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A VIDA CARTUSIANA

UMA VIDA PARA DEUS

A única razão de ser destas páginas é


apresentar-te, o melhor possível, a vida de uma
família contemplativa, cujos monges eremitas
vivem, hoje como ontem, à procura de Deus em
prol da vida do mundo, "para que a tenha em
abundância" (Jo 10,10).
Quem são os Cartuxos? Que dizem? Que
fazem? Como vivem? Onde estão?
Encontrarás resposta a estas perguntas nas
páginas seguintes.
E, por que não? Talvez estas notícias te
descubram o caminho duma vida oculta que,
porventura, Deus tenha escolhido para ti. Porque
"BUSCAR A DEUS, ENCONTRAR A DEUS E
POSSUIR A DEUS" (Estatutos Cartusianos 1,4) é
"a única coisa necessária" na vida, segundo a
palavra do Senhor (cf. Lc 10,42).

Vida Contemplativa

A grande tentação dos homens de hoje é não


terem tempo para pensar em Deus, para procurar
Deus, para contemplar e amar a Deus.
Ora, para vencer essa tentação, superar esse
perigo e encher esse vazio, Deus suscita na Igreja
as Ordens Contemplativas em favor de todos os
Seus filhos.
Sim. A Missão dos contemplativos é serem, no
meio do mundo, "o olhar atento" da humanidade concentrado em Deus; serem os que permanecem na
presença de Deus, por aqueles que jamais se põem na Sua presença; serem os delegados da humanidade
esquecida de Deus, para Lhe apresentar o amor, a adoração, as lágrimas e os pecados de todo o mundo;
serem, enfim, os que deixam o mundo e as suas vaidades, para procurar Deus e dedicar-se totalmente a Ele.
Portanto, não é o egoísmo, o desprezo dos valores humanos nem a covardia o que inspira essa renúncia e
procura. Se o contemplativo deixa tudo, é com o intuito e o desejo de entrar plenamente na esfera e na órbita
de Deus, amado e procurado sobre todas as coisas.
"Se o contemplativo se retira do mundo, não o faz como desertor dos seus irmãos: todo o seu ser continua
arraigado à terra em que nasceu, cujas riquezas herdou e cujas preocupações e aspirações tem procurado
assumir. Fá-lo para se recolher mais intensamente na fonte divina em que têm origem as forças que
impulsionam o mundo" (Mensagem dos Contemplativos, IX, 1967).
A Igreja é ativa e contemplativa ao mesmo tempo (SC. 2). Existe nela o duplo ministério da ação e da união
com Deus. Aquele mais próximo dos homens, para os levar a Deus; este mais perto de Deus, em íntima união
com Ele, para alcançar da Divina Bondade a fecundidade do apostolado ativo.
Se o apóstolo não exerce o seu ministério para si próprio, mas para o proveito comum, de igual modo o
contemplativo foi incumbido de exercer o sublime ministério da oração, penitência e união com Deus em favor
de toda a Igreja, de todo o mundo.

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PALAVRAS DA IGREJA SOBRE OS CARTUXOS

Os membros da Ordem Cartusiana, em resposta a um apelo muito especial de Deus e a fim de viverem
somente para Ele, passaram "da tempestade deste mundo ao refúgio seguro e tranqüilo dum porto" (São
Bruno, Carta a Raul).
É assim que, desde há novecentos anos, a vossa Ordem se esforça por levar, com uma perseverança e
uma energia admiráveis, essa "vida escondida com Cristo" (cf.Col 3,3). Convém sublinhá-lo nestes dias em
que se celebra o aniversário da vossa fundação. Esta, com efeito, teve lugar em torno do dia 24 de junho de
1084. Foi, então, que São Bruno, homem eminente, começou, com alguns companheiros, esta forma de vida
separada do mundo, num lugar chamado Chartreuse, situado na Diocese de Grenoble (França).
Alegramo-nos convosco na recordação de tão feliz acontecimento, felicitamo-vos do fundo do coração por
uma tão longa fidelidade e queremos aproveitar esta oportunidade para manifestar a toda a família cartusiana
a nossa estima muito particular e o nosso paternal afeto.
Os homens sentem necessidade de saber o que é o absoluto e de o ver comprovado por um testemunho de
vida. A vossa função é, precisamente, de lho fazer ver.
Por seu lado, os filhos e filhas da Igreja que se consagram ao apostolado no mundo, no meio das coisas em
constante mobilidade e evolução, devem apoiar-se na estabilidade de Deus e do seu amor; estabilidade esta
que eles vêem manifestada em vós, que dela participais muito especialmente, nesta peregrinação terrena.
A própria Igreja, que, com o Corpo Místico de Cristo, deve oferecer incessantemente à divina majestade um
sacrifício de louvor - o que constitui uma das suas principais funções - tem necessidade do vosso zelo cheio de
devoção, vós que todos os dias "permaneceis de guarda na presença de Deus" (São Bruno, carta a Raul).
Hoje em dia, talvez por se dar demasiada importância à ação, a vossa vida eremítica, por vezes, não é
suficientemente compreendida nem estimada como merece, sobretudo por se sentir muito a falta de operários
na vinha do Senhor. Contra tal opinião é necessário afirmar que os Cartuxos devem conservar integralmente,
mesmo hoje, o caráter autêntico da sua Ordem. Isso concorda inteiramente com as normas do novo código
que, referindo-se às necessidades urgentes do apostolado ativo, defende a vocação peculiar daqueles que
pertencem aos institutos puramente contemplativos; e isto precisamente em razão do serviço que estes
religiosos prestam ao povo de Deus, pois "movem-no com o exemplo e dilatam-no com misteriosa fecundidade
apostólica" (Can.674).
A Igreja está convosco, queridos filhos e filhas de São Bruno; ela conta com os abundantes frutos espirituais
das vossas orações e das austeridades que suportais por amor de Deus. Já tivemos ocasião de dizer, a fim de
ilustrar o sentido da vida consagrada a Deus: "o importante não é o que vós fazeis, mas o que vós sois" (cf.
Alocução 01.10.1979, AAS, 71, 1979, p.1127). Isto parece aplicar-se por um título muito particular a vós, que
vos abstendes do que se chama vida ativa (Carta de Papa João Paulo II ao Pe Geral da Ordem Cartusiana, no
nono centenário da sua fundação - 14.05.1984).

A VOCAÇÃO CARTUSIANA
A Ordem Cartusiana
Entre as famílias contemplativas encontra-se a Ordem Cartusiana. Apareceu na vida da Igreja numa época
crucial. Não era nada novo em si, pois a sua essência enxertava-se no mais antigo monaquismo. Só vinha a
reviver uma absoluta orientação para Deus, uma busca do Absoluto, mediante o divino louvor, o afastamento
do mundo, o silêncio e uma alegre penitência. Assim, "buscar a Deus mais ardentemente no nosso interior,
mais prontamente encontrá-lo" é o fim que os estatutos lhe determinam.

O Fundador
A São Bruno escolheu-o Deus para ser o pai dessa família. Com mais seis companheiros, teve a missão,
sem o pretender, "de devolver à vida contemplativa a beleza e a integridade dos seus primeiros tempos" (Pio
XI). Isto acontecia em 1084, nas altas montanhas do deserto da Chartreuse nos Alpes Franceses. Bruno
faleceu no dia 6 de outubro de 1101.

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A pureza do ideal contemplativo de Bruno e o testemunho da sua vida são simultâneos. Embora dotado
extraordinariamente para servir à Igreja no apostolado externo, compreendeu que Deus Lhe pedia outro
serviço: a entrega de si mesmo ao "único necessário".
Uma extraordinária bondade envolve serenamente toda a sua existência até se converter em nota
característica do seu espírito, reflexo da sua alma e norma do seu proceder. A bondade de Deus será o
atributo divino que mais intensamente penetrará o seu coração. E dessa Bondade nasce a harmonia interior,
refletida na sua serenidade exterior, no domínio de si mesmo, na paz e na tranqüilidade. E, porque enamorado
de Deus, "Cativado por Deus" e unido a Deus, pode e sabe difundir o amor divino nos corações amigos,
conquistá-los para Deus, dispô-los à entrega total e dirigi-los pelo caminho empreendido.
É luminosa a lembrança que dele nos deixou de Santo Hugo, o bispo que o acolheu na Chartreuse: "Bruno
era um homem célebre pela sua ciência e piedade; um modelo de virtude, ponderação e perfeita maturidade;
um homem de coração profundo".

Os Cartuxos
A obra de Bruno, consolidada e organizada estavelmente pelos "Costumes" do seu quarto sucessor, cresceu
rapidamente por toda a Europa, desde a Suécia até a Calábria e desde Portugal até à Polônia.
Uma grande veneração e fidelidade uniu todos os cartuxos com seu pai, fundador e regra viva, na
consecução do ideal comum, desejando pertencer sempre ao grupo de homens que não baseiam a sua
existência nas coisas vãs e passageiras deste mundo, antes procuram, com toda a alma, Aquele que é
Absoluto, afirmam a supremacia do homem interior e dão ao mundo secularizado um testemunho de oração
viva.

O carisma vocacional
Uma radical consagração a Deus constitui o carisma vocacional da Ordem e do cartuxo. Para isso, o Espírito
Santo escolheu Bruno e seus filhos, e assim a Igreja dispensa o cartuxo de todos os ministérios ativos e
externos. A Liturgia, o gênero de vida solitária e comunitária, a formação e a espiritualidade vão ordenados a
esse fim.
Desse modo, alguns filhos de Deus favorecidos com tal vocação, desejosos de se entregar radicalmente a
Ele, encontram na Cartuxa os meios e o ambiente necessário para se realizarem.

A suprema razão
Essa dedicação só tem sentido pelo fato de se relacionar com Deus; de ser uma presença gratuita ante
Deus, porque é Deus; um viver para Ele, porque só Deus merece a entrega incondicional do homem e a
permanente disponibilidade do seu coração. A suprema razão dessa existência radica nos indeclináveis
direitos de Deus, Pai e Senhor, digno de que alguns dos Seus filhos vivam exclusivamente para Ele,
consagrados ao Seu amor, louvor e adoração, em imediata relação com Deus vivo e pessoal.
É a resposta de fé, esperança e amor com a qual o crente se abre à revelação e à comunhão do Deus vivo,
por Jesus Cristo, no Espírito Santo. Aí reside a essência de quanto a Igreja crê, espera e ama, é e faz.

A mensagem dos Cartuxos


Com essa radical entrega a Deus, os cartuxos querem lembrar ao mundo de hoje: a transcendência de
Deus, a cujo amor e serviço dedicam as suas vidas; a Redenção de Cristo, que estendem a todos os homens;
o Reino futuro tornado presente no desejo e na procura; e o valor da adoração, mais efetiva que a maior
atividade apostólica. A vida cartusiana dá testemunho do Absoluto de Deus, num mundo ameaçado pelo
relativo e efêmero; da presença de Deus, numa sociedade que põe de lado a religião; da primazia do amor,
numa humanidade esquecida de que somos irmãos. É um chamamento e um dom para o mundo, e também
uma resposta aos homens que, nos nossos dias, buscam com ânsia, mesmo fora da tradição cristã, métodos e
experiências contemplativas nem sempre autênticas.

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UMA VIDA PARA A VIDA DA IGREJA
Apostolado dos Cartuxos
O monaquismo cristão é uma radical orientação para Deus; logo, desempenha uma função insubstituível
para a vida da Igreja. É em nome dela que os cartuxos adoram e louvam a Deus noite e dia, intercedem pelos
homens, seus irmãos e atraem sobre eles as divinas bênçãos. Mais ainda, dir-se-ia que os cartuxos são os
representantes e intercessores de todos os homens diante de Deus. Tudo isto supõe um apostolado - o da
união com Cristo, fonte da graça e da vida - oculto, ignorado pelos próprios cristãos, mas real, efetivo e
necessário, como existentes, necessárias e efetivas são as artérias do nosso corpo, que transmitem silenciosa
e ocultamente o sangue vital a todos os órgãos.
Tal é o seu modo típico de ser Igreja, de viver na Igreja, de realizar a sua comunhão com a Igreja e de
cumprir a sua missão em favor da mesma Igreja.

Em favor do mundo
A clausura não isola da comunhão do Corpo Místico as almas contemplativas; muito ao contrário, coloca-as
no coração da Igreja e do mundo.
A vida cartusiana leva consigo uma renúncia ao mundo. Contudo, essa renúncia não é imposta pelo
desprezo, medo ou indiferença, mas é fruto do amor a Deus e aos homens. Se o cartuxo deixou estes, foi para
se unir e abraçar a todos através da caridade de Deus. Por isso, o monge sente-se unido aos homens, e faz
próprios os problemas, as ânsias e as dores dos seus irmãos, para os apresentar a Deus. Ele atua em favor do
mundo pelo fato de ser monge, "amigo e homem de Deus". Compreende-se que a presença dos
contemplativos represente para a humanidade o mesmo papel que o fermento na massa e o sangue no corpo.
É um testemunho silencioso.

Valor deste testemunho


O cartuxo não fica dispensado do apostolado pelo fato de ser um solitário. Antes, encontra nisso um dever
pessoal e conventual. A mente da Igreja não apresenta dúvidas: "Os instintos de vida contemplativa têm uma
importância singular na conversão das almas com as suas orações, obras de penitência e trabalhos, porque é
Deus quem, pela oração, envia operários para a Sua messe, abre as almas para escutarem o Evangelho e
fecunda a palavra de salvação nos corações" (Ad Gentes, 40).

SOLIDÃO E COMUNIDADE
Para a realização deste ideal de vida especificamente contemplativa, a Ordem Cartusiana reconhece uma
concreta e institucional primazia ao contato e escuta solitária da Palavra de Deus na fé; à comunhão de vida
como encarnação da caridade fraterna; e à Liturgia como experiência dos divinos mistérios. Por isso é uma
vida solitária, comunitária e litúrgica ao mesmo tempo. Se a Liturgia é a vivência do mistério pascal de Cristo, o
cartuxo vive-o no seu deserto e na sua comunidade. Assim, o melhor das duas formas de vida monástica
coloca-se ao serviço da vocação contemplativa cartusiana.

Vida solitária
"Retirar-se do mundo, para dedicar-se na solidão a uma vida de mais intensa oração, outra coisa não é
senão uma maneira particular de viver e expressar o mistério pascal de Cristo, e participar de modo peculiar
na sua passagem deste mundo para o Pai. Por essa razão surgiram os mosteiros, que se encontram no
coração do mesmo mistério cristão" (Venite Seorsum, l.1).
O que foi o deserto para os antigos monges, substitui-o, para o cartuxo, o seu mosteiro. Ele busca o
afastamento do mundo, não por comodidade, mas para se unir mais a Deus; para melhor escutar a voz do
Espírito e para mais se identificar com Cristo, caminhando com segurança para o Pai.
A tradição monástica convida o monge para a oração pessoal e secreta de Deus, fomentada pelo Ofício
divino e pela "lectio divina". Esta oração é para o cartuxo um elemento integrante da sua familiaridade com

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Deus. E a cela solitária é o lugar do seu retiro interior; o lugar santo em que Deus se faz encontradiço com a
alma que, por Seu amor, aí se recolhe e para Ele vive; o lugar onde lhe pode falar à vontade.

Vida comunitária
O cartuxo é eremita e cenobita ao mesmo tempo. No mosteiro cartusiano vemos uma família, uma
comunidade de solitários. São Bruno, com efeito, escolheu para a vida dos seus filhos as vantagens da vida
solitária e comunitária sem os inconvenientes que ambas apresentam vividas separadamente: os perigos dum
absoluto isolamento na solidão, e as distrações duma vida totalmente comunitária.
As reuniões comunitárias fomentam o espírito de família; estreitam os laços que unem a todos com Deus;
fazem participar dos frutos da caridade fraterna e contar sempre com o estímulo e o apoio dos irmãos na
vivência da mesma vocação.
Os cartuxos reúnem-se três vezes ao dia na igreja conventual. Aos domingos e nas solenidades há mais
reuniões. São dias especialmente comunitários para o cartuxo: o Ofício divino canta-se no coro, o almoço é no
refeitório comum (fora disso, o monge sempre come em sua cela) e uma recreação fraterna vem completar
esse aspecto cenobítico do dia do Senhor. Além disso, um passeio semanal pelo campo, fora do mosteiro, dá
vida a esta convivência familiar. O acesso e comunicação com os superiores permitem-se sempre.

A LITURGIA
Liturgia Cartusiana
Na Ordem de São Bruno, o culto divino invade e une harmoniosamente a solidão com o cenobitismo. O
Ofício divino e a oração pessoal lembram duas asas com que o monge se lança à conquista duma vida de
união com Deus, através das observâncias monásticas. Na celebração litúrgica, a vida cartusiana adquire todo
o seu sentido e valor; toma a sua genuína expressão e a forma mais visível da sua realidade: Uma vida
totalmente dedicada a Deus. "Na solidão e no trabalho, ofereçamos a Deus um culto incessante em seu louvor,
para o qual foi especialmente instituída a eremítica Ordem da Cartuxa, a fim de que, santificados na verdade,
sejamos os verdadeiros adoradores que o Pai pretende" (Est. 34.5).

A sua finalidade
A Liturgia é o melhor meio que o monge encontra para se unir à oração de Cristo e para a prolongar no
mundo. No mistério litúrgico acha, também, o conteúdo da sua vida e o modelo da sua contemplação. Além
disso, o cálido ambiente humano de família fica assegurado e sobe até Deus por meio da Liturgia monástica.

Momentos culminantes
Três são as reuniões litúrgicas do dia ordinário cartusiano: a Vigília noturna, à meia-noite; a santa Missa, da
parte da manhã; e as Vésperas, pela tarde. Nelas todo o Ofício é cantado com a participação de toda a
comunidade. Na Cartuxa conserva-se o antigo rito e canto gregoriano da época da fundação da Ordem.
Especialmente na Vigília noturna tudo se desenvolve num ambiente de recolhimento, silêncio e simplicidade.
As Vésperas, última reunião de cada dia, findam com o canto da Salve Rainha, súplica comunitária à Mãe e
Rainha do Mosteiro.

Oração Universal
A contemplação, abrindo a alma à invasão do Espírito Santo de modo peculiar, dilata o coração do
contemplativo, de forma a abismar-se profundamente na vontade de salvação universal do próprio Deus,
chegando a ser com Ele um amor que pensa em todos, que se preocupa com todos e a todos se entrega sem
reservas.
"O monge, tendendo incessantemente para a união com Deus, cumpre em si mesmo todo o significado da
Liturgia" - dizem os estatutos cartusianos. Quer dizer, a substância da Liturgia - comunhão com Deus e com os

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homens - invade necessariamente a oração íntima e livre do monge, dando-lhe vida, força e dimensões
universais. Assim, o cartuxo, como homem de oração, abre o seu coração em prece sobre toda a humanidade.

VIDA PENITENTE
Corredenção
A vida contemplativa é eminentemente uma eleição de imolação, uma escolha sacrificial, como consumação
do amor redentor. Trata-se dum aspecto essencial que expressa aquele "dar a vida por amor", segundo as
exigências da vocação cristã. É, em suma, a presença da Cruz de Jesus, sem a qual não há redenção.
A penitência é para o cartuxo uma exigência da sua amizade com Cristo, uma necessidade da sua união
com Ele. Porque deseja viver como amigo e imitador do Salvador, entra à vontade numa íntima colaboração
na sua OBRA máxima: a Redenção da Humanidade. Com efeito, se Cristo remiu o mundo com a oração e
imolação de Si mesmo, o monge, por meio da reparação e imolação pessoal, torna-se, com Cristo,
"propiciação pelos pecados". Por isso o cartuxo se considera "corredentor" com o Redentor. Eis o fundamento
da penitência cartusiana.

Austeridade
A vida na Cartuxa é simples, pobre e sóbria, pois voluntariamente se prescinde dos desnecessários
confortos. Prudentemente organizada, considera as necessidades da natureza e de cada pessoa. Não supõe
nada de extraordinário nem de inumano, antes se converte numa ajuda positiva, e em fonte de paz e de
profunda alegria, para o monge que dá com generosidade, segundo lhe pede a voz do Espírito.

PRESENÇA DE MARIA

Uma peculiaridade da Cartuxa é a devoção a Nossa Senhora. Toda a vida do cartuxo decorre sob a
proteção de tão BOA MÃE. O cartuxo sente por Maria um amor filial, participação e prolongamento do que
Jesus teve e tem Sua Mãe. E, além da ternura maternal, o cartuxo encontra em Maria o modelo da sua vida
contemplativa e o seu ideal vivo.
Com efeito, a SS. Virgem é o modelo da criatura dedicada, consagrada e sempre unida a Deus. E, como
Mãe de todos, tem a missão de formar e de tornar o monge semelhante a Jesus. Daí o fato de ser chamada
"MÃE SINGULAR DOS CARTUXOS" e de toda a espiritualidade cartusiana se impregnar da sua presença
através duma vida que responde à mensagem que Ela deu em Fátima.

OS MONGES CARTUXOS
O mosteiro cartusiano é uma família reunida pela força do Espírito. Os seus membros, padres e irmãos, são
todos monges e participam duma única vocação sob diferentes formas: monges sacerdotes e monges não-
sacerdotes.

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Monges sacerdotes
Um dos diferentes dons que enriquece a família cartusiana é o sacerdócio ministerial que recebem alguns
dos seus membros. Na Cartuxa, desde o começo, os monges do claustro destinam-se ao sacerdócio, graça
que os dispõe para o serviço dos irmãos e que urge uma mais estreita configuração com Cristo, "Sacerdote e
Vítima". "Há também no meio de nós - disse João Paulo II - aqueles que uniram a sua vocação sacerdotal,
duma maneira especial, com uma intensa vida de oração e penitência na forma estritamente contemplativa das
respectivas Ordens".
Para viver essa vida, cada monge tem a sua cela individual. É como uma pequena casa, onde o monge
encontra o necessário para a sua vida, mas desprovido das desnecessárias comodidades. Uma salinha de
entrada, o quarto, o oratório, o quarto de estudo, a oficina, o jardim e o banheiro, são as dependências dessa
casinha monacal. Todas as celas, porém, estão unidas por meio do claustro, em cujo dentro está a igreja
conventual e as outras dependências comuns.

Ocupações do monge sacerdote


No retiro da sua cela - elemento vital para o monge como a água para o peixe - , o monge tem um horário
que lhe dedica as diversas ocupações em que deve ocupar-se: exercícios espirituais (Horas menores do Ofício
divino, "lectio divina" e oração pessoal), estudos e trabalhos manuais. Com esse harmônico intercâmbio de
ocupações poderá manter são o seu equilíbrio físico e psíquico, servir à comunidade e imitar o Filho de Deus,
que também quis trabalhar com as Suas mãos.

Monges Irmãos
Outro dom da família cartusiana consiste na vocação dos "Irmãos". Como monges, também eles procuram a
Deus, consagram-se ao Seu serviço e adoração, vivem afastados do mundo, e participam na vida e funções
do mosteiro com igualdade de direitos e deveres.
A diferença de vida reside no modo de empregar os meios para realizar a mesma vocação contemplativa. Se
o monge sacerdote dispõe de mais tempo de estudo e retiro na cela, o irmão fará do trabalho manual um
elemento peculiar da sua vida. Desde esta porção na Igreja, eles vivem o seu sacerdócio batismal, e
"enquanto fazem os trabalhos quotidianos do mosteiro, louvam a Deus nas suas obras, consagram o mundo à
glória do Criador e põem as coisas naturais ao serviço da vida contemplativa" (Est. 11.3).

O dia-a-dia do monge Irmão


O dia do irmão está integrado por um conjunto humanamente equilibrado de atividade espiritual e material.
Os irmãos têm a responsabilidade da vida material do mosteiro, onde se vive pobremente e se evitam, quanto
possível, as relações com o exterior. É por isso que todos os ofícios podem ser aproveitados no mosteiro. No
horário dos irmãos entram os oportunos tempos de solidão e silêncio na cela, de oração litúrgica e pessoal, de
leitura espiritual e de estudos formativos. Participam todos os dias na tríplice reunião comunitária e têm uma
grande liberdade na maneira de cumprir o seu Ofício divino. Deste modo, "padres, irmãos e donatos
permanecem unidos entre si por fraterna amizade, mútuo respeito e num firme propósito comum de servir e
unir-se a Deus" (Paulo VI).

DEUS CHAMA

Como Deus chama


Cada um tem a sua vocação no Corpo de Cristo; e, mediante a resposta efetiva que se lhe dá, segundo o
plano divino sobre cada homem, tem-se ou não o influxo específico que cada filho de Deus exerce na Igreja.
Na descoberta da vocação entram em jogo a graça de Deus, que nunca falta, e a livre vontade do homem,
que deve cooperar. É preciso, pois, atenção à graça, reflexão sobre os próprios gostos e inclinações, oração
ao Senhor e consulta a quem possa informar. Conhecida, porém, a grande ignorância que existe sobre a vida

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contemplativa - e, em concreto, sobre a vida cartusiana - nada melhor para obter essa informação do que
dirigir-se ao Padre Prior duma Cartuxa.
A Ordem proporciona aos seus aspirantes a possibilidade de fazer experiência vocacional nos seus
mosteiros, a fim de melhor conhecerem a sua vocação e a vida cartusiana. Isto sem nenhum compromisso,
nem despesa.

Requisitos
No entanto, eis alguns dados ou requisitos que podem orientar na descoberta da vocação contemplativa
cartusiana.

• Desejo de viver para Deus com uma dedicação absoluta e sincera.


• Desejo de viver no coração da Igreja e ajudar os nossos irmãos mediante a união com Cristo, na
oração, penitência e afastamento do mundo.
• Ter uma boa saúde e um são equilíbrio, apto para a vida comunitária e solitária.
• Não ter compromissos familiares nem responsabilidades econômicas.
• Ter completado os dezenove anos e ter feito o serviço militar ou estar isento dele.
• Quem desejar ser monge sacerdote deve possuir os estudos colegiais ou equivalentes.
• E, sobretudo, ser capaz de dar a Deus um SIM! decidido e corajoso.

Etapas do caminho

A vocação é um chamamento de Deus e uma caminhada ao encontro dEle. As etapas desse caminho são
as seguintes:

POSTULANTADO:
É uma preparação para a vida monástica, mediante um contato experimental com essa vida. A sua duração
situa-se entre sete e doze meses. A sua finalidade é:
• adquirir consciência do chamamento divino;
• ver quais as nossas forças perante as exigências do chamamento;
• facilitar a mudança de vida e o ingresso no monaquismo dum modo prudente e progressivo.

NOVICIADO:
Inicia-se com a tomada do hábito cartusiano - túnica e cogula brancas. É como que um encontro com Cristo,
com a Ordem e com a nova família. É o tempo da formação fundamental; um colocar os alicerces para toda a
vida monástica. Dura dois anos, e segue-se em tudo o ritmo da vida conventual. No segundo ano começam os
estudos sacerdotais.

PRIMEIRO COMPROMISSO:
É um período de três anos de votos monásticos, vividos como experiência pessoal no seguimento de Cristo
com um amor indiviso, na pobreza, obediência e estabilidade monástica.

ÚLTIMA EXPERIÊNCIA:
Supõe a saída do regime do Noviciado e a renovação dos votos por mais dois anos. Tem por finalidade
experimentar todos os aspectos da vida cartusiana, antes de tomar a decisão definitiva. É a última fase da
conclusiva maturação vocacional.

PROFISSÃO SOLENE:
É a perpétua consagração ao Senhor. É um tornar-se para sempre Seu amigo fiel e servo dedicado. E
prolongar no mundo a consagração de Cristo ao Pai. A partir de então, o monge, ajudado pela graça da

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vocação, viverá em plenitude para Deus e para a Igreja, desenvolvendo o seu carisma vocacional da sua
identificação com Cristo.
Em todo o tempo, o monge mantém as necessárias relações com a sua família, mediante uma prudente
correspondência epistolar e podendo-a receber de visita dois dias, consecutivos ou distanciados, em cada ano.

Formação dos monges Irmãos


Embora as etapas sejam as mesmas, a formação dos Irmãos segue um processo diferente do plano
formativo dos sacerdotes, devido aos estudos. Abarca todo o tempo que vai da entrada até à Profissão
Perpétua. No entanto, depois do Postulantado, o candidato deverá escolher entre ser monge professo, como
os padres, ou então, ser monge Donato. No estado de Doação não se emitem os votos monásticos, mas o
Donato compromete-se a servir a Deus com todo o coração na Ordem Cartusiana. Desse modo pode realizar
a sua vocação monástica contemplativa. "O fim principal a que se ordena a vida dos irmãos é a união com
Cristo pela permanência no Seu amor. Portanto, quer na solidão da cela, quer mesmo nos trabalhos, procurem
com todo o coração permanecer na presença de Deus, ajudados pela graça da vocação". (Est. 15.19).

POR QUE CHAMA DEUS?

Deus chama por amor e espera uma resposta de amor.


E amar não é dar aquilo que sobra. É dar-se a si mesmo ao Senhor. Só aquele que ama se entrega total e
desinteressadamente.
É verdade que dar-se é uma aventura; mas é preciso vivê-la. Nos planos de Deus, todos somos
"aventureiros", "buscadores de Deus", descobridores do ABSOLUTO. E é uma felicidade arriscar-se por Deus.
Enamorar-se de Deus.
É, pois, necessário escolher o caminho, "o teu caminho" e "o meu caminho", porque cada alma tem o seu
caminho para buscar, encontrar e possuir Deus.
"Nos nossos dias, há também jovens de todos os sexos que, apesar dos riscos do presente, comprometem-
se pelo caminho do serviço de Deus, com toda a lucidez e generosidade" (Confer. Episcopal Francesa).

A ORDEM CARTUSIANA NO BRASIL

O Capítulo Geral de 1983 acolheu a petição dos Bispos


do Brasil de levar a vida cartusiana à América Latina,
iniciando a fundação do primeiro mosteiro no hemisfério
sul. A Providência divina escolheu o Brasil.
E a "Terra de Santa Cruz", o país que ostenta no seu
escudo nacional o Cruzeiro do Sul, a "Cruz do Céu",
acolhia em 1984 os quatro monges cartuxos que iam
iniciar ali a vida cartusiana: a presença de uma Ordem
que mostra também no seu brasão uma Cruz dominando
o mundo e coroada de sete estrelas, o símbolo dos sete
primeiros cartuxos e dos cartuxos de todos os tempos. O
escudo cartusiano tem esta legenda: "A Cruz permanece
enquanto o mundo dá voltas". Enquanto o mundo gira e muda sem cessar, vendo passar gerações,
instituições e inúmeros acontecimentos, a Cruz permanece estável, a derramar sobre a humanidade as graças
de redenção. E, com ela, permanecem os cartuxos, simbolizados nas estrelas, como fiéis servos e seguidores
do Senhor da Cruz.

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A partir de 21 de novembro de 1984 - IX Centenário da Fundação da Ordem Cartusiana - um pequeno e
provisório mosteiro cartusiano está a viver no Rio Grande do Sul, na solidão serrana de Três Mártires,
Paróquia de Ivorá, na Diocese de Santa Maria.
Os jovens interessados em colher mais informações podem dirigir-se ao Superior daquele mosteiro, com o
seguinte endereço:

Pe Mestre de Noviços
Cartuxa Nossa Senhora Medianeira
Boca da Picada s/n.
98160-000 - IVORÁ – RS

Tel./fax: 55- 3505 1294; 55-3289 5021.


E-mail: cartuxamm@terra.com.br

A Igreja quer que a Ordem Cartusiana continue. "A Cartuxa recebeu e manteve fielmente, como herança do
seu Fundador, uma vida afastada do mundo e unida a Deus. Toda a Igreja está interessada em que os
cartuxos, desejosos de dar a Deus a honra que Lhe é devida, consagrem perpetuamente as suas forças à
adoração do Senhor. Com esta dedicação, sincera e indivisa, a Cartuxa torna-se grandemente útil ao Povo de
Deus e até oferece uma poderosa ajuda a todos os homens que buscam o caminho da verdade e necessitam
da graça de Deus" (Paulo VI).

APÊNDICE
Concílio Vaticano II sobre a vida contemplativa

Os institutos que se dedicam exclusivamente à contemplação, na doação total dos seus membros a Deus,
na solidão e no silêncio, na oração assídua e na penitência jubilosa, embora a necessidade do apostolado
ativo seja urgente, conservam sempre um lugar proeminente no Corpo Místico de Cristo, em que nem todos os
membros têm a mesma função.
Com efeito, oferecem a Deus o exímio sacrifício de louvor, enriquecem o Povo de Deus com abundantes
frutos de santidade, movem-no pelo exemplo dilatam-no pela sua misteriosa fecundidade apostólica.
Desta maneira, tornam-se honra da Igreja e manancial de graças celestes (PC, 7).

Paulo VI
"A vocação é a verdadeira e última razão pela qual uma pessoa se lança à conquista dum ideal, embora
exija renúncia e sacrifício. Para esse convite Cristo valoriza as possibilidades do homem".

João Paulo II
É-vos dado viver a vocação contemplativa neste oásis de paz e de oração já descrito por São Bruno. É
necessário que vós, atuais seguidores daquele grande homem de Deus, tomeis os exemplos dele,
empenhando-vos em realizar o seu espírito de amor a Deus na solidão, no silêncio e na oração, como aqueles
que "esperam o seu senhor, ao voltar do seu noivado, para lhe abrirem a porta" (Lc 12,36). Vós, de fato, sois
chamados a viver como por antecipação aquela vida divina que São Paulo descreve na Primeira Carta aos
Coríntios, quando observa: "Hoje vemos como por um espelho, de maneira confusa, mas então veremos face
a face. Hoje conheço de maneira imperfeita: então, conhecerei exatamente, como também sou conhecido".
O Fundador convida-vos a refletir sobre o sentido profundo da vida contemplativa, para a qual Deus chama
em cada época da história almas generosas. O espírito da Cartuxa é para homens fortes: já São Bruno notava

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que o empenho contemplativo era reservado a poucos. Mas estes poucos são chamados a formar uma
espécie de "escolta avançada" na Igreja. A ação sobre o caráter, a abertura à graça divina, a assídua oração,
tudo serve para formar no cartuxo um espírito novo, robustecido na solidão, a fim de viver para Deus em
atitude de disponibilidade total.
Na Cartuxa empenham-se em obter a plena superação de si mesmos e em cultivar os germes de todas as
virtudes, nutrindo-se copiosamente dos frutos celestes. Há nisto um inteiro programa de vida interior, a que
alude São Bruno quando escreve: "Aqui se adquire aquele olhar límpido cuja visão clara fere de amores o
Esposo, e cuja pureza permite ver a Deus. Aqui se vive num descanso sem ociosidade e se repousa numa
atividade tranqüila" (Carta a Raul).
Esta vossa específica e heróica vocação não vos põe, todavia, nas margens da Igreja; ela coloca-vos antes
no coração mesmo dela. A vossa presença é um apelo constante à oração, que é o pressuposto de todo o
apostolado autêntico. A igreja estima-vos, conta muito com o vosso testemunho, confia nas vossas orações.
Também eu vos confio o meu ministério apostólico de Pastor da Igreja universal.
A atualidade do vosso carisma está presente na Igreja e faço votos por que muitas almas generosas vos
sigam na vida contemplativa. O vosso é um caminho evangélico de seguimento de Cristo. Exige uma doação
total na segregação do mundo, como conseqüência duma opção corajosa que tem na sua origem unicamente
o chamamento de Jesus. É Ele que vos dirige este convite, de amizade e de amor, a segui-LO para o monte,
para ficar com Ele.
O meu voto é por que deste lugar parta uma mensagem para o mundo e chegue especialmente aos jovens,
abrindo-lhes diante dos olhos a perspectiva da vocação contemplativa como dom de Deus.
Deste mosteiro, sois chamados a ser lâmpadas que iluminam a vida pela qual caminham tantos irmãos e
irmãs espalhados pelo mundo; sabei sempre ajudar quem tem necessidade da vossa oração e da vossa
serenidade. Embora na feliz condição de terdes escolhido com Maria, irmã de Marta, "a melhor parte que não
lhe será tirada" (Lc 10, 42), não sois alheios às situações dos irmãos que vos procuram no vosso lugar de
solidão. Eles levam-vos os seus problemas, os seus sofrimentos, as dificuldades que acompanham esta vida:
vós - embora no respeito da vossa vida contemplativa - dai-lhes a alegria de Deus, dando-lhes a certeza de
que rezareis por eles, que ofereceis as vossas asceses, para que também eles hauram força e coragem da
fonte da vida, que é Cristo. Eles oferecem-vos a inquietação da humanidade; vós fazei-lhes descobrir que
Deus é a fonte da verdadeira paz. De fato, para usar outra vez uma expressão de São Bruno, "que bem maior
do que Deus? Ou melhor, existe, porventura, outro bem que não seja Deus?" (São Bruno, Carta a Raul).

(Visita à Cartuxa da Serra São Bruno (Calábria-Itália) 05-10-1984).

Bento XVI
“A missão de São Bruno, o santo de hoje, é clara e podemos dizer que é interpretada na oração deste dia
que nos lembra que a sua missão foi silêncio e contemplação. Mas silêncio e contemplação têm uma
finalidade: servem para conservar, na dispersão da vida quotidiana, uma união permanente com Deus. Esta é
a finalidade: que na nossa alma esteja sempre presente a união com Deus e transforme todo o nosso ser.
Silêncio e contemplação, características de São Bruno, servem para poder encontrar na dispersão de cada
dia esta profunda e contínua união com Deus”.

(Aos membros da Comissão Teológica Internacional. Roma 06-10-2006).

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DISCURSO NA INAUGURAÇÃO DO NOSSO DESERTO CARTUSIANO
PELO SUPERIOR DO MESMO
(21/11/84)

Sobre as tuas muralhas, ó Jerusalém,


coloquei sentinelas, que não se calarão nem de dia, nem de noite,
louvando o Nome do Senhor.
(Is. 62.6).

Deus dirigiu essas palavras à cidade de Jerusalém, prometendo-lhe profetas para ajudar os seus filhos no
seu caminho espiritual. Essa palavra de Deus, dirigida a Jerusalém, está de fato endereçada a toda a Igreja e
a toda a humanidade.
A história humana se faz com a repetição da Palavra eterna de Deus, Amor infinito. O motivo disso é muito
simples. A Palavra de Deus é única. É o Seu verbo encarnado. A palavra de Deus é Salvação. Desde a origem
da humanidade Deus consagra para Si homens e mulheres, chamando em cada época da história, profetas da
vida futura, que formam assim, como diz o Papa João Paulo II, "uma espécie de escolta avançada" que
antecipam a vida futura e ao mesmo tempo vigiam, como sentinelas, a salvação, na oração, no silêncio, na
penitência.
Parece-me que essa Palavra de Deus está verificando-se neste momento, neste lugar, nesta Igreja do Rio
Grande do Sul, na Diocese de Santa Maria. Quer dizer, cumpre-se hoje para vós o que foi dito pelo profeta
Isaias, da parte de Deus: "Sobre as tuas muralhas, Jerusalém". O monge é um guarda, uma sentinela
colocada sobre as muralhas da cidade humana, sentinela que não se cala, nem de dia, nem de noite, louvando
o Nome do Senhor.
Caros irmãos, desejaria oferecer a todos vós uma pequena meditação sobre o sentido e sobre a dimensão
eclesial do nobre gesto do nosso caríssimo Pastor Dom Ivo, dos padres, dos(as) religiosos(as), com tantos
amigos aqui presentes neste momento. Toda a Igreja diocesana acompanha hoje quatro monges na sua
morada de solidão e de silêncio. No seu mosteiro, na Diocese de Santa Maria, Granja Medianeira, neste oásis
de beleza natural, de paz e, de hoje em diante, lugar de oração, de diálogo com Deus no silêncio, no trabalho,
no recolhimento, lugar de busca de Deus em nome da humanidade. Irmãos, nós vos agradecemos o vosso
gesto de amizade cordial, agradecemos a vossa presença, mas qual é em verdade o sentido do vosso gesto?
Qual é a sua dimensão espiritual, humana, cristã, a sua dimensão eclesial?
A resposta à pergunta está nas palavras que acabamos de ouvir. O vosso Pastor Dom Ivo dizia a mesma
coisa, um ano atrás, escrevendo na publicação da Diocese, chamada "O Santuário": "Uma Igreja que atua
zelosamente nos diversos campos da pastoral e que marca presença até nos terrenos sociais, não pode
esquecer a oração e a contemplação, deve também manifestar essa dimensão do Mistério da Igreja. Por isso,
ao lado da oração cultivada por todos, devem existir na Igreja indivíduos e comunidades que dedicam toda sua
vida à oração e à contemplação".
O Mistério da Igreja manifesta-se no Apostolado. "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho". Mas ao
mesmo tempo, o mistério e a vida da Igreja é oração, contemplação, intercessão, adoração.
Eis aqui o motivo essencial que inspirou o vosso Pastor Dom Ivo, junto com todos os bispos do Rio Grande
do Sul, em seu pedido de fé e de esperança, quando convidou os filhos de São Bruno para fundar um mosteiro
de monges contemplativos no Rio Grande do Sul. Tanto mais que a implantação da vida monástica nos países
que pouco a conservam, é um desejo e uma orientação do Concílio Vaticano II. O Concílio ensina que tal
implantação é tanto mais importante e necessária quanto a vida contemplativa faz parte da plenitude e da
natureza da Igreja (Ad Gentes 18); pelo que se pode pensar que uma Igreja que não leva os frutos da vida
contemplativa, quer dizer uma Igreja que não tem homens e mulheres que dedicam suas vidas à oração, não
atingiu ainda a sua plenitude, nem a sua fecundidade espiritual perfeita (Ensinamento do Concílio).
Num outro texto, o Concílio ensina que o monge que vive na oração, no trabalho, no recolhimento do seu
mosteiro e no silêncio, contribui de modo muito eficaz para que a Palavra de Deus, anunciada na Igreja e pela
Igreja, seja fecundada no coração dos homens (Perfectae Caritatis).

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Além de que, a Assembléia de Puebla, no seu documento final, afirma: "As comunidades contemplativas são
como o coração da vida religiosa". E o Papa João Paulo II: "A dimensão contemplativa da Igreja é o segredo
da sua renovação". Parece-me, caros irmãos, que neste momento toda a Igreja de Deus está reunida aqui:
bispos, padres, religiosos e religiosas, diáconos, leigos consagrados, pais de família, jovens, crianças, toda a
Igreja está acompanhando, sobre as muralhas da cidade humana, quatro sentinelas, quatro monges vindos de
longe, chamados pela Igreja mesma, trazendo-vos um aspecto essencial da vida eclesial e da sua missão,
ajudando-vos a atingir a plenitude da vida eclesial. Pois a Igreja deve ser uma comunidade onde Deus é
conhecido, anunciado, proclamado; mas além disso, deve ser ao mesmo tempo uma comunidade onde a
Palavra de Deus é escutada e recebida no coração do homem para a Glória de Deus e para o crescimento da
mesma Palavra na Igreja e na humanidade; uma comunidade onde Deus seja adorado, glorificado, amado,
contemplado, dia e noite, louvando o Nome do Senhor.
É bom lembrar-se também que a vocação monástica não é uma proclamação verbal. Não é com a sua
Palavra que o monge proclama. Não haja aqui um mal-entendido, um equívoco. O monge proclama a
existência e o Amor de Deus sendo um autêntico monge. A sua proclamação é a sua identidade, a sua vida, o
seu silêncio, o seu amor universal, o seu "ser monge. Com efeito, a sua vida monástica proclama que Deus
merece, na Sua Majestade e por Seu Amor inefável, que vidas humanas sejam consagradas inteiramente a
escutar a Sua Palavra, a buscar a sua face, a contemplar a Sua beleza infinita. Eis, irmãos, a proclamação
essencial deste mosteiro, e nenhuma outra. Proclama o Primado de Deus acima de tudo. Deus adorado. Deus
glorificado e amado. Também aqui poderia haver um equívoco. Desejo lembras as palavras do Papa João
Paulo II a respeito dessa situação particular e única: "Esta vossa específica e heróica vocação não vos coloca
à margem da Igreja. Ela coloca-vos, antes, no coração dela. A vossa existência é um apelo à oração,
exigência de todo o Apostolado autêntico. O mundo, diz o Santo Padre, olha para vós e, talvez
inconscientemente, espera muito da vossa vida. Continuai a dar um testemunho de vida silenciosa e austera,
que se transformará em fonte duma alegria, sempre nova. A atualidade do vosso carisma é evidente para a
Igreja: É uma opção que tem na sua origem unicamente o chamamento de Jesus. "A vossa vida não se
confina dentro das quatro paredes do mosteiro, mas diz respeito à grande história dos homens, onde se
constrói a justiça, onde se criam comunhão e participação, onde se procura instaurar a civilização do Amor,
onde enfim há de chegar, com a boa nova do Evangelho, a salvação que vem de Deus. Por isso, a vossa vida
contemplativa é absolutamente vital para a Igreja e para a humanidade, não obstante a incompreensão e
mesmo oposição que, às vezes, transparece no pensamento moderno" (Discurso pronunciado em São Paulo,
03/07/80).
Eis porque, irmãos, o vosso gesto nobre e delicado tem uma dimensão eclesial de grande valor. Manifestais,
ter compreendido o sentido da nossa vida contemplativa e o seu lugar na Igreja. "Sobre as tuas muralhas".
Este mosteiro, nascido como por encanto, manifesta a vossa fé. Este mosteiro é vosso, porque devemo-lo à
vossa grande generosidade. É toda a Igreja de Deus que agradece a vossa generosidade e a vossa solicitude.
Todos juntos agradecemos a Deus Todo-Poderoso, que deu à Igreja do Brasil este mosteiro. A semente
lançada sobre esta terra seja destinada a produzir fruto! Este mosteiro deve tornar-se o vosso orgulho. É a
vossa generosidade que permitiu consagrar este magnífico lugar a Deus e à Sua Glória. A Igreja vos agradece
e vos felicita. Deus vos pague e abençoe.
O meu voto é para que deste mosteiro parta uma mensagem para o mundo e chegue especialmente aos
jovens, abrindo-lhes a perspectiva bela e maravilhosa da vocação contemplativa, movidos pela consciência de
amar e de servir os irmãos com este silencioso testemunho. Enfim, pedimos todos juntos a Deus, Nosso
Senhor, por intercessão de Maria Santíssima Medianeira, que este mosteiro seja uma lâmpada, um farol que
ilumina a vida pela qual caminham tantos irmãos e irmãs espalhados pelo mundo, e que têm necessidade da
nossa oração e da bênção de Deus. Nós vos damos a certeza de que rezamos por vós, oferecemos a nossa
penitência, para que todos vós possais haurir força e coragem da fonte da vida que é Cristo. Sabemos da
inquietação de vossos corações. Este mosteiro lembra-vos que Deus existe, Deus ama, Deus é a fonte da
verdadeira paz.
Ainda uma palavra. Pedimos que respeiteis a nossa vocação, a nossa identidade, na Igreja de Deus. Mais
uma vez: o monge proclama pelo seu silêncio e reza por vós, na solidão. Ajudai-o, respeitando a sua
identidade, o seu silêncio. "Sobre as tuas muralhas, ó Jerusalém, coloquei sentinelas".

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Nós não abandonamos o mundo. Não escapamos das vossas dificuldades, nem nos desinteressamos dos
problemas que atormentam a humanidade. Esses problemas, esses sofrimentos nós os levamos em nosso
coração e em nossa oração, e no cenário agitado da história acompanhamos todos os irmãos e irmãs da
humanidade, na caridade de Cristo. Porque em nome de todos permanecemos:
Na presença de Deus. Amém.

ORAÇÃO SOBRE A VOCAÇÃO

Que tenho de fazer, Senhor? Como saber o concreto e individual que Vós quereis de mim?
Vós me colocastes no mundo com um destino pessoal, com um lugar apropriado para a minha vida, no
plano da Vossa providência paternal.
Destes-me para isso os dotes necessários e tendes preparadas as graças oportunas para o cumprimento
dessa missão.
Vós definistes o meu caminho, o melhor para mim, e eu devo procurar conhecê-lo.
Dignai-Vos manifestar-me a vossa vontade e colocar-me no lugar escolhido para este Vosso filho.
Fazei que a minha liberdade não seja uma liberdade de rebelde independência, mas uma liberdade de filial e
amorosa aceitação da Vossa vontade sobre mim. Amém.

HORÁRIO HABITUAL DA CARTUXA

00.00 - Vigília Noturna (Matinas e Laudes) em comunidade.


02.45 aprox. - Repouso.
06.30 - Levantar. Primas. Oração (na cela).
08.00 - Missa Conventual.
09.00 - Tércias. Lectio divina. Estudo. Trabalho.
12.00 - Sextas. Refeição. Tempo livre. Estudo. Trabalho. Leitura.
15.00 - Noas.
17.30 - Vésperas (em comunidade).
19.00 - Completas. Repouso.
23.45 - Levantar (para a Vigília).

O horário é para o monge, e não o monge para o horário.


O tempo consagrado ao Ofício divino, bem como o tempo das refeições e do repouso, é normalmente
inamovível.
Na distribuição particular do tempo do estudo, de trabalho e de oração pessoal, o monge dispõe de certa
liberdade para o fazer segundo as necessidades pessoais e da comunidade.

Ó BONDADE!

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