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"De guerra em guerra", de Edgar Morin

Publicado nas livrarias em 06/01/2023


08/01/23 - Paris, França - Alain Refalo

Edgar Morin, que não precisa de apresentação, 101 anos, publica


nestes dias um livro marcante sobre a guerra, mais precisamente sobre
as guerras, aquela que ele viveu e a de hoje. Resistente, tendo
combatido de armas na mão o nazismo, ninguém suspeitará, portanto,
que o famoso sociólogo e filósofo seja um "pacifista", apelido
depreciativo repetido incansavelmente para desacreditar qualquer
pessoa que se levante contra os horrores da guerra ou simplesmente
contra qualquer guerra. E no entanto, este livro, escrito em um estilo
incisivo, repleto de referências históricas precisas, é um verdadeiro
relatório contra a guerra, as do passado como as do presente, e
sobretudo contra aquela, mundial, que arrisca sobrepor.

Seu relato começa lembrando o bombardeio pela armada alemã da


cidade de Roterdã ao qual responderam, em nome da luta contra a
ordem nazista, os bombardeios de várias cidades alemãs, causando
centenas de milhares de mortos. Ele especifica que "durante o
desembarque aliado na Normandia, sessenta por cento das mortes
civis normandas foram devidas aos bombardeios libertadores. É muito
mais tarde, especifica ele, - desde a invasão da Ucrânia - que subiu em
mim a consciência da barbárie dos bombardeios realizados em nome
da civilização contra a barbárie nazista". Para minha parte, é a primeira
vez que ouço um pensador francês denunciar a "barbárie" dos
bombardeios dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Edgar
Morin considera que se trata bem aí de "crimes de guerra sistêmicos".
O que o leva a concluir que "por mais justa que tenha sido a
Resistência ao nazismo, a guerra do Bem comportou o Mal nela."

Remontando no tempo, Morin evoca a "histeria de guerra" ocorrida


durante a Primeira Guerra Mundial, constituída pelo "ódio ao inimigo e
sua total criminalização". Ele observa que "a mentira de guerra é um
dos aspectos mais odiosos da propaganda de guerra". Passando em
revista algumas dessas mentiras da História, na URSS e na China, Morin
não pode deixar de constatar que "toda guerra, inclusive a atual,
favorece mentiras de guerra mais ou menos enormes".
Sua indignação se quer mais insistente quando denuncia a
criminalização de todo um povo que se encontra em período de
guerra. Ele precisa que sempre redigiu panfletos clandestinos
antinazistas, jamais antialemães ou antiboches. Essa criminalização é
um fato marcante e contínuo da história das nações em guerra. Ela
arrasta os piores crimes contra os civis cometidos por soldados, com
toda legitimidade e toda impunidade. Morin é categórico: "Toda
guerra, por sua natureza, pela histeria que mantêm governantes e
mídias, pela propaganda unilateral e frequentemente mentirosa,
comporta nela uma criminalidade que transborda a ação estritamente
militar". É o que os "pacifistas" sempre disseram...

Morin não fica atrás com a guerra atual. Se condena as manipulações,


as mentiras e os crimes de guerra cometidos pelos russos na Ucrânia,
ele observa que na Ucrânia, "a proibição da literatura russa, Pushkin,
Tolstoi, Dostoiévski, Tchékhov, Soljenítsin incluídos, é um sinal muito
alarmante de um ódio de guerra não somente contra um povo, mas
igualmente contra sua cultura". Nossa solidariedade com a Ucrânia não
deve nos cegar, a ponto de ocultar as mentiras e manipulações
também em funcionamento neste país agredido.

Edgar Morin prossegue seu olhar sobre as guerras passadas e


presentes sublinhando sua experiência das "radicalizações que
desencadearam o pior das atrocidades de guerra e se encerraram pelas
saídas mais trágicas". Seja na ex-Iugoslávia ou na Palestina, ele mostra
que a radicalização é indissociável da criminalização que só pode gerar
horrores incomensuráveis. Muito particularmente, ele evoca a guerra
da Argélia, precisando o papel histórico da França no
desencadeamento dos acontecimentos e seus desenvolvimentos
homicidas até hoje. Na Ucrânia, segundo Morin, os mesmos processos
estão em funcionamento fazendo temer "uma nova guerra mundial".

Em sua análise da história recente da Ucrânia, Morin é bem obrigado a


constatar as partes de sombra que existem nas escolhas efetuadas
pelos dirigentes ucranianos, frequentemente sob a influência crescente
dos Estados Unidos. Assim, como não se chocar com a decisão da
municipalidade de Kiev, depois da revolução de 2014, de rebatizar a
avenida "de Moscou" para chamá-la avenida "Bandera", do nome do
nacionalista ucraniano que aprovou o extermínio dos judeus de Kiev
em 1941. Ainda hoje, Edgar Morin observa que existe "uma
complacência com o banderismo, e sobretudo uma histeria
hipernacionalista antirrussa que proibiu a língua, a literatura, a música
russas".

Seu livro termina com um vigoroso pedido pela paz, com acentos que
relembram as exortações lúcidas de Camus durante a guerra da
Argélia. Ele se espanta, aliás, que "se poucas vozes se ergam nas
nações as mais expostas, em primeiro lugar europeias, em favor da
paz". Edgar Morin é particularmente severo com aqueles que fazem a
guerra por procuração, entregando armas, estando seguros de que ela
não os afetará em seu solo. "Falar de cessar-fogo, de negociações, é
denunciado como uma ignominiosa capitulação pelos belicosos, que
encorajam a guerra que eles querem a todo preço evitar em seu país".
A negociação é agora uma prioridade. Aliás, Morin vê sinais de
"realismo" dos dois lados, inclusive em Poutine.

"Escrevi este texto para que estas lições de oitenta anos de história
possam nos servir para enfrentar o presente com toda lucidez,
compreender a urgência de trabalhar pela paz, e evitar a tragédia de
uma nova guerra mundial", nos diz Edgar Morin em sua obra. É um
livro eminentemente pedagógico, tanto para as jovens gerações
quanto as antigas. Edgar Morin propõe um olhar novo, original e
salutar sobre a guerra na Ucrânia à luz de sua própria experiência, de
suas pesquisas, de sua grade de leitura sempre tão fecunda. Longe do
pensamento único que se exprime na mídia sempre preocupada em
comentar a guerra "ao vivo", Morin, com todo o recuo necessário, nos
convida a descentrar nosso olhar para ver de outra maneira o evento
que se inscreve em uma continuidade histórica que ele expõe com
brilhantismo.

Não se pode, portanto, deixar de aconselhar a leitura desta obra, nem


pessimista, nem otimista, mas profundamente realista. Há urgência,
clama Morin: "Esta guerra provoca uma crise considerável que agrava e
agravará todas as outras enormes crises do século". A paz na justiça, no
reconhecimento mútuo, tal é o combate prioritário de hoje. Pois
"quanto mais a guerra se agrava, mais a paz é difícil, mais ela é
urgente". Como Romain Rolland em seu tempo, Edgar Morin se situa
além de todos os ódios para pensar um futuro liberto da maldição da
guerra. Ele nos convida a agir lucidamente e vigorosamente em favor
de uma paz justa e duradoura na Europa.

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