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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 26°

VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO


RIO DE JANEIRO

Processo n° 0030281-62.2022.8.19.0001

RAFAEL MELO LACERDA CANUTO, já qualificado nos autos


do processo em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa
Excelência, por intermédio de seu advogado que esta subscreve, apresentar

ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS

Com fulcro no artigo 404, parágrafo único, do Código de Processo


Penal, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.

I – DOS FATOS
Narra a peça de introito acusatória que, no dia 09 de fevereiro de
2022, por volta de 20h50min, na Rodovia Presidente Dutra, altura do KM
166, Pavuna, nesta Comarca, os denunciados, agindo de forma livre e
consciente, previamente ajustados entre si e em união de ações e desígnios
criminosos, de forma compartilhada, adquiriram, transportavam e conduziam,
em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, o veículo
Hyundai, modelo Creta, cor branca, ostentando a placa GHA 0F12, que
sabiam ser produto dos crimes de roubo e de adulteração de sinal identificador
de veículo automotor, fato apurado no R.O. 072-01047/2022.
Na ocasião, agentes da Polícia Rodoviária Federal estavam em
patrulhamento no local dos fatos, quando tiveram a atenção voltada para um
veículo Hyundai, modelo Creta, cor branca, que ostentava a placa GHA 0F12,
sendo dada ordem de parada.
Naquele momento, desembarcaram do veículo os denunciados,
sendo o denunciado Reginaldo o condutor, enquanto o denunciado Rafael
estava no banco do carona.
Indagados, os denunciados inicialmente contaram aos policiais que
não eram proprietários do veículo e que apenas estavam transportando o carro
para Barra do Piraí.
Posteriormente, foi apresentada outra versão aos policiais, sendo
esclarecido que o denunciado Rafael havia acabado de adquirir o veículo em
um MarketPlace, através de um anúncio de internet, pelo valor de R$
20.000,00 (vinte mil reais), e que teria buscado o automóvel em Niterói,
cabendo ao denunciado Reginaldo auxiliá-lo na compra e no transporte do
carro.
Além disso, o denunciado Rafael informou aos agentes que
trabalhava com a compra e venda de automóveis e que costumava fazer
negócios desta natureza.
Ainda durante a fiscalização, os policiais constataram a placa GHA
0F12, ostentada pelo carro, havia sido trocada, uma vez que não correspondia
ao número do motor, sendo verificado que a placa original do veículo RKS
0F99 apresentava registro de roubo, fato apurado no R.O. 072-01047/2022,
ocorrido em 02/02/2022.
Juntado ao feito os autos do Inquérito Policial, iniciado em
decorrência do Auto de Prisão de Flagrante, lavrado em 10/02/2022.
Realizada Audiência de Custódia no dia 11/02/2022, o juiz de
custódia concedeu a liberdade provisória ao denunciado, expedindo o
respectivo Alvará de Soltura.
Ato contínuo, o Ministério Público apresentou Denúncia em
desfavor dos denunciados, imputando-lhes o delito tipificado no artigo 180,
parágrafo 1°, do Código Penal.
A referida denúncia foi recebido por este d. Juízo, às fls. 184/186, no
dia 17/03/2022 e determinada a citação dos Acusados.
Devidamente citado, o Acusado apresentou Resposta Escrita à
Acusação às fls. 193/194, pugnando pela Absolvição Sumária do
Denunciado, ante a ausência de JUSTA CAUSA no caso em tela.
A preliminar arguida pela Defesa Técnica foi rechaçada por este
Juízo às fls. 285/286, designando, ainda, audiência de instrução e julgamento,
com o fito de ouvir os denunciados e as testemunhas arroladas.
Realizada a oitiva das testemunhas, o interrogatório dos Acusados
na Audiência de Instrução e Julgamento realizada no dia 04/04/2023.
As partes dispensaram a necessidade de diligências decorrentes da
fase instrutória.
O Ministério Público ofereceu alegações finais orais pugnando pela
procedência da pretensão punitiva estatal para condenar os acusados nos
termos da denúncia.
São os fatos em sua brevidade necessária.
II – DO DIREITO
Trata-se de Ação Penal na qual o Ministério Público pugna pela
acusação do Acusado pela prática do delito tipificado no parágrafo único do
artigo 180 do Código Penal, qual seja:
“Receptação
Art. 180 – (...)
§ 1° Adquirir, receber, transportar, conduzir,
ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,
remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer
forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no
exercício de atividade comercial ou industrial, coisa
que deve saber ser produto de crime:
Pena – reclusão de três a oito anos e multa.”
Em que pese o labor despendido pelo ilustre representante
ministerial, da análise detida dos autos verifica-se que suas alegações não
merecem prosperar, conforme será demonstrado.
Ademais, não havendo preliminares a serem arguidas, passa-se
diretamente à discussão do meritum causae.

II.1 – DA ATIPICIDADE SUBJETIVA


Findada a instrução criminal, detido à análise das provas produzidas
na mesma sob a ótica da pretensão acusatória, não resta outra alternativa à
este juízo senão a absolvição do denunciado, diante da ausência de provas
suficientes que confirme o elemento subjetivo do dolo do acusado de receptar
produto de crime, bem como de utilizá-lo em qualquer atividade profissional.
Urge ressaltar inicialmente que, a presente não visa desacreditar os
depoimentos dos Policiais Rodoviários Federais ouvidos em audiência de
instrução de julgamento.
Entretanto, cabe destacar que, a pertinência testemunhal de suas
versões se limita ao momento da abordagem em diante, sendo depoimentos
inócuos para atestar como os acusados adquiriram o carro ou mesmo para
indicar elementos fáticos que atestem para o conhecimento da proveniência
do bem e utilização em atividade profissional.
O Policial Rodoviário Federal Miguel apresentou duas versões
distintas para o mesmo fato, ato que não passou desapercebido sequer pela
douta magistrada que presidia a Audiência.
Na ocasião, o Policial, não conseguiu esclarecer o motivo do carro
ter sido parado, uma vez que este, no mesmo depoimento, afirmou que, em
primeiro momento, o carro teria sido abordado em virtude de um
procedimento de rotina e em outro momento afirmou que o motivo da
abordagem fora denúncias anônimas realizadas, também não esclarecendo em
juízo qual setor recebeu e repassou a denúncia.
O Policial ainda reconheceu o réu Rafael como condutor do veículo,
sendo certo que na denúncia consta que este encontrava-se no banco do
carona.
Já o Policial Lucas, que estava participando da abordagem apenas
para prestar apoio, não tendo abordado, revistado ou entrevistado os
Acusados, sendo bem mais sucinto ao afirmar que se lembrava vagamente
dos fatos e que não se recorda de ninguém, restringindo-se a comentar tão
somente quanto à sua rotina de patrulhamento, senão vejamos:
“(...)
Defesa: Por quê esse veículo foi parado?
PRF Lucas: Olha, não posso dizer com precisão, mas
sempre paramos veículos aleatórios. E esses veículos
SUV são muito utilizados em roubo em Rodovias, por
serem carros esporte e terem espaço, normalmente
para entrarem em comunidade, etc. A gente costuma
ter atenção sempre pra eles, mas nesse caso
específico eu não consigo dizer.”
Sendo assim, resta claro que, no caso em tela, não houve fundada
suspeita de possível delito para que fosse efetuada a abordagem aos
Denunciados, convindo ressaltar que a busca veicular é equiparada à busca
pessoal.
Desta feita, para que haja o referido procedimento, não basta o
“tirocínio policial”, conforme mencionado pelo PRF Lucas, ou seja,
impressões subjetivas, não preenchendo dessa forma, standart probatório de
fundada suspeita, exigido pelo artigo 244 do Código de Processo Penal.
Quanto ao elemento subjetivo, necessário se faz consignar que o
bojo legal do Artigo 180 do Código Penal é nítido em afirmar que se mostra
indispensável que o agente, no momento do fato delituoso, saiba que a res é
produto de crime, o que, de certo, não é verificado na presente hipótese.
Em virtude do princípio insculpido no artigo 5°, inciso LVII da
Constituição Federal, o ônus de provar todos os elementos do tipo penal,
inclusive os subjetivos, pertence ao órgão acusatório. Operar mais uma
chancela, de inverter o ônus da prova da parte que constrói a acusação para
aquela que se defende dela, é novamente balizar o processo criminal por
qualidade aquém da mínima, distorcendo os corolários que lhe dão forma e
legitimidade em primeiro lugar em nome do trabalho mecânico dos servidores
da Justiça e da retribuição irracional. Nesse sentido:
“APELAÇÃO, ARTIGO 157, §§ 1° E 2°, INCISO II,
DO CÓDIGO PENAL, A prova coligida aos autos
não se mostra apta a comprovar as elementares do
crime de roubo: subtração de coisa alheia móvel e
grave ameaça ou violência à pessoa, não tendo sido
logrado bom êxito em demonstrar o dolo específico
dos apelantes de – repise-se – subtrair, para si ou
para outrem, coisa móvel alheia, mediante grave
ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la,
por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência, o que autoriza a absolvição em estrita
observância aos princípios do in dubio pro reo e da
presunção de inocência. Provimento do recurso.
(TJ/RJ. ApCrim 0000187-90.2018.8.19.0060. Rel.
Des. Denise Vaccari Machado Paes j. 06.12.2018)”
Cabe ressaltar ainda que, no caso em tela, a origem ilícita do veículo
foi verificada pela adulteração da placa do veículo. Sendo assim, não é nada
razoável esperar que o Acusado soubesse da origem do bem por meios
inacessíveis, consultando, tão somente, se constava notificação de roubo ou
de furto do referido veículo.
É cediço que, conforme conceituação de crime por parte da melhor
doutrina, este é trifásico, mostrando-se necessário para a sua configuração
estarem presentes a tipicidade e a ilicitude do fato, além da culpabilidade por
parte do agente.
No caso em tela, verifica-se que o fato é ATÍPICO, por falta do
elemento subjetivo do tipo penal, inexistindo provas significativas que
atestem seriamente para o conhecimento da origem ilícita do bem.
Diante de todo o exposto, não resta alternativa senão a
ABSOLVIÇÃO do acusado da imputação formulada pelo Ministério Público,
seja pela atipicidade do fato em razão do erro de tipo invencível, seja por
insuficiência probatória quanto ao dolo, com fulcro no artigo 386, III, V ou
VII, do Código de Processo Penal.

II.2 – DA DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA A


MODALIDADE CULPOSA
Narra o Ministério Público que os Acusados tinham plena ciência da
origem ilícita do automóvel, sendo, portanto, devida a prolação do decreto
condenatório pela prática do crime de receptação, nos termos do artigo 180,
parágrafo 1°, do Código Penal.
No entanto, o alegado pelo ilustre membro do parquet, com a
máxima vênia, não merece prosperar, porquanto se origina em interpretação
equivocada dos fatos e das provas colhidas no feito.
Na hipótese de não ser acolhido o pleito absolutório formulado, oq
eu somente se admite ad argumentandum tantum, pugna a defesa pela
desclassificação do delito de receptação dolosa para a receptação culposa,
conforme o § 3° do Artigo 180 do Código Penal.
No caso em tela, não havia indicações expressas da origem ilícita do
veículo, tampouco elementos idôneos que assertivamente apontassem a
presunção de conhecimento da referida procedência por parte do Acusado.
Pelo exposto acima, a discussão sobre o dolo do agente no momento
da prática da conduta merece espaço neste momento processual.
Da leitura da primeira parte do parágrafo primeiro do artigo 180 do
Código Penal, pratica receptação aquele que adquire, recebe, transporta,
conduz ou oculta, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto
de crime.
A lição de Cezar Roberto Bittencourt é clara acerca da presença do
vernáculo “sabe” no artigo supracitado:
“(...) a elementar “sabe’ que é produto de crime”
significa ter consciência da origem ilícita do que está
comprando, isto é, ter consciência da ilicitude da
conduta (elemento da culpabilidade normativa), e a
elementar “deve saber, por sua vez, significa a
possibilidade de ter essa consciência de ilicitude.”
Verifica-se, portanto, que para ser caracterizado o crime de
receptação o agente deve praticar o ato tendo plena e clara consciência de que
o bem que adquire tem origem ilícita.
Assevere-se que o posicionamento de Cezar Roberto Bittencourt não
é isolado na doutrina.
Rogério Sanches Cunha assim se manifesta sobre o tema:
“O caput é punido a título de dolo, devendo o agente
ter certeza acerca da origem criminosa da coisa
(dolo direto). A dúvida, dependendo das
circunstâncias, poderá configurar a receptação
culposa, prevista no § 3°.”
Júlio Fabbrini Mirabete, por sua vez, entende que:
“O dolo do crime de receptação própria é a vontade
de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar
a coisa produto de crime. Não basta, pois a dúvida
quanto à origem da coisa, própria do dolo eventual,
o que caracteriza, nos termos legais, a receptação
culposa. A ciência após a aquisição ou recebimento
da coisa não caracteriza o crime; o dolo deve ser
contemporâneo à conduta.”
Por fim, é a lição esclarecedora de Cleber Masson:
“A receptação própria exige o dolo direto. Não há
espaço para o dolo eventual, pois, como consta do
art. 180, caput, 1° parte, do Código Penal, o agente
realiza a conduta no tocante à coisa que sabe ser
produto de crime. Logo, é imprescindível a certeza do
agente em relação à origem criminosa do bem.
Consequentemente, se o sujeito limita-se a desconfiar
da origem criminosa da coisa, sem ter certeza sobre
tal circunstância, e mesmo na dúvida a adquire,
recebe, transporta, conduz ou oculta, a ele deverá ser
imputado o delito de receptação culposa (CP, art.
180, § 3°), pois a receptação própria é incompatível
com o dolo eventual.
(...) Mas a receptação culposa, em que pese tratar-se,
como seu próprio nome revela, de um crime culposo,
está contida em um tipo penal fechado. O legislador,
no art. 180, § 3°, do Código Penal, aponta
expressamente as formas pelas quais a culpa pode se
manifestar, pois especifica as circunstâncias
indicativas da previsibilidade a respeito da origem da
coisa: (a) Natureza ou desproporção entre o valor e
o preço da coisa adquirida ou recebida pelo agente;
(b) Condição de quem a oferece; e (c) No caso de
tratar de coisa que deve presumir-se obtida por meio
criminoso.
(...) Por último, insta recordar que, em decorrência
de a receptação dolosa própria (CP, art. 180, caput,
1° parte) admitir como elemento subjetivo somente o
dolo direto, amolda-se na receptação culposa o ato
de adquirir ou receber, fora de atividade comercial
ou industrial, coisa que o agente deve saber tratar-se
de produto de crime.
Essa assertiva justifica por um motivo muito simples:
se o caput pune apenas quem tem dolo direto, isto é,
quem ‘sabe’ a origem criminosa do bem, a conduta
movida pelo dolo eventual recebe o mesmo
tratamento jurídico-penal dispensado à culpa. Assim
já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, em
clássica decisão acerca do assunto: ‘Ausente o juízo
de certeza quanto a ser a coisa produto de crime, e
substituído pela presunção, ou dúvida quanto à sua
origem, descaracteriza-se a receptação de dolosa
para culposa (...)”
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça caminha no mesmo sentido
que a doutrina, uma vez que “para a configuração do delito de receptação,
exige-se apenas que o objeto material do delito seja produto de crime e que
isso seja de ciência do agente” (RHC 37548/ES, Rel. Ministra Laurita Vaz,
julgado em 03/04/2014).
Note Excelência que, em nenhum momento da instrução processual
ficou claro que o Acusado tinha conhecimento inequívoco de que o bem tinha
origem ilícita.
Em que pese o veículo ter sido adquirido pela quantia de R$
20.000,00 (vinte mil reais), não havia como o Acusado desconfiar da origem
ilícita do automóvel, tendo em vista que este consultara e não constava
nenhuma ocorrência registrada em relação ao automóvel.
Conforme transcrito anteriormente, o Acusado não tinha a certeza
que o veículo tinha origem ilícita.
Das lições doutrinárias ora colacionadas, verifica-se que a mera
suspeita não configura justo motivo para a prolação do decreto condenatório
nos termos do artigo 180, parágrafo primeiro do Código Penal.
Sendo este o caso dos autos, é admissível a desclassificação do delito
para sua modalidade culposa, nos termos do artigo 180, § 3°, do Código
Penal:
“§ 3° - Adquirir ou receber coisa que, por sua
natureza ou pela desproporção entre o valor e o
preço, ou pela condição de quem a oferece, deve
presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou
ambas as penas.”
No caso em tela, a Acusação não cumpriu a contento o seu ônus de
provar que o Acusado agiu com a intenção específica de adquirir coisa que
sabia ter origem ilícita, apenas demonstrou que o Réu deixou de agir com a
cautela e o dever de cuidado necessário no momento da aquisição do veículo.
Isto posto, é devida a desclassificação do crime, para que seja
imputado ao Acusado o delito tipificado no artigo 180, § 3°, do Código Penal.

II.2.A – DA POSSIBILIDADE DE PERDÃO JUDICIAL – Art. 180, § 5°,


do Código Penal.
Da leitura do artigo 180, § 5°, do Código Penal, tem-se que:
“§ 5° - Na hipótese do § 3°, se o criminoso é
primário, pode o juiz, tendo em consideração as
circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na
receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2° do art.
155.”
Note Excelência, que o beneplácito do perdão judicial é aplicável ao
caso em debate, porquanto o Acusado preenche todos os requisitos
necessários para tanto.
Acerca da primariedade, verifica-se que o Acusado é tecnicamente
primário, porquanto o delito não foi cometido após trânsito em julgado de
sentença penal condenatória, nos termos do artigo 63 do Código Penal.
Acerca das circunstâncias, por sua vez, verifica-se que o Acusado
adquiriu o automóvel em um MarketPlace, sendo, também, ludibriado pela
adulteração da placa do veículo – ato praticado por terceiro, diga-se de
passagem.
É, portanto, crível supor que caso o veículo apresentasse a placa
original, o Acusado teria razoável motivo para não proceder a transação,
porquanto realizou a consulta antes do momento da aquisição do bem.
Isto posto, é devida a concessão do perdão judicial, extinguindo-se a
punibilidade, ao caso em tela, nos termos do artigo 180, § 5°, do Código
Penal.
No entanto, caso Vossa Excelência entenda pela impossibilidade da
concessão do perdão judicial – o que se admite apenas por amor ao debate -,
e superada a análise do mérito da demanda, passa-se à dosimetria da pena.

II.3 – DA DOSIMETRIA DA PENA – Art. 39 do Código Penal.


No caso de Vossa Excelência entender pela impossibilidade de
extinção da punibilidade pelo perdão judicial, o que não se espera, passa-se a
tecer considerações acerca da dosimetria da pena.
Acerca da primeira fase da dosimetria da pena, devem ser valoradas
as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, caput, do Código Penal,
objetivando-se o exame: (i) da culpabilidade; (ii) dos antecedentes; (iii) da
conduta social; (iv) da personalidade do agente; (v) dos motivos; (vi) das
circunstâncias; (vii) das consequências do crime e, por fim, (viii) do
comportamento da vítima.
Da análise dos elementos carreados nos autos, não há um único
elemento desabonador para a fixação da pena do Acusado. Ao contrário,
verifica-se que o Acusado colaborou com a instrução processual,
apresentando justificativas e os esclarecimentos necessários ao regular
prosseguimento do feito.
Isto posto, é devida a fixação da pena-base em seu patamar mínimo
legal, nos termos do artigo 59, caput, do Código Penal.
Não há atenuantes a serem consideradas no caso em tela, tampouco
circunstâncias agravantes, nos termos do artigo 65, I, do Código Penal.
No caso em tela também não há causas de aumento e diminuição de
pena, consideradas para a dosimetria da pena em sua terceira fase, porquanto
inexistentes.

II.4 – DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA – Regime


aberto – art. 33, § 2°, c, do Código Penal.
Acerca do contido no presente tópico, não são necessárias digressões
mais enfáticas, porquanto o artigo 33, § 2°, c, do Código Penal autoriza que
o regime de cumprimento da pena seja o aberto:
“Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em
regime fechado, semi-aberto, ou aberto. A de
detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo
necessidade de transferência a regime fechado.
§ 2° - As penas privativas de liberdade deverão ser
executadas em forma progressiva, segundo o mérito
do condenado, observados os seguintes critérios e
ressalvadas as hipóteses de transferência a regime
mais rigoroso:
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual
ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início,
cumpri-la em regime aberto.”
Isto posto, havendo condenação, é devida a fixação do regime aberto
para o cumprimento da pena, nos termos doa artigo 33, § 2°, c, do Código
Penal.

II.5 – DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE


PELA RESTRITIVA DE DIREITOS
Dos fatos narrados, verifica-se que o Acusado faz jus ao benefício
da substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos,
conforme autoriza o artigo 44, I, do Código Penal:
“Art. 44. As penas restritivas de direitos são
autônomas e substituem privativas de liberdade,
quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior
a quatro anos e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que
seja a pena aplicada, se o crime for culposo;”
Conforme já amplamente debatido no item II.2 desta peça defensiva,
é de se destacar que o Acusado praticou crime culposo, na forma do artigo
180, § 3°, do Código Penal, fazendo jus, portanto, à substituição da pena.
Ainda que Vossa Excelência entenda que o Acusado praticou crime
doloso, na forma do artigo 180, caput, do Código Penal – o que não se espera
-, observa-se que o Réu, ainda assim, é merecedor do benefício, porquanto o
delito não se operou mediante violência ou grave ameaça, restando
sobejamente demonstrado que a aquisição do bem foi pacífica.
Isto posto, é devida a substituição da pena privativa de liberdade pela
pena restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, I, do Código Penal.

II.6 – DA FIXAÇÃO DA PENA DE MULTA


Das circunstâncias relatas na presente Ação Penal, verifica-se que o
crime ocorreu sem violência ou grave ameaça à pessoa, e que o Acusado trata-
se de pessoa com baixa renda, sem registro formal de trabalho.
Diante disso, a pena de multa deve ser fixada no patamar mínimo
legal, nos termos do artigo 49 do Código Penal:
“Art. 49 – A pena de multa consiste no pagamento ao
fundo penitenciário da quantia fixada na sentença
calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10
(dez) e, no máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-
multa.
§ 1° - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não
podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário
mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem
superior a 5 (cinco) vezes esse salário.”
Isto posto, diante das circunstâncias em tela, a pena de multa deve
ser fixada em seu patamar mínimo legal, qual seja de 10 (dez) dias-multa,
sendo o valor do dia-multa igual a um trigésimo do salário mínimo vigente,
nos termos do artigo 49, § 1°, do Código Penal.

II.7 DA POSSIBILIDADE DE RECORRER EM LIBERDADE


Com fundamento no princípio da presunção de inocência, previsto
na Constituição Federal em seu artigo 5°, LVII, requer seja possibilitado ao
Acusado que recorra em liberdade, até o trânsito em julgado, porquanto as
circunstâncias do fato e suas condições pessoais lhes são favoráveis –
notadamente pelo fato de ser tecnicamente primário e não restar comprovado
nos autos qualquer elemento desabonador de sua conduta e/ou personalidade.
III – DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS
Diante de todo o exposto, requer a defesa seja julgada improcedente
a pretensão punitiva, ABSOLVENDO-SE o acusado da imputação
formulada, diante da atipicidade subjetiva da sua conduta pela incontornável
insuficiência probatória para afirmar seu conhecimento da procedência ilícita
do veículo, bem como de uma possível utilização em atividade profissional,
com fulcro no artigo 386, III, V ou VII, do Código de Processo Penal.
Caso não seja esse o entendimento do juízo requer seja a Ação Penal
julgada improcedente para fins de decretar a absolvição do Acusado, sendo-
lhe concedido o beneplácito do perdão judicial, vez que autorizado pelo artigo
180, § 5°, do Código Penal, extinguindo a punibilidade do Acusado.
Subsidiariamente, requer a desclassificação do crime, para que seja
imputado ao Acusado o delito tipificado no artigo 180, § 3°, do Código Penal,
com o consequente declínio de competência para Juizado Especial Criminal
desta Comarca, considerando o patamar máximo da pena cominada na nova
capitulação dos fatos.
Havendo condenação, requer que a pena-base fixada no patamar
mínimo legal, nos termos do artigo 59, caput, do Código Penal, a fixação do
regime aberto para o cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, § 2°, c,
do Código Penal, requerendo, ainda a substituição da pena privativa de
liberdade pela pena restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, I, do Código
Penal.
Requer seja a pena de multa aplicada em seu mínimo legal, nos
termos do artigo 49, § 1 °, do Código Penal.
Requer ainda que, caso Vossa Excelência entenda pela condenação,
seja possibilitado ao Acusado o direito de recorrer em liberdade, nos termos
do artigo 283, do Código de Processo Penal.

Nestes termos,
Pede deferimento.
Valença – RJ, 30 de junho de 2023.

Carlos Alberto Sampaio Brites Pinheiro


OAB/RJ 204.942

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