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NÃO VOS PREOCUPEIS COM O DIA DE AMANHÃ.

A BOA NOVA

DO

MOMENTO PRESENTE

1
O MOMENTO PRESENTE

“Não vos preocupeis com o dia de amanhã” (Mt 6, 34). Essas são as palavras com que o Senhor nos anima a viver
o momento presente com paz e alegria, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, sabendo que
todas as demais coisas nos serão dadas por acréscimo.
Como é, pois, bom ter sempre presente que a palavra Evangelho, com a qual definimos a mensagem de Cristo,
não significa, em grego, senão: Boa Nova.
Boa Nova, quer dizer, mensagem de esperança, de alegria, de coragem no nosso dia-a-dia, rumo ao coração do
Pai, à pátria que alimenta nossa Esperança.
Pois bem, no Evangelho, ouvimos Jesus dizer-nos com toda naturalidade: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste
é perfeito” (Mt 5,48). A princípio, podemos pensar que nosso Senhor e Mestre está brincando conosco, mas não é
assim. Está nos chamando à santidade, como nos diz são Paulo: “A vontade de Deus é que sejais santos”; ela é o fim
de nossa existência terrena e eterna.
Num outro lugar, e numa belíssima passagem, Jesus mesmo concentra as condições que precisamos para
alcançar dito ideal: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me.” (Lc
9,23). Eis, pois, o que precisamos para ser perfeitos: levar a cruz de cada dia, só a de cada dia, mas não aquela que
nossa imaginação inventa. Para esta cruz cotidiana, temos a graça divina; só nos resta dizer como Maria: “Sim”.
Vistas assim as coisas, quem poderá dizer que a santificação do dia-a-dia ultrapassa as suas forças. Só hoje!
Santificação do momento presente. Eis o “momento” do abraço com Nosso Senhor, a nossa adesão à sua vontade, na
qual está toda a santidade de uma criatura humana.
Para iluminar dita verdade, colocamos aqui uns textos que nos podem ajudar a todos. A Sabedoria Encarnada,
Jesus, abra nossos corações à divina graça. “Tudo é graça”, mas devemos acolhê-la a cada instante com boa
vontade.
Não hesitemos, pois, abrir nossos ouvidos à recomendação do Apóstolo Pedro: “Como é santo Aquele que vos
chamou, tornai-vos santos, também vós, em todo o vosso proceder. Pois está escrito: Sereis santos porque eu sou
santo” (1Pd 1, 15-16).
Que Maria Santíssima, Medianeira de todas as graças, no-lo alcance.

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TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE
DO
MOMENTO PRESENTE
Há já dois largos decênios que saiu à luz pública o áureo livrinho "A santificação do momento
presente", devido à douta pena do sacerdote dom Francisco Marti Fernández, que foi diretor do Instituto
Psiquiátrico de Valladolid, falecido no ano de 1981. Tal obra – redigida pela feliz sugestão do P. Sabino M.
Lozano ao seu autor – é a recopilação e amplificação de vários artigos publicados na revista "LA VIDA
SOBRENATURAL".
Posteriormente a esta publicação, apareceram na mesma Revista outros trabalhos que abordam, a
partir de diversas vertentes, um tema idêntico, isto é, a santificação do instante atual. Nas páginas seguintes
desejamos apresentar algo mais sobre tão saboroso argumento, convencidos de que os leitores
compartilharão conosco semelhante interesse, já que se trata de um ponto central da espiritualidade cristã.
Talvez designado com expressões variadas, mas de importância inegável.
Os ensinamentos evangélicos sobre a vigilância e os grandes avisos paulinos às comunidades cristãs
evangelizadas pelo Apóstolo, coincidem ao assinalar de que forma o cristão deve aproveitar a graça do
momento atual se quer deveras corresponder ao desígnio salvífico e santificador que Deus tem sobre ele.
Desde a parábola das virgens prudentes (Mt. 25, 1-13) e equivalentes (Mt 24, 45-51), até ao "vigiai e orai
porque não sabeis o dia nem a hora" (Mt. 24,42), é-nos advertido que cada momento é um momento chave,
e que cada degrau é definitivo: "Enquanto temos tempo, façamos o bem para com todos, mas especialmente
para com os irmãos na fé" (Gl 6, 10). Ou, como nos adverte o salmista: "Se hoje escutardes a voz do
Senhor, não endureçais o vosso coração" (sal 94,8).
Torna-se evidente que a santificação do momento presente pertence ao conjunto de temas básicos ou
centrais da perene espiritualidade evangélica e cristã. Basta examinar atentamente os seus conteúdos para
que disso nos certifiquemos.

1. Os momentos de Deus como torrente de graças.


Nós não vivemos o tempo nem no tempo como os homens que não têm fé. Sabemos muito bem que
somos temporais e que, algum dia, terminará a nossa cronologia terrena, porque todo o humano é
perecedouro. Isto é aceite, sem reticência alguma, por qualquer um, ainda que não seja crente ou agnóstico.
Mas o cristão, em virtude da sua fé, tem uma outra maneira de viver no tempo. Sabe que cada momento que
flui da sua existência é um instante salvífico, uma graça irrepetível, um encontro com o Senhor. O tempo,
como o próprio homem, também foi redimido e santificado. Foi colocado como cenário itinerante dos
filhos de Deus. Por isso, o tempo que o Senhor Se digna conceder-nos é um dom inestimável da sua infinita
misericórdia, um presente da sua amantíssima Providência.
Os teólogos chamam a cada instante de tempo assim concebido "Kairós" isto é, graça salvadora e
santificadora. A partir desta perspectiva, santificar o momento presente é aproveitar o dom de Deus que se
nos oferece "aqui e agora", procurando torná-lo fecundo, até produzir com ele, o 100 por 1, como a terra
fértil da parábola do semeador (Mt 13,8). O salmista sentia-se saciado por Deus na torrente das suas
delícias (sal 35,9), e isso, precisamente, é o tempo transcorrido ou vivido por nós: uma torrente oceânica de
amor e de misericórdia, de graças multiformes e ocasiões favoráveis. Ou, se preferirmos: uma cadeia de
momentos indefinidamente longa – como a vida de cada homem – na qual o Senhor prodigaliza os seus
dons sem taxa nem medida, buscando a nossa eterna salvação.
As suas graças constituem uma torrente, um rio, um oceano e um dissipar de bens. S. Paulo dir-nos-
á que "onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rom 5,20). E acrescentará que, havendo sido
predestinados por Deus à adoção de filhos, por Jesus Cristo, para "louvor do esplendor da sua glória",
derramou superabundantemente sobre nós copiosas riquezas de sabedoria e graça (Ef 1,6-8). Por
conseguinte, em termos paulinos, cada Kairós, ou momento salvífico, equivale a um transbordar divino, a
uma superabundância gratificadora. Posto que o fim de Deus na predestinação seja que a sua infinita
bondade brilhe e seja louvada por todos os homens.

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Assim se explicam muitas coisas. Por exemplo: porque o missionário zeloso aproveita todos os
minutos do seu ministério para pregar a mensagem. Porque o contemplativo faz perfeitamente, por amor, o
que tem de fazer a cada instante. Porque qualquer cristão no seu respectivo estado de vida e circunstâncias
específicas santifica o seu "hoje", o seu "agora", o seu "momento presente", como um dom divino do qual
se sente tremendamente responsável.

2. Sólidos fundamentos doutrinais


No fascinante tema da santificação do momento presente, não falta quem lamentavelmente
confunda as coisas, desvalorizando a sua importância transcendente. Não percebem que, no fundo, se trata
de viver a vida cristã na sua maior profundidade e responsabilidade, já que equivale a dar a Deus, em cada
instante, o que, em cada instante, Ele pede. Os seus fundamentos são tão firmes e sólidos como a doutrina
revelada em que se apoia. Sem a pretensão de esgotar tal temática, e tão somente em forma de exposição
sumária, aludimos esquematicamente aos 3 principais:
1º - Deus Trindade que criou o Homem, elevando-o à ordem sobrenatural e santificando-o com os seus
dons, tendo por suposta a atual economia da graça, dirige a alma no momento presente através da sua
ação: ação divina. Nesta afirmação encontra-se condensada a chamada "Teologia do momento presente"
(cf.F.MARTI, La santificación del momento presente, Valladolid, 1966, pp.79-91).
Toda a obra redentora realizada por Jesus Cristo ordena-se, em certo sentido, a que a alma adquira
"um novo modo de ser, de viver, de querer, de julgar e reagir", tal como o expressa S. Paulo: "Sois já uma
nova criatura" (Gl 6,15). "O que está unido ao Senhor, é um só Espírito com Ele" (1Cor 6,8). A absoluta
soberania de Deus Criador que elevou liberrimamente os nossos primeiros pais ao estado sobrenatural, a
redenção libertadora de Jesus Cristo, e a inabitação trinitária (Jo 14, 23), justificam de sobremaneira que a
nossa atividade deva ser totalmente conforme ao plano divino: "Esta é a vontade de Deus: a vossa
santificação" (1Tes 4,3).
2º - O dogma da Providência divina leva-nos a crer que o Senhor protege e rege todas as criaturas, de
tal modo que a sua infinita sabedoria "se estende de um ao outro confim e tudo governa com suavidade"
(Sb 8,1: Denz. 1784). Poucas verdades de fé se encontram tão claramente reveladas em tão numerosas
passagens da Sagrada Escritura, como a ação universal da Divina Providência. Os salmos testemunham a
cada passo a sua indefectível influência. Com efeito, "Yavé fez o pequeno e o grande, e cuida igualmente
de todos" (Sb 11,21; 12,13; 14,3). Jesus ensinou-nos no Sermão da Montanha como havemos de saber
confiar-nos, em todo o momento e circunstância, à Providência (Mt 6,25). Paulo fala-nos da universalidade
da Providência d'Aquele "que a todos dá vida, alento e todas as demais coisas" (At 17,25). S. Pedro exorta-
nos, com acento vigoroso, a que "confiemos todos os nossos cuidados ao Senhor, pois Ele cuida de nós"
(1Pe 5,7). A Teologia do momento presente descansa, portanto, neste segundo pilar dogmático, e estimula-
nos a viver cada instante com um penetrante sentido de fé.
3º - Segundo a doutrina católica sobre a natureza do estado atual, existe um influxo sobrenatural de
Deus sobre as potências da alma que coincide temporalmente com o livre exercício da vontade humana
(Concílio Tridentino: Decreto sobre a justificação, Dz.797). Deus não só se encarrega amorosamente, de
uma maneira imediata e intrínseca, de iluminar o entendimento, mas faz com que o seu influxo sobrenatural
proceda e acompanhe toda a livre decisão da vontade humana.
O Senhor está à porta e chama (Ap 3,20), atrai os que se aproximam de Jesus (Jo 6,44). No já citado
decreto acerca da justificação, a Igreja ensina solenemente o seguinte: "O amor de Deus pelos homens é de
tal modo grande que quer que sejam méritos seus, pelo livre exercício da liberdade humana, o que são dons
Seus em ordem da sua graça" (Dz 810). Onze séculos antes, Sto. Agostinho descrevia assim a admirável
operação da graça antecedente e subsequente, perfeitamente unidas na vontade humana: "Opera no
princípio para que queiramos realizar uma boa obra e coopera com os que quer para levá-la a feliz termo"
(De gratia et libero arbítrio, 17,33).
A Teologia do momento presente está, pois, edificada sobre um tríplice cimento que não pode ruir: a
absoluta soberania de Deus, a sua amorosa providência, e a natureza da graça atual. Portanto,
conseguiremos tanto mais viver com plenitude o nosso instante atual, quanto a nossa espiritualidade se
apóie consolidadamente sobre esse fundamento inamovível.
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3. Testemunho de um mestre contemporâneo.
O P. Alfonso Torres, S.J. (1879-1946) exerceu na primeira metade deste século um amplo e
frutuoso magistério espiritual no catolicismo espanhol. A sua figura colossal, tão injustamente esquecida –
como tantas outras às que urge resgatar do silêncio e da indiferença - , resplandece com fulgores excepcio-
nais nos nove volumes das suas Obras Completas, publicadas pela Editorial Católica, fora da sua coleção
oficial. Também se ocupou em insistir em que é preciso viver sobrenaturalmente o momento presente, para
o que se requer "o vazio da memória que nos põe continuamente diante dos olhos o que passou". Eis aqui
um texto antológico:
O demônio, que conhece todos os modos possíveis de desviar as almas, costuma levá-las sob boas
aparências, ao passado e ao futuro. Leva-as ao passado para lhes destroçar o coração, para amargurá-
las, ou também para que se sintam heroínas de um poema. E leva-as ao futuro, apresentando-lhes o
caminho da virtude como uma coisa inexequível e procurando que não sigam em frente, ou fazendo com
que forjem ilusões sobre o futuro, que logo ao primeiro sopro se desfazem. Se tivéssemos fortaleza para
fechar essas duas portas ao inimigo, vivendo no momento presente e preocupando-nos tão somente em
fazer nele a vontade de Deus, quantos enredos e enganos evitaríamos e quanta paz e segurança teríamos
no nosso coração! (VII, 635)
Este ilustre mestre da espiritualidade espanhola contemporânea sublinha como as coisas mais
agradáveis a Deus não são as que, em si mesmas, são mais virtuosas, "mas as que Deus pede em cada
momento, ainda que, em si, sejam menos perfeitas que outras" (VIII, 290). E sobre esta ideia diretriz
raciocinava com uma pontaria certeira para oferecer a solução a uma questão árdua:
Deus nunca deixa a alma de tal maneira que não lhe manifeste o que naquele momento quer dela.
Poderá ocultar-lhe o que vai querer depois, um momento depois. Poderá ocultar-lhe qual é o rombo que a
sua vida vai levar, poderá ocultar-lhe todos os seus futuros desejos. Mas ocultar-lhe o que no momento
presente dela quer, o Senhor jamais o oculta. (VIII, 290)
A santificação do momento presente está inseparavelmente unida ao exercício do abandono filial no
Senhor e à entrega ao Seu beneplácito, que são a suprema expressão do amor. Ambas as disposições
radicam, não tanto no entendimento, como no coração (cf. II, 302). O insigne pregador e diretor de almas,
coloca o santo abandono filial na Providência divina como raiz e chave de uma genuína espiritualidade
evangélica. Quem vive intimamente convencido de que o Senhor governa e dirige tudo com sapientíssima e
amorosa providência, olha o momento presente do seu itinerário terreno como um dom, uma graça, um
privilégio e uma predileção. A total pureza de consciência, de coração, de pensamento e de intenção, é uma
consequência prática deste viver o nosso presente de cada momento, no qual Deus nos convida a cumprir a
sua vontade. Perante o fugaz instante fluente o discípulo fiel de Jesus repete com Ele, ao Pai celestial: "Eu
faço sempre o que Lhe agrada" (Jo 8,29).

4. Espiritualidade segura
Parece-nos que a santificação do momento presente, tal como a explicam os grandes mestres e os
melhores tratadistas de Ascética e Mística, constitui, antes de mais, uma doutrina e não um método. É
susceptível, portanto, de ser vivida como uma espiritualidade segura, isto é, construída sobre a rocha (Mt
7,26). Porque os fundamentos – como vimos – são de uma solidez inamovível. Sendo muitas e numerosas
as razões que tornam lícito o seu frutífero exercício, emergem, a nosso parecer, dois de enorme eficácia
santificadora: a perfeita pureza de intenção que a acompanha, e a glorificação de Deus como objetivo
primordial.
Quem purifica constantemente a sua intenção, despojando-se radicalmente de todo o motivo
humano –autêntico motor da vida cristã–, consegue dar passos de gigante nos caminhos do Senhor. E quem
busca sem descanso a glória de Deus como fim supremo, torna extraordinariamente fecunda a sua
existência.
São muito poucos os cristãos empenhados em antepor sempre e em tudo a glória de Deus! Hoje,
como ontem, tem urgência e vigência o lamento de S. Paulo: "Todos buscam os seus interesses, não os de

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Jesus Cristo" (Fl 2, 21). Com toda a razão escreveria testemunhalmente Teresa de Lisieux: "Quero pensar
somente no momento presente. Estou certa de que unicamente neste momento se cumpre a vontade de
Deus" (Novissima Verba, 27 de Julho de 1897). Aqui está um caminho certo e uma espiritualidade segura.
Os teólogos e comentadores bíblicos falam cada vez mais das dimensões cristão do tempo.
Distinguem duas particularmente importantes: a dimensão sucessão ou movimento, entendido como a
duração de uma realidade temporal. Seria o tempo-externo que já Aristóteles, desde o paganismo, definia
como "o número do movimento no horizonte do antes e do depois". No entanto, desde o ponto de vista
teológico, interessa mais o tempo interno, em sentido qualitativo. Surge assim o chamado tempo-
acontecimento.
A Liturgia faz-nos refletir neste aspecto essencial. Assim, no Prefácio III do Advento, que nos
apresenta Cristo como Senhor e Juiz da História, lemos: "O mesmo Senhor que se nos mostrará então cheio
de glória, vem agora ao nosso encontro em cada homem e em cada acontecimento." Através deste
ensinamento revelador, a santificação do momento presente adquire tonalidades escatológicas. A existência
inteira de um cristão coloca-se, portanto, num estado definitivo, conseguindo-se o maior fruto do tempo nas
suas duas propriedades teológicas irrenunciáveis: a cíclica e a linear. De Deus vimos pela criação, e pela
justificação, no Batismo, e a Deus regressamos como nosso Fim e Juiz Supremo. À semelhança de Cristo, o
cristão sai do Pai e volta para o Pai (Jo 16,28). Quem santifica o momento presente acelera o seu regresso
ao Pai, "Criador e Senhor do tempo". Daqui deriva toda a teologia e espiritualidade do momento presente
santificado.
P. Andrés Molina Prieto
Revista: La Vida sobrenatural, nº.547, pp. 30-39.
Salamanca, 1990.

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O VALOR DO TEMPO

Diligência, meu filho, - diz o Espírito Santo - em empregar bem o tempo, porque é a coisa mais
preciosa, riquíssimo dom que Deus concede ao homem mortal. Até os próprios gentios tinham
conhecimento de seu valor. Sêneca dizia que nada pode equivaler ao valor do tempo.

Com maior satisfação ainda o apreciaram os Santos. Afirma São Bernardino de Sena que um só
momento vale tanto como Deus, porque nesse instante, com um ato de contrição ou de amor
perfeito, pode o homem adquirir a graça divina e a glória eterna.

O tempo é um tesouro que só se acha nesta vida, mas não na outra, nem no céu, nem no inferno.
É este o grito dos, condenados: "Oh! Se tivéssemos uma hora!" ... Por todo o preço comprariam
uma hora a fim de reparar sua ruína; porém, esta hora jamais lhes será dada. No céu não há pranto;
mas, se os bem-aventurados pudessem sofrer, chorariam o tempo perdido na sua vida mortal, o
qual lhes poderia ter servido para alcançar grau mais elevado na glória; porém, já se terá passado a
época de merecer.

E tu, meu irmão, em que empregas o tempo? Por que sempre adias para amanhã o que podes
fazer hoje? Reflete que o tempo passado desapareceu e já não te pertence; que o futuro não
depende de ti. Só dispões do tempo presente para agir...

"Ó infeliz! - adverte São Bernardo. Por que ousas contar com o vindouro, como se Deus tivesse
posto o tempo em teu poder?" E Santo Agostinho disse: "Como te podes prometer o dia de amanhã,
se não dispões de uma hora de vida?" Daí conclui Santa Teresa: "Se não estiveres preparado hoje
para morrer, teme morrer mal..." (S. Afonso de Ligório. "Tempo e Eternidade").

Dom Estêvão Tavares Bettencourt, O.S.B.


Pergunte e Responderemos, nº519, p.419.
Rio de Janeiro, setembro 2005.

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O TEMPO

Imagine que você tenha uma conta corrente e a cada manhã você acorde com um saldo de R$
86.400,00.
Só que não é permitido transferir o saldo do dia para o dia seguinte. Todas as noites o saldo é
zerado, mesmo que você não tenha conseguido gastá-lo durante o dia.
O que você faria? Iria gastar cada centavo possível, é claro!
Todos nós somos clientes deste banco de que estamos falando. Ele se chama tempo.
Todas as manhãs sua conta é reiniciada, e todas as noites as sobras do dia se evaporam. Não há
volta Você precisa de gastar o máximo, vivendo no presente seu depósito diário. Invista então no
que for melhor: na saúde, no serviço ao próximo, na procura de Deus, mediante uma leitura ou
oração.
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O relógio está correndo. Faça o melhor para o seu dia-a-dia.
Para você perceber o valor de UM ANO, pergunte a um estudante que perdeu o ano.
Para perceber o valor de UM MÊS, pergunte à mãe que teve seu bebê prematuro.
Para perceber o valor de UMA SEMANA, pergunte a um editor de um jornal semanal.
Para você perceber o valor de UMA HORA, pergunte aos amantes que estão esperando para se
encontrar.
Para perceber o valor de UM MINUTO, pergunte a uma pessoa que perdeu o ônibus.
Para perceber o valor de UM SEGUNDO, pergunte a uma pessoa que conseguiu evitar um
acidente.
Para perceber o valor de UM MILISSEGUNDO, pergunte a alguém que perdeu a medalha de
ouro em uma olimpíada.
Valorize cada momento que você tem. Valorize mais, porque você deve dividir com alguém
especial o suficiente para gastar o seu tempo junto com você.
Lembre-se de que o tempo não pára, não espera por ninguém, não volta atrás.
O ontem é história.
O amanhã é um mistério.
O hoje é uma dádiva. Por isso é chamado presente.
(Ledll R. Tormen)

Do livro: A vida é uma escolha.


Organização: Dom Estêvão Bettencourt, OSB.
Ed. Lumem Christi.
Rio de Janeiro, 2007.

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O TEMPO:
CRONOS e KAIRÓS

É uma questão de percepção.


Na vida de S. Paulo podem-se distinguir adequadamente duas percepções do tempo: uma
antes da sua conversão e outra depois.
Antes da sua conversão, a vida de Saulo de Tarso regia-se pelo tempo físico, o cronos, de que
todos nós nos apercebemos naturalmente, sem nenhum esforço. Segundo esta percepção,
necessitamos de um tempo material para cumprir a nossa missão neste mundo, para dar por
concluída a obra que nos foi encomendada. Uma criança ou um jovem morrem – segundo esta
concepção física do tempo – sem ter cumprido inteiramente uma missão específica.
Depois da sua dramática conversão, S. Paulo vive numa concepção inteiramente nova do
tempo: o kairós ou o tempo espiritual. No kairós não há um antes e um depois: vive-se o máximo,
o instante presente, o "nunc cœpi!": Começo agora! Daí as discussões sobre uma presumida
escatologia iminente na pregação de Paulo.
Para Saulo, urgia combater os cristãos como inimigos da Aliança Sinaítica e do Messias
anunciado. Depois, para Paulo, já Apóstolo, a luz de Cristo ressuscitado transformou o cosmos,
tudo se renovou, ele mesmo ressuscitou com Cristo para uma vida nova. Como Cristo vive no

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seu coração, não é necessário esperar a Parusía para gozar d'Ele. Mais ainda, o próprio Cristo, ao
fazer-se presente no coração do convertido, inaugura já a Parusía.
O kairós é um tempo espiritual, mas real, vivo e verdadeiro. Talvez, o único verdadeiro, pois o
cronos é próprio e exclusivo deste mundo, e o kairós é universal, não tem limites.
Se Stephen Hawking – o físico teórico mais célebre da atualidade – se convertesse (é ateu
militante), diria que o kairós é o mesmo cronos, mas com uma curvatura espaço-temporal infinita.
Isto é, um não está em oposição ao outro, mas o kairós inclui e supera o cronos numa síntese
superior.
Uma pessoa jovem pode falecer na plenitude fecunda do seu cronos, aproveitando a sua
ocasião, o seu kairós, para levar a feliz termo a sua vocação neste mundo, na Igreja. Pode repetir
antes de morrer as palavras de Jesus: "Pai, tudo está consumado… em Tuas mãos entrego o Meu
espírito". Sim, pode-o, porque uma obra eclesial, uma vocação, consuma-se não em função do
cronos mas do kairós (alguns chamam-no tempo karitológico).
No contexto do cronos, toda a morte é prematura, porque nos ficam uma multiplicidade de
coisas por fazer. Mas no universo espiritual, o do kairós, tudo depende da Misericórdia divina, que
entende como consumada uma obra quando satisfez as exigências do plano de Deus sobre cada um
de nós, que só conheceremos plenamente no Céu.
Neste mundo só vemos, como que a outra parte do bordado que a Misericórdia de Deus faz
com a sua Providência: um enredo de fios inextricável de cores caprichosas. Mas na luz da Glória,
veremos o lado direito, a frente do bordado: uma obra de arte delicada, imensamente bela, onde
cada fio e cada cor têm a sua própria função.
É um erro pensar (como faziam certos pregadores antigos) que a plenitude dos tempos chegou
quando Deus, depois de procurar esforçadamente por todo o mundo, ao longo da história,
encontrou em Nazaré uma Virgem digna de ser a mãe do Verbo encarnado.
Não é assim. A plenitude dos tempos chega quando a Misericórdia divina, na sua amorosa e
sábia providência, decide criar um coração virginal imaculado e fazê-lo digno de ser fecundado
pelo orvalho do Espírito Santo.
A plenitude não é uma consequência necessária da evolução da história, mas uma criação livre
e gratuita da Misericórdia divina.
Não estava preparado para morrer, nem havia consumado a sua obra neste mundo, o tão jovem
irmão de Maria Antonieta de Geuser y Grandmaison ("Consummata") quando a metralha de um
avião inimigo destroçou a asa do seu caça e o precipitou por terra…, mas a misericórdia divina
teve por bem consumar espiritual e sobrenaturalmente o que naturalmente não havia podido fazer o
jovem piloto. O kairós consumou o que o cronos não podia conseguir. Este, pelo menos, foi o
pensamento da irmã do soldado, muito celebrado por seu tio jesuíta, Leôncio de Grandmaison.
E algo assim acontecerá na Parusía (quer seja a pessoal, quer a Universal): não chegará
enquanto o mundo não haja atingido um nível pleno de maturidade e de conversão. A plenitude do
tempo da Parusía chegará quando a Providência divina, na sua amorosa Misericórdia, leve à sua
última consumação todo o criado, que, por si mesmo, longe de chegar a consumar-se, chegaria a
consumir-se ou destruir-se a si mesmo.
A percepção do kairós neste mundo é sempre confusa e obscura. Inevitável e invencivelmente,
a nossa mente vive no cronos do antes e do depois. Mas, de fato, o nosso espírito deve aproveitar o
kairós, ainda que o não perceba sensivelmente.
S.Tomás de Aquino dá-nos um exemplo precioso de interconexão entre cronos e kairós numa
célebre antífona eucarística: "Oh sagrado banquete, em que Cristo é a nossa comida, se celebra o
memorial da sua Paixão, a alma se enche de graça, e se nos dá o penhor da futura glória!" (II
Vésperas do Corpus Christi, antífona do Magnificat). Um só momento de kairós: a Comunhão
("Cristo é a nossa comida"). Nela se unem numa síntese superior três momentos cronológicos: o
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passado ("memorial da sua Paixão"); o presente ("a alma se enche de graça"); e o futuro ("se nos
dá o penhor da futura glória"). Tudo num instante, que deve perdurar espiritualmente,
karitologicamente, ao longo de toda a jornada do cartuxo.

"Misericordias Domini, in æternum cantabo!"


Um Cartuxo Sul-americano.
Advento de 2008

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João Pedro de Caussade (1675-1751).


O abandono à divina Providência
Cap. 3.
As disposições que o estado de abandono solicita e seus diversos efeitos.

Há um tempo em que Deus quer ser a vida da alma e trabalhar na sua perfeição por si mesmo e
de uma maneira secreta e desconhecida. Então todas as ideias próprias, as luzes, as indústrias, as
buscas, os raciocínios são um manancial de ilusões. E, quando a alma, depois de muitas
experiências de resultado triste aonde a tem conduzido o possuir-se a si mesma, ela reconhece, por
fim, a sua inutilidade e descobre que Deus ocultou e confundiu todos os canais para fazê-la
encontrar a vida n’Ele mesmo.
Então, convencida do seu nada e de que tudo o que ela pode tirar do seu fundo é prejudicial,
abandona-se a Deus para não possuir nada mais que a Ele. Deus torna-se assim para ela uma fonte
de vida, não como ideia, como luz ou reflexão (tudo isso não é nela senão um manancial de
ilusões), mas pela realidade das suas graças, ocultas sob as aparências mais estranhas.
A operação divina é desconhecida para a alma, esta recebe a virtude, a substância, o real por
milhares de circunstâncias que ela crê ser a sua ruína. Não há remédio para essa obscuridade, é
preciso deixar-se afundar nela. Deus dá-se, e dá todas as coisas na obscuridade da fé.
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Cap. 4.
O estado de abandono.

No abandono, a única regra é o momento presente. A alma encontra-se leve como a pena, fluida
como a água, simples como a criança. É móvel como uma bola, para receber e seguir todas as
impressões da graça.
Essas almas não têm mais resistência ou rigidez que a do metal fundido; como este recebe todas
as formas do molde em que é vertido, também a alma adapta-se e ajusta-se facilmente a todas as

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formas que Deus lhe quer dar, numa palavra, a sua disposição é semelhante à do ar que está
disponível para todos os sopros e se configura com tudo.
Há uma observação importante que se deve fazer aqui: nesse estado de abandono, nesse caminho
de fé, tudo o que se passa na alma, no corpo, durante os afazeres e nos diversos acontecimentos,
oferece uma aparência de morte que não nos deve espantar. Que quereis? É a característica desse
estado. Deus tem seus desígnios sobre as almas e, sob esses véus obscuros, Ele os executa muito
felizmente.
Sob esse nome de véu entendo os maus sucessos, as enfermidades corporais, as fraquezas
espirituais.
Nas mãos de Deus tudo corre bem, tudo se torna bem; é por essas coisas que desolam a natureza
que Ele preserva e prepara o cumprimento dos seus mais altos desígnios: «Deus faz tudo concorrer
para o bem daqueles que são chamados conforme os seu desígnio».1
........

Cap. 4.
A pedagogia divina.

Viver da fé é viver de alegria, de segurança, de certeza, de confiança em tudo o que é necessário


fazer e sofrer a cada momento segundo o
desígnio de Deus. Por estranha que possa parecer essa conduta, de fato, é para animar e manter essa
vida de fé que Deus faz essa alma rolar e leva-a nas ondas tumultuosas de tantas penas, distúrbios,
obstáculos, langores, perturbações; porque é necessária a fé para encontrar Deus em tudo isso, bem
como essa vida divina que se dá a todo o instante de modo desconhecido, mas muito certo.
A aparência da morte no corpo, da condenação na alma, do transtorno nos negócios são os
alimentos e o sustento da fé. A alma atravessa tudo isso e vem apoiar-se na mão de Deus que lhe dá
a vida em tudo, a não ser onde se vê que há pecado evidente; é necessário que uma alma de fé
avance sempre com segurança, reconhecendo que tudo é véu e disfarce de Deus, cuja presença
íntima [nessas circunstâncias] atemoriza e refreia as faculdades.
O instinto da fé é uma alegria [que brota do reconhecimento] da bondade divina e uma confiança
fundada sobre a espera da sua proteção que torna tudo agradável e faz-nos receber tudo de bom
grado; torna a alma espiritualmente indiferente e preparada para todas as circunstâncias, estados e
pessoas. A fé nunca está infeliz, doente [espiritualmente] ou em estado de pecado mortal; essa fé
viva está sempre em Deus, sempre em sua ação além das aparências contrárias que obscurecem os
sentidos; estes, amedrontados, gritam de repente à alma: «Infeliz, estás perdida, não há mais
recursos!» E com uma voz mais forte, a fé diz-lhe no mesmo instante: «Mantêm-te firme, caminha,
e nada receies».
........

Cap. 4.
Uma paz superior.

Vamos, alma minha, através dos langores, das doenças, securas, durezas de ânimo, debilidades
do espírito, dos enganos do diabo e dos homens, das suas desconfianças, invejas, ideias sinistras e
prevenções.
Voemos como uma águia por cima das nuvens, com o olhar sempre fixo no sol e nas nossas
obrigações que são os seus raios.

1
Rm 8,28.
11
Sintamos tudo isto: não depende de nós o estarmos insensíveis, mas recordemo-nos que a nossa
vida não é uma vida de sentimentos. Vivamos nessa região superior da alma onde Deus e a sua
vontade realizam uma eternidade sempre igual, sempre uniforme, sempre imutável.
Nessa morada completamente espiritual, em que o não criado, o indistinto, o inefável mantém a
alma infinitamente afastada de todas as sombras e de todos os átomos criados. Os sentidos
percebem em suas faculdades, suas agitações, suas inquietações, cem metamorfoses.
Tudo se passa como no ar onde tudo está como que sem lógica e sem ordem, numa vicissitude
perpétua. Mas Deus e sua vontade são, no estado de fé, o objeto firme que encanta o coração e, no
estado de glória, fará a verdadeira felicidade.
A alma de fé, que conhece o segredo de Deus, mantêm-se totalmente em paz, e tudo o que nela
se passa, em vez de lhe atemorizar, tranquiliza-lhe. Intimamente convencida que é Deus que a
conduz, recebe tudo com graça e vive no esquecimento de si mesma do assunto sobre o qual Deus
toma de conta para poder pensar somente na obra que está entregue a seus cuidados, isto é, ao amor
que a anima sem cessar a cumprir fielmente e com exatidão as sãs obrigações.
........

Cap. 5.
O estado de fé pura.

O estado de pura fé é de algum modo uma mistura de fé, de esperança e de caridade, num único
ato, que une o coração a Deus e à sua ação.
Essas três virtudes reunidas são uma só virtude, um único ato, uma só elevação do coração a
Deus e um simples abandono à Sua ação.
Oh! unidade desejável da Trindade e dessas excelentes virtudes! Crede, pois, almas santas,
esperai, amai, mas por um simples toque que o Espírito divino, o qual Deus vos dá como um
presente, produz no vosso coração. É essa a unção do nome de Deus que o Espírito Santo derrama
no centro do coração. Eis aqui a palavra e a revelação mística, penhor da predestinação e de todas
as suas ditosas consequências: «Como Deus é bom para Israel, para os homens de coração puro»2.
Esse toque nas almas abrasadas chama-se amor puro por causa da torrente das graças| que
transborda sobre todas as faculdades, com uma plenitude de confiança e de luz. Mas nessas almas
embriagadas de [licor de] absinto, esse toque chama-se fé pura, porque a obscuridade e as sombras
da noite aqui são todas puras.
O amor puro vê, sente e crê. A fé pura crê sem ver nem sentir. Eis donde vem a diferença que
pomos entre uma e outra. Essa diferença não está fundada senão em aparências diversas, porque na
realidade, como ao estado de fé pura não falta o amor, assim ao estado de amor puro não falta nem
a fé nem o abando; mas esses termos são aqui apropriados por causa daquilo que mais domina em
cada um desses dois estados.
........

Cap. 7.
A vontade divina e o momento presente.

A vontade divina é a vida da alma, qualquer que seja a aparência em que essa vontade se
aplique à alma ou seja recebida por ela.

2 2
Sl 72,1. No texto original: da volúpia.
12
Qualquer que seja a recepção feita a essa vontade divina pelo espírito ela alimenta a alma e fá-la
crescer sempre em direção ao melhor. Não é isto nem aquilo que lhe produz tão felizes efeitos, mas
sim a ordem de Deus no momento presente.
Aquilo que era melhor no passado já não o é no presente, porque já está destituído da vontade
divina, que agora se manifesta sob outras aparências para mostrar o dever do momento presente. E
é este dever, qualquer que seja a sua aparência, que no presente se torna o mais santificante para a
alma.
A vontade de Deus é a plenitude de todos os nossos momentos e flui sob mil aparências, que
formam sucessivamente o nosso dever presente, configurando, acrescentando e consumando em
nós o homem novo, até chegar à plenitude que a Sabedoria divina nos destina.
Esse misterioso crescimento da idade de Jesus Cristo em nossos corações é o termo produzido
pela ordem de Deus, é o fruto da sua graça e da sua vontade divina. Esse fruto é produzido, cresce e
nutre-se pela sucessão de nossos deveres presentes que a própria vontade de Deus repleta, de modo
que cumprindo tais deveres é sempre o melhor nessa divina vontade.
Apenas temos que deixar essa vontade operar e nos abandonar cegamente com confiança
perfeita, pois ela é infinitamente sábia, potente, benfeitora para as almas que esperam totalmente
nela sem reservas, que amam e buscam somente a ela e creem com fé e confiança inquebrantáveis
que o que ela faz a cada momento é o melhor sem procurar outra coisa, de mais ou de menos, pois
isso não seria senão uma busca do amor próprio.
........

Cap. 8.
Que o homem faça a sua parte e Deus fará o resto.

Oh! Vós todos que tendeis à perfeição e podeis ter a tentação de vos desencorajar à vista do que
ledes na vida dos santos e do que os livros de piedade prescrevem.
Oh! Vós que vos acabrunhais a si vós mesmas pela ideias terríveis que formais da perfeição, é
por vossa consolação que Deus quer que eu escreva isso: aprendei o que pareceis ignorar; o Deus
de bondade tornou fácil todas as coisas necessárias e comuns na ordem natural como o ar, a água e
a terra. Nada de mais necessário que a respiração, o sono, a alimentação, mas também nada de mais
fácil.
Em virtude do mandamento que Deus fez a propósito do amor e da fidelidade, essas coisas não
são menos necessárias na ordem sobrenatural; é necessário então que as dificuldades não sejam tão
grandes quanto se imaginam; o homem percebe com tanta clareza que não pode duvidar disso:
«Teme a Deus e observa os seus mandamentos, eis aqui o tudo do homem»3, isto é, eis aqui tudo o
que o homem deve fazer de sua parte, eis em que consiste a sua fidelidade ativa: que ele cumpra a
sua parte e Deus fará o resto.
A graça reservando para si só o que ela faz, as maravilhas que ela opera ultrapassam toda a
inteligência do homem; pois nem o ouvido ouviu, nem o olho viu, nem o coração sentiu o que Deus
concebe em sua mente, resolve na sua vontade, e executa por sua potência nas almas2 que têm esse
fundo simples, essa toalha uniforme sobre a qual só a divina Sabedoria vai poder facilmente aplicar
e desenhar esses traços tão bonitos e perfeitos, essas figuras tão admiráveis.
A alma só se preocupa em oferecer, bem estirada, essa toalha de amor e obediência, sem pensar,
sem tentar buscar, sem refletir para conhecer o que Deus acrescenta, por que ela confia n’Ele,
abandona-se e, toda a ocupada em seu dever, não pensa nem em si nem no que lhe é necessário
nem nos meios pelos quais ela poderia procurar-se a si mesma.

3 2
Ecl 12,13. Cf. 1Cor 2,9
13
Cap. 9.
As riquezas do momento presente.

O momento presente está sempre cheio de tesouros infinitos; ele contém mais do que a vossa
capacidade pode comportar.
A fé é a medida: quanto mais credes mais a encontrareis. Também o amor é a medida: quanto
mais o vosso coração ama tanto mais deseja; e quanto mais ele crê encontrar, mais encontra.
A vontade de Deus apresenta-se a cada instante como um mar imenso que o vosso coração não
pode esgotar. Ele recebe tanto quanto a fé, a confiança e o amor podem abarcar. Todas as outras
criaturas não podem encher o vosso coração, pois este é maior que tudo o que não seja Deus.
As montanhas que assombram os olhos não são mais que átomos no coração. Nessa vontade
divina, escondida e oculta em tudo o que vos vai sucedendo no momento presente, é onde
encontrareis um tesouro que excede infinitamente todos os vossos desejos.
Não bajulais pessoas, nem adorais homens e fantasmas, eles não vos podem dar nem tirar.
Apenas a vontade de Deus realizará a vossa plenitude, sem vos deixar nenhum vazio; adorai-a, ides
a ela com retidão, penetrando nela e abandonando todas as aparências.
A morte dos sentidos, a desnudez, as subtrações ou destruições são o reino da fé, pois, enquanto
os sentidos adoram as criaturas, a fé adora a vontade de Deus. Derrubai os ídolos dos sentidos e
eles chorarão como crianças desesperadas, mas a fé triunfa pois ninguém a pode separar da vontade
de Deus.
E quando o momento presente assusta , esfomeia, despoja e abate todos os sentidos, então é
quando ele alimenta, enriquece e vivifica a fé, que ri de todas essas perdas, como o governador de
uma praça inexpugnável ri dos ataques inúteis.
........

Cap. 9.

A vontade de Deus concede a alegria nas coisas mais desoladoras.

A alma que vê a vontade de Deus nas coisas mais pequenas, nas mais desoladoras e mortais,
recebe tudo com igual alegria, júbilo e respeito. Abre as portas para receber com honra aquilo que
os outros homens temem e do qual fogem com horror. A bagagem é pequena, os sentidos a
desprezam, mas, o coração, sob esta aparência vil, respeita de igual modo a majestade real. E
quanto mais se abaixa, para atuar sem aparência e no segredo, tanto mais o coração é penetrado
pelo amor.
O que falta aos sentidos, realça, aumenta e enriquece a fé: quanto menos há para os olhos tanto
mais há para a alma. Adorar a Jesus na cruz é mais excelente para a fé do que adorá-Lo no Tabor.
A fé nunca é tão viva como quando o aparente e o sensível a contradizem e se esforçam por
destruí-la. Esta guerra dos sentidos torna a fé mais vitoriosa. Encontrar a Deus tanto nas coisas
ordinárias como nas grandes é ter uma fé não ordinária. Contentar-se com o momento presente é
apreciar e adorar a vontade divina em tudo o que há de se fazer e sofrer, nas coisas que compõem
com o seu suceder o momento presente. As almas assim dispostas adoram a Deus com um aumento
de amor e de respeito nos estados mais humilhantes.
Nada passa despercebido aos olhos penetrantes da sua fé. Quanto mais dizem os sentidos: «Deus
não está aí», tanto mais essas almas abraçam e apertam o ramalhete de mirra. Nada lhes assusta
nem desgosta.

14
BREVES TEXTOS DE SANTOS E AUTORES ESCOLHIDOS

A santificação do momento presente nos une à eternidade de Deus

“Jesus Cristo, para descrever a quietude gozosa que deve caracterizar o cartuxo, põe na boca do
Esposo divino: «Deixa-Me cuidar de ti, até que Me encontres; passa por cima de tudo o que é
múltiplo e mutável; espera-Me, ainda então, novamente com fé total, contando com a minha
Bondade. De tal maneira que, despojada de todo o teu desejo, livre de qualquer afeição às
criaturas, alheia a representações e fantasias, com um coração perfeitamente simples e nu,
afeiçoa-te e entrega-te a Mim para que Eu te possua; permanece em Mim naquele preciso
momento que constitui a minha eternidade (nunc æternitatis), onde não existe passado nem
futuro”.
Pe. João Lanspérgio.
Cartuxo alemão (†1539).

...

“Eu tenho confiança em Ti. Não sei em que consistirá o amanha, não sei em que consistirá o
minuto próximo, mas sei que será teu amor quem o haverá feito, e isto me basta.”

Pe. André Poisson,


Cartuxo († 2005).
.........

“Procurai a santidade no dia presente, pois não podemos contar [seguros] com o de amanha”

Santa Ângela da Cruz,


Fundadora das Irmãzinhas da Cruz.
........

''Deixemo-nos purificar por Deus aqui, a fim de alegrar bastante o Seu Sagrado Coração" (1860).
"Vivei simples de coração, cada instante perante Deus" (1872).
Beata Bárbara Maix,
Fundadora das Irmãs do I. Coração de Maria.
.
...
“Cada minuto nos é dado para nos enraizar mais em Deus”
Beata Elisabete da Trindade.
......

"PERSEVERANTES NA VONTADE DE DEUS DO MOMENTO PRESENTE"

"Quando estava no cárcere pensava cada dia na santidade e, ao fim, me convenci de que não
havia mais que viver bem o momento presente, porque nossa vida está composta de milhões de
minutos. Para fazer uma linha reta há que fazer milhares de pontos. E, se fazemos bem cada
ponto, teremos uma formosa linha reta. Nossa vida está formada por milhões de minutos. Si

15
vivemos bem cada minuto, teremos uma vida santa. Não se pode ser santos a intervalos. Não se
pode viver respirando a intervalos, porque temos que respirar sempre".

Cardeal Francisco Xavier Nguyen van Thuan, vietnamita,


que durante muitos anos viveu confinado num campo de concentração.

::::::::::::::::::::::

O INSTANTE PELO ETERNO

Troquemos o instante pelo Eterno.


Sigamos o caminho de JESUS.
A primavera vem depois do inverno.
A alegria virá depois da Cruz!

Passa o tempo, e com ele as nossas vidas.


Tal como passa o bem, passa a desgraça.
Passam todas as coisas conhecidas...
Só o NOME DE DEUS é que não passa.

Farei da Fé vivida cada dia.


A luz interior que me conduz.
À luz de DEUS, da paz e da alegria.
À luz da glória eterna, à Luz da Luz.

Louvado seja DEUS na mãe querida.


A natureza, que fez bela e forte.
Louvado seja pela irmã Vida.
Louvado seja pela irmã Morte.

Hino da Liturgia das Horas.

........................

“Não há momento em que a misericórdia e a generosidade do Senhor não esteja chovendo em ti


novas graças”.
São João de Ávila (Sermão 42,12).

.................

“Assimile os ensinamentos de Jesus e dê a cada dia um passo vertical em direção à vida eterna”.

16
“Quando o dia seguinte chegar, ele também será chamado de hoje e, então, você pensará nele.
Tenha sempre muita confiança na Divina Providência".
“Ah! Se você chegasse a entender o valor do tempo!"
“Se você tem tempo agora, não espere por mais tempo mais tarde".
São Pio de Pietrelcina.
.................

O conselho de Jesus a vigiar e orar (Mt 26,41) é a dica principal para santificar o momento
presente. Eis o que nos diz Bento XVI:

“O convite à sobriedade e à vigilância ... Jesus desenvolveu ... em algumas parábolas,


particularmente na das virgens prudentes e insensatas (Mt 25,1-13), e também nas suas palavras
sobre o porteiro vigilante (cf.Mc 13,33-36). Essas mesmas palavras indicam claramente o
significado que se deve dar ao termo "vigilância": não é sair do presente, especular sobre o futuro,
esquecer o tempo atual; antes, pelo contrário, vigilância significa fazer aqui e agora o que é justo
e cumpri-lo como se estivéssemos na presença de Deus”.
Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição.
Profecia e apocalipse no discurso escatológico. Pág. 54.
São Paulo, 2011.
.....................

«Agora é o momento favorável, agora é o dia da salvação» (2 Cor 6,2). A urgência com que estas
palavras do apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto ressoam também para nós é tal que não admite
escapatória ou inércia. A repetição do termo «agora» significa que este momento não pode ser
desperdiçado, é-nos oferecido como uma ocasião única e irrepetível.
Quarta-feira de cinzas, 13 de Fevereiro de 2013.

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SENHA FOCOLARES DE CHIARA LUBICH


PARA TER UM BOM DIA, COM A GRAÇA DE DEUS.

A vida de nossos dias exige que corramos para não perder tempo. Preocupações, afazeres,
prazeres, obrigações e deveres, dificuldades e obstáculos. São como um espinheiro que sufoca a
vida de Deus em nós.
No entanto, todos nós somos terreno fértil e devemos perseverar, para poder dar frutos. É uma
questão de decisão. Decido eliminar o espinheiro e a aridez, deixando o terreno preparado para
que a semente brote e dê fruto em abundância.
Estar no momento presente, fazendo uma coisa de cada vez e deixando em tudo o que fazemos, a
marca do amor.
Essa é a perseverança que leva à perfeição. Para hoje.

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::::::::::::::::::::::

NOTA: Para aprofundar no tema do “Momento Presente” são bons estes livros do Pe. José
Schrijvers, redentorista, grande diretor de almas falecido em odor de santidade na Alemanha:

- O dom de si.
- A boa vontade.
(Edição facsimil).

Editora: QUADRANTE - Sociedade de Publicações Culturais.


Rua Iperoig, 604.
05016-000 São Paulo (SP)
Tel.: (11) 3873-2270.
E-mail: quadrante@quadrante.com.br

LAUS DEO!

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