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1º ano de Direito FDCE CAD

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1º ano de Direito FDCE CAD

Com o inicio da pandemia COVID-19 em 2020, em Portugal, veio também mais tempo livre no
sentido em que nos encontrávamos em confinamento geral obrigatório. Com mais tempo livre,
já que, por exemplo, as horas despendidas em transportes diariamente para a faculdade
podiam ser agora direcionadas para outras questões. Decidi então, literalmente de um dia
para o outro, criar a CAD, Comunidade de Aficionados de Direito. Com que objetivo? Queria
ligar os estudantes de Direito de todo o país, queria divulgar e criticar as mais recentes notícias
jurídico-políticas, queria levar a cabo iniciativas que aproveitassem a todo e qualquer jurista,
professor, estudante, advogado, etc… Criei o site, a página no Instagram e assim se começou a
erguer o projeto. Entretanto, com as aulas online, pensei também em elaborar apontamentos
semanais e divulgar com os meus colegas, utópico para um trabalho a sós, mas perfeitamente
possível com a entreajuda dos meus colegas porque cada grupo de estudantes faria os
apontamentos semanais de cada cadeira. Porque fazer os apontamentos semanais? A resposta
é extensa, mas simples. Com a “obrigação” de preparar esses mesmos apontamentos, tenho
também um duplo dever de assistir às aulas, de perceber e apontar as mesmas, porque não o
fazendo, falharia comigo e com os restantes colegas com quem me comprometi a partilhar os
apontamentos. Desta forma, dividimos até pelos vários estudantes a tarefa de recolher os
escritos relativos às diversas matérias. É trabalhoso, mas, inevitavelmente, ao preocuparmo-
nos com nos próprios estamos também a ajudar todos os outros alunos. Ou seja, no 1º ano,
começamos apenas a partir de março com os apontamentos semanais, mas no 2º ano, ano
letivo 2020/2021, os apontamentos semanais começaram no inicio e acabaram apenas no fim
do ano letivo! Dito isto, pode conter falhas de escrita ou de direito, foi feito ao longo do tempo
por juristas em formação, entregue semanalmente, portanto, é compreensível e pedimos
também que quando notada alguma falha grave nesse sentido, que nos seja comunicado. Este
projeto ajudou também a impulsionar um ambiente saudável no curso de Direito na nossa
universidade, não que já não o houvesse, mas esta iniciativa só o veio melhorar. Esperamos
ainda que esta iniciativa inspire ad aeternum o maior número de estudantes possíveis, já que
ficou demonstrado que a entreajuda tem efeitos positivos para todos nós. Se tiveres interesse
em colaborar connosco, envia-nos mensagem no Instagram. Somos vários estudantes da
licenciatura em Direito com vontade de mudar, ajudar e com disponibilidade em ser ajudados.
Obrigado a todos aqueles que todos os dias se esforçam por uma comunidade melhor,
saudavelmente competitiva, consciente e dedicada.

João Paulo Silva, Fundador da Comunidade de Aficionados do Direito.

Fundamentos do Direito Comum Europeu (1ª Frequência)

1. Direito Comum Europeu – Direito Romano


1.1. Conceito:
● Pode afirmar-se que o Direito Romano está na base da maioria dos direitos
europeus da atualidade. Logicamente, o direito de cada país não foi criado de um
dia para o outro, antes é consequência de uma evolução secular. De uma evolução
que não é, de resto, própria de cada país. A generalidade dos países europeus,
parte da família dos direitos romanistas, ou seja, dos sistemas jurídicos
influenciados pelo direito romano da antiguidade.

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● Os Romanos foram os grandes juristas da antiguidade. Conseguiram realizar um


sistema jurídico notável, tanto no domínio do direito privado como no direito
público. Os seus jurisconsultos foram os primeiros na história da humanidade a
conseguir elaborar uma técnica jurídica e uma ciência do direito, graças à análise
profunda das instituições e à formulação precisa de regras jurídicas.

● A influência do direito romano manifesta-se de uma forma tripla: até os finais do


século XVIII, o direito romano é o único direito ensinado nas universidades, trata-
se de um direito letrado, muito diferente do direito vivo, ou seja, do direito
consuetudinário e legislativo em vigor nos diferentes países europeus; do século
XIII ao século XVIII, assiste-se à penetração progressiva do direito romano no
direito ocidental; depois, nos séculos XVI e XVII, o direito romano é reconhecido
como direito subsidiário, suprindo as lacunas do direito de cada região; desde
antes do século XIII, o direito romano influenciou a formação de numerosos
costumes da Europa ocidental, influência devida à romanização mais ou menos
intensa das diversas regiões.

1.2. Corpus Iuris Civilis:


● É uma obra fundamental da jurisprudência, publicada por ordem do imperador
bizantino Justiniano I.
O livro é composto por 4 partes:
1. Código de Justiniano: compilação de leis de Adriano até Justiniano;
2. Digesto: compilação de fragmentos extraídos de obras dos principais jurisconsultos
clássicos;
3. Institutos: manual elementar de direito romano destinado a estudantes que
iniciam o estudo do Direito;
4. Novelas: constituições imperiais promulgadas depois do Código.

● A sua relevância traduz-se no facto de que organizou as leis que já existiam e


formulou novas, que se tornaram a base do Direito Civil moderno. Além de
representar uma revolução jurídica, é também um documento importante sobre a
vida no Império Romano.

2. A obrigação
2.1. Conceito:
● A obrigação (obligatio) é um vinculo jurídico por virtude do qual uma pessoa
(devedor) está adstrita para com outra (credor) à realização de uma prestação.
Segundo os jurisconsultos clássicos, o objeto de uma obrigação podia consistir em:
⮚ Dare: constituição ou transferência de um direito real;

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⮚ Facere: realização de uma atividade que não se traduza num dare. Pode
consistir também numa abstenção (non facere).

⮚ Praestare: identifica-se com dare e facere, mas designa especialmente a


aquisição de garantia de uma obrigação.

● Enquanto que no sistema jurídico moderno a obrigação é um vinculo jurídico que


pode surgir de um acordo, de um ato unilateral ou de um facto ilícito. O Direito
Romano reservava o nome de obligationes (obrigações) a determinadas relações
jurídicas especificamente fixadas pelo ius civile (Direito Civil): as que surgiam de
determinados acordos, atos unilaterais ou atos ilícitos.

● No entanto, com o desenvolvimento progressivo da sociedade romana, surgiram


novas relações entre cives (civis) e entre cives e peregrini (estrangeiros) e sentiu-se
a necessidade de as dotar de proteção jurídica. Surgiu, deste modo, uma dualidade
de relações: as derivadas de casos configurados pelo ius civile como obligationes
(obrigações), e as protegidas pelo pretor, com a expressão “actione teneri”.
Assim, a compra e venda, a locação, a sociedade, o mandato e o mútuo geravam
obligationes; enquanto que o comodato, o depósito e o penhor, uma actione
teneri.

2.2. Fontes:
● As fontes das obrigações são os factos que, segundo o Direito Romano, criam um
vinculo obrigacional entre duas ou mais pessoas.

● Na época clássica, só os factos especificamente determinados pelo ius civile eram


considerados fontes de uma relação obrigacional. Com o tempo e graças à
atividade da jurisprudência e à legislação imperial, o campo das obrigações foi-se
ampliando: algumas relações tuteladas pelo pretor tornaram-se verdadeiras
relações obrigacionais. A principal divisão das obrigações compreende duas
espécies, pois toda a obrigação nasce de um contrato (acordo de duas ou mais
vontades previsto e protegido pelo ius civile), ou de um delito (atos ilícitos de cuja
prática resulta uma relação obrigacional entre o autor e a vítima: aquele ficava
obrigado a pagar uma quantia pecuniária a título de pena; e este adquiria o direito
de a exigir).

● Esta bipartição contractus-delictum não podia satisfazer os juristas do tempo: por


um lado havia relações que, embora não derivassem de negócios jurídicos
bilaterais (contractus), eram tutelados por actiones civiles. Foram-se acrescentando
outros atos ilícitos que criavam, entre o autor e a vitima, uma relação jurídica que
se traduzia na obrigação de aquele entregar a esta uma determinada pecúnia a
título de pena.

● Assim sendo, surgiu necessidade de um reagrupamento das fontes das obrigações


que correspondesse à realidade jurídica do tempo. As Institutiones de Justiniano

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classificam, desta forma, as fontes das obrigações em quatro categorias: provêm


ou de contrato ou de quase-contrato ou de delito ou de quase-delito. Portanto,
observamos, no direito justinianeu, duas novas categorias: as dos quase contratos
(obrigações que resultam de um ato licito que, sendo unilateral, não é contrato) e a
dos quase delitos (atos ilícitos protegidos pelo pretor, que implicavam, para os seus
autores, a condenação no pagamento de uma pena: pertencem ao âmbito as
obligationes praetoriae).

3. Contratos:
3.1. Conceito:
● Em sentido amplo, pode definir-se contrato como um acordo de duas ou mais
pessoas, dirigido à produção de efeitos jurídicos.

● E, num sentido mais restrito, dir-se-á que é uma convenção de que nascem
obrigações e os correspondentes direitos de crédito.

● Estamos, todavia, perante noções abstratas que o Direito Romano ignorou: tão-só
nos apresenta tipos determinados de contratos que, segundo o ius civile, podiam
criar obrigações.
Na base dos contratos como fontes de obrigações está uma longa evolução.
● Depois de toda essa evolução, poder-se-á definir contractus como um acordo de
vontade de duas ou mais pessoas que, obedecendo a esquemas fixados pelo ius
civile, visa constituir uma relação jurídica obrigacional.
Os contratos são constituídos pelos seguintes elementos:
1. Causa: é o fim que o ius civile reconhece como social e economicamente digno de
proteção.
2. Consenso: é o acordo das partes, cujas vontades convergem, assim, para o mesmo
fim que constitui a causa fixada pelo ius civile ao contrato utilizado.

3.2. Outras classificações


Contratos unilaterais e bilaterais:
● A doutrina moderna classifica os contratos em unilaterais (só uma das partes se
obriga a fazer uma prestação) e bilaterais ou sinalagmáticos (cada uma das partes
obriga-se, em relação à outra, realizar a sua prestação; aplica-se o principio de que
quem não satisfez a sua prestação não pode exigir que a outra parte satisfaça).

● Todavia, há contratos em que a obrigação de uma das partes pode surgir, não
inicialmente, mas durante a sua vigência. Por isso, se fala de contratos bilaterais
imperfeitos: sucedia com o comodato, o depósito, o mandato, o penhor e a
fidúcia.

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Contratos do ius civile e do ius gentium:


● Pertencem ao ius civile os contratos celebrados por cidadãos romanos. Os
contratos do ius gentium são celebrados entre cidadãos e estrangeiros ou entre
estrangeiros.

Contratos de boa fé e de direito estrito:


● São de boa fé os contratos protegidos por actiones bonae fidei (atividades de boa
fé); o juiz deve apreciar todas as circunstâncias que ocorreram (dolo, medo) e
considerar tudo o que é exigível entre pessoas justas e leais (ex: o contrato de
compra e venda, locação, sociedade, comodato, depósito e mandato).

● Os contratos de direito estrito são tutelados por actiones stricti iuris (ações de lei
estrita); o juiz deve observar rigorosamente o que foi acordado sem atender a
qualquer circunstancia que tenha influenciado o conteúdo da obrigação.

Contratos onerosos e gratuitos:


● São contratos onerosos o que contratos que criam, para ambas as partes,
obrigações que se equivalem ou equilibram: à perda patrimonial que uma das
partes sofre na realização da sua prestação corresponde a perda patrimonial da
outra. São exemplos a compra e venda e a locação.

● Nos contratos gratuitos só uma das partes sofre uma perda patrimonial em
beneficio da outra. São exemplos a doação, o depósito e o comodato.

4. Contratos reais
4.1. Noções gerais:
● Contrato real é aquele que para produzir efeitos jurídicos não basta o consenso
entre as partes, é também necessária a prática de um certo ato material (datio ou
traditio – ex. dar; entregar) em relação à res (coisa) a que se refere.

1. Contrato de Mútuo:
● O mútuo é um contrato unilateral através da qual uma pessoa, que recebe de
outra a propriedade de determinada pecúnia (dinheiro, moeda) ou de outras res
fungíveis, se obriga a restituir, no final do prazo, igual quantidade do mesmo
género e qualidade.

● Na linguagem corrente: empréstimo em dinheiro.


É constituído por dois elementos:

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1. A datio rei: é a transferência da propriedade de determinada pecúnia (dinheiro,


moeda) ou de outras res igualmente fungíveis;

2. A conventio (consenso): é o acordo entre as partes cujo objeto consiste na


restituição da pecúnia (moeda, dinheiro) ou de res da mesma natureza, qualidade e
quantidade das res mutuadas.

● Tratam-se de elementos essenciais e, por isso, não há mutuo se a res (coisa) não
for propriedade do mutuante ou a conventio (consenso) inválida por algum vício
que afete a declaração ou a vontade de uma das partes.

● Neste contrato há transmissão do direito de propriedade e há entrega da coisa.

● É um contrato unilateral porque gera obrigações para apenas uma das partes.

● Geralmente é um contrato gratuito (existe perdas patrimoniais para apenas uma


das partes) porque o mutuário restitui (“devolve”) a coisa na mesma quantidade e
qualidade. Todavia, com o estabelecimento de juros o contrato passa a ser
oneroso.

Existência de juros:
● No plano do Direito Civil admite-se juros (art. 1143.º CC). Havendo juros já passa a
ser um contrato oneroso, tendo o mesmo de ser realizado num contrato à parte.

● O mútuo não produz juros. São exceções o mútuo de mercadorias, o mútuo


concedido por bancos e o mútuo marítimo.

● No empréstimo de dinheiro entre comerciantes há sempre juros (empréstimos


onerosos).

● A eventual obrigação de pagar juros surge de outra relação inicialmente iniciada


por um outro contrato.

● Existiam, no Direito Romano, e ainda existem, limites para a taxa de juro.

● O Direito Romano e o Português proíbem os juros sobre os juros (anatocismo).

● Os juros existem devido ao espaço de tempo de reposição do bem fungível.

2. Fidúcia:
● É um contrato no qual uma pessoa (fiduciante), utilizando um negócio jurídico
formal (mancipatio), transfere a propriedade de uma res para outra (fiduciário)
que, por sua vez, se obriga a restituí-la depois de realizado o fim definido num
acordo não formal.

* Mancipatio: contrato através do qual se transmitia o direito de propriedade de bens


de grande valor.
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● Em linguagem corrente: transferência do direito de propriedade da casa como


garantia.

● Reservada para operações financeiras de grande valor e entre instituições


financeiras

● É um contrato gratuito uma vez que existem perdas patrimoniais apenas para uma
das partes.

● Implica a transmissão do direito de propriedade, sem a entrega da coisa.

Credor (fiduciário):
● Tornava-se proprietário da res fiduciada e, portanto, podia reivindica-la de
terceiros e contra o próprio fiduciante que tivesse mantido ou recuperado a sua
posse.
A Fidúcia foi aplicada para a satisfação de diversas finalidades. Destacamos a:
● Fiducia cum creditore: visava garantir uma obrigação. O garante (fiduciante)
transferia a propriedade de uma res ao credor (fiduciário) que se obrigava a
restitui-la após a satisfação da dívida.

● Estruturalmente, a fidúcia cum creditore era constituída por um negócio solene


(mancipatio ou in iure cessio) e por um pacto. Através daquele transferia-se a
propriedade da res fiduciada para o credor. Este pacto disciplinava a relação
fiduciária: criava a obrigação de o credor remancipar a res ao garante após o
cumprimento da obrigação garantida; a obrigação de o garante ressarcir, ao
credor, as despesas e os prejuízos causados pela res, etc.

● O garante (fiduciante) perdia a propriedade da res fiduciada, mas podia, se tivesse


sido acordado, conservar a sua posse. E se esta se mantivesse durante, pelo
menos, um ano, podê-la-ia recuperar através de uma figura semelhante à
usucapião.

● Fiducia cum amico: transferia-se a propriedade de uma res a uma pessoa leal, com
vista à prossecução de diversos fins.

● O fiduciante era protegido pela actio fiduciae (ação de confiança) e o fiduciário


dispunha da actio fiduciae contrária para reclamar os gastos feitos na res e
ressarcir-se dos danos eventualmente causados.

Finalidades:
● Tem como finalidade garantir uma obrigação.
● O garante (fiduciante) transfere a propriedade de uma res ao credor (fiduciário)
que, por sua vez, se obriga a restituí-la após a satisfação da dívida.
● Agora proprietário da res, o credor podia reivindica-la de quem dela se apoderou.
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3. Depósito:
● O depósito (depositum) é um contrato bilateral imperfeito e de boa fé em que
uma pessoa (depositante) entrega a outra (depositário) uma res móvel para que a
guarde, tornando-se mero detentor, não a podendo usar, e restitua num
determinado prazo ou quando o depositante pedir.

● É um contrato realizado no interesse do depositante.

● Este é um contrato gratuito uma vez que existem perdas patrimoniais para apenas
uma das partes.

● Neste contrato não há transmissão do direito de propriedade, mas há a entrega


da coisa.
Depositário: tem a simples detenção da res que só lhe é confiada para custódia;
portanto, não a pode usar sob pena de cometer um furtum usus (roubo). E deve
restituí-la nas mesmas condições em que a recebeu com todos os seus frutos e
acessões. Tem o direito de ser indemnizado pelos gastos que fez na conservação do
bem e pelos danos que lhe causou, sendo que também goza do direito de retenção do
bem enquanto não fosse ressarcido.

Responsabilidade do depositário pela perda ou deterioração do bem:


● Época Clássica: dependia do dolo pois, sendo um contrato gratuito, não oferecia
nenhuma vantagem ao depositário.
⮚ Exceções: quando assumiu num pacto especial; se ofereceu para guardar o
bem; ou o depósito foi feito no seu exclusivo interesse.

● Época Justinianeia: a culpa é do depositário independentemente da situação.

Depositante: deposita uma coisa móvel ou imóvel, não fungível, pois é um objeto com
individualidade e características próprias.

Modalidades especiais:
Da figura do depósito afastam-se os seguintes contratos:
● O depósito necessário: é o depósito forçado que se faz em situações excecionais
que não permitem que o depositante escolha livremente o depositário (ex: quando
há um naufrágio, um incêndio, etc.). O depositário tem responsabilidade acrescida,
se perder a coisa é condenado a pagar o dobro.

● O sequestro: é o depósito de uma res litigiosa feito entre vários litigantes e um


terceiro da sua confiança, que se obriga a entregar a res a quem vencer o litígio ou
vier a encontrar-se nas condições estabelecidas pelos depositantes.

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● O depósito irregular: é o depósito que se traduz na transferência da propriedade


de res fungíveis, obrigando-se o depositário a restituir outro tanto do mesmo
género e qualidade a pedido do depositante. Sendo proprietário da res depositada,
o depositário podia dispor e usá-la livremente.

4. Comodato:
● O comodato é um contrato bilateral imperfeito e de boa fé em que uma pessoa
(comodante) entrega uma res móvel ou imóvel a outra pessoa (comodatário) para
que a use gratuitamente, durante certo tempo e segundo o modo acordado, e a
restitua.

● Tem como objeto: coisas consumíveis.

● Surge pelo interesse do comodatário, o comodante faz o favor de emprestar a


coisa ao comodatário.

● É um contrato gratuito já que existem perdas patrimoniais apenas para uma das
partes.

● Neste contrato não há transmissão do direito de propriedade, mas há a entrega


da coisa.

Comodatário:
● O comodatário é um simples detentor da res, mantendo-se a propriedade e a
posse no comodante.

● O comodatário obriga-se a usar a res segundo o que foi acordado expressa ou


implicitamente com o comodante; a não deteriorá-la; e a restituí-la nas condições
em que a recebeu. Se usar diferentemente, incorre no furtum usus (roubo).

● No direito clássico, é responsável por custódia. Por isso, se a res for roubada,
responde perante o comodante.

● No direito justinianeu, o comodatário responde independentemente do


acontecido, sendo que a responsabilidade depende do dolo apenas quando o
comodato foi feito no interesse exclusivo do comodante.

Comodante:
● O comodante está obrigado a ressarcir os gastos necessários que o comodatário
fez para conservar a res e, também, a indemnizar os danos eventualmente
causados quer pela res quer por si próprio.

5. Penhor:

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● O penhor é um contrato bilateral imperfeito em que uma pessoa entrega a outra


uma res para garantir uma obrigação própria ou alheia. O devedor (credor da
obrigação garantida) torna-se possuidor, mas em nome do credor.

● É um contrato acessório do contrato de mútuo, o que significa que se este for


inválido o contrato de penhor também é.

● O devedor transfere a posse da res para o credor, que é mero detentor.

● São fixadas as faculdades concedidas ao credor pignoratício sobre a res e a


obrigação de a restituir após a extinção da relação obrigacional garantida.
Portanto, este contrato, a cuja perfeição é necessária a traditio da res, produz duas
relações distintas:

⮚ Um direito sobre a res (ius pignoris) a favor do credor da obrigação que se


pretende garantir;

⮚ A obrigação de o credor pignoratício conservar e restituir a res depois da


extinção da obrigação garantida. A restituição inclui todas as acessões e frutos
que tenham amadurecido durante a posse do devedor. No caso de a res ter
sido vendida por incumprimento da obrigação, o credor deve restituir o
excedente do preço. Por sua vez, o devedor obriga-se a ressarcir os danos e as
despesas feitas na conservação da res.

● Na época clássica, o credor pignoratício era responsável por custódia.

● No direito justinianeu, a sua responsabilidade dependia da culpa levis (ou in


abstracto).

● É um contrato gratuito porque existem perdas patrimoniais apenas para uma das
partes.

● Neste contrato não há transmissão do direito de propriedade, mas há a entrega


da coisa.

Obrigações do credor:
● Obrigação de conservar a coisa, durante o tempo de o crédito ser pago;

● Restituir a coisa, depois de paga a divida – acabando o penhor. Se a coisa foi


vendida, dado a divida não ter sido paga, se houver sobra de dinheiro deve
entregar o que restar.

Obrigações do garante:
● Pagar as despesas para que a coisa não se perdesse ou deteriorar-se –
responsabilidade do garante. Se o objeto se perder ou deteriorar:

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⮚ Época clássica: é sempre da responsabilidade por custódia, objetiva;

⮚ Época justinianeia: só responde se tiver culpa, se a culpa for em abstracto


recorre-se ao homem média, ao bom pai de família (bónus paterfamilias).

5. Contratos consensuais:
● Os contratos consensuais caracterizam-se pelo facto de a sua validade só
depender do acordo das partes, que se pode manifestar de qualquer modo.
Portanto, não é necessária uma forma determinada (como nos contratos verbais e
literais) nem a entrega da res (como nos contratos reais).

● Estes contratos inspiram-se no princípio da boa fé e têm a sua origem no ius


gentium.

● Libertos de exigências formais, estes contratos podem ser concluídos entre


ausentes e a sua rescisão pode resultar também do simples consentimento.

● Por outro lado, o respeito pela vontade impôs-se com particular prioridade quer na
interpretação, quer nos vícios e nas divergências com a sua declaração.

● O direito romano tipificou os contratos consensuais em quatro figuras distintas: a


compra e venda, a locação, a sociedade e o mandato.

5.1. Compra e Venda:


● A compra e venda é o contrato consensual em que uma das partes (vendedor) se
obriga a transferir à outra (comprador) a posse de uma res e a assegurar-lhe o seu
gozo pacífico, obrigando-se, este, por sua vez, a dar àquela a propriedade de
determinada pecúnia que constitui o preço.

● Fiel aos princípios romanos de que o simples acordo não transfere a propriedade
de uma res, a jurisprudência recusou este efeito ao acordo entre comprador e
vendedor e admitiu, por sua vez, o de criar as obrigações de, através de atos
sucessivos, transferirem, respetivamente, a posse livre e pacífica da res vendida e a
propriedade do preço.

● O contrato de compra e venda é constituído pelos seguintes elementos:

1. Conventio (consenso): é o acordo em que o vendedor se obriga a entregar a


posse livre e pacífica da res vendida; e o comprador, a pagar o pretium (preço).

2. Res: a sua posse, livre e pacífica deve ser transferida ao comprador. Pode ser
corpórea ou não corpórea, presente ou futura.
● Não corpórea: servidões prediais ainda não constituídas, usufruto, etc.

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● Futura: São suscetíveis de compra e venda res cuja existência dependa da


atividade do vendedor. Por isso, se a res não vier a existir o vendedor irá
responder por incumprimento do contrato. Caso não dependa da vontade do
vendedor, a compra e venda está sujeita à condição de a res existir ou se tornar
disponível: o comprador só se obriga a pagar o preço e o vendedor a transferir
a posse da res se esta existir ou cair em seu poder.

3. Pretium (preço): O preço deve ser certo, ou seja, a pecúnia deve ser
determinada no momento do acordo ou determinável perante circunstâncias
objetivas (fixado por unidade de peso, capacidade ou medida, através de
pesagem ou medição).

Obrigações do vendedor:
● Transferir a posse livre e pacífica da res ao comprador, portanto, deve encontrar-
se livre de vícios e não ser precária. Sendo habitual do comércio com os povos
estrangeiros, a jurisprudência romana recorreu ao contrato da compra e venda
para afastar essa dificuldade: o vendedor obrigava-se a transferir a posse da res ao
comprador e responsabilizava-se pela evicção. Se fosse civil romano, o comprador
adquiria a sua propriedade por usucapião (estrangeiro não podia evocar).
Entretanto, a garantia prestada pelo vendedor contra a evicção assegurava ao
comprador a manutenção da posse durante o tempo necessário para usucapir. O
fim natural da compra e venda é a transferência da propriedade, e a boa fé exige
que o vendedor faça o necessário para que o comprador a adquira.

● Responder por evicção: é a obrigação em que o vendedor, que assumiu a


responsabilidade de assegurar a posse pacífica da res, responde pela privação
sofrida pelo comprador em consequência de uma sentença que, tendo
reconhecido a propriedade a um terceiro ou a sua titularidade de uma servidão,
usufruto ou penhor, lhe conferiu a posse. (A vendeu a B uma coisa que não é
sua).Por isso, o comprador demandado devia requerer a presença do vendedor no
processo para o defender. Se recusasse ou não evitasse a sentença desfavorável, o
comprador podia demandá-lo e obter a sua condenação no dobro do preço pago.A
obrigação em que o devedor se responsabilizava pela evicção cessava quando o
comprador se tornasse proprietário por usucapião.

● Cuidar da res até à sua entrega, a obrigação do vendedor dependia de culpa levis,
ou seja, se a res perecesse ou fosse deteriorada por um evento imprevisível ou de
força maior, este não seria responsável e apenas deveria entregar ao comprador o
que restasse materialmente da res ou, se a destruição ou deterioração fosse obra
de terceiro, ceder-lhe as ações que eventualmente tivesse.

⮚ Quanto ao comprador, este responde pelo risco: se a res fosse destruída ou


deteriorada por um evento imprevisível ou força maior, o comprador

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mantinha a sua obrigação de pagar o preço e, em contrapartida, tinha o direito


às acessões e frutos desde a conclusão do contrato até à entrega da res.

⮚ Se a compra e venda estivesse sujeita a condição suspensiva o perigo só


onerava o comprador desde o momento em que a condição se verificasse. Se
se tratasse de res que devessem ser pesadas, contadas ou medidas, o
comprador só respondia pelo risco a partir do momento em tal acontecesse.

● Responder pelos vícios ocultos da res: é a obrigação com que, desde os tempos
antigos, o vendedor costumava garantir que a res vendida tinha materialmente a
consistência ou se encontrava nas condições determinadas pelo acordo e,
portanto, não havia elementos físicos ou jurídicos suscetíveis de diminuírem a sua
aptidão ou o exercício das suas faculdades.

⮚ Esta responsabilidade, que os vendedores assumiam sobretudo na venda de


escravos e de animais, foi aperfeiçoada e, com o intuito de proteger os
compradores, foi imposta a obrigação de os vendedores celebrarem uma
stipulatio e estabelecida que estes deviam declarar, no momento da conclusão
da venda, as enfermidades crónicas e os defeitos físicos não aparentes que
afetassem os escravos e os animais.

⮚ Se os defeitos não declarados se manifestassem depois da compra e venda, o


comprador podia demandar o vendedor com uma ação que produzia a
resolução da compra e venda e a condenação do vendedor no pagamento do
dobro da pecúnia recebida, a menos que quisesse restituir o preço com juros,
recuperando o vendedor, assim, a res que tinha vendido, ou uma ação que
permitia ao comprador obter a diminuição do preço proporcionalmente ao
valor menor que a res tinha em consequência do vício.

⮚ Se a res vendida fosse furtada antes da sua entrega, o vendedor podia libertar-
se da sua responsabilidade cedendo, ao comprador, as ações que lhe eram
concedidas contra o ladrão.

Obrigações do comprador:
● Transmitir a propriedade (dare) do pretium (preço) ao vendedor. Também está
obrigado a pagar juros se não pagar o pretium decorrido um certo tempo após a
receção da res;

● Receber a res a pedido do vendedor. Se recusar, pode ser obrigado a ressarcir o


dano causado pelo atraso;

● Reembolsar o vendedor dos gastos feitos para conservar a res;

● Responder pelo risco. A partir do momento que o contrato está perfeito, o risco
corre pelo comprador.

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1º ano de Direito FDCE CAD

● É um contrato bilateral e oneroso.

Pactos acessórios:
1. O pactum displicentiae (acordo de desagrado): sujeitava os efeitos da compra e
venda à condição resolutória potestativa de o comprador declarar que não
aprovava a res; ou fazia depender esses efeitos da declaração de agrado do
comprador (condição suspensiva). Se não tivesse fixado um prazo, o comprador
podia pedir que a compra e venda fosse declarada sem efeito. Dispunha de 60 dias,
findos os quais se considerava firme (condição resolutória) ou não concluída
(condição suspensiva).

2. A in diem addictio: concedia ao vendedor a faculdade de rescindir a compra e


venda se, dentro de certo prazo, outra pessoa oferecesse melhores condições. No
direito justinianeu pode funcionar como condição suspensiva ou resolutória, de
acordo com as vontades das partes. Decorrido o prazo previsto sem ter surgido
melhor oferta, a compra e venda considerava-se firme. Se surgisse, o comprador
podia também fazer sua a oferta de terceiro.

3. A lex commissória: é o pacto que atribui ao vendedor a faculdade de considerar o


contrato não realizado se o comprador não pagar o pretium dentro de um prazo
fixado.

4. O pactum de retrovendendo: o vendedor reservava a faculdade de resgatar a res


restituindo, dentro de certo tempo, o preço ao comprador.

5. Pactum protimeseos (pacto de preferência): o comprador comprometia-se, caso


quisesse alienar a res, a vendê-la a quem lhe vendeu.

5.2. Locação:
• A locação é um contrato consensual, obrigacional, oneroso e sinalagmático em que
uma pessoa se obriga para com outra a proporcionar-lhe o gozo temporário duma
res, ou a prestar determinados serviços ou a realizar uma obra, mediante o
pagamento de uma remuneração.
A locação é constituída pelos seguintes elementos essenciais:
1. Consenso: é o acordo entre as partes. Como sucede em qualquer contrato
consensual, basta para criar a relação obrigacional.

2. Objeto: pode ser uma res que o locatário deve usar segundo o modo acordado
durante um certo tempo (locação de coisa), uma atividade laboral que o locador
deve realizar no tempo acordado (locação de trabalho) ou uma res que o locador
entrega ao locatário para fazer uma determinada obra (locação de obra).

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1º ano de Direito FDCE CAD

3. Remuneração (merces): é a contraprestação devida pelo uso da res, trabalho ou


obra realizada. Habitualmente em dinheiro, no entanto, no Direito Romano pode
também ser em espécie no contrato rural.

4. Prazo: a utilização da res, a atividade laboral ou a realização da obra devia ocorrer


no prazo acordado. Se uma res fosse entregue ao locatário para fazer uma obra,
não era necessário fixar exatamente o prazo para a executar: a obra deveria ser
realizada segundo os usos normais.

O Direito Romano distinguiu três contratos diferentes: a locação de coisa (locatio-


conductio rei), de trabalho (locatio-conductio operarum) e de obra (locatio-conductio
operis).

1. Locação de coisa (locação em sentido próprio):


● É um contrato que não produz a transferência de propriedade da res locada e, por
isso, é suscetível de ser realizada pelo proprietário, usufrutuário, possuidor ou pelo
locatário (sublocação).

● A responsabilidade das partes depende de culpa levis e o risco onera o locador.

● Assim, se a res locada fosse destruída por um evento de força maior, o locador
sofria o dano e o locatário só devia a remuneração em relação ao tempo em que
esteve em seu uso.

● Tratando-se de um terreno agrícola, se os frutos fossem destruídos ou gravemente


afetados por um evento de força maior, o agricultor podia obter a libertação ou a
diminuição da renda.

● Não tendo o locatário um direito real e sendo um mero detentor da res, se esta
fosse reivindicada pelo proprietário, só podia demandar o locador pelos danos
causados (a responsabilidade por evicção continua a ser subjetiva: depende da
culpa do locador na locação de res alheia).

● E o mesmo regime vigorava se a res locada fosse vendida: o comprador, porque


estranho à locação, podia afastar o locatário invocando o seu direito de
propriedade e este só podia demandar o locador pelos danos causados pela
retirada da res locada. O contrato de compra e venda afastava a locação porque a
locação é um contrato obrigacional com eficácia inter partes, enquanto que a
compra e venda permite sempre a transmissão do direito de propriedade (eficácia
erga omnes).
Obrigações do locador:
● Proporcionar ao locatário o livre gozo da res locada durante o tempo e nas
condições acordadas;

● Fazer as reparações necessárias para evitar a deterioração ou a destruição da res;

● Ressarcir o locatário dos gastos que fizesse em reparações necessárias.

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1º ano de Direito FDCE CAD

Obrigações do locatário:
● Pagar a remuneração acordada . Na época clássica, se o locatário abandonasse o
fundus locado antes do prazo acordado, sem justa causa, era obrigado a pagar a
totalidade da renda. No direito justinianeu, a sua responsabilidade limita-se ao
dano efetivamente causado ao locador;

● Conservar a res em boas condições (locatário simples detentor) e não fazer uso
indevido (utilizar a res para os fins a que se destina);

● Restituir a res no fim da locação;

● Ressarcir o locador pelos danos causados.

Quando caducava:
● Destruição material da res locada ou se tornar uma res comércio exterior;

● Cumprimento do prazo fixado. No entanto, se o locatário continuasse a utilizar a


res sem oposição do locador, o contrato era considerado tacitamente renovado
nas mesmas condições, por um ano se se tratasse de terreno agrícola e por tempo
indeterminado se fosse terreno urbano.

● Cessação do usufruto com base no qual o usufrutuário locou a res.

Resolução do contrato:
Critério geral: uma parte pode resolver o contrato se a outra não cumprir
(responsabilidade) ou não puder cumprir (risco) as suas obrigações.

Podia pedir:
a) O locador, quando:
1. O locatário não paga a renda durante 2 anos;
2. A res é objeto de abuso ou sofre deterioração;
3. Tem necessidade de habitar a casa ou pretende reforma-la.

b) O locatário, quando:
1. O locador se atrasa na entrega da res;
2. A res tem defeitos que impedem, limitam ou dificultam a sua utilização;
3. Há um temor fundado de um perigo.

2. Locação de trabalho (=contrato de trabalho – art. 1152.º CC):


● O locador obriga-se a pôr a sua atividade laboral à disposição do locatário durante
um certo tempo, mediante o pagamento de uma remuneração.

● A jurisprudência configurou a atividade laboral como uma res corpórea que é


propriedade do trabalhador e se considera distinta e separada da sua pessoa.

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1º ano de Direito FDCE CAD

● Desta forma, o homem livre podia locar a sua atividade sem diminuir a sua
personalidade e capacidade jurídicas.

Quando cessava:
● Com a morte do locador e não do locatário: o locatário podia prestar os seus
serviços aos herdeiros do locador que, portanto, o substituíam na obrigação de
pagar a merces.

● Se o locador adoecesse, ficaria dispensado de prestar a sua atividade e o locatário


estava desobrigado de pagar a merces durante a doença.

3. Locação de obra (=empreitada – art. 1207.º CC):


● O locador deve entregar a res ao locatário para realizar a obra acordada e pagar-
lhe a merces como retribuição.

● Por sua vez, o locatário deve executar essa obra com correção e entregá-la no
prazo acordado ou, caso não tenha sido fixado, no tempo normalmente utilizado
para a realizar.

● Incidindo sobre o produto do trabalho, é indiferente que seja executada pelo


locatário ou por operários seus, a menos que o contrato tenha sido feito tendo em
atenção as suas qualidades técnicas (neste caso a morte do locatário extingue o
contrato).

● O risco caía sobre o locador, salvo acordo contrário.

5.3. Sociedade:
● A sociedade é um contrato consensual e de boa fé em que duas ou mais pessoas
(plurilateral) se obrigam reciprocamente a pôr em comum determinados bens ou
trabalho com vista à obtenção de um fim patrimonial comum.
É constituída pelos seguintes elementos essenciais:
1. Consenso: é o acordo de vontade entre as partes.

2. Objeto: é constituído por res ou operae (atividade laboral, manual ou intelectual)


ou ambas as coisas que os sócios levam para a sociedade. As contribuições podem
ser diferentes quer em quantidade, valor ou em relação ao objeto.

⮚ Quanto ao modo por que o condomínio sobre as res podia ser constituído, é
sugerido que, nas sociedades universais, bastava o consentimento das partes,
sendo desnecessária a traditio (ou outra forma de transmissão da propriedade).

⮚ Depois da entrega da res, o socio não a pode reclamar, a menos que se trate de
uma res furtiva ou proveniente de um ato ilícito que tenha sido condenado.

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1º ano de Direito FDCE CAD

3. Finalidade: o interesse comum que as partes se propõem realizar deve ser lícito e
suscetível de constituir uma utilidade ou vantagem patrimonial para todos os
sócios.

⮚ Por isso, não produz efeitos o acordo de constituição de uma sociedade que
reserve os ganhos para um ou algum dos sócios e as perdas para os outros. Não
admitia o pacto-leonino, isto é, um sócio apenas participar nos lucros e não nas
perdas.

⮚ Diferente é a participação desigual nos ganhos e nas perdas.


Podendo os fins ser muitos, justifica-se que as sociedades se classifiquem em vários
tipos:
a) Sociedades universais: é uma sociedade universal, porque os sócios contribuem
com todos os seus bens presentes e futuros.

b) Sociedades especificas: o seu objeto é constituído pela atividade profissional ou


económica dos seus sócios. Compreende a:
⮚ Sociedade constituída para uma determinada espécie de operações (comércio
de escravos, de géneros alimentícios, etc.).
⮚ Sociedade constituída para a realização de um negócio determinado ou para
reparar uma res comum.

Transferência do direito de propriedade do sócio para a sociedade:


● Todo o património passa a pertencer a todos os sócios.
● Transfere-se o património pessoal para o património de todos em regime de
compropriedade (ou condomínio)

Obrigações dos sócios:


1. Cada sócio deve contribui com o que foi acordado: res e/ou trabalho. É também
responsável pela evicção e pelos vícios ocultos da res entregue.

⮚ O risco e a responsabilidade pelos danos causados pertencem aos sócios desde


a conclusão do contrato ou a partir da entrega.

⮚ Cada sócio é obrigado a gerir os negócios sociais segundo os fins da sociedade e


a sua responsabilidade depende da culpa in concreto: deve empregar a
diligência que lhe é própria.

2. Cada sócio tem o direito de ser reembolsado dos gastos que tenha feito e
indemnizado dos danos que a gestão lhe causou.
⮚ Participa nos ganhos e nas perdas da gestão comum, sendo estas distribuídas
em proporções iguais seja qual for a contribuição de cada sócio, exceto acordo
diferente.

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1º ano de Direito FDCE CAD

● O contrato de sociedade não cria uma pessoa jurídica distinta dos sócios. Isto é, ao
contrário do ordenamento português (pessoas coletivas), no direito romano as
sociedades não têm personalidade jurídica. Por isso, não existem relações
obrigacionais entre a sociedade e terceiros: só há créditos e obrigações de cada
sócio com terceiros.

1. Se um dos sócios fizesse um contrato com um terceiro, a correspondente


relação obrigacional surgia unicamente entre as partes: o sócio e o terceiro. No
entanto, tal sócio atuava também como gestor de negócios ou mandatário dos
restantes que são, juntamente com ele, titulares do condomínio ao qual devia
ceder imediatamente os créditos e as responsabilidades das dívidas assumidas.
O direito justinianeu concedeu ao terceiro a faculdade de demandar também os
outros sócios caso obtivessem um enriquecimento.

2. Se todos os sócios fizessem um contrato com um terceiro, a relação obrigacional


considerava-se pro rata.

⮚ Quanto ao contrato de sociedade em que participasse um sócio e um terceiro,


o terceiro era totalmente estranho à primeira sociedade.

O contrato de sociedade extingue-se por:


● Cumprimento do prazo acordado;
● Realização do fim;
● Perda do património social;
● Acordo de todos os sócios;
● Renúncia de um dos sócios;
● Morte de um dos sócios;
● Execução patrimonial ou confisco de um dos sócios;
● Má condição económica de um sócio;
Com a extinção da societas, o condomínio dissolvia-se e seguir-se-ia a liquidação e
divisão dos bens sociais.
● Para cumprimento das obrigações assumidas no contrato de sociedade, cada socio
gozava da actio pro socio. Assim, o juiz devia apreciar todas as relações entre o
demandante e o demandado sem esquecer a interdependência das suas
obrigações.

● Ademais, o sócio condenado incorria na declaração de difamação, mas gozava do


benefício de competência: a condenação não podia superar o limite determinado
pelas suas possibilidades patrimoniais.

5.4. Mandato:
● O mandato é um contrato consensual e bilateral imperfeito no qual uma pessoa
(mandante) encarrega outra (mandatário) de realizar uma determinada atividade

20
1º ano de Direito FDCE CAD

no interesse do mandante, de um terceiro, ou destes e do mandatário, que se


obriga, por sua vez, a realizá-la gratuitamente.

● É um contrato do Ius gentium, de boa fé e inspira-se na confiança das partes.

● É um contrato gratuito porque há perda patrimonial para uma parte.

É constituído pelos seguintes elementos:


1. Consenso: é o acordo em que o mandatário aceita a tarefa que o mandante
incumbe.

2. Objeto: é a atividade que o mandatário se obriga a realizar. Deve ser lícita e


determinada e não é necessário que consista num negócio jurídico: qualquer
serviço pode ser objeto de mandato, desde que gratuito;

3. Finalidade: o mandato deve satisfazer um interesse do mandante, de um terceiro


ou conjuntamente também do mandatário. Não há mandato se a atividade
beneficiar exclusivamente o mandatário.

Obrigações do mandatário:
● Cumprir o encargo, seguindo as instruções do mandante ou, se não existirem,
segundo a natureza da atividade a realizar. Pode encarregar outra pessoa dessa
atividade, mas responde pelo trabalho da mesma.

● Prestar contas da sua gestão ao mandante. Se, da sua atividade, surgirem direitos
sobre terceiros, deve transmitir as correspondentes ações ao mandante.

Obrigações do mandante que podem surgir:


● Ressarcir os gastos feitos pelo mandatário na execução do encargo que lhe deu;

● Indemnizá-lo dos danos sofridos no exercício da atividade.

Direitos de terceiro:
● A relação jurídica derivada do mandato é-lhe estranha. Por isso, só pode reclamar
os seus direitos perante o mandatário que, por sua vez, deve demandá-lo das suas
obrigações.

O mandato extingue-se por:


● Execução do encargo ou impossibilidade material ou jurídica de o realizar;
● Vencimento do prazo fixado;
● Revogação do mandante;

21
1º ano de Direito FDCE CAD

● Renúncia do mandatário;
● Morte do mandante ou do mandatário.

● Ao contrário do que acontecia no direito justinianeu, na época clássica eram


considerados inválidos os mandatos que deviam ser executados depois da morte
de uma das partes.

Caso prático:
A encarrega B de celebrar uma compra e venda com C. No entanto, B não lhe paga, a
quem é que C deve cobrar?

No ordenamento jurídico português seria ao A. No Direito Romano demandaria B,


sendo que B chamaria A à ação pois B apenas estaria a agir como seu mandatário.

6. Contratos inominados
● Relações cujo vínculo jurídico que liga as partes surge quando só uma delas
realizou a sua prestação e, por isso, pode exigir à outra a prestação a que se
comprometeu: a restituição do que recebeu ou a entrega do equivalente
pecuniário ao benefício patrimonial obtido.

● Justificam o vínculo jurídico os seguintes elementos:


1. Conventio: acordo em que cada parte se obriga, em relação à outra, a dar uma
determinada res ou a realizar uma certa atividade;

2. A execução de uma das prestações: constitui a causa do vínculo obrigacional da


parte que não cumpriu o que foi acordado

6.1.Permuta:
● É um contrato inominado no qual uma pessoa dá a outra uma res determinada
para que esta lhe dê outra res (“dar/dar”).

● Existe obrigação de cada parte transferir a propriedade. As res devem ser


propriedade das partes.

Diferença entre permuta e compra e venda:

PERMUTA COMPRA E VENDA


Tem natureza real – torna-se perfeita
com a primeira datio Contrato consensual

Uma das partes assume a obrigação de Vendedor contrai a obrigação de


dar para que a outra também dê. transferir a posse da res vendida e o
comprador obriga-se a dar o preço.
Se apenas uma das partes realizou a

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1º ano de Direito FDCE CAD

datio e a res sofresse evicção, o dans


respondia por evicção. Se ambas as Responder por evicção (pág.10)
partes tivessem cumprido as suas
obrigações de dar, cada uma era
responsável por evicção. Igual para os
vícios ocultos.

6.2.Estimatório:
● É um contrato no qual uma pessoa entrega a outra uma res ou mercadoria
determinada para que esta a venda pelo valor acordado e se comprometa, num
prazo determinado, a pagar e a devolver as res respetivamente vendidas e não
vendidas.

● Caso a outra pessoa consiga vender a res por um preço superior ao acordado, esta
fica o excedente.

● Risco onera a parte de quem partiu a iniciativa contratual.

● Semelhante à compra e venda.

Elementos:
1. Entrega da res para que o accipiens a venda;
2. Fixação do valor a pagar ao tradens;
3. Obrigação alternativa de o accipiens pagar o valor fixado ou restituir a res;
4. Faculdade de o accipiens fazer sua a diferença entre aquele valor e o preço da
venda.

6.3.Precário:
● É um contrato no qual uma pessoa (precario dans) concede gratuitamente a outra
(precarista), a pedido desta, o uso de uma res ou o exercício de um direito, com a
faculdade de revogar, em qualquer momento, a concessão.

● Não se confunde com o comodato (que se aproxima), nem com a locação porque
proporciona um gozo mais amplo ao precarista e permite ao precario dans que o
revogue segundo o seu livre arbítrio.

● O precarista é um simples detentor: possui em nome do precario dans cuja posse é


protegida por uma ação que lhe permite recuperar a res e, portanto, cessar o
precário.

● Quanto à responsabilidade, o precarista respondia se tivesse agido com dolo ou


culpa grave.

6.4.Transação:
● É um contrato no qual as partes põem fim ou evitam um litígio mediante
concessões recíprocas.

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1º ano de Direito FDCE CAD

● Nem sempre a transação era possível: era recusada depois da sentença ou não era
admitida quando a dívida, em litígio, respeitasse a alimentos dispostos num
testamento.

● Não podia impugnar a transação quem tivesse agido com dolo.

7. Quase contratos
● Trata-se de relações que geravam obrigações. Na sua base não estava uma
conventio (acordo), mas sim um ato unilateral.

7.1.Promessa unilateral:
● A pollicitatio é uma promessa unilateral de realizar uma prestação.

● Na época clássica, o Direito Romano só conferia validade jurídica a promessas


determinadas por motivos de interesse público ou circunstâncias especiais.

● A simples promessa de recompensa a quem devolvesse ou contribuísse para a


devolução de uma res perdida ou roubada apenas vinculava se houvesse acordo.
Caso contrário, a sua eficácia não era jurídica, era social.

Caso prático:
● Perdi o meu cão e posto nas redes sociais para o encontrar e digo que quem
encontrar pago 100€ em troca, é um ato unilateral pois não existe acordo com a
pessoa que encontra o meu cão, mas sim uma obrigação de pagar.

7.2.Gestão de negócios:
● Ocorre quando alguém, sem estar encarregue ou obrigado pelo trabalho que
desempenha, realiza, por sua própria iniciativa e no interesse alheio, a gestão de
um ou mais negócio de outra pessoa.

● Desta atividade unilateral nasce uma relação obrigacional entre quem faz a gestão
(gestor) e aquele em cujo interesse atua (dono do negócio).

Tem como objetivo reduzir/atenuar conflitos entre 2 princípios:


1. Princípio de ordem pública: ninguém deve interferir na esfera patrimonial e
pessoal.

2. Princípio da solidariedade entre pessoas: relação solidaria entre homens para


evitar dos irreversíveis.

Obrigações do gestor:
⮚ Realizar a gestão que iniciou segundo a natureza do negócio e no interesse do
dono do negócio;

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1º ano de Direito FDCE CAD

⮚ Transmitir ao dono do negócio os efeitos dos negócios jurídicos concluídos, quando


os ratifique.

● A sua responsabilidade depende de culpa levis (ou in abstracto), mas se


empreendeu a gestão em momento particularmente grave e prejudicial para o
dono do negócio responde por dolo.

● Considera-se que atuou com a necessária diligência quando a sua gestão foi útil.
Por isso, se realizou negócios que se afastam dos normalmente feitos pelo dono do
negócio ou não respeitou a sua proibição, responde também por caso fortuito.

Obrigações do dono do negócio:


⮚ Ressarcir o gestor pelos gastos feitos e liberá-lo das obrigações assumidas.

Requisitos na época pós-clássica e no direito justinianeu:


1. Interesse patrimonial do dono do negócio: o gestor devia orientar a sua atividade
com visa à satisfação dos interesses patrimoniais do dono do negócio.

● Cumpria-lhe evitar um dano ou proporcionar um benefício.

● A sua atividade podia dirigir-se, por exemplo, à obtenção de um efeito material ou


negocial ou consistir na realização de um conjunto de negócios jurídicos.

● Desta forma, o dono do negócio não podia subtrair-se às suas obrigações para com
o gestor alegando, por exemplo, que queria que a sua casa que se encontrasse em
ruínas caísse.

● Não há gestão de negócios se alguém gere assuntos próprios julgando que são
alheios ou se alguém gere negócios comuns com um terceiro sem ser possível
separar os dois interesses. Se forem separáveis, haverá gestão de negócios
exclusivamente em relação ao terceiro.

2. Na sua atuação, o gestor deve ter a intenção de beneficiar o dono do negócio.

3. Utilidade: a gestão de negócios deve revelar-se útil ao dono do negócio no


momento em que for iniciada. É útil se houver um impedimento (ausência) ou
ignorância que impeçam o dono do negócio de atua.
● No entanto, o gestor deve agir como um homem normal (bónus paterfamilias) e
não segundo a vontade presumida do dono do negócio, como acontece no regime
português (o que é que o dono do negócio faria se cá estivesse?).

● Se o dono do negócio proibiu a gestão de negócios, o gestor não podia exigir-lhe o


ressarcimento dos gastos de que resultou um benefício. No entanto, se o dono do
negócio proibiu a gestão de negócios depois de conhecer os gastos para os não
reembolsar, o gestor podia demandá-lo com a respetiva ação.

Gestão de negócios de atos funerários:

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1º ano de Direito FDCE CAD

● A alguém que, sem estar obrigado e por iniciativa própria, efetuasse gastos
relacionados com atos funerários era concedido a actio funerária, que lhe permitia
reclamar aos herdeiros os gastos feitos, tendo em atenção a posição
socioeconómica do defunto.

● Esta ação era perpétua e transmissível aos herdeiros.

Caso prático:
1. A viu que na cadeira está uma bolsa que pertence a B, tendo B se esquecido desta
antes de sair da sala. A pega na bolsa para a devolver pela sua própria vontade a B.
A ficou com as obrigações de cuidar da bolsa e de a entregar a B.

2. A tinha que entregar um requerimento na secretaria e comentou com B que teria


que o fazer até às 10h. No entanto, A esqueceu-se de o levar e B fê-lo
espontaneamente por ela.

7.3.Enriquecimento injusto:
● Verifica-se quando uma pessoa enriquece sem causa justa e em detrimento de
outrem.

● A situação mais frequente ocorre quando alguém entrega uma res na convicção
errada de que está a cumprir uma obrigação. Para o proteger, o Direito Romano
concede-lhe uma actio pessoal denominada condictio.

● Accipiens / Dans

Indebiti solutio (solução desproporcional):


● A indebiti solutio verifica-se quando uma pessoa, julgando erradamente que está
obrigada, realiza uma prestação para extinguir a obrigação que, na verdade, não
existe.

● Em consequência, o accipiens (quem recebe) fica obrigado a restituir o que


recebeu com os eventuais frutos e acessões, depois de deduzidas as despesas.

Obrigação de restituição:
Dependia dos seguintes elementos:
1. Solutio: realização de uma prestação com a intenção de extinguir uma obrigação.

2. Indebtum: não existe quando alguém cumpre uma obrigação natural. No entanto,
podia verificar-se quando:

a) A obrigação que a prestação visa liquidar nunca existiu ou deixou de existir;

b) O objeto da prestação é diferente do objeto da obrigação e, por isso, não a


extingue;

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1º ano de Direito FDCE CAD

c) A obrigação existe, mas o pretor declara-a ineficaz.

3. Erro: a prestação só efetua porque quem a faz considera, erradamente, que a


obrigação existe.

4. Boa fé do accipiens: se este sabia que a prestação não lhe era devida, estamos
perante o furto.

Outras situações:
1. Era concedida a quem efetuou uma prestação de dinheiro ou outra res para o
accipiens realizar uma determinada atividade. Se não a realizasse, o dans
recuperava a res entregue.

2. Era concedida a quem fez uma prestação para o accipiens realizar ou não um ato
reprovado pela moral ou pelo Direito ou cumprir o seu dever jurídico. Não gozava
desta condictio o dans que também participasse no ato desonesto.

3. Concedida quando desapareceu a causa que existia quando se verificou a


prestação.

4. Concedida a quem efetuou uma prestação de dinheiro ou outra res para um fim
que não existia ou que não podia realizar-se ou que deixou de existir.

5. Concedida ao proprietário para recuperar a res roubada, contra o ladrão ou os seus


herdeiros. Porém, o enriquecimento não se fundava numa prestação.

8. Delitos e quase delitos

8.1.Delitos:
● É o ato ilícito sancionado com uma pena. Pode ser:

1. Público: ofende a comunidade romana e a punição consiste em pena pública


(corpórea ou pecuniária). Denomina-se crime.

2. Privado: ofende o indivíduo e a punição é a pena privada pecuniária.


Denomina-se delito.

● Responsabilidade subjetiva /equiliana: assente na culpa, dolo ou negligência.


Contrário da responsabilidade objetiva.

● O Direito Romano não conheceu o delito como categoria geral e abstrata, mas
particulares delitos que, segundo o ius civilie são:

⮚ o furto: apoderamento fraudulento, com vista à obtenção de um lucro, de


uma coisa ou do seu uso ou da sua posse;

⮚ a rapina: roubo violento de uma res alheia;

27
1º ano de Direito FDCE CAD

⮚ a injúria: ofensa à integridade física ou moral de uma pessoa;

⮚ damnum iniuria datum: delito que consiste na produção culposa de um dano


em res alheia.

8.2.Quase delitos:
● Além dos delitos previstos no ius civilie, existes outros atos ilícitos nos quais o
pretor concedia actiones in factum para os lesados poderem exigir a
correspondente indemnização.

● Ius honorarium

9. Direitos reais
● Segundo a teoria realista, traduz-se num poder direto e imediato sobre uma coisa
(elemento interno).

● Já no que respeita a teoria personalista considera os direitos reais uma relação


jurídica entre o titular do direito real e todas as pessoas sujeitas a uma obrigação
passiva universal - eficácia erga omnes (elemento externo).

● Tem por objeto coisas – artigo 202 e seguintes.

9.1.Direito de propriedade:
Definição:
● O direito de propriedade confere ao seu titular, de forma plena e absoluta, de usar,
fruir e dispor da sua res.

Características:
1. Confinidade: delimitação territorial / espacial.

2. Absorvência: tudo o que está ou se incorpora no terreno (águas, plantas, edifícios,


etc.) pertence ao proprietário.

3. Imunidade: o terreno não está onerado por quaisquer impostos ou encargos,


públicos ou privados, isto é, o terreno não podia ser tributado. Esta tributação era
pessoal: calculava-se segundo os bens, mas não recaía sobre a propriedade.

4. Perpetuidade: a propriedade é perpétua.

5. Plenitude: possibilidade de o proprietário de uma res retirar da mesma todas as


utilidades (art. 1305.º CC).

6. Absolutidade: é absoluto porque tem eficácia erga omnes.

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1º ano de Direito FDCE CAD

7. Exclusividade: não depende de nenhum outro direito, isto é, o proprietário pode


explorar / aproveitar a res sem depender de outro direito.

Conteúdo:
1. Usar: obter alguma utilidade sem alterar nem consumir a res;

2. Fruir: desfrutar ou recolher os frutos periódicos (naturais ou civis (arrendar ou


alugar)) sem alterar a substância da res;

3. Dispor: obter e dispor de uma res;

4. Possuir: situação de facto protegida pelo pretor.

Limites ao conteúdo:

1. Interesses públicos:
a) Expropriação por utilidade pública: a autoridade pública podia apoderar-se de
uma res alheia, sob duas condições:
i. Indemnizar o proprietário;
ii. Destinar a res expropriada à satisfação de um interesse público.

b) Limitações de terrenos ribeirinhos: os proprietários de terrenos confinantes


com rios navegáveis eram obrigados a permitir a utilização das suas margens
aos navegantes para aí desenvolverem atividades relacionadas com a
navegação e a pesca.

c) Limitações provocadas pelo trânsito publico: se uma via fosse deteriorada por
inundação ou ruína, o proprietário do terreno mais próximo devia permitir a
circulação do trânsito sobre o mesmo. Também os proprietários dos terrenos
confinantes com a via pública eram obrigados a mantê-la em bom estado.

d) Limitações por motivos urbanísticos: Limitações sobre distâncias entre


prédios urbanos. Mais tarde foi protegida a beleza dos edifícios, proibindo os
proprietários de arrancar as esculturas, estátuas e todos os elementos
ornamentais. Ainda, na época clássica, foram regulamentados a altura, a
distância e a estética dos edifícios.

e) Proibição dos proprietários de demolirem os edifícios para a venda


especulativa dos materiais.

f) Proibição de alienar res litigiosa.

g) Concessão, a qualquer interessado, do poder de escavar e explorar minas em


terreno alheio com a obrigação de entregar 1/10 dos produtos extraídos aos
proprietários e outro tanto ao fisco.

2. Interesses privados:

29
1º ano de Direito FDCE CAD

a) Proibição do proprietário de um terreno de desviar o curso natural das águas


fluviais com prejuízo do vizinho (art. 1351.º CC).

b) Permissão ao proprietário prejudicado pela sombra dos ramos de uma árvore


plantada no terreno vizinho de exigir o corte dos mesmos até a altura de 15
pés e os cortasse se o mesmo se recusasse a fazê-lo (não existe em PT – deriva
do art. 1366.º CC) e de poder arrancar e se apoderar das árvores inclinadas
sobre a sua casa no caso de o proprietário não o fizer.

c) O dono de uma árvore podia entrar no terreno vizinho para recolher os frutos
que aí caíram. Esta permissão cabia a todos os frutos e a quaisquer objetos
caso não fosse possível a sua recuperação por razões naturais.

d) Foi limitado o poder de o proprietário realizar, no seu terreno, obras que


constituíssem um obstáculo à ação do vento nas eiras vizinhas.

e) O vizinho tem que tolerar a intromissão de fumos, vapores, etc., provenientes


do uso ou exercício normal da propriedade vizinha.

⮚ Teoria do uso normal: devem considerar-se lícitas e ilícitas,


respetivamente, as emissões resultantes dos usos normal e anormal da res
própria.

⮚ Teoria das influências na propriedade alheia: direta (que só começam a


produzir os seus efeitos na propriedade alheia) ou indireta (efeitos
começam no terreno do agente e continuam no do vizinho). As influências
diretas são proibidas e as indiretas permitidas, sempre que não excedam a
tolerância normal.

⮚ Teoria do abuso ou do excesso do direito: o proprietário está proibido de


usar dolosamente o seu direito. De facto, segundo o princípio “ninguém
fere aquele que faz uso do seu direito”, a propriedade revela-se um
instrumento poderoso de um radial individualismo egoísta, caracterizada
como um ius utendi, fruendi et abutendi.

3. Motivos religiosos e morais:


a) A Lei das XII Tábuas proibiu a inceneração e a sepultura de cadáveres dentro
da cidade e a inceneração a menos de 60 pés do edifício mais próximo.

b) Os augures podiam ordenar a demolição de casas que os impedisse de


perscrutar o voo das aves.

9.2.Condomínio (=compropriedade – art. 1403.º CC):


● Equivalente a compropriedade no direito português.

● É a pertença a várias pessoas de uma res ou de um conjunto de bens.

30
1º ano de Direito FDCE CAD

● Constituía-se voluntária e não voluntariamente, segundo estivesse presente ou


ausente a vontade das pessoas que, entre si, acordavam pôr em comum
determinado bem ou bens.

● No caso de o condomínio surgir por efeito de uma relação jurídica ou de um facto


independente da vontade, fala-se de communio incidens, por exemplo, no caso de
uma res ser doada a várias pessoas.

● Um exemplo de condomínio constituído por vontade surgia num contrato de


sociedade, quando duas ou mais pessoas punham em comum uma coisa ou um
conjunto de bens para a realização de um fim comum.

● Titulares do condomínio eram designados domini ou sócio.

Teorias:
1. Teoria da divisão ideal da res: concorrem vários direitos de propriedade cuja
titularidade pertence a pessoas diferentes. Cada um destes direitos tem por objeto
não a totalidade, mas uma parte da res comum. Encontrando-se a res
materialmente indivisa, esta parte corresponde a uma quota.

2. Teoria da divisão do direito (propriedade comum parcial): Cada condómino tem


um direito não sobre uma parte ideal da res (quota), mas sobre o direito de
propriedade, ou seja, tem uma propriedade parcial. A quota não representa a res,
mas o próprio direito.

3. Teoria da propriedade única integral: Vê no condomínio um direito de


propriedade único com uma pluralidade de titulares. Em consequência, o exercício
deste direito por cada proprietário está limitado pela colaboração dos outros.

4. Teoria da propriedade comum integral: o condomínio é uma relação de


concorrência de várias propriedades sobre a mesma res. Cada condómino é titular
de um direito de propriedade e o seu exercício é limitado pela concorrência das
outras propriedades. Cabe-lhe uma parte, proporcional à sua quota, de tudo o que
é divisível.

5. Teoria da pessoa jurídica: no condomínio, a propriedade da res pertence à


comunidade ligada por uma unidade de querer, sendo cada condómino não
proprietário, mas apenas titular de uma expectativa de propriedade, isto é, o
proprietário de um condomínio é um sujeito fictício.

6. Teoria da coletividade dos condóminos: a propriedade do condomínio pertence à


coletividade, à unanimidade dos condóminos. Ao lado deste direito subsiste o
direito de cada condómino. A quota de cada condómino seria a expressão da sua
participação na coletividade.

Direito dos condóminos:

31
1º ano de Direito FDCE CAD

● Cada condómino tem o direito, livre e independente, de realizar atos jurídicos, de


agir judicialmente e de adquiri diretamente os frutos.

● Este direito de cada condómino é um verdadeiro direito de propriedade.

● Se fosse para acolher algumas das teorias, a preferência iria para as que referem a
pluralidade e a independência de várias propriedades que têm por objeto a res
total e por titular cada um dos condóminos: são as teorias da propriedade comum
parcial e da propriedade comum integral.

● Existe direito de preferência na venda da quota ideal de um dos sócios.

● Podiam vender ou onerar a sua quota, mas não o podiam fazer sobre determinada
parte da coisa (art. 1408.º CC).

Regime jurídico do condomínio:


● Cada condómino pode dispor juridicamente da res comum dentro dos limites da
sua quota ou fração do direito de propriedade, por exemplo, pode alienar e
hipotecar a sua quota, constituir usufruto, etc.

● No entanto, não pode realizar atos jurídicos que modifiquem ou alterem o direito
dos outros condóminos, sem o seu consentimento, por exemplo, constituir
servidões a favor ou contra o terreno comum.

● Se cada condómino tem um direito total de propriedade, só limitado ou


comprimido pela concorrência dos direitos dos outros, quando aquele direito
desaparece por falta de titular, estes estendem-se imediatamente por força do
princípio da elasticidade da propriedade.

● A todo o momento um dos condóminos podia instaurar uma ação a exigir aos
outros condóminos o termo do condomínio e obter a sua transformação em
propriedade individual ou disciplinar as relações internas e dirimir conflitos entre
ganhos, perdas e gastos comuns.

Regime relativo à disposição material da res:


● Os frutos eram adquiridos individualmente por cada condómino
proporcionalmente à sua quota de condomínio. A aquisição ocorria diretamente
com base na relação de domínio com a res, sem necessidade de acordo entre os
condóminos e mesmo contra a sua vontade.

● Relativamente ao uso, este traduz-se no gozo da res sem modificar ou alterar a sua
substância. As fontes estabelecem que cada condómino é livre de praticar os atos
normais de conservação e de gozo sem prévio acordo, desde que não exceda o
normal e não prejudique os restantes.

● Trata-se de um regime individualista e tolerante.

Caso prático:

32
1º ano de Direito FDCE CAD

O prédio de A e B tem duas frações autónomas e B quer vender a C. Cada um tem uma
quota ideal da coisa, ou seja, este não sabe qual é a sua parte. Logo, ele não pode
vender. Para o fazer tem que interpor a divisão da coisa comum ou ter o
consentimento dos outros comproprietários (A).

C ocupou indevidamente o prédio de A e B. A nada fez, mas B quer interpor uma ação
contra C. Este pode fazê-lo sozinho pois é proprietário da coia (qualitativamente é
idêntico, mas quantitativamente pode ser diferente). Esta ação corresponde a uma
ação de reivindicação.

10.Posse:
● A posse foi considerada um poder de disposição de uma res que o possuidor
exercia com a intenção de lhe pertencer exclusivamente, não confundindo com o
poder de dispor juridicamente.

● É pela posse que se tem da res que se presume quem é o seu proprietário (meio de
publicidade espontânea).

● Posse não se confundia com propriedade.

● Distingue-se da detenção, que se traduz na simples disponibilidade de facto de


uma res, sem o animus (não se comporta como proprietário).

● Regime idêntico ao Código Civil (art 1251.º e ss.)

Elementos:
1. Corpus: elemento material que se identifica com os atos materiais praticados
numa res. É um facto físico e social: físico porque se traduz numa ação que direta
ou indiretamente se exerce sobre a res; social porque é imposta e respeitada por
terceiros.

2. Animus: elemento espiritual ou psicológico que se traduz na intenção de possuir a


res atuando como se fosse proprietário. Indica a vontade duradoura, persistente,
de ter o domínio sobre uma res, de adquirir a sua propriedade.

Natureza
Entendimento da posse não como um direito, mas como uma a relação de facto:

1. A posse não se transmitia ao herdeiro porque, na época clássica, este não entrava
nas relações de mero facto.

2. A posse podia ser adquirida imediatamente por intermédio de terceiros por se


tratar de uma relação de facto.

3. Sendo o animus elemento essencial da posse, a sua cessação bastava para esta se
perder, ao contrário da propriedade, que se mantinha mesmo que o proprietário
se desinteressasse.

33
1º ano de Direito FDCE CAD

Objeto:
Só podia possuir-se uma res que pudesse tornar-se objeto de propriedade. Por isso,
devia:

1. Estar in commercio. No entanto, admitiu-se a posse de boa-fé de um homem livre


como servo. As suas aquisições pertenciam ao suposto proprietário.

2. Ser corpórea.

3. Ter individualidade própria. Não se podia possui uma res ligada a outra, com a qual
forma uma unidade.

● O direito romano reconheceu a possibilidade de uma res ter vários


compossessores: cada um tem uma parte indivisível.

Aquisição:
● Sendo a posse uma relação de mero facto, não se exigiam formas para a sua
constituição: necessário era que se verificassem as condições que a jurisprudência
fixou nos elementos material e espiritual.

A posse podia ser adquirida por:


1. Ocupação: nas res imóveis era preciso entrar e praticar atos que denunciassem a
sua apropriação permanente. Nas res móveis bastava uma relação com a res que a
pusesse à disposição do possuidor.

2. Entrega: nos terrenos, bastava pisá-los.

● Quanto às res móveis, a jurisprudência dispensou da apreensão material, mas


exigiu a sua presença junto do adquirente ou o depósito em sua casa ou, tratando-
se de mercadorias, que fossem assinaladas ou marcadas.

● Quanto ao elemento espiritual, apenas podia adquirir a posse quem tivesse


capacidade de gozo e de exercício.

Conservação:
● Apenas podia manter-se a posse enquanto se verificassem os dois elementos:
corpus e animus.
Situações de conservação da posse:

1. Res, embora o intermediário (detentor) tenha mudado;

2. Permissão da conservação da posse ao ausente; a quem abandonou o terreno; e ao


o intermediário que procedeu infielmente, abandonando ou alienando o terreno.

11.Direitos reais sobre coisas alheias

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1º ano de Direito FDCE CAD

● Tem como objeto uma res corpórea que é propriedade de outra pessoa.

● Traduzem a faculdade de os seus titulares realizarem determinadas atividades


sobre essa res e de exigirem, ao proprietário, uma conduta passiva.

11.1. Servidões prediais:


● Servidão é um direito real sobre uma res alheia.

● Satisfazem necessidades de um fundus (dominante), permitindo ao seu


proprietário realizar determinadas atividades no fundus do vizinho (serviente) ou
impondo ao mesmo a abstenção de certas práticas ou atuações.

● Objeto consiste em proporcionar uma determinada fruição ou vantagem ao fundus


dominante.

Regras:
1. A servidão não pode constituir-se sobre uma servidão.

2. A servidão não pode consistir num fazer: o proprietário do fundus serviente só


deve ter um comportamento passivo, devendo tolerar que o proprietário do
fundus dominante realize determinadas atividades no seu fundus. O proprietário
do fundus serviente só é obrigado a manter em bom estado a parte do seu edifício
em que se apoia a construção do outro.

3. A servidão não pode ser constituída sobre uma res própria.

4. A servidão deve satisfazer uma necessidade permanente e não transitória do


fundus dominante.

5. O fundi dominante e serviente devem ser vizinhos, embora possam não ser
contíguos.

6. A servidão é indivisível.

11.1.1.Servidões rústicas:
Reagrupam-se, principalmente, em duas categorias:

1. Servidões de passagem: direito de passagem a pé ou a cavalo ou a conduzir gado


ou carro num terreno alheio.

2. Servidões de água:
a) Direito de, atravessando o fundus do vizinho, conduzir água potável para
irrigar ou escoar o fundus dominante.

b) Permite retirar água de um poço que existe num fundus vizinho atravessar o
mesmo para aquele fim.

35
1º ano de Direito FDCE CAD

c) Direito de navegar sobre um curso de água existente no fundus serviente para


chegar ao fundus dominante.

11.1.2.Servidões urbanas (art. 1362.º, 1365.º CC):


1. Direito de as águas pluviais caídas no telhado de um edifício serem escoadas no
fundus vizinho.

2. Direito de apoiar um edifício numa parede ou pilar do vizinho.

3. Direito de projetar ou avançar uma varanda ou terraço, ou uma cobertura


protetora, sobre um fundus vizinho.

4. Direito que permitam a entrada de ar e de luz e de ter vistas.

Extinção:
1. O fundus serviente se tornar uma res extra commerciumI;
2. Demolição do edifício dominante ou do edifício serviente;
3. Renuncia do seu titular;
4. Não uso: 2 anos na época clássica e 10 no direito justinianeu;

11.2. Usufruto:
● É o direito real de usar e desfrutar uma res alheia, respeitando a sua consistência
material e o seu destino económico.

● A esta limitação juntam-se outras relacionadas com o caráter estritamente pessoal


do usufruto:
1. A sua duração não pode exceder a vida do usufrutuário.
2. Não é transmissível, embora o seu exercício possa ser cedido.

● Tem, do ponto de vista económico, um caráter conservador.

● Distingue-se da propriedade por não ter a qualidade de dispor.

Direitos e deveres do usufrutuário:


1. Uso não deve ser abusivo: o usufrutuário não pode transformar a res nem mesmo
torná-la economicamente mais rentável, embora (tratando-se de uma casa) possa
ornamentá-la e fazer os restauros necessários à sua conservação no estado em que
a recebeu.

2. Pertencem ao usufrutuário todos os ganhos que genericamente se consideram


frutos, naturais e civis, adquirindo os primeiros no momento em que se tornam
maduros, e os segundos diariamente.

3. O usufrutuário deve usar a res como um bom pai de família e sem exceder os
limites do conceito fruto.

36
1º ano de Direito FDCE CAD

4. É responsável pelas despesas que oneram a res: tributos, limpeza, etc. No


entanto, só responde por reparações destinadas à manutenção ordinária da res.
Gozava, porém, da faculdade de abandonar a res para se eximir de qualquer
responsabilidade, a menos que, por negligência, já se tivesse produzido um dano.

5. O usufruto coexiste com a propriedade : o usufrutuário tem o direito de usar e


desfrutar. O proprietário tem o direito de dispor da res sem prejuízo do
usufrutuário e conserva a posse, cabendo ao usufrutuário apenas a detenção.

6. Não respondia por deteriorações naturais, pelo desgaste próprio do uso ordinário
nem pelo perecimento da res causado pela sua utilização normal.

7. Locação do prédio (arrendar a terceiro) . Quando o usufruto acabar também a


locação acaba. O contrato de locação caduca com a morte do locador.

Proprietário:
● Cabe-lhe o gozo de todos os elementos que não tem o caráter de frutos.

● Tem a posse enquanto que o usufrutuário é mero detentor.

● Pode exigir ao usufrutuário que realize os atos necessário à boa administração da


res.

● Pode instaurar todas as ações que tutelam a propriedade: pelos danos causados à
res e se a mesma for subtraída.

● Pode adquirir e onerar a res com servidões que não prejudiquem o direito do
usufrutuário.

Extinção:
1. Renúncia;
2. Confusão;
3. Destruição, subtração ao comércio ou transformação da res numa nova;
4. Não uso durante tempo determinado;
5. Decurso do tempo para qual o usufruto se constituiu;
6. Morte do usufrutuário;

Caso prático:
A, proprietário de um prédio urbano, constitui usufruto vitalício a favor de B. B faz
contrato de locação com C por 10 anos. Passados 2 anos, A vende o prédio a D. A pode
vender prédio a D pois é seu proprietário. Com a venda do prédio, o usufruto não sofre
nenhuma alienação.
O que acontece ao contrato de locação?
Contrato de compra e venda NÃO AFASTA a locação pois não é o direito de
propriedade que está onerado pela locação, mas sim o usufruto.

37
1º ano de Direito FDCE CAD

Caducando o usufruto caduca a locação, ainda que o contrato de locação não tenha
terminado.
O que acontece ao direito de propriedade de D quando B morre?
Este expande-se, isto é, D tem o direito de usar, fruir e dispor do prédio.

11.3. Uso:
● Usuário inicialmente não podia recolher nenhuns frutos.

● Depois, o direito romano permitiu que o usuário, além do uso do prédio, também
pudesse recolher alguns frutos necessários à satisfação das suas necessidades
essenciais e da sua família.

● O uso é um direito intransmissível, indivisível e sofria a mesma limitação que o


usufruto: o respeito pela essência material e pelo destino económico-social da res.

● O usuário era, como no usufruto, obrigado a prestar uma caução, com que garantia
ao proprietário o uso diligente da res e a sua restituição no termo do uso.

● Ao contrário do usufruto, este não podia ser locado ou onerado nem podia ser
adquirido por usucapião.

● Idêntico ao regime português.

11.4. Habitação:
● É um direito real especial concedido a uma determinada pessoa de habitar ou
arrendar uma casa alheia.

● É, também, um direito indisponível, vitalício e não se extingue do seu titular pelo


não uso.

11.5. Direito de superfície:


● A superfície é um direito real transmissível, temporário ou perpétuo, gratuito ou
oneroso (pagamento de renda), que permite uma pessoa gozar, plena e
exclusivamente, de um edifício construído em solo alheio mediante o pagamento
de um cânone anual, dominado pensio ou solarium.

● Se o direito de superfície for temporário, acabando o prazo o prédio passa a ser


propriedade do proprietário do terreno alheio (princípio da absorvência).

● Regra geral, o direito de superfície vai por inerência obrigar à constituição de


servidões prediais pois o prédio edificado encontra-se encravado (art. 1529.º).

● Trata-se de uma figura jurídica criada para afastar as consequências


antieconómicas do conceito romano de domínio: constituindo a propriedade
imobiliária um pequeno território e pertencendo ao proprietário tudo o que lhe
acrescentasse ou incorporasse, o edifício construído também lhe pertencia.

38
1º ano de Direito FDCE CAD

● Direito de preferência na alienação de cada um dos prédios de modo a que o


direito de superfície possa ser extinto por conclusão.

● Esta situação causava grandes inconvenientes ao desenvolvimento de uma cidade


cujo solo pertencia ao povo romano.

● Inicialmente, tais inconvenientes foram ultrapassados nas construções em solo


público, quando os magistrados começaram a autorizar os particulares a construir
edifícios, a quem outorgavam o gozo mediante o pagamento anual de um cânone.

● Estas concessões constituíam-se através de um arrendamento de direito público.

⮚ Problema: Se A vendesse o prédio/solo a C, este podia dizer a B para se ir


embora. A fim de estabelecer o direito do locatário (B), teria que se estabelecer
que A exigisse a C que respeitasse o direito de superfície do contrato de
locação. Se A morresse, os seus herdeiros não tinham que respeitar a locação.
Ainda, se B quisesse vender o prédio a D teria que intervir o A.
Foram gerados muitos problemas pois o contrato de locação é um contrato
obrigacional (inter partes).

● Constituída, assim, uma relação pessoal que obrigava o proprietário do solo a


respeitar o gozo e a disponibilidade do edifício, dever-se-iam criar outros vínculos
que obrigassem os adquirentes do solo e do edifício:

⮚ No caso de se transferir a propriedade, o adquirente devia obrigar-se,


perante o cedente, a respeitar a concessão feita ao superficiário;

⮚ Cedendo este o seu direito de fruição e de disponibilidade, devia assumir a


obrigação, perante o cessionário, de o proprietário do solo respeitar a
concessão.

● Tais obrigações eram protegidas por ações pessoais que se instauravam para o
demandado (a parte contratual) ceder a ação que tinha contra o terceiro que,
posteriormente, se impunha a demandar.

● O direito justinianeu atribuiu à superfície a natureza de direito real.

● No entanto, para não renegar formalmente o princípio de que o proprietário do


edifício é o proprietário do solo, classificou o direito de superfície como um direito
sobre res alheia.

● A superfície constituía-se por contrato que podia ser uma venda, uma locação ou
uma doação.

● E extinguia-se se no fim do prazo, com a destruição de edifício, por renúncia,


confusão e prescrição, não cessando como sanção por incumprimento por parte do
superficiário.

Caso prático:
39
1º ano de Direito FDCE CAD

A
B D
C

A, que locou prédio a B, pretende agora vendê-lo a C. C é estranho ao contrato de


locação entre A e B e, caso pretendesse, poderia por termo à locação pois o contrato
de compra e venda afasta a locação.
B tem um prejuízo: construiu um edifício e agora perde o direito de propriedade sobre
o mesmo ao abrigo da característica do princípio da absorvência do direito de
propriedade. B poderia demandar o A por incumprimento do contrato de locação.

Tentativa de contornar este problema:


Estabelecer no contrato de locação entre A e B, que A assumiria a obrigação de, caso
decidisse vender o prédio, que o vendesse a alguém que respeitasse o contrato de
locação com B. Se A não cumprisse com esta obrigação, B teria direito a uma
indemnização por não cumprimento do contrato.
B é proprietário do edifício que construiu no solo do prédio de A e, por isso, pode
querer vender o seu prédio. Assim, este quer vendê-lo a D, mas D quer continuar a
beneficiar da posição de locatário do prédio de A. No limite, se o B vender o prédio a
D, o A pode dizer ao D “eu não o conheço de lado nenhum e eu não fiz nenhum
contrato consigo”, ou seja, teria igualmente no contrato de locação de A e B que se
estabelecer uma cláusula de que o B, se quisesse, poderia vender o seu prédio e
transmitir a posição contratual de locatário ao comprador (D) e o A aceitaria essa
transmissão.

⮚ No direito justiniano, o direito de superfície passou a ser um direito real com


eficácia erga omnes, o que levou à inexistência destes problemas. Agora:

A pretende vender o seu prédio a C, pode fazê-lo sem problema nenhum. C adquire o
prédio, mas esse prédio está onerado com um direito real (ónus sobre a res), isto é, C
vai ter que suportar, não podendo de forma alguma afastar o direito de superfície.
Mas ao abrigo do contrato de locação anterior, os ónus que A assumiu são ónus
pessoais, se cumprir tudo bem, se não cumprir terá apenas de responder perante a
outra parte, neste caso B. Mas se o ónus é um ónus sobre a res, com eficácia erga
omnes, neste caso, o C compra o prédio de A e o direito de superfície continua lá.
Igualmente, B pode transmitir o seu direito de propriedade sobre o prédio e, o
adquirente, D, continua a beneficiar do direito de superfície.

11.6. Direitos reais de garantia:


1. Penhor
2. Hipoteca
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1º ano de Direito FDCE CAD

● Garantias reais das obrigações têm por objetos coisas certas e determinadas ou um
conjunto de coisas certas e determinadas.

● Enquanto que as garantias pessoais incidem sobre todo o património do garante


(fiança), nas garantias reais o garante apenas responde com a coisa / coisas que é
objeto da garantia.

● São direitos reais, poder direto e imediato sobre a coisa, e só se manifestam se o


devedor não cumprir com as suas obrigações. Ou seja, são direitos reais potenciais.

● São acessórios do contrato de mútuo.

● eficácia erga omnes.

a) Penhor:
● Na época clássica, o penhor é um direito real sobre uma res alheia destinado a
garantir o cumprimento de uma obrigação.

● Constituía-se, normalmente, através de um contrato real, bilateral imperfeito e


caracterizava-se pela cedência, ao credor, da mera detenção de uma res, que se
obrigava a conservar e a restituir após a satisfação do seu crédito.

Características:
● Acessoriedade: o penhor é acessório do contrato de mútuo. Se o contrato de
mútuo for inválido ou inexistente, o do penhor também é.

● Indivisibilidade: o penhor é indivisível. Isto é, independentemente do montante da


dívida, o penhor mantém-se íntegro. Por exemplo, imaginemos que a dívida era de
1000€ e faltava uma prestação, e a coisa que tinha sido entregue ao credor
pignoratício como garantia valia também 1000€. Não importa que já só falte uma
prestação para a dívida se extinguir, o penhor continua íntegro, não pode o
devedor querer substituir a coisa que vale 1000€ por uma agora que vale 20€.

Extinção:
● Cessação da dívida garantida;
● Venda da res para satisfação do credor;
● Destruição da res;
● Renúncia;
● Confusão dos títulos de proprietário e de credor pignoratício

b) Hipoteca:
● Especial afetação da coisa ao cumprimento de uma obrigação.
● Não há transmissão do direito de propriedade nem da posse.
● Não implica entrega da coisa.
● Podia incidir sobre qualquer coisa, móveis ou imóveis.
● Mesmas características do penhor: acessoriedade e indivisibilidade.

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1º ano de Direito FDCE CAD

Constituição:
1. Acordo;
2. Testamento;
3. Disposição legal.

Acumulação de hipotecas:
● A falta de entrega da res possibilitava a acumulação de hipotecas sobre a mesma
res para garantia de obrigações diferentes.

● Neste caso, as relações entre vários credores eram disciplinadas, ordenando-se as


hipotecas segundo as respetivas datas: preferia o credor cuja hipoteca fosse
anterior e só com o resíduo da venda da res hipotecada seriam satisfeitos,
sucessivamente, os restantes credores.

● Se vária hipotecas tivessem sido constituídas simultaneamente a favor de


diferentes credores, preferia o possuidor.

Extinção:
1. Destruição da res;
2. Renúncia;
3. Confusão;
4. Extinção da dívida;
5. Venda da res hipotecada. Os restantes credores hipotecários só tinham direito ao
excedente.

Caso prático:
A pretende vender imóvel a B. Para o comprar, B precisa contrair um empréstimo em
pecúnia (mútuo bancário) a C, que é banqueiro. C, por sua vez, exige uma garantia:
uma hipoteca sobre a casa de D.
Esta garantia vai ser prestada por um terceiro pois o banco entendia que C não tinha
património suficiente para a garantia, tendo então D ficado com o seu prédio
hipotecado.
Agora, D pretende vender o prédio hipotecado a E. Este pode fazê-lo, sendo que a
hipoteca se mantém (eficácia erga omnes).
AGRADECIMENTOS:
Adriana Borges

Ana Rita Alves

David Silva

Eduardo Leão

Érica Araújo

Gabriel Pinho

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1º ano de Direito FDCE CAD

João Paulo Silva

Manuela

Marlene Ferreira

Matilde Campos

Miguel Ledo

Pedro Gomes

Apontamentos realizados por membros da CAD. Pedimos que qualquer erro de escrita ou de
direito verificado seja comunicado a um dos membros para posterior correção.

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