma concepção de não-linearidade e não-espacialidade chamado de virtual.
Neste sentido o presente trabalho busca refletir sobre as potencialidades didático-
pedagógicas da tecnologia graduacao@ufam, uma plataforma digital criada e desenvolvida
pelo Cefort - Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de Tecnologia e Prestação
de Serviços para a Rede Pública de Ensino, da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Amazonas. Ela foi desenvolvida para agenciar mediações didático-pedagógicas
no curso de pedagogia e possibilitar aprendizagens e criações de competências requeridas
pela era informática. Sua proposta pedagógica busca introduzir na organização curricular
do referido curso, novas práticas de ensino-aprendizagem que possam estar integradas ao
uso de novas tecnologias digitais. A metodologia da pesquisa baseia-se no referencial do
conceito de cartografia, apresentado por Deleuze e Guattari (2011, 1996, 1997-a, 1997-b).
O estudo iniciou com o levantamento bibliográfico que pudesse subsidiar a concepção
teórica e metodológica do trabalho. Em meio a tantos autores que discutem a emergência
das tecnologias na humanidade, selecionou-se como principal base teórica Deleuze e
Guattari (1992, 1995), filósofos da diferença e da teoria das multiplicidades que dialogam
e influenciam, a partir do conceito de rizoma, as obras do filósofo Pierre Lévy (1998, 2010a,
2010b, 2011a, 2011b), um instigante pensador sobre a questão da técnica na
contemporaneidade que discute o papel das tecnologias na constituição dos grupos e da
sociedade, cujo cenário atual está permeado pela grande velocidade da disseminação das
informações e mutações nas formas de saber. Recorreu-se ainda à pesquisa documental
onde foram levantadas as informações consideradas pertinentes. Dentre os arquivos e
documentos analisados destacam-se o projeto de concepção do desenho técnico,
194

metodológico e epistemológico da plataforma graduação@UFAM; a legislação existente


que fomenta e regulamenta o ensino com o uso de tecnologias no Brasil.
Mediante os fluxos imanentes da pesquisa desvelou-se que a tecnologia digital
graduação@UFAM se desterritorializa do território Cefort/UFAM para existir em potência
no virtual. Logo, surgem pistas que apontam para linhas de fuga com novos agenciamentos
didático-pedagógicos no curso de pedagogia. Uma dessas linhas revela que as interações
com a tecnologia digital flexibilizam e potencializam o processo de ensino-aprendizagem
das aulas presenciais. Nessa perspectiva a pesquisa mostra que as subjetividades dos
alunos de pedagogia são afetadas por um entusiasmo que surge nos processos de interação
e interatividade com o graduação@UFAM, pois os alunos consideram que a disciplina
ofertada com o suporte do graduação@UFAM lhes possibilita: maior flexibilidade de tempo
para a produção e entrega dos trabalhos; melhor acessibilidade aos conteúdos, pois não é
necessário pagar por cópias ou enfrentar as filas da reprografia para ter acesso aos textos;
melhoria na comunicação entre o professor e a turma fora dos horários convencionais das
aulas; mais organização na sequência didática dos conteúdos; e favorece a experiência dos
alunos quanto ao uso de um tecnologia emergente no processo didático-metodológico de
uma disciplina, convergindo assim, para a promoção da coerência na formação da práxis
dos professores que estão sendo formados pelo curso de Pedagogia.
Esses novos agenciamentos que vem sendo produzidos pelas tecnologias digitais,
se traduzem por uma multiplicidade de indivíduos, de instituições, de territórios de
homens-coisas, de um coletivo composto de humanos e não-humanos, de interatores que
põe em jogo, em seu interior e exterior, populações, multiplicidades, devires, afetos,
sentidos, acontecimentos. Portanto, as tecnologias digitais em si não são príncipes
dominadores que alienam os homens e as suas atividades, elas são mais do que meros
objetos manipuláveis pelos homens. São também constituidoras de grupos e culturas
híbridas, pois estão associadas a um contexto social mais amplo. Elas transformam as
formas de viver da humanidade e demandam ações de todos os segmentos sociais,
incluindo as múltiplas ações que potencializam os fluxos didáticos-pedagógicos nos
processos de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Agenciamento; Formação Docente; Tecnologia Digital.


195

O QUE PODEM AS NOÇÕES DE TEMPO JUNTO ÀS FILOSOFIAS DA DIFERENÇA? MODOS


DE EXISTÊNCIA E RESISTÊNCIA DE DOCENTES-PESQUISADORAS NO CAMPO DA
EDUCAÇÃO

Angélica Neuscharank
Universidade Federal de Santa Maria, RS.
angelicaneuscharank@yahoo.com.br

Carin Cristina Dahmer


Universidade Federal de Santa Maria, RS.
carindahmer@gmail.com

Marilda Oliveira de Oliveira


Universidade Federal de Santa Maria, RS.
marildaoliveira27@gmail.com

O que podem as noções de tempo junto às filosofias da diferença? Com esta


problemática traçamos algumas linhas para compor esta escrita que apresenta o recorte
de duas pesquisas de doutorado em educação que se avizinharam pelo interesse na
maquinaria conceitual do tempo. Esboçamos possibilidades de pensar, operar, criar e viver
o tempo aiônico, em meio as noções de duração (BERGSON, 2005; 2010)1, coexistência
(DELEUZE, 1999; 2005; 2006)2, eterno retorno (NIETZSCHE, 2004; 2011)3 e entre-tempos
(DELEUZE; GUATTARI, 2005)4. Enquanto proposta metodológica apresentamos dois
métodos que emergiram das referidas pesquisas, dos movimentos de seleção-criadora de
modos de existência em espaços-tempos provisórios de produzir pesquisa acadêmica e de
estar docente, foram eles: a garimpagem e a des/remontagem. No método da
garimpagem, cunhado por nós como modus operandi de uma das investigações, a
pesquisadora está em constante movimento, produz uma escrita dos percursos, mapeando
as recolhas afetivas dos encontros com as leituras, imagens, objetos, falas e demais
elementos, os quais nomeamos como heterogêneos: coisas que ainda não tomaram forma
e sentido, e que talvez nem tomem, que não são classificadas em certas ou erradas,
preciosas ou descartáveis, binarismos pueris que nos levariam a juízos de valor. Pensamos
que seja disso que trata a garimpagem: dissolver esse modo de existência que desqualifica
o informe, o imprevisto, o incerto e o instável da vida. Portanto, foram convocados os
seguintes achados, incorporados à pesquisa pelo movimento de captura para compor com
eles uma escrita, deslocando e atualizando o tempo ‘demarcado’ nos artefatos: um moedor

1
BERSGON, Henri. A evolução criadora. [tradução: Bento Prado Neto]. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 4ª ed. [tradução Paulo
Neves]. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
2
DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. 1ª ed. [tradução Luiz B. L. Orlandi]. São Paulo: Ed. 34, 1999.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. [tradução de Eloisa de Araújo Ribeiro]. São Paulo: Brasiliense, 2005.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2ª ed. [tradução de Luis B. L. Orlandi e Roberto Machado]. Rio de
Janeiro: Graal, 2006.
3
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência: texto integral / São Paulo, SP: Martin Claret, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra. Petrópolis: Ed. Vozes, 2011.
4
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução Bento Prado Jr. E Alberto Alonso Muñoz.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2005.
196

de canela/pimenta, um conjunto de xícaras de porcelana, uma coleção de moedas e uma


ampulheta do tempo. Além dos mesmos, escrevemos sobre um experimento com grãos de
feijão, sobre as perambulações por diversos espaços, registrando os desgastes de
superfícies e de esculturas alocadas em um jardim externo, obras de arte em exposições,
frutas apodrecendo, falas corriqueiras em sala de aula e dos encontros cotidianos com
pessoas e coisas que nos dispararam a pensar no tempo. O outro método nomeado de
des/remontagem, amparou-se em Didi-Huberman (2015, 2017, 2018)5 ao operar a história
da arte como espaço de criação de tempos, acolhendo na pesquisa o tempo enquanto
superfície sem fim ou começo, não mais preso à flecha do tempo, a sua fabricada
cronologia, mas como entre-tempos, espaços sem definições temporais ou sucessivas, que
possibilitam que lhe sejam produzidas perfurações, fissuras, rasgaduras, a fim de inquietar
o tempo em sua articulação, lançar-lhe lampejos, ação de fraturar a linha do tempo. O
método da des/remontagem apresenta a possibilidade de produzir processos de
desmontagens e remontagens, como modo de mobilizarmos o pensamento contrário às
representações e clichês em que se monta e expõe a vida, a arte e as imagens da história
da arte, busca produzir dobras com as imagens, com o pensamento, com uma pesquisa,
com a educação. Ao desordenar o tempo, em um processo de desmontagem de suas
representações, podemos acolher o viés do acontecimento, na coexistência dos tempos,
como a cesura de um encadeamento entre experimentações com estudantes, imagens da
história da arte, andanças em uma cidade entre tempos e molduras vazias de significações.
Portanto, as pesquisas articulam as materialidades a um pensamento que circunda o ser
do tempo, este que é tomado como organismo vivo e inacabado, devir de entidades que
se produzem na coexistência de tempos. Assim, não apenas o tempo é desencadeado de
uma sucessão de presentes, mas impulsionado à criação, através de experimentações
possíveis entre os espaços educativos e a feitura de uma pesquisa. Pensamos uma
educação na qual se abrolham diferentes relações com o tempo, inventando em meio a
pontualidades e horas delimitadas intervalos para experimentar ‘perdas de tempo
criadoras’. Levantamos algumas hipóteses para pensarmos sobre as noções de tempo na
educação, ainda que provisórias: o tempo é um paradoxo em termos de sentido e
significação, mas se assim o for, ao estabelecer relações com as filosofias da diferença, põe-
se em funcionamento um pensamento na sua dimensão desejante, vitalista, de tempos que
coexistem porque a maquinaria funciona em um devir, atravessando sua história, mas não
se confundindo com ela. Portanto, foi preciso habitarmos um espaço de pesquisa para
oferecer outras maneiras de pensar, arrastar algumas cronologias e verdades para olhar de
frente para a própria existência. Propusemos assim, a criação de tempos no campo
educativo, com o desencadeamento do que parece enredar a educação, buscando alianças
com as filosofias da diferença e produzindo enlaces com o tempo.

Palavras-chave: Educação; Filosofias da Diferença;Tempo.

5
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante do tempo: história da arte e anacronismo das imagens. Tradução Márcia
Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tomam posição. Tradução Cleonice P. B. Mourão. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2017.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Remontagens do tempo sofrido. Tradução Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2018.
197

O CORPO NA ESCOLA: AS RELAÇÕES DE PODER NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL


PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Adriana Maimone Aguillar


Universidade Federal do Triângulo Mineiro
adriana.aguillar@uftm.edu.br

Antônio dos Santos Andrade


USP Ribeirão Preto
antandras@usp.br

Dentro da instituição escolar, especialmente na educação infantil e no primeiro ano


do ensino fundamental, de que maneira ocorrem os agenciamentos entre os corpos das
crianças e destes com os corpos dos adultos? De que maneira a educação escolar está
envolvida no processo de produção de determinados tipos de corpos? Quais são as
estratégias de produção de tipos de corpos? Como são vivenciadas, pelas crianças, as
experiências com o corpo na instituição escolar? Podemos aferir sobre a produção de
subjetividade na escola, por meio da observação das relações entre os corpos? Podemos
estabelecer relações entre o ensino e a aprendizagem e as experiências corporais na
escola? Quais são as linhas percorridas pelos corpos no interior da instituição escolar?
Quais são as linhas que atravessam os corpos no interior da escola? Existe a possibilidade
de se desenhar um mapa dos corpos na escola? Se sim, como seria este mapa? Estas são
algumas das inúmeras questões que estiveram presentes no decorrer do trabalho na busca
pela cartografia dos corpos nas salas de aula. Para tanto, foram observados os
acontecimentos, os contatos, os agenciamentos, a pele, o rosto, a postura, as experiências
corporais vivenciadas, utilizadas, valorizadas, desprezadas, ignoradas, aplaudidas. Como as
crianças experimentam seus corpos? Como estes corpos ocupam determinados espaços?
Este se pretendeu um estudo da geografia dos corpos e uma cartografia dos caminhos
destes corpos nos espaços da escola e das salas de aula pesquisadas. As questões se tornam
mais atraentes pelo fato de a faixa etária, da transição da educação infantil para o ensino
fundamental se encontrar, em tese, em processo inicial de formação das formas de
linguagem, anteriores a um processo oficial de alfabetização, bem como, se encontram em
momento delicado de relação com seus corpos, já que também estão em processo inicial
de disciplina institucional. Portanto, o trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa dos
corpos na educação escolar, no momento de transição da educação infantil para o ensino
fundamental. O objetivo do trabalho foi compreender como se dá a produção da
subjetividade infantil por meio das relações estabelecidas entre os corpos nas situações de
educação formal. Foi realizada uma pesquisa de campo, inicialmente em uma sala de aula
de alunos de cinco anos, os quais se encontravam na educação infantil e, posteriormente,
analisou-se a transição da educação infantil para o ensino fundamental, por meio da análise
de dados coletados na mesma turma de crianças, quando frequentando o primeiro ano do
ensino fundamental. Para tanto, foi realizada a observação participante nas salas de aula.
Ao mesmo tempo, o trabalho também traz para o debate diferentes concepções de corpo
presentes em pesquisas na área da educação infantil e do ensino fundamental, no que
tange aos processos de ensino e de aprendizagem. A partir de um levantamento de
pesquisas realizadas nos últimos dezessete anos nos periódicos de educação, foram
198

escolhidas trinta e cinco publicações para análise. O estudo dos artigos deu origem aos
temas deste trabalho, os quais foram subdivididos da seguinte forma: corpo na educação
infantil - discute pesquisas sobre práticas no interior das instituições de educação infantil
e faz análises referentes aos cuidados com os corpos das crianças e das professoras; corpos
parados - discute a questão da tentativa constante de manter os corpos das crianças
imobilizados nas escolas; controle dos corpos - discute pesquisas voltadas para análise das
formas de controle dos corpos nas escolas para além das tentativas de imobilizar o
movimento; corpo e subjetividade – apresenta pesquisas que relacionam concepções de
corpo, subjetividades e sujeitos na educação; o corpo como experiência - traz às discussões
textos que versam sobre a temática da valorização de outras formas de organização e de
pensamento sobre os corpos na escola, superando a visão de controle e paralisia; corpo
sem órgãos – trata de estudos que abordam especificamente o conceito de corpo sem
órgãos. Após a coleta dos dados de campo e do levantamento bibliográfico das pesquisas
sobre os corpos na educação infantil e ensino fundamental, foi realizado um estudo com
base no referencial teórico fundamentado em Friedrich Nietzsche, Michel Foucault, Gilles
Deleuze e Félix Guattari, especialmente no que tange à compreensão de corpo. Foram,
portanto, analisadas as categorias que surgiram, com o auxílio da cartografia. Como
resultado, foi elaborado um mapa dos corpos das crianças nos espaços escolares, e dentro
destes presencia-se as tentativas de controle dos corpos e suas estratégias, os produtos da
disciplina e as linhas de fuga. A partir das conclusões, acredita-se que, apesar de todo o
investimento em um modelo disciplinar na escola, as crianças escapam e criam linhas de
fuga constantemente.

Palavras-chave: Corpo, Escola, Poder.


199

A POTÊNCIA DAS IMAGENS NOS PROCESSOS DE CURRÍCULOSFORMAÇÕES: RIZOMA,


AFECÇÕES E WHATSAPP

Julio César da Silva de Alvarenga


Universidade Federal do Espírito Santo – PPGE
jcsalvarenga@gmail.com

Tal ensaio busca nos estudos dos currículos problematizar acerca da potência da
imagem-movimento capturadas (DELEUZE, 1985), como uma composição potente nos
processos de currículosformações (FERRAÇO; GOMES, 2013) da rede municipal de ensino
de Piúma-ES, entre alunos do 7º ao 9º ano do ensino fundamental, tendo como um dos
intercessores deste processo formativo o uso do aplicativo WhatsApp.
Tomando por base os estudos deleuzianos acerca do confronto entre o
materialismo com o idealismo, onde um buscava reconstituir a ordem da consciência com
movimentos materiais e o outro com puras imagens na consciência (DELEUZE, 1985),
buscamos principalmente nos conceitos de Cinema, Imagem-Movimento, pensar nas
composições rizomáticas possíveis, alinhando para tanto a ideia de capturar imagens do
cotidiano nos processos currículosformações.

Sem dúvida, muitos fatores exteriores à filosofia explicavam por que a


antiga posição tinha se tornado impossível. Eram fatores sociais e
científicos, que punham cada vez mais movimento na vida consciente e
imagem no mundo material. Como então não levar em conta o cinema,
que nesse momento também se preparava e que iria fornecer sua própria
evidência de uma imagem-movimento? (DELEUZE, 2018; p. 95-96).

Percebe-se que no atual cenário global, as Tecnologias da Informação e


Comunicação (TICs) estão cada vez mais arraigadas na ação e reflexão humana. O modo
como as pessoas estão fazendo uso de tais tecnologias, vem passando por um rápido
processo de naturalização, e já se encontram incorporadas nas práticas cotidianas, sem que
se perceba o avanço do uso das TICs no dia a dia (CORRÊA, 2003). Dessa forma, o uso das
hipermídias no ciberespaço é um colaborador para a criação de condições para os
processos de mudanças que podem ocorrer na sociedade, o que conduz à noção atual de
estarmos vivendo na sociedade da informação, construindo novos coletivos de seres
humanos e mídia informática (LÉVY, 2010) e que, fazem parte dos cotidianos das escolas.
As modificações nessa sociedade, causadas pelas TIC, são profundas e transformam a
maneira que pensamos (LÉVY, 2010), ou seja, “[...] transformam o modo como nós
dispomos, compreendemos e representamos o tempo e o espaço a nossa volta” (KENSKI,
2004, p. 31). Nesse cenário, um dos grandes desafios para os docentes é ajudar a tornar a
informação significativa, a escolher as informações verdadeiramente importantes entre
tantas possibilidades, a compreendê-las de forma cada vez mais abrangente e profunda e
a torná-las parte do nosso referencial.
Tecidas estas considerações, essa pesquisa objetiva problematizar a potência das
redes sociais, especificamente, no uso do aplicativo WhatsApp na composição dos
currículosformações da rede municipal de Piúma. Para tanto, pretende-se capturar as
imagens-movimento, emergidas das redes sociais dos que praticam os cotidianos
200

escolares, como sendo processos rizomáticos de tessitura curricular e problematizar como


as relações de afecções se dão a partir de algumas cenas postadas pelos alunos.
As modificações nessa sociedade, causadas pelas Tecnologias da Informação e
Comunicação, são profundas e transformam a maneira que pensamos (LÉVY, 2010), ou
seja, “(...) transformam o modo como nós dispomos, compreendemos e representamos o
tempo e o espaço a nossa volta” (KENSKI, 2004, p. 31). Nesse cenário, um dos grandes
desafios para os docentes é ajudar a tornar a informação significativa, a escolher as
informações verdadeiramente importantes entre tantas possibilidades, a compreendê-las
de forma cada vez mais abrangente e profunda e a torná-las parte do nosso referencial.
Faz-se uso da perspectiva teórico-metodológica da pesquisa com os cotidianos ao explorar
Alves (2008; 2012) no que concerne ao contexto das “práticasteoriaspráticas” de produção
e “usos” de mídias, Ferraço (2016) ao apostar na potência dos currículos como processos
que se dão a partir das experiências com os cotidianos e os estudos dos currículos e
Carvalho (2014; 2017) e Deleuze (1985) para pensar na imagem-movimento, objeto central
do nosso estudo. Utilizamos os estudos de Deleuze (2011) que contribuem para
problematizar os processos de tessitura curricular como uma ação rizomática, entendendo
assim também, sua importância na possível utilização das TICs, em especial a ferramenta
WhatsApp e da imagem-movimento nos processos de formação docente/discente.
Estudos de Alves (2008) e Garcia e Alves (2012) colaboram para problematizar os
contextos da formação docente. Segundo as autoras, os processos formativos

(...) se dá em múltiplos contextos, em diferentes momentos, num


processo que tem início muito antes da entrada em uma escola e que se
oficializa num curso de formação de professores e tem continuidade no
decorrer da ação docente, num rico processo em que práticateoria, em
articulação permanente, vão dando continuidade ao processo
interminável dessa formação. (GARCIA; ALVES, 2012, p. 489-490).

Nesta perspectiva, considera-se que os espaços de formação docente que, pensados nesta
pesquisa como um entrelaçamento de currículo e formação, ou seja, como
currículosformações, se dão em múltiplos contextos, dentre os quais, utiliza-se do contexto
das práticasteorias de produção e usos de mídias. Garcia e Alves (2012, p. 504) afirmam

pesquisas com os cotidianos, preocupadas com as relações que os


docentes estabelecem com o mundo da comunicação da televisão, em
diversas gerações, ajudam a compreender os modos como as redes de
conhecimentos e significações vão se articulando com esses meios para
além da reprodução e da transmissão, criando tecnologias nos ‘usos’
cotidianos de artefatos culturais.

Nesta perspectiva, as redes sociais, são pensadas como “(...) linguagem a ser
desenvolvida nas escolas por docentes e discentes, em espaçostempos para troca de
conhecimentos e significações de todo o tipo” (GARCIA; ALVES, 2012, p. 504-505).
Portanto, interessa-nos problematizar como que as múltiplas interações realizadas no uso
do WhatsApp possibilitam processos potentes de tessitura dos currículosformações.

Palavras-chave: Currículo; Deleuze; Imagem-Movimento.


201

CRISE ECOLÓGICA, CRISE HÍDRICA E POLIFONIA1

Raphael Vianna
PPGMA-UERJ
raphaelvmb@gmail.com

A proposta é introduzir maneiras diferentes de falar sobre o silenciamento das


águas, sublinhando a possibilidade de estabelecer uma relação polifônica entre objetivos
dissonantes. Polifonia, portanto. E deve-se atentar que essa menção ao componente
sonoro não é gratuita.
Uma leitura não filosófica do platô “1837. Acerca do Ritornelo”, permite considerá-
lo como uma espécie de teoria sobre o canto dos pássaros. Buscando abrigo nessa leitura,
permitimo-nos, primeiramente, pensar a relação entre o canto dos pássaros e a crise
ambiental.
Em 1962, Rachel Carson tornou público o silenciamento primaveril dos pássaros. O
silencio das aves, embebidas em DDT, elevou o tom das vozes que participavam do
incipiente movimento ambientalista. E, muito rapidamente, o silenciamento das aves foi
acompanhado de outros silêncios aberrantes. Águas em vias de desaparecimento, florestas
em chamas e um clima intempestivo são exemplos de situações que caracterizam a crise
ecológica na qual humanos e não humanos estamos implicados. Essas são algumas
expressões de uma época geológica controversa, nomeada Antropoceno. Nessa época, nos
interessa, especialmente, a questão das águas. Privilégio motivado pela tese de doutorado
intitulada “Quem controla a água? Das controvérsias à cosmopolítica no circuito das águas,
Minas Gerais”, defendida em março de 2019.
Como na situação dos pássaros, a crise ambiental coloca os corpos hídricos em risco
de desaparecimento. Silenciamento dos pássaros, silenciamento das águas. Também como

1
Composição Rotornelos.
Representantes de quatro províncias distintas (ecologia, filosofia, arte e antropologia social), pretendemos
estabelecer uma conversação, tendo como plataforma a filosofia de Gilles Deleuze, mais especificamente o
platô “1837. Acerca do Ritornelo”. De qual cidade científica teríamos sido expulsos?
A mesa redonda organiza-se em torno de uma articulação conceitual envolvendo máquinas, agenciamentos,
rizoma e ritornelo. Trata-se, portanto, de uma investigação sobre o conceito filosófico de ritornelo. Embora
não sejam examinados em detalhe, serão considerados problemas afins como: o originário-localizado do
romantismo alemão, o eterno retorno do mesmo em Nietzsche, a sociologia das máquinas no entre-guerras,
a deriva estética imaterial&conceitual (Berg, Klee, Messiaen, Pinhas). Nos interessa, por um lado explicitar e
desenvolver aspectos da filosofia de Gilles Deleuze (e Felix Guatarri), e por outro, buscar articulações
hodiernas decorrentes de lutas e expertises assumidas por cada integrante.
Estamos motivados pela questão do Antropoceno e as suas expressões - crise climática, extinção de espécies,
e, especialmente, a escassez e contaminação dos corpos hídricos-, das comunidades índígenas
(cosmopolíticas por vir) e da criação na arte contemporânea. Procuramos sair da chave de que sabemos o
que é terra, território, espaço, lugar, sítio, cosmos. Isso pode significar uma desterritorialização assumida e
desejada, que parte da situação territorial destas querelas no interior de um Brasil “amazônico”.
Pensamos que quem nos ensina sobre isso é sobretudo quem está lutando por isso/com isso (ativistas, índios,
artistas). O conceito de ritornelo nos ajuda a lidar com essas vozes, portanto, com essa polifonia.
Consideramos o ritornelo como o elemento que conecta água, comunidades indígenas e intervenções
estéticas, e tentaremos estabelecer uma relação polifônica entre essas vocalizações - percolações, gorgolejos,
brotamentos, dispositivos invisíveis, coqueiros giratórios, colunas que apontam para o lixo da Guanabara,
xapiris, devires-papagaio-de-xamãs, resina de yekohana, sandálias de chumbo no vulcão - como se tentará
demonstrar no decorrer das respectivas apresentações.
202

ocorrido com os pássaros, há as águas povoadas de pesticidas, rejeitos, dejetos,


agenciamentos nefastos: contaminação dos pássaros, contaminação das águas. Sob essa
influência, ou como resposta a ela, é de se notar o aparecimento de vocalizações. O
silenciamento das águas provoca vocalizações de artistas, habitantes e ativistas. Note-se,
no modo artístico, a inversão provocada pela obra “Rio oir”, de Cildo Meireles, na qual as
sonoridades das águas parecem ganhar um protagonismo conforme a subtração dos sons
do mundo (vento e folhas e pássaros e engrenagens e vozes, para nos retermos em
exemplos imediatos, tornam-se ouvintes dos sons das águas).
No que toca às vozes dos habitantes e ativistas, enfatiza-se o caso do sul de Minas
Gerais. Antes, uma breve contextualização: o que hoje é conhecido como o circuito das
águas deve a sua fama às primeiras divulgações das águas que prometiam a cura de
diversos males. Lá, as águas adquirem características específicas pelo íntimo contato com
um substrato geológico dotado de aspectos extraordinários. É como se os minerais se
desterritorializassem das rochas e reterritorializassem nas águas: águas minerais. Essas
idiossincrasias despertaram o interesse de muitos médicos que, em tempos idos,
receitavam as águas como remédios diretamente extraídos das entranhas da natureza.
Fossem tomadas nas fontes (preferencialmente, segundo os médicos), fossem tomadas nas
garrafas (tentando obedecer um criterioso processo de engarrafamento cientificamente
orientado), os tratamentos com as águas do sul de Minas Gerais foram amplamente
receitados para uma série de males. É o caso dos anêmicos, que buscavam nas águas,
nomeadamente as ferruginosas, alguma chance de cura segundo as recomendações dos
hábeis esculápios. E o teor de ferro contido nas águas não aparece aqui como uma
coincidência, e será retomado logo adiante, no momento oportuno. Resta observar que,
com o desenvolvimento da alopatia, notadamente os fármacos sintetizados em
laboratórios, as águas deixaram de ser receitadas como remédios, embora o
engarrafamento não tenha deixado de existir. Durante algum tempo, longo tempo, essa
atividade não pareceu gerar controvérsias importantes. Até a virada deste século, quando
já não foi mais possível permanecer imune à crise ecológica e os seus perpetradores
tomados por uma sede de infinito.
Antes de comentar essa situação envolvendo a atividade de engarrafamento no sul
de Minas Gerais, é prudente fazer outra observação. No circuito das águas, os habitantes,
desde a infância, são afetados pelas entidades que habitam as águas minerais. Veja-se o
exemplo do teor de ferro, que, outrora, animou anêmicos em romarias de cura. As
diferenças nesse teor, lá, são reconhecidas num único gole, quando as águas ferruginosas
de outras cidades do circuito são degustadas pelos habitantes da região: o ato de bebericar
as águas que vertem das fontes, uma repetição quase cotidiana nos parques das cidades,
remete à casa, e afirma, desde a língua, as diferenças entre as águas do circuito. Para os
moradores, cada água ferruginosa do circuito é diferente. Ocorre que o ferro também
esteve no cerne de uma controvérsia entre uma empresa de engarrafamento e grupos de
moradores da região, no município de São Lourenço.
Esses grupos acusaram uma possível superexplotação colocada em andamento por
uma empresa de engarrafamento de águas. Cumpre notar que a empresa empregou um
maquinário para a retirada artificial do ferro contido nas águas, com o objetivo de purificá-
las deste elemento, que se depositaria no fundo das garrafas e lhes conferiria uma cor
amarelada, o que impediria a sua comercialização: o invisível tornou-se visível, e, para a
empresa, o visível tornou-se um problema. Também aí, transformações na paisagem
203

acompanharam as alterações das águas: olhos e línguas e narizes dos habitantes foram
percebendo o rebaixamento do solo, o ressecamento das fontes, o gosto modificado e o
odor diferenciado das águas. Aberração. O comum tornou-se diferente, e isso se tornou
um problema para os habitantes. Tornaram-se ativistas. Vociferaram. Buscaram aliados.
Parte-se dessa situação para investigar a relação entre água, corpo, paisagem, máquina e
território.

Palavras-chave: Águas; Canibalismo; Cosmopolíticas; Espaço; Matemáticas; Máquinas;


Nomadismo; Perspectivismo.
204

ESPAÇO, MÁQUINA, MATEMÁTICAS E RITORNELOS1

Carlos Estellita-Lins
FIOCRUZ
cefestellita@gmail.com

Busca-se expor o conceito de ritornelo privilegiando sua conexão com as máquinas.


O ritornelo enquanto tematização da tríade territorialização - reterritorialização &
desterritorialização será o tema destacado. Neste sentido a noção de agenciamento é
convocada. Agenciamento não é ação social nem comportamento. Máquinas ramificam-se
e reticulam-se no agenciamento em vias de se desterritorializar. A máquina faz rede com
agenciamentos. Terra, Caos e Cosmos compõem uma tríade.
Um refrão se repete. O grito da criança no escuro, as paredes sonoras do rádio, os
grunhidos da criança autista, os passarinhos canoros e artistas – ritornelos. Uma música é
repetida. Esta arte de deslocamento no espaço e de ocupação do território vem do canto
das aves? Sim, se pudermos entendê-la a partir de Olivier Messiaen, do romantismo
alemão e da Bauhaus.
O canto das aves nos transporta para esta questão. Não se parte do espaço, mas
acena-se com o lugar ou limite. Nenhuma teoria da agressividade etológica poderia dar
conta da questão. Não se trata de uma origem da geometria, mas de uma atualização
territorial que guarda relações com o “ponto cinza” ou buraco negro e com uma
exterioridade caótica. Este agenciamento busca a terra, contudo não engendra nenhum
agrimensor (gregos, egípcios, mesopotâmios, chineses), pois quem explora o exterior deste
nomos da terra está mais próximo do pirata ou nômade. As pré-ocupações do processo
criativo estético definem-se a partir de determinações imanentes - provenientes de outras
técnicas ou poiesis. O território “demarcado” será investigado por Deleuze&Guattari a
partir da etologia e da estética. A etnologia e a linguística encontram-se em sursis neste
processo.
O conceito de ritornelo reúne agencias da marcação entendidas como arte ou
criação. Admite uma mistura dos animais artistas e pássaros ceno-poetas com as doutrinas
de Paul Klee sobre a terra ou de Hölderlin sobre o vulcão de Empédocles. Animais,
humanos, não-humanos estão convocados numa tríplice articulação de uma repetição
diferencial. Aliás repetição idiota, exaustiva e maquinal (o que remete ao problema das
séries e do serialismo em música). Agenciamento e máquina estão desde sempre no
ritornelo.
O problema filosófico da repetição foi reativado por Deleuze. Repetição e máquina
aparecem em Zarathustra e igualmente, emergem em Mille Plateaux. O ritornelo é
maquínico e não mecânico. Estamos tratando de um outro tipo de máquina (animal, o
vivente) – próximo das “máquinas divinas” leibnizianas.
Uma leitura dedicada à história da filosofia poderia entender o platô do ritornelo
como comentário detalhado da questão da repetição do Mesmo no EW na obra de
Nietzsche. Com Deleuze, o EW será entendido como princípio ético e não-cosmológico –
com especial destaque para uma diáspora de versões, incluindo as versões fracas do que
seria afirmar o Todo em sua relação com a parte (Natal, originário, territorializado, situado).

1
Texto da composição Rotornelos.
205

O ritornelo, esta cantiga enjoativa, é nojo (Eckel), sem ser náusea (Nausée). De certo modo,
o que faz Nietzsche é tomar a sério os pássaros que anunciam o retorno eterno do Mesmo,
mas que se ainda parecem com realejos. A doença super-territorializou, o nojo
desterritorializou e agora os realejos reterritorializam. O ritornelo é um rotornelo quando
tematiza o ventriloquismo implícito no realejo – quem canta? Uma máquina? Os animais
que encantam e estão ligados ao não-humano? Para quem se canta? Ao homem da praça
e do mercado? Mas ele não é apenas um duplo? A alegria da Grande-Saúde aparece como
júbilo, mas também como suspeita acerca da repetição etc.
Das palavras de ordem chegamos ao ritornelo. Manos por que teríamos ido das
causas justas aos slogans, destes aos gritos e daí mergulhado nas construções nômades e
efêmeras de territórios pelos pássaros. Bem mais em função do deslocamento de um
modelo indivíduo sociedade (traço ou marca agem fazendo signos) para um regime de
expressão de coletivos não-antropocentricos – marca ou traço já são agenciamentos. Ele
marca-demarca-remarca um território efêmero e provisório a partir de um centro em
deslocamento ou perpétuo desequilíbrio. A montante, o ritornelo vem pela disseminação-
estratificação dos devires, e vai desembocar a jusante, nos regimes de captura em torno
da máquina-de-guerra.
Cabe adotar intercessores. Intercessores são xerimbabos. Tomamos como
exemplos para discussão: o grande vidro de marcel duchamp e os invisíveis da Linemann
(versão coluna), assim como as fotografias de transe xamanico yanomami por claudia
andujar, uma fotografia da fábrica de água mineral caxambu, um canto extemporâneo de
passarinhos na noite de Santa Clara Poltergeist. Os desenhos dos xamãs comentam
fotografias, mas sobretudo desterritorializam imagens da floresta: exorcisam a intersecção
da estrada transamazônica com a Amazônia-jardim-de-Omama.
Os conflitos de território, ocupação, nação existentes desde a invasão dos mundos
ameríndios e hoje acirrados pela catástrofe climática e pela comodificação das atividades
agrícolas, pastoris e extrativas trazem para a cena guerras ou acordos com inúmeros
atores-actantes-agenciamentos em um estranho ballet. Um pensamento que rompe com
o senso comum do contrato social e da origem do estado, tematizando desterritorialização
e territorialização concomitantes nos traz promessas.
Sabemos o quanto a geografia foi importante para a ecologia política. Em ambas,
entretanto, ronda o espectro do espaço forma-pura, adequado ao Universo infinito, porém
cada vez mais distante dos multiversos, mundos imprecisos, cosmogonias e cosmologias
autóctones que não se calaram acerca da Terra. Sendo não-modernos justificamos o slogan
de que jamais fomos modernos no intuito de encantar (a)os pós-modernos.
A etnomatemática e uma pletora de etnografias dos americanistas e oceanistas vem
chamando a atenção para a gênese do espaço no pensamento selvagem. Quando
admitimos matemáticas intuicionistas com Brouwer e Heyting, por exemplo, estamos nos
aproximando do pensamento selvagem cujo rendimento lógico não pratica engenharia
nem cálculo. Ainda que se possa admitir muitas questões geométricas (nas inúmeras etnias
e algumas civilizações ameríndias), interessa ainda mais entender que distintas
apropriações do espaço e do território misturam-se. Esta tradução e sua antropologia
reversa, bem além da escola indígena aponta para lugares, topologias, tranças, ritornelos,
agenciamentos-sonho, agenciamentos-mito, xamanismos transversais, etc... Uma teoria
do território não antropocêntrica e da espacialização não-euclidiana verifica-se no
ritornelo. Ela não é somente não-quantitativa, mas talvez seja ainda anti-quantitativa, -
206

matemáticas pós-qualitativas e intensivas. Aonde o impensável não é uma questão de


escala sensível ou de proposição formal, mas de acontecimento, gagueira e perversão.

Palavras-chave: Águas; Canibalismo; Cosmopolíticas; Espaço; Matemáticas; Máquinas;


Nomadismo; Perspectivismo.
207

SÉRIES, MÁQUINAS E A PERSISTÊNCIA DO INVISÍVEL1

Ana Linnemman
analinnemann@gmail.com

Em La mariée mise à nu par ses celibataires, même — ou m’aime —Duchamp utiliza


a relação de duplo sentido do trocadilho como um recurso para esvaziar significações pré-
estabelecidas, como em tantos outros de seus títulos. Mesmo a definição (subtítulo) que
deu a esse trabalho, “atraso em vidro” (retard en verre) foi na direção de perturbar o seu
reconhecimento como pintura: é somente uma questão de deixar de ver a coisa como um
quadro — de fazer um “atraso” dela no modo mais geral possível, recorrendo não tanto
aos diferentes sentidos em que se pode entender a palavra “atraso”, mas a totalidade deles
com sua carga de indecisão”.
O grande vidro afirmava a atitude estética duchampiana: precisão da concepção,
assepsia da execução, engajamento distanciado do mundo, ausência de subjetividade,
prazer do calculo total da operação (tão grande que suas anotações viraram trabalhos em
si, a caixa verde e a caixa valise). Iniciado em 1915 e “desistido“ em 1923, Duchamp referia-
se ao Grande Vidro como hilariante. Calvim Tomkins se refere a ele como uma comédia
sexual. Segundo Duchamp, a peça foi concebida como um objeto em 4 dimensões, que
projetaria em nosso mundo tridimensional a sua sombra.
A ideia da quarta dimensão interessou muito a Duchamp. A esse respeito, Duchamp
cita o autor do livro “Viagem ao país da quarta dimensão”, Pawlowski, dizendo que
“[s]implesmente tive a ideia de uma projeção, de uma grande dimensão invisível, pois não
se pode vê-la com os olhos. Como achava que se podia fazer uma sombra projetada de uma
coisa de 3 dimensões, um objeto qualquer — como a projeção do sol sobre a terra faz uma
de duas dimensões — por analogia simplesmente intelectual a quarta dimensão poderia
projetar um objeto de três dimensões, em outras palavras, que todo objeto de três
dimensões, que vemos com indiferença, é uma projeção de quatro dimensões que não
conhecemos. Era meio que um sofisma, mas enfim, era uma coisa possível. Foi nisso que
baseei a noiva no Grande Vidro, como um objeto de quatro dimensões”.
O desenho era esquemático, sem toques pessoais. Distanciado e sem
expressividade, esse traçado adequa-se à representação de movimento no vidro,
maquínica, técnica. É mental o acionamento da máquina que vai colocar a noiva e os seus
pretendentes em contato, da mesma forma que a movimentação das peças em um jogo de
xadrez envolve a antecipação de uma rede de outras movimentações. Poderiamos falar de
uma máquina estruturada por um mecanismo mental. “Uma partida de xadrez é uma coisa
visual plástica, e se não é geométrica no sentido estático da palavra, é mecânica, desde que
se move, é um desenho, é uma realidade mecânica. As peças não são belas por elas
mesmas, assim como a forma do fogo, mas o que é belo — se a palavra belo pode ser usada
— é o movimento. No xadrez, existem, sem dúvida, coisas extremamente belas no domínio
do movimento, mas não no domínio visual. Imaginar o movimento ou o gesto é que faz a
beleza neste caso. Está completamente dentro da massa cinzenta.” O vidro está dividido
em duas partes que funcionam por eletricidade. A superior pertence à noiva, a inferior
pertence aos celibatários.
A mecânica da parte inferior:
1
Texto da composição Rotornelos.
208

Os trabalhos eróticos dos celibatários são alimentados pela agua que cai e por gás
natural. A queda d’agua nunca foi executada mas exerce sua ação invisível, e o gás é
fornecido mas escapa pelas aberturas, onde se solidifica. Viram então lantejoulas de gás
congelado, mais leves que o ar. Passam pelos furos das peneiras e ficam confusas, perdem
a individualidade e passam ao estado líquido. Sugadas através do arco de peneiras por uma
bomba borboleta, chegam às rampas de drenagem, descem por um tobogã e acabam na
região do esguicho. Enquanto isso, outros elementos da maquina movem-se
sorrateiramente, soltando gemidos.
A mecânica da parte superior:
Aqui a descrição de Tomkins, entremeada de citações de Duchamp: “A noiva é
movida pela gasolina do amor (uma secreção de suas glândulas sexuais)”, que é inflamada
por um motor de dois tempos. O primeiro tempo é o da explosão produzida pelos
celibatários por meio de um desnudamento elétrico cujo funcionamento é comparável,
segundo Duchamp, “a um carro que sobe uma ladeira em marcha lenta […] Aos poucos o
carro começa a acelerar e, como se consumido pela esperança, vai se tornando mais rápido
até roncar tiunfantemente”. O segundo tempo é provocado pelas faíscas do próprio
“magneto-desejo” da noiva. Embora Duchamp sugira, confusamente, que o desnudamento
efetuado pelo elétrico “controla” os arroubos sexuais da noiva, ele deixa claro que é a noiva
que tem pleno controle. Ela aceita o “desnudamento efetuado pelos celibatários e vai além,
em sua total nudez quando acrescenta ao seu primeiro foco de faíscas (o desnudamento
elétrico) o segundo foco do magneto-desejo”. A noção de uma força feminina misteriosa,
que é ao mesmo tempo passiva (permissiva) e ativa (fundada no desejo).
Como no grande vidro, é o movimento o que nos interessa. O movimento aberrante,
especialmente do invisível. A partir de uma série de obras, intervenções e exposições
realizadas por Ana Linnemann, busca-se tematizar a questão da máquina em sua relação
com a visibilidade, visão e evidência. A série Os Invisíveis, de Linnemann, trata de objetos
que, invisíveis por sua própria banalidade, são motorizados e submetidos a curtas e
discretas performances. Diante dessas peças, o foco que é normalmente reservado a
objetos de arte desliza para o canto do olho, que pode ser perturbado pelo seu movimento
inesperado. Nem todos o notam, mas os que notam suspeitam, tornando-se alertas como
um caçador à espreita da presa pressentida, mas não exatamente detectada. A experiência
de ter um pensamento acionado pelo olho implica na invenção desses ativadores mentais.
Em Os Invisíveis, o tempo perde sua circularidade para enfatiza-la em seguida. Se naquele
primeiro momento o tempo vira fenda, com a continuidade o espaço torna-se um relógio
e sua própria paródia.
Uma certa vocação do mecanismo (em contraposição às máquinas nômades) será
discutida utilizando como referência a coluna construída para a exposição do MAR-RJ, em
2017.

Palavras-chave: Águas; Canibalismo; Cosmopolíticas; Espaço; Matemáticas; Máquinas;


Nomadismo; Perspectivismo.
209

OS YANOMAMI E SUAS PALAVRAS: SOBRE CANTOS, DISCURSOS, DOCUMENTOS1

Marcelo Moura
PPGAS-UFRJ
mouramarcelosilva@gmail.com

Os Yanomami, habitantes da terra-floresta (urihi), atuam e participam em


diferentes patamares cósmicos através de suas palavras, cantadas, ditas ou escritas. A
vocalização de forças visíveis e invisíveis é o principal instrumento para a atualização do
cosmos e da luta pela existência da/na terra. A cura xamânica, as negociações na aldeia e
os dissensos com o Estado estão em relação de continuidade intensiva dada as capacidades
do corpo e as potências da fala/canto em atravessar e refazer múltiplas fronteiras. A
intenção aqui é, ao dar centralidade aos procedimentos de fala e a polifonia, acompanhar
os Yanomami nos campos da tradução e negociação que atualizam para habitarem,
saudáveis, no/com o cosmos.
Nosso foco são as transformações ativadas nas dinâmicas do relacionamento
político em que estão envolvidos os Yanomami, tanto na floresta como nas cidades, onde
podemos observar as interações e inovações do espaço político yanomami diante dos
efeitos do contato com o universo político dos napë (brancos). Atualmente, os Yanomami
convivem com dois registros de pensamento e de prática política que se desenrolam
cotidianamente em uma rede de relações e espaços de atuação distintos, conectando as
dinâmicas da política napë e Yanomami. Trata-se de um ambiente complexo e criativo que
entrelaça, de um lado, os discursos dos chefes, os cantos xamânicos, e de outro, as reuniões
de articulação política e seus momentos de fala, discussão e assembleia, a produção de
documentos escritos e a organização de associações e seu papel enquanto representantes
na relação com o Estado. A intenção é a de revelar os elementos constantes e variáveis (e
o modo como estes variam) na comunicação entre os elementos da politica napë e
yanomami, mapeando os contextos e a alternância entre tais registros nos espaços onde
atuam os Yanomami.
Esses espaços se entrelaçam e se sobrepõem, alternando-se em um ambiente onde
atuam uma miríade de personagens: lideranças tradicionais, jovens professores,
enfermeiros e técnicos de saúde napë, xamãs e os espíritos da floresta, representantes das
associações indígenas e burocratas do governo. São ambientes de mediação e negociação
que buscam trabalhar ao redor de desentendimentos, dissensos, incompreensões e
equívocos em diferentes modulações relacionais, em contextos onde o problema de fundo
que perpassa as questões particulares é aquele da diferença.
Procuramos destacar no universo mítico, nas relações dos xamãs com seus
espíritos, dos chefes com seus grupos, dos grupos com seus representantes e dos
representantes com o Estado, a centralidade dada a fala pelos Yanomami. Queremos
apontar para o modo como uma filosofia política propriamente yanomami estabelece um
ambiente de diferenças e fronteiras onde as múltiplas modulações de Humanidade se
territorializam, se definem e se relacionam por suas línguas. Arrisco-me ao dizer que a
teoria política yanomami - antes que uma teoria sobre poder/controle ou
autonomia/dispersão - é uma teoria da comunicação, dos modos de fala, do tipo de agência
que deles emergem e da possibilidade de imprimir-lhes eficácia: é preciso, através da fala,
1
Texto da composição Rotornelos.
210

negociar pensamentos, posições, desejos. A possibilidade de estabelecer canais de


comunicação é a possibilidade de contornar fissuras e conflitos e o sofrimento que deles
decorrem.
Mas ao dizerem sobre o Mundo os Yanomami, e com eles outros povos amazônicos,
nos falam sobre qualquer outra coisa que não permanência e rigidez. A maleabilidade, a
tradução e os procedimentos de sintonização nas diferentes modulações de Humanidade
pelo corpo e pela fala são os métodos privilegiados para habitar um espaço onde a
transformação é a regra do jogo. Desse modo, resta aos corpos políticos se habilitarem e
se potencializarem nas negociações imprescindíveis nesse ambiente. A capacidade de
cruzar tais fronteiras, de estabelecer conexões bestiais e inovações disrruptivas é o que
garante aos Yanomami o lugar de agentes e construtores de mundo.
A comunicação, aqui, é assunto para estabelecer limites e diferenças, mas, ao
mesmo tempo, é o campo privilegiado de cruzar liames e proceder aproximações e
identificações. Nesse propósito, queremos tratar do modo como o corpo e a língua se
atualizam no ambiente político. Nosso ponto de partida será aquele do pensamento
Yanomami: nos mitos que narram o surgimento dos povos, das diferenças e das palavras;
nos cantos xamânicos e a guerra espiritual pela cura; os discursos noturnos (hereamuu) dos
chefes no centro da aldeia; e nos documentos escritos ao Estado. Variações de um mesmo
tema: a potência polifônica da fala como modo de habitar o mundo.

Palavras-chave: Águas; Canibalismo; Cosmopolíticas; Espaço; Matemáticas; Máquinas;


Nomadismo; Perspectivismo.
211

MÁQUINAS DE GUERRA, INTENTOS DE PRODUZIR ESCRITAS A N-1

Marcela Bautista Nuñez


Universidade Federal de Santa Maria
marcelachemy@gmail.com

Marilda Oliveira de Oliveira


Universidade Federal de santa Maria
marildaoliveira27@gmail.com

As seguintes linhas problematizam intentos de escritas que escapam da captura


pelas estruturas que aprisionam o pesquisar em meio a vida, potencializando linhas de fuga
rizomáticas adversas à totalidade. Pode-se dizer que nosso pensamento e desejos, tais
como os que compelem a pesquisa, se movimentam horizontalmente e se produzem
rizomaticamente. Rizomas que concomitantemente deixam-se afetar por diversas
intensidades e linhas, oriundas do desejar, dos trajetos do pesquisar e da vida. Sempre
criando conexões, conexões nunca iguais. Na pesquisa, ao romper linearidades,
cronologias, produzimos escritas-intentos de fazer o múltiplo, de tirar do múltiplo o que
nos une, produzindo escritas a n-1. Liberar as palavras do significante, a vida e os desejos.
Dobrar as palavras e extrair-lhes sopros de vidas de um bando.
Este ensaio produz linhas acerca de um grupo que pesquisa e escreve em processo
de partilha, que trama e compõe planos moventes justapostos, permeados pelas filosofias
da diferença, pela educação e pela arte. Um grupo composto por mosaicos de desejos
heterogêneos, que têm como objetivo principal a leitura coletiva das escritas produzidas
acerca das investigações em andamento, de modo a compartilhar dúvidas, anseios,
caminhos e problematizações. Os Encontros de Orientação Coletiva (EOC) acontecem
desde 2007 com o grupo de orientandos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Linha de Pesquisa LP4 – Educação e Artes da
Universidade Federal de Santa Maria.
O modo como o trabalho é realizado nos EOC potencializa o andejar de cada
estudante-pesquisador/a, pois provoca-nos a pensar com o outro e não como o outro
(DELEUZE, 2010), à guisa de pensar junto às filosofias da diferença, cada um/uma têm
experienciado sua singularidade. Esboçamos assim possibilidades de criação, produzindo
sentidos junto às imagens, às coisas e ao pesquisar e escrever num plano em continuo
movimento.
Neste plano movente de pesquisar e escrever parece sempre haver um intervalo
entre o desejo e o fato, nem sempre escrevemos aquilo que pensamos ou queremos dizer.
Escrevemos para de algum modo dobrar a língua. Escrevemos composições de sensações
para sensibilizar as forças que nos arrebatam durante a pesquisa e durante a vida.
Escrevemos e provocamos contágios entre heterogêneos, cortamos fluxos, produzimos
fugas. Escrevemos, porém não somos os donos do que escrevemos. Toda escrita é um
contágio de outra escrita. Destarte, linhas tensionam esse trajeto: como manter a
singularidade da escrita quando se produz junto a um coletivo? Como deixar-se contagiar
pelo outro, sem fazer das escolhas deles às nossas? Tais questionamentos nos desafiam e
movimentam a pensar não somente no específico espaço dos EOC, mas também faz com
que criemos pontes com diferentes territórios de vizinhança, de modo a que as máquinas
212

desejantes possuem um poder de criar conexões ilimitadas, linhas que avançam em


infinitas direções e estruturas (DELEUZE; GUATTARI, 2014).
Nossos desejos por determinados assuntos contaminam os lugares que
provisoriamente fazemos morada ao nos lançarmos a pesquisar. Máquinas que desejam,
não funcionam nem produzem sozinhas, pois toda máquina que deseja se alimenta de uma
outra máquina desejante, sempre em contaminação. Como uma conversa (DELEUZE,
PARNET, 1998), onde o roubo mobiliza a criação pela aliança ou avizinhamento com o
outro, uma máquina posta em funcionamento ao escrevermos, provocando pandemias de
vida. Máquinas de guerra que rompem ordens a priori, que desarranjam territórios
inabaláveis com seus desejos operantes, cortes e intensidades.
O fluxo, que é desejo, intensidade, nunca se detém na produção de acoplamentos
em fluxos contínuos, de modo a que são sempre conexões parciais. E nesse movimento
contínuo são possíveis as conexões múltiplas, que possibilitam a criação. Nesses intentos
de dobrar as palavras, a língua, as coisas, eis onde são produzidos os vazamentos, as
rupturas e desarranjos de territórios de terra firme. Ao desejar produzimos constelações
sem fronteiras, em devir. Intentando sempre desviar da invariabilidade para criar o plural
e romper com a centralidade. Nesses intentos e esforços de sobrevivência, produzimos
respiros, pesquisas, investigações, escritas e possíveis relações com as mais diversificadas
instâncias, fazendo existir modos outros de existências nos mais variados lugares
movediços. Vivenciando assim acontecimentos rizomáticos expelidos na singularidade,
existências a n-1.

Palavras-chave: Escrita; Máquinas de guerra; Pesquisa.


213

ESCRITURA E SEU COMBATE: A FOLHA EM BRANCO

Sônia Regina da Luz Matos


UCS
srlmatos@ucs.br

Roger Andrei de Castro Vasconcelos


UCS
roger@rogercastroeventos.com.br

Michel Mendes
UCS
mmendes1@ucs.br

Camila Fátima Cavion


UCS
cfcavion@gmail.com

deu pra desaparecer


foi o vento
protesto idiota! Riso solto
era abundante
era fome.
roendo
pelo lado de fora
não era
que fosse um anjo
em cima de uma pedra
nas portas
subindo a ladeira
vinha
Ai que sua dor1!

1. Escrevo agora, a visão é, papel e tinta, sobre o papel. O branco, é papel yserías
atauriques y moçárabes de papel. Não deveriam senão a cutícula, do tempo, a lúnula da
unha do tempo, e por isso, escuro, e por isso, escravo, roo a unha do tempo até o sabugo,
do refugo, até o sugo e não resgo. A língua ser linguante caminha nas cordas sabendo do
não saber do tentar fazer estilando estilizando estilendo a palavrice menor do canto que
canta coisas e coisices nascedouras das nascentes não do uno.
2. Assim os textos surgem, da vida em meio ao Seminário de Tópicos Especiais:
Escritura e seu Combate – a folha em branco2, em 2019. O combate se afadiga pelos ensaios

1
Escritura produzida durante uma das aulas do Seminário a partir experimentações de poemas variados de
Manoel de Barros (1997).
2
Seminário oferecido durante o primeiro semestre de 2019 no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Caxias do Sul, para alunos de Mestrado e Doutorado, mediado pela Prof. Dra. Sônia Regina
da Luz Matos.
214

junto ao repertório de alguns textos de Gilles Deleuze, Roland Barthes, Haroldo de Campos
e Manoel de Barros, rasgando, aos poucos, a experimentação da folha em branco. Do
combate, o trágico da folha em branco: ela sempre carrega os clichês. Combate-se os
clichês, as metanarrativas, a verdade, a repetição do mesmo. Escreve-se para vazar vida:
vida-tese, vida-dissertação, vida-estudante. Escreve-se em meio à vida, outro combate.
Escrivida com experimentação escrita e leitura ensaística, traço, fragmento e fabulação.
3. A escrita, atravessada pela filosofia da diferença, sugere uma forte presença de
movimentos de violência. O texto é, antes de tudo, político: embrenhado em regimes de
signos, sujeito à interpretoses infinitas, mergulhado em agenciamentos e ator de uma
língua múltipla e cambiante. Uma escrita de caráter combate, resistência, uma escrita-
devir. Frente à variação dominante de língua na academia, dão sopros de resistência as
formas menores de expressão. Tomando Deleuze e Guattari (2011), a língua somente
subjugada aos seus regimes formais e maiores perde possibilidade de potência, vetando a
diferença; por outro lado, o trabalho naquela própria língua com fim de elevá-la a sua
potência expressiva abre possibilidades para que a língua seja explorada de maneiras não
antes consideradas; uma língua elevada a sua potência; uma escrita potente.
4. Em termos conceituais, escritura e escrita contornam significados distintos,
havendo na primeira um toque de sensibilidade, talvez um clamor artístico, pois esta
desenvolve a criação, retratando novas línguas e trazendo elementos terceiros para
construção de histórias ou palavras, enquanto a segunda caracteriza-se por ser mais rígida,
com destaque para o seu teor linguístico, principalmente, o falar sobre algo ou alguém.
5. O nobre evento, também convida a fazer devorações sugeridas pelos conceitos que faz
cena de escrita-vida: “para liberar a vida aí onde ela foi aprisionada” (uma das frases-
clichês, que atormentamos Deleuze e Deleuze/Guattari). Uma escrita que se estica para
expressar as intensidades, afinal: “Escrever é talvez trazer à luz esse agenciamento do
inconsciente, selecionar as vozes sussurrantes, convocar as tribos e os idiomas secretos, de
onde extraio algo que denomino Eu [Moi]. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p.18).
6. Na presente ausência deles: COSTA, Luciano Bedin da. Ainda escrever: 58 combates para
uma política do Texto. São Paulo: Lumme Editor, 2017. BARTHES, Roland. Novos Ensaios
Críticos. O Grau Zero da Escritura (1972/ 1953). São Paulo: Cultrix, 1974. DELEUZE, Gilles;
GUATTARI, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 2. 2. ed. Tradução de Ana
Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão – Rio de Janeiro: Editora 34, 2011. DELEUZE, Gilles.
Kafka: por uma literatura menor; Tradução de Rafael Godinho. Rio de Janeiro: Editora
Assírio & Alvim, 2003. BARROS, Manoel de. Livro sobre o nada. 4ª. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1997. 85 p. - a folha em branco cria sua própria tragédia.

Palavras-chave: Besta-da-Escrita-Acadêmica; Experiências-com-Escrita; Vida-Fabulação.


215

DEVIR VEGETAL: EXPERIMENTAÇÕES COM UM CORPO – PLANTA – ESCRITA

Gabriela de Sousa Tóffoli


UFPR
gabrielatoffoli@gmail.com

Kátia Maria Kasper


UFPR
katiakasper@uol.com.br

Este texto traz um recorte dos processos de uma pesquisa de mestrado concluída
em fevereiro de 2019, envolvendo a cartografia (ROLNIK, 2007) de hortas urbanas em
Curitiba e a criação de modos de vida minoritários.
Ao cartografar esses processos, passei a perambular pela cidade em busca de
inutilidades, em busca da coexistência com os tropeços, com as incertezas. O que, também,
alinhava esta escrita. Cultivo do olhar. Deparar-se com a cidade das sarjetas, com o inútil,
com os cacos e as demolições, e, no encontro com as hortas, o convite ao inútil seguia como
companhia. Deixar-se levar por canteiros que insinuavam caminhos. Propunham desvios.
Reconheço as ervas daninhas ultrapassando os limites, desrespeitando os espaços
determinados, conectando-se em subsolo. Rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Travo
conversas com babosas, confrei, alecrim, Dona Jasti, Deleuze, Guattari e o sabiá. Seres que
vêm habitar um desejo de escrita mineral, vegetal, inumana. Permeável. Disponível.
Intensidades, movimentos, texturas e temperaturas. Interessam os processos de
diferenciação em movimento molecular. Marcas na escrita e na pesquisadora que, aberta
aos afetos que pedem passagem, busca as linhas de fuga que possam produzir variações
(ROLNIK, 2016).
É preciso estar infinitamente.
***
Erva doce
Desde menina fazia suas próprias vassouras de piaçava. Sua mãe chamava a pobre planta
de vai-tudo. Ia até o caule e puxava as fibras que iam soltando. Amarravam as pequenas
vassourinhas e depois tudo junto virava um grande feito. A fibra era a que melhor varria as
folhas secas na varanda.
Vai ver é porquê elas já se conheciam.
***
Presenças cultivadas. Deixar ir. Conservar incertezas. Pensando com modos de existir
vegetal, outros corpos, ativando um devir-planta. Mas como? Vislumbrar outros mundos.
Deixar fluir aquilo que escapa do viés antropocêntrico, que organiza e hierarquiza as vidas
no planeta a partir dessa referência. Mais um processo de experimentação. Criar com o
que absorve o próprio alimento. Fotossintetizar. Alterar formatos, bricolar.
Silêncios. Um corpo disponível, modificado a todo momento pelo que chega e o que vai.
Inviável a distinção entre fora e dentro, entre um eu e um outro. Fusão com o mundo.
Anuncio de ventania. Corpo fluido.
Os vegetais convidam à sensibilidade, o que escapa da necessidade de desvendar e
conceituar, das análises cognitivas e que buscam agrupar e delimitar e explicar. O desejo
216

anuncia a busca por uma linguagem trans que crie por associação, linguagem
acontecimento.
Com Emanuele Coccia (2018), o encontro com uma racionalidade que não se opõe a um
corpo, que não é da ordem da consciência ou do eu. Ela se estende à totalidade dos órgãos,
à totalidade do corpo: a racionalidade do mundo não se traduz em sistema nervoso, mas
como algo que anima de dentro toda porção de matéria.
***
Angélica
Ela gostava da janela
Quando escrevia, juntava a poltrona ficando com os joelhos abaixo do parapeito.
O caderno no colo fazia suar as coxas. Orvalho.
Era tudo sobre água, no fim.

Tinha um horizonte dividido em cenas e planos. Escrevia morta de medo da distinção


exploratória. Da totalização dos seus horizontes e sensações
Os tomates ao longe exibiam sua madures.
Saiu correndo
Para inspiração
A insônia viria dos tomates, ela previa.
***
Aproximar-se dos modos de existência vegetal, numa experimentação de escrita que se
entende como ato ético, estético e político e que convoca saberes outros. E no ato de
instaurar, fazer ver, autorizar existências que estão em potência de criação (LAPOUJADE,
2017). Instaurando outros mundos possíveis. Como o devir – vegetal pode nos ajudar a
pensar as relações no mundo, biopoderes e os modos de existência que escapam da ordem
clássica normativa? O que se propõe aqui é a experimentação de um corpo escritora
afetado por outros seres, que opera a partir de movimentos e fluidos. Estados vegetativos
de escrita. Deslocamentos.
Outros tempos, demoras e intempéries importam, composições inorgânicas, vivas,
minerais. Como se dá essa escrita que acolhe ninhos, que é casa e alimento, que coexiste
com parasitas, perde suas folhas e gesta? Que gesta vida nas condições mais adversas?
***
Losna
Era virada em estrelas. As vezes sentia que sua pele se confundia com aqueles pontos
refletidos. Mesclada com o céu mantinha-se parada, estática, respiração controlada pra
não balançar. Os pés enraizavam o chão à espera do vento.
Era um dia quente e nenhuma brisa alcançava nenhum pêlo.
***
Composições com esse corpo planta vivenciados na criação de um inventário botânico
afetivo, que se decompõe a todo momento e sugere outros tantos. Tempos vegetais.
Microrganismos tomam conta de um corpo-planta-escrita e imprimem os tons de cinza
amarronado, pontos brancos e bolor. Vivenciar os processos de “vir a ser” dos vegetais.
Penetrar.
***
Sálvia
Às vezes experimentava coisas estranhas
217

Deitava no tapete e fechava olhos e ouvidos


Seu coração fazia tanto barulho
que ela despertava do sono vegetal

Como é que o mar acolhe os rios que


chegam depois de um grande percurso, ein?

Palavras-chave: Corpo; Escrita; Vegetal.


218

COLETIVO DE CRIAÇÃO GRUPONHO: POLÍTICA DE TAMBORES

Cristian Polleti Mossi


Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
cristianmossi@gmail.com

Francieli Regina Garlet


Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
francieligarlet@yahoo.com.br

Marilda Oliveira de Oliveira


Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
marildaoliveira27@gmail.com

Vivien Kelling Cardonetti


Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
vicardonetti@gmail.com

Encontros. Corpos/mãos que escrevem em meio à vida... Coletivo que, em


revezamentos, faz funcionar uma potência percussionada (BASBAUM, 2017) com
ressonâncias de quatro pares de mãos (atravessadas também por muitos outros
corpos/pensamentos), que ensaiam, performam, improvisam leituras e experiências
educativas. E vida, e escritas, e imagens, e...
Este trabalho almeja expor um pouco da experiência de criação via escrita e imagens
que os autores têm se proposto no traçado de um plano de pensamento em ação que se
configura como um coletivo, chamado GrupOnho, o qual tem se dedicado a produzir
academicamente no campo da educação, atravessado especialmente por conceitos,
perceptos e afectos advindos da filosofia e da arte (DELEUZE e GUATTARI, 1992).
À baila da discussão, nesta escrita operamos com o conceito de ‘percussão’
empreendido por Basbaum (2017), na perspectiva de um corpo que encontra outro corpo
e faz ressoar frequências, intensidades, pulsações e sonoridades como violências que
mobilizam a criar (escrever, pensar, falar, imaginar). Esses corpos que se encontram podem
ser pessoas, mas também textos, imagens, ideias, luminosidades, lampejos de cor...
Entende-se, portanto, que a escrita em revezamento ensaiada pelo GrupOnho
(onde cada par de mãos produz pulsações rítmicas a partir da superfície estendida pelo par
de mãos anterior), trata, talvez, de uma “política de tambores” (BASBAUM, 2017) que
sustenta um modo de vida em meio à pesquisa em educação.
Essa escrita-revezamento tem granjeado a potência no encontro, no ‘estar juntos’,
no tensionamento da partilha que produz uma pulsação rítmica de criação. Ao usufruir
dessa intensa artesania sonora, os quatro pares de mãos têm experienciado a
despersonificação dos autores, abrindo mão de um Eu formado, dono da palavra, para
entrar em um devir-todo-mundo (DELEUZE; GUATTARI, 2008), suscitando o emprego de
esforços na sobreposição e mistura de vozes, em vez de uma voz entoar mais alto.
Entretanto, essa polifonia não está preocupada na busca de um consenso
pacificador, trata-se, sim, de alianças que arrastam um e outro a ser diferente do que é. Ao
transitar desta forma, permite-se também compor com o desajuste, com a dissonância. E
219

é essa zona de vizinhança dissonante que tem sido explorada pelos corpos/mãos que
compõem o coletivo de criação Grup0nho, atentando para o que esta experiência intensiva
pode impelir a fulguração de outras possibilidades de se movimentar em meio às palavras,
às imagens, à prática educativa, à pesquisa, à vida...
Para tanto, algumas questões mobilizadoras têm acompanhado as produções desse
coletivo: Como fazer emergir entre as palavras da escrita acadêmica outras sonoridades?
Como povoar a leitura, a escrita e a imagem de possibilidades, distanciando-se da
informação, do relato, da representação e daquilo que faz cantar sempre em uníssono?
Como potencializar a escrita de forma que ela se torne experimentação e o leitor consiga
entoar outros timbres e inflexões com ela e para além dela? Que ritmos e sonidos podem
ser criados, acionados, no encontro/entrechoque de corpos-palavras, corpos-imagens,
corpos-existências?
Escrevemos, portanto, com aquilo que nos convida a mantermos um corpo-a-corpo
com a escrita, com a leitura, com as imagens, com o que mobiliza essas três potências a
entrarem em outras possibilidades performativas, possibilidades que nunca se sabem
antes do encontro. Encontro talvez seja a palavra-chave aqui, pois, é no encontro que
corpos-escritas, corpos-imagens, corpos-existências podem percussionar um ritmo ainda
não experimentado fazendo funcionar uma ‘política de tambores’ (BASBAUM, 2017).
Basbaum opera com esse termo para pensar os encontros entre corpos/pensamento e a
arte contemporânea, entretanto, nesse texto, rouba-se o termo para pensa-lo junto ao que
tem nos mobilizado, enquanto coletivo, a escrever e criar em meio à vida… Basbaum
menciona que “onde há ritmo, algo se torna público”. Quando algo toca, afeta1 um
corpo/pensamento, há ressonância, pulsação rítmica. Podemos dizer aqui, então,
roubando esse termo de Basbaum, que são as pulsações, ressonâncias ocasionadas pelos
encontros, que imantam essa coletividade de escrita do grupo, cujos integrantes vão, ao
mesmo tempo, modificando-se na pulsação rítmica do revezamento de suas leituras,
escritas e imagens.

Palavras-chave: Coletivo de Criação GrupOnho; Escrita-Revezamento; Percussão.

1
O afeto é pensado aqui como variações nas potências de existir que se dão a partir dos encontros (SPINOZA,
2016). Também é entendido como “um modo de pensamento não representativo”, ou seja, como algo que
aciona devires (DELEUZE, 1976, online).
220

PERFORMANCES COTIDIANAS: CORPOS, MÁQUINAS E INVENÇÃO DE VIDAS NAS


ESCOLAS

Ana Carolina Justiniano


UFES
anac.justiniano@gmail.com

E quanto a esse sopro de baleia, você pode estar em


pé, dentro dele, e ainda assim não saber com certeza
do que se trata...
(Moby Dick- Herman Melville, 1851)

Pensando no pescador na deriva, a noção de o corpo sem órgãos (DELEUZE;


GUATTARI 1996) nos provoca a problematizar a performance nas relações curriculares na
medida em que é o próprio corpo em devir que se deixa afetar pelo mundo, se deixa
atravessar por forças, metamorfoseando-se, fugindo da linearidade e atualizando-se a cada
instante. Como o CsO, a performance não está em trânsito: ocupa um espaço intersticial.
Neste trabalho, pensamos que os corpos nas escolas são as próprias performances,
pluralizadas nesta pesquisa porque que não se rendem a representações: pelo contrário,
povoam e criam fluxos. São da ordem do acontecimento; portanto, nesta aposta vêm
afirmar a força do involuntário na produção dos currículos para validar o sem fundo
(LAPOUJADE 2015).
Falamos aqui de performances que ocupam a terra de diferentes maneiras: como
nômades, investidas em rostidades de trabalhadores, jogadores, funkeiros, nerds,
marginalizados, patricinhas, professores e... todos os possíveis que se enredam nesses
cotidianos. Criação de vidas que desembocam numa língua outra, que por sua vez germina
um devir outro, estrangeiro, uma minoração delirante que cria sua própria sintaxe.
No rastro do pensamento de Deleuze e Guattari (1995), ao afirmarem que “o mar
como espaço liso é claramente um problema específico da máquina de guerra” (p. 19),
assumimos as escolas como espaços de proliferação de vidas em singularidades que
povoam o intermezzo. Lançamo-nos nesse mar-escola para pensar as relações curriculares
a partir dos movimentos que nos forçam todos os dias a deslizar e a navegar pelos
movimentos inesperados que são inerentes à agitação fecunda das escolas.
Nosso convite é de experimentar os cotidianos escolares e explorar fendas que
brotam nas relações de professores e alunos que produzem máquinas de guerra ao pulsar
formas de vida imprevistas, inesperadas, abertas, como o mapa: “conectável em todas as
suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber novas modificações
constantemente” (DELEUZE-GUATTARI, 1995, p. 22). Explorar e experimentar as
performances que nos arrastam a seres larvares, vidas pulsantes que produzem uma
educação como um mapa aberto: nunca pronta, plástica, que faz de si um mapa de
entradas múltiplas.
Assim como a vida nômade, as performances nas escolas são o intermezzo, que não
param de ser mobilizadas pelo trajeto. Resistem ao estriamento e não podem ser definidas
simplesmente pelo movimento: nas escolas elas distribuem, ocupam, habitam, crescem e
fazem crescer. Espraiam-se todos os dias ainda que sofram sucessivas tentativas de
sufocamento.
221

As performances de que falamos neste trabalho, como o nômade, são


desterritorializadas por excelência e constituem uma nova terra. São, portanto, máquinas
de guerra que se fazem valer pela voz do aluno que acontece entre o nômade e o régio:
deslizantes, movediças, fronteiriças. São máquinas cujas formas de exterioridade fazem
com que só existam nas suas próprias metamorfoses em fluxos correntes que não se
deixam apropriar. São destruidoras de clichês, que desmancham e fazem surgir mundos ao
mesmo tempo. Mundos que ‘não cabem’ na tradição e que nascem da tensão que
desestabiliza as subjetividades provocando inquietações e soprando performances que
oscilam entre várias micropolíticas.
Inspirados nesses intercessores, pensamos as performances como fluxos
‘marcados’ por forças diversas, ou seja, como máquinas de guerra que se atrelam a um
fazer e estar nômade. Assim como a máquina, as performances são marcadas por
conexões, fluxos de interesses, desejos e necessidades, e por agenciamentos que levam a
uma espécie de organização, numa composição de linhas que amarram e segmentam.
É por entre estas linhas que elas irrompem como forma de buscar fôlego e gerar
novas vidas. As performances constituem-se pela “capacidade de se converter em linha de
abolição” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 33), por não se limitarem ao movimento e se
expandirem à medida em que mudam as conexões. A destruição é o que resta à máquina
quando esta perde a potência de mudar, o que lhe confere um caráter nômade, que
também pode ser associado às performances e suas relações de exterioridade com as
multiplicidades. As performances, pensamos com Deleuze e Guattari (1996), são a
“vagabundagem de bando e o nomadismo do corpo” (p. 36), que o Estado se propõe a
vencer. Apresentam, pois, outra espécie, de outra natureza, de outra origem, num outro
espaço-tempo.
A propósito, nossa intenção ao pensar as performances nas escolas é de desconfiar
das categorias e problematizar as performances cotidianas que surgem como um convite a
validar pretensões sem fundo, tudo que não se encaixa, para nos defrontar com a ideia de
que não existe um onde se encaixar. Dito de outra forma, sugerimos pensar as
performances como proliferação de sentidos nos currículos tecidos em redes nos
cotidianos das escolas. Em face do turbilhão de desmontes e golpes que a educação vem
enfrentando é premente que nossas pesquisas potencializem as resistências que surgem a
partir dos agenciamentos e multiplicidades produzidos nas escolas como forma de agenciar
frente às políticas que tentam despotencializar a educação e as vidas nas escolas ao colocar
as singularidades sob a égide de uma categoria.

Palavras-chave: Corpo sem Órgãos; Máquina; Performances.


222

REPRESENTAR A INCLUSÃO? UMA PERSPECTIVA A PARTIR DA FILOSOFIA DA DIFERENÇA

Daniel de Raeffray Blanco Nascimento


Leped/FE/Unicamp
dan.rbnascimento@uol.com.br

SeiZo Vinicius Soares


Leped/FE/Unicamp
seizo71@gmail.com

O debate relativo à inclusão escolar está largamente associado, hoje, à questão da


Educação Especial e aos alunos que compõem seu público-alvo. Especificamente, falar em
uma educação para todos parece ativar nos interlocutores, imediatamente, referências
relativas às pessoas em situação de deficiência. Neste cenário, definições para exclusão,
segregação, integração e inclusão costumam emergir, sendo representadas sempre entre
dois termos: o lugar das pessoas sem deficiência em relação ao lugar das pessoas com
deficiência. Circula em debates acadêmicos e pelas redes sociais digitais, há alguns anos,
uma imagem que busca esquematizar tais definições por meio de símbolos largamente
aceitos em nossa sociedade para representar homens, mulheres e pessoas em situação de
deficiência. Fundamentados na filosofia da diferença, contudo, identificamos limites na
fundamentação teórica e nas consequências práticas desta representação. Ao sustentar a
definição de inclusão atrelado a identidades fixadas e prescritas - homens e mulheres de
um lado, pessoas com deficiência do outro - esta representação não pode dar conta da
univocidade dos seres, que não são definíveis ou resumíveis a tais identidades. Importante
tomar um pequeno desvio na argumentação para destacar este ponto: os corpos das
pessoas em situação de deficiência são representados como tão outros neste contexto que
não se associam a gêneros, diferentemente das pessoas sem deficiência. Retomando o
raciocínio que desenvolvíamos, entendemos que a representação que vem sendo proposta
não dá conta da definição de inclusão, estando associada, do ponto de vista segmentário,
à integração. A partir desta perspectiva desenhada em termos de limites teóricos e
práticos, podemos perceber que há consequências profundas que nascem nestas fronteiras
da representação, como trepadeiras espinhentas nas bordas de uma mata agonizante. Diz-
se que nosso tempo é o tempo da falência da representação, como tradução, como
simplificação, como simbologia esquematizante. A aceleração das mudanças, o rumo das
populações migratórias, a hipnose e a overdose da informação e da opinião, a escassez de
tempo. Ao nos referirmos aos limites da representação, falamos da representação clássica
que nos permite conhecer as coisas sempre de forma parcial e nunca a partir da diferença.
A representação não nos permite conhecer a singularidade de cada ser ou objeto, e serve
apenas ao reconhecimento, à recognição promovida por uma simpatia que nos cativa pela
identificação e pelo entendimento simplificados. O que se opõe a esta recognição provida
pela representação clássica é a intuição, o pensamento movente, nômade. Outras formas,
meios, e linguagens, enfim. Apenas por meio deste pensamento nômade, que se recusa a
limitar-se ao reconhecimento e à simpatia da generalização redutora das representações,
que não se limita a buscar identificações generalizantes, é que podemos dar espaço às
diferenças e as singularidades de cada ser, de cada objeto, de cada acontecimento. Os
limites teóricos e práticos da representação que apresentamos levam ao questionamento:
223

é possível, afinal, representar a inclusão? Em nossa pesquisa percebemos a urgência em


vazar estes limites, encontrar formas para estender nossos domínios de poder e de saber
para o além das criações de singularidades, nós, pessoas deste tempo. Partindo desta
análise, colocamos a pergunta apresentada há pouco em uma outra perspectiva conceitual,
em uma gramática-outra: como comunicar a inclusão escolar e, portanto, a diferença,
como plano de multiplicidades de multiplicidades, como irrepresentável e indomesticável?
Parece-nos que a arte e seus processos podem nos indicar caminhos se se puserem em
marcha não mais em termos teórico-práticos, e sim por um outro par: o da experiência e
do sentido. Como a experiência, a inclusão e a diferença são imprevisíveis, indomesticáveis,
multiplicativas. Os sentidos produzidos e produtores da inclusão não podem ser planejados
de antemão, ou reduzidos a certas categorias identitárias. Identificamos neste binômio-
outro a potência de máquina de guerra capaz de avançar sobre os domínios da identidade
territorializada, da integração que reduz o outro ao mesmo e àquilo que é recognoscível.
Como, contudo, difundir e comunicar a ideia da inclusão apresentada acima por meio da
arte, da experiência, e do sentido? É possível nos desvencilharmos dos limites da
representação e, ainda assim, comunicar algo compreensível? Talvez, sensível a um grande
número de pessoas? Não parece possível responder a tais inquietações neste espaço,
limitado pela língua escrita. Deixamos, porém, linhas que arriscam caminhos para que
reflitamos sobre estes incômodos. Parece-nos, mais do que nunca, que para construirmos
uma sociedade democrática, precisamos questionar nossas representações.

Palavras-chave: Inclusão Escolar; Filosofia da Diferença; Representação.


224

PRÁTICAS DE LIBERDADE NO ÂMBITO PEDAGÓGICO ATUAL: DISPUTAS DE CORRELAÇÃO


DE FORÇAS

Adriana Marcondes Machado


Universidade de São Paulo (USP)
adrimarcon@uol.com.br

Marcela Peters Cremasco Gonçalves


Universidade de São Paulo (USP)
marcela.peters.goncalves@gmail.com

Patrícia Peixoto Zapletal


Universidade de São Paulo (USP)
patriciazapletal@gmail.com

A escola propaga e produz maneiras de viver, pensar e agir. Diferentes práticas


discursivas atravessam o cotidiano convocando os corpos a modulações denominadas
ideais, normais, adequadas. Domina nesses efeitos processos de assujeitamento da vida,
contra os quais emergem questionamentos ao funcionamento do sistema escolar. Ideias
de liberdade estão presentes na base desses questionamentos, incitando-nos a
debruçarmos sobre a agonística presente na relação entre governo e liberdade. Para tal,
utilizaremos a noção de governamentalidade, forjada por Michel Foucault, a qual se
constitui como uma ferramenta analítica que nos permite romper com naturalizações
operantes e fazer a conexão entre o Estado e as práticas miúdas que vão reverberar em
modos de subjetivação. A presente comunicação oral tem por objetivo articular discussões
que partem dessa noção com questões dos campos investigativos de cada pesquisa
concluída: escola de tempo integral – se não se obtém os efeitos pretendidos pela
escolarização durante o período regular, aumentemos o tempo!; desescolarização – se
todo e qualquer arranjo sob a denominação escolar tem sido insuficiente e
contraproducente, desescolarizemos! A partir das discussões particulares, pretendemos
colocar em análise regimes de saber-poder e os modos de existência construídos. Tomando
como alvo analítico uma difundida estratégia indutora de ampliação do tempo de
permanência dos estudantes do Ensino Fundamental das escolas públicas brasileiras,
promovida pelo governo federal de 2007 a 2016, o Programa Mais Educação, a primeira
pesquisa problematiza forças e discursos neste Programa. O Programa é tomado como
campo de reflexão sobre o processo de pedagogização do social, permitindo explorar
como, ao se efetuar em uma proposta de ampliação da jornada das escolas públicas
brasileiras, tal processo implica efeitos produtivos na constituição de uma forma de pensar,
agir, e, no limite, de se relacionar com o mundo. A segunda pesquisa tem como campo de
investigação um coletivo que se instituiu em meio ao mote da desescolarização atuando
com crianças de zero a seis anos e tendo como palavras de ordem liberdade e autonomia.
Questiona-se as propostas de governo de si através de uma racionalidade de dominação
que embute nas pessoas um possível protagonismo de um eu que pensa, age e vive como
se estivesse impulsionado por desejos próprios e livres. Liberdade entendida, portanto,
como a possibilidade de fazermos escolhas pessoais e que desconsidera o quanto nossos
atos de escolha são governados, por exemplo, pelas normas científicas, pelos padrões de
225

consumo vigentes e pelos valores dominantes. No entanto, ao pensar a noção de liberdade


nas coordenadas da governamentalidade, esta não pode ser confundida com uma
liberdade intimizada, como empresariamento de si ou como autorregulatória, pois o
exercício da liberdade não se opõe ao poder. Entende-se que não basta estar fora da escola
para romper com as amarras de nosso tempo; ainda assim, os questionamentos e o que se
inventa nas práticas não escolares são expressão da potência de criação, resistência e
podem se constituir, tal como definem Deleuze e Guattari (2004), como máquina de guerra,
mantendo-nos em movimento e na disputa das correlações de força. Para além das
questões sociais e políticas que exigem posicionamentos a respeito do sistema público
regular de ensino, percebemos que não se trata da simples defesa por mais ou menos
tempo ou de um formato pedagógico específico que daria conta de dialogar e solucionar
os problemas da instituição escolar ou do mundo; trata-se, sim, das implicações sociais que
nos fazem defender uma ou outra prática em sua singularidade e das implicações imateriais
que nos convocam a buscar, em todas as formas possíveis, a construção de uma prática
educacional como exercício de liberdade. Disputamos, portanto, a própria concepção de
liberdade. Noção aqui defendida com inspirações espinosistas: criação, composição,
encontro de corpos que potencializa existências. Liberdade não como ausência de relações
e, sim, justamente como criação de relações e, portanto, como produção de escolhas
sempre implicadas. O exercício de análise das práticas discursivas afirma o campo de
pesquisa como ato político de criação de maneiras de existir e pensar.

Palavras-chave: ; Escola de Tempo Integral; Desescolarização; Liberdade.


226

FÉLIX GUATTARI: MÁQUINAS CONCRETAS E MÁQUINAS ABSTRATAS

André Campos de Camargo1


Unicamp
camargo.andre.campos@gmail.com

Desde sua primeira crítica universitária contra as visões mecanicistas atribuídas às


máquinas, passando pelo seu texto Máquina e Estrutura, percorrendo sua parceria
conceitual com Gilles Deleuze e indo até as suas últimas conferências realizadas no Brasil,
já na fase final de sua vida, Félix Guattari não parou de desenvolver e problematizar o
conceito de máquina.
Tal conceito não pode ser tomado como metáfora , apesar de se parecer com uma,
mas deve ser usado, segundo Guattari (1993, p. 41), como um instrumento que possibilita
atravessar à gigantesca cortina de ferro ontológica que separa o homem de um lado, e do
outro, os objetos, os diferentes conjuntos de máquinas e os demais seres vivos.
O conceito de máquina traz em si a ideia de produção, funcionalidade e associação,
uma vez que a máquina é todo agenciamento abstrato extraído das máquinas concretas
que se atualiza conforme a produção e a finalidade de seus agenciamentos. O homem
apenas “forma máquina”, a partir de ações bem determinadas, com outros elementos do
socius. Não há nem homem nem natureza, mas apenas o processo que produz um no outro
e acopla as máquinas.
Entre os grupos de maquínicos mais trabalhados pelo autor, destacam-se: as
máquinas técnicas, as sociais e as abstratas. Assim, pode-se dizer, simplificadamente, que:
1º) Por máquina técnica, compreende-se as ferramentas e máquinas construídas pelo
homem (martelos, canetas, carros, relógios, computadores, embarcações, videogames,
televisores, tanques de guerra, etc.); 2º) Por máquina social, as instituições (o sistema
capitalístico, o Estado, a cidade, a escola, o banco, o hospital, a caserna, o asilo, a igreja, a
prisão etc.); 3º) Por máquinas abstratas, os mais variados sistemas de fluxos semióticos
significantes e a-significantes (as línguas, os desenhos, as leis, as horas, as músicas, o valor
monetário, as linguagens informacionais, as expressões faciais e corporais, as tonalidades
da voz etc.).
As máquinas técnicas, para Guattari (1993, p. 41), sempre povoaram o imaginário
humano e a vida cotidiana das pessoas, não apenas como simples ferramentas ou
aparelhos que os auxiliam, mas como algo que seria para a subjetividade humana da ordem
de uma protossubjetividade. Tais focos de subjetivação existem porque o objeto técnico
não pode ser limitado à sua materialidade.
Para que uma série de gerações de máquinas técnicas possam subsistir,
determinadas relações sociais que sustentam as técnicas e tecnologias empregadas em sua
fabricação e seus valores e usos são retomados e modificados em diferentes épocas. A
protossubjetividade, nesse sentido, seria formada pelos resíduos imateriais, espécie de
códigos, acumulados historicamente que são acionados por meio de phylums maquínicos.
Eles permitem o aperfeiçoamento, a reutilização ou, em alguns casos, até mesmo o
esquecimento de determinadas máquinas técnicas. O código imaterial – ou
protossubjetividade – não passa de uma máquina abstrata acoplada à máquina técnica.

1
Graduado em História, mestre em Filosofia e História da Educação (UNICAMP) e Doutorando em Educação
(UNICAMP).
227

Se as máquinas técnicas são usadas pelos seres humanos para atingir um objetivo
predeterminado, as máquinas sociais usam os seres humanos como peças para a produção
de uma determinada realidade social. Essa lógica produtiva acaba conferindo às
instituições uma importância cabal na modelagem do corpo e da subjetividade. Enquanto
que o corpo ganha determinadas formas, conteúdos e expressões, dependendo da
máquina que se encontra inserido, a subjetividade é inundada por fluxos semióticos
axiomatizados pelo capital.
Se as máquinas técnicas e sociais colaboram com a consolidação das relações
sociais, as máquinas abstratas como fluxos semióticos são indispensáveis e de suma
importância para a atualização das diferentes máquinas e para a produção de
subjetividades. Os fluxos semióticos podem ser divididos e agrupados em: significantes e
a-significantes. Ambos operam no coração das atividades humanas criando consistências
subjetivas que fazem a passagem direta entre os estados de signos e os estados de coisas.
Para Guattari (2011, p. 112), esse “start”, realizado pela mescla semiótica dos fluxos, coloca
em funcionamento determinadas configurações da organização pessoal e interpessoal dos
indivíduos, das máquinas e dos demais seres vivos do socius.
Os fluxos semióticos a-significantes são percebidos por meio dos índices da bolsa
de valores, valor do dólar, gráficos de desemprego, conjuntos arquitetônicos, etc. Todas
eles não realizam discursos, mas induzem ações. Eles não agem como os signos
significantes que necessitam de outros signos referentes para se propagar em forma de
discurso, eles agem imediatamente sobre o comportamento dos indivíduos.
As semióticas a-significantes dependem quase sempre das semióticas significantes
para produzir sentidos, significações, interpretações, discursos, representações e
gramaticalidades. Até mesmo as sensações que emergem das relações a-significantes
devem ser traduzidas, interpretadas, compreendidas e reativadas por discursos de
normalidade.
As funções básicas de qualquer máquina são três: 1) toda máquina está relacionada
com os fluxos concretos e abstratos contínuos que ela corta; esses fluxos associativos
compõem os agenciamentos. 2) Toda máquina comporta uma espécie de código
protossubjetivo que se encontra encrostado nela, inseparável de sua própria composição.
Os códigos são signos legisladores que transmitem leis, condutas, regras morais etc., com
o objetivo de organizar as relações sociais. 3) Toda máquina quando corta um fluxo, acaba
gerando como decorrência de seu funcionamento um resíduo que faz aparecer um sujeito
adjacente ao seu produto. O sujeito nada mais é do que uma peça da máquina, ele é resíduo
de sua produção.
Como o desejo é produzido no interstício de um agenciamento, ele quase sempre
deixa de ser um elemento de transformação radical da realidade para cair nas significações
imobilizadoras e reprodutoras do sistema. Enquanto que as máquinas funcionam, as
estruturas significam. Em outras palavras, elas produzem representações capazes de
modelar o desejo para fazê-lo servir ao capital. Reorganizar o funcionamento das
máquinas, destruir outras, liberar o desejo e construir novas máquinas de guerra são
compromissos de todo mecânico social.

Palavras-chave: Agenciamentos; Félix Guattari; Máquina.


228

DANÇA IMANENTE: UMA DES-RE-TERRITORIALIZAÇÃO DO CORPO EM POÉTICAS


ARTÍSTICO-PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS EM/DO MOVIMENTO

Robson Farias Gomes1


Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará
robsongomes_15@hotmail.com

A desterritorialização como incessante busca da imanência consiste, no cerne desta


análise cênico-teórica, como um encontro entre uma teoria da dança contemporânea e o
pensamento filosófico de Gilles Deleuze e Félix Guatarri. A Teoria da Dança Imanente (TDI),
criada pela pensadora do corpo e da dança Ana Flávia Mendes, suscita-nos o
questionamento de uma dança centrada na diferença do intérprete-criador de si e de obra
em suas incipientes conexões.
Pautada em 03 (três) eixos, a saber, os de Imanência, Metalinguagem e Visibilidade,
a TDI propõe uma reconfiguração do sentir-agir-pensar em dança que remete
imediatamente a uma dança própria de si dada a partir do próprio intérprete-criador, nele,
dele e por ele. Estes encaminhamentos rodeiam uma tendência, denominada [pós-
]moderna ou contemporânea, de proceder/operar/agenciar na arte atual que é o enlace
entre criação de pensamento teórico e intrinsicamente cênico em dança. Propõe-se em
Dança Imanente um pensamento sobre o corpo que nele mesmo revela-se a si próprio
enquanto corpo-pensamento-dançante.
Cabe ressaltar que esta pesquisa compõe um corpo investigativo mais abrangente
denominado “A imanência: uma dança...”, elaborada no curso de Mestrado Acadêmico em
Artes do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará
(PPGArtes/UFPA), orientado pela professora doutora Maria dos Remédios de Brito e
financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
cujo panorama objetiva discutir o arcabouço teórico-conceitual da Teoria da Dança
Imanente numa maquinação tridimensional, isto é, metodológica, epistemológica e
ontológica.
A partir deste prisma, a propriedade de (re)afirmação do processo
desterritorializador depara-se com sua intrínseca afirmação que, em suma, encontra a
positividade de uma vida-artista, tanto percebida quanto vivida. A dança imanente como
espaço de afecção, contato, atravessamentos e sentidos cruza planos que os possibilitam
em contínuas simultaneidades no fazer cênico-artístico no espaço e no tempo,
estimulando, então, a liberação criativa, metodológica e de feitura na performance em
movimento.
A quebra com a transcendência e uma decorrente fidelização à Terra (NIETZSCHE,
1971) herdada por Deleuze, revelam também um afugento argumentativo a respeito de
um caráter prioritariamente experimentativo ímpar na constituição das poéticas
performativas contemporâneas. Uma dança que se pretende imanente precisa, antes de
tudo, realizar uma experimentação radical de desterritorialização uma vez que o
deslocamento é fundamental para uma criação artística singular, diferente.
As aproximações possíveis entre o fim da transcendência e a emersão dum plano
de imanência já possuem em si a implícita palpitação pela criação do novo, e o novo, por

1
Mestrando em Artes.
229

sua vez, só pode advir duma maquinação própria que requer agenciamentos distintos de si
e de outrem: um novo espaço de criação, um novo lócus fazedor, um novo.
Para Santos (2013), em Deleuze e Guatarri, ao se pensar a questão da
desterritorialização, não se pode deixar de levar em consideração aquilo que se passa entre
Terra e Território. Segundo sua leitura: “Ora, entre os dois, se estabelece uma relação feita
de dois movimentos: a desterritorialização, processo que vai do território à terra e que faz
com que o primeiro se abra a um alhures; e a reterritorialização, processo que leva a terra
a refazer território” (2013, p. 45).
A desterritorialização, em linhas gerais, concerne também num apagar linhas e
redesenhá-las quer em conjecturas ordenadas ou catastróficas. De acordo com Deleuze &
Guatarri (1991):

[…] a desterritorialização é relativa na medida em que concerne à relação


histórica da terra com os territórios que nela se desenham ou se apagam,
sua relação geológica com eras e catástrofes, sua relação astronômica
com o cosmos e com o sistema estelar do qual faz parte. Mas, a
desterritorialização é absoluta quando a terra entra no puro plano de
imanência de um pensamento-Ser, de um pensamento-Natureza com
movimentos diagramáticos infinitos (p. 85).

A levada ao movimento indeterminado e infinito desterritorializa os planos de


imanência que, por sua vez, reterritorializam-se, mas não com fins de fixidez, mas de
“terras por vir”, novos lócus. Isto, pensado em termos de dança, propõe desventuras do
intérprete-criador que não se coloca num lugar, necessariamente, de estabelecimento de
novas normas que seriam “dançáveis”, mas sim de danças por-vir, danças estas emergentes
dos próprios entes dançantes.
A emergência de novos contingentes, em dança, gera movimentos para além de
normatividades coreográficas, mas de liberações corpográficas potentemente inovadoras.
Por este mesmo viés, reterritorializam-se corpos outros sobre técnicas outras já
experimentadas, até certo ponto, também imanentemente vividas, numa perspectiva de
jamais se jogar fora o que já devém.
Por fim, não se busca um aprisionamento no passado, nem um acorrentamento ao
presente conceitual, mas um esvaziamento futuro sempre a se preencher refugiando,
assim, toda potência criativa do por vir. Um corpo por-vir. Trata-se de uma passagem de
um território corporal para outro, que não se prenderá, mas, pelo contrário, dando-se
sempre em movimento, num processo até mesmo de perdas e ressignificações
“identitárias” (Haesbaert; Bruce, 2002) que espontaneamente se reterritorializará.
A hipótese deste texto, portanto, incide na defesa de uma Dança Imanente
enriquecida pelos deslocamentos (movimentos próprios) que não somente opulentam,
mas integralmente constituem a consistência de uma poética artística dançada. Uma
imanência encontrada no devir, criações permanentes de abertura(s) ao(s) novo(s)
corpo(s), dançar(res), performar(es) levando também suas opressões de novos
ordenamentos à cena.
Para tanto, proceder-se-á metodologicamente de modo analítico-bibliográfico em
pensadores da filosofia e da dança como Mendes (2010), Katz & Greiner (2002), Sant’Anna
(2001), Rocha (2013) e Deleuze e Guatarri (2010; 2017) dentre outros; mas também
cenicamente, estabelecendo relações com curta exibição performativa do discurso
230

empreendido, onde não somente todos estes conceitos trans-afetivamente são levadas à
cena como também incorrendo numa exposição própria dessa relação entre dança e
filosofia.

Palavras-chave: Dança Imanente; Desterritorialização; Imanência.


231

O CORPO NA PRODUÇÃO DO URBANO: UMA CHANCE DE NOS MOVER NO CAOS

Isabela Giorgiano
Universidade Federal de Uberlândia
isagiorgiano@hotmail.com

Muito se tem avançado no âmbito das discussões arquitetônicas e urbanísticas


sobre a construção de nossas cidades e sobre como elas devem ser projetadas para as
pessoas; como devem ser saudáveis, compactas, dinâmicas, ecológicas, tecnológicas etc.
Entre tantas reinvindicações está o Direito a Cidade, um avanço de consciência de que há
uma grande desigualdade operante em nossas cidades desde sua produção até seu
funcionamento - seus serviços, tratamentos, transportes, suas propostas e possibilidades -
que restringe seus usos e acessos e que atua em prol de uma lógica colonial-capitalística.
Ou seja, há um agenciamento corpo-espaço-temporal dos desejos articulados na produção
das cidades, e consequentemente na produção arquitetônica. Apesar dos debates pós-
modernos e contemporâneos na área, a arquitetura e o urbanismo ainda se vinculam muito
às questões funcionalistas, deixando de lado os paradigmas ético-estéticos referentes aos
devires existenciais, nos quais se encontram seu grande potencial de ruptura com o
processo de subjetivação instaurado. E é justamente nessas possíveis rupturas da
hegemonia da subjetividade colonial-capitalística que existe a chance de recuperar nossa
“pulsão de vida”, ou nossa energia criadora. Utilizamos a maior parte da nossa energia vital
para produzir uma identidade normativa ao invés de nos concentramos em processos
relativos a uma identidade criativa, ficando a mercê ou colaborando para o que Guattari
chama de “agentes coletivos de enunciação”, ou a expressão, muitas vezes massificante,
de uma subjetividade coletiva. Enquanto empregamos nossa energia desse modo
abdicamos do nosso sensível para construirmos o esperado e o repetido, entramos dentro
da lógica disciplinatória e dos silenciamentos do corpo alertados por Foucault. Tais
silenciamentos, a longo prazo, causam uma passividade tátil, um adormecimento da nossa
atenção para com as relações entre corpo, espaço e tempo. Eis a urgência das decisões
arquitetônicas e urbanísticas se voltarem para os paradigmas ético-estéticos referentes aos
seus tópicos centrais de atuação, que são: o corpo, o espaço e o tempo.
O hiato no processo de subjetivação na produção das cidades se dá por uma
mudança conceitual no âmbito da arquitetura e urbanismo, que coloque os projetos e as
obras em si como um processo e não um produto. Essa alteração de rota faz com que nos
reapropriemos de um viver coletivo e comunitário primordial nas construções e cidades,
que foi substituído, entre outras complexidades, pelo desejo da assinatura de uma obra
por parte dos arquitetos, urbanistas e engenheiros, ou da ostentação de um status
socioeconômico por parte dos clientes. Contudo era justamente esse construir em
comunidade o sentido primeiro da arquitetura, antes mesmo do abrigo vem o fazer junto.
A mesma mudança conceitual nos põe em contato com outra chave para a reapropriação
da vitalidade e autenticidade no exercício da arquitetura, entendê-la como movimento. Se
a arquitetura não pode ser entendida sem o corpo, o espaço e o tempo, também não
podemos entendê-la se não levarmos em conta que essa tríade-una está se
automodificando constantemente, está se reconfigurando se movendo. As movimentações
do nosso corpo no espaço-tempo afetam diretamente a constituição das cidades, se
aproximar do movimento do corpo é, portanto se aproximar de uma reapropriação dos
232

nossos meios criativos corpo-espaço-temporais, e com isso conseguir um respiro em meio


ao caos da normatividade colonial-capitalística.
A proposta é partir dos estudos realizados por Anna1 e Lawrence2 Halprin, em
consonância com os pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guatarri -principalmente os
trabalhados em “O Anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia”, “Mil Platôs-vol.1” e
“Caosmose”, este último só de Guattari- fazer as relações necessárias - através da arte e
seus processos - entre as movimentações de corpo, espaço e tempo com a finalidade de
ativar um estado de presença que gere uma espécie de ruptura no processo cotidiano de
subjetivação por meio da arquitetura. Ou seja, aproximar a arquitetura e o urbanismo das
movimentações corporais, através da interdisciplinaridade –principalmente com a dança-
e de deslocamentos conceituais, para possibilitar hiato dentro da rotina urbana e que este,
por sua vez, permita-nos, por sua existência a nossa resistência, e nos dê oportunidade de
nos mover criativamente no caos urbanos, de dançar.

Palavras-chave: , Cidade; Corpo-espaço-tempo; Movimento.

1
Anna Halprin é dançaria, colaborou para a criação da arte experimental conhecida como dança pós-moderna
e junto com seus contemporâneos como Marce Cunningham e John Cage e alunos como Trisha Brown,
redefiniu a dança na América do pós-guerra. Uma das mais importantes pensadoras da performance. Anna,
em resposta à inquietação racial dos anos 60 formou a primeira companhia multirracial de dança, além de
criar, após tratar de seu câncer pela dança, programas de dança inovadores para pacientes com câncer e
AIDS. Se tornando pioneira no uso das artes expressivas para a cura e fundando junto a sua filha Daria o
Instituto Tamalpa (1978). Desenvolveu e realizou diversas oficinas voltadas ao processo criativo junto ao seu
marido Lawrence Halprin. Ao longo da sua carreira criou mais de 150 obras de teatro-dança e escreveu três
livros, Anna ainda atua profissionalmente.
2
Lawrence Halprin, foi botânico, arquiteto e paisagista estadunidense, atuou profissionalmente entre 1945
e 2009 (MARTINS, 2014), deixando muitos registros dos seus processos projetuais, que conversavam com
outras áreas do conhecimento. Halprin teve contato com diversos artistas e pensadores da sua época, sendo
a dançarina Anna Halprin, sua esposa, uma importante influência em seu trabalho. A sigla RSVP representa a
abreviatura de quatro procedimentos que envolvem o ciclo criado por Anna e Lawrence Halprin, para estudo
de processos criativos que são: os Recursos; as Pontuações, ou Notações; a Avaliação e a Performance.
233

A INFÂNCIA, A DANÇA E A VIDA: INSURGÊNCIAS ESTÉTICO-POLÍTICAS NA EDUCAÇÃO

Rogério Machado Rosa1


Universidade Federal de Santa Catarina
rogeriorosa.ufsc@gmail.com

A dança, que é fruição na imanência Gil (2004, p. 54) e a vida, que é vontade de
potência Nietzsche (2001), guardam entre si profundas imbricações. São composição de
“blocos de sensações, afectos e perceptos” (Deleuze; Guattari, 1996, p. 248) e possuem
vocação para a metamorfose e para a expansão permanente, por isso coincidem
ontologicamente. Também buscam, de modo incessante, ir além de si mesmas. Não
havendo, então, a definição de um corpo, de uma feição ou de um conjunto singular de
movimentos que caracterizem a vida e a dança. Elas são acontecimentos diferenciadores,
isto é, “aquilo que permanece indecidido entre o ter-lugar e o não-lugar, um surgir que é
indiscernível do seu desaparecer” (Badiou, 2002, p. 85). Acrescento, aqui, nessa complexa
imbricação vida x dança, uma terceira força: a infância. A vida, a dança e a infância parecem
coincidirem ontologicamente. Figura de começo é a infância, diria Nietzsche (2001). Ela
carrega em si o frescor das auroras, os mistérios dos acontecimentos imprevisíveis e a
intensidade da atemporalidade. É possível dizer, em uma alusão a Baruch Espinosa (2011),
que a vida, a dança e a infância parecem manifestar-se como “atributos e variações de uma
mesma substância” (p. 141); e que, coincidentemente, elas guardam em si e entre si a
potência da função fabuladora. Potência fabuladora mesma atuante na “invenção de um
povo que falta (Deleuze, 1995, p. 14). O movimento, efeito final do encontro entre forças,
faz a vida, a dança e a infância perseverarem nas suas próprias existências, mas,
paradoxalmente, também as arranca de si mesmo, sem cessar. Forças em relação e disputa
constante, a vida, a infância e a dança buscam a criação de um lugar para si. Buscam, sem
equilíbrio, um equilíbrio. Procuram, sempre, fazerem-se mais fortes e mais intensas.
Constrangem outras forças, assimilam-nas para afirmar suas próprias existências. Tensão
que se prova ora por leves e delicados movimentos, outras vezes por intensa violência
criativa. Assim, afirmando suas diferenças, expressam suas semelhanças, suas linhas de
vizinhança (Deleuze, 1992). Sem encontrar um ponto de repouso, no máximo desaceleram,
variam suas velocidades e surgem como “paisagens que só aparecem em movimento”
(Deleuze, 1995, p. 16). A dança, a infância e a vida, que são forças em relação, querem ir
além. Experimentando a dança e estudando a infância, intuí haver uma espécie de
paralelismo afirmativo, a vontade de expansão, entre vida, dança e infância. Esta intuição
que mexeu comigo, e de modo perturbador. Fui incitado, então, a encarnar a vontade de
potência da vida, da dança e da infância e a testemunhar, por intermédio da criação de
uma pesquisa cartográfica em educação, essa irremediável encarnação. Meu corpo, que é
feito de multiplicidade, pois nele há uma infinidade de relações que se compõem e se
decompõem em suas velocidades e lentidões (Deleuze; Guattari, 1997), foi surrupiado;
meus sentidos foram profundamente afetados por uma espécie de força desejante e por
uma vontade de compreensão que me arrastaram ao encontro da dança e da infância, na
nudez desta vida que se escoa. Como, na cena educacional, a coincidência ontológica entre
vida, dança e infância agenciam modos de resistência às políticas e práticas aniquiladoras
da alteridade? É deste não-lugar que eu olho, sinto, penso e escrevo uma cartografia
1
Doutor em Educação e Professor do Departamento de Metodologia de Ensino – MEN/UFSC.
234

dançarina. Isso porque assim como a dança, a infância e a própria vida, todo modo de ver,
sentir ou conhecer são transversalizados pela contemporaneidade do ser-estar-habitar-o-
mundo daquele que conhece e vê, daquele que busca afirmar-se, no palco da existência, a
partir do encontro com outras forças. O agenciamento da dança, da infância e da vida é,
para mim, transversalizado pelo “espírito político” de uma época. Elas ganham ou perdem
potência nas malhas da política e das formas de pensamento do um tempo presente. No
caso da dança, seu caráter propriamente político “se refere aos valores estéticos vinculados
ao ato de dançar. As atitudes e ações políticas atuam sobre as formas de dançar e os
caminhos pelos quais a dança é transformada”, afirma Freire (2011, p. 34). Já a dimensão
política da infância caracteriza-se pelo fato de ela “habitar outra temporalidade, outras
linhas [...] essa é a infância como acontecimento, como ruptura da história, como
revolução, como resistência e como criação” (Kohan, 2003, p. 63). Uma infância que
procura incessante por novos mapeamentos, encontro real-imaginário Deleuze (2006).
Infância artística, arteira e insurgente: devir e resistência. Infância e dança, portanto,
cocriam-se neste mundo aí, cocriam este mundo aí, afetando-o e sendo afetado por ele. O
corpo-infantil-dançarino, assim, “nos mostra afectos em relação com os perceptos que nos
dá. Mas não é somente em sua obra que ele os cria, ele os dá para nós e nos faz
transformados com ele, ele nos apanha no composto” (Deleuze; Guattari, 1997, p. 227).
Residiria aí, neste paralelismo político-revolucionário, o mais elevado grau de parentesco
entre a vida, a dança e a infância? O que se sabe e o que é possível saber sobre a dança, a
vida e a infância, afinal? O que a vida como vontade de dança e de infância têm a dizer para
a educação? Se há respostas precisas a estas indagações, não sei! Mas postos estão os
problemas rodeando em torno delas.

Palavras-chave: Dança; Infância; Vida.


235

EMPODERAMENTO DA MULHER-DAMA? CORPOS DESEJANTES NA DANÇA DE SALÃO

Carolina Polezi
Faculdade de Educação - Unicamp
contato@carolinapolezi.com.br

Debora Reis Pacheco


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS/PPGEduMat
debora.rpacheco@gmail.com

Este trabalho parte dos discursos de verdades produzidos na dança de salão sobre
a mulher-dama problematizando as tentativas de escapes na contemporaneidade. No
âmbito da dança de salão os papéis de homens e mulheres são claramente divididos a partir
de uma perspectiva heteronormativa. Deste modo trazemos uma mulher-dama carregada
de elementos que definem um modo de ser na sociedade e na dança, assim como os
movimentos que tentam desconstruir esse olhar a partir do empoderamento feminino,
mas que são capturados pelas máquinas sociais mantendo os mesmos lugares de homens
e mulheres, só que com outra roupagem. Para isso, realizamos um levantamento em livros
e textos que circulam em sites, blogs e redes sociais visitados por dançarinos.
Essas produções ilustram o que a dança de salão defende sobre como deve ser uma
mulher-dama. Um exemplo está na fala da professora Sheila Aquino ao enfatizar que “ser
uma boa dama não é saber milhões de passos, mas sim aprender a ser de fato uma
‘parceira’ de dança, embelezando com alegria, energia e leveza os passos indicados pelo
cavalheiro.” (2016, p. 98, grifo nosso). Outro professor reforça estes papéis ao afirmar que
“se o homem conduz, a mulher induz e seduz” (ARÔXA, 2017).
Uma das técnicas que mais expõem este modo de ser da dama é a condução, já que
por meio dela o homem é responsável por decidir e propor os movimentos que levam a
mulher a realizar os passos de dança. Para Pacheco (1998, p.11) “condução significa os
procedimentos pelos quais homem conduz/dirige a mulher durante a evolução dos passos
dancísticos”. Os papéis em que mulher-dama deve ser conduzida e homem-cavalheiro deve
ser condutor estão diretamente ligados às ideias que se esperam de cada um dos gêneros,
em que as características masculinas como “segurança, determinação, objetividade,
habilidade e domínio técnico” (GAIO; FIORANTI; COAN, 2009, p. 48) e características
femininas como “sensibilidade, empatia, criatividade e emotividade” (GAIO; FIORANTI;
COAN, 2009, p. 48) são utilizadas para justificar tais lugares, como afirma Bettina Ried
(2003) “o conduzir do cavalheiro exige segurança, determinação, objetividade, habilidade
e domínio técnico, enquanto que o seguir da dama, por sua vez, requer sensibilidade,
empatia, criatividade e emotividade” (p. 37).
Estes estereótipos da mulher-dama e do homem-cavalheiro vem sendo
questionados na contemporaneidade com as discussões sobre empoderamento feminino
na sociedade. Tais questionamentos também surgem nos espaços da dança de salão,
aparentemente incentivando a autonomia das mulheres. Mas, com um olhar mais
cuidadoso, é possível perceber que algumas palavras escapam reafirmando o estereótipo
dessa mulher-dama.
236

Somos mulheres independentes na vida e, muitas das vezes, levamos essa


postura para o salão. Não que a iniciativa feminina seja algo indesejável
no samba de gafieira, mas temos que ter o cuidado para não ficarmos
ansiosas e não anteciparmos a condução indicada. Os enfeites devem ser
executados “entre” os movimentos indicados, sem que estejamos
apoiadas em nossos parceiros, sem tirá-los do eixo com muito cuidado e
leveza (AQUINO, 2016, p. 85, grifo nosso).

É possível observar um desejo das mulheres em construir outras formas de ser


mulher-dama e de se expressar na dança. No entanto, Deleuze e Guattari (2010) nos
lembram que somos parte de um aparelho de estado e somos capturados/cooptados pelas
máquinas sociais à todo momento. No trecho acima, ainda que exista um desejo de
independência, nota-se um recalque quando as palavras “cuidado” e “leveza” se fazem
presentes. A conjunção adversativa “mas” anula o desejo de independência e autonomia
recolocando os movimentos da mulher-dama nos poucos espaços permitidos pelo homem-
cavalheiro.
Uma outra professora propõe quatro estágios definindo os papéis de damas e
cavalheiros. Nos dois primeiros estágios seguem-se os mesmos estereótipos de homem-
condutor-cavalheiro e mulher-conduzida-dama, com alguns pequenos refinamentos. A
partir do terceiro estágio há uma tentativa de empoderar a dama, mas os recalques ainda
são latentes, nele a mulher-dama é incentivada a usar do “silêncio de condução” para
realizar seus “enfeites”, mas é o homem-cavalheiro que “gera mais tempo para os
caminhos e enfeites da dama” (SANTOS, 2016, p. 108). Já no quarto estágio, em que a
mulher estaria no cenário mais empoderado, ela ainda deve “adornar” seus movimentos
“pedindo mais tempo” (SANTOS, 2016, p. 110) ao seu homem-cavalheiro.
Nestas situações novamente é possível perceber os desejos recalcados, já que as
mulheres-damas “definidas” nos estágios precisam pedir permissão para ampliarem suas
possibilidades de movimentação, ou seja, ainda está no homem-cavalheiro a decisão e
controle dos movimentos dancísticos. As tentativas de escapar de uma identidade de
mulher-dama submissa ainda estão amarradas, o que nos faz perceber a complexidade dos
movimentos de escape em relação ao aparelho de estado vigente.
Palavras como “empoderamento” vem ganhando muitos espaços nos meios sociais,
mas se faz necessários analisar como elas se movimentam e quando conseguem fraturar
um funcionamento maquínico. Por meio dos espaços da Dança de Salão tais análises
podem ser potentes, já que as discussões entre mulher-dama e homem-cavalheiro são
explicitadas nas técnicas de condução.
Os incômodos das professoras sobre os papéis estabelecidos tradicionalmente
reverberam também na fala de professores-homens ao serem provocados na
contemporaneidade: “Não sou machista, muito pelo contrário, adoro conduzir e sempre
dou espaço para a dama se expressar, brilhar e me ajudar na minha musicalidade e
criatividade.” (ARÔXA, 2017, grifo nosso). Nesta fala embora haja a defesa da não
construção de um machismo, o professor ainda é quem controla e “dá” espaço para a
mulher-dama se expressar. Ainda é o homem-cavalheiro quem dá permissão para que as
mulheres-damas possam “empoderar-se” ou ampliarem suas possibilidades na dança de
salão.
Apesar dos esforços em escapar e criar um outro lugar de ocupação para a mulher-
dama dentro da dança de salão, nota-se que essas mulheres continuam enredadas dentro
237

dos estereótipos tradicionais de gênero que são refletidos na dança de salão. Os discursos
são muito fortes e sedutores, sendo difícil romper um ideário de mulher-dama e homem-
cavalheiro. Assim, muitas dessas iniciativas sequer chegam a escapar-fissurar o aparelho
de estado, mostrando que fraturar o sistema e o imaginário da mulher-dama é complexo e
está sendo constantemente capturado para manutenção dos mesmos papéis na dança de
salão.

Palavras-chave: Dança de Salão; Gênero; Máquinas Desejantes.


238

ENTRE A ABERTURA E O COLAPSO: O CORPO SEM ÓRGÃOS EM O ANTI-ÉDIPO

Frederico Pacheco Lemos


Universidade Federal Fluminense
fredericop.lemos@gmail.com

Este trabalho é um recorte do primeiro capítulo da minha dissertação defendida em


agosto deste ano de 2019 no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFF, intitulada
“A vertigem da imanência: Deleuze e Guattari diante dos riscos da experimentação”. Aqui
especificamente, o que nos interessa é analisar os componentes do corpo sem órgãos tal
como formulado em O anti-Édipo (1972), articulando o seu dinamismo próprio com o
desafio ético da esquizoanálise, que poderia ser resumido, grosso modo, desta forma:
como evitar que a abertura do corpo sem órgãos para a passagem de intensidades incorra
em um colapso ou uma catástrofe?
Esta comunicação tem como referência teórica o livro O anti-Édipo (1972), primeiro
livro escrito a quatro mãos por Gilles Deleuze e Félix Guattari, marco inaugural da
“esquizoanálise”. Propomos nos debruçar sobre o conceito de Corpo sem órgãos tal como
é ali formulado, examinando seus componentes característicos bem como as relações com
outros conceitos que definem o seu dinamismo próprio, especialmente o seu “conflito
aparente” com as máquinas desejantes e a relação paradoxal do Corpo sem órgãos com o
processo de produção imediatamente social e desejante, tal como formulado por Deleuze
e Guattari.
O tema do Corpo sem órgãos em O anti-Édipo é central para a elaboração conceitual
deleuzo-guattariana em torno do corpo e da máquina de maneira geral. Enquanto livram a
abordagem teórica da esquizofrenia de todo traço negativo ou extrínseco, Deleuze e
Guattari apresentam a lógica própria deste novo inconsciente, dito maquínico porque
produtivo. É no plano unívoco e imanente da Natureza concebida como processo de
produção, ou, o que é o mesmo, na “coextensividade do homem e da natureza”, que
Deleuze e Guattari descrevem o funcionamento do inconsciente. Esse funcionamento é
descrito pelo jogo entre dois conceitos, que se desenvolvem sob um conflito aparente: as
máquinas desejantes produtivas e o CsO improdutivo.
As máquinas desejantes formam o sistema do desejo, definido por múltiplos
acoplamentos entre máquinas que se relacionam por passagens e cortes de fluxos
contínuos. Não há sujeitos nem objetos neste nível primário do desejo inconsciente: há
tão-somente máquinas, acoplamentos de máquinas, fluxos e cortes de fluxos ao infinito. É
daí que poderá advir, como um efeito secundário, socialmente condicionado, a repartição
entre um sujeito desejante, como peça residual adjacente à máquina, e um objeto do
desejo como objeto faltante – de onde parte a psicanálise. Mas aqui, no nível da maquinaria
do inconsciente, segundo Deleuze e Guattari, o desejo desconhece a repartição entre
interior e exterior, e não tem nada a ver com um movimento que iria de dentro para fora.
Ele é engendrado diretamente no acoplamento entre máquinas impessoais e pré-
individuais, cujo dinamismo é o do sistema corte-fluxo, em que cada máquina produz um
fluxo que outra corta, e corta ela mesma um fluxo emitido por outra, ao infinito.
Eis a ambivalência à primeira vista desconcertante do CsO. “Condição do desejo”, o
CsO é também o “modelo da morte”, na medida em que todo processo de desejo envolve
o seu grau zero intensivo, matricial, a partir do qual são produzidas todas as quantidades
239

intensivas que vão preencher o espaço em tal ou tal grau. “O modelo da morte aparece
quando o corpo sem órgãos repele e depõe os órgãos (....) até a automutilação, até o
suicídio”. O CsO como modelo da morte é o caso extremo da catatonia esquizofrênica, que
marca o próprio limite da máxima repulsão ao funcionamento orgânico do corpo. No
entanto, se o CsO é também condição do desejo, isso se deve ao fato de que algum grau
de repulsa ao organismo é necessário para que a própria máquina funcione e produza. Caso
contrário, o organismo se sedimentaria e impediria o funcionamento das máquinas. Sendo
o organismo um produto, se não houver o condicionamento desestabilizante da instância
antiprodutiva do CsO sobre os produtos, não há enxerto imanente e recíproco do produto
no produzir, e vice-versa, de modo que o ciclo produtivo se interrompe. Dito de outra
maneira: “É certamente pelo corpo, é certamente pelos órgãos que o desejo passa, mas
não pelo organismo”, pois o organismo não passa de um estado, de um produto, que não
esgota o desejo em seu processo de produção da realidade.
O funcionamento produtivo das máquinas depende, portanto, dessa instância
antiprodutiva (o CsO), que tanto bloqueia e neutraliza as fixações do produto no organismo
quanto libera, desencadeia outras produções ao atrair outras tantas máquinas-órgãos
sobre si. É esse o estatuto paradoxal do CsO em O anti-Édipo. No seio da relação produção-
produto, no seio do processo de produção (imediatamente social e desejante ou
“metafísico”), o CsO é criado como terceiro termo que desencadeia tanto a neutralização
do organismo (repulsão) quanto a produção anorgânica (atração), enquanto opera como
condição desestabilizante do sistema. Impedido de se concluir, se apaziguar, se estabilizar
em seus produtos, o processo não pode fazer outra coisa que não retomar-se a si mesmo
enquanto produção de produção. Por isso que a oposição não se passa exatamente entre
o CsO e os órgãos, mas entre o conjunto do CsO e os órgãos contra o organismo, entendido
como esta “organização que impõe aos órgãos um regime de totalização, de colaboração,
de sinergia, de integração, de inibição e de disjunção”, e que fixa o corpo nessa identidade,
com uma forma definida e com funções orgânicas a cumprir. Sob o organismo, o corpo grita
e protesta com sua realidade intensiva, que pede passagem a outras tantas articulações
anorgânicas.

Palavras-chave: Corpo sem Órgãos; Deleuze e Guattari; Máquinas Desejantes.


240

ZIGUEZAGUES ENTRE ARTE E FILOSOFIA: OBRAS-DISPOSITIVOS NA CLÍNICA AMPLIADA


DO PROJETO CUIDE-SE

Cristiane Mesquita
Universidade Anhembi Morumbi
kekei@comum.com

O campo das práticas clínicas relativas à saúde psíquica se expande a partir da


segunda metade do Século XX e a própria Psicanálise sofre reviravoltas em prol de acolher
e lidar com as transformações do período pós-guerra. Filosofia e Arte são áreas bem-vindas
para produzir conexões e enriquecer pontos de vista críticos sobre mudanças e
emergências de modos de vida, modos de relação, modos de consumo, de comunicação,
de trabalho, de produção de sofrimento, da concepção de cuidado e de saúde, que diferem
em contextos diversos.
A compreensão e gestão da noção de cuidado - de si, do outro e da dimensão
coletiva - são produzidas historicamente. Na atualidade, este campo suscita bastante
interesse por parte de diversos setores, no âmbito do mercado, na dimensão sócio-política
e nas mais variadas áreas da comunidade científica. O entrelaçamento de perspectivas
éticas, estéticas e políticas que propõem uma “Filosofia da Diferença”, é tomado como um
cenário para nossas discussões e propostas, bem como para o repertório de ferramentas e
estratégias para o exercício clínico ampliado. Nos últimos anos, trabalhos de muita
relevância vem sendo praticados, como “clínicas públicas” ou “abertas”, uma vez que
entendem e propõem a prática da Psicanálise para além dos consultórios particulares, mas
também como ação social e em dimensão coletiva.
Apresenta-se como uma urgência, a criação de ferramentas que acolham demandas
e que ampliem os modos instituídos de clinicar. Nesse sentido, diante da produção massiva
de sofrimento, produzem-se novos movimentos de cuidado que procuram enfrentar alguns
dos desafios que vem demarcando nosso tempo. A Arte produzida nos séculos XX e XXI,
especialmente nas últimas três decadas, vem apresentando consistentes reflexões sobre
problemáticas globais. É notável a conexão entre questões de amplitude mundial,
processos de subjetivação hegemônicos e contra-hegemônicos e os eixos conceituais de
importantes exposições e mostras de relevante reverberação, além da produção de
determinados artistas, que protagonizam a história da Arte mais recente. Essa ressonância
ilustra como este campo pode materializar importantes aspectos a serem levados em
conta, quando se busca compreender os modos de vida vigentes, as políticas emergentes,
os diagramas de poder, de opressão e de sofrimento e a criação de linhas de resistência.
Na conferência O ato de criação (1987), Gilles Deleuze propõe compreender os
processos de criação como a instauração de pontos de vista que problematizam modos
hegemônicos de subjetivação. Eles instalam espaço-tempos dissonantes e apontam para a
capacidade de criar questões - concretas, imaginárias ou poéticas - sobre os diagramas de
poder nos quais a criação é engendrada. Algumas obras de arte são capazes de diagnosticar
os sintomas de uma época e, ao mesmo tempo, ser uma forma de intervenção em
dimensões macro/micropolítica, produzindo deslocamentos e aberturas para a produção
de singularidades, ativando uma “ética da existência” (Rolnik, 2017). Felix Guattari (1992)
expandiu práticas clínicas para além dos operadores "psi", convocando ferramentas que
estejam em posição de intervir em instâncias psíquicas individuais e coletivas. Ele menciona
241

campos como educação, esporte, arte, mídia, moda, entre outros e, para trazer uma
perspectiva clínica sob um “paradigma estético”, aproxima o conceito de “processos de
criação” e a noção de “saúde”. Essas abordagens dialogam com a perspectiva de Michael
Foucault (1985) sobre “o cuidado de si”: os modos de tomar a si como objeto de
conhecimento e campo de ação por meio de diversas atividades que atravessam práticas
individuais, sociais e políticas.
A partir da pergunta sobre como compor cartografias de cuidado e processos
coletivos de subjetivação, esta comunicação apresentará o Projeto Cuide-se: o cuidado de
si _ atividades sobre você, seu corpo, seus territórios e conexões consigo e com os outros,
que usa obras de arte como dispositivos clínicos em um trabalho com grupos de pacientes,
na clínica pública do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Originalmente chamado de
O cuidado de si: atividades sobre você, seu corpo, sua roupa e sua imagem, vem sendo
praticado desde o ano de 2014 e integra o Projeto clínico-ético-político, no qual trabalham
equipes multidisciplinares que tecem uma prática de clínica ampliada. Enfatiza o exercício
do cuidado de si como a interação de uma multiplicidade de referências conscientes e
inconscientes, muitas delas inscritas no corpo. Algumas das sessões do Cuide-se são
disparadas por obras de arte tomadas como “dispositivos clínicos” ou motes para elaborar
questões, no escopo clínico do projeto. O conceito de dispositivo é primeiramente
referenciado por Foucault (2001), que assim conceitua um aparato de mecanismos
institucionais, físicos e administrativos atravessados por diagramas de saber que produzem
e mantêm o exercício do poder nas instâncias sociais. Esta rede tem a capacidade de
capturar e controlar comportamentos, pensamentos, discursos e modos de vida das
pessoas num contexto social. Na perspectiva de Deleuze (1990) compreende-se que a
produção de diferenças e as linhas de subjetivação que se processam num dispositivo
podem ser também “linhas de fuga”, que escapam às linhas que anteriormente
compunham o diagrama: traçam tangentes, operam trajetos “entre o ver e o dizer e
inversamente, agindo como setas que não cessam de penetrar as coisas e as palavras, que
não cessam de conduzir à batalha”.
As obras tomadas como dispositivos podem ser facilitadoras do trânsito entre
conteúdos conscientes e inconscientes, uma vez que tocam camadas sensíveis e pré-
verbais; desencadeiam condensações, deslocamentos, ressignificações e elaborações. A
produção de sentido por meio da obra artística é potente, na medida em que ativa e
agencia um diagrama para o grupo e para cada paciente transitar e elaborar. Esta
comunicação abordará o Cuide-se, por meio da apresentação de três dos dispositivos
clínicos utilizados nas atividades, a fim de enfatizar as potencialidades das obras de arte na
montagem de novos diagramas subjetivos (Rolnik, 2014), que diferem dos diagramas
produtores de sofrimento.

Palavras-chave: Clínica Ampliada; Dispositivos Clínicos; Projeto Cuide-se.


242

REESCRITAS DE UM DIÁRIO ESQUIZO: MODOS E PROCESSOS DE UMA ESCRITA-


PESQUISA CARTOGRÁFICA E ANEDÍPICA

Juan Alexander Salazar Silva


Universidade Federal do ABC
juansalazarj@gmail.com

“Comecei a colcha de retalhos”. Linha e agulha costuram um resumo sobre o diário


que essa pessoa escreveu. Diário-tentativa de estabelecer um registro-nômade, espécie de
paisagem em movimento, a fim de que tal escrita não se torne necessariamente uma
ancoragem, mas seja mais um porto em terra não-fixa, que permita norte, respiro. Esse
texto-agora é uma reescritura (delirante) acerca do que essa pessoa textualizou num diário-
hypomnêmata, processo instaurado e experienciado durante à disciplina “Seminário de
Pesquisa” do programa de mestrado em Filosofia da Universidade Federal do ABC,
conduzida por Marília Pisani.
Para Foucault, um hypomnêmata é algo como um caderno de anotações que
comporta citações, fragmentos de obras, ações testemunhadas, pensamentos que vieram
à mente. Tais elementos se agregam à noção de diário, carregando também cotidianidades,
intimidades, devaneios e sonhos. Os hypomnêmata não são um memorial, tampouco uma
“narrativa de si” ou um diário íntimo e confessional; mas são sim a possibilidade de um
exercício, de uma ação (ler, reler, conversar consigo e com os outros) e de uma captação
do já-dito que constituirão um si mesmo do diário.
O hipomnêmata dessa pessoa é um diário que tornou-se fresta, zona de passagem
entre (1) aquilo que motiva essa pessoa a tecer uma pesquisa filosófica, aquilo que lhe é
próprio, sensível, despido de meras cognições representativas acerca desse desejo incerto
que movimenta a pessoa; e (2) aquilo que é a pesquisa em si, seu tema, seu problema, seus
conceitos: sua filosofia. O problema da pesquisa torna-se problema da pessoa pois envolve
uma inseparabilidade, síntese disjuntiva esquizofrênica, onde o diário dá chance de se olhar
tal colisão, exigindo que se decida sobre qual escrita habitará sua dissertação.
Qual modo de escrita acadêmica será preciso firmar para não se esquecer de que
há um corpo que escreve? Se utilizará da cartografia, salvaguardada pela noção de uma
escrita menor, de uma escrita que visa destituir-se de uma autoria narcísica. Se as fronteiras
entre sujeito, objeto e conhecimento já não estão bem demarcadas no processo de
pesquisar, a cartografia assumirá a coemergência destes elementos, não ignorando os
impasses autobiográfico subjacentes à este processo. Juliano Garcia Pessanha trata a
autobiografia enquanto heterotanatografia que visa o esgotamento do dizer e das
verdades do corpo, de modo que ao se esgotar todo e qualquer segredo na escrita, há
chance de se converter num passageiro clandestino dessa. O escrever desse diário envolve
certa condição de diferenciação daquilo que é exteriorizado, uma desidentificação com
aquilo que até então capturava o escrevente. Seu micro-testemunho se deslocará
ligeiramente para o contorno das nuvens conceituais que povoam seu processo de
pesquisa, tornando-se plano de pré-escritas dum texto-porvir e explicitando uma forma de
escrever, um estilo. O diário-hypomnêmata carrega esse hibridismo de estilos necessários
à cartografia, se constituindo no colidir destes estilos.
O estilo se articula com o principal objeto-obra de estudo de pesquisa dessa pessoa:
“O anti-Édipo” de Deleuze e Guattari, que se confunde com o próprio método cartográfico
243

de pesquisa, e também se co-funde com o modo de escrita do diário: imanência. Trata-se


de uma escrita esquizo, maquínica, de fluxos e cortes, produzida a 4 mãos, desapropriada
de uma autoria una; onde se pratica uma forma-estilo. Édipo como forma de codificação
esmagatória do desejo no social configura uma “forma edipiana” que marca inclusive uma
determinada literatura capitalista, que responde-determina um consumo. Já o anedípico
será o estilo que é a “ausência de estilo, a assintaxia, a agramaticalidade”, não buscando
significar nada, mas somente deixar correr e fluir, concebendo assim que “a literatura é
exatamente como a esquizofrenia: um processo e não uma meta, uma produção e não uma
expressão”. O anedípico é o próprio processo esquizofrênico do desejo: estilo cartográfico
que localiza a meta no seu processo e não em seu fim e permite povoar uma escrita
heterogênea e desejante, podendo traçar uma “ponte-encruzilhada” em relação à
psicanálise freudiana. Esse diário torna-se assim um embrião esquizo que é cortado a partir
do momento em que é transposto, revisto e rearranjado para o texto da dissertação. É
assemblagem que produz aberturas, ativa potências de escrita que não mais ignoram um
“si mesmo”.
Esse texto-agora, agora retorna à pergunta de Trinh T. Minh-ha: “Porque você está
escrevendo isso”? Suspeita-se que seja porque é preciso falar, aparecer; logo: escrever,
singularizar-se. “Porque é preciso implodir Édipo? Ex-plodir me parece que seria demais
dilacerante, um prisma de partes perdidas da qual eu não poderia recolher nada”. Para a
pessoa do diário é preciso fazer este percurso, de dentro para fora, de fora para dentro, de
maneira que algo de sua fissura possa ser visível — ainda que turvamente. Algo de uma
plosão entre o ex e o in, sendo necessário recolher inclusive os desvios do diário: suas
obsessões, rasuras e procrastinações masturbatórias. É necessário falar de desfiliação do
inconsciente — de des-filho, falar de querer continentes que nunca puderam ser esgotados
unicamente no interior da fam-ilha, no interior da igreja-psicanálise.
Falar da sexualidade-pele em ponto de afirmação e positivação, de perceber na
homossexualidade não uma equivalência perversa e “invertida”, mas de que o sexo dessa
pessoa é modo de prazer que não pode e nem deve ser separado da escrita, podendo
inclusive desdobrar-se acerca do que é a pulsão sexual em si e a produção não
representativa do inconsciente, liberando a existência de um corpo esquizo-pulsional.
A revolução do desejo abre margem para rever e inaugurar subjetivações que não
estão mais imantadas pelo crivo edípico, mas pela multiplicidade do desejo. Eis a
necessidade em dar lugar ao esquizo, torná-lo herói, reivindicando assim o sexo esquizo, o
corpo esquizo, o desejo esquizo, a esquizo-psicanálise, a escrita esquizo — o esquizo, que
dá lugar àquele que escreve, que dá lugar às micromontagens embrionárias de uma escrita
acadêmica avessa ao achatamento de qualquer cientificidade. “Na verdade o estilo é o que
é o importante. O estilo seleciona o enredo”, diz Susan Sontag em seu diário. Pois aqui, o
anedípico seleciona o anedípico, autopoiesis cartográfica de uma crítica filosófica que
transparecerá também uma clínica: “arte das declinações”, des-autorias: coisas minhas.

Palavras-chave: Anti-Édipo; Cartografia; Escrita.


244

INFLEXÕES CLÍNICAS EM ESQUIZOANÁLISE: OS CONCEITOS DE CORPO SEM ÓRGÃOS E


DEVIR COMO SENTIDO

Fabrício Martins Pinto


Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal
Fluminense
fabricio.martinspinto@gmail.com

Yan Menezes Oliveira


Professor substituto no Departamento de Psicologia na Universidade Federal do Espírito
Santo. Mestre em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo
yan_menezes@hotmail.com

O presente trabalho tem como objetivo discutir algumas possibilidades, riscos,


aspectos éticos e técnicos do que entendemos, a partir do pensamento de Deleuze e
Guattari, como uma experimentação esquizoanalítica no plano da clínica. Para isso,
valemo-nos de uma perspectiva sobre a clínica a partir do conceito de agenciamento e sua
relação imediata com os conceitos de Corpo sem órgãos (CsO) e de devir. Assim, propomos
aqui trabalhar esses conceitos considerando que são dimensões específicas no maquinismo
e na concepção de agenciamento lançada pelos referidos autores, assim como são
operadores de intervenção e vias de inflexões no próprio plano de uma clínica
esquizoanalítica. A partir do que levantamos um duplo questionamento, a saber: como
fazer estranhar os agenciamentos naturalizados e organizados ganhando passagem, assim,
um CsO preenchido por devires e quais inflexões para clínica ao assumir esse corpo como
sentido da intervenção e condição da experimentação? Pensamos essa clínica como uma
atividade de intervenção com os modos de vida de nosso tempo que, embora
historicamente proveniente do saber e da prática médica em direção à lida com o
sofrimento, não limita sua abrangência à medicina e ao paradigma biomédico. Tampouco
se limita aos moldes constitutivos edipianos e estruturais de determinada psicanálise, ou
ao assujeitamento em que se pauta determinada clínica psicológica. Nesse aspecto, pensar
o plano da clínica a partir de uma esquizoanálise consiste tanto em operar uma
desconstrução e uma ultrapassagem dos limites estipulados pelas noções biomédicas,
pelas noções de sujeito e de estrutura, quanto consiste em situar a atividade clínica numa
perspectiva ampliada, em jogo também nas experiências filosóficas, literárias, éticas,
estéticas e políticas. Uma operação que se faz no bojo da obra de Deleuze e Guattari e da
proposição de uma esquizoanálise com o conceito de máquinas desejantes e o posterior
desdobramento desse maquinismo no conceito de agenciamento, entendido como
unidade real mínima. Como conjunto de relações materiais reais e formas de expressão,
um agenciamento compreende tanto seu polo de formação, de organização, de
estratificação e territorialização da matéria e das formas de expressão, tanto quanto seu
polo de desformação, de desorganização, de desestratificação e desterritorialização. É na
tendência a esse segundo polo que a estabilidade de um agenciamento, a naturalização
das formas e das organizações, assim como a manutenção das relações materiais, podem
ser estranhadas. E, na tendência do agenciamento a esse polo, ganham passagem o CsO e
o devir. Nesse processo de estranhamento, de desestratificação e desterritorialização,
desfazendo o plano de organizações e os estratos da subjetivação, da significância e do
245

organismo, o agenciamento se aproxima do CsO como um plano de consistência. Desfazer


as formações históricas dos estratos, o organismo, a subjetivação e a significância,
portanto, é desfazer o corpo organizado em unidades com qualidades e funções
estabelecidas: é desfazer o corpo por demais identificado, memorizado, subjetivado,
significado e interpretado. O que se libera das formas organizadas é a consistência de um
corpo como carne, como matéria amorfa intensiva e desestratificada, sem qualidade e
extensão, de natureza intensiva e quantitativa, definida por suas velocidades diferenciais.
Essa matéria intensiva que preenche o CsO é aquilo que entendemos como devir. Devir não
como tornar-se, identificar-se ou transformar-se, indo de uma forma a outra, mas como
desformação das formas envolvidas em um bloco de devir, estranhamento de si pelo
contato com a alteridade, que conduz a uma zona de indiscernibilidade. Essa
indiscernibilidade consiste numa experiência de perecimento das qualidades e extensões
em favor da afirmação que se impõe de diferenças intensivas puras. Mesmo por isso, sendo
o devir aquilo que é avesso à formação histórica dos estratos, podemos considerar que a
experiência de entrar em devir é avessa também a qualquer história e lembrança que um
corpo tente organizar sobre si. O que, no limite, coloca uma questão para a clínica que na
qualidade da memória se sustenta. É por essa via que podemos considerar o Cso e o devir
como sentido de uma experimentação esquizoanalítica no plano da clínica: tanto porque é
a produção de um CsO preenchido por devires que dá passagem à experiência do intensivo,
do sentido como sensível, quanto porque consideramos que esse é o sentido, como
direção, da intervenção clínica. É indo além da organização, pela produção de um CsO
preenchido por devires, que se pode acessar o sensível necessário para a direção de criar
novos modos de vida. E ao sinalizar o sensível do CsO e do devir como condições para a
criação, observamos aí a relação imediata com a estética nas diversas experiências em que
se reconheça uma dimensão clínica e que os tome como sentido. Assim, é a partir do
desfazimento das formações históricas dos estratos, pelo polo de desestratificação e de
desterritorialização que compreende o próprio agenciamento, que se produz um CsO
preenchido por devires. Diante do que podemos considerar que uma clínica que assuma
esse sentido, indo além da interpretação, se coloca, antes, como um plano de
experimentações. Uma vez que a interpretação recai sobre o princípio de identidade e da
qualidade dos estratos, aí também, nesse espaço intensivo do CsO e do devir, não há
interpretação que se sustente. E a experimentação é tudo o que resta ao corpo
desorganizado e desestratificado, que passa a ter que sustentar o princípio da
multiplicidade no lugar da identidade dos estratos. O desafio de uma clínica que a essa
direção se propõe é o de abrir os agenciamentos para uma desterritorialização que,
contudo, não os interrompa, que não os leve em direção a uma linha de mortificação e de
desconjunção próxima da inércia e da abolição da intensidade. O que remete essa direção
clínica, política e estética a uma ética que elege como princípio a categoria de prudência.
Prudência não como medida do constrangimento das experimentações, mas como
princípio mesmo para se ir além: prudência como uma sensibilidade em acompanhar os
limiares de desterritorialização possíveis, como uma arte das dosagens e como uma aposta
estética e política da continuidade do processo político de produção de novos modos de
vida em agenciamentos.

Palavras-chave: Clínica Esquizoanalítica; Corpo sem Órgãos; Devir.


246

O QUE AS CRIANÇAS CONTAM DO/NO CORPO NOS ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL E


COMO ELAS RE-SIGNIFICAM ESSES ESPAÇOS?

Fernanda Ferreira de Oliveira


Escola Municipal Antônio Boldrin
nandaferreira4@hotmail.com

Essa comunicação pretende pensar/evidenciar a significação do corpo das crianças


pequenas nos espaços da educação infantil, organizada em análises da/na forma como elas
reconhecem e possivelmente percebem a maneira como os corpos são intencionados no
cotidiano, aproximando processos de criação e imaginação, espaços, arte, educação
infantil e corpo potente.
Trago algumas reflexões e inquietações a partir das minhas experiências como
professora -pesquisadora da educação infantil, de saberes construído na relação com a
prática e na conscientização da mesma, aproximando a esfera da docência e pesquisas de
teóricos/as, estudiosos/as, pesquisadores/as. Constituindo conceitos na qual crianças
estabelecem relação com o mundo utilizando um repertório significativo de linguagens
do/no corpo, no que diz respeito a deslocamento, pegar, segurar, arrastar, deslizar, cantar,
falar, esconder, torcer, olhar, enfim uma corporalidade na relação do vivido pela criança
no corpo- experiência- e os espaços/tempos da educação infantil.
E essa dimensão do corpo da criança, que deve ser considerada na educação que
pensa a estética em Benjamin no que diz respeito à “sensação” e percepção sensível dos
sentidos.
Por isso que ao constituir essa reflexão com entendimento de evidenciar as vozes
(diretas) das crianças através da observação e registro do cotidiano da educação infantil,
tento compreender os quantos essas entendem seus corpos, e o que é ou não permitido
fazer com esses nos espaços da educação infantil. E que por sua vez poderão manifestar
sua capacidade criativa, inventiva e imaginativa apresentando um corpo transgressor e ou
elaborador de peraltices e travessuras, re-significando os espaços da educação infantil.
Outra questão de relevância é como as professoras reconhece esses corpos e seus
próprios corpos como uma teia de significações de corpos. Ou seja, como a professora
identifica essa necessidade da corporalidade da criança a partir da sua corporalidade.
A partir da visão de crianças que não são vistas apenas pelo seu marco biológico,
mas considerada como atores sociais, produtoras e apropriadoras de cultura, pessoas de
histórias que possuem olhar crítico, que pensam, agem e sentem como seres singulares,
sujeitos de direito. Constrói-se nas relações sociais, aprendendo, incorporando e re-
significando práticas culturais, que devem ser ouvidas e ter vez nos espaços da educação
infantil, conforme Kramer (2003, p. 91),

... reconhecer o que é específico de infância - seu poder de imaginação,


fantasia, criação - é entender as crianças como cidadãos, pessoas que
produzem cultura e são nelas produzidas, que possuem um olhar crítico
que vira pelo avesso a ordem das coisas, subvertendo essa ordem. Esse
modo de ver as crianças pode ensinar não só a entendê-las, mas também
a ver o mundo a partir do ponto de vista da infância, pode nos ajudar a
aprender com elas.
247

E neste processo de pensar a infância do ponto de vista das crianças, o corpo torna-
se a possibilidade da brincadeira (Finco, 2007), quebrando com barreiras de um corpo
reprimido por práticas educativas que segregam e oprimem meninos e meninas,
desbravando outros olhares e intensificando as relações sociais, constituindo a sua
identidade.
Quando adentramos no espaço da Educação Infantil com um olhar mais sensível,
afinado e receptivo vislumbramos um território de experimentação, exploração e educação
de meninas pequenas, meninos pequenos e adultos/as em que as diversas sensações se
encontram num ambiente que é diferente, mas que irá lhe deixar marcas.
Nesse sentido, pensar no espaço é relevante, porque deve ser um lugar propiciador
para as crianças pequenas construírem as culturas infantis (Faria, 2005,2009, Prado, 2009),
também ambiente motivador da possibilidade do agir, tanto para si mesma e no convívio
com o outro, construindo com elas o significado da autonomia, reorganizando os espaços
e tempos. Assim como contribui Ambrogi (2011): “O espaço, nesse sentido, pode
igualmente proporcionar à criança as múltiplas formas de expressão pelos usos de
linguagens e suas formas de criação”. E completo mencionando, que o corpo é o viés das
expressões e das linguagens.
A movimentação das crianças no espaço da educação infantil implica em novos
arranjos que possibilitem outras formas de expressões. Porque ao estar nesses espaços à
criança constrói sua forma de ser e estar no mundo.

Palavras-chave: Criança; Corpo; Educação Infantil.


248

REFLEXÕES DELEUZIANAS ACERCA DA CARTOGAFIA DOS BEBÊS

Sabrina de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
sabrina-de-oliveira@hotmail.com

Este trabalho pretende apresentar uma pesquisa desenvolvida com bebês em


contextos de Educação Infantil, em que a Cartografia foi utilizada como recurso
metodológico com a finalidade de mapear os movimentos, os trajetos e as experiências dos
bebês. O método cartográfico, apresentado e desenvolvido por Fernand Deligny (1980) e
discutido posteriormente por Deleuze e Guattari (1995), traz como elemento principal a
criação de mapas. Este utilizou a cartografia para traçar os movimentos de crianças
autistas, observando suas linhas de agir, linhas do fazer e linhas de erro (Miguel, 2015). A
pesquisa proposta tem como objetivo observar as experiências vividas pelos bebês em uma
creche pública, ao mapear os caminhos percorridos pelos mesmos, sem a finalidade de
intervenção em seus movimentos. O mapeamento desvenda tais linhas, e a partir delas é
possível compreender as relações dos bebês com o espaço, pessoas e objetos, bem como
seus processos de individuação. Nesta perspectiva, a utilização do método cartográfico não
pretende interpretar as ações dos bebês, tampouco atribuir significado aos movimentos
que eles experimentam. Segundo Marlon Miguel (2015), os mapas não tratam de
interpretar o comportamento das crianças, mas de identificar e localizar espacialmente os
movimentos delas. Em um diálogo com esta perspectiva, Deleuze (1997) defende a
utilização de mapas, ao considerar que de um mapa a outro, não se trata da busca de uma
origem, mas de uma avaliação dos deslocamentos. Em vista disso, a cartografia nos auxilia
a observar as relações dos bebês com o espaço, pessoas, objetos, bem como seus trajetos,
afetos e processos experimentados. As discussões sobre a prática realizada são pautadas
em autores no campo da filosofia da diferença, os quais trazem conceitos pertinentes para
se pensar os bebês, estes seres dotados de singularidades que estão se constituindo
enquanto indivíduos. Segundo Deleuze (1995), os bebês não possuem nenhuma
individualidade, mas possuem singularidades. Estas são atravessadas por uma vida
imanente que é pura potência, e até mesmo beatitude. É deste modo que se distingue a
criança do bebê, pois a criança, reconhecida como tal, é capaz de afirmar: “Eu não sou mais
bebê!”. Por outro lado, o mapeamento dos trajetos e afetos do bebê pelo ambiente escolar
também são importantes, pois ele evidencia os agenciamentos, bem como os territórios
criados. Deleuze e Guattari (1980) abordam estes dois conceitos cujas características
podem ser assimiladas no campo da educação. Um exemplo citado pelos autores para se
pensar o conceito de agenciamento é de que o território cria o agenciamento. “O território
excede ao mesmo tempo o organismo e o meio, e a relação entre ambos; por isso, o
agenciamento ultrapassa também o simples comportamento” (Deleuze e Guattari, 1980,
p. 193). Deste modo, o encontro de territórios produz agenciamentos: este último é
efetivado através de uma relação complexa entre territórios. Ao trazer os conceitos de
agenciamento e território para a prática, para a Educação Infantil, estes podem ser mais
bem elucidados. No interior das creches, há o território corpo (bebê), o território
brinquedo, o território alimento, que produzem agenciamentos através de suas conexões.
O bebê que engatinha em direção a uma prateleira e fica em pé ao apoiar-se nela, cria um
agenciamento. Na maior parte do tempo, os adultos planejam territórios para os bebês.
249

Nas escolas, os tempos e espaços são planejados pelos adultos para receberem os bebês.
Entretanto, como dito anteriormente, os bebês reinventam a rotina escolar. Em uma
proposta de brincadeira com blocos de encaixe, por exemplo, há muitas transgressões: um
bebê arremessa o objeto pela janela, outro faz do encaixe um carrinho imaginário e outro
bebê sequer toca no brinquedo. Essas transgressões nada mais são do que
desterritorializações. Deleuze e Guattari (1980) complementam que para se compreender
um agenciamento, é preciso verificar sua territorialidade e suas linhas de
desterritorialização. Para os autores, o território é tão inseparável da desterritorialização
quanto o código da decodificação. Deleuze e Guattari (1995), ao discutirem o conceito de
cartografia, defendem a utilização de mapas em oposição ao decalque, visto que este
último sempre se volta a ele mesmo como uma cópia e não como uma criação. Os autores
assemelham os mapas ao conceito de rizoma, definido basicamente como raízes
emaranhadas, linhas múltiplas que se conectam e se cruzam. O rizoma, embora seja
territorializado, está sempre sujeito às linhas de fuga que apontam para novas e insuspeitas
direções (Gallo, 2016), assim como os bebês inseridos nesta pesquisa.

Palavras-chave: Bebês; Cartografia; Educação Infantil.


250

CONEXÕES BEBÊS E CORPO E MÁQUINA: UM REGISTRO CARTOGRÁFICO DESSAS


CONEXÕES

Gabriela Guarnieri de C. Tebet


Faculdade de Educação da UNICAMP
gabigt@unicamp.br

Gustavo Almeida de Barros


Programa de Pós-Graduação em Educação UFSCar
gustavo_abarros@yahoo.com.br

Temos observado uma potencialidade para o estudo de bebês a partir de diálogos


com o pensamento de Deleuze. Essa potencialidade tem sido explorada pelos autores em
publicações prévias, mas seguem em busca de novos encontros, e novos diálogos que
possam tornar ainda mais potente o encontro entre o pensamento de Deleuze e o estudo
de Bebês.
Pensar o bebê a partir da Filosofia da Diferença proposta por Gilles Deleuze vem
sendo um dos esforços que vem sendo empregado pelo Grupo de Estudos e Pesquisa Pós-
Estruturalistas da Infância, de Bebês e de Políticas Públicas Para a Educação Infantil sob a
coordenação da professora e Doutora Gabriela Tebet. Tendo como uma das
fundamentações sua tese de doutoramento, Isto não é uma criança“.

O conceito de bebê que constituímos, portanto, é o conceito do bebê


como ser singular, pré-individual. Os bebês são o devir, são exemplo de
diferença e carregam consigo a potencialidade de fazer emergir novas
formas de ser, de relacionar-se e de viver (TEBET, 2013, p. 64).

Conceber os bebês como potência é valorizar não só a realidade em ato, mas


principalmente todas as possibilidades não efetuadas, seja por um gesto, um ruído ou por
um simples arrastar-se – movimento –. Nesse sentido, procura se não interpretar e nem
significar gestos, ruídos, movimento. Apenas cartografamos, pois o ato de cartografar
possibilita percorrer por um território, mesmo que sejam territórios por vir, como afirmam
Deleuze e Guattari (1995).
É o que se pode ver frente aos estudos de Bebês que vem sendo desenvolvido por
Tebet e colaboradores, no qual os registro cartográfico permitem identificar os
movimentos de desterritorialização e os processos de reterritorialização. É o que pode-se
ver em Barros (2015, p. 92) ao parafrasear Deleuze e Guattari:

O ambiente-criado não é a imagem do ambiente-real que a criança já


tinha. O ambiente-criado faz rizoma com o ambiente-real, o ambiente-
criado assegura a desterritorialização com o ambiente-real, mas o
ambiente-real opera uma reterritorialização no ambiente-criado, que se
desterritorializa por sua vez em si mesmo no ambiente-real.

Nesse processo vivenciado pelos bebês é possível observar por intermédio das
cartografias que eles agem por desejo o que lhes possibilita inúmeras conexões, não só
mediante o território que se encontra, mas em territórios vizinhos, objetos, pessoas. O que
251

foi possível encontrar em um desses estudos e aqui apresentado duas tentativas de


conexões entre bebês, a partir da conexão de um bebê com uma escova de cabelo – que
na mão do bebê em questão e em uma cena específica converte-se em máquina de
produção de barulho e mobilizando assim a possibilidade de conexão com novos corpos.
É importante lembrar que a cartografia é um método interativo, e que devido o
ambiente ser heterogêneo e composto por multiplicidades. Os desejos, as conexões, os
gestos, ruídos, movimento, embora pertençam a mesma realidade e muitas vezes se
compõe, eles são singulares, provisórios e indefinidos.
Conexões... Este é o tema deste trabalho. Conexões efetuadas, conexões
impedidas, conexões desejadas. Conexões entre bebês, corpos (de outros bebês, de
adultos) e cena (entendida aqui como o contexto da educação infantil, uma cena
minuciosamente planejada pela equipe pedagógica para que os bebês executem suas
funções bebê) e objetos (máquinas de fazer barulho). A articulação com a temática do
evento é evidente!
Deleuze apresenta-nos um olhar interessante para o papel dos pais na relação do
bebê com o lugar. Afirma que as crianças (e os bebês) estão sempre explorando lugares,
envolvidas em “explorar os meios, por trajetos dinâmicos, e traçar o mapa
correspondente” (DELEUZE, 1997, p. 73). De acordo com o autor:

Não existe momento algum em que a criança não esteja mergulhada num
meio atual que ela percorre, em que os pais como pessoas só
desempenham a função de abridores ou fechadores de portas, guardas
de limiares, conectores ou desconectores de zonas. Os pais estão sempre
em posição num mundo que não deriva deles. Mesmo no caso do bebê,
os pais se definem em relação a um continente-cama como agentes nos
percursos da criança.

Aqui os pais não são compreendidos como lugares, mas sim como agentes dos
percursos das crianças, definidores e conectores de lugares. Agentes de poder e, muitas
vezes, de controle.
Na cartografia que apresentamos, vemos uma situação registrada em uma turma
de berçário, em uma creche, no primeiro dia de atividades. Trata-se de um dia planejado
para o início do processo de adaptação dos bebês e por esse motivo, cada bebê está
acompanhado de ao menos um adulto da família. Há dois cestos com materiais não
estruturados disponíveis para os bebês brincarem, colocados em dois cantos distintos da
sala.
A professora está apresentando aos pais a equipe, as regras da creche e a proposta
para o ano. Então, um bebê encontra uma escola de cabelo e começa a batê-la no chão
produzindo um som. A ação deste bebê com a escova, faz com que outros bebês tentem
se aproximar. Inicialmente, vemos uma tentativa de aproximação interrompida pelo adulto
mãe, que intercepta o movimento de seu bebê, o pega no colo e o leva de volta para o
ponto de origem. Vemos aqui o adulto atuando como um “desconector de zonas”.
Pouco tempo depois, um outro bebê tenta se aproximar do bebê que ainda produz
som batendo a escova no chão. Sua mãe também se aproxima, mas ao contrário da
primeira, esta permite o encontro dos bebês. Permite seu bebê conectar-se a esta zona.
Adentrar e experienciar esse lugar produzido pelo encontro do bebê com a escova.
252

Assim, o lugar-território produzido pelo bebê que batia a escova no chão, é desfeito
com a chegada do outro bebê. A escova muda de mão. Ganha outros sentidos. Para de
fazer barulho. E nesse processo de des-re-territorialização, envolvendo os dois bebês e a
escova, a mãe exerce unicamente o papel de conectora de lugar. Aquela que autoriza e
observa o encontra. Pronta para intervir. Mas apenas se necessário.

Palavras-chave: Bebês; Cartografias; Conexões.


253

CORPO, CIDADE E MÁQUINA: RE(A)PRESENTAÇÕES DA CIDADE A PARTIR DA


FOTOGRAFIA

Tatiane Alves Ribeiro


Universidade Estadual de Feira de Santana
portfolio.tatianealves@gmail.com

Nesse texto uma tentativa de análise de algumas imagens fotográficas a partir das
quatro formas de similitudes apresentadas no livro “As palavras e as coisas” de Michel
Foucault e de alguns conceitos/teorias deleuzianos que fortalecem a ideia de
representação, não como cópia apenas, mas como processo de criação/invenção...
re(a)presentações de uma cidade... cidades da cidade de Feira de Santana, cidades da
cidade de Salvador, ambas localizadas na Bahia. O click enquanto ato de criação.
Ao percorrer as trilhas de possibilidades da re(a)presentação percebo que a cidade
não apenas é, mas sim que ela está, pois é da ordem dos encontros e percursos. Relações
corpo-cidade-máquina. Registros visuais e também algo que vai muito além da cópia,
produtos de um sentir e para Deleuze (1981) “A sensação é o contrário do fácil ou do já
feito, do clichê, mas também o contrário do “sensacional”, do espontâneo…” A sensação é
entendida como resultado de uma ruptura com o vínculo sensório-motor. É o acidente, o
choque.
Representar, apresentar, reapresentar. Transformar, reorientar, (des)organizar
conceitos. Assim, escolhi a (des)construção da palavra/conceito representar em busca de
outras visualidades da paisagem fazendo uma ponte com o pensamento de Gilles Deleuze
(2009), que denuncia as características de um modelo de representação que se limita ao já
conhecido, já visto, “[...] a repetição opõe-se à representação” e de Michel Foucault (1999)
que, em “As palavras e as coisas”, apresenta formas de semelhanças, algumas visíveis e
outras invisíveis.
Quais as cidades de uma cidade? Até que ponto o corpo é capaz de promover
encontros e a partir dessa relação corpo-cidade-máquina potencializar outros modos de
ver/sentir a paisagem? Movida por essas perguntas iniciei uma busca por experiências
inéditas, sensações ativadas pelas “invisibilidades” das semelhanças e das cores e silêncios
perceptíveis apenas depois do click, na tela da câmera.
A conveniência é descrita por Foucault como a similitude das propriedades.
Apresenta características como a vizinhança com os lugares, aproximação,
emparelhamento, comunicação pelo movimento ou paixão, um efeito visível da
proximidade, signos, círculos que se tocam.
Ao percorrer a cidade de Feira de Santana-Bahia com uma câmera Canon 600D me
permito criar novos lugares. O corpo performático se inclina e os olhos capturam uma
cidade oculta, visíveis e invisíveis atravessam a lente e se desenham no display LCD. A
intensidade do evento atravessa a tela e me atrave(r)ssa como efeito de um choque, um
acidente. Forças, talvez muito mais potentes que o monumento, a “igreja gótica” da
Avenida Getúlio Vargas (figura 1) que emergem das/nas imagens clichês, pois as
intensidades são efeitos e não coisas, elas estão no aqui e agora, no encontro entre o eu e
o mundo, "encontros alegres", encontros vividos em que a vida se reinventa dentro dela
mesma.
254

A tentativa de fuga ao tipo de representação clichê, que nesse texto tem o


significado de imagem previsível, a escolha por um enquadramento não convencional, por
um ângulo diferente do habitual, um ajuste na configuração da câmera: valor 10 para a
abertura do diafragma e 10 para a velocidade do obturador, enfim, detalhes presentes na
concepção de uma fotografia, fragmentos capazes de revelar uma outra cidade da cidade
de Feira de Santana, mas mantendo a vizinhança, o efeito visível da proximidade. Um
mesmo lugar reinventado.

Figura 1: Luz e movimento, Tatiane Alves, 2015.

Fonte: Arquivo pessoal da autora

De Feira de Santana para Salvador, uma fotografia (Figura 2) de um lugar qualquer


da cidade. Monumento histórico que inspira muitos cliques, mas me sinto atravessada por
uma geometria e logo crio semelhanças, talvez essa imagem seja a re(a)presentação não
apenas da cidade, mas de mim mesma, alguém que transita pelas ruas, pelas telas, pelos
pixels, metamorfoseando em escritas poéticas e reinventando palavras no título de uma
pesquisa de mestrado que escrevi entre 2015 e 2017 na Universidade Estadual de Feira de
Santana/BA, “A cidade e suas re(a)presentações: o vídeo enquanto tela de manifestação e
criação de (im)possíveis”1.

1
Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/
viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=5743062
255

Figura 2: Limites, Tatiane Alves, 2017

Fonte: Arquivo pessoal da autora

O que está representado nas figuras 1 e 2? Ruas? Céu? Movimento? Está tudo ali,
uma coisa mais outra coisa. Cidades de Feira de Santana e de Salvador. Maquinações de
um pensamento re(a)presentados na fotografia.
Tudo no mundo é marcado, uma palavra para cada coisa, um signo para cada lugar,
cidades para uma mesma cidade. Saberes movediços, e para Foucault, a ligação de cada
coisa se dá pela adição, teoria que para Deleuze se manifesta através do “e”, ou seja, uma
coisa e outra coisa e outra coisa no lugar do “ou”. As palavras são coisas a serem decifradas
e todas as linguagens do mundo formam a imagem da verdade. Tudo que é visto, ouvido
ou falado se constituem como saber, mas um saber ainda em construção, um saber de
reticências deleuzianas, aberto a novas interpretações, por isso, para Foucault as palavras
não se findam. Troquemos o “é” e o “ou” pelo “e” assim será possível perceber tantas
outras cidades de Feira de Santana, tantas outras cidades de Salvador.
São infinitas as possibilidades que uma imagem permite, pois representar é também
apresentar, criar algo novo seja através de um pensamento maquínico, seja através de
manipulações maquínicas em um software de edição, a partir desse (des), dessa
(des)construção de uma palavra, novas cidades se revelam e com elas revela-se também
uma manifestação, um agir que se transforma em possibilidades. A fotografia funcionou
como suporte para as imagens que povoaram o caminho que trilhei até aqui e também os
pensamentos analíticos e conceituais dessa escrita.

Palavras-chave: Cidade; Representação; Similitude.


256

TRAJETOS-PROCESSOS DE UMA MÁQUINA SELVÁTICA PELA CIDADE

Thalita Alves Sejanes


UFPR
thalitasejanes@gmail.com

Kátia Maria Kasper


UFPR
katiakasper@uol.com.br

Artistas criando em praças públicas. Trajetos: uma massa destoante e dissonante


arrastando figurinos, caixas de som, textos. Modos de criar, modos de existir no centro de
uma cidade. Este texto, recorte de uma pesquisa em andamento, acompanha o coletivo
de artistas da Casa Selvática, criando uma peça de teatro nas ruas, em Curitiba, no verão
de 2018. Cabaret Macchina - uma pós ópera anti-edipiana. Dramaturgia baseada em Heiner
Müller, adaptando Shakespeare: Cânones e recriações.
Perceber a cidade e seus povoamentos. Convívios. Atenções. Criar com. Criar a
cidade. Variar o fluxo utilitário dos trajetos do centro de uma capital brasileira. Cerca de
vinte pessoas se encontravam para criar. Sentir a cidade com o corpo, com textos. “A
revolução começa como um passeio”1.

Quanto a máquina de guerra em si mesma, parece efetivamente


irredutível ao aparelho de estado, exterior a sua soberania, anterior a seu
direito: ela vem de outra parte. [...] Não se reduz a um dos dois, tampouco
forma um terceiro. Seria antes como uma multiplicidade pura e sem
medida, a malta, irrupção do efêmero e potência da metamorfose. Desata
o liame assim como traí o pacto. Faz valer um furor contra a medida, uma
celeridade contra a gravidade, um segredo contra o público, uma
potência contra a soberania, uma máquina contra o aparelho (DELEUZE;
GUATTARI, 1995, p.13).

No verão, de um país cujo ano anterior estava marcado por sucessivos casos de
censura às Artes2, este bando de artistas de Cabaré decide lançar-se ao encontro na escrita
de uma dramaturgia. Fragmentos de cena, transeuntes. Nos trajetos da sede até as praças
públicas, artistas deslocam-se. Improvisos e imprevistos em guinada. Indo para rua com
perguntas. Máquina Selvática.

Como falar na rua?


Como falar em bando?
Como fala uma máquina?
O que me autoriza a falar? O que me permite ter voz?
Quais os sentidos possíveis de um discurso?
Como fala uma cidade?

1
Cabaret Macchina – Uma pós-ópera anti-edipiana da casa Selvática – Dramaturgia de Francisco Mallmann e
Leonarda Glück, a partir da obra de Heiner Müller.
2
O ano de 2017 no Brasil foi marcado por episódios de censura a temas contemporâneos na Arte como as
narrativas LGBTQIA+ e censura a temas recorrentes, como a nudez.
257

Como fala o inimigo?


Como falar questionando o que se fala?

Como ouvir questionando o que se escuta?


Como não temer ser outra/outro?
Como me perder em uma cidade?
Como não me perder em uma cidade?
Como expor um mundo com o qual eu posso não compactuar?
Como falar “ferida”?3

Toma-se os procedimentos da cartografia de Fernand Deligny (2016), “produzir o


mapa dos gestos e dos movimentos de uma criança autista, combinar vários mapas para a
mesma criança, para várias crianças…” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.10). Entre as linhas
das palmas das mãos das crianças autistas e os mapas traçados. O que pode um encontro?
Como olhar? Este trabalho procura pistas deste processo de criação a partir de estratégias
de olhar (diário de pesquisa, fotografias, vídeos e mapas) e documentos de criação
(caderno de anotação, e-mails e arquivos compartilhados).

Caderno de anotações de processo, Ricardx Nolascx (direção geral Cabaret Macchina).

Inspiração de atenções e desatenções para olhar: “A rede é um modo de ser”


(Deligny, 2015, p.15). Criar um jeito, um caminho, um modo de existir. “Em todas as
frestas”4, afirmam as artistas de cabaré. Deixar de ver umas tantas coisas, para reparar em

3
E-mail de processo, perguntas de Francisco Mallmann que assina a dramaturgia da peça.
4
Anotação de conversa, diário de pesquisa.
258

outras inimagináveis, inúteis. Traçar minoritário e movediço. “O cabaret se instala.”5. Os


mapas revelam-se um modo de criar conexões deste trabalho com. “Quanto mais
controvérsias articulamos, mais vasto se torna o mundo.” (LATOUR, 2008, p. 45).

Procedimento para cartografar.

Produzir modos outros para além dos automatismos. Potencializar o estado de


alerta. Aproveitar o barulho de tudo. “Fracassar, fracassar melhor.”6 Na experimentação
não existe erro. “É preciso haver uma necessidade, tanto em filosofia quanto alhures, caso
contrário nada há. Um criador não é um padre que trabalha pelo prazer. Um criador só faz
aquilo de que tem absoluta necessidade.” (DELEUZE, 2016, p.333) Que corpos esse
processo cria? Quais mapas desta rede de artistas criadoras de um Cabaret Macchina são
possíveis traçar? Criar mapas para olhar estes modos de criar uma dramaturgia, um texto,
criar-viver variados modos de ser na cidade.
Um banquete na rua, um texto de Shakespeare ecoando pelas marquises, uma
marcha, um desfile na praça. “Mas o que serão as mentalidades urbanas do futuro?
Levantar essa questão já é um pleonasmo, na medida em que o porvir da humanidade
parece inseparável do devir urbano.” (GUATTARI, 1992, p. 170). A potência de criação
(ROLNIK, 2018) na lida com a cidade, povoamentos e territorialidades múltiplas, convívios,
reparar e ser reparado em variados e singulares modos de vida.

Palavras-chave: Corpo; Criação; Rede.

5
Cabaret Macchina – Uma pós-ópera anti-edipiana da casa Selvática – Dramaturgia de Francisco Mallmann e
Leonarda Glück, a partir da obra de Heiner Müller.
6
Anotação de conversa - diário de pesquisa.
259

BIRUTAS N°1: PRÁXIS NÔMADES DE VIVER NA E/A CIDADE

Raphael Gonçalves de Faria


Graduando em Artes Visuais - UFU
raphaelfaria@ufu.br

Birutas N°1, corpo-pensamento-cidade-espaço, é um trabalho de intervenção


urbana participativa que busca-se construir territórios comuns efêmeros, propondo
experimentações aos participantes. Por meio das “Birutas”, objetos-brinquedos que
apresentam uma proposição de jogo, os participantes constroem uma nova corporeidade
que abre a uma escuta dos céus e dos ventos. Alimentado pelo conceito de territorialidade
(DELEUZE; GUATTARI. 2012) e de relações interespecíficas do campo da biologia, deriva-se
de modo que “cena” funda-se, no encontro e atravessamento dos agenciamentos de
territorialidade. Deste modo proponho um devir “birutas” para ir de encontro a operações
de artistas ligados ao cinema, ao teatro, e as artes visuais, com a contribuição do
pensamento de Deleuze e Guattari, cartografando modos atravessados por nomadismos
na ocupação espacial. Tais práxis artísticas tecidas em conjunto nesse pathwork textual,
buscam sublevar e ricochetear, forças das camadas e dos agenciamentos de um campo
micropolitico na implosão das megamaquinas urbanas, a qual a arte, e suas ações
ampliadas de ocupação de espaços, e de experimentação que a intervenção urbana produz
no cotidiano solidificado. Modulação de empoderamento ativo e de metamorfose do
espectador em artista.

A concha, como casa do molusco, se torna quando ele morre, o


contraponto do Bernardo-Eremita que faz dela seu próprio habitat, graças
a sua cauda que não é nadadeira, mas preênsil, e lhe permite capturar a
concha vazia” (DELEUZE; GUATTARI. pg.181, 2012).

A imagem do molusco traz um belo movimento de relações interespecíficas,


questões acerca das casas, das posturas, cores, cantos, dos perceptos e afectos, dos
encontros com o mundo, que agenciam movimentos territorializantes de uma necessidade,
de um desejo musical. Devir preênsil de uma captura sutil. Hashi que captura sem esmagar.
Como o Bernardo-Eremita ao fazer sua casa dos “resíduos”, encontrar formas não
formadas, novas consistências nas forças lixiviadas pelos movimentos do mundo. Além do
fato de alguns pepinos do mar se estabelecem nessas conchas-moveis e a adquirirem com
esse acoplamento triplo, concha-Bernardo-Pepino, um deslocamento de seu hábitat
corriqueiro, opta por uma vida em fluxo ao ponto fixo de uma pedra.
Hélio Oiticica abordou em suas práticas experiências limites do cinema. Gestando
um modo de operação que denominou quasi-cinema (2005), propunha que os elementos
e seus movimentos compositores, operavam um confronto de desmitificação das imagens
estratificadas e um potencial experimental de geração de novas imagens. Devir câmera do
corpo. Devir corpo da câmera. O “Quasi” opera um duplo, uma incapacidade de ser cinema,
estando no corpo, mais um desejo de se operar “como” cinema, como indica sua
correspondência latina. Operar a captura das imagens do mundo como acontecimento, não
como documentações, nem história, mais como improvisações, fluxos de intensidades das
forças do mundo. Experimentação, que pode vir produzir novas imagens e novas
corporeidades.
260

Operar como o cinema de Rivette e sua potência do sonho. Lugar paradoxo, sonho
na vida, ou vida no sonho, uma vastidão. Lugar que “o sonhador pode apreender o dia e a
noite, o sol e a lua, como grande circulo exterior que comanda todos os outros e reparte as
sombras e a luz.”(pg. 232, 2016). Deleuze vê na obra de Rivette três círculos, três espirais,
que se ricocheteiam, sínteses que abrem ao infinito e tensionam a relação da cena, e seus
atravessamentos do teatro e do cinema na obra de Rivette. Opondo-se a teatralidade,
Rivette, texto produzido por Deleuze utiliza dos três círculos, aspirais que se desenvolvem,
se rebatem, se ricocheteiam no entre, para então abrir a toda uma irrealidade. Irrealidade
que é a potência do cinema, e que atravessa as virtualizações dos corpos de modo
semelhante, o que faz com que Deleuze faça aproximações das operações destes, e seus
modos de gestação de imagens. Rivette fissura o atuar ao explorar os papeis, as atitudes e
posturas, as mascaras, de modo a fazer vazar em movimento a dissipação da imagem.
Potência do cinema, do sonho e do delírio. Lugar do delírio, do sonho, do devir, onde o
sonho e a realidade se embaralham, arejando os limites enrijecidos do que Pirre Levy
denomina de “barreira de Ferro ontológica”, para que o pensamento possa agenciar novos
mundos.
Beckett e seu espaços-qualquer (2010), seu desejo de um espaço esgotado, para
que infinito possa rodar, opera uma extenuação das potencialidades do espaço. Busca-se
dissipar a potência da imagem de modo a criar espaços-qualqueres, que por mais
geométricos e delimitados que se apresentem, possam ser povoados e percorridos,
gestando ritornelos paradoxais que esgotam o espaço ao passo que o abrem ao infinito.
Esgotar o banal para abrir outras coisas, o espaço-qualquer é um tipo de imagem do plano
da geografia da extensão, só é possível povoa-la como nômade.
Teço essas três praticas de artistas, junto ao pensamento de Deleuze e Guattari, que
elaboram complôs precários que nos permitem tatear forças do mundo, potencia de um
meta-cinema nos corpos, nas cenas, nas operações do pensamento desmistificando as
imagens solidificadas. Maquina necessária ao por vir de um devir juntos, em
acontecimentos e danças de birutas desejantes que se propõem a dançar as e nas forças
do mundo. Experimentação de brinquedos-corpos-acoplamentos “Birutas”, que em sua
corporeidade busca sublevar o potencial dos corpos em experimentação, em suas relações
com as imagens e seu plano de consistência.

Palavras-chave: Espaço-Qualquer; Quasi-Cinema; Territorialização.


261

CARTOGRAFIA AMBIENTAL: MÁQUINA DE GUERRA NA PAISAGEM

Matheus Reis
PUC-Campinas / Atelier Contágio / Nave na Mata
mth.reis@gmail.com

A Mata Santa Genebra é um reconhecido patrimônio natural da cidade de Campinas


gerido pela Fundação José Pedro de Oliveira, sendo uma das maiores reservas urbanas
nacionais. Como fotografo de campo, tive a oportunidade de visitá-la com frequência, o
que proporcionou uma perspectiva singular sobre a cartografia, a qual já vinha pesquisando
há alguns anos. Floresta estacional semi decidual abriga grande diversidade lianas
(trepadeiras) em seu interior, com as quais comecei a estabelecer uma série de relações
com a proposição rizomática. Assemelham-se por sua dispersão em um espaço liso aéreo,
assim como o solo o é para o rizoma. No entanto, as lianas necessitam de pontos de fixação
para seu crescimento, o que chamou atenção. Há uma dependência de seu crescimento
com o ambiente imanente, ela é interdependente da paisagem material para criar suas
relações territoriais. Se a copa de uma árvore passa a produzir sombra no lugar da paisagem
em que esta ocupa, logo ela se deslocará para outro se guiando por novos pontos de
fixação. Onde antes ocupava seu foco de energia ficará sem folhas, sendo este deslocado
a um novo lugar adequado. Mesmo sem folhas, o resíduo de percurso continua a sustentar
a trepadeira, sendo seu uso reciclado a outro sentido, em acordo com uma circunstancia
presentificada. Esse mesmo resíduo acumula-se em abundância na mata, além de sustentar
novos possíveis da trepadeira também é desterritorializado quando se torna paisagem para
territorialização de outras espécies. Nesse diálogo, houve uma convivência recorrente com
os macacos-prego (Sapajus nigritus), que é uma das muitas espécies que fazem seu uso.
Assemelham-se as lianas por dependerem de pontos de fixação, capacidade de apreensão,
mas diferem-se por não deixarem resíduos evidentes e por não possuírem uma raiz fixa, o
que lhes confere mais mobilidade.
Persegui esses devires de apreensão produzindo esculturas em diversos espaços.
Essas criações performativas, dependentes dos pontos de fixação em uma paisagem,
geraram linhas de fuga que modificaram significativamente meu modo de compreender a
cartografia através de uma prática corporal. Tornou-se uma necessidade racionalizar esse
plano de consistência, organizar a intersecção de ideias que já não mais se restringiam
apenas ao domínio artístico. Apesar da desconfiança com tal racionalização, passei a
percebê-la como matéria de expressão. Os mapas, entendidos como territorialização,
carregam intensidades, criam outras relações e devires que não seriam possíveis antes
deles. O próprio movimento de cartografar altera as relações dinâmicas com os
agenciamentos de ambiente/paisagem em que estamos inseridos, mas que independente
disso, não para de mover, desterritorializar e deformar. Na tentativa de minimizar o risco
de investir numa abstração transcendente, essa articulação de ideias foi debatida em
espaços formais e informais de pesquisa, agregando contribuições importantes de outros
campos com os quais não estava familiarizado. Parte desse processo envolveu o
desenvolvimento de diagramas cartográficos que auxiliassem e dessem clareza aos
diálogos, bem como, fotografias dos estudos de campo que também oferecessem outras
entradas de leitura que compõe com o texto.
Levando em consideração a vivencia nos ambientes da Mata Santa Genebra e as
262

espécies que a habitam, bem como o domínio artístico de onde partiu o processo de
criação, houve uma circunstancia singular que proporcionou o desenvolvimento de um
novo vocabulário adaptado a esta, referenciado por conceitos de Deleuze/Guattari,
Maturana/Varella, Jacob Von Uexküll, Richard Morris, Ilya Prigogine, Fritjof Capra, Tim
Ingold, Suely Rolnik e Eduardo Viveiros de Castro.
Portanto, esse trabalho tem como proposição apresentar uma reflexão sobre a
criação de cartografias. Pauta-se pela experiência fenomenológica do corpo em uma
paisagem específica e expõe questões para debate, tais quais: Como a cartografia
estabelece pontos de fixação, ou ritornelos, para traçar um plano de consistência? Como o
movimento de territorialização apreende a paisagem enquanto matéria de expressão?
Como os afetos utilizam-se de artifícios reconhecíveis da paisagem para fazerem-se
compreensíveis ao outro? Essas inquietações tornam-se singulares na medida em que se
sustentam pela dinâmica expansiva das lianas, bem como, pela interdependência entre os
corpos vivos e os resíduos da paisagem para formação de ambientes. Com isso, é possível
se pensar na cartografia como uma máquina de guerra do corpo em transversalidade com
o espaço liso da paisagem, pois além de modificar e gerar linhas de fuga no percurso do
pesquisador assume sua interferência como parte do jogo de forças do ambiente.

Palavras-chave: Cartografia; Estudos Ambientais; Paisagem.


263

EXPERIMENTAÇÕES COM DESENHO NO ENSINO DE SOCIOLOGIA: CONSTRUINDO


SENTIDO A PARTIR DOS AFETOS

Isabela Froes Righi


Universidade Federal de Minas Gerais UFMG
froesrighibela@gmail.com

Graziele Ramos Schweig


Universidade Federal de Minas Gerais UFMG
graziele.schweig@gmail.com

Caio Morais Sena


Universidade Federal de Minas Gerais UFMG
caiomsena15@gmail.com

As reflexões desenvolvidas aqui surgem de experimentações realizadas em


atividades vinculadas ao estágio docente da licenciatura em Ciências Sociais aliadas a
práticas vivenciadas no coletivo que compõe o programa de extensão “Ateliê de Ciências
Sociais e Ensino” da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Na companhia de Deleuze e Guattari, Tim Ingold, Virgínia Kastrup, Fernanda
Eugenio, entre outros, colocamo-nos o desafio de questionar dicotomias tomadas como
dadas na formação docente, já que nos sentíamos atravessados por pares de opostos como
ensino-pesquisa, mente-corpo, teoria-prática, Ciência-senso comum, aula expositiva-
dinâmicas de grupo etc. O esforço por criar linhas de fuga a tais fragmentações recorrentes
tomou a forma de proposições, de formulações a partir da abertura de espaços de
experimentação e submissão ao inesperado e o não saber.
Tendo isso em vista, ao se pensar numa lógica de produção do conhecimento em
que se considera o ensino e a prática da ciência - “uma ciência do social” - como domínios
separados e hierarquizados, buscamos investigar possibilidades múltiplas de conexão entre
eles. Acercamos esta problemática por meio do exercício da atenção voltada aos encontros
e ao que se tem no Acontecimento (DELEUZE, 2003). Ou seja, trata-se de se preocupar mais
com a “atenção” ao que está em contínua movimentação do que com a própria “intenção”
de se produzir ciência (INGOLD, 2015). Com isso, abre-se a possibilidade de coletivizar a
produção de sentido na pesquisa e no ensino – afastando-se de protocolos rigidamente
pré-estabelecidos – por meio de um fazer pesquisa e um fazer ensino nas Ciências Sociais
que sejam afetados pelos corpos e presença do outro em um mundo que se constitui a
todo tempo, em ato, em mudança.
Portanto, este trabalho é a tentativa de engendrar experiências, invenções e
estudos, realizados por estudantes-professores de Ciências Sociais e, ao mesmo tempo,
nenhuma dessas categorias por completo, mas o devir dessa junção. Enquanto educandos,
dispomos nosso corpo-aluno aos recordes e possibilidades do campo científico, mais
precisamente, às experiências de formação antropológica, política e social. Por outro lado,
enquanto educadores, aprendemos a reinventar tais dimensões pré-determinadas àqueles
sujeitos que se apresentam em diálogo. Tomamos como causa a necessidade de
transcender o senso comum para, só então, chegar à “Ciência”, tecendo maneiras de
operar aquele determinado encontro – a aula de Sociologia, partindo de uma perspectiva
264

atenta e imanente. Destituir o que se apresenta como conhecimento reificado, científico,


autorizado para que as dimensões significativas do mundo que se apresenta em cada
encontro é, graças à marca do positivismo de nossa origem e criação, um dos maiores
desafios do nosso campo.
Nesse fazer, a aula institucionalizada torna-se instrumento para os sujeitos,
humanizando a ciência e desimunizando o corpo para os afetos que nos aparecem, como
os artifícios primeiros de um fazer docente que coletiviza a produção de sentido e signifique
o mundo a partir de signos e forças comuns. Essa dinâmica, então, é um desconstruir e
construir constante do que se apresenta, sobretudo no que diz respeito ao corpo-docente:
exige arriscar o nosso corpocientífico, apreendido pela pretensão pesquisadora e
explicadora da academia. Sociedade, trabalho, família, poder... conceitos e categorias
definidas de antemão por um mundo outro que, distante da realidade de cada turma ou
círculo de cultura, destroem as potências desse campo no momento em que as ignoram.
Nossa tentativa é constantemente remodelar a aula-instrumento para que ela seja objeto
de um plano imanente comum e dinâmico, onde os cursos que se estabelecem são fluxos
acolhidos pelo corpo que nos tornamos juntos, significados através de olhos e afetos
compartilhados. Mais do que revelar qualquer potencial “emancipador” que parece,
muitas vezes, uma lógica inata das Ciências Sociais, nossa busca é pela (re)descoberta dos
corpos como tralha viva (EUGENIO; FIADEIRO, 2012; EUGENIO, 2017) disposta aos
atravessamentos dos diversos mundos que se formam a partir de nós.
Essas reflexões se materializaram e se potencializaram no encontro com práticas
artísticas, lançando mão do desenho e tomando a forma de um jogo que tem seu sentido
reconstruído a cada vez que é jogado. Sentidos que surgem a partir dos afetamentos do
corpo e que não são dados anteriormente, mas se configuram como produtos que
transmutam afetos no exercício de formulação de perguntas direcionadas a desenhos
feitos - ao mesmo tempo gerando novos desenhos produzidos a partir de perguntas. O
nome do jogo permanece em aberto; nome livre. Assim, mantém o desejo que ele não caia
em novas ou velhas dicotomias que limitariam seus sentidos. Isso nos gera a necessidade
de uma atenção constante ao que está sendo feito e às pessoas que ali se dispõem a essa
prática. Assim, ao agenciar Sociologia e desenho, cria-se, então, uma aula-instrumento que
permite explicitar e acompanhar a produção de sentido em se fazendo a cada vez.

Palavras-chave: Corpo; Desenho; Ensino de Sociologia.


265

O DEVIR-JOVEM E O DEVIR-ESCOLA: CARTOGRAFANDO PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO


DE JOVENS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO

Eleonora Abad Stefenson


Universidade Federal Fluminense
eleonoraabad@gmail.com

O presente artigo foi construído no âmbito da pesquisa de doutoramento em


desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
Fluminense, e tem como objetivo apresentar um recorte de sua empiria sobre os processos
de produção de sentidos agenciados por jovens discentes do Ensino Médio de uma escola
pública do Rio de Janeiro em suas narrativas sobre seus percursos formativos. Esta
investigação caracteriza-se como uma pesquisa intervenção construída a partir de
procedimentos da pesquisa cartográfica. Entendemos que esta aposta teórico-
metodológica nos permite compreender os processos de subjetivação dos sujeitos
envolvidos na pesquisa, pesquisadores e pesquisado. Para a construção desta análise
dialogaremos com as produções de Deleuze e Guattari (2011), assim como Kastrup e Passos
(2015), e Tedesco (2014). Que devir-escola e devir-jovem nossos interlocutores anunciam
em suas narrativas? Nas linhas redesenhadas no processo da pesquisa cartográfica com
estes jovens moradores da periferia fluminense, a arte - expressa muitas vezes em seus
corpos pelos modos de se vestir, de agir e pelas tatuagens, assim como pelas rimas e
batidas (des)reterritorializadas para o pátio das escolas - apresenta-se como um
importante vetor de alisamento das rígidas estruturas escolares. As transformações
sentidas na sala de aula, a partir das conexões entre o saber escolarizado e o saber
produzido nas periferias fluminenses, nos oferecem pistas sobre estes múltiplos sentidos
negociados e disputados no que tange os currículos escolares e os seus próprios percursos
formativos. O deslocamento dos conceitos de alisamento e estriamento (DELEUZE;
GUATTARI, 2012) para a pesquisa em educação nos sugere uma possiblidade para
pensarmos a complexa relação: espaço-corpo e espaço-escola, enquanto lugares
atravessados por forças de alisamento e estriamento. Por agenciamentos de maior ou
menor intensidade desses vetores que se desdobram em maior ou menor fluidez. Eis o
devir-corpo e o devir-escola. Neste sentido, apesar de reconhecermos a instituição escolar
enquanto uma estrutura basilar do projeto de Estado moderno nacional - em função do
papel a esta atribuído de homogeneização e sedentarização - capturando as singularidades,
percebemos, igualmente, um movimento de produção de singularidades que se
multiplicam nas experiências cotidianas da instituição. As diversas formas de (se) narrar
neste processo nos apontam para possibilidades de leituras políticas sobre as suas
realidades e sobre o mundo. Atentos a esta característica da pesquisa, enquanto espaço de
cruzamentos de diferentes saberes, como é a pesquisa em Educação e, em especial, a
pesquisa a ser construída com os seus atores (os estudantes) no interior da escola,
território comum ao pesquisador e aos pesquisados, entendemos que o método da
pesquisa-intervenção, construída a partir dos procedimentos da pesquisa cartográfica
(PASSOS; BARROS, 2015), articula-se com as nossas escolhas teóricas no sentido de nos
desafiar na construção de uma pesquisa que valorize a pluralidade de vozes que a
compõem. Não sendo, portanto, uma pesquisa sobre, mas uma pesquisa com os jovens
estudantes do Ensino Médio da Rede Estadual do Rio de Janeiro. Para tanto, enquanto
266

pesquisadores-cartógrafos, nos debruçaremos sobre as produções narrativas dos nossos


pesquisados: jovens rappers, estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, moradores do
Complexo do Viradouro, em Niterói (região metropolitana do Rio de Janeiro), a partir de
entrevistas realizadas em 2018. Buscamos compreender em suas produções esse
conhecimento escolar que se constrói “no entre”, no transbordamento. Um conhecimento
que não é arborescente, é rizomático (DELEUZE; GUATTARI, 2011) e, neste sentido,
atravessado por múltiplas vozes, velocidades e temporalidades. A investigação sobre a
trajetória formativa dos jovens rappers da periferia fluminense reforça a nossa certeza
sobre a potência desta aposta teórico-metodológica para as pesquisas em Educação, algo
que ainda se apresenta de forma escassa nas produções do campo. Os diálogos com os
jovens descortinam olhares que nos sugerem um mundo de possibilidades que se
apresentam em cada ruela, em cada beco, em cada campo, em cada encontro. O que os
jovens nos anunciam é o porvir de uma outra história, uma outra escola. Uma história
rimada na ágora das rodas de periferia onde histórias como as deles não serão apagadas.

Palavras-chave: Escola; Juventudes; Periferia.


267

PESQUISA, EXPERIMENTAÇÃO E ATENÇÃO AO ACONTECIMENTO: AGENCIAMENTOS


ENTRE CIÊNCIAS SOCIAIS E ENSINO

Graziele Ramos Schweig


UFMG
graziele.schweig@gmail.com

Árllan Maciel Cunha Alves


UFMG
arllanmaciel@gmail.com

Como colocar o ensino de Ciências Sociais a serviço do acontecimento? Partindo


dessa questão, neste trabalho nos propomos a percorrer trajetos de um coletivo que tem
feito borrar fronteiras entre ensino, pesquisa e extensão, agenciando professores e
estudantes de licenciatura em Ciências Sociais na Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG). Pensar práticas de ensino e aprendizagem em
conjunção com o campo dos saberes das Ciências Sociais envolve reconhecer uma
trajetória de desencontros e rejeições recíprocas, em parte fruto da presença inconstante
da Sociologia como disciplina na escola básica no Brasil. Por muitos anos, as Ciências Sociais
desenvolveram-se academicamente de modo alheio às demandas da educação básica,
sendo apenas recentemente chamadas a criar modos de diálogo com jovens estudantes,
em função da obrigatoriedade do ensino da Sociologia no Ensino Médio, ocorrida desde
2008.
Essa história de distanciamentos é evocada por alguns sob a ótica da falta, na
justificativa da ausência de uma comunidade de disciplina em torno da Sociologia escolar,
que estabilize currículos e conteúdos a serem ensinados. No entanto, nos propomos aqui
a transmutar essa suposta falta em potência, na ocupação de brechas criadas pelas várias
dicotomias reproduzidas nos desencontros entre Ciências Sociais e escola, entre o mundo
acadêmico e os fluxos de vida. Assim, a reflexão aqui desenvolvida situa-se no trabalho do
Ateliê de Ciências Sociais e Ensino, tornado programa de extensão da FaE/UFMG em 2019,
no sentido de evidenciar os modos como vem atuando nessas brechas, na criação de outros
agenciamentos. O grupo, composto em setembro de 2018, a partir de uma chamada de
estudantes para participarem de uma pesquisa etnográfica sobre práticas da docência da
Sociologia na rede pública, reuniu oito estudantes que acompanharam onze professores
nas escolas, realizando observação participante. Aos poucos, fomos percebendo o caráter
formativo e a aproximação interessada dos estudantes-pesquisadores aos professores que
acompanhavam em campo. Buscavam referências nesses sujeitos, questionavam-se sobre
algumas práticas, empolgavam-se com determinadas atividades – as quais compartilhavam
em outros espaços de atuações suas. Isso ocorria, pois alguns integrantes do coletivo,
licenciandos em Ciências Sociais, faziam ou passaram a fazer o estágio obrigatório da
licenciatura em Ciências Sociais e começavam a dar aula; outros dois tornaram-se
professores designados da rede estadual ao longo das atividades do grupo; outros três
passaram a ser professores em cursinhos populares. Desse modo, borravam-se as
fronteiras entre pesquisadores e pesquisados; professores e estudantes. Estávamos todos
interessados em pesquisar, aprender e compartilhar modos de ensinar Ciências Sociais de
maneira inventiva, criando desvios as lógicas academicistas ou que fazem cristalizar formas
268

prévias ao encontro com o outro. Assim, além da pesquisa, sentimos a necessidade de


expandir nossas atividades por meio da extensão universitária, realizando encontros
abertos com a participação de professores acessados pela pesquisa; criando,
experimentando e fazendo circular propostas de exercícios e oficinas. Denominar o grupo
como Ateliê de Ciências Sociais e Ensino – nome que disputou o espaço com tantos outros
por alguns meses – foi um desafio à parte, algo que analisamos agora como dizendo dos
desejos e forças que constituem esse coletivo, uma vez que (1) ateliê não é um laboratório,
nele não cabem situações ideais e controle de fatores, mas acidentes inventivos, os
descompassos que nos convidam, ou até nos obrigam, a lidar com o inesperado e a compor,
científico-artisticamente, com o incômodo, com as forças que não só nos escapam, mas
também nos puxam e balançam, tanto em campo como na escola ou em qualquer outro
espaço-tempo da vida; (2) não se trata de um grupo de “Ensino de Ciências Sociais”, mas
um coletivo de “Ciências Sociais e Ensino”, onde nos propusemos a – enquanto cientistas
sociais e educadores em exercício, em potência e em transformação – agir nas
possibilidades e (contra os) limites existentes nas maneiras habituais de se tratar educação
e ensino e antropologia e sociologia e ciência política e... Ou seja, abandonar o de em favor
do e provoca tensionamentos nas relações de posse e subordinação entre domínios do
saber. Ao invés de reforçar um outro campo de especialismo, um terreno firme para dizer
desde onde falamos, a aposta foi na abertura à invenção de novas possibilidades de relação
e alianças. Assim, afastando-se de uma concepção tradicional de pesquisa como
mapeamento ou coleta de dados, fomos nos aproximando cada vez mais de uma
pragmática cartográfica, que inclui a invenção, a experimentação e o encontro com modos
de fazer artísticos. Ao deixar permear nossos estudos e práticas por autores como Deleuze
e Guattari, Virgínia Kastrup, Fernanda Eugenio, Tim, Ingold e Isabelle Stengers, tem se
tornado central a busca por práticas de cultivo da atenção ao acontecimento (DELEUZE,
2003; EUGENIO, 2017) ou da atenção imanente (STENGERS, 2017) como meio de encontrar
formas de dispor as Ciências Sociais em correspondência (INGOLD, 2013) com os fluxos de
vida.

Palavras-chave: Acontecimento; Ciências Sociais e Ensino; Formação Docente.


269

DELEUZE E FORMAÇÃO DE PROFESSORXS: UM MAPA EM RASCUNHO

Sálua Domingos Guimarães


Secretaria Municipal de Educação de Campinas
saluagui@gmail.com

Curiosa e com um mapa em rascunho inicio uma viagem (sem destino final) à e na
margem dos currículos- certinhos, marcados por espaços e tempos hierarquizados,
centrados no tempo cronológico, na reprodução de práticas e na naturalização dos
materiais chamados materiais pedagógicos. Num dos pontos do mapa está Gilles Deleuze
(2002) com quem tenho experimentado movimentos outros de pensares e fazeres que
potencializam devires… Com Sandra Mara Corazza (s/d) experimento propostas outras de
formação de professoras-artistas que curiosas experimentam transver as materialidades
para desencadear devires na relação com os pensamentos sobre o que se define como
material pedagógico nos currículos-certinhos. Pois segundo Corazza (s/d, 22),

Os educadores-artistas são tomados em segmentos de devir-simulacro,


cujas fibras levam deste devir a outros, transformam estes devires
naquele, atravessam limiares de poderes, saberes, subjetividades. (...)
quando os professores-artistas compõem, pintam, estudam, escrevem,
pesquisam, ensinam, eles têm apenas um único objetivo: desencadear
devires. Devires que são sempre moleculares, já que devir não é imitar
algo, nem identificar-se com alguém, tampouco promover relações
formais entre identidades.

Como professora-pedagoga-educadora-artista (Corazza, s/d) me aventuro a operar


em currículos plurais nos encontros de experimentação e criação com professorxs, com
potência de desencadear devires…
Narro aqui um fragmento desses encontros que podem criar outras possibilidades
de viver a docência na educação infantil.
O encontro aconteceu na Universidade Federal de São Carlos, como parte da
programação do I Seminário Internacional de Infância e Educação Infantil, em 2017, com o
nome de “oficina Composição de lugares”. A intencionalidade primeira foi de problematizar
o conceito de material pedagógico a partir de vivências criativas com peças soltas,
presentes no cotidiano urbano, industrializadas e naturais. Peças soltas são materiais com
propriedades variadas, abertas, que podem ser movidas e manipuladas de várias maneiras,
sem direção e modo específicos de criar conexões. A potência de um ambiente está
relacionada com a oportunidade que permite às pessoas interagir com ele e fazer conexões
(NICHOLSON, s/d).
As professoras foram convidadas a criar, coletivamente, construções
bidimensionais e/ou tridimensionais em diálogo, partilhando olhares, desejos,
experimentando vivências de corpo inteiro. A vivência foi marcada pelo encontro das
profissionais com uma coleção de peças soltas e com o convite para experimentar
possibilidades de compor relações, conexões, histórias com as diversas peças soltas
disponibilizadas às professoras. É um convite para inventar coisas com “desutilidade
poética”, como diz Manoel de Barros (2000) para alargar experiências sensíveis.
270

Encontros como esse são atravessados por forças e velocidades infinitas do caos
criando múltiplas possibilidades de pensares e de criares. Com as professoras experimentei
apanhar desperdícios, amar os restos e inventar… (Barros, 2000).
Para além de peças soltas, como materiais, as materialidades são ferramentas-
potências que abrem espaços para pensar e que não se limitam ao adjetivo de pedagógico.
Portanto, a escolha de materialidades está diretamente relacionada com suas
potencialidades de criar espaços-tempos efêmeros, multissensoriais, acolhedores,
desafiadores. A relação com as materialidades é experimental e poética e possibilita às
professoras-artistas conectarem-se a movimentos de criação e expressão dos seus
pensamentos e fazeres.
Poetizar com as materialidades que atravessam e se conectam com os currículos
plurais e que potencializam devires... poéticas líquidas e fluídas e escorregadias e
flutuantes… poéticas dos restos… [re]liga e extravasa e [re]combina e captura e se apropria
e surrupia farrapos e resíduos.... poéticas das marcas e dos deslocamentos do olhar…
poéticas outras que potencializam novos movimentos curriculares e colocam os
pensamentos em movimento.
Nos encontros-acontecimentos as professoras-artistas criaram pontes e conexões
com seus movimentos criativos experimentados coletivamente; com os processos de
deformação e transformação singulares. O contato inesperado com a coleção de
materialidades provocou nas participantes um desejo de se aventurarem pelas produções.
Os olhares e comentários de surpresa e de encantamento transbordaram-se de afetos
experimentados pelo corpo. Extraíram sensações das materialidades. Desmoronaram
pensamentos. As professoras-artistas experimentaram relações efêmeras e inusitadas.
Criaram composições que alargaram e diversificaram multiplicidades de pensamentos
sobre "material pedagógico".
Reticente pergunto: o que é material pedagógico na educação infantil, nos
currículos plurais?

Palavras-chave: Currículos Plurais; Formação de Professores; Material Pedagógico.


271

PERSPECTIVAS BÁRBARAS DA VIOLÊNCIA: A PRODUÇÃO DO LABORATÓRIO DE ARTISTAS


MAPA TEATRO PENSADA COMO MÁQUINA DE GUERRA

Clara Barzaghi de Laurentiis


Núcleo de Estudos da Subjetividade PUCSP
clarinhalaurentiis@gmail.com

O laboratório de artistas Mapa Teatro tem se destacado no contexto latino-


americano por seu caráter experimental que se distancia dos formatos tradicionais das
artes cênicas. Mas o grupo colombiano chama a atenção por sua produção frequentemente
estar relacionada ao curso da História, especificamente da história colombiana, e vem daí
certa possibilidade de continuidade indeterminada de alguns processos criativos. Ao longo
dos últimos anos, que já ultrapassam uma década, os irmãos Abderhalden (diretores e
fundadores do grupo) se dedicaram a encenar uma Anatomia da violência na Colômbia,
criando um tríptico que abordaria as três principais facetas da violência: o paramilitarismo,
o narcotráfico e a guerrilha. No delirante tríptico composto por quatro peças o grupo coloca
em cena Pablo Escobar, a miss Universo descoroada, revolucionários com máscaras de
látex, Maiakovski, guerrilheiros seminus, testemunhas reais, um xamã que fuma charutos
cubanos.... Dando saltos pela história oficial, o grupo apresenta perspectivas que se
deslocam da codificação teórica estatal da violência, possibilitando análises não moralistas
ou morais das variadas formas sob as quais a violência se distribui pelo corpo social.
A violência é entendida, aqui, enquanto relações de força que operam, física e
subjetivamente, entre os corpos individuais, coletivos e sociais. Há um discurso que
legitima seu uso pelo aparelho de Estado e a renomeia justiça e, consequentemente, define
que o violento será aquele que vem de fora - o outro, o bárbaro (Lapoujade, 2015).
Ora, “toda manifestação de Cultura não é, ao mesmo tempo, uma manifestação de
barbárie?” é a pergunta, que retoma Walter Benjamin, feita pelo diretor do Mapa Teatro,
Rolf Abderhalden, no começo de La despedida (2017). Se há um “eu”, sempre há outrém,
e outrém de outrém. Aqui, tomo a liberdade de fazer uma torção na noção “barbárie” tal
como entendida por Benjamin, para pensar como a produção do grupo possibilita
abordagens que escapam à grade de codificação e descodificação do que se costuma
chamar de violência e suas implicações subjetivas, bem como de suas manifestações
macropolíticas.
Os bárbaros são, para a opinião geral, os não civilizados, o que não é o centro, o que
não sou eu. No entanto, a barbárie mencionada por Rolf não é a existência de um outro
objetificado, vitimizado e amparado pelo artista redentor que critica o status quo. Instaurar
manifestações bárbaras é a operação presente nos mais variados movimentos do Mapa
Teatro em sua Anatomia de Violência e cada “manifestação de barbárie” se apresenta
como uma perspectiva que é a “expressão de um mundo possível” (Viveiros de Castro,
2002), na qual o grupo tenta habitar. Perspectiva que coexiste com outras incontáveis
perspectivas e não reconhece um ponto de vista absoluto, ou a Verdade da Cultura, assim
a combate sem participar de sua lógica.
São máquinas de guerra, cuja potência destruidora pode despedaçar a composição
do espaço-tempo que dá à violência estatal o estatuto de justiça. Quanto mais contestam
“os espaços- tempos englobantes do Estado” (Lapoujade, 2015: 88) se tornam menos fixas
a um único lugar. Na destituição do Uno como ponto de referência, manifestações bárbaras
272

podem se espalhar por todos os lados, sem caminho traçado de antemão, desorganizam a
ordem e operam em outros espaços-tempos criados em seus deslocamentos.
Enquanto as máquinas de guerra operam em uma lógica externa ao aparelho de
Estado, sua potência destruidora não existe em oposição a nada, está a serviço de uma
fúria, manifestação de afetos que vêm de fora e não têm objetivo futuro. Elas barbarizam
ao sair da lógica estatal e sua univocidade, admitindo uma multiplicidade de perspectivas
e, consequentemente, desviando do espaço- tempo admitido como único pela soberania
política.
Considerando a proposta do seminário, a apresentação pretende pensar como, ao
jogar em cena um Mao Tsé Tung embrenhado em uma selva amazônica que se torna
personagem e contracena com Lênin e outrora havia sido mata de coca, enquanto Fidel e
Che disputam uma partida de xadrez, o Mapa Teatro instaura essas manifestações
bárbaras. Pois é a montagem - articulando vídeos, gravações de rádio, atores e cenografia
– que cria saltos revoltosos e delirantes, que estilhaçam qualquer linearidade ou
circularidade do tempo. E a cada cena vemos personagens que vão e voltam e reaparecem
de outro jeito e a cada salto podem surgir alianças para além do teatro, interlocuções com
o espectador que opera da sua própria maneira criando formas de traduzir em si mesmo
(ou em texto) a experiência e elaborar pensamentos críticos.
Dito de maneira mais objetiva, considerando que a arte pode despertar a sensação
de um conceito, tratar a produção do Mapa Teatro a partir da noção de máquina de guerra
é uma tentativa de pensar como experiências estéticas podem causar deslocamentos
subjetivos que destituem o Uno do pensamento e liberam perspectivas para olhar o
macropolítico.
Paramilitares, indígenas, negros, camponeses, traficantes, guerrilheiros,
comerciantes, sicários, prostitutas, drogaditos, múltiplas formas de vida se espalham pelos
vídeos, pelas cenas, pelos pensamentos e se encontram e se modificam constantemente
nos trabalhos do grupo - e quem era vítima corre o risco de se tornar carrasco. Apresento
desdobramentos do meu encontro com a produção do grupo que, a partir das
problemáticas encontradas em seu processo criativo e em suas obras, estabelece
conversações poéticas com a temática da produção de subjetividade no capitalismo
contemporâneo.

Palavras-chave: Mapa Teatro; Micropolítica; Violência.


273

O TEATRO COMO ESPAÇO-MÁQUINA

Juliano Felisatti Gonçalves Pereira


Teatro da Pedra
jpirabaun@hotmail.com

Giovana Scareli
Universidade Federal de São João del-Rei
gscareli@yahoo.com.br

“Venho de um tempo onde o tempo não havia.”


Helder Moutinho

Plateia acomodada. Silêncio. As luzes se apagam. Alguns toques de uma máquina


de escrever são ouvidos e logo encobertos por um barulho de um rádio sendo sintonizado.
A luz sobe lenta e revela o rádio no colo do Homem sentado em uma poltrona. O Homem
passa as estações, procura, atravessa transmissões religiosas, violentas, comerciais, gol de
futebol até finalmente encontrar Maria Bethânia cantando “Quem me leva os meus
fantasmas”. Duas batidas na porta e uma carta é jogada por debaixo… Gestos,
movimentações pelo espaço, intensidade da luz, volume da música, a batida na porta que
logo seria seguida por um texto, o mesmo texto de todo dia, a mesma intenção. Estrias.
Este trabalho tem como base a dissertação de mestrado intitulada “Implicações
entre teatro e educação na criação do espetáculo teatral ‘FADO’” que acompanhou o
processo da criação e apresentação1 de um espetáculo inédito, criado durante o mestrado,
no qual constrói uma cartografia a partir do relato dos atores e atrizes envolvidos nesse
processo. Diários de bordo, entrevistas e um questionário no final são as nossas máquinas
de fazer ver e falar, material em que mergulhamos vivenciando caminhos, encontros e
desencontros, “uma filosofia grávida de múltiplos olhares e travessias outras” um exercício
“de imaginação, da intuição” (LINS, 2012, p. 21).
Essa cartografia inventou/encontrou um teatro nômade, tanto no momento da
apresentação, no encontro com a plateia, como também na preparação do espetáculo,
observando os dispositivos lançados no processo de ensaio que provocam e estimulam os
atores a lançarem-se no vazio da criação. Trazendo para perto de Deleuze e Guattari (2011,
2012) e de alguns de seus comentadores, teóricos e práticos do campo do teatro e da
dança, navegamos num caminho de percepção, de descoberta entre tantas estrias, não só
das possibilidades de fuga, mas, mais ainda, da necessidade de fuga. Brook (2008),
preocupa-se com um teatro morto que se caracteriza por uma falta de intensidade,
diversão, onde a satisfação intelectual se sobrepõe a experiência. Antes dele, Artaud
lançava o seu primeiro manifesto do Teatro da Crueldade, no qual reclamava do teatro que
se desacostuma à criação, ao devir e ao caos. Defendendo a urgência de encontros
intensos, “cruéis” pela sua potência, afinal “o Céu ainda pode desabar sobre nossas
cabeças. E o teatro existe antes de mais nada para nos falar sobre isso” (ARTAUD, 1987, p.

1
Primeiro período de ensaios, de abril a julho de 2015; uma pequena temporada de três apresentações em
julho de 2015; um novo período de ensaios em 2016 e uma temporada mais longa com treze sessões, em
setembro e outubro de 2016.
274

103). Corpos e(m) cena, “máquinas desejantes” (DELEUZE, 1976 apud ZOURABICHIVILI,
2004, p. 67), criando hiatos, panes, curtos-circuitos no cotidiano estriado da repetição.
Diante desta ameaça ao teatro, arriscamos o habitar de um espaço entre as estrias,
uma busca pelos espaços lisos, “o espaço nômade… o espaço onde se desenvolve a
máquina de guerra” (DELEUZE, GUATTARI, 2012, p.192) e, portanto, cheio de potência e
devir, em meio às marcações e as amarras. Nômade no pequeno, nos intervalos entre as
linhas fixas, entre as margens, abandonando a segurança delas para se lançar ao caos, ao
desconhecido, o não saber.
Nessa missão complexa, o ator deve ser aquele cuja força crescente se desenvolve
no espaço aberto e liso, como diz Lins (2014, p.139) quando fala sobre o pensamento
nômade, que deve ser aquele que deseja o não sabido, o não mensurável, o espaço que se
sabe de dentro, não pelas suas beiradas, pelos limites, mas pela falta destes. Uma
complexidade tamanha que exige um estado de alerta e disponibilidade do ator para
perceber, o tempo todo, para de novo se lançar.
Desejamos partilhar não só essa jornada de invenção, mas também os dispositivos
apresentados aos artistas do grupo em sala de ensaio, exercícios corporais, jogos,
dinâmicas trazidas de outras experiências ou inventadas especialmente nesse caminho.
Dinâmicas que treinam um fluir mais livre da energia, uma atenção para a cena, um corpo
mas livre, uma capacidade de mergulhar mais na imaginação exigida pela cena. Dispositivos
para fomentar devires.
Nesse deslocamento que uma pesquisa nos provoca e nos convoca, apontamos
algumas reflexões na relação arte-educação, corpo-cena: a necessidade de pensar na
verdade do encontro para a cena, uma verdade que convida o habitar do liso, que convida
ao caos, mesmo entre tantas estrias; a valorização das histórias dos atores e o contato com
saberes diversos e, por fim, a reflexão sobre essa prática, podem ser inspiradores à
educação porque acreditamos em uma educação que, apesar das salas que se repetem
(sala de aula, sala de ensaio) é possível encontrar espaços lisos onde esses espaços se
reinventam e se tornam espaços-máquinas, máquinas desejantes, máquinas de guerra.

Palavras-chave: Educação; Máquina; Teatro.


275

O CORPO NO TEATRO COMO ROTA DE FUGA: CAMINHOS POR PORÇÕES DE TERRA DE


ESPERANÇA

Élder Sereni Ildefonso


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mequita Filho”
eisereni@gmail.com

Esta escrita emerge da mesma porção de terra em que realizo o processo de


construção de conhecimento na rede de saberes e fazeres que compõe meu doutoramento
em curso no Instituto de Artes (IA-Unesp), a saber: a pedagogia teatral singular que realizo
na formação de atores e atrizes. Nesta pesquisa, desenvolvo uma escrita criação
estruturada como cartografia, ela tem como princípio criar reflexão sobre uma pedagogia
teatral pessoal que tem sua intensidade constituída pela reverberação latino-americana de
ser, esta que circunda entre as esferas da precaridade, da política e da estética, como
campo de produção de suas ações, tendo como referência os estudos de Gerad Vilar.
Junto aos/as estudantes, criamos modos operativos de experimentação da
linguagem teatral, que se constituem a partir do lugar da não possibilidade da expressão
do que queremos dizer na contemporaneidade no Brasil, justamente por estarmos
premidos/as diariamente pela violência física e simbólica frente a existência da diferença
como um modo de se pensar o coletivo.
A sala de aula é, portanto, uma porção de terra que adubamos a partir de estudos
e práticas que constituem uma trama rizomática, esta trama interconecta reflexões e
posturas frente a vida e que tem potência de se expandir pela malha urbana a partir ações
de cada estudante em seus nichos culturais. Assim, criamos rotas de fuga que buscam gerar
deslocamentos de esperança desviantes dos processos de estratificação aos quais os/as
estudantes e eu estamos impregnados. Essas rotas de fuga são construídas no corpo como
possíveis engajamentos para construções de corpos sem órgãos que ramificarem suas
singularidades nas conexões coletivas.
Nossos estudos e experimentos tem intenção de desenvolver a linguagem teatral
junto a alguns tópicos estudados e desenvolvidos por filósofos e artistas. Para tanto, por
meio da prática estética, podemos gerar perguntas que não sabemos de imediato
responder em nossas vidas ordinárias. Deste modo, pensar a cena junto a outras faculdades
do conhecimento nos auxilia a fazer frente as novas discussões sobre a atualidade política
e as absurdidades dos acontecimentos cotidianizados, pois todos os dias somos
arrebatados com ataques diretos as instituições democráticas e aos parâmetros
estipulados para o bem viver, oriundo dos avanços em relação a vida pautados pelos
direitos humanos, deste modo, o movimento e a palavra se distanciam de processos de
significação para alçar voo desterritorializante.
Fazer teatro com esta prerrogativa, é um processo de se entender como um agente
gerador de micropolíticas que criam fissuras em solo impermeável constituído pelas
generalizações e pelo massacre dos corpos e suas singularidades; portanto, este modus
operandi de se fazer teatro tem intenção de repercutir na construção e formação singular
de cada estudante, não como um substrato latino subalterno das grandes potências
mundiais, mas como produtores de conhecimentos latinos, fortalecendo a constituição de
epistemologias do sul e processos decoloniais.
Para tanto, é necessário que os estudantes se reconheçam e reconheçam seus
276

lugares nesta formação social estratificada em que vivemos, instituída em nós e que nos
consolida nos lugares que ocupamos. Assim, é possível trabalhar paulatinamente nos
estratos mais profundos da subalternização do sujeito latino, promovendo agenciamentos
que balancem estruturas, estruturantes e estruturadas.
Para este caminho, é necessário uma preparação do terreno, portando, as aulas são
desenvolvidas junto a processos de ritualização do espaço, assim conseguimos garantir
este espaço-entre, um espaço intervalar, ideia que se aproxima do conceito de Ma para o
viver oriental, um lugar onde o vazio não é esvaziado, mas sim um espaço pleno de
possibilidades.
A partir da composição deste espaço para o ritual teatral de construção de outras
realidades realizadas no corpo, avançamos para uma busca pelo cuidado de si, inspirados
pelos estudos da Hermenêutica do sujeito de Michel Foucault, de modo a garantir uma
resistência para os corpos desviantes. Estas condições criam a potência para a
investigações cênicas formativas junto a multiplicidade de corpos e informações culturais,
para que possamos cultivar a esperança a partir da luta diária pelo singularizar-se.
Corpo e espaço são o campo de ação destas proposições para cena teatral, o espaço
da aula recebe um tratamento ritual, fortemente influenciado pelos estudos e Antonin
Artaud, em busca do que há no solo primordial desta linguagem, assim criando certa
distância entre processos de experiência do corpo com processos de formalização técnica
do corpo.
Estes deslocamentos para a construção de um “fazer escola”, fazem referência aos
estudos de Símon Rodríguez que nos possibilita a cultivar este terrenos fértil em que Artaud
se encontra com Deleuze e Guatarri, onde não mais sabemos os limites entre estes agentes,
onde este espaço de possibilidades se manifesta, lugar em que colocamos em questão os
limites do corpo e suas possibilidades expressivas junto ao espaço ritual, onde o lugar é
intensidade de corpos, neste lugar se confrontam máquinas desejantes por organizar
corpos e corpos sem órgãos como princípios de antiprodução que cada vez menos,
suportam o ruído das máquinas.

Palavras-chave: Latinidade; Pedagogia Teatral; Política.


277

SEM CONCILIAÇÃO! ANTIFASCISMO, TRANSFEMINISMOS E UMA CAVALGADA COM


TRABALHO CÊNICO DE CAROLINA BIANCHI

Rafael Limongelli
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
rafaelimao@gmail.com

Preciso me tornar anônima. Para estar / presente./


Quanto mais sou anônima, mais estou presente./
Preciso de zonas de indistinção / para ter acesso ao
Comum. / Para não mais me reconhecer em meu
nome. Para / em meu nome só ouvir a voz que o /
chama./ Para fazer consistir o como dos seres, não o /
que eles são, mas como são o que são./ Sua forma-de-
vida. / Preciso de zonas de opacidade onde os
atributos,/ mesmo criminosos, mesmo geniosos,/ não
mais separem os corpos.
Tiqqun

0m // sem-concialiação, ela diz


Este ensaio se faz a cavalgadas.
A morfologia da superfície que se percorre é composta por diversas texturas: os
últimos três trabalhos cênicos concebidos pela dramaturga, performer e diretora Carolina
Bianchi (Brasil) y Cara de Cavalo (coletivo de artistas que a acompanha): Mata-me de prazer
(2016)1, Quiero hacer el amor (2017)2 e LOBO (2018)3, chamados de Maratona das Paixões;
e os veios vertiginosos dos autoritarismos em ascensão no capitalismo global integrado e
as pululantes estratégias de lutas antifascistas. Em bando cavalgamos juntos com Paul
Preciado e Tiqqun. Intenta-se experimentar nesta trajetória as aproximações possíveis com
modos de subjetividade que combatam as estreitas formas assujeitadas e cafetinadas do
presente e disparem com ponta de lança para novos modos de viver e experimentar o
corpo e os agenciamentos coletivos.

MATA-ME DE PRAZER
-50.000km // levitação y deriva
Uma paisagem. Nela o fundo e o primeiro plano se confundem. Anti-fundo e Anti-
frente. A voz de Carolina Bianchi convoca em todos os cantos do mundo o tesão. Um tesão-
prática, um tesão-modo-de-vida, um tesão-afirmação-de-si-no-mundo. Sentada, faz uma
palestra sobre um pedaço de terra que se desprega do continente e entra em deriva. Ela
fala enquanto Tom Monteiro a acompanha manipulando seus fios eletro-acústicos
produzindo uma composição ambiental, cosmológica: uma invenção de uma nova origem
para um novo povoamento e uma nova gente.

QUIERO HACER EL AMOR


0.1 km ~ 100.000 km // sexo e superfícies

1
Ver em https://arteview.com.br/saga-erotica-mata-me-de-prazer-de-carolina-bianchi-na-oswald-de-
andrade/ (consultado em 04/11/2019).
2
Ver em https://www.revistabarril.com/gemer-a-gramatica-da-existencia (consultado em 04/11/2019).
3
Ver em http://ycaradecavalo.blogspot.com/ (consultado em 04/11/2019).
278

Os corpos se espraiam por toda América Latina, atrás da orelha de um burro, pelas
pernas que cruzam constantemente os metrôs, pelos desertos do continente africano, pela
rua de casa, pela biboca do capão redondo. Pululavam multiplicidades! Direções delirantes
no espaço. Localização orientada pelo desejo ingovernável, pelo erótico de cada humano e
não-humano que há no espaço.
Sexo. Fazer sexo com o espaço e seus povoamentos em variação contínua.
Desorganizam os laços que atam os sujeitos, aos verbos e aos objetos. Não há
alguém que senta em algum objeto. A performance agencia corpos humanos e não
humanos na composição de máquinas (técnicas e sociais). Máquina de guerra meio torpes
Um surubão pós-pornográfico!
Na orgia disparada por Bianchi, performers despossuídas de suas sujeições
reconectavam a possessão de si mesmas em ações disruptivas, como “acariciar com prazer
o teclado do telefone público” e “penetrar com o punho o porta-guarda-chuvas” e “roçar
com carinho as escápulas no caule de uma planta” e “friccionar com fúria o totem-
informativo contra o chão” e “amassar o rosto com tesão contra a parede de vidro” e “abrir
com ternura e sensualidade as pernas da porta de vidro” etc.
As performers atravessavam o território esquadrinhado-estriado do espaços
culturais de sociabilidade movendo forças de alisamento. O que as conduzia não era
acessível às codificações, uma cosmologia embebida no embaralhado da linguagem, da
gramática que máquina heteronormativa inscreve os corpo. Explosão dos significados
reconhecíveis. Elas se atiravam de um desejo a outro, de uma conexão a outra sem plano
de voo ou roteiro prévio. São forças de expansão das possibilidades de percepção daquele
espaço, expansão das possibilidades de percepção do corpo entre o que é permitido-
aconselhável e o que é inimaginável, impossível, invisível, impensável e indizível. Uma
capacidade de afetar, perceber, ser afetado e ser percebido. Elas não estão defendendo
uma pauta, uma bandeira, uma aula, um conselho sobre “como devemos viver” e sobre “o
que você deve fazer”. Não há intencionalidades pedagógicas e vontade de esclarecer quem
assiste.
Elas faíscam.
Incendeiam quem se permitir queimar.

LOBO
- 50.000 km ~ + 50.000 km // morrer y suor
Homens correm intensamente, sem direção, desordenados, por muito tempo,
levados a exaustão, nús, com garrafas de vidro nas mãos. Uma mulher mata muitos homens
tentando falar um poema. Homens e mulheres tentam forjar um set de cinema. Um
estômago é arrancado com as mãos. Uma lagosta fala que homens e mulheres andarão de
mãos dadas segurando uma faca pelo fio. Homens e mulheres trocam saliva. Uma lagosta
vira corpo humano. Uma tinta fluorescente vira corpo humano. O corpo humano
desaparece. Não há mais sexos. Nada se resolveu.
Em LOBO, morte, sexo, guerra, terror, cinema, ficção, tudo se mistura, tudo se torna
superfície. Há apenas zonas de indistinção. Grandes manchas e borrões por toda a parte.
As imagens se formam e logo são abandonadas. Nunca nada é levado à lugar algum. Um
sonho. Um nightmare, uma égua cavalgando a noite sem ver um palmo a sua frente,
bufando com paixão. Uma ameaça à segurança e à estabilidade. Um atentado terrorista
279

contra as artimanhas das definições de gênero que a máquina social heteronormativa


insiste em imprimir sobre os corpos (humano e não humanos).
Em seu Manifesto Contrassexual (2017), Preciado afirma, como uma contraconduta
à sexualidade, que a contrassexualidade não seria a afirmação de uma nova natureza dos
gêneros, uma nova origem, e sim, o fim de qualquer Natureza como ordenadora e
legitimadora das sexualidades e do gênero. Essa prática contrassexual se dedica a
desconstruir toda naturalização dos papéis, funções, práticas, discursos sexuais e de
gênero. Uma contraprodutividade de sexualidade e gênero como invenção e afirmação de
outras formas, alternativas, à sexualidade na modernidade. Uma contrassexualidade que
instaura práticas de contestação de hegemonias e práticas autoritárias. A chance de
inventar outras sexualidades possíveis para além do corpo-homem e corpo-mulher é atacar
estruturas de poder, comenta Preciado (2017): “Os papéis e as práticas sexuais, que
naturalmente se atribuem aos gêneros masculino e feminino, são um conjunto arbitrário
de regulações inscritas nos corpos que asseguram a exploração de um sexo sobre o
outro.”(p.26).
O transfeminismo (2018), como política afirmativa, coloca-se como um campo de
combate não só para mulheres, enquanto identidade criada pelos sistemas de codificação
subjetivos, e convoca “usuários críticos das tecnologias de produção da subjetividade”
(Preciado, 2018, p. 11). Um deslocamento da política identitária, um escape dela, para
resistir as identificações normativas. Um investimento na experimentação do corpo, como
pulo para fora da máquina de inscrição heteronormativa, convocando para uma política-
de-gênero que seja uma política-da-terra (p.13). Comenta:

Nós somos o parlamento pós-pôrno que está por vir. Eles dizem
“representar”. Nós dizemos “multitude”. Eles dizem “dívida”. Nós
dizemos “cooperação sexual e interdependência somática”. Eles dizem
“capital humano”. Nós dizemos “aliança multiespécies”. Eles dizem
“crise”. Nós dizemos “revolução” (p. 14).

FASCISMO NAO SE DEBATE, SE DESTROI


zona indistinta /// sem metrificação
A minha bandeira, meus senhores, é uma coluna arrancada com a mão. Diz Bianchi
no início da peça LOBO, no primeiro ato. Um hiena sanguinária. A morte do homem. O
mundo dos homens precisa morrer. No entanto, não é sobre a vitória do mundo das
mulheres, em oposição ao corpo-homem. Não há conciliação! É treta, atrás de treta. A
experiência do vivo não pode, não deve, ser apaziguada na aniquilação de uma identidade
em nome de outra identidade. Nos binarismos insistimos na política identitária,
assujeitada. A guerra dos sexos está dada, com suas assimetrias bem claras e definidas:
tudo que não seja hetero-cis-dominante-sujeito-com-nome-civilizado-ocidental-branco-
limpo-asséptico deve ser sujeitado e explorado, e caso se rebele, deve ser eliminado. Nessa
chave, o mundo dos Homens precisa morrer! Nada sobre masculinidades menos tóxicas,
masculinidade desconstruída, etc. Em vez de curar o incurável, deixar morrer (e matar!). E
que essa morte faça emergir um imensidão sem fim de experiências do corpo,
insubordináveis a qualquer aparato de captura dos nomes.
Uma política concebendo gênero e sexualidade em caosmose (GUATTARI, 2012) –
liberando a aleatoriedade da culpa da psicanálise e cavalgando os desvios de um campo
aberto e nunca apenas somente UM campo – sempre uma multiplicidade! Entre o ponto
280

inicial (A) e o ponto final (B) traçamos uma reta: ela se apresenta distinguível e mensurável
por uma régua, uma fita métrica, um GPS. Quando colocamos o percurso entre A e B em
caosmose é uma variação contínua de possibilidades de conexão entre A-B, a mesura da
distância entre os pontos e dos trajetos são feitas por intensidades e não extensões. Os
percursos trafegáveis entre A-B são multiplicidades, variações e repetições, decalques e
espaços que deslizam. Não apenas o múltiplo em oposição à um uno, mas uma
multiplicidade sem unidade, não a conjugação de vários unos em um múltiplo. Talvez,
transciplicidades – uma multiplicidade subtraída de qualquer unidade: n-1. N pode
corresponder a todos e à qualquer um, exceto apenas à um, como escrevem Deleuze e
Guattari (2014) sobre as multiplicidades micro e macro.

Marco e micromultiplicidades. De um lado as multiplicidades extensivas,


divisíveis e molares; unificáveis, totalizáveis, organizáveis, conscientes ou
pré-conscientes – e de outro lado, as multiplicidades libidinais
inconscientes, moleculares, intensivas, constituídas de partículas que não
se dividem sem mudar de natureza, distâncias que não variam sem entrar
outra multiplicidade, que não param de fazer-se e se desfazer,
comunicando, passando umas nas outras no interior de um limiar ou além
e aquém (p.60).

Se, na matemática, em uma equação, a variante n pode corresponder a uma e todas


as respostas, no conjunto dos números reais pode ser de menos infinito a mais infinito, no
conjunto das frutas a todas as frutas, no conjunto das sexualidades a todas as sexualidades.
Quando pensamos em multiplicidades, transciplicidades, pensamos em n-1, em
corresponder a todos os significados e nunca apenas a um. Sem totalizações! Sem
unificações! Sem apaziguamentos! Sem conciliação!
Uma identidade de gênero no anonimato de si mesmo! Nunca cessar de percorrer
as sexualidades, sem nunca se fixar. Mobilidade e experimentação incessante de si mesmo.
A possibilidade de produzir a própria experiência de ser-vivente escapa às amarras da
identidade e do nome quando mobilizada por um processo de subjetivação de si sobre si
mesmo. Talvez, a experiência do anonimato, do sem-nome, sem-identidade, sem-gênero,
sem-sexualidade pode fazer embaralhar as estruturas de poder que desejam separar,
distinguir e qualificar e se abrir para nomes-todos, identidades-todas, gênero-todos.

Palavras-chave: Antifascismo; Trabalho Cênico; Transfeminismo.


281

A CARTOGRAFIA E A PERFORMANCE COMO FERRAMENTAS DE PESQUISA EM


EDUCAÇÃO

Adriana Maimone Aguillar


Universidade Federal do Triângulo Mineiro
adriana.aguillar@uftm.edu.br

Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari (1995a, 1995b, 1996, 1997)1 constroem um


aparato teórico – político, ao qual se referem como instrumento, pois, para eles, uma teoria
deve servir como um instrumento, e o que se pretende com a teoria é que ela funcione
como uma ferramenta no auxílio para a construção de conceitos, um mapa de uma
realidade observada, singular, momentânea. Esta ferramenta possibilita uma visão de
realidade, por meio da qual pode-se tentar extrair uma concepção aberta e provisória sobre
um objeto ou tema específico. O objetivo deste trabalho é realizar pesquisas mais
aprofundadas acerca de pesquisas que trabalhem com a cartografia, mas também
associadas aos elementos da performance. Carvalho, Paro e Eichelberger (2012)2 buscam
colocar o ato criativo no centro dos processos de investigação. Trazem elementos da arte
especialmente performática para suas pesquisas, pois acreditam que apenas por meio da
escrita não é possível dar conta de diversos aspectos das experiências a serem pesquisadas.
Assim, os resultados das pesquisas também podem ser performatizados. No que tange à
cartografia Sander (2009)3 diz que esta tem como objetivo compreender, “através de uma
cartografia de processos de subjetivação na contemporaneidade, um pouco sobre o que se
tem vivido como corpo”. Ao mesmo tempo, o autor se reporta às artes que envolvem o
corpo para conceber novas possibilidades entre o pensamento e o corpo para que se possa
“problematizar a dimensão intensiva dos corpos-subjetividades” e será especialmente
sobre a dança contemporânea utilizada por Antonin Artaud que Sander (2009) direcionará
suas contribuições. A cartografia se diferencia dos mapas por não ser estática e ser
desenhada ao mesmo tempo em que as paisagens analisadas se transformam em seus
movimentos. O cartógrafo, segundo Rolnik (2006)4, deve estar atento às formações de
desejo, presentes no interior do campo social. Para este tipo de pesquisador, é preciso
procurar quais matérias de expressão em combinação com outras e por meio de quais
linguagens, fazem passar intensidades que envolvem o corpo do pesquisador no encontro
com os corpos dos analisados. O que o define, enquanto pesquisador é uma sensibilidade
e, se colocar na adjacência das mutações cartográficas. Com base nos estudos de Gilles
Deleuze e Félix Guattari, foram encontrados alguns artigos que auxiliaram a clarear o
entendimento do que seja uma pesquisa. Para Fonseca et al. (2006)5 a pesquisa-
acontecimento é da ordem do inumano e está relacionada sempre a uma ruptura, ao
surgimento de algo singular. Ao mesmo tempo, elas acreditam que pesquisar seria uma
compreensão do objeto livre dos discursos que o habitam. Ao lapidar o nosso objeto de
pesquisa, para as autoras, o próprio pesquisador se constrói, se transforma, se faz e se
refaz. As autoras vão dizer que, ao estar imerso no processo de pesquisar, o corpo do

1
Mil Platôs volumes 1, 2, 3, 4, 5.
2
Investigação, arte e performance: intercessões. In: Conexões: Deleuze e arte e ciência e acontecimento e...
3
Corporeidades contemporâneas: do corpo-imagem ao-devir. Fractal: Revista de Psicologia, v. 21.
4
Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo.
5
Pesquisa e Acontecimento: o toque no impensado. In: Psicologia em Estudo.
282

pesquisador se transforma em filtro entre o mundo e o objeto de pesquisa, já que tudo o


que o pesquisador vive, toma para ele uma forma de se pensar e de considerar o seu objeto
de pesquisa. Castro (2007)6, em artigo que relaciona a obra de Deleuze e Guattari com o
campo de estudos da Antropologia, pode oferecer para esta pesquisa algumas
contribuições no que diz respeito ao processo de produção do conhecimento. Este autor
demonstra o seu encantamento para com a produção de Deleuze e Guattari e a extrema
importância destes autores para o campo da antropologia e para outros campos de estudo.
Para Castro (2007, p. 96), “a partir desta produção autêntica e inovadora, o conhecer não
é mais um modo de representar o (des)conhecido mas de interagir com ele, isto é, um
modo de criar antes que um modo de contemplar, de refletir ou de comunicar”. Tentar dar
luz aos acontecimentos, no interior de um campo educacional, de modo que as alianças
que forem observadas, sejam vistas não como resultados de filiações, resultado de
representações de qualquer tipo, mas que sejam vistas tais como elas se dão no momento
em que se implicam com a pesquisadora, no momento nos quais há uma conexão, a
produção de algo que ocorre no momento do agenciamento entre a pesquisadora e os
participantes da pesquisa. O modo como a pesquisadora se afeta com o que ela vivencia e
assim, tentar mapear, cartografar tais acontecimentos, esta é a proposta. Oliveira e Paraíso
(2012)7, reportando a cartografia para o campo de pesquisas em educação, irão colocar a
importância dos estudos de Gilles Deleuze e Félix Guattari como impulsionadores para que
se pense um modo de fazer pesquisa peculiar. Abordam o fato de que pensar um método
Deleuziano de pesquisa em educação seria uma afronta à esse pensador, já que seria
avesso a qualquer método. Por método tradicionalmente se compreende linhas pré-
estabelecidas de um caminho certo a ser percorrido. Na cartografia, este caminho pré-
definido de antemão não existe. O caminho acontece ao caminhar.
Desta forma, a cartografia no campo educacional seria uma forma diferente de se
olhar para uma realidade dada, tentando captar as linhas que compõem um espaço dado,
os movimentos que percorrem neste espaço, as forças e relações que compõem o espaço.
Portanto, esta pesquisa pretende aprofundar os conhecimentos acerca da cartografia
como uma ferramenta de pesquisa em educação e tentar relacioná-la com estudos acerca
da performance em pesquisa e em educação.

Palavras-chave: Cartografia; Educação; Performance.

6
Filiação intensiva e aliança demoníaca. In: Novos Estudos
7
Mapas, dança, desenhos: a cartografia como método de pesquisa em educação. In: Pro-Posições
283

CARTOGRAFIAS GUSTATIVAS: OLHARES A PARTIR DE UM EPISÓDIO DA SÉRIE CHEFS


TABLES

Tiago Amaral Sales


Universidade Federal de Uberlândia
tiagoamaralsales@gmail.com

Daniela Franco Carvalho


Universidade Federal de Uberlândia
danielafranco@ufu.br

Comer consiste em uma atividade vital para nós, seres humanos. As energias que
nos movem vem das comidas. Calorias, carboidratos, gorduras, proteínas, vitaminas.
Compostos bioquímicos essenciais para nossas existências. Mas para além do biológico, a
comida consiste em algo cultural, social, econômico, geográfico, sensível. Atravessamos e
somos atravessados pelo o que, como, quando e onde comemos. Carneiro (2003) traz que
“A alimentação é, após a respiração e a ingestão de água, a mais básica as necessidades
humanas. (...) além de uma necessidade biológica, é um complexo sistema simbólico de
significados sociais, sexuais, políticos, religiosos, éticos, estéticos etc (CARNEIRO, 2003,
p.1)”. Comer é básico. É base para interagir, para sobreviver. A partir do comer aprendemos
a conviver com o outro e com o meio em que vivemos. É uma experimentação do mundo
através dos sabores, cheiros, texturas, cores. Experimentamos organismos vegetais,
animais, fúngicos. Vivenciamos minerais. Conectamos com o que comemos
bioquimicamente e afetivamente. Perpassamos pelo biológico e adentramos o sensível,
através da arte de comer. Comer com os olhos, ouvidos, pele, boca. Perpassamos a
educação em seus diversos espaços, pois onde existem pessoas, existe socialização e
aprendizados. Onde existem pessoas, existe comida. Pensando na educação que acontece
para além dos ambientes escolares, atravessamos os espaços familiares, religiosos, ruas,
praças, parques, museus, comércios e também os meios midiáticos. As mídias fazem parte
de nossas vidas e participam da construção dos processos que nos movem. A Netflix
aparece como uma provedora de produtos midiáticos, produzindo e compartilhando-os
globalmente. Em seu site, trazem que Netflix é um serviço de que permite assistir séries,
filmes e documentários atravessando e conectando “mais de 190 países”. Conexões
virtuais, midiáticas. Conexões cheias de potências. Exclusiva da Netflix, a série documental
Chefs Table foi criada pelo diretor David Gelb e fala sobre comida. Mas mais do que comida,
a série foca em vidas, memórias, culturas. Cada um de seus episódios retratada a vida de
um/uma chef renomado/a no mundo. São trazidos afetos, emoções, dores e delícias para
a tela, onde a comida - em posição central - se funde com as histórias de cada um dos
gastrônomos, num movimento inseparável entre emoções-comida-memórias-culturas. A
comida é mostrada como caminho. Caminho que atravessa corpos por emoções, culturas,
crenças e diversidades. Caminho rizomático de multiplicidades. Também comemos pela
cultural, pelas mídias, nos alimentando de inspirações, ideias e emoções pela série.
Escolhemos para este trabalho retratar os afetamentos causados por um episódio da série,
que é o terceiro da segunda temporada, trazendo a chef Dominique Crenn. O episódio
retrata a comida para além de algo apenas orgânico, mas como lugar de memórias,
conexões, encontros. Dominique foi adotada quando era bem nova por uma família que
284

lhe deu muito afeto. Seus pratos são obras de arte, comidas estéticas, criativas, arte-
degustativa. Segundo ela, o que lhe move para cozinhar é criar conexões com as pessoas.
Produz então pratos-conexões, rotas de encontros entre histórias e vivências, mediadas
pelos cheiros, cores e sabores. A chef considera seu restaurante como sua casa, e ao chegar
nele, recebe-se um menu escrito na forma de poema. Monique diz que não está servindo
um menu mas sim uma história. A comida assume lugar de conversa, diálogo, no qual a
chef busca um retorno. Memórias são tocadas por essas comidas, pela poesia e pelo jeito
de cozinhar de Monique. Relembramos das nossas experiências com a comida, com o
cozinhar. Comer em casa, servir o outro, cozinhar dialogando. Os processos culinários como
momentos de construir os laços de amor, amizade. Cozinhar com afetos, coletivamente.
Comida como experiência. O restaurante chama-se Atelier Crenn, remetendo Atelier a um
espaço de criação, criatividade, produções coletivas, e Crenn ao sobrenome vindo de seu
pai, que também era um artista, sempre lhe incentivando a inventar e ser quem ela
realmente é. Antes de falecer presenteou a filha com um quadro de flores brancas
desabrochadas que faziam referência à filha desabrochando para a vida e o mundo. Ao
procurar pelo site do restaurante, a primeira imagem que se tem ao adentrá-lo é de um
vaso com flores brancas desabrochadas e, ao fundo, o quadro que foi presenteado pelo
pai. São flores atuais e do passado, naturais e artísticas. Flores sensíveis, preenchendo o
restaurante e seus visitantes de afetos e histórias. Seu pai já falecido permanece vivo nela
e em seu restaurante, em suas memórias, inspirações. Permanece como força, potência.
Posteriormente, Dominique abriu um novo restaurante, o Petit Crenn, inspirado em sua
mãe. É um espaço menos formal, de diversão. Alegria de mãe para a vida de Dominique,
de seus amigos e clientes. Durante o episódio, ela volta para sua cidade natal revisitando
suas memórias, trilhando seus mapas antigos, mas agora como nova Dominique. Numa
mistura entre sua cidade natal, infância e seus restaurantes, Dominique diz que “Não é
sobre nós criarmos pratos. É sobre nós conectarmos tudo”. Conectar o passado com o
presente, o presente com o futuro. Início e fim, sempre com o meio. O meio onde se vive,
lembra, sente. O meio onde se come. Um meio rizomático, assim como a comida,
conectando com as memórias, os desejos, as dores, cores e sabores. Ao cozinhar,
Dominique conta suas jornadas, suas experiências. Conta sobre seus pais, sobre a França,
sobre sua adoção. Conta histórias de vida, com emoções a partir das comidas, com arte a
partir da estética, dos sabores, cores e cheiros. Conta sobre ela, na medida em que também
vai descobrindo quem ela é. A cozinha, o restaurante, a comida e as poesias de Dominique
são ela e suas marcas. O episódio retrata recortes da vida da Chef e processos que a
marcaram. Através da comida são construídas narrativas sobre quem Dominique é. A
comida aparece pulsante, viva, artística, potente. Comida como meio, sempre no meio. O
meio onde as coisas acontecem. Comida rizomática, pois como trazem Deleuze e Guattari
(1995, p. 36) “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre
as coisas”. Comida que transporta, que retrata ambientes, que faz sentir, possibilitando
encontros e conexões com o outro e consigo.

Palavras-chave: Conexões; Comida; Rizoma.


285

DELEUZE E O TEATRO: EXPERIMENTAÇÕES POR ENTRE SUBTRAÇÕES E DEVIRES-


MENORES EM EDUCAÇÃO

Alice Copetti Dalmaso


Universidade Federal de Santa Maria
alicedalmaso@gmail.com

Ana Cláudia Barin


Universidade Federal de Santa Maria
anaclaudiabarin@hotmail.com

Denise Meller Losekann


Universidade Federal de Santa Maria
deniselosekann@yahoo.com.br

Rafael Agatti Durante


Universidade Federal de Santa Maria
rafa.agatti@yahoo.com.br

Estes escritos têm por intuito pulverizar alguns lances de dados conjugados sobre
possíveis contribuições conceituais e teóricas – junto de nossas experimentações visuais,
de escrita e pensamento - que o teatro pode proporcionar ao campo filosófico-educacional.
A partir do pensamento de Gilles Deleuze e sua obra Sobre o Teatro - Um manifesto de
menos (2010), produzido a partir da obra dramatúrgica de Carmelo Bene - pinçamos o
conceito de devir-menor/minoração e a noção construída, pelo autor, sobre a operação de
subtração/amputação presente nas peças de Bene. Encantamo-nos com a admiração com
que Deleuze produz pensamento a partir do que o mesmo denomina de “operações de
amputação” de peças teatrais clássicas produzidas por Carmelo Bene: um teatro de
precisão/operação cirúrgica, entendendo-a como um “movimento de subtração, da
amputação, mas já recoberto por um outro movimento, que faz nascer e proliferar algo de
inesperado, como numa prótese […]” (DELEUZE, 2010, p. 29). Personagens são amputados
em seus lugares usuais de poder (família, Estado) para serem remexidos, deformados,
tomando novos usos e rumos, nascendo e morrendo em cena: mutantes em sua existência,
eles podem adquirir infinitas características ao longo da peça, onde parece se perder
qualquer referência fixa dos mesmos. Ao amputar clássicos, segundo Deleuze, Carmelo
Bene faz o teatro em si mesmo entrar num devir-minoritário: minorizar autores grandes e
personagens essenciais nos instiga o interesse de, junto com a operação de subtração,
‘minorar’, fazer vias de um devir-menor, dando um tratamento menor e encontrando uma
força ativa menor nas coisas, nos nossos modos de nos relacionarmos e concebermos o
mundo. Para Deleuze, encontrar e produzir movimentos de menos implica um minorar a
língua, torná-la exposta a sua variação contínua, deslocamentos em meio à força constante
e homogênea imposta por uma língua maior, standard. Porém, junto à língua (ao usarmos
essa língua), as minorações de Carmelo Bene implicavam um agir (gestos) perturbado,
corpo que se atrapalha por coisas remexidas do seu lugar ordeiro, senhoril e dominador
(BALESTRERI, 2018). É desse cenário exposto, desse agenciamento afetivo Bene-Deleuze,
que desejamos fazer ressonar aqui a operação de subtração/amputação e o tensionamento
286

do conceito de devir-menor (ou também, de uma operação de minorar, fazer


vias/corpos/linhas de um devir-menor) com o campo educacional. Que teias potentes
somos capazes de invencionar ao trabalhar e pesquisar com o amputar/subtrair e o devir-
minoritário? Como podemos fazer transbordar um ‘minorar’ a/na educação que componha
enunciados outros, não subjugados sempre a uma língua maior, produzindo conexões
múltiplas de corpo-existência? Em nossas pesquisas ‘Invento-me: potências do devir-
criança – uma educação pela fabulação’ (BARIN, 2019) e ‘Entre caixas e... planetas e...
diários e... fabulações: problematizações acerca do livro O Pequeno Príncipe e a produção
de livros de artista na docência’ (AGATTI, 2018), procuramos construir vias de uma escrita-
pensamento que, por experimentação com literaturas tidas como clássicas – e muito
utilizadas no campo pedagógico – foi-se operando por amputações, na conjugação dessa
operação ao conceito de devir-menor, em seu caráter de abrir vias de uma escrita
inventiva, acontecimental, vacilante. Tanto nas experimentações com as literaturas de
Alice no País das Maravilhas (CARROLL, 2015) durante o processo de escrita de pesquisa
Tese de Doutorado em Educação, quanto com a obra O Pequeno Príncipe (SAINT-EXUPÉRY,
2014), Trabalho de Conclusão de Curso produzido junto à estudantes de espaços
educacionais distintos (uma turma de ensino fundamental em uma escola básica de
educação e uma turma de ensino não formal em uma ONG), personagens principais foram
desmontados/subtraídos e, passagens consideradas memoriáveis nas escritas dessas
obras, bem como a sequencialidade/linearidade das mesmas, foram bagunçadas.
Produzimos cenários visuais e textuais, nas aproximações dos elementos do teatro
experimentação de Carmelo Bene (DELEUZE, 2010), onde se amputam os roteiros, textos,
fragmentos literários, para experimentar o inusitado, dando uma força menor ao que antes
parecia, em termos de efeito normativo, como maior. Pesquisas que descolonizam,
mancham o caráter ocidental, branco, standard de um artefato – como o livro de O
Pequeno Príncipe – para produzir outros artefatos com ele, outros elementos discursivos,
outros enunciados, outras visibilidades. Fazer os desmonte de imagens representativas
usuais de peças clássicas do teatro, ou do campo literário, nos dá a pensar sobre as alianças
e contágios possíveis dessa operação nos espaços que ocupamos e situações educacionais
que vivemos. Pensamos que estes escritos ainda estão em vias de se fazer por entre as
(nossas) performances docentes e suas relações com a multiplicidade de corpos psíquicos
e corporais com o qual nos encontramos, e como as operações de subtrair e minorar
podem desmontar hierarquias, relações de poder (FOUCALT, 1987), rigidez no âmbito
educacional. Se pensamos em subtração de figuras, falas, corpos, gestos, percebemos que
podemos pensar as relações de poder em uma perspectiva minoritária, explorando um leve
desmonte, um curto-circuito em meio às restrições, de modo a encontrar fissuras nessas
redes de poder, para que o sujeito encontre território de passagem a algo ou alguma coisa
diferente do que ele vem sendo. Afinal, quem de nós não cria uma linguagem virada do
avesso, um jeito estranho e novo de sentir, uma composição de sons inauditos, um jeito de
ver as coisas por outro ângulo, um desejo forte de escoar e ficar em silêncio, ou de gritar
as nossas dores, de insultar os monstros reais que nos oprimem diariamente, e que
tenderiam a cair no campo da mera compreensão/interpretação/diagnóstico? Nosso
desejo é que o campo de experimentação do qual derivamos nos ponha a pensar sobre a
alegria de deslizarmos de nós mesmos, das figuras de poder que tentam nos dominar e
pela qual, tantas vezes, nos apaixonamos. Traçar - por escritas, por aulas, por gestos, por
afasias na fala – um devir-menor pelo qual possamos nos engajar em amputar nosso rosto
287

unificado do padrão majoritário (Deleuze, 2010). Encontrar a ética de povoar a atmosfera


do acontecimento Bene-Deleuze: compor territórios em educação com crianças, jovens e
adultos, por subtrações e movimentos menores e desviantes de/em/por artes, corpos,
vidas, pesquisas e pensamentos.

Palavras-chave: Devir-Menor; Educação; Subtração.


288

RASGA A CARNE

Adriana Maimone Aguillar


Universidade Federal do Triângulo Mineiro
adriana.aguillar@uftm.edu.br

Com base nos trabalhos acerca do Corpo sem Órgãos1 foi realizado este texto do
qual temos um resumo: Essa carne dura, endurecida pela vida, embrutecida pelos brutos,
duros. Menina, moça, mulher, quanto essa carne endureceu para ter que suportar tamanha
dor, dores e horrores. Uma carne que dia após dia se endurecia, se fechava, se calava. Dura
a carne virou pedra. Dura a dor se fixou em minha carne. Carne dura, fechada, calada. Essa
carne que se contraiu de tanta dor de falso dissabor. Uma alma pura e doce e tão dançante
e alegre e cantarolante, o seu brilho forte e belo de tão cálido e amarelo já cegava os
arredores. Esses arredores embrutecidos, coitados, estarrecidos não aguentam essa luz.
Esse brilho de alegria já ofusca os arredores escurecidos pelas almas brutalmente
endurecidas não te querem ver brilhar querida. Te açoitam, açoitam o seu corpo
cotidianamente, com gestos brutos e palavras carrancudas, dia após dia apagam cada
pedacinho dos seus pontos de luz, vão te jogando terra, paus, pedras, cuspes, palavras-
tiros, gestos-armas, vão te jogando pregos, ferros, açoites, pequeninos e grandes, todos os
tipos. E a carne dantes mole e bailante de uma pequena infante, vai se firmando em duros
blocos, pedaços, calosidades, embrutecimento, endurecimento, calcificação da carne e da
alma. Aos poucos o olhar morreu, a luz se foi e somente uma carne dura. Será carne ainda?
Ou apenas um pedaço de pau, de ferro, de prata escurecida, de ouro sujo, coberto com
cimento, cal, lama endurecida. Esses blocos calcificados de carne empedrada me dificultam
o respirar, me entortam o caminhar, me impedem de dançar e embaraçam o meu olhar.
Um olhar morto, feio, escuro, baixo, caído. Um pedaço de pau seco e duro tentando
sobreviver, rachando. Oh! Lágrimas profundas! Amoleçam este galho ressecado, hidratem
essas pedras sujas, limpem este ouro fosco! Águas salgadas de minhas lágrimas limpem
esse olhar obscuro. Lanças, me rasguem as armaduras! Facas, me rasguem aberturas, por
onde eu possa respirar! Suplico que me rasguem mais e mais! Me abram fendas para que
eu possa sangrar! Esse sangue estancado, essa carne endurecida, que o sangue possa
passar... que a água possa limpar e que o ar possa fluir... Rasguem a minha carne dura e
arranquem as pedras. Talvez mandar de volta àqueles que me jogaram, talvez embora para
longe de todos nós. Essas pedras embrutecidas que me pesam os ombros, deformam as
costas e entortam meus pés. Me salve ó mãos amigas, fortes e sábias! Me ajudem a
arrancar essas pedras que estão encravadas em minha dura carne. Que eu possa leve,
novamente devir. Que uma alma leve e bela possa florescer, fluir! Será que apenas na
morte poderei viver? A morte eu já muito desejei, já que o peso das pedras me atordoava.
Mas cresci e mais forte fiquei, pois com as pedras aprendi a conviver. A carne dura eu
demais suportei. E tão forte que eu fiquei, que já não mais percebia que a carne dura em
mim vivia. Dura já era a alma e dura era eu. Eu: dura carne bruta, ser embrutecido. Eu:
firme e forte, olhar turvo, sombra da morte. Mas... eis que a alma, tão bela e doce, por uma
fenda se fez passar. Em meio a tanta brutalidade, uma faca distraidamente rasgou o galho
secante e uma fenda bem pequenina deixou a alma luz menina me atravessar. E no meio a

1
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia 1.Trad. Luiz B. L. Orlandi, São Paulo:
Editora 34, 2011, 2ªed.
289

tanta carne dura, uma gotícula de água salgada, de uma lágrima quase apagada, gotejante
se fez passar. E os dias foram passando e a fenda que antes, tão pequenina, aos poucos se
foi abrindo. E agora eu vejo tão triste alma, aprisionada e endurecida, um pedacinho do
seu brilhar. Esse pequenino brilho de luz, devagarzinho já me conduz. E pouco a pouco
busco mais facas, garfos, agulhas e vou vagarosamente, rasgando a carne, cada pedacinho
já vai rasgante, abrindo fendas bem mais gigantes. A carne abre e se faz sangrante, vem
sangue meu me banhar de vida e a alma já vem pulsante. Abre essa fenda com mais alarde,
arrebenta essa carne com mais desgaste, arregaça essa carne dura. Com marteladas amacia
essa carne que aos pouquinhos já vem sangrante: uma luz intensa se faz brilhante. Vem
brilho meu me fazer dançante, vem com força cegar o errante que outro dia me fez açoite
e hoje me vê brilhante!
.......................................................................................................................
Sombra da morte, como sobrevivi? E forte! A luz do luar me ajudou, a cada nova lua
um novo suspiro. A saia rodada e os bicos dos seios me aluziram um ser mulher. Forte a
sombra da morte me ajudou. Como sobrevivi? Uma tia que de longe via. Como
sobreviveste? Sua força só pode ser grande pois como menina, moça, mulher, loba, no
meio de tantos machos, fortes, ofegantes, arrogantes, bravos ameaçantes? Como
sobrevivi? Mulher, menina, moça, meiga, o que te trouxe aqui? Que missão foi essa? E
como sobrevivi? Imagine então outras tantas mulheres? Em meio a tantas situações,
meninas, moças, fortes que apesar da constante sombra da morte sobrevivem. Meninas,
minhas amigas, somos todas sobreviventes, com nossos corpos ardentes despertando
desassossego nos meninos ao nosso redor. Doces Evas, que com olhares e seios seduzem.
Os homens, meninos, coitadinos, não conseguem, não se conseguem e como no tempo das
cavernas, doce sombra da morte que é hoje, eles nos atacam cotidianamente, nossos pais,
mães, irmãos, primos, tios, avós, amigos, vizinhos, estranhos, os homens, meninos nos
atacam! Que coisa que nós causamos nesses homens? Que loucura e desventura, que
desassossego que eles se jogam, nos machucam, nos xingam, abusam, nos subjugam...
Somos todas sobreviventes de nossos queridos entes, e depois a escola, os hospitais e
todos esses locais onde eles nos olham, seus olhares atordoados.

Palavras-chave: Carne, Devir-Mulher, Violência.


290

ANTIFASCISMO TROPICAL

Danichi Hausen Mizoguchi


Universidade Federal Fluminense
danichihm@hotmail.com

Eduardo Passos
Universidade Federal Fluminense
e.passos1956@gmail.com

Foi na prisão que Caetano Veloso ouviu surpreso a preleção moral feita por um
militar que discorreu sobre a rebeldia da juventude e como o pop e o rock poderiam
destruir a estabilidade política conseguida com o que chamava de a Revolução de 64: a
capacidade de pulverizar a realidade e tratar fragmentariamente os costumes e os valores
morais era subversiva e justificava a repressão Essa mesma estirpe de subversão apareceria
também no primeiro trabalho conjunto de Gilles Deleuze e Felix Guattari, O anti-Édipo
(2010), publicado em 1972 sob efeito da onda contracultural disparada em 1968. Do lado
de cá e do lado de lá do Atlântico, modulava-se o enfrentamento ao fascismo e disputava-
se o sentido das noções de país e de desejo nas intervenções inventivas tropicalistas e
esquizoanalíticas. O que gostaríamos de fazer aparecer neste ensaio é a estranha conexão
entre as apostas brasileira e francesa, defendendo explicitamente que a coligação entre
estes trabalhos é a sintonia no modo subversivo não antagonista de enfrentamento ao
fascismo. Há certo rebatimento de época, uma coetaneidade entre os enfrentamentos
franceses e brasileiros que se fizeram sob uma afinação curiosa a partir da qual o desejo e
o Brasil podem se colocar sob a mesma ética.
No prefácio que escreveu para a edição estadunidense do livro de Deleuze e
Guattari, Michel Foucault (2010) indica que se trata de uma obra que apresenta a ética
para uma vida não fascista. Mas é preciso que entendamos que, sob a perspectiva que ali
se apresentava, haveria um fascismo molecularizado e menos evidente do que aqueles
realizados por Benito Mussolini e Adolf Hitler – embora também muito profundo e
incrustado nos processos de subjetivação como as experiências da Itália e da Alemanha nas
décadas de 1930 e 1940. Se Deleuze e Guattari têm razão ao apontar que toda molarização
produz molecularização, é preciso dizer que as experiências do Duce, do Führer e do
Generalíssimo produzem e espraiam certa cotidianidade fluida deste modo triste e
mortífero de relação com o outro. A análise crítica realizada em O anti-Édipo não focou
especialmente o fascismo clássico, com um chefe carismático, o nacionalismo exacerbado
e o culto da tradição que o caracterizou, mas aquele fascismo que, paradoxalmente após a
vitória do capitalismo e do comunismo contra esse mesmo fascismo na Segunda Guerra
Mundial, se espalhou como modo hegemônico de lidar com o outro. E se esse fascismo
molecularizado – já não mais percebido como forma, mas como fluxo – é o que o livro de
Deleuze e Guattari critica, talvez estejamos no momento mais propício de nossa história
recente para entendê-lo e enfrentá-lo. E se assim é, certamente outros modos de combate
serão demandados quando o fascismo se moleculariza como no Brasil da segunda metade
dos anos 2010 – modos não destrutivos de entrar no campo de batalha e que efetiva mais
uma luta-com do que uma luta-contra: uma agonística, mais do que um antagonismo.
291

No trabalho dos tropicalistas, havia uma intenção radical de rever o sentido de


brasilidade que já não parecia caber no continente estabelecido da identidade nacional. O
gesto artístico de devolver o mundo ao Brasil e o Brasil ao mundo era um processo
experimental no qual o próprio país já não poderia mais ser idêntico a si mesmo. Caetano
e Gil começavam a pensar e a performatizar a identidade nacional como um processo
aberto e em desenvolvimento permanente: um Brasil não mais enraizado, um Brasil
antenado. A invenção artística e nacional não mais deriva de um sentido prévio que
supostamente captaria a totalidade do Brasil, conforme queriam tanto os militares quanto
a esquerda nacionalista. Diferentemente, refere-se ao Brasil pela montagem e pelo
cruzamento de designações parciais, a invenção de um vulto de justaposições sincrônicas
em que os contrários coabitam, se superpõem, se atravessam, forjando o Brasil como um
estranho reino da diferença que expulsa a imagem identitária do todo-Brasil: um Brasil a n-
1, um Brasil anti-edípico.
Em O anti-Édipo, Deleuze e Guattari dizem que o que define as máquinas desejantes
é o poder de conexão ao infinito – em todos os sentidos e em todas as direções. Nessa
perspectiva contracultural, o desejo efetiva-se como produção: desejar significa fazer fluir
e cortar fluxos. A direção de insurreição é essa: “que a máquina revolucionária, a máquina
artística, a máquina analítica se tornem peças e engrenagens umas das outras” (Deleuze,
1992, p. 36). Esta talvez tenha sido a grande aposta dos tropicalistas que gostaríamos de
novamente fazer aparecer na superfície de combate: a operação desejante e anti-edípica
como uma espécie de pé de apoio para todo salto antifascista em um Brasil que, afinal de
contas, anda tão próximo de 1964.

Palavras-chave: Antifascismo; Brasil; Desejo.


292

MÁQUINA DE GUERRA NÔMADE: UMA TÁTICA DAS OCUPAÇÕES DOS SECUNDARISTAS

Rodrigo Conceição Ferreira de Moraes


EFLCH-UNIFESP
rdgmoraes@gmail.com

O presente estudo se articula com esta edição do “VIII Seminário Deleuze e Corpo
e Cena e Máquina e...” pois objetiva suscitar as ocupações dos secundaristas como uma
máquina de guerra nômade produtora de saberes próprios de uma ciência menor que
inventou uma heterotopia da escola, criando uma micropolítica provocadora de diferenças.
Investiga as ocupações dos secundaristas nas escolas do Estado de São Paulo, que
ocorreram no ano de 2015, a partir do conceito de máquina de guerra nômade de Gilles
Deleuze e Félix Guattari. Para os autores os conceitos nos remetem a um acontecimento e
não a uma essência propriamente dita, trata-se de um encontro que reverberam as lutas
contra o aparelho de Estado e suas políticas de assujeitamentos sedentários. A máquina de
guerra possui uma potência criadora de multiplicidades subjetivas e funciona de modo
exterior ao aparelho de captura, sua organização é própria dos bandos e nômades
guerreiros, por vezes usa a guerra como forma de dispersar a centralização despótica do
Estado.
Relacionar as ocupações dos secundaristas com o conceito de máquina de guerra é
recepcioná-las como forma de resistência frente aos aparelhos de captura. A máquina de
guerra é uma forma de luta e sua guerra não pode ser confundida com a violência do
Estado. É um modo de se apropriar da escola, é uma tática de desterritorializar o espaço
estriado escolar. Opera nas linhas moleculares do desejo e de fuga, sua dimensão política
é criadora de potências que tendem a cortar, romper com as linhas molares próprias às
estratégias do aparelho de captura. Somente uma máquina de guerra pode cortar as linhas
molares que operam na captura reterritorializando os fluxos que tendem à fuga.
Nossa proposta é situar as ocupações dos estudantes a partir de uma micropolítica,
característica da máquina de guerra. A luta dos secundaristas permitiu a
desterritorialização do molde da escola, propiciando a inventividade de um espaço
heterotópico. As ocupações evidenciaram uma tática de subverter o funcionamento da
escola, rompendo com a demanda de estratégia de implementação da macropolítica
estatal de reorganização das escolas em ciclos e faixas etárias.
Nos platôs, “1227 - Tratado de Nomadologia: A Máquina de Guerra” e “7000 A.C -
Aparelho de Captura”, Deleuze e Guattari apresentam axiomas, proposições e problemas
para pensarmos a máquina de guerra e o aparelho de captura. O primeiro Axioma é para
afirmar que “A máquina de guerra é exterior ao aparelho de Estado”(DELEUZE, GUATTARI,
1997, p.11), esta tese da exterioridade da máquina de guerra é para confirmar que o Estado
está sempre em relação com um fora, com aquilo que escapa ao seu controle, um
acontecimento que está fora das suas normas e regras.
O segundo axioma que os autores nos colocam é que “A máquina de guerra é a
invenção dos nômades (por ser exterior ao aparelho de Estado e distinta da Instituição
Militar). A esse título, a máquina de guerra nômade tem três aspectos: um aspecto espacial
geográfico, um aspecto aritmético ou algébrico, um aspecto afectivo” (DELEUZE,
GUATTARI, 1997, p.50).
293

O território nômade é um espaço aberto e liso como as estepes e o deserto, no


entanto, está entre espaços estriados que o limitam como a floresta vertical e a agricultura
quadriculada e seus paralelos. O nômade não se confunde com o migrante, mas é aquele
que está sempre no trajeto e que não se move apenas de um ponto ao outro. O nomadismo
da máquina de guerra se contrapõe ao sedentarismo do aparelho de Estado. O trajeto para
o nômade é uma consequência, já o caminho do sedentário tem sua função em distribuir
os corpos em um espaço fechado e estriado. “O espaço sedentário é estriado, por muros,
cercados, enquanto o espaço nômade é liso, marcado apenas por traços que se apagam e
se deslocam com o trajeto” (DELEUZE, GUATTARI, 1997, p.52) O nômade escorre por um
território que faz seu conforme suas táticas e não se define pelo movimento, mas pela
velocidade e paciência, seu movimento ocorre sentado, velocidade e movimento não são
sinônimos, velocidade está para intensidade e o movimento é extensivo.
A máquina de guerra traça uma linha de fuga das amarras do aparelho de Estado e
desliza no espaço liso constituindo-o em uma potência criadora de subjetividades,
permitindo dessa forma a afirmação das diferenças. E neste ponto nos aproximamos do
conceito de heterotopia de Michel Foucault, que está no campo das possibilidades, tal qual
a micropolítica da Máquina de Guerra. A heterotopia é uma inversão do espaço de poder,
contesta os posicionamentos, são “lugares que estão fora de todos os lugares” (FOUCAULT,
1984, p.415).
Ao produzir um novo território no espaço escolar os secundaristas promoveram
durante as ocupações diversas atividades pedagógicas que escaparam da previsibilidade
curricular normativa constituindo saberes nômades que se opõe a uma ciência régia do
Estado. A ciência menor compõe saberes próprios de um problema que não nos remete a
um modelo e à paradigmas universalizantes. O problema é da ordem da criação e não de
repetição e recognição.
Fica evidente que as ocupações provocaram transtornos, incômodos e se tornaram
insuportáveis para os que se assujeitam à cristalização da ordem pedagógica sedentária,
pois se constituíram como uma tática da máquina de guerra nômade produtora de linhas
de fuga e de uma ciência menor.

Palavras-chave: Ciência Menor; Heterotopia; Máquina de Guerra.


294

TESTEMUNHAR O INSUPORTÁVEL: UMA CARTOGRAFIA DO ABUSO SEXUAL INFANTIL

Karina Acosta Camargo


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
karina.jyoti@gmail.com

O trabalho proposto para o VIII Seminário Conexões: Deleuze e corpo e cena e


máquina e ... deriva de um processo que tem início em minha dissertação de mestrado e
se desdobra no doutorado em andamento com o apoio financeiro Capes, ambos vinculados
ao Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade, no Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Clínica da PUCSP, sob a orientação do Prof. Dr. Peter Pál Pelbart.
O objetivo do mestrado consistiu em realizar uma cartografia dos processos de
silenciamento em torno do abuso sexual infantil, por meio do rompimento com os próprios
silenciamentos. Eu, enquanto uma pesquisadora que teve os seus contornos violados
durante a infância, por mãos que me fizeram um buraco entre as pernas, encontro na
escrita testemunhal um modo singular de realizar esta cartografia. É uma pesquisa que
busca ir além da dicotomia vítima-agressor, para pensar a complexa trama que se
estabelece invisivelmente e possibilita a incitação e a continuidade dos abusos sexuais,
principalmente no âmbito familiar.
Neste Seminário, busco dialogar sobre a singularidade desta escrita testemunhal,
em que a poética e a ficção são pensadas como um território de experimentação ético.
Para tanto, o método assumido por esta trajetória é a cartografia e o referencial teórico se
constitui, principalmente, de Gilles Deleuze, Félix Guattari, Michel Foucault e Friedrich
Nietzsche, onde algo gravita em torno de um estatuto especial da vida e o seu limiar de
fragilidade, nomadismo e exterioridade. Também conta com uma intercessora em especial,
Clarice Lispector, cuja nuance abismal e vertiginosa possibilita o mergulho nas águas
turbulentas do mundo.
A noção de cartografia é pensada a partir dos estudos de Deleuze e Guattari. O
método cartográfico implica que a pesquisadora, mais do que investigadora, se transforme
em cartógrafa e busque percorrer processos, paisagens, evidenciando o caráter não
estático e apriorístico da realidade. A cartografia, aqui, é uma experimentação do corpo e
da escrita, em que se realiza uma travessia insuportável – passagens, deslocamentos
outrora inimagináveis. A travessia de romper os próprios silenciamentos e me lançar a um
futuro por vir.
Esta pesquisa entende que a exposição sem cautela com a ferida exposta dá rosto
e intimidade àquilo que só quer ser visto com uma distância apropriada – o abuso sexual
infantil, compreendendo que a inquietação gerada por essa aproximação com a ferida
(não) cicatrizada tem a potência de afetar e mobilizar o leitor também em seus aspectos
vitais. O testemunho, neste sentido, é uma língua estrangeira que se dá desde à perspectiva
da ferida, do rasgo, do insuportável, onde colapsa a linguagem e o corpo cria modos
singulares de apresentar a si mesmo. Quando um corpo colapsa e fracassam as
possibilidades dadas de antemão, o que resta é um esgotamento de si e do mundo. Aí,
nessa fratura, nessa impossibilidade onde nada é possível, um corpo resiste e pode criar.
Essa é a potência do testemunho: tornar também o outro participante da experiência
daquele que atravessou o insuportável e sobreviveu para contar.
Ele reside numa criação, numa fabricação de poesia que libera a vida antes
295

aprisionada em uma perspectiva única, em um só sujeito, uma história, uma verdade;


liberando a vida no homem e do homem. Esta arte de contar do testemunho aponta um
modo de dizer, em que – desatados os nós da garganta – o som mais parece um sussurro,
um silêncio, que libera visões e audições das cadeias da existência cotidiana. A escrita
testemunhal se transforma na produção de um diário íntimo e extemporâneo, em que não
há sujeitos nem objetos, mas paisagens, atmosferas, sobrevoos, que fazem emergir blocos
de infância e a instauração de um tempo outro.
O testemunho tem um caráter de invenção que desata a escrita de seu
prolongamento com uma história pessoal. Consiste em atravessar o pessoal em direção ao
impessoal. Uma experiência que vai ao limite do sujeito até que a escrita, neste curso,
destitua aquele que escreve da autoria do texto. Ali, onde a minha infância se torna a
infância do mundo, é que podemos liberar uma vida.
Trazer à cena o insuportável. Aquilo que se manteve silenciado, ocultado,
possibilitando trânsitos, deslocamentos, rupturas e a criação de novas possibilidades de
existência. Uma escrita menor, capaz de fabricar mundos. O testemunho, assim, se depara
com aquilo que é impossível dizer, não como um estado de mutismo e, sim, como um ato
poético em que a palavra, fraturada, rompe a linearidade da história e inaugura um novo
tempo. Assim, a questão desta pesquisa em carne viva é o silenciamento em torno do
abuso sexual infantil, mas, além disso, é sobre a potência de invenção vital a partir do
insuportável, excessivo e cruel, e a arte como possibilidade de resistência e criação de
novos modos de existência. Finalizo com um trecho, na íntegra, do livro “Fios de ouro no
abismo: uma cartografia do abuso sexual infantil”, oriundo de minha dissertação de
mestrado:
A pele é o mais profundo do corpo. Eu nunca soube iluminar a escuridão e, cega,
perdia os contornos afogada no próprio abismo. Aquela casa foi morada de sons e cheiros
e toques que saíam dos cantos e perturbavam a minha sanidade - a loucura é o desmanche
da pele que habito. Eu nunca soube iluminar suas madrugadas, precisava de olhares que
acalmassem a vibração atormentada no peito. Isso naquela casa, isso naquela casa. A
solidão no pôr-do-sol era o nascer das minhas sombras. Prisão interna onde o cair era o
único chão para os pés. Então surge uma necessidade de desfazer a pele morta, a pele que
se perde, perder para não mais perder-se. Perder para não mais perder-se. Descobri uma
outra companhia, iluminada no escuro entre novas cores, transparências, pássaros e vento.
Fios de ouro no abismo reluziam e iluminavam a escuridão. A pele morta, nascida morta,
ficou pra trás enquanto segui em frente. Nascer do sol nas horas quebradas da madrugada.
Uma outra pele agora, costurada - carinhosamente - com as próprias mãos, entre linhas e
agulhas e tecidos vivos. Uma outra pele-viva, na madrugada daquela mesma casa.

Palavras-chave: Abuso Sexual Infantil; Cartografia; Testemunho.


296

DESTAMPAR A IMAGINAÇÃO PARA FLORESCER OUTROS MODOS DE CONVÍVIO

Rosane Preciosa
UFJF
rosane_preciosa@yahoo.com.br

Escrevo mobilizada por uma aflição pessoal, diante de uma série de acontecimentos
políticos que faz o Brasil a cada dia retrogradar em conquistas nos planos social, ético e
estético. Se uso o substantivo aflição é porque é algo que pega no corpo pra valer. E me
interessa demais que o corpo reaja ao que lhe parece insustentável, ao que possa
amortecer a exuberante vida que cada corpo traz consigo ao nascer, vida que deseja se
expandir e inventar valores, não apenas reproduzi-los docilmente.
Diante de um contexto de extrema adversidade e desolação que nos atinge, tenho
quase que diariamente me feito a seguinte pergunta: como resistir aos modos tristes que
esses tempos destilam? E resistir aqui, sublinho, é ultrapassar a ideia de combater, de
afrontar uma situação de opressão, ainda que seja necessário, mas sobretudo sintonizar
alguns lampejos de imaginação que saltam e revertem esse quadro, nos restituindo uma
vitalidade e uma alegria. Nesse sentido, me interessa sintonizar ações de artistas
“patenteados” ou não que acabam funcionando como um laboratório de descompressão
imaginativa
Pretendo, nesse artigo, reunir algumas ações artísticas que, de modos distintos e
singulares, nos convocam a nos insurgir contra o que sufoca nossa vitalidade, contra o que
breca nossa imaginação, ativando pequenas insurgências cotidianas. Há uma esfera das
micro ações por vezes negligenciadas, e que são contagiantes, legítimos catalisadores de
afetos, capazes de alterar a experiência das coisas do dia-a-dia.
Como referencial teórico, meu ponto de partida é a apropriação de alguns conceitos
da dupla Deleuze&Guattari, bem como de pensadores alinhados com a Filosofia da
Diferença, mas não só. É importante, a meu ver, trazer aportes teóricos procedentes do
campo da arte e da performance, passando pela literatura, bem como autores que
transitam pela Filosofia da Diferença, pela via da Educação. Entendo que um chão teórico
múltiplo suscita e ativa outros modos de pensar e sentir. Sobretudo traz frescor ao
pensamento.

Palavras-chave: Ações Artísticas; Criação; Resistência.


297

VIDA, PESQUISA E IMANÊNCIA: UMA HISTÓRIA [DE UM EDUCADOR MATEMÁTICO]


DA/NA FLORESTA...

Jorge Isidro Orjuela Bernal


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Unesp-Rio Claro
jorge.orjuela@unesp.br

O seguinte trabalho contempla, fazendo uso do conto como estratégia narrativa, a


possibilidade de trazer, pelo menos desde o cenário educativo, a inseparabilidade existente
entre fazer pesquisa e pesquisador como sujeito, ou seja, como alguém que sente
angustias, desejos, alegrias e tristezas, que se afeta, e a oportunidade de novos caminhos

para abordar o exercício investigativo Neste sentido a imanência como o planteia Deleuze
(1995), não dependente de um objeto nem pertencente a um sujeito, se faz presente nas
atualizações que sujeito e objeto fazem desde as interações de acontecimentos que
perpassam, neste caso isso, tanto a pesquisa quanto o pesquisador. Quer dizer todas as
singularidades e multiplicidades que se passam no encontro demarcado pelos interesses
enraizados no querer saber, conhecer, pontuar ou postular desde as ciências e por quem
procura dar forma a esses interesses. Assim, em Uma história [de um educador
matemático] da/na floresta... enquanto se narra uma pequena parte do caminhar e autuar
professional do autor junto às comunidades indígenas, onde se declara que antes dessa
experiência, nada sabia do que era se internar no mato, nem de navegar por horas e horas
no rio baixo o sol abraçador ou chuva inclemente e inesperada, nem da magia de noites e
noites sem energia elétrica. Pois mais do que um formador de professores em comunidades
esquecidas pelo favor de deus, era eu um caminhante errante em busca de respostas a
perguntas ainda não feitas...1 compõe-se um espaço-tempo que convida a pensar vida e
pesquisa de modo conjunto.

Palavras-chave: , Cartografia; Educação Matemática; Imanência.

1
Trecho da narrativa composta pelo autor para operar, justamente, a proposta aqui apresentada.
298

CURRÍCULOS-OUTROS E AS OCUPAÇÕES DAS ESCOLAS PAULISTAS

Débora Reis Pacheco


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
debora.rpacheco@gmail.com

Este resumo refere-se a uma pesquisa de doutorado em andamento que se contrói


no âmbito da Educação Matemática tendo como intenção explorar as criações curriculares
do movimento de ocupações estudantis de escolas públicas no estado de São Paulo
ocorrido em 2015 e 2016.
A pesquisa parte de conceitos deleuze-guattarianos, cartografando encontros entre
uma pesquisadora e estudantes secundaristas frente aos seus incomodos em relação ao
Aparelho de Estado, especialmente aos maquinários escolares nos quais estão inseridos.
Encontros que reverberam esgotamentos e processos criativos em fluxos desordenados.
O esgotamento no sentido deleuzeano vem como uma chave/noção para pensar a
potência de secundaristas na criação de currículos. Nesse sentido, os relatos de tais
secundaristas tornam visíveis um esgotamento de agenciamentos molares que se
desenham a partir de currículos prescritos, ou de currículos-bulas, que parecem tratar do
adoecimento do saber fechando outras possibilidades de pensamento.
O estado de esgotamento transborda com um acontecimento na rede estadual de
São Paulo: uma proposta do governo do estado de reorganização das escolas, que
acarretaria o fechamento de várias delas com a intenção de separar os ciclos.
No entanto, lembramos que sempre há escapes em agenciamentos moleculares.
Secundaristas, algumas delas que há tempos caminham nas escolas-quad (by Samuel
Beckett), esgotam-se e explodem outros possíveis: as ocupações.
As ocupações das escolas paulistas em 2015 duraram quase 60 dias. No ano
seguinte, movidos por outros motivos, escolas de São Paulo e de outros estados também
são ocupadas. Períodos em que secundaristas criaram outros modos de existir no espaço
que habitavam há tempos: o banheiro já era outro, as doações garantiam o papel higiênico
que antes era controlado pela direção escolar; carteiras ocupavam outros lugares; saíam
as réguas que mensuram, entravam colchões para as noites que eram recheadas de medos,
esperanças e risadas; secundaristas caminhavam, dançavam, escutavam funk, tocavam
saxofone, piano e violão; secundaristas brigavam por besteiras, ou não, por quem sujou e
não limpou, depois se desencontravam nas espumas que escorregavam os corredores
lavados por eles mesmos. Secundaristas fraturavam currículos-bula e os colocavam para
bailar.
Foi um dos acontecimentos mais importantes na educação brasileira dos últimos
anos, acontecimento que afeta uma pesquisadora e produz questionamentos: o que as
ocupações tem a nos dizer? O que das ocupações interessa à Educação Matemática e o que
da Educação Matemática interessa às ocupações?
Questionamentos que rodeiam os encontros entre pesquisadora e secundaristas
colocando sob suspeita a necessidade de buscar uma matemática nos currículos criados.
Uma busca que enreda a pesquisadora e o fazer pesquisa na criação de uma tese.
Pesquisadora e secundaristas se misturam nos fluxos desordenados de esgotamento e
criação.
299

Deste modo, a pesquisa se costura a partir do problema: o que pode um corpo


esgotado na criação de currículos-outros?
Um caminho cartográfico se põe a desenhar um complexo movimento entre
agenciamentos molares e moleculares, entre currículos-bula e suas fraturas dançantes,
entre o fazer pesquisa e buscar matemáticas. Cartografam-se encontros de variadas
naturezas que envolvem mesas de bar ao som do tilintar de copos de cerveja, caronas
inesperadas, debates, documentários, livros, performances dancísticas e uma residência
artística.
Secundaristas criam currículos-outros na molaridade da preocupação com o
processo seletivo para o ensino superior ou para o mercado de trabalho e dos resultados
do ENEM, mas também abrem fissuras moleculares em relações disjuntivas inclusas
afirmando diferenças com atividades diversas que compunham suas rotinas: aulas de
matemática para vestibular E discussões sobre feminismo E discussões sobre a melhor
forma de preparar macarrão para tanta gente com as doações que chegavam E cantar um
funk E conversar sobre o nada e ...
Neste movimento, secundaristas dividem opiniões, esburacam as tentativas de
interpretações: vândalos, alunos-problema ou apenas estudantes defendendo suas
escolas? Quem pode ir contra estudantes que só querem defender a educação? Um
secretário da educação cai, ações descabidas, “estranhas propostas” não só do governo,
mas também da mídia e de todo entorno. O entorno não sabe lidar com corpos lisos que
esgotam possíveis e ocupam escolas criando outros currículos.
Um currículo-outro coloca em xeque a “educação de qualidade” anunciada em
currículos-bula, como a Base Nacional Comum Curricular recentemente oficializada no
Brasil. O que é “qualidade” para este grupo de secundaristas rotulados como alunos-
problema? As habilidades e conteúdos listados nestes documentos prescritos atendem as
demandas de quem? Dos secundaristas que desejam escutar funk, das necessidades que
sentem em discutir feminismo ou daqueles que querem tocar saxofone? Ou atendem as
demandas do avanço tecnológico com valorização das áreas exatas? Ou ainda atendem à
uma cultura elitizada, deixando pequenos espaços para o artesanato indígena ou as lendas
africanas? Qualquer movimento curricular excluirá desejos e corpos.
As secundaristas das quais falamos abrem brechas no agora, nesse tempo, para
liberar forças marginalizadas. Depois? Depois-agora outros corpos serão - ainda são -
excluídos e outros caminhos de resistências precisarão ser desenhados.
É neste agora, das ocupações, que a pesquisa a ser apresentada se debruça, se
avessa e se enreda. É sobre uma criação curricular-outra efêmera, mas eternizada em bloco
de sensações.

Palavras-chave: Currículo; Esgotamento; Ocupações.


300

EM CENA: CORPO E ARTE E MATEMÁTICA E… ]ENTRE[ UMA CORPARTEMÁTICA

Mônica Maria Kerscher


Universidade Federal de Santa Catarina
monicakerscher@gmail.com

Cláudia Regina Flores


Universidade Federal de Santa Catarina
claureginaflores@gmail.com

Jussara Brigo
Prefeitura Municipal de Florianópolis
brigojussara@gmail.com

Angélica D’Avila Tasquetto


Universidade Federal de Santa Catarina
angidavila@gmail.com

Este ensaio coloca no palco da ]educação[ o corpo e a arte e a matemática e tantas


outras coisas para cantarolar. O canto que apresentamos está em sintonia com as vozes de
Deleuze, Larrosa, do Grupo de Estudos Contemporâneos e Educação Matemática - GECEM1
-, entre outros. A composição nomeada de corpartemática é tomada como disparadora
para tecer alguns exercícios de pensamentos, em especial, para pensar e problematizar os
ecos de um canto que em sua vibração pulsante atravessa o corpo e a arte e a matemática
e o professor…, naquilo que a multiplicidade pode acolher. Instaura-se ainda outra questão:
o que pode um canto nomeado corpartemática em Educação Matemática? Entende-se que
inventar e nomear um canto seja, talvez, pensar de outro modo o que pode a educação e
com isso tentar escrever de outro modo, ler de outro modo e compor outras coisas. De tal
modo que não se fale de “algo que estaria em um, ou alguma coisa que estaria no outro,
ainda que houvesse uma troca, uma mistura, mas alguma coisa que está entre os dois [ou
três], fora dos dois [ou três], e que corre em outra direção”2, na multiplicidade. E, nesse
sentido, talvez se possam produzir efeitos de sentido do que se passa quando se compõem,
se canta e se ausculta um canto.
Nisso tudo, ao ouvir: escutar Matemática, ou matemáticas, que se pode agenciar
por meio da arte. Agenciar “[...] não é fazer pelo outro [...]. Não se trata da distância entre
o que produz e o que, por demanda do produtor, viabiliza as condições materiais de
produção e de colocação do produto em circulação”3,talvez, seja renunciar ao já sabido e
se entregar ao estranhamento de si e expor-se. Uma exposição tanto pelos meios utilizados
quanto pelos conteúdos perseguidos para criar pensamentos outros. Ouvir e escrever e
cantar e ressoar... Estranhar: pensar com aquilo que é tomado como natural e que na
melodia do dia-a-dia tem efeitos de naturalização, perpetuando-se em reincidência.

1
www.gecem.ufsc.br
2
DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro, São Paulo: Escuta, 1998, p. 15.
3
SOUZA, P. Agenciar. In: FONSECA, T. M. G.; NASCIMENTO, M. L.; MARASCHIN, C. (Org). Pesquisar na
Diferença: um abecedário. Porto Alegre: Sulina, 2012, p. 29.
301

Pensar, que nas palavras de Deleuze sobre Foucault, é “experimentar, é problematizar” 4.


Problematizar um pensamento matemático que se entremeia no ver e no saber no ensino
de Matemática. Com isso, pensa-se nos detalhes das palavras e das imagens, na miudeza
dos ditos e não ditos que sobrevivem, na potencialidade dos sentidos inscritos em um
corpo. Corpo desejante, pulsante, vibrátil: pura experimentação. Corpo-matemática-arte,
corpo-pensamento, corpo-professor. Quais movimentos podem emergir destes enlaces,
desta multiplicidade? O que pode a matemática, a arte (imagens) e o corpo, quando
colocados juntos, pensar em Educação Matemática?
Canta-se com a arte, pois se acredita que por meio dela pode-se exercitar
pensamentos, conhecimentos e saberes matemáticos como potencialidade múltipla na
Educação Matemática. Opera-se com o deslocamento (teórico-conceitual) visualização-
visualidade, uma vez que na visualização não há estranhamento no que se olha, há apenas
uma operação mental, cognitiva. O olho, como um órgão, é nascido para olhar de um certo
modo, o olho da mente, que “é o olho cartesiano, perspectivado, geométrico. E quanto
melhor o olho da mente enxerga desse modo, melhor ele aprenderá ou saberá
matemática”5, por exemplo. Já com a visualidade entende-se que o modo como olhamos,
seja esse olhar em perspectiva - sem estranhamento - ou não, seria nada mais que um
efeito de verdade, um modo entre tantos de pensar e olhar o mundo, com ela permite-se
problematizar as formas naturalizadas de olhar e de representar, questionar os regimes
visuais que são instituídos históricos e culturalmente, dado que a visualidade é entendida
como a conjunção dos discursos que se formam e informam como nós vemos 6.
Pois bem, o que se busca é vidência - isto é, algo que nos force a pensar tais
problematizações e experimentações, e não apenas algo que nos leve a reconhecer aquilo
que já se tornou cristalizado, evidente - por meio de imagens da arte. Imagens que são
tomadas como lugar “de vivências presentes, de sobrevivências, de ressurgências, de
tantas outras memórias (individuais e coletivas)”7, que podem incitar o exercício de
visualidades, mas também produzem modos de pensar (pensar o corpo-matemática e o
corpo-professor e a matemática e a arte e o corpo e...), pois a imagem é “ora um pedaço
de real para roer, ora uma faísca de imaginário para sonhar”8. Para tanto, compõe uma
seleção de imagens para que com elas se possam problematizar e experimentar
pensamentos, a título de exemplo cita-se: “Dor” de Lasar Segall; “Família” de Tarsila do
Amaral; “Samba” de Di Cavalcanti; “Big Heart” de Romero Britto; e “The Love Embrace of
the Universe the Earth (Mexico), Myself, Diego and Señor Xólotl” de Frida Kahlo.

Palavras-chave: Corpo; Educação Matemática; Matemática e Arte; Pensamento.

4
DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 124.
5
FLORES, C. R.; MACHADO, R. B.; WAGNER, D. R. GECEM em montagem ou produzir conhecimento com um
grupo que estuda educação matemática. In: CUSTÓDIO, J. F. et al. (Org.). Programa de Pós-Graduação em
Educação Científica e Tecnológica (PPGECT): contribuições para pesquisa e ensino. p. 129-146. São Paulo:
Editora Livraria da Física, 2018, p. 131.
6
FLORES, C. R. Visualidade e Visualização Matemática: Novas Fronteiras para a Educação Matemática. In:
FLORES, C. R.; CASSIANI, S. (Org.). Tendências contemporâneas nas pesquisas em Educação Matemática e
Científica: sobre linguagens e práticas culturais. Cap. 4. p. 91-104. Campinas: Mercado de Letras, 2013.
7
SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, Etienne (Org.).
Como pensam as imagens. p. 21-36. Campinas, SP: Unicamp, 2012.
8
SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, Etienne (Org.).
Como pensam as imagens. p. 21-36. Campinas, SP: Unicamp, 2012, p. 22.
302

APRENDER MATEMÁTICAS: UM ENCONTRO COM SIGNOS

Carolina Tamayo
Universidad de Antioquia / Faculdade SESI-SP de Educação
carolina.tamayoo@udea.edu.co

Michela Tuchapesk
USP/ICMC-São Carlos
mtuchape@gmail.com

Esta comunicação parte das experiências vivenciadas na formação inicial e


continuada de professores Matemática, que tem provocado e provocam caminhos de
resistências diante de práticas prescritivas que orientam a vida na escola e a vida na sala
de aula de Matemática. Junto à teoria dos signos na perspectiva de Gilles Deleuze (1998;
2010; 2006) percebemos possibilidades de linhas de fuga, de transgressões, que
problematizam a noção de aprendizagem de Matemática, como recognição, no contexto
da Educação Matemática.
Entendemos que uma das contribuições de Deleuze (2010) para pensar a noção de
aprendizagem de Matemática, é a possibilidade de olhar de forma diferente o sujeito da
educação e sua relação epistemológica com o mundo. Visto que, a teoria dos signos em
Deleuze rompe com a visão de ensino tradicional construída sobre as bases de um sujeito
que estaria diante de algo que já conhece, algo preexistente a ele, que já existe
independente dele, um conhecimento abstrato e absoluto, construído sobre bases sólidas
teoricamente aceitas pela Matemática. Para isso, quem aprende Matemática, lança mão
de sistemas teóricos pré-estabelecidos, em que o objeto ou mundo a ser conhecido é
tomado como idêntico a si mesmo, reafirmando a dualidade sujeito-objeto, isto é,
reafirmando um aprender que parte do princípio da representação pelo qual a consciência
distancia-se do mundo observado, e a existência de uma Matemática única, neutra e
universal - disciplinarmente organizada.
Tais práticas prescritivas fazem parte das políticas da recognição presente nos
currículos escolares de Matemática, escolas, máquinas do Estado, fabricando sujeitos
reprodutores de saberes preexistentes a eles. Uma educação, um ensino de Matemática
que treina e molda corpos. Práticas de ensino de Matemática que assujeitam corpos, que
legitimam uma noção de aprendizagem como recognição, vinculada à ideia de um sujeito
racional, centrado, unitário, um sujeito moderno (SILVA, 1995).
Assim, junto às atuais políticas neoliberais em Educação e, em Educação
Matemática, tal como, os movimentos de luta e resistência consolidados nestas áreas nas
últimas décadas, entendemos que é importante problematizar outras concepções sobre o
aprender matemáticaS na escola, por exemplo, desestabilizando a crença desta ser única,
neutra e universal ao pensar em matemáticaS, no plural, enquanto acontecimento.
No sentido de Tamayo e Mendes (2018, p. 209) falar em matemáticaS1 (no plural e
com ‘S’ maiúsculo no final) faz parte de “um movimento desconstrutivo que opera na
amplificação da significação, o “S” também tensiona o desejo de manter um sistema

1
Notação usada no Projeto matemáticas realizado pelo grupo de estudos PHALA (Educação, Linguagem e
Práticas Culturais) da Faculdade de Educação da Unicamp, em parceria com LABJOR-Unicamp.
303

explicativo universal e totalizante, vinculado à palavra Matemática com “M” maiúsculo”[...]


- compreendida enquanto disciplina acadêmica”.
Esta transgressão está relacionada com a concepção de prática social como lugar
onde algo se passa, onde relações acontecem. Possibilidade de uma relação da prática e
signo e pensamento que não é redutível à aplicação de saberes ou à rememoração de
vivências dadas, uma vez que ela se constitui como um aprendizado voltado para o
problemático, um aprender como um “encontro com signos”.
Encontros com signos que sempre se dão na participação de práticas de uma
coletividade em que fazemos das relações a experiência com o signo. Encontros de corpos
que vibram com os signos que chegam na impossibilidade do possível nos encontros, como
acontecimentos, e, nessa vibração, nossa capacidade de sentir e pensar o mundo de modos
outros nos transforma, aprendemos com o corpo todo, como motor daquilo que estamos
nos tornando, sempre nos tornando com as matemáticaS que acontecem. Aprender
matemáticaS no encontro com signos que, no lugar da presunção do pensamento que se
debruça sobre si mesmo para si mesmo, - um pensamento autocentrado -, coloca-se sob o
acontecimento no encontro entre corpos que vibram e se impressionam e se impactam e
se afetam por seus signos.
Apontamos para uma visão do aprender matemáticaS como devir, como
acontecimento e, neste sentido, Kastrup (2005) afirma que o aprender acontece no
encontro entre professores e alunos e corpos humanos e corpos não humanos, encontro
de forças e potências e experiências não recognitivas.
Nos aproximamos de uma compreensão do aprender (matemáticaS) enquanto
devir de afectos e perceptos. Os afectos como efeitos de potência sobre a vida, da
experiência, e os perceptos, compreendidos como novas maneiras de ver ou perceber. Isto
porque, signos nos remetem aos modos de vida em que estamos inseridos, nos quais
qualquer tipo de tentativa para capturar sua essência, para produzir uma significação
última ou representação, se frustra, pois, pensar nos modos de vida é pensar nas práticas
sociais enquanto produtoras e mobilizadoras de saber.
Assim, esta escrita busca contribuir para a discussão e problematização dessa ideias
já contidas em diversas referências na área da Educação e da Educação Matemática
apontando para a valorização de outros modos de aprender e ensinar, possibilidades de
práticas de ensino outras, resistências ao currículo e aos discursos que podem ser
deterministas e que entendemos que funcionam a favor da produção de corpos dóceis
(CLARETO, 2012; GALLO, 2012; GONDIM, MIARKA, 2017).
Neste sentido, apontamos para a necessidade de práticas de resistência, micro-
revoluções, diante das políticas de recognição presentes nos programas escolares,
entendendo que, estas podem se manifestar ao nos incomodar, por exemplo, com as
práticas instituídas nos currículos de Matemática, problematizando-as no sentido que se
discute neste texto. Uma vez que, entendemos que contribuem de forma direta ou indireta
com a produção de corpos dóceis. É por isso que ressaltamos a relevância de tensionar o
modelo representacional do conhecimento da tradição filosófica ocidental, que sustenta a
ideia de um sujeito que possui a priori a capacidade de conhecer e de representar as coisas.

Palavras-Chave: Educação Matemática; Filosofia da Diferença; Signos.


304

ENTRE LÍNGUA E FALA E ESCRITA E PELE: QUE MATEMÁTICAS ACONTECEM?

Marta Elaine de Oliveira


Faculdade Metodista Granbery
martaoliveirajf@gmail.com

O presente texto acontece na composição entre matemáticas, línguas, escritas,


falas e pele e vida, em um exercício de operar com educação, com educação matemática e
com formação de professores, de tal modo que o foco esteja nos movimentos produzidos
em salas de aula. Embala-se na invenção de uma língua que repousa em acontecimentos
de sala de aula de matemática, questionando assim que pele uma língua veste? Que pele
veste uma matemática? Que linhas tramam um aprender enquanto língua, fala e escritas
se engendram uma aula de matemática? Nessa problematização, aposta-se na composição
de textos que problematizam a sala de aula de matemática, a formação de professores e a
vida de um professor, fazendo operar no funcionamento de uma escrita que se coloca pelo
meio, que produz uma pele e abriga-se nela, rasga-se e desabriga-se em um contínuo de
suas intensidades, pois tem no escrever o modo mais difícil de tirar sua veste. Essa política
de narratividade é tomada junto a Deleuze e Nietzsche, principalmente. Com esses autores,
tem-se a constituição da noção de pensamento como uma força afirmadora da vida. Outros
autores perpassam essa escrita e compõem como linhas de fuga a uma veste acadêmica,
por vezes aprisionadora.
Em sala de aula de matemática, uma língua que vaga e vaga. Que faz paradas em
moradas abandonadas. Uma atração pelo vago. Pelo que em vago fez-se uma língua. Uma
atração pelo vacilante na língua, alunos encontram-se com outros resultados em
matemática. Dentre esses, uma aluna, envolvida com as atividades de potência de números
−2 −2
negativos, apresenta os seguintes resultados (2) = 2 , (9) = 79 ... Na tentativa de
compreender suas respostas, a professora pergunta-lhe como fez. Em resposta a aluna diz:
22 é 4 , menos 2, dão 2. 9² é 81, menos 2, dão 79.
Não se trata de desobedecer ou obedecer às regras matemáticas, mas de entrar em
uma linha de fuga. Um encontro em zonas de vizinhanças, produções de fala, um andar
vacilante, vadio, vagabundo por uma língua.
Por ‘vago’ tem-se em sua origem a palavra vagus que significa errante, de sine via
que quer dizer “sem caminho” (DELIGNY, 2015, p. 21).
Nessa aprendizagem, há uma cumplicidade, às vezes, pouco explícita entre os
caminhos do vagar e os encontros com o acaso. “[...] o aspecto desses trajetos de vagar,
ainda que essencial – essencial porque o que está em jogo é a busca do acaso - precipita-
se na noite do esquecimento completo”. (DELIGNY, 2015, p. 21).
Vagabundo, vadio, vago alunos fazem a língua gaguejar, produzem um diálogo com
o fora, driblam os códigos, confundem-se para pensar. Então uma escrita tenta fazer um
pacto com uma fala, com uma linguagem. Uma escrita matemática tenta pactuar com uma
linguagem matemática, mas ao mesmo tempo subverte-a. Assim, uma ciência que “[...]
seria ela mesma vaga, no sentido de vagabunda: nem inexata como as coisas sensíveis, nem
exata como as essências ideais, porém anexata e, contudo, rigorosa ("inexata por essência
e não por acaso")”. (DELEUZE; GUATTARI,1997, p. 33).
305

Uma criação de formas de operar que não produziu significado algum, um expoente
negativo passa a compor com subtração ao resultado de sua potência:
2−2 = 22 = 4 → 4 − 2 = 2 .
Dar um sentido ao expoente negativo, na escola, por professores e em vias de uma
metodologia, pode-se fazer o uso das propriedades de potência, construindo uma tabela
para diversos valores até presentificar uma regra matemática: dada uma potência x– y, com
x e y reais, o seu resultado é igual ao inverso de x elevado a y. Um caminho.
Uma aprendizagem, um abandono. Um vagar. Um vagabundiar. Deixar o corpo
mesmo que por um só instante nessa caminhada sine via. Produzir uma pele. Constituir
língua. Colocar uma veste. O importante não é a transformação de uma forma a outra, mas
o expor-se, o expandir-se, o existir. Não se trata da infidelidade a uma forma, que já não
permite expansão, e por isso necessita de substituição, mas de estar de cara com o
imprevisto, com o estranho, com o que desestabiliza, com o fora que não se resuma a uma
exterioridade, colocando em questão aquilo que se é. Um espaço líquido da metamorfose.
Trata-se de uma fidelidade ao riso. Ao que se põe em perigo e ao que questiona certezas.
Em uma formação que se faz e desfaz, que na travessia produz abandonos, o que
está em jogo é o risco, um desconhecido que volta a ameaçar. “Não sejas nunca de tal
forma que não possa ser também de outra maneira. Recorda-te de teu futuro e caminha
até a tua infância.” (LARROSA, 2004, p. 41).
É possível pensar a partir do momento em que não tem uma armadura disposta a
proteger? Em um eterno vagar que na caminhada acaba-se por abandonar-se?
Aprender, por vezes, exige o abandono do mundo e de nós mesmos. Aos modos de
Kastrup (2007), inventar-se e inventar o mundo, indissociavelmente.
Um paradoxo em constituição em vias da aprendizagem. Uma desapropriação. Se
por um lado aprendizagem, num sentido do dicionário, significa reter, prender; em uma
perspectiva nietzschiana, aprendizagem é um risco de perder todo o domínio das coisas.
Um arriscar-se à perda de si, à perda de uma das várias máscaras.
Abandonar moradas, talvez, seja essa uma expansão que se exige ao aprender uma
certa travessia vagus. “Toda pessoa é uma prisão, um vínculo.” (NIETZSCHE, 2012, p. 54).
Assim como diz Zaratustra o caminho não existe, nenhuma predestinação, nenhuma
norma, somente o desapego.
Aprender latim exige abandonos e, quando somos incapazes de abandonar, o amor
não acontece. Assim um aprender matemática pela matemática, forma e conteúdo
também podem ser alvos de um cupido.
É no risco, na perda de si, na vulnerabilidade, na insegurança de um sem caminho,
que um aprender habita uma desapropriação. Um tomar-se para si forças para deixar ir,
para abandonar, desprender-se das amarras de produção do já reconhecido. Desaprender.
Um constituir peles e línguas e escritas e falas e matemáticas outras.

Palavras-Chave: Escritas; Falas; Matemáticas.


306

O MENINO E AS ROSAS: OU DAS DIFERENÇAS PRODUZIDAS COM UM ZERO

Pedro Rocha Silveira de Mendonça


Mestrando PPGE/Universidade Federal de Juiz de Fora
pedro.rsm.ufjf@gmail.com

Margareth Sacramento Rotondo


Universidade Federal de Juiz de Fora
margarethrotondo@gmail.com

Giovani Cammarota
Universidade Federal de Juiz de Fora
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Rio Claro
giovani.cammarota@gmail.com

Sala de aula, primeiro ano do Ensino Fundamental: uma infinidade de objetos povoa
as paredes. Objetos mudos para fazer ler, para fazer falar, para fazer contar, para fazer
representar. Letras palito maiúsculas e minúsculas, os números de zero a nove. Os cartazes
com os numerais respeitam a ordem crescente dos números naturais e se compunham
sempre da mesma maneira: cada um deles tinha o algarismo indo-arábico, de forma grande
e destacada na parte superior, no meio aparecia, por extenso, o nome do numeral
correspondente e logo abaixo, rosas coladas representando a quantidade que o numeral
apresentava. Assim, por exemplo, no cartaz que continha o número 2, aparecia a palavra
dois no meio e duas rosas abaixo.
Um problema para a educação matemática e representação: o numeral 0. Como é
possível representar a quantidade de um número que não possui quantidade, e por isso,
não possui representação? Como operar com a ideia de quantidade e representação com
o zero? Numa sala de aula de primeiro ano do Ensino Fundamental, um cartaz para o
número zero fixado na parede: na parte de cima, o algarismo 0, no meio a palavra zero, na
parte de baixo, nenhuma rosa, um espaço aparentemente “vazio”. Até então, a vida seguia
com aquele espaço vazio e outros cheios.
***
Certo dia, na aula de matemática, um menino começou a contar. E ele dizia em alto
e bom som: “zero, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, deeee...? Ué, tia, cadê
o dez?”. Uma criança instaura um problema: o que acontece com os números depois do
nove? A professora, em atenção ao que se passa, propôs a sua turma produzir cartazes com
os numerais e suas representações até o número 20. Assim, uma aula ia se fazendo.
Crianças e professora produzindo cartazes para o dez, para o onze, para o doze... seguindo
o modo de fazer instaurado pelos cartazes que silenciosamente habitavam a sala de aula
com o esquema: os algarismos, o numeral escrito por extenso, uma representação do
número com rosas.
O menino ávido pelo 10 pede para colar a rosa no cartaz. A rosa? A – artigo definido.
Definido: uma rosa seria colada por ele no numeral 10. E assim aconteceu. Representando
o número 10: uma rosa na parede. Logo na primeira produção, um problema se instaura: a
representação do número 10. Que maquinaria inventiva trava guerra com as
representações na produção de uma vida? Como maquinarias convidam as representações
307

à imanência? Como escapar às representações num modo de operação quase


hegemônico? Como ficar com o que acontece em sala de aula?
A professora, no instinto professoral, intervém produzindo um corte: “Ué, Lucas,
uma rosinha só para o numeral 10? Não seriam dez? Olha só os números anteriores e
descobre porque você errou”. Desconfianças com representações e modelos acontecem
numa aula de matemática com crianças. A professora tece uma aposta: uma
exemplificação. Ele responde: “Tia, o número um tem uma rosa. O zero não tem nenhuma.
No 10, é só uma rosa então”. Algumas verdades sobre representação e modelos de ensino
são abaladas numa aula de matemática quando uma rosa é posta para compor com
numeral 10. Após algumas negativas da professora afirmando que estava errado, a rosa do
numeral 10 deixou de ser única e outras nove foram coladas.
***
Cena de uma pesquisa em sala de aula nos anos iniciais do Ensino Fundamental que
se pergunta pelos modos de aprender que se constituem com matemática, com escola. Um
conjunto silencioso de cartazes de zero a nove constitui um dispositivo que leva um menino
a contar, numa aposta por um modo de produção do pensamento: uma representação
capaz de fazer convergir para uma mesma ideia os algarismos, o numeral escrito por
extenso e uma certa quantidade de rosas dados em uma ordem determinada. Uma imagem
do pensamento que passa pelo modelo da recognição (DELEUZE, 2006). No acontecer de
uma aula de matemática, algo se passa nos interstícios da recognição: um menino, ao dizer
do 10 como composição de um e zero, faz rachar a própria representação do dez,
instaurando a divergência entre o numeral 10, o numeral dez e a única rosa colocada sobre
o cartaz. Ao levar a cabo a representação silenciosa do zero como espaço vazio que já
habitava aquela sala de aula, outra produção com os números e a contagem se constitui:
invenção de si e do mundo, produção de uma vida e de uma matemática.
Que vida e que matemática são afirmadas quando esse acontecimento se dá? Que
vida Lucas afirma ao usar o argumento de uma representação para sustentar sua produção
e fazer a recognição voltar-se contra si mesma, contra a própria imagem de pensamento
que seu modelo ajuda a erigir?
Lucas nos força a colocar questão em como se inventa a produção de pensamento,
e também, voltarmos a atenção aos efeitos da representação no campo da educação
matemática. Essas maquinarias apontam para a produção de uma vida, para a produção de
modos de existência que se constituem junto a uma ética (DELEUZE, 2013) e nos força a
perguntar, enfim: que educação matemática uma sala de aula implica?

Palavras-chave: Educação Matemática; Estética da Existência; Pensamento.


308

INAUGURAÇÕES DA INFÂNCIA: UMA AMATEMÁTICA PEGA NOS DESVIOS E NÃO EM


ESTRADAS

Bianca Santos Chisté


Universidade Federal de Rondônia / Campus de Rolim de Moural
bianca@unir.br

As crianças estão lá e acolá em espaços e tempos movimentando-se em velocidades


rápidas, lentas, lampejosas. Conectadas com o mundo, produzem pequenos mundos no
qual, como povo, o que reina são intensidades, acontecimentos, nascimentos. As
nomeações nesses mundos, criados, inventados e materializados pelas crianças deslizam
em capturas de acordo com a necessidade do momento, com a intenção, que parece, vir,
sempre depois do encontro. Então, enquanto adultos, quando dizemos que as crianças
estão lá em seus espaços e tempos fazendo matemática são os nossos olhares incrustados
de saberes, de conceitos, de concepções que nomeiam os fazeres e saberes das crianças.
Somos nós que vamos vendo e não necessariamente está na prática das crianças. Como
fugir dessa nomeação, identificação, categorização e descrição dos que as crianças fazem
nos espaços e mundos que habitam? Como escapar de dizer o que as crianças precisam
fazer em cada etapa, em cada idade? Como criar linhas de fugas que rompam com o que é
estabelecido produzindo outros modos de educação na infância? O que acontece na
educação infantil? E se tomarmos o que as crianças fazem como matemática, o que essa
matemática produz? Onde se localiza a necessidade adulta ou o desejo de se falar em
matemática? Que matemática junto a essa educação matemática e a essa infância? Que
possíveis se abrem ao se pensar uma educação-(matemática)-infância? Essas inquietações
diz da pesquisa “Olha aqui… vem cá vê!!!”… Que educação infantil imagens e narrativas de
crianças podem produzir?, desenvolvida em um pós-doutoramento em Educação
Matemática (sob o financiamento do CNPq). Nela se investiga, a partir das produções
imagéticas infantis e operando com obras da Filosofia da Diferença, como a matemática
acontece na educação infantil e o que, essa matemática que acontece, produz com e na
infância. As imagens produzidas por crianças tem se apresentado, de acordo com os
estudos de Leite (2011), em um conjunto povoado de possibilidades para uma reflexão em
torno da educação na infância a partir de outro lugar, bem como, para composição de
caminhos e reflexões a cerca de uma política da infância que se movimente
constantemente nas relações de diferença e não de superioridade e inferioridade. Dessa
maneira, os dados para a realização do estudo correspondem a 150 horas de filmagens e
4.462 imagens fotográficas produzidas no contexto da educação infantil em anos
anteriores. Buscando uma metodologia que se aproxime da infância e das questões
mobilizadoras do estudo, optamos pelo método da cartografia, inspirados nos trabalhos de
Gilles Deleuze e Félix Guattari uma vez que a pesquisa é compreendida como processo de
produção que não segue uma linha reta, mas está aberto à experiência de problematização.
A investigação cartográfica não foge e não se opõe ao rigor da pesquisa científica, mas se
compõe junto com ela, possibilitando que a própria pesquisa seja espaço de travessias, de
atravessamentos, de perguntas que não se calam com respostas previamente esperadas,
mas que usinam a energia, transformando em potência aquilo que se faz represado pelos
paradigmas, pelos experimentos, pelos métodos, pelas análises. Buscamos olhar para
imagens produzidas pelas crianças por meio de um passeio esquiso que acompanha o
309

próprio movimento da pesquisa. Um passeio, uma relação com o fora da educação infantil,
com a educação matemática seus foras e seus dentro e seus entre. Uma relação com o fora
da educação matemática na educação infantil, programada em currículos, em materiais
apostilados e planejamentos. A pesquisa em modo esquizo não se ocupa com solução de
problemas, mas com problematizações, colocando em movimento modos outros de se
pensar e praticar a educação na infância: durante todo trabalho de escrita e estudo,
consideraremos como dimensões as seguintes questões disparadoras: onde pousar a
atenção do cartógrafo? Como a matemática pode provocar vidas na educação infantil? O
que acontece quando nos voltamos para imagens produzidas por crianças? O que podem
imagens produzidas por crianças nos colocarem a pensar, de modo geral, sobre a educação
na infância e de modo específico, a educação matemática na infância? Igualmente, em
modo esquizo, a pesquisa não se ocupa com a busca de invariantes, como indica Clareto
(2015), ao contrário, ocupa-se com o que escapa à norma, com o que escapa em fluxos e
escorre das formas. Uma pesquisa na educação infantil que se apresenta em aberturas ao
que acontece, enquanto acontecimento. Nessa pesquisa, imagens produzidas pelas
crianças brincando e operando em seus mundos abrem uma perspectiva em que debaixo
da mesa se torna foco, trazem a possibilidade de uma trilha que leva à "Casa do Macaco",
produzem novas organizações em que cadeiras enfileiradas passam a ser um ônibus,
assumem a proximidade da flor em modo zoom, relacionam formas tão diversas e
impensadas como um globo e um telefone e, entre tantas outras imagens, possibilitam que
outras matemáticas ou uma amatemática possam ser inventadas.

Palavras-chave: Crianças; Imagens; Educação Matemática.


310

O LADO DE FORA DE UM INFINITO: CENAS DE UM ENCONTRO ENTRE CRIANÇAS E


MATEMÁTICA

Giovani Cammarota Gomes


Universidade Federal de Juiz de Fora
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho – Campus Rio Claro
giovani.cammarota@gmail.com

Para começar: uma cena de uma pesquisa de doutorado em Educação que se ocupa
em pensar como crianças se produzem ao produzirem matemática.
***
Primeiro ano, ensino fundamental. Troca de professoras: sai a que está mais
próxima do processo de alfabetização, entra a que está mais próxima do conhecimento
matemático. Eu com ela, que me conta de uma conversa com a coordenação pedagógica.
Apresentava-se uma demanda: espalhar pela parede da sala de aula cartazes que
indicavam as quantidades de um a nove. A professora produziu os cartazes. Em cada um
deles, um numeral e desenhos das crianças para representar a quantidade correspondente
ao numeral.
Quando me sento próximo da professora, ela me dá os cartazes. Passo um a um,
reparando os desenhos. Enquanto isso, ela conversa com a turma sobre a atividade do dia,
que tinha a ver com localização no espaço dado um referencial, como estar à direita ou à
esquerda, acima ou abaixo de algum objeto ou pessoa. Foi quando a menina se aproximou
e logo emendou a questão: o que é isso? Sem esperar por uma resposta, apossou-se dos
cartazes no meu colo. São os números, né? O um, o dois, o três, o quatro, o cinco, o seis,
tem um desenho meu aqui! o sete, o oito, o nove, o de... Olha, está faltando o dez! A menina
apontava para um cartaz imaginário que deveria estar depois daquele que continha o nove.
É, está faltando o dez, concordei, e também o onze, o doze, o... A interrupção veio num tom
de urgência. VOCÊ SABIA QUE EXISTEM INFINITOS NÚMEROS? A pergunta da menina,
genuína questão de quem quer chamar a atenção para algo da mais vital importância, me
emudece. E ela, com os olhos nos cartazes, indiferente à minha surpresa, continuava atenta
à falta do dez depois do último cartaz. Numa tentativa de agarrar aquele momento,
evoquei a questão que o silêncio primeiro havia me dado: É mesmo? Então existem infinitos
números? E o que será que são infinitos números? A vozinha emendou como se fosse óbvio
que era porque eram muitos os números. Insisti: então, o que será que é infinito? E ela
insistiu com a resposta: infinito é número. E tão abruptamente quanto chegou, sem aviso a
menina me deixou com os cartazes, os números e o infinito, e voltou para sua carteira.
Os números são muitos e, por serem muitos, são infinitos. O infinito é número. Dois
enunciados e um pesquisador inquieto se engalfinham pelos dias que seguem a conversa
com a menina. Outras visitas minhas àquela turma se passam sem que o infinito retorne.
Até que algumas semanas depois, ainda tomado por aquela cena, chego perto da menina
e relanço a questão: o que será mesmo que é infinito? E ela relança a resposta: é porque
tem muitos números! Atualizo uma das muitas coisas que me vieram no intervalo entre as
duas conversas. Então se existem infinitos números, será que dá para contar todos eles? Se
dá eu não sei, mas se der, a gente vai ficar contando até aquele dia ali, oh! Com o dedo, a
menina apontava a foto de seu rosto colada em um calendário que havia na parede: trata-
se do dia do seu aniversário, no fim de dezembro. É maio, mas parece que um infinito se
311

anuncia percorrendo sem cessar um calendário inteiro.


***
Uma menina não para de dizer o que faz ou tenta fazer: explorar os meios, por
trajetos dinâmicos, e traçar os mapas correspondentes, parafraseando Deleuze (2011) 1.
Explora os meios: numa sala de aula de primeiro ano crianças têm aula de matemática cuja
atividade é trabalhar com lateralidade e atributos da espacialidade, como direita e
esquerda, estar a frente ou atrás. Explora os meios com outros meios: com e apesar da
atividade, cartazes com os números constituem o objeto de sua atenção. Naquela turma,
os números tomam boa parte do tempo de professora e de alunos. É que a entrada das
crianças no ensino fundamental traz consigo as demandas da escolarização e com elas, os
números rapidamente aparecem com centralidade. Uma menina explora os meios: toma
nas mãos os cartazes e declama os números de um a nove. Uma condição esperada para
um aluno de primeiro ano em um tempo em que a escola se vê regulada por bases
nacionais curriculares e avaliações de larga escala com alunos em processo de
alfabetização. Com e apesar disso, uma menina explora os meios, dizendo o que faz ou
tenta fazer, traçando os mapas correspondentes: de uma declamação faz-se um problema.
Falta o número dez, o onze, o doze... Você sabia que existem infinitos números? Uma
menina explora meios, traça mapas e, no traçar, traceja um infinito. Um infinito composto
de número, ou melhor, de muitos números; um infinito composto de tempo, de um tempo
de uma contagem que não se sabe se é possível efetuar. Uma menina encontra com um
objeto dito matemático: o infinito. Imediatamente, explorando os meios, por trajetos
dinâmicos, coloca o infinito, objeto estratificado pela matemática, em contato com o lado
de fora, com o não-estratificado. Avesso da forma que libera novas relações de força com
o próprio infinito: um pensamento do lado de fora. (DELEUZE, 2013). Que forças
constituem um infinito? Uma menina encontra matemática e, ao encontrá-la, faz dela
sempre outra: invenção coengendrada de si e do mundo (KASTRUP, 2007).

Palavras-chave: Contagem; Educação Matemática; Infância.

1
“A criança não para de dizer o que faz ou tenta fazer: explorar os meios, por trajetos dinâmicos, e traçar os
mapas correspondentes” (DELEUZE, 2011, p. 83).
312

PRÁTICA DE ENSINO EM MATEMÁTICA: UM ESPAÇO DE CRIAÇÃO PARA UM ESTAR


PROFESSOR DE MATEMÁTICA

Tássia Ferreira Tártaro


Instituto Federal de São Paulo – câmpus Birigui
tassiatartaro@ifsp.edu.br

Os nômades inventaram uma máquina de guerra


contra o aparelho de Estado. Nunca a história
compreendeu o nomadismo, nunca o livro
compreendeu o fora.
Deleuze e Guattari, 1995

Há uma certa ideia de como uma disciplina deve ser apresentada aos alunos para
que o semestre letivo aconteça seguindo um formato institucional. As práticas de
apresentação/organização de um componente curricular podem não estar definidos em
uma legislação específica, mas seu status quo transita nos discursos produzidos pelos
professores de um curso de Licenciatura em Matemática, de tal maneira que, já no primeiro
dia de aula os alunos saibam o que acontecerá no decorrer de todo semestre letivo, isto é,
o hábito que impera nas práticas existentes no decorrer da formação de professores supõe
que cabe ao professor especificar seu plano, apresentar as datas das avaliações,
evidenciando de que forma os mesmos serão avaliados. Tais práticas acabam por se tornar
uma receita cujo objetivo é explicitar um caminho, que parece ser escolhido pelo professor,
mas já foi estratificado pelo aparelho de Estado. Tais hábitos acabam por se tornar um
círculo vicioso incorporado pelas Instituições de formação de professores. Diante deste
cenário, será possível produzir uma máquina de guerra capaz de criar um oásis onde o
professor, juntamente com seus alunos, invente seus próprios caminhos formativos? Ou
seja, como seria romper com o modelo encontrado nos discursos existentes na formação
de professores de Matemática? Levando em conta a necessidade de discutir esta formação
enquanto uma construção de um corpo singular, este texto tem o objetivo de evidenciar
alguns movimentos de formação a partir da produção de um mosaico das falas dos alunos
e professora que construíram a disciplina de Prática de Ensino em Matemática I e II de um
curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Federal de São Paulo. Para isso os alunos
foram convidados a responder as impressões que viveram no decorrer do semestre em
uma disciplina que, diferente das usualmente praticadas neste curso, não foi organizada
de antemão, de tal forma que, os alunos juntamente com a professora percorreram os
caminhos que surgiriam no entre meio deste movimento de formar-se. É valido ressaltar
que tais atividades nos permitiram evidenciar algumas potencialidades decorrente de um
movimento de construção das práticas que permearam os conteúdos desta disciplina em
si, mas também as implicações dos afetos na formação dos sujeitos que ajudaram a compor
os momentos que serão apresentados neste trabalho. Para a discussão desta temática nos
apropriaremos dos conceitos de Deleuze e Guatarri (1995) na busca por construir uma
máquina de guerra que carregue consigo todos os tipos de devires que embora não se
enunciem nas normas, são capazes de criar um espaço de construção de si mesmo no
interior de um espaço regimentado por um plano especifico de práticas e saberes. Sob o
ponto de vista de Deleuze e Gatarri (1997) a máquina de guerra é exterior ao Estado. Uma
máquina de guerra é uma multiplicidade pura que não se pode medir, pois tem em si uma
313

potência que se contrapõe as leis exercida pelo aparelho de Estado. Existe em uma
máquina de guerra certa celeridade e até mesmo uma crueldade incompreensível e, por
vezes, até uma piedade desconhecida. Uma máquina de guerra produz operações
singulares a partir dos fluxos de força e vive cada coisa em relações de devir. A potência da
máquina de guerra reside no fato de se constituir entre as organizações. Ela se instala nas
fendas do próprio aparelho de Estado, que insiste em se apropriar de suas criações. Dessa
forma, enquanto o aparelho de Estado se apropria e regulamenta certa invenção de uma
máquina de guerra, tal máquina já cria outra, produz linhas de forças capazes de fugir das
investidas de tal aparelho. Assim, nossa intenção foi que as produções dos discentes deste
curso de Licenciatura em Matemática, se tornassem as linhas de fuga que os fizessem
permanecer neste ambiente e não fugir dele. Acreditamos que tais práticas podem se
constituir uma dobra na própria ordem de um componente curricular. Na visão de Deleuze
(1988) uma aula precisa ser ensaiada tal qual no teatro, de tal forma que, se não a
ensaiarmos adequadamente, não estaremos suficientemente inspirados para tal evento.
Para este autor, a função de uma aula é gerar momentos de inspiração, que possam afetar
os sujeitos que participarão de determinado espetáculo. Para isso é preciso que o professor
considere fascinante a matéria que irá tratar, ache interessante a ponto de falar de um
determinado conteúdo com o máximo de entusiasmo. Ensaiar é isso. Corroboramos com
este autor e acreditamos que uma disciplina de prática de ensino deveria ser um grande
ensaio, onde seja permitido errar, mas que no fim reste a fascinante viagem por conceitos
matemáticos e práticas de ensino que nos levem nas múltiplas possibilidades de um
ensinar. Mas isso basta para ser professor de Matemática? Na nossa concepção este espaço
também pode se tornar um oásis onde seja preciso pensar as práticas docentes a partir do
cuidado de si, que segundo Foucault (2010) é um princípio de formação do sujeito,
enquanto senhor de suas escolhas, durante toda a sua vida. Consideramos que as vivências
dos alunos durante este um ano de experimentações matemáticas / pedagógicas /
vivenciais oportunizaram uma maneira outra de pensar a prática docente nas escolas. Tais
momentos proporcionaram a criação de um corpo singular enquanto criação de um si
mesmo. Não se trata mais de quem forma-se, mas sim de um formar-se. Não faz mais
sentido se discutir como é ser professor, mas sim, como é estar professor dentro de uma
sala de aula. Por fim, pelas falas dos alunos podemos perceber a magia de estar professor
enquanto um conceito transitório que permite construir com o outro a partir de um
processo de afetação que gera possibilidades múltiplas de uma transformação de si.

Palavras-chave: Educação Matemática; Formação de Professores; Máquina de Guerra.


314

UM CUBO, UMA AULA: PERTURBAR COM CONTROLE, DESCONTROLE?

Margareth Ap. Sacramento Rotondo


Universidade Federal de Juiz de Fora
margarethrotondo@gmail.com

Maria Paula Pinto dos Santos Belcavello


Universidade Federal de Juiz de Fora
mariapaulaufjf@gmail.com

Numa aula de matemática, numa universidade pública, numa faculdade de


educação, num curso de especialização em ciências e matemática, num cubo: pedagogas
recebem uma quantidade considerável de peças idênticas em saco plástico e uma ordem:
“tenham o controle!”. uma regra: “não utilizem nada que vocês já conheçam para
estabelecer o controle”. uma máquina: o formalismo matemático e seus sistemas apoiados
em linguagem lógica, uma matemática e seus objetos de controle e de organização, um
território e suas estrias. em cena a palavra de ordem de uma matemática formal: “ter
controle”. como experimentação do controlar vem: o guardar com o corpo, o guardar nos
bolsos ou nas bolsas, o produzir uma forma. como perturbação vem: outras peças também
idênticas, lançadas abaixo do corpo que guarda as peças, ou a bolsa invadida, e a retirada
de peças, ou a forma desfeita de sua estrutura original, todas seguidas da interjeição “oh,
mas vocês ainda não têm o controle!”. perturbação! vem também a representação da
contagem em um sistema reconhecido, configurados pelos esquemas recognitivos, pelas
regras e pelo saber anterior. e de novo: “vocês não têm controle!”. e a experimentação
segue produzindo torções com o não reconhecido, com o estranhamento, com a produção
de modos, fazendo a cognição inventar-se inventando outros modos de operar. o
descontrole diante do desconhecido provoca pensar, provoca produção de novos modos
de operar com aquilo que se apresenta sem sentido reconhecido, noutros sentidos.
sentidos inventados no acontecimento. sala de aula de formação de professoras já
pedagogas dá passagem à torção naquilo que se ensina, tornando-o irreconhecível, ilógico,
noutras lógicas. em cena, produção de uma sistematização. ter controle contando peças,
não usando o já reconhecido sistema de numeração decimal. inventar uma sistematização
a partir da necessidade do controlar peças idênticas, quantificar, matematizar. uma ação
tornada outra, ensaiada no desajuste das faculdades, que solicita aos processos formativos
um pensar, o encontro com o problema: formalizar, sistematizar, produzir território
inventado na torção do pensar. para isso, largar-se da base decimal, da enumeração
reconhecida, da simbologia assumida, dos nomes associados, das propriedades
comungadas... perder-se inventando com a ideia de quantidade. como dar território à ideia
de quantidade? como controlar um quantificável? como ao solicitar controle, perde-se
controle? como não acionar o reconhecimento? como desativar analogias? experimentar
com... fazer de uma sala de aula pura experimentação. uma disciplina performática se
expõe e é exposta ao que acontece. performances entram no jogo das relações de forças e
criam composições com o que vem; movimentam uma organização lógica de um sistema
que se quer controlável. dobram, de muitas maneiras, uma certa matemática,
despotencializando seu caráter absoluto e universal sustentado por princípios e leis
invariantes. complica-se um sistema para se implicar com o problema da cognição, na
315

produção de um conhecimento para além de um campo representativo, universal e


invariante. uma implicação que guarda um devir. rupturas no fluxo habitual da recognição.
atenção a uma cognição que habita o território inventivo e coloca em suspensão o
conhecido. que performance é essa que joga com processos formativos, solicitando uma
organização, uma formalização? que performance é essa que joga com processos
formativos, solicitando controle, ativando descontrole? numa aula de matemática, numa
universidade pública, numa faculdade de educação, num curso de especialização em
ciências e matemática, num cubo: uma disciplina visa a uma experimentação e discussão
da educação matemática enquanto área de estudos e pesquisas a partir das concepções
que se produzem acerca da matemática e seus processos de invenção. lança mão de
exercícios e estudos de políticas cognitivas que se imbricam e implicam na produção do
conhecimento e seus efeitos para se pensar a sala de aula de matemática e a pesquisa em
educação e a formação docente e e e... numa sala de aula, que aprender? que conhecer?
que existir?

Palavras-chave: Educação Matemática; Formação Docente; Políticas Cognitivas.


316

ENCONTROS E FLUXOS NUMA ESCOLA: EDUCADORA MATEMÁTICA EM POTÊNCIA DE


CRIAÇÃO, FRATURA E RESISTÊNCIA

Paola Amaris-Ruidiaz
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
paolaamaris@gmail.com

Roger Miarka
Universidade Estadual Paulista
romiarka@gmail.com

Este trabalho se assume em um mundo globalizado com uma forte tendência a


eliminar diferenças, com um Aparelho de Estado que mantém sua segmentaridade por
meio de dispositivos culturais, econômicos e tecnológicos e onde sua função é fixar,
sedentarizar e determinar seus canais e dutos. Dispositivos que produzem práticas de
vigilância e mecanismo de poder implementando um complexo processo de localização e
disseminação espacial desde a ordem do discurso, mecanismos e tecnologias produzidas
que pode se concretizar no corpo– considerado como epicentro da experiência que se
intersecciona entre o poder-saber-subjetividade e que se constituí junto a narrativas da
modernidade que o transgride.
Nesse panorama, desenha-se um enunciado - corpo-marcado -, que lança luz a
marcas que podem se concretizar nos corpos em meio a diferentes dispositivos. Em
especial, debruça-se sobre o dispositivo Escola e professores que nela ensinam para refletir
sobre o tema "corpo e educação". Assim, a proposta deste trabalho é aproximar ao que
chamamos marcas produzidas numa Escola e como elas podem concretizam no corpo,
produzindo um estado de enfraquecimento ou aumento da potência de agir. Dessa
maneira, uma ação se faz ato quando esta assume uma presencia ─ uma manifestação de
estar no mundo como exercício. É essa presença a que se convoca para habitar esta
pesquisa, resultado de uma tese de doutorado. Com a intenção de gerar abertura(s) desde
a interioridade, ao tentar produzir um lugar de experiência ─ acontecimentos que se
constituem no instante em que se assume a Escola como território existencial, onde
emerge ritmos como singularidades próprias, tornando-se expressivos segundo as lógicas
dos governos e a finalidade onde está inscrita. Para isso, operou-se desde a perspectiva
filosófica quanto epistemológica, que são seus próprios campos científicos. É a partir daí,
que se habita esta pesquisa e dessa maneira a prática do pensamento não é só
problematizar, se não também criar outras formas de intervenção no mundo. Por isso se
convocou pensadores aliados ─ Baruch Spinoza, Friedrich Nietzsche, Gilles Deleuze e Michel
Foucault, que permitiram por meio da sua relação diferencial abrir campos de discussão e,
portanto esta pesquisa se propôs pensar: O que podem corpos que assumem suas marcas
e, com elas, produzem um corpo de encontros?
Nessa abertura, assumiu-se uma prática cartográfica para desemaranhar o
dispositivo Escola e produzir um mapa que pudesse expor, fraturar e problematizar as
relações de poder que se constituem nela. Isto foi feito por meio de uma experiência
sensível com um grupo de professores, em meio a dois espaços de encontros: o primeiro,
organizado pela própria Escola, a "Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo” (ATPC), com
características institucionais ─ espaço estriado onde se reproduz, conteúdos, aonde se
317

promulgam as normas, constituído pelos professores da Escola. O segundo, organizado


pela autora deste trabalho, um espaço de encontros nomeado como “conversações sobre
marcas de vida: espaço de criação e de potência” ─ assumido como um espaço nômade,
de pequenas ações, pensado para ficar fora do controle panóptico ─ Este espaço foi
constituído pelos professores de Matemática de Ensino Fundamental e Médio, que buscava
discutir as marcas desses corpos e produzir junto a seus corpos-marcados, por meio de
vários dispositivos/oficinas: filmes, músicas, poemas, temas educacionais de interesse
atual e outros elementos agenciadores que contribuíram para potencializar essas
conversas.
A partir da produção de dados, a tese assumiu uma política de escrita-híbrida, em
que línguas espanhola e portuguesa fazem parte de uma mesma composição, por entender
que essa forma daria vazão aos afetos que pediam passagem. Avesso a uma tentativa de
representação do ocorrido. A tese assumiu, ainda, a própria literatura como elemento de
criação e, inspirada no livro “O Jogo da Amarelinha”, configurou-se um texto com diversos
caminhos possíveis de leitura. No rastro do romance de Julio Cortázar se mostra a seus
leitores como uma anti-novela, apresentando-se como um texto com diversas formas de
ler, em que, tal como Cortázar diz em uma de suas entrevistas, é feita para “que o leitor se
incomode”. Assim, convidou-se o leitor a passear em uma sequência à sua escolha por
diferentes textos, que englobam discussões e reflexões sobre corpo e educação, narrativas
produzidas nos espaços habitados e aforismos não explicativos.
Como resultados, percebe-se que, ao criar encontros intensivos entre corpos, outro
corpo é gerado, um corpo de encontros, em que as marcas ganham outras cores,
produzindo afetos que aumentam a potência de agir no dispositivo, que permitiu a
existência e o fluxo de diferenças. O espaço de encontro pode por meio da potência da
diferença entre corpos trabalhar com as marcas numa direção diferente da do
ressentimento. Juntos, os corpos-marcados podem gerar outro corpo ─ em nossa
existência, em nosso modo de sentir, de pensar, de agir. Estados inéditos produzidos
dentro do dispositivo em que os corpos se encontram, potencializando-os e aumentando
sua a potência de agir. Foi criado um espaço de encontro para produzir um corpo que
assuma as marcas de seus membros, retomando a ideia de que não se trata de ressentir as
marcas, mas de produzir com elas, ajudando a criar outras marcas para ajudar a lidar com
o dispositivo em que estão imersos. Em termos do corpo Educação Matemática esta
pesquisa se instala como possibilidade de criar marcas outras, ao assumir uma educação
matemática como prática de vida, produzida no encontro entre corpos. Espera-se que a
pesquisa apresentada não seja tomada como uma possibilidade de compreender as marcas
inscritas nos espaços educativos, se não, que seja a mesma pesquisa uma possibilidade de
criar marcas outras no corpo da Educação e Matemática e...

Palavras-chave: Corpo; Marcas; Política de Narratividade.


318
319

COSTURAS EM RIZOMAS

Caue de Camargo dos Santos


Programa de Pós-Graduação em Educação - Doutorado/ UFSM/ RS
cauecamargo.rbr@gmail.com

Marilda Oliveira de Oliveira


Programa de Pós-Graduação em Educação - Doutorado/ UFSM/ RS
marildaoliveira27@gmail.com

Provocado pelo Diário das Materialidades, um elemento importante desta


investigação-criação no Doutorado (PPGE/UFSM/RS), e constituído por “imagens-tempo”
(DELEUZE, 2007), que impulsionam as memórias, onde a linha e o ato criador, costuram-se
às performances de um professor-artista. Assim, os pedaços compósitos da experiência
produzem disparos, acionam as memórias que remetem às sensações, experiências e
intensidades muito semelhantes àquelas já vividas. Esses retalhos de memórias, por assim
dizer, são redescobertas do tempo, e como para Proust (2001) são reminiscências ou
lembranças involuntárias. Para Deleuze (1987), são elementos que conduzem a uma
compreensão e a concepção de uma obra ou tarefa, onde determinam as relações entre
dois objetos que subtraem as contingências do tempo. Ele ainda explica que o complexo
mecanismo das reminiscências, por um lado é derivado de uma associação de sensações
do passado e do presente que são semelhantes, “por outro, contiguidade da sensação
passada com um conjunto que vivíamos então, e que é impulsionada sob a ação da
sensação presente” (p.56).
E nesse processo de investigação-criação, as sensações insurgem a partir dos
registros das experiências vividas no espaço educativo, pela ação performática das
Costuras em Rizomas dessas imagens que compõem o Diário. Essas “imagens-tempo” são
costuradas ao corpo pelo período de uma hora1. Permaneço sentado em uma cadeira, no
interior de um compartimento feito de tule branco. As imagens estão impressas em
tecidos, que remetem ao tecido das memórias, assim, vou juntando-as, recitando-as e
costurando-as ao corpo na ação performática. Esses tecidos não contêm as experiências,
mas como o gosto da madeleine de Proust, “é semelhante ao que sentíamos em Combray,
e ele volve à Combray, onde sentimos pela primeira vez” (DELEUZE, 1987, p. 56), desse
modo, o Diário faz ativar reminiscências das experiências já vividas. Dispositivos que atiçam
o estado da escrita e performance intentando apanhar os fragmentos do tempo vivido,
percorrido e experimentado pelo meu corpo na docência.

1
Materiais necessários: já disponho dos materiais para realização da ação que é composto por: armação de
metal (quadrado) de 1m², cadeira, tules, imagens impressas em tecidos, linha e agulha de costura e fio de
nylon para pendurar o quadrado de metal. Duração estimada da ação: 60 minutos. Link da ação já realizada:
https://www.youtube.com/watch?v=69xrx1lDGqA
320

BIRUTAS N°11

Raphael Gonçalves de Faria2


Graduando em Artes Visuais -UFU
raphaelfaria@ufu.br

A proposição Birutas Nº1, agencia as possibilidades de encontros onde o


participante-autor investiga possibilidades de movimentos do seu corpo em relação com
sacolas plásticas, o vento, o espaço e outros corpos. Os agentes participam ativando seus
corpos e o espaço, onde as especificidades físicas e motoras de cada individuo ao ativar-se,
soma-se, gerando uma comunidade de “birutas” que habitam esses espaços aéreos. O
interesse no trabalho é ativar os corpos por meio da possibilidade de movimento que o
vento cria nas sacolas, e dessa maneira criar experiências psicofísicas que vão afetar os
transeuntes que participam das proposições e a paisagem urbana que eles constroem em
coletivo durante a ação. Um “balé maluco” que acontece no cuidado do compartilhar do
espaço-tempo com o outro, na sutileza de agenciamentos, semelhantes ao das brincadeiras
de crianças. Birutas N°1 é um trabalho de intervenção urbana participativa em que busca-
se construir territórios comuns de experimentação, em engajamentos coletivos que
buscam fundar novos espaços. Empoderando-se da arquitetura da cidade e agenciando
uma micropolíticas de produção climática de encontros entre multiplicidades.
O trabalho Birutas N°1 busca articular forças complexas, onde os dispositivos-
brinquedos operam em uma modulação de certas formas estabelecidas e solidificadas,
buscando fissurar o que se encontram nos hábitos dos corpos, e por desdobramento as
concepções de Cidade e de Arte. Convocando os corpos à ativação territorializante da
criação. Uma cena improvisada de corpos-birutas esvaziando os espaços endurecidos,
produzindo novas espacialidades, novos corpos, e não menos a possibilidade de novas
cidades.
Com duração entre 20 a 40 minutos, a performance necessita de espaços aberto ou
fechados com pé direito acima de 7 metros.

1
https://www.youtube.com/watch?v=JHiWsdfz0qQ
2
Raphael Faria é graduando em bacharel e licenciatura no curso de Artes Visuais – UFU - Universidade Federal
de Uberlândia. Vinculado ao Grupo “ASFALTO – TEXTURAS ENTRE ARTES E FILOSOFIA”, atualmente
desenvolve sua pesquisa-práxis no campo de estudo da Performance arte e da intervenção urbana, em
atravessamento dos estudos Filosóficos.
321

MÁQUINA-ROTA

Breno Filo Creão de Sousa Garcia1


EAUFPA
brenofilo@gmail.com

Uma aventura nos aguarda. Vamos juntos rumar para um lugar onde diversos seres
visíveis e invisíveis estão em choque. Que seres? Matinta-Perera, Parauá, Curupirá, Exu,
Afogado, Dona Tumba e tantos outros. Numa espécie de tarô às avessas. Um jogo menos
divinatório, e mais sensível, social, político, ecológico... Com as cartas reveladas, nos
permitimos escutar o outro, a nós próprios, e fabular com as criaturas que ganham
passagem. Este é um momento de criação conjunta, para intensificar a existência e
possibilitar forças para criar, entre a arte e a vida.
A performance é realizada em recinto fechado, pode ser uma sala de aula. Todos os
materiais necessários serão levados pelo artista. A duração pode variar entre 30min e 2h.
A Máquina-Rota, é um desdobramento da dissertação de mestrado, intitulada “Máquina-
Rota: um jogo cartográfico e suas linhas inventivas”, com acesso através do repositório de
dissertações do PPGARTES (Link: https://bit.ly/30PIwdN). Algumas imagens estão no perfil
do artista no Instagram (Link: https://bit.ly/2zEy7pp e https://bit.ly/2ZqV4vO).

1
Mestre em Teorias e Interfaces Epistêmicas em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da
Universidade Federal do Pará (PPGARTES-UFPA). É professor de artes da Escola de Aplicação da Universidade
Federal do Pará (EAUFPA), professor do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(PARFOR), integrante do coletivo Brutus Desenhadores e do corpo editorial da Revista Arteriais (PPGARTES-
UFPA).
322

RECONSTITUIÇÃO1

Renan Dias Santos2


ECA/USP
renandias.1990@gmail.com

Minha amiga foi morta pela polícia militar em uma blitz de trânsito às nove horas
da manhã de um sábado: não basta dizer uma coisa assim para si mesmo apenas uma vez,
por isso repito. Tenho repetido que eu tenho uma amiga – e às vezes digo irmã – que levou
um tiro pelas costas durante uma parada policial às nove horas da manhã de um sábado, e
morreu com vinte e cinco anos. Nunca vai deixar de se repetir na minha cabeça – eu que
não durmo de madrugada, pensando, pensando, e acordo tarde demais – que os braços
dela amoleceram ao redor da cintura do namorado, que as mãos tentaram agarrar a garupa
e ela finalmente caiu sangrando no asfalto morno de um sábado meio começado. Há cinco
anos, os meus braços também deixam de me obedecer, as minhas mãos paralisam
repetindo o espanto de quando despertaram geladas, endureceram para segurar o peso da
cabeça, arrancaram os cabelos, bagunçaram as linhas da cara, bateram forte na testa
quatro ou cinco vezes: caralho, por onde seguir quando todas as estradas parecem estar
manchadas, quando os caminhos dados são insuportáveis?
RECONSTITUIÇÃO é uma escrita/leitura performativa que se expandiu a partir de
algumas linhas do livro Um Homem que Dorme, de Georges Perec. Tornou-se o exercício
constante, sempre reformulado, de dizer aquilo que desafia o silêncio depois do fim, esse
silêncio contra o vivo, cisão entre vida e morte que assegura a trama depressiva das
finalidades. Escrevi para não adoecer, para lembrar de esquecer. Se, por um lado, todos os
dias sou assediado pela vontade de não sair do quarto fechado, tomado pela sensação de
que o mundo acabou, insisto em evocar, por outro, a palavra que orbitaria fora desse
mundo arruinado, a voz que saiu de cena e não deixou de falar. É também, claro, uma busca
por justiça: rachar o silêncio compactuado – onde o sofrimento só poderia atuar sob a
ficção de um cenário-corpo íntimo/pessoal destruído –, para produzir um silêncio comum,
a distribuição do horror para além do medo, morada coletiva do grito que nunca exigiria
parada.
A prática de incorporação – experimentação que me move desde a infância, mas
que agora se desvincula da moral religiosa – é o traço ético/estético da performance.
Defendo que, quando se diz “in-corporar”, é preciso perceber um duplo ato: o prefixo que
dá direção (de fora para dentro), também pode indicar uma negação ou, mais
precisamente, uma recusa. Se a morte (ou a morta, em seu tempo que não passa) invade
o corpo que teima em reconstituir a cena violenta, ela “entra” e se apresenta também para
deformar a carne, impedir que o corpo vivo seja terminado, que lhe seja dado um fim longe
do desejo. A leitura é um enfretamento em nome do aberto, uma abertura de passagens,
a afirmação de um regime não-corporativo do tempo como prática de criação.

1
https://vimeo.com/358406791
2
Renan Dias é ator, diretor e mestre em Pedagogia do Teatro pela Escola de Comunicações e Artes da USP.
Seus trabalhos mais recentes, desenvolvidos principalmente em São Paulo e na Cidade do México, derivam
da autodestruição como prática expansiva do corpo, da palavra e do tempo. Suas pesquisas dialogam com a
obra de Antonin Artaud, principalmente com os textos produzidos durante os anos de encarceramento
psiquiátrico.
323

Com duração entre 20 a 40 minutos, a performance necessita de uma cadeira


comum e um espaço fechado, suficiente para que as pessoas se disponham em roda (sala
de aula, por exemplo).
324

CORPO O QUÊ

Robson Farias Gomes


Mestrando em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal
do Pará
robsongomes_15@hotmail.com

Na dúvida do que se seja, perdido nas multifaces de si, busca-se, aqui,


artisticamente, não necessariamente desvelar-se em cena, mas pelo contrário, perder-se
ainda mais em caos, caos este que não se apreende em ordem de cunho meramente
racional. O devir de si é o principal e o mais indispensável dos desafios àquilo que se vem-
a-ser o humano. Nisto, a permissão do perder-se com fins de (não) se encontrar é a
proposta desta performance artístico-cênica que maquina diluições de barras fixas do
existir. No que o corpo constitui a cena? Ou melhor, no que a cena constitui e é corpo?
Corpo que neste desempenho é entendido como vida, a própria vida. Baseada nos estudos
da imanência em dança – na Teoria da Dança Imanente (MENDES, 2010), mais
propriamente dita, que por sua vez se inspira no pensamento de Gilles Deleuze e Guatarri
(2010; 2017) –, este ato se pretende como agente corrosivo das instâncias do ser que, por
liberdade experimentativa, libera-se para um devir desterritorializador da própria
experiência sensível do existir. Ser ou estar em cena é o grande questionamento. Deste
modo, instaurar-se-á uma poética do presente, do agora, do acontecimento que se
permitirá em Corpo-aberto (SANTANA, 2002) ser plenamente atravessada pelos
cruzamentos biopsicossociais do momento.
Atravessados a este corpo intercruzam-se ainda os conceitos de Corpo-mídia (KATZ
& GREINER, 2002), Corpo-passagem (SANT’ANNA, 2001), Corpo Imanente e Dissecado
(MENDES, 2010), Corpo Híbrido (LOUPPE, 2000), dentre outros.
Para tanto, proceder-se-á metodologicamente de maneira simplificada e
propriamente simplista de modo que os materiais (figurino e cenografia) da performance
se darão no próprio contato com o ambiente que a receberá, ou seja, tais serão
providenciados no ato do desenvolvimento performativo, necessitando apenas de um
aparelho de som que preferencialmente conecte aparelho celular.

Obras: Corpografia Imanente I”, “Onto-me” e “Casa-mãe”, respectivamente.


325

Experimentos performativos que se propõem ao intérprete-criador como


degustador de si cenicamente em processos imanentes e presentificados (FISCHER-LICHTE,
2008) em/no/do ato artístico performativo em movimento, podem ser conferidos ainda em
obras como “Corpografia Imanente I”, “Onto-me” e “Casa-mãe”.
Levado em consideração seu caráter de efemeridade, a performance possui
duração de aproximadamente 15 minutos e por não possui fixidez (isto é, códigos
coreográficos pré-estabelecidos para sua execução) pode ser relacionada com outros
desempenhos, realizados a partir dos mesmos pressupostos, que pode ser consultado
através do link: https://www.youtube.com/watch?v=B_GWel2gPxg.
326

BEBER A TERRA

Luciane Briotto1
PUC-S.P- Núcleo Estudos da Subjetividade / AAO(Associação da Agricultura Orgâica)
lubriotto@gmail.com

Uma população vegetal – uma máquina estrangeria liquidificadora — mãos


humanas — luvas plásticas— compondo uma cenografia para produzir uma massa vegetal
a partir de escolhas de sabores, de possibilidades, elementos avindos da terra, escorre via
corpos o liquido verde, misturado num esforço de fazer pensamento pelas e com as mãos,
pelo esôfago, pelo instestino —– Receitas com base no suco da Luz do Sol, traz o Sol –
Alimentos Solares(sol e terra), e as potências vegetais em composição máquinica — corpo
— pensamento para inflamar afetações possíveis e assimétricas a respeito da terra via
alimento; tentativas de criar a partir de encontros, múltiplas máquinas de guerra, que se
revelam no tempo intensificado pelas forças da proposição que atravessa e nutre os
pensamentos dos corpos. A ação é atualizada para o espaço especifico da apresentação.
A ação performática proposta vem sendo realizada há cinco anos na feira Orgânica
do Parque da Água Branca – levanta a possibilidade estratégica(em parte conceitual), para
nos aproximarmos, como resistência, de um pensamento animista que coloca a matéria
humana num plano de horizontalidade com as outras manifestações de vidas não
humanas. Esse exercício é a tentativa de adentrar um modo menos viciado do pensamento
e sua potência de modificar a forma como nos relacionamos com o planeta, de lançarmo-
nos na proposição das potências afirmativas para fazer a transição do status de
consumidores ao de cocriadores da vida planetária.
Para o corpo, como construtor de materia subjetiva(a materia que se subjetiva
propõe o alimento como dispositivo para o processo de reflexão e criação do modus de
funcionamento de cada corpo singularmente, o que envolve num único plano os aspectos
psicológicos e fisiológicos em ressonância ativando o tecido social, é silencioso o proceso
via o alimento que cria e recria políticas de manutenção de algunas vidas privilegiadas,
favorecendo sua cultura e/ou tanatopolíticas o extermínio de certas populações
minoritárias escolhidas pelo critério dos interesses mercadológicos e aceito pelo acordo
social. No aspecto planetário, urge a reinvenção de um novo modo de viver, as alterações
climáticas e o constante aumento da temperatura poderão, em breve, botar em xeque o
processo de produção de alimentos humanos em grande escala. O alimento, como potência,
é parte da cadeia reflexiva da criação humana, agregando corpo – cultura – pensamento.
Os materiais necessários são máquinas(possui duas), legumes, frutas e verduras
orgánicas, utensilios varios de cozinha(possui), eletricidade 110, mesas para apoio, água
corrente. O tempo de apresentação depende das condições existentes – de uma até 6 horas.
Pois a pré e pós produção ocupam bastante tempo.

1
Em estudos e pesquisas relacionadas as Performances Tripode é a primeira apresentação em 2001– o ato
aparentemente simples de andar, enseja na violência da novidade uma possibilidade de pensar o corpo outro
— duas pessoas amarradas pelas pernas com uma fita, pode desiquilibrar o habitat do corpo cotidiano
evidenciando um pensamento andar em três apoios. O corpo se ve a reiventar-se rapidamente para recobrar
o equilíbrio em alguns lugares entre eles – Edital Funarte e Colônia Julio Moreira, ambas no Rio de Janeiro.
Participação em Coletivo de proposição artística site specific no evento Novos Povoamentos I e II (Seminário
da Puc-SP – Núcleos de Subjetividades). – (vale por duas bio).
Partição com imagens, em revistas, alternativas e de arte, no Brasil e no Japão.
327

SANGUE DO MEU SANGUE1

Silvana Sarti Silva2


silvana.sarti@gmail.com

São tantas as formas de agressão sofridas pelas mulheres, das psicologicas às físicas,
domésticas ou no local de trabalho; até o feminicídio, a dita morte “por amor”, que cada
vez mais aumenta em todo mundo. Desde tempos remotos até hoje, às mulheres foi
negado o corpo, o desejo, e o prazer, o feminino foi reduzido a mera maternidade, a uma
única função, isto é, de produzir heredeiros sadios e preferencialmente do sexo masculino.
A isto se unem as agressões, cada vez mais frequentes, quase sempre mortais, sofridas por
homossexuais e transexuais.
A artísta propõe a ação repetida do derramento de “sangue” sobre ela mesma, seja
simbolizando o próprio sacrifício de espiação, seja para ofercer um ritual catártico de
tomada de consciência e purificação daqueles que assistem ao evento. Alguns tecidos
brancos dispostos em volta da cena convidam silenciosamente os presentes a fazer parte
da ação, tomando a iniciativa de ajudar a protagonista. Deste modo, através da ação total,
se pretende também exprimir a idea que somente quando nos unimos, como iguais,
respeitando a diversidade, sobre o signo da consciência, de expiação e da cura recíproca,
podemos nos reencontrar num mundo mais igualitário.
O gesto de preparar e derramar a tinta vermelha sobre seu próprio corpo, trás ainda
memórias, leva a observar a sombra, o lado obscuro, “homicída”, presente em todos nós,
convida a denunciar o ciclo infinito de mortes, a despir-se do sofrimento do corpo e da
alma e a procurar uma possibilidade de mudanca, que pode acontecer somente através da
valorização do feminino e da renovação da consciência de grupo, da compaixão.
Articula-se com a temática do evento uma vez que busca um novo lugar do ser
humano no exorcismo do ciclo de crueldade, para criar o vazio permitindo seu poder
libertador. Sabendo que a dor do outro, pode ser a sua dor e que o encontro com o outro
significa dar um sentido universal a questões do feminino. Sangue é vida, o sangue que
escorre é morte, ciclos, o universo é interligado e todas as ações que fazemos gera um
movimento, essa ação nos modifica e modifica o todo, que seja esta a cintila para a Nova
Terra.
Foi apresentada pela primeira vez em Sorocaba na Mostra de Arte das Mulheres e
participou em Locarno, Suiça, no dia 11 de junho no Spazio Elle, centro cultural feminista,
dentro da programação da semana de preparação para a Grande Greve das Mulheres, que
aconteceu no dia 14 de junho, para garantir direitos trabalhistas, reivindicar equiparação
de salários com os dos homens, jornada de trabalho mais curta e abolir o assédio no local
de trabalho. Duração por volta de 17 minutos.
Materiais necessários: um balde de capacidade de 7 litros, de metal (alumínio) ou
plástico,de preferência na cor tijolo ou trasparente; uma bacia de cerca 80/100 cm de

1
Link da performance: Em Sorocaba/ SP: https://youtu.be/YCl1c2_PqoM; em Locarno, Suiça:
https://youtu.be/y5upcl9myAg
2
Silvana Sarti e formada em Desenho pela Faculdade Santa Marcelina, São Paulo (Brasil); Letras pela
Universidade de Sorocaba (SP), Brasil. Diplomada em Pintura, restauro e conservação pelo Centro Europeo
per i Mestieri del Patrimonio, Thiene (VI), Itália. Viveu na Itália de 2003 a 2013, colaborou com o jornal “Il
Giornale dell’Architettura”, Ed. Allemandi, Turim. Participa do grupo “Tutu Marambá, Artes do Corpo” desde
2013, Sorocaba (SP) Brasil.
328

diametro, de metal ou plástico,de preferência na cor tijolo ou trasparente; 5 panos brancos


medida mais ou menos 60x40 cm ou lençois brancos que possam ser cortados. (a artista
possui o material citado). Aparelho de som e caixas acústicas para tocar a Terceira Sinfonia
de Gorecki, Symphony of Sorrowful Songs. (https://youtu.be/Mcfy3UmnyDY ).
329

VOYAGE CYBORG SONORA # 5: ANTIFAGEM TRUE

Rafael Limongelli
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
rafaelimao@gmail.com

A VOYAGE CYBORG SONORA é um experimento de composição de sonoridades


eletrônicas com vocalidades dissidentes, inventando novas formas de dizer palavras e ouvir
sons. Nessa edição, 5# ANTIFAGEM TRUE, a proposição é construir um atentado terrorista
contra as formas autoritária de sociabilidade. É preciso instaurar novos mundos nesta
superfície povoada de autoritarismos. A morfologia é de muros, encanamentos, afiações e
outdoors luminosos - tudo estriado e definido. A tecnologia computo informacional faz com
que os desejos se alinhem em trincheiras de megapixel e nos instauram um sem fim de
cortes. A vida nua da cidade cafetinada entalhou nas costas, peito, olhos, mãos, líbido a
pulsão de reprimir o próprio desejo - o fascismo habitando todos os cantos do dedão do pé
ao governador atirador de elite no alto voando de helicóptero. Hackear as vozes de
comando, seus alto falantes e visores móveis, com vozes dissonantes, desgastadas, das
lutas antifascistas de hoje, de antes, de tempos ainda por vir. Sacudir a palo seco o
sequestro da subjetividade e por a fora, na rua, na praça, na cama, no cu, nos olhos a
pungente força de vida que pede passagem.
Com duração de 30 minutos, utiliza-se de Caixa de som amplificada, mesa de som
com 4 canais, microfone, pedestal, projetor de vídeo.
330

E N T RE1

Cláudia Madruga Cunha2


Licores - Linguagem, Corpo e Estética na Educação / Programa de Pós-graduação em
Educação UFPR
cmadrugacunha@gmail.com

Fernando Lobo3
Licores - Linguagem, Corpo e Estética na Educação / Programa de Pós-graduação em
Educação UFPR
fernandolobo82@gmail.com

Simone Andreia Violanti4


Licores - Linguagem, Corpo e Estética na Educação / Programa de Pós-graduação em
Educação UFPR
espaconautas@hotmail.com

Fernanda Frazão5
Licores - Linguagem, Corpo e Estética na Educação / Programa de Pós-graduação em
Educação UFPR

Ciclo e repetição na metamorfose dos tempos… No elo, faz-se Devir entre corpos
plurais. A ação se dá à máquina, que repete, repete, repete circuitos elétricos e progride
em modos pouco aleatórios de "des"normalização. A experiência traça a lembrança e
atravessa a Cena do Corpo Máquina.

“Um platô é um pedaço de imanência.


Cada corpo sem órgãos é feito de platôs.

1
E N T RE - https://www.youtube.com/watch?v=Ml0yDCurlqo&t=3s.
2
Cláudia Madruga Cunha. Licenciada em Filosofia pela UFPEL (1990), Mestre em Filosofia pela PUCRS (1998);
Doutora em Educação pela UFRGS (2006); Pós-Doutora em Educação pela Universidade do Porto UP (2016).
É professora Associada da UFPR, atua no Setor de Educação Profissional e Tecnológica e nos Programas de
Pós-graduação em Educação / PPGE e no Mestrado Profissional em Educação: Teoria e Prática de Ensino
/PPGE:MP. Atualmente ocupa o cargo de Coordenadora da cultura da UFPR.
3
Fernando Lobo. Multi-instrumentista, produtor e arte educador atua em diferentes seguimentos e estilos
musicais desde a década de 90, relaciona suas experiências musicais com a educação e a espiritualidade.
Mestrando em Educação pela UFPR. Traz em sua obra a mescla de culturas Caiçaras e Afrobrasileiras num
contexto de Arte Pop, se utiliza da tecnologia como conexão entre a raiz e o sutil num ambiente Pós moderno.
4
Simone Violanti. Está cursando o Mestrado em Educação na UFPR, com foco na Filosofia da Diferença, Devir-
palhaço e Educação do Campo. É especialista em Teatro pela USC-SP. Possui graduação em Educação Artística
- Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná (1995). Tem experiência na área de Artes e Arte-Educação,
com ênfase em Artes Cênicas e em experimentações artísticas, como nas áreas de dramaturgia, direção e
Interpretação, com aplicação em montagens teatrais e capacitação de professores.
5
Fernanda Frazão. Doutoranda em Educação na linha de Linguagem, corpo e estética (Universidade Federal
do Paraná), e Mestre em Educação (2012; Universidade Federal de São João del-Rei). Graduada em
Licenciatura em Pedagogia pela UNINTER (2017) e Licenciada em Filosofia (2007; Universidade Federal de São
João del-Rei).
331

Cada corpo sem órgãos é ele mesmo um platô, que comunica com os outros platôs
sobre o plano de consistência.
É um componente de passagem”.
(...)
“O campo de imanência não é interior ao eu, mas também não vem de um eu
exterior ou de um não-eu. Ele é antes como o Fora absoluto que não conhece mais os Eu,
porque o interior e o exterior fazem igualmente parte da imanência na qual eles se
fundiram”.
(...)
“E enfim a dificuldade de atingir este mundo da Anarquia coroada, se se fica nos
órgãos, “o fígado que torna a pele amarela, o cérebro que se sifiliza, o intestino que expulsa
o lixo”, e se se permanece fechado no organismo, ou em um estrato que bloqueia os fluxos
e nos fixa neste nosso mundo.
Percebemos pouco a pouco que o CsO não é de modo algum o contrário dos órgãos.
Seus inimigos não são os órgãos.
O inimigo é o organismo.
O CsO não se opõe aos órgãos, mas a essa organização dos órgãos que se chama
organismo”.
(...)
Trechos do livro Mil platôs, referente ao corpo sem órgãos (CsO) tema inspirado por
Deleuze e Guatarri em estudos de Antonin Artaud.
Corpo, desejo e máquina é são conexões que podemos articular.
Inspirada em DELEUZE E GUATARRI, (2005), a performance apresenta o encontro
de elementos constituintes numa conversa a oito pés, corpo, tambor, som, busca pelo
intermédio dos artistas-pesquisadores Cláudia Cunha, Fernanda Frazão, Fernando Lobo e
Simone Violanti expressar a sensibilização de múltiplos (in)corporais, onde o rizoma opera
as místicas do encontro pessoal e coletivo, que tal um exercício de corpo imanente ativa as
áreas da arte, educação, filosofia e antropologia, deslocando-as ou trazendo à tona ou às
bordas (da pele). Tais áreas e seus conceitos compõem as multiplicidades que formam o/s
corpo/s material/imaterial. Essa borda é linha limite para uma prática que busca através
da arte da palhaçaria e das místicas xamanismo e suas vivências, ativar dualismos que
implicam esse corpo entre corpos, assim o equilíbrio e desequilíbrio, o grotesco e o sutil, a
ludicidade e a mística são formas de elevar/aterrar um corpo profano/sagrado. Mobiliza
necessidades e contingências do dia a dia e exercita um mapa onde escola, trabalho, casa,
vida são territórios por desterritorializar por desconstruir representações para resignificá-
las. Esse corpo imanente atrai e retrai o ora palhaço ora xamânico ora palhaço e xamânico;
ativa algo vibrátil, enérgico, lúdico e vital que se movimenta entre multiplicidades e
territórios sempre possíveis e passiveis de serem interferidos por uma arte bufônica e
mística.
Com duração de 30 minutos, utiliza-se de mesa de som com 8 canais, 2 caixas ativas,
4 microfones Sm58, 4 pedestais de microfone, 1 Projetor de vídeo, 1 Retroprojetor.
332

A DOBRA, O DENTRO1

Juliana Bom-Tempo2
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e Curso de Dança – IARTE/UFU
ju_bomtempo@yahoo.com.br

Isabela Giorgiano
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e Curso de Dança – IARTE/UFU

Aline Salmin
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e Curso de Dança – IARTE/UFU
alinepsalmin@gmail.com

Trata-se de uma obra em dança criada e apresentada em 2018 com base


procedimental nos aparatos técnico-metodológicos do contato-improvisação de Steve
Paxton e técnicas da abordagem terapêutica crânio-sacral na operação de acoplamento
entre mãos e bocas.
Dobra em função operatória que, ao se fazer, tende ao infinito da materialidade e
da alma. Dobra sobre dobra. A boca se forma como invaginação de modo descendente
rumo ao assoalho pélvico, rumo a uma segunda invaginação – órgão sexual feminino. Duas
bocas, duas mulheres, a dobra, o dentro e, talvez, um recorte, um plano para atravessar o
caos. Esse trabalho surgiu das necessidades iminentes de se pensar: o que pode a dobra e
o dentro dos corpos em acoplamentos ainda não explorados pelos hábitos do que é dado
como possível? Junto a tal questão, que subjaz a problemática espinosista "o que pode o
corpo?", duas mulheres se acoplam e se propõem a dançar conectadas continuamente com
uma das mãos na boca da outra, criando uma máquina de produção dos movimentos.
Seguimos acompanhamentos dramatúrgicos lidando com o problema "como pensar uma
dramaturgia movida pela ideia de catástrofe?" e que tiveram como motor experimentações
de estados corporais. Nossa análise esbarra nas relações prático-teóricas da dança operar
o pensamento no e do corpo que, ao dançar, encanta o concreto e abre o visível ao invisível
dele mesmo.
Com duração de 60 minutos, necessita de uma sala vazia e limpa com piso para
dança que possa ser molhada.

1
https://www.youtube.com/watch?v=BV4pihJV8LM;
https://drive.google.com/open?id=1eCdDVF7eqdaycntYfWMwMefdVk_5Qo7y;
https://drive.google.com/open?id=1Aw80pZvfnw-7Pyp6kCIhBMOizUebKT88;
https://drive.google.com/open?id=1dzaDIjr988W4hEvT_c-IcZqvBtmRAi4i.
2
https://drive.google.com/open?id=0B31jv0k45kcTRTQyNHl0RXVPemc
333

BUQUÊ1

Camila Jorge2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática
(UFPR)

“Buquê” é tempo-espaço de experimentação artística de uma mulher noiva


máquina bruxa galinha que compõem com diferentes escalas políticas - as suas e talvez
nossas intimidades e a história verídica do casamento de uma deputada, filha da vice-
governadora e do ministro da saúde, mexido com ovos feito pelos curitibanos que não
foram convidados para a festa.
Um ovo dois ovos três ovos e nasce uma mulher ou uma máquina de lavar ou uma
galinha que avooa noiva boa noite Brasil eu digo sim eu digo não ao relatório da comissão
contra a corrupção pela família e a estabilidade política do pais... sobre o que estamos
falando mesmo, amor?
sem véu, grinalda, sapato... fantasia incompleta.
quem vai pegar o buquê?
“Buquê” (nome provisório) – problematização da “tradicional família brasileira”.
Dança no entre as escalas políticas. Convite de casamento para outras formas de
ser/estar como possibilidade de criação de si, de nós.
O ovo é a surpresa do encontro com o público, no aqui-agora juntos.
Com duração de 35 minutos, necessita dois microfones sem fio, dois pedestais, uma
caixa de som.

1
Vídeo - https://www.youtube.com/watch?v=nAil3beOKLE (versão apresentada em 2017); Imagens -
https://docs.google.com/document/d/1TNlbpP_fMQuqzU7jPqs9QpukXAzcOSwHo-
_yqTXpBg4/edit?usp=sharing; Portfólio Camila Jorge -
https://drive.google.com/file/d/1oNxqpIUg41DIcjucoRPajxdhdXzkkB3D/view?usp=sharing
2
Camila Jorge nasceu em 1983, em Curitiba. É graduada Artes Cênicas Licenciatura e Geografia. Atua como
atriz-criadora, ministrante de oficinas, propositora e coordenadora de projetos. Desde 2007, pesquisa
improvisação, dramaturgia pessoal e palhaçaria. Trabalhou na Companhia do Ator Cômico, grupo Nu
Improviso, Coletivo Celeuma e Companhia E/OU. Em 2011 aprofundou seus estudos em dança como bolsista
da Casa Hoffmann (Curitiba). Em 2013 cursou a Formação Intensiva Acompanhada e fez estágio no Centro em
Movimento (c.e.m), em Lisboa, onde também esteve em nos dois anos seguintes para fazer cursos de verão,
residência artística e para o Festival Pedras (2014 e 2015). Desde então, continua a investigação do corpo e
do movimento em diferentes espaços públicos e privados. Há 11 anos trabalha no projeto Trupe da Saúde –
grupo de palhaços que visitam hospitais em Curitiba, atuando como palhaça e coordenadora artística. Desde
2013 integra o coletivo Filhas da Fruta – que investiga a criação artística na fronteira entre as artes cênicas e
a música, em relação com as pessoas e o espaço público. Em 2017 foi bolsista do IMP (Investigação do
Movimento Particular) e desenvolveu o trabalho “Buquê” (nome provisório). Em 2019 foi bolsista do projeto
20Minutos.Mov com o trabalho “Casamento Aberto”. Atualmente é mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e em Matemática (UFPR). Graduada em Educação Artística com
Habilitação em Artes Cênicas (FAP) e Geografia (UFPR)
334

AMAZÔNIA EM MIM1

Marcela Peters Cremasco Gonçalves2


Mestre pelo Instituto de Psicologia da USP
marcela.peters.goncalves@gmail.com

Amazônia em mim é um recorte de uma pesquisa autoral em construção: As muitas


mulheres que me habitam. A pesquisa surgiu da vontade de criar algo que expresse um
pouco do momento atual da minha vida - ser mulher, dificuldades que passei, lugares muito
duros nos quais cheguei, sofrimentos intensos, silenciamentos, forças que foram me
auxiliando, fortalecendo, muitas mulheres nessas construções, forças que encontrei em
mim mesma, liberdade, alegrias, espaços, outros silêncios e o movimento constante que é
seguir caminhando ancorada em mim mesma, na força dos que me cercam e compartilham
o mundo de hoje e na força daqueles que já se foram e ocupam hoje outras dimensões...
Amazônia em mim é um ensaio que surgiu na minha recém viagem ao coração da Floresta,
numa aldeia indígena no Acre. É a expressão de um encontro entre meu momento e meu
interior e a força da Floresta que tem me guiado e minha bagagem clássica e minha
bagagem afrobrasileira e as muitas mulheres que têm feito parte do meu processo e minha
relação com essas mulheres durante a viagem e...
Essa performance se conecta com o evento justamente naquilo que ela se propõe
em ser: um espaço-tempo de conexões que foram se fazendo em meu percurso mulher,
mãe, bailarina, pesquisadora... Um espaço-tempo no qual pode ser que se dêem outras
conexões, novos afetos e afetações em outros corpos.
Para realização da performance irei trazer poucos elementos que compõem a cena:
tambor, incenso, velas, caixinha de som, uns tecidos. Da estrutura é necessário apenas um
espaço no qual seja possível usar o chão para deitar, ficar descalço.
Não tenho material dessa pesquisa. Mas tenho imagens e vídeos de trabalhos atuais
que tenho realizado na minha trajetória afro-brasileira com tambor de Crioula, dança afro-
contemporanea, simbologia dos orixás, samba de roda, maculelê e puxada de rede.

1
Instagram: peters_marcela
2
Sou psicóloga, mestre em Psicologia escolas e do Desenvolvimento Humano, educadora e bailarina. Quando
criança e jovem estivem em intensa relação com o balé clássico e após a maternidade me reencontrei na
dança contemporânea e nas danças afro-brasileiras. Atualmente desenhei um projeto de doutorado num
misto entre psicologia, educação e arte; encontrando manifestações de culturas tradicionais brasileiras como
dispositivo para pensar questões sobre liberdade, governo, controle, autoridade, ampliando uma discussão
singular da minha dissertação de mestrado: a relação entre adultos e crianças.
335

FEITO HOMEM1

Juanielson Alves Silva (Juan Silva)2


Doutorando do Programa de Pós-graduação em Artes da UFPA
juanielsonsilva@gmail.com

Feito homem é um móvito colorido do Manifesto Akuenda – tem mais uma bicha na
rua. Entende-se aqui como móvito colorido as experimentações em performance,
fotoperfomance, videoperfomance, improvisação em dança, desenhos, poesia e outros
dispositivos poéticos que servem como indutores para a criação dramatúrgica e
coreográfica da poética cênica Manifesto Akeunda – tem mais uma bicha na rua, fenômeno
de pesquisa do meu processo de doutoramento pelo Programa de Pós-graduação em Artes
da UFPA.
Trata-se de uma videoperfomance mais especificamente o Corpo LGBTQI, e/em
espaços físicos de civilidade como escolas, igrejas, quarteis, etc.
Os móvitos Coloridos fazem parte da Coreocartografia familiar do Manifesto
Akuenda – tem mais uma bicha na rua e a Coreocartografia familiar trata-se de uma teoria-
práxis de pesquisa e criação em dança inspirada na cartografia (DELEUZE, 1995) em diálogo
com os processos de criação (SALLES, 2006) em dança contemporânea (SILVA, 2005). Sua
fundamentação parte do princípio de que a criação em dança, que proponho, emerge
principalmente das relações familiares do corpo que dança, relações dadas em rede e
constituídas a partir das experiências ‘coreocorpográficas’ do sujeito no mundo.
Com duração de 3 minutos, necessita computador; datashow ou televisão, cabo P10
ou HDMI e caixa de som.

1
https://youtu.be/N7_RzgbusB4
2
Juanielson Alves Silva (Juan Silva) é graduado em Pedagogia pelas Faculdades Integradas Ipiranga; mestre e
doutorando em Artes pelo PPGArtes - UFPA; técnico em Dança com habilitação em intérprete-criador pela
Escola de Teatro e Dança da UFPA); Foi bolsista do Programa Integrado de Bolsas de Iniciação Cientifica da
UFPA (PIBIC) realizando pesquisas em processos criativos na contemporaneidade e dança-educação em
Belém do Pará. Artista autônomo que estuda e atua em várias linguagens das Artes, como fotografia, vídeo e
poeisa, mas principalmente na linguagem da Dança. Atuou como intérprete-criador na Companhia Moderno
de Dança e como ator e diretor coreográfico na Companhia Paraense de Potoqueiros. Colaborou como apoio
organizacional no Festival Escolar de Dança do Pará e como professor voluntário na Equipe de
Acompanhamento psicopedagógico e de dança no projeto social Aluno-Bailarino-Cidadão, além de já ter
atuado como professor de dança na Cia Athletica (Belém). Participou de espetáculos premiados
regionalmente e nacionalmente enquanto intérprete-criador da Companhia Moderno de Dança e do Grupo
de Dança Moderno em Cena de Belém do Pará em obras como: O que me envolve? (2012); UM (Prêmio
FUNARTE Klauss Vianna 2013) e Pliê: Dança em quatro atos (Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2015).
Possui experiência na área de Artes, com ênfase em Artes cênicas/Dança, e em Educação, atuando
principalmente no campo da dança-educação e pedagogia em ambientes não escolares.
336

APARECEU A MARGARIDA: PERFORMANCE DE UMA EDUCAÇÃO

Tarcísio Moreira Mendes1


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFJF
tarcisiodumont@yahoo.com.br

Hoje, assistimos indignados a movimentos que homenageiam personagens da


“página infeliz de nossa história”, que se reúnem para pedir intervenção militar,
fechamento das instituições democráticas e que apoiam extermínio de populações de
índios, de negros, de estrangeiros, trabalhadores e trabalhadoras dos movimentos por
terra e moradia. O território da Educação torna-se palco preferido para disputas acirradas
como o “Escola sem Partido” que legitima a perseguição a pessoas LGBT+ e que criminaliza
ideologias partidárias. A educação pública, sobretudo, a universitária, é deliberadamente
atacada, inclusive, por órgãos oficiais e por ministros de estado que deveriam valorizá-la.
Mas isto não parece ao acaso, pois, embora para muitos a educação seja um espaço para
exercício pleno de liberdades, para outros, a educação é território de excelência para
vigilância e controle. Pensando nisso, aqui propõe-se uma performance junto ao texto
teatral “Apareceu a Margarida”, de Roberto Athayde. Um clássico do teatro brasileiro,
encenado durante nossa Ditadura Militar, trata das relações autoritárias da professora
dona Margarida. Através do corpo da professora, o autoritarismo estatal se atualiza.
Através da sátira, todas e todos são convidades a pensar os mecanismos autoritários
produzidos por um corpo professoral. E ao mesmo tempo, fugas possíveis.
Com duração de 50 minutos, necessita de uma sala ou auditório, disposição do
público em espaço “palco italiano”. Um foco de luz móvel. Um projetor e computador com
caixa de som.

1
Bolsista UFJF.
337

I AM SORRY MR SCELSI + UMANIMUSGO1

Francisco Lauridsen Ribeiro2


ECA-USP
jalalamano@gmail.com; catchanca@usp.br

A proposta em pauta é o Umanimusgo, a partir da carta de 1947 'o homem-árvore',


de Antonin Artaud. Nesta carta apocalíptica, Artaud identifica o CsO ('corpo sem órgãos
nem função', na carta) a um humano-árvore. Pretendo fazer uma apresentação em duas
partes: na primeira, uma espécie de ambiente chamado I am sorry mr Scelsi, em
homenagem ao compositor precursor da música espectral. Esta primeira parte se pretende
'aquecer' um certo espaço para a entrada do Umanimusgo.
O teor da performance, portanto, é um misto de dramaturgia meditativa, leitura
pública, ensaio-ação e estética da metamorfose. Os procedimentos para a construção da
performance como um todo estão dentre aqueles descritos minha tese de doutoramento:
a individuação conjunta de corpo e som através de modos de movimentação espontânea
e modos de vocalização de sensações; a efetuação de uma dramaturgia sonora e, portanto,
um roteiro performativo etc.
Levando-se em conta o já descrito, penso, em suma, que esta proposta traz
conexões estranhas (portanto, desejáveis-desejantes) em relação ao evocável enquanto
operatividades deleuzianas. Durante o Umanimusgo há uma leitura da própria
dramaturgia.
Com duração de 50 minutos, a performance em pauta necessita de um espaço de
tempo para reconhecimento das possibilidades ambientais e acústicas, distribuição dos
elementos etc. Esse tempo é variável de acordo com o espaço. Eu costumo começar no
meio da manhã do dia, caso a performance seja no meio/fim da tarde, por exemplo. Essa
pragmática sensível de uma habitação do espaço é bem importante. A tipologia em si do
espaço para a ação é bem variável. Pode ser um galpão, um corredor, um banheiro, um
jardim. A depender do espaço indicado pela comissão desse evento, em casos-limite
precisarei de microfone, mas prefiro evitar essa possibilidade tanto quanto possível, por
causa da própria natureza da pesquisa que desenvolvo.

1
Esboçamentos de corpossom: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27158/tde-16052019-120236/
Vídeos: 1 – 2013: https://www.youtube.com/watch?v=a1vuUQsyAmI&t=65s; 2 – 2014, performance pássaros fictícios:
https://www.youtube.com/watch?v=bEuLRixxHxA; 3 – 2017, editado em 2019:
https://www.youtube.com/watch?v=3OIH4RF1fyQ&t=242s; 4 – 2019, ação durante a banca de doutoramento:
https://www.youtube.com/watch?v=g1Ztuq3963g&t=1s; Imagens (2013) do portifólio de Felipe Stocco, membro dos
núcleos de corpossom: https://felipestocco.hotglue.me/?laborat%C3%B3rio+corpossom+-+galeria+de+fotos
2
Francisco Lauridsen Ribeiro (Amani Jalala) é artista e terapeuta multidisciplinar. Coordena os núcleos de
corpossom. É bacharel em música com Habilitação em Instrumento pela ECA/USP (2006). Desde 2004 atua
como sonoplasta e como pesquisador nas aprendizagens entre desenho, som, produção de corpo – e suas
metamorfoses – e pedagogia-dramaturgia da atuação. Mestrou-se (2009-11) em Artes Cênicas (pedagogia do
teatro), orientado por Antônio Januzelli, com o mote ‘preparação do corpossom: atuação e voz concreta’.
Propôs e participou do espetáculo ‘laboratório corpossom na foz das cavernas’ (2013). Recebeu prêmio de
‘concepção sonora’ para a sonoplastia do espetáculo ‘aos que vieram antes de nós’ (direção de Maria Thais)
no Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau (2016). Doutorou-se na ECA/USP com a
pesquisa ‘esboçamentos de corpossom: a escrita do corpo na víscera do som’ (2015-2019), orientado por
Silvio Ferraz.
338

NA ESTRADA, O QUE SE PASSOU?1

Ilma Guideroli2
Unifesp – Universidade Federal de São Paulo
ilma22@gmail.com

Alessandro Carvalho Sales3


Unifesp – Universidade Federal de São Paulo
alessandro.sales@unifesp.br

A performance audiovisual Na estrada, o que se passou? consiste na apresentação


oralizada de uma série de 16 poemas autorais simultaneamente à exibição de um vídeo de
27 minutos, concebido através de recortes de cenas de filmes de estrada e de outros
materiais de arquivo.
Deleuze é, provavelmente, no contemporâneo, o pensador que mais valorizou certa
ideia de movimento que, no caso, tem a ver com devires, mudança, movimentos do
espírito, para além do movimento físico ou empírico. Como associar esse tipo de
mobilidade — uma espécie de transformação metafísica, incorporal, percepção de novos
signos e constituição de sentidos, invenção de novos caminhos — ao universo do chamado
filme de estrada? Tomamos uma via: pega a estrada quem deseja mudar ou, em sentido
próximo, aprender. A estrada parece dispor algo da Recherche proustiana. O que se
aprende na estrada? O que se busca nela? Como nos tornamos sensíveis aos seus signos?
Que verdades estão em jogo? O trabalho Na estrada, o que se passou? busca elaborar
esteticamente, e problematizar, algumas dessas sensações e questões.
Com duração de 27 minutos, a performance em pauta necessita de equipamento
de computação, projetor datashow, caixas de som.

1
https://www.facebook.com/events/1544958418895275/ (cf. sobre, bem como discussão).
2
Ilma Guideroli é artista visual, fotógrafa e pesquisadora, mestre em Artes Visuais pela Unicamp. Atualmente,
realiza um segundo mestrado, agora em História da Arte, pela Unifesp. É bolsista Capes.
3
Alessandro Carvalho Sales é poeta e pesquisador. É doutor em Filosofia pela UFSCar e professor adjunto do
depto. de Ciências Sociais da Unifesp.
339

O CORPO DESEMBESTADO DE ADIVINHAADIVA1

Matheus Silva2
Doutorando em Artes pela UFMG
matheus_silva84@yagoo.com.br

Como produzir-se um corpo desembestado? O que o corpo não aguenta mais? Que
força resiste? Trata-se de um campo de performação que se resume na mala vermelha em
um foco de luz ou em um espaço evidente para se construir um altar. Nesta mala
encontram-se os adereços necessários para esse corpo ganhar uma nova modulação,
experimentar-se. Na mala encontram-se uma raposa morta e empalhada, uma cortina,
maquiagens, uma prótese dentária, farinha e uma bolsa branca, tecidos, saltos. Como
inventar para si um corpo sem rosto, sem programações, livre e alegre? Como promover a
prática de um corpo destemido, inventivo e revolucionário? Um performer expande seus
adereços em seu entorno para inventar para si um novo corpo.
Com duração de 45 minutos, todo material necessário é disposto pelo artista, que
fará a ação em um espaço aberto. É necessário que seja realizada durante a tarde ou, no
caso de ser noite, em um espaço já iluminado.

1
1) http://adivinhaadiva.blogspot.com.br/; 2) https://www.youtube.com/watch?v=au4Yy5pT3BY; 3)
https://www.youtube.com/watch?v=cSfIaf5OL6c&t=95s
2
Matheus Silva é performer-pesquisador que investiga a construção do conceito de “Corpo Desembestado”
enquanto sua prática em processos criativos, pesquisa essa que também realizada com os coletivos artísticos
de Belo Horizonte. Professor substituto no Departamento de Artes da UFOP, desde 2018. Está cursando
doutorado em Artes na UFMG, na linha de pesquisa Artes da Cena, sob orientação da Profa. Dra. Maria Beatriz
Braga Mendonça (Bya Braga).
340

LITERATURA PARA DANÇAR1

Henrique Rocha de Souza Lima2


Universidade de São Paulo
henriquerocha@usp.br

Juliano Mendes de Oliveira3


Resid(ê)ncia – Teatro e Audiovisual / Universidade Federal de Ouro Preto
gruporesidencia@gmail.com

Literatura para Dançar é uma performance multimıd́ia que converge som e texto
com projeções de poemas visuais que oferecem ao público uma experiência de imersão
nos universos narrados. A proposta é dinâmica, esteticamente elaborada e de fácil
assimilação. Os temas são urgentes, como o racismo estrutural, misoginia, transfobia e a
ocupação de espaços públicos. Literatura pra Dançar é um trabalho de caráter popular,
com letras instigantes, paisagens sonoras cinematográficas e ritmos dançantes.
A performance realiza um agenciamento maquínico de elementos visuais, literários,
sonoros, musicais e cenográficos como uma mediação expressiva para a composição de
poemas multimídia cujos assuntos são temas de caráter sociocultural que perpassam a
esfera pública brasileira atual. O trabalho trata diretamente de temas historicamente
estruturais da sociedade brasileira mediante uma abordagem sensível, mediante uma
expressividade multimídia, e convidando o público a vivenciar uma experiência
simultaneamente intelectual e corpórea, atualizando, portanto, uma síntese particular
entre corpo e pensamento mediante a experiência da poesia.
Com duração de 40 minutos, necessita de dois microfones (de preferência s/ fio
Shure UT24/58); Monitores frontais, side/fill e para o Performer de Som; Um praticável
para o Performer de Som, régua Ac 127v e direct box line estéreo; Um projetor de vıd́eo
de, no mıńimo 2000 ansi-lumens; 01 tela de projeção ou superfıć ie branca de, no mıńimo,
3X2m; Cabo HDMI de 10m para projeção.

1
“Galera do Segundo Grau”: https://youtu.be/hn3q6IoyGLU; “Filme”: https://youtu.be/7fhhGITjk80;
“12 de Janeiro de 56”: https://youtu.be/iXfQZ7K1WLo; “Zé Cueca”: https://youtu.be/CaVvYuSY-Rg
2
Produtor musical, professor e pesquisador acadêmico. Doutor em Artes pela Universidade de São Paulo;
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto; e Graduado em Música também pela UFOP.
Atualmente é professor do curso de Produção Musical da Universidade Anhembi-Morumbi. Possui formação
complementar em tratamento de áudio, composição e análise musical. Sua produção artıś tica e acadêmica
já foi apresentada em diversos eventos no Brasil e no exterior, incluindo os Estados Unidos, Alemanha, França
e Irlanda.
3
Diretor de teatro, performer, escritor e videomaker. Formado em Artes Cênicas pela Universidade Federal
de Ouro Preto. Mestre em Estudos da linguagem pela mesma instituição. Fundou, em 2001, Grupo
Resid(ê)ncia Teatro e Audiovisual, em Ouro Preto. Foi produtor e vocalista do Grupo Galanga durante 15 anos,
banda mineira de rock. Com o Galanga lançou em 2016, "Coleção de Histórias Agudas", produzido pelo
guitarrista carioca André Sampaio. Como compositor, tem parcerias com a banda mineira Seu Juvenal e com
a Osso Banda, Rock ́n Roll pra crianças.
341

BANDA FISIOLÓGICA

Marcelle Ferreira Louzada


Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
marcelle.f.louzada@gmail.com

Banda que vem de bando, agrupamento, mistura de gente com diferentes dizeres
do corpo. Banda Fisiológica é um acontecimento, um caos, uma causa, uma coisa, um
manifesto. Queremos falar e ser possíveis. Cada acontecimento é único: o xóu se dá de
múltiplas formas, em constante atualização. Nossa narrativa está amarrada aos
acontecimentos atuais da conjuntura política nacional, atuamos em consonância com
questões sociais afins. Conquistar possibilidades de expressão de alteridade, ocupar
espaços públicos, festivais de música e de artes do corpo, espaços de troca e empatia, fazer
da arte vida, fazer da arte manifesto. Ao público, a nossa carne, nossa respiração ofegante
perto nesse devir possibilidades animais, nuvens, vento... Ao público, mordidas, lambidas,
dizeres de um falo que nega o patriarcado. Queremos falar e ser possíveis.
Atualmente somos artistas residentes do espaço Jardim das Máquinas - SP, onde
noscolocamos em estado de investigação sonora, performática e sinestésica. Até então,
participamos de alguns eventos como festivais musicais e de performance e também
congressos acadêmicos. Acreditamos no estar juntos como possibilidade de mundos
outros. Acreditamos na amizade como resistência. Nosso projeto político é subverter a
violência e criar afetividades por meio de micropolíticas do desejo, versando um prazer
possível. Nosso lema: Libertem o desejo! Esquece teu pai!
342

REMOVA ANTES DE USAR1

Francisco das Chagas Pessoa Cacau


Mestrando; Universidade de São Paulo
cacaufrancisco@usp.br

Marie Araújo Auip


Mestranda; Universidade de São Paulo
auipmarie@gmail.com

O propulsor para a realização da ação Remova antes de usar foram as notícias sobre
o trabalho análogo ao escravo no mundo da moda, discutidas com foco na conscientização
do consumo/trabalho no mundo contemporâneo. Roupas baratas, coleções rápidas, o
mundo da fastfashion muitas vezes pode gerar péssimas condições de trabalho, e esse
problema deve ser questionado por várias camadas da sociedade: lojas, empresas
terceirizadas, Estado e inclusive consumidores. A consciência deve ser transbordada em
rede: o que está por trás da etiqueta que visto? Do que precisamos nos despir para calar a
tendência do ano? O que é oculto atrás dos números milionários da sociedade do lucro?
A partir dessa problematização, podemos estender a discussão para vários âmbitos
do trabalho no contexto social atual, pois a escravidão é um problema global e que atinge
outros setores além da moda. O dia do trabalho surge como dispositivo para a criação da
proposta Remova antes de usar,na qual, levantamos o foco nas relações de poder que
envolve o ciclo contemporâneo de trabalho. Vivemos em um século onde ilusoriamente
podemos consumir tudo, alcançar qualquer status, nada é divinamente nos entregue e
tudo pode ser de nosso pertence, e a relação trabalho escravo/capital ocupa de forma
negligente o local dessa ilusão.
Por isso, essa ação traz como referência o histórico de escravidão em suas diversas
temporalidades, transbordando no corpo que supera a dor ao focar no dinheiro. Exemplos
como o prédio Rana Plaza em Bangladesh e a divulgação de marcas brasileiras que se
envolveram com trabalho insalubre e escravo ilustram que o trabalho está longe de ser um
local democrático e em consonância com os direitos humanos.
Remova antes de usar possui duração de 8, 10, 12 ou 14 horas,onde corpos
trabalham, bordando à mão um tecido gigante com números de carteiras de trabalho,
pedidos de socorro e outros símbolos da pós modernidade trabalhista. Essa apropriação

1
Vídeo ação Av. Paulista - Autoria: Ágata Melquiades: https://www.youtube.com/watch?v=HVAYGdQmRW4;
Vídeo ação Galeria Mezanino - Autoria: Viny Psoa: https://vimeo.com/141855700
A performance foi realizada em formato de intervenção urbana,no dia 1 de maio – Dia do Trabalhador - na
Avenida Paulista, na qual três performers bordaram à mão um tecido gigante com números de carteira de
trabalho, pedidos de socorro e outros símbolos da pós modernidade trabalhista. Dessa ação, surgiu o convite
da Galeria Mezanino com direção de Renato de Cara, para a 1ª Mostra Movimenta – Festival de
Performances, com consultoria do jornalista Ivi Brasil e da performer Luanna Jimenes. O evento foi realizado
de 24 de julho a 1 de agosto. Remova antes de usar compôs a programação em formato de residência, de
segunda a sexta, com quatro performers -Cacau Francisco, AqueleMario, Marie Auip e Natália Coehl - durante
nove horas diárias. Do tecido bordado, surgiu uma instalação em bastidores que ficou exposta e à venda na
Mezanino.
Na programação da 17ª Mostra Sesc Cariri de Culturas, os performers bordaram durante 10 horas
consecutivas em frente ao maior shopping da região, localizado na cidade de Juazeiro do Norte. Sua última
ação foi realizada no Sesc São Paulo - Unidade Santana.
343

histórica cria um corpo performa.dor ativo gerando uma extensão de si em um tecido


acompanhado pelo público, deste tecido, surge uma exposição de bastidores.
“Habitar, circular, trabalhar, brincar: o vivido é segmentarizado espacial e
socialmente. A casa é segmentarizada conforme a destinação de seus cômodos; as ruas,
conforme a ordem da cidade; a fábrica, conforme a natureza do trabalho e das operações”
(DELEUZE, 2012, 92).
Qual trabalho e operações estamos vivenciando? Peter Pál Pelbart, traz uma
importante reflexão de como o capitalismo hoje captura o trabalhador não mais por sua
força física mas sim por sua inteligência e capacidade criativa.

Um trabalho que solicita do trabalhador não seus músculos nem sua força
física, mas sua inteligência, sua força mental, sua imaginação, sua
criatividade - tudo isso que antes era do domínio privado, do sonho, das
artes, foi posto a trabalhar no circuito econômico. Com isto, o capitalismo
passou a mobilizar a subjetividade numa escala nunca vista (PELBART,
2003, p.132).

Mas e aqueles corpos que ainda servem como máquina? Como se dinamizam em
nossa sociedade?
Com expectativa de duração entre 8 e 10 horas, necessita de 4 cadeiras
padronizadas (três para performers/uma para público participativo bordar) e 1 mesa.
344

MARKETS IN BOGOTA

Mauricio Rene Baez


Filiação Instituciona:Independiente
kefka1994@hotmail.com

Markets in Bogotá, Colombia are traditional spaces that connect the countryside
and the city. Those spaces have been an important site in the city for the coordination of
resources and for populations interacting between each other. Since the last century,
however, they have lost their primacy and Western supermarkets are the main place for
purchasing products in the city. This video-essay wants to outline the results obtained
during a research that analyzes markets in Bogotá, Colombia and their special relationship
with qualities and potencies that other modern spaces, such as supermarkets, do not share.
It was undertook a fieldwork for four months and preliminary interviews were conducted
in pursuance of organizing a focal group in two sessions. The participants of the focal group
were selected under two main selection criteria: a) participant’s age range should be
between 60 – 90 years old and b) they should have worked in places nearby to the market
place named plaza del 7 de Agosto and have interacted constantly in other market place
named Mercado del 12 de Octubre. These selection criteria allowed to count with
participants who have both perspectives as an outsider and insider of marketplaces. The
main topic of the interviews and focal group was the relation between their biography and
traditional markets and their opinions about the dynamics of these places.
After the data collection, the interviews were analyzed and theoretical research was
conducted. This research guided the project through theoretical contrast among the
hierarchy of sensation, such as primary/secondary quality distinction, that goes along with
modernity's theoretical project, -Specially Descartes and Locke-. As a result of this exercise,
it was found that those models are different from the experience of the interviews, the
configuration of markets led us to reflections about quality-potency that are guided by
Deleuze. We established that there is no differentiation between smell, color, and notion
of spaces, giving all of them the same importance in popular markets. Even the potencies
are highlighted in this space because of the transitivity of products, or the special results
that people want from magic/medicinal plants. The relevance of this 30 minute video-essay
is how it shows a dialogue with contemporary theories about quality/potency and
traditional space and how the interviewee locate itself in the world through their
experience of buying in the markets. This experiment allows us to use this format to guide
the people from our arguments to the experiences that involve prioritizing
quality/potency's over spaces, and in the process, it might be possible to rescue this multi-
sensorial experience from our own oblivion.
The main reason to submit this proposal is related to the audience that was
targeted. This project was created to be presented to countries that do not have this kind
of spaces. It is important to present it in Brazil as it has traditional markets. Scholars who
know this kind of reality can enrich the discussion and criticize the approach of the topic
on different levels. This can be useful in order to polish the research and deep into the
topic.
As a video essay, the presentation requires a computer, a video-beam to reproduce
the media, and a good environment to exhibit a 30 minutes film. Due to travel expenses, I
345

cannot afford to travel, but in the case that the video-essay is accepted I would pay for our
inscription, and we can agree on a video-conference or a Q&A. In that case, it would be
necessary to establish an internet connection to communicate properly and organize the
meeting.
346

ENTRE GRADES1

Renata Morais Lima2


Universidade Federal de Juiz de Fora
madrianoa@hotmail.com

Wescley Dinali3
Universidade Federal de Juiz de Fora
wescleydinali@yahoo.com.br

Marcos Adriano de Almeida4


Universidade Federal de Juiz de Fora
rmoraislima@yahoo.com.br

Este trabalho emerge de um acontecimento narrado por um professor-pesquisador


em nossos encontros no grupo de pesquisa (Travessia Grupo de Pesquisa). De forma bem
resumida, tal professor, como de costume, havia chegado na escola e se deparou com a
presença de um policial dizendo que recebeu um comunicado (uma denúncia anônima)
que havia um aluno com uma arma no inteiro da mesma. Tal episódio afetou diretamente
todo a escola, principalmente outros professores que ali estavam, e que já sofreram algum
tipo de violência nas instituições escolares em que atuaram e atuam. Trata-se de uma
escola pública situada na cidade de Juiz de Fora/MG. Desejando problematizar tal realidade
violenta que estamos sofrendo em nossas escolas, transformaremos tal episódio em uma
contação de história. Trata-se de uma proposta performática, e a utilizaremos como
disparadora para produzirmos com o que acontece em nossas escolas, atravessada,
principalmente por nossos principais interlocutores como Deleuze e Guatarri, Foucault.
Que vidas outras podemos potencializar com esses jovens? Com os professores? Com a
escola? Seguimos com Deleuze e Guatarri no jogo da experimentação no lugar da
interpretação. Sem respostas, sem muitas antecipações, antes, com muitos desejos de
criação. A perspectiva de duração da performance é de 5 a 10 min.

1
Link do vídeo: https://youtu.be/qDUbqRSC6Mk
2
Renata Morais Lima, graduada em Filosofia (UFJF), possui Mestrado em Educação e atualmente é
Doutoranda em Educação (PPGE/UFJF). Desenvolve pesquisas em Filosofia da Educação, atuando nos
seguintes temas: estudos foucaultianos e educação, estudos deleuzianos e educação. Professora da
educação básica no estado do Rio de Janeiro.
3
Wescley Dinali, graduado em Pedagogia (UFSJ), possui Mestrado em Educação e atualmente é Doutorando
em Educação (PPGE/UFJF). Pesquisador associado ao Travessia Grupo de Pesquisa NEC-UFJF. Desenvolve
pesquisas em Filosofia da Educação, atuando nos seguintes temas: estudos foucaultianos e educação,
estudos deleuzianos e educação, movimentos undergrounds, movimento punk e educação.
4
Marcos Adriano de Almeida possui mestrado em educação (UFJF) e a especialização em É graduado em
Ciências e licenciatura plena em Matemática - no Instituto Superior de Ciências, Letras e Artes de Três
Corações. Atua como professor de matemática na rede pública de ensino da cidade de Juiz de Fora/MG.
Atualmente é Doutorando em Educação (PPGE/UFJF).
347

COM-POSIÇÕES DE UM PARQUE INFANTE1

Vanessa Lima da Silva


Secretaria de Educação de Campinas
pedagogavanessalima@gmail.com

“A arte diz o que as crianças dizem”, escreveu Deleuze em Crítica e Clínica. Isso me
ajuda a entender como me relaciono com as crianças. Há doze anos convivo e brinco com
crianças pequenininhas na periferia da cidade de Campinas. Assistir as crianças brincando
me impacta como se estivesse frente a um quadro num museu, ou como se ouvisse um
concerto, ou assistisse a um filme com teor estético potente o suficiente para me deslocar.
Arte é conhecimento e se a Arte diz o que as crianças dizem, as cenas das crianças
brincando entrelaçam-me com um conhecimento des-palavrado: um conhecimento
corporal, encarnado, que chuta latas, escala barrancos, interioriza o balançar...
Diariamente as crianças e os espaços-tempos que, com elas, compõem a minha vida de
professora me convidam a devir-criança!
Uma composição com posições marcantes de sons, quadros, texturas e falas
mostram a Infância de um Centro de Educação Infantil de Campinas. Em um bairro
periférico, numa instituição de Educação Pública, crianças e adultas, num encontro-
acontecimento entre si e entre espaços e tempos, deliram o ser-se humano poético
infante! Filmado no primeiro semestre de 2019 pela professora da turma, esse vídeo
brincante floresce peraltagens, antecipa sons e espia a potência criadora das crianças.
Ressalta, em manifesto, uma Pedagogia da Infância Libertária e Descolonizadora!
Duração de 5m25s.

1
https://youtu.be/7aQZqc4lgSw
348

ECO – ODE A ECOSOFIA1

Rodrigo Reis Rodrigues2


Mestrando em Artes Performativas no Instituto de Artes da UNESP-SP
rodrigoreisr@gmail.com

A proposta é a exibição de uma vídeo-performance. Trata-se do registro áudio-


visual do concerto Eco – Ode a Ecosofia do compositor Rodrigo Reis gravado em outubro
de 2016 no Instituto de Artes da Unesp. O concerto para ensemble, percussão sinfônica,
apitos ornitológicos, motosserra e performance vocal e corporal de um coro glossolálico de
18 vozes e solista, tem duração de 30 minutos. É estruturado em quatro seções: Minerais
e Vegetais, Mamíferos, Aves e Insetos, Pós-humanos. É resultado de uma pesquisa sobre
biofonia e glossolalia, registrada no trabalho acadêmico ECO – Processos Composicionais e
Autopoiese.
A vídeo-performance se articula à cena musical (microtonalismo) e corporal
contemporâneas intimamente ligadas a conceitos de Deleuze e Guattari, sobretudo
Rostidade, Devir e Ecosofia; e conceitos de Artaud/Deleuze-Guattari, especialmente o
Corpo-sem-Órgãos e a Glossolalia.
Duração de 35 minutos.

1
Íntegra do concerto: https://www.youtube.com/watch?v=oGYQmtC5B5E. Documentário (2017, 90 min)
sobre pesquisa e processos composicionais do concerto: https://vimeo.com/244706359 senha rrrecomva
Artigo em publicação científica: Revista Climacom Labjor-IEL-UNICAMP
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=7829.
2
Bacharel com Composição e Regência e atualmente mestrando em Artes Performativas com pesquisa em
Voz-Corpo no IA-UNESP onde criou e organiza Núcleo de Estudos sobre Novas Metodologias de Pesquisa em
Artes (https://www.ia.unesp.br/#!/pesquisa/grupos/evpm/novas-metodologias/). Tem concerto e trabalho
científico premiados, publicados e transformados no longa documental ‘ECO Cantos da Terra’. Contribuiu
com a Cia Minik Mondò (2009 a 2011); a Taanteatro Cia (2012 a 2014 e 2017); a Cia Sansacroma (2014 a
2017). É curador do Cine Volver no Lab Mundo Pensante. Desde 2003 realiza oficinas e ateliês-residência em
Ecoperformance.
349

ESTUDO SOBRE REDES Nº11

Luiz Gabriel Catoira de Vasconcelos2


Grão Cia de Dança
luizgabrielcv@gmail.com

Propõe-se uma performance participativa, em que o público será sensibilizado em


duplas (15 min) através de um dispositivo relacional composto por elementos conectores
– bolas de látex – e alguns princípios a orientar a atenção (que envolvem sustentar a bola
em contato entre os corpos). Em seguida grupos de até 20 pessoas são convidados a
performar um pequeno roteiro de experimentação com o dispositivo, com 10 min de
duração. Os materiais são levados pelo proponente. Considerando que 3 grupos
performem, totaliza-se 45 min de performance. O objetivo é deslocar a produção de
movimento da mente individual, para um “em meio” do evento relacional, ajudando a
silenciar a imposição de formas pré-estabelecidas e intencionadas mentalmente pelos
indivíduos (a colonização do movimento), e direcionando a atenção para os potenciais já
imanentes no encontro dos corpos (uma abertura à revelação do movimento a partir dos
maquinismos que se dão no presente) – o que dialoga de muitas formas com a temática do
evento. A Grão Cia de Dança desde 2012 lança um olhar contemporâneo para a Dança de
Salão, investigando o movimento relacional e seu acontecer, para além dos códigos
estabelecidos fortemente nesse gênero, e para além das noções cartesianas de condução
do movimento.

1
https://www.youtube.com/watch?v=R3kmNSioUCg&t=3s
2
https://drive.google.com/file/d/1KDKdNB4TRIx3c3ZM45zZryjSzdGsOLRj/view?usp=sharing
350

CAOSMOLOGIA: DINÂMICA E RECIPROCIDADE1

Diego Winck Esteves2


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação
winckesteves@gmail.com

“Caosmologia: sobre a existência, o apreender e o expressar” é uma aula-


espetáculo realizada pela primeira vez no dia 02 de agosto de 2019, na Faculdade de
Educação da UFRGS. A proposta que aqui se formula é organizada no entorno de duas
noções — dinâmica e reciprocidade —, das sete que compõe aquela aula, sendo portanto
esta performance um fragmento daquela: composição que articula a recente pesquisa de
mestrado, sobre jogo e improvisação, concluída em julho de 2019, e o trabalho com circo
e dança, desdobrado desde 2002. Trata-se de tomar a noção de dinâmica desde sua
compreensão adotada pela Física, em um estudo das forças que movem os corpos, e,
justamente por este caminho, chegar às proposições de Deleuze sobre Nietzsche, entre as
quais destacamos (1976, p.31): “ativo e reativo são as qualidades da força que decorrem
da vontade de potência. Mas a própria vontade de potência tem qualidades, sensibilia, que
são como os vir-a-ser de forças.[...] O estudo completo das forças implica necessariamente
uma dinâmica”. Apresentada com um fragmento coreográfico, que enfatiza os movimentos
articulares e (des)equilíbrios, o estudo da dinâmica nos leva à noção de reciprocidade, no
sentido de experimentações sobre as tensões entre os corpos humanos, corpos das coisas,
espaços e o corpo da terra; assim, passa-se a perspectivar a correlação de forças que há
entre os corpos, com Guattari (2012, p.23), pela via de uma Ecosofia: “tenho a convicção
de que a questão da enunciação subjetiva se colocará mais e mais à medida que se
desenvolverem as máquinas produtoras de signos, de imagens, de sintaxe, de inteligência
artificial... Disso decorrerá uma composição das práticas sociais e individuais que agrupo
segundo três rubricas complementares — a ecologia social, a ecologia mental e a ecologia
ambiental — sob a égide ético-estética de uma ecosofia”. Esta segunda metade da
performace se compõe com fragmentos de pesquisas de movimento a partir do
malabarismo. Por tratar-se de uma aula-espetáculo, a proposta é que possa haver um
momento de conversa após a exposição, e que o espaço se assemelhe a uma sala de aula
ou um auditório.
Com expectativa de duração entre 20 e 25 minutos, a performance necessita de
banco sem encosto, uma vassoura e uma caixa de som amplificada.

1
Sobre a pesquisa de movimento há material neste link:
https://diegoesteves.in/cena/2017/02/10/enquanto-o-novo-espetaculo-nao-vem/; Ênfase no malabarismo:
https://diegoesteves.in/videos/2017/12/27/sujeito-a-objetos/; E um site com notas produzidas pelos público
presente na primeira exposição: http://diegoesteves.in/caosmologia/
2
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS; Linha de pesquisa Filosofias
da Diferença e Educação; com dissertação intitulada “Pesquisa-improvisação: educação em jogo”, sob
orientação do professor Dr. Máximo Adó, com bolsa do CNPq. Graduado em Educação Física pela
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Artista de circo, dança e performance. Portfólio: em
https://diegoesteves.in/ podem ser encontradas maiores informações, com destaque para
https://diegoesteves.in/sala-de-apresentacao/
351

JAMAIS INTERPRETE, EXPERIMENTE

Mauro Tanaka Riyis1


GRECE - UNISO
musicaserveparaisso@gmail.com

Instalação sonora interativa utilizando o conceito de infra-instrumento (tome algo


não instrumental e encontre o instrumento em branco nele). Os visitantes são convidados
a interagir com alto-falantes para produzir som com eles (e não através deles) e outros
objetos do cotidiano.
Desta interação coletiva surgirão peças musicais compostas coletivamente e ao
acaso.
A proposta desta instalação sonora está calcada no processo de experimentar o
fenômeno sonoro se desprendendo da perspectiva representacional da música. O
pensamento dogmático da música europeia, tonal, que dita uma fórmula uniformizante de
sons, forma e significados tornam a audição um componente passivo do ser humano
(temos formado excelentes reprodutores de músicas consagradas do século XIX nos
conservatórios), quando poderia ser um importante componente do pensamento, da
criação e da liberdade.
Duração flexível, uma vez que é um convite aos visitantes explorarem. Minha
sugestão é de 1h de duração para poder termos um rodízio nas interações com os objetos
expostos. Necessita de uma sala; uma mesa grande ou 5 mesas pequenas (carteiras
escolares)

1
Mauro Tanaka Riyis, músico e luthier de cordas convencionais e com um trabalho educativo não
convencional com materiais do cotidiano e sucata. Expôs seu trabalho no II Panorama de Luthieria
Experimental de São Paulo, no Sesc Avenida Paulista e em parques públicos das cidades de Sorocaba, Paulínia
e Santo André.
352

ARTISTA MARGINAL – BICHO N°28 – MEET SPACE1

Raphael Gonçalves de Faria2


Graduando em Artes Visuais -UFU
raphaelfaria@ufu.br

Artista Marginal – Bicho N°28 – Meet Space é fruto da prática cotidiana de se colocar
em programa, zerar-se, abrir-se ao infinito, a escuta do Cosmos. O que se encontra no rolar
dos dados cósmicos são configurações de novas naturezas, novas ecologias, novos corpos.
Natureza Caosmica , como conceitua Guattari, ao citar o exemplo dos polvos do canal de
Veneza, vida que involui na água poluída, artistas da sobrevivência, maquina de guerra, de
fuga, que busca existir nas fissuras de humanização. Escutar os sons da natureza é um gesto
de humildade, ser preenchido de uma pequenez humana ao passo vibra a potencia de ser
bicho. Ser tão bicho, que as terras, os socius, os objetos se tornam corpos. Se tornar corpo,
e pensamento, e sensibilidade, e terra, e borboleta... vem sempre depois de um encontro
com o mundo, de uma experiência impossível. De uma cena construída em meio ao caos.
O vídeo-dança é atravessado por práticas artísticas variadas, copiadas, aglutinadas,
mixadas, adotadas pelo artista como axioma de construção de corpo. Movimento que no
entre do corpo e da cena, onde dilui-se na experiência, que se fecundam os novos corpos
inimagináveis. Busca cotidiana anti-cotidiano, busca de intensidade e de vida. Se involui
por meio do que o mundo nos sopra, suas brisas e seus tornados, onde ser humano é
indiferente. Onde se é bicho, por não se saber o que se é, ser qualquer coisa, ser
movimento.
Com duração de 10: 31 mnutos, necessita de projetor e notebook com entrada usb.

1
https://www.youtube.com/watch?v=5cY_NEICOBo
2
Raphael Faria é graduando em bacharel e licenciatura no curso de Artes Visuais – UFU - Universidade Federal
de Uberlândia. Vinculado ao Grupo “ASFALTO – TEXTURAS ENTRE ARTES E FILOSOFIA”, atualmente
desenvolve sua pesquisa-práxis no campo de estudo da Performance arte e da intervenção urbana, em
atravessamento dos estudos Filosóficos.
353

SCHIZOANALYSIS DEVICES CROSS-SECTIONAL READING OF PSYCHOANALYSIS1

Stella Angel Villegas2


Centre for Studies and Research on Medicine and Art
medicinayarte@hotmail.com

The tear of psychoanalysis is produced by Felix Guattari and Gilles Deleuze. They
call it schizoanalysis, territory of wolves, desiring machines that transform the identity of
cogito ego into a future (it) schizo.
Clinic praxis. Radical mise-en-scene in which nobody remains exempted from
effective offence, the spatial hierarchies become anarchic and speech no longer figures out
the metric of a structured unconscious.
When this happens, the gift of happening “language is stretched to its limits,
towards music and silence”.
Schizoanalysis is a thought of immanence, over-the-top production of the real and
no longer the oedipal triangulation of an expressive unconscious.
Speed transforms the point in line and the divan becomes the tool box, direct entry
in the body of the real.
The abstract machine of schizoanalysis thus becomes an operator of distinctive
synthesis, populating with intensities the flesh regained.
Cases of thoughts. Cases of initiations of abstract blood. Scaffold of escape lines in
immediate connection with the outside. The outside of the inside, cross-cutting rhizomatic
paradoxes that inhabit the desertic zones of desire.
That no place or place created neither above nor beneath but on the wind surface
which offers its hospitality.Text written in 1992.
Duration Schizoanalysis Devices: 18 min; notebook, projector

1
https://www.youtube.com/watch?v=7ynBChrPy4M&feature=youtu.be
ou https://www.youtube.com/watch?v=75Q_NRd8POE&feature=youtu.be
2
Stella Angel Villegas, born in Rosario, is a Schizoanalyst and Plastic Artist who does research and generates
poetic connections between thinking and artistic creation as practices for life, a philosophic-poetic proposal
to create health.
She founded in 1992 and runs the Centre for Studies and Research on Medicine and Art, institution which
provides further insight into the problems of the XXI century, cross thinking and transdisciplinary aesthetics.
She is a pioneer in the Virtual Forum and Sessions for Schizoanalysis.
She is Professor and Consultant on Philosophy.She conducts seminars-workshops and conferences on the
thought of Gilles Deleuze and Felix Guattari in Argentina, Cuba and Lisbon, Portugal.
354

QUE PODE UM PROFESSOR TRANS?1

Coletivo Cronopi@s
UNESP / Rio Claro
roger.miarka@unesp.br
yeyemarch@gmail.com
claudia.scanto@gmail.com

Transdisciplinaridade. Transsexualidade. Tranformação. Uma pessoa transgênero.


Uma transição, Um alimento transgênico. Um transtorno. Transidentidades. Movimentos
de transcendência. Transbordamentos. Usos de trans. Trans-usos.
Trans: sufixo, substantivo ou adjetivo? Trans: modo de ser, deslocador de ideias ou
produtor de vida?
A presente proposta de intervenção emerge de uma das pesquisas do Coletivo
Cronopi@s, que discute a produção de subjetividades em um grupo de mulheres negras,
cis e trans, que assume a presença de corpos dissonantes2 em busca – segundo elas – de
empoderamento por meio da tecnologia e das preocupações do Coletivo em torno de
temas inerentes à Educação.
O tema nos interessa ao perceber que a produção de corpos, sejam eles trans ou
não, envolve diferentes tecnologias, mais ou menos sofisticadas, com destaque para a
produção de sujeitos com a crença de que a determinação das identidades está inscrita em
alguma parte dos corpos.
O Colectivo Cronopi@s buscará, com essa intervenção, esgarçar os limites de
padrões instituídos e da própria crença do corpo como grande elemento identitário junto
à educação, lançando mão da pergunta “que pode um professor trans?” composta com
fragmentos que visam desterritorializá-la da captura de sentido da questão por um único
território identitário. A busca é pela proliferação de discursos. De maneira geral, a
intervenção buscará trabalhar com movimentos de produção junto a discursos circulantes
em diferentes territórios discursivos que operam com o trans.
Será estruturada em duas partes:
Na primeira, a ocorrer durante o primeiro dia do evento, serão entregues a
participantes do evento um envelope com a) a pergunta “Que pode um professor trans?”,
b) um fragmento de discurso (diferente em cada envelope) que apresente um uso
discursivo da palavra trans (na academia, na psicologia, no cotidiano, na teoria dos
conceitos etc.) ou uma imagem e c) instruções para a produção e envio de um vídeo de até
1 minuto operando com os elementos do envelope para um numero de telefone, que
receberá as contribuições. Trata-se de um convite de navegação pelas fissuras do visível de
diferentes códigos misturados, materializado em um envelope com discursos já circulantes,

1
O Coletivo Cronopi@s é um grupo – de pesquisa, de estudo, de extensão, de amigos.– habitante da
Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro, que tem buscado operar com a Filosofia da Diferença
em investigações junto a comunidades em condição de vulnerabilidade social, promovendo a diferença como
produtora de conhecimento. Nessa perspectiva, vale-se de elementos da Arte e da Etnomatemática e da
Filosofia e da Educação Matemática e..., não como um fim em si mesmo, mas como meios para lidar com as
urgências das comunidades com que trabalha em pesquisas intervencionistas.
2
Corpos dissonantes chamaremos aqueles que se desviam da norma, interrompem uma linha de
continuidade, que pela própria existência se afastam de padrões de beleza idealizados, estética e eficiência
propostos pelas sociedades ocidentais contemporâneas.
355

mas também com a possibilidade de operar com novos mundos.


Na segunda, a ocorrer no segundo ou terceiro dia do evento, haverá a apresentação
de um vídeo composto pelas produções encaminhadas, que pode ocorrer de maneira
intermitente em algum espaço de passagem do evento durante todo um período (o que
seria preferível) ou em horário fixo agendado previamente.
Entendemos que tal intervenção está de acordo com a proposta do evento ao
propor a produção coletiva junto a um tema contemporâneo, que visa tencionar
concepções identitárias de humanidade que envolvem corpo e educação, em meio a
conjurações de usos consagrados da partícula trans.
O material será todo disponibilizado pelo Coletivo Cronopi@s, sendo necessário
apenas o equipamento para a projeção do vídeo final, que envolve um espaço com um
telão, um computador, caixas de som e um projetor.
356

LAGO1

Amanda Maurício Pereira Leite2


Universidade Federal do Tocantins (UFT)
amandaleite@mail.uft.edu.br

Renata Ferreira da Silva3


Universidade Federal do Tocantins (UFT)
renataferreira@mail.uft.edu.br

A série fotográfica Lago, realizada em 2017 na cidade de Palmas, capital do


Tocantins, propõe tomar a imagem fotográfica com lugar de acontecimento no sentido
deleuzeano. Um modo de pensar, de ter ideais, aberturas, experimentações,
estabelecendo conexões imprevistas com outras forças vitais. O acontecimento é o próprio
sentido. As fotos propõem acontecimentos, geram singularidades, mexem com o evento,
com a ordem do evento. O acontecimento está sempre em devir. As fotografias operam
como meio, rizoma, travessia, conversações. Não há ordem de leituras e de invenções,
tampouco existe uma palavra última. Estamos diante da contaminação, do múltiplo, da
linha de fuga, aquilo que escapa ao mesmo tempo em que se deseja narrar, pegar, ver,
pensar e...
Lago é uma depressão natural na superfície da Terra que contém uma quantidade
variável de água. Água da chuva, água de nascente, água dos rios que vazam nestas
depressões. A quantidade de água de um lago depende do clima de cada região. No
Tocantins, um dos estados de temperaturas mais elevadas do Brasil, os lagos são
alternativas para refrescar o calor intenso. A série fotográfica surge como uma provocação
ao mês de setembro, um dos meses mais quentes neste estado. É possível tomar conceitos
deleuzeanos como acontecimento, diferença e repetição para tencionar nossos
atravessamentos cotidianos? Se todo começo é um tipo de retorno, aqui, o espelho propõe
olhar as fotografias mais de uma vez, examiná-las, estabelecer jogos entre as coisas,
suspender o tempo e quiçá compartilhar a poesia, pensamento em devir. O reflexo não
representa, arrisca, produz diferença e repetição. Quer lançar a paisagem de tons pastéis
às margens de um lago. Que lago? Lago de palha que flutua. Ilha de tempo. Constelação de
pensamentos, intensidades e sentidos. Assim, a construção de sentidos envoltos no devir
pode se dar a partir da multiplicidade do real e do conhecimento que temos das coisas.
Não se trata de imitar o outro, mas, entregar-se ao momento, abandonar as significações
e experimentar a vida e seus múltiplos. Poderíamos pensar em um tipo de encontro entre
o ser humano e a coisa (série fotográfica) em que não há um centro fixo, mas uma

1
https://www.amandaleite.com.br/lago / https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=9nb--
zcOqMI
2
Amanda M. P. Leite – Fotógrafa. Pós-Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora
e Pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade e no curso de Pedagogia da
Universidade Federal do Tocantins (UFT). www.amandaleite.com.br
3
Renata Ferreira da Silva - Atriz. Pós-Doutora em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora e
Pesquisadora no curso de Teatro da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
www.renataferreiraatriz.com.br
357

potencialidade de forças que se conectam e se separam abrindo passagem a outras. A


personagem nos conduz para uma árvore. Observa os arredores. Vê o horizonte. Deseja a
vastidão, o infinito. Oásis cristalino, profundo. O solo árido e o ardor das queimadas nos
pedem (enquanto artistas e pesquisadoras) um tipo de performanence, resistência.
Miragem. Efeito óptico para além de um desvio de luz nos objetos. Sabor de água doce.
Frescor. No tempo de cada fotografia as coisas se transformam. Ar. Memória. Cheiro.
Poeira colorida colorante da estação. Cada fotografia inaugura o lugar do olhar. Abertura.
Leitura. Distorção. Deslocamento. Talvez este exercício seja também uma possibilidade de
conectar Deleuze e corpo e cena e máquina e…
Por ser uma exposição fotográfica basta suporte para exposição. O ideal é colocar
as imagens em lugares de passagem, no meio dos corredores do evento. Serão impressões
em voal/tecido e a experiência está justamente no espaço do entre, no cruzar uma imagem
e outra. Se for possível (pelo menos para a abertura) uma caixa de som média para colocar
alguns sons em mp3.
358

DESCARGA DE AFETOS: ESQUIZOARTEZANDO EM BANHEIROS

Peterson Rigato da Silva1


UNESP-Rio Claro / UNIMEP
petersonrigato@gmail.com

Claudia Seneme Canto2


UNESP-Rio Claro / UNIMEP.
Claudia.scanto@gmail.com

O banheiro é um território de expressão, embora seja limitado aos estigmas e


divisões sociais, ele ultrapassa a ideia de ser o local das necessidades fisiológicas de cada
sujeito e passa a ser um território de manifestações de afeto, injúrias sociais, cuidado de si
e desabafo. Na maior parte das vezes as pessoas vão ao banheiro para aliviar alguma
sobrecarga cotidiana, no entanto, ao mesmo tempo vê-se na separação pela denominação
dos banheiros em: masculino e feminino, uma contradição da ideia de esvaziamento para
uma outra que corrobora com o engessamento das ideias de identidade de gênero. O que
aponta para a dinâmica do cotidiano e dos espaços e tempos dos banheiros como
marcadores de uma única visão, principalmente quando reforçamos com a visão binária de
mundo, de uma sociedade escravista, patriarcal e machista. Desta forma, transcendendo
as barreiras sociais e desconstruindo cada uma delas, neste trabalho-instalação,
procuramos mostrar olhares de pessoas que passaram pelo banheiro, de modo a vazar as
barreiras identitárias e de gênero, formando um íntimo território de expressão chamado
"banheiro".

1
Doutorando em Educação UNESP-Rio Claro; Pedagogo e mestre em educação pela UNICAMP; Diretor de
EMEI em Piracicaba-SP; Professor do curso de Pedagogia da UNIMEP; membro do FPEI.
2
Doutoranda e mestra em Educação na UNESP-Rio Claro; Professora do Curso de Comunicação da UNIMEP.
359

CORPOGRAFIAS EM TEMPOS DE SOBREMODERNIDADE: TECER PROTOCOLOS PARA UM


HABITAR SENSÍVEL-POÉTICO1

Antonio Carlos Queiroz Filho2


Universidade Federal do Espírito Santo
queiroz.ufes@gmail.com

Está em questão o habitar como estado de presença e de experiência, seja ele do


corpo ou da cidade, em virtude dos processos cada vez mais recorrentes que pautam a vida
citadina contemporânea, a saber, a indiferença, a previsibilidade, o automatismo, dentre
outras. Intenta-se, portanto, realizar experimentações corporais que provoquem um
aumento do estado perceptivosensorial para fins de reflexão sobre os referidos processos
de captura do sensível oriundos dos movimentos cotidianos realizados numa grande
cidade.
A proposta central do evento (experimentação e propagação de conexões
produzidas nas múltiplas esferas de nossa vida contemporânea) me é amparo conceitual e
imaginativo na medida em que as reflexões oriundas da proposta de performance também
estão pautadas na mesma esteira, tanto do ponto de vista do aporte filosófico, quanto das
questões e problemáticas sobre a vida contemporânea. De modo mais específico, Habitar
como estado de presença, para tornar a imprevisibilidade uma potência criadora de vida.
Criação como desaprendizagem, desinvenção, descomeço. Habitar, portanto, não como
verbo, mas como delírio do verbo. Habitar, com os outros, as palavras. Habitar com as
palavras. Habitar de palavras. Como quem habita o corpo, o próprio corpo. Corpo como
linguagem. Habitar o corpo. Tornar o corpo hábito. Repetição e diferença. Avesso do
avesso. Forma, reforma, deforma, informa. Protocolo animal, que faz tremer a carne e o
pensamento. Pensamento dígrafo: dois que vira um. Zona de indiscernibilidade. Devir.
Intimidade.
Com expectativa de duração de 30 minutos, a performance necessita de caixa de
som, computador e projetor.

1
Corpo-Escrita: https://youtu.be/DtEwmiWfjcQ; Corpo-Palavra: https://youtu.be/v5wSfVi0qpQ; Corpo-Pele:
https://youtu.be/MbVL4W8lbQA; Corpo-Escuta: https://youtu.be/CAtosr7nxZE; Corpo-Imagem:
https://youtu.be/Y94bTGt8Lvo
2
Professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Geografia, Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Grupo de Pesquisa
RASURAS – Geografias Marginais (Linguagem, Poética, Movimento). Doutor em Geografia pela Universidade
Estadual de Campinas - UNICAMP (2009) onde desenvolveu tese sobre o tema Geografia e Cinema; Pós-
Doutorado pela Universidade do Minho, em Braga, Portugal (2017/2018), onde desenvolveu pesquisa sobre
o tema Geografia e Dança. Desenvolve pesquisas em Epistemologia da Geografia Humana Contemporânea e
da Nova Geografia Cultural, com ênfase nos estudos sobre a Geografia da Diferença (Estudos Deleuzianos e
pós-estruturalismo) e seus desdobramentos nos temas: Paisagem na relação linguagem experiência-
sensibilidade a partir do cinema, literatura e dança; Imagem da Cidade, Videografias, Geoetnografias e
Corpografias Urbanas; Imaginação Espacial e Política das Imagens.
Destaques: 2018 - III Encuentro Latinoamericano de Investigadores sobre Cuerpos y Corporalidades (Seleção
Oficial. Vídeo: Corpo-Paisagem); 2019 - Ciudanza 2019 - 10 Encuentro de Danza em Paisajes Urbanos de
Buenos Aires (Pesquisador-Artista Selecionado); 2019 - Muestra Movimiento Audiovisual, México. (Seleção
Oficial. Vídeo: Carne e Pedra); 2019 - VII Fiver (International Screendance Movement) / BAC Madrid – Bienal
de las Artes del Cuerpo, Imagen y Movimiento de Madrid) (Pesquisador-Artista convidado)
360

SOBRE OS ORGANIZADORES:

Sílvio Gallo
Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1986),
mestrado em Educação (1990), doutorado em Educação (1993) e livre docência em
Filosofia da Educação (2009), todos pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente
é Professor Titular (MS-6) da Universidade Estadual de Campinas. Desde 2007 é bolsista
produtividade do CNPq. Membro de diversas associações científicas do campo da Filosofia
da Educação no Brasil e no exterior, foi Presidente da SOFIE - Sociedade Brasileira de
Filosofia da Educação entre 2014 e 2018. É co-editor da Revista Fermentario, publicada
pela FFyH da Universidad de la República (Uruguai) e pela FE-Unicamp. Editor Chefe da
Revista Pro-Posições, da Faculdade de Educação da Unicamp. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Filosofia da Educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: filosofia francesa contemporânea e educação, ensino de filosofia, filosofia e
transversalidade, anarquismo e educação.

Marcelo Vicentin
Pós-Doutorando em Educação (2018), Doutor em Educação (2018) e Mestre em Educação
(2013) pela Universidade São Francisco (USF); Especialista em Mídias na Educação (2012)
pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Bacharel em Cinema (1995) pela
Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP), Licenciado em Língua Portuguesa pela
Faculdades Integradas Teresa Martin (2003). Experiência na área de Educação, com ênfase
em temas como: currículo, práticas culturais, educação de jovens e adultos e filosofia
contemporânea. Pesquisador dos grupos de pesquisa Phala (Pesquisa em Educação,
Linguagem e Práticas Culturais), Transversal e GPEFE (Estudos Foucaultianos e Educação),
com enfoque em discussões que atravessam educação, subjetividade, na perspectiva da
filosofia contemporânea.

Mirele Corrêa
Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Graduada
em Pedagogia pela Universidade Regional de Blumenau - FURB (2012). Mestre em
Educação pela Universidade Regional de Blumenau - FURB (2017). Integrante do Grupo de
Pesquisa Políticas de Educação na Contemporaneidade, da Linha de Pesquisa "Educação,
Cultura e Dinâmicas Sociais" (FURB) e do Grupo PHALA - Educação, Linguagem e Práticas
Socioculturais, da Linha de Pesquisa "Filosofias da Diferença" (UNICAMP). Pesquisa a
produção de subjetividades na escola contemporânea, com foco nas políticas de currículo
neoliberais e a produção de violências a partir de uma perspectiva pós-crítica.

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