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Hermentutica Constitucional da Ordem Econdmica Regulatoria: Princi Fabiano André de Sovea Mendonga HERMENEUTICA CONSTITUCIONAL DA ORDEM ECONOMICA REGULATORIA: PRINCIPIOS Fabiano André de Souza Mendonga* RESUMO O artigo apresenta didaticamente os principais aspectos dos principio da Or- dem Econémica na Constitwicéo de 1988 aplicados 8 Regulagio Econdmica, de modo a empregar unidade sistmica aos mesmos. A partir da conceituagao dos sentidos politico e social da Constituico, sao vistos os principios gerais, os direitos fundamentais envolvidos no artigo 170 da Carta Magna — propriedade, consumidor, livre iniciativa, concorréncia e meio ambiente - o tratamento 4s empresas de pequeno porte e a competéncia legislativa, Assim, sfo agrupados os elementos-chave da temitica, inclusive, com referéncia a jurisprudéncia, de modo a viabilizar uma compreensio que enfatize a busca da Justica Social. Para tanto, é feito o paralelo com os objetivos da Ordem Social e as perspectivas de uma atitude cooperativa do mercado, E abordado 0 caréter patrimonial do mercado interno e seu papel para o desenvolvimento. A normatividade de uma cooperagio econémica interna surge, entio, como mecanismo apto a contri- buir para a redugio das desigualdades sociais ¢ regionais. Palavras-chave: Ordem Econémica. Ordem Social. Desenvolvimento. * Professor adjunto (graduagio, especislizagio e mestrado) da UFRN. Professor da ESMARN, Procurador Fe- deral, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE), Pés-doutorado na Universidade de Coimbra (Portugal), Ex-Coordenador-Geral do Projeto Ligdes de Cidadania (UFRN/MEC/CAAC). Membro das Bases de Pesquisa “Direito, Estado c Sociedade” ¢ “Direito e Regulacio da Energia e dos Recursos Naturais" (UFRN). Membro do tnsttuto Potiguar de Direito Pablico, aT Hermenéutica Constitucional da Ordem Econdmica Regulat6ria: Principios Fablano André de Souza Mendonga 1 INTRODUGAO rie por pressuposto que a adogio do modelo regulatério para a intervengo econdmica implica em necessérias repercussdes constitucionais, é preciso compreender o sistema no qual elas pretendem se inserir. Daf ser imprescindivel bem compreender os principios aos quais as mesmas se acham vinculadas, De inicio, é preciso salientar que as disposigdes constitucionais atinentes 4 economia nfo se encontram reunidas num unico ponto da Constituigio'. Na verdade, se bem observado, integram-nas os preceitos relativos & tributacdo, aos direitos sociais, 4 fungao social da propriedade, ao orgamento etc, todos esparsos no corpo do texto. - A propria expressio ordem econdmica é suscetivel de longos debates. Por um lado, “order” implica uma organizacio (cuja peculiaridade pode dife- renciar um sistema do outro, ainda que tenha os mesmos elementos) factual, um modo de ser de determinado grupo social. Pertence, assim, ao mundo do ser, independente de ser valorada como justa ou injusta, Nao é, por esse prisma, necessariamente, contetido de norma juridica. Sob o ponto de vista formal-juridico, de um sistema formalizado de expectativas de condutas dotadas de coercibilidade (Claudio Souto), a ordem econémica encontra dificuldades de definico por se referir a todo 0 conjunto de normas que se dirigem ao trato das trocas econé- micas, Entio, nao sé a Constituigao contera preceitos econémicos, mas também a legislagio ordinéria. Portanto, integrarao a ordem econémica a Consolidagao das Leis do Trabalho, o Cédigo Civil, as leis de intervengio no dominio econémico etc. Uma maior precisio é obtida se falar em ordem econdmica formal constitucional. Quando, ento, & conferido um sentido também material a0 "Sobre a polémica do conceito de Constituigio Econémica, v. BERCOVICI, Gilberto. Constituigao Econd- mica ¢ Desenvolvimento: ura leitura a partir da Consttuigio de 1988, Sto Paulo: Malhetros, 2005. p. 11 segs. GRAU, Eros Roberto, A ordem econémica na Constituigéo de 1988: interpretagio e critica. 4, ‘ed, S50 Pavlo: Malheiros, 1998. p. 41 e segs. MOREIRA, Vital. Economia ¢ ConstituigSo: para o conceito de ‘Constituigio Econémica, Boletim de Ciéncias Econémicas, Coimbra, x. 17, p. 103-165, 1974, Revista da ESMARN—Ano7 Volume 7 Nimero1 Dezembro 2008 conceito para se indicar as normas do texto constitucional que se volta a or- denar os relacionamentos econémicos na sociedade. A expressio, tal qual emerge do texto constitucional, ora refere-se a0 mundo do ser (art. 170), ora tem acepgo mais direta com o mundo do dever ser (art. 173, § 5°). Na verdade, tal se deve ao fato de, no primeiro modo, fazer referéncia, gramaticalmente, a como deveria ser a sociedade, numa re- dagdo apofintica e afirmativa. “O revestimento verbal das normas juridicas positivas nao obedece a uma forma padrao. Vertem-se nas peculiaridades de cada idioma e em estru- turas gramaticais variadas” “Gramaticalmente, o direito usa o modo indica- tivo ou o modo imperativo dos verbos. [...] um tinico verbo nao exprimiria essa rica morfologia da vida humana,” Comumente, os enunciados que descrevem as hipéteses faticas a se- rem confrontadas com a ocorréncia do mundo real nao refletem as formas logicas deonticamente prescritivas que Ihe subjazam. Partimos da experiéncia da linguagem em que se reveste © direito positivo, se ndo como fim temitico, pelo menos como indice tematico [..,] Vamos através da linguagem do dircito positivo tentando encontrar a linguagem formaliza- da em que ela pode ser reduzida [...]. Por variado que seja estilisticamente, tecnicamente, idiomaticamente, 0 modo como 0 direito positive de uma sociedade concreta se expri- me, onde ha regra de conduta dotada daquela ‘juridicidade formal’ (Del Vecchio), af encontramos sua composigio dual {antecedente e conseqiiente]*. Entio, principalmente num mundo juridico principiolégico e de primazia constitucional, é de se atender ao sentido normativo jungido 4 finalidade jurfdica e politica da Carta Maior e daf retirar seus significados 2VILANOVA, Lourival, As estruturas logicas ¢ o sistema do dircito positive. 2. ed, Sio Paulo; Max Limonad, 1997. p.95. >tbidem, p. 67. “thidem, p. 85. Hermenéutica Constitucional da Ordem Econdmica Regulatoria: Princfpios Fabiano André de Souza Mendonga em termos de comandos para a conduta dos cidados e dos condutores da nagao°. O documento escrito dotado de caracteristicas de normatividade des- tacada no ordenamento vem a ser a Constituiggo (supremacia e supralegali- dade). A ele se pode denominar Constituigao politica’. Ela comporta uma andlise formal, atinente a dindmica de fontes pro- dutoras do “direito” escrito e seus procedimentos de criagao ¢ outra mate- rial, propria da verificagio de compatibilidade do contetido que determina com os atos que Ihe devam ser subordinados. HA, por outro lado, uma Constituigao Social, gerada pela pritica comunitéria e que interage dialeticamente com aquela, na qual se da a visio pelo prisma do cidadao e do Estado. Este, criando praticas para aplicar o texto maior, legitimando-as neste. E aquele, criando diversas formas normativas de se comportar nos diversos grupos que compdem a sociedade maior’, ‘Assim, os conceitos de Constituigao e de ordem econédmica admitem correlagio, A Constituigao Econémica sociolégica criada é a ordem econd- mica material (nao no sentido de normas juridicas que tratam materialmente de questdes politicas fundamentais econémicas, mas do modo como se dé a ordenagio social). Ea ordem econémica constitucional normativa €a Cons- 5 Apenas para se dar um exemplo de como pode se dar a questio da forma de expressio de uma idéla num texto ‘constinucional pode ser amplae trazer virios elementos textuais, presritivos e descritivos, a serem analisados, dina Constituiggo Venemuelana: “Articulo 1. La Repiblica Bolivariana de Venezuela es irrevocablemente libre € independiente y fundamenta su patrimonio moral y sus valores de libertad, igualdad, justicia y paz internacional en la doctrina de Simbn Bolivar, el Libertador |...)-Articulo 112."Todas las personas pueden dedicarse libre- mente a la actividad econémica de su preferencia, sin més limitaciones que las previstas en esta Constitucion y Jas que establezcan las leyes, por razones de desarrollo humano, seguridad, sada, protecciin Jel ambiente w otras de interés social. El Estado promoveré la iniciativa privada, garantizando la creacin y justa distnbucion de la rigueza, asi como la produccibn de bienes y servicios que satisfagan Iss necesidades dela poblacion, la li bertad de trabajo, empresa, comercio, industria, sin perjuicio de sv facultad para dictar medidas para planificar, raconalizar y regular 1a economia e impulsar el desarrollo integral del pals.” Nio no sentido da dualidade Estado-economia cada um com um estatato juridico, Sobre o tema, v. MOREIRA, Vital. Economia ¢ Constituigio: para 0 conceito de Constituigio Econdmica (continuagio). Boletim de Ci- ancias Econdmicas, Coimbra, v.19, p. 147, 1976. 7 MENDONCA, Fabiano André de Souza, Responsabilidade do Estado por ato judicial violador da isonomia: a igualdade perante 0 fudiciirio e a constitucionalidade da coisa julgada face & responsabilidad ‘bjetiva. SSo Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 20-4, Revista da ESMARN~Ano7 Volume 7 Nimero! Dezembro 2008 tituigdo Econémica politica formal. O desejo & que a Constituigio Eco- némica politica material converta-se na ordem econémica material. Por fim, a melhor forma de se entender uma Constituigio Econé- mica € entendé-la como uma “viséo compartilhada de uma comunidade de pessoas sobre como elas desejam viver suas vidas”. Isso indispen- sdvel num sistema onde as pessoas compartilham diariamente servigos publicos (public utilities). 2 PRINC{PIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONOMICA Como ponto principal de atengao do texto constitucional acerca da relagdo Direito e Economia no Estado brasileiro, esta o seu artigo 170: Art. 170.A ordem cconémica, fundada na valorizagio do traba- Tho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existéncia digna, conforme os ditames da justiga social, observa~ dos os seguintes principios: 1—soberania nacional; I~ propriedade privada; Ill — fimgio social da propriedade; IV livre concorréncia; V —defesa do consumidor; VI — defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e ser- vigos ¢ de seus processos de claboragio e prestagio; VII — redugio das desigualdades regionais ¢ sociais; Vill —busca do pleno emprego; IX — tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituidas sob as leis brasileiras ¢ que tenham sua sede ¢ admi- nistrago no Pais. Pardgrafo Unico. E assegurado a todos o livre exercicio de qual- quer atividade econémica, independentemente de autorizagio de orgios piblicos, salvo nos casos previstos em lei. “The shared vision of a community of people about how they wish to live their lives” (GRAHAM, Cosmo. Regulating public utilities: a constitutional approach. Oxford: Hart Publishing, 2000. p. 1). Hermentutica Constitucional da Ordem Econdmica Regulatbria: Prineipios Fabiano André de Souza Mendonca Esses so os principios que qualquer atitude estatal e qualquer particular — pelos efeitos horizontais dos direitos fundamentais? "°, é obrigado a observar, sob pena de inconstitucionalidade de sua con- duta pela violagao dos objetivos a que se destina o Estado Brasileiro (governo e sociedade civil), previstos no artigo 3° da Constituigao Federal, dentre os quais se destaca a redugao das desigualdades sociais ¢ regionais (artigo 3°, inciso III, parte final), bem como o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, ¢/c 170, caput, “existén- cia digna”), aqui presentes. 2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS: PROPRIEDADE A conexio com os direitos fundamentais também se mostra pela repetisaio do direito de propriedade ¢ de sua fungao social, ja mencionados no artigo 5°, incisos XXII ¢ XXIII 1 Esses incisos, pelo registro escrito tao proximo de opinides tao distintas (“XXII ~ é ga- rantido 0 direito de propriedade; XXIII — a propriedade atendera a sua fungio social”), € o simbolo maximo de nossa programaticida- de constitucional e dos problemas de eficdcia que encerra. Devido aos choques de interesses, a Constituigao ficou remissiva e a exigir 0 apoio de uma interpretagao principiolégica para ser unificada. Claro ° Sobre o assunto eas formas como esses principios poderiam intervir na ordem negocal, . MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva, A vineulago dos particulares aos direitos fundamentais, Coimbra: Livraria Almedina, 2008. passim. AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 113-126, Na ADIn 939/DF — primeiro debate plenirio sobre a constitucionalidade de uma emenda, Rel. Min, Sydney Sanch- es, julg.em 15.12.1983 (DJU 18.03.94), 0 Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria,reconhecew a condicio de dirito fundamental dos dspositivos integrantes do artigo 150 da Constituiglo (limites constitucionais ao poter de tribuiar), independentemente de sua localizagio topogrifica no texto, assim, protegido contra emendas constituc ais nos termos do artigo 60, § 4", IV, da Constitugio, Pos, como se pode ver nos votos das ministros Marco Aurél © CarlosVelloso, como. artigo 5°, § 2", estabelece que os direitos expressosno textonio exchuem outros decorrentes de seus prinelpios, tas direitos estariam expraiados por toda a Continuo, # MENDONGA, Fabiano André de Souza, Limites da Responsabilidade do Estado: teoria dos limites da responsabilidade extracontratual do Estado, na Constituiglo Federal Brasileira de 1988, Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 112. Revista da ESMARN -Ano7 Volume 7 Nimero1 Dezembro 2008 que, tal qual os problemas de um hospital nao significam a inexis- téncia da medicina, e, na medida em que Lei e Direito nfo so a mesma coisa, os problemas do texto constitucional nao infirmam a Ciéncia do Direito ou o Direito Constitucional, pois para suplantar essas questdes € que ele existe. 2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONSUMIDOR, LIVRE INICIA- TIVA E CONCORRENCIA A conexio com os direitos fundamentais listados no artigo S° também é o caso da protecio ao consumidor (5°, XXXII, “o Estado promovera, na forma da lei, a defesa do consumidor”) e da livre iniciativa (5°, XIII, “é livre 0 exercicio de qualquer trabalho, oficio ou profissio, atendidas as qualificagdes profissionais que a lei esta- belecer”). Acerca da livre iniciativa, a restrigéo do artigo 5°, atengao a qualificagéo exigida em lei, coaduna-se com a do parfgrafo tinico do artigo 170, a lei poderd exigir autorizacio para o empreendimento. E, ademais, apenas faz sentido se conjugada com a livre concorréncia do inciso IV do artigo 170. Estd no cerne do ideal econdmico regulatorio atual que o papel das Agéncias é permitir o livre desempenho da empresa pelos agen- tes do setor (liberdade empresarial) e permitir a entrada de novos players no mercado (livre concorréncia). Os direitos fundamentais encerram em si uma feicao de liber- dade positiva ¢ de liberdade negativa, advindas do classico mo- delo liberal. Em regra, ha o sentido negativo da liberdade, no sentido de uma esfera individual de protec3o do individuo na qual o Estado nao pode penetrar. Negativo, assim, no sentido cientifico-positivista de auséncia de comportamento do Estado no ponto em questio. Doutro bordo, esté o sentido positivo, pelo qual o sujeito de direitos pode fazer valer o seu direito pelo seu exercicio direto. E a iberdade de agir. A negativa esta associada a fungao de protegao perante tercei- ros , pela qual o Estado tem o dever, noutro modelo de direitos, de Hermenéutica Constitucional da Ordem Econémica Regulatoria: Principios Fablono André de Souza Mendonca evitar que terceiros"? perturbem o exerc{cio do direito pelo seu titular”? ~ o que atrai também o tema da vinculagio dos particulares aos direitos fundamentais de modo mediato. Assim, a liberdade empresarial esté associada ao sentido positivo a livre concorréncia completa-a como o seu sentido negativo, O direito a que ninguém proceda de forma desleal na luta por um espago no mer- cado. A sua regulagao legal esta na Lei n° 8.884, de 11 de junho de 1994 (transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econémica - CADE em Autarquia, dispde sobre a prevengio e a repressio as infragdes contra a ordem econémica). Em sintese, no que toca a liberdade privada de atuacao empresarial, a sua forma atual &, em regra, a que se pode chamar de autorizagao le- gal, geral e abstrata, valida para todos quanto se insiram em seus requisitos. Um meio termo entre o sistema da ampla liberdade e o das autorizages (ainda subsistentes, por exemplo, no caso das instituigdes financeiras, Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964, artigo 10, X), podendo haver privilé- gios de atuagao em servigos concedidos, em nome do bem-estar social’*, Enfim, o que foi dito atende ao que determina a Constitui¢do no artigo 173: § 4° A lei reprimiré o abuso do poder econdmico que vise & dominagio dos mercados, & eliminagSo da concorréncia c a0 aumento arbitrério dos lucros. § S° A Ici, sem prejuizo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa juridica, estabelecerd a responsabilidade desta, sujeitando-a as punig&es compativeis com sua nature- za, nos atos praticados contra a ordem econémica c financei- rae contra a economia popular. ¥ CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional Teoria da Constituigio. 7, ed. Coimbra: Almedina, 2003. p.409, CANOTILHO, J. J. Gomes. Tomemos a sério os direitos econémicos, sociais e culturas. In:__. Estudos sobre Dircitos Fundamentais, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 35-68, p. 46-51 Sobre a evolusio das atividades empresaiais e sua regulagio pelo Estado, v. REQUIAO, Rubens. Curso de Di- reito Comercial, 19, ed, Sgo Paulo: Saraiva, 1993. «2. p. 4-6. Cf. kdem, Curso de Direito Comercial, 23. ced, io Paulo: Saraiva, 1998, v1. p. 8-13. i Revista da ESMARN Ano7 Volume7 Némerol Dezembro 2008 Assim, vé-se que 0 abuso de poder econdmico juridicamente re- levante é aquele traduzido por dominagao de mercados, eliminacio da concorréncia ou aumento arbitrario dos lucros. E, por outro lado, os crimes contra a economia popular esto na Lei n° 1.521, de 26 de de- zembro de 1951, e a protegao a ordem tributaria, econémica e também ao consumidor na Lei n° 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ena Lei n° 8.176, de 8 de fevereiro de 1991 (crimes contra a ordem econémica e cria o Sistema de Estoques de Combustiveis). A Lei Delegada n° 4, de 26 de setembro de 1962, dispde sobre a interveng&o no dominio econémico para assegurar a livre distribuicio de produtos necessirios ao consumo do povo. Sobre o tema da livre iniciativa, vale a transcrigio dos seguintes posicionamentos do Supremo Tribunal Federal: 1. E certo que a ordem econémica na Constituigao de 1988 define a op¢do por um sistema no qual joga um papel pri- mordial a livre iniciativa. Essa circunstancia nfo legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado sé interviré na economia em situagdes excepcionais. Muito ao contrério, 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituigao enuncia fins, diretrizes e programas a serem realizados pelo Estado ¢ pela socicdade. Postula um plano de agao global normativo para o Estado ¢ para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus arts 1°, 3° ¢ 170. 3. A livre iniciativa é expressio de liberdade titu- lada no apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso, a Constituiga0, ao contempli-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; n3o a privilegia, portanto, como bem atinente apenas 4 empresa. 4.A Constituigio do Brasil em seuart, 199, § 4°, veda todo tipo de comercializagao de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitucional dispord sobre as condigdes e requisitos que facilitem a co- leta de sangue. 6. Na composigo entre o principio da livre iniciativa e do direito a vida, ha de ser preservado 0 interes- se da coletividade, interesse pablico primario. 7. Agio di- reta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 3.512/ES, Rel. Min. Eros Grau, julg. em 15.02.06, maio- ria, DJ 23/06/06, p. 03) Hermengutica Constitucional da Ordem Econémica Regulatbria: Principios Fabiano André de Souza Mendonca “EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ECONOMICO. INTERVENGAO ESTATAL NA ECONO- MIA: REGULAMENTAGAO E REGULACAO DE SETO- RES ECONOMICOS: NORMAS DE INTERVENCAO. LI- BERDADE DE INICIATIVA. CE, art. 1°, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6°, I.—A intervengio estatal na economia, mediante re- gulamentagio e regulagao de setores econémicos, faz-se com respeito aos principios ¢ fundamentos da Ordem Econémica. CF, art. 170. O principio da livre iniciativa é fundamento da Repitblica e da Ordem Econémica: CF, art 1°, IV; art 170, Il. —Fixago de precos em valores abaixo da realidade ¢ em des- conformidade com a legislagao aplicavel ao sector: empecilho ao livre exercicio da atividade econdmica, com desrespeito a0 principio da livre iniciativa, III. — Contrato celebrado com instituig&o privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixagdo de pregos, nos termos da lei. Todavia, a fixago dos pregos acabou realizada em valores inferiores, Essa conduta gerou danos patrimoniais, ao agente econdmico, vale dizer, 4 recorrente: obrigacio de indenizar por parte do poder publico. CF, art. 37, § 6°, IV. ~ Prejufzos apurados na instincia ordinaria, inclusive mediante pericia técnica. V, — RE conhecido c provido. (RE 422.941/ DF, 2*Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, julg. em 06.12.05, DJU 24.03.06, p. $5) EMENTA: Fixago de horério de funcionamento para farmécias no Municipio, Multa administrativa vinculada a salério minimo. = Em casos andlogos ao presente, ambas as Turmas desta Corte (assim a titulo exemplificativo, nos RREE 199.520, 175,901 174.645) firmaram entendimento no sentido que assim vem sintetizado pela ementa do RE 199.520: “Fixacéo de horario de funcionamento para farmacia no Municipio. Lei 8.794/78 do Municipio de Sio Paulo. - Matéria de competéncia do Mu- nicipio. Improcedéncia das alegagdes de violacio aos principios constitucionais da isonomia, da livre concorréncia, da defesa do consumidor, da liberdade de trabalho ¢ da busca ao pleno emprego. Precedente desta Corte, Recurso extraordindrio co- nhecido, mas nfo provido”. - Dessa orientagio nfo divergiu o acérdio recorrido. - O Plenério desta Corte, a0 julgar a ADIN Revista da ESMARN —Ano7 Volume? Nimero! Dezembro 2008 1425, firmou o entendimento de que, ao estabelecer o artigo 7°, IV, da Constituigao que é vedada a vinculagio 20 saldrio-mi- nimo para qualquer fim, “quis evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influéncia na fixagio do valor minimo a ser observado”. Ora, no caso, a vinculagdo se dé para que o saldrio-minimo atue como fa- tor de atualizacao da multa administrativa, que variard com 0 aumento dele, o que se enquadra na proibigo do citado dis- positivo constitucional. - E, portanto, inconstitucional o § 1° do artigo 4° da Lei 5.803, de 04.09.90, do Municipio de Ri- beirio Preto. Recurso extraordinario conhecido em parte ¢ nela provido, declarando-se a inconstitucionalidade do § 1° do artigo 4° da Lei 5.803, de 04.09.90, do Municipio de Ribeirdo Preto. (RE 237965/SP, Pleno, Rel. Min. Morcira Alves, julg. em 10/02/2000, uninime, DJU 31.03.2000, p. 61) EMENTA: RECURSO EXTRAORDINARIO, FARMACIA. FIXAGAO DE HORARIO DE FUNCIONAMENTO. AS- SUNTO DE INTERESSE LOCAL. A fixacéo de horério de funcionamento para o comércio dentro da érea municipal pode ser feita por Jei local, visando o interesse do consumidor cevitando a dominacao do mercado por oligopélio. Preceden- tes. Recurso extraordinério nfo conhecido. (RE 189170/SP, Segunda Turma, Rel. p/ Acérdo Min. Mauricio Corréa, julg em 01/02/2001, maioria, DJU 08.08.2003, p. 86) Postos de gasolina, Atividade de alto risco que justifica o pru- dente distanciamento, na mesma arca geogrifica, de estabe- Jecimentos congéneres. Inexisténcia de inconstitucionalidade do art. 3°, letra b, da Lei 2.390, de 16.12.74, do Municipio de Belo Horizonte (MG), RE conhecido, mas improvido. (RE 204187/MG, Scgunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, julg, em 16/12/2003, DJU 02.04.2004, p. 27) No ultimo julgado citado, a Corte afastou a alegacdo de violagio da livre concorréncia, entre os demais motivos, por nao haver vedacao a livre iniclativa empresarial, desde que atendido o requisito racional para evitar concentraco de substincias explosivas na mesma érea. fy 2s feet Hermenéutica Constitucional da Ordem Econémica Regulatria: Prinefpfos Fabiano André de Souza Mendonga 2.3 O MEIO AMBIENTE Por sua vez, o meio ambiente encontra tépico proprio no texto constitucional, dentre a ordem social (capitulo VI, artigo 225). Cabe aqui ressaltar a inovacao, feita pela Emenda Constitucional n° 42, de 19 de dezembro de 2003, do tratamento diferenciado aos produtos e servigos consoante o seu impacto ambiental; é o caminho para a denominada tri- butagao ambiental’. Destaque especial cabe 4 nogao de desenvolvimento sustentavel. Nao 0 mero crescimento', enquanto maior disponibilidade de bens e servigos, mas cle deve vir acompanhado de uma liberdade real que assegure sua continuidade. O crescimento pode vir antes ou depois da conquista da liberdade ~ é preferivel que ocorra depois, como forma de melhor direcionar os esforgos da democracia ~ mas sem ela nio chega a caracterizar um desenvolvimento’”, A importincia do meio ambiente est4 no simples fato basico de que dele provém para o homem o alimento e a energia para cozé-lo, Dai todas as consideragdes que transbordam para a visio da economia como uma forma de relagdo entre o homem e a natureza; desta advém os produtos e suas matérias-primas e para ela vio os residuos, Ecologia e economia, assim, complementam-se"*. "§ Sobre o assunto, v. GARCIA-INES, Marta Jorge. La proteccién fiscal del medio ambiente en la UE. Revista de Estiidios Europeos , n. 37, p. 3-25, mayo/ago., 2004. IRUJO, Antonio Embid. La fisalidad ambiental y los principios de su regimen juridico, Consideraciones especifics en el ambito de las aguas continentales, Revista de Administracion Pablica, Madrid, n. 148, p. 61-97, ene./abr., 1999. ° Com apoio em Celso Furtado, diz Amadou Carvalhaes Ribetro: "| erescimento econdmico no ésindnimo de desenvolvimento, Para que haa desenvolvimento, & necessirio que o crescimento venka acormpanhado de urna lstribuigio mais equilibrada das riquezas prosiridas” (Cooperagio e desenvolvimento: a reguagio da atividade seguradora. in: SALOMAO FILHO, Calixto (coord.). Regulago ¢ desenvolvimento, Sio Paulo: Malheiros, 2002. p, 124-81) (. 126). "“Dexemolvimento auto-sustentivel ¢ 0 fato de todo o processo de desenvolvimento ter de se manter durante todo o itineriro ou passage do estigio de subdesenvolvimento até 2 chegada 20 novo status de desemolvimen- tol" (NUSDEO, Fabio, Desenvolvimento econdmico: um retrospecto © algumas perspectias. In: SALOMAO FILHO, Calixto (coord,), Regulagio ¢ desenvolvimento. Sio Paulo: Malheiros, 2002. p. 11-24). NUSDEO, Fiio. Curso de Economia: introdugio ao Direito Econémico, 2. ed. Sio Paulo: Revista dos Tribu- ais, 2000. p. 360 e seg. Revista da ESMARN Ano7 Volume7 Nimero! Dezembro 2008 No Brasil, desde nossa colonizacio, a relagdo econémica com o meio ambiente foi marcada pelo uso explorador, que se estendia 4 relagdo com os trabalhadores bragais, em regra, escravos. Era uma produgo pautada pela quantidade e voltada para o mercado externo, na qual, “sé com alguma reser- va se pode aplicar a palavra ‘agricultura’ aos processos de exploragio que se introduziram no pais com os engenhos de cana.” Sérgio Buarque de Holanda denuncia o carter perduldrio da grande lavoura colonial, a qual, sem a escra- vatura ¢ terra farta para gastar ¢ arruinar, seria “irrealizavel” ", Entio, a pro- tego ao meio ambiente inserta na Constituiggo de 1988 assume um grande cardter pedag6gico, além de normativo, e representa um marco na evolugio da relagao do brasileiro com o meio ambiente e consigo. 2.4AS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE O tratamento favorecide 4s empresas de pequeno porte (“cons- tituidas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administrag&o no Pais”, alude & definigao de empresa brasileira extirpada pela ablagao do artigo 171 pela Emenda n’ 06, de 15 de agosto de 1995 ®), pode ser com- ' HOLANDA, Sérgio Buarque de. Ratzes do Brasil. Sso Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 40. (Edigio Come- ‘morativa 70 anos) A eriagio da riqueza no pais desde seus primérdios seguiu © mesmo principio de relagio com a natureza: “todos queriam extrair do solo excessivos beneficios sem grandes sacifcios”(Ibidem, p. 44), > Redaglo origmal: Art. 171. Sio consideradas: 1 - empresa brasileira constituida sob as leis brasileirase que tenha sua sede e administragio no | empresa brasileira de capital nacional aquela cyjo controle efetivo esteja em cariter permanente sob attularidadle direta 09 indireta de pessoas fitcas domiciliadas e residentes no Pats ou de entidades de direito pablico interno, en- tendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e 0 exerciio, de fato € de direito, do poder decsbrio para geri suas atividades. § 1°-A lel poderd, em relagSo A empresa brasileira de capital nacional: 1. conceder protegio e beneficios especias tempordrios para desenvolveratividads consideradas estratigicas para efesa nacional ou imprescindiveis ao desenvolvimento do Pas; I estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindivel ao desenvolvimento tecnolégico nacional, entre ‘outras condigies¢ requistos: a)acxigindia de que v controle referido no inciso It do “caput se estenda is atividades tecnolégicas daempresa, asim entendido 0 exercicio, de ito. de direito, do poder decisério para desemolver ou absorver tecnologia; }y percentuais de partiapagio, no capital, de pessoas fisicas domictiadase residentes no Pas ou entidaes de direito shlico interno. Pe Na aqulsigio de bens ¢ servigos, o Poder Pico daré tratamento preferencial, nos termos da le, & empress brasleirade capital mciona. Hermenéutica Constitucional da Ordem Econémica Regulatéria: Princfpios Fabiano Andeé de Souza Mendonga preendido como regime especifico de isonomia’'. O inciso em comento dé amparo a Lei n° 9.841, de 5 de outubro de 1999 (Estatuto da Micro- empresa ¢ da Empresa de Pequeno Porte), regulamentada pelo Dec. n° 3.474, de 22 de maio de 2000, e 4 Lei n° 9.317, de 5 de dezembro de 1996 (estabelece o regime tributdrio das microempresas e das empresas de pequeno porte e institui o Sistema Integrado de Pagamento de Im- postos e Contribuigdes das Microempresas ¢ das Empresas de Pequeno Porte — SIMPLES). No artigo 179 da Constituigao est4 normativamente sintetizada a justificativa para esse tratamento, incentivar 0 pequeno em- preendimento”, com o que se busca obter desenvolvimento, redugao da carga tributdria e beneficios econémicos para toda a sociedade”’, 2.5 PRINCIPIOS Como a soberania nacional também ja estava presente no artigo 1°, I, da Constituigao (fundamentos da Republica Federativa do Brasil), vé- se que, no texto do artigo 170, apenas o pleno emprego e 0 tratamento favorecido 4s pequenas empresas nao se encontravam ja explicitamente previstos na ConstituicZo, Note-se que nada impede que tais preceitos fossem compreendidos como inerentes aos direitos sociais e 4 igualdade. Claro que a enumeragio concentrada do artigo 170 nao elide a aplicagao dos outros direitos constitucionalmente consagrados, conso- ante as exigéncias do caso concreto. Serve, todavia, para pdr em relevo as principais quest6es envolvidas no debate e propiciar o seu trato. 7 Cf, sobre a diferensa entre isonomia e igualdadle, MENDONCA, Fabiano André de Souza. Limites da Respon- sabilidade do Estado: teora dos limites da responsbildade extracontratal do Estado, ma Constitungio Federal Brasileira de 1988, Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 69 e segs. 2A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municipios dispensaro as micro empresas e is emprews de pequeno porte, asim definidss em le, tratamento jaridion diferenciado, visndo a incentivé-las pela simplfcagso de suas obriga;Ses administrativas, tributirias, previdencisnas ¢ creditcas, ou pela eliminago ou rediugio destas por meio dele? ® ¥, CORREIA, Heloisa Augusta Neri. Tributagao e incluso: os pequenos empreendimentos frente & visio social

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