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FERNANDO MILLION,

de S. Francisco de Sales
Missionãrio

O Segredo da
Salvação
A LEMBRANÇA DA PRESENÇA DE DEUS
E AS ORAÇÕES JACULATóRIAS

(Extraido das Obras de S. Francisco


de Sales)

1952
EDITORA VOZES LTDA., PETRôPOLIS
RIO DE JANEIRO - SÃO :1'AUL0
COLEÇÃO POPULAR DE FORMAÇÃO ESPIRITUAL

XXXI

EDITORA VOZES LTDA., PETRóPOLIS, R. j.


RIO DE JANEIRO - SÃO PAULO

https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
I lll P R I M A T U R
POR COMISSÃO ESPECIAL DO EXMO.
E REVMO. SR. DOM MANUEL PEDRO
DA CUNHA CINTRA. BISPO DE PE­
TROPOLIS. FREI LAURO OBTERMANN,
O. F. M. PETROPOLIS, 2-1-1962.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

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PRIMEIRA PARTE

LEMBRANÇA DA PRESENÇA DE DEUS

Presenga de Deus em toda parte.

O primeiro, principal e fundamental ar­


tigo de fé é crermos que há um só e
verdadeiro Deus. O segundo artigo princi­
pal é que esse Deus único e verdadeiro é
Pai, Filho e Espirita Santo, sendo o Pai
a primeira Pessoa da SS. Trindade, o Fi­
lho a segunda e o Espírito Santo a terceira ;
de sorte que as três Pessoas não são vá­
rios deuses, mas sim um único Deus ver­
dadeiro, se bem que uma das Pessoas não
sej a a outra ; porquanto o Pai não é o
Filho, e o Filho não é o Espírito Santo,
sendo cada um uma Pessoa distinta.
Cumpre, ainda, saber que o Pai, o Filho
e o Espírito Santo, um só Deus verda­
deiro, estão em toda parte, e totalmente
pelo mundo todo, c omo a voss a alma está
no voss o corpo todo ; mas, por isto que
no céu a sua divina Maj estade se mani­
festa mais claramente, mais claramente
imaginamos a sua presença no céu.

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O segredo da salvação
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Deus- é um espirito infinito, causa e


movimento de todas as coisas, no qu al e
pelo qual tudo existe, tudo subsiste e tudo
tem o seu movimento. Po r c ons egu inte ,

ele é invisivel por si mesmo, só pod endo


ser visto na humanidade de Noss o Senhor,
que ele uniu à sua divindade. E' i nfi n i to ,

está em toda parte, s us tenta tudo pelo


seu poder; nada o cont ém para abrangê­
lo ; assim, ele abrange e contém tudo,
sem ser contido por coisa alguma.
Em suma, assim c omo a nossa alma
está no noss o c o rp o sem que a vej amos ,

assim também Deus está no mundo sem


que o vej amos ; assim como nossa alma
mantém em vida todo o nosso corpo en­
quanto está nele, assim também Deus
mantém em ser todo o mundo enquanto
está n ele ; e, se o mundo deixass e de estar
em Deus, deixaria imediatamente de exis­
tir ; e como d e certo modo, noss a alma
,

está em noss o corpo de tal sorte que nf..o


deixa de estar fora dele, não estando c on­
tida nela, já que vê, ouve , faz suas ope­
rações fora do n osso corpo e para além
deste, ass i m também Deus está no mundo
de tal arte, que não deixa de estar f ora
do mundo, e além do mundo e de tudo o
que podemos pensar : e, por fim, Deus é
o soberano ser, principio e causa das coi-

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Lembrança da preeença de Deus
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sas que são boas, isto é, que não são


pecado.
E' um abismo: é o espirito que tudo
vivifica, que causa tudo, que conserva tu­
do, do qual todas as coisas precisam para
existir ; e ele não precisa de coisa alguma,
jamais ten d o sido senão infinito em
tudo o que é, e beatissimo, não podendo
nem começar a ser nem acabar, porque
é eterno, e eterno não pode deixar de ser.
Só a ele sej a dada honra e glória. Amém.
Ainda que, tanto no céu como na terra,
Deus estej a sempre, por uma presença
perfeita, em todo lugar, como diz, por Je­
remias, "Encho o céu e a terra" (23, 24),
e, por S. Paulo, "que não está longe de
cada um de nós, porque nele nós vivemos,
nos movemos e subsistimos" ( At 17, 28) ,
n ã o obstante sempre sucede haver certos
lugares que, sendo-lhe consagrados, são
chamados casa de Deus, habitação, lugar,
templo, tabernáculo, não porque ele esteja
neles mais do que alhures ( falando de
Deus na sua Divindade ) , mas porque neles
confere de modo particular as suas graças
e bênçãos, e faz neles mais demonstra­
ções da sua glória.

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8 O i.oegredo da salvaçlo

II

Utuidade da lembrança da presença


de Deus.

Pela presença de Deus principiai toda


espécie de oração, quer mental, quer vocal ,
e mantende esta regra sem excepção, e
em pouco tempo vereis quão proveitosa
vos será.
Bem certo é que vossas consolações me
consolam grandemente, mas sobretudo
quando são fundadas em pedra tão firme
c omo é a do exercício da presença de
De�. Andai, pois, sempre ass i m perto de
Deus, pois a sua sombra é mais salutar
que o sol.
Não é mau tremer, às vezes, diante da­
quele em cuj a presença os Anj os tre­
mem quando o miram na sua maj estade ;
contanto, todavia, que o santo amor, que
predomina em todas as suas obras, pre­
domine também sempre como começo e
fim das vossas considerações.
A modéstia por excelência é o decoro
do n osso porte exterior. E' ela extrema­
mente recomendável por várias razões, e
primeiramente porque nos suj eita muito ;
não há virtude em que se faça mister
atenção tão particular ; e em nos suj eitar
consiste o seu grande valor, pois tudo
quanto nos sujeita por Deus é de grande

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Lembrança da presença de Deus

mérito e maravilhosamente agradável a


Deus. A segunda razão é que ela não nos
sujeita só por um te mpo, senão sempre e
em todo lugar, tanto estando sós como
acompanhados , e em todo tempo, até mes­
mo dormindo. Um grande santo escreveu
a um d iscípulo seu dizendo-lhe que se
deitasse modestamente na presença de
D eus, tal como faria alguém a quem Nos­
so Senhor, estando ainda em vida, man­
d asse dormir e deitar-se na sua pre::;ença;
e, diz o santo, embora não o vej as e não
ouças a ordem que ele te dá, não dei­
xes de fazer isso tal como se o viras, por­
que de fato ele te está presente e te
guarda enquanto dormes. O ' meu D eus,
como nos d eitaríamos modesta e devota­
mente se vos viss e mas ! Sem dúvida, cru­
za.riamos os braços sobre o peito com
grande devoção. A modéstia, pois, suj eita­
nos sempre e todo o tempo da nossa vida,
pelo fato de nos estarem sempre presen­
tes os Anj os, e o próprio Deus, ante cujas
vistas nos mantemos em modéstia.
Quando estivermos na presença de Deus,
devemos ter duas atenções: uma nele e
outra no que estivermos fàzendo.
A maioria das faltas que cometem no
cumprimento do seu dever as pessoas pie­
dosas vêm do fato de se não conserva­
rem e las bastante .. na presença de Deus.

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10 O segredo de. salvação
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O exercício da presença de Deus é o


guarda da pureza e da inocência.
Não me digais que nada fazeis na ora­
ção. E que quereríeis fazer nela senão o
que fazeis, que é apresentar e representar
a Deus o voss o nada e a vossa miséria?
A mais bela fala que nos dirigem os men­
d igos é exporem à nossa vista as suas
úlceras e necessidades. Mas, às vezes ainda,
conforme dizeis, não fazeis nada de tudo
isso , mas ficais, na oração, como um fan­
tasma e uma estátua. Pois bem, não é
pouco ísso. Nos palácios dos principes e
dos reis colocam-se estátuas que só ser­
vem para re crear a vista do príncipe: con­
tentai-vos, pois, com servir disso na pre ­
sença de Deus, e, quando lhe aprouver,
ele animará essa estátua.
As árvores só frutificam pela presença
d o sol, umas mais cedo, outras mais tar­
de, umas todos os anos, outras de três
em três, e nem sempre igualmente. Bem
felizes somos nós de podermos ficar na
p resença de Deus, e contentemo-nos de
que ele nos faça dar o fruto cedo ou tarde,
ou todos os dias ou às vezes, conforme o
seu beneplácito, a que plenamente nos
devemos resignar.
Conservai sempre voss a alma sentada
e em re pouso diante d e Deus durante os
exercícios exteriores, e erguida e move-

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Lembrança da presença de Deus 11

·
diça durante os interiores, como fazem
as abelhas, que não voam nas colmeias
e ao fazerem o seu serviço doméstico,
poré m só à saída . Enquanto estivermos
no meio dos afazeres, devemos forcej ar
por conseguir a tranquilidade do cora­
ção, e por manter nossa alma sosse­
gada na oração ; se ela quiser voar, que
voe; se quiser mexer-se, que se mexa ; se
bem que a tranquilidade e o simples re­
pouso d a alma em ver a Deus, em querer
a Deus e em saborear a Deus. ainda seja
extremamente excelente.
Como fazeis bem em achardes Deus
bom e meigo, e em lhe saboreardes a pa­
te rnal solicitude para convosco, de modo
que, estando vós agora num lugar onde
não podeis dispor de tempo para vos exer­
citardes na meditação, em compensação
ele se apresente mais frequentemente a o
voss o coração para fortificá-lo por s u a sa­
grada presença! Sede fiel a esse divino
Esposo de voss a alma, e cada vez mais
vereis que, por mil meios, ele vos fará
aparecer o caro amor que vos tem.
Não me espanto, pois, se, dando-vos o
go.sto da sua presença, Deus vos vai des­
gostando aos poucos do mundo. Sem dú­
vida , n a d a faz achar o azevre tão amargo
quanto alimentar-se de mel. Q u and o sa­
borearmos as coisas divinas, já não será

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u O segredo da salvação

poss i vel nos venham as coisas mundanas


dar apetite . E seria possivel que, depois
de considerarmos a bondade, a firmeza, a
eternidade de Deus, amáss e mos esta mi­
sera vaidade do mundo? Ora, temos que
suportar e tolerar essa vaidade do mundo;
mas só devemos amar e apreciar a verda­
de do nosso bom Deus, que para sempre
sej a louvado por vos conduzir a esse santo
desprezo das loucuras terrenas.

Ill

Sefftimento que o pensamento de Deus


naturalmente excit ei nos nossos corações.

Logo que o homem pensa um pouco


atentamente na Divindade, sente certa
suave emoção de coração, que testemunha
que Deus é Deus do coração humano ; e
nunca o nosso intelecto tem rnais prazer
do que nesse pensamento da Divindade,
cuj o menor conhecimento, como diz o
Principe dos filósofos, vale mais do que
o maior conhecimento das outras coisas,
assi m como o menor raio de sol ê mais .

claro do que o maior raio da lua ou das


estrelas, sendo até mais luminoso do que
a lua e as estrelas juntas. Se algum aci­
dente nos ass usta o coração, logo recorre
este à Divindade, confessando que, quan­
do tudo lhe é mau, só ela lhe é boa, e que,

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Lembrança da pr6.'!enç& de Deus 13

quando ele está em perigo, só ela, como


seu sumo bem, pode salvá-lo e garanti-lo.-
Este prazer, esta confiança que o cora­
ção humano tem naturalmente em Deus,
certamente só pode provir da conveniên­
cia existente entre essa divina bondade e
nossa alma : conveniência grande, mas se­
creta ; conveniência que cada um conhece
e pouca gente entende ; conveniência que
se não pode negar, mas que bem se pode
apreender. Somos criados à imagem e se­
melhança de Deus : que quer isto dizer
senão que temos uma extrema conveniên­
cia com a sua divina Maj estade? Nossa
alma é espiritual, indivisivel, imortal ; en­
tende, quer, e quer livremente ; é capaz
de julgar, discursar, saber e ter virtud� ;
e nisto se ass e melha a Deus. Reside toda
no corpo todo, e toda em cada uma das
partes deste, ass im como a Divindade está
toda em todo o mundo,. e toda em cada
parte do mundo. O homem se conhece e
se ama a si próprio por atos produzidos e
expressos pelo seu intelecto, os quais, pro­
cedendo do intelecto e da vontade distin­
tos um do outro, não obstante ficam e
permanecem inseparàvelmente unidos na
alma e nas faculdades de que procedem.
Ass im o Filho procede do Pai, como o seu
conhecimento expresso, e o Espirito Santo
procede de ambos, como o amor expirado

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O segredo da salflçio

e produzido d o Pai e do Filho; Pessoas


eatas ambas, Filho e Espirito Santo, dis­
tintas entre si e distintas do Pai, e, não
o�tante, inseparáveis e unidas, ou, muito
antes, uma mesma, única, simples e indi­
visível Trindade.
Mas, além dessa conveniência de simi­
litude, há uma correspondência ímpar en­
tre Deus e o homem para sua reciproca.
perfeição ; não que Deus poss a receber do
homem alguma perfeição, mas porque, co­
mo o homem só pode ser aperfeiçoado
pela divina Bondade, assi m também a di­
vina Bondade não pode simplesmente
exercer tão bem a sua perfeição fora de
si como em relação à nossa. humanidade:
uma tem grande necess i dad êé grande ca­
pacidade de receber o bem, e a outra tem
grande abundância e grande inclinaçã.o
para dá-lo. Para a indigência nada é tão
oportuno como uma liberal afluência, e
a uma liberal afluência nada é tão agra­
dável como uma necessitada indigência;
e, quanto mais afluência. tem � bem ,

quanto mais forte é a inclinação de se


expandir e comunicar, tanto mais neces­
sitado é o indigente , tanto mais ávido de
receber, como um vácuo de se encher .

Doce e desej ável encontro é, pois, esse da


afluência com a indigência, e quase não
poderíamos dizer quem é que tem mais

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Lembrança da presença de Deus lfi

contentamento, se o bem abundante em se


expandir e comunicar, se o bem faltante
e indigente em receber e tirar, se Noss o
Senhor não tivesse dito que coisa mais
cUtosa é dar do que receber. Ora, onde há
mais feUcidade há mais satisfação: mais
prazer tem, pois, a divina Bondade em
dar suas graças do que nós em recebê-las.
Considerando, pois, que nada a c onten­
ta perfeitamente, e que a sua capacidade
não pode' ser preenchida por coisa alguma
que estej a no mundo, vendo que o seu
intelecto tem uma inclinação infinita pa­
ra saber sempre mais e a sua vontade
um apetite insaciável para amar e achar
o bem, não tem n ossa alma razão de ex­
clamar: Ah ! logo, não sou feita para este
mundo ! Há algum sumo bem de que eu
dependo, e algum obreiro infinito que im­
primiu em mim esse intérmino desej o de
.saber e esse apetite que não pode ser
saciado: els por que é preciso que eu tenda
e me estenda para ele, para me unir e jun­
tar à sua. bondade, a que pertenço e de
q�em sou.
Já que esta vida é cheia de misérias,
nela não podemos ter nenhum consolo
mais sólido do que .estarmos certos de se
ir ela dissipando para dar lugar a ess a
santa eternidade que nos é preparada na
abundância da misericórdia de Deus, e à

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li O segredo da salvação

qual nossa alma aspira incess antemente


pelos contlnuos pensamentos que a sua
própria natureza lhe sugere, posto que- não
a possa esperar .senão por outros pensa­
mentos mais elevados que o Autor da na­
tureza infunde nela.
De certo, eu nunca sou atento à eterni­
dade senão com multa suavidade; por­
quanto, digo, como poderia minh'alma es­
tender seu pensamento a essa infinidade,
se não tivesse alguma espécle de propor­
ção com ela ? Ç_ e rtamente, sempre é de
mister que a faculdade que atinge um ob­
j eto tmha com esse obj eto alguma sorte
de conveniência. Mas, quando sinto que o
meu desej o corre atrás do meu pensamen­
to sobre essa mesma eternidade, o meu
contentamento toma um incremento ini­
gualado ; pois sei que nunca desejamos
com verdadeiro desejo senão as coisas
possí veis : que mais me resta então senão
esperar que o hei d e ter? E isto me é dado
pelo·- conhecimento da infinita bondade
d 'Aquele que não teria criado uma alma
capaz de pensar e de temer para a eter­
nidade, se lhe não tivesse querido dar os
meios de alcançá -la. Assim, achamo-nos
ao pé do Crucifixo, escada pela qual, des­
tes anos temporais, pass amos aos anos
eternos.

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Lembrança da present;a de D�us 17

IV
'--

Meios de nos c0Zocarm0s na presença


de Deus.

Ora, para vos colocardes na presença de


Deus, proponho-vos quatro meios princi­
pais.
O primeiro reside numa viva e atenta
compenetração da onipresença de Deus,
isto é, de estar Deus em tudo e em toda
parte, e de não haver lugar nem coisa
neste mundo em que ele não esteja com
presença ·mui verdadeira; de sorte que,
ass i m como as aves, onde quer que voem,
encontram sempre o ar, assim também,
onde quer que vamos , onde quer que este­
jamos, achamos Deus presente. Cada um
sabe esta verdade, mas cada um não é
atento em apreendê-la. Por não verem um
príncipe que lhes está presente, nem por
isso deixam os cegos de conservar-se em
respeito se são avisados da presença dele;
a verdade, porém, é que, por não o verem,
fàcilmente se esquecem de estar ele pre­
sente, e, esquecendo-o, ainda mais fàcil­
_mente perdem o respeito e a reverência.
Ai ! nós não vamos a Deus que nos está
presente ; e, posto que a fé nos advirta da
sua presença, todavia, não o vendo com
os nossos olhos, muitíssimas vezes o es­
quecemos, e nos comportamos como se
O Segredo - 2

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18 O segredo da salvação
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Deus estivesse bem longe de nós ; por­


quanto ainda, embora saibamos estar ele
presente a todas as coisas, não obstante,
não pensando nisso, é exatamente como
se o não soubéssemos. Eis por que sem­
pre, antes da oração, devemos provocar
noss a alma a um atento pensamento e
consideração dessa presença de Deus. Foi
essa a compreensão de David, quando ex­
clamava : "Se subo a o céu, ó meu Deus,
lá estais ; se desço aos infernos, lá estais";
e, ass i m, devemos usar das palavras de
Jacob, o qual, tendo visto a escada sagra­
'
da, disse : " Oh/ que temtvel i este lugar!
Verdadeiramente Deus está aqui, e eu não
sabia/'. Quer ele dizer que não pensava
niss o ; porque, de resto, ·ele não podia ig­
norar que Deus estivesse em tudo e em
toda parte. Vindo, pois, à oração, deveis
dizer-vos, de todo coração ao vosso cora­
ção : O' meu coração, meu coração, ver­
dadeiramente oeus estâ aqui".
O segundo meio de vos pordes na sua
.sagrada presença é pensardes que Deus
não só está no lugar em que estais, mas
está mui particularmente no vosso cora­
ção, e no fundo do vosso espírito, que ele
vivifica e anima por sua divina presença,
estando ai como o coração do voss o cora­
ção e como o espírito do voss o espírito;
porquanto, ass i m como a alma, estando

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Lembrança da presença de Deus 19

presente por todo o corpo, presente se


acha e m todas as partes deste, e , não
obstante, reside no coração com especial
residência, ass i m também Deus, estando
mui presente em todas as coisas, todavia
está presente de modo especial no nosso
espírito : e por isso David chamava a Deus
"Deus do s e u coração", e S. Paulo dizia
que "nós vivemos, nos movemos e existi­
mos em D e us". Na- consideração, pois, des­
ta verdade, excitareis em voss o coração
uma grande reverência para com Deus,
que lhe está tão intimamente presente.
O terceiro meio é considerardes o nosso
Salvador, que na sua humanidade olha,
do céu, todas as pessoas do mundo, mas
particularmente os cristãos, que são seus
filhos, e mais especialmente os que estão
em oração, cuj as ações e comportamento
ele nota. Ora, isto não é simples imagina­
ção, senão uma verdade verdadeira ; por­
quanto, ainda que o não vej amos, toda­
via lá de cima ele nos considera : ass i m
o viu Santo Estêvão no tempo do seu
martírio. De sorte que bem podemos dizer
com a Esposa dos Cânticos : "Ei-lo que
está por trás da pare. d e vendo pelas jane­
la$, olhando pelas grades " .
O quarto meio consiste e m nos servir­
mos da imaginação, representando-nos o
Salvador na sua humanidade, como se
r
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20 O segredo da salvaç_!_o_

estivesse perto de nós, tal como nos acos­


tumamos a representar os nossos amigos,
e dizermos: imagino estar vendo fulano
que faz isto e aquilo, parece-me que o es­
tou vendo, ou coisa semelhante. Mas, seo
estivesse presente o SS. Sacramento do al­
tar, então essa presença seria real, e não
puramente imaginária; porque as espécies
e aparências do pão seriam como que uma
tapeçaria por trás cfa qual Noss o Senhor
realmente presente nos vê e considera,
posto não o vejamos na sua própria for­
ma.
V
Principais razões pelas quais nos colocamos
na presença de Deus.
A pressa é um dos maiores traidores
que a devoção e verdadeira virtude poss a
encontrar. Simula aquecer-nos no bem,
mas é só para nos arrefeçer, e não nos
faz correr senão para no8 fazer tropeçar.
E' por isto que nos devemos resguardar
dela em todas as ocasiões, e particular­
mente na oração.
E, para vos auxiliar nisso, lembrai-vos
de que as graças e bens da oração não
são águas da terra, mas do céu, e que
portanto todos os noss os esforços não as
podem adquirir. Devemos ter o coração
aberto para o céu e aguardar o santo or-

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Lembrança da presen�a de Deus 21

valho. E nunca vos esqueçais de trazer à


oração esta consideração: nela é que nós
nos aproximamos de Deus e nos coloca­
mos na sua presença, por duas razões
principais.
A primeira é para prestarmos a Deus a
honra e a homenagem que lhe devemos,
e isto pode fazer-se sem que ele nos fale,
nem nós a ele ; pois esse dever se cum­
pre reconhecendo que ele é noss o Deus
e nós suas vis criaturas, e permanecendo
diante dele prostrados em espirita, aguar­
dando as suas ordens. Quantos cortesãos
não há que vão cem vezes à presença do
Rei, não para lhe falar, nem para ouvi-lo,
mas simplesmente a fim de serem por
ele vistos e testemunharem, por essa assi­
duidade, que são seus servos ? E esse in­
tuito de nos prostrarmos diante de Deus
só para testemunharmos e protestat mos a
nossa vontade e reconhecimento no seu
serviço é muito excelente, muito santo e
muito puro, e, por conseguinte, de gran ­
dissima perfeição.
A segunda causa pela qual nos apresen­
tamos diante de Deus é para falar com
ele e ouvi-lo falar-nos por suas inspira•
ções e movimentos interiores ; e ordinà­
riamente isto se faz com prazer mui de­
licioso, por isto que grande bem nos é fa­
lar a tão grande Senhor, e, quando ele

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22 O segredo da salvação

responde, derrama mil bálsamos e un­


guentos preciosos , que dão grande sua­
vidade .
Ora, um desses dois bens nunca nos po­
de faltar na oração. Se pudermos falar
a Nosso Senhor, falemos ; louvemo-lo, ro­
guemo-lo. Se não pudermos falar, por es­
-
tarmos roucos, fiquemos contudo no quar­
to e façamos-lhe reverência ; ele nos verá
lá, acE itará a nossa paciência e favorecerá
o noss o silêncio. De outra vez, ficaremos
tão deslumbrados, que ele n� tomará pe­
la mão, e conversará conosco, e dará cem
voltas conosco pelas aléias do seu j ardim
de oração ; e, quando nunca o fizesse, con­
tentemo-nos cor.a que sej a noss o dever an­
dar atrás dele, e que grande graça e hon­
ra. extrema nos sej a o sofrer-nos ele em
sua presença. Destarte, não nos apressa­
remos para lhe falar, visto qué a outra
ocasião de estarmos ao pé dele não nos é
menos útil, e talvez sej a até muito mais,
conquanto um pouco menos agradável ao
noss o gosto.
Quando, pois, vierdes ao pé de Noss o Se­
nhor, falai-lhe se puderdes ; ·se não pu­
dtrdes, ficai ai, fazei-vos ver e não vos
deis pressa de outra coisa.

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Lembrança da preeença de Deus

VI

Diferença entre pôr-se e manter-se


na presença de Deus.

O vosso modo de oração é bom ; somente,


sede be m fiel em ficar ao pé de Deus
nessa suave e tranquila atenção de cora­
ção, e nesse doce adormecimento nos bra­
ços da sua providência, e nessa meiga
a quiesc ê nc i a à sua santa vo n tade pois
,

agradáv e l lhe é tudo isto.


Conservar-se na presença de Deus e co­
locar-se na presença de Deus são, a meu
ver, duas coisas; porquanto, para se lhe
pôr na presenç a importa tirar a alma de
qualquer outro objeto e t orná-la atenta
a essa presença atualmente, assim como o
digo no livro ("Vida devota") .
Mas, d e pois de nos havermos colocado
nessa presença, nela sempre nos mante­
mos enquanto, ou pelo intelecto, ou pela
vontade, fazemos atos para com Deus, se­
ja visando a ele mesmo, seja visando
qualquer outra coisa por amor dele ; ou
nada visando, mas falando-lhe; ou não
o visando nem lhe falando, mas simples­
mente ficando onde ele nos pôs, qual es­
tátua no seu nicho. E, quando a essa
simples permanência se j unta algum sen­
timento d e sermos de Deus e de ser ele

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24 O segredo da salvação

o nosso Tudo, bem devemos dar graças à


sua bondade.
Se uma estátua, que soubéssemos colo­
cada no seu nicho no meio de uma sala,
falasse e lhe perguntássemos: Porque ai
estás?, ela diria: Porque meu amo o es­
tatuário aqui me pôs. - E por que não
te mexes? - Porque ele quer que eu fique
imóvel.- E de que serves ai? Que proveito
tiras de estar ass i m? - Nã o é para meu
serviço que aqui estou, é para servir e
obedecer à vontade de meu amo. - Mas
não o vês? - Não, diria ela, porém ele me
vê e gosta de que eu estej a onde ele me
pôs. - Mas não quererias ter movimento
para ires mais para perto dele? - Não,
a não ser que ele mo ordenass e . - Então
nada desej as? - Não, pois estou onde meu
amo me pôs, e o gosto dele é o único
contentamento de meu coração.
Meu Deus, que boa oração e que bom
modo de se manter na presença de Deus
é mantermo-nos na sua vontade e bEne­
plácito! Parece- me que Madalena era uma
estátua no seu nicho quando, sem tugir
nem mugir, sem se mexer, e quiçá sem
o olhar, escutava o que Nosso Senhor di­
zia, sentada a seus pés. Quando ele falava,
ela escutava ; quando ele deixava de falar,
ela deixava de escutar, e no entanto 'lá
estava sempre. Uma criancinha que estâ

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't.embran�a da pre�ença de Deus 25

dormindo no seio de sua mãe está verda­


deiramente no seu bom e desej ável lugar,
posto que a mãe não lhe diga palavra,
nem a criança a ela.
O' Deus verdadeiro, que boa maneira de
se conservar na presença de Deus é es­
tar e querer sempre e para sempre estar
no seu beneplácito ! Porquanto ass im,
conforme penso, em todas as ocorrências,
até mesmo dormindo profundamente, ain­
da mais profundamente estamog na san­
tissima presença de Deus. Sim, certamen­
te, porque, se o amamos, adormecemos
não só na sua vista mas a seu agrado, e
não só pela sua vontade, senão segundo
a sua v.ontade ; e parece que ele próprio,
nosso Criador e Escultor celeste, é quem
nos deita lá nos nossos leitos, quais está­
tuas nos seus nichos, a fim de que nos
aninhemos nos nossos leitos como as aves
se deitam nos seus ninhos ; depois, no nos­
so despertar, se pensarmos bem nisso,
achamos que Deus nos esteve sempre pre­
sente, e que nós também não nos afasta­
mos nem separamos dele. Estivemos, pois,
lá, na presença do seu beneplácito, posto
que sem o vermos e sem repararmos ; de
sorte que, à imitação de Jacob, poderia­
mos dizer: Verdadeiramente eu dormi__;ío
pé de meu Deus e nos braços da sua di-

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26 O segredo da salvação

vina presença e providência, e absoluta­


mente não o s abia .
Em todas as vossas ações estareis na
prestnça de Deus se as fizerdes todas
por Deus. C ómei, dormi, trabalhai para·
ele; isso é estar na presença dele. Não
está em noss o poder tê-lo atualmente, a
não str por uma graça particular. Fazen­
do algumas obras em que temos de pôr
n ossa atenç ão, de vez em quando deve­
mos re por noss o espirito em Deus; e,
·_
quando faltarmos a isso, devemo-nos hu ­
milhar, e da humildade ir a Deus, e de
Deus à humildade, com c onfiança, falan- ·

do-lhe como o filho fala a sua mãe, pois


e le bem sabe o que nós s omos.

VII

A lembrança da presença de Deus e o


sentimento dessa divina presença.

Perguntais como poderiels fazer para le­


var vossa mente direito a Deus, sem olhar
nem para a direita nem para a esquerd a .

Muito agradável me é a vossa proposição,


tanto mais quanto traz consigo a resposta :
há que fazer isso que dizeis, isto é, ir a
Deus sem olhar nem para a direita nem
p ara a esquerda. Não é isto o que pergun­
tais, bem o vej o ; mas perguntais como
.
podtrieis fazer para firmar de tal m odo a

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Lembrança da presença de Deus

voss a mente em Deus, que nada possa


desprendê-la nem retirá-la dele. Duas coi­
sas são necessárias : morrer e ser salvo,
porquanto depois disso nunca haverá se­
paração, e o voss o espirito estará indis­
soluvelmente preso e unido a seu Deus.
:pizeis que não é ainda iss o o que per­
guntais, mas sim o que poderíeis fazer
para impedir que a menor mosca retire de
Deus a voss a mente, ass i m como faz ;
quereis dizer a menor distração. Perdoai­
me, mas a menor mosca de distração não
retira de Deus a vossa mente, tal como
dizeis, pois nada nos retira realmente de
Deus senão o pecad o ; e a resolução que
tomamos pela manhã, de mantermos nosso
espírito unido a Deus e atento à sua pre­
sença, faz que fiquemos sempre nessa
presença, até mesmo quando dormimos, j á
que dormimos e m n ome d e Deus e se­
gundo a sua santissi ma vontade. Parece
mesmo que a sua divina Bondade n os diz :
Dormi e repousai, e entrementes e u terei
os olhos sobre vós para vos guardar e de­
fender do leão rugidor q ue anda sempre
em torno de vós para vos poder destruir.
Vede, pois, se não temos razão para nos
deitarmos modestamente, ass i m como ha­
vemos dito. O .zne io de fazermos bem
tudo quanto fazemos é sermos bem atentos
à presença de Deus ; pois nenhum de nós

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28 O segredo da salvação

o ofenderá vendo que ele nos olha. Os


próprios pecados veniais não são capazes
de ru>s desviar da trilha que conduz a
Deus; sem dúvida, eles nos sustam um
pouco no noss o caminho, mas todavia não
nos desviam dele, e muito menos as sim­
ples distrações ; e isto diss e - o eu na In­
'
trodução ("Introd. à vida devota") .
No que concerne à oração, não nos é ela
menos útil, nem menos agradável a Deus,
do que se tivéssemos nela muita conso­
lação, porque nela há mais trabalho, con­
tanto todavia que tenhamos a fidelidade
de nos retirarmos dessas distrações e não
deixemos a mente déter-se nelas volu ntà­
riamente.
O mesmo sucede com o custo que temos,
a o longo do dia, de determos noss o esp1-
rito em Deus e nas coisas celestes, con­
tanto que tenhamos o cuidado de retirar
o nosso espírito para impedi-lo de correr
atrás dessas moscas e borboletas, como
uma mãe faz com seu filho. Ela vê que
esse pobre pequeno gosta de correr atrás
das borboletas, cuidando apanhá-las ; ela
o retira e o retém incontinenti pala braço,
dizendo-lhe : Meu filho, tu te consumirás
a correr atrás dessas borboletas, ao sol;
melhor é que fiques ao pé de mim. Esse
pobre filho ai fica até a tempo de ver
outra borboleta, atrás da qual estaria

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Lembrança da presença de Deus 29

igualmente pronto a correr, se a mãe o


não retirass e como antes. E que fazer ai
senão termos paciência e não nos can ­
sarmos do noss o trabalho, já que ele é
tomado por amor de Deus ?
Mas, se me não engano, quando dizemos
que não podemos achar a Deus, e que nos
parece estar ele muito longe de nós, que ­
remos dizer que não podemos ter o sen­
timento da sua presença. Tenho notado
que muitas pessoas não fazem diferença
entre Deus e o sentimento de Deus, entre
a fé e o sentimento de fé ; o que consti­
tui um grandissinio defeito. Quando elas
não sentem Deus, parece-lhes que não es­
tão na presença dele, e isto é uma igno­
rância ; porquanto uma pessoa que vai so­
frer o martirio p or Deus, e que não obs­
tante não pensa em Deus durante esse
tempo, senão na sua pena, por não ter o
sentimento da fé nem por isso deixa de
merecer em favor da sua primeira reso­
lução, e de fazer um ato de grande amor.
Muito há que dizer do ter a presença de
Deus ( entendo o estar em sua presença) ,
e do ter o sentimento da sua presença;
só Deus nos pode fazer esta graça ; porque,
dar-vos os meios de adquirir esse senti­
mento, isto não me é poss í vel.
Perguntais como devemos fazer para
nos mantermos com grande respeito dian-

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30 O segredo da salvação

te de Deus, como sendo indignos desta


graça. Não há outro meio de fazê-lo se­
não como dizeis : considerar que ele é
noss o Deus e que nós somos suas fracas
criaturas, indignas dessa honra ; como fa­
zia S. Francisco ( de Ass is ) , que passo u
uma noite t oda interrogando a Deus nes­
tes termos : "Quem sois vós, e quem sou
eu ? "
Requer-se, contudo, mantermo-nos em
grande reverência em falando à divina
Maj estade, já que os Anj os, tão puros,
tremem na presença dela. Porém, meu
Deus, dirão algumas pessoas, nem sempre
eu poss o ter esse sentimento da presença
de Deus que causa tamanha humilhação
à alma, nem essa reverência sensível que
me faz aniquilar-me tão doce e agradàvel­
mente diante de Deus. Ora, também não
é dessa presença que eu entendo falar,
mas daquela que faz que a parte suprema.
e a ponta do nosso espirito se conserve
baixa e em humildade perante Deus, em
reconhecimento da sua infinita grandeza.
e da noss a profunda p e quenez e indigni­
dade.

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I.'.:embrança da presença de Deus 31

vm

Felictdade de nos lembrarmos da


presença de Deus .

Não podemos ter uma continua presen­


ça. de De us, isto só aos Anjos pertence ;
basta. nos mantermos nela tanto quanto
nos for possi vel, e elevarmos amiúde nos­
sa. mente a Deus ; não entendo termos
sempre a mente atada. Que, se aquilo que
estivermos fazendo nos puxar para fora
da noss a atenção em Deus, e se for c oisa
necessária, não nos devemos afligir. Bas­
ta fazerdes todas as vossas ações por Deus,
mui simplesmente ; e, ainda quando não
·
tivéss e is pensado em retificar a vossa in­
tenção antes de fazer e principiar a voss a
ação, basta fazê-lo depois, e não conce­
bais nenhum escrúpulo : a intenção geral
que fazemos pela manhã basta. Quando fa­
zemos alguma coisa por Deus, é iss o estar­
mos na sua presença ; o desej o que te mos
de nos conservarmos na sua presença ser­
ve-nos de atenção à presença da sua Bon­
dade. Não nos devemos admirar quando
não nos conservarmos nessa santa presen­
ça como desej aríamos. Bem felizes somos
de ter esse santo afeto de servir a Deus,
e não devemos fazer caso de não ter o
·
'
sentimento que desej áramos ter no seu
serviço.

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O segredo da salvaçlo

O exercício da presença de Deus é o caro


exercício dos Bem-aventurados, ou, antes,
o continuo exercício da sua bem-aventu­
rança, consoante o que Nosso Senhor diz
no Evangelho, que os Anjos v�em conti­
nuamente, sem interrupção nem intermis ­
são, a face do Pai celeste; pois não é a
vida eterna o ver a Deus e estar sempre
na sua presença, à feição dos Anj os, que
são chamados ass istentes ao sólio de Deus?
Se a Rainha de Sabá reputava be m­
aventurados os servos e os cortesãos de.
Salomão que estavam sempre na presença
deste e que escutavam as palavras de sa­
bedoria que lhe saiam da boca, quão mais
venturosos aqueles que, estando neste
mundo em estado de graça, estão conti­
nuamente atentos à santa presença
d'Aquele que os Anj os desej am ver, posto
o vej am incessantemente !
Andai sempre diante de Deus e diante
de vós. Deus acha prazer em vos v er dar
os vossos pass i nhos, e, como um bom Pai
que segura o filho pela mão, acomodará
os seus passos aos voss os e se contentará
de não andar mais depressa do que vós.
Com que vos preocupais ? Com ir para um
lado ou para outro, com ir depressa ou
devagar ? Contanto que ele estej a convos­
co e vós com ele, andai alegremente, c om
ext r ema confiança na misericórdia do

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Lembranc;a da presença.. de Deus 33

vooso Esposo, e erede que ele vos c ondu­


zirá bem ; deixai-o, porém, fazer.
Oh ! que feliz é a alma que, na tranqui­
lidade do seu coração, conserva amorosa­
mente o sagrado sentimento da presença
de Deus ! Porque a sua união com a di­
vina Bondade lhe embeberá o espírito to­
do da infinita suavidade. . E porque ha­ .

veria de inquietar-se a alma recolhida


em Deus ? não tem ela toda razão para
ficar em repouso ? Porquanto, que procu­
raria ela, j á que achou aquele a quem
buscava ? Resta-lhe só exclamar : Achei
aquele que meu coração ama, e não o
largarei.
Oh ! como são felizes essas almas que,
desde esta estância mortal, escolheram
essa ótima parte de Maria que lhes não
será tirada eternamente !

IX

Retiro espiritual.

E' aqui onde eu vos quero muito afei­


çoado a seguir o meu conselho ; porque
neste artigo consiste um dos mais seguros
meios do voss o adiantamento espiritual.
Assim como as aves têm ninhos nas ár­
vores para fazerem seu retiro quando pre­
cisam, e os veados têm as suas moitas e os
seus fortes onde se escondem e se põem a
O Segredo - 3

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34 O segredo da &e.lvação

coberto, tomando a frescura da sombra


no estio, assi m também os noss os corações
devem to91ar e escolher algum lugar cada
dia, ou no monte d o Calvário, ou nas
chagas de Noss o Senhor, ou em qualquer
outro lugar próximo a ele, para ai fazer
o seu retiro em toda sorte de ocasiões,
e para ai se aliviar e recrear no meio dos
negócios exteriores, e ai estar como num
forte, a fim de se defender das te nta ç ões .

Ditosa a alma que puder dizer em verdade


a Noss o Senhor : Sois a minha mansão
de refúgio, o meu baluarte seguro, o meu
teto contra a chuva e a minha sombra
cont ra o calor.
Lembrai-vos, p ois , de fazer sempre vá­
rios re tir os na solidão do voss o coração,
enquanto corporalmente estiverdes entre
as conversações e os afazeres ; e essa so­
lidão mental absolutamente não pode ser
imp edid a pela multidão daqueles que vos
estão em volta, pois eles não estão em
volta do vosso coração, senão em volta
do voss o corpo, de sorte que o voss o cora­
ção permanece sozinho na presença de
Deus. Era esse o exercicio que o rei David
fazia no melo de tantas ocupações que
tinha, tal como ele mesmo testemunha por
mil pass os dos seus salmos, como quan­
do diz : O' Senhor, estou sempre convosco.
Vejo meu Deus sempre diante àe mim.

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Lembrança da presern;a de Deus 35

Elevei meus olhos a vós, ó meu Deus, que


habitais no céu. Meus olhos estão s empre
em Deus . E também as conversações não
são geralmente tão sérias qu e se não pos­
sa, de vez em quando, retirar delas o
coração para repô -lo nessa divina solidão.
Havendo o pai e a mãe de Santa Cata­
rina de Sena tirado a esta toda comodi­
dade do lugar e o vagar para rezar e
meditar, inspirou-a Nosso Senhor a fazer
um pequeno oratório interior no seu espi­
rita, dentro do qual retirando-se mental­
mente, pud e sse, entre os afazeres exte ­
riores, cuidar dessa santa solidão cordial.
E d e pois, quando o mundo a atacava, ela
não sofria nenhum vexame com isso, por ....
que, dizia ela, se fec hava no seu gabinete
interior, onde se consolava co m seu ce­
leste Esposo. Por isto, desde então acon­
selhava ela a seus filhos espirituais fa­
zerem um quarto no coração e ficarem
nele.
Em .suma, ide estabelecendo cada vez
mais os voss os bons propósitos, as vos­
.

sas santas resoluções: aprofundai cada


vez mais a vossa consideração nas cha­
gas de Noss o Senhor, onde achareis um
abismo de razões que vos confirmarão na
vossa generosa empresa e vos farão sen­
tir o quanto é vil e vão o coração que
faz alhures a sua morada, que se aninha
3•

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36 O segredo da salvação

noutra árvore que não na da Cruz. O'


meu Deus, que felizes seremos se viver­
mos nesse santo Tabernáculo ! Não : nada,
nada no mundo é digno .do nosso amor ;
deve ele ser todo desse Salvador que nos
deu todo o seu.
Entrai cada dia da semana, devota­
mente, numa das chagas sagradas do nos­
so doloroso e amoroso Salvador. No do­
mingo, entrai na chaga do lado ; na se­
gunda, n a do pé esquerd o ; na terça, na do
pé direito ; na quarta, na da mão es ­
querda ; na quinta, na da mão direita ; na
sexta, nas cicatrizes da sua adorável Ca­
beça ; no sábado, volvei ao seu lado sa­
grado, a fim de por ele começardes e
acabardes a vossa semana.

X
Urgentes recomendações do santo Doutor.
Desej ais saber como se entende que se
deva meditar dia e noite na lei de Deus.
E' fazendo todas as nossas ações para
sua maior glória, e mantermos ncisso co­
ração atento a ele ; e nem por isto pen­
seis que sej a preciso estarmos sempre de
joelhos.
Tomai por hábito colocar-vos na pre­
sença de Deus à noite antes do vosso re­
pouso, agradecendo-lhe o haver-vos con­
servado ; pela manhã fazei assi m também,

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Lenlbrança da presença de Deus 37.

preparando-vos para servir a Deus duran­


te o dia, oferecendo-vos -ao seu amor.
Conservai-vos bem na presença de Deus
pelos meios que tiverdes.
-
Amais realmente a Deus? Se o amais,
comprazer-vos-eis em considerá-lo a miú­
de, em falar com frequência a ele e dele,
em unir-vos muitas vezes a ele no SS .
Sacrame nt o.
E' bom r epresentarmos a Deus as nos­
sas necessidades por um simples olhar, e
invocá-lo no começo de todas as nossas
ações. Pensai que o meigo Salvador está
sentado no vosso coração c omo em seu
trono, e olhai-o amiudadamente, humi­
lhando-vos muito diante dele.
Afeiçoai-vos, pois, muito a ele, e duas ou
três vezes ao dia repa r ai se a vossa mão
não está sempre firmemente presa à dele.
Chamai o mais frequentemente que pu­
d erdes, no correr do dia, vosso espirito à
presença de· Deus, por um dos quatro mo­
dos que vos ass i nale i ; olhai o que Deus
faz e o que vós fazeis : ver-lhe-eis os
olhos voltados para o vosso lado e perpê­
tuamente fitos em vós por um amor in­
comparável. O' Deus, direis vós, por que
não vos olho eu sempre como vós me
olhais ? Por que pensais em mim tantas ve­
zes, meu Senhor, e por que penso eu tão
pouco em vós ? Onde estamos, ó minh'al-

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38 O segredo da salvação

ma ? O n oss o verdadeiro lugar é Deus, e


onde é que nos achamos?
Devemos ter Deus diante dos olhos sem­
pre e em todo lugar, tanto estando sós
como acompanhados, em todo tempo, até
mesmo d ormindo, deitando-nos modesta­
mente na presença de Deus, como faria
aquele a quem Noss o Senhor, estando ain­
da em vida, mandasse deitar-se e dormir
na sua presença. O' meu Deus, quão mo·
desta e devotamente nos deitaríamos se
·
vos viss e mas ! Sem dúvida cruzaríamos os
braços sobre o peito, com grande devoção.
No correr do dia, e entre os afazeres, o
mais frequentemente que puderdes, exa­
minai � e vosso amor não se meteu· muito
adiante, se não está desordenado, e se não
vos sustendes sempre por uma das mãos de
Nosso Senhor. Se vos achardes embaraça­
do além de medida, acalmai voss a alma,
tornai a pô-la em repouso. Imaginai co­
mo Nossa Senhora empregava calmamen­
te uma das mãos enquanto segurava Nos­
so Senhor com a outra, ou no braço, na
infância dele. Pois era com grande con­
sideração.
Vivei, vivei todo em Deus, e não temais
a morte : o bom Jesus é todo noss o ; se­
j amos totalmente seus. Deu-no-lo nossa
muito honrada S enhora : guardemo-lo
bem, e coragem !

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SEGUNDA PARTE

ORAÇÕES JACUJ..ATóRIAS

Primeiramente devemos saber que to­


das as coisas foram criadas para a ora­
ção, e que, quando Deus criou o Anjo e o
homem, o fez a fim de que eles o louvas­
sem eternamente lá no céu, se bem seja
essa a última coisa que faremos, se últi­
mo se pode chamar ao que é eterno. E'
certo que os Anjos oram, e isto nos é mos­
trado em vários lugares da Sagrada Es­
critura. Mas, quanto aos homens que es­
tão no céu, não temos tantos testemunhos,
por isto que, antes de Nosso Senhor mor­
rer, ressuscitar e subir ao céu, não havia
homens no paraiso: estavam todos no seio
de Abraão. E', entretanto, coisa clarissi­
ma que os Santos e os homens que es­
tão no paraiso oram, de vez que os Anjos,
com quem eles estão, também oram. To­
dos os homens podem orar, e nem um só
pode excusar-se de fazê-lo, nem sequer
os hereges. Verdade é que os grandes pe­
cadores têm muita µificuldade em fazer
oração. Não obstante, enquanto forem ca-

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O segredo da salv�

pazes da graça, podem fazer oração. Só o


diabo é que não a pode faz e r, porque só
ele é incapaz de amor.
Os antigos cristãos educados por S. Mar­
cos evangelista eram assíduos na oração,
e por isto vários dos antigos Padres os
apelidaram de os suplicantes, e outros os
chamaram de médicos, p orque por meio da
oração achavam eles remédio para todos
os seus males. Denominaram-nos ainda
monges, p or se rem eles muito unidos, da­
do que o nome de monge significa único.
Os filósofos pagãos diziam que o homem é
uma árvore derrubada, donde podemos
concluir o quanto a oração é necessária
ao homem, visto como, não tendo terra
suficiente para lhe cobrir as raízes, não
pode a árvore subsistir ; ass i m, o homem
que não tem particular atenção para com
as coisas celestes, também não pode .sub­

sistir..

Ora, consoante a maioria dos Padres, a


oração outra coisa não é senão uma ele­
vação da mente às coisas celestes ; outros
dizem que é um pedido ; mas as duas opi­
niões não se contrariam, porquanto, ele­
vando a noss a mente a Deus, podemos
pedir-lhe o que nos parecer necessário.
O principal pedido que devemos f_azer
a Deus é a união das noss as vontades à
sua, e a causa final da oração consiste em

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��s jaculatórias

.só querermos a Deus. Ass i m, está ai en­


cerrada toda a perfeição, como disse
Frei Gil, companheiro de S. Franci.5co
de Ass is , quando certo personagem lhe
perguntou como p oderia faz e r para ser
logo perfeito : " Dá , respondeu ele, uma
a um " ; quer dizer : Tens só uma alma e
há só um Deus ; dá-lhe a tua alma, e ele
se dará a ti.
A perseverança é o dom mais desejável
que poss a mos esperar nesta vida, e o qual,
como diz o sacro Concilio de Trento, não
podemos haver de outro senão d e Deus ,
q u e é só quem pode firmar aquele que
está de pé e le vantar aquele que cai. Por
isto é que é preciso continuamente pe­
di-lo, empregando os meios que Deus nos
ensinou para obtê-lo : a oração, ·o j ej um,
o uso dos sacramentos, a frequentação
dos bons, a audição e a leitura das san­
tas Palavras. Ora, por isto que o dom da
oração e da devoção é liberalmente con­
cedido a todos os que de bom coração que­
rem consentir nas inspirações celestes, em
noss o poder está perseverarmos.
Pensai na grande honra que um coração
tem em falar a sós a seu Deus, a esse
ser soberano, imenso e infinito. Sim, por­
que aquilo que o coração diz a Deus, nin­
guém o sabe senão o próprio Deus pri­
meiramente, e depois aqueles a quem

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O segredo da Mlva.çi.o

Deus o faz saber. Não é esse um mara­


vilhoso segredo? Penso ser isto o que as
D01,itores dizem, a saber, que, para fazer
oração, é bom p€nsar que há só Deus no
mundo ; pois, sem dúvida, iss o retrai mul­
to as potências da alma, e a aplicação
delas se faz bem mais forte.

II

Grande utili dade das orações jaculatórias .

Quando as pavoas chocam em lugares


bem brancos, os filhotes também saem
branquinhos ; e , quando as noss as inten­
ç ões estão no amor de Deus ao proj e tar­
mos alguma obra boa, ou ao nos lançar­
mos em alguma vocação, todas as ações
que se seguem tomam o seu valor e tiram
a sua nobreza do amor onde têm a sua
origE m ; porquanto, quem não vê que as
ações que são próprias para a minha vo­
cação, ou requeridas para o meu deslgnio,
dependem dessa primeira eleição e reso-
1 ução que fiz ?
Mas não se deve parar ai; porém, para
fazer excelente progresso na devoção, é
mister não só, no começo da noss a con­
versã o e depois todos os anos, dEstinar a
noss a vida e todas as nossas ações a Deus,
mas também oferecê-las a Deus todos os
dias, pois n esta renovação diária da nos-

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Orações Jaculatórias

aa oblação difundimos nas noss as ações o


vigor e a virtude da dileção, por uma
nova aplicação do nosso coração à glória
divina, sendo ele, por esse meio, cada vez
mais santificado.
Além diss o , apliquemos cem e ceJ1'1. vezes
ao dia a noss a vida ao divino amor pela
prática das orações j aculatórias, elevações
de coração e retiros espirituais ; pois es tes
santos exercicios, lançando e atirando
continuamente nossas mentes em Deus, a
ele levam em seguida todas as noss as
aç õ�s E, d ize i-me , como poderia ser que
.

uma alma que a todo momento se lança


na divina Bondade e suspira incessante­
mente palavras de amor, para manter
sempre o coração no seio d o Pai Celeste,
não foss e j ulgada c omo fazendo todas as
su as boas ações em Deus e por Deus?
Aquela que diz : Oh, Senhor, sou v ossa,
meu Bem-amado é todo meu e eu sou
toda sua; m e u Deus, sois o meu tudo ; ó
Jesus, sois a minha vida ; ah ! quem me
fará a graça de morrer a mim mesma a
fim de só viver para vós ! " O' amar ! O'
encaminhar-se ! O' morrer a si mesmo ! O'
viv er para Deus ! " O' e star e m Deus ! O'
Deus ! aquilo que não é vós . mesmo não
é nada para mim ! - essa alma, digo, nãó
dedica continuamente suas ações ao celes­
te Esposo? Oh ! que be m-a v e ntu r a d a é a

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O segredo da salv�

alma que fez uma vez bem a destituição


e a perfeita resignação de si mesma nas
m ãos de Deus, como falamos acima ! Por­
que, ao depois, ela só tem que fazer um
pequeno suspiro e olhar para Deus para
renovar e con firmar a sua destituição,
resignação e oblação, com o protesto de­
n a d a querer senão a Deus e por Deus, e
de não amar a si nem coisa a lgu m a no
mundo, senão em Deus e pelo amor de
Deus.
Este exercício das continuas aspirações
é, pois, mui próprio para ap l i car todas as
noss as obras a o amor, mas _principalmente
basta muito abundantemente para as
ações diminutas e com úns d a noss a vida.
Ora, neste exercício do retiro espiritual
e das ora ç ões j aculatórias está a grande
obra da devoção : ele pode suprir a fa)ta
de todas as d emais orações, mas a a u-St n­
cia dele quase não pode ser reparada por
n e n h u m outro meio. Sem ele não se pode
fazer bem a vida c ontemplativa, e só mal
se poderia fazer a vida ativa ; sem ele, o
r ep ouso não pass a do ócio, e o tr ab alho
de embaraço; ei.s por que vos suplico abra ­
çá-lo de todo o voss o coração, sem j amais
vos -apartames dele.

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Orações jaculatórias

m
Fonte elas orações 1aculatórias
Retiramo-n os em Deus porque aspira­
mos a ele, e aspiramos a ele para nos re­
tirarmos nele ; de sorte que a aspiração a
Deus e o re tiro espiritual são ligados entre
si, e ambos provêm e nascem dos bonB
pensamentos.
Aspirai, pois, muitiss imas vezes a D eus,

por curtos mas ardentes transportes do


voss o coração : admirai-lhe a beleza, in­
vocai-lhe o auxilio; lançai-vos em espíri­
to ao pé da Cruz, adorai-lhe a bondade,
interrogai-o com frequência a respeito da
voss a salvação, dai-lhe mil vezes ao dia
vossa alma, fitai voss os olhos interiores na
sua doçura, estendei-lhe a mão como uma
criancinha a seu Pai, a fim de que ele vos
conduza ; ponde-o no peito como um rami­
lhete de1icioso, plantai-o em vossa alma
como uni estandarte, e fazei mil sortes
de diversos movimentos do voss o coração
para vos dardes amor de Deus e vos exer­
citardes numa apaixonada e terna dile­
ção desse divino Esposo. Assim se fazem
as orações j aculatórias que o grande San­
to Agostinho cuidadosame nte aconselha à
devota senhora Proba. Dando-se à fre­
quentação, privança e familiaridade de seu
Deus, o noss o espírito se perfumará todo
das perfeições dele . • •

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O segredo da salvação
- -- - - - - - -···--- - -- - ----- - -

Vários têm coligido muitas aspirações


vocais, que verdadeiramente são utiliss l­
mas ; mas, a conselho meu, não vos ads­
t r i n gi r eis a nenhuma sorte de palavras,
mas pronunciareis, ou de coração ou de
boca, as que o amor vos sugerir imedia­
tamente, pois ele vo-las fornecerá quan­
tas quiserdes. Verdade é que há certas
palavras que têm uma força particular
para contentar o c oração a esse respeito,
como são os transportes semeados tão
abundantemente d entro dos Salmos de
David, as invocações diversas do nome de
Jesus, e os r asgos de amor que são im­
pressos ao Cântico dos Cânticos. As can­
tigas espir ituais ainda se rv em à mesma in­
tenção, contanto que s ej am cantadas com
atenção.
Enfim, ass i m como os que são amorosos
de u m amor humano e natural têm quase
sempre os pensamentos voltados para o
lado da coisa amada, o coração cheio de
afeto a ela, a boca cheia dos louvores dela,
e ass im como na ausência dela nã o per­
dem ocasião de testemunhar por m iss iv as
as su as paixões e não acham árvore em
cuj a c as ca não escrevam o n ome daquilo
que amam, ass i m também a que l es que
amam a Deus não podem deixar de pen­
sar nele, respirar por ele , asp ir ar a ele e
falar a ele, e, se p oss í vel, quereriam gra-

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Orações jaculatórias 47
--- - - - -- --- --- - -- - - - -

var no peito de to'das as pessoas do mun­


do o santo e sagrado Nome de Jesus .

IV

Mod o de fazer as orações jaculatórias.


Tende o uso das orações j aculatórias,
que são suspiros de amor que soltamos
diante de Deus para solicitar a sua aj u­
da e socorro Para o que, muito vos ser­
.

virá guardardes na vossa imaginação o


ponto da meditação de que mais tiverdes
gostado, para remastigá-lo durante o dia,
como se faz com as pastilhas para o corpo.
Para isso vos servirá mesmo uma cruz,
ou uma imagem d evota pendurada ao pes­
coço ou ao voss o terço, manuseando-a e
beij ando-a multas vezes em honra daque ­
le que ela representa ; e, quando o relógio
bater, dizer uma palavrinha de coração
ou de boca, como sej a : Viva Jesus ! ou
então : Eis a hora de acordar ! ou então :
Aproxima-se a minha hora ; e semelhan­
tes.
Lançai amludadamente o voss o coração
nas mãos de Deus, descansai a vossa alma
na sua bondade, e ponde o vosso cuidado
debaixo da sua proteção. Fazei bem o que
puderdes ; e o resto deixai-o a Deus, que
o fará mais cedo ou mais tarde , segundo a
disposição da sua providência.

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48 O aegredo da salvação

Representai na vossa · imaginação Jesus


Cristo crucificado nos voss os braços e no
vosso pe.ito, e dizei cem vezes, beij ando-lhe
o lado : E' aqui a minha esperança , é esta
a fonte viva da minha fe Íi cidade, é o co­
ração de minh'alma, é a alma de meu
coração ; j amais coisa alguma me despren­
derá dos seus amore.s ; seguro-o e não o
largarei enquanto ele não me puser em
lugar de segurança. Dizei-lhe a miúd o :
Q u e posso e u ter n a terra e q u e pretendo
eu no céu senão a vós, ó meu Jesus ? Sois
o Deus do meu coração, e a herança que·

desej o eternam ente.


,
O exercício da união com Deus pode"'.'se
mesmo praticar por curtos e pass a geiros,
mas frequente.s, surtos do nosso coração
para Deus, por modo de orações j aculató­
rias feitas nesta intenção : Ah Jesus ! quem
me dará a graça de ser um só espírito
convosco ! Enfim, Senhor, re.j eitand o a
multiplicidade das criaturas, só quero a
vossa unidade ! O' Deus, sois o só uno e a
unidade única necessária à minha alma !
)U ! caro amigo do meu coração, uni a mi­
nha pobre única alma à vossa muito úni­
c a bondade ! Oh ! sois todo meu, quando
serei todo vosso? O imã puxa o ferro e
aperta-o : O' Senhor Jesus, meu imã,
meu puxa-coração, cerrai, apertai e uni
para sempre meu espírito ao vosso peito

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Orações j aculatórias 49

paterno ! Oh, - j á que sou feito para vós,


por que não estou em vós? Abismai esta
gota de espírito, que me destes, dentro
do mar da voss a bondade, da qual ela
procede . Ah, Senhor, já que voss o coração
me ama, por que não me arrebata a si,
já que eu bem o quero? Atrai-me, e cor­
rerei atrás dos vossos atrativos, para me
lançar nos vossos braços paternos e nunca
sair deles pelos séculos dos séculos. Amém.
Elas poderão ( as Freiras da Visitação)
sair da oração pela manhã considerando
Nosso Senhor no m is t ér i o em que o me­
. ditaram, e se detHão sobre alguns dos
pontos de que mais tiverem gostado. Por
exemplo, se meditarem o mistério d a Fla­
gelação, e se o olhar me igo e amoroso
que o divino Salvador lançava uma vez
por outra sobre aqueles q u e o flagelavam,
lhes tiver tocado o coração, devem elas
rec o rd á - lo amiudadas vezes, fazendo em
seguida esta elevação : O' doce Jesus !
olhai-me com os olhos da vossa misericór­
dia. - De outra vez : Oh, Senhor, tirai
de m� m tudo aquilo que pode desa gr a dar
aos vossos o l h os !
Poderão também ficar docemente aos
pés de Nosso Senhor, como Madalena, es­
cutando o que ele lhes disser ao c oração,
considerando-lhe a bond a d e e o amor, e
falando-lhe d e vez em quando por estes

O Segredo - 4

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50

transportes de coração ·e orações j acula­


tórias, tais ou semelh antes : O' Deus ! sois
meu Pai, recebei-me nos braços da vossa
divina providência ! - Meu Deus, tende
compaixão da minha miséria ! - Oh, Se­
nhor, viva eu só para vós ! - Ai, minha
salvação ! dai-me o voss o amor !
Minha cara Senhora, saúdo-vos e vene­
ro-vos d e todo meu coração. - Mãe de
misericórdia, rogai por mim. - Rainha do
céu, recomendo-vos minh'alma. - Minha
doce Mãe, alcançai-me o amor de voss o
Filho . . .
Anj o glorioso, que me tendes em guarda,
rogai por m ím. - Meu caro guardião,
dai-me a voss a bênção. - Bem-aventu­
rado Espírito, defendei-me do inimigo. -
Meu caro Protetor, dai-me uma grande.
f idelidade às voss as inspirações.
O mesmo farão elas para com os San­
tos e Santas a quem tiverem particular
devoção, como S. José, Santo Agostinho,
S . João Batista ; os príncipes da Igrej a
S. Pedro e S. Paulo, S. João Evangelista,
padroeiro das virgens, S. Bernardo, s.
Francisco d e Ass is , Sant'Ana, Santa Maria
Madalena, as três Santas Catarinas e ou­
tros gloriosos Santos.
Quando o relógio bater, suspirem elas
as horas inutilmente passadas ; - pensem
que deverão dar contas dessa hora e de

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Orações jaculatórias 61

todos os momentos da sua vida ; - que


se aproximam da eternidade ; - que as
horas são séculos para os infelizes con­
denados ; - que nós corre mos para a
morte ; - que a nossa hora derradeira
soará talvez breve.
Façam, pois, as Irmãs, de tais pensa­
mentos, alguma devota aspiração, a fim
de que Deus lhes sej a propicio nessa hora
derradeira, o que sucederá infalivelmente
às que se tornarem mui cuidadosas desse
exercir!io, que devem praticar e m todo
tempoi e em qualquer ocasião, e por meio
do qual cresce rão e aproveitarão todos
os dias de virtude em virtude, até à per­
feição do amor divino.

V
" Vindimas espirituais "

Senhora, disseram-me que estáveis bem


adiantada nas vossas vindimas : louvado
sej a Deus. Cumpre que meu coração vos
diga esta palavra qu� eu disse outro dia
a outra vindimadora que é bem das vossas
mais caras primas.
No Cântico dos Cânticos, a Esposa sa­
grada, falando a seu divino Esposo, diz
que seus " peitos são melhores que o vinho,
odoríferos e m un g u e nto s preciosos " . Que
peitos tem, porém, esse Esposo? São a sua

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62 ----------
eg
º'- -ª-' ed
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graça e a sua promessa ; pois ele tem o


.seu peito amoroso da noss a salvação, cheio
de graças, que ele . destila de hora em
hora, mesmo de momentos em momen­
tos, nos nossos espiritos ; e, se quisermos
pensar bem nisso, acharemos que ass i m
é. E, por outro lado, tem ele a promess a
da vida eterna, com a qual, como com
um santo e amável leite, alimenta a nossa
esperança, como com sua graça- sacia o
nosso amor. Ess e licor precioso é bem mais
delicioso que o vinho.
Ora, ass i m como se fazem as vindimas
espremendo as uvas, vindima-se espiritual­
mente espremendo as graças de Deus e as
suas promessas . E, para espremer a graça
de Deus, há que multiplicar a oração pe­
los curtos mas vivos transportes de nos­
sos corações ; e, para espremer-lhe a pro­
messa, há que multiplicar as obras de ca­
ridade, pois a elas é que Deus dará o
efeito das suas promessas : "Estive doente,
e me visitastes " , dirá ele. " Todas as coi­
sas têm a sua estação " ; há que espre­
mer o vinho numa e noutra espécie de
vindima ; mas há que espremer sem se
apressar, com cuidado mas sem inquieta­
ção.
Ainda pensando, minha cara Filha, que
os pe itos do Esposo sej am o seu lado tr 3.\""
pass a do na Cruz, ó Deus, como essa Cruz

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Ora.<;õe� jaculatórias 63

é uma cepa torcida, mas bem carregada !


Não há nela senão uma só uva, mas que
vale mais do que mil. Quantos grãos têm
achado nelas ·as almas santas, pela con­
sid�ração de tantas graças e virtud€s que
nela esse Salvador do mundo mostrou !
Fazei belas e boas vindimas, minha
cara filha, e sirvam-vos umas de escada e
passa gem para outras. S. Francisco amava
os cordeiros e os carneiros porque lhe re­
presentavam o seu caro Salvador ; e eu
quero que amemos essas vindimas tempo­
rais não só porque são coisas pertinentes
ao cuidado corr€spondente ao pedido que
todos os dias fazemos do pão n osso de
cada dia, mas também e muito mais por­
que nos elevam às vindimas espiritu àis.
Conservai vosso coração cheio de amor,
mas de um amor suave, sossegado e tran­
quilo. Encarai as vossas faltas, como as
dos outros, com compaixão antes que com
indignação, com mais humildade do que
severidade.
A Deus, Senhora ; vivei alegre, já que to­
da vos dedicastes à alegria imortal que
é o próprio Deus, que para sempre queira
viver e reinar no meio dos noss os cora­
ções.

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salvação
� -- - -- -- --- ----()_segredo da

VI

Facilidade da prática das orações


jacula tórias.
Ve.nhamos agora à terceira parte da
oração mental que se faz p or via de trans­
portes. Desta ninguém se pode excusar,
porque pode fazer-se indo e vindo nos
próprios afazere.s. Dizeis-me que não ten­
des · tempo para fazer duas ou três ho­
ras de oração : e quem é que vos fala
disto ? Re comendai-vos a Deus desde a
manhã, protestai que não o quueis ofen­
der, e depois ide-vos para os voss os ne­
gócios, resolvido não obstante a fazer vá­
rias e.levações da voss a mente a Deus, até
·
mesmo entre as c ompanhias. Quem é que
vos impede de lhe falar no fundo do vos­
so coração, já. que não importa lhe fa­
le. is mental ou vocalmente ? Dizei palavras
curtas, mas fervorosas. Aquela que S.
Francisco repetia é excelente, se bem que
foss e uma palavra de contemplação, por­
que continuava como um rio que vai sem­
pre correndo. Verdade é que dizer a Deus
" Sois o meu tudo " , e querer alguma outra
coisa que não ele, não ficaria be.m, pois
é mister que as palavras sej am conformes
aos sentimentos do coração. Dizer, porém,
a Deus : " Amo-vos ", ainda que não tenha­
mos um grande sentime.nto de amor, �o

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não devemos deixar de dizê-lo, porque
queremos amá-lo e grande desej o temos de
amá -lo .
Um bom meio para nos acostumarmos
a fazer €Ssas elevaÇões é tomar d e s é gui­
da o Padre -Nosso, escolhendo uma sen­
. tença para cada dia. Por exemplo, to­
mastes hoj e : Padre Nosso, que es tais n os
cé u s ; direis, pois, a prim€ira vez : Meu
Pat, que es tais n o c é u ; e um quarto d'hora
depois direis : S e sois meu Pai, quando
é que serei perfeitamente vosso filho ?
Ass im· ireis continuando de quarto em
quarto d 'hora a voss a oração.
Os santos Padres que viviam no deserto,
aqm.les antigos e verdadeiros Religiosos,
eram tão cuidadosos em fazer essas ora­
ções e elevações, que S . Jerônimo conta
que, quando eles iam visitá-lo, ouvia-se
um que dizia : O' meu Deus, sois tudo o
que eu desej o ; e outro : Quando serei todo
voss o , ó m € u Deus ? e outro repetia : D eus
tn adjutorium meu tnten<!-e. Finalmente,
ouvia-se uma harmonia muito agradável
da diversidade das suas vozes. Dir-me-eis,
porém : Se a gente pronuncia essas pala­
vras vocalmente, porque é que lhe cha­
mais oração mental ? Porque se faz tam­
bém mentalmente, e porque parte primei­
ramente do coração

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56 ------'----
-
9 segredo da salva�

No Cântico dos Cânticos, diz o Espooo


que sua bE m-amada lhe roubo u o coração
por um dos olhos e por um dos cabelos
que lhe pende por cima da gola. Estas pa­
lavras são uma alj ava cheia de · agr adabi­
líssi mas e d ulcíss i mas interpretações ; e iS
aqui uma bem amável. Quando um mari­
do e uma mulher têm no seu lar afazeres
que os obrigam a separar-se, se acaso su­
cede se encontrarem olham-se um pouco
pass a ndo, mas é só por'um dos olhos, por
isto que, encontrando-se de lado, na­
turalmente não se pode fazê-lo com ambos.
Ass i m, quer esse Esposo dizer : Posto que
minha bem-amada estej a muito ocupada,
ainda ass i m não deixa de olhar para mim
com . um olho, protestando-me por esse
olhar ser toda minha. Ela roubou-me o
coração por um dos cabelos, isto é, por um
pensamento que d esce do lado do seu
coração.
Não é d ifícil ess e exercicio, por".lue pode
entrelaçar-se em todos os noss os afazeres
e ocupações, sem absolutamente incomo­
dá-los, dado que, ou no retiro espiritual,
ou neses transportes interiores, só se fa­
zem pequenas e curtas diversões que abso­
lutamente não impedem, antes servem
muito ao pross e guimento daquilo que es­
tamos fazendo. O peregrino que toma um
pouco de vinho para alegrar o coração e

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O�ões J aculat6rla., 67

refrescar a boca, se bem que pare um pou­


co para iss o, não interrompe entretanto
a viagem, mas toma força para mais de­
prESSa e fàcilmente conclui-la, só paran­
do para melhor andar.
Por entre o dia, algumas elevações de
espírito a Deus que não ocupam tempo,
mas se fazem num momento. Não é pre­
ciso usar de palavras , mesmo interiores :
basta transportar o coração ou descansá­
lo em Noss o Senhor ; basta olhar amoro­
samente para esse divino namorado das
noss as almas, pois entre os amantes os
olhos falam melhor do que a lingua.
Nenhuma companhia, nenhuma suges­
tão podErá impedir-vos de falar com fre­
quência com Noss o Senhor, com seus An­
jos e Santos, nem de ir amiúde por en­
tre as ruas da Jerusalém celeste, nem de
escutardes os sermões interiores de Jesus
Cristo e do vosso bom Anj o, nem de co­
mungardes todos os dias em espírito. Fa­
zei, pois, com alegria de coração tudo iss o .
Oh ! como seremos felizes se chegarmos
um dia ao céu ! porque lá meditaremos
mirando e considerando por miúdo todas
as obras de Deus, e as havemos de achar
boas; contemplaremos, vendo-as, todas
j untas, ótimas, e nos lançaremos eterna­
mente nele. Lá é onde eu vos desej o. As­
sim sej a.

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58 O segredo da salv�

VII

Convite das cria turas a nos ele varmos


a Deus.
Tudo convida os que amam a Deus a
elevar-se a ele, e não há criatura que
lhes não anuncie o louvor do seu Bem­
Amado, e, como dizia s . Agostinho depois
d e S. Ambrósio, tudo o que está no mun­
do lhes fala com linguagem muda, mas
muito inteligível, e m favor d o seu amor ;
to)ias as c oisas os provocam a bons pen­
samentos, dos quais ao depois nascem
muitos surtos e aspirações para Deus. E
eis aqui alguns exemplos.
S. Gregório, bispo de Nazianza, conforme
ele próprio contava ao seu povo; pass e ando
à beira-mar considerava como as ondas,
avançando na areia, deixavam conchas e
pequenos búzios, talos de erva, pequenas
ostras e seme lhantes bugigangas que o
mar rej eitava e, por ass i m dizer, cuspia
na praia ; depois, voltando p or outras va­
gas, tornava a tomar e tragava de novo
uma parte daquilo, enquanto os rochedos
dos arredores permane ciam firmes e imó­
veis, posto que as águas viessem bater ru­
d e mente contra eles. Ora, s obre iss o fez
ele este bel o · pensamento : que os fracos,
como conchas, búzios e talos de ervas, se
d e ixam levar ora à aflição ora ao consolo,

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Orações jaculatórias ó9

à mercê das ondas e vagas da fortuna ;


mas que os grandes ânimos ficam firmes
e imóve is em toda sorte de tempestades ;
e deste pensamento fez nascerem estes
transportes de David : O' Senhor, salvai­
me, pois as águas me pene traram até à
alma! O' S enhor, livrai-me do profundo
das águas ! Sou levado ao fundo d o mar,
e a tempestade me submergiu. Porque en­
tão S. Gregório estava e m aflição pela
desgraçada u.surpação que Máximo em­
preendera sobre o Sé u bispado.
S. Fulgêncio, bispo de Ru.spe, achando­
.se numa assembléia geral da nobreza ro­
mana e m que Teodorico, rEi dos Godos,
discursava, e vEndo o esplendor de tantos
senhores que estavam e m fila, cada qual
segundo sua qualidade, disse : O' Deus, co­
mo deve ser bela a Jeru.salém Céleste, j á
que neste mundo a gente v ê tão pomposa
a Roma terrestre ! E, se neste mundo tan­
to esplendor é concedido aos amadores da
vaidade, que glória não deve estar reser­
'
vada aos contempladores da verdade !
Dizem 9ue Santo Anselmo, arcebispo de
Cantuária, cuj o n ascimento honrou gran­
demente as noss as montanhas, era admi­
rável nessa prática d os bons pensamen­
tos. Perseguida pelos cães, uma lebrezinha
acorreu para dE baixo do cavalo desse san­
to Pr elad o , que na ocasião viaj ava, como

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O segredo da salvação

para um re fúgio que o perigo iminente


de morte lhe sugeria ; e os cães, a ladra­
rem por toda a volta, não se atreviam a
violar a imunidade a que sua presa re­
correra ; espetáculo, por certo, extraordi­
nário, que fazia rir toda a comitiva, ao
passo que o grande Anselmo chorava e
ge mia, dizerido : Ah ! estais rindo, mas o
pobre animal não ri ; os inimigos da alma
perseguida e d esencaminhada por diversos
desvios a toda sorte de pecados, esperam­
na no estreito da morte para arrebatá-la
e devorá-la ; e ela, toda ass ustada, busca
por toda parte socorro e refúgio ; e, se não
o acha, zombam e riem dela os inimigos.
Dito o que, foi-se embora Anselmo suspi­
rando.
Constantino Magno escreveu. honrosa­
mente a S. Antão ; com o que muito se
admiraram os religiosos q ue estavam em
volta dele, e Ele lhes diss e : Como admi­
rais que um rei escreva a um homem? ,
Admirai, antes, que Deus eterno tenha
escrito a sua lei aos mortais, e até lhes
haj a falado boca a boca na pessoa de seu
Filho.
s. Francisco, vendo uma ovellla sôzinha
no meio de um rebanho de bodes, disse ao
companheiro : Vede como essa pobre ove­
linha é mansa entre essas cabras ; Nosso
Senhor ia assi m manso e humilde por

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entre os fariseus. E, de outra vez vendo


um cordeirinho comido por um porco, dis­
se chorando : Oh ! cordeirinho, como re­
presentas vivamente a morte de meu Sal­
vador !
O grande S . Basilio diz que a rosa entre
os espinhos faz esta advertência ·aos ho­
mens : O que há de mais agradável neste
mundo, ó mortais, é misturado de triste­
za ; neste mundo nada é puro : o pesar es­
tâ sempre colado à alegria, a viuvez·
ao casamento, o cuidado à fertilidade, a
ignomínia à glória , o gasto às honrarias,
o tédio às delícias e a doença à saúde.
Bela flor, diz o santo personagem, a rosa ;
mas me dá grande tristeza, adve rtindo-me
d o meu pecado, pelo qual a terra foi con­
denada a dar espinhos.
Mirando um córrego e vendo nele o céu
representado com as estrelas numa noite
serena, disse uma. alma devota : O' meu
Deus, essas mesmas estrelas me estarão
d ebaixo dos pés quando me houverdes alo­
'jado nos voss os santos tabernáculos ; e ,
como as estrelas do céu s ã o representadas
na terra, assim os homens da terra são
representados no céu na viva fonte da ca­
ridade divina. Outra, vendo um rio cor­
rer, exclamou ass i m : Minh'alma j amais
terá descanso enquanto não for abismada
no mar d a Divin d a d e , que é a sua ori-

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62 __
_ ___ o_segr��-��s�Iv�

gem. E Santa Francisca, considerando um


agradável riacho, à bE ira do qual se ajoe­
lhara para rezar, foi arrebatada, repetin­
do várias vezes estas palavras bem de
mansinho : A graça de meu Deus corre
ass i m, doce e suavemente como este pe­
queno regato.
Outro, vendo as árvores floridas, sus­
pirava : Por que é que só eu sou sem flo­
res no j ardim da Igrej a ? Outro, vendo
·uns pintinhos debaixo da mãe, disse : "O'
SE nhor, conservai-nos debaixo da sombra
das vossas asas. Outro, vendo o girassol,
diss e : Quando será, meu Deus, que mi­
nh'alma seguirá os atrativos da voss a ca­
ridade ? E, vendo uns amores-perfeitos de
j ardim, b elos para a vista, mas sem odor,
diss e : Oh ! tais são as minhas cogitações,
belas de dizer, mas sem efeito nem pro­
dução ( " Vida devota ") .
Se via belos campos, , S . Francisco de
Sales dizia : Somos o campo do Senhor,
devemos cultivá-lo e semear nele o grão
da sua palavra. Vendo uma igrej a : Somos
templos vivos do Espírito Santo, devemos
orná-los de virtudes. A vista de uma ár­
vore em flores : Não são só flores, porém
frutos, que Deus nos pede. Pinturas belas
lhe evocavam que a alma é a imagem de
Deus e deve tornar-se semelhante a ele ;
j ardins lhe evocavam que nossa alma, se

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a Enfeitarmos com os frutos das virtudes,


será para Deus um j ardim de delicias. A
vista duma fonte, suspirava : Ah ! quando
beberemos a longos goles nas fontes do
Salvador ? Em vendo rios : Quand o será
que in mos a Deus como estas águas ao
mar ? Um cordeiro representava-lhe a do­
çura de Jesus Cristo, que se chama o
Cordeiro de Deus. Nos pobres ele via os
membros queridos do Salvador ; nos sacer­
dotes, seus ministros ; e ass i m toda a na­
tureza lhe servia como que de d egraus
para se elevar a Deus e se unir Aquele
que era o único amor do seu coração
( Hammon, Vida de s. Francisco d e Sales,
7, 6 ) .
VIII

As ·orações jaculatórias durante


as doenças.
Deixemos por um pouco a meditação ( é
só para melhor saltar que recuamos ) , e
pratiquemos bem essa santa resignação e
dse amor puro de Nosso Senhor que nun­
ca &e pratica tão inteiramente como por
entre os tormentos ; porquanto amar a
Deus dentro do açúcar, bem o fariam as
crianç as ; mas amá-lo dentro do absinto,
este é o rasgo da vossa amoro,sa fideli­
dade. De dizer " Viva Jesus ! " na monta­
nha do Tabor, S. Pedro, por mais gross e i-

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O segredo da salvação

ro que sej a, bem tem coragem ; mas di­


zer " Viva Jesus ! " no monte Calvário, is­
to só pertence à Mãe e ao amoroso fie l que
lhe foi deixado por filho.
Ora, como vedes, recomendo-vos a Deus
para alcançardes essa sagrada paciência,
e em meu poder não está propor-lhe o
que quer que sej a para vós, senão que in­
teiramente a seu gosto prepare ele o voss o
coração para se aloj ar nele e nele reinar
e ternamente ; que o prepare, digo, ou com
o martelo, ou com o buril, ou com o pincel ;
quer dizer, que faça a seu gosto. Não é ?
Não é preciso fazer ass i m?
Sei que as vossas dores aumentaram há
pouco, e , na mesma medida, o desprazer
que com isto sinto ; se bem que eu louve
e bendiga convosco a Nosso Senhor pelo
se u beneplácito, que ele exerce em vós
fazendo-vos participar da sua santa Cruz
'
e coroando-vos com a sua C oroa de es­
pinhos.
Mas dizeis-me que, enquanto as dores
vos afligem, quase não podeis deter o vos­
so pensamento nos trabalhos que Noss o
Senhor sofreu por vós. Pois bem : tam­
bém não se requer que o façais, mas que
mui simplesmente eleveis, o mais fre quen­
temente que puderdes, o voss o coração a
esse Salvador, e façais estas ações : l .º,
aceitar o trabalho da sua mão, como se

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vis.seis ele próprio vo-lo impondo e vo-lo
pondo à cabeça ; 2 .0, oferecendo-vos para
sofrer ainda mais ; 3 .º, adj urando-o, pelo
mérito dos SEUS tormentoo, a aceitar esses
pequenos incômodos em união com as pe­
nas que ele sofreu na Cruz, protestando­
lhe quererdes não somente sofrer, mas
amar e acarinhar esses males como envia­
dos por mão tão boa e tão meiga ; 4 .0, in­
vocando os mártires e tantos s ervos e
servas de Deus que gozam o céu por mui­
to haverem sido afligidos neste mundo.
Não há perigo nenhum em desej ar re­
médio, é mesmo preciso procurá-lo cuida­
dosamente ; porque Deus, que voo deu o
mal, é também o autor dos remédios .
Cumpre, pois, aplicá-los, m as, n ã o obstan­
te, c om tal resignação, que, se a d ivina
Maj estade quiser que o mal vença, aquies­
c ereis a isso ; e , se quiser que o remédio
vença, ainda p Ó r isto o bendirE is.
Viva Jesus ! e reine entre ás vossas d ores,
já que não podemos reinar nem viver se­
não pElas dores da sua morte.
Deixemo-nos levar pela providência de
Imus, que sabe o que é melhor. Não ; per­
sisti em não recitar as vossas Horas ne m
o Ofício enquanto os médicos v os · d iss erem
que essa recitação vos é prej udicial ; certo
estou, porém, d e que não deixais d e fazer
exalar do voss o coração mil perfumes de

O S q; r e d n - 5

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66 o segredo da salvac;ão
. - . . ---� -- . · · - ---- - --

curtas mas ardentes oraç ões aos pés de


Jesus Cristo crucificado, que- deve se r o
obj eto usual dos vossos pensamentos nesse
santo tempo das voss as tribulações. O
fogo, se for aplicado, servirá bem para esse
e feito, pois fará os vossos afe t os subirem
como o incenso se eleva à medida que se
consome cá em baixo.
Quanto à meditação, têm razão os mé­
dicos : enquanto estiverdes enfermo, deveis
privar-vos dela. E, para reparar esta falta,
deveis fazer a o dobro orações j aculatórias,
e apl i ca r o todo a Deus por uma aquies­
c ência in t e ir a ao seu beneplácito, que ab­
solutamente não vos separa dele, dando­
vos esse impedimento para a meditação ;
mas é para vos unir mais sólidamente a
e le pelo exercicio da santa e tranquila re­
signação. Qu e nos importa estarmos c om
Deus duma maneira ou doutra ? Em ver­
dade, j á que a ele só bus c amos, e que o
não achamos menos na mortifica ç ão do
que na oração, mormente quando ele nos
toc a com a doença, tão boa n os deve ser
uma coisa como outra ; além de _ que as
or ações j aculatórias, os transportes da
men t e , são verdadeiras orações continuas,
e o sofrimento dos males é a mais digna
oferta que podemos fazer Aquele - que nos
salvou sofrendo.

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O raç õ e s _
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Enquanto noss os corpos estão em dor,


dificil é elevarmos noss os corações à con­
sideração perfeita da bondade de Noss o
Senhol' ; isto só pe rtence àqueles que, por
longos hábitos, têm a mente inteiramen­
te voltada para a banda do céu. Porém
nós, que ainda somos todo tenros, nós te­
mos almas que derivam fàcilmente para o
s€:ntimento dos trabalhos e das dores do
corpo; é por isto que não é maravilh a se,
durante as vossas doenças, haveis inter­
rompido o uso da oração interior. Ass i m,
nesse tempo, basta empregar as orações
j aculatórias e sagradas inspirações ; por­
que, já que o mal nos faz suspirar a miúdo,
nada custa suspirar em Deus e para Deus
e por Deus, antes que suspirar para fazer
queixas inúteis. Estej a Deus para sempre
no meio do voss o coração para enchê-lo
e fazê-lo abundar no seu santo amor.
Meu Deus ! quanto bem minha alma de­
sej a à voss a ! Tirai muito proveito dos
vossos trabalhos, tornai-os frutuosos por
uma aceitação voluntária das cruzes que
a necess i dade vos impõe. Praticai fielmen­
te as orações j aculatórias. Meu coração
vos estremece mui particularmente n'Aque­
le que por nós teve o seu traspass a do na
Cruz: Não dizeis sempre " Viva Jesus ! " ?
Pois bem : viva esse grande Jesus e reine
nas noss as almas. Amém.

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68 O segredo da salvação

IX

Exortação a fazer com frequência orações


jaculatórias.
O santo Bispo " recomendava fazer fre­
quentes retornos a Deus mesmo por entre
ações santas, como pregar, confessar, es­
tudar, ler, falar de coisas· espirituais " ( de­
poimento de S. Joana Francisca de Chan­
tal ) .
Continuai a avançar por esse lado ( a
demanda da verdadeira devoção ) , onde en­
contrareis afinal o bem- aventurado repou­
so da vossa alma. Lembrai-vos de que nos­
so Deus não é como o resto das coisas : é
bom para todos e em todo tempo ; em
toda parte o achareis para vosso arrimo
e consolo; pelo que, não vos canseis à
procura de tão grande bem. Aspirai a ele
perpetuamente pelos curtos mas vivos
transportes da vossa mente.. ao seu amor,
dos quais vos hei falado tantas vezes.
Aprend e i a fazer amiudadas orações j a­
culatórias e elevações do vosso coração a
Deus. Quisera eu que essas orações fos­
sem tão frequentes como aspirar e res­
pirar ( Cartas ) .
Se pudésseis provocar um pouco profun­
damente vossa alma ao amor e à prática
da mansidão e da verdadeira humildade,
seríeis coraj osa, mas é · preciso pensar nis-

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Oraçiies jaculatórias 69

so amiudadamente. Fazei a preparação de


manhã, e e m suma tomai a qualquer custo
essa tare fa, que Deus vos pagará com mil
c onsolações ; e , para isso, não vos esque­
çais de elevar repetidas vezes vosso cora­
ção a Deus e voss os pensamentos à eter­
nidade . Havtrá nada tão doce como quase
não ver a terra e ver muito o céu ?
Acostumai-vos às preces breves e às ora­
ções a que chamamos j aculatórias. Lan ­
çai múltiplas vezes ao dia todo o voss o
coração, a vossa mente e o vosso cuidado
em Deus com grande confiança, e dizei­
lhe com David : Vosso sou, Senhor, sal­
vai-me!
Suplico-vos digais muitas vezes a Deus,
como o Salmista : Vosso sou, salvai- me;
e , como Madalena estando-lhe aos pés :
Rabboni ! Ah ! meu Mestre ! E depois dei­
xai-o fazer : ele fará d e vós, em vós, sem
vós e, não obstante, por vós e para vós,
a santificação do seu Nome, ao qual sej a
dada ·honra e glória.
Fazei frequentemente orações j aculató­
rias a Nosso Senhor e em todas as h oras que
puderdes, e em todas as companhias,
olhando sempre a Deus no vosso coração e
o vosso coração e m D e us.
Quer na miss a , quer n o correr d o dia,
desej o que o terço se diga todos os d ias,
'
o mais afetuosamente que for possível.

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70 O Hegredo da salvação

'
No correr do dia, muitas orações j acula­
tórias e particularmente as das horas,
quando estas batem : é uma devoção útil.
Continuai, entretanto, os vossos exerciclos,
excitai em vós a vossa coragem, e sobre­
tudo esforçai-vos o mais possível para fa­
zer muitas elevações de coração sobre Je­
sus-Cristo crucificado.
Reerguei a miúdo o vosso coração por
uma santa confiança misturada de pro­
funda humildade para com noss o Reden­
tor ; como dizend o : Sou miserável, Senhor,
e recebereis minha miséria no seio da vos­
sa misericórdia, e me puxareis com a
·

vossa mão paternal para o gozo da voss a


herança. Sou mesquinha e vil, e abj eta ;
p orém vós me amareis nesse dia ( da mi­
nha morte) , porque esperei em vós e de­
sej ei ser vosso.
S obretudo, p orém, desej o que a todo
propósito, durante o dia, retireis o voss o
coração em Deus, dizendo-lhe algumas
palavras de fidelidade e amor.
Ficai em paz ; dizei muitas vezes a Nosso
Senhor que quereis ser o que ele quiser
que sej ais, e s ofre r o que ele quiser que
sofrais. Combatei fielmente as vossas im­
paciências, exercendo não só a todo pro­
.,Pósito, mas ainda sem propósito, a santa
benignidade e doçura para com aqueles

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Oraçl\es jaculatórias 71

que vos forem mais aborrecidos, e Deus


abençoará o vosso intento.
Fazei bem a santa oração ; lançai com
frequência o voss o coração nas mãos de
Dr:us, descansai vossa alma n a sua bon­
dade, e colocai vosso cuidado debaixo da
s u a proteção. Fazei bem o que puderdes,
e o resto deixai-o a Deus, que o fará,
majs cedo ou mais tarde , segundo a dis­
p osição da sua Providência.

• X

Mesmo assunto. ·

Ficai em paz, carlss i ma Filha ; tirai da


imaginação o que vos pode p ert urbar e ,

d ize i f re qu e nteme n te a Noss o Senhor : O'


D e us, s.ois o meu Deus e conftaret em vós ;
assistir-me- eis o meu refúgio, e
e sereis
. nada temerei; p ois não somente estais
comigo, mas estais em mim, e eu em vós.
Que pode a criança temer nos braços de
um tal Pai? Sede mesmo uma criança,
carlss i ma Filha : como sabeis, as crianças
não pensam em tanta coisa ; têm que m
nela pense por elas ; só são fortes de mais
se ficam com seu pai. Fazei, pois, assim,
minh a carlss i ma Filha, e ficareis em paz.
Pelo amor de Deus, sede um pouco co­
r aj osa : dizei cem vezes ao dia, mas dizei-o

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í2 O s e g r ed o da sal vação
---

de coração : Deus nos aj udará ; e vereis


que ele o fará .
Imolai a miúde todos os voss os afetos
a Deus pela renovação da resolução que
fizestes de não querer empregar um só
momento de vossa vida senão para o ser­
viço do sagrado amor do Esposo ce leste.
Continuai a apresentar frequentemente o
vosso coração a Deus, e vivei em espírito
de doçura e de humildade diante da sua
face e p or entre os próximos, e absoluta­
mente não duvideis de que ele vos assista
e vos .conduza aonde aspirais.
Fazei bem a tarefa que tendes agora
diante dos olhos, isto é, continuai a fazer
bem sossegadamente os vossos exercícios
espirituais ; e ntregai o vosso espírito e o
vosso . coração cem· vezes ao dia n as mãos
d e Deus , re comendando-lhe o vosso tra­
balho com toda sinceridade.
Servi a Deus com grande coragem e,
o mais que puderdes, por exercícios da
vo�.sa vocação. Amai todos os próximos,
mas .sobretudo a quem Deus mais quer
que amais. Rebaixai-vos aos atos cuj a
casca se afigura menos digna, quando sou­
berdes que Deus o quer ; porquanto, qual­
quer o modo como a santa vontade de
Deus se faça, o u por altas ou por baixas
operações, não importa. Suspirai a miúdo
pela união da vossa vontade com a de

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Orações jaculatórias 73
������

Noss o Senhor. Tende paciência convosco


nas voss as imperfeições. Não vos apresseis,
nem multipliqueis desej os de ações que vos
sã õ impossíve is . Caminhai perpetuamente
e devagarinho : s e no...c::s o bom Deus vos
f izer correr, dilatará o voss o coração, mas,
por noss o lado, d etenhamo-nos nesta úni­
ca liçi\.o : Aprendei d e mim, que sou manso
e humilde de coração.
Quisera eu que muitas vezes a o dia in­
vocásseis a Deus a fim de vos dar o amor
da vossa vocação, e dissésse is como S.
Paulo quando foi c onvertido : Senhor, que
quereis que eu faça? Quereis que eu vos
sirva n o mais vil ministério da vossa casa ?
Ah ! ainda me reputarE i demasiado feliz :
contanto que vos sirva, não me preocupo
com e m que será. E, vindo ao particular
d aquilo que vos molesta, direis : Quereis
que e u faça, tal ou tal coisa, Senhor ? Ai !
não sou digno dela ; fá-la-ei de muito
bom grado. Que, dessarte, vos humilheis
muito. O' meu Deus, que tesouro adqui­
riríeis ! maior, sem dúvida, d o que podeis
avaliar.
Devemos amar aquilo que Deus ama ;
ora, ele ama a nossa vocação ; amemo-la
m.-ito também, e não nos distraiamos a
pensar na dos outros. Façamos a nossa
tarefa ; a cada um não é de mais a sua
cruz. Entremeai docemente o oficio de

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74------ O segredo da salvação

Marta ao de Madalena ; fazei diligente­


men t e o ofício da voss a vocação, e volvei
com frequência a vós mesma ; ponde-vos
em espírito aos pés de Nosso Senhor e di­
zei : Senhor, quer eu corra, quer pare, sou
toda vossa, e sois todo meu ; sois o meu
primeiro Esposo, e tudo o que eu fizer é
por amor de vós, e isto e aquilo. ·

Não posso prometer-me ver-vos antes


de quarta-feira, a não ser dessa visão
perpétua com que minh'alma olha e con­
templa a voss a alma caramente no fundo
do vosso coração ". Ah, meu Deus ! minha.
cara Madre, como desej o o amor divino a.
esse coração, quantas bênçãos lhe almej o !
Beij emos mil vezes os pés desse Salvador,
e digamos-lhe : Meu Deus, meu coração vos
protesta, minha face vos desej a ! Ah, Se­
nhor ! minha face procura a voss a face.
Quer dizer, minha cara Madre, tenha !I},PS
os olhos em Jesus Cristo para consider � lo,
a boca para louvá-lo, e que enfim todo o
noss o semblante só respire agradar ao do
nosso caro Jes us : Jesus por quem deve­
mos humilhar-nos, empreender, trabalhar,
sofrer e, como diz S. Paulo, tornar-nos
como ovelhas levadas à matança, quando
bem parecer à divina Maj estade fazer-n<>S
desonrados para. sua honra e glória.

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Orações jaculatórias

Viva Jesus, viva seu sangue ! Viva Marta,


viva seu flallco, do qual Jesus tomou o
seu sangue.

Oração de S. Francisc o de Sales


à SS. Virgem .
Saúdo-vos, dulciss i ma Virgem Maria,
Mãe de Deus : sois minha mãe e minha
soberana ; portanto, suplico-vos me acei­
teis por voss o filho e servo, porque não
quero mais ter outra mãe senão vós. Ro­
go-vos pois, Plinha boa, graciosa e dulcfs­
sima Mãe, sej ais servida consolar-me em
todas as minhas angústias e tribulações,
tanto espirituais como corporais. Lembrb.i­
vos e r ecordai-vos, dulcissima Virgem, de
que sois minha mãe e de que eu sou voss o
filho ; de que sois poderosiss i ma e de que
eu sou um homem pobre, vil e fraco. Por­
'
tanto suplico-vos, minha dulciss i ma Mãe,
me governeis e defendais em todos os
meus caminhos_ e ações. Porque sou um
pobre miserável e mendigo, que necessito
grandemente da voss a santa proteção. Eia,
pois, minha santiss i ma Virgem, minha do­
ce Mãe, preservai e livrai meu corpo e
minh'alma de todos os males e perigos,
e, por favor, fazei-me participante dos
voss os bens e virtudes, e principalmente
da vossa santa humildade, excelente pu­
reza e fervorosa caridade.

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O segredo da salvação

Não me digais, graciosa Virgem, que


não podeis, p ois voss o dileto Filho vos
d e u todo poder, tanto no céu como n a
terra. N ã o me digais que n ã o deveis, pois
sois a mãe comum de todos os pobres hu­
manos, e singularmente a minha. Se não
pudésseis , eu vos d esculparia, dizendo : E'
verdade que ela é minha mãe e me quer
como a s e u filho ; mas a p obrezinha tem
falta d e p osses e de poder. S e não fôss e is
minha mãe, com razão e u pacientaria, di­
zendo : ela é bastante rica para me assis ­
tir ; mas, ai ! não sendo minha mãe, não
me ama . Portanto, dulcíss i ma Virgem, j á
que sois minha mãe e que sois poderosa,
como vos hei de d esculpar s e não me ali­
viardes e não me prestardes o vosso so­
corro e assistência ?
Vede, minha Mãe, que sois forçada a
atender a todos os meus rogos. Sede, pois,
exaltada n os céus e na terra, gloriosa Vir­
gem e minha altíssima Mãe Maria : e para
honra e glória de vosso Filho, aceitai-me
por vosso filho, sem consid erardes as mi­
nhas misérias e pecados ; livrai minha al­
ma e meu corpo de todo mal, e dai-me
todas as vossas virtudes, sobre tudo a hu­
mildade. Fazei-me presente d e todos os
dons, bens e graças que aprazem à SS.
Trindade, Padre, Filho e Espirita Santo.
Ass im sej a.

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1ND I C E

I Parte

L�MBRANÇA DA PRESENÇA DE DEUS

I. Presença de Deus em toda parte . . 5


II. Utilid ade da le mbrança da presen-
ça de D e u s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
III. SE ntimento que o pensamento d e
Deus naturalmente excita nos nossos
corações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
IV . Meios d e nos colocarmos na pre­
sença de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
V. Principais razões pelas quais nos
colocamos na presença de Deus . . . . 20
VI. Diferença entre p ôr-se e manter-se
na presença de Deus . . . . . . . . . . . . . . . 23
VII. A lembrança da pn:sença de Deus
e o sentimento dessa àivina pres ença 26
VIII. Felicidade d e nos lembra:r;mos da
presença de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
IX. RE tiro espiritual . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

II Parte

ORAÇÕES JACULATóRIAS

I. A oração j aculatória . . . . . . . . . . . . . .
. 39
II. Grande utilidade das orações j a ­
c ulatórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

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78 lndlce

III. Fonte das orações j aculatórias 45


IV. Modo de fazer as orações j acula-
tórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
V. " Vindimas espirituais " . . . . . . . . . . . . 51
V I . Facilidade da prática das orações
j aculatórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
VII. Convite das criaturas a nos ele­
varmos a Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
VIII. As orações j aculatórias durante
as doenças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
IX. Exortação a fazer com frequência
orações j aculatórias . . . :·. . . . . . . . . . . 68
X. O mesmo assunto . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Oração de S . Francisco de Sales à SS.
Virgem ........... ........... ....
. 75

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