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Piaget, Vygotsky

e as relações
entre Educação e
Psicologia
Coelho, Orlando
SST Piaget, Vygotsky e as relações entre Educação e
Psicologia / Orlando Coelho
Ano: 2021
nº de p. : 11

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Apresentação
Quando pensamos em desenvolvimento humano, entendemos isso como processo
vivo e contraditório, baseado em uma relação complexa entre aprendizagem e
desenvolvimento. Contudo, essa relação não implica apenas que a aprendizagem
acompanhe o desenvolvimento, e sim poder superá-lo e aumentá-lo.

Neste momento, discutiremos as relações entre a Pedagogia e a Psicologia tendo


como referência teorias de aprendizagem baseadas na psicologia genética de
Piaget, na psicologia histórico-cultural de Vygotsky e abordagens contemporâneas
da subjetividade.

As relações entre Pedagogia


e Psicologia sob a perspectiva
piagetiana: dilemas contemporâneos
do construtivismo
Para que possamos compreender as relações entre Psicologia e Pedagogia em
uma perspectiva que considere a teoria sociogênica, é necessário vermos algumas
questões fundamentais sobre a epistemologia genética da teoria desenvolvida
por Jean William Fritz Piaget (epistemólogo e biólogo suíço) para estudar o
desenvolvimento humano.

[...] o conhecimento não está no sujeito – organismo, tampouco no objeto


– meio, mas é decorrente das contínuas interações entre os dois. Para
ele, a inteligência está relacionada com a aquisição de conhecimento à
medida que sua função é estruturar as interações sujeito objeto. Assim,
para Piaget, todo pensamento se origina na ação, e para se conhecer
a gênese das operações intelectuais é imprescindível a observação da
experiência do sujeito com o objeto. (FERRACIOLI, 2007, p. 6)

Piaget descarta de antemão qualquer relação inata da inteligência, ou seja, a


inteligência não é algo interno, hereditário, nem o conhecimento é mero reflexo do
meio. Isso significa que os objetos para serem conhecidos não basta que existam,
é preciso que tenhamos interagido com eles. De forma sintética, podemos observar
que Piaget estabelece um sujeito do conhecimento, um objeto do conhecimento e
uma ação/interação entre ambos.

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Curiosidade
Lembremos que, antes de formar-se em Psicologia, Piaget fez
licenciatura e doutorado em Biologia e dedicou-se à filosofia.
Essas informações servem para aproximar-nos da complexidade
do pensamento de Piaget, as quais constituem sua teoria do
desenvolvimento.

O objetivo de Piaget, com seus estudos, era compreender o ser humano em todos
os seus aspectos, desde o momento do seu nascimento e no decorrer de todas as
suas fases de crescimento. A partir de suas observações, ele construiu sua teoria
sobre o desenvolvimento humano. Piaget defende o interacionismo, em que a usual
dicotomia entre o materialismo mecanicista e o idealismo é superada. De acordo
com seus estudos, o indivíduo elabora suas reações de acordo com o meio onde
está inserido. No entanto, essa inter-relação com a sociedade está atrelada ao
estágio de desenvolvimento humano em que se encontra.

[...] o desenvolvimento do conhecimento é um processo espontâneo,


ligado ao processo global da embriogênese. A embriogênese diz respeito
ao desenvolvimento do corpo, mas também ao desenvolvimento do
sistema nervoso e ao desenvolvimento das funções mentais. No caso do
desenvolvimento do conhecimento, a embriogênese só termina na vida
adulta. É um processo de desenvolvimento total que devemos re-situar
no contexto geral biológico e psicológico. (PIAGET, 1972 apud LAVATELLY;
STENDLER, 1972, p. 1)

Para compreender-se a teoria de Piaget, é necessário atentar a alguns


detalhes presentes na escrita do autor. Por exemplo, quando ele afirma que o
desenvolvimento é processo e relaciona-se com a totalidade de estruturas do
conhecimento, o autor se refere às bases do interacionismo (fundamentação
social de sua teoria), que depois permearão teorias do ensino e da aprendizagem
(notadamente o construtivismo).

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O social no desenvolvimento humano integral

Fonte: Plataforma Deduca (2021).

#PraCegoVer: Imagem mostra silhuetas humanas formando o


contorno de duas cabeças em completa sincronia e fluidez. A
imagem de fundo é cinza e as figuras humanas em movimento
não têm destaque de cor.

Em uma leitura apressada, a tendência é compreender que a aprendizagem é


deslocada do desenvolvimento, porém, o que o autor considera de forma enfática,
é justamente as diversas aprendizagens que integram todo o processo de
desenvolvimento.

Assim, considero que o desenvolvimento explica a aprendizagem,


e esta opinião é contrária à opinião amplamente sustentada de que
o desenvolvimento é uma soma de unidades de experiências de
aprendizagem. Para alguns psicólogos o desenvolvimento é reduzido a
uma série de itens específicos aprendidos, e então o desenvolvimento
seria a soma, a acumulação dessa série de itens específicos. Penso que
essa é uma visão atomista que deforma o estado real das coisas. Na
realidade, o desenvolvimento é o processo essencial e cada elemento da
aprendizagem ocorre como uma função do desenvolvimento total, em
lugar de ser um elemento que explica o desenvolvimento. (PIAGET, 1972
apud LAVATELLY; STENDLER, 1972, p. 1)

Os estágios de desenvolvimento de Piaget consideram quatro fatores que


influenciam seu processo (FERRACIOLI, 2007).

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• Maturação: a maturação está diretamente relacionada ao desenvolvimento
do Sistema Nervoso Central (SNC) que está relacionado à embriogênese. O
seu desenvolvimento promove novas possibilidades de aprendizagem.
• Experiência: esta experiência com o objeto do conhecimento seria física e
lógico-matemática, que entre outros fatores incorporam a possibilidade de
abstração, assimilação do objeto, entre outras.
• Transmissão social: seria a transmissão social dos conhecimentos via cul-
tura, linguística, contatos sociais, educacionais, entre outras formas de com-
partilhamento das experiências. Porém, Piaget pontua de forma enfática que
a assimilação dessas informações está condicionada ao desenvolvimento do
pensamento.
• Equilibração: para Piaget, este é o fator principal que atua sobre o sujeito. É
a ação do sujeito do conhecimento sobre o objeto e vice-versa em busca de
um equilíbrio, de uma adaptação a novos esquemas antes desconhecidos. O
desenvolvimento é uma constante de dois movimentos de adaptação que de-
correm da relação entre assimilação e acomodação em busca da adaptação/
equilibração.

Os processos descritos aqui são base da epistemologia genética de Piaget que os


considera como fundamentais no processo de aprendizagem, articulando-se na
relação entre assimilação, acomodação, equilibração e adaptação.

Assimilação:

processo pelo qual os elementos do meio exterior são internalizados à


estrutura.

Acomodação:

processo de mudanças da estrutura em função da assimilação.

Adaptação/equilibração:

quando o pensamento assimila às suas estruturas os elementos da realidade,


acomodando essas estruturas aos novos elementos que se apresentam. É
o equilíbrio entre a assimilação da experiência às estruturas dedutivas e a
acomodação dessas estruturas aos dados da experiência.

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Vejamos algumas informações sobre os dilemas contemporâneos do
construtivismo. A concepção construtivista de ensino considera que:

[...] a escola é um espaço da cultura, fundamental para o desenvolvimento


da pessoa, e a educação contribui para este desenvolvimento de forma
global onde devem ser consideradas as capacidades de equilíbrio pessoal,
a inserção social, os aspectos cognitivos, interpessoais e motores. (COLL
et al., 1998)

Assim, para o construtivismo existe uma aprendizagem quando a pessoa é capaz


de construir uma representação pessoal sobre um objeto ou uma realidade social
na qual está inserida, pois o aprendizado não é uma cópia ou uma reprodução da
realidade, mas uma intervenção sobre ela (COLL et al., 1998). Você pode identificar
que a teoria construtivista da realidade incorpora aspectos da epistemologia
genética de Piaget, porém não se limita a esses aspectos da teoria.

Sala de aula como espaço de desenvolvimento

Fonte: Plataforma Deduca (2021).

#PraCegoVer: Crianças de aproximadamente 12 anos de idade,


com o braço levantado. Professor ao fundo da imagem indican-
do um deles para responder à questão.

Um conceito fundamental da teoria construtivista é o de aprendizado significativo,


que pode ser definido como: a possibilidade de integrar, modificar, dar novos
significados, estabelecer novas coordenadas e esquemas de forma que estes
dialoguem com esquemas de conhecimentos que já possuímos (COLL et al., 1998).

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As relações entre Pedagogia e
Psicologia sob uma perspectiva
vygotskyana
Lev Smenovitch Vygotsky, psicólogo soviético, nasceu em 1896, na antiga União
Soviética. As suas inquietações sobre o desenvolvimento da aprendizagem e a
construção do conhecimento perpassavam a produção da cultura como resultado
das relações humanas. Por esse motivo, ele procurou entender o desenvolvimento
intelectual a partir das relações histórico-sociais. Em outras palavras, buscou
demonstrar que o conhecimento é socialmente construído pelas relações humanas.

Para Vygotsky, o aprendizado se dá no encontro com o outro e na mediação pela


cultura que pode alavancar o desenvolvimento de forma salutar. Especificamente em
relação ao ensino e aprendizagem e à pedagogia de uma forma específica, Vygotsky
desenvolveu o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) que é:

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma


detectar pela resolução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado pela resolução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes. (OLIVEIRA, 1993, p. 62)

Atenção
Os conceitos de Desenvolvimento Real e Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) estão presentes em muitas das
concepções construtivistas de aprendizagem e nas teorias de
aprendizagem contemporâneas.

Outro aspecto muito importante para Vygotsky no processo de ensino


e aprendizagem é a questão do brincar e do brinquedo no processo de
desenvolvimento nessa relação. Apesar de parecer uma atividade “desorganizada” e
livre, quando comparada a uma relação de ensino e aprendizagem formal, escolar, o
ato de brincar, especialmente o “faz de conta”, como imaginar um cavalinho, brincar
de casinha, entre outras, possibilita a representação do significado desses objetos
para a criança, mesmo que eles sejam ausentes (OLIVEIRA, 1993).

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É fundamental quando se pensa no processo de ensino e aprendizagem que tenha
como princípio uma atuação multidisciplinar e multiprofissional. As implicações
sociais inerentes a essa forma de atuação conjunta dos diversos profissionais
constituem o que se convencionou chamar de “comunidade escolar”.

Tendo como referência a possibilidade de uma atuação multiprofissional na escola,


qual seria o papel que a psicologia escolar poderia exercer?

Dentre as várias ações que atualmente são desenvolvidas de forma tradicional pelo
psicólogo escolar estão: avaliação, diagnóstico, atendimento/encaminhamento
de alunos com dificuldades escolares, orientação sexual, orientação profissional,
orientação de pais e alunos, formação de professores, entre outras funções
tradicionais do psicólogo escolar. Porém, alguns autores contemporâneos entendem
que o papel do psicólogo escolar deve englobar novas formas de atuação como:

[...] diagnóstico, análise e intervenção a nível institucional especialmente


no que diz respeito à subjetividade social da escola, visando delinear
estratégias de trabalho favorecedoras das mudanças necessárias para a
otimização do processo educativo. (MARTINEZ, 2009, p. 172)

Essa atuação considera que as concepções da escola construídas socialmente por


professores, psicólogos e alunos influenciam diretamente na atuação desses atores
sociais no próprio espaço social (escola).

[...] Seu trabalho pode ser especialmente importante na integração e na


coesão da equipe escolar; na coordenação do trabalho em grupo; na
mudança de representações, de crenças e mitos, na definição coletiva de
funções e, ainda, no processo de negociação e resolução de conflitos [...].
(MARTINEZ, 2009, p. 173)

Conhecer as concepções contemporâneas de sujeito, subjetividade social, em


um diálogo com as teorias do desenvolvimento humano de caráter interacionista
e histórico-cultural, pode contribuir para que se possa desenvolver uma atuação
pessoal, profissional no âmbito da educação de forma muito mais efetiva
e consciente das implicações da sua atuação nos processos de ensino e
aprendizagem.

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Fechamento
Quando pensamos na relação entre educação e desenvolvimento humano integral é
possível favorecer a criação de novas possibilidades de vida que não estão limitadas
por contextos específicos. A Psicologia como ciência e profissão tem importante
responsabilidade política perante a sociedade. Sua compreensão da dinâmica do
desenvolvimento humano contribui substancialmente para uma concepção mais
completa da vida política, educativa, social, humana da sociedade em geral.

Nesta unidade, apresentamos as teorias interacionistas de desenvolvimento de


Piaget e de Vygotsky. Ambos os autores, com certas diferenças, propõem uma
perspectiva convergente sobre o ser humano e a cultura, que permite vincular
intrínseca e dinamicamente o desenvolvimento cultural, social e pessoal, destacando
a interação no curso das relações sujeito-sociedade, desde o ponto de vista da
Educação.

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Referências
COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Ática, 1998.

FERRACIOLI, L. Aprendizagem, desenvolvimento e conhecimento na obra de Jean


Piaget: uma análise do processo de ensino-aprendizagem em Ciências. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 80, n. 194, 2007.

MARTINEZ, A. M. Psicologia Escolar e Educacional: compromissos com a educação


brasileira. Psicologia Escolar e Educacional, v. 13, n. 1, p. 169-177, 2009.

OLIVEIRA, M. K de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-


histórico. São Paulo: Scipione, 1993.

PIAGET, J. Development and learning. In: LAVATELLY, C. S.; STENDLER, F. Reading in


child behavior and development. New York: Hartcourt Brace Janovich, 1972.

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