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A MAIS BREVE HISTÓRIA DA CHINA

LINDA JAIVIN

A MAIS BREVE
HISTÓRIA DA CHINA

Tradução:
João Van Zeller
Título: A Mais Breve História da China
Título original: The Shortest History of China
© 2021, Linda Jaivin e Publicações D. Quixote
Publicado pela primeira vez em língua inglesa por Black Inc.,
uma chancela da Schwartz Books.
Publicado em Portugal com o acordo de International Editors’ Co.

Edição: Duarte Bárbara


Tradução: João Van Zeller
Revisão: Margarida Campos

Design de capa: James Nunn


Adaptação da capa: Rui Rosa
Fotografia da autora: Direitos reservados
Conceção de paginação: Dennis Grauel
Mapas e ilustrações: Alan Laver
Índice: Kerry Anderson e Linda Jaivin
Paginação: Paulo Sousa
Impressão e acabamento: Guide Artes Gráficas, Lda

1.ª edição: junho de 2022


ISBN: 978 -972-20-7502-2
Depósito Legal n.º 499 350/22

Publicações Dom Quixote


[Uma editora do Grupo Leya]
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610 -038 Alfragide – Portugal
www.leya.com

Este livro segue o Acordo Ortográfico de 1990.


Reservados todos os direitos, de acordo com a legislação em vigor.
ÍNDICE

Introdução 13

1. Origens: Um Ovo Choca e Uma Civilização Nasce 23


2. Os Zhou: Do Governo Ideal aos Estados
Combatentes 32
3. Os Qin: Unificação, Tirania, e Tudo sob o Céu 43
4. Os Han: Intriga, Inovação e Um Breve Interregno 52
5. A Grande Desunião: Três Reinos, Duas Mulheres
Guerreiras, Sete Sábios e Um Pó com Cinco
Minerais 65
6. Os Tang: Da Idade do Ouro à Tristeza Eterna 78
7. Os Song: Protossocialistas, Neoconfucianos e Vida
Urbana 94
8. Os Yuan Mongóis: Do «Massacre Glorioso» à
Cidade Esplêndida 110
9. Os Ming: Esplendor e Decadência 119
10. Os Qing Manchus: O Caminho Acidentado para a
Modernidade 137
11. A República: Grandes Esperanças e Traições
Violentas 164
12. Invasão Japonesa e Guerra Civil: Desintegração
da República 178
13. Os Anos de Mao: Revolução Contínua 195
14. A Era da Reforma: A Prosperidade e os Seus
Descontentes 224

7
A mais breve História da China

15. A Nova Era de Xi Jinping: A Ascensão dos Lobos


Guerreiros 250

Agradecimentos 268
Leituras Adicionais 272
Notas 275
Lista de Imagens 291
Índice Remissivo 293

8
xxxx

Em memória dos meus pais, Lewis e Naomi Jaivin,


que me encorajaram a estudar o que quer que me interessasse.
E o que me interessava era a China.

9
A mais breve História da China

PERÍODO PALEOLÍTICO
(há 2,5milhões de anos)

PERÍODO NEOLÍTICO Imperador Amarelo e Imperador do Fogo


(10 000-2070 a.C.) (c. 2852 a 2070 a.C.)

PERÍODO ARCAICO Dinastia Xia (2070-1600 a.C.)


(2070-221 a.C.)
Dinastia Shang (1600-1050 a.C.)

Dinastia Zhou, Ocidental e Oriental,


incluindo o Período dos Estados Combatentes
(1050-221 a.C.)

PERÍODO IMPERIAL Dinastia Qin (221-206 a.C.)


(221 a.C.-1911 d.C.)
Dinastia Han Ocidental (202 a.C.- 8 d.C.)
Dinastia Han Oriental (25-220 d.C.)

Os Três Reinos e a grande desunião


(c. 208-265)

Dinastia Jin (266-420)


Os Dezasseis Reinos (304-439)

Dinastias do Norte e do Sul (439-581)


Dinastia Sui (518-618)

Dinastia Tang (618-907)

Cinco Dinastias e Dez Reinos (907-979)


Dinastia de Khitan Liao (907-1125)

Song do Norte (960-1127), Dinastia Jurchen Jin


(1115-1234), Song do Sul (1127-1279)

Dinastia dos Yuan Mongóis (1271-1368)

Dinastia Ming (1368-1644)

Dinastia dos Qing Manchus (1644-1911)

PERÍODO República da China (no continente, 1912-1949);


CONTEMPORÂNEO em Taiwan, 1949-)
(1912-atualidade)
República Popular da China (1949-atualidade)

As lacunas e sobreposições de datas representam períodos de caos, rebelião


e divisão. As datas anteriores aos Han são aproximadas.
10
xxxx

Homem de Pequim Primeiros aborígenes da Austrália (há 50 000 anos)

Civilização do Rio Amarelo Stonehenge (c. 3000 a.C.)


Grande Pirâmide de Gizé (c. 2680 a.C.)

Ossos dos oráculos Extinção dos mamutes (c. 1650 a.C.)

I Ching Buda, Platão, Aristóteles, Sócrates


A Arte da Guerra
Confúcio, Mêncio, Laozi, Hanfeizi

Unificação

Invenção do papel, da bússola e da impressão em Pedra de Roseta (196 a.C.)


blocos de madeira, Rotas da Seda, Rebelião de Império Romano (27 a.C.-476 d.C.)
Wang Mang (8-25 d.C.)
Batalha do Penhasco Vermelho (208)

Reunião no Pavilhão da Orquídea (353) Civilização Maia Clássica

Grande Canal Idade Média


Maomé (571-632)

Difusão do budismo Civilização viking


Época de ouro da poesia Império do Gana
Rebelião de An Lushan (755-763)

Ligamento dos pés Dinastia Goryeo (Coreia)


Batalha de Hastings (1066)

Neoconfucionismo, urbanização Época de ouro do Islão, Cruzadas

Kublai Khan, Marco Polo Renascença europeia

Cidade Proibida Império inca


Época de ouro do romance Época das descobertas
Explorações marítimas de Zheng He

Conquista de Xinjiang e do Tibete, Guerras do Ópio Iluminismo, época do imperialismo e do colonialismo

Reforma dos Cem Dias, revolução republicana Revolução Industrial

Época dos Senhores da Guerra, invasão japonesa Primeira Guerra Mundial, fundação da União
e resistência, guerra civil Soviética, Segunda Guerra Mundial

Grande Salto em Frente, Revolução Cultural, morte Guerra da Coreia, Guerra Fria, dissolução
de Mao, época da reforma de Deng Xiaoping, da União Soviética, 11 de Setembro, pandemia
«Nova Era» de Xi Jinping. de COVID-19.

11
RÚSSIA

CAZAQUISTÃO

HEILONGJIANG

MONGÓLIA
UZBEQUISTÃO JILIN
QUIRGUISTÃO MONGÓLIA INTERIOR MAR
DO
TADJIQUISTÃO LIAONING JAPÃO

ÃO
COREIA DO NORTE

IST
XINJIANG Rio Amar Pequim

AN
elo

EG
AF
Tianjin
PAQUISTÃO HEBEI
CAXEMIRA COREIA DO SUL
SHANXI SHANDONG
NINGXIA

12
Grande MAR
QINGHAI AMARELO
Canal JAPÃO
Xi’an JIANGSU
GANSU
TIBETE SHAANXI HENAN
ANHUI
Xangai
HUBEI
SICHUAN Rio Yangtzé Wuhan Hangzhou MAR DA CHINA
NEPAL Chongqing ZHEJIANG ORIENTAL
A mais breve História da China

BUTÃO JIANGXI
HUNAN

GUIZHOU FUJIAN
ÍNDIA
BANGLADESH TAIWAN
YUNNAN
GUANGDONG
GUANGXI Guangzhou
MAR
HONG KONG DAS
MYANMAR VIETNAME MACAU FILIPINAS

0 500 milhas MAR DA CHINA


LAOS
MERIDIONAL
0 500 km HAINAN
TAILÂNDIA FILIPINAS
Introdução

INTRODUÇÃO

Não existe nenhum sortilégio chinês que obrigue a população


a «viver em tempos interessantes». De qualquer forma, seria re-
dundante. A história da China está cheia de personagens maio-
res do que a vida, argumentos filosóficos e intrigas políticas,
conflitos militares e convulsões sociais, invenções artísticas e
inovações tecnológicas.
Avança em rodopios, viragens, saltos e retrocessos. Os regis-
tos históricos chineses são antigos e profundos, abrangendo pelo
menos 3500 anos. Os seus temas e ensinamentos, bem como
as memórias de feridas e triunfos, estão presentes na vida, lín-
gua, cultura e política da China contemporânea. O papel cada
vez mais importante que a República Popular da China (RPC)
desempenha nas questões globais torna fundamental um co-
nhecimento dessa história, pois ela é fundamental para a com-
preensão da China atual.
Veja-se, por exemplo, a insistência do Partido Comunista da
China (PCC) na afirmação de que Hong Kong e Táiwān, junta-
mente com o Tibete, Xīnjiāng e as ilhas do Mar da China Meri-
dional são parte da China. A intensidade com que o PCC promove
a «unificação» tem origem na humilhação e na semicolonização
da China pelas potências imperialistas no século xix, e na guerra
civil do século xx. Relaciona-se também com os períodos violen-
tos de divisão que ocorreram há pelo menos dois mil anos, mas
deixaram a sua marca na psique nacional. O facto de a primei-
ra grande unificação, em 221 a.C. – que envolveu também a

13
A mais breve História da China

ambiciosa padronização de pesos e medidas e a linguagem escri-


ta – ter sido acompanhada por uma grande tirania, faz também
parte do complexo legado desta história.
Nada na China é em pequena escala. Com cerca de 1,4 mil
milhões de pessoas, a RPC tem a maior população do mundo –
quase uma em cada cinco pessoas na Terra (sem contar com mais
quarenta e cinco milhões de pessoas em todo o mundo que se
identificam como chineses). Com 9,3 milhões de quilómetros
quadrados, ocupa a terceira maior massa terrestre de qualquer país,
depois da Rússia e do Canadá, e tem fronteiras com catorze paí-
ses. A RPC é o país com mais transações comerciais do mundo, e
a segunda maior economia, uma potência industrial e militar que
se afirma de forma crescente, com um exército maior do que qual-
quer outro exército nacional. Desempenha um papel cada vez mais
importante nas instituições globais e nas questões internacionais.
A Nova Rota da Seda* da RPC, com um investimento na
ordem dos triliões de dólares – que envolve projetos em países
tão distintos como o Afeganistão, o Equador, o Bahrein, a Bul-
gária, a Etiópia e o Vietname – é o projeto global de constru-
ção de infraestruturas mais ambicioso da história. Os projetos
internos são muitas vezes igualmente grandiosos, envolvendo a
construção de barragens gigantes, o estabelecimento de sistemas
de vigilância ou a criação da mais extensa ligação de alto mar
do planeta, a ponte com 55 quilómetros que liga Hong Kong,
Zhūhӽi e Macau. A RPC é também líder nas áreas da inteligên-
cia artificial, das tecnologias ambientais e das infraestruturas de
redes de comunicação, e pretende tornar-se líder mundial nas
áreas da ciência e da tecnologia até 2050.
A ascensão da República Popular da China suscitou uma série
de reações no estrangeiro, incluindo preocupações relacionadas

* Em inglês, Belt and Road Initiative (BRI).

14
Introdução

com as operações de influência política e as violações dos direi-


tos humanos. A insistência de Pequim [Běijīng] de que a sua
definição de direitos humanos é diferente da do Ocidente não
tranquiliza os seus críticos. Embora o PCC afirme falar em nome
dos 1,4 mil milhões de cidadãos chineses, a história tornou claro
que as gentes deste grande país sempre tiveram um leque varia-
do de perspectivas intelectuais, filosóficas, políticas e culturais.
A China é diversa em muito aspectos. Embora mais de 90
por cento da população seja de etnia han, o resto pertence a cin-
quenta e cinco outros grupos étnicos, incluindo uigures, mongóis
e tibetanos. Muitos falam línguas distintas e conservam as suas
próprias práticas religiosas e culturais, apesar da pressão para a
assimilação. Os Han podem também identificar-se com dife-
rentes culturas e subculturas regionais, e falar dialetos distintos
e mesmo mutuamente ininteligíveis, incluindo xangaiês e can-
tonês – este último com mais falantes (mais de sessenta e dois
milhões) do que o italiano. A língua nacional, o pԃtōnghuà, por
vezes designado mandarim, é uma língua construída. O próprio
Ministério da Educação da RPC reconheceu em 2013 que a lín-
gua era falada como língua materna por menos de 10 por cento
da população, e mal compreendida por 30 por cento, embora
tivesse como objetivo mudar essa situação.1
A população do Norte prefere trigo e a do Sul arroz, mas
nem sempre; alguns chineses nunca utilizam malagueta, en-
quanto outros não podem cozinhar sem ela. Os habitantes de
Pequim dizem que os de Xangai são mercantis e mesquinhos; os
de Xangai retorquem que os de Pequim têm bom coração mas
são rústicos. Todos os estereótipos desaparecem perante a diver-
sidade chinesa. A população da RPC inclui gente que se dedica
à agricultura de subsistência e multimilionários internacionais,
monges budistas e proprietários de locais de diversão noturna,
feministas militantes e patriarcas severos, artistas de vanguarda

15
A mais breve História da China

e engenheiros aeroespaciais, pastores de iaques e produtores de


cinema de animação, ativistas pró-democracia e comunistas
leais. Podem viver em torres de apartamentos, casas com pátios
idênticas desde há 2000 anos, moradias de estilo europeu, ca-
sas comunitárias, palafitas, iurtes ou mesmo grutas adaptadas.
Podem ser entusiastas da Ópera de Pequim, de ópera ocidental,
música punk, vocal, canto pop, xadrez, jogos de vídeo, teleno-
velas coreanas, caligrafia, fotografia, dança de salão, dança do
leque, de todas essas coisas ou de nenhuma.
A paisagem fortemente urbanizada das vinte e três províncias
e das cinco «regiões autónomas» da China (Guӽngxī, Mongólia
Interior, Tibete, Níngxià e Xinjiang) é tão variada como a sua
população, indo de estepes geladas a ilhas tropicais, selvas, de-
sertos, terras agrícolas férteis, montanhas altas e planícies baixas
inundáveis. A RPC tem várias das cidades mais populosas da
Terra. Os seus quatro municípios classificados como províncias
incluem Chóngqìng, com mais de trinta milhões de habitantes,
e Xangai [Shànghӽi], com mais de vinte e seis milhões. Além do
Yangtzé – o terceiro rio mais longo do mundo – seis dos prin-
cipais rios da Ásia têm origem no Tibete: o Indo, o Ganges, o
Bramaputra, o Irrauádi, o Salween e o Mekong. A construção
de barragens a montante, as minas e os projetos de irrigação, e
mesmo a florestação do Planalto Tibetano, têm implicações para
a segurança hídrica de quase metade da população mundial.
A promessa feita pelo Presidente Xi Jinping às Nações Unidas,
em Setembro de 2020, de que a China reduzirá as suas emis-
sões de carbono para zero até 2060 poderá, se for cumprida,
contribuir para o combate às alterações climáticas e determinar
o futuro do planeta.

16
Introdução

Um discípulo perguntou certa vez a Confúcio (551-479 a.C.)


qual seria a primeira coisa que faria se estivesse no poder. Con-
fúcio respondeu: «Retificar as designações.» E explicou: «Se as
designações não estiverem corretas, se não corresponderem às
realidades, a linguagem não tem sentido. Se a linguagem não
tiver sentido, torna-se impossível actuar – e portanto, toda a
atividade humana se desintegra e a sua gestão torna-se inútil e
impossível.»2
A primeira referência ao nome «China» numa língua euro-
peia é num texto espanhol do século xvi.3 A palavra tem origem,
aparentemente, na antiga dinastia Qin (221-206 a.C.), através
do sânscrito चीन (cīna) e do japonês ‫ݒ‬ъ(shina). Em chinês,
a expressão mais comum para China, no sentido de nação, é
Zhōngguó Ѕл(Ѕмem caracteres simplificados – dos quais
falarei mais adiante. Esta expressão tem 3000 anos, constan-
do da antiga compilação de poesia e cantigas, o Livro das Odes.
Zhōng Ѕsignifica meio, ou centro. O segundo caracter, guóл,
contém uma boca,k΅u ‫ט‬, que representa o povo, e um punhal-
-machado, gē ᛻, que significa defesa, no interior de um recinto,
wéi 帤. Guo referia-se originalmente a uma cidade fortificada, e
apenas mais tarde acabou por significar reino e finalmente um
Estado-nação. Embora Zhongguo seja com frequência traduzi-
do como «Reino do Meio», zhong referia-se originalmente ao
centro do reino ou da cidade, em vez de sugerir que o próprio
reino se encontrava no centro do mundo.
Outra forma frequente de referir a China é Zhōnghuá Ѕ
‫ܓ‬. Huá ‫ܓ‬pode significar esplendor, brilho ou prosperida-
de. Era o nome de uma das duas antigas tribos que viviam
ao longo do Rio Amarelo, da qual os chineses han afirmam
descender. Zhonghua é menos um território específico do que
uma civilização, englobando ideias de mito, lenda, história e
cultura. Abrange um mundo chinês mais alargado, que irradia

17
A mais breve História da China

do continente, de Taiwan e de Hong Kong para as comunida-


des na diáspora, de Camberra a Kuala Lumpur, de Singapura
ao Senegal. Embora existam outras expressões que significam
China, pode dizer-se que a ideia de China está algures entre
Zhongguo e Zhonghua. Os mapas dos limites que aparecem
neste livro não são os da RPC, mas sim do território que é
agora ou foi em tempo parte de algo entendido como Zhon-
gguo ou Zhonghua.
Ao longo da maior parte da história, as pessoas identificaram-
-se com a sua dinastia – como homens ou mulheres de Táng,
por exemplo, e não como «chineses». Só depois de uma revo-
lução republicana ter derrubado a última dinastia, a Qing, em
1911, é que o país incorporou a palavra «China» no seu nome.
Tanto a República da China, fundada em 1911, como a Repú-
blica Popular da China, posterior a 1949, utilizam Zhonghua e
não Zhongguo para referir a China.
Confúcio também pretendia que o princípio conhecido
como retificação das designações indicasse quem tinha o pri-
vilégio de falar. Comecei a estudar a história e a língua chi-
nesas há mais de quarenta anos, e tenho vivido e viajado du-
rante longos períodos na China continental, em Taiwan e em
Hong Kong. Embora não seja chinesa, sinto-me encorajada
pelas palavras do historiador Liú Xù (887-947), que retirou
do xadrez esta lição sobre a escrita da história: «Aqueles que
participam no jogo vêem menos claramente do que aqueles
que o observam do exterior.»4
Existe controvérsia em torno de muitos acontecimentos e
figuras da história da China. Confúcio promoveu a moderação
em todas as coisas e uma hierarquia social rígida. Será que as
suas ideias asseguraram a estabilidade e a continuidade da civi-
lização chinesa, ou impediram a China de progredir? Os pen-
sadores chineses têm debatido apaixonadamente as ideias de

18
Introdução

Confúcio durante milhares de anos. Farei o meu melhor para


representar de forma adequada, ou pelo menos para assinalar
a existência, de diversas perspetivas nesta e noutras questões.
Alguns leitores poderão considerar isso inconveniente, do pon-
to de vista político, ou agressivo. A minha lealdade é para com
a verdade histórica, tal como a entendo.
Para transcrever as palavras e nomes chineses neste livro, uti-
lizo o hànyԃ pinyin, o sistema oficial de romanização da RPC,
exceto nos casos em que uma ortografia mais antiga seja mais
familiar para os leitores – Confúcio em vez de Kongzi, Sun Yat-
-sen em vez de Sūn Zhōngshān, Chiang Kai-shek em vez de
Jiӽng Jièshí, Rio Yangtzé e Rio Amarelo em vez de Chángjiāng
e Huáng Hé, e I Ching para o antigo livro de adivinhação Yì
Jīng, por exemplo. Utilizo Dào Dé Jīng, em vez do talvez mais
comum Tao Te Ching para o clássico daoista («Taoista»), por
estar mais próximo da pronúncia real; o mesmo acontece com
Sūnzӿ em vez de Sun Tzu para o autor de A Arte da Guerra. nb.
Os termos «chanceler» e «primeiro-ministro» designam ambos
o principal ministro na corte de um imperador.
O chinês é uma língua tonal. A tonalidade com que as pala-
vras são pronunciadas faz parte do significado. Quando utilizo o
pinyin, acrescento sinais diacríticos para indicar os quatro tons
do putonghua na primeira ocasião em que surge uma palavra,
bem como no índice, onde se encontram também os caracteres
chineses para os nomes dos indivíduos.
O pinyin é um guia relativamente simples sobre a pronúncia
para falantes de línguas europeias, com algumas particularidades:
X (como em Xi Jinping) é pronunciado como sh; C (como em
Cáo Cāo) é pronunciado como ts; Q (como em dinastia Qin)
é pronunciado como ch; Zh (como em Zhōu Ēnlái) é pronun-
ciado como um j, mas com a língua enrolada quase até ao céu
da boca; e Z (como em Zūnyì) pronuncia-se ds.

19
A mais breve História da China

Quando o PCC ascendeu ao poder em 1949, menos de um


quarto da população sabia ler ou escrever. Para promover a al-
fabetização, simplificou muitos dos 10 000 caracteres mais co-
muns, incluindo alguns dos 2000 a 3000 caracteres necessários
para uma literacia básica. Eu utilizo as formas tradicionais e
complexas até 1949, e as formas simplificadas a partir daí – ex-
ceto no que se refere a Taiwan e Hong Kong, onde as formas
complexas são ainda utilizadas.
Os apelidos chineses surgem antes dos nomes próprios. Aì é
o apelido do artista Aì Wèiwèi, e Sīmă o apelido do antigo his-
toriador Sīmӽ Qiān. Estudiosos, escritores e imperadores eram
normalmente designados por vários nomes ou títulos ao lon-
go da sua vida. Para evitar confusões, opto pelos mais comuns,
identificando os imperadores pelos títulos do seu reinado («o
imperador Quiánlóng»), utilizo «Senhora» para as concubinas
imperiais (esposas secundárias) de diferentes níveis, e refiro-me
aos autores pelos seus pseudónimos.

1.º Tom

om
2.º T

4.º
To
m

3.º
Tom

A forma do sinal diacrítico corresponde aproximadamente ao tom do


Putonghua – alto e estável para o primeiro tom, subindo para o segun-
do, e assim por diante.

O termo «China» e o adjetivo «chinês» referem-se aqui so-


bretudo à China num sentido histórico ou cultural: a China
da dinastia Tang, ou a caligrafia chinesa, por exemplo. Utilizo

20
Introdução

a sigla «RPC» ao referir-me especificamente à República Popu-


lar da China, e «China continental» para indicar a parcela do
mundo chinês que o PCC tem governado diretamente desde
1949. «Hong Kong» significa o território que engloba a ilha
de Hong Kong, Kowloon e os Novos Territórios, conhecidos
formalmente como a Região Administrativa Especial de Hong
Kong da República Popular da China. «Taiwan» designa a en-
tidade geográfica e política que oficialmente se designa a si pró-
pria como República da China, e que o PCC insiste que deve
ser designada como Taiwan, China.
Uma nota: o s em «Grandes Muralhas» e «Rotas da Seda»
não é um erro tipográfico. As grandes muralhas são uma série de
fortificações não contínuas e por vezes paralelas, construídas ao
longo de períodos históricos distintos. Da mesma forma, existi-
ram várias rotas comerciais da seda e de outras mercadorias em
tempos antigos, incluindo uma também conhecida como Rota
do Chá, com origem no sudoeste da China, onde o chá foi cul-
tivado pela primeira vez.
Ao escrever uma história concisa da China, uma pessoa sensa-
ta poderia centrar-se em alguns temas e personagens fundamen-
tais. Não sou assim tão sensata. Confrontada com a necessidade
de optar entre indivíduos chave, desenvolvimentos económicos
e sociais, história militar e correntes estéticas e intelectuais, es-
colho... tudo. Destaco temas, acontecimentos e personalidades
que considero que esclarecem a essência do seu tempo e a evo-
lução da civilização e da nação chinesas. Não me refiro expressa-
mente a cada um dos numerosos imperadores da China, o mes-
mo acontecendo com rebeldes, pensadores, artistas excêntricos,
inventores, políticos ou poetas. Apresento alguns dos mais in-
fluentes e interessantes e, na medida do possível num livro tão
reduzido, deixo-os falar por si próprios. O leitor irá ler citações
do trabalho de antigos historiadores, políticos contemporâneos,

21
A mais breve História da China

poetas e satiristas. A história inclui obviamente as mulheres – irá


encontrar nestas páginas mais mulheres do que talvez noutros
livros de história não especializados.
A China engloba uma multidão de gentes. A sua complexi-
dade desordenada faz parte da sua grandeza.

22
Origens

ORIGENS

Um Ovo Choca e Uma Civilização Nasce

Há muito, muito tempo, conta uma história popular chinesa


sobre a criação, o caos primordial congelou num ovo, no qual
as energias cósmicas complementares do Yīn ೾ e do Yáng ‫ݷ‬
ganharam espessura em torno de um gigante peludo e com
chifres chamado Páng·. Passaram dezoito mil anos. Páng·
emergiu do ovo totalmente formado, empunhando um ma-
chado, com o qual cortou o Yin e o Yang. O Yin tornou-se a
terra debaixo dos seus pés, e o Yang, o céu. À medida que cres-
cia, afastava os dois cada vez mais. Após a morte de Pangu, a
sua carne transformou-se em terra, o seu suor em chuva e sua
respiração em vento. O seu sangue correu como rios e mares.
Os seus olhos tornaram-se o Sol e a Lua. Do seu cabelo sur-
giram plantas e árvores, e as pulgas do seu pelo tornaram-se
animais e pessoas.
Passaram-se éons. As divindades beligerantes devastaram os
céus. Então N΍wā, a filha do imperador celestial de Jade, repa-
rou o céu com pedras coloridas. Há quem diga que foi Nüwa
quem criou os seres humanos, moldando-os a partir do barro.

23
A mais breve História da China

Há cerca de   anos, o Rio Amarelo correu muito mais


próximo do local a que chamamos Pequim do que atualmente,
criando uma planície aluvial fértil. Porcos selvagens, búfalos,
ovelhas e veados vagueavam pelos prados verdejantes que se es-
tendiam a partir do segundo maior rio da China, e os pássaros
nidificavam em florestas densas com nogueiras e árvores de fru-
to. Em grutas nas montanhas circundantes, o Homem de Pe-
quim (homo erectus pekinensis) e outros antepassados humanos
da Idade da Pedra abrigavam-se de tigres de dentes de sabre, lo-
bos, ursos, panteras e outros predadores, descendo às planícies
para caçar e colher alimentos.
Duas tribos, os Huá e os Xiá, de quem a maioria étnica chi-
nesa Han afirma descender, fixaram-se em torno das margens
média e baixa do rio. A certa altura, há cerca de 13 000 anos,
uma delas esculpiu uma ave a partir de um osso queimado, com
dois centímetros de comprimento, equilibrado num pedestal –
a mais antiga escultura de um animal alguma vez encontrada
na Ásia Oriental.

Esta ave esculpida, a mais antiga escultura de um animal da Ásia Oriental,


foi encontrada num monte de terra deixado por uma equipa de constru-
ção que escavava um poço em Língjӿng, na província de Hénán, em 2020.

A agricultura assinalou o início do Neolítico. No Norte rela-


tivamente árido, as pessoas cultivaram painço, e no solo fértil do

24
Origens

Sul, arroz. Os agricultores criaram porcos, ovelhas e gado bovi-


no, e domesticaram cães selvagens. Construíram casas de tijolos
de lama e com uma combinação de lama, madeira e pedra. Em
alguns lugares, as suas habitações tinham paredes de cerâmica
vermelha brilhante e telhados de lama aquecida e madeira. As
casas aglomeravam-se em comunidades muradas que acabaram
por se distribuir pelas planícies centrais. Com mais tempo para
o lazer, as pessoas produziram gamelas, taças e instrumentos
musicais de barro, decorando-os com padrões abstratos e figu-
ras zoomórficas. Esculpiram jade, turquesa e osso, produzindo
jóias e objetos para cerimónias de culto ou rituais funerários.
Um fragmento de seda do Vale do Rio Amarelo, o mais an-
tigo do mundo, revela que os chineses praticavam a sericultura
– a produção de seda – já em 3630 a.C. Desde o início, a seri-
cultura parece ter sido sobretudo um trabalho feminino, des-
de o corte de folhas de amora para alimentar os bichos da seda
– as larvas da traça Bombyx mori – até à recolha dos casulos,
fervendo-os para soltar as fibras antes de as fiar, tingindo-as e
tecendo-as em seguida.
A seda acabaria por ter um papel importante na diplomacia
e no comércio da China, bem como na moda, na comunicação
e na arte (servindo como papel e tela). Mas como é que alguém
teve a ideia de ferver traças e casulos?
Uma história conta que a Senhora Xīlíng, a principal esposa
do semimítico Imperador Amarelo, estava a bebericar chá de-
baixo de uma amoreira quando um casulo caiu na sua chávena
e começou a desenrolar-se. Pegando no fio cintilante, percebeu
que era suficientemente forte para tecer.
Outras lendas dizem que foi o marido de Xiling, o próprio
Imperador Amarelo, que descobriu isto. Lendas semelhantes
atribuem-lhe a invenção de muitas outras coisas, desde carretas,
barcos, casas de madeira e a roda de oleiro até ao calendário e

25
A mais breve História da China

mesmo uma flauta de Pã de bambu afinada pelo canto da míti-


ca fénix (um totem do sul, tal como o dragão é do norte). Sen-
do um poderoso general, o Imperador Amarelo travou violentas
batalhas contra os seus rivais – que supostamente incluíam de-
mónios com chifres e gigantes – para unificar as tribos a norte
do Rio Amarelo.

A criação e a alimentação de bichos da seda (que comem folhas de amo-


reira) é a base da sericultura, que remonta ao Neolítico na China.

Os relatos que também atribuem ao Imperador Amarelo a


invenção da escrita estão na base da crença popular de que a
China tem 5000 anos de história registada. No entanto, as pri-
meiras provas concretas da escrita chinesa datam de há 3500
anos, o que a torna o terceiro ou quarto sistema de escrita mais
antigo do mundo, depois do dos sumérios, na Mesopotâmia,
dos egípcios e possivelmente dos minóicos (cujo sistema de es-
crita se desenvolveu aproximadamente ao mesmo tempo que o
dos chineses).

26
Origens

Não é claro se o Imperador Amarelo foi um indivíduo real


que, com o contar e recontar da sua história adquiriu ao longo
do tempo características divinas, ou se começou por ser um deus
e lhe foi mais tarde atribuído um rosto humano. É uma figura
de culto desde o século v a.C. Os chineses han consideram o
Imperador Amarelo e o seu sucessor, Yán Dì, o Imperador do
Fogo, os seus antepassados mais antigos.
Outra dinastia semimítica, a Xia, teve início cerca de 2100 a.C.,
após o reinado de três outros imperadores lendários, Yáo, Shùn e
Yԃ. Os registos históricos consolidam-se cerca de quinhentos ou
seiscentos anos mais tarde, quando começou a Idade do Bronze,
e, com ela, a dinastia Shāng, que durou mais de 600 anos, com
início no século xvi a.C.
elo
ar
m
oA

Anyang
Ri

DINASTIA
SHANG
tzé
ng
Ya
Rio

Os Shang governaram as terras férteis mais a jusante do Rio Amarelo a


partir da sua capital, Ānyáng, atualmente na província de Henan.

Registos em conchas e ossos


Os governantes da dinastia Shang eram guerreiros e muito su-
persticiosos, venerando uma série de deuses e realizando sacrifícios

27
A mais breve História da China

humanos em sua honra. Tinham escravos, incluindo músicos


e dançarinos. Cada rei tinha uma esposa principal e muitas es-
posas secundárias, ou concubinas – ao longo da maior parte da
história da China, os homens com meios para sustentar mais
do que uma mulher podiam ter concubinas. (Na língua chine-
sa, um homem «toma», q· ፍXPDPXOKHUHQTXDQWRXPD
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28
Origens

O caracter que designa cavalo ެ, m΁, é muito pictórico:


podem ver-se as patas galopantes do cavalo e a crina a esvoaçar.
Pode também ser utilizado como radical ou fonético. É radical
no caracter yù ᤡ, que significa «conduzir uma carruagem pu-
xada por um cavalo», e fonético no caracter mā ֓TXHVLJQL
ÁFDPnHRQGHRUDGLFDO䲏ѾPXOKHU
Desenvolvimento Histórico de Quatro Caracteres

1. xia 2. ma 3. de 4. qing
abaixo, debaixo, cavalo obter, mobilidade,
em baixo atingir funcionário da corte

Marcas
pré-históricas

Inscrições
dos oráculos
nos ossos

Grande selo

Pequeno selo

Clérigo

Erva

Regular

Correr

As inscrições dos oráculos nos ossos são a forma mais antiga de escrita
chinesa. Ao contrário das línguas alfabéticas, que utilizam letras para re-
presentar sons, a escrita chinesa é ideográfica, utilizando caracteres para
representar palavras ou ideias.

29
A mais breve História da China

Os ossos dos oráculos contam a história de uma mulher ex-


traordinária, Fù Hӽo, que viveu cerca de 1200 a.C. e foi a con-
sorte do rei Shang Wԃ Dīng (r. 1250-1192 a.C.). Caçadora e
guerreira, chegou a liderar 13 000 homens numa batalha con-
tra os inimigos do rei. (Algumas fontes dizem que o seu dote
incluía um exército.) Presidiu também a adivinhações e outras
cerimónias. Quando morreu, foi sepultada com quatro achas
de armas. As suas atividades militares podem ou não ter sido
excecionais na altura, mas a sua fortuna independente e a se-
pultura num túmulo próprio sugerem que os Shang podem ter
sido uma sociedade semimatriarcal.1
O prazer que Fu Hao tinha na caça era típico da classe do-
minante entre os Shang, que eram frequentemente sepultados
com os seus cães de caça preferidos. Por vezes eram também se-
pultados com os seus servos, para assegurar o conforto na vida
após a morte. Felizmente para os servos, estatuetas acabaram
por substituir as pessoas reais.
A gente comum tinha uma influência considerável no com-
portamento das classes dominantes. Sabemos isso devido a uma
das mais antigas coletâneas de poesia do mundo, o Livro das Odes
உҬ2VVHXVYHUVRVHFDQWLJDVSRSXODUHVIDODPGHDPRUH
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DJULFXOWXUDGDYLGDGRVVROGDGRVHGDVPXOKHUHVGRVVROGD
GRV䰭HGHH[SORUDpnR

Não semeias nem colhes,


Como enches tantas arcas de cereais?
Não caças nem montas armadilhas,
De onde vem a codorniz pendurada no teu pátio?
O homem superior
Não come o pão da ociosidade.2

30
Origens

A invenção da escrita permitiu que os governantes contro-


lassem um grande reino, com correios que galopavam de uma
parte do território para outro, levando comunicações inscritas
em seda ou tiras de bambu. O progresso das comunicações, jun-
tamente com carruagens puxadas por cavalos, lanças com pon-
tas de bronze e achas de armas tornaram os Shang uma grande
potência militar. No entanto, estabelecendo um padrão que iria
repetir-se muitas vezes na longa história da China, os seus go-
vernantes tornaram-se corruptos, cruéis e negligentes, e o povo,
que sofria com essa má governação, revoltou-se. Os Zhōu, origi-
nalmente um estado vassalo dos Shang, conquistaram os Shang
cerca de 1122 a.C.
Os primeiros governantes zhou terão supostamente governa-
do de forma tão sensata que colocaram um dilema aos soberanos
e pensadores futuros: como recriar essa entidade política perfeita?

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