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BIBLIOTECA DA MULHER

PAULO COMBES

111

O LIVRO DA MAl
4.• EDIÇÃO

1934

Emprêsa EDUCAÇÃO NACIONAL


Rua das Oliveiras, 75- Pôrto

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Propriedade da Emprêsa Educação Nacional
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Rua da Boavbta, 321-Phto. 1934.

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BIBLIOTECA DA MULHER

Cada volume em brochura . 10$00

1. - O Livro da Espôsa, por Paulo Combes.

2.- O Livro da Dona de Casa, por Paulo Combes.


5.- O Livro da Mãi, por Paulo Combes.

4.- O Livro da Educadora, por Paulo Combes.

A Mulher na Família, pela Baroneza Sta{f.

Os Meus Segredos de agradar, pela Baroneza Sta{f.

Cartas a Luisa, por Maria Amália Vaz de Carvalho.

Mulheres e Crianças, por Maria Amália Vaz de

Carvalho.

A Mulher em Portugal, por Victor de Moigénie.

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O LIVRO DA MÃI

INTRODUÇÃO

Grandeza, alegrias, dores, deveres da maternidade

Eva, a primeira Mãi, exclamou ao dar à luz


o seu primeiro filh o :
- Graças a Deus, possuo um homem !
Significa isto, na concisa e sugestiva lin­
guagem bíblica :
- Dispensou-me o Senhor a faculdade de
transmitir a minha própria vida, a minha carne
e o meu sang�e, a um homem que vem todo
de mim, que é o meu bem.
Frase esta que devemos cotejar com a da
Virgem Maria na Magnificat:
- O omnipotente operou por mim grandes
coisas ! (Fecit mihi magna qui potens est!)
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6 o LIVR.O DA MÃI

Em ambos os casos se afirma a glorificação


- pela Sagrada Escritura- da maternidade, a
qual pode considerar-se uma espécie de poder
criador da mulher.
Quási se pode efectivamente dizer que tôdas
as mulheres colaboram na obra da criação,
como a Virgem Maria até certo limite colaborout
por meio .da sua divina maternidade, na obra
da Redenção.
A maternidade realiza a obra formidávelt
encaminhadora de tôda a natureza viva para a
perpetuação da vida.
A maternidade opera a ininterrupta trans­
missão, de ser para ser, da chama vital.
Esta transmissão já o antigo poeta latino
Lucrécio a comparava à que faziam nos circos
os lutadores de corridast que deviam passar de
mão em mão um facho sem o apagarem.
Disse, a êste propósito, Lucrécio :
c Os vivos transmitem uns aos outros a vida,
como os lutadores de corridas. (Et quasi cur­
sores, vitae tampada tradunt.)
A indissolúvel união do h omem e da mulher
no casamento recebe, como já o dissemos no
Livro da Espôsa, a sua definitiva e completa
consagração na maternidade. É na pessoa do
filho que o pai e a mãi de-veras formam um só
indivíduo por meio da fusão das suas duas
vidas numa só.

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INTR.ODUÇÃO 7

i � E quanto se desvalorizaria a missão da


mulher no casamento, se não fôsse coroada
pela maternidade ? !
Belo papel é o de ser companheira· do
homem. Mas ser a mãi do homem é uma mis­
são sublime.
Assim se compreendeu isto em todos os tem­
pos e países. Assim o compreenderam os povos
mais selvagens e as mais brilhantes civiliza�
ções (brilhantes, dizemos nós na boa acepção
do têrmo, e não considerando-as decrépitas,
que é quando todo o seu brilho é requinte.)
Em todos os tempos e em todos os povos a
mãi é saüdada pela veneração, por homenagens.
Assim no-lo dizem a história, as legislações, a s
letras, a poesia, as artes, em inúmeros depoi­
mentos. A Humanidade canta, desde as suas
origens, um hino sem fim à maternidade.
Os americanos dos Estados-Unidos d o
Norte, homens que, além d e dotaqos d o senso
prático, são cheios de coração, inscreveram
uma nova festa no seu calendário racional­
A festa das Mãis (Mother's Day).
Todos os cidadãos e cidadãs dos Estados­
Unidos, num belo dia de primavera - perfeito
estio em algumas regiões da União - põem,
ou na botoeira ou no corpete, um lírio branco
em honra da mãi, a melhor mulher do mundo.
Esta idea de piedade filial foi, apenas lem-

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8 o LIVI{O DA MAl

brada, aceite com entusiasmo por todos os


yankees.
Lamentável é que não os tivéssemos pre­
cedido nessa idea. Contudo, ainda seria para
nós b astante glorioso perfilhá-la, torná-la nossa.

* *

Dotou Deus a mãi com tudo que é indis­


pensável para ser digna da sua missão sublime.
Dizia Grétry :
c O coração da mãi é a obra-prima da natu­
reza. ,
Um coração de mãi é um insondável abismo
de ternura, dedicação e sacrifício.
Na ordem natural, é o amor materno a mais
alta expressão da afectividade humana.
Ora, como tôdas as alegrias e mágoas deri­
vam fatalm _ e nte do amor, porque é segundo a
Intensidade dêle que são fortes ou fugitivas,
não há alegria como a do amor de mãi, nem
angústia como as suas angústias.
c! Porque é que nenhum tem as suas ale­
grias ? Porque o amor de mãi basta a si
mesmo.
Nada a preocupa a recompensa imediata.
l Como, se o filho, inconsciente ainda, n em

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sequer pode avaliar quanto é amado ? E­
notem - é êsse entezinho, que não conhece
tanto amor, aquele a quem a mãi 'se entrega
tôda, abnegando-se por completo, sentindo:-se
tanto mais amorosa e ditosa quanto mais se
sacrifica.
E, por outro lado, que improfundável abismo
de sofrimento se abre no coração da mãi,
quando o alvo do seu amor sofre a menor 4or
e, com mais razão emfim, quando as cruezas
da vida o atingem com m aior ou menor bruta­
lidade !
A Mâi Santíssima, por isso mesmo que foi
a que mais amou, é que foi a que mais sofreu.
O Stabat Mater é o grito mais l ancinante
que em todos os tempos tem soltado na terra
o amor de mãi !

"' "'

Mas é preciso notar com cuidado.


A vida da mãi não consiste exclusivamente
em alegrias e angústias, ou no que constitue a
glória maternal.
A vida da mãi é, acima de tud9, o cumpri­
mento de deveres !
Não se limita apenas a d ar à luz um filho,

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10 o LIVR.O DA MAl

ao acto de dar a vida, de possuir uma cria­


tura humana, segundo a frase de Evan.
É preciso educar êsse filho, educd-lo na
acepção mais ampla do têrmo.
Deve ser educado fisicamente, para que
possa tornar-se um ser sadio, robusto, capaz
de viver com energia uma longa vida.
Deve ser educado na verdade, enriquecendo
a sua inteligência com todos os luminosos ensi­
namentos que destroem os erros e dão ao racio­
cínio e ao bom-senso um seguro predomínio.
Deve ser educado na virtude por meio de
lições e ainda mais por exemplos, formando-lhe
um carácter ffJme, sempre decidido, ao ter
que optar entre o bem e o mal.
Deve ser educado para Deus, dando-se ao
educando, desde os primeiros dias, como que
uma completa imersão na atmosfera da Divin­
dade, verdadeiro farol da sua tríplice educa­
ção : física, intelectual e moral.
Só procedendo assim é que a mãi pode
ufanar-se de possuir, pela graça de Deus,
uma criatura humana.
Escrevia José de Maistre a sua filha:
c O mérito da mulher é governar a sua casa,
fazer feliz seu marido, consolá-lo , alentá-lo, e
educar o s seus fi lhos, isto é, fazer deles
homens. Eis o parto superior, e que não foi
amaldiçoado como o outro.:.

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INTRODUÇÃO 11

Não é outra a tese que se propõe desen­


volver o Livro da Mãi- o terceiro dos Quatro
Livros da Mulher.
É nosso fim fazermos a exposição - segundo
os preceitos, por nós sempre observados, d o
bom-senso e da vida prática - dos princípios e
regras que às mãis devem inspirar os meios de
fazerem, como é seu dever, de filhos e filhas,
homens e mulheres capazes de realizarem o
seu destino terrestre dentro da vontade de
Deus : destino que tenha as melhores con­
d i ç õ e s p o ss ív e i s de prosperidade e felici­
dade, almejando a recompensa prometida a
todos que v i v e m em c o nform idade com a
mesma Santa Vontade.

§ 2. )

Justificação do objecto e do plano


do «Livro da Mãi,

Mas, i não será um tanto pretensioso que­


rermos ensinar às mãis quais são e como
devem cumprir-se os deveres da maternidade ?
Se as mãis vivessem com seus filhos, no
mundo ideal, visionado por filósofos e poetas,
não teríamos, efectivamente, nada que ensinar

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12 o LIVRO DA MÃI

quanto a obrigações maternas. Os inesgotáveis


tesoiros da ternura das mãis expandir-se-lam
sem necessidade de regras e de disciplina.
Tôdas as inspirações seriam boas, porque não
podia haver conseqüências funestas.
Mas não é o que se dá. Mãls e filhos vivem
a vida. Ora a vida é dominada pela experiên­
cia, e com esta é que as mãis tem muito que
aprender. E são tanto mais carecidas dêsse
ensino quanto menos aprenderam, quanto menos
preparadas foram, a seu tempo, para o desem­
penho dos múltiplos deveres maternais.
Pode o coração satisfazer-se com as razões
que a razão não conhece. A vida práti ca
exige muito mais. N unca s erá p ossível e
fecunda, se não fôr baseada na razão.
Por isso, consagramos o 1.0 capítulo do
Livro da Mãi a : 1.0 estabelecer a necessidade
duma preparação para a maternidade ; 2.0 pre­
cisar qual deve ser essa preparação; 3.0 indi­
car os meios da sua realização.

* *

Raras são as mãis que opõem qualquer


objecção à necessidade duma preparação para
a maternidade. Contra o que elas geralmente

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INTRODUÇÃO 13

se revoltam é contra· a pretensão de quem se


abalança a ensinar-lhes a amar os filhos.
E, contudo, é lógica aquela pretensão.
Mais ou menos poderoso sentimento, e
capaz de inspirar rasgos sublimes, o amor
maternal também pode ocasionar os piores
desregramentos.
É, afinal, um afecto verdadeiramente eficaz
como fonte de felicidade para os filhos, mas
só quando, além de puramente sentimental, é
de-veras ponderado.
Quer isto dizer que não basta amar os
filhos. Cumpre sabê-tos amar, e tal é o assunto
do capítulo n.
Efectivamente, no meio de tantas mãis, e
julgando tôdas que amam os seus filhos, não
faltam as que classificaremos de egofstas. São
as que amam os filhos só por si mesmas,
subordinando a felicidade deles às satisfações
pessoais que colhem dêsse amor.
Também se notam mãis apaixonadas e sin­
ceramente extremosas, mas tão obcecadas, que
julgam verdadeiro amor aos filhos o fazer-lhes
tô�as as vontades, evitando-lhes as menores
contrariedades.
Facflimo é demonstrar que o verdadeiro
amor aos filhos consiste em querer o seu bem,
e que o bem deles não depende de os trazer­
mos embiocados em excesso, ou de fazermo s

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12 0 LIVRO DA MAl

quanto a obrigações maternas. Os Inesgotáveis


tesoiros da ternura das mãis expandir-se-lam
sem necessidade de regras e de disciplina.
Tôdas as inspirações seriam boas, porque não
podia h aver conseqüências funestas.
Mas não é o que se dá. Mãis e filhos vivem
a vida. Ora a vida é dominada pel a experiên­
cia, e com esta é que as mãis tem muito que
aprender. E são tanto mais carecidas dêsse
ensino quanto menos aprenderam, quanto m enos
preparadas foram, a seu tempo, para o desem­
penho dos múltiplos deveres maternais.
Pode o coração satisfazer-se com as razões
que a razão não conhece. A vida prática
exige muito mais. N unca será possí'\lel e
fecunda, se não fôr baseada na razão.
Por isso, consagramos o 1.0 capítulo do
Livro da Mãi a : 1.0 estabelecer a necessidacle
duma preparação para a maternidade ; 2.0 pre­
cisar qual deve ser essa preparação ; 5.0 i ndi­
car os meios da sua realização.

* *

Raras são as mãis que opõem qualquer


objecção à necessidade duma preparação para
a maternidade. Contra o que elas geral mente

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INT�ODUÇÃO 13

se revoltam é contra a pretensão de quem se


abalança a ensinar-lhes a amar os filhos.
E, contudo, é lógica aquela pretensão.
Mais ou menos poderoso sentim ento, e
capaz de inspirar rasgos sublimes, o amor
maternal também pode ocasionar os piores
desregramentos.
É, afinal, um afecto verdadeiramente eficaz
como fonte de felicidade para os filhos, mas
só quando, além de puramente sentimental, é
de-veras ponderado.
Quer isto dizer que não basta amar o s
filhos. Cumpre sabê-los amar, e tal é o assunto
do capítulo n.
Efectivamente, no meio de tantas mãis, e
julgando tôdas que amam os seus filhos, não
faltam as que classificaremos de egofstas. São
as que amam os filhos só por si mesmas,
subordinando a fel icidade deles às satisfações
pessoais que colhem dêsse amor.
Também se notam mãls apaixonadas e sin­
ceramente extremosas, mas tão obcecadas, que
julgam verdadeiro amor aos filhos o fazer-lhes
tôdas as vontades, evitando-lhes as menores
contrariedades.
Facílimo é demonstrar que o verdadeiro
amor aos filhos consiste em querer o seu bem,
e que o bem deles não depende de os trazer­
mos embiocados em excesso, ou de fazermo s

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14 0 LIVR.O DA MAl

deles uma espécie de monopólio nosso. Amá-los


de-veras é prepard-los para a vida, ensiná-los
a conquistar a situação que lhes competir, dar­
-lhes os meios de progredir na carreira devida
e, acima de tudo, saber deixar-lhes a livre
escolha da mesma carreira; embora depois de
lhes termos iluminado o entendimento e orien­
tado o raciocínio.
Em suma, amar os filhos é amd-los por
éles e não para satisfação do nosso egoísmo.
Amá-los é querer a sua felicidade, não só
actualmente, mas para sempre, neste mundo e
na vida eterna.
Por isso, devem ser amados à luz da razão.

* *

Obrigações materiais da mãi constituem o


assunto do capítulo m.
Essas obrigações referem-se a o desenvol­
mento físico e à saúde da criança. A êste res­
peito, raras vezes é preciso estimular as mãis.
Contudo, carecem também nisso de orientação.
Pqr isso a c h a m o s útil recordar-lhes e
demonstrar-lhes - para que nunca deixem de
ter presente no espírito esta \lerdade - que o
desenvolvimento físico da criança é a funda-

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INT�ODUÇÃO 15

mental e indispensável base do seu desenvol­


vimento m oral e intelectual, e que devemos
começar por fazer, da criança, um bom animal,
para depois, sem dificuldades, conseguirmos
dela um espírito i nteligente e uma consciência
justiceira.
O capítulo IV trata das obrigações intelec­
tuais da mãi sob o ponto de vista do desenvol­
\limento da actividade dos sentidos e da inteli­
gência da criança. É como que uma sintética
introdução ao Livro da Educadora, n o qual
desenvolveremos os pormenores utilizáveis dos
p rocessos de educação, processos que neste
livro só encaramos na generalidade dos seus
grandes princípios dirigentes.
O capítulo v é quási unicamente consagrado
à formação do carácter da criança, assunto,
por tudo, essencial. As crianças ressentem-se
tôda a sua vida da formação do carácter que
suas mãis lhes imprimiram. São inúmeros os
exemplos com que poderíamos demonstrar, den­
tro da maior evidência, que os filhos ficam
para sempre o que deles fizeram suas mãis.
E é, afinal, essa mesma demonstração o
que impõe ao zêlo das mãis o valor das suas
obrigações m orais, revelando-lhes a necessi­
dade de sujeitarem os seus filhos, e de sujei­
tarem a si mesmas, à mesma disciplina moral.
Nada mais sugestivo, junto das crianças, do que
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16 O Llv�o DA MÃI

a influência do e;t(emplo. E tal é o assunto do


capítulo VI.
Demonstramos no capftulo VII que a mil é
enormemente auxiliada na sua m issão - logo
que tenha bom-senso - pel os múltiplos i nstintos
dados por Deus às criancinhas. T!'JiS são :
1.0 Gostar de imitar, o que, \lalorizado pela
mãi, a ajuda a instruir e a m oralizar; 2.0 Gostar
de brincar, e a mãi brincan do com o filho, pode
trabalhar com eficácia no tríplice desen\'ol\li­
mento- físico, mental e moral - da criancinha;
5.0 Ter uma curiosidade, constantemente apli­
cada a tudo, e a mãi satisfazendo-lhe essa
natural disposição, de-pressa instrue o seu filho.
A questão está .no meio de o fazer.
É exactamente essa arte de orientar as
crianças em tudo, segundo a experiência de
inúmeras gerações, o fim principal dêste li\'ro.

* *

O capitulo vm demonstra que a vigildncia


é a melhor forma do amor m aternal. E a mãi
o \lisível anjo-da-gtiarda do seu filho. O mais
importante papel que ela pode desempenhar é
\ligiar constantemente tudo que, pelo aspecto
i ntelectual ou moral, pode influenciar na for-

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INTRODUÇÂ.O 17

mação da alma do seu filho. Deve, pois, vigiar :


relações, amigos, condiscípulos, companheiros
de brinquedos, l eituras e ainda a Instrução ofi­
cial, que, por desfortuna, hoje é absolutamente
necessário fiscalizar.
É êste um d ever inalienável. As mãis são
encarregadas de conduzir almas.
'
Têm de dar confas rigorosas do que, por
sua criminosa negligência, prejudique a alma
dos seus filhos.
Estabelecemos no capítulo IX que a con­
fiança é, de todos os sentimentos que a mãi
souber inspirar aos seus filhos, aquele qu"e
sôbre êles lhe há-de assegurar maior influência.
Graças a êsse sentimento, os filhos não só lhe
terão amor, como lhe hão-de confiar tudo que
se passa nos seus corações.
A ela se hão-de di�igir, quando careçam de
conselh os, e não só emquanto forem crianças
como depois de entrados na adolescência.
A mãi que se preocupar constantemente
com o que pode assegurar a felicidade dos seus
filhos, há-de inspirar a estes uma confiança tão
elevada, que considerarão um verdadeiro evan­
�elho tudo que ela disser. E têm razão.
Ma ior ainda é o alcance do capítulo x.
� ste capítulo demonstra que nunca deve ter
um têrmo o papel de amiga, de confidente e
'
conselheira, que cabe a tôda a mãi sensata.

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18 0 LIVRO DA MXI

Logo que ela tome a peito nunca esquecer


a vida dos filhos e dos netos, logo que se in­
teresse por tudo que seja o interêsse dêles}
há-de ficar a sua consoladora perpétua, ex­
periente e segura, o seu oráculo sempre ve­
nerado.
Tornando-se avó, só será vélha na aparên­
cia. Ficarão eternamente j ovens o seu coração
e o . seu espírito, vibrando unânimes com os
daqueles que ainda são jo-vens. Sentirá tôdas
as emoções, assimilará todos os novos ensi­
namentos, e vi-verá ditosa com tôdas as vidas
juvenis que a cercarem, cheias de veneração
pela sua sabedoria, e aproveitando tôdas as
riquezas de experiência que ela lhes há-de
prodigalizar.
A conclusão dêste livro é, como a sua aber­
tura, um apêlo à experiênci� da -vida, dedu­
zindo a verdadeira missão da mãi do que tiver
sido exposto acêrca das suas múltiplas obriga­
ções.
Às alegrias e glórias das mãis correspon­
dem os deveres. i Ditosas aquelas que encon­
tram o máximo de felicidade e da glória no
perfeito cumprimento da sua missão !
E não terminaremos êste livro sem lem brar
às mãis, e até àquelas que com a maior per­
fectibilidade cumprirem na terra a sua missão,
quanto lhes cumpre não esperar neste mundo

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INTR.ODUÇÃO 19

a colheita de \lenturas que seria lfcito esperar


da sua abnegação.
i Há rnãls fadadas para a dor ! Para essas a
consolação não existe na terra.
Eis o aspecto geral do li\lro que nos propu­
zernos escre\ler para as mãis.
O que nos alenta a oferecer-lho, com a
esperança de que tenha qualquer utilidade, é
que o não escre\lernos senão com o que nos
ensinaram as próprias mãis, das melhores e
das mais dotadas de prática inteligência.

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CAPÍTULO I

Preparação para a maternidade

já tivemos ensej o de notar, deplorando-o,


nas páginas do Livro da Espôsa e do Livro
da Dona de Casa, que, na maior parte dos
casos, a instrução das donzelas por forma
al guma está em relação com as múltiplas atri­
bui'ções que lhes tem de competir perante as
exigências da vida, quando se tornarem se­
nhoras .
Chega até a parecer que o s programas fo­
ram elaborados de propósito, tanto no ensino
oficial como no ensino livre, e até no da famí­
lia - teremos a coragem de afirmar : princi­
palmente no ensino familial,- para que o es­
pfrito das meninas se atafulhe e sobrecarregue
com noções, ou inúteis ou prejudiciais, e de
molde a fazer-lhes esquecer que um dia serão
espôsas e mãls.
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22 0 LlV�O DA MJI.I

Há um mêdo ridículo de deixar perceber a


essas meninas que um dia têm de ser senhoras.
Com as meninas é tudo gritar-lhes : a instru­
ção da donzela, a arte da donzela, as virtu­
des da donzela, a missão da donzela, como
se o estado da donzela fôsse o único fim da
educação das meninas, como se estas tivessem
de ficar sempre donzelas, e não, como o Indica
a realidade, l arvas ou crisálidas das quais tem
de romper a borboleta femini n a.
Mas, como com tais ficções nada se im·
porta a natureza, por m ais prevenido que seja
o .senhor Gribouille, o que é certo é que a don­
zela se torna um dia mulher. A diferença está
s ó em que, devendo tornar-se mulher normal,
logicamente, auxiliada pela educação e pela
instrução, muda como que ao acaso. É uma
crisálida ou - deixando m e táfo r a s - é uma
mulher incompleta, sem a menor preparação
para a sua tarefa familial e social.
O verdadeiro papel da donzela - perfi­
lhando agora a expressão predilecta dos teóri­
cos da educação feminina - é preparar-se
para ser mulher.
Mulher, mas não de letras. Mulher, mas não
sabichona, um homem doutro sero, e sim, a
mulher capaz de realizar o fim para o qual
Deus criou Eva : isto é, companheira do homem
e mãi de família.

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PREPARAÇÃO PARA A MATERNIDADE 25

Fora dêste programa, que é o de Deus e d a


Natureza, tudo é frívolo e nocivo.
Não repetiremos o que nos livros anteriores
já dissemos sôbre a preparação para as já
muito escabrosas tarefas da espôsa e da dona
de casa.
Mas não podemos referir-nos de leve aqui
à importância e às dificuldades da missão da
mãi.
Devemos repetir, reforçando todos os ecos
da secular sabedoria das nações, que a obra
por excelência, a grande obra, é a educação
dos filhos, e que é Impossível fazê-la com
êxito, se não hcuver para isso uma sólida pre­
paração.
A obra da mãi não se improvisa. A maior
desgraça do nosso tempo, a causa da profunda
decadência moral que, dolorosa e assombrada­
mente, verificamos em tantas crianças e h omens
da vida contemporânea, está em quási tôdas as
mãis dessas crianças e homens terem sido
mãis improvisadas.
E, mais que nenhuma outra, a nossa época
exige mãis solidamente educadas para a sua
missão. Precisamos de combater a nefasta in­
fluência dum ensino oficial que já não é minis­
trado por pedagogos e pedagogas dignas dêsse
nome.
Dum lado, temos os políticos sectários,
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24 o L!V�O DA MÃI

exclusivamente preocupados com a transfor­


mação dos nossos filhos em eleitores republi­
canos.
Do outro lado, temos professores e profes­
soras que, na sua maioria, são fanáticos livres·
pénsadores. O seu fim principal é emancipar
o espírito das nossas filhas, isto é, furtá-las
não só à autoridade da religião, como à da
família, fazendo, das meninas, não mulheres
úteis e honestas, mas cidadãs que se Interes­
sem mais pela reivindicação dos seus supostos
direitos do que pelo cumprimento dos seus
principais e indeclináveis deveres.

* *

Tão evidente, que nunca foi contestada e,


pelo contrário, tem sido proclamada com vigor,
em tôda a p arte e em todos os tempos, é a
verdade de que a influência da educação em
geral e da educação m aterna em particular,
prepondera no futuro das gerações humanas.
�ste facto é empolgantemente nltidlzado
por um costume chinês.
Eis como o relatava Benjamim Franklin
numa carta a sua filha :
cO povo chinês, o mais antigo e sensato de

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PR.EPA!tAÇÃO PAR.A A MATE!tNIDADE 25

todos os povos pela sua experiência, não d á


a s honras descendo, m as subindo. Se u m
homem, como recompensa d o seu valor ou d a
sua sabedoria, é promovido à dignidade de
Mandarim, seu pai e sua m ãi, só por êsse factc.
têm direito às m anifestações de respeito devi­
das ao Mandarim. É que se tem como positivo
que foram os bons exemplos dados pelos pais
ao seu filho que o valorizaram a ponto de ser
útil a o Estado.�
H á nisto uma ideia justa que nunca podere­
mos aprofundar demais, nem gravar com dema­
siada nitidez em todos os espírito s .
Na verdade, os pais, e principalmente a s
mãis, são directamente responsáveis pelo que
os seus filhos vierem a ser, porque fatalmente
serão como suas mãis os tiverem educado. As
m ãis zelosas têm filhos que formam o escol da
sociedade. As mãis negl igentes têm filhos des­
prezados e desprezíveis sob todos os pontos
de vista .
Salientaremos particularmente tal verdade
como um sinal de alarme, demonstrando-o
lrrefutàvelmente no capítulo v, que por nós é
consagrado em especial à formação do carácter.
Tôda a mulher que tem a glória e a felici­
dade de ser mãi, ou que é chamada a sê-lo,
deve ter sempre presente o seguinte pensa­
mento: os males, e sejam éles quais forem,
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26 0 LIVR.O DA MÃI

que todos, mais ou menos, temos de sofrer,


provém, quási todos, dos vícios, dos erros,
das negligências, dos que n(ls precederam na
vida. Devia bastar esta verdade para nos obri­
gar ao trabalho, por meio do ensino, e d o
exemplo, a favor do progresso m oral do futuro.
É o pensamento que H. Marion exprime
como se segue :
- Dependo duma vigil ância activa, como
elo vivo da ininterrupta cadeia das gerações.
Se, por um lado, se liga a mim tôda a história
dos meus ascendentes, e se não se perde ne­
nhum dos seus sentimentos, nenhuma das suas
ideas, nenhuma das suas, boas ou más, obras,
por outro lado, a minha história pessoal há-de
influir sôbre tôda a minha descendenci a e não
se perderá nada do que eu tiver trazido de bom
ou de mau. Portanto, eu trabalho pelo futuro,
isto é, pelas futuras moral idade e felicidade da
minha família, da minha pátria, da humanidade,
sempre que, por iniciativa m inha, por mais
limitada que ela_ sela, eu desenvolva e modifi­
que para melhor, ainda que no mínim o, a minha
natureza.
Pelo contrário, logo que eu pre"arico, faço
sem enteira de dificuldades, erros e misérias
que medrarão n o futuro.
i E que pensamento há ,mais capaz de m e
fazer encarar c o m gravidade a vida ?

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PREPARAÇÃO PARA A �ATERNIDADE 27

É evidente que o papE I da mulher é pre­


ponderante nesta obra de valorização humana.
Os próprios pais, evidentemente, se devem
preocupar com aquela dignidade das mãis�
segundo a frase profunda de Plutarco.
Disse êle:
- Os pais que quiserem ter f ilhos estimá­
veis, devem procurar mãi digna de os dar à luz.
Ora tal mãi é de-certo a que cedo teve a
consciencia da grandeza e da responsabilidade
da maternidade, dos deveres indeclináveis das
mãis, e que s e devota com energia à séria pre­
paração que lhe deve permitir o cumprimento
de todos os seus deveres.
E, a propósito, devemos prevenir as mulhe­
res contra uma pretensão vulgar nas que s e
lntitul am feministas, lisonjeando a s mãis com
a mentira de que, por simples intuição, sabem
tudo quanto lhes é i ndispensável para serem
dignas da sua missão.
Quando Hipólito Lucas, além de muitos ou­
tros, escreve : - Não é a inteligência, mas
sim o coração, quem conduz a mulher, - te­
mos um principio formulado de maneira exces­
sivamente absoluta, e, portanto, um disparate.
Tanto no homem como na mulher o cora­
ção é um motor poderoso.
Mas a cabeça é em ambos um condutor
clarividente.
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0 LlV�O DA MÃI

É indispensável o motor. Não o é menos o


condutor.
Deixar agir sem condutor o motor, em
tôdas as veredas da existência, é expô-lo aos
maiores desastres. Por seu turno, um condutor
sem motor é Inútil e inerte.
É preciso, pois, harmonizar com bom-senso
o coração que anima, e a cabeça que ilumina.
A boa, a verdadeira, mãi, a que é capaz de
educar os filhos, fazendo dêles homens e mu­
lheres, felizes, h onrados e úteis, não é a que
só tiver coração ; é a que, tendo coração, tam:­
bém tiver inteligência.
,, E a melhor será aquela que, antes de ser
obrigada à obra educativa, tiver adquirido
oportunamente tôdas as noções de que carece
a mãi e educadora para cumprir todos os seus
deveres.
Isto no-lo ensina a experiência da vida.
Por Isso não deixamos de dizer a tôdas as
mãis, que ensinem isto às suas filhas, quando
estas as possam compreender, ou seja, em
geral, logo a seguir à primeira comunhão.
Deverão falar-lhes assim :
-Minha filha, a não teres uma v ocação
especial de Deus, és chamada, pelo simples
facto de sêres mulher, a tornares-te qualquer
dia mãi de famflia.
Vai-te preparando, desde já, para êsse pa-

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PR.EPARAÇÃO PAR.A A MATER.NIDADE 29

pel, que é difícil, que implica múltiplas obriga­


ções. Nunca julgues que para isso estás sufi­
cientemente preparada. Ajudar-te-e! com a
m inha experiência, conselh.os e exemplos.
Mas, se as mãis não quiserem falar às fi­
lhas com tanta nitidez, que, ao menos, lhes
Inspirem isto, que lhes sugestionem estas ver­
dades, emfim, que procedam com as suas filhas
como se já lho tenham dito f

§ 2.o

� Mas em que deve consistir essa prepara­


ção para a m aternidad� ?
Felizmente, nada tem de transcendental e
difícil.
Consiste na aquisição dos conhecimentos
práticos, indispensáveis às mãis : - é, quanto
possível, a gradual aprendizagem das futuras
funções da mãl de famílias.
É, afinal, tudo que, mais ou menos, se faz
em todos os lares, embora o façam empirica­
mente, por meio da rotina, sem método, sem
um plano verdadeiro.
A menina que brinca com a sua boneca lâ
faz inconscientemente a sua aprendizagem de
111ãl de famflia. O mal está em que essa apren­
dizagem é praticada dentro duma plena ficção.
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0 LiVR.O DA MÃI

Para que tal não sucedesse, seria preciso


que as mãis interviessem, donde a onde, com
zêlo e inteligência, nos brinquedos das filhas,
orientando a sua caprichosa imaginação pelos
caminhos da realidade, fazendo notar às filhi­
nhas que uma criancinha viva, irrequieta, im­
pertinente, com fome e frio, e que rasga os
bibes e as meias, quebra pratos e derruba mó­
\leis, precisa de muitos mais cuidados maternos
do que uma boneca, inerte.
E isso sem sermões, nem moral ! Uma re­
flexão singela e a propósito.
É muito mais prática a aprendizagem da
menina que tem irmãozinhos e irmãzinhas,
mais novos do que ela.
Então, ela vive na realidade plena. É-lhe
fácil notar a grande diferença entre os cuida­
dos que devemos dispensar às criancinhas e
os que se dispensam às bonecas.
Mas, ainda neste ponto, de\le a mãi de fa­
m ílias ter muito tacto para que a sua filha m ais
\lélha encare a sua missão junto dos irmãos
mais novos, não só como um dever de auxflio
familial, mas aind à como uma preparação para
a maternidade, e nunca como uma estopatla
que alijam sôbre os ombros dela.
Nisto consiste a dificuldade daquelas esp�._
eles de delegações maternais.
Embal ar ou passear os pequenlto$, limpá-los
.
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PREPARAÇÃO PARA A MATERNIDADE. 51

da cabeça a os pés, dar-lhes de comer e d e


beber, mudar-lhes as roupinhas - tudo isso
deve a mãi inteligente ensinar como uma in­
dispensável aprendizagem que habilita a filh a
a ser, um dia, modelar mãi de fal!lília .
Ora, infelizmente, é isso o que, d e ordiná­
rio; se não faz, o que é desastroso.
Dão-se ordens sem base, e quem as recebe
colhe assim, em vez dum benefício educativo,
uma causa de mau humor.
Numa palavra : pouco seria preciso modifi­
car no que actualmente se faz.
Bastava que não h ouvesse, nem dum lado
nem do outro, entre a mãi e a filha, capaz de
auxiliar na educação das crianças, o precon­
ceito de que a irmã mais vélha desempenha
um tanto o papel das amas mercenárias.
O que se deveria dizer, fixar, e fazer en­
tender por todos os membros da família, é que
8 menina ajuda a mãi no cumprimento da sua
m issão e, ao mesmo tempo, se vai preparando
para o papel que lhe há-de caber.
E, para não h aver nocivos mal-entendidos,
que é preciso evitar, deveria a mãi- fugindo
8 dar ordens sêcas, cujo fim não explica- de­
'\lotar-se a instruir a filha, valorizando cada
solicitação do auxílio dela com os conselhos
que a experiência lhe fornecer.
É evidente, dito isto, que o ponto em que
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52 O Liv�o DA MAI

insistimos e que tão Inconvenientemente é des­


prezado em excesso, é o modo de proceder.
Pedindo a mãi à filha que a auxilie, de ordi­
nário, pouco se preocupa com o ser bastante
útil à mesma filha, não havendo, pois, uma per­
muta rigorosa de serviços. E dai é que resul­
tam os atritos.
Há em tal procedimento falta de táctica,
porque ninguém duvida de que a filha se tor­
nará tanto mais útil a sua mãi quanto mais esta
a tornar capaz de aproveitar os conselhos da
experiência.
E, além disso, é uma negligência censurá­
vel, porqne assim perde a mãi o ensejo de pre­
parar a filha para a sua futura missão.
Diremos, portanto, às mãis :
- Mudai de modos na vossa maneira de
ser para com as vossas filhas, quer elas brin-.
quem ainda com as bonecas, quer vos ajudem
na educação dos filhos mais novos. _

Nunca vos esqueçais de que as vossas


filhas têm por destino tornar-se um dia mãis,
e nunca percais qualquer ensejo de as prepa­
rardes para essa missão, aproveitando, para
as instruirdes, os seus brinquedos ou a sua
convivência com os irmãos mais novos.

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P�EPA�AÇÃO PA�A A �ATE�NIDADE

* *

Por conseqüência, h á uma preparação para


a maternidade que deve realizar-se, como aca­
bamos de indicar, valorizando-se apenas as
circunstâncias da vida familial, se os pais
quiserem aproveitar com zêlo essas circuns­
tâncias e auxiliar com eficácia a sua obra edu­
cadora . Visto que essa preparação resulta da
experiência e da prática, é que é a melhor de
tôdas.
Mas não dispensa ela, entretanto, a aquisi­
ção de conhecimentos positivos, úteis às mãis
da família, noções que em geral não são minis­
tradas pela vida quotidiana, e que é forçoso
colhêr em livros bem feitos ou nos conselhos,
filhos da experiência, das pessoas das nossas
relações.
É, por exemplo, indispensável que a mãi
tenha noções claras de h igiene, principalmente
no que se refere ao que pode lezar a sua pró­
pria saúde ou a dos seus filhos.
Torna-se indispensável andar rigorosamente
em dia com tudo que respeite à alimentação,
v e stuár i o , cui d a d o s com o corpo, principal­
mente para se obter o bom funcionamento dos
órgãos.

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54 0 LIVR.O DA MXI

A mãi que for de-veras i nstruída sôbre hi­


giene e medicinas das crianças, há-de �er tão
serena nos perigos com o competente para
tratar dos filhos aos primeiros sintomas da
doença.
Devotar-se-á à amamentação e à alimenta­
ção aplicando todos os cuidados que exigem
delicadeza, e são requeridos pelos débeis or­
ganismos dos pequeninos.
Há-de evitar, no vestuário dêles, as rotinas
e preconceitos, que prejudicam o desenvolvi­
mento e beleza das formas.
Numa palavra, senhora das noções positivas
que nos ministram a ciência e a experiência,
fugirá a confiar-se em remédios contraditórios,
imaginados por curandeiros, no intento de acal­
mar os incómodos das criancinhas.
Sob o ponto de vista intelectual e moral, a
m ãi previdente não deve esperar o momento
de praticar a sua obra de formação do espírito
e do coração do seu filho, entregando-se,
segundo aspirações casuais, a tal tarefa. Pelo
c ontrário, com grande antecipação, deve ter
visionado todo· o papel a desempenhar e pre­
parar-se, por sinal, de duas maneiras.
Há-de observar e estudar, prim eiro que tudo,
·tôdas as crianças que encontrar no seu viver.
Notará como é que são educadas, que quali­
dades e defeitos m anifestam, e, tendo bom ra-

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PREPARAÇÃO PARA A MATt:R.NIDADE 35

ciocínio, colherá grande proveito das suas


observações no sentido de fixar o método edu­
cativo preciso para os seus filhos.
Esta experiência da vida real das crianças
é preciosíssima. Completá-la-á a futura mãi, e
com vantagem, por meio da leitura de tudo
quanto se tem escrito sôbre psicologia e edu­
cação das crianças.
São úteis todos os l ivros que tal assunto
versam. Não há nenhum que não contenha
uma parte, mais ou menos importante, de expe­
riência e, portanto, de verdade.
A grande questão consiste em ter um juízo
firme para discriminar o que é sólido do que é
fantástico. E consegue-se julgar bem, compa­
rando-se as ideas emitidas por diversos auto­
res com as que nos ensina a nossa própria
experiência. Numa palavra : a preparação para
a maternidade consiste na aquisição - tanto
pela experiência e prática dos outros, como
p e l o s livros e conselhos autorizados - d a
m aior soma possível d e conhecimentos para a
mulhe· r desempenhar, sem mêdo de êrro, a s
suas funções m aternais junto dos filhos, tanto
no que diz respeito ao seu desenvolvimento
físico, como no que se refere à sua formação
mental e moral.

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0 liVRO DA MXI

Mais uma \lez notamos que é por demais


desprezada hoje esta preparação para a m ater­
n idade. Como já o dissemos também, faz-se de
maneira incompleta e rotineira.
Para se organizar, é indispensá\lel, ao
m esmo tempo, o concurso de tôdas as m ãis e
o dos métodos educati\los.
As mãis .de\liam conhecer as dificuldades
inerentes à sua tarefa , quando lher falta a pre­
paração anterior. Só podem compensar essa
falta, mas até certo ponto, à custa de dedica­
ção e abnegação, e ainda assim nem sempre
de todo satisfeitas consigo mesmas.
c!, Não devem, pois, tomar a peito furtar as suas
filhas a tais dificuldades, visto que podem ser
mais previdentes do que as suas mãis o foram?
É fácil a tôda a mãi atenta preparar, no
meio familial, as suas filhas para a missão da
maternidade.
É um meio que, melhor do que qualquer
outro, se presta à experiência, à prática do
que se ensine.
É forçoso criar esta corrente. Logo que ela
comece, tôdas as mãis devem segui-la, e essa
prática há-de continuar ininterruptamente por
meio da tradição familial.

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PREPARAÇÃO PAR.A A MATERNIDADE 37

Várias tentativas que nêsse sentido já têm


sido feitas com êxito, prometem-nos esperar
que estas ldeas hão-de popularizar-se e pra­
ticar-se.
Mais difícil será talvez infiltrá-las nos mé­
todos educativos, porque êstes são orientados
pelo êrro, pelo menos em tudo que trata da
educação feminina.
Os programas desenvolvem excessivamente
os estudos especulativos, com prejuízo das no.­
ções práticas. As nossas damas tornam-se cada
vez mais letradas e sabichonas, e incapazes
do desempenho do seu papel essencial na vida
da família.
É uma monomania impensada, lamentável,
destruidora das principais bases da nossa so­
ciedade.
É uma coisa de-veras excelente a instrução
da mulher, e aplaudo por completo esta opinião
de Júlio Simon :
c Cada mulher que se instrue é uma escola­
zinha que se funda.•
Mas devemos c ompreender bem a frase
profunda de Júlio Simon.
A mulher é essencialmente educadora, por­
que se converte em mãi de famllia. Transmite
aos filhos o que aprendeu - e af temos a es­
c ol azlnha. Se fôr ignorante, pouco aproveit@m
com ela os filhos. Quanto mais instruída for,

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0 LIVRO DA MÃI

tanto m ais instrução lhes dará, mas só quando


fique sempre mãi de família.
Ora a mãi de família não o é nunca, ensi­
nando aos filhos a física, a química, a cosmo­
grafia, a anatomia comparada, tudo isso que
hoje ensinam às nossas filhas. Para isso, há
professores competentes, assim como para li­
teratura, línguas mortas, etc.
Actualmente, sacrificam-se as noções prá­
ticas, de-veras úteis, e ensinam-se às meninas
doutrinas científicas que de nada servem na
vida doméstica.
E ainda se faz pior, porque lhes desorien­
tam os espíritos, desviam-nas das verdadeiras
aspirações da mulher, para as precipitarem nas
ambições científicas e literárias.
já se sentem muito os resultados de tais
métodos educativos modernos. As famflias ver­
dadeiramente dignas do nome de famílias, �ão
desaparecendo, à medida que as mulheres se
arrogam atribuições intelectuais, que o bom­
-senso confiara aos homens.
E assim deveremos hoje modificar a frase
de julio Simon.
Devemos antes dizer :
c Quando a torto e a direito instruímos uma

mulher . . . de�truímos uma família ! . . . ,.

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P�EPAAAÇÃO PA�A A MATE�NIDADE 39

* *

Não há mal moral que não tenha cura !


já são flagrantes na sociedade e nos livros
os sintomas dum movimento de reacção contra
as tendências nocivas dêsses métodos educa­
tivos que destroem a vida familial.
já se começa a verificar quanto é funda­
mental o êrro de tais métodos que trocam a
formação moral da mulher pela sua intensiva
formação intelectual. Se os pedagogos teóricos
continuarem teimando, as famílias cada \lez os
seguem menos, mais os abandonam.
São de todos os dias as enormes decepções
originadas pela instrução puramente especula­
Uva. Os homens sensatos e que desejam ter
um lar, não procuram as licefstas, agarradas
demais aos l ivros, pelo que elas se \lêem cada
\lez mais condenadas ao celibato.
Olhando à \lolta de mim, noto que as mu­
lheres mais freqüentemente solicitadas para
espôsas são . . . as boas donas de casa. Das
outras, todos desconfiam.
Quando, a cada passo., as donzelas mais
inteligentes ti\lerem notado o mesmo, hão- de
engodar-se menos com os trabalhos intelectuais
e \loltarão à prática das ocupações domésticas.

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40 0 LIVRO DA MÃI

E com isso todos h ão-de ganhar.


� ste movimento de reacção pode ser apres­
·

sado pelo apostolado das mãis de família que


de-veras amem as suas filhas. Por isso devem
caprichar em ser mãis modelares, e devem
alentar, por todos os meios, as suas filhas para
lhes seguirem os passos.
Pode o Livro da Mãi ser o instrumento
dêsse apostolado. O autor dêle reUniu todos os
argumentos que lutam pela preparação para a
maternidade, expondo, ao mesmo tempo, os
meios práticos de se realizar aquela prepa­
ração.
Não deixem, pois, as mãis de o ler, medi­
tar e fazer ler às suas filhas.
Verificarão que êste livro lhes ensina a
verdade, a valorização razoável da sua bela
tarefa, e que onde quer que êle seja seguido,
prati cando-se os seus preceitos, ter-se-á fun­
dado, graças também a êle, uma escolazinha.

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CAP ÍTULO 11

Como é que a Mãi deve amar


os seus filhos

O amor maternal é o mais forte motor da


mãi, o que nela tem maior influência.
Por isso apelamos principalmente para o
seu amor maternal, quando despertamos a sua
atenção àcêrca da necessidade, imprescritível
para ela, de se preparar a sério para a ele­
vada missão de mãi e, ainda mais, para a de
preparar as filhas para a m aternidade.
Tem sido glorificado o amor de mãl quási
tanto como o amor divino.
Mas, se o amor divino é absolutamente per­
fei to, puro e clarividente, o amor de mãi sofre
a influência da fraqueza de todos os senti­
m entos humanos.
Duas são as principais origens dessas fra­
quezas.
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42 o LJV�O DA MAl

Primeiro que tudo, é positivo que em todo


o afecto humano se infiltra, muito involuntària­
mente, e até sem consciência nossa, uma parte ,
maior ou menor, do invencível egoísmo, do
amor-próprio e admiração de nós mesmos, que
constituem uma parte integrante da nossa na-
�reu. .
Para salientarmos até à máxima evidência
êste facto psicológ ico, vamos colhêr o exem­
plo superlativo - o de certas personalidades
cujo amor-próprio e desvanecimento consigo
mesmos atingem um grau tão hiperbólico, que
chega a constituir uma espécie de ridícula
doença mental.

* *

Ninguém h á. que não tenha encontrado na


sua vida uma personagem de espírito bastante
acanhado (a vaidade é sempre proporcional a o
a canhamento do espírito) e que vive e m admi­
ração perpé�a de· si mesmo, de �do que diz,
faz e possue, de tudo em que toca. Êle f de
perto ou de l onge, e experimentando uma sêde
insaciável de ser admirado até nas coisas fn­
fimas.
Tudo que diz respeito à sua pessoa, tudo
que entra na sua casa, só por isso tem uma

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COMO É QUE A MAl DEVE AMA!t OS SEUS PILHOS 45

extraordinária superioridade. Servem-lhe à mesa


queijo Coulomniers, e logo se torna magnlfico
Coulomniers.
Por Isso, usa sempre dum adjectivo cari­
nhoso e lisonjeiro para classificar o que ofe­
rece a os seus convivas -não sendo raro que
o único v;dor das iguarias seja apenas êsse
adjectivo.
O café que se bebe na sua casa é o melhor
de todo o mundo.
Não há no mundo vinho como o dêle - e
igualmente não tem rival a água que êle bebe.
Ê sse homem há-de repetir-nos, trezentas e
sessenta e cinco vezes por ano (trezentas e
sessenta e seis, se o ano fõr bissexto), e com
infatigável, inexgotável c insaciável admiração:
- Prove isso ! já provou disso ?!- como se só
em casa dêle h ouvesse tais manjares.
Para divinizar tudo, basta a atmosfera que
em casa dêle se_ respira. Tudo que se vê em
sua casa é raro e precioso. Os seus criados
são umas jóias . . . até chegar o dia em que os
despede (o que acontece com freqüência).
Os seus fornecedores são os melhores do
globo . . . emquanto é freguês dêles (o que
nunca dura muito).
Dir-se-ia que tudo que o rodeia foi criado
e deitado à terra de propósito para evidenciar
a superioridade da criatura tão rara. Tudo
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44 o LlVR.O DA MÃI

quanto êsse homem faz é maravilhoso. As suas


ideas são sempre geniais.
Na plenitude da sua admiração por si pró­
prio, anda sempre a solicitar a admiraÇão dos
outros. E ai daquele que a regatear I Ê le só
estima quem o adula, só empresta dinheiro a
quem o incensa.
julga os homens e as coisas de maneira
incisiva e absoluta. Quem lhe agradar é de
muito valor (ver-se-ia atrapalhado, se o obri­
gassem a dizer porquê, êle, que não tem se­
quer um valor medíocre) : os que lhe desagra­
dam não valem nada. Chega a espantar-se até
de que possa existir o que lhe desapraz ! Mas
o que se lhe afigura mais extraordinário é que
o mundo possa caminhar sem que o consultem
sôbre a ordem e o caminho a seguir.
Ê ste retrato, copiado do natural, demonstra
até que punto pode chegar a admiração doen­
tia de nós mesmos e de tudo. que se relaciona
connosco.
Muito bem ! pois não nos riamos demais
dêsses excepcionais exageros, evidenciados
por alguns fracos espíritos, porque êles deri­
\lam dum sentimento que nos d omina a todos,
mais ou menos.
Não há ninguém que se não afeiçoe com
intenso fervor a tudo que nos diz respeito, e
somos complacentes admirativamente connosco
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CoMO É QUE A MÃI DEVE AMAR Os SEUS fiLHOS 45

e com o que vem de nós - principalmente com


o que produzimos à custa dum verdadeiro es­
fôrço, com o que tem o nosso cunho, o carac­
terístico da nossa personalidade.
Nêste ponto de vista, nada mais parecido
ao amor de mãi pelo seu .filho do que o amor
dum escritor pela obra em que mais fêz vibrar
a sua alma. E não falo só do autor : fal o de
todo e qualquer artista.
Posta de parte tôda a preocupação de lucrot
o mais humilde dos cultivadores contempla as
suas colheitas cem o amor-próprio dum autor
e, ao sorrir-lh es, sorri a si próprio.
Francisco Coppée exprimiu admiràvelmente
esta psicologia do h omem que deixou uma
parte de si mesm o numa obra, embora mate­
rial, quando escreveu a cêna comovente da
troca dos violinos.
Não são, pois, só as mãis, mas todos os
sêres humanos, que têm uma ilimitada com­
placência, uma infinita admiração por tudo que
vem dêles, e principalmente porque dêles veio.
É a psicologia, tão expressivamente atri­
buída por La Fontaine ao mocho (A Águia e
o Mocho, Fdbulas de La Fontaine, L ivro V) •

. . . Os meus filhinhos são tão delicados,


Belos, bem feitos, tão bonitos e n otados . . .
Haveis de os distinguir, só por isto, entre os mais . . •

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46 0 LIVRO DA MAl

* •

Temos, como directa conseqüência dêste


i nnato pendor para admirarmos sem reserva
tudo quanto fazemos, o facto de que tôda a
afeição humana que a razão não chega a orien­
tar, é profundamente cega. Fecha pertinaz­
mente os olhos aos seus erros, não os \lê, não
quer \lê-los, não quer admitir a sua falibilidade.
É absolutamente geral êste fenomeno psi­
cológico. É um facto notado por todos os m ora­
listas, não só nos sentimentos afectuosos como
em todos os demais sentimentos, logo que
sejam desregrados, e se furtem à razão, dege­
n erando, portanto, em paixões. A cegueira das
pai�ões não é uma simples fórmula : é uma
formidá\lel realidade.
Entretanto, há todos os graus de cegueira
como os há nas paixões.
Ora é um êrro tenaz, pródigo em funestas
c onseqüências, ora é uma efêmera ilusão, que
se des\lanece com o sentimento que a origi­
nou, sem ter produzido grandes danos.
Moliere exprimiu com muita penetração as
ilusões criadas na imaginação dos homens
durante o período sensível da sua afeição pela
mulher amada. Foi nos seguintes celebres ver­
sos do Misantropo (A cto IV, cêna V) :

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COMO É QUE A MÃI DEVE AMAR OS SEUS FILHOS 47

Vêem seus defeitos mil como mil perfeições,


E sabem dar-lhes sempre altas designações.
A Pálida é um jasmim na .alvura incomparável ;
A Preta é uma trigueira, ou morena, adorável ;
A Magra é uma elegante, acusa agilidade ;
A Gorda, na presença, é tóda majestade ;
A Desleixada, sem encantos, é julgada
Beleza singular e desenxovalhada ;
A Giganta parece uma mulher divina ;
A Raquítica, um mimo, ou silfide, ou ondina :
A Orgulhosa, rainha, a merecer a c 'roa . • .

A Velhaca, um talento, a Im becil multo boa . • •

A Palrante, é um tesoiro, um modêlo de humor ;


A A canhada, uma joia, o extremo do pudor ;
É assim que qualquer que com o amor se inflama
A ma até os senões da beldade que ama. (1)

Também é verdadeiro o caso recíproco.


A mulher enamorada não é mais clarivi­
dente do que o homem verdadeiramente apai­
x onado (tratamos aqui do amor senslvel) ; e
cerca de tôdas as perfeições o objecto do seu
amor.

(1) No Livro da Esp6sa (Cep. 11) e�idenciámo�


que esses ilusões por forme alguma são necessária�
para o �erdadeiro afecto conjugal e que, pelo contrá­
rio, os esposos se amam tanto mais quanto melhor 51e

conhecem e se �êem claramente como são na reali­


dade, tanto em defeitos como em qualidades.
A �ida real não é feita de ilusões.
Pelo contrário, as ilusões apenes a prejudicam.

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48 o LlV�O DA MÃI

Encontra-se a mesma tendência no amor


filial e no amor fraternal.
� Como é que havemos de notar os defeitos
de quem amamos ?
� Como é que havemos de ter para com
essas pessoas uma inesgotável indulgência ?
Emfim, até na amizade, somos mais pro­
pensos sempre a desculpar o que um juiz im­
p arcial talvez achasse digno de censura.
� Como poderia, pois, furtar-se a essa lei
geral da psicologia humana o amor maternal,
que é o mais poderoso de todos ?
Pelo contrário, obedece-lhe no mais alto
grau.
O filho é para a mãi a sua própria carne, a
sua própria vida. É até mais do que ela pró­
pria. É um ser que lhe deve a existência e que
constantemente lhe dá a gloriosa sensação do
poder criaqor da maternidade, o que a ench e
de legítimo orgulho.
- Meu filho !
Estas duas palavras, em lábios de mãi, ex­
primem uma imensidade de satisfações triun­
fais. É a criação, é a posse, é a duplicação da
sua vida pela vida que transmitiu ao filho, e
dêste conjunto de impressões deriva um ver­
dadeiro mundo de alegrias inefáveis que Ine­
briam a alma materna.
� Como se poderão pagar bastante essas

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COMO i:. QUE A .1\lÃI DE.VE AMAI{ OS SEUS I"ILHOS 49

alegrias, a não ser com a dádiva de s.i m esmo,


a bandôno completo, absoluto, superior à dedi­
cação, porque atinge o sacrifício e acha novas
satisfações nesta abnegação ?
c! E poderíamos exigir a tão apaixonado
afecto a emancipação de tôda a cegueira,
quando esta, a cada passo, prejudica tanto a
reflexão, fazendo-o até em proporções exage­
radas ?
A primeira característica dum afecto verda­
deiro e profundo é uma bondade cheia de in­
dulgência e p aciência, bondade inesgotável
para com todos que amamos. Entretanto, essa
bondade não exclue a clarividência.
É próprio do amor maternal a degeneração
freqüente em fraqueza. Ora a fraqueza é, a
rigor, uma cega bondade que desculpa tudo,
até o qu e .nunca devia ser desculpado, até o
que tanto pode prejudicar a mãi, como, a o
mesmo tempo, o filho.
É vulgar que o exagêro de tal sentimento
faça com que a mãi não só se sacrifique a si
própria pelo filho, como lhe sacrifique, com
feroz egoísmo, to do o mundo e tudo que há no
mundo.
Nêste grau de exaltação, o amor materno
toca as raias do delírio, tornando-se, portanto,
um perigo para a mãl e para o filho, e ainda
para quem vive no seu ambiente.

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50 o LIVR,O DA M.AI

Re\lela-nos tais factos a obser\lação quoti­


diana. Não carecem, portanto, de larga de­
monstração.
É geralmente notória a tendência natural
das mãis para como que afogarem os filhos
numa cega ternura que lhes pode ser mais
noci\la do que benéfica.
Ora ninguém põe em dú\lida que, para se­
gurança da felicidade do filho -e da mãi, prefe­
rí\lel é que esta siga os conselhos da razão,
em \lez de obede·cer às despóticas sugestões
dum irreflectido afectó.
Eis a razão de termos dito e repetirmos
ainda que as mãis precisam de aprender o
modo de amar seus filhos.
Conseguindo-o, não lhes terá menos amor
e, além disso, amá-los-á melhor, porque o seu
afecto há-de ser esclarecido e sem o risco de
se en\leredar inde\lidamente.

§ 2.0

A mãi que ama sinceramente os filhos por


êles próprios, e não pelas satisfações pessoais
que der"i\lam do afecto dela e dêles, deseja
acima de tudo, que os seus pequeninos 'sejam
felizes.
H ão-de dizer as mãls que é por isso mesmo

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COMO É QUE A MAl DEVE AMAR OS SEUS I'ILHOS 51

que os enchem de mimos, que não podem ver


nos olhos dêles uma lág"rima, e assim lhes evi­
tam tôdas as contrariedades, só para os \lerem
sempre risonhos e alegres.
O que as torna felizes é o espectáculo da
ventura dos filhos.
Dificilmente se poderia justificar já tal ma­
neira de ver, se os objectos de tanto amor ti­
vessem de ficar sempre crianças, como o pedia
a antiga canção entoada por uma boa mãi e
que terminava cada estrofe com êste \lerso :

Meu filho, fica sempre pequenino !

Mas é bem sabido que não sucede assim.


As crianças crescem, e não tarda vermo-nos
na obrigação de as prepararmos para a vida.
Ao passo que vão crescendo, tem de vencer
provações cada vez mais árduas, e, por fim,
chegadas à adolescência, têm de lutar pela
vida.
Ora nenhuma boa m ãi ignora que a exis­
tência dia a dia se torna mais diffcfl.
Replicar-nos-ão, contudo, algumas mãls :
-- Pois é isso mesmo ! Se o meu filho mais
tarde tem de lutar e de sofrer, que vá, ao me­
nos, aproveitando, quanto possível, a felicidade
que lhe dá o afecto materno, emquanto dêle
depende a sua vida. Isto é que um lucro certo !
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52 0 LIVRO DA MÃI

Tal convicção, a-pesar-de triunfalmente pro­


fessada por tantas mãis, tem por base, afinal�
uma ilusão deplorável.
Pretendendo furtar-se os filhos a alguns
pequenos martírios, multiplicam-se, em propor­
ções enormes, as amarguras porvindoiras.
Encontro, no excelente livro de joel de
Lyris, Escolha duma biblioteca, Aubanel Fre­
res, Avinhão (pág. 19 a 2 1 ) um exemplo apro­
positado e típico.
O autor refere-se a um silabário organizado
por um alto funcionário da Universidade, que
julgou ter feito assim uma obra de génio.
Diz joel de Lyris :
c Em vez de se fatigar o espírito das crian­
ças, obrigando-as à constante leitura de novos
termos e frases, no intento de se ir gradualmente
aprendendo a leitura, descobriu o seguinte :
Repetem-se as mesmas palavras nos exer­
cícios de silabação, e isto desde o princípio
ao fim do volume. É, pouco a pouco, pelo sis­
tema de conta-gotas, que, de \lez em quando�
aparece nos exercícios uma palavra nova, não
muito difícil, e que permite variar as frases e
alongar os períodos, ,
joel d e Lyris cita alguns exemplos colhidos
no silabário aludido, e que são dum efeito de­
-veras cómico. É uma passagem cuja leitura
desopilante aconselhamos.

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COMO É QUE A MÃI DEVE AMAR OS SEUS FILHOS 55

E joel de Lyris conclue :


c• Se as crianças, por tal processo, pro­
• •

gridem muito aparentemente, por encontrarem


no fim do volume as mesmas palavras que j á
aprenderam - ficam, pelo contrário, às aranhas
quando lhes dão qualquer livro de leitura vul­
gar, experimentando dificuldade na soletração
da maior pa�te das novas palavras que lhes
surdem diante dos olhos.
«Portanto, o método consegue exactamente
o contrário do que tinha em vista, que era
aprender a ler sem se evitarem na criança os
esfo rços de atenção, inteligência e memória
.que são Indispensáveis para o con·seguimento
de sérios e decisivos resultados.
O melhor silabário é o que vai direito ao
seu fim, graduando as dificuldades sem tentar
suprimi-las.
*

* *

É completamente ,a plicável êste jufzo à ma­


neira por que a mãi deve amar os seus filhos.
A mãi obcecada, que pretende ver os seus
filhos actualmente, sempre satisfeitos,·evita-lhes
todos os desgostos e até esforços, aliás indis­
pensáveis para a normal aprendizagem d a
'Vida.

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54 0 LiV�O DA MÃI

Deixa-os habituar lentamente às realidades


da existência, pelo sistema de conta-gotast
como diz j oel de Lyris, tudo isto com infinitas
precauções, desviando os filhos, tanto quanto
pode, daquelas realidades, criando-lhes um meio
falso, sempre o mesmo, como se tivessem de
viver nêle perpetuamente.
Não sei se tais crianças, educadas assim
entre as saias das m ãis, são mais fel izest
m esmo actualmente. Bastantes observações
directas me permitem duvidar disso.
Mas do que tenho certeza absoluta, por
uma experiência quotidiana, é de que essas
crianças, habituadas a uma vida suave, tran­
qüila e despreocupada, e não tendo, por assim
dizer, outro trabalho que o de se deixarem
viver. para verem realizados todos os seus
desejos - ignorando tôdas as escabrosidades
da vida, essas crianças, dizia eu, sofrem cruel­
m ente logo que o seu estado de beatltude
é perturbado por qualquer mudança .
Ora essa mudança é, mais dia menos diat
inevitável, porque a criança, a o passo que vai
crescendo, vai-se afastando cada vez mais do
meio em que vivia sob a protecção materna.
E então choca-se com inúmeras coisas que
desconhecia, só porque a mãi cuidadosamente
evitou perturbar-lhe a tranqüilidade. E a apren­
dizagem da vida que ela, sendo previdente.

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COMO É QUE A Mll DEVE AMAR OS SEUS fiLHOS 55

teria podido e devido orientar gradualmente


sem o receio de a tornar fatigante, tem o filho
de a fazer de golpe, brutalmente, nas piores
condições possívêls.
Portanto, a cega solicitude de tais mãis foi
exactamente prejudicar o fim que elas tinham
em vista.
Quiseram evitar aos filhos tôdas as contra­
riedades e esforços que foi possível afastar,
e afinal acumularam tôdas essas dificuldades
em prejuízo dos filhos numa época em que a s
rnãis lhes não podem servir d e auxílio.
Procurando suprimir as dificuldades, se­
gundo a justíssima frase de joel de Lyris ­
apenas as adiaram e, além disso, as avolu­
maram.
*

* *

Mas, se as mãis assim procedem, t será, n a


\lerdade, pela fel icidade d o s seus filhos que
elas terão trabalhado, sem nenhum pensamento
reservado de egoísmo ? t Não procurarão elas
um tanto o seu próprio sossêgo no sossêgo
dêles ? t Evitando-lhes esforços e desgostos,
não procurarão, ao mesmo tempo, evitar fazer
os esforços devidos, ter as canseiras indispen­
sáveis à normal preparação para a Vida real ?

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56 0 LIVRO DA MÃI
�'

Não desconheço os protestos que hão-de


le\lantar as mãis contra esta acusação de
egoísmo, porque, afinal, essas vistas pessoais
são talvez inconscientes.
Tão inatlngfvel por qualquer egoísmo pa­
rece ser o a mor materno, que Luis Afgon não
duvidou escrever :
cO egoísmo alaparda-se nos nosscs melho-
res sentimentos, na amizade, n o amor . . .
Nunca o verão palpitar no amor materno . . . ,.
Mu ito bem ! Afirmando isto tão cat.e gbrfca­
mente, Luis Aigon - aliás, doutras vezes, muito
mais bem inspirado - revela uma ciência psi­
cológica completamente deficiente.
já demonstrámos bastante, no parágrafo
primeiro dêste capitulo, que o amor m aterno,
em vez de ser incompatível com o egoísmo,
dêle é radical e essencialmente inseparável.
Pode êsse egoísmo entrar em maiores ou
menores proporções, mas nunca deixa de exis­
tir um tanto.
Saint Lambert, que, incontestàvelmente,
possuía uma profunda ciência da psicologia
moral, viu com maior clarividência do que
Luis Aigon, ao dizer :
cEvitai amar nos \'ossos filhos o que m ais
"Jos recreie a vós do que sirva de utilidade
a êles ,.

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COMO É QUE A MAl DEVE AMAR OS SEUS f'ILHOS 57

E eu, por muitas vezes o ter observado,


acrescentarei :
Evitai amar nos vossos filhos principalmente
o que lisongear o vosso amor-próprio f
Em vez de vestirdes vossos filhos com ves­
tuários simples, fáceis de lavar e que os dei­
xariam brincar á vontade e tomar parte em
todos os exercícios tão úteis à sua actividade
e xpansiva e à sua saúde, i adornais-los com
vestuários magníficos que os obrigam a estar
Imóveis !
Porque ? É para felicidade dêles ? Para sua
satisfação ? Oh ! o que êles quereriam seria
rolar na erva ou na areia ! Não ! É por vossa
vaidade ! É p ara que os admirem a êles e a
vós. Isto, para fal a r claro, torna-os distintos.
i E também será para prazer dos vossos
fi lhos que lhes fazeis exibir a memória, reci­
tando fábulas e saUdações ? Não, é apenas por
vaidade vossa. Estais orgulhosas com os vos­
sos filhos, porque a admiração que pareceis
procurar para êles ricocheteia sôbre vós mes­
mas.
O dr. johnson antipatiza\la de-veras com
os meninos-prodígios, porque sofrera muito e m
criança com a freima de seus pais em l h e exi­
birem os talentos precoces.
Conta\la êle :
c Logo que chegava uma \li sita, eu trepava

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58 0 llV�O DA MXl

por uma ár\lore acima, a ver se fugia à ordem


de exibir os meus talentos» .
E acrescentava :
c É isto, a maior parte das vezes, o grave
inconveniente dum casamento tardio. O filho
dum pai já idoso tem aproximadamente a vida
dum bichano predilecto, alvo duma ternura
extravagante, e que é obrigado a levantar a s
mãos dianteiras para distrair a assistência que
se retira, afinal, aborrecida com diversão tão
enfadonha , .
U m dos amigos d e johnson pediu- lhe um
dia que fôsse ouvir recitar, um por cada vez,
dois filhos do solicitante.
Tratava-se duma elegia do poeta, o qual
deveria julgar qual dos recitadores era mais
correcto.
j o n nson replicou logo :
- N ão quero um por cada vez. Recitem os
pequenitos ao mesmo tempo, porque farão
mais barulho, e isso acabará mais de-pressa.
A opinião do dr. johnson é, na sua fran­
queza brutal, uma das mais justas. Era um
excelente observador psicológico. Basta olhar­
mos à volta de nós para notarmos que obser­
vava bem e disse a verda de.
Portanto, mãis de família, se pretenderdes
furtar-vos a essa pecha do egoísmo que fàcil­
mente se infiltra na vossa afeição aos filhos,

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COMO É QUE A MAl DEVE AMAR OS SEUS I'ILHOS 59

procurai para êles tudo que lhes puder ser útil


e não o que lisonjear o vosso amor próprio.
Esta é que é a verdadeira abnegação, pois
e)(clue a vaidade pessoal. Ao serdes tentada
para ceder ao desejo de evidenciar os vossos
filhos no intento de uma colheita de elogios,
o vosso espfrito deve ter presente logo. o se­
guinte pensamento : t c Em que é que isto dará
utilidade à ventura dos meus filhos• ?
E contrai'reis êste hábito salutar, logo que
com firmeza o quiserdes.
Notareis então como vos será proveitoso
a vós e a vossos filhos.

* *

É freqüente nas mãis a i lusão de acredi­


tarem que a sua e)(cessiva indulgência para
com os filhos aumentará o afecto dêles para
com elas;
Neste ponto, temos o gôsto de estar d e
acôrdo com Luis Aigon, que diz :
c A excessiva indulgência para com os nos­
sos fi lhos aumenta-lhes os defeitos e diminue
a sua afeição , ,
Nada mais verdadeiro. É fácil evi denciar
a razãq psicológica dêsse facto.
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00 0 L IV�O DA MÃI

A criança não raciocina. Mais do que a


p rópria mãi, é um ser aberto a tqã"as as im­
pressões, reagindo segundo essas impressões
são penosas ou agradáveis, mas sem se preo­
cupar c o m o determinar-lhes a causa.
Não tarda a compreender a fôrça de que
dispõe junto da mãi excessivamente benévola
e, em vez de lhe ser reconhecido num au­
mento de afecto, . , aproveita-se da fraqueza
p ara se tornar cada vez mais exigente.
E, assim, os seus defeitos, que não são
reprimidos por qualquer severidade, desenvol­
vem-se livremente, e com êles um defeito
capital, que dilacera os corações maternos
- a ingratidão - e i sto quando elas, pela
sua brandura, esperavc�.m colh êr aumento de
amor.
A .ingratidão é o produto fatal dll irreflexão
das mãis excessivamente indulgentes. Todo o
filho que, . procedendo como proceder - bem
ou mal - está convencido de que tem � apro­
\lação da mãi, não tarda a não saber distin­
guir o bem do mal, e perde o senso moral.
Acaba por j!Jigar que lhe é devida a indulgên­
cia dispensada sem a merecer.
E, assim, t que reconhe Cimento pode ter
para com a solicitude tocante que, por assim
dizer, se l h e impõe ? Se a mãi acha tôda a
sua felicidade em animar o filh o - está bas-

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COMO É QUE A MÃI DEVE AMAit OS SEUS fiLHOS 61

/ante recompensada pelo único facto de que


o seu ídolo se digna ser adorado em excesso.
Eis por que todo o filho mal educado se
torna sempre ingrato.

* *

Quando as crianças crescem e podem pres­


tar serviços, surde perante as mãis um perigo
que elas dificilmente evitam.
É principalmente então que à sua afeição
maternal, muito verdadeira, se sobrepõe um
egoísmo inconsciente que as expõe a serem
Injustas para com os seus filhos e até a fazê­
-los infelizes sob o pretexto de quererem a sua
felicidade.
A mãi, que viu crescer seus filhos ao pé
de si, com dificuldade se habitua à ideia de
que tem de os deixar. E, contudo, chega um
dia em que filhas e filhos, graças às iniludf\leis
leis da vida humana, \lão criar fora novos lares.
Causa isto uma profunda angústia às mãfs.
Mas, se elas quisessem aprofundar os seus
fntimos sentimentos, notariam multas vezes
que o que mais sofre nelas é o egoísmo.
Tinham-se habituado a \ler constantemente
ao pé de si aqueles companheiros da sua \lida,

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62 0 LIVRO DA MÃI

e a sua ausência vai criar- lhes um vácuo no


seu ambiente doméstico.
Se ficasse só com um filho que, por assim
dizer, se tornasse chefe da famflia, disporia,
em sua casa, duma autoridade incontestada,
a qual lhe vai ser usurpada pela nora.
No caso de ser uma filha única, esta ali­
viaria a mãi numa parte das canseiras domés­
ticas, sendo como que uma governanta gratuita
e dedicada. O casamento dessa filha roubar­
-lhe-á essa serviçal, obrigando a dona-de-casa
a tomar sôbre si todos os trabalhos do lar.
Por isso, é de notar·se como certas mãis,
pretextando grande amor aos filhos, lhes difi­
cultam todos os projectos de ca s am e n t o ,
usando d e todos o s meios para o s inutilizarem
ou, pelq menos, os adiarem o mais possível.
Oh ! como o amor maternal toma pouca
parte nestes cálculos, e como é chocante
aquele grito do coração dum( mãi a quem
diziam :
- A senhora, casando-os, torna felizes seus
filhos !
- Sim, mas . . . eu ?f
Até nisto, contudo, as mãis não raciocinam.
Obedecem a um impulso da sua natureza, sem
pensarem que o facto de se terem sacrificado
pel os filhos por forma alguma lhes outorga
o direito de os sacrificarem em proveito delas.

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COMO É QUE A MÃI DEVE AMAR OS SEUS I'ILHOS 65

É desculpá\lel que elas aceitem o seu sa­


crlffcio, quando \loluntário, embora hou\lesse
muito que dizer a tal respeito. Mas que elas
o pretendam impor é uma aberração cuja ori­
gem está muito longe de ser o amor maternal.
É sabido que outras mãis, pelo contrário,
vêem no casamento dos filhos um m eio d e
ficarem livres dêles, e assim, por todos os
meios, os impelem a casar-se, seja como
fôr, por menos probabilidades que tenham de
ser felizes, logo que consigam o fim imediato
que almejam.
Mas por isso mesmo - repetimo-lo - de­
\! em os fugir a comparar o amor materno com
o amor divino, e a acreditar, como Luis Aigon,
que o amor materno é livre de qualquer
egoísmo.
O amor materno é um amor humano.
Sendo-o, está sujeito a tôdas as fraquezas da
natureza humana.
*

* *

Não vale mais do que a excessiva ternura


a severidade ríspida para com os filhos.
A mãi que tiver aprendido a amar reflecti­
damente os seus filhos há-de saber achar o
preciso meio-têrmo entre os dois excessos.
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64 0 LIVR.O DA MÃI

E, para isto, tem ao seu alcance um critério


infalfvel.
'
Sempre qu e se trate dos seus filhos, deve
preguntar a si própria, antes de tomar qualquer
resolução :
- d Em que é isto útil à felicidade dos
meus filhos ?
Respondendo com bom-senso e ponderação
a esta pregunta, pode ter a certeza de nunca
errar o seu caminho.
Mas vamos, afinal, ter oportunidade nos
capítulos seguintes, de explanar os diversos
princípios de aplicação prática no modo como
as mãis devem amar seus filhos.

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CAPÍTULO 111

Obrigações materiais da mãi

Quando a mulher se compenetra de que


deve ser mãi, contrai imediatamente obriga­
ções que poucas espôsas ainda suficientemente
conhecem, o que é devido aos métodos incoe­
rentes que hoje predominam na educação das
donzelas - métodos, aliás, menosprezados de
propósito por certas senhoras que não querem
sacrificar os seus hábitos e prazeres, ou o
fútil snobismo da sua banal vida mundana.
A principal daquelas obrigações é assegu­
rar, dentro dum rígido regime físico e moral
apropriado, o nascimento dum filho sadio, vi­
�oroso, bem constituído.
Não nos cumpre agora pormenorizar êsse
regime.
É muito diverso o fim dêste livro - pois
c1ue estabelecemos nêle as regras morais que
devem orientar as funções das mãis.
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66 0 LIVR.O DA MÃl

Obras inúmeras e muito práticas, especial­


m ente dedicadas à higiene e á medicina, Indi­
cam como é que aquelas regras se devem
aplicar em tôdas as suas particularidades.
O que neste livro devemos salientar é que,
durante o período anterior ao do nascimento,
o filho é intimamente solidário da mãi, e que
tudo que êle accione sôbre ela, reage sôbre êle.
Por isso se Impõe às mãis a necessidade
de normalizarem a sua vida, tornando-a calma
sem indolência, activa sem desequilíbrio e,
acima de tudo, livre de todos os esforços físi­
cos e emoções morais que poderiam influir
sensivelmente no desenvolvimento normal do
·

filho.
Encontrar-se-ão as noções indispensáveis
à esposa para o c p nveniente desempenho das
primeiras · funções õa maternidade em livros
bem feitos, como já temos dito, e livros que
a tais assuntos se dedicam - e ainda, e até
muito melhor, nos conselhos dum médico ou
duma parteira proficiente, perfeitos conhece­
dores do temperamento da parturiente.
Também lhe dará noções idênticas a mãi,
se a parturiente ainda as possue, e, na sua
falta, bons conselhos lhe darão pessoas de sua
família e amizade, já experientes como m ãis,
e que podem fornecer-lhe ensinamentos úteis.
Deve, pois, assimilar, quanto possível, os

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ÜBR.IOAÇ0ES MATER.IAIS DA .MÃI 67

frutos da experiência alheia, valorizando-os


em seu proveito.
Como princípio fundamental, tudo que pre­
judicar a saúde da mãi prejudicará a saúde do
filho. E por saúde não queremos significar
apenas a ausência da doença, mas também
o funcionamento normal do organismo.
Queremos dizer que, em primeiro lugar, as
mãis devem ter uma alimentação sadia, variada,
abundante, e tanto mais abundante quanto
mais se destina ao bom funcionamento do or­
ganismo duma mulher, e a inda ao desenvolvi­
mento do organismo do filho. Deve eliminar-se,
dêsse alimento, e com o máximo cuidado, tudo
que pode influir perniciosamente no filho :
Iguarias e condimentos excitantes, requintados,
inflamatórios, constipantes, indigestos, as be­
bidas alcoólicas ou ácidas. Pelo contrário,
deve preferir-se o que é refrigerante, leve,
fàcilmente digerível e muito substancial.
A maior parte das futuras mãis são exage­
radamente propensas à inacção. Útil é à saúde
do filho e à da mãi um exercício moderado.
A indolência dá predisposições para a febre,
para a constipação, multo freqUentes no pe­
r!odo da maternidade a que nos referimos,
t! nocivos aos dois organismos, intimamente
dependentes um do outro.
Todos êsses males, e em geral quaisquer
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68 0 LIVR.O DA MÃI

indisposições, devem ser tratados e atalhados


desde o princípio, para se evitarem tôdas as
conseqüências incómodas.
Pode a mulher continuar a entregar-se às
habituais ocupações que tinha no seu lar,
interrompendo- as por meio de suficientes inter­
valos de descanso ao experimentar o menor
cansaço. Mas deve evitar cuidadosamente os
trabalhos penosos e os esforços violentost
encerar o sobrado, carregar com objectos pe­
sados, etc.
Os melhores exercícios para ela são l ongos
passeios ao ar livre, com os necessários des­
cansos impostos pela fadiga.
São-lhe úteis as diversões no campo, desde
que evite correr e saltar.
Não é admissível I a ' dança, nem o são o s
exercícios dê equitação--e de bicicleta.
Pelos mesmos motivos não aconselhamos a
própria simples assistência a bailes, saraus e
récitas em teatros.
Tôda a vigília prolongada, ocasionada fa­
talmente por tais reuniões e espe.ctáculost
é Cf!USa de fadiga para a mãi e para o filho�
Mais vale evitarem-se por completo.
Deve haver em geral a abstenção de tudo
que contrarie a sã higiene e a vida normal.
Devem tomar-se também as mesmas pre­
cauções sob o ponto de vista moral.

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ÜBRIOAÇÔES MATERIAIS DA MÃI 69

Deve a mãi evitar, e devem evitar-lho, com.


zêlo, todos os seus sobressaltos, as canseiras,
as preocupações e, com mais razão ainda, a s
a flições, o s abalos fortes. O que lhe é mais
conveniente, em tais circunstâncias, é a tran­
qüilidade de espírito, uma alegria suave, con­
versas deleitosas, diversões pouco fatigantes.
Tôda a mãi que se conformar com estes
princípios gerais pode esperar confiadamente
<> nascimento do seu filho.

* *

Mas, apenas nasce, carece o filho de cui­


dados que a mãi deve ter previsto com ante­
cedência bastante.
Muitos meses antes do dia do parto, deve
11 mãi cuidar das novas obrigações que lhe
vem impor o nascimento do pequenino, carne
d a sua carne, vida brotada da sua vida, alma
humana que Deus confiou ao seu zêlo.
l Mas que é que ensinaram a essa mãi
a Obre o papel que então tem a cumpri r ? N ada,
ou pouquíssimo.
Indispensável é, portanto, que a instruam
aóbre os seus deveres e sôbre o modo d e lhe
•�r possNel o desempenho dêles.

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70 0 liVRO DA MÃI

Como sôbre a higiene da futura mãi, há


inúmeros livros, opulentos de bons conselhos,
sôbre a higiene do recém-nascido. Mas os me­
l h ores conselh os são os do médico que co­
nhecer bem o temperamento da parturiente e�
ainda melhor, os das mulheres experientes
que já tiverem feito a aprendizagem da ma­
ternidade.
Para todos os respectivos lances, a futura
mãi tem mil fontes de ensinamentos sôbre
o que deve fazer e como deve ir-se prepa­
rando para o fazer, quando der à luz seu
filho.
E devemos reconhecer que raras vezes
falta essa previdência, ao passo que com muita
antecipação estão prontos os enxovais das
criancinhas.
Mas, seja qual fôr a verdadeira Importância
do enxoval, está longe de ser de primeiro
valor. Não passa duma parte ínfima do con­
junto de indispensáveis previsões destinadas
a assegurarem a vida e a prosperidade d o
recém-nascido.
A higiene infantil constitue uma ciência da
qual não pode desinteressar-se qualquer mãi
sob pena de faltar ao seu dever.
,É importante que seja perfeitamente escla­
recida com antecedência sôbre a fragilidade
do pequenino ser e sôbre a sua extrema sen-

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ÜBRIOAÇ0ES MATERIAIS DA MÃI 71

sibilldade ao frio - sôbre os cuidados de lim­


peza que exige ao nascer, e depois - sôbre
o primeiro regime conveniente na fase d e
transição que experimenta ao vir ao mundo,
abrindo-se de súbito os seus pulmões ao ar
atmo sférico, e o seu sistema digestivo a uma
nova alimentação.
A melhor das mãls é aquela que, em tais
circunstâncias, não se enleia na Incerteza ou
na rotina, que actua com clareza e resolução,
e que tem a previdência de aprender a fundo,
e pràticamente, o que deve constituir o con­
junto do regime do recém-nascido.

* *

Dizia Monsenhor Patrício de Sénes, bispo


de Caieta, a páginas 75 do seu Livro da polí·
cia humana :
cDepois de nascido o pequenino, a verda­
d eira mãi deve amamentá-lo e nutri-lo ao seu
pe ito, que é a bela fonte que a natureza, sóbria
e próvida, preparou para tal fim . . . � E que
melhor distracção pode ter uma mulher neste
mundo do que a de amamentar os seus filhos
que na sua algaravia graciosa, na dificuldade
de pronunciar, no ritmo suave e amoroso, na

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72 o LlVR.O DA MÃI

alegria que dão à casa, excedem os melhores


desopilantes do mundo ?•
Notam de-certo nestas pala\lras mais do
que uma declamação à João Jacques Rousseau,
êsse sentimental a frio, um dos mais nÇ>ci\los
depressores de almas que têm influeft ciado
funestamente a humanidade.
No seu francês arcaico e ingênuo, Monse­
nhor de Sénes exprime com simplicidade o
de\ler natural da mãi e as deliciosas alegrias
experimentadas por ela ao amamentar seus
filhos. E como tão espontânea linguagem tem
mais eloqüência con\lincente do que os perío­
dos ocos e enfáticos, brotados do cérebro
Incoerente do genebrês que disformou tôdas
as \lerdades humanas !
Por isso, não faremos às mãis a injúria de
lhes citarmos João Jacques Rousseau.
Dir-lhes-emos antes, com simplicidade : Se
puderdes amamentar o vosso filho sem pre­
jufzo para vós e para êle, não vos furteis a
praticar êsse dever !
As nossas razões não são um sentimenta­
lismo romântico e ridículo. São muito mais
poslti\las.
O alimento que melhor con\lém às crianças,
nutridas até \!Irem ao mundo com o sangue das
mãis, é o leite m aterno que daquele mesmo
sangue colhe os seus princípios constituti\los.

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ÜBRIOAÇÓes· MATERIAIS DA MÃI 73

Substituindo-se o leite da mãi pelo de qual­


quer outra mulher, e com maior razão pelo dum
animal, obriga-se o organismo do recém-nas­
cido a uma adaptação muito penosa e que lhe
pode ser prejudicial. É substituir a alimentação
natural por uma alimentação fictícia.
Em segundo lugar, a influência hereditária
da mãi no filho, começando pel o sangue, con­
tinua por meio do leite. É indubitável que o
filho suga, com o leite, a lguns dos caracteres
físicos e até mentais da sua ama. Está verificado
que o alcoolismo, as diáteses morbidas e cer­
tos instintos são transmitidos pelo leite.
Não é recente esta convicção.
É conhecido o caso tocante de Branca d e
Castela.
Quando amamentava o filho, que foi depois
S. Luís, viu-se obrigada, pelos seus deveres de
soberana, a confiar o pequenino a uma das
damas da côrte que, sendo mãi, também ama­
mentava na mesma ocasião um filho seu. Cho­
rando um dia o príncipe ao colo dessa dama,
esta, para o calar, e nas melhores intenções,
ofereceu-lhe o· seio que Luís aproveitou com
avidez.
Aparecendo nisto Branca de Castela, não
fêz a menor censura à dama de companhia,
mas, metendo um dedo na bôca do príncipe
até lhe chegar às guelas, fêz-lhe lançar fora
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74 0 LIVRO DA MÃI

todo o leite que a criança acabara de beber, e


procedeu assim porque não queria que o filho
tivesse nas velas sangue que não fôsse dela.
Mas há ainda outra ponderação a fazer
sôbre a comparação dos cuidados recebidos
pela criança só alimentada pela mãi com os
que pode receber de amas m ercenárias.
Admitamos que a ama mercenária se dedica
à criancinha com uma ternura de-veras mater­
nal. t. Dirigirá ela a evolução do pequenino
ser, conforme o faria a mãi ?
Essa criança cresce longe da mãi. As pri­
meiras, e sempre indeléveis, impressões rece­
bidas influem sôbre tôda a vida daquele ser.
Magnífico, se essas impressões forem b o as.
t. Mas quem nos pode assegurar que o serão ?
O afecto do fil h Ll, êsse tesoiro do coração
avaramente possuído por uma mãi extremosa,
alvejará logo a ama, e depois a mãi em vão se
há-de esforçar por o possuir dentro da intensi­
dade que teria, se ela houvesse podido cum­
prir o dever, essencialmente matern al, da
amamentação.
Mas há um fenómen o psicológico muito mais
grave. É que êsse filho, ao qual a mãl recusou,
desde o nascimento, um dom que a natureza
para êle criara, não será amado pela própria
mãi tanto como o seria, se ela o tivesse ama­
mentado. E de tôdas as deploráveis canse-
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ÜBR.IOAÇÔES MATI!R.IAIS DA MÃI 75

qüências da não amamentação dos filhos pelas


mãis, é esta a que eu julgo mais funesta, poi s
tudo que concorrer para o enfraquecim ento d o
amor maternal, arrasa pelos aUcerces as leis
morais da família e da humanidade.
Amamentai, pois, 6 m ãis, os vossos filhos,
se o puderdes fazer sem dano - e procurai,
principa lmente, evitar· fa lsos pretextos a avolu­
marem-\los as dificuldades no cumprimento
dessa missão.

Sendo a amamentação a função essencial


dos princípios da maternidade, há, porém, mul­
tas outras funções para que é preciso chamar
a séria atenção das mãis.
A criancinha só pode medrar graças a mil
cuidados físicos. Não basta . alimentá-l a sufi­
cientemente e com inteligência. Deve ser res.;.
guardada do frio, ao qual é muito sensível, e
ser alvo duma grande vigilância pela n ormali ­
dade de tôdas as suas funções.
A princípio, essas funções são quási exclu­
sivamente as da digestão e o sono.
Uma mãi que cumpre zelosamente os seus
de\leres, deve instruir-se com todo o escrúpulo
sôbre o que disser respeito à fisiologia infantil
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76 0 LIVRO DA MÃI

durante os três primeiros meses da existência


dos recém-nascidos. Para isso, dispõe tanto
de livros muito bem escritos, como dos con­
selhos de pessoas de-veras experientes e sen­
satas.
A grande preocupação da mãi é trabalhar
com tôdas as suas fôrças pelo desenvolvimento
dum filho sadio, vigoroso, bem constituído,
desenvolvido normalmente. Há para tal fim
regras precisas, conhecldfsslmas, expressas
com clareza nos manuais de higiene i nfantil.
Basta que a mãi com elas se conforme.
Na sua essência, resumem-se a alguns prin­
cípios, bastante simples :
1 .0 Dar ao filho uma alimentação absoluta­
mente sadia, suficiente, até abundante, sem ser
excessiva, e sempre conforme ao que fôr exi­
gido pela sua idade, pelo seu temperamento,
pelo seu estado de saúde. Nada de alimentos
nem bebidas de fantasia, gulodices, etc., por­
que tudo isso é de-veras doentio.
2.0 Vesti-lo com vestuários quentes, simples,
que se possam mudar e lavar freqüentemente
- evitando tudo que puder dificultar a circula­
ção, comprimir o corpo e os me·m bros, dando­
·lhes uma conformação defeituosa e tolhendo
os m ovime ntos.
5. • Conservá-lo num estado de absoluta
limpeza, sejam quais forem o tempo, o trabalho ,

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OBRIGAÇÕES MATERIAIS DA MÃI 77

a despesa que isso possa reclamar. É uma


condição essencial à saúde da criaJJça.
4.0 Obrigá-lo a fazer exercícios ao ar livre
tanto quanto possfvel.
5.0 Estar alerta com as suas menores indis­
posições, com os menores abalos nas suas
funções fisiológicas para intervir a tempo, afu­
gentando com eficácia as inúmeras enfermi··
dades a que estão sujeitas as criancinhas.

* *

E somos chegados ao ponto em que deve­


mos dar às mãis um conselho que dificilmente
poderão seguir, afinal.
Mas, como êsse ponto é porventura um dos
mais importantes dêste capítulo, não renuncia­
remos a formulá-lo da maneira seguinte :
c Mãis ! nunca vos alvoroceis na ânsia de
ver desenvolver, ràpidamente, seja no que fôr,.
os vossos filhos. Sêde, portanto, pacientes, es·
perando que a natureza, a m elhor e mais cla-­
rividente das mãis - porque obedece rigorosa­
mente às leis do Criador-permita normalmente
e oportunamente o desenvolvimento que dese­
jais, o primeiro sorriso, o primeiro dente, o pri­
meiro passo, a primeira palavra e tudo o mais , , .

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78 o LIYR.O DA MAl

A impaciência materna, o imoderado desejo


de �er que o filho cresça e se mo�a de-pressa,
originam muitas imprudências noci�as .
Não sei comparar melhor a ânsia da m ãi
pelo rápido desenvolvimento do seu filho, e
pelo l isonjeiro murmúrio - como está desen­
volvido para a idade f - do que à impaciência
duma certa donzela cuja história verfdica é
como se segue.
A menina B devotara-se · sucessivamente,
. . .

mas sempre com o maior entusiasmo, a diver­


sas ocupações : pirogravura, filatelismo, criação
de tartarugas (perfeitamente), pesca das rãs,
etc. Mas abandonava essas ocupações com o
mesmo ardor ; êsses gostos tão diversos desa­
pareciam dentro de algumas semanas, como
fogo de palha.
Veio ela um dia ter comigo e disse-me :
- Ando com vontade de m e entregar à j ar­
di nagem, mas . . . não como o faz tôda a gente.
Plantar pés já desenvolvidos acho pouco inte­
ressante. O que eu queria era semear grãos
em vasos, ver as plantas a brotarem dos grãos,
crescerem, desenvolverem-se, florirem, criando
n ovos grãos que eu tornaria a semear, e assim
por diante ! Mas há um inconveniente que o
senhor ignora : é eu ser muito falta de paciên­
cia. c!. Não me poderia ensinar qaais são os
grãos que se desenvolvem mais de-pressa ?
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ÜBRIOAÇ0ES MATERIAIS DA MÃI 79

- Os feijões espanhóis - respondi-lhe eu.


- i E quanto tempo levam ? . . .
- No tempo que corre, e regando a terra,
o muito, oito dias.
- Oh ! isso é demorad.o de mais.
- O feijão germina antes dos oito dias,
mas temos de dar tempo à haste para romper
acima da terra.
Esta última indicação que eu dera à menina
B . . sem poder calcular as suas desastrosas
.

conseqüências, foi fatal aos seus feijões espa­


nhóis.
No dia seguinte ao da sementeira, lá estava
ela a esfuracar o chão para ver se os feijões
já tinham germinado. E assim procedeu todos
os dias e com tanta minúcia, que, decorridos
oito dias, não só as pl antas não tinham emer­
gido, mas até se tinham inutilizado os seus
gérmenes.
Nos primeiros dias, quando, fendidos os
grãos, surdiram os gérmenes, saltava ela, cheia
de alegria, bate ndo palmas, e gritando :
- Vão rompendo ! \!Ao rompendo !
- l Mas como é que a menina o sabe ?
preguntei-lhe.
- Piquei a terra.
- Cautel a ! Sachando demais, fica tudo pre-
judicado.
E assim foi. Nada se desenvolveu. Perdi a

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80 0 LIVR.O DA MÃI

minha reputação de horticultor, e a menina


B . . aborreceu-se de jardinagens. Mas, feliz­
.

mente, teve depois muito entusiasmo por vários


trabalhos novos.
Pois a maternidade - se é lícito comparar
até certo ponto essa função sublime a um
entretenimento vulgar - é uma espécie de jar­
dinagem que ainda exige mais paciência do
que a cultura dos feijões.
As crianças não se desenvolvem de súbito.
Nem mesmo é bom que se desenvolvam
ràpidamente.
Excessiva precocidade prejudica, mais ou
menos, ou o seu desenvolvimento físico, ou o
seu desenvolvimento intelectual e moral. Cada
progresso deve Vir a seu tempo, normalmente,
sem pressa.
A principal preocupação da mãi deve ser
- não a de ver manifestar prematuramente no
filho as primeiras centelhas da i nteligência ­
mas fazer dêle um c bom animal:. , segundo a
frase de Emerson, filósofo americano.
l Que é, porém, fazer um bom animal ?
É apenas o seguinte : desenvolver na criança,
primeiro que tudo, uma vigorosa constituição
física como a que se pretende no boi e no
cavalo. Portanto, devemos esforçar-nos por que
o nosso filho tenha boa musculatura e ossa­
tura, peito largo, membros fortes e ágeis.

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ÜBRIOAÇ0ES MATERIAIS DA MÃI 81

Devemos torná-lo robusto, bem disposto


para a luta da existência, capaz de abrir o seu
caminho à fôrça de pulso e de braço.
Tudo o mais vird como conseqüência.
Como o v osso filho, ó mãis, não é um ani­
mal, tendo antes sôbre o boi e o cavalo a
superioridade de a lojar no corpo material uma
alma humana, esta há-de desenvolver-se com
tanto mais vigor, e na hora da devida oportu­
nidade, quanto mais a sua morada tiver sido
feita por vós, muito sadia e robusta, m enos
sensível às fraquezas e às enfermidades.
Porque, se a nossa alma é imortal, também,
por outro lado, está momentâneamente ligada
ao corpo por meio de órgãos materiais, depen­
dendo do vigor dêsses órgãos o bom funciona­
mento normal dela .
Por isso dizemos às mãis : - Não vos preo­
cupeis logo com a inteligência dos vossos
filhos. Começai por lhes formar bons cérebros,
e para isso, dai-lhes, à custa de cuidados e de
convenientes exercícios físicos, uma sólida
individualidade física que funcione com preci­
são em todos os seus m embros e órgãos.
O cérebro dum h omem forte e sadio funciona
sempre bem.
E o mens sana in corpore sano dos latinos.
A maior p a rte dos desequilibrados são
raquíticos e fracos. Tôda a cultura antecipada
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82 0 Ll't'RO DA MÃI

do cérebro, a não ser a de carácter físico, é


mais noci\la do que útil. São freqüentes os
exemplos de meninos precoces em coisas inte­
lectuais e cujo corpo sofre o abalo desastroso
de desen\lolvimento tão anormal e prematuro.
Assim no-lo patenteia, e há muitos séculos,
um facto de obser\lação constante e rigorosa­
mente feita . Geralmente, um desenvolvimento
precoce das faculdades mentais arruína a saúde
e abrevia a vida.
Portanto, mãis, nada de pre s sas. Desenvolvei
o corpo, fortificai-o, h abitual-o ao esfôrço, à
fadiga, aos exercícios físicos.
Não sacheis de mais o feijão ! Esperai que
a hastezinha intelectual brote, de per si, à flôr
da terra. Não se demorará a vir. E virá com
tanto maior vigor e beleza quanto mais natu­
ralmente fôr o seu brotar.

* *

Contudo, a ânsia materna em assistir a o


desenvolvimento de tôdas as faculdades da
Lr !oir!Ça é das mais legítimas, porque é uma
conseqüência naturalíssima d Ó amor de mãi por
aquela obra viva que é da sua complacência.
Mas também é de recear que nesse senti-
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ÜBRIOAÇ0fS MATÊRIAIS DA MÃI &i

mento se alaparde aquela vaidade materna que


já tivemos ensej o de definir. É de temer que
tanta ânsia mais obedeça às exigências duma
sa tisfação pessoal do que ao zêlo pelos devi­
dos i nterêsses dos filhos. Há mãis que expõem
umas às outras, dêste modo, os meritos trans­
cendentes dos seus filhos :
- Ainda não fêz quatro anos, minha amiga.
Contudo, cedo mostrou tal queda para a música,
que já aprende a tocar piano, já entra em lições
a quatro mãos . . E o seu filho ?
'.

- O meu ? - responde uma senhora a quem


se fal ava por aquele teor. O meu, a-pesar-de
ter também quatro anos, não toca a quatro
mãos, apenas toca a quatro pés.
A resposta, embora de-certo inventada, mas
muito boa, é cáustica, e põe em foco duas
psicologias m aternais, diametralmente opostas.
A primeira mãi, mais vaidosa do que inteli­
gente, não duvidou ensinar o filhinho de qúatro
anos ao exercício do piano, quando tõdas as
modernas observações médicas o denunciam
como nocivo à saúde, principalmente antes da
adolescência.
A segunda mãi, teve, pelo contrário, o sufi­
ciente bom-senso para deixar andar de gatas
o filhinho que tem quatro anos, julgando sensa­
tamente que isso lhe podia ser útil ao seu
desenvolvimento ffsico.

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84 o LlVR.O DA MAl

i Qual a melhor, ou antes, a mais extremosa


e inteligente destas duas mãis ? Sem dúvida, a
segunda. O seu filho tem de-certo mais saúde
e é mais feliz do que o prodigiozinho que toca
a quatro mãos, e principalmente agoiro-lhe
para o futuro melhor saúde e inteligência.
Assim, creio que o grande bom-senso de
Montaigne não exprimiu completamente a sua
profunda lógica, ou, pelo menos, foi Jncomplet()
de expressão, ao dizer nos Ensaios :
c N ão basta enrijar a alma da criança, tam­
bém é preciso enrijar-lhe os músculos . ,
E u teria escrito :
« Para podermos enrijar a alma da criança
é preciso, antes de tudo, enrij ar-lhe os mús­
culos , .
Começando p o r fortificar o corpo, dispomos
duma base sólida para fortificar a alma. Set
pelo contrário, pretendermos despertar a alma
antes de o corpo ter chegado ao devido grau
de maturidade, �sgotamos o corpo sem colher­
mos grande coisa da alma, e isto porque corpo
e alma devem, na normalidade, ter um desen­
volvimento paralelo.
'
É o que foi expresso por um moralista que
nos deixou esta máxima :
« Estimular indiscretamente a inteligênci a
duma criança é agitar um archote para o fazer
arder mais de-pressa.,

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ÜB�IOAÇ0ES MATEaiAIS DA MÃI 85

É sempre a história dos feijões da me­


nina B . . .
Mãis, não tenhais pressa em despertar antes
do tempo a alma dos vossos filhos. Para lnte­
rêsse dêles, para sua felicidade actual e porvin­
dolra, deixa-a despertar devagar, por si mesma.
Nada mais sólido e duradoiro do que o que
foi realizado com a colaboração do tempo.

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CAPÍTULO IV

Obri gações intelectuais das mãis

Repetiremos às m ãis : nada de excitarem


artificialmente a inteligência dos filhos, e isto
ainda por uma outra razão, mais demonstrativa
do que as expostas no capítulo anterior - é que
a i ntervenção materna se torna por completo
inútil, e pode, afinal, tornar-se até prejudicial.
É inútil, porque no momento em que se
produz já há muito que a inteligência da
criança despertou, começando a funcionar nor­
m a lmente. Há muito que, sem a mãi dar por
isso, aprende e sabe muitas coisas.
Desde o primeiro mês da existência, a o
abrir o s olhos, dirige-os para a luz : ao agitar
as mãos, pega nos objectos que os seus dedos
encontram, e leva-os por vezes à bôca ; emflm,
o seu olhar, cada vez mais firme, vai dum
objecto ao outro, a sua cabeça volta-se a um
rufdo, etc.
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8S O Lrv�o DA MÃI

t Sabem as mãis que significa isto ?


É que o seu filho aprende f
Começa o mundo exterior a penetrar-lhe
no Intimo por meio de todos os sentidos.
Está com atenção à luz, às cores, aos sons,
e as suas mãos, palpando o que podem tocar,
experimentam as diversas resistências dos cór­
pos sól idos. O pequenito aprende assim a
flsica geral !, isto é, a física indispensável à
prática da vida, e, neste particular, podem crer
que os físicos mais eminentes não são mais
profundos.
Começa então a sua aprendizagem da exis­
tência, a experiência do mundo - aprendizagem
e experiência que, ininterruptas, hão- de conti­
nuar desde o berço ao túmulo.
Sim, minhas senhoras, viver é aprender !
Pelo simples facto de que o pequenito vive,
respira, mama, vê, ouve, e tem todo o corpo
em contacto com o mundo exterior, é que êle
aprende constantemente coisas novas.
t E sabem que é que êle aprende ?
O que as mãis seriam por completo inca­
pazes de lhe ensinar, porque não saberiam
como o deviam fazer, ao passo que a divina
natureza, educadora providencial, possue o
maravilhoso segrêdo da educação das crianci­
nhas. Ensina-lhes tudo, tudo de que precisam,
e só isso, mas pela maneira mais conveniente
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ÜBRIOAÇ0ES INTELECTUAIS DAS MÃlS 89

à actual receptividade de tão frágeis discípulos.


Neste ensino natural, os métodos e programas
são tão perfeitos, que nunca os poderão imitar
as humanas invenções escolares.
É uma escola sem férias, sem restrições, e
onde as crianças n ão só constantemente apren­
dem como fazem progressos rápidos. Não dão
por isso as mãis, porque os filhinhos não
podem ainda exteriorizar a i mportância da sua
bagagem científica, que, contudo, nem por isso
deixa de ser positiva.
Prova disso ? . . . A prova é que, num belo
dia, o filho sorri à mãi, conhece-a no melo de
muitas pessoas, conhece-lhe a voz. t julgam
que tudo isto surdiu, de-repente, em tal dia ?
Enganam-se. Foi preciso que a criança tivesse
uma iniciação dilatada para conhecer o meio
que lhe dá mil desencontradas impressões.
Foi-lhe preciso distinguir entre essas impres­
sões, estabelecer categorias (com o Aristóteles)
e construir no espírito uma noção dos séres
com os elementos incompletos que colheu
unicamente dos sentidos.
l Alguém avalia o imenso trabalho, mas
sensatamente graduado pela natureza, que se
efectuou naquele cerebrozinho, até a cria nça
reconhecer um dia sua mãi no meio de muitas
pessoas ?
Porque reconhecer não é senão conhecer.
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90 o LIVR.O DA MÃI

* *

A marcha do desenvolvimento do cérebro


ele criança é a mesma que o desenvolvimento
das suas faculdades locomotoras.
É notarmos o que a criança faz para dar o
primeiro passo.
Hesita, \lacila, procura o equi lfbrio, estuda
experimentalmente - como Newton - as leis
da gra\lidade e da queda dos corpos. Achais
graça àqueles esforços ; mas para o pequenito
é uma grande emprêsa mo\ler, pela primeira
vez, um pé adiante do outro, e só se atre\le a
tentá-lo, sofrendo a maior ansiedade e empre­
gando as mais minuciosas precauções.
Diz-se que o que custa é o primeiro passo !
Mas custa muito !
Pois bem, a mesma hesitação e dificuldade
impera na marcha das ideas do pequenlto. Cada
progresso intelectual é como que um primeiro
passo num caminho novo. Basta atentarmc s na
l inguagem infantil, na dificuldade de pronun­
ciar, já notada pelo excelente bispo de Caieta.
Por muito tempo, os bébés ouvem e àten­
dem às palavras que pronunciam à roda dêles,
ou que lhes são dirigidas, porque, desde os
primeiros dias, lhes falam as mãis como a pe­
quenita fala à sua boneca.

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ÜBR.IOAÇÕI!� INTELECTUAIS DAS MÃIS 91

Essas pala\lras são, a princípio, para a


criança, sonoridades sem sentido, e quando,
Impelido o pequenito pelo seu natural instinto
imitati\lo, pretende proferi-Ias, só solta \!agidos
lnarticulados, ou debilmente articulados por
consoantes de pronuncia mais fácil, g, b, p, m.
Mas a criança escuta sempre. Se quisermos
ter o trabalho de obser\lar com atenção, nota­
remos que o pequenito faz esforços para dizer
em \loz baixa os sons articul ados que o im­
pressionam. Tenho obser\lado milhares de ve­
zes os mo\limentos dos seus lábios e línguas,
tentando pronunciar pala\lras. E as crianças
só ousam pronunciar em \loz alta o que pri­
meiro ensaiaram em \loz baixa. E, quando o
conseguem, é de notar a satisfação delas pelo
resultado obtido ! Não se cansam de repetir a
palawa ou sílaba, c omo quem se assegura de
que pronunciam bem, como quem toma posse
do que pronuncia.
Mas, a primeira \lez que o \losso filho arti­
culou papá, mamã, não julgueis que foi por
efeito dum desembaraço espontâneo da língua.
Foi preciso que, durante muito tempo, ou\lisse
essas duas palavras (que, afinal lhe estão re­
petin do a cada. instante) e que se exercitasse
silenciosamente a pronunc iá-las antes de a s
dizer e m voz alta - não, de-certo por amor
próprio - mas por um efeito dessa hesitação
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92 0 LIVRO DA MAl

angustiada que já acompanhava o seu primeiro


passo.
Devem convencer-se de que, sempre que
na criança se manifesta um novo progresso,
foi êste precedido por um longo período pre­
paratório e elaborador, que exigiu atenção,
reflexão, sucessivas tentativas, e que n�nhuma
nova palavra brotou de súbito dos seu s lábios.
Tanto isto é assim, que depois de começar
a balbuciar, se vai tornando pouco a pouco
firme na elocução e logo aumenta com rapidez
o seu vocabulário. Mas ninguém se iluda, jul­
gando que a criança aprendeu essas palavras
no momento em que as pronuncia. Há muito
tempo que as ouviu e que paulatinamente se
gravaram na sua memória, tornando- se preci­
sas e possuindo a significação que permite a
iua pronúncia.
Pelos mesmos processos, isto é, �mplrica­
m ent.e, aprende a gramática, e até a sintaxe da
língua que fala. E o que há de mais notável
para um filósofo é que essa extraordinária assi­
milação de regras lógicas não tem uma com­
plicação extrema para um cérebro de a parên­
cia debil. Por Isso tôda a gente acha naturalís­
simo fenómeno tão maravilhoso.
Natural é, na verdade, por isso que é pro­
duzido graças aos poderes assimiladores que
Deus dispensou, desde o berço, à natureza
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ÜBR.IOAÇÕES INTELECTUAIS DAS MÃIS 95-

humana. Pela mesma razão, fortifica o que


dizemos às mãis nêste capitulo :
< Permiti que a natureza ensine às crianças
tudo aquilo de que elas carecem, e segundo a
sua evolução. A natureza é mais hábil do que
vós que, se interviésseis na sua obra, só a­
prejudicaríeis , .
*

* *

Mas, sendo assim, � quais são as obri�ações­


maternas perante a inteligência dos filhos ?
São, sobretudo nos primeiros tempos, essen­
cialmente negativas, isto é, limitam-se a não
intervir no ensino recebido da natureza pela
criança com o mêdo de o pertubar e atrasar
em vez de o fazer progredir.
Ê ste princípio do procedimento da mãi para
com o filho deriva logicamente de tudo que
temos dito e do que ainda diremos do progra­
ma e do método de educação empregado pela
natureza do desenvol\lfmento das inteligências .
infantis.
Tudo se encadeia no ensino natural dos
espíritos das crianças, e nenhuma noção nova
lhes é apresentada sem para ela estarem há
muito preparadas.
Eis a razão de a criança aprender espon-

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94 o LIVR.O DA MÃI

tâneamente tantas coisas, ao passo que com


tanta dificuldade assimila o que lhe pretende­
mos ensinar.
É que nós não aplicamos o método ·natural.
O princípio dêsse método é, contudo, evi­
dente : uma série de experimentações f
A criança que por tentativas adquiriu os
s e u s p r i m e i r o s c o nh e c i m e n tos, c o nti nua a
aprender pelo mesmo processo. E só os conhe­
cimentos adquiridos por meio de experiência
é que hão-d.e ficar indelevelmente gravados
no seu espírito.
Nós pretendemos fazer ensino didático.
Para fa larmos a jovens almas, por, completo
embebidas no concreto, vamos empregar argu­
mentos de lógica abstracta . t Com o é que nos
poderíamos. fazer compreender ?
E, afinal, esta incompreensão dos processos
por meio dos quais o espírito humano progride
inset}sivelmente de verdade em verdade, do­
mina o conjunto de todos os métodos artifi­
ciais imaginados no ensino, não só da primeira
infância como no da juventude, da adolescên­
cia e até da idade madura.
Métodos construídos à priori por teóricos,
pressupõem que todos os espíritos têm a mesma
receptividade, seja qual fôr a idade, e sem a
menor preparação anterior, para tôdas as ver­
dades.

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ÜBRIOAÇÕES INTELECTUAIS DAS MAIS 95

É urna das mais desasisadas aberrações,


deri\la das das utopias de Rousseau sôbre a
igualdade.
Realmente, a receptividade intelectual do
cérebro humano, variando indefinidamente com
os i ndivíduos, modifica-se a cada passo até no
mesmo indivíduo, segundo as circunstâncias e
a s noções já adquiridas.
É positivo que as mesmas experiências não
instruem da mesma m a neira os di\lersos indi­
)'íduos ; que a m esma lição não penetra da
mesma maneira erii todos os cérebros ; e que
certas verdades ficam sempre letra morta para
muitos homens.
Em regra geral, o espírito da criança, como
o espírito do homem, n ão recebe e não assi­
m ila senão as noções para que está preparado
pelas aquisições precedentes. Eis porque dize­
m os às mãis :
c É inútil apressar-\los. Quando o espírito
dos vossos filhos estiver realmente pronto· para
receber urna n oção nova, espontâneamente a
a dquire. Querendo apressar-lhes a instrução,
que conseguis ? Apresentar-lhes aos espíritos
problemas para os quais não estão preparados
e que são incapazes de resol\ler. Falais-lhe
urna linguagem que não compreendem. Obri­
gai-los a um esfôrço penoso, inútil de resul­
tados, quando poderiam empregar frutlfera-
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96 o L!VR.O DA MÃI

mente as suas faculdades numa fácil assimila­


ção que esta\la ao seu alcance . . . Mais uma
\lez, deixai proceder a natureza , a qual, me­
lhor do que \lós, saberá instruir os \!ossos
filhos , .
Se essa inacção \los molesta e tornais a
peito em absoluto. trabalhar pelo aperfeiçoa­
mento do \!osso filho, seja assim, mas ensinai­
-lh e só ' o que a natureza lhe não pode ensinar.
Não lhe ensineis pala\lras no\! as, porque êle
há-de aprendê-las espontâneamente, ao chegar
a ocasião normal : habituai-o, sim , a pronunciar
bem as que sabe.
Aqui tendes, mãis, a obra útil que \los com­
pete . Ordinàriamente, contentais-vos, muito fà­
cilrrtente, com qualquer modo de pronunciar.
Que digo eu ? Sois até capazes de admirar o
pitoresco das deformações prosódicas do \!osso
bébé, e, para o amimardes, habftuai-\los a pro­
nunciá-las mal como êle.
Estou-\los ou\lindo, daqui, ambos a · galrar :
- Mamã, o meu tafé ? . . .

- já \lai, filho. O teu tafé \lai-te sllber bem.


Isto di\lerte, sem dú\lida, muito, e é-me
penoso contrariar tais di\lertlmentos. Mas nem
por Isso deixa de ser \lerdade que multo mais
\laleria que, quando o pequenito pron�ncia tafé,
a mãi pronunciasse, o maior número de \lezes
possí\lel, café, recusando-lhe mesm o essa be-

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ÜBRIOAÇÔES INTELECTUAIS DAS MÃIS 97

bida, allàs nociva, emquanto êle não pronun­


ciasse o seu nome como é devido.
Porquê ? É sempre pelo mesmo motivo, que
é o princípio gerador de tôdas as obrigações
da maternidade, e que constitue o espírito
dês te livro : a criança não ficará sempre bébé,
e há-de chegar, portanto, um momento em que
êle já não tem graça nenhuma, pronunciando
tafé. E então a mãi há-de fazer esforços in­
críveis para que o filho perca aquele mau
hábito, enraizado afinal por ela mesma.
é Porque é, pois, que se não de\le destruir
tal hábito no m omento em que há mais utili­
dade em desembaraçar a lfngua ?
Bem sei que objecção me podem fazer.
Assim como o cérebro - p odem dizer-me, 'Ser­
vindo-se dos meus próprios �rgumentos - a
lfngua carece duma preparação, antes de con­
seguir pronunciar certas consoantes.
Há na objecção muito de verdade. Mas nlo
exultem demais os que a empregarem, porque
o caso não é bem o mesmo.
Ao tratarmos do cérebro, é-nos impossível
saber quando é que está pronto e a que exer­
cícios o devemos sujeitar para como que o
amadurecermos.
Com a língua o caso é diferente. Trata·se
então duma função física, de efeitos sensíveis,
e que nós dirigimos por meio do exercício.

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98 0 LIV�O DA MÃI

Ora êste exercício é-nos fácil precisá-lo e rea­


lizá-lo. Não há tentativas a fazer para ensinar­
mos uma criança a pronunciar café e não tafé.
Não carecemos da exploração de argumentos.
Basta obrigarmos a criança a repetir a pala­
vra - com a promessa duma chavena bem
a d oçada - até que pronuncie c onveniente­
mente o nom e da bebida que gosta.
É evidente que ist o não passa dum exem­
plo. Mas encerra êste exemplo princípios apli­
cáveis a qualquer palavra.
Outro defeito, não menos vulgar, mas tam­
bém muito desagradável, é o de muitas crian­
ças não articularem nitidamente as palavras,
como que comendo-as, segundo uma boa ex­
pressão corrente.
Temos ainda nisso uma particularidade edu­
cativa em que as m ãis podem intervir com efi­
cácia em auxílio da natureza.
É êste um ponto mais importante do que o
parece ser à primeira vista. Na vida, é de
grande utilidade falar clara e inteligivelmente.
A linguagem pastosa dum indivíduo que parece
ter sempre papas na bôca pode ocasionar as
interpretações mais falsas.
Segue-se um exemplo, que não deixa de
ser cáustico, relatado por Ed. Mennechet no
seu livro - Estudos sôbre a leitura em voz
alta.
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ÜBRIOAÇÕI!S INTELECTUAIS DAS MÃIS 99

Diz êle :
c Parara eu numa hospedaria à espera de
que passasse a diligência. Daí a momentos,
vejo entrar dois soldados que levavam preso
para o seu quartel um infeliz refractário.
Os soldados pediram comida para êles e
penso para os seus ca� alos, sem perderem d e
vista o refractário, que mais s e atirou para o
chão do que se deitou, tanto parecia extrema­
mente fatigado. Estava pálido, abatido, mos­
trando visivelmente no rosto um grande sofri­
mento. Ap roximei-me dêle, e perguntei-lhe se
estava doente.
- Não - respondeu-me em voz sumida - é
que caminho a pé há vinte e quatro horas, e
há vinte e quatro horas que nada cômo.
c Estava eu dando ordens para lhe darem
alguma coisa de comer, quando os soldados
me disseram que o senhor procurador do rei
ordenara que não lhe deixassem comer nada
durante a marcha. i E o infeliz soldado ainda
tinha de andar a pé dez léguas !
«Não menos surpreendido do que indignado
com uma ordem tão bárbara, não ocultei nem
a surprêsa nem a indignação aos dois solda­
dos que de novo me replicaram serem aquelas
as ordens que tinham recebido. E um dêles,
para me provar que eu não tinha razão para
os acusar, tirou da algibeira a ordem de mar-

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100 0 LIVRO DA MXI

cha e onde a recomendação verbal do pro­


curador do rei era repetida por escrito.
«Pego no papel e leio a ordem cruel. Mas
'
qual não é o meu espanto ao ver estas pala­
vras : - Os soldados n.09 levarão o soldado
• • •

F. •ao seu regimento em Tours, e terão todo


.

o cuidado em que nada lhe falte (manque)


durante a j ornada !
c Parece que o procurador do rei pronun­
ciára tão mal a palavra manque (falte), que os
soldados entenderam mange (côma), e esta
má pronúncia duma palavra teria sido a causa
da morte dum h omem, se a Providência não
me tivesse levado àquela hospedaria.
c A imperfeita pronúncia nem sempre, feliz­
mente, dá resultados tão graves : mas nem por
isso deixa de ser um dever pronunciar bem.�
Mãis, esforçai-vos por que os vossos filhos
não comam as palavras que pronunciarem.

* *

A principal obrigação intelectual das mãis,


até depois de os filhos crescerem, é não inter­
virem arti fi cialmente, segundo métodos aprio­
rísticos, na evolução natural do espírito dêles.
O que é aplicável ao bébé, aplicável se

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ÜB�IOAÇÕfS INTfLfCTUAIS DAS MXIS 101

-torna ao jovem que, pouco a pouco, atinge a


adolescência. A sua receptividade i ntelectual
aumenta, pouco a pouco, em virtude de leis
naturais, desconhecidas pelas mãis. A criança
não compreende e não assimila mais do que
as noções acessfvas ao grau de maturação do
s eu espírito. As outras, sejam quais forem os
processos empregados para lhes serem insi­
nuadas, passam-lhe pel o cérebro sem o pene­
-trarem, ou então, e o que é mais grave, dentro
do cérebro se deformam, falseando a marcha
n ormal da sua inteligência.
t Mas como podemos nós saber quais as
noções para cuja assimilação está apto o espí­
rito da criança ? Em tôdas as fases da vida
humana, desde o berço ao túmulo, as verdades
para que temos aptidões reconhecem-se por
um critério infalível - a nossa curiosidade.
É extraordinário que as m ãis, muitas vezes
dotadas duma maravilhosa adivinhação em tudo
que se refere às necessidades físicas e morais
dos seus filhos, não tenham a mesma clarivi­
dênch i ao tratar-se das suas necessidades
mentais.
Sabem bptimamente quando se lhes deve
dar de comer ou de beber, sabem alentá-los
ou ralhar-lhes, e não compreendem as neces­
sidades, aliás por igual exigentes, do seu .es­
pírito.

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1 02 o LIVR.O D A MAl

E, contudo, essa necessidad.e é evidente­


m ente revelada nas preguntas das crianças.
e Como é, pois, possível que tantas mãis
não notem a importância fundamental que têm
as preguntas, por mais ingénuas que sejam,
que lhes fazem os filhos ? É tão essencial êste
ponto, que chamo para êle tôda a atenção das
mãis.
Qualquer pregunta feita pela criancinha ­
e incluímos as que mais vãs e sem sentido se
nos afiguram - é uma espécie de súplica que
essa criança dirige à verdade, para que lhe
dissipe uma treva do espírito e para que o seu
espírito se eleve sempre, cada vez mais, até à
luz.
A pregunta é sinal infalível de que o seu
espírito amadureceu, de que adquiriu mais uma
receptividade, que tem sê de e fom e , de ver­
dade, com o o seu corpo tem sêde de bebidas
e fome de pão.
l E saberá a m ãi o que é que faz ao ficar
indiferente ou surda às perguntas do filho,
repelindo-as como importunas, ou quando as
ilude com qualquer artifício ? Recusa a o fruto
das suas entranhas um alimento mais essencial
do que o leite do seio ou o pão do corpo,
recusa a quem mendiga a verdade a luz d o
espírito.
É como se a criança suplicasse :
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ÜBRIOAÇ0ES INTELECTUAIS DAS MÃIS 103

- Ó mãi, c!. tenho eu os olhos abertos ? Eu


queria ver isso·.
E a mãi :
- Fica cego ! Vive nas trevas !
A mais imperiosa obrigação intelectual das
m ãis é darem o dia aos seus filhos. Não é só
pondo-os no mundo que lhes dão o dia. Os irra­
cionais fazem outro tanto.
Devem dar o dia à alma dos filhos, Isto é,
Iluminá-la com tôdas as claridades que ela é
capaz de receber.
c!. Mas como hão-de as m ãi s saber em que
m o mento a receptividade dos filhos se expande,
e que noções deve dar-lhes ? Êste capítulo é,
por completo, consagrado a ensiná-lo.
Não confiem as mãis na sua própria sabe­
doria ou na dos educadores teóricos que vivem
na lua, e que nunca tiveram a idea de estudar
o que é, na realidade das coisas, uma alma de
criança.
Todos os livros escolares sao escritos para
a receptividade dos seus autores, e não para
a das crianças.
Devem ser seguidas as i ndicações da natu­
reza, as quais, à m edida que as crianças vão
crescendo, as impelem a pedir tudo de que
carecem tanto sob o ponto de vista físico, como
moral, e intelectual.
Livrem-se, principalmente, as mãis de des-
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104 0 LIVRO DA MÃI

prezar e ludibriar as preguntas ingénuas dos


filhos, porque é o próprio Deus quem, ao julgar
oportuno o mom ento de lhes dar a luz, faz
aflorar aos lábios das crianças essas preguntas.
Mas nós teremos de voltar ao mesmo as­
sunto no capítulo vu, ao insistirmos sôbre os
múltiplos instintos que Deus dispensou à natu­
reza das crianças.

* *

Deixamos de tratar aqui dos pormenores do


papel intelectual das mãis, porque esta ques­
tão deve constituir o assunto do último volume
dos Quatro Livros da Mulher - O L ivro da
Educadora.

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CAPÍTULO V

O brigações morais das mãis

As obrigações morais das mãis derivam


directamente da influência preponderante que
elas exercem na formação da Individualidade
moral dos seus filhos.
Daí se deduz uma tal responsabilidade para
as mãis, que estas nunca poderão reflectlr
bastante sôbre a grandeza da tarefa que nisso
lhe cumpre e sôbre as temerosas conseqüên­
cias que podem advir do esquecimento dos
deveres . em tão importante missão.
E não se iludam elas funestamente com a
preocupação d e que tais princípios se baseiam ,
como os dos teóricos, na visão ideal da missão
da mulher na sociedade.
Os meus leitores devem estar convencidos
de que não me deixo obcecar pelo idealismo
e de que nunca apelo para teorias apriorfsti-
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106 o LIVR.O DA MAl

cas, pois que interrogo a própria \lida para


colhêr preceitos de \lida prática.
Portanto, quando digo às mãi s : - c As \lossas
obrigações morais são duma gra\lidade ex­
trema, \l isto que do modo por que as cumprir­
des depende todo o futuro dos \!ossos filhos !»,
é porque tal me é re\lelado por uma irredutf­
\lel e \li\la realidade.
E \lou pro\lá-lo.

. ...

i Quando é que se forma a indi\lidualidade


de cada um de nós ?
Desde a mais tenra infância, quando ainda
andamos ao colo, ou estamos sôbre o regaço,
quando sofremos a imediata influência da nossa
mãi.
É esta uma \lerdade tão e\lidente, que todos
os séculos, sem excepção, a têm proclamado,
sem nun ca se le\lantar uma \loz discordante a
contrariá-la.
Que diz Platão na sua República (Li\lro n,
pág. 1 05, trad. de Victor Cousin) ?
Diz o seguinte :
«Em tôdas as coisas, a grande questão é
o princípio, especialmente no que respeita a
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ÜBR.IOAÇÔES MOR.A-IS DAS MÃIS 1 07

sêres jovens, de tenra idade, porque é então


que êles se amoldam, recebendo o carácter
que lhes queiram dar.
� Que diz o incontestado bom-senso de
Montaigne ?
O seguinte :
c É minha opinião que os nossos maiores
\lícios se desenvolvem desde a nossa m a is
tenra infância, e que o nosso principal govêrno
está nas mãos das nossas amas. Há mãis que
consideram uma diversão verem o seu filho a
torcer o pescoço a um frango e esforçando-se
por ferir um cão e um gato. Há pais tão imbe­
cis que consideram como bom agoiro de espí­
rito guerreiro ver seu filho m altratar sobran­
ceiramente um camponês como um lacaio que
se não defende - e acha muita graça ao ver
que seu filho irrita um seu companheiro com
qualquer pérfida deslealdade ou burla. E, con­
tudo, assim se semeiam e empregam verdadei­
ramente a crueldade, a tirania e a traição ,.
É p o sitivo que os sentimentos duradolros
são os que nascem em volta do nosso berço,
e a voz dos Vélhos repete-nos freqüentemente
que as nossas primeiras emoções são também
as nossas últimas saudades.
Mas há mais. Esta intui'ção inconsciente, ou,
para melhor nos exprimirmos, esta intui"ção
irraciocinada, que Deus nos deu para direcção
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108 o LlVRO DA MAl

de tôda a nossa vida, no domínio psicológico,


o m ais misterioso de todos e onde a mais pe­
netrante inteligência se arrisca a errar - esta
intuição, dizia, é uma espécie de voz da natu­
reza, voz confirmativa da n ossa tese.
Assim, é indubitável que os primeiros juízos
que, nos anos do colégio, fizemos sôbre uma
pessoa, nunca se dissipam no nosso espírito.
Depois de nunca mais vermos um condiscípulo,
se o reencontrarmos na vida, julgamo-lo, sem
tal o pensarmos, segundo a opinião que dêle
têmos na sua infância . A nossa estima ou o
nosso desprêzo, a nossa admiração ou o nosso
desdém, a nossa amizade ou o nosso ódio,
existirão já segundo a lembrança que dêle ti­
"ermos.
Baldadamente as circunstâncias e a idade
terão modificado depois a sua natureza, tor­
nando-o diferente do homem que conhecera­
mos. A impressão que outrora nos fêz é que
ficou, não podendo desaparecer com facilidade.
·
É Isto, em nós, um preconceito infantil,
qualquer coisa de parecido aos gostos de ali­
mentos, aos h ábitos de vestir, às formas e
i deas que recebemos na idade das primeiras
percepções e que se integram tanto em nós,
que ficam nossa natureza.
Os pais nunca reflectirão de mais sôbre
esta verdade.

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ÜBIUGAÇ0ES MOAAIS DAS MÃIS 100

Também a criança a devia ter constante­


mente diante dos olhos.
A sua vida escolar tem uma importância
incalculável. Os seus condiscípulos de h oj e
hão-de ser o s seus concidadãos d e amanhã.
Os seus defeitos e vfcios não prejudicam a
criança n o presente, preparam-lh Q uma reputa­
ção má no mundo.
Se pretender uma existência fácil e feliz
no futuro, tem de proceder desde já de forma
que encontre em tôda a parte a o pé de si fisio­
nomias prazenteiras e mãos afectuosas.
Estudante ainda, já lança os primeiros ali­
cerces da sua boa reputação, porque, como
dizem com originalidade cáustica : O bom me­
nino é um homem honrado que ainda não
acabou de crescer.
Como vemos, a idea de que a personalidade
humana se molda logo na infância, é geral,_
universal, incontestável.
Mas dir-nos-ão : � E só a influência da mãJ
é que preside à formação do carácter do filh o ?
Não. Não é só ela, porque a criança é uma
criatura sensível cuja receptividade se abr,e a
tôdas as impressões. Mas é a principal e ..
acima de tudo, porque pode e deve eliminar
as más impressões, como veremos no capi­
tulo vm.

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1 10 0 LlV�O DA MÃI

* *

Admite-se com bastante facilidade que essa


acção preponderante da mãi sôbre o filho é
principalmente visível nas meninas, nas quais
se exerce mais íntima e prolongadamente do
que nos meninos.
Nós pensamos e afirmamos que aquela
acção é tão poderosa sôbre um como sôbre
outros, e que o provérbio : - tal mãi, tal filho,
- é tão verdadeiro como o provérbio : - tal
mãi, tal filha• .
Por conseqüência, a responsabilidade ma­
terna é tão formidável quanto aos filhos como
quanto às filhas.
Interroguemos a história.
Poderiamos ir até Tácito. Conta-nos êle
que Cornélia, mãi dos Gracos, Aurélia, mãi de
Cesar, Á cia, mãi de Augusto, presidiram à edu­
cação dos filhos, fazendo dêles grandes homens.
Mas a p r o v e i t e m o s os testemunhos dos
grandes homens que foram beneficiados pel a
educação materna.
O içam a seguinte confidência de Henri­
que IV numa carta dirigida a sua espôsa Maria
de Médlcis, carta que de-certo não se desti­
nava à publicidade.

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ÜBR.IOAÇ0ES MOR.AIS DAS MÃIS 111

c Minha amiga : A cada hora esperava a tua

carta. Beijei-a, a o l ê-la. Respondo do mar, por­


que apeteceu-me navegar um pouco por êste
tempo tão suave.
c Viva Deus ! não me poderias enviar nada

de mais agradável do que a noticia do gôsto


pela leitura que se apoderou de ti. Plutarco
sorriu-me sempre com uma novidade cheia de
frescura.
c Gostar de Plutarco é gostar de mim, por­
que foi êle o meu professor desde tenros
anos.
c Minha boa mãi - à qual devo tudo, e que
com tão extremo afecto vigiava as minhas
boas inclinações - dizia que não desejava ver
no seu filho um ilustre ignorante, e por isso
me fêz ler êsse livro, a-pesar-de eu, por assim
dizer, andar ainda de cueiros. E êsse livro tor­
nou-se como que a minha consciência e ensi­
nou-me muito boa moralidade e máximas ex­
celentes para o m eu procedimento e para o
govêrno do pafs. Adeus, meu coração , .
Napoleão 1 é ostumava dizer :
- O futuro dum filho é sempre obra de sua
mãf l
O grande conquistador gostava de repetir
que à sua mãi é que devia tôda a sua boa for­
tuna. Sem a mãi, sem os alentos que ela lhe
dera, sem o apoio moral e material por ela

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1 12 0 LIVRO DA MXI

prodigalizados, há muito tempo teria partido a


sua espada.
Dizia êle :
- À minha mãi, aos seus bons princípios,
devo eu a minha fortuna e todos os bens que
possuo.
Por isso, nunca deixou de testemunhar a
sua mãi a maior deferência.

* *

Benjamim West, que foi presidente da Aca­


demia de Pintura Inglêsa e sócio correspon­
dente do Instituto de França, dizia :
- Foi minha mãi quem fêz de mim um pin­
tor e, o que é muito mais valioso, um hom em
honrado, amante e temente a Deus. Ensinara­
-me ela, quando criancinha, a rezar. Quando
eu cometia uma falta, animava-me a confessar.
-Iha e a sofrer resignadamente o castigo que
eu m erecia.
•Contudo, um dia, a criada acusou-me de
ter quebrado uma vidraça. Na verdade, eu j o­
gara a péla no quarto e tinha uma vaga idea
de ter projectado a péla em direcção à j anela,.
cometendo a falta - mas a criada, irritadis­
sima, ao ver-me retraído, chamou-me menti-

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ÜBIUOAÇÕES MORAIS DAS MÃIS 1 15

roso. Logo a principio, declarara eu não ter


partido o vidro, e teimei, porque não é fácil
recuarmos quando tomamos o caminho da
mentira.
c Minha mãi entrou. Fitou-me com insistên­
cia e, pondo-me a mão no ombro, disse-me :
c - Meu filho, Deus está a ver-te. Não
ocultes a verdade.
c Bafxei · a cabeça. Parecia-me sentir os
olhos de Deus e de minha mãi pesarem sôbre
mim. De-pressa me resolvi, alcei a cabeça e
disse :
c - Sim, mamã, fui eu quem partiu a vi­
draça. Não me lembrava bem, mas agora recor­
do-me de como isso aconteceu.
cE tudo me lembrava nitidamente : a péla,
depois de ter batido no caixilho, resvalara com
fôrça s ôbre o vidro, ouvindo eu um leve esta­
lido.
«Então minha mãi disse-me que estava sa­
tisfeita comigo, mas que eu pagaria com o di­
nheiro do meu mealheiro o vidro partido.
Esta sentença era o m esmo que privar-me
dumas comprazinhas que eu planeara . Mas era
sentença justa, e senti o coração desoprimido.
Num outro dia, sendo então ainda muito
criancinha, encarregou-me minha mãi de guar­
dar o meu irmão mais novo, bébé de oito
meses, que ficava a dormir no berço.

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1 14 o LIVR.O DA MXl

O pequerrucho era tão viçoso, rosado e


gentil, com as mãozinhas gorduchas e a cabe­
clnha inclinada graciosamente sôbre o traves­
seiro, que tive então vontade de o dese nhar.
Mas ainda não aprendera desenho. Às vezes
entretinha-me, sim, a garatuj ar, como sabia,
Várias imagens das coisas que via, e também
copiava os quadros que exornavam a sala de
comer. Mas o bébé era estudo muito mais di­
fícil. Contudo, _ a dificuldade maior tornava-se
um prazer novo.
c Puz-me, pois, a trabalhar ardentemente.
Acabado o desenho, pareceu-me tão feio e
diferente do modêlo, que me resolvi a não o
mostrar a ninguém. Fui escondê-lo numa pasta
onde eu guardava as minhas garatujas.
Minha mãi deu com êle, examinou-o, e logo
vi, ao entrar no momento dêsse exame, que
me fitava com complacência. Reconhecera no
desenho o seu pequerrucho. Apertou-me nos
braços, e beijou-me efusivamente.
Desde êsse dia, estava achada a minha vo­
cação. Foi aquele beijo delicioso de minha
mãi que me fez pintor•.
*

* *

Inúmeros escritores deveram muito da sua


formação moral à solicitude de suas mãis.
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OBRIGAÇÕES MOI{AIS DAS MÃIS 1 15

Dizem-nos as confidências de Lamartine,


que o grande poeta reconhecia dever a sua
mãi uma boa parte da sua personalidade.
André Theuriet confessou a m esma coisa
na seguinte carta :
c Escassea\la bastante o tempo em minha
casa para tratarem de mim. Meu pai \l ivia
absor\lido de todo pelo trabalho do seu escri­
tório, e minha mãi tinha grande trabalho para
cumprir os seus de\leres de sociedade, go\ler­
nar bem a casa, dirigir a preparação das re­
feições, trazer de ponto em branco roupas e
�estuários, e tudo isto sem sair fora dum o rça­
mento modesto.
c Era muito económica, m etódica e discreta,

trabalhando muito sem espalhafato, mantendo


tudo numa extraordinária limpeza - um modêlo
de donas de casa.
c Espírito sereno e sensato, coração terno
e firme, mas concentrado, pouco expansivo,
fêz- m e o grande bem de me não estragar com
mimo, a-pesar-de ser filho único, e ensinou-me
a querer e a disciplinar a minha vontade.
cPor exemplo, nada tinha ela de romanesca
e, não tendo outro Ideal além do dever cum­
prido com austeridade e método, repreendia-me
com energia a propósito dos m eus devaneios
lmaginati\los e dos m eus entusiasmos pelo
teatro" .

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1 16 0 LlVR.O DA MAl

� Que poderiam os nós acrescentar ao en­


sino dêstes factos colhidos entre mil outros,
semel hantes ? Porque é e\lidentfssimo que po ...
deriamos multiplicar infinitamente os exemplos
da benéfica influência das m ãis sôbre o futuro
dos filhos.
§ 2.o

Infelizmente, é \lerdadeira a reciproca, e há


exemplos demasiados e célebres da nefasta
influência que mãis obsecadas podem exercer
sôbre os destinos das filhas e dos filhos.
É manifesto que foi à direcção incoerente,
à funesta orientação que suas m ãis deram às
suas ideas, que os Edgar Quinet, os Michele1,
os Vitor Hugo, os quais podiam ter sido gran­
des homens incontestados, se m ostraram céle­
bres desequilibrados, acessi\leis à mentira, a o
fanatismo, à fraude e às piores banalidades.
As mãis dêles, desorientadas, desorienta­
ram-nos. Não insistamos sôbre estas \lerdades
dolorosas, ou, pelo menos, insistamos um tanto
só para afastarmos as m ãls de idênticas aber­
rações.
Lerminier, na sua Filosofia do Direito·
(Tomo 1, pág. 1 26), formula francamente o se­
guinte princípio :
o:Nas nossas sociedades modernas, as mãis

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ÜBR.IOAÇÕfS MOR.AIS DAS MÃIS 1 17

dão-nos os nossos primeiros sentimentos e as


nossas primeiras ideas. É a rnãi quem reco­
nhece o carácter e o génio do seu filho, quem
lhe aplaude a vocação, quem o protege contra
o descontentamento paterno, quem o consola,
fortifica e entrega, emfim, à sociedade».
As conseqOências dêste princípio são imen­
sas :
Se vemos abundar, cada vez mais, nas últi­
mas gerações, um número considerável de in­
divíduos fracos de corpo, de espírito e de � on­
tade, é porque as m ãis se desinteressam demais
pelo �igor físico, intelectual e moral dos filhos.
Se o nível dos estudos se deprime, se a
c ópia das leis escolares apenas multiplica a
i gnorância dos produtos da escola primária, é
porque as mãis se alheiam com· excessiva faci­
lidade dos deveres que sôbre tal assunto lhes
competem, confiando tudo da suposta solicitude
dos mercenários do Estado.
Se atinge proporções assustadoras o nú­
mero de crianças e jo�ens que vagabundeiam
nas ruast sendo entre êles que se recruta o
exército do crime e do Vício, é porque grande
número de mãis se desinteressam pela vigilân­
cia sôbre os filhos e preferem a tão sagrado
dever as suas comodidades, ociosidade e pra­
zeres.
Emfim, se as i deas religiosas tendem a

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1 18 O Livao DA MAl

desaparecer nas almas dos jovens onde deviam


imperar soberanamente, é porque muitíssimas
mãls perderam o hábito de as ensinar aos filhos
desde o berço.
E fica, pois, evidente que foram, primordial­
mente, as mãis quem, desprezando as suas
obrigações, nos preparou os homens de hoje,
ávidos de prazeres e de gozos, desdenhosos
de quaisquer escrúpulos, não pensando, nas
altas classes, senão em aproveitar a vida ter­
restre para a fruição áVida das voluptuosida­
des� e, nas classes baixas, em assaltarem a
sociedade para arrancar aos ricos os meios de
se refocilarem, por seu turno, nas suas orgias
gratas .à besta humana, à qual, a mãi, dando­
·lhe um corpo, não quis dar-lhe uma alma !

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CAPÍTULO VI

Disciplina moral da mãi e do filho

O filho é o espelho da mãi.


A mãl, que observa o seu filho, nêle há-de
encontrar sempre um reflexo dela própria.
É o que acabamos de afirmar em todo o
capítulo v :
c Tal m ãl, tal filho ! :t
A causa primordial de tal similhança é o
poderoso insti nto, que Deus deu à natureza
animada, e principalmente ao homem : o ins­
tinto de imitação.
Todos, mais ou menos, sem darmos por
isso, obedecemos a essa grande lei natural,
seguindo nós de preferência os caminhos j á
rasgados, as correntes que se n o s deparam e m
\lirtude d o princípio universal, que regula tôdas
as actl\lidades terrenas : O princípio do menor
esfôrço.
Por Isso, tendemos sempre a proceder como
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1 20 0 LIVRO D A MAl

os outros. Por isso, com tanta felicidade assimi­


lamos as ldeas já formadas em vez de, por nós
mesmos, formarmos uma opinião raciocinada.
Por isso, emfim, não há ensino mais convin­
cente do que o do exemplo, e assim o exemplo
é mais poderoso em nós do que o ensino.
E ainda acrescentaremos que, por uma ló­
gica conseqüência das coisas, a reUnião do
ensino ao ercmplo é de eficácia i rresistrvel.
Eis a grande fôrça das mãls, se souberem
e quiserem utilizá-la.
Para êsse fim pretendemos impeli-Ias.
Primeiro que tudo, devem convencer-se de
que não vamos tratar aqui duma simples teo­
ria educativa.
Tudo que nestas linhas apresentamos é de
experiência quotidiana e dev ido a uma longa
observação.
Dizia Vauvenargues, nas suas Reflerões e
Mdrimas :
c Como a criança é Imitadora, vale mais o
exemplo do que a lição. Muitas vezes, são tar­
di os os talentos do espfrito, mas o carácter
quàsi sempre é precoce, porque a criança cedo
revela, não o que há-de saber, mas como é que
procederá ,,
Não se exprime diferentemente a senhora
Campan, no seu livro da Educação das Mu­
lheres.
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DISCIPLINA MO�AL DA MÃI E DO f'ILHO 121

Diz ela :
c As crianças são espelhos em que se re­
flectem as acções • .
N ã o menos explícito é Monsenhor Mioland,
no seu Mandamento de 1843.
Diz êle :
cAs crianças atendem pouco, mas imitam
de boa vontade. A l eviandade peculiar dos seus
tenros anos de-pressa lhes faz esquecer o que
lhes dizem, mas fazem, como se fôsse da sua
iniciativa, o que vêem fazer, e imitam. Ora, se
Deus lhes deu êsse misterioso instinto de imi­
tação, por isso mesmo impôs aos pais a obri­
gação de lhes darem só exemplos que condu­
zam à prática do bem • .
O eminente bispo e filósofo cristão toca n a
primeira e mais considerável das conseqüên­
cias que se podem deduzir de facto tão incon­
testável : o espírito de curi osidade, de obser­
v ação e de imitação que se nota nas crianças.
A criança, sem o parecer, atende a tudo
que se diz, nota tudo que se faz.
Bonald, o profundíssimo pensador, insiste
neste mesmo ponto, na sua obra condensadora
de tão elevados ensinamentos - Legislação
primitiva.
E conclue :
c Para se instruir, aproveita a criança quási

tanto o que se diz e faz diante . dela, como o

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122 o LIVRO DA MAl

que se diz e faz em seu proveito. Devemos,


pois, respeitar cuidadosamente os olhos e os
ouvidos das crianças� .
É o comentário filosófico d a bem conhe­
cida e bela máxima, formulada por juvenal,
na sua Sátira XIV :
c Nunca é demasiado o respeito pela ino­
cência das crianças. Se planeias qualquer
acção que te possa fazer corar, pensa no filho
que tens no berço , .
Como conseqüênéia prática da sua obser­
vação, Bonald acrescenta :
cA primeira instrução da criança - instru­
ção que o homem ndo pode avaliar em tôda a
ertensdo e influência C) - consiste mais em
háb itos do que em raciocínios, mais em exem­
plos do que em lições directas : isto é, mais no
que ouve do que no que escuta. E é igualmente
funesto para a educação infantil não nos expor­
mos diante das crianças à observação, dando­
-lhes a entender que receamos ser observados,,
Esta última nota revela uma grande clarivi­
dência de psicologia infantil.
É muito positivo que nada mais prejudica' a

(1) Foi o que demonstrámos no capitulo v, salien­


tando a grande receptividade das crianças pera tôdas
as impressões.

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DISCIPLINA MOAAL DA MÃI E DO I'ILHO 1 23

formação moral das crianças do que a impres­


são, ainda que tenue, de que se escondem
delas para falar ou proceder.
Esta impressão de-pressa se salienta no seu
espírito, preocupando-as, l evando-as a verificar
com tôda a atenção.
A desconfiança dos pais, as precauções
empregadas para não serem vistos, nem ouvi­
dos, pelos filhos, impressionam fortemente a
m entalidade dos pequeninos que tão curiosa­
m ente desejam saber tudo. Começam a ver
mistérios, estimulantes das suas ingênuas ima­
ginações, e, pouco a pouco, se convencem de
que há no mundo duas categorias de verdades :
as que se dizem, e ·as que se ocultam, as que
lhes patenteiam e as que lhes não revelam.
E, chegadas a essa convicção, as crianças
atendem· com singularidade ao que se lhes afi­
gura misterioso, para descobrirem o segrêdo
do enigma que, sem quererem e sem saberem
como, lhes ofereceram ao espírito curioso.
É evidentemente nociva à criança esta dis­
posição moral. As nossas precauções desper­
tam no pequenino a dissimulação, tendência
eminentemente má, caminho que conduz a o
desastre psicológico dos jovens : a mentira.
E há pais levianos que ainda intensificam
essa desordem mental, repetindo a cada passo :

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124 0 L!V({O DA MÃI

- És pequenino de mais. Os m eninos não


devem saber isto, ver isso, fazer aquilo.
Ora, dizendo isto, não se dignam explicar
à criança o motivo da proibição, e -ta és
criança de mais f - não é razão que satisfaça
um espírito que investiga.
Bem sabemos que é freqlientfssima a im­
p ossibilidade de lhes dizerem a razão exacta
por que se oculta qualquer coisa. Entretanto,
·
julgo que quási sempre o poderiam fazer, se
quisessem dar-se a algum esfôrço, apresentan­
do-lhes m otivos apropriados à inteligência in­
fantil, convincentes, satisfatórios para a sU:a
curiosidade, e destruidores da preocupação de
que há enigmas na vida.
Mas, se tanto é Impossível, a culpa é ainda
dos pais que não sabem fugir à necessidade
de ocultar qualquer coisa aos filhos.
É a maternidade baseada principalm ente na
previdência. D ev e a mãi prever que, faça o que
fizer, tem perto de si uma testemunhazinha,
sempre alerta, de tôdas as circunstâncias da
sua vida.
Por isso, carece de tôda a atenção, pen­
s ando antecipadamente no que pode excitar a
curiosidade do filho, pondo-a a ela em emba­
raços ao pretender dar-lhe u m a resposta sin­
cera.
Eis a disciplina moral a que deve cingir-se

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DISCIPLINA MOR.AL DA MÃI I! DO PILHO 125

a mãi, para poder basear solidamente a disci­


plina moral do filho.
� Que valor podem ter tôdas as lições que
der a o filho, se ela de antemão destruir todo
o efeito delas, não se disciplinando a si pró­
pria ?
Como o dissemos no capitulo IV, a melhor
educadora das crianças é a vida !
Ora disse Eugénio Mirbeau :
c O ensino do exemplo é o único que vence,

porque o e.remplo é a vida em vez de ser a


lição ! ,
*

* *

É de tal fecundidade o exemplo que vivi­


fica a própria lição.
O ensino apoiado no exemplo - já o disse­
m os no principio dêste capítulo - tem um poder
irresistível.
É grande e irresistível a fôrça da mãi que·
pode dizer sempre aos filhos :
c Façam como eu ! ,

Conheci uma que nunca dizia à filhinha : ­


Lava as mãos ! Come a sopa ! - mas sempre,
com doçura empolgante :
- Sofia, vamos ambas l avar as m ãos. Va-­
m os ambas comer a sopa.

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1 26 0 LIVRO DA MÃI

E até, muitas vezes :


- Vamos estudar ambas o catecismo.
E ambas, como que animadas por uma só
alma, por uma só vontade, faziam juntas o
mesmo.
Esta mãi tinha uma concepção alta, nítida
e prática da maternidade.
Assisti uma noite à seguhite conversa. Eram
nove h oras. A pequenita tinha oito anos.
- Sofia, filhinha, estás cansada. Vai-te
deitar.
- E tu, mamã !
A mãi respondeu com simplicidade :
- Eu, quando tinha oito anos, deitava-me
sempre às nove h oras.
A pequenita levantou-se, despediu-se das
v isitas, beijou a mãi e foi - se deitar. Com tôda
a razão lhe parecera decisivo o argumento.
Isto fêz-me recordar o pensamento, tão
belo e justo, da Senhora de Genlis :
«Para qualquer mãi, a mais doce recom­
pensa da sua virtude é poder Unpor a sua
juventude como modêlo da juventude de sua
filha.
A m ãi deve poder servir constantemente,
durante tôda a existência, de perfeito modêlo
de filhos e filhas ,,
Para isso, repito, é Indispensável uma aus­
tera disciplina, que se aplica a pequenas coi-
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DISCIPLINA MORAL DA MAl I! DO PILHO 127

sas, sôbre pormenores e mil ínfimas particula­


ridades de modéstia e l inguagem. Mas nem por
isso deixa de ser importante, porque a exis­
tência é feita de tôdas essas pequenas coisas.
Acrescentarei que é muito meritório isto,
porque, como diz j. jacques Rousseau : - a
intimidade dos pequenos deveres bem cumpri­
dos não reclama menos vigor do que os actos
her6icos.
§ 2.0

Esta vontade atenta, valorizada pela mãi


que, com afecto clarividente, se propôs realizar
a grande obra da educação, desenvolvê-la-á
ela também no espírito do seu filho.
É, neste ponto, muito justo o seguinte, que
n ota Buisson :
cO que mais falta à criança é a vontade.
A "ontade da criança é sempre fraca e "aci­
Jante, estorvada a cada passo pela fragilidade
d o organismo, pela ·mobilidade do espírito, pela
inconstância do pensamento. Carece, pois,
essencialmente duma disciplina que a ajude a
querer, que desperte, com suavidade, o desa­
brochar e o desenvolvimento do ser moral,
que, engenh osamente, como as mãis sabem
fazer tudo, a saibam ensinar a soletrar, letra
por letra, no grande livro do dever,,

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128 0 LIVRO DA MXI

O melhor auxiliar das mãis na sua tarefa


educadora é a natural plasticidade dos fil hos,
a facilidade com que podem dar-lhes bons há­
bitos, impedindo-os de que tomem os maus.
Os hábitos convertem-se numa segunda
natureza, como é vulgar dizer-se com justiça,
e tudo facilitam.
Os primeiros hábitos que devemos culti'var
nas criancinhas são evidentemente os físicos,
relativos à alimentação, ao \!estuário, ao sono,
à limpeza. Estes hábitos são importantes, não
só porque constituem as primeiras i mpressões
beneficamente orientadoras da maneira de ser
da criança, mas ainda porque têm d� ser os
alicerces dos hábitos que depois virão.
Serão as m ãis utilisslmamente auxiliadas no
cumprimento dos seus múltiplos deVeres do­
mésticos, se souberem regrar os primeiros há­
bitos dos filhos. Disciplinando o sono, as refei­
ções, os diversos actos das crianças, estas
habituam-se, desde a sua entr�da na \lida, à
fecunda influência da ordem em tudo.
A disciplina moral desenvolver-se-á insen­
shlelmente, ao passo que a alma da criança
vai despertando.
Fazendo emergir no· pequenino a \lontade,.
que tem de ser a base da sua personalidade,.
de\le vigiar-se tudo para não ficar livre nenhum
estímulo a um desvio. Devem as mãis preocu-

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DISCIPLINA MORAL DA MÃI E DO fiLHO 1 29

par-se com as tendências das primeiras voli­


ções, corrigindo-as rigorosamente, logo que se
desviem da linha de conduta que se pretende
ensinar à criança.
Pode resumir-se essa linha de conduta na
seguinte fórmula :
« Habituar a criança a querer só o que sua
mãi quer, a confiar nela em absoluto, a ver
tudo pelos olhos dela».
Esta docilidade, muito auxiliadora da missão
materna, obtém-se por meio duma inalterável
sinceridade das mãis para com os filhos. O s
filhos devem ter a convicção nítida e inabalá­
vel de que tudo que suas mãis dizem e fazem
é a manifesta ção da inelutável lei da vida e,
ao mesmo tempo, a expressão do maior afecto
por êles. Além disso, a sinceridade das mãi s
obriga os filhos a serem absolutamente sin-:
ceros.
O amor da sinceridade materna devia ir até
à m i núcia.
Escreveu Johnson :
«Habituai os vossos filhos a não dizerem
senão o que é exactíssimo e muito verídico, e
isto até nas coisas mínimas. Se algum incidente
se deu nesta janela, não J:Onsintais que êle
diga ter-se passado na janela contrgua,,
Os menores desvios da sinceridade, ou só
da exactfdão, podem, efectivamente, ao torna-

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150 0 LIVRO DA MÃI

rem-se hábitos do espírito, dar os mais funes­


tos resultados.
É bom ter o e.remplo da verdade.

* *

O hábito que, entre todos os que as mãfs


dão aos filhos, melhor há-de contribuir para a
formação da sua vontade, assegurando-lhes
uma personalidade vigorosa, é o hdbito do es­
fôrço.
Mas, afinal, é essa a disciplina que mais
repugna às mãis, de-certo porque lhe não
conhecem a u tilidade. Todos os cuidados delas
convergem, pelo contrário, para evitar aos
filhos o menor esfôrço, a m enor fadiga.
E é esse um serviço bem nocivo. A vigilân­
cia constante das mãis, inibindo os filhos de
exercerem a sua energia, desarma-os, na ver­
dade, em vez de os preparar para a luta pela
existência, a qual, como é sabido, é rigorosa­
mente uma contínua sucessão de esforços in­
cessantes.
Já nos referimos no capítulo n a êste ponto
delicado.
Demonstrámos suficientemente que todo o
esfôrço por n ós evitado às crianças nos seus
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DISCIPLINA MO�AL DA MÃI E DO PILHO 151

tenros anos, obrigá-las-á a um esfôrço muito


mais penoso ao entrarem na vida.
t Haverá algo de mais censurável do que,
por exemplo, a prática de certas mãis que,
durante o período em que os filhos procedem
à sua i nstrução fundamental, paralisam as boas
conseqüências dos esforços i ntelectuais que
êles então fazem, substituindo-os, fazendo-lhes
os deveres, em vez de se limitarem a ajudá-los
com discrição, quando os vêem embaraçados ?
t Que lucrará a instrução duma criança com
um tema feito pela mãi do alunozinho ? Tal
m ãi apenas favorece a indolência natural do
filho, privando-o dum exercício que é indispen­
sável ao seu progresso. Ora .isto é, além de
mal e ntendido afecto, e duma irreflexão, um
verdadeiro êrro. Falta a mãi ao seu dever ­
porque ajudou o filho a faltar ao seu - e, por
menos vezes que se repita essa irregularidade,
os resultados poderão chegar a envolver gra­
vemente a responsabilidade materna.
Lavisse gostava de contar a seguinte ane­
d ota que vem aqui. a propósito :
c: Acode-me à mente a lembrança dum facto
dado há muito. Há vinte e dois anos pedi a o
reitor d o Liceu Henrique IV que me confiasse
o ensino da geografia na aula no sexto ano.
Eu nunca tinha tido discíspulos j ovens, e dese­
java conhecer êsse prazer. Na minha nova
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152 0 LIV�O DA MÃI

aula, fui encontr"a r muitos externos, que chega­


-vam à h ora, de rosto prazenteiro, muito assea­
dos e embonecados pelas m amãs.
«Um dia, trouxe-me um dêles, como exerci­
cio, uma obra prima. Era um mapa com a s
montanhas- figuradas por lagartas ondulosast
os rios, por linhas a tinta azul, finas nas nas­
centes e engrossando até à embocadura ; e, do
litoral para o al to m ar, lá se 'Via uma sombra a
diluir-se engenhosamente. Mara-vilhado, mas
suspeitoso, chamei o autor, e perguntei-lhe :
• - c! Foi o menino que fêz êste mapa ?

c O pequeno respondeu-me com a m aior


naturalidade do mundo :
c - Eu, não ; foi a mama.

c Seguiu-se a isto entre mim e o aluno um


extenso diálogo.
c Fiz-lhe compreender que aquele exercfcio­
era dado pelo professor aos alunos para estes
aprenderem a situação das m ontanhas, dos
rios, ,dos m_ares, das regiões, das cidades ; que
eu e os alunos U1;1hamos um de-ver : da minha
parte, ensinar-lhes geografia, e da parte dêlesr
aprenderem-na - e que, afinal de contas, a mãi
do meu discípulo, fazendo o mapa, nos tinha
feito a ambos, n as melhores intenções dêste
mundo, qualquer coisa de parecido a uma boa
partida. O rapazito concordou comigo fàcil­
mente.
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DISCIPLINA MOR.AL DA MÃI E DO fiLHO 1 53

c Tive-o sempre ao pé de mim, emquanto


ia examinando os mapas dos outros discípulos.
Entre estes, notei um, que não era uma perfei­
ç ão ; as montanhas também figuradas por l a­
gartas, mas de pêlo escaso e hirsuto, h esita­
vam na sua direcção ; os rios tinham um errado
ponto de partida, arrependiam-se, tentando
outro ; o litoral, depois de t�r tentado furar
a ventureiramente o mar em diversos pontos,
estava corrigido por meio de rasuras.
c O aspecto geral era incorrecto, mas havia
a evidência de grandes canseiras por parte do
aluno. Chamei-o à mesa. Chegou bastante per­
turbado, e logo, antes de eu dizer uma pala­
vra, disse-me :
" - Senhor, a culpa não foi minha, porque
não ti\le tempo de fazer outro mapa.
cjulgava que eu ia ralhar-lhe. Interroguei-o
sôbre as nascentes e os cursos dos rios. Res­
pondeu-me muito bem. O outro, interrogado
sôbre o m esmo assunto, respondeu pessima­
mente, demonstrando que não tinha, de per si,
procurado, e achado, bem ou mal, depois de
tentativas baldadas, um ponto de partida, um
leito de rio, uma desembocadura.
c A mãi sabia pro\làVelmente aquela lição
de geografia ; êle é que a ignorava.
«Mas não esta\la tudo acabado. Coloquei
os dois mapas - a obra-prima e o borrão - um

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154 0 LIVR.O DA MÃI

ao pé do outro. Classifiquei bem o borrão, de­


pois de louvar de novo os esforços do seu au­
tor. Em seguida, preguntei ao que trouxera a
obra-prima que nota julgava êle eu de'Veria
dar-lhe. Respondeu-me fazendo belcinho e
b al anceando o corpo todo.
c - Isto - disse-lhe eu - é muito simples.
Não tenho o direito de classificar o trabalho
da senhora sua mãi. Quando o m enino trouxer
um trabalho feito por si, então veremos.
c Assim ficou entendido. Mas eu pedi ao
rapazito que examinasse a inda aquele caso de
consciência.
c - Se eu lhe tivesse dado uma nota me­
lhor do que ao seu condiscípulo, � não é ver­
dade que teria cometido uma injustiça ?
« - Sim, , senhor.

" - l E seria eu nesse caso o culpado da


injustiça ?
c A o mesmo tempo, ia escre'Vendo no seu
c aderno de notas :
c - Não fêz o exercício.
c O pequeno sorriu ao ler a nota maliciosa.
cTenho pena de não ter podido ouvir a
con'Versa do pequeno com a mãi, ao entrar em
casa. Mas a lição de moral, a propósito do
mapa, não ficou perdida.
c A partir dêsse dia, era o pequeno quem fazia

os mapas, o que se notava ao primeiro exame.

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DISCIPLINA MORAL DA MAl E DO fiLHO 155

c Meus amigos, tenho contado esta anedota


mais duma vez.
c Os professores, vélhos como eu, têm o
costume de a repetir.
e Mas, reflectindo-se bem nela, vê-se que a
antdota tem b astante valor•.
Tem bastante valor, de-certo, e principal­
mente para as mãis demasiadamente propen­
sas a a ligeirarem, no todo ou em parte, o tra­
balho escolar dos filhos. Daquela anedota
dEt)uz-se uma moralidade luminosa : é que nada
vale o aluno apresentar obras-primas, porque
o essencial é que êle faça, sàzinho, os seus
�xercícios.
Êste mesmo princípio aplica-se não só a
todos os traba lhos escolares, mas ainda aos
esforços de tôda a ordem exigidos pela vida.
As mãis obsecadas que pretendem l ivrar de
esforços os seus filhos, prestam-lhes o pior
dos serviços. Prejudicam, por suas próprias
mãos, o futuro e a felicidade porvindoira dos
que elas julgam amar, auxiliando assim.

* *

Em resumo, a disciplina moral das m ãis e


dos filhos basei a-se principalmente no ensino
pelo exemplo, ministrado por elas.

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156 0 LIVRO DA MÃI

Mais positi\lamente se patenteiam pela cul­


tura dos bons hábitos : docilidade, \laracidade,
energia incansável, junta ao esfôrço.
t Mas quer isto dizer que não devemos
auxiliar o esfôrço ?
Pelo contrário : logo que a criança faz ten­
tati\las reais, mas infrutíferas, para realizar o
seu trabalho, a mãi pode, e até de\le inter�ir..
Retomemos a anedota de Lavisse.
Aquela mãi tão hábil na feitura de mapas,
melhor andaria, se, em vez de tomar à sua
conta todo o trabalho do filho, tentasse trasrni­
tir-lhe um pouco da sua habilidade, mostran­
do-lhe como é que ela desenha\la. Dirigiria e
alentaria as tentati\las do filho, em vez de as
suprimir por eompleto, e, fazendo isso, teria
realizado boa obra educativa.
E, concluindo, insistimos sôbre isto : se a
lição pela palavra não de\le ser completamente
posta de parte na formação moral, lucrará em
re\lestir uma forma particular.
São de pouco efeito as longas arengas m o­
ralizadoras, porque não penetram, não deixam
\lestígios.
Tem-se notado, pelo contrário, que as máxi­
mas de-\léras expressi\las ficam indele\lelmente
gravadas no espírito infantil, i nfluindo muito
no procedimento das crianças.
As mãis têm mil ocasiões de repetir aos filhos :

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DISCIPLINA MORAL DA MÃI E DO PILHO 157

- Ajuda-te, e Deus te ajudard f


- Não hd vitória sem esfôrçó f
- O que custa é dar o primeiro passo f
- É depois de se fazerem muitos borrões,
que se chega a escrever bem, etc.
Não devem deixar de dizer isto, explicando
o profundo sentido e a realidade de tôdas essas
máximas. Nunca os filhos se esquecem de si­
milhante ensino, inspirador prático dos seus
a c tos.
Disse Diderot :
cAs máximas são como prégos agudos que
cravam a verdade na nossa reminiscência».
E joubert nota, por seu turno :
«As boas máximas são os germens de todo
o bem. Quando fortemente gravadas na memó­
ria, alimentam a vontade ,.
Apro'\/ehem as . mãis a benéfica eficácia
dessas sentenças morais. Derramem-nas pro­
fusamente no espírito dos filhos.
Façam, com essas máximas, para os filhos
e para elas próprias, um código de conduta,
fácil de reter e aplicável a tôdas as circuns­
tâncias · da vida.

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CAPÍTULO VII

Formação intel ectual e moral da criança

Não nos deteremos aqui sôbre a exposição


dos princípios pedagógicos que devem consti­
tuir o objecto particular do quarto dos c Livros
da Mulhe P : O Livro da Educadora.
Mas abundam os pontos sôbre os quais é
preciso insistir, mais por fazerem parte do pa­
pel propriamente materno do que da tarefa
educadora.
Queremos referir-nos às múltiplas influên­
cias que as mãis podem exercer sôbre a evo­
lução i n telectual e moral das criancinhas, va­
lorizando tôdas as aptidões naturais que Deus
concedeu às mesmas criancinhas.
Como já dissemos, a criança é essencial­
mente imitadora.
i Quantas mãis sabem utilizar engenhosa­
mente essa tendência para desenvolverem
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1 40 0 LIVRO D A MÃl

tôdas as qualidades físicas, para lhes ensina­


rem a falar, a rabiscar, e, finalmente, a ler !
É só para imitar que a criança, até sem ser
incitada a isso, se alça de súbito sôbre as suas
perninhas vacilantes, tentando dar os primeiros
p assos.
Imita ainda o que tem visto fazer, ao pre­
tender levar à bôca uma colherzinha. Imita
esquecidamente : cumpre à mãi atenta, zelosa
pelos progressos do filho, rectificar-lhe os m o­
-vimentos.
Notem o seguinte facto de observação.
Tinh a uma dona de ,casa na sua cozinha uma
ardósia na qual todos os dias assentava, c om
um pedaço de giz, as· compras a fazer e diver­
sas indicações relativas ao govêrno doméstico.
Um dos seus filhos, apenas de dois anos de
idade, assistira muitas vezes àquela operação
()Ue lhe excitava a curiosidade, e tanto que lhe
merecia a atenÇão mais viva.
Um belo dia, o bébé, achando-se só uns
instantes, conseguiu apoderar-se da ardósia e
d o giz, sentou-se no chão e pôs-se a traçar
e spontâneamente intermináveis arabescos.
Surpre endeu-o a mãi, quando profunda­
m ente embebido na sua ocupação.
Como era uma senhora i nteligente, logo
lobrigou todo o partido que de"ia tirar daquele
incidente.
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FO�MAÇÃO INTELECTUAL E MORAL DA CR.IANÇA 141

E disse ao desenhadorzinho :
- E�sa ardósia é a da mama. Eu hei-de
comprar outra para o meu menino, sim ?
E assim fez.
Que resultou disto ?
A princípio, o pequenito apenas garatujava­
confusamente, mas com ardor incansável n a
ardósia. A mãi, quando notou que a mãozi ta
dêle já conseguia ter o giz firme, traçando·
linhas informes com certa segurança, dese ­
nhou-lhe na a rdósia uma simples roda, i nci··
tando o filho a copiá-la.
O pequenito, sem ser preciso estimulá-lo
mais, fêz rodas, depois riscos, depois mais
rodas e riscos, e depois, pela associação re­
gular de rodas e riscos, fez letras cujos no­
mes sabia : o o era a forma da roda, o i era
a forma do risco, e basta\la - dizia-lhe · a �ãi
- pôr-lhe um ponto em cima, para ser um t
perfeito.
Em seguida, aprendeu a fazer b e c, e
pouco depois escre\lla bébé, o que de-certo
muito o alegrou. Mais tarde, escre\leu mamã,
papá, o que o extasiou ainda mais, e pouco
depois afirmou o seu direito de propriedade, .
escre\lendo no tôpo da sua ardósia : ardósia
de bébé, e n o tôpo da que esta\la na cozinha :._
ardósia da mamã.
Mostra-nos êste exemplo o que pode con-

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142 0 LIVRO DA MÃI

seguir uma mãi engenhosa ao cultivar com


habilidade o instincto de imitação que tem um
filho.
Persiste, aliás, êste instinto, embora modi­
ficando- se, até quando as crianças crescem.
Quando a pequenita faz de mamã com a bo­
neca, e o pequenito faz de soldado com o
sabre e o cavalo, imita ainda.
E é então oportuno e fácil desen\lolver os
sentimentos morais, ao mesmo tempo que se
desenvol\lem as aptidões físicas : por exemplo,
mandando fazer à pequenita todos os vestidos
da sua boneca.
Poderia citar uma boa mãi que atendia
sempre muito aos discursos que a filha fazia
às bonecas. Essas alocuções ingénuas consti­
tuíam para ela uma digressão seguríssima da
m entalidade da criança. Revelavam-lhe as suas
reflexões íntimas, os seus pensamentos secre­
tos, as suas tendências morais.
Quando a criança caía em qualquer êrro,
a mãi tinha o maior cuidado em lhe fazer
n otar que se enganava. Arrancava zelosa­
mente daquele espírito infantil tôdas as- falsas
ideas que nêle via germinar.
i Que prática inteligente, e como tôdas as
mãis a deveriam seguir !

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FOI{MAÇÃO INTELECTUAL E MORAL DA CRIANÇA 143

* *

Visto falarmos de brinquedos, vamos cha­


mar a atenção das mãis para algumas obser­
vações que se nos afiguram serem-lhes úteis.
O primeiro uso que as crianças fazem da
sua fôrça consiste em quebrar, ou, pelo m enos,
tentar quebrar tudo que pode cair-lhes nas
mãozitas. Antes de quebrarem os brinquedos,
atiram com as chupetas, mas, logo que os
bonecos podem alegrar e adestrar-lhes os
olhares, pegam nêles sem vacilações, atiram­
-nos às paredes, mutilam-nos, fazem-nos em
pedaços.
Êstes primeiros gestos são verdadeiras ex­
periências da sua fôrça.
É notório que ainda se não estabeleceu no
espírito da criança uma exacta relação e ntre
essa fôrça e a resistência dos objectos. Pro­
cede um tanto como o engenheiro que expe­
rimenta a fôrça dos materiais.
Se a criança é desastrada, é contra a sua
vontade, porque ainda não tem a de\lida expe­
riência. Na verdade, não destrói só pelo pra­
zer de destruir. A prova é que, quando os
bonecos, suas vitimas, ficam deslocados, infor­
mes, perdidos, a criança fica espantada e chora
sôbre os restos.

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144 0 LIVRO DA MÃI

Empolga-os - porque para isso foram feitas


as suas mãos - usa e abusa da sua fôrça,
porque a natureza a isso a Incita.
A sua individualidade expande-se no exte­
rior, absorve tudo que a rodela. Tudo aquilo,
é, pois, a expansão normal da vida.
Mas é preciso esperar que êsse primeiro
p eríodo de efervescência física seja substituído
pelo período em que o espírito da criança
desperta e observa.
já é por outra razão que ela então não
respeita os seus brinquedos. Não os quebra,
desarma-os, por curiosidade, quer dizer, em
v irtude duma tendência innata na natureza
humana e que nos prop ele a examinar tudo.
A curiosidade aplica-se a tudo que fica a o
alcance das mãos. Depois d e ter desarmado
os bonecos, a criança pretende reconstituí-los.
D epois da análise, a síntese. É a marcha do
espírito humano, revelada nos anos mais ver­
des de cada um de nós.
Em tudo que está ao seu alcance, a criança
i nvestiga, mede à sua maneira, compara e até
i nventa.
Acaba de furar a pele do seu tambor.
Fica muito surpreendida p or não achar
dentro dêle mais que o Vácuo, e por já não
poder arrancar do tambor o so·m que tanto o
encantava.
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FORMAÇÃO INTELECTUAL f MORAL DA CRIANÇA 145

E aqui está uma bela experiência de acús­


tica. A criança acaba de aprender que os tam­
bores furados não dão sons. Isto é i nsignifi­
cante ?
Devem as mãis atentar em que, quando
seus filhos quebram os seus brinquedos, pre­
tendem instruir-se. Aproveitem elas isso para
darem ao espírito dos seus filhos o alimento
que êsse espírito, ávido de verdade, reclama.
Pode ser das mais proveitosas a i nterven­
ção das mãis nos brinquedos de seus filhos.
Poucas vezes encontrarão elas ensejo tão pro­
pício para trabalharem com utilidade na edu­
cação das criancinhas.
Devem, portanto, brincar com os filhos,
como suas amigas, mas tendo o maior cuidado
em se não tornarem como que camaradas
seus. Nada mais deplorável do que a actual
tendência de muitos pais para se esquecerem
da sua idade, sacrificando a sua dignidade.

§ 2.o

b e todos os brinquedos ou distracções, os


livros ou albuns com gravuras e cromos são
talvez o meio mais poderoso de educação de
que dispõem as mãis.
As figuras de animais i nteressam especial-

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146 O Llv�o DA MAI

mente as crianças, e igualmente as cenas rela­


tivas a narrações cujo assunto conhecem : por
exemplo, os quadros principais do Antigo e do
Novo Testamento.
É imenso o partido que se pode tirar dessas
gravuras. Embora se lhes mostrem constante­
mente as mesmas, as crianças interessam-se
sempre por elas, achando a Cl;lda passo e sem­
pre, oportunidade para novas observações e
novas reflexões, que as mãis sensatas sabem
aproveitar para o desenvolvimento mental e
m oral dos filhos.
Notar-s,e-á, por êsse - meio, que as crianças,
sem nós o sabermos, têm ideas muito mais
adiantadas do que as que parecem ter na con­
versão vulgar. Ficar-se-á admirado com a jus­
teza e até profundidade de algumas das suas
reflexões.
Prova isto, como já o notou o excelente
observador João Paulo Rlchter, que é sempre
bom pressupor na criança uma inteligência
bastante adiantada, porque é transpondo no­
vos cumes que se ensina a trepar.

* *

Que, de resto, - como por fim acabaram


nos nossos dias por confessar teoricamente -

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FORMAÇÃO INTELECTUAL E MOR.AL DA CR.IANÇA 147

deve-se fazer a ascensão intelectual das crian­


ças mais pela intuição do que pelos livros.
E dizemos teoricamente, porque a tirania do
livro ainda predomina. Os nossos m odernos
pedagogos confessam tardia e dificilmente ideas
justas, aplicando-as o m enos possível. Entre­
tanto, é curioso notar-se que êles )ulgam tais
ideas absolutamente novas, e que se reputam
como que os inventores das lições de coisas.
Isto prova uma singular ignorância d a his­
tória dos métodos pedagógicos.
·
O abade Fteury, vivendo no séculp xvu, já
preconizava o ensino profissional e as lições
de coisas.
Na opinião dêle, a educação devia ser, ao
mesmo tempo, geral, de maneira que formasse
um homem de bem, e especial, de forma que
tornasse o homem hábil na profissão que vier
a seguir. É o nosso ensino profissional.
Por outro l ado, a educação devia começar
não pelos raciocínios ou por abstrações lógicas,
mas pela observação e pelo conhecimento dos
objectos vulgarmente expostos aos olhos das
crianças. São as nossas lições de coisas.
Eis o que dizia Fleury :
c Como os objectos que primeiro impressio­
nam as crianças são o interior da casa, as
suas partes diversas, os criados e os seus
diferentes serviços, os móveis e utensilios do

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148 o LIVRO DA MÃI

lar, basta seguir-se a sua curiosidade para se


lhes ensinar agradàvelmente o uso de tôdas
aquelas coisas e fazer-lhes ouvir, tanto quanto
lhes é possível, as sólidas razões que ocasio­
n aram a sua invenção, e mostrando-lhes as
faltas que vieram remediar.
c Assim se habituariam a formar ideas no­
bres de tôdas as coisas que são desprezadas
pela nossa mâ educação e vaidade, e a não
desprezarem uma cozinha, uma capoeira, um
mercado, como tantas pessoas fazem. Final­
mente, aco,Stuma-las-iam a reflectir sobre tudo
que vêem, e nisso está o princípio de todos os
estudos.
c As crianças não vivem no ar, nem nos
espaços imaginários, mas sim nos países da
realidade, na terra, nêste baixo mundo, tal
como hoje existe.
( É , pois, preciso que conheçam a terra que
h abitam, o pão que comem, os animais que os
servem, e principalmente os h omens com quem
têm de viver. E que nunca julguem rebaixar-se
ao analizarem tudo que as rodeia.
c Ao passo que os anos vão caminhando�
mais deveriam fazer, instruindo bastante os
jovens sobre as artes que favorecem as como­
didades da vida, habituando-os a ver trabalhar
e explicando-lhes cada coisa co_m grande cui­
dado. ,

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FORMAÇÃO INTELECTUAL E MORAL DA CRIANÇA 149

Evidentemente, isto é a educação prática a


que se podem dedicar os pais e as mãis, tendo
apenas de facilitar às crianças a obser\lação
do que à roda delas se passa.
t Procedem, por\lentura, assim os nossos
pretensos métodos instruti\los que tanto se
dizem orientados por Pestalozzi e Froebel ?
Por forma alguma.
Ora isso não é a vida : é a lição, é peda­
gogia�
É o estudo metódico, catedrático, moldado
da mesma maneira para todos os espíritos,
concebido pelos teóricos para os bancos das
escolas e não pelas mãfs para a educação
familial.
E é a essa educaçã o familial, como tão
c laramente a descreveu o abade Fleury, que
nós devemos recorrer. Porque essa não é a
lição : é a \lida . A criança aprende, vivendo.
Quem a ensina é o meio. Sua mãi apenas a
au�ília, respondendo com cuidado, clareza e
precisão, a tôdas as suas preguntas.
Para as meninas, ainda mais do que para
os meninos, deve ser essencialmente prático
êsse ensino que se colh e na vida doméstica,
porque elas são destinadas a donas de casa,
ou melhor, boas donas de casa, o mais belo
títul o que uma mulher pode desejar. Porque,
como diz Montaigne - a ciência mais útil

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150 o LIVRO D A MÃI

e honrosa duma mulher é a do govêrno


doméstico.
Por isso admiramos a m ãi de família que
h abitua cedo as suas filhas, seja qual fôr a
sua fortuna e situação social, a pôr a m eza, a
l a\lar a !oiça, a 'Varrer o quarto, a la\lar roupa,
a pregar botões, a consertar meias, a fazer
meia, a m arcar, a cozinhar, a ir às compras, etc.
Tudo isto é o que uma mulher deve saber
primeiro que tudo, principalmente antes de
começar o estudo do piano.
Tôda a mãi que, em vez de fazer das filhas
donas de casa, faz princezinhas alambicadas,
b onecas inúteis, torna-se ré dum crime contra
a famflia e contra a sociedade, e em vão teria
trinta criados às suas ordens, porque as suas
filhas tornar-se-iam unidades sociais notàvel­
mente inferiores aos criados.
Desde a origem da Humanidade, e em­
quanto Humanidade hou\ler, o que dá e dará
sempre o 'Valor à mulher não é .a sua j erar­
quia, nem a sua riqueza, nem a sua elegância,
nem os seus vestuários, nem a sua formosura,
nem mesmo as suas prendas e talentos, ou o
seu poder m ental : - é, sim, a maneira como
desempenha a sua quádrupla tarefa de espôsa,
dona de casa, mãi e educadora.
É essa a sua missã o essencial, natural,
divina ! Tudo o mais é superfluidade. E é de-

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FORMAÇÃO INTELECTUAL E MOR.AL DA CRIANÇA 151

\lido à aberração dos espíritos, que tende hoj e


a preferir o supérfluo a o essencial, que nas
sociedades m odernas tantas mulheres se tor­
nam cada vez mais associadas em vez de
espôsas, intelectuais em vez de donas de casa,
mundanas em vez de mãis, e políticas em
vez de educadoras.
As conseqüências sociais dêste estado de
coisas são sobejamente evidentes e nefastas
para os que, friamente, podem ainda reflectir,
soltando um brado de alarme, estimulando a s
mãls, d e quem depende todo o porvir das ge­
rações futuras, para mudarem de método, re­
gressando às tradições fami liais dos nossos
antepassados, porque só essas são boa s ,.e
úteis.

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CAPÍTULO VIII

·A melhor forma do amor materno :


a vigilância

A personalidade humana, ser essencial­


mente sensiVel e Impressionável, depende cons­
tantemente do meio material, intelectual e mo­
ral em que vive.
E isto daria o determinismo absoluto, como
o fantasiam falsos espíritos, se a individuali­
dade humana fôsse meramente passiva e não
pudesse reagir, graças à sua actividade pró­
pria, que é livre.
Por causa desta acção e reaçção incessan­
tes, todo o contacto de dois sêres humanos é
uma troca, não podendo viver muito tempo
juntos ' sem virem a parecer-se mais ou menos.
Os que se a�semelham reúnem-se por sim­
patia recíproca. Mas os que se reúnem acabam
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1 54 0 LIVRO D A MÃI

por se parecer uns aos outros, graças a mútuas


compenetrações e permutas.
Destas -verdades se deduz, sob o ponto de
'Vista psicológico e moral, um ensino que as
mãis devem aproveitar.
Mais ainda do que os a4u1tos, as crianças
são dotadas da extrema recepti-vidade para
com tôdas as impressões que de tôda a parte
se lhes dirigem.
Se essas impressões são boas, isto é, pro­
pícias ao seu desen-volvimento físico, mental e
moral, tudo vai bem. Cumpre deixar agir essas
impressões.
Mas elas também podem ser más e noci\las
àquele tríplice desenvolvimento.
Ora, a não serem as mãis, quem pode ser
o melhor juiz das influências que convém fa­
-vorecer ou de que urge afastar ? t Quem dis­
põe de melhor lugar para o desempenho desse
papel protector ? E, emfim, l a quem, senão
às mãis, cabe a responsabilidade de tal vigi­
lância ?
Gra-ves de-veres são impostos pela mater­
nidade.
A mãf tem a seu cargo a alma e o futuro
do seu filho, porque dela depende êsse pof\lir.
Ao lado do anjo-da-guarda que Deus dá a
cada um de nós, colocou Êle a m ã i que tem
uma missão só bem qualificável, se dissermos

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A MELHOR FORMA DO AMOR MATERNO : A VIGILÂNCIA 155

que é ela o anjo·da-guarda visível de seu


filho.
A vigilância da mãi deve, pois, ser cons­
tante e exercida em tudo.
Quando Proudhon escrevia : - Terd tôdas
as virtudes a mulher vigilante - pretendia,
principalmente, referir.,se à atenção que a mu­
lher honesta deve aplicar ao seu procedimento.
Mas a sua frase pode igualmente aplicar- se
à vigilância materna, podendo também afirmar­
· s e que a mãi vigilante possui"rá tôdas as
virtudes, porque a da solicitude conduzirá de­
-certo à prática de todo o bem .
De'\le a vigilância materna exercer-se em
tudo, como já dissemos. Mas principa lmente
deverá de'\lotar-se a tudo que possa ministrar
ao filho qualquer ensino ou exemplo, para que
nenhum l h e seja nocivo.
t Ora a que ensinos e exemplos é mais
acessível a criança ? Aos que estão mais fre­
qüentemente ao seu alcance : o que fazem e
dizem tôdas as pessoas da sua famflia e as
que com a sua familia têm relações - os ami­
gos da casa, os condiscípulos na escola, os
companheiros ncs brinquedos, as suas leituras
e até os seus próprios estudos.
já falámos da austera disciplina a que se
devem cingir os pais, para que, nem em pala­
'\lras n em maneiras, haja algo que possa pertur-

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1 56 o LIVR.O DA MAl

bar a pureza, a confiança e a sinceridade da


alma da criança.
Mas a criança não está só em contacto
com os pais. A vida vulgar faz-lhe presenciar
outros actos, ouvir outras palavras, além dos
ados e palavras do pai e da mãi.
Pode h aver criados, há fatalmente fornece­
dores de géneros, visitas de amigos, relações
de camaradagem com outras crianças, etc.
Além disso, as crianças não vivem sempre
enclausuradas no lar paterno. Saem, vão e
vêm, con\liVem com milhares de pessoas que
falam e ágem, e, portanto exercem, ou podem
exercer, uma influência m ental ou moral .
Como, infelizmente, poucos são escrupulo­
sos em não falarem ou agirem mal diante das
c rianças, estas andam, portanto, arriscadas a
ver e a ouvir inúmeras coisas que as podem
chocar e até perverter.
Como se de\le, pois, proceder ?
Sendo impossrvel viver fora do globo ou
numa ilha deserta, é preciso realizar uma es­
p é cie de compromisso entre a salvaguarda da
alma da criança e a indestrutível necessidade
da inteligência.
E, afinal, esta situação que todos temos a o
chegar a u m mundo imperfeito, nada tem d e
anómalo, e c o m certeza f a z parte da harmonia
do plano providencial.

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A MELHOR. FORMA DO AMOR MATERNO : A VIOILÂNCIA 1 57.

Foi o Criador quem não permitiu que vives­


semos num meio onde a prática da virtude não
fôsse contrariada p()r lutas e tentações.
Deus, desde o Éden, colocou o homem e a
mulher diante do dever, da liberdade e .da
responsabilidade.
E, já que os nossos filhos têm de crescer
e de \liver um dia, e por sua própria iniciativa,
numa sociedade em que o mal existe ao pé do
bem, não lhes daria o menor benefício o terem
uma idea falsa dêste mundo, e o h abituarem­
-se a ver tudo por um prisma excessivamente
optimista, expondo-se assim a crueis decep­
ções.
Por isso, a propósito disto, nunca verbera­
rei bastante a conduta, mais nociva do que
útil, de muitos pais que não dão aos filhos a
fisão da realidade. E vou insistir nisto.

* *

A moralidade das crianças, como a dos.


adultos, não se baseia na ignorância do mal,
mas em saber o que é o mal, em saber que·
não deve fazer-se o mal, emfim, em nunca
querer praticar o mal.
Em vez de teimosamente se ocultar o mal

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1 58 o LIV�O D A MÃI

às crianças, l amentando que o possam conhe­


cer, importantíssimo é emendar-lhes o que
possam dizer ou fazer incorrectamente, e tudo
que, sendo defeituoso, pode ser \listo ou ou­
Vido por elas.
- Não se deve fazer isto, porque é mal.
Não se deve dizer isto, porque é mal.
E, logo que a criança pode ter a precisa
lucidez de espírito para a pregunta que, fatal­
mente, faz, tarde ou cedo Que é mal ? - a
-

melhor definição que pode dar-se-lhe, porque


é exacta, é inverter a frase, respondendo :
- O que é mal é o que se não pode fazer
nem dizer !
Dirão : Tautologia ! Petição de príncfpio !
Nada disso. A moral inteira não passa
duma regra de conduta da vida terrestre, resu­
mindo-se em : fazer, não fazer.
Há coisas que devemos fazer. É o manda­
mento do bem.
Há coisas que podemos fazer. É o bem
facultativo.
Há coisas que não devemos fazer. � o mal
proibido.
Estas regras fundamentais da ética apre­
sentam-se ao espírito da criança sob a forma
concreta de preceitos :
- Deves rezar ..
- Podes ir brincar.

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A MELHOR fORMA DO AMOR MATERNO : A VIGILÂNCIA 159

- Não de\les mentir.


Ora abundam os pais receosos de que os
filhos aprendam cedo demais como certas
coisas são o mal, e é de\lido a êsse receio
que lhes sustentam a mais perigosa ignorância.
E, afinal, o menor acaso, uma pala\lra com­
preendida, um gesto surpreendido, vêm de
chofre arruinar tanto luxo de fortificações psi­
cológicas, perturbando, o mais profundamente
possí\lel, a alma da criança. Porque a criança
pensa e reflecte muito mais do que se julga, e
há-de dizer com certeza a si própria, mais ou
menos nHidamente :
- e Porque é que me oculta \Iam isto ? e Por­
que fazem tantos mistérios sôbre aquilo ?
E aquele cerebrozinho põe-se a trabalhar,
acabando por imaginar coisas muito mais pre­
judiciais à sua indi\lidualidade do que a \lerdade
pura.
*

* *

Mas não concluam que se de\la cair no


exagêro contrário, instruindo as crianças em
tudo absolutamente.
Diremos até : esforçai-vos por não desper­
tar a atenção das crianças sôbre coisas que
preferí\lel é serem por elas ignoradas muito

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160 O Llv�o DA MÃI

tempo. E a todos que com vossos filhos convi­


vam exigi a mesma reserva.
Mas, por outro l ado, não julgueis tudo per­
dido, ou que há grande prejuízo, se o vosso
filho ouve más palavras ou assiste . a um espec­
tácuto inconveniente.
É certo que com o desleixo que, dia a dia�
mais invade o nosso meio, as mãis se não
aventuram já, sem receios, a levar comsigo os
filhinhos e as filhinhas à rua.
Impera hoje, em conversas e ,maneiras, uma
licença que é digna de tôdas as lástimas.
Mas é isso um facto, e, como não podemos
meter os filhos numa redoma, e antes temos
fatalmente de atravessar com êtes as ruas�
h ão-de ouvir o que se diz e de ver o que se
passa. Ora, nada mais vulgar do que ver um
carroceiro a maltratar os seus cavalos, acom­
panhando o acto de pragas, de grosserias e
até de obscenidades.
As m ãis apressam-se a fugir, mas os filhi­
nhos viram e ouviram.
Em vez de lhes dar a impressão de que
procurara furtá-tos àquela cena e, principal­
mente, à sua explicação, o que põe em activi­
dade aqueles cerebrozinhos, eis o que a mãi
deve fazer :
Deve exteriorizar a impressão de estar con­
vencida de que o seu filh o tudo viu e ouvill

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A MELHOR fORMA DO AMOR MATERNO : A VIOILÂNCIA 161

claramente, e precisa de adivinhar, responden­


do-lhes antes de feitas, as preguntas que natu­
ralmente afluem ao espírito da criança. Afas­
tando-se, a mãi deve dar a entender que foi
por ela própria que de-pressa fugiu de ver e
ouvir coisas chocantes, dizendo, pouco mais
ou menos :
- Nã o posso ver maltratar assim pobres
animais que não podem andar, porque vão car­
regados em excesso. i Que pena h aver pessoas
que não tiveram mãis capazes de lhes ensinar
que é um mal irarem-se e blasfemar contra
Deus !
E aqui está uma verdadeira lição de moral
prática dentro dum a frase onde não parece
evidenciar-se.
A criança, primeiro que tudo, nota que a
mãi não pretendeu ocultar-lhe o incidente nem
as grosserias do carroceiro . Depois, a mãi in­
dica-lhe a verdadeira causa da brutalidade e
das pragas dêle : a cólera. Em terceiro Jogar,
fica o jovem espírito de prevenção contra
similhantes gestos e palavras, porque isso
·
é um mal. A má acção do carroceiro é atri­
buída à sua verdadeira causa : a ignordncia.
Numa palavra, h armoniza-se assim a suprema
habilidade moral com a caridade, porque a mãi
atribue aquela ignorância à falta de bom ensino
materno. O carroceiro procede e fala mal, mas

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162 o LlVR.O DA MÃI

é menos culpado do que \lítima da sua falta de


educação. Não te\le uma boa mãi para lhe for­
mar a alma, como a tem o pequenito que
atende agora ao que lhe diz a sua mamãzinha.
Ê ste ensino gra\lar-se-á profundamente no
espírito da criança. Tem o duplo mérito de ser
absolutamente verdadeiro sob o ponto de \lista
da psicologia moral, e de estabelecer . o ensino
materno como a fonte de tôda a regra de con­
duta na \lida para saber e fazer o que é bem,
'
e saber e e\litar o que é mal.
Há mil exemplos como êste, mas as mãis
podem proceder sempre similhantemente.
Sai a mãi com a sua filhinha. De-repente,
\lê-se diante duma parede onde a\lultam êsses
grandes cartazes licenciosos q�e se exibem
com plena tolerância da polícia.
O primeiro mo\limento da mãl é le\lar de­
-pressa consigo a filha, não a deixando \ler
aqueles cromos atraentes e até naturalmente
alguma cena insólita que atrai a curiosidade.
Pois êsse primeiro mo\limento não é bom,
a-pesar-de naturalíssimo. A mãi comete um êrro.
À noci\la \lisão rápida da pequenita, ·acres­
centa-se a impressão de que a mãi lhe quis
ocultar aquilo tanto quanto possi\lel. Pode ser
que a criança não pregunte à m ãi porquê, mas
há-de preguntá-lo a si mesma com certeza,
há-de fazer suposições e, assim, de-pressa o
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A MELHOR fORMA DO AMOR MATERNO : A VIOILÂNCIA 163

seu espírito se demorará, trabalhando, a pensar


num assunto que a não devia impressionar tanto.
Portanto, obtém-se o resultado diametral­
mente oposto ao que a mãf pretendia, afas­
tando de-pressa a filha.
Muito dhlersamente procederá a mãi sensata.
Verá sem al\lorôço com que atenção a peque­
nita contempla o cartaz e,- afastando-se dali
bastante devagar, dir-lhe-á :
- N ão olhes para aquelas figuras, minha
filha. Representam coisas, uns modos e ma­
neiras- que são maus e que eu não gosto de
ver, porque dão maus exemplos, que eu não
quero imitar, e que tu também não de\les seguir !
� Que faz uma mãi assim ? Não se apressa
a fugir, e desta maneira não aguça ao mesmo
tempo a atenção e a curiosidade da filha. Per­
mite-lhe até que tenha tempo de parar, embora
pouco, diante do cartaz, e afasta a criança
com brandura, dizendo-lhe que é melhor não
olhar para aquilo. E é a si própria que atribue
sempre a repugnância por tais figuras.
Não faz um mistéri o : m ostra algo que é o
mal, de\lendo, portanto, a criança deixar de
-ver com atenção coisa tão noci\la.
É sempre o mesmo princípio : não procurar
conseguir, a todo o custo, que a criança deixe
de ver o mal, e antes mostrar-lhe imediata­
mente que aquilo é o mal.
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164 0 LIVRO DA MAl

E convença-se a mãi de que a sua filhinha.


assim prevenida, não demorará o olhar sôbre
o cartaz misterioso. Graças à prudente atitude
da mãi, a impressão má diluiu-se em ' Vez de
penetrar.
Em tôdas as circunstâncias pode a mãi agir
similarmente, e não será essa uma das' m anei­
ras m enos úteis da sua vigilância.

§ 2.0

No capítulo UI do Livro da Donp de Casa,.


capítulo que trata das relações exteriores,.
expusemos e ampl amente demonstrámos, quanto
devemos atender à escolha das relações de
amizade e como devemos ter prudente reserva
com os estranhos que possam entrar na nossa
intimidade doméstica.
À s razões dadas naquele capítulo, acres­
centaremos as colhidas na vigilância que a
m ãi deve exercer sôbre tôdas as influências
que possam agir sôbre o espírito e a morali-·
dade das crianças.
Portanto, dizemos às mãis :
- Não admitais no vosso lar, em convivência
com os vossos filhos, todos aqueles que, nas ma­
neiras e nas conversas, tenham tal liberdade de
modos e expressões que cheguem à licença�

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A MELHOR fORMA DO AMOR MATERNO : A VIOILÂNCIA 165

Preveni-vos contra essa fábrica de m aus


'
exemplos no s e io da famflia, para não vos ver­
des um dia expostas a gravíssimos embaraços
ao pretenderdes explicar a vossa inconseqüên­
c ia a espíritos jovens e ingénuos.
Porque se proi'birdes aos vossos filhos re­
petirem as palavras de Fulano ou Fulana, lqUe
razão lhes podeis dar, ao fazê-lo, senão que
devemos evitar o exemplo de pessoas mal edu­
cadas ? E, nesse caso, os vossos filhos pregun­
tarão a si mesmos porque é que recebeis em
vossa casa pessoas tão indignas, que até dão
maus exemplos.
E com razão essa pregunta íntima não se
poderá evitar, porque, na verdade, procedeis
mal, recebendo pessoas de tal jaez.

* *

Com muito mais razão deve a mãl vigiar


cuidadosamente as relações de amizade e ca­
maradagem dos seus filhos.
Nu.nca deve permitir que o acaso as ori­
gine. Deve escolhê-Ias muito mais segundo as
conhecidas qualidades dos condiscípulos e
amigos dos seus filhos do que segundo a posi­
ção social dos pais dêles.

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166 0 .LIVRO DA MÃI

Disse Pitágoras nos Versos Doirados :


cNão é bom procurar amigos nem numa
posição demasiadamente superior nem numa
posição demasiadamente inferior à nossa,.
É bom, sobretudo, que a mãi atenda com
escrúpulo ·a tais relações.
A mãi extremosa e atenta dispõe dum cri­
tério que fàcilmente lhe permite \ler de golpe
se as Influências recebidas por nossos filhos
são boas ou más.
Seguindo os nossos conselhos, conhece
profundamente os seus filhos, estando ao cor­
rente das menores particularidades da sua per­
sonalidade. Conhece-lhes os men ores hábitos,
as expressões vulgares da linguagem, etc.
Surde um novo companheiro ao filho, e logo,
sob a nova i nfluência, surdem também novas
palavras, novas maneiras, boas ou más. Se são
b oas, a mãi só tem que congratular-se. Mas,
sendo más, deve cortar Imediatamente o mal
pela raiz.
O carácter das crianças manifesta-se prin­
cipalmente durante os brinquedos. A mãi de\le
atender a êles sem parecer \liglá-los, tomando
parte, caso seja preciso, em alguns, e então
terá ensejso para colhêr indicações precisas
sôbre o espírito e qualidades m orais do filho e
dos seus camaradas.
Ainda com mais rigor devem ser examina-

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A MfLHO� FOI\MA DO AMO� MATeRNO : A VIGILÂNCIA 167

dos todos os livros que andam nas mãos das


crianças, quer sejam recreativos, quer instruti­
vos, e até os escolares.
A propósito disto, joel de Lyris dá-nos in­
dicações eminentemente úteis e práticas, no
seu excelente livro Escolha duma Biblioteca.
Deviam lê- l o com atenção, meditando-o,
tôdas as mãis, e principalmente os três primei­
ros capítulos, relativos à biblioteca infantil, à
biblioteca de meninos e à biblioteca de meninas.
Lá verão que essas bibliotecas não podem
ser feitas ao acaso, e antes devem ser consti­
tuídas exclusivamente por livros úteis à forma­
ção m ental e m oral daqueles a quem são des­
ti nados, e cuidadosamente limpas de todo o
livro inútil , bem como, e com mais razão, de
todo o livro nocivo.

* *

D issemos que os próprio � livros escolares


devem ser cuidadosamente examinados.
Resulta isso da organização da instrução
publica oficial.
Os nossos governantes não são, na sua
maior parte, estadistas m ovidos apenas pelos
sentimentos superiores da responsabilidade

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1 68 0 LIVRO DA MÃI

inerente às suas funções. Quási todos êles são


triunfadores casuais, preocupados exclusiva­
mente com a valorização da sua situação ines­
perada, permitida pelas circunstâncias, e só
desejam que isto dure o mais possível.
Ora, para que essa situação possa durar,
têm de apoiar-se nas desordens a que devem
a sua grandeza. Obedecem, com receio, prin­
cipalmente ao poder oculto da Franco-Maço­
naria, da qual, por ilusão, exageram, ainda
para cúmulo, o poder.
Ora aquele poder oculto, procurando esta­
belecer a sua supremacia, tenta destruir todos
os elementos de ordem : a religião, a m oral, o
respeito das instituições sociais e morais fun­
dadas em leis naturais e divinas.
Não o há-de, de-certo, conseguir, porque é
lutar inutilmente contra duas fôrças irredutí­
veis : Deus e a Natureza, obra de Deus.
Mas pode fazer, e realmente faz, mui to mal.
Nomeadamente conseguiu que o govêrno
transitório da França actual, (porque tôdas as
instituições dem�ógicas morrem sempre mise­
'
ràvelmente pelos seus próprios excessos) por­
fiasse em descristianizar a instrução pública.
Começaram por descristianizar professores
e professoras. Depois, confiaram a êsses mes­
tres desorientados e desmoralizados a alma
dos nossos filhos, e com a resolução de os

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A MELHOR. f'OR.MA DO AMOR MATERNO ; A V!OiLÂNCIA 169

tornarem servos fiéis do atual regime, embe­


bendo-os em respeito pela forma republicana
que se esforçam por impor como intangível,
embora a história da humanidade esteja cheia
dos exemplos de fragilidade das suas factícias
edificações sociais.
Não se contentaram com isso. Quiseram
exterminar tôda a religião e tôda a moral reli­
giosa nos nossos filhinhos, temendo que essas
noções de ordem superior evidenciassem de­
mais a desordem mental e psicológica dos
nossos senhores dum dia. Refizeram desde os
alicerces a h istoria da França, difamando as
nossas tradições monárquicas e religiosas de
tantos séculos, tradições que deram a glória
de tôda a pátria, e fazendo derivar todos os
progressos unicamente das desordens revolu­
cionárias de 1 789, as quais, pelo contrário, são
a origem da nossa decadência.
Fi nal mente,, os pedagogos não vacilaram
em renegar a própria pátria, e fizeram isto os
próprios governantes, inclusos os actuais,
quando - o que a todos nos consola - êles
têm de morrer, e a França h�-de ficar.
Ora todos estes perniciosos ensinamentos,
inspirados pelas demolidoras instruções de
tôda a Franco-Maçonaria, são hoje nitidamente
formulados nos livros escolares oficiais.
Ê sses livros acham-se empeçonhados pelo

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170 0 LIVRO DA MAl

mesmo espírito materialista e demagógico, e


com máximas que atentam contra a verdadeira
moral e contra o patriotismo. São os piores
alimentos dos jovens espíritos. Apodrecerão os
cérebros dos nossos filhos.
l E hesitaríeis, Vós, mãis, em afrontar tudo
para arrancar das mãos dos filhos amados
essas páginas salpicadas por tôdas as mentiras
e Infâmias ?
Queimai êsses l ivros sectários I
Cauterizei com ferro em brasa as dentadas
por onde se pode infiltrar o vírus maçónico !
Respeitai as leis, mas só quando elas expri­
mirem a equidade. Desprezai as leis de opres­
são e de perseguição, leis partidárias e de
circunstância, leis que, nas mãos dos que se
julgam os mais fortes, são armas m ortais a
ameaçarem as almas dos nossos filhos.
Non sérviam ! Não obedeceremos !

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CAP ÍTULO IX

A Mãi, amiga e ·confidente dos seus fi lhos

Antes de mais nada, insistamos no seguinte,


que já expusemos: a mãl nunca se deve tornar
a camarada de seus filhos, Isto é, deve evitar
tôda a familiaridade deslocada, e conservar
sempre cuidadosamente a sua dignidade e o
seu prestígio.
Mas, feita esta reserva, deve esforçar-se,
quanto possível, por sobrepor ao amor filial
dos seus uma Intensa amizade, uma confiança
e uma confidência ilimitadas.
A amizade entre mãi e filho difere muito do
amor maternal e do amor filial.
É um sentimento que tem Igual delicadeza
e intim idade, mas cujo objecto não é o mesmo.
Na criança, o amor maternal vê a obra viva
da rnãi ; e esta tem a missão e a responsabili­
dade de encaminhar essa obra para o bem.
É verdadeira também a recíproca : o amor
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172 0 LIVRO DA MAl

filial 1Jê na mãi aquela que lhe deu a luz do


dia, e que continua a sua missão junto do filho.
A amizade da mi!lf e do filho possue, pelo
contrário, caracteres idênticos aos que distin­
guem tôdas as afeições, até entre pessoas que
não têm o menor parentesco.
É um sentimento análogo à amizade entre
o marido e a espôsa, amizade que já pro-Jámos
diferir muito do amor conjugal, ou constituir,
pelo menos, uma das partes dessa afeição.
(Livro da Espôsa).
A amizade -Jence as demais afeições, tor-,
nando-se mais terna, mais íntima, sem perder,
porém, o seu carácter essencial de permuta
de bons seQtimentos, de boas palavras e de
boas obras.
E tanto isto é assim, que, quando a mãi e
a filha, por exemplo, conversam juntas, o ca­
rácter da sua con'Jersação não é exactamente
o mesmo, se a primeira fala como mãi, ou se
falam como duas amigas. A filha não obedece
nunca às ordens maternas com tanta doçura
como quando, obedecendo, pre�ta à mãi um
favor amigável e penhorante.
"'

* *

Para originar e manter a amizade, é eficacís­


simo multiplicar as manifestações de amizade�

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A MÃI, AMIOA E CONflDfNTI! DOS SEUS FILHOS 173

É essa uma lei psicológica indistintamente


aplicável a todos os sentimentos.
Somos eminentemente sensíveis a essa
fôrça - brotada do instinto innato de imitação
- e designada com o nome exp ressivo de
impulso.
Impulsiona-nos o exemplo, mas também nos
impulsionamos a nós próprios, sem darmos por
isso, sempre que agimos como se obedecêsse­
mos a um sentimento.
Mas cumpre explanar isto.
Pretendemos dizer que, para despertarmos
em nós um sentimento, basta repetirmos actos
que a êsse sentimento correspondam, embora
êle não exista ainda.
Segue-se um facto frisante que eu testemu­
nhei.
Encontrei-me em casa dum sacerdote, no
próprio momento em que um professor de filo­
sofia lhe confidenciava o seguinte :
- t Serei eu incompleto ? Sou cristão e,
afinal, nunca experimentei de-veras o senti­
mento da caridade para com o próximo. Cum­
pro o preceito da caridade, dando alguns cen­
tavos aos pobres, contribuindo pecuniàriamente
para obras de beneficência, e principalmente
nunca recusando o meu auxílio a um infortúni o
'\lerdadeiro - mas procedo assim sem comoção,.
e quási sem convicção. Liberto apenas a minha

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1 74 0 LIVRO DA MÃI

consciência por meio do cumprimento literal


dum dever, mas sem me sentir animado pelo
espfrito inspirador do mesmo dever. B astará
isto ?
Emquanto o professor falava, o rosto exp res­
sivo do eclesiástico passara ràpidamente por
muitas alternativas de gravidade e sorriso. Foi
sorrindo, que respondeu :
- A razão de o meu amigo nunca ter expe­
rimentado o sentimento da caridade é que
nunca praticou um acto caritativo f
O professor fêz um accionado de protesto.
Mas o padre atalhou logo :
- As suas esmolas ! O meu amigo deu-as
maquinalmente por simples descarga de cons­
ciência, como é o primeiro a reconhecer. Ora
isso não são actos de caridade. Para ser cari­
tativo, para experimentar o sentimento da ca­
ridade, é indispensável ter actos caritativos.
<, Pode o meu amigo dispensar-me uns minuto s ?
E, como o professor fizesse u m gesto afir-
mativo, o padre tornou :
- Venha comigo !
E depois, voltando-se para mim :
- Peço-lhe que venha também.
Atravessámos a rua, e subimos até ao sexto
andar da casa fronteira. O padre estava evi­
dentemente habituado a ir ali, porque foi di­
reito a uma das portas que davam para o cor-

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A MÃI, AMIOA I! CONf'IDENTE DOS SEUS f'ILHOS 175

redor, impeliu a porta que tinha a chave na


fechadura, e entrou ; nós seguimo-lo.
S ôbre o pavimento de tij olos, a mobilia tôda
era constituída por um enxergão coberto por
um lençol l avado e uma colcha vélha. De­
baixo daquela pobre roupa, um Vélho de fi­
gura descarnada ergueu um pouco a cabeça,
sorrindo-nos para exprimir a satisfação de
nos ver.
O padre tomou-lhe a mão, dizendo :
- Então como vai isso hoj e ?
- Sempre na mesma, senhor cura - respon-
deu o vélho com voz cansada, - Nem melhor,
nem pior.
- Bem vê que o bom Deus o não esquece,
porque lhe manda visitantes. Não se esqueça
nunca de Deus !
E o padre, dirigindo-se a nós, prosseguiu :
c:
Êste pobre homem está absolutamente só
n o mundo. Depois duma vida laboriosa, esgo­
tado o Vélho, as fôrças abandonaram-no, pouco
a pouco, e não pode levantar-se do leito.
<K.A assistência pública dá-lhe apenas com
que pagar o aluguer do quarto. O mais fá-lo a
c aridade particular. Mas êle não precisa só de
dinheiro, precisa de cuidados materiais, porque
não se pode levantar para ir fazer as suas
compras, cozinhar, fazer a cama, arrumar o
(}Uarto e até mudar de roupa.

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1 76 0 LIVRO DA MAl

«Por isso eu, e alguns paroquianos toma­


mos a peito substitui-lo nisso.
c Todos os dias vem um de nós visitar o tio
Francisco e ajuda-o, quanto pode, nas suas
necessidades. Fazemos o que podemos.
O padre voltou-se para o professor e disse­
-lhe :
- O meu dia é segunda-feira. t Pode o meu
amigo substituir-me nesse dia e visitar o tio
Francisco durante uma hora ? Êsse favor há-de
facultar-me . que trate dum outro I
. .

- De muito bom grado I - respondeu o filó­


sofo, estendendo-lhe a mão para firmar o com-
·

promisso.
E estendeu também a mão ao vélho.
- E entretanto - dizia o cura, descendo a
escadaria - o m eu amigo vai aprendendo o que
é a caridade, sentindo-lhe o verdadei ro per­
fume.
Foi o que sucedeu.
No primeiro dia, limitou-se o filósofo a le\lar
víveres abundantes que pôs sôbre uma tábua
ao alcance do \lélho Francisco.
No segundo dia, fêz mais. Varreu o quarto
que estava muito carecido de limpeza.
Depois, velo a fazer-lhe a cama, le\lántando
o vélho com carinhos de m ãi. Levou uma das
suas camisas para substituir a do tio Francisco,
e vestiu-lha. Fêz-lhe mesmo outros serviços

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A MÃI, AMIGA E CONfiDENTE DOS SEUS fiLHOS 177

indispensáveis ao doente, que nem sequer


podia ir ao Water-Closet, situado no patamar
da escada.
E não foi o professor quem contou tudo isto.
Guardou antes avaramente no seu coração,
como um pr�cioso tesoiro, o segrêdo da miste­
riosa ascensão da caridade dentro da sua alma.
Foi o tio Francisco quem revelou ao cura
aquele maravilhoso resultado do impulso divino
dos actos que exercem influência nos senti­
mentos íntimos. E o padre respeitou completa­
mente o silêncio, pleno de inefáveis jubilos
caritativos, em que se mergulhara o filósofo.
Mas soube que ·consagrava agora grande parte
do seu tempo a servir os pobres, preferindo
os enfermos.
Foi o mesmo eclesiástico quem me deu
estas informações, confirmativas da tese positiva
da influência dos actos sôbre os sentimentos.

* *

Ora, encontra-se uma aplicação directa


desta tese em todos os afectos : amor maternal,
amor filial, amizade, etc.
As afeições mais verdadeiras e profundas,
as que parecem mais sólidas, carecem, para

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178 0 LIVRO DA MÃI

ser vivas, de ser constantemente reanimadas


por manifestações exteriores.
Dizia Dante acêrca do amor sensível :

poco dura
Si il tatto o l'occhio no l'riaceendo

O que é bastante perfeita tradução do vélh o


provérbio : Longe da vista, longe do coração.
Por isso, na família, as carícias excitam
muito a ternura que nos inclina a prodigalizá-las.
A criança caridosa é mais amada pelos pais
e ama-os com mais ardor, porque mais \lezes
desperta o afecto no coração dela própria e
no deles.
Infelizmente, a Idade desvanece, pouco a
pouco, êsse hábito. Ao crescermos, envergo­
nhamo-nos da ingenuidade das nossas - expan­
sões. Não compreendemos que a frieza exterior
em que nos envolvemos de-pressa penetra no
próprio coração.
Dai pro\lém muitas vezes a indiferença que
reina entre os membros de cada iamilia. Daf
deriva êsse desafecto recíproco que os separa,
a meio da vida, tornando-os estranhos uns aos
outros, se não h ostis.
Se procurarmos bem, averiguaremos talvez
que cada um se habituou, pouco a pouco, ao

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A MÃI, AMIGA E CONfiDENTE DOS SEUS fiLHOS 179

desamor, mas só depois de deixar o costume


de beijar as frontes dos pais e dos Irmãos, ao
levantar do leito. À custa de suprimirmos a
expressão dum sentimento, deshabituamo-nos
do próprio sentimento. Pelo contrário, a mani­
festação dum sentimento m antém-no, sobreex­
cita-o, exalta-o, como o exercício físico torna o
corpo mais forte e mais ágil, como o uso da
palavra adestra a energia do espírito.
Por isso, o desaparecimento dos hábitos
carinhosos da infância prejudica lamentàvel­
m ente os nossos costumes, sendo uma das
causas mais fatais do aniquilamento dos afec­
tos dà família, da amizade que, entre tôdas,
tem a primazia em doçura, firmeza e cons­
tantes benefícios.

§ 2.0

A amizade que liga a mãi aos filhos tem


por base essencial a confiança.
Logo que possuam êste sentimento, os filhos
confiam às mãis absolutamente tudo que vive
nos seus corações e, quando carecidos de con­
selhos, dirigem-se sàmente a elas.
As mãis podem conseguir êsse completo
abandôno das almas dos seus filhos, favore­
cendo-os por todos os meios ao seu alcance.

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180 o LlVR.O DA MÃI

Nunca deverão mostrar assombro' com as con­


fidências dêles e nunca devem abusar delas.
�ste ponto é essencial.
A criança é, por natureza, franca, princi­
palmente para a mãf.
Por desventura, muitas mãis não compreen­
dem que, para se não ver fugir essa ingénua
confiança infantil e juvenil, é indispensável
que as confidências não originem exagerados
espantos, nem censuras ásperas.
Deve ocultar-se sempre a impressão desa­
gradável que pode resultar de algumas confi­
dências dos filhos. Deve ocultar-se, porque, a
não se proceder assim, podem êles tender a
falar depois com alguma h ipocrisia.
P or outro lado, quando os filhos confessam
às mãis, com franqueza, qualquer 1rnprudência,_
ou até culpa, não é essa a boa oportunidade
para censuras. Pelo contrário, de\7e dizer-se­
·lhes l ogo :
- Fizeste bem, meu filho, em não me ocul­
tar isso. Agradeço-te e perdoo-te, sem reser­
vas, o teu êrro, por causa da tua sinceridade�
Numa palavra, o ideal é conseguir manter
os filhos num tal estado de espírito, que nunca
hesitem diante da nítida expressão dos seus.
pensamentos, e convencidos de que a verdade
terá tantos louvores como punições tem a
mentira.

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A MÃI1 AMIGA E CONFIDENTE DOS SEUS PILHOS 181

* *

Sendo assim justificada a confiança do filho


pelo lógico e sensato procedimento da mãi, não
há motivo para que diminua com o cresci­
mento do mesmo filho.
Habituar-se-á êle, rápida e fàcilmente, à
idea de que a mãi é, em muito, a melhor das
c onselheiras, e exactamente por se inspirar
tanto no coração como na razão.
E, logo que assim seja, todo o seu futuro
está nas mãos d a mãi, porque nada fará sem a
consul tar.
Conta, a propósito, João Paulo Faber alguns
pormenores que vêm aqui muito a pêlo :
«Eis a desdenhosa resposta que provoquei
um dia a um poderoso burguês e chefe de
família :
c - Traga-me êle as suas orelhas, e nada
mais lhe peço.
c Foi esta a recompensa que recebi pelo
s incero interêsse - sinceríssimo, crêde - que
eu julgava testemunhar-lhe, inquirindo das pre­
cauções, Indispensáveis - s egundo a minha
simplicidade - no ambiente do seu filho único,
que estava em Paris a estudar na faculdade
de Direito.

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182 0 LIVRO DA MÃl

c Sôbre o mesmo assunto, notai outra varia­


ção diferente :
" - Não quis colocar meu filho na fábrica
onde se tinha combinado que entraria, não só
porque o actual gerente daquela fábrica é um
escandaloso borrachão, mas também porque,
a-pesar-de ser êle tão mal comportado, e devido
à protecção de antigos caixeiros da casa, 'ViVe
em evidente abastança. Não quero que meu
filho tenha todos os dias diante dos olhos · a
prova de que pode fazer-se fortuna, a-pesar-da
gangrena dos 'Vícios e das más paixões. Bem
sei que êste caso do gerente é excepcional,
mas receio que meu filho não veja as coisas
pelo lado pos itivo.
c Acabo de transcrever nem mais nem menos
do que o que diante de mim disse uma viúva,­
modesta burguesa da província, a quem
pediam notícias sôbre o filho que julgavam
aprendiz na capital.
cÉ inútil preguntar qual dos dois, o burguês
rico e a modesta 'Viúva, está com a razão, com
o juízo e a moralidade elevada.
c O que é certo é que não poderemos espe­
rar ver nunca a boa unidade das tendências
morais dum povo que, em todos os graus da
escala social, ostenta divergências tão profun­
das em assuntos educativos. Esperar o con­
trário seria o mesmo que esperar as mesmas

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A MÃI, AMIOA E CONfiDENTE DOs SEUS fiLHOS 185

colheitas em dois campos, semeado um ao


acaso, e o outro cultivado s egundo tôdas as
regras prescritas pela observação e pela expe­
riência, isto é, pelas que permitem o bom
fruto dos grãos.
« «! Teremos de dar sempre razão aos maus
gracejadores que pretendem não haver outro
meio de reformar um povo pela educação,
além do de se reformar a educação dos pró­
prios pais ?•
É evidente que, sendo a m ãi a amiga e a
confidente dos seus filhos, há-de estar ao facto
dos seus projectos de futuro, podendo esti­
mulá-los para seguirem o caminho mais con­
'Veniente.
Quanto à vivaz conclusão de João Paulo
Faber, ela encerra uma grande parte da ver­
dade.
Sim, é positivo que a educação dos filhos
depende da dos pais e, ainda mais, da edu­
cação das mAis.
� Mas o problema da reforma da educação
dos pais será, a rigor, tão insolúvel como pare­
cem pretendê-lo os maus gracejadores ? Por
forma alguma ! O afecto dos pais, principal­
mente o afecto m aterno, pode fazer milagres.
'
A mã i, menos apta como educadora, pode a
rigor refazer a sua própria educação, com o
desej o de poder educar bem os s eus filhos.
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184 o LIVR.O DA MÃI

Conheci uma dessas mãis. Aprendeu o


latim para o ensinar ao filho, li'\lrando-o assim
da promiscuidade dum liceu do Estado.
Muito mais fàcllmente qualquer mãl se pode
sujeitar à disciplina moral, e até ao preciso
estudo psicológico, com o fim de saber formar,
de seus filhos, homens e mulheres de bem,
úteis e felizes.
Tanto se têm compenetrado algumas mãis
das responsabilidades que lhes pertencem rta
vida familial, que estudaram e aprenderam
ensinamentos especiais sôbre a sociedade.
E vêem ou adivinham tudo com uma sere­
nidade e lucidez, que as tornam conselheiras
preciosas não só dos seus filhos como de tôdas
as pessoas que com elas convivem.
Conheci mulheres que, devido à sua racio­
cinada sensatez e boa clarividência, eram ver­
dadeiros oráculos, consultados com deferência,
pelos próprios h omens, sôbre inúmeros objec-.
tos da vida prática.
i Feliz a mãl que é levada pelo amor dos
fllh(\s a adquirir aquela sabedoria para bene­
fício dos que mais ama !
Há mais destas mãis modelares do que o
que se julga. I g noram-se, porque ocultam
m odestamente os seus m éritos. C o ntudo,
conheci muitas, colhendo tais luzes na oração
e na meditação, que se tornaram as orientado-

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A MAl, AMIOA E CONFIDENTE DOS SEUS FILHOS 185

ras de tôda a família, não só para o bem moral,


como para a prosperidade material, de tanto
que com segura penetração perscrutavam o
futuro.
Seus filhos, habituados a \lerem só pelos
olhos maternos, sentem-se bem. Tais mãis são
os faróis da existência dos seus.
Quando falam, os filhos têm a certeza de
que todos aqueles conselhos são ditados pela
verdade e pela virtude, podendo ser seguidos
cegamente.
Mas, para o desempenho de tão importante
papel, é e'\lidente a grande preparação de si
mesma que a mãi deve fazer com todo o cui­
dado para conseguir os seus deveres sem
erros e sem faltas.
Que o tentem, porém, as mãis, porque tôda
a mãi extremosa tem capacidade para isso.

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CAP ÍTULO X

Papel da Mãi e da Avó junto dos


seus fi lhos e n etos

Como já dissemos, não há razão para que


a mãi não continue indefinidamente a ter aos
olhos dos filhos o prestfgio que soube con­
quistar. Tornados êles homens, e en\lelhecendo
ela, o seu senso é sempre para êles uma fonte
de bons conselhos, escutados respeitosamente.
Mas é preciso que se não iluda. Dissemos
que os seus conselhos hão-de ser respeitosa­
mente escutadas. Não quer isto dizer que h ão-de
ser sempre rigorosamente seguidos.
A lém de ser presunçosa a mocidade, jul­
gando saber mais do que as pessoas experientes,
certas mãis, nos seus conselhos, preocupam-se
demais corn os seus próprios interêsses.
Já tivemos ocasião de o frisar - no capí­
tul o 1 1 : - a funesta influê n c i a do egoísm o
materno p ode tornar-se feroz.
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1 88 o LIVR.O D A MÃI

Em tal caso, � que admiraria \ler os filhos a


fugirem das mãls, se êles compreen d essem
que elas se preocupavam, com excessiva evi­
dência, mais com os seus interêsses pessoais
do que com os dêles ?
Como também já evidenciámos, dá-se isto
m ais vezes por ocasião do casamento dos
filhos ou das filhas. Abundam as mãls que, em
vez de pensarem no futuro e na felicidade dos
seus filhos, apenas querem assegurar o seu
próprio futuro.

* *

Outro êrro das mãis. é o de quererem i nter­


vir demais, e a propósito de tudo, no interior
dos filhos. Não são capazes de se resignar a
abdicar, quando é preciso, da sua autoridade
materna, e daí resultam fatalmente atritos e
desavenças.
É que essas mãis esquecem-se, de-pressa
demais, de que também já foram jovens, de que
já estiveram na mesma situação que hoje têm
seus filhos ou filhas, tendo talvez sofrido, mais
ou menos, a intervenção materna.
E, se a não sofreram, l porque é que proce·
dem duma maneira diversa da das suas mãf.s ?
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PAPEL DA MÃI E DA AVÓ 189

Avulta neste ponto um fenómeno psicoló­


gico de. observação freqüente.
Todos fomos jovens, e todos, muito ou
pouco, consideramos um estôrvo a solicitude
paternal e maternal. Aspiramos à emancipação.
E agora que, por nosso turno, somos chefes
de família, transforma-se-nos a psicologia. Exi­
gimos dos nossos filhos o que, quando éramos
jovens, classificávamos de despotismo.
Porquê ? É que são diferentes os pontos de
1Jista. Os filhos são avaros de liberdade : os
pais são pródigos de regras.
O bom senso, de parte a parte, consistirá
em se estabelecer am compromisso razoável
entre as regras e a liberdade.
E i sto não é só positivo quanto à educação
familial, mas também em todos os aspectos da
Vida h umana, porque a mesma psicologia
domina a vida inteira da humanidade.

t Mas como devem ser aplicados estes prin­


cipias pela mãi de famflia aos seus filhos jã
crescidos ?
Com bom-senso.
t Ora o bom-senso que diz, neste assunto ?

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190 o LIVR.O DA MÃI

Diz que a razão dó filho e a razão da mãi for­


mam um todo que se completa de maneira bem
diferente segundo a idade do filho.
Emquanto êle é criança, é a razão materna
que substitue a debilidade da sua razão. Mas,
ao passo que esta se desen\lol\le, a mãl cada
\lez de\le lnter\lir menos.
Chega o momento em que o filho se julga
competente para poder dirigir-se a si próprio
sem a menor inter\lenção estranha, e, nesse
caso, a m ãi trans\liar-se-ia, se pretendesse
continuar a impor-lh e a direcção.
Pode continuar a aconselhar o filho, mas
erraria, se exigisse que os seus conselhos fôs­
sem seguidos.
Com as suas exigências, \linha a originar
uma causa de conflitos que é sempre sensato
e\litar, em nome da união da família, e da
defesa dos interêsses da mesma família contra
tôdas as causas debilitantes que a ameaçam, e
principalmente depois da ingerência cada \lez
maior do Estado m oderno no meio familial,
pretendendo aquele empolgar a alma dos nos­
sos filhos mediante práticas inquisitoriais que
são a ruína de tôda a liberdade nãtural,
Fiquemos unidos ! Fortifiquem os o lar domés­
tico e a família . contra o Estado sem moral.
. .

E, para isso, ó mãis, faze! o sacrifício da


\l ossa maternidade, quando os vossos filhos,

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PAPEL DA MÃI E DA AVÓ 191

emancipados pela idade e pelo casamento,


julgarem que podem governar"se sem a vossa
direcção.
Mas dir·me-eis, querendo justificar a vossa
i ntervenção :
- Eu tenho mais experiência do que êles.
Livrai-vos de não ver a rigorosa significa­
ção da palavra experiência e de lhe dardes um
sentido que ela não tenha.
Ora, se em conformidade com os pernicio­
sos métodos actuais, tivestes uma educação
falsa, se não reagistes contra ela à custa de
muitas aquisições de princípios práticos, cor­
reis o risco de terdes uma experiência . . .
pouco experimentada.
Por outro l ado, se educastes os fi lhos
segundo os princípios racionais, por nós expos­
tos no Livro da Educadora, no qual recomen­
damos a escola da experiência, também é
natural que êles tenham tanta experiência, se
não mais, como Vós, pelo que só tendes a
felicitar-vos.

"' .

Abalançar-me-ei, sob pena de ser cruel, a


abrir-vos o s olhos, ó mãis leitoras, sôbre a
evolução da vossa psicologia maternal.

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192 o LIV�O DA MAl

Quanto mais pequenino era o \losso filho,


mais \lós \los sacrificáveis, deliciadas pelo
desenvol\limento do seu corpo e da sua alma.
Ao passo que êle foi crescendo, e que foi
precisando menos de vós, mais se foi apode­
rando do \losso amor o mêdo de que o filho
querido \los dispensasse. Foi com tristeza e
ciúme que nêle \listes brotar novos gostos,
no\los desejos, no\los afectos.
Realmente, o vosso filho só foi vosso por
completo; quando muito pequenino, quando não
conhecia senão sua mãi. Por isso s ó a vós
amava, e fazia apenas o que era da \lossa
\lontade.
Pelo contrário, quanto mais cresce, mais
vos foge. E nasce então em vós a necessidade
de o ter convosco, custe o que custar, de lhe
estorvar, o mais possível, a marcha das leis
naturais que i nsensivelmente o afastam de
\IÓS.
Mas a tarefa que empreendeis é \lã.
As leis di\linas e naturais constituem-vos �
mãi e a educadora do \losso filho, mas não \los
dão sôbre êle outro poder que não seja o pre­
ciso para completardes a \lossa obra maternal
e educadora.
O \losso filho pertence-\los . . . emquanto de
vós precisa.
Depois, torna-se criatura autónoma, plena-

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PAPEL DA MÃI E DA AVÓ 195

mente senhora da sua l iberdade e da sua res­


ponsabilidade.
É inegá\lel de\ler-\los afecto, respeito e
gratidão. Mas, logo que deixa o lar m aterno
para fundar um lar no\lo, não \los de\le já uma
obediência passi\la e apenas atenção deferente
para os \lossos conselhos.
Por não terem compreendido esta situação,
criada pelas leis di\linas e naturais, é que mui­
tas mãis inter\lêm perturbadoramente na \lida
doméstica dos seus filhos e com o risco de moti­
\larem conseqüências de-veras desastrosas.
Quando é junto da filha, casada de fresco,
chegam por \lezes a colocar a jo\lem dona de
casa na alternati\la cruel de ou romper com a
m ãi ou com o marido.
Uma mãi sensata e boa de\leria pensar que,
assim como gosta de ser a senhora da sua
casa, também é justo que o genro e a filha
gostem de ser senhores da sua, pelo que difi­
cilmente poderão tolerar quaisquer ingerências
estranhas.
A inter\lenção da mãi no lar do seu filho,
casado há pouco, ainda produz conseqüências .
m ais terrí\leis. Um genro suporta mais freqüên_
temente, sem queixa, as exigências duma sogra.
Uma nora é que nunca as sofre. Logo que é
dona de casa, quere ser a única senhora do
seu lar.

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194 0 LlV�O DA MXI

Portanto, m ãis, não sejais m ais exigentes


do que o próprio Deus !
O Decálogo só diz isto :
cHonra teu pai e tua m ãi, para \li\leres
muito tempo na terra que te deu o Senhor teu
Deus,.
O que o Decálogo nilo concede, por forma
alguma, às mãis é o direito
. de possuírem só
elas os seus filhos, im pondo-lhes obediência
depois que deixaram o lar materno.
Quis insistir nêste ponto, porque a le\liana
i ngerência das mãis nos lares dos seus filhos
é uma das causas mais freqüentes e gra\les
das discórdias nas famfllas.

* *

Portanto, a m ãi que desejar manter a cari­


nhosa afeição dos seus filhos e a deferência
deles por todos os conselhos, de\le limitar-se
a dar-lhes êsses conselhos, naturalmente bons,
mas nunca pretendendo impor as suas opiniões.
E mais fàcilmente serão escutados êsses
conselhos, quando forem inspirados não por
súgestões, embora inconscientes, do egoísmo
pessoal das mãls, mas pelo bem entendido in­
terêsse dos filhos. Não é sob o ponto de vista

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PAPEL DA MAl I! DA AVÓ 195

delas que as mãis devem colocar-se, mas sob


o ponto de vista dêles. O que interessa aos
filhos é o que deve interessar às mãis.
E, empregada constantemente esta regra de
proceder, as mãis nunca seguirão caminho
errado.
Numa palavra, trata-se de continuarem as
mãls n o desempenho . do seu papel, exacta­
mente como quando os filhos eram pequen inos,
isto é, continuando a sacrificar os seus modos
de \ler, gostos, desejos, e algumas vezes até ·
interêsses, à segurança da felicidade dos filhos.
E assim as mãis !lerão cada \lez mais felizes.

§ 2.o

Todo êste primeiro trecho do capítulo cor­


rente poderia ser sintetizado no pensamento
seguinte :
- A mãi, ao passo que vai progredindo em
idade, deve, se fôr possível, progredir em bon­
d ade !
Só a bondade é que h á-de dar à mãi de
filhos que cresceram o irresistivel encanto que
os fará estar bem ao pé dela, e sempre ansio­
sos por lhe serem agradáveis. A bondade é
que tornará a presença da mãi não só supor­
tável como até muito agradável a genros e
noras.

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196 O Livgo DA MAI

A bondade, e também o bom humor.


Quando envelhecemos, brota em nós uma
tendência naturalíssima para ver tudo pelo­
mais grave dos prismas.
Conhece-se que caminhamos, ininterrupta
jornada, para um acontecimento cada 'Vez mais
próximo - a passagem da 'Vida terrestre para
a da eternidade.
Nada tem de aterradora essa ·passagem
para os que sabem que esta 'Vida é apenas uma
provação temporária e que fizeram quanto­
puderam para que essa provação os melho­
rasse.
Portanto, diremos às mãis :
Nada melhor do que pensardes nos 'Vossos
últimos momentos : quanto mais nêles pensa­
mos, tanto melhor nos preparamos para êles.
Mas não façais incidir sôbre a vossa vida
vulgar o triste reflexo dessas legítimas preocu­
pações.
Deveis pensar que viveis, ou que tendes
relações com pessoas ainda cheias de �ida e
e sperança, e cuja mocidade exuberante não
poderia compatibilizar-se com o 'Vosso humor
fúnebre.
Adaptai-vos de-veras ao meio. Evitai gravi­
dades excessivas, para que estas não impres­
sionem opressoramente aqueles que "os amam.
Pelo contrário esforçai-vos por fazer esquecer,_

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PAPEL DA MÃI I! DA AVÓ 197

e por esquecerdes, os incon\lenientes da \lossa


idade, e isso à custa duma jovialidade cons­
tante, duma. amabilidade perpétua.
i Quanta s senhoras idosas não são atraentes
pela gentileza de espírito ! E há um artifício
que ainda está mais ao alcance das boas m ãis :
'e a gentileza do bom humor.
O bom humor, em tudo e sempre, exerce o
maior encanto. Alivia o coração, desenruga as
frontes, é uma cha\le que abre a porta de todos
os afectos.
Procedei por forma tal, que quando os
\!ossos filhos vos virem chegar, saltem de jú ­
bilo, e exclamem :
- Que felicidade ! Ai \lem a mamã !

* *

Mas chega emfim o dia em que a m ãi de


filhos crescidos e já casados \lê reflorir para
ela uma no\la maternidade nos filhos dos seus
filhos.
E ei-la uó !
H á damas frívolas que temem aquele titulo,
porque as en\lelhece. Não falamos dessas. Não
escre\1emos êste Hvro para as mulheres que
sacrificam as glórias da maternidade às loucas

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198 0 Llvao DA MXI

ilusões do mundanismo. Que, afinal, elas cons­


tituem uma minoria ínfima e pouco desejá\Jel.
Para a maior parte das mãis, 10 seu mais
\li\Jo anseio é serem a\lós. É o pr� longamento
da sua criação, a propaganda da sua obra , o
seu sangue a animar novos sêres. Nos seus
netos tornam a \Jer a primeir� infância dos
seus filhos. Tratando dos no\l o s pequeninos,
reencontram as primeiras aleg�ias da sua ma­
ternidade. Ao pé daqueles berços, recomeçam
a sua \lida maternal. '
Os filósofos e os poetas são unânimes em
assinalar as afinidades psicológicas que tão
\lislvelmente atraem uns para os outros, os
netos e os a\Jós.
É que há nisso uma lei natural, formulada
por Aimé Martin, numa das suas páginas mais
eloqüentes - (Filosofia Social. Educaçélo das
mélis de Famllia, ou a civilização da Huma­
nidade pelas mulheres, Charpentier, Paris.
1850).
Essa página, destinada a destruir um dos
inúmeros sofismas que deixou no Emílio o
desvairado João-jacques Rousseau, é como
segue :
•Há no livro de Rousseau uma contradição
que é útil esclarecer um tanto.
• Se, por um lado, êle entrega as mãis aos
filhos, trabalhando assim pelo restabeleci-

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PAPfL DA MÃI E DA AVÓ 199

mento dt família, por outro lado arranca os


filhos dos braços das mãis e entrega-os a um
go\lernadot que de\le substituir tudo. Dir-se-ia
que o seu }im é partir todos os laços da natu­
reza : porque a natureza dá à criança os irmãos,
as irmãs, os tios, um pai, um a\lô, sua\le pre\li­
dência que a rodeia, logo que nasce, das ale·
grias da sua idade e do bom-senso do tempo
passado ! c! A fa stareis \lós essa multidão pra­
zenteira que ternamente recebe a criança às
portas da \lida? c! Destrui'reis essa lei que tio
sollcitamente prepara afeições à sua infância e
conselhos e exemplos à sua ju\lentude ? Nilo
se pode tocar nas leis da natureza sem se
desorganizarem as previdências, sem se ani­
quilarem benefícios.
c Basta obsenarmos os resultados desta
teoria na perda de relações, aparentemente
pouco importantes, entre o \lélho e a criança.
A Providência reúne-os apenas por momentos
ao canto do lar doméstico. i Mas que profundas
impressões nesta entrevista tão bre\le ! É uma
\lida que se despre11de e uma \lida que se pre­
para. A infânci a brinca à roda da \lelhice para
lhe dar as suas últimas alegrias e para rece­
ber dela os seus primeiros ensinamentos. Doce
permuta em que a fraqueza das duas idades
produz a harmonia mais tocante I
• N otai como as duas extremidades da \lida

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200 o L!VR.O DA MÃI

se tocam, manifestando as mesmas teJidências,


e como estas favorecem o descanso dum e a
educação do outro !
t: H á um encanto que os aproxirrta. O v é lho

não dá conta de que se repete. A criança não


se cansa de repetir. Diverte-se esta com o que
sabe como o vélho com o que repete.
Exclama a criança :
t: - Conte-me a história de ontem !
t: E hoje, como já o era ontem, a sua aten­

çlo está activa. Como que coisas novas lhe


surgem naquela história, contada já cem vezes­
Assim, os próprios achaques do vélho entram
nas previdências da natureza. E o bando fol­
gazão dos netos é atraído assim pelo amor, e
retido pela curiosidade sob a mão do vélho
que os abençoa.,.
Tem Aimé Martin o estífo um tanto empo­
lado da época.
Mas, embora em estilo hoje desusado, ex­
prime ideas que são de todos os tempos. Tudo
que êle diz se aplica à m ãJ e à avó.
É positivo que nada no mundo pode subs­
tituir a organização natural d a educação fami­
Iial, como a delineou a sabedoria da Provi­
dência.
A mãi e a avó são elementos indispensá·
\leis daquela organização.
Eis porque se devem devotar não só a não

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PAPEL DA MÃI f DA AVÓ 201

fazer coisa que a prejudique, mas ainda a favo­


recerem-na com tôdas as suas forças, afas­
tando, com paciência previdente, tôdas as cau­
sas de conflitos familials.
A avó desempenha, nas famílias, um papel
m oderador. É ela a experiência e, por isso
mesmo, a indulgência.
Porque as mãis de família, a quem êste
livro foi destinado, de-pressa virão a compreen­
der que é principalmemte a virtude da indul­
gência o que nos inculca a experiência da vida.
Quanto mais vivemos, tanto mais notamos
a nossa própria fraqueza, e as razões que a
explicam e desculpam. E então somos menos
propensos a julgar, censurar e condenar.
Disse a senhora de Stael:
c Compreender tudo é perdoar tudo ,.
As mãis, e principalmente as avós, perdoam
tudo, porque compreendem tudo.

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C o n c l u são

A missão da mãi

Muito de propósito, insistimos em todo êste


�olume sobre o aspecto religioso do papel d a
mãi, isto é , sôbre a parte mais importante da
sua tarefa.
Além de que êste assunto será tratado mais
desenvolvidamente no Livro da Educadora,
porque a educação religiosa é a base funda­
mental de tôda a educação - cumpria-nos,
acima de tudo, salientar, aos olhos das mãis,
tôda a extensão da sua responsabilidade.
Ora nada faz deduzir melhor tal responsa­
bilidade do que os pormenores expostos nos
capítulos precedentes. Tôda a mii que os
tiver lido com atenção, meditando-os, notará
que recebeu, pela sua maternidade, uma missão
a que não p ode furtar-se, da qual não pode
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204 0 LIVR.O DA MÃI

encarregar ninguém, e que trará, para ela


e para os seus filhos, as conseqüências mais
graves, se a menosprezar.
Observa-se todos os dias que os filhos .s ão
como suas mãis os formaram.
As mãis racionalistas dão filhos ateus e
desorientados.
Vejam Victor Hugo, Edgar Quinet, Mi chelet.
As mãis cristãs dão filhos luminosos, vir­
tuosos, felizes. Santa Mónica dá Santo Agos­
tinh o ; Branca de Castela, S. Luís. Afluem
tanto os exemplos e são tão conheci dos dos
espíritos cultos, que é supérfluo expô-los.
Eis o que nos revela tôda a história da hu­
manidade e a Vida de todos os dias. Não a
pomposa história dos cronistas e poetas que
cantam os heróis nas canções das gestas ; não
a vida mundana como écos vaidosamente en­
galanados na imprensa periódica, mas a vida.
modesta, ignorada, útil, das famílias cristãs
em todos os tempos.
Os séculos pretéritos legaram-nos felizmente
a história da antiga famflla francesa nos Livros
de Razf1o.
Diz Henrique Bordeaux (A antiga família
francesa) :
c Ê stes livros de razão eram humildes li'Jros
de contas em que depressa se criou o hábito
de notar, ao l ado da administração do patri-

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CONCLUSÃO 205

mónio, os factos importantes da vida parti­


cular : casamentos, óbitos, nascimentos.
c Depois acrescentaram algumas reflexões.
bastantes para a expressão de tôda a sensibi­
lidade e concepção da existência . . . Possuímos
muitos dêsses livros de razão. O passado dos
nossos pais é evocado nêles, falando-nos com
a majestade dum testamento. É o evangelho
dos experientes. Ora êle anuncia a fé na vida
para quem se inspirar em seus pais e prometa
ser o seu digno contlnuadoP.
O que há de mais impressionante nesses
diários domésticos, reveladores da vida e
crenças dos nossos pais, é que abrem sempre
por piedosos preâmbulos. Nêles, Deus é invo­
cado como presidindo à vida particular e à
1Jida pública, 1Jigiando a família e os seus.
ha1Jeres.
Um jo1Jem que se casa, escre1Je esta nota :
cDeus queira que seja por muitos anos que
as bênçãos do céu desçam sobre nós-,.
O nascimento dos filhos é, com razão, con­
siderado um sinal �a bênção di1Jina. l Pois
multipl icar o número dos vi-vos não é colabo­
rar na obra de Deus ?
Foi preciso -vir esta época de decomposição
intelectual e m oral para que espíritos deso­
rientados ousassem proclamar, com a adesão
dos espíritos fracos, que mais vale não dar a

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206 0 LIVRO DA MÃI

vida a muitos filh os e que uma prudência


egoísta aconselhasse a reduzir-lhes crimino·
samente o número.
Pages, negociante de Amiens, sauda assim
o nascimento do seu nono filho :
c Continuando a bondade divina a derra·
mar as suas santas bênçãos sôbre o nosso
casamento, favorece-rios com o nascimento
dum filho. Peço do fundo da alma a Deus que,
pelo mérito de seu preciosíssimo Sangue, se
digne conceder ao pai, à mãi, e aos nossos
nove filhos, todos vivos, a graça de os servir­
mos tão fielmente na terra, que possamos
possuf·lo eternamente no céu, .
Porque é s ó para serviço e maior glória de
Deus, que os pais se alegram com o nasci­
mento de muitos filhos. Humildes artistas es­
crevem, ao nascer-lhes uma filha :
c Se ela tiver de ofender a Deus, que Deus_
faça a esmola de a levar dêste mundo antes
de ter a idade da razão�.
É a frase de Branca de Castela : A ut
sanefa, aut nulla, - c ou santa, ou morta h
Naquelas épocas de fé, artistas e rainhas
pensavam da mesma maneira. Era a igualdade
perante Deus, a única que é lógica e que há-de
existir sempre.
Há mãis fadadas para a dôr - dissemos n a
Introdução.

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CONCLUSAO

Hou\le-as sempre. Mas, hoje como outrora,


as que têm fé resignam-se.
Lêmos num livro de razão :
c Ana, nossa filha, deixou êste mundo para

viver nos céus. Deus nos conserve os filhos


que nos ficaram, para sua h onra e glóri a , .
Lêmos noutro :
c O bom Deus é o senhor, dá-nos os filhos
e tira-no-los, e só Ê le sabe p orquê,.
Era áspera a vida de muitas famílias, mas,
com o auxílio de i nfatigáveis trabalhos e ardo­
res, no que mais se fortificavam era na con­
fiança em Deus.
Luiz de Laurens, que tinha dez filhos e era
pobre, escreveu a sua espôsa :
cNão devemos ter esperanças nos h om ens,
e sim em Deus. Sendo cristã como tu és, não
te aflijas com coisa alguma. Confia tudo de
Deus, que é o pai universal e que nos há-de
enviar o que nos fôr necessári o » .
Henrique B ordeaux cita, a propósito, um
exemplo tlpico :
cjosé de Sudra, de Avinhão, casou-se novo
e foi pai de dez6ito filhos, desde 1662 a 1 688.
Hoje, os pais e as mãis lamentam-se quando
têm três ou quatro filhos. O diário doméstico
de José de Sudra é a história - ia eu a dizer
a epopeia - duma vida tôda de dedicação,
esforços, economia, privações, empregada na

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208 0 LIVRO DA MAl

educação de tão numerosa família. A-pesar­


-das más colheitas, não regateia nenhuma des­
pesa educativa. Porque um dos princípios da
vida familial daquele tempo era que o pai de\le
dar aos filhos uma educação forte e boa.
Na \lélha linguagem francesa, a expressão ali­
mentar um filho exprimia não só a amentação
como a sua educação moral.
"José de Sudra perde seu filho João José,
capitão ao serviço do rei, e que era o filho
em quem depositava mais esperanças. · E êle
escreve no seu livro de família a sua oração
fúnebre, acrescentando : - Eu com muito gôsto
me empobreceria por causa dêle ! u .
A h ! é que naquela época a h onra era sem­
pre mais considerada do que os h averes. Leiam
o que escreveu um fidalgo lavrador, e verão
que diferença dos usos e costumes dos mo­
dernos políticos.
Dizia êle :
"Devemos julgar como nossa maior felici­
dade que todos os nossos antepassados tenham
sido homens de bem. Mais vale uma boa repu­
tação do que mais dez mil - e até quinze mil
- libras de rendimento. Todos os dias me
consolo, ouvindo elogiar a virtude, a probi­
dade e a integridade de meu pai. Foi chorado
por muitas famílias, como se delas tivesse sido
o chefe. Todos os nossos antepassados tinham

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CONCLUSÃO 209

sido alvo da mesm � saUdade, porque seguiram


todos o caminho d a virtude. Eram muito cari­
tativos para com os pobres. Recomendo-vos a
prática da caridade. É um dever que D eus nos
impõe, dando-nos muitos bens, e pelo qual se
recebe a recompensa mesmo nêste mundo.
A tribuo às esmolas que sempre se deram na
minha casa as graças que Deus de m iseri­
córdia derrama sôbre ela, e os bens que o
S enhor nos proporciona.
Na verdade, nossos pais sabiam que todos
os bens vêm de Deus. Um agricultor de Lau­
rens escreveu n o seu livro de contas :
"Conta das ovelhas qu� Deus nos deu".
Outro, plantando uma vinha, pedia a Deus
que o deixasse viver para provar o seu vinho.
Outro recomen dava aos filhos que se não
assemelnassem aos a!'limais estúpidos que co­
mem os frutos das árvores sem erguerem os
olhos ao céu para verem as árvores donde
os frutos caem.
Hoje, pelo c ontrário, os senhores provisó­
rios dum grande pov o aconselham-lhe que se
assemelhe aos animais estúpidos, e que não
erga os olhos para as estrêlas, apagadas por
um magnífico gesto e que nunca mais serão
reacendidas, como se êstes jograis dum dia
fôssem capazes de apagar seja o que fôr,
como se o seu partido fôsse tôda a França, e
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210 o LIVRO DA Ml\1

como se a França (admitindo que ela l h es


pertença por completo), como se a França
fôsse o mundo f
Sim, é-o cada vez menos, devido a êles.
Só o catolicismo tem por domínio o mundo,
e é isso que constitue a sua fôrça Invencível.
Perseguido aqui, triunfa acolá. E, como a rota­
ção da h istória continua, a-pesar-dos reglm ens
que se julgam intangíveis, quando fô ...., perse·
guido acolá, triunfará aqui. São vãs tôdas as
tentativas contra êle, porque nunca prevale·
cerão f
Temos disso a promessa formal e por isso
uma fé ardente, viva, altiva.
O futuro pertence ao catolicismo. Para rea­
lizarmos êsse futuro, contamos pri n cipalmente
com as m ãis católicas, desde que elas se asse­
melhem àquelas mãis m odelares que viviam
nas épocas dos livros de razão.

Citemos, a propósito disto, segundo H enrique


Bordeaux, uma passagem da , Vida de Santa
Joana de Chanta/,, escrita no principi o d o
século xvn.
u S e regulou a sua família, o mesmo fêz à·

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CONCLUSÃ-O 21 1

sua pessoa, porque, vendo-se no campo e numa


casa de grande faina e despesa, não quis,
como tantas mundanas, procurar mais olro e
sêdas, e antes, como mulher forte, se vestia
de linho. E nunca mais ostentou vestuários
preciosos. À s festas, quando tinha de aparecer,
ia com os seus vestuários de donzela ou de
noiva. Fora disso, trazia apenas a sua estame­
nha, mas com tanta l impeza, graça e distinção,
que parecia cem vezes melhor do que muitas
senhoras que arrui'naram as suas casas para se
encherem de luxo " .

§ 2.0

julgo ter demonstrado tôda a grandeza d a


missão providencial d a s m ãi s e a grandeza in­
com ensurável do papel que são chamadas a
desempenhar não só junto dos seus filhos como
junto da sociedade e de tôda a famflla humana.
Pelo simples facto de terem nas m ãos os
destinos dos fi lhos, exercem uma acçio pre­
ponderante sôbre a sorte dêles e ainda sôbre
a das famílias que êles fundarem.
Ora as sociedades humanas são constitui­
das por um conjunto de famílias. Portanto,
segundo o valor das famillas, assim serão as
soci edades que aquelas constituem.

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212 0 LIVRO DA MXI

É exactamente por êste facto que a família


é a unidade primordial das sociedades huma­
nas, e que, porisso, os dem olidores encarni­
çados da ordem social têm feito e fazem ainda
todos os seus esfôrços para desagregarem a
família.
Contra a unidade e a perpetui'dade da fa­
mília são promulgadas tôdas as l eis nefastas�
produto da incoerência de espírito e de m ora­
lidade, e de\lidas às m odernas doutrinas m ate­
rialistas.
Tentam ligar ao casamento civil - simples
formalidade legal - mais importância d o que
ao casamento religioso, sacramento instituído
por Nosso Senhor j e sus-Crista para consa­
gração e santificação da união indissolúvel
do h omem e da mulh er.
Decretaram que o casamento c i\lil de\le·
preceder o religioso.
Legitimaram o dl\l órcio, cuj a p ossibilidade
basta para dar ao casamento uma fragil idade
que rouba aos esposos e à família tôda a se­
gurança.
·Chega-se até a proclamar h o j e a uniã()
li\lre, temporária, uma espécie de contrato de
aluguel da mulher feito pelo homem e rescin­
dí\lel à \lontade.
Vibraram ainda outros golpes à organiza­
ção di\lina e natural da família, limitando, por

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CONCLUSÃO 215

meio de medidas legislativas, a autori d ade


marital e a autoridade paternal. Foi assim que
suprimiram a liberd ade d e testar, para impedir
a transmissão integral ao primogénito d o d o­
m ínio famillal, conseguindo assim, no m esmo
g olpe, destruir as velhas tradições de família,
.a sua fôrça e as suas riquezas.
Fragmentaram as fortunas em proveito do
Estado e d os sonhos demagógicos.
Preten d em hoje que as crianças pertençam
ao Esta d o, e que o Esta d o - isto é, o grupo
que se apoderou provisoriamente . d o poder ­
tem o direito de dispor delas, ensinando-lhes
o que lhe agra d ar, destruindo-lhes a sua reli­
gião e moralidade, e fazendo, acima de tudo,
dessas crianças, eleitores republicanos !
Tudo que se vem fazendo há cento e vinte
anos, que é de quan d o data a vitória das fôr­
ças da desordem sôbre as da ordem, tem
apenas êste fim : aniquilar a coesão da famf­
lia, isto é, a principal fôrça de ordem, capaz
d e vencer, tarde ou ced o, tôdas as fôrças
a dversas e de restaurar a supremacia do bom
senso, da virtud e e da verd ade sôbre as lou­
curas, mentiras e amoralismo dos desequili­
brados que momentâneam ente governam.

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214 0 Llv�o DA MAl

"'

* *

Pois bem, às mãis cumpre restaurar a fa­


mília. Elas são menos acessíveis do que os
h omens à fraseologia ôca dos sofistas, e vêem
de perto as realidades da vida, porque têm
mais bom senso.
Sabem perfeitamente que tôdas as teoria s
soci ais, derivadas das modernas concepções,
valem apenas um palavriado de palco, sendo
com palavrões, nada objectivistas, que os char­
l atãls vulgares abusivamente exploram os es­
píritos fracos.
A política tornou-se o desaguadoiro de
todos os aventureiros, de todos os doidos e
desclassificados que, nos precedentes séculos
- com mais trabalh os, perigos e méritos - se
tornavam conquistadores ou condottieri.
Os actuais condottieri são simples farsistas,
despojados de escrúpulos, que têm todo o cui­
dado em não arriscar o corpinho, mas que
fazendo miríficas promessas aos pobres de
espírito, lhes caçam os votos, colhendo da
operação todos os benefícios.
As mulheres vêem, melhor do que os ho­
mens, ao que visam aquelas promessas. Adi­
vinh am que é um simples engôdo para fazer
morder no anzol, e, por isso, desconfiam.

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CONCLUSÃO 215

Contamos, portanto, com elas para orien­


tação dos maridos e dos filhos.
l Porque querem expungir Deus da alma
infantil ? Por ser o meio mais seguro de, em
seguida, poderem arrancar os filhos às mãis.
Sem religião e sem moral religiosa, embe­
bidos apenas na moral cfvica que proclama a
supremacia do Deus-Estado, em prejuízo da
autoridade paterna e materna, os filhos per­
suadir-se-ão fàcllmente de que devem tudo ao
Estado, e que a mãi é uma simples depositária
encarregada do seu sustento material.
Não, mãis, não ! Não foi o Estado quem
vos confiou êsse sagrado depósito ! Foi o pró­
prio Deus ! Não tendes só a responsabi lidade
do sustento ma teria I dos filhos ; tendes tam­
bém a responsabilidade da sua formação reli­
glosa, m oral, intelectual.
Quando o Estado se levanta, com a arro­
gância da sua fôrça temporária,- entre vós e
os vossos filhos, é uma espécie de caçador
de escravos a procurar remadores para as
suas galeras abandonadas. ê le não pode viver
senão dos votos que favorecem os seus repre­
sentantes e precisa de preparar e manlganciar
êsses votos, apoderando-se da alma dos vossos
filhos, futuros eleitores.
Eis a tentativa que devemos desarmar.
É preciso que os filhos continuem a per-

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216 o LiVRO DA MÃI

tencer a Deus e às suas mãis. É preciso que


tenham espíritos elevados, segundo as tradi­
ções da famflia, da pátria, da gloriosa �istória
da Fra n ça, e não com a vitóri a das fôrças da
anarquia.
*

* *

Tão nefasto plano creio que o haveis de


inutilizar.
Tenho essa certeza, porque o amor materno
é uma fôrça de ordem, uma fôrça natural, que
as nefandas leis humanas, dirigidas contra a
família, não podem destruir.
E não duvido perfilhar o seguinte de Aimé
Martin {Ob. cit., pág. Iv) :
c Chamai as mãis de família para moralizar
a família e o país. A sua verdadeira missão
é o desenvolvimento religioso da infância e da
juventude. O amor m aternal é o al icerce do
futuro de todo o gênero humano : não afasteis
êsse poder. Por mais débil que se vos afigure,
a sua acção é invencível : tem por destino
produzir a maior revolução que se tem visto
na terra.
« Ü exército de Jesus-Cristo, bem o sabeis,,
foi constituido, a princípio, por algumas mulhe­
res e por alguns pescadores humildes. Um dia,
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CONCLUSÃO 217

o filho de Maria chamou as criancinhas, e foi


com aqueles pescadores, com aquelas mulhe­
res e .c om aquelas crianças que Êle conquistou
o mundo ,.
*

* *

· Os católicos podem encarar confiadamente


o futuro, e isto por muitas razões que devemos
sali entar aos seus olhos.
Primeiro que tudo, êles possuem a . verdade
rellgiosa. Os seus espíritos não estão obscu­
recidos pelos sofismas, e vêem com clareza
que caminho devem seguir, como devem pro­
ceder, para serem felizes neste mundo e no
outro.
Mas a inda não é tudo ! As luzes da religião
são a té úteis aos seus conhecimentos cientí­
ficos ou profissionais. Por pouca que seja a
prática da vida, de-pressa se compreende que
os católicos, em tôdas as situações, afirmam
uma superioridade evidente.
�sses pressupostos obscurantistas ocupam
as cadeiras da ciência, da literatura, da erudi­
ção, formam a maioria das sociedades cientí­
ficas. Não há humilde logarejo onde se não
encontre (muitas vezes, é o cura) um natura­
lista ou um arqueólogo católico - ao passo

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218 o LIV�O DA MAl

que o professor oficial se limita a ser político


sem grande eQVergadura intelectual.
Os engenheiros, os médicos, os advogados
católicos são tão numerosos como os outros
e não são os menos talentosos.
Na literatura, os autores católicos ocupam
um lugar que não podem disputar-lhes os sectá­
rios, os pseudo-historiadores de Joana de A re
- e a té aqueles que são levados a o Panteom.
Nos negócios, na agricultura, na Indústria,
no comércio, nas finanças, há- mil emprêsas
florescentes, dirigidas por católicos que reve­
lam, nos êxitos, a sua superioridade.
Em segundo lugar, os católicos têm a supe­
rioridade moral.
Não podem as morais laicas dos Lévy Bruhl,
nem até a moral da solidariedade de Leão
Bourgeois, dar a o homem o pleno desenvolvi­
mento de tôdas as fôrças e belezas da sua
alma.
As virtudes cívicas são aeroplanos a que
falta o ar.
Só o sôpro religioso pode fazer vibrar as
íntimas fibras da alma humana e elevá-la para
a v irtude, ao mesmo tempo que a eleva para
Deus.
O que me faz agir não é o m anual escolar,
quando me afirma que os h omens são irmãos,
como Caim foi irmão de A bel. O que me faz
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CONCLUSÃO 219

agir é a profunda voz da minha consciência


(uma das estrêla s apagadas pelos Vfvianf) e
que diz : - Isto é bom ! Isto é mau !
O que me faz agir é essa moral divina da
solidariedade pregada por Jesus-Cristo dois
mil anos antes da aparição do l ivro de Bour­
geois :- c Não faças a outro o que não querias

que te fizessem".
Finalmente, o que me faz agir é a tradição
secular da humanidade, proclamando, desde
·
os tempos mais remotos, que temos um céu ;
que, acima de tôdas as vicissitudes humanas,
há eternos princípios que todos nós devemos
respeitar ; e que quem os não respeita é um
celerado. 1
Aí está a história para demonstrar que êsses �
celerados sem escrúpulos se convertem e m l
precitos precitos da humanidade, com cer­
-

teza - e talvez precitos de Deus !

* *

Os católicos têm também a superioridade


material. Fiz o cálculo. São êles que têm mais
dinheiro, que têm mais haveres.
É fácil de compreender. D eus abençoa a s
suas ernprêsas. Por outro lado, s ã o de-certo

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220 0 LIVRO DA MAl

os mais inteligentes, e os mais hábeis em ne­


gócios. Finalmente, as suas qualidades morais
livram-nos de desvarios, ou até mesmo de
despesas de luxo que prejudicam tantas for­
tunas.
Quási todos os católicos verdadeiramente
praticantes não freqUentam o teatro. É um im­
posto a menos para êles.
A maioria dêles não vai aos cafés, ou abs­
tem-se rigorosamente do álcool e do tabaco.
É uma economia e também uma receita a menos
para um govêrno que os persegue.
Geralmente, o católico gasta muito menos
nos seus prazeres do que o incrédulo e consa­
gra o dinheiro, assim economizado, ao culto, às
obras de propaganda e de beneficência.
A contece o mesmo com o operário cató lico.
Ê ste, muito clarividente, não se deixa misti­
ficar pelos engodos que excitam os operários
não católicos.
Funda um l ar, e nêle vive. FreqUenta pouco
ou nada a taberna, o baile campestre, o café­
-concêrto, e outros lugares de diversão, mais
degradantes ainda, onde folga o operário incré­
dulo.
Permite-lhe isso fazer economias, ter cedo
ou tarde uma casa sua, aumentar o seu be:n­
-estar, educar os seus filhos e prepará-los para
lutarem vitoriosamente pela "ida.

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CONCLUSÃO 221

* *

Há m ais solidariedade entre os católicos do


que entre os incrédulos. É evidente a razão.
A s olidariedade dos incrédulos é construfda
com os seus ódios.
Associam-se só por ódio de classe, para
lutarem contra o patrão, em vez de se enten­
derem com êle amigàvelmente.
Ou então associam-se em l ojas maçónicas
e grémlos de livres-pensadores por ódio ao
catolicismo.
Há nas estepes do Mar Cáspio rebanhos d e
cavalos selvagens. Muitas vezes são atacados
por alcateias de lobos. E então os cavalos for­
mam em círculo, pondo no Interior do círculo
os potros incapazes de se defenderem. Opõem
aos lobos os seus cascos fortes e despedaçam,
com golpes vigorosos, as mandíbulas dos lobos.
Católicos : se os lobos ataca!ll os vossos
filhos, fazei o mesmo e part(-lhes as queixadas !

* •

Emfim, e a-pesar-das facciosas afirmações


dos seus ad\lersários, os católicos são os mais
numerosos e os mais fortes. O seu defeito é
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222 o LIVR.O DA. MÃI

unicamente não se saberem servir do seu


número e da sua fôrça . Mas êles a p renderão a
fazê-lo, como o esperamos, p r incip alme nte se .
intervierem as m ãis de famrtia.
Abro um parêntesis.
Comparando a natal idade da França e da
Alemanha, houve razão para se afirmar que,
um dia, os dez filhos pobres do A lemão htlo-de
vir saquear o rico filho único do Francês.
A frase é aplicá"el adentro n o ssas fronteiras.
O incrédulo, po r causa da s ua d escrença ,
tem poucos filhos ou não tem nenhuns.
Pelo contrário, os católicos têm muitos filhos.
Isto não é uma f a n ta s i a . A população
aumenta nos países crentes e diminue, pelo
contrário, nos meios incrédulos ou I ndiferentes.
Pois é essa uma segurança de próxima
vitória ( t ) .

( 1 ) Um facto de ontem. O pafs basco é um dos que


mais têm conservado as suas tradições religiosas é os
seus costumes sadios. Por isso, lá a natalidade é grande.
Na região de Mauléon, hou\le 1 .59 1 n a s ci me nt o s
contra 1 .067 óbitos, ou seja um excedente de 524 nasci­
mentos.
Pelo contrário, em Pau, região mais ecessl?el à
corrupção moderna, os n a s ci men tos silo i nferiores em
347 aos óbitos.
Glória aos valentes povos bascos que se não dei­
xam contaminar pelo VIcio ambiente !

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CONCLUSÃO

Continuem os católicos a seguir as sadi as


tradições religiosas, morais e familiais, e nlo
consintam, principalmente, que façam dos seus
filhos eleitores incrédulos. Façam dêles, sim,
católicos convictos. Acabamos de enumerar
tôdas as vantagens inerentes à conser\lação
da sua fé.
Nestas condições, dêmos tempo ao tempo �
Basta lembrar o seguinte final dum cant<l
.católi co, que ouvi com alegria :

Nós seremos os mais fortes,


Tarde ou cedo !
Muitos filhos, bom católico,
Para expulsarmos sem m�do
O filho único • . .
Diabólico • . .

Mãis, todos c ontam convosco !

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r N D I C E

PAG.
Introdução . . . v
Ca p 1 - Preparação para a Maternidade .
. 21
Cap. 11 - Como é que a Mãi deve amar os seus
filhos .
. 41
Cap. J1I - Obrigações materiais da Mãi . 65
Cap. IV - Obrigações intelectuais das Mãis. 87
Cap. V - Obrigações morais das Mãis. . 1 05
C a p . V I - Disci pl ina moral da M ã i e do Filho 119
Cap. VII - Formação intelectual e moral da
criança . 1 59
Ca p . VIII - A melhor forma do amor matern o :
a vigilância . 155
Cap. IX --'- A Mãi, amiga e confidente dos seus
filhos • • 1 71
Cap. X - Papel da Mãi e da Avó junto dos seus
filhos e netos . 1 87
Conclusão - A missão da Mãi • 205

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