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Pirector-Proprietário
f£EVlS17£ AIRTISTICn,

INTERIOR.
SCaEHTaPIC^
ASSIGNATURA ANNUAL
20S0O0 EXTERIOR. .....
E E,a¥¥E^7SFf£EI^

25S000 I RUA Redacção e Officinas


DA ALFANDEGA, 24
JORGE SCHM1DT NUMERO AVULSO 2S000 — ATRAZADO 3S000 RIO DE JANEIRO

ANNO III FEVE^EIF^O 1906 N. 2

ENDEREÇO TELEGRAPHICO KÓSMOS-RIO — CAIXA DO CORREIO N. 1085

v^ \\ Ym&y

Aos primitivos leitores de Kósmos, nos


Estados, que ainda não reformaram as
suas assignaturas para o corrente anno,
prevenimos que só até Março lhes reser-
®s Varemos o numero publicado de Janeiro,
kfo
cedendo-os dahi por diante aos pedi-
dos que nos chegam e que, uma ve?
satisfeitos, exgottarão aí respectiva edição.

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sunnARio
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Chronica Olavo Bilac.
Cartas de Portugal Carlos Malheiro Dias.
A Bandeira Virgílio Várzea.
Elogio do Cordão João do Rio.
Typos e Symbolos João Luso.
O Poeta Varei Ia U. A.
Marechal Niemeyer .....
A Historia dos Gafanhotos Paulo Alberto.
Ruinas Pedro Rabello.
A Angustia Humana .... Miguel Barros.
Jacuacanga (photographias).
A Catastrophe de Jacuacanga.
Exéquias (gravuras).
O «Aquidabari» Armando Burlamaqui.
Fructos Maduros Coelho Netto.
Femina Lima Campos.

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KÓSMOS
CL SL -.A)
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lli)ifi
Ainda em todas as fachadas elos eelifi-
cios públicos pendiam em funeral as ban-
dei ras, ainda os jornaes enchiam as suas
primeiras paginas com a narração dets
desastres, ainda sobre o mármore das me-
XTRAVAGANTE e sinistra sas do Necrotério se inteiriça vam os ca-
)hysionomia, ao mesmo tem- daveres das victimas dos desmoronamen-
po chorosa t risonha, comi- tos, ainda as famílias pobres choravam os
ca e trágica de bailarina e seus cacarecos arrebatados pela violência
de carpideir a, de palhaço e das innundações, - e já, aos pinchos e
decoveiro, ce arleqtiim e de guinchos, com a cara enfarinhada e os
olhos esbe)galhados de loucura, sacudinde)
gato pingado, teve este me z de fevereiro!. a guizalhaeia da roupa espalhafatosa, o
Um rio de lagrimas rodeava o berço
Carnaval tomava conta da cidade, numa
em que elle nasceu: e, vogando por essa
corrrente de amargo prarto, veio de dia
barbara e ensurdecedora matinacla de bom-
bos e caixas de rufo.
em dia o mez fatal, entre desgraças e dis-
sabores. A Morte foi a sua madrinha e a •*=
sua confessora : foi ella quem o viu nascer,
Horrivel alliança parece essa. da Me)rte
crescer e morrer, e quem influiu sobre
e da Pândega, de braço dado, dansando
toda a sua curta existência de vinte e oito
dias, como uma fada pervcsa. juntas! Mas já Bauelelaire descreveu a irre-
sistivel attracção, que ha entre essas duas
Quando veio á luz o ullimo numero da dominadoras da vida humana, mostran-
Kósmos, já a cidade e todo o paiz se co- do-as como irmãs gêmeas, nascidas do
briam de luto: a catastrophi1 de Jacuacanga mesme) ventre:
acabava de amargurar tocas as almas, —e ** l.a Débauche et Ia Mort st.nt deux aimables filies,
parecia qne já não poderia haver calami- Prodigues de baisers, et riches de santé,
dades que ainda nos viessem augmentar a Dont le flane tonjoars vier^e et couvert tle gnenilles
Skus Teternel labeur n'a jamais enfanté.
afflicção. Engano ! por mais cheia de triste- Et Ia biére et 1'álcôve eu blasphen.es íecoudes
zas que possa estar uma alma, sempre Nous offrent tour à toar, comme deux bònnes sivurs.
De terribles plaisirs et d"alTreuses dòiiceurs !...''
nella haverá logar para renas tristezas...
As cheias dos rie^s con linuaram, conti- Haverá quem diga que isso não passa de
nuaram as nuvens de gafanheitos a devorar mórbido excesso de imaginação... Mas nãe)
os campos, —e, no Rio de Janeiro, os des- é verdade que a vida real nos está todos os
moronamentos vieram ajuntar um novo dias mostrando a verdade dessa concepção
horror aos horrores já existentes. E embo- do satânico poeta das Flores do Mal?
tados, como já saturados ce dor, e insen- Haverá por ventura cousa mais extra-
sibilisados pelo excesso ido soffrimento, vagánte do que esse Carnaval que tivemos,
ficámos todos ria muda resignação de quem em pleno mez de desgraças e dc misérias,
já nem forças possúe para se queixar da
— Carnaval macabro, que abafava cem o
inclemencia da sorte! estridor do seu zabumbar e do seu buzinar
Fevereiro, porém, era o mez do Car- os gemidos e os soluços de que ainda es-
naval... Não houve luto, não houve pranto, tava cheio o vasto peito da cidade?
não houve agonia que fizessem esquecer
¦

*
*
esse instincto baixo e grosseiro que impelle
os homens, periodicamente e irresistivel- Durante todo o mez, no noticiário das
mente, para a folia sensual e desordenada. gazetas, as noticias fúnebres acotovella-
E foi isso o que forçou o mez a ter uma ram-se com as noticias carnavalescas.
dupla physionomia, na qual um dos olhos ! Nesta colunma, contava-se o trabalho dos
chorava lagrimas em jorro, emquanto o scaphandros na bahia de Jacuacanga son-
outro despedia faiscas de riso, em piscadel- dando o mar, e pescando os cadáveres;
Ias de bregeirice e malicia. <J) narrava-se o apparecimento dos corpos
KÓSMOS
CL =9
deeqmpostos, roidos pelos peixes vorazes, <3i trazendo no craneo despèllado e secco uma
tão desfigurados que nem os olhos dos coroa de guizos erepitantes. Os teus bailes
amigos e dos parentes podiam reconhecer lembram-me bailes de múmias, num cerni-
nesse acervo de carnes putrefaCtas os traços terit), á luz pallida dos fogos fatuos, ao
das physionomias amadas que buscavam; som de uma orchestra de gnomos execu-
e referia-se o episódio shakespereano tando a Danse macabre deSaint-Saéns,—
daquelle continuo e desesperado vagar de bailes a que tivessem comparecido todos
um batei, no qual uma pobre mãe andava os phantasmas de Hoffmann, todos os ave-
como louca, possuída de uma idéia fixa, jões de Poé, todos os spectros de Radcliff...
mima anciã mortal, sobre as águas assas- Decidamente, não éum mórbido exagero
sinas dá baliia, á procura do cadáver de um da imaginação de Baudelaire aquella ami-
filho adorado... Alas, logo na columna se- zade das duas boas irmans,
guinte, as mesmas pennas que haviam •Ia Débauche et Ia Kfort ,
debuxado esses negros quadros de pezar
e angustia, entravam a pintar, em cores dando aos homens
espertas e gritadoras, a animação dos bailes ? de terríbles plaisirs et d'atTreuses doucenrs...»
e das orgias com que os clubs earnava-
lescos saudavam o inicio do regabófe es-
candaloso... Era o Riso ao lado da Lagrima, Emfim, não ha mal em que o povo se di-
era o berro da Folia casado ao estertor do virta, ainda que o seu divertimento
possa
Desespero, era o pinote do Can-can unido parecer sacrilego...
ás vascas da Agonia! Se, nesta aborrecida e triste existência,
Foi no dia 21 que se realisaram na Can- as lagrimas, as dores, o luto, os pezares fos-
delaria as exéquias em honra dos mortos sem eternos, mais valeria de certo
que re-
do Aquidaban; tres dias depois, a 24, en- corrêssemos ao suicídio em massa, como
trava o Carnaval; — de modo que não lia I ao unico remédio e ao unico consolo...
exagero em dizermos que passámos sem E é possivel (ouçam-me todos os deu-
transição da missa á orgia, do pranto ao ses!) é possivel que o Carnaval tenha vin-
pagode, do melancólico gemer do requiem do espantar e afugentar a hedionda jetta-
de Verdi ao bramir selvagem do zé-pereira. tura que nos está malsinando e perseguiu-
Ainda não se tinliam apagado na igreja as do ha dois mezes. Contra ella teem^sido
tochas, ainda não se tinham retirado das impotentes as rezas, as procissões, as de-
suas paredes as colgaduras de velludo negro preeações e os esconjuros de toda a espe-
semeadas de lagrimas de prata, ainda se não cie. Talvez tenham mais valor asassuadas,
havia desatravancado a sua nave das eças e as vaias, as desabridas corriólas e as frene-
dos catafalcos,-e já os "diabinlios" saraco- ticas surriadas dos "cordões" carnavalescos!
teavam pelas ruas, e ganiam os "pierrots", e E esperemos que Março nos venha tra-
chalaceavàm os "dominós", e uma espessa zer o descanço e o allivio que ha sessenta
nuvem de confetti revoluteava pelos ares. dias estamos pedindo. Este mez, que era o
O' desgraçado e sacrilego Carnaval, que primeiro do calendário romano, era, apezar
me fizeste lembrar aquelle horrendo e de ter o nome do deus da guerra, consagra-
ga-
inenlio esqueleto, que Antliero de Quental do a Mercúrio, o deus da eloqüência, do
cantou num soneto celebre, commercio, dos trabalhos e do progresso, "sem
"¦'Irr,:proc/ia/>li-m,-iit vestido á - cousas que não subsistir a
fíenoiton .'..." podem
Tu me appareceste como um arcabouço paz do espirito. Que o benigno Março nos
de ossos, embrulhado em farrapos de cores traga essa paz, -e que a jettatura vá pesar
vivas, e recoberto de lantejouías, mettendõ sobre qualquer outra parte da terra! o Bra-
á força as pHalanges duras dos dedos sil já está ficando com o direito de dizer
mima luva branca, com a gola do jaleco que tanta calamidade junta é calamidade
vistoso dansando sobre as claviculas des- demais para um só paiz...
camadas, em torno das vértebras mias, e IL
O. B.
KÓSMOS
fe S

massem do unico prestigio a que póde aspi-


rar a obra de um chronista: o interesse. Dis-
Captas òe Portugal sertar sobre litteratura parecia-me fácil. Mas
não seria pretender substituir-me ou anteci-
par-me ao julgamento que o Brasil está dia-
i riamente formulando sobre a nossa produc-
ção litteraria? Um livro portuguez não é
horas antes de- pegar na penna ainda —e oxalá o não seja nunca! -uma no-
para escrever a primeira carta d'este po- vidade com que se possa entreter e surpre-
QUANDO, bre Brasil da Europa pára esse prospe- hender o Brasil. Aquelles que merecem lêr-se,
ro Portugal da America, eu abri, a um tempo ao mesmo tempo se lhes voltam as paginas em
enlevado e receioso, a collecção do Kósmos, Lisboa e no Rio. Arriscava-me eu, dissertando
logo ás primeiras hesitações timoratas succe- sobre litteratura, a fazer, como chronista, uma
diam alegrias animadoras. Imaginava-me trans- reportagem à rebours e a cahir, mais do que
portado a dez annos atrás, na minha vida. na insipidez, na redundância. Mas não só nos
Voltava á convivência de antigos affectos, cuja livros que escrevemos se confinam os nossos
memória se não extinguira no meu espirito, esforços estheticos e transparece a vida de
antes se purificara em saudade no meu cora- pensamento, que ainda absorve, inquieta e su-
ção. O receio de trazer a collaboraçãò da mi- periorisa o escol das classes intellectuahnente
nha penna a uma obra em que trabalha a superiores da minha terra. Se o livro ahi che-
elite intellectual do Brasil, dissipava-se ante a ga intacto, a nossa vida chega ahi desfigura-
certeza de que das velhas amizades restaria ao da. Nada me parece mais seduetor do que,
menos a indulgência, que é a bondade da n'estas conversas periódicas, que um longo
sympathia. Ia enfim misturar as minhas idéias mez distancia umas das outras, dizer ao Bra-
pai li dás de europeu com a inspiração abun- sil o que nunca ninguém se lembrou de lhe
dante e os sentimentos impetuosos, que ani- dizer: de que predilecções é feita a nossa vi-
inam a mais prestigiosa litteratura da America da e de que arte a vivemos. Se eu pudesse
latina. A esta convivência intellectual, cujos deixar entrever nas minhas cartas familiares,
benefícios seriam para a minha mentalidade e como projecções anhnatographicas — ainda que
para o meu orgulho consideráveis, juntavam- pallidas — os variados acontecimentos, com suas
se os prazeres de uma appròximação affecti- respectivas personagens, que compõem os ca-
va, ou antes o reatamento de relações, con- pitulos, ás vezes commovedores e de outras
trahidas nos primeiros passos claudicantes da vezes apenas pittorescos, da historia da socie-
minha carreira de escriptor, com um nucleo dade portugueza contemporânea, a minha obra
de homens, que já eram então e são ainda a alcançaria ser, senão brilhante, ao menos pro-
maior honra da litteratura brasileira contem- veitosa e não distituida de interesse.
poranea. Nem tanto era preciso para seduzir- A vida portugueza é fundamentalmente di-
me. Não é porém sem uma viva commoção versa da vida brasileira pela razão de que
que, volvidos dez annos, eu me aventuro a uma é debilmente animada pela tradição e a
acceitar o logar que me offerecem no jorna- outra energicamente dirigida pelo progresso.
lismo litterario do Brasil. Não são muitos os A civilisação portugueza tem um permanente
que conhecem como eu, em Portugal, por ter caracter histórico, quando a civilisação brasi-
podido de perto avalial-a, a poderosa força leira é caracterisada por uma constante e pro-
creadora, quo está desenvolvendo progressiva- gressiva renovação mental.
mente as artes de pensar e de escrever entre Nós continuamos a alimentar-nos do pas-
a grande raça, com que se perpetuou no no- sado, quando o Brasil vive nas viris inquieta-
vo mundo americano o povo de onde emer- ções do presente. A especulação pliilosoplúea,
giram os nautas e os poetas dos séculos XV tão grata á mentalidade brasileira, é ainda
e XVI. E por isso mesmo que a conhecia, eu para nós, povo tradicionalista, um terreno
me interrogava sobre o que poderia, de entre árido, que a nossa inércia contemplativa per-
a nossa vida, prender as attenções do novo severa em não cultivar senão com indolência.
Brasil intellectual, para que estas cartas se ani- Os grandes e recentes acontecimentos, que
KÓSMOS
<§.
3

transformaram desde os alicerces a vida poli- que se attente em que nos estamos ainda a
tica e social do Brasil, conduziram a flores- servir, para sua execução, dos elementos tra-
cente republica americana a uma crise pletho- diecionalistas. já condemnados
pelos reforma-
rica de civismo e trazendo para as activida- dores theoricos da escola de Mousinho. Mais
des laboriosas da vida publica uma geração explicitamente, nós estamos fazendo obra no-
por completo desembaraçada de compromis- va com gente velha. Desde o seu advento, o
sos históricos, educada nos exemplos das nosso liberalismo, presidido por um
príncipe
prosperidades de outros povos da America e serviu-se, para triumphar, do apoio das castas
da Europa, transferiram de golpe o exercício privilegiadas. Saldanha, Palmella. Loulé. Sá da
do poder para os reformadores audaciosos. Bandeira eram fidalgos. A democracia
Em Portugal, interrompida a evolução do li- princi-
pipu por crear tres duques e bafejar as ambi-
beralismo democrático de 20 e do constitu- ções de um déspota: o conde de Thomar.
cionalismo de 33, depressa o novo regimen Posto isto, é necessário fechar os olhos
para
político se adaptou aos erros do antigo regi- não reconhecer que os executores anachroni-
meu que viera substituir e o paiz recahiu, cos de um regimen-cujo caracter é a colla-
pouco a pouco, no dominio das classes con- boração das maiorias,-praticado
por uma mi-
servadoras. A revolução serviu apenas ao tri- noria subsistente, e assim viciado na sua ori-
umpho da burguezia e á extincção do frade. gem, se desempenharam antes bem do que
A's gerações douctrinarias, exaltadas e romanes- mal da imprópria e áspera tarefa
cas, creadas no exilio e nas guerras civis, sue- que lhes foi
commettida. As tergiversações de D.
cederam as gerações utilitárias e scepticas. João VI,
tirando toda a feição revolucionaria á obra
Mas se, politica e economicamente, esta sub- republicana dos reformadores de 20, conduzi-
serviencia á tradição nos lesou e compromet- ram o regimen a esta anomalia. E' fora de
teu no concerto dos povos da Europa, por duvida que o século XIX foi de
outro lado impediu que tão depressa esmore- progresso
sobre o século que immediatamente o
cesse o que resta de bom no nosso caracter pre-
cedeu. E entretanto a mesma nobreza de espa-
histórico e com que haveremos de nos des- da e de toga, de solar e de universidade, o
empenhar dos graves compromissos contraiu- dirigiu. Os que ainda não eram fidalgos, no-
dos com a civilisação occidental, como quar- bilitaram-se para servir... a revolução! Não se
ta potência colonial do velho mundo, que
poude mais ser poeta admirável, um roman-
ainda somos. Provou o censo de 1900, que cista genial, um banqueiro opulento, um
entramos no sceulo XX com 7S p/p de popu- poli-
tico hábil sem o adorno de um titulo. Garrett,
lação aualphabeta. Isto explica, melhor do que
que passou metade da vida ao espelho, a en-
cem volumes de historia, os motivos pelos saiar colletes e gravatas, e a outra metade a
quaes a evolução do liberalismo se interrom- lisongear o preciosismo das mulheres do seu
peu. Por outro lado, a colonisação modelar tempo e a produzir obras-primas, obtinha um
da ilha de S. Thomé demonstra de quanto é viscondado. Castilho e Camillo, um cego e
ainda capaz a energia de uma raça, que outro desventurado, Habilitavam a nobreza re-
muitos se obstinam em considerar decahida- clamando egualmente coroas... de visconde
O predomínio pertence ainda entre nós ás
para adorno da sua gloria. Como o seu ante-
minorias, onde prevalecem os mesmos elemeu-
passado Earrobo, o banqueiro Burnay, neto de
tos que dirigiram o Portugal do século XVIII. uma modista, era elevado á grandeza do rei-
Consumimos todo o século XIX a taçtear no com a mercê de conde. Ávila, um
n'um caminho Íngreme e sinuoso. O nosso plebeu,
era feito duque... para ser presidente do con-
mal provém da pequena participação das po- selho. O liberalismo ia assim adiante do abso-
pulações na obra commum do engrandeci- lutismo, que deixara apenas dous duques —
mento nacional. Tudo o que temos feito n'es- Lafões e Cadaval - creando cinco duques:
tes últimos setenta annos, nem sempre pacifi- Palmella, Saldanha, Loulé, Terceira e Ávila ! E
cos, é obra exclusiva d'essa minoria, contami- não se diga que se pretendeu democratisar a
nada de defeitos atávicos, alguns d'elles insa- fidalguia com a vulgarisação do titulo nobi-
naveis. Por isso mesmo não é destituída de liarchico. Na sua quasi totalidade, os novos
mérito a nossa lenta obra de progresso, desde agraciados eram já fidalgos de linhagem. Muitos
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ê: 3

dos que não tinham ascendências illustres na orgulho a sua grandiosa magestade e Junot,
historia, como Garrett e Camillo, fantasia- ao entrar no Rocio, parava o cavallo e vol-
vam-as. Os poucos que, como Ávila, tinham tando-se para o seu estado-maior, apontando
vindo do povo, occultavam-o. Do antigo regi- as tristezas pombalinas da praça e os lavôres
men mantinha-se a nociva tradição de um longínquos do arco triumphal da rua Augus-
monopólio do poder exercido pela nobreza. A' ta, dizia ao general Thomières: Quem pude-
frente do partido liberal viu-se o duque de ra levar tudo isto para Paris! Mas um século
Loulé, genro da imperatriz D. Carlota Joaqui- reduzira depressa esses explendores da capital
na e cunhado de D. Miguel. Hoje ainda, o de D. José I a simples curiosidades históricas.
partido liberal tem á sua cabeça um fidalgo: Lisboa chegava quasi ao fim do século XIX
o conselheiro José Luciano de Castro Corte sem ultrapassar os limites que lhe marcara
Real, filho do morgado da Oliveirinha. O seu Pombal em 1755.
antecessor, Anselmo Braamcamp, era, se bem Para o norte, a cidade acabava no Passeio
que de nobreza recente e provindas de allian- Publico.N'esse scenario anachronico, não admi-
ças collateraes, um fidalgo. Para o chefe do ra que a vida decorresse obsoleta. Foi neces-
partido conservador, o conselheiro Ernesto Ro- sario que se rasgasse a Avenida da Liberda-
dolpho Hintze Ribeiro, inventou-se a ascen- de para que Lisboa sahisse, emfin, da sua ve-
dencia hypothetica do misantropo D. João VI. getativa immobilidade. A obra do confeiteiro
O jacobino Costa Cabral do club dos Camil- Rosa Araújo merece pois contar-se como um
los evolucionava de demagogo a dictador e verdadeiro acontecimento. O que não tinham
morria conde de Thomar. Estes exemplos, que conseguido os caminhos de ferro e a navega-
podiam multiplicar-se, bastam para dar a phy- ção a vapor, a illuminação a gaz e a rhetori-
sionomia de um regimen que abortou na Be- ca do parlamento, obíinha-o inesperadamente
lemsada e para o singularisar no seu aspecto o Municipio com a expropriação da praça das
de perseverante tradiccionalismo. Não preten- Hervas e das Mortas da Cera até Valle do
dendo nós fazer obra de historiador e antes Pereiro. Lisboa tinha uma primeira missão a
íiuiitando-nos á ambição modesta de chronista, cumprir: edificar a Avenida. Fdificou-a. A
temos que abandonar, com pezar nosso, a re- meio d'essa tarefa, que a absorvia, rebentou o
constituição histórica dos costumes portugue- conflicto com a Inglaterra. Portugal despertou
zes do século XIX, tão conveniente á exacta da sua somnolencia. A ameaça de lhe arre-
comprehensão da nossa vida de agora, e en- batarem os restos ainda magníficos do seu
trar, sem mais delongas, na pittoresca narrati- dilatado império colonial, commoveu até aos
va d'esta Lisboa, para onde seduzidamente sagrados desesperos patrióticos este povo tão
conflúem todas as actividades intellectuaes do apegado ás suas tradições. Em meia dúzia de
paiz e de onde irradiam todas as vozes dire- annos, desajudado de todos os recursos na-
ctoras da opinião. Ma vinte annos, Lisboa con- turaes, Portugal improvisou uma industria fio-
servava ainda o'aspecto de uma velha cidade rescente e, desprovido de recursos monetários,
medieva, com os seus bairros da Mouraria e retomou a sua obra gloriosa de colouisação
de Alfama, as suas alfurjas tenebrosas, os seus ultramarina. O antigo sonho de Pombal, que
escadórios em labyrinto, os seus denegridos reservava para Lisboa, no commercio inter-
pannos de muralhas, as suas vetustas torres continental do Atlântico, a situação de cães e
da Sé, as desmantelladas ameias affonsinas do entreposto da Europa, precisou-se, incluindo-
seu castello de S. Jorge, a que apenas as viu- se uo programma do futuro. A Sé em melho-
te ruas e praças pombalinas — o Rocio e o res dias voltou. Iniciavam-se os trabalhos mo-
terreiro do Paço —e as edificações de conven- numentaes do porto de Lisboa. E como os
tos e egrejas posteriores ao terremoto em pies- diuheiros de África pineipiavain a affluir e
tavam um cunho menos archaico. Essa Lisboa como o Brasil emancipado permanecia a mais
gizada por Pombal, ainda que de proporções produetiva das nossas colônias, reverteudo-nos
mesquinhas para a tumultuosa agitação da vi- generosamente em ouro o que lhe confiava
da moderna, era para o tempo de arrojada mos em vidas, Lisboa creou um novo impul
amplidão no seu delineamento. Exilado em so, dilatou-se por novos bairros, em largas e
Paris, Felinto Elyseo evocava com saudoso extensas avenidas arborisadas, illuminadas a
KÓSMOS
rã)

luz electrica, edificadas de


palácios, embalsa- em pousio, 22 o/Q da totalidade
vital do pai/
madas de jardins. Simultaneamente, os continua a sua tarefa secular de
gover- dirigente O
nos deixavam de ir buscar ao regimen artifi-
que é e o que vale essa minoria triumpiian-
ciai e ruinoso dos empréstimos, o remédio te ? Do que são capazes esses milhares
ephemero a um defficit sempre crescente. de ho-
meus hereditariamente votados ao
O século XX foi inaugurado, na poder?
politica Forçoso é affirmar aos mais obstinados
portugueza, pela conversão da divida externa em
deprimir-nos que, dentro de um regimen
e pela extincção, sem bem que ainda theori- con-
trano á evolução social dos
ca, do defficit orçamentai. O ministro das povos contempo-
raneos, essa minoria dirigente,
Obras Publicas, conde de Paço-Vieira, ao la- com todos os
seus defeitos originários, representa
do do qual tive a honra de trabalhar como ainda,
equivalência dos seus variados elementos, por
chefe de gabinete, apresentava ás Câmaras — uma
grande superioridade intellectual. O século
que o votava, depois de uma lucta violenta, XIX, tão depressivo para a moral
toda ferida nos bastidores da scena politica — dos
latinos, não corrompeu a velha coragem povos
o projecto de construcção das por-
grandes linhas tugueza e o nosso obscurantismo resgatou-se
complementares dos caminhos de ferro do
pela abundância de uma producção litteraria
Estado. Em todos os ramos da administração
de mexcedivel brilho. Nos
publica, ainda cahotica, se constatava uma acti- quadros, que sue-
cessivamente traçaremos, dos . variados
aspe-
yidade indicadora de uma maior regularidade ctos da actual sociedade
de funcçôes. Os câmbios subiam portugueza, buscare-
progressiva- mos pôr em relevo o
mente para o par, como os fieis de uma ba- que ella tem de origi-
nal ou tradiccionalmente nobre,
lança econômica quasi equilibrada. Um dele- abandonari-
do a outra penna mais auetorisada
gado especial da finança dos Estados-Unidos, e severa a
incumbido de inquirir sobre a situação finan- pintura dos seus vicios e defeitos.
Uma nação a que
ceira do paiz, concluía o seu relatório affir- preside o mais amável
e intelligente dos artistas, onde o
mando a nossa prosperidade restabelecida. chefe de
um dos grandes partidos
Ai de nós ! Uma prosperidade restabeleci- políticos é vice-pre-
sidente da Academia, onde a duqueza
da á custa de 7S «o de analphabetos ! E se cama-
reira-mór é uma esculptora, onde
esses milhões de homens cavam de sol a sol o conde
mordomo-inór é um e historiador de
as terras viridentes do Minho e semeiam as poeta
assignalado talento, onde a litteratura continua
planícies uberrimas do Alemtejo e tecem o a ser uma recommendação
algodão nos mil teares das fabricas, é politica, pôde não
para corresponder, na hora
presente, ao as
alguns milhares de homens apenas
que elles suas responsabilidades históricas lhe que
cavam, semeiam e tecem. O regimen da mi- exigiam
que fosse no concerto das civilisações do ocei-
noria continua. O regimen da tradição mau-
dente europeu, mas não é, de maneira
tem-se. A universidade apenas bacharela filhos algu-
ma, uma nação onde as
de bacharéis. A execução do nosso systhema prestigiosas qualida-
des moraes da raça latina hajam desappareci-
político é ainda um sophisma. Lisboa conti- do. Concluindo o seu trabalho sobre
mia a dirigir o paiz inteiro, a ser a cabeça Garrett
e o Romantismo, o Sr. Theophilo Braga
fallante de uma terra de mudos. Os deputados aca-
ba de provar-e não era esta a intenção
não se contentam em discursar em Lisboa: ori-
são eleitos em Lisboa. A capital céntralisa vi- guiaria da sua obra,-que a historia
d'estes últimos setenta annos da vida politica
ciosamente todas as iniciativas. Toda a terra portu-
de Portugal é ainda pouca para alimentar esta gueza se pôde escrever á margem dos livros
dos romancistas e dos poetas. Tão
flor de orgulho, que é Lisboa. Em redor das grande é
ainda o prestigio exercido talento sobre
necessidades está toda a nobreza; em redor pelo
este povo, embora decaindo, tão sensível
de S. Bento está toda a politica; em redor da á
beileza e tão captivado de ideal!
Arcada está toda a administração. E' inútil ir
procurar mais longe o motivo dos nossos pre-
calços. Enquanto 7S p/0 da
população repre- Carlos Malhfjko Dias.
sentam a reserva de uma incalculável energia
KOSMOS
fe -3

ao sol das 0, conforme as ordenauças navaes,


a bandeira branca da pugna civil, ao lado do
A BANDEIRA glorioso pavilhão auri-verde.
Com effeito, ao despontar radiante e triuin-
phal do sol, lá tremulava, á fresca brisa do
(NA REVOLTA DE 6 DE SETEMBRO DE 93) mar, como numa alegria de gala, no tope da
verga do alto mastro de guerra do forte, o
.V legendária officialidade e guar-
nevado filelle do pendão revolucionário, ace-
i.icão <le VíLiLkgaÓNON, honra e
nando ironicamente para a terra e para o mar
floria da min iinha tie "uerra brasi-
como o velho symbolo querido da Concórdia
leira. e da Paz.
O marechal Floriano apenas soubera da
'XJJAVIA grande occorrencia, aliás por elle ha muito
já dois mezes que a revolta da esperada e que só lhe causara estranheza em
P Armada contra o goverijio do marechal
Floriano ia accêza e te rrivel, permane-
cendo ainda em estranha, ii íexplicavel abs-
não ter sobrevindo conjuntamente ou logo
após ao levante naval, o que perspicazmente
lançava á conta da rivalidade entre os dois
teução e neutralidade um dos seus principaes almirantes, Custodio e Saldanha, que dispu-
elementos de acção na capital da Republica tavam agora a primazia do prestigio e domi-
o possante e famoso forte de Villegagnon, nio em sua classe, e mais ainda á astucia e
tênue e quasi* desvanecida lembrança histórica sagacidade do segundo, cuja attitude neutra]
da illusoria França Aiitardica de outrora e feria fundo a disciplina militar, mas que este
do grandioso sonho do celebre conde de mar illustre chefe marítimo queria acobertar á som-
huguenotte Gaspar de Coligny e do seu lo- bra da idéa, em outro caso de certo muito
gar-tenente, o arrojado aventureiro cavalleiro justa e louvável, de evitar que os jovens e
de Malta e vice-almirante da Bretanha Nicolau futurosos educandos da armada —aspirantes ou
Durand de Villagagnon, de quem o pittores- alumnos navaes—logo aos primeiros passos
co ilhéo e grande jd raça de guerra perpetuam de sua carreira se envolvessem em pronun-
característica e geographicamente, em todo o ciamentos ou insurreições, buscando assim ti-
globo, o nome e a memória. rar todo o partido da situação, afim de no
Como os insurrectos dominavam inteira- momento opportuno se jogar francamente á
mente as águas de Guanabara, não se sabia revolta, pois que disfarçadamenie desde muito
verdadeiramente a causa de semelhante abs- o estava; o marechal Floriano que. soldado
tenção e neutralida.de. Corria entretanto que experimentado e veterano de uma.grande cam-
era o almirante Saldanha da Gama, então di- panha onde ganhara celebridade, não vaciliava
redor da Escola de Marinha e o mais presti- nunca em pôr em execução a medida que lhe
gioso e querido dos generaes dVXrmada, que, parecesse acertada pára chegar a um fim, em-
cíeclarando-se neutro entre os dois contendo- bora avaliasse perfeitamente o peso de mais
res, assim mantinha também o grande baluar- este embaraço na lucta já de si grave e até
te naval, não obstante os Ímpetos mal conti- arriscada em que se achava envolvido, lucta
dos dos officiaes e marinheiros para se uni- ramificada já a tres Estados do sul e fundida
rem aos seus bravos irmãos cfarinas. então ao federalismo gaúcho que vinha de
Em terra, a inquieta alma popular, sempre longe e não fora ainda supplantado pela le-
cheia de enthusiasmo e illusão, picada pela galidade ; o marechal Floriano immediatamen-
tarantula da Aventura, de ha muito curiosa- te ordenou ás grandes fortificações da barra
mente esperava, em espectativa anciosa, qual- respondessem com renhido fogo ao forte re-
quer solução ou desfecho para aquella singti- vohicionario, logo que este começasse a alve-
lar attitude do velho forte insular. Por isso, jal-os com os primeiros disparos de grande
diariamente augmentava, como uma enorme artilheria, conforme as noticias que circulavam
preamar de equinocio, a vasta agglomeração em terra vindas da esquadra e das ilhas por
do povo, sobre colunas e montes, ao longo ella dominadas.
da extensa curva em recorte das praias e cáes Assim, á tarde, a primeira a romper, com
da cidade, fora dos principaes pontos de des- effeito, foi Villegagnon com os seus quatro
embarque e assalto guarnecidos fortemente ou cinco possantes canhões de 400 da ba-
pela guarda nacional e contingentes do exer- teria que olha para a barra. Então as duas
cito ás ordens do Marechal. grandes posições solidainente assentes sobre
Mas, na anteinanhã daquelle dia, um fré- os pórticos graniticos de Guanabara e que
mito geral d'emocão alvoroçara as almas, com lhe guardam ciosa, severa e intransigentemen-
a noticia extraordinária, instantaneamente leva- te a entrada contra qualquer assalto inimigo,
da aos quatro ventos, de que Villegagnon Santa Cruz e S. João, e mais a pequena Lage,
adherira finalmente á revolta, devendo hastear, que fica já para dentro e em águas da bali ia,
KOSMOS
-_=
3
entraram a vomitar-lhe incessantemente balas niunicar ao bravo commandante Sylvio Pellí-
rasas e metralhas. E o fogo cerrara, medonho, co Belchior, então com alguns officiaes ua
espalhando o terror e a morte no coração an- bateria dos grossos canhões de 400 atirando
gustiado da Pátria. continuamente centra as fortalezas da barra. £
Na sua estructura ancestral, difficil mente procurava por toda parte a bandeira, que cer-
defensável e totalmente exposta ás poderosas tamente não poderia ter cabido no mar, quan-
baterias de suas irmans da barra, descasamat- do a encontrou num recanto das muralhas
tada e rasa, de um poder offeusivo inferio- com a adriça partida e inteiramente desgorni-
rissinio ao daquellas, com muralhas que vi- da da verga, obra sem duvida dalguma bala
uliatn das primeiras épocas coloniaes, a velha certeira de metralhadora ou fuzil vinda de
fortificação d'Ariuada a todos enchia denthu- terra. Jubiloso e sorrindo, enveredou para o
siasmo e admiração, empenhada como estava alto mastro de guerra, que galgou com a ad-
numa lucta desigual e singular. Mas a sua mi ravel destreza e rapidez de um si mio, e,
officialidade e marinliagem, accêzas numa bra- mettendo pé ao estribo, foi até ao láis da
_vura e fúria, para muitos e sobretudo para verga, regorniiido a adriça e fazendo de novo
ellas próprias, legitimas e patrióticas, a nada tremular ao vento a branca bandeira revolu-
atlendiam ou olhavam, transformadas em ver- cionaria. Depois voltou para o cruzamento do
dadeiros gigantes de resistência e temeridade. mastro, e. de pé, junto ao calcêz, sobre a
As balas cruzavam, incessantemente, sobre verga, quedou-se a olhar serenamente as
a ilhota invicta e lendária. E por toda parte, águas em torno...
em torno, emergiam da larga planura das O terrível bombardeio á grossa artilheria,
águas, num bello-horrivel emocionante, altos entre a fortaleza insurgida e as tres legaes da
repuxós despuma, lembrando de repente os barra, proseguia ainda atroadorainente. A lan-
jactos colossaes dos monstruosos maminiferos cha que largara do Aquidaban atracara
Villegagnon, graças á valorosa defesa já á
marinhos, triassicos ou actuaes, ou essas gey- que os
zers escaldantes dos oceanos polares. marinheiros, no porto e na ponte, oppunham
A principio, por circumstancias casuaes, de denodadamente, embora já com algumas
certo, e quem sabe tambem pela falta de se- das, ao fogo do Arsenal de Guerra, cada per- vez
mais intenso.
gurança e firmeza nas pontarias, apezar dos
numerosos e seguidos disparos, os projectis E o João Leandro continuava a contem-
da legalidade não attingiam o alvo... plar placidamente da altura, como da mastrea-
Mas uma lancha a vapor largou, a toda ção de um navio, o panorama da bahia...
velocidade, do Aquidaban para Villegagnon. De terra, das trincheiras de saccos de
De terra, do Arsenal de Guerra, apenas a areia do Arsenal, desde que o viram subir ao
avistaram, começaram logo as descargas de mastro para rearvorar a bandeira branca da
fuzis e -metralhadoras do exercito, como cos- revolta, tão execranda e odiosa á legalidade
tuinavam fazer, em taes circumstancias, desde quanto sympathica e querida aos que se ti-
o primeiro dia da acção, afim de, senão im- njiam espontaneamente congregado em volta
d'ella para a conquista, segundo se dizia, da
pedir, pelo menos difficultar ou fazer pagar liberdade e de um governo civil que repre-
caro, a atracação no forte insurrêcto.
sentasse a vontade geral da Nação e digna-
Os marinheiros de vigia e ronda, ao de- mente a servisse,-de terra alvejavam-no con-
pararem com a lancha e ao sentirem os tinuamente, com uma fúria e truculência as-
meiros tiros do Arsenal sobre o porto pri- e a sassinas.
ponte dembaique da sua ilhota, que elles Mas o bravo marinheiro, com o espirito
mantinham meio defendidos daquelle lado por
chapas de ferro e um grande batelão de car- arrebatado no esplendor da tarde, docement.
vão encalhado para esse fim, correram imme- tocado de saudosas recordações .da sua vida
intima, inteiramente esquecido do
diatamente a respostarem os tiros de terra perigo, em
com as suas coropachecks, metralhadoras, ca- meio á lucta fratricida, nem sequer se voltava
nhões-revolvers e de tiro rápido. para o lado de onde as infernaes balas de fu-
zil incessantemente passavam, cercando-o de
Um desses marinheiros, o João Leandro- uma zoeira sinistra, como estranhos e invisi-
caboclo de vinte annos, robusto e de veis vampiros que lhe respeitassem ainda, aca-
grande
intrepidez, quando acorria com os outros á so, o invejável e sereno heroísmo mas só
ponte, olhando casualmente para o espreitavam o momento propicio para que
reducto do forte, notou que o brancoprincipale que- lhe a vida. Nem elle, absorvido como estava,
sugar-
rido petidão da revolta fora de súbito arran- ouvia talvez aquella musica funerária e inaldi-
cado á verga onde tremulava altivo. Deixou ta dos insidiosos projectis. E, a passear lenta-
logo os companheiros, e, sem dizer mente os olhos sobre o ineffavel conjuneto da
palavra,
galgou de um fôlego a escada que levava até immensa marinha, demorava-os ás vezes em
lá, a vêr o que tinha sido, afim de tudo com-
cada detalhe com uma certa nostalgia:..
KOSMOS
ê= 3
O sol fulvo da tarde, cahindo já em des- do longínquo, no arraial em que nascera,
maio opalino para os longes nebulosos e va- branquejando alegremente ao sol. entre cô-
gos, barrava a vastidão do poente, na linha moros e sebes verdes, junto ao Mar infinito.
do Corcovado, da Ti jucá e da Gávea de um E que de imagens risonhas e felizes lhe não
escarlate festivo, manchado, aqui e alli, d'es- bailavam alli, ao momento, na visionada reti-
parsos flóccos d'arnn"nhos. Pará o fundo de na! Eram de certo as dessas creaturâs amadas
— mãe, irmaris e noiva —cujos seres, quasi
Guanabara onde, conforme os planos e a dis-
tancia, relevos verdes ou azues de montanhas ideaes para nós, se acham presos indelével-
e ilhas bordavam o horisonte ou certos pon- mente, por Íntimos filões indestructiveis de
tos da planura liqirda, os cascos e a cordoa- affecto, ao nosso coração e ao nosso espirito, e
lha emmaranhada dos navios de guerra in- que, embora ausentes e afastadas, nos afagam
surrectos silhuettavam-se vivamente no Azul, e osculam sempre carinhosamente, através de
como nas grandes telas modernas do Almi- todo o espaço e de todo o tempo, illuminan-
rantado Inglez, em que o gênio feliz de De do o nosso destino e a noite da nossa saúda-
Martini reproduz, á perfeição, os vastos sce- de como incomparaveis astros bemditos!...
narios marítimos. Eram o Aquidaban, a Tra- O João Leandro enlevava-se, sem duvida,
jano, o Ta ma nda re, a Guanabara, o Javary e nos encantos da Natureza e nas evocações lu-
outros, já mudos e sem os jorros de fumo da minosas da vida affectiva, totalmente deslem-
sua artilheria, portando pelas amarras e como brado das agruras e perigos daquella lucta
adormecidos, agora, ás ultimas claridades do terrível, quando, de repente, um sopro de
occaso ilhuniuaudo a bahia. Depois era a in- morte passou, tocou-o, paralysou-lhe os senti-
finda multidão dos navios das esquadras es- dos...
trangeiras e dos barcos mercantes, a vapor ou Fora uma das balas de fuzil vindas de
á vela, nacionaes e de todo o mundo, confim- terra que lhe varara o peito.
dindo-se numa agua-forte monstruosa coberta E seu corpo agonisante tentava ainda agar-
já de uma vaga bruma marinha. Toda essa rar-se aos cabos e ao mastro, num ultimo
vasta e admirável aggiomeração de cascos e impulso para a Vida. Mas as mãos e os bra-
mastros, trazia de repente á lembrança essa
descripção monumental do porto de Tyro, ços afrouxavam-se-lhe, já frios. O sangue es-
cheirando á marezia e a cedro do Líbano, qne corria-lhe, em pastas, pela bocca e a ferida. E
elle rolou, por fim, ao chão como uma massa
nos deixou Fénélon nas paginas encantadoras
do pequeno livro em que nos conta as aven- hirta...
turas marítimas do meigo filho de Ulysses.Do Cerrara noite, no emtanto. Os planos afãs-
lado da barra, as fortalezas, envoltas em fumo tados da paizagem sumiam-se numa vasta
alvadio, não cessavam de troar, num rhythmo amontoação de cinza. O céo, no alto, euluta-
espaçado e tremendo, desolando com os seus va-se em sombra. Todo o mar refulgeute,
disparos de morte a suavíssima placidez ethe- como um metal que se oxyda, ia perdendo o
ral das Ave-Marias... seu brilho. E pelo ar. ennoitado ao desappa-
recimento da luz fugindo para o Azul de ou-
O valente marinheiro, embora as infernaes
balas de fuzil continuassem a zumbir presaga- tros paizes, os relâmpagos sangrentos de um
mente em torno d'elle, permanecia de pé so- on outro disparo dos fortes, troando agora
bre a verga, agarrado ao mastro, embevecido dantescameute na treva que augmentava e eh-
ainda no maravilhoso espectacuio do crepus- volvia tudo...
culo e das águas, tão largamente suggestivo e
dolente. Scisinava agora, talvez, no seu Esta- Virgílio Várzea.
KÓSMOS
fe
3
longas varas. Sentia-se a cidade á solta, estre-
Elogio do Cordão büchando todo o vicio naquelle fim de Car-
naval. Homens passavam empapados dágua
cheios de confetti, mulheres de chapeo de
pa-
< >h ! abre ala ! pel, curvavam as nucas á etyla dos lança-per-
<v>iie f» quero passa fumes, phrases rugiain cabelludas ao lado de
Estrelia dWrva
1 >•> ("amava. gargalhadas, de risos, de uivos, de berros, de
guinchos. Um cheiro estranho mixto de per-
fume barato, de fortum, de poeira, de álcool
E RA em plena rua do Ouvidor. Não se podia
andar. A multidão apertava-se suffocada.
acceudia ainda mais o baixo instinclo da
miscuidade. Nós iamos indo, eu e o meu ami- pro-
go nesse pandemônio quando
de repente, num encontro de
ruas, surgira o pavoroso abre-
alas, emquanto acompanhado
de urros, de pandeiros
de xequeres um outro
grupo apparecia:
Sou eu ! sou eu !
Sou eu i|ue cheguei a<|iii

WÊÊÊÊh!ã
Sou eu Mina de < >iro
I raxendo nosso Bogary»

Havia fa-
ces conges-
tas, sujeitos
a praguejar, WldVflM&A mC^4Sm^r'^(r ^Í*V %L yW^^mmmWM(mWm^íÍ^
gritos de mulhe-
res. A plethora
da alegria punha ^*T xMthT^VvJ
desvarios em to- ÍAm/l/bV-. **- V*r /^I^k^^M.
das as faces. Era pro-
vavel que do largo de
S. Francisco á rua Di-
reita dançassem vinte
cordões e quarenta grupos,
rufassem cem bombos e du-
zentos tambores, gritassem
cincoenta mil pessoas. A rua con-
vulsionava-se como se fosse fen-
der, rebentar de luxuria e de ba-
rulho. Uma illuminação violenta es-
trellava nos focos dos arcos de gaz,
nos braços de luz Auer, nas
grandes Iam-


padas electricas, incessantemente aquecida
pelas vermelhidões de incêndio dos fogos
de Bengala, incessantemente estriadada' corri
dos archotes e das pequenas lâmpadas
prezas
M KOSMOS
és 5)

Na turba compacta Parei a uma porta, estendo as mãos.


o alarma correu. O —.E' a loucura, não tem duvida, é a lou-
cordão vinha assus- cura. Pois é possivel louvar o agente embru-
tador. A' frente um
grupo desenfreado
de quatro ou cinco
tf ^ ír^* tecedor das cephalagias e do horror?
— Eu adoro o horror. E' a única feição
verdadeira da Humanidade. E por isso adoro
caboclos ado- os cordões, a vida paroxismada, todos os sen-
Iescentes com timentos tendidos, todas as coleres a reben-
os sapatos des- tar, todas as ternuras ávidas de torturas...
feitos e gran- Achas tu que haveria Carnaval se não liou-
des arcos pon- vesse os cordões? Achas tu que bastariam os
tudos, corria prestitos idiotas de meia dúzia de senhores
abrindo as boccas que se julgam engraçadissimos, ou esse peza-
em ben os roucos. dello dos tres dias gordos intitulado —masca-
Depois um ne- ras de espirito? Mas o Carnaval teria desap-
gralhão todo de ^0^í' s v'n^4 parecido, seria hoje menos que a festa da Glo-
pennas, com a fa- <^ ria ou o "Bumba meu boi" se não fosse o en-
ce lustrosa como ^ thusiasmo dos grupos da' Gamboa, do Sacco,
piche a gottejar da Saúde, de S. Diogo, da Cidade Nova, esse
suor, estendia ó enthusiasino ardente, que mezes antes dos tres
braço musculoso dias vêm queimando como pequenas foguei-
e nú sustentando ras crepitantes para acabar no formidável e
o tacape de ferro. Em total incêndio que envolve e estorce a cidade
seguida gargolejava inteira. Ha em todas as sociedades, em todos
o grupo vestido de os meios, em todos os prazeres um núcleo
vermelho e amarello dos mais persistentes, que atravez o tempo
com lantejoulas d'oiro a chispár guarda a charhmá pura do enthusiasmo. Os
no dorso das casacas e grandes outros são mariposas, augmentam as sombras,
cabelleiras de cachos, que se confundiam com fazem os effeitos.
a epiderme num empastamento nauseabundo. Os cordões são os núcleos irredutíveis da
Ladeando o bolo, homens em tamancos ou de folia carioca, brotam como um fulgor mais
pés nus, iam por alli, tropeçando, erguendo vivo e são antes de tudo bem
archotes, carregando serpentes vivas sem os do povo, bem da terra, bem da
dentes, lagartos enfeitados, jabotys atterradores alma encantadora e barbara do
com grandes gritos roufenhos. Rio.
Abriguei-me á uma porta. Sob a chuva de Quantos cordões julgas que
confetti, o meu companheiro esforçava-se por ha da Urca ao Caju ?
alcançar-me. Mais de duzentos! E to-
Porque foges ? dos, mais de duas cen-
Oh! estes cordões! Odeio o cordão. tenas de grupos,
Não é são inconsciente-
possivel.
Serio! mente os sacra-
Elle parou, sorriu: rios da tradicção
Mas religiosa da dan-
que pensas tu? O cordão
é o carnaval, o cordão é a vida de- ça, de um costu-
lirante, o cordão é o ultimo élo das me histórico e de
religiões pagas. Cada um desses pretos
ululantes tem por sobre a belbutina e o W mmC -LmcL^
°k^/c^^m\\\\ um habito infil-
trado em todo o
reflexo dischromicodas lantejoulas, tradi- F ^1 mm /Vt—>T^^>^^, \ o ;«-*^^« ^H I] Brasil...
cções millenares; cada preta bebeda des-
conjuntando nas tarlatanas amarfanhadas
¦>w%1^3 m\ — Explica-te!
bradei eu, fugiu-
os quadris largos, recorda o delírio das do para outra
procissões em Byblos pela época da pri- porta, sob uma
mavera e a fúria rabida das baechantes. avalanche de con-
Eu tenho vontade, quando os vejo passar
zabumbando, chocalhando, berrando, ar- fetti e velhas ser-
rastando a apotheose incommensuravel pentinas varridas
-de unia saccada.
do Rumor, de os respeitar entoando em
seu louvor a "prosódia" clássica com as Atraz de mim,
todo sujo, com fi-
phrases de Pindaro —salve grupos flori- tas de papel ve-
dos, ramos floridos da vida...
KOSMOS
W
liios pelos hombros, o meu guardas tocando instrumentos africanos e pa-
companheiro continuou. ravam em frente á casa do Vice-Rei a dançar
— Lu explico. A dança e a cantar. De uma feita pediram ao Vice-Rei
foi sempre uma manifesta- um dos seus escravos para fingir de rei. O
ção cultuai. Não lia danças homem recusou a lisonja, mas permittiu os
novas, ha lentas transfor-
inações de
>ky^ ^ folguedos. E' este folguedo que ainda subsiste
com simulacros de batalha e quasi transfor-
antigas atti- mado nas cidades do interior. O cordão porém
tudesdecul- assentuou-se na sua feição de feroz cidade e
ironia dessas horrendas ironias que esfaqueiam
os deuses e os céos...
Havia uma certa connexão nas phrases do
cavalheiro que me acompanhava, mas, cada
vez mais receioso dessa apologia, eu andava
agora quasi a correr. Tive porém que parar.
Era o «Grêmio Carnavalesco Destemidos do
Inferno- arrastando seis estandartes, cobertos
de coroas de loiro. Os homens e as mulheres
vestidos de preto, amarello e encarnado, pin-
gando de suor, já roucos, zé-pereiravam :
Os ruuxinós estão a caniar /
Por cima do caramanchão
< >s Destemidos do Inferno
Tenho por elles paixão
E logo vinha a chula:
Como és tão linda I
Conto és formosa
< >lha os I »estemidos
No "alho da rosa

Como é idiota!
^^ E' admirável. Os
poetas symbolistas são
fe ainda mais obscuros.
to religioso. O bailado clássico das bailarinas
do Scala e da Opera tem uma serie de
passos do culto bhramauico, o minueto é uma
degeneração da reverencia sacerdotal, e o ca-
ke-\valke e o maxixe, danças delirantes tem o
seu nascedouro nas correrias de Dyonisos e
no pavor dos orixás da África. A dança saiu
tios templos, em todos os templos se dançou,
mesmo nos cathohcos...
O meu amigo falava entrecortado, gesti-
culando. Já começara a julgal-o sem razão.
Elle entretanto esticando o dedo, bradava no
torvelinho da rua:
— O Carnaval é uma festa religiosa, é o
mixto dos dias sagrados de Aplirodita e Dyo-
nisos, vem coroado de pampanos e cheirando
á luxuria. As mulheres entregam-se, os ho-
mens abrem-se, os instrumentos rugem, e estes
tres dias ardentes, cortiscaut.es são como uma
enorme sangueira na hyperthrophia dos maus
sentimentos. Os cordões sairam dos templos!
Ignoras a origem desses grupos? Pois elles
/ vêm da festa de Nossa Senhora do Rosário
ainda nos tempos coloniaes. Não sei porque
os pretos gostam de Nossa Senhora do Rosa-
rio. Já naquelle tempo gostavam e saiam pelas
ruas vestidos de reis, de bichos, de pagens, de
KÓSMOS
fe

Entretanto os Destemidos tinham parado Depois dos Velhos os Cucumbys. Depois dos
também. Vinham em sentido contrario, fazen- Cucumbys os Vassourinhas. Hoje são duzentos.
do lettras complicadas pela rua fofa de papel E' verdade, com a feição feroz da ironia
polychromo, sob a ardencia das lâmpadas e que esfaqueia os deuses e os céos, fiz eu re-
dos arcos, o grupo da «Rainha do Mar» e o cordatido a phrase do apologista.
grupo dos Filhos do Relâmpago do Mundo Sim, porque a origem dos cordões é o
Novo». Os da Rainha cantavam em bambo- A/oché africano, dia em que se debocha a re-
leios de onda: ligião.
Moreníriha bella O Afoché? insisti pasmo.
1 lei de te amar
Sonhando com tigo Sim, o Afoché. E' preciso ver nesses ban-
Nas ondas do mar dos mais do que uma correria alegre- a psy-
chologia de um povo. O cordão tem antes de
Os do Relâmpago, chocalhando chocalhos tudo o sentimento da hierarchia e da ordem.
riscando xequedês, berravam mais apressados A ordem na desordem?
E' um lemma nacional. Cada cordão tem
No triná das ave uma directoria. Para as danças ha dois fiscaes,
Nem rompendo a aurora
lilla de saudades dois mestres-sala, um mestre de canto, dois
Suspirando chora. porta-machados, um achi-nagú ou homem da
frente, vestido ricamente. Aos titulos dos cor-
Sou o Ferramenta does póde-se applicar uma das leis de philo-
Vim de Pòrtttgâ
O me ir balão sophia primeira e concluir d'ahi todas as idéas
Chama Nacioná. dominantes na populaça. Ha uma infinidade
que são caprichos e outros teimosos. Perfeita-
Senhor Deus ! Era a loucura, o pandemo- mente., pessoal da lyra: —agora é capricho!
nio do barulho e da sandice. O fragor porém quando eu teimo, teimo mesmo!
augmentava como se concentrando naquelle Nota depois a preoccupação de maravilhar,
ponto, e, esticando os pés, eu vi por traz da com ouro, com prata, com diamantes que
"Rainha do Mar," uma serenata, uma authentica infundem o respeito da riqueza —Caju de Ouro,
serenata com cavaquinhos, violões, vozes em Chuveiro de Ouro, Chuva de Prata, Rosa de
ritornello sustentando fermatas langurosas. Era "\ Diamantes, e ás vezes coisas excepcionaes e
a -Papoula do Japão»: únicas. Relâmpago do Mundo Novo. Mas o
grosso da população é a flor da
Toda a gente pressurosa gente, tendo da harmonia a cons-
Procura flor em botão tante impressão das gaitas, dos ca-
E' uma flor recém nascida
A papoula do Japão vaquinhos, dos violões, desconhe-
cendo a palavra, talvez apenas sen-

Pocemente se beijava
Lina... rola tindo-a como certos animaes que
Attrahida pelo aroma
Dá... papoula...
\h-;.<z*:.-jl entendem discursos e soffrcm a
acção dos sons. Ha quasi tan-
—Vamos embora. Acabo teu- tos cordões intitulados Pior e
Harmonia, como ha teimosos
do uma vertigem. e caprichosos. Um mesmo
Admira a confusão, o cháos chama-se Flor da Harmo-
ululante. Todos os sentimentos, nia, como ha outro intitulado
todos os factos do anno revira- «Flor do Café».
volteiam, esperneiam, enlangue- E' curioso.
cem. revivem nessas quadras
feitas apenas para acertar com Não te parece ? Vae-sev
\W XZ^Yn ^ãft^' /vüvS. \ \\JK« aos
a toada da cantiga. Entretanto, poucos detalhando a ai-
homem frio, é o povo que fala. ma nacional nos estandartes
Vê o que é para elle a maior dos cordões. Oliveira Oo-
parte dos acontecimentos. mes, esse ironista subtil, foi
Quantos cordões haverá mais longe, estudou-lhes a
nesta rua ? zoologia. Mas, se ha Fio-
Sei lá, quarenta, oitenta, res, Teimosos, Caprichosos
cem, dançando em frente a re- e Harmonias, os que querem
dacção dos jornaes. Mas, ca- espantar com riquezas e fes-
ramba! olha o brilho dos gru- == tas nunca vistas, ha também
' os
pos, louva-lhe a prosperidade. preoccupadoscom as vic-
O cordão da Senhora do Rosa- tortas e os triumphos, os que
rio passou ao cordão de Velhos. antes de sair já são Filhos

sx"
KÓSMOS
<§=

do Triumpho da Gloria, Victoriosos das Cham- Aonde vaes Sereno


mas, Victoria das Bellas, Triumpho das Morenas... Aonde vaes com teu amor ?
-Acho gentil essa Vou ao campo de SantWnna
preoccupação de dei- Ver a batalha de llores.
xar vencer as mulheres.
-A morena é a preoccupação fundamen- E no meio daquella balburdia infernal
tal da nossa raça. É ha ainda mais, meu ami- como uma nota ácida, de turba
que chora as
go, —nem um só desses grupos intitula-se Re- suas desgraças divertindo-se,
que soluça can-
publicanos, Republicanos da Saúde por exem- tando, que se mata sem comprehender, este
pio. E sabe por que? Porque a massa é mo- soluço mascarado, este rictus da collossal
narcllista. Em compensação abundam os reis, tirana, esta careta da arleqüinada em lagrymaspa-
as rainhas, e os vassallos, reis de ouro, vas- elevava-se do grupo do «Beija- Flor*:
sallos da aurora, rainhas do mar, ha
tremendos e a ode ao Brasil vibra patriotas
infinita. A 21 de Janeiro
Neste momento nós tínhamos chegado a () "Aquidaban" incendiou
uma esquina, atulhada de gente. Era impossi- Explodiu o paiol da pólvora
V Com toda a srente naufragou.
vel passar. Dançando e atordoando as pare-
des com uma pancadaria formidável, estavam e o coro:
os do «Prazer da Pedra Encantada, e canta-
vam:
'¦% Os lilhinhos choram
Tanta folia. Nené V Pelos pães queridos
Tanto namoro : As viuvas soluçam
A pedra encantada, ai .* ai .' Pelos seus maridos
Coberta de ouro.
Era horrível. Fixei bem a face entumecida
E o coro furioso: dos cantores. Nem um d'elles sentia ou siquer
comprehendia o sacrilégio, como os hystericos
Checou o povo, Nené Floreada em crise de hypnose. A dor mais collossal do
E' o pessoal, ai : ai .' anno estava sendo recordada entre zabumba-
Da pedra encantada.
das, gritos e gargalhadas por uma menippéa
desvairada —para maior attestado de os
Mas a multidão, suffocada, ficava em de
redor da «Pedra», entaipada por outros cordões são bem a expressão da nossa que alma.
So a alma da turba consegue o prodígio de
tro cordões, que se encontravam numa qua- con-
fluencia perigosa. Apezar do calor, corria um
frio de medo, as batalhas de confetti cessa-
vam, os gritos, as piadas, os rufos do
emudeciam e, só, convulsionaudo a rua, como povo
que sacudindo as casas, como que subindo aos
céos, o batuque confuso, epiléptico dos bombos,
dos tambores, dos xequerés, dos atabaques é
os urros das cantigas estertoradas domi-
nar os ri vaes, entre trilos de apitospara
afiados e
agudos. Eram a «Rosa Branca», negros lante-
joulantes, cheios de sedas, da rua dos Cajuei-
ros; os «Destemidos das Chammas», os
«Amantes do Sereno» e os «Amantes do Bei-
ja Flor». Os negros da «Rosa», abrindo as
mandibulas furiosamente, bradavam :

No lar^o de S. Francisco
Quando a cometa tocou
Era o trium|iho Rosa Branca
Pela rua do Ouvido*.

Os «Destemidos» em contraposição eram


patriotas:
Rapaziada, bate
Bate com maneira
\ amos dar um viva
A' bandeira brasileira.

Os «Amantes do Sereno», dengosos, sua-


visavam :

^
V..
X<?!&9' . iÁ&
KOSMOS
<ê-

ligar o soffrimento e o goso na mesma lei de


fatalidade, só o povo diverte-se não esqueceu-
do as suas chagas, só a populaça desta terra
de sol encara sem pavor a morte nos sambas
macabros de Carnaval.
— Estás atristado pelos versos do «Beija-
Flor» ? I Ia uma porção de grupos que com-
mentam a catastrophe. Ainda ha instantes pas-
sou a «Mina de Ouro». Sabes qual é a mar-
cha dessa sociedade? Essa sandice tetrica:
1 rCorremos, corremos
Povo brasileiro
Para salvar do "Aquidaban"
Os patriotas marinheiros.

Isto no Carnaval quando todos nós senti-


mos irreparável a desgraça. Mas o cordão
perderia a sua superioridade de vivo reflexo
da turba se não fosse esse mixto indecifrável
de dor e pezar. Todos os annos as suas can-
tieas
«& com memoram as fatalidades culminantes.
Neste momento-, porém, os «Amantes do
Sereno» resolveram voltar. Flouve um trilo de
apito, a turba fendeu-se. Dois rapazinhos ves-
tidos de belbutina começaram a fazer lettras
com grandes espadas de páu prateado, dando
pulos e quebrando o corpo. Depois, o achi-
nagií ou homem da frente, todo coberto de
lantejoulas, deu uma volta sob a luz clara da
luz electrica e o bolo todo golphou, diabos,
palhaços, mulheres, os pobres que não tinham
conseguido fantasias e carregavam os archotes,
os fogos de bengala, as lâmpadas de keroze-
ne. A multidão aproveitou o vasio e precipi-
tou-se. Eu e meu amigo caímos na corrente
impetuosa.
Oh ! sim ! elle tinha razão ! O cordão é o
Carnaval, é o ultimo élo das religiões pagas,
é bem o conservador do sagrado dia do De-
boche ritual; o cordão é a nossa alma arden-
te, luxuriosa, triste, meio escrava e revoltosa,
babando lascívia pelas mulheres e q-uerendo
maravilhar, fanfarrona, meiga, barbara, lamen- «
tavel...
Toda a rua rebentava rio estridor dos bom-
bos. Outras canções se ouviam. E agar-
rado ao braço do meu amigo, arrastado
pela impetuosa corrente aberta pela pas-
sagem dos «Amantes do Sereno» eu con-
tinuei rua abaixo amarrado ao triumpho
e á fúria do Cordão !...
v
João do Rio.
KÓSMOS
Q=
J>
R. nha e um só aspecto, e não cae, não tropeça,
não ciaudica nunca. O seu feitio moral era tão
firme e inteiriço como a sua figura material.
Nunca uma nodoa no fraque, nem na inorali-
GOMES, HOMEM SERIO dade; nunca um escorregão na calçada, nem
nos costumes; nunca uma leviandade de ex-
pressão, nem de escripta. Reparava sempre
T T A quantos annos eu o conhecia! .E sempre onde punha os pés e as palavras; todos os
T5£ assim, com aquella cara, áquelles modos, seus passos na vida eram tão seguros como os
Xj, aquella correcção, aquella seriedade. A seus lançamentos no Contas Correntes; todas as
sua barba cerrada e negra sempre me suas idéas tão reflectidas e pautadas como um
pareceu emoldurar-lhe o rosto e alongar-lhe o balanço; e assim para as operações arithmeti-
queixo, no mesmo corte recente e grave; era cas como para as opiniões, dir-se-ia que a sua
uma barba de respeito, uma barba austera, tão extrema prudência só ousava apresentar um
rigorosamente penteada, e tão certa, e tão ar- resujtado, depois da prova real.
redondada, que sempre, ao considerar-lh'a, nos Se era casado, Gomes? Naturalmente. Com
nossos fugitivos encontros da rua do Ouvidor, tres filhos, o mais velho já na escola, o se-
pensei e disse commigo, maravilhado: —Este gundo escanchado no velocípede e o ultimo
homem, ou vae ao barbeiro todos os dias, ou á mamadeira. Fallava delles com uma ternura
não vae lá nunca! - Porque chegava a admit- modesta, referia-se ás suas graças com uma
tir am phenomeno, uma pirraça ás espécie de orgulho só delle, orgulho comedido
Jleis da
natureza, nessa barba forte e circumspecta,
que e quasi humilde, que levava a gente a exaltar
se não emaranhava, se não desmanchava nunca com maior convicção os thesouros da sua
e ao redor da face e sobre o peito, conservava ternidade. E, quando deixava algum adoentado pa-
a mesma linha severa, iiumutavel e irrepre- lá em casa, com que profunda, mas, ao mesmo
hensivel. tempo, contida angustia, respondia ao meu
Só essa barba bastaria para emprestar a cumprimento amigo:
Gomes uma seriedade absoluta; mas o meu -Sim, sempre bem,
amigo não se limitava á barba. Aparamentava- graças a Deus. Mas o
Jorge, coitado, lá ficou, com uma febrezita...
se, dos pés a cabeça, de coisas sérias. Nunca Não ha de ser nada, um rapagão!
o apanhei, por exemplo, vestido de claro, nem -Espero
que não seja nada. Elles, real-
quando janeiro faz apetecer a túnica de folhas mente, não são dos mais achacados...
seccas de nossos paes primitivos, nem Uns hércules, meu caro, uns
o íClüb Medico ?, em nome da hygienequando e do
gigantes!
Emfim, estou com certo cuidado.
bom gosto, aconselhou doutoralmente os ternos Quem
é pae; comprehende...
de flanella ou de brim, ligeiros e consoladores. E, sorrindo, ligeiramente apprehensivo, es-
Gomes nunca abandonou o fraque a tendia-me a mão, seguia para o escriptorio,
calça preta, o cha péo de coco, duro epreto onde era sempre o primeiro a chegar, de onde
Não usava bengala, mas guarda-chuva. preto. Não era sempre o ultimo a sahir. Eu ficava no
fumava; convidava-me sempre tomar ai-
para passeio, a acompanhai-o com olhos affectuosos
guina coisa, cortez e generosamente; mas algu- e admirativos, até o ver dobrar a esquina, teso
ma coisa era sempre, para elle, a fresca limo- e nobre, com as abas do fraque muito estica-
nada ou a cajuada depurativa. Álcool, nunca; das, o çliapéo muito direito na cabeça. E de-
nem o banal vermouth para o appetite, nem'
o corriqueiro kiimmel para a digestão. Homem pois, emquanto me ia tambem dirigindo aos
meus deveres, remoia na imaginação as pala-
unpeccavelmente serio; chega a dar raiva, vras e gestos desse homem tão puramente
quando não desperta a mais respeitosa das modelar, que tal perfeição acusava em cada
admirações, um homem assim! linha e realizava um conjuncto tão perfeito.
Eu, por Gomes, só respeito e admiração. Elle se me afigurava talhado dum só golpe
Ao demais, sabia-o guarda-livros duma magistral; nem uma saliência, nem uma falha;
casa; reputado em todo o commercio grande
competência em partidas dobradas, como pela sua entre as complicadas e irregulares composições
pelo humanas que encontrava na rua, era sem egual
talhe nitido e solemne da sua letra; sempre nem semelhante, superior como um gênio,
chamado como perito para os casos e absoluto como um deus.
sos mais intrincados - e tal superioridade proces-
em Extraordinário Gomes! Ora, uma noite-e
manejar o Diário e o Razão, livros sellados ainda me custa a acreditar em tal, mas vá lá
e mysteriosos, inspirava-me outra dose consi- mais este sacrificio á veneranda mama Ver-
deravel de veneração. Gomes representava aos dade -uma noite, como o jornal acabasse tarde
meus olhos aquelle typo previlegiado e antes
e uma violenta fome nos acomeítesse, a rou-
delle nunca revelado, que mantém uma só Ü-
bar-nos mais uma vez a illusão de que a glo-
h
KÓSMOS
0= =9
ria também sustenta, vimo-nos na rua lobrega
P Não quero luxos! Viva a Imprensa! Hip,
e toda fechada, sem restaurant ou bodega que hip! E então, hein? Que baile! que mulheres!
nos fornecesse a codea saborosa da ceia. Ba- A quem acha o amigo que pertença este anno
tiamos aqui e além, nenhuma luz se accendia, a palma do Carnaval? Aos Dragões, homem!
nenhuma voz respondia ao queixume suppli- Nem se < discote;! Vae ver o prestito, vae ver
cante das nossas vozes. Eu queria ir para casa, o carro do Estandarte! —E, voltando-se, a uma
pois.quanto mais andávamos, mais a debilidade torpe mulher que passava: —O'Chica, anda cá!
se me accentuava no estômago e na alma... Fez as apresentações, emprazou-nos a todos
Diziam-me «-Coragem!— iam-me arrastando; para o botequim, a beber pela gloria dos
por fim, já elles desesperavam egualmente e Dragões e da Chica. E, rompendo a marcha,
contra a porta da ultima locanda se animavam, gingando estroinamente, Gomes deu o braço
desfallecidos, quando aquelle unico cujas idéas á Chica, attrahitt a Chica ao coração, estalou
ainda conservavam alguma lucidez, se lembrou no pescoço da Chica um beijo desvairado...
de que era sabbado, vésperas de Carnaval, e Meia hora bebemos, entre copiosas san-
em algum Club devia haver baile, baechanal dwiches, torrencialmente. Gomes tentava con-
e, por conseqüência, as sandwiches e o copo quistar-nos, tomar conta de nós, transnhttir-
de cerveja que nos haviam de salvar. Assim o nos a sua fúria carnavalesca. Applaudiamol-o,
porteiro nos reconhecesse como legítimos re- davamos-Ihe pancadas e piparotes; e, excitado
presentantes da Imprensa, nos não confundisse pelo nosso riso, esgazeado de enthusiasmo,
com quaesquer noctambulos ávidos de ceia.... com a barba medonhamente revolta, Gomes
Isso, depois se veria. Escolhemos um Club; e discursou, Gomes deu vivas, Gomes cantou
fomos tão felizes que, tratando-se duma grande um hymno, Gomes destemperou, Gomes de-
festa e havendo uma ^commissão de porta^ lirou! De repente, rompe a musica, uma qua-
cheia de zumbaias e generosidade, innnediata- drilha dessa vez; Gomes levanta-se dum salto,
mente a escada se nos facultou, e o patamar, emborca o copo, arrasta-nos a todos, de cam-
e o vasto salão deslumbrante, onde os pares bulhada com a Chica, para o salão.
remoinhavam numa polka nervosa e esfusiada, Foi elle quem marcou a quadrilha; e nunca
sob a atroadora inferneira da banda de musica. vi marcar com tal ardor, nunca vi dançar
Ficámos por alli, á espera. Acabou a polka; com tal convicção. Gomes quebrava como um
e, suados, esbaforidos, os pares enveredavam canniço, atirava-se em arremessos de potro fo-
para o buffet, acotovelaudo-se ás portas, na goso, repicava o passo, desengonçava os qua-
pressa e no alvoroço da sua sede. De repente, dris, revoluteava, desmanchava-se todo como
estando a sala quasi vasia — acolhe generosa um boneco de fogo de vistas, no momento
o meu voto, augusta mãe Verdade!— quem supremo de lhe estourarem as bombas todas...
me ha de surgir pela frente, numa «letra» en- Depois, quando a quadrilha acabou, subiu a
diabrada de maxixe, soltando galhofeiramente uma cadeira, fez outro bestialogico, insultando
o meu nome? Ao principio, nem acreditei; os Clubs rivaes, annuncíando que daria todo
julguei que sonhasse, que o ambiente enfurna- o seu sangue e toda a sua alma pelos Dragões,
çado de tabaco e ainda impregnado da verti- declarando-se filho legitimo de Momo e da
gem da dança, me houvesse subitamente trans- Folia, nascido a meio duma orgia, entie ba-
tornado. Mas era elle, era elle, Gomes! E em cchantes desenfreadas, ao estourar de mil gar-
que estado, Santo Deus! Vermelho e offegaute, rafas de champagne. em dia de Carnaval !
com o collarinho derrubado, as bandas do fra- Todo o salão berrou, guiuchou, glorifi-
cando essa eloqüência desaustinada. Gomes U
que para traz, a gravata cabida, todo elle
amarrotado, arrasado, esbandalhado; e até a rolou da cadeira aos meus braços, exhausto.
barba, a sua imponente barba de fidalgo e de Aproveitando esse momento, num resto de
puritano, se transformara numa eriçada con- compaixão pela sua seriedade tão escandalosa-
fusão de pellos incultos, pellos crespos, pellos mente compromettida, murmurei-lhe ao ouvido:
bárbaros, toda a sorte de pellos rebeldes e E se nos fossemos embora, hein?
aljucinados. Gomes esperava a minha saúda- Mas já elle me repellia, ficava a oscillar,
ção, na attitude pimpona que tomara, os dedos o olho raivoso, o lábio tremulo:
na cava do collete, a perna bambearido e ar- Embora! Está doido! Arredar daqui,
mando a rasteira heróica. Com a voz ainda desertar... Soem quarta-feira de Cinzas, ouviu?
meio tomada pelo assombro, balbuciei: Mas...
Meu caro... Semelhante proposta, a mim! Você não
E Gomes, numa guinada de doido: me conhece!
Viva, viva! Commigo, é nove! Vamos Comprehendi então; comprehendi e dei-
beber. Ao champagne! á orgia! xei-o. Gomes tomava o Carnaval, como tudo
o mais, a serio.
Mas...
João Luso
d)
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A
KÓSMOS
Ç*=

0 POETfl VflRELkft Não é vaidade a belleza,


Nem o vinho também, não !
Vemos bons todos os homens
Através de um garrafão.
Compadres, não é assim ?
(mm iraajscrr^iiTTttDs
—Sim. sim !
Vemos bons todos os homens
Através tle um garrafão!

Quando as taças enxugamos.


Se aguça nossa attenção,
I >a terra e dos astros todos
Sentimos a rotação.
Compadres, não é assim ?

Àm m\ ¦ —Sim, sim !
Da terra e dos astros todos
-rtttW
Rk •.*-'*!*¦*'• Pa^TW M Sentimos a rotação.
¦a^l aaaf^tVV^ KK^afl ¦
Wf v • ^AW Baia m\ Depois de um jantar profuso.
De uma forte libação.
Quem não quer a monarchia ?
¦77 .^-"-3S .pRâ ¦ Quem não respeita um barão ?
^H MW& - • mmWzlEMWtBm
"7-**iijB ¦
mum Compadres, não é assim ?
V\
—Sim, sim !
^H • tjè ****IH ww
¦ aafa^V-^a V Quem nâo quer a monarchia ?
^l H. a^H ^^. I % jjH IV Quem não respeita u m liarão
^B Br Na Velha Canção (Obr. comp.
r~- I, 279) ha
esta quadra:
Tudo no mundo é vaidade,
l»isse o grande Salomão...
Elle pensou talvez, isto
Em noite de in digestão...

> c^^yH^^ {'^t^^^^rt^^-^ E 110 Amor e Vinho da pagina seguinte, e)


Sim, sim! de)s convivas batendo nos'cope)S é
substituído por
wgT O favor de um amigo devo o conheci- lim. tini, tim.
Cozemos até morrer.
mcnto de algumas composições litera-
^//-"A rias, em manuscrito, atribuídas ao A poesia Beatriz Henriipies (Mulher de
poeta
Varei Ia : seis em verso, duas em prosa. Insti- Christovam Colombo) que se lê no mesmo
tui o exame que me foi possível sobre esses volume, pag. 200. contém seis oitavas.
documentos para lhes apurar a autenticidade, O manuscrito, que reputo primeira com-
que afinal parece extreme de duvida em rela- posição, é formado de dez oitavas, e foi muito
ção a quasi todos. modificado, dando-se a singularidade de faltar
As peças poéticas não têm titulo, nem da- um verso, mas não o mesmo, tanto no impres-
ta. Só tuna traz a assinatura Fagundes Varei- so como no manuscrito, que diz:
Ia, não de próprio punlío, mas lançada por
quem a copiou (o mallogrado bacharel José Negra, funesta sina
Pereira Leitão Júnior). Leio nos Olhos teus .'
Seu brilho tjue fascina
E' uma canção bachica. Faz-me baixar os meus!
eienio orgulhoso, altivo,
Compadres, nossa existência Soberba águia tios mares,
Não passa de um sonho vão, Pois bem... Adeus ! Adeus !
Quando bebemos entramos
No domínio da razão. Do ceu tle Andaluzia
Compadres, nâo é assim ? As tartles sem iguaes,
A intima alegria
—Sim. sim \ Dos lares festivaes ;
As vozes das serranas,
Quando bebemos entramos O aroma tias violas
Nos tlominios tia razão.
f As noites hespanholas
Tudo no mundo é vaidade Não te deleitam mais.
Disse o grande Salomão...
Mlle escreveu talvez isto Quando amanhan no espaço
Num dia tle indígestãò. Fulgir tle novo o sol.
Compadres, não é assim ? Prendendo em áureo laro
Os mares e o arrebol ;
—Sim, sim : Quando fagueiro e terno
No meio das folhagens,
Elle escreveu talvez isto Ao sopro das aragens,
Num dia tle indigestão. Cantar o rouxinol ;
KÓSMOS
^^ rm =^

Em vez de meus carinhos, Contempla, solta um grito.


Borrascas soffrerás ! Recua, foge e cae !
Dos escarceus marinhos —Não temas! brada o moço
Os choques sentirás ! Vinguei nossa desgraça !
E dos suôes medonhos Feii hoje a mais bella,
No lugubre estribilho, A mais brilhante caça !...
O choro de teu filho E' esta a mão traidora
Tremendo escutarás ! Que assassinou meu pae.

Então sombrio, afflicto, Refundindo esse original, aparece Vingança


Longe do lar feliz,
Das ondas no conflicto, (1, Qó), que abre com estes versos:
Ao brilho dos fuzis,
ao cego acaso, O matto virgem dorme. As ondas de verdura
' Entregue Embebem-se de orvalho, desprendem dúbios cantos :
Do mar na immensidade,
Talvez tenhas saudade Não ha no céo um astro, tudo é tristeza e sombras,
Da pobre Beatriz!... Apenas lá bem longe, da selva nas alfombras,
Soluça uma luzia ha das nevoas entre os mantos.
Que bei Ias são as veigas
Das margens dó Xenil, Termina :
Onde risonhas, meigas,
No ledo mez de abril,
A velha se aproxima, contempla... e horrorisada
Do bandolim sentido
Uecúa dando um grito e d'outro lado cáe
A's notas amorosas, — Não furjas, mãe ! não temas ! vinguei nossa desgraça
Cingidas de alvas rosas,
Dansam morenas mil ! Fiz hoje a mais brilhante, a mais soberba caça.
Trazendo a mão traidora que assassinou meu pae ! •
Que lindos são os prados,
E os valles de Leão ! Não achei por onde aferir a autenticidade
E os montes azulados destes graciosos versos, que bem se poderia
Das terras de Aragão !
E as festas das vindimas, intitular Menina e moça:
E as santas romarias
Nas velhas abbadias Eu sou pequena, trigueira
De amiga solidão !... Como a rolinha faceira,
Como a linda iassanan
Cruel, — tudo isto deixas Meus olhos negros, esquivos,
Pelo trevoso mar! São mais brilhantes, mais vivos
Não ouves minhas queixas. Que os olhos de minha irman.
Zombas de meu pezar !...
Oh nunca, nunca o fado Meus lábios são tão formosos
Em teus fataes delírios Como os cravos olorosos,
Meu fardo de martyrios Como as flores da roman.
Te obrigue a partilhar ! Mais ondeados, mais bellos
Do que meus pretos cabellos
As sombras, o perigo. Não são os de minha irman.
O vento atroador.
Os ermos sem abrigo Porem se fallo de amores,
Dos raios o estridor. (>s mancebos zombadores
Preferes, sacudido Me chamam creança van,
Sobre um baixei estreito Deixam-me em fundas tristezas
De nosso brando leito Vão derreter-se em finezas
Ao tepido calor ' A's plantas de minha irman !
Vae, desgraçado amante Se algum risonho. açodado,
Das vagas infiéis ! Me offerta um lirio orvalhado
Arroja-te ofTegante Pelos prantos da manhan,
A's svrtes e aos parceis !... Carrega os turvos sobrolhos,
Se a dita de voltares Dá-me a flor, mas fita os olhos
Te deparar a sorte, Nos olhos de minha irman !
Tua infeliz consorte
Não acharás, talvez ! Se me contemplam sentada,
Sosinha á tarde, ocupada
Sem titulo, como todas as outras, uma Com meus bordados de Ian,
composição de 140 versos começa assim: Repetem sorrindo todos
Que tenho os gestos, os modos
E' noite.—A tempestade E os traços de minha irman.
Fustiga o descampado,
As capoeiras vergam-se Nem um cantor mavioso
A*s iras do tufão ; Louva-me o rosto mimoso
Tudo é feral, nublado. Louva-me a fronte lou-an;
Confuso, — vago. — incerto ! Mas um po\o de poetas
Ao longe, ao longe, apenas, Se desfaz em cançonetas
No meio do deserto, A's graças de minha irman.
Treme amarella chamma
No véó da cerração. Não importa, — sou criança,
Mas alenta-me a esperança
E termina De ser mulher amanhan.
Então poderosa, ufana.
A velha se aproxima, Me sentarei soberana
Toma um tição aceso, No throno de minha irman !
KOSMOS
<_== ^rm =^

Cerca de duzentos versos brancos, muito A invenção é interessante, tem côr local, e
de feição varelliana, contam o episódio de a peça termina por uma scena de grande bei-
tuna espécie de Caramurtí, arrojado pelas va- leza. O autor, porém, não conhecia o segredo
gas á terra americana e acolhido por uma dos bastidores, não calculava com justeza o
tribu indígena, a cuja civilisaçào consagrou a effeito das luzes e da scenographia, nem esta-
existência desde então. Annos depois, desem- va familiarisado com o monstro de mil cabe-
barcam ali ferozes piratas, ávidos de oiro, ças que «paga com seu dinheiro». Elle pro-
exigindo que se lhe mostrem as minas. Acce- prio reconheceria a necessidade de rever e
de o chefe da tribu, leva-os ao alto de um talvez refundir esse e outros trabalhos que
monte, e d'ali lhes mostra campos cultivados, deixou rascunhados em folhas volanies.
caminhos abertos, arvoredo carregado de fru- Infelizmente aos trinta e quatro annos de
cto, homens nas plantações, raparigas sentadas edade finou-se o Poeta, quando era licito
á porta das choupanas tecendo seus vestidos; esperar que o sonho da sua mocidade ia to-
pomares, cohneias, apriscos, aves domestica- mar forma definitiva, e produzir—quem sabe? —
das, estendaes carregados de fibras de có-~ o livro que a literatura latina americana espera.
queira: Em seu caminho não encontrou elle uma
Mis nossas minas ! Eis nossos thesouros ! Beatriz ou Laura, Carlota ou Marilia.
Eis o ouro mais puro que ha brotado Caprichos lhe foram, senão modelos vivos,
Das entranhas do globo !
<v>uereis comnosco partilhal-o ? Vinde ! Inah, Mimosa, Lucilia e a irtnan dos anjos,
Deus abençoa a fronte que medita formosa boçal, tão indigna dos supostos irmãos
E os braços (pie trabalham. como do próprio frei Bastos. >
Ouvindo ainda outras verdades ditas em O primeiro casamento de Varella foi uma
formosos versos, os piratas deram-se por con- aventura romanesca, começada em um circo
vencido e pozeram-se ao largo. eqüestre, e terminada pelo martírio de joven
senhora, vitima dos desvarios e allucinações
Quando no ceu azul serena a tarde do Poeta.
Desdobrava em silencio o leve manto, O sublime Cântico do Calvário exprime a
Triste como a saudade,
<> ligeiro baixei, de velas soltas, única afeição humana que intensamente o
1'erdia-se nas orlas vaporosas dominou e commoveu. A criança passara como
Dos vagos horisontes. as brumas, as nevoas e as neblinas que nos
versos de Varella traduzem a garoa e a
Em uma folha de antigo papel de peso cerração da capital paulista.
Bath estão lançados alguns versos, cheios de
rasuras e emendas, recomeçados, abandonados O que elle amou sobre todas as coisas
em meio para surgirem em nota tentativa: um foi a terra americana. Engradecendo os qua-
dros traçados por G. Dias e Porto Alegre,
pequeno cahos que não chegou a ser illumi- amou-a nos descobridores, nos missionários,
nacio pela esquiva inspiração.
nos indígenas, nos heroes das novas naciona-
Em nove oitavas, cada uma das quaes fe- 1 idades, nas lendas, nos costumes da roça.
cha com a palavra pensamento, um prisionei- Adorou a natureza da nossa terra, e por ella
ro declama em versos assás medíocres contra se fez nômade, palmilhou estradas, travou
os tyrannos. amizade com as arvores, embebeu sua palheta
Um drama em prosa, A Morte do-Capitão- de incomparavel paisagista nas|tintas da arraiada
Mor, tres actos, com pequenas faltas, por di- e do cahir das tardes, mais misteriosas que
laceração, nas duas ultimas folhas. os poentes de França celebrados nos versos
De tres dramas encontrados entre os ma- de Antônio Nobre.
nuscritos do Poeta falia a noticia biographica O cantor de Colombo, Anchieta e Juarez,
publicada pelo Anglo Brasilian Tintes em das lendas Amasonas, Esperança, A Sede, en-
1S75, traduzida para a 1a edição de Anchieta, e trava na quadra da vida em que a primavera
suecessivamente copiada, com todas as suas se vae despedindo, as flores caducas cedem
inexactidões, por diversos biographos e prefa- praça a outras mais perfeitas, e annunciam-se
ciadores: tres dramas intitulados A Funda- os frutos para a próxima estação. Fazia-se a
ção de Piratininga, em verso, Ponto Negro e sinthese do seu americanismo disperso; apri-
O Demônio do Jogo, também em verso, tirado morava-se a forma, tão descurada a principio;
dos contos fantásticos de Hoffman». acalmava-se a tormenta romântica, a desor-
A Morte do Capitão-Mór não é em ver- denada torrente do lirismo disciplinava-se. O
so, não trata da fundação de Piratininga, nada débil organismo do Poeta não resistiu á vida
tem de communi com o vicio do jogo, e bohemia, nem lhe permittiu senão entrever a
melhor que Ponto Negro lhe assentaria o ti- terra da promissão. Varella foi vitima do falso
tulo A Maldição' Paterna, consoante o assim- byronismo que matou Alvares de Azevedo e
to. Parece, entretanto, que é de Varella o ma- Aureliano Lessa, e envenenou a vida de Ber-
nuscrito. nardo Guimarães.
KOSMOS
-.£>

ultimo documento a que se referem Por esse tempo escreveu Varella, para a
tO tas notas é a estenographia com a traducção Associação Tributo ás Letras, um parecer so-
juxta-linear» de algumas palavras que poucos bre a poesia popular no Brasil, que foi dis-
dias antes de sua morte (18 de fevereiro cutido - com brilho e maior copia de obser-
de 1875), Varella dirigiu á Sociedade Brasi- vação do que era dado esperar naquelle tempo,
leira Ensaios Literários em sessfio magna anui- quando não existiam os trabalhos do sr. Sylvio
versaria (23 de janeiro.) Romero e outros. O original desse parecer
Febril, talvez em delírio, disse que naquelle existia no archivo dos Ensaios Literários, asso-
dia mandara enterrar uma criança seu filho, e ciação que desapareceu, como vae desapare-
deixara nas vascas da morte sua mulher em ceudo tudo que é brasileiro...
Niterói, para onde não poderia voltar aquella Uma das primicias do talento de Rodol-
noite, porque perdera a ultima barca (!) Não fo Bernardelli foi um busto de Varella. Esteve
era poeta de inspiração profunda, mas poeta exposto na Imperial Academia de Bellas Artes,
da dor, vivia do coração e das lagrimas. Em e pelo auetor foi offerecido ao bom e saudò- ... . .
¦

¦

frazes confusas e desconnexas saudou a asso- so Octavio Hudson, que por sua vez o offe-
ciação, e prometteu mandar-lhe alguma poesia. receu ao Dr. Emiliano Varella, pae do Poeta,
em uma reunião muito pouco concorrida que se
* realisou no Conservatório de Musica em 1876.
* * Ahi fallaram Hudson, que se referiu aos
soffrimentos de Varella, nas suas noites bran-
O esboço biográfico que Visconti Coaracy cas, noites de agonia», e o Dr. Joaquim An-
copiou de outro copista é um tecido de ine- tonio Pinto Júnior, que entre lagrimas decla-
xatidões, assevera com razão o autor da Hist rou ter dado as primeiras lições de poética
da Lit. Brás. (II, 437). ao autor das Vozes da America, o que pare-
Não em 1862, como disse o Anglo Brasi- ceria exageração, pois a especialidade do Dr.
lian Times, nem em 1865, como disse Coaracy, Pinto Júnior era o aparte feliz, a replica fui-
mas em 1863 matriculou-se Varella na Facul- minante pelo ridículo, a inexgotavel veia co-
dade de S. Paulo, cujas aulas freqüentou até mica, que faziam delle o mais alegre dos con-
o 3° anno, que não concluiu. Na aula de versadores e um adversário temível na dis-
direito romano, chamado á lição pelo dr. Duarte cussão. O Sr. Ubaldino do Amaral entregou
de Azevedo, sobre as fontes do direito, expoz ao Dr. Emiliano o original de um estudo que
a matéria com clareza, e, ao dar a hora, ter- em 1S66 publicara no Correio Paulistano sobre
minou nestes termos, fallando dos rescriptos os trabalhos de Varella, seu companheiro de
dos príncipes: Naquelle tempo tudo era di- aulas durante quasi tres annos. Consta que
reito, até os bilhetes dos imperadores. esse esboço de critica extraviou-se na casa
Laemmert.
Um acontecimento entre os estudantes foi
a leitura, em sessão magna, dos versos depois Não já aprendiz, mas consagrado mestre,
fez R. Bernardelli novo busto, que em uma
publicados com o titulo Predestinação, antes das praças de Petropolis recorda o cantor flu-
chamados Visão de Colombo.
minense; o estimado pintor Modesto Brocos
Ultimo a fallar, Varella resumiu os dis- reproduziu-lhe o retrato em magnífica agua
cursos anteriores que tinham versado sobre forte.
filosofia alleman, revolução franceza, theorias
de direito, e em um gesto soberbo sentenceou: Do que se tem escrito sobre a obra de
— Tudo isso não vale uma bananeira da Varella merecem especial mensão o estudo de
America! Franklin Tavora, um dos melhores prosadores
brasileiros, elegante, correto, de apurado gos-
Com o seu admirável talento descritivo to e senso critico ; a penetrante analise do
pintou em seguida um quadro da natureza Sr. Sylvio Romero, que a um talento de pri-
virgem, protestou que nunca se oecuparia de meira ordem reúne vasta erudição, e as pa-
assunto que não fosse americano, e pausada- ginas que lhe consagrou o Sr. José Verissi-
nente recitou Predestinação. simo, de cujas sentenças ninguém deveria re-
A mocidadé, impressionável e ruidosa, viu correr, excepto talvez os admiradores de Va-
ou pensou ver um novo ideal, e aplaudio. reila, julgado com extremo e desusado rigor.
A tradição sentiu-se ferida, e em posteriores
distas manifestou despeito e rancor.
U. A.
KÓSMOS
__ S)

rismo scientifico, é a bravura do nosso sol-


Marechal Niemeyer dado, é a abnegação dos nossos homens an-
tigos, cuja tempera ja se vae perdendo. Ho-
mem de saber, o marechal Niemeyer deixou
em obras de engenharia, quer militar, quer
TT A uni anno, quando a pátria perdia no ma- civil, a comprovação de seus méritos; homem
Yx. recna' Conrad o de Niemeyer um dos seus de guerra, a sua fé de officio é dignificadora;
.X* maiores servidores, Kdsmos pensou em administrador, as províncias do Império que
prestar á memória desse prestame brazileiro a ho- estiveram sob a sua intelligente direcção, as
menagem que lhe jul- commissões que lhe
gava devida. Motivos estiveram confiadas, a
independentes da sua orientação iniciada na
vontade impediram-na Escola Superior de
de realisar esse dever. Guerra, comprovam a
Hoje, porem, que, a sua competência; sim-
14 de Fevereiro, foi pies cidadão, homem
completado o primei-
ro anniversario da sua
morte, ella vem des-
_pA - civil, a sua conducta
e o seu caracter, são
exemplos de honradez
obrigar-se do compro- e de bondade.
misso tomado com a A sua acção benéfica e
sua consciência. progressista nos cargos
Sim, com a nossa occupados é até hoje
consciência, dizemos __¦_____¦ S_K ÂW S&Ste'-.___. apontada, e esse Corpo
.—____¦ fll^ ^_É_.
porque esta revista é ___. ________ _____L__________v____R BB-fc^w:
de Bombeiros, de que
não só feita para como tanto nos orgulhamos,
iJ ____^___S ______r"^___^*-^___! 9_lh
pelo Brazil, e todas as Bfl \Ww ^__H _________________________ ^______ ___________j______________j____________L representa um dos tra-
suas glorias, e todos os ços mais indeléveis do
seus grandes aconteci- seu talento de adminis-
mentos, téem repercur- trador, da sua capacida-
são directa em suas
paginas.
^^MbbRF*^^ de de commando, eu-
jos exemplos téem sido
_V-_t?_BPB-__BBl B. - jr - »?*v* •'
E se, entre brazilei- seguidos pelo illustre
ros illustres, ha quem e bravo commandanté
mais se recommende á actual, coronel Aguiar.
gratidão pátria, poucos terão tantos serviços e, A esse brazileiro a quem a pátria tantos
ao mesmo tempo, maior modéstia que esse serviços deve, apesar da modéstia com que
digno patrício. sempre os prestou, esta homenagem de Kósmos
A vida do marechal Niemeyer é uma das é justa e deixa affirmar o quanto ella sabe
paginas da nossa historia. Ella representa o presar os grandes patriotas e seus illustres pa-
desenvolvimento intellectual do nosso milita- tricios.
KOSMOS
e
sol, no jardim resplandeciam as rosas mais
lindas, a folhagem reverdecia e a sandália
A HISTORIA DOS GAFANHOTOS de S. Magestade calcava nas aléas uma
poeira ardente de diamantes pulverisados...
O Rei acabou porém não saindo da sala
(G0NT0 PARA CREÁNÇAS) dos livros, onde para matar o tempo e a atroz
flor amarella da melancolia, fazia-se ler
intermináveis historias. A vassallagem es-
RA um dia um Rei. Não ha rei sem gotava volumes e volumes. Lotusera in-
manias como não lia funcção mais con tenta vei.
Ei exhaustiva que a de ser sempre obe- Já acabou ?
decido, tendo sempre ás ordens um paiz —Já, Magestade!
inteiro. O Rei Lotus reinava na Terra das
Venha, outra historia !
Maravilhas, havia quatro lustros, e nesses
vinte annos de maravilhosa vida só dois Por fim não havia mais romances na lin-
factos tinham ficado na sua memória can- gua da Terra das Maravilhas, e foi dada or-
cada de assombros a morte da esposa e dem em todo o império para inventar his-
o nascimento da filha, a princeza íris Bran- torias. Quem inventasse uma historia entra-
co, tão linda, tão bella, tão deliciosamente va logo na morada real a còntal-a. Mas as
branca que quando passeava nos jardins historias eram tão pequenas que um dia o
reaes parecia um raio de luar entre as rosas. Rei teve uma idéa.
Tudo mais era para esse Rei inysanthropo Estou farto d'isso. Preciso ouvir uma
uma grande cacetada. Quando os seus mi- historia grande. Darei um grande prêmio
nistros vinham visitai-o com a pasta cheia aquelle que me contar uma historia sem
de decretos a assignar, Lotus enrugava a fim...
sombrancelha, perguntando: Sem fim?
-Que ha?
Ah! ah! sim, sem fim.
- O paiz vive na adoração de V. Ma- Quem me con-
tar até eu me cançar terá como prêmio a
gestade. mão da princeza íris Branco e por conse-
—Nem sombra de òpposíçâo?
—Nem sombra ! quencia o meu reino !
Logo no dia seguinte, o Reino das Ma-
— E, chamam isso a terra das Maravi- ravilhas estava inundado de papeis trazen-
lhas !... do uma estranha proclamação — '-Quem
Entretanto não havia reino mais fabulo- poder contar uma historia sem fim a S. Ma-
samente rico. O palácio vivia num fausto gestade o Rei Lotus receberá a mão da
nunca dantes imaginado. Todas as princeza íris Branco como prêmio. Quem
paredes
eram de mármore, de marfim, de madrépo- se atrever a apparecer em presença de
ra. Havia salas com o tecto de oiro, S. Magestade dizendo ter a historia sem a
nas de onix com portas de gale-
pérola cor de poder contar, será imniediatameute enfor-
rosa. O apartamento da cado,,.
princeza íris Bran-
co constava de sete salas servidas
por uma Apezar da ameaça, um Reino e uma
galeria de christal, jaspe e Cada sala Princeza, ambos lindos, tentaram sufficien-
tinha uma côr do íris - a prata. sala vermelha de temente alguns cérebros— que se apresen-
coral e rubis da Birmânia, a sala azul de taram. O Rei Lotus recebia-os, sentava-se e
lápis lazulh, a sala amarella de topazios, a escutava. Mas as historias tinham sempre
ala roxa de amethistas, a sala verde, onde fim. O primeiro levou oito dias e foi enfor-
se guardava a maior esmeralda do uni ver- cado; o que mais tempo durou arrastou um
so. O Rei Lotus só comia em
d'oiro, enredo durante seis mezes dois dias e cin-
ouvindo orchestras de harpas. pratos Se por aca- co horas. E mesmo um escovado chegou a
o descia ao chovesse ou fizesse
jardim, apresentar-se, mas achou prudente,, sahir
KÓSMOS
m
de bandinha antes de ser le- ao tecto. S. Magestade mandou eu segui-
i í
vado a presença do Rei. Já
começava o desanimo e a Prin-
ceza Íris Branco já ria na
sua galeria dechristal, jas-
pe e prata, quando appa-
!r da fechar e calafetar todas as portas, para
ter a certeza de que não lhe podiam tirar
nem um grão de trigo, nem de milho. Mas
os pedreiros ti nha m esquecido um pequeno
interstício — pequeníssimo mesmo — bem
receu um sujeito muito
calmo e serio.
- Eu tenho uma his-
JM ; no alto do celleiro. Vem então, voando um
gafanhoto. V. Magestade sabe que os ga-
fanhotos andam em grandes quantidades
toria sem fim. chamadas pragas. Esse primeiro gafanhoto
Louco ! S. Mages- viu os grãos pelo interstício. O interstício
tade manda-te enforcar só dava logar a custo para elle passar.
se não conseguires Era um gafanhoto resolvido. Entrou, apa-
vencer. ' nliou uni grão e saiu. Os outros viram.
Eu venço. Então veiu um gafanhoto e carregou com
E' impossível ! um grão de milho; e então veiu outro ga-
fanhoto e carregou com outro grão
-Levem-me a
de milho ; e então veiu outro gafa-
presença de S. Ma- nhoto e carreoou com outro grão de
íj es tade. milho; e então veiu outro gafanhoto
Os vassallos, riu- e carregou com outro grão de milho;
tio, levaram-no. O e então veiu outro gafanhoto e carre-
sujeito muito calmo oou com outro
•o o grão de milho»...
fez uma referencia Levou assim, de manhã á noite
ao Rei Lotus que o cerca de um mez. O Rei Lotus, por
olhava irônico. mais paciente que fosse, acabou por
Saiba V. Ma- interromper a historia:
gestade cjue eu sei — Bem, bem, basta de
uma historia sem gafanhotos. Supponha-
fim. %,
mos que elles carrega-
Pois conte lá. ram com todos os
"ãos
O sujeito sentou- grãos de milho e
se muito de vagar e foram muito feli-
começou de vagar. zes depois.
—O' Rei gênero- — Por mais que
so, era um dia um isso seja agrada-
rei, que era um grande vel a V. Magesta-
tyranno. Como dese- de, respondeu o
jasse augmentar as narrador, não posso
suas riquezas, a pode- dizer se os gafanhotos
rou-se de todo o grão do se julgaram felizes sem
paiz. Esquecia-me dizer que chegar ao fim...
0 paiz era essencialmente E continuou, imper-
agrícola. A fortuna publica turbavel :
estava no grão. Havia grão — E então veiu outro
como poeira. O rei mandou gafanhoto e carregou
construir um enorme, col- outro grão de milho; e
lossal celleiro, mais alto que então veiu outro
uma montanha, onde collo- gafanhoto e car-
cou todo o grão. E a quantidade era tal regou outro grão
que o celleiro ficou cheio, abarrotado até de milho; e então
KOSMOS
(£. ã>
veiu outro gafanhoto e carregou outro grão — E então veiu outro
gafanhoto e carre-
de miIlio;e então veiu outro gafanhoto eçar- gou outro grão de milho; e então veiu ou-
regou outro grão de milho; e então veiu outro tro gafanhoto e carregou outro
grão de mi-
gafanhoto e carregou outro grão de milho... lho ; e então veiu outro gafanhoto e carre-
Seis mezes depois o Rei perdeu a pa- gou outro grão de milho...
ciência. Até que o Rei, furioso, não
—O' amigo, estou farto de gafanhotos. podendo
mais, bradou:
Quanto tempo avalia você que elles leva- -O' homem do inferno, basta
de gafa-
ram para tirar todo o milho? nhotosl tomaa mão de minha filha! Toma o
E o narrador muito serio : meu reino, toma tudo quanto
-*> quizeres mas
.0 não me falles mais nesses abo-
ilL? f^c*y- r\ n •••¦•¦aveis gafanhotos!

m mi fr ^Wm

—Magestade,
quem o poderá dizer? Até
ao ponto em que chegamos da minha his-
E foi assim que um homem pacien- ^ff
tona os gafanhotos esvasiaram mn
pedaço te conseguiu a mão da princeza íris /
tão pequeno do cel lei ro e o ar está tão ne- Branco e o reino das Maravilhas, refreando
gro de gafanhotos, que é impossível dizer. o capricho do rei Lotus, graças apenas a
Entretanto, fique descançado V Magestade
uma interminável praga de gafanhotos.
!ne chegaremos lá.. Entrou por uma porta, saiu por outra.
Enchendo-se de coragem o Rei Lotus El-Rei, o novo Presidente da Republica
continuou a escutar e mais um anno o
ciente narrador continuou a dizer: pa- que vos conte outra menor...
Paulo Alberto.
KOSMOS
<_-
*1rm
Era então o mais acceso d.ürriá campa-

RUINAS nha eleitoral ; e o coronel Chico Bento,


d'um lado, e o vigário José Maria do outro'
acuradamente se disputavam o governo
municipal. Equilibravam-se as duas forças
ESTI7 CONTO E O ULTIMO TRABALHO
LITERÁRIO DE REDRO RABELLO. em lucta ; e mal se poderia prever o resul-
FOI ELABORADO PM DPZEMBRO DO
ANNO PRÓXIMO FINDO,QUANDO O IN-
tado da batalha cruel.
FELIZ ESCRIPTOR JÁ TINHA A CERTEZA
DO DESFECHO FATAL DE SUA ENFER-
Recrudesciam velhos ódios, adormeci-
MIDADE. dos rancores despertavam, ferozes. Hypo-
thecas, de que em qualquer prazo o coro-
á mesa — uma larga mesa nel Chico Bento recebia os juros' tardios,
severa a que as cadeiras d'alto espal-
ESTAVAM eram hoje a arma contra os amigos da ves-
dar estofado de couro davam uma solem- pera, tornados os adversários de agora. E
nidade abbacial. A criada, apressadamente, eram seculares questões de terras, arranca-
retirava os últimos pratos da refeição servi- das ao pó dos archivos do juizado de di-
da. E Prospero, á cabeceira, recostára-se, reito desabando cruéis sobre o inimigo
com os olbos no tecto, entregue a um vago irreductivel. Penhora ou voto era a senha.
sonbo, enleio suave que o envolvia na Entretanto, ricos ambos, o coronel e o vi-
doce calma daqueila existência feliz. gario uão se dedigiiavam de prestar mão
Ao lado delle, Melly terminava pachor- forte ao amigo a quem o adversário im-
rentamente a sobremeza, com a despre- piedoso viera cruelmente ferir.
occupação dos seus quatro annos. E Clara, Prospero era hábil ; em pouco tempo
perto, passára-lbe o braço pelos hombros, mandava elle buscar ao Rio um compa-
por sobre a camisola d'um tênue azul e cia- nheiro de S. Paulo, a quem a morte do pae
ras rendas diaphanas.Scintillavaiii crystaes, fizera abandonar o curso no 3o anno. Fel-o
á luz do lustre do salão de jantar. seu solicitador. Choviam-lhe contos de réis
Clara curvou-se então, um pouco mais sobre a banca. Era o começo da fortuna. A
para Melly, attraliiu-a para bem junto do exploração de uma fazenda abandonada á
eólio, e, a alisar-lhe a cabelleira loura, dis- falta de braços, auginentou-a. Dos ex-escra-
farçando, murmurou-lhe o quer que fosse vos, Jorge ia a pouco e pouco fazendo co-
ao ouvido. Ionos interessados na producção que liou-
Melly pareceu interrogal-a com os olhos; vesse. A sua administração triplicara as co-
e, a um signal affirmativo de Clara, voltou- lheitas. A sua fortuna augmentava sempre.
se para Prospero ao lado : No municipio o Dr. Prospero era o que se
— Papae vem cedo? chamava "um partidãó». Em breve tempo,
Prospero era convidado para a casa de
Elle não ouvira. Pairáva-lhe longe o Clara. Apaixonou-se por ella. Casou. Evo-
espirito; entrevia, talvez, a deusa amiga que candò essa data Prospero sentia ainda o
de S. Paulo o tomara, advogado novo, e, alto júbilo daquelle doce dia de amor.
azas benéficas cobrindo-o, fora leval-o, fe- Papae ! gritou uma vózinha chorosa.
liz, ao solo fértil do torrão mineiro.
Sorrira-lhe a sorte. Elle teve um sobresalto ; abriu as palpe-
Ao saltar do comboio fumegante para a bras ainda envoltas no sonho. Despertou.
Olhando-o fixamente, Melly esperava a
plataforma da estação tranquilla e pobre, resposta.
grossas camadas de poeira rubra cobriam-
lhe o guarda-pó barato. Mas, homem deci- Clara aconchegara-a ao seio, beijára-a
cido e forte, Prospero tinha o coração re- demoradamente perto do ouvido, e Melly
pleto de esperanças. Sondou o terreno em repetia:
que pisara. Pequeninos serviços gratuitos Papae ! Vem cedo?
grangeavam-lhe sympathias. Estava satis- Prospero ! responde á criança ! fez
feito; ficou. Clara, recriu.inando-o.
KÓSMOS
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Vou responder... E, voltaijido-se para Está contentinha agora? perguntou.


Melly:— Vou responder... Mas a senhora Ella teve um niucliocho ; mas, á insistem
não acha que é muito... cia cio marido, tornou-lhe :
Os olhos de Melly enchiam-se dágua. Estou... Mas também você
p'ra que me
—... muito bonita ! concluiu, rindo. contraria ? Antigamente, você nao era
Melly fitou o dolorosamente, e, lúmi so- assim...
luço, voltada para Prospero que continua- Injusta! Então não é verdade
que sem-
va a sorrir: pre e sempre tiveste todas as tuas vontades
- Me dá o lenço... satisfeitas? Quando casámos, em 1889, fo-
mos logo para o Rio, e tu não perdeste uma
Tomou-o, enxugou os olhos, e, restituih- só festa que fosse, daquellas feitas aos chi-
do-o a Prospero, disse, magoada: tenos. Commodista como èu sou. compre-
Você fez eu chorar. hendes que não iria ficar noites inteiras a
-Assustara criança por brinquedo...— trocar phrases banalissimas com este ou
disse Clara, saccudindo desdenhosanientea aquelle conhecido de ultima hora. eniquan-
cabeça. Sim, senhor! Pae amoroso ! to tu, enlaçada por um desconhecido, des-
Prospero adoçára a voz; e com o braço apparecias aos primeiros compassos de
levemente passado sobre as costias da filha, qualquer valsa. Perdias-te no turbilhão dia-
começou : bolico daquella massa confusa de fardas
-Olhe; papae não póde vir cedo, não. plenas de ouro, de reluzentes peitilhos, e
Em primeiro logar, a victoria de papae, de- de negras casacas fúnebres, junto ao kalei-
doscopio das toillettes faiscantes de jóias;
pois que o João Cocheiro a atirou por um
barranco abaixo, foi para o Rio, para se e eu, porque tú te divertias, divertia-me a
concertar, e até agora nada ! Em segundo ser roubado pelos parceiros astutos d'uiii
logar, daqui á estação são quatro horas animado pocker de alta sociedade.
bem gordas, a cavallo ; e eu tenho que fa- E' exacto... Mas com
quem dansava
zel-as, aliás com prazer, porque se trata de eu ? Com o Jorge Lima, teu antigo compa-
ir buscar tua avó. São os teus - continuou, nheiro de preparatórios, naqüelle tempo
voltando-se para Clara ; — sempre os amas- doutorando de medicina. Porque o não
te muito... (Todos os dias o affirmavas!)... privas devir cá, agora que elle se decidiu a
Ora, conío sabes, eu gozo immenso com clinicar aqui, attrahido pela boa sorte que
atua felicidade... Para encurtar razões: — te protegeu ?
devo estar aqui lá para as cinco da manhã. Não sou homem para essas tolices,
E, de súbito, a Clara: minha filha... Jorge é um typo honesto, e
Tua mãe disse-te leal. Se elle tivesse de deixar de vir á minha
quantas pessoas casa—acerescentou sorrindo - seria só por
vem ?
Ella, Nenê, Ritinha... As crianças... Seis causa de Melly...
ou sete, no máximo. E, voltando-se para a criança :
Deve ser isso mesmo... O landau Não é verdade que gostas muito do
basta. Dr. Jorge ? perguntou.
--Não quero gostar! respondeu Melly
Teve uma pausa.
Clara, chega aqui... - bruscamente.
pediu. Mas ainda te não disse tudo... conti-
Ella ergueu-se, no esplendor da sua beí-
leza ; e logo se lhe desdobrou o talhe esbel- nuára Prospero, acariciando Clara. Lem-
to, e ergueu-se-lhe o esculpturado busto bras-te de quando te davam uns pruridos
inusicaes, a trinta léguas do Rio ? Era
nobre. Prospero mirava-a, orgulhoso. Ella
chegou-se para elle, abrir-se a estação lyrica e a minha querida
que lhe' puxara uma Clarinhá reclamar logo o seu camarote...
cadeira, e sentou-se.
Accedi sempre. A fatigante viagem para o
Prospero attrahira-a a si, ternamente: Rio parecia-me deliciosa. E tu satisfazias os
KÓSMOS
^ ^
NrH_= w
teus desejos que são sempre os meus. E tú, em lama ? A cada passo mergulham na vala
á frente do teu camarote, dominavas a pia- funda que os carros de bois abrem primei-
téa com rigoroso luxo dos teus vestidos, e ro, e que, depois, centenas de outros se en-
espàlhavas pela sala o fulgor das tuas jóias carregam de alargar? Queres, talvez,
de preço... Sou um máo marido ? Confessa que
eu vá d'aqui me sepultar no barranco em
que és injusta... Apezar de que as mulheres que a victoria cahiu?... Prefiro o galope re-
não gostam de confessar nunca! Terminou, guiar do meu cavallo. E depois, o Alai fiado
sorrindo. tem tino, escolhe bem onde pisa... "Cavallo
E beijava-a démoradamente na fonte, na velho sabe o caminho,, costuma dizer o
farta cabelleira negra que ella prendera ao juiz de direito... O Malhado confirma a
alto da cabeça deixando vera alvura immá- affirmação do bom do juiz.
cuia do pescoço. E dispoz-se a saliir:
'Sta bom; não és um máo marido, —Vou mandar o landau a toda
não... És até muito bomzinhp para a tua pressa...
disse. E eu vou mais devagar... Já não sou
Glara... Mas, vae tratar da conducçãò para homem para altas cavailarias.
mamãe, anda... E, depois, lias de fazer um Abraçou-a, despedindo-se:
S.João muito bonito,com muito fogo, muita — Creio
cousa boa... Arma-se uma fogueira bem que vou a boa hora... Até a vol-
alta... tal— E, beijando Melly :—Durma bem, e
—Com muitos sonhe com papae, ouviu?
galhos deabrieóL.aceres- —Traz vovó cedo... Sim ?
centoti Prospero. pediu Melly.
Por força... Para estalar bem... E de- Bem cedo!
—Trago... Adetisinho !
pois, eu mando o João Caboclo pulal-a, só
para metter susto na Ritinlia... Quero ver Dirigiu-se para o interior da casa. Pou-
bem aquelles fingimentos! Agora, o cos minutos passados, o landau guiado
João
Caboclo até parece um diabo quando pula pelo João, descia para a porteira, e ganhan-
aquelle fogo! do a estrada, corria para a estação.
Mas, tú assim Prospero appareceu então, a cavallo. Vi-
judias com tua irmã... nha calçado de fortes botas, o pescoço en-
Uma brincadeira á toa... Olha, meu
volto n'um amplo chalé, a cabeça coberta
bem!—accresesntou lembrando-se—já são
horas... Vae depressa! por um amplo chapéu de feltro :
—Até logo !
Prospero levantou-se, e chegou á janella. gritou.
A noite fria baixava por sobre o campo em Clara á janella do salão de jantar, despe-
roda. Despontava no céo a lua pallida, e, dia-se acenando-lhe com o lenço:
distante, uma estrella, muito tremula, luzia. Boa viagem!
Prospero gozava daquella doce calma Elle partiu. A noite pesava sobre a terra
da roça; e os seus olhos vagavam, júbilo- já coberta de orvalho. Um grillo estridulou
sos, na doce contemplação do campo ex- perto. Clara entrou. Fazia-lhe mal aquelle
tenso, d'um claro verde que o orvalho da irritante animalzinho.
manhã humcdecia. Mas um estranho rumor Peste de bicho! exclamou.
se ouviu de súbito. Pela porteira, o Pela ladeira que levava á estrada mais
pesado
earroção das bagagens sabia, aos solavan- próxima da estação, Prospero galopava re-
cos, rodando para o povoado longe, onde a gularmente, iVum suave balanço... O frio
estação da via-ferrea adormecia. humedecia-Ihe as rédeas que tinha á mão.
Clara tivera uma lembrança : O Malhado mostrava já o esguio pescoço
Porque não vaes no landau, desde coberto do orvalho gélido que cahia. Elle
que vae vasio? galopava sempre, deixando-se levar pelo
fiel amigo que era aquelie animal de preço.
E tu sabes o
que é viajar iúima car- Mas, inflainmando o ceu, longe, uma larga
riiagem por esses mil caldeirões de barro faixa rubra appareceu.
KOSMOS
-v= =z^r^ :£
—Fogo! exclamou. mos que adiantar a viagem. Mas, por amor
E apressou o animal. de Deus, vamos embora.
O Malhado galopou,rápido, como quem O landau esperava-os. E D. Barbara,
conhece bem a estrada, e galgou logo o alto Nenê e Ritinha acomniodaram as crianças
da ladeira, a cuja margem o perigoso bar- no carro. Subiram. O landau seguiu.
ranço se escondia no escuro. Augmentava —Vôa, João !
gritou Prospero.
agora o esbrazeado do céo. E a um camarada que lhe segurara o ahi-
—Que horror ! exclamou Prospero. E é mal recommendou:
p'ra aquelle lado que fica a fazenda do Pro- Cuida desse animal
que está gelado...
copio... Dar-se-ha caso que... Mas que hor- Leva-o de vacar.
ror! que desgraça tremenda ! Voava o landau. Os morros longe des-
Era ao alto cTiima collina que a larga appareciam, rápido, perdendo-se na neblina.
mancha rubra do céo incendiava. A casa D. Barbara abafára-se bem. Nenê cobria de
mal se distinguia, ainda envolta nos gros- largas mantas as crianças já adormecidas.
sos jorros de fumo que buscavam o hori- E ao longe, a fazenda já se deixava ver;
zonteem chainmas. Mas myriade de fagu- approximava-se... A marcha diminuiu. Era
lhas denunciavam o trabalho destruidor do a fazenda.
elemento voraz. Mas, n'um momento, na —João ! Pára ahi!
massa escura que era a casa longínqua,
uma larga brecha se abriu, deixando ver o E accrescentou.fallando a D. Barbara :
brazeiro terrivel. Estalavam ao calor das Quero fazer uma surpreza á nossa
chainmas as janellas do palacete. Outras ja- querida Clara. Ella só nos espera d'aqui a
nellasrebentavam.E uma formidável nuvem tres horas... Vamos devagarinho...
de fumo espesso, seguida do altear das la- O João á boléa, esperava. E ao fundo do
baredas, deixou ver a desgraça enorme do landau, desapparecendo sob um montão de
major Procopio. fartos chalés, as crianças tranquillamente
— Coitado! Mas, dormiam.
que fatalidade! Que
cousa sinistra! Nenê... — fez Prospero — eu achava
E esporeou o animal. Fugia aquillo. bom que você fosse com as crianças no
Confrangia-se-lhe o coração ao desabar de landau e entrasse lá pelos fundos, para o
toda uma vida de labutar intenso, como a João acordar as mucamas... Você conhece
do velho fazendeiro. Aquella massa de bem a casa; encarregue-se disso... Ou tem
chamma e hórrido fumo, mixto de fogo ru- medo de ir só?
bro e ainda esbrazeadas minas, era o fructo Medo, eu ?!
da vida laboriosa d'um homem tenaz. E Pois então, vae... Nós vamos entrar
para que tudo isso? perguntava Prospero a por aqui...
si próprio. Para que luctar e vencer se a
fatalidade aguarda a hora do golpe cer- Ritinha á frente, e, atraz, apoiando-se ao
teiro? braço de Prospero, D. Barbara, subiram. E
em pouco, francamente aberta para os lados,
Meditava. O Malhado não mudara a an- apparecia-lhes a larga escadaria da varanda.
dadura. A estação, muito branca, estava
já á Agora muito silenciozinho... segredou
vista.
Prospero.
Prospero saltava do animal fatigadissi- E a chave não faz barulho?
mo, quando a voz de D. Barbarão cha- perguntou
mon: D. Barbara.
—Ora até Prospero fez com a cabeça que não. E
que afinal, senhor meu genro! introduziu a chave na fechadura. A porta
—Já aqui!?
entreabriu-se, sem ruido.
— Foi Ritinha... Não
quiz vir no noctur-
no; tem medo dos descarrilamentos.
Entraram ; e, mudos, caminhando como
Tive- audaciosos ladrões, mergulharam na meia-
KOSMOS
^= =^ç rm =^

tréva da casa. Mas, D. Barbara não podia Cala a bocca! rangeu.


mais; cansára-se... Achava melhor esperar E apertava-lhe mais o pulso, por onde nm
na sala de jantar, sentada... Aquellas boti- leve fio de sangue corria, arrastando-a
nas...
— Assim a surpreza não é feita para o quarto.
pela se- Cala a bocca •!
nlioia... retorquiu Prospero, n'uma voz qua-
si inintelligivel. A porta da alcova mysteriosamente vela-
da, a cabeça alourada de Jorge surdira, mal
E em breve, parando : allumiada pela pequenina lâmpada
—Agora, esperem aqui... Eu vou ver se dia á cabeceira de Clara. que ar-
ella está dormindo... Prospero arremessara o corpo frágil de
E seguiu, pé ante pé. A porta do quarto D. Barbara aos dois braços que Jorge abri-
ficava-lhe pouco adiante. Elle tornou ainda ra, n'um movimento de horrível pasmo,
mais leves os passos, e, tacteando, fei-a des- pailido de uma pallidez de morte.
cerrar-se n'tinia reveladora fresta. Olhava, —Toma a outra ! bradou Prospero. E
procurando distinguir bem na tréva, mas, a como o corpo desfallecido de D. Barbara
uma infernal visão, uma onda de sangue rolasse, inerte, para o chão—ao mesmo
subiu-lhe rápida á cabeça, faltou-lhe o ar, e tempo que no interior do quarto um dolo-
elle apoiou-se á parede, retorcendo-se n'uma roso grito estridulo se ouvia—Prospero ar-
anciã de morte. Era como se dois fortes remessou lhe o insulto supremo :
braços lhe houvessem, n'um criminoso im- A outra... Tú! Tú
peto, enlaçado o pescoço, esmágando-o. que a formaste as-
Arrancou o collarinho, inini gesto brusco, sim!... Tú! bramiu, iiíim derradeiro esforço.
e cambaleando, sorvendo a largos hatistos E, ás tontas, indo de encontro aos mo-
o ar que lhe fugia, elle caminhou para D. veis,tombando para as paredes, sahiu. N'um
Barbara. Tremiam-lhe os dentes ; envolvia-o momento, pareceu ir de roldão pela escada;
uma nuvem de sangue. mas surdiu adiante, na noite escura. Pas-
D. Barbara correra, tocada de um pre- sou-lhe o cambaleante vulto pela porteira,
sentimento mao. longe; e sumiu-se no pavor do campo lu-
—Que é isso, meu filho? gubre, atirado á estrada negra que é a da
Que é isso, Loucura, a da Anciã Extrema, a da Morte.
Prospero?
E tinha na voz caricias de mãe assusta- Dezembro de 1905.
da. Mas, nervosamente, cravando-lhe as
unhas no pulso, Prospero agarrara-a:
Pedro Rabello.
àmv
.

35*

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A ANGUSTIA HUMANA

\ que vae subindo a encosta áspera e bruta


da montanha da vida, escampa e desolada.
E' tão alta a montanha, é tão longa a
jornada
que ella a terra nâo vê. que ella o céu não escuta.

E a humanidade sobe imprecando o infinito:


-Deus!
porque nada acalma esta dõr da existência ?
Xem o Amor. nem a IV. nem o Mal. nem a Sciencia...
Xada. Senhor! e .Yt„/a.' — é um pavoroso
grito.
X<» concavo do azul, em derredor d., mundo,
de horizonte a horizonte o espaço constellado,
tranquillo e mudo é como um circulo fechado
ao desespero atro/ desse grito profundo.

E a angustia, a angustia immensa, a eterna angustia


accende
a febre que retarda e põe tropego o
passo,
faz luzir um olhar e faz tremer um braço,
-um olhar
que se alonga e um braço qut se estende.

E a humanidade sobe. a humanidade estua,


nessa febre voraz, inominada, estranha
e ululando de dôr vae subindo a montanha
áspera e bruta e escampa e desolada e nua...

MIGUEL BARROS
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Treclio da Bahia de Jacuacatlga


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Fundo da Bahia de Jacuacanga local escolhido para o novo Arsenal


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Bahia de Jacuacanga (interior)


KOSMOS
-0

sou-se, rápido, a bordo do Barroso. Parti-


ram escalares a toda força de remo. E nas
k CATASTROPHE DE JACUACANGA águas onde fluctuára o couraçado foram
se encontrar, apenas, boiando, alguns ho-
meus allucinados, presos de uni
grande
terror, feridos uns, outros não, fugindo
vão! Em vão se escreve e se descreve, todos, fugindo loucamente da voragem
EMrebuscando phrases, aprop fiando adje- horrivel que ameaçava tragal-os.
çtiyoSj retumbando interjeições Em vão se Soecorro! Eu morro! Açudam! taes eram
contam prodígios, scenas de va or, actos de os brados que simultaneamente se ouviam,
heroísmo, rasgos de abnegação nunca iffúá- ora como sahindo de peitos fortes, ora
lada. Entre aquel Ias montanha s verdes de recendo que escapavam com o derradeiro pa-
Jacuacanga, na superfície seren i das águas alento. A tripulação dos escaleres tremia,
da enseada, sob a amplidão y rofunda de a laudo remos com vigor; nos timoneiros
um céo inexpressivo, desenrol m-se a tra- embargava-se estranhamente a voz. Quando
gedia, consumniou-se o sinist ro ; irrompe- deram a mão ao primeiro naufrago alcan-
ram as labaredas de um infern o: escanca-
çado, e, recolhendo-o, cobriam-no de per-
rou-se o abysmo da Eternidade
guntas, a resposta assemelhou-se a um la-
E foi como se não houves se testemu- conico epitaphio : Horror !
nhas !
Os espectadores não puderi in compre- -?-
hender toda a extensão da cah tsstrophe, se-
não muito depois. Em vão se faz appelio á memória. Em
vão se quer dar verosimilhauça á fantasia.
Um sonho não se pôde substituir por ou-
tro sonho. As victimas do formidável de-
Dos três vasos de guerra nem os vultos sastre morreram sonhando. Que pesadello!
se distinguiam. Só a illuniinação de bor- Morreram forcejando por despertar, mesmo,
do deixava conhecer as respectivas sim. mesmo os que estavam bem acorda-
posi-
ções. Uma noite negra, intensamente negra, dos. Que pesadello ! E ninguém teve tem-
supprimira de todos os olhos o contorno da
natureza que nos cercava. Rareayam as con- po para sahir dessa nebulosa sinistra em j-

versas no tombadilho. na praça darmas, e que mergulharam todos os sentidos.


na câmara do cominandante. Dissolviam-se A nave estremeceu. Rugiu um grande ru-
grupos. Ninguém tinha sòmuoj mas todos gido metallico. Estilhaços de ferro e de
concordavam que era preciso recolher. madeira saltearam cm varias direcções.Apa-
De súbito, um enorme estrondo, como garam-seas luzes, accendeu-se uma foguei-
ra estrepitosa. Ninguém, nem um homem
um derrancar de ferros ; confusão de vozes teve tempo de perguntar nada a outro ho-
em grita; immenso clarão envolto em fu- mem. Cada um tratou de si, apavorado, re
maça. Tao rápido, porém, como se fizera fluindo ao coração todo o sangue, convul-
sentir, cessara o rugido monstro; a treva so, numa agonia immensa, concebendo um
restabeleceu-se; a vozeria abafou-se.
Que
seria ? A bordo do Tiradentes e do Barro- perigo inconcebível, sem forças para uma
interrogação.
so era voz geral : Alguma cou&i explodiu
no convez do Aqnidahan. Pôde o taifeiro repetir que chamou um
Que séria? Mas... almirante, e que insistiu, no propósito de
as luzes de bordo? Apagaram-fee?
do navio ? Que é salval-o. O taifeiro sonha. Pede um official
A estas inquirições apprehensivas res- garantir que sahiu do camarote e foi até á
praça de machinas. Sonha, também. Pode-
poniierani gemidos e brados de soecorro mos assegurar que apenas teve tempo de
vindos do ponto em o navio devia atirar-se pela vigia ao mar, antes que o mar
estar. Um serviço de quesalvamento organi- entrasse pela vigia.
KÓSMOS
<__:
*D

O coro horrendo de vozes foi instai.ta- São os gazes da decomposição orgânica.


neo; nenhum dos indivíduos que o coinpu- E' a chimica incesssante do laboratório da
zeram poude ou\ ir os outros qne gritavam. Natureza, dissolvendo corpos, transformai!-
O indomito e feroz instincto de conserva- do a matéria, fazendo c«)in que tudo vá
ção dominou, sósinho, em toda a sua pleni- "disperso
tude. Não houve tempo para que lhe succé- " Reviver na vida eterna do Universo,
dessem os sentimentos generosos de soli- "Circulode enygmas
dariedâde e de altruísmo. Cada homem jul- que ninguém traduz...,,
gou-se só naquelle infernal momento; cada 0 scenario da catastrophe
um procurou libertar-se da horrível oppres-
são de um sonho máo.
São do então contra almirante graduado,
Quando, a bordo dos outros navios, se
suppunha extincto o incêndio no convez do João Cândido Brasil os seguintes conceitos
Aquidaban, tudo estava consuminado! O publicados em 189Ó:
alagamento do enorme couraçado fora o "A bahia de
Jacuacanga comprehendida
processo summario da extincção do fogo. na vasta bahia da Ilha Grande, parece ser o
Extinguindo-se algumas centenas de vidas, local mais apropriado para fundar se o no-
apagou-se o vasto brazeiro fluctuante. De- vo Arsenal do Rio de Janeiro, não só por
pois de se engolpharem em cachão ruidoso sua excellente posição estratégica, como
no immenso casco que se submergia, as pelas condições geraes que reúne, iudis-
águas nivelaram-se, impassíveis, sobre o pensaveis a tal fim.
immenso esquife de aço. "A várzea que se estende entre os rios
Bolhas gazozas affloraram, então, por Jacuacanga e Camorim tem cerca de 1 km.
alguns minutos, na superfície do mar im- a contar da praia até ás fraldas dos morros
movei. que a circumdam.
Dos férreos pulmões do monstro, e dos "As pontas chamadas Camorim, Espia e
débeis peitos humanos brotavam á flux as Leste que fecham a bahia de Jacuacanga
t> ultimas reservas de ar. lira a atmosphera do
navio expulsada pelas águas que lhe iriya-
são terrenos elevados e por sua configura-
ção e natureza parece prestarem-se, com as
diarn os arcanos; era o hálito derradeiro ilhas visinhas a um systema completo de
de tantos infelizes encarcerados nessa im- defeza...
provisada hospedaria da Morte. São do então capitão de mar e guerra
Bolhas de ar até hoje affloram na super- Calheiros da Graça as seguintes palavras
ficie do mar immovel.
publicadas em 1896:
"Todas as enseadas
e várzeas da bahia de
Jacuacanga são con tor-
nadas por morros ele-
__fl wí ______ - - _33 BbSI _______ vados, que, nascendo
____________ BcB|^BV -> y ^zJtr '•" ¦-B f*^-_Bfl______f^fl _________
J R G_w__«lr<tt^^SÊ ^ nas duas pontas que
'^*° _B
_¦__! ___F^^hS _______Be______E_-^" ~~—r;;^T'v ~.?_ff<i^y^^i—*>^^^^-_—————'^^—I—"^—y formam a entrada da
bahia, rapidamente se
l____________i ___¦¦¦________________¦_-¦•_--—_B-—*^—*~<*—<a^_l^i^'—'—_H
BBBBBBBBBBBBBBBBBBB^BB^^BFL i • JB?T___I R^_l HV elevam à algumas cen-

tenas de metros.
" A cadeia que se
origina na Ponta de
---i.,-.^ -*^
^<_ .... • _.—*^W--t'_ív >_.. • - •-___.:. . Leste, e cujas vertentes
^^*«sci_-'-^ • a-yfXrZ&0»*^ deitam.de um lado para
Jacuacanga, e do outro
A lanchinba <!<> Aquidaban encalhada em Angra «los Reis para Cambuhy, apre-
KOSMOS
CV. ±D
'¦*:

"Na costa do Brazil de 3600 mi-


lhas marítimas de extensão, e na qual
#S'B I existem portos excellentes. Não co-
nlieço outro tão apropriado»».

As photogravuras que estampamos


illustram essas affirinaçõcs dos dois
officiaes comuiissionados ha dez an-
nos para examinarem a bahia de Ja-
* - B4JI cuacanga, mal pensando, então, que
¦¦ I examinavam o seu próprio túmulo.
Do próprio Almirante Brazil ahi
está o retrato da mãe dolorosa, co-
berta de lueto, fundindo-se em lagri-
- i:^^H ^Hi' *
:¦ ¦-¦ ¦ mas, procurando na oração lenitivos
para a magna que lhe produz o pèn-
sar 110 fim desastroso do seu amado
¦/
ii
^1 I
I " filho.
Lá estão os cemitérios onde piedo-
sam ente se tem recolhido os despojos
das victimas do inolvidavel sinistro.
Lá está em foco uma das catacumbas
do Carmo, guardando os restos de
D. Luiza de Azevedo Brazil Calheiros da Graça.
senta um pico elevado antes de chegar
a Monsuaba, com uma altitude de 546
metros; a que começa na Ponta de
Mombaça e que separa a bahia de Ja-
cuacanga da enseada de Angra dos
Reis, attinge logo em começo a ai ti-
tude de 2621", e mais adiante apre-
senta picos com as altitudes de 36 lm,
584'» e 608'». „ "**'
m\ mr «Í-JX» t _B

"Ancoradouro vasto e
profundo; 'mmmmmmmmt
enseadas lateraes para as construcções ¦ W ~* ^ \ 1 __t__a_-i«J_ m
que devem ser isoladas; ponto con-
veniente para abertura de diques; var-
zeas extensas para a installação de
officinas e de \ .lias operárias, praias
apropriadas para estaleiros; água po-
tavel em abundância; materiaes de
construcção, e culminancias próprias

para fortificações taes são os requi-
sitos ahi plenamente satisfeitos.,, Os cemitérios. An .ra dos Reis
•\ .Vi...

¦ ¦' ¦ ¦-¦"-¦
, s'~.'.- , ;"--'¦••.: '.'*.,¦-».'¦'• •'
;•'•

E^lNj "''^~ "'' "*r-_-___J__-__MHBM^^*'.'jM^_^^^^'^''- ¦''W* '¦¦_^'4i™tlfc^Í3ÍL '¦ -¦¦'¦ ___. xjill________fe{
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fesSp*-JB__*Wt**t__r_S. _?£»»_______ — _-~___?CÍ*í

Trecho da Bahia de Jacuacatíça onde se deu a catastrophe.


As duas boias C S (casco submergido) indica o logar exacto onde se acha o Aquidaban.
Entre o barco dos escaphandros e a boia mais afastada vê-se a ponta do Pau de Sorrida, único vestígio fora
dágua

¦ .«¦¦-...,_.
KOSMOS
=^

Tres relógios que pho-


tographámos, ainda cheios
Ül I fl"\ ^
mgjjmjm JÊ^L ¦ |r N. ^HJ
dágua que se vê
B atravez do tampo
LWi ífámWtmmmm mmm» ^^T^ . ' H
'rriTllrr -1
Ámtmtí-mmYT^mmmmmmm ,M « I I de vidro, mostram,
•m^Liife^SfH [flKM9C /«bT n v I *hh approximadamen-
te, a hora do sinis-
flflfiwS B^JBBflbv aW B I • BB tro. O do capitão
1vbH
ipífl K9H1
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HZàIDHI H
H
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HH 1ID fl í
HHr HHHHbHH
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IH de corveta Santos
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Porto parou ás 10
horas e 42 ininu-
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I bjTí ~"j^>-*«-^ i-\zi i tos;o do 2°tenen-
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ás 10.45; o do Al-
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Entre as duas bojas
CS (casco submer-
gido) estão os 92
metros de compri-
mento do Ac/uida-
ban. E como
^vflfl ... imico vestígio
bHHb.

Túmulo do Almirante Calheiros fora dágua a


E o escaphandro continua a sua triste ponta do páo
missão de explorar as entranhas do submer- HoEf ¦¦¦ ¦ ' -\ VÀiSa
de surriola,
no costado de
gido couraçado, quebrando vigias, arreben- flr.i- -.J^. Jfl
bombordo.
tando camarotes, mandando para a super-
ficie das águas os destroços que encontra: Ahi está o
roupas, moveis, utensílios, corpos inteiros, vulto enorme
deformados, asquerosos, muitas vezes irre- do que já foi
conheciveis. chamado Leão
de aço, fechado como um mysterio,
guardando em seu bojo o ultimo echo
de tantas dores, a ultima dor de
__-^*-*,---t*-fS'-iL- ^^âsí?^-»' aHHHBãh.
tantas vidas.
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INTERIOR DA CANDELÁRIA
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EXTERIOR DA CANDELÁRIA
KÓSMOS
Q-
=S)

O "AQUIDABAN
O Aqnidaban, póde-se considerar, tem
» uma historia que é a da marinha do seu tem-
po. Elle entrou para o serviço quando um
sopro das influencias benéficas de necessidade
do poder naval agitou o governo imperial.
Com o Riachuelo que o antecedeu de um
anno, elle inaugurou uma era de resurgiiiieii-
legendário navio que se submergiu na to naval, logo detida pelas considerações fi-
O bahia de Jacuacanga, na noite de^21 de nanceiras, influencias que governam os povos
Janeiro próximo passado devido á uma expio- fracos e os estadistas tímidos. O vôo tão no-
são de seu paiol de pólvora, a ré, era a mais bremente iniciado ficou reduzido ao horizonte
possante unidade da nossa esquadra. dos dois navios, que por muito tempo foram

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l«i PHASE

De todos os navios da marinha brasileira o orgulho de uma marinha em decadência.


>
era justamente aquelle que mais popular se Quem se der ao trabalho de estudar a consti-
tinha tornado pela repercussão dos dolorosos tuição da esquadra brasileira sentirá que nun-
acontecimentos do movimento revolucionário ca presidiu a sua formação um espirito segu-
de 93, que convulsionou toda a nação, e de ro, competente e continuo. As acquisições de
que elle foi a capitauea. navios se fizeram sem nexo, sem principio, sem
O Aqnidaban, navio do typo couraçado obediência, era o mesmo que se comprar um
de esquadra, de torres, foi construído nos inovei para guarnecer uni lugar desòcçupádò
estaleiros inglezes da firma Samuda Brothers em vasta habitação desguarnecida. O governo
& C. de Poplar em 1SS5. A sua classificação imperial, com a sua im previdência caracteris-
como couraçado foi perfeitamente regular na tica pelos assumptos militares apezar do feliz
época de sua construcção, mas, com a evolu- triuinpho Riachuelo, em 1805, onde uma di-
ção da construcção naval, elle quando muito visão naval, pelo patriotismo e valor do chefe,
poderia ser contemplado ria classe dos cou- commandantes, offieiaes e guaruições, conseguiu
raçados guardas-costas. Para a nossa esquadra, victoria honrosa, jamais cuidou de marinha
entretanto, elle figura o typo mais possante, como força indispensável ao justo predomínio
e d'esta fôrma, considerado como couraçado, da nossa nacionalidade e influencia de nossa
o capital ship. grande pátria no convívio sul-americano. Posto
Se na nossa marinha os navios tivessem que tivesse uma politica definida relativamente
idade para o serviço, o Aqnidaban com os aos povos do Prata, não tinha a verdadeira
seus 20 annos, já teria sido riscado da lista comprehensão de que a sua acção necessitava
activa. Sua missão já teria sido dada por fin- do concurso efficaz de uma marinha militar
da, e o seu nome inscripto na lista das uni- organisada. Nós oecupavamos, é certo, o pri-
dades obsoletas. A sua actividade, limitado ao meiro lugar, mas porque não havia competi-
preparo profissional, seria de um navio escola. dores. As duas gloriosas marinhas do Pacifico
Foi n'esse caracter, que a destruição inesperada se anniquilaram logo no começo de seu appa-
lhe veio colher. recimento no mar. Com o aprisioiiarriento do
KÓSMOS
^-= ^>

"Huasear", o vencido de Miraflores, não fez aquella denominação commercial tinha como
fluctuar mais o seu pavilhão e o vencedor se chefe o engenheiro Samuda, que a propósito
contentou com as honras da victoria, tratando do Riachuelo fez notável conferência no Insti-
da reconstituição geral do paiz, abalado em tuto de Architectos Navaes da Inglaterra, de-
sua estructura pela grande guerra em que se monstrando a excellencia do methodo de con-
envolvera. O Brazil era o único paiz que tinha strucções, a perfeição das linhas e considera-
esquadra regular; essa, como tal, não podia vel progresso da potência militar do navio,
deixar de ser a primeira. relativamente ao que havia em todas as inari-
A marinha imperial, porem, a despeito de nhas, dentro d'aqnelle deslocamento.
participar dos vicios da politica geral, "Riachu-
sempre Aquella firma fundio-se com outras nos
conseguiu e)rdenar a construcção de) grandes estabelecimentos de New-Castle ou
elo" e do "Aquidaban", sem que esses navios Tyne, que gyram sob a razão commercial de
representassem principio algum de estratégia, Ariristrong, Whitworth & C.
nem orientaçãe) para a constituição racional Os principaes característicos do navio foram
de nossa força naval. Foram o esforço de uma --deslocamento normal—4.950 toneladas, ve-
aeiniinisrracção convencida da necessidade da locidade 15 nós, com a força de machinas
esquadra, mas não um programma naval, me- de 6.200 cavallos vapor. Suas principaes di-
nos ainda uma conseqüência das políticas ex- mensões foram: comprimento entre perpcn-
terior e geral. Vieram porque o ensejo foi fa- diculares —93 metros —bocea, ua maior largura
voravel, e, se não fosse o patriotismo dos nos- — 16 metros; calado, normal carregamento,
sos homens do mar, talvez tivessem seguida o 5,50 metros.
destino ele seu precursor o encouraçado Inde- Como poder offensivo tinha 4 canhões de
pendência, transferido ao governo inglez. sem 234 "• ,„ conjugados em duas torres coura-
uma razão plausível. Os dois couraçados ele çadas. dispostas em lozango, com um arco de
84 e 85, foram, até certo ponto, uma compen- fogo de 270 grãos; mais 4 canhões de 152 '" ,„
sação requerida pelo clamor publico pela venda em dois reduetos a popa e proa, ce>m 6 Nor-
de outro navio, que já tinha arvorado as nos- deufelt e 10 metralhadoras de 15cltl. Os ca-
sas insígnias. nhões eram do modelo Armstrong, montados
Se bem que construído em seguida ao Ri- em carretas Vayasseur. As torres eram movidas
achuelo, o Aquidaban, era inferior á aquelle, á hydraulica; e o carregamento dos canhões
na velocidade, capacidade carvoeira e poder só se fazia em duas posições. Podia também
offensivo, o que prova as pequenas considera- o movimento das torres ser feito á mão.
ções anteriormente adduzidas da acção ir- Como armamento torpedico tinha quatro
reflectido e illogica na formação da nossa tubos acima da linha dágua, e os torpedos
esquadra. As modificações introduzidas no eram do modelo Whitehead.
Aquidaban tiveram em vista a reducção do
calado, como se fosse acceitavel o sacrifício de) O poder defensivo, quanto ;i couraça era
de aço compound: a cintura couraçada tinha
poder offensivo, aquillo que cemstitue a razão as chapas da espessura de 279 '" „,, com um
de ser do navio á um característico secunda- einbono de macieira; nas torres a espessura
rio, de valor limitado. Se o plano de) navio
era de 255 ¦¦• ,„; a torre do commando ainda
tivesse sido traçado de accorde> com as pos- tinha menor espessura que era de 250 m „,.
siveis condições da lucta no estuário do Prata,
ou nos affíuentés principaes, ainda se podia A cintura couraçada não abrangia toda a
acceitar, mas a diminuição do calado não visou linha de circulação, ficando equidistante da
esse fim porquanto o navio continuava a não popa e proa, sendo diminuída a espessura.
poder agir com liberdade naquellas paragens. O navio .tinha innumeros compartimentos
Continuava a ser um navio de oceano. estanques.
A construcção do Aquidaban reflecte cia- O primitivo custo do navio foi de 345.000
ramente o estado da marinha imperial, a des- libras, estando o cambio acima de 24 ou a
continuidade de acção administractiva, a inde- 10S000, mais ou menos a libra.
pendência da orientação e a nenhuma evolu- O primeiro commandante que teve o navio
ção da nossa força naval. foi o capitão de mar e guerra Custodio José
Construído nos mesmos' estaleiros que de Mello.
promptificaram o Riachuelo, os de Samtida Bro- A armação era de galera, e o navio era
thers, sob a fiscalização ele uma commissão illuminadoa luz electrica, tendo dois holoplmtes.
naval brasileira, de que era chefe o fallecido Na primeira phase da sua vida o navio
Barão do Ladario, elle foi original do enge- teve importantes commissões á desempenhar.
nheiro que dera o nemie á sua firma, mas de Por duas vezes foi ae)s listados Unidos. A pri-
traçado do notável constructor Sr. Eduard meira arvorando o pavilhão do almirante Car-
Reed, com alterações de constructores brasi- los Balthazar da Silveira, em agradecimento a
leiros. A firma que gyrou em Poplar com cortezia do governo americano, de ter enviado
KÓSMOS
Q-
^>

a divisão Walker saudar o pavilhão republi-


cano; era seu commandante o capitão de mar
e guerra Júlio de Noronha, e teve como com-
panheiro de missão a corveta Guanabara. Ml . i ¦
Na segunda, a insígnia que tremulava era
de seu antigo commandante na anterior com-
missão e a missão tinha um caracter mais ele-
vado, porque representava a marinha brasileira •XmmRmiA^Rr'. - ¦. •¦ . ir
na revista naval de Ilampton Roads, servindo
depois com a esquadra internacional de escolta -M\- '3?'fà^^ymmmm^^^^^^^&KmSpr-- - - V^
as caravellas de Colombo, que figuraram no
acontecimento proposital mente por serem honra \'k^ym iY • f^vJJB
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do centenário do descobrimento da America, ' ' '^^kWm i i . v->^ Kjfl EliR.
I * ^trA^^mmyZ^mm P^ m>
que a exposição de Chicago se realisava.
Como companheiros teve o cruzador Re- mmW I ^^B^^H^I ^B^l Wr^mm
publica e a canhoneira Tiradentes, ambos de mmWW m>* Immw^ m^mmmmma^^^S^Wí \m\\^mm\
moderna construcção.
No paiz fez parte de quasi todas as divi-
soes de evoluções, exercícios e instruecâo,
sendo quasi sempre capitanea de força.
A propósito de couraça, logo após sua
NO DIQUE, REPARANDO AS AVARIAS PELO
entrega ao governo do império, suscitou-se TORPEDAMENTO
DE 16 DE ABRIL DE 1S94 EM SANTA CATHARINA
forte polemica entre o seu commandante Cus-
tòdio de Mello e o chefe da commissão fiscal. A sua phase como navio de lucta finali-
Pelo primeiro foi navio chamado couraçado sou-se com um combate na barra norte de
de papelão. Santa Catharina, contra a flotilha de torpedei-
O movimento revolucionário que procla- ros da esquadra do governo do marechal Fio-
mou a republica encontrou-o no Rio de laneiro. nano Peixoto. Na segunda tentativa, foi o col-
'revolu-
Tomou parte em todos os movimentos losso attingido por um torpedo lançado de
cionarios da quadra agitada da consolidação bordo do caça-torpedeira Gustavo Sampaio,
do regimem. que o feriu na proa, abrindo um rombo de
De seu bordo, de um desses canhões de 26 metros de comprimento por 6 de largura,
tiro rápido Nordenfelt, no movimento contra a bombordo. Mortalmente ferido, foi o navio
o golpe de estado de 3 de Novembro de 1891 abandonado pela sua valente guarnição e apri-
parti o o tiro de intimação para a esquada de sionado pela esquadra adversa 24 horas depois.
S. Bento, e com tal elevação que ferio o zim- Superficialmente reparado pelo engenheiro
borio da igreja da Candelária, servindo isso francez Buette, que estava a serviço da revo-
de motivo para uns versos de opposição lução, foi trazido ao porto do Rio de
litica ao chefe daquelle movimento. po- Janeiro,
e mettido no dique de Santa Cruz, na ilha
O grande movimento "de setembro de 93 das Cobras, onde o arsenal de marinha lhe
o teve como centro director —Foi n'elle se fez uns concertos superficiaes, seguindo
para
abrigou o chefe da esquada revoltada, oque almi- a Europa, onde foi completamente transfor-
rante Custodio de Mello, e d'ahy a sua fama mado. O seu commandante n'esse tempo era
universal-De seu bordo eram datadas as o capitão de mar e guerra Álvaro Belfort.
pro-
clamações do chefe revolucionário ao povo Ainda para confirmar o que dissemos so-
brazileiro, assim como a dos representantes da bre a nossa esquadra, foi o concerto do na-
nação que n'elle se abrigaram denunciando o vio, quanto ao casco e machinas, entregue aos
vice-presidente em exercicio. estaleiros allemães de Stettin, e de artilharia
Agindo nas operações de guerra do movi- aos inglezes, Armstrong & C, em New-Castle.
mento reaccionario teve ensejo de, por tres O governo republicano não conseguiu li-
vezes, forçar a passagem da barra do Rio de bertar-se das influencias deixadas pelos
pro-
Janeiro, sahindo incólume do fogo das forta- cessos do governo imperial, e uma rápida
lezas, sendo por isso popularmente conhecido analyse da evolução do material fluctuante da
como casaca de ferro, traducção de iron clad, esquadra, demonstra que até então, o proble-
e que foi logo apropriado peío instinto trocista'. ma naval não tem sido encarado em seus ter-
Quiz uma ironia da sorte que a couraça de mos precisos, mas teem recebido soluções
papelão abrigasse em seu seio o mesmo emi- oceasionaes, sem ligações nem nexo, sem ex-
nente official, que no ardor de uma discussão pressão nem valor.
technica, não soubera conter os ímpetos da sua Os mesmos erros imputados ao regimen
critica. \ imperial, reconhecidos e proclamados, teem
KOSMOS
^

sido praticados pelos governos republicanos, o pessoal para a sua boa efficiencia, remode-
até mesmo na estranha coincidência de venda laudo todo o apparelho administrativo de
de navios, porquanto a presidência Prudente accordo com as grandes idéas modernas que
de Moraes, transferiu o cruzador Amazonas, governam o organismo da politica naval das
irmão do Barroso, já arvorando a nossa in- nações preponderantes.
sigiiia nacional, ao governo dos Estados Uni- A reconstrucção do Aquidaban só teve
dos, no porto inglez de Gravesend, e o Abreu, lugar em 1S97, nos estaleiros da companhia
ainda nos estaleiros, também ao mesmo go- Vulcan, em Stettin.
verno. O deslocamento foi elevado á 5.100 to-
Como que preside aos destinos da mari- nelladas, em carga normal. A velocidade man-
nha uma fada de máo semblante, e só assim teve-se a mesma de 15 nós, com 6.200 cavai-
ainda se explica o dolorosissimo desastre da los vapor, e só foi conseguida nas experiências
noite de 21 de Janeiro, justamente quando as officiaes, em condições bem excepcionaes. No
esperanças anteveem novas forças para ali- decurso de sua vida nunca mais conseguiu
mentar o fogo sagrado dos que não desani- áquelle máximo.
mam na árdua e gloriosa tarefa de mostrar As reformas mais importantes foram feitas
ao paiz a necessidade de ser forte no mar, no armamento, que constou de 4 canhões de
batendo-se pela creação do seu poder naval. 0'»,203, nas duas torres, com 4 de 0'",120, em
A republica que ora se inicia n'uma po- quatro reductós todas as boccas de fogo do
litica exterior definida já vai sentindo a ne- modelo Elswick, regulamentar ua marinha.
cessidade de uma esquadra, e se continuar O armamento anti-torpedio constava de 9 ca-
de parte dos nossos estadistas o desejo de nhões tiro rápido de 0»'57, e algumas maxims
repor o Brasil na justa posição á que tem automáticas. Os apparelhos das torres foram
incontestável direito, o do problema naval conservados, e o movimento era feito ou á
receberá a solução dos grandes navios do mão ou pela hydraulica.
prograníma naval de 1904. como inicio da Para os outros canhões foram installados
nossa entrada no concerto dos grandes povos elevadores de munições, que foram muito cri-
e como seguimento terá um accrescimo animal ticados, por não serem de um modelo aper-
na força material da esquadrada, habilitando feiçoados e occuparem muito espaço.

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2» PHASE
KÓSMOS
Q- =2

O armamento torpedicó foi alterado; o na- chal principe Conde d'Eu, conseguio derrotar
vio continuou a ter quatro tubos lateraes, e matar o dictador Solano Lopez. A vanguarda
mas os dois de proa foram submersos. O tor- vencedora estava sob o commando do General
pedo regulamentar foi o de Whitehead, como Câmara, que tinha como avançada a brigada
tem sido sempre em nossa marinha. de cavallaria do coronel Jóca Tavares, depois
O poder defensivo não soffreu a menor general Barão de Itaqui, recentemente roubado
alterção:as chapas substituídas foram por outras ao Rio-Graude do Sul, de que era um dilecto
do mesmo aço. filho.
A nova artilharia do navio deu-lhe uma Depois do combate de Anhato-Mirim, o
potência militar dupla da primitiva. O Aqui- navio foi denominado 16 de Abril, pelo chefe
daban reconstruído em 1S07 vencia em com- da esquadra do governo, c chegado ao Rio
bate a dois Aquidabans de 1SS5. foi esse nome mudado para o de 24 de Maio,
N'esta 2a phase o navio recebeu dois pe- homenagem ao exercito, pela sua grande vi-
zados mastros militares. ctoria desse dia, na campanha do Paraguay,

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3* PHASE

A terceira e ultima phase do navio se ca- nos campos de Tuyuty, a maior batalha cam-
racterisa pela retirada dos dois mastros inili- pai da America do Sul.
tares, e dos tubos de torpedos acima da linha
Mais tarde serenada a agitação da revolu-
de fluetuação. Como armação o navio teve um
mastro para signaes e experiências de telegra- ção da esquadra, o navio teve o seu primitivo
nome, e com esse desappareceu violentamente
phia sem fio, sua ultima missão. na explosão do desastre de Jacuacanga estando
O navio recebeu no estaleiro o baptismo sob o commando do capitão de Fragata Ar-
de Aquidaban para perpetuar a victoriá final thur da Serra Pinto, official de grandes serviços
da campanha do Paraguay. Foi á margem do ao paiz.
riacho Aquidaban que a vanguarda do exer-
cito brazileiro, então sob a mando do maré- A rm an oo Burlam aqui.
KÓSMOS
Q= £
m e tudo o mais que da copa lhe traziam em co-

FRÜCT05 MRDGR05 vilhetes preciosos, em coudeças, era devolvido.


Irritou-se o monarcha e, attribuindo a cul-
pa ao poinareiro, mandou chamal-o e, tanto
que o viu presente rompeu em palavras agás-
tadas:
as manhãs, depois de, attentamen- — Para quem guardas as boas fructas
para
te, examinar as victualhas que entravam que só me mandes as que rejeitam os passa-
TODASas cosinhas reaes, o medico do paço rinhos?
para
descia ao pomar e, vagaroso, abordoado a um Senhor, a culpa não é minha, senão do
bastão, entre fâmulos que levavam alcofas, ia medico de V. M. que é quem escolhe o que
de uma a outra arvore, indicando as fructas se deve tomar ás arvores. Por mais que eu
que deviam ser colhidas. lhe diga que o fructo deve ser apanhado em
Examinava-as, cheirava-as. apalpava-as e só tempo —nem tão verde que trave, nem tão
permittia a apanha das que lhe pareciam bem maduro que se engelhe, —elle reponta e vae
maduras, tão molles que, ao mais leve toque ordenando o que entende. Não me posso in-
logo se amolgassem. surgir contra quem sabe —elle é o zelador da
Debalde lhe faziam ver que as fructas, as- saúde preciosa de V. M. e ainda que eu, por
sim passadas, perdiam toda a belleza e todo muito lidar com fructos, conheça os melhores
o perfume, nem ornavam a mesa, nem convi- e saiba quando estão em vez de ser colhidos,
davam o appetite. calo-me. Não faltam lindos fructos no pomar,
— São as que convém ao rei, retrucava o mas que ha de responder um poinareiro ao
medico d'El-Rei?
medico.
Chamado o medico, que já se havia reco-
O encarregado do horto levava-o a ver os lindo á sua câmara, esperou-se longamente
pecegueiros carregados de fructos pubersentes, que se levantasse e viesse, sempre abordoado,
carnudos e corados, cujo aroma rescendia; arrastando os passos perros ao longo dos cor-
mostrava-lhe os figos reçumandp calda, á vol- redores.
ta dos quaes era um alegre gyro-gyrar de
abelhas; arriava os galhos das laranjeiras para Sciente ao que se tratava, logo se entrin-
cheirou na pratica, allegando o muito que vi-
que elle visse de perto os lindos fructos dou- ra e o muito que aprendera em livros.
ro; entrando sob as latadas apontava lhe os
cachos pyramidaes ou, agachaudo-se nos can- Nada, meu amigo, tornou o rei. Deixe-
teiros, apartava as folhagens expondo os mo- mos em paz os livros —todos elles expremidos
rangos côr de sangue; e o medico sempre a não chegam a! dar duas verdades. Fructos
acenar com a cabeça branca: querem-se de vista e sabor. Nada de figos
-Que não! Não estavam murchos.
como couvinha- —A prudência, real senhor...
Para que não fizessem mal era necessário mais
sol, mais sol e mais orvalho». Conheço-a: é uma senhora que não
E os fâmulos colhiam. apaga a lanterna e ainda em pleno dia tral-a
A's vezes a fructa de tão madura, esborra- accesa porque póde alguma nuvem obscure-
chava-se-lhe entre os dedos; outras eram tão cer o sol. Dão-na por irmã da sabedoria, essa
chôchas, tão engrouviadas que elles se atre- filha da velhice, no dizer dos velhos. Eu sei.
viam a falar : E' vezo servirem aos reis tudo que o Tempo
Vede, senhor; reparai. Não é fructa estragou —fructos velhos e homens decrépitos:
mesa de um rei Dir-se-á para a uns, porque perderam a acidez, outros porque
que a apanhamos adquiriram experiência. Assim o que vem á
no chão.
— Está como convém, affirmava mesa é o repudio dos passarinhos e o que fala
o velho no conselho é a caducidade. Os bons fructos
medico. eás intelligencias viçosas estragam-se no pomar
E lá ia, sem attentar nas arvores o e no mundo até que as gelhas e as rugas os
attrahiam com a belleza e com o aromaquedas recoinmendem. Nada, já que os reis são escra-
fructas sazonadas vos da tradição, que, ao menos, os fructos se-
Uma tarde, sentando-se o rei á mesa e appe- jam frescos e se o reino não pode crescer com
tecendo-lhe comer figos, os lanços dos bons espíritos que o paladar do
pediu-os ao copeiro.
A corbelha em que vieram acamados era rei não se prive de um bom sabor.
cie filigrana de ouro, mas tão feias eram as Fique cada quial no qne entende —o me-
nuctas que o rei, só com as ver, as recusou. dico, de guarda á: saúde, o poinareiro a esco-
Os pecegos não lhe agradaram, tão lher os fructos.
as uvas que já se encarquilhavam em pouco
passas, b Coelho Netto.
KÓSMOS
Qb= ^Tm ==£

— Sei, sei... conta.

FEMINA Luiza Emilia respirou alto levando a mão


ao seio, cerrou levemente as palpebras como
si se concentrasse e ganhasse forças para a
narração ; ageitou novamente os fios rebeldes
i insT/iNTTiNEos typicòsj, que fugiam para a face e inclinada para a
amiga, pousando-lhe as mãos nos hombros,
lançou n'uma precipitação nervosa, afflictiva!
/N OM<) se um golpe inesperado de vento de confissão necessária, de desabafo, de con-
l^-s tivesse impulsado t>s batentes, a porta fidencia, de queixa-queixa terrível, amargura-
\^J abriu, de brusco, lúuna aberta larga, e da, dolorosa-o curto, o simples e desespera-
Luiza Emilia —o chapéo mal posto, a ca- dor romance do seu presente, enluctador, tal-
pa sem geito, os olhos injectados ainda do vez, de todo o seu futuro de mulher:
esforço e da abundância das lagrimas—inva- Olha... O Diomedês Pinto... O Diome-
tliu de cliofrc a sala e abateu sobre a otto- des Pinto é o homem que tu conheces ; não
mana, ao lado de Martlia surprehehdida que,
alli, na meia luz dos transparentes descidos, preciso descrever o typo, expor o moral, ex-
lia, reelinada na maciez velludosa do movei, plicar-te a intelligencia; o valor, afinal, que para
mim pelo menos, o distingue entre os outros...
as paginas frivolas de um livro de dilettantis- O contacto, a freqüência com esse homem,
mo, alheia aquella entrada imprevista e dolo- fal-o cada dia maior; nota-se-lhe cada dia
rosa da amiga. uma nobreza natural e maior, cada dia uma
Que tens tu?!... fez ella, abandonando o nova bondade, uma nova impressão... Tu não
volume e sobre os hombros de Luisa Emilia tens tido esse contacto, não tens tido essa fie-
pousando a cinva acarieanhadora do braço e quencia... Eu, porém...
achegando-a n'uma branda pressão de conso- Luiza!... Luiza!...
lo e animo.
Ah ! Martlia! Martha!... Que infeliz, Ella com as mãos sempre sobre os Hora,-
que bros de Martha, afastou-lhe mais o busto e
miserável mulher me torna agora um máo
destino!... fitou-a:
Olha-me bem; olha-me bem, Martha e
E com as lagrimas de novo a irromperem
e a resvalarem para os lábios roxos e eutiune- vê se me podes julgar capaz de me ter dei-
cidos pelo choro cohyulso, Luiza Emilia tor- xado decahir tanto no próprio espirito d'elle?!...
cia as mãos: —Que fiz eu?! Que fiz de per- Martha respirou alliviada: —Então?...
verso e de indigno para assim merecer o gol- Amo-o; simplesmente isso. Amo-o com
pe e o peso dessa desgraça ?!... a força e a gloria que esse amor me dá e
Mas, que tens tu?! Que te sticcedeu, com a tortura, a horrível tortura, Martha, que
afinal, creatura de Deus?!... Alguma cousa delle me ha de vir, porque a dissimulação
com teu marido, com algum de teus filhos? é o mais doloroso dos supplicios... Amo-o,
Foi ?!... amo-o !...
-Ah! Martha! Martlia!... A cabeça pendeu sobre o collo da amiga
Falia; explica-te. Tu até me assustas!... que a tomou entre os braços e o choro còn-
vulso era o único brando rumor no silencio
Luisa Emilia tirou o chapéo, desfez-se da da sala...
capa já de todo cabida entre as espaduas e o
*
encosto baixo do movei; jogou a 11111 lado as
luvas sobre a seda pintalgada de um dos ai-
mofadões; seccou o pranto, refez o cabello, Duas horas. Dia terrivelmente quente de
ageitaudo-o com os largos grampos de tarta- Março. Somnolencias de sésta. O tympano da
ruga e ouro; acertou ao busto, puxandò-a á ante-sala retine á pressão demorada de quem
frente pelos extremos da golla e n'um torci- preme, fora, o botão marfinado, na concha
collo de hombros, a jaquette de casemira, de nickèlada embutida no granito da grande pi-
grandes botões madreporados, e voltou-se para lastra do portão.
Martha que lhe tomou as mãos prendendo-as Martha pousa a costura sobre o puff ada-
na caricia das suas e pousando-as 110 regaço: mascado que tem junto á balanceuse e com
Olha Martha... Eu preciso contar-te tudo, es olhos voltados interrogativamente para a
mas, de uma só vez, ouviste? Brutalmente,' porta da sua pequena sala de recolhimento e
sem a tortura dos detalhes, sem os porquês è de trabalho, espera curiosa que a venham avi-
cornos, entendes? Dizer-te tudo, tudo, de um sar de quem aquella hora a procura.
fôlego, para desabafar, sem que me interrom- Therezina, a criada de quarto, surge entre
pas, sem que me perguntes cousa alguma; os humbraes:-Minh'ama; aquella senhora de
tudo, tudo, sabes?... " j outro dia...
KOSMOS
^
,r£>

-Qual?! Conheço, j
—Que ri muito... E' um rapagão, não é?
-Que ri ?... Qual?!... -E'.
Que anda sempre a pedir convites Pois... Ah! Martha,
pVas parece que um espi-
festas... rito máu procura! perder-me!...
Ah!... F depois de um pequeno estalido Resista.
de contrariedade com os lábios: —Faz entrar. -Não sei se terei forças
Ha um ruf-ruf de tecidos caros e uma para tanto... Ne-
cessito do teu apoio Martha. Sò um coração
exlialação forte de Tanagrá perfuma com in- sincero e simples como o teu poderá me au-
tensidade o ambiente. A figura senhorií, lu- xiliar e defender contra a fatalidade
xiuiosa e exhuberantemente carnal, de busto que me
ameaça.
desenvolto e ancas fartas, de Virgínia Soares,
apparece: E firmando o cotovêllo em um dos braços
Olá! Dormindo?!... da balanceuse, Virgínia apoiou na mão a fron-
te e se deixou assim entristecida, fitando o
Não. Costurando umas blusas velhas. Re- olhar, o seu dúbio e inexpressivo olhar, sem
niendos... alma e sem franquezas, na grande rosa
Bonito surafi. F emquanto se desfaz da pur-
pura do tapete em que tinha os pés...
ombrelle e do ridicule sobre uma das cadei-
ras e entre dois beijos em Martha: —Teu ma- «d
rido ? Bom ?
Bom. E o teu?
Assim... Martha toma a lição aos filhos-o casal
Virgínia Soares occupa a balanceuse. minúsculo que lhe transborda a vida de cui-
E' uma mulher plena, da plenitude de dados e a casa de alegrias —um Ioirosinho
trintannos sadios, apparentemente alta —typo trefego e uma tulipa clara.
de mulher carnalisada de commerciànte abas- Tlierezina annuncia : — Miulfama. Dona Ri-
tado, de boa mesa e boas roupas, afastando o tinha.
espirito e despertando appétites. Na mão cia- Abre a sala.
ra de dedos acartuxados e curtos de burgue- E' com effeito Ritinha Fontes, a chlorotica
za, o aro fino da alliança é apagado quasi e romântica Ritinha Fontes, organisadora éter-
pelo fogo branco dos brilhantes. na de matinées de caridade chie e pasto da
Sabes o maledicencia de todo um arrabalde.
que me traz por cá ?
A generosidade de me dares o Oh ! Por aqui?
prazer
de te ver. -Vim te encommodar, talvez. As criau-
Irônica sempre.
ças?
Irônica, -Insupportaveis. O Carlos
porque? Tu hoje estás tão bem. quebra-me a
O que quer dizer louça e a Clotilde já veste os meus vestidos.
que nos outros dias
me tens achado detestável. Preciso de ti. Martha. Um consolo teu.
Não; mas, me eclipsando menos. Nem calculas o quanto tenho soffrido!...
Ora, o sol a Senta-te e di/.
poder ser eclipsado pela
pequenina estrelia... F Virgínia ria forte, alto, Ritinha sorri e ameaça com o dedo enlu-
com uma alegria larga e pesada, descobrindo vado:-01ha lá que é segredo, Martha. e é
através do talho ousado da sua bocea ti tímida
e sensual os dois fios claros dos seus dentes por saber com quem venho fallar que o con-
pequenos. Reclinara-se na balanceuse em aban-
dono flacido, dando o embalo á cadeira com
a ponta de um dos pés firmado hò sòaílio,
fio ; segredo de honra. Não me o reveles nem
a teu marido.
Diz.
4
emquanto oscillava ao ar o outro, admirável- Conheces o Diomedes Pinto?... Conhe-
mente calçado em borzeguim polido e ama- ces com certeza. O Diomedes é nosso intimo,
reli o, d'ai to cano. nos freqüenta muito. Lidar eom aquelle lio'
Mas... fallemos sério, Martha. Vim mem é lidar com a própria tentação. Dizem
aqui que nós mulheres somos frágeis, mas. issoé
para desabafar. Precisava de um coração como um erro; a nossa fragilidade não é da razão;
o teu para o allivio das minhas magnas.
nesse ponto os homens são mais fracos do
E Martha resignada, olhando-lhe a figura
invola, sadia, unicamente carnal: — Estou ás tuas que nós; a nossa fragilidade está toda nos
sentimentos, o que, mesmo assim, não deixa
ordens... de ser uma força porque sentimentos fracos
-Virgínia arrastou a balanceuse: - só os tem as almas fortes.
Escuta,
lu conheces o Diomedes Pinto, não é assim? Martha olhava-a, eomicamente séria...
KOSMOS
^= -0

O nosso mal, a nossa desgraça, Martha, marido o caso era outro e para elle, talvez,
ha de ser sempre o homem ; sem elle seria- menos agradável: pagaria as despezas..-. Seria,
mos verdadeiramente perfeitas. Perdôa-me este como ellas chamam, o marchante, o pacifico...
exordio, mas, assim era preciso em relação ao Entre os braços adamascados da poltrona,
conselho que te venho pedir ou, antes, á con- a Ritinha sorria, mordiscando, palIida,.o la-
sulta que te venho fazer e, para isso, permit- bio, a enrodilhar, distrahida, em um. dos de-
tas que te faça, primeiro, uma pergunta: —Tu, dos, a corrente do flacon. Suspirou alto. e vol-
quando te confessas, dizes tudo, absolutamen- tou-se de todo para Martha:
te tudo, de que te recrimines ao teu confessor? Então tu...
Necessariamente. Diria tudo ao confessor.
—Tudo, tudo ? -Tudo ?
Tudo. Tudo.
Ritinha Fontes ficou-se olhando Martha E haverá padres, agora, aqui em São
que sorria. João ?
Absolutamense tudo, Martha?! Não sei, não te
posso informar. Só lá
Absolutamente tudo. vou aos domingos e logo volto, terminada a
E a Ritinha, instantes depois, fitando a missa.
E monsenhor? Estará lá, agora?
ponta do próprio pé que emergia de sob a
barra larga e de seda da saia e riscando os Também, não sei, minha filha. E'
pro-
florões do tapete com a ponteira nickelada da vavel que esteja.
ombrelle de rendas :—E' porque, então, tu Bem...
não péccas... A Ritinha olhava o soalho. Sentia-se de-
-Sem peccados só Deus, minha filha. mais alli. Levantou-se. Beijaram-se. Partiu.
-Escuta, Martha: se tu, em um niomen- Martha acompanhou-a, a envolvel-a em
to de fraqueza, tivesses um amante; se te en- um olhar sentido de magua, té vel-a encostar
tregasses a um outro homem, dirias isso a novamente o portão e afastar-se para além do
teu confessor ?... gradil a sua figurinha galante, mince, triste e
Martha recuou o busto como se livrasse o doentia de hysterica.
rosto á aggressão de uma bofetada inespera- Do electrico ainda a Ritinha acenou-lhe a
da; o collo offegou, líunia palpitação forte; mão enluvada.
cerrou, por um instante rápido as palpebras, E Martha recolhendo, a voltar para os fi-
e aspirou nm hausto largo de calma: lhos, a cabeça pendida, por sua vez appre-
Tenho, hènsiva, n'imi balbucio suspirado, baixo, só
primeiro, a te observar que serei delia sabido se de lamentação ou de temor:
uma péssima informante para a tua pergunta, — Meu Deus...
porquanto nunca me entregaria a um outro
homem, por uma razão natural de tempe- * *
ramento ou por convenções, não sei bem;
como tu queiras; mas, se tal praticasse não Mas esse Diomedes, então?...
teria tempo de o confessar porque me parece Esse Diomedes, afinal, é ellas, meu ami-
que, antes disso, matava-me. go. Entre a Virgínia que é das possíveis de
A Ritinha fallou para as valencianas ricas se fazerem ladrões se o thesouro. como ellas
da ombrelle: —Burgueza. E alto :—Parece-te ? o imaginam, apparecer e as tentar e dado o
Martha recuou novamente : —Tenho quasi que ellas chamam a fatalidade da oceasião e
a certeza. a infeliz da Ritinha que já pertence á qua-
Commettias um drilha das que dispensam perfeitamente o re-
peccado maior. curso dessas fatalidades oceasionaes, só a nossa
-Paciência. Preferia esse. Faltar-me-hiam
as forças para que, no dia immediato, pndes- pobre e querida Luiza Emilia.se salva. Essa, em
todo o caso, sempre tem a defendel-a contra
se encarar, mais do que a meu marido, os
os Diomedes possíveis da sua cabecinha de
meus filhos, apezar de serem duas crianças.'
romântica, mais do que a sua virtude, o seu
Se os quizesse beijar julgaria qne os estava
orgulho indomável. Antes assim...
sujando... Não era mais a mama, como elles
n*ç chamam, era a mulher do pai delles e o A Therezina appareceu annunciando estar
a mesa servida e Martha, enlaçando o marido
goso secreto de um outro homem, com a
differença das outras de não ser paga. E sor- pela cintura, arrastou-o, por entre os reps da
rindo: —Sim, porque tn has de concordar em .porta,-para o interior; —Olha, vamos jantar.
que eu havia de ser trágica e terrivelmente digna: De ,sob as accacias do jardim vinha o ala-
nao acceitaria dinheiro nem presentes por Tsso rido das crianças e, quando a quando, a voz
não é exacto? Rava-me abnegadamente, irrritadiça.e.de ralhos da Andrégina, a velha bá.
por
amor... Ficava até mais barato... Agora, com meu,
Lima Campos.
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