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REVISTA

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11.8.2023

CAMELÔS
DE JOIAS
71
/ Capa
CAMELÔS DE JOIAS
3 | PF implode organização criminosa de
Bolsonaro e militares, por Plinio Teodoro
edição #71

/ Política
13 | Silvinei Vasques: preso por ameaçar a
democracia, por Henrique Rodrigues
21 | Militares suspeitos de vazar dados
para Mauro Cid serviram Lula em 28
conteúdo |

26 | Depoimento de Anderson Torres


arrasta bolsonaristas para dentro da
Papuda, por Miguel do Rosário
31 | Zema quer ressuscitar a política do
café com (Eduardo) leite, por Cynara Menezes

/ Cúpula da Amazônia
38 | Declaração de Belém, por Raphael Sanz

/ Entrevista
47 | Cida Gonçalves, ministra da Mulher, por
Iara Vidal

/ Economia
58 | Reforma tributária: como avançarmos
para justiça fiscal?, por Maria Frô

/ Música
65 | O primeiro álbum do Secos &
Molhados, por Julinho Bittencourt

71 / Expediente
Foto capa: montagem
Capa

PF IMPLODE
ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA DE
BOLSONARO E
MILITARES
por Plínio Teodoro
N
o dia 28 de agosto de 1979, quando o
general do Exército João Baptista de
Oliveira Figueiredo sancionou a chamada
Lei da Anistia, escondendo os crimes da
ditadura militar, ele condenou o Brasil a reviver,
50 anos depois, novos dias sombrios, quando
Jair Bolsonaro (PL) foi alçado ao poder e, com
quadros das Forças Armadas, aventurou-se a
tramar um novo golpe contra a democracia.
Por covardia, Bolsonaro não deu a ordem
para que a empreitada da nova ditadura fosse
desencadeada. Preferiu fugir para os Estados
Unidos, levando com ele parte da tropa de
militares que o adulavam nos tempos de Planalto.
Na mala, levada dentro do avião presidencial
naquele fatídico dia 30 de dezembro de 2022, o
ex-presidente traficou joias recebidas em viagens
oficiais ao Oriente Médio para serem negociadas
na terra do Tio Sam bem ao estilo do garimpo
ilegal, atividade à qual já se dedicou e que
defendeu ferrenhamente durante seu governo.
No entanto, um grito ressoou dois dias depois
na Esplanada dos Ministérios durante a posse
para o terceiro mandato do governo democrático
e popular do presidente Lula: "Sem anistia!"
Na sexta-feira (11), quando a Polícia Federal
(PF), autorizada pelo ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
deflagrou a Operação Lucas 12:2 — do
versículo bíblico que diz que "não há nada
escondido que não venha a ser descoberto, ou
oculto que não venha a ser conhecido" —, o
eco daquele mesmo grito pôde ser ouvido.

Mauro Cid, o pai de Mauro Cid, o general da reserva Mauro Cesar


Lourena Cid, e o tenente Osmar Crivelatti

A OrCrim de Bolsonaro
A operação revelou uma das maiores
mentiras ocultadas pela ditadura: a de que
não havia corrupção no regime militar. E tratou
a associação entre Jair Bolsonaro com o
tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de
ordens da Presidência, e o pai dele, o general
da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, como
deve ser chamada: uma OrCrim, a sigla para
organização criminosa.
Durante o governo Bolsonaro, o general ocupou
cargo federal ligado à Agência Brasileira de
Promoção de Exportações e Investimentos (Apex)
em Miami (EUA), onde mora e negociou as joias.
A OrCrim inclui ainda o advogado de
Bolsonaro, Frederick Wassef — o mesmo que
escondeu em seu sítio Fabrício Queiroz, o pivô
do esquema de corrupção das "rachadinhas"
do clã — e o tenente do Exército Osmar
Crivelatti, ex-coordenador administrativo
da Ajudância de Ordens da Presidência da
República, subordinado a Mauro Cid.
Segundo a investigação, o grupo criminoso
negociou as joias traficadas por Bolsonaro
nos EUA. Amigo do ex-presidente desde
que estudaram juntos na Academia Militar
das Agulhas Negras (Aman), ainda durante a
ditadura, o general Mauro Cesar — tratado
como "camelô de luxo" pela PF — concretizou
as vendas e teria dito textualmente, segundo a
PF, que "é preciso passar dinheiro a Bolsonaro”.
Nas redes, o ministro da Justiça, Flávio
Dino — que teve o pai, Sálvio, preso em 1964
por ser "comunista" —, expôs a desfaçatez
de Bolsonaro e dos militares, que agiram de
forma criminosa contando com o verniz da
impunidade dos tempos da ditadura.
"HÁ MUITOS ESTUDOS QUE
MOSTRAM QUE COMPRA
E VENDA DE JOIAS É UM
CAMINHO CLÁSSICO
DE CORRUPÇÃO E
LAVAGEM DE DINHEIRO.
MUITOS VEEM COMO
UM CRIME 'SEGURO', QUE
FICARÁ ESCONDIDO PARA SEMPRE. POR
ISSO, É ESSENCIAL SEMPRE INVESTIGAR
O ASSUNTO, QUANDO HÁ INDÍCIOS DE
ILEGALIDADES", ESCREVEU O MINISTRO.

Levar em "cash"
A investigação conduzida pela Polícia
Federal, em um desdobramento do inquérito
sobre a provável falsificação de atestados
de vacinação contra a covid-19 por Mauro
Cid, revela detalhes sórdidos da atuação da
organização criminosa, que teria obtido mais
de R$ 1 milhão com a venda de presentes
dados por países do Oriente Médio ao governo
brasileiro durante as viagens de Jair Bolsonaro
à região.
Os mandados de busca e apreensão
realizados em endereços dos quatro
investigados em Brasília, São Paulo e Niterói
(RJ) devem jogar ainda mais luz ao obscuro
porão onde atuava a quadrilha.
Foto José Dias/PR
Jair Bolsonaro em uma de suas viagens à Arábia Saudita

Em mensagens com o coronel da reserva do


Exército Marcelo Costa Câmara — que já havia
sido alvo de ação da PF em maio por coordenar
uma espécie de "Abin paralela" —, Mauro Cid
revela a preferência de Bolsonaro em receber
tudo em "cash", ou dinheiro vivo, como é feito
por mafiosos e por grupos de milicianos, alvos
de condecorações do clã.
"Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai.
Eu estava vendo o que, que era melhor fazer
com esse dinheiro levar em ‘cash’ (dinheiro
vivo) aí. Meu pai estava querendo inclusive ir
aí falar com o presidente (...). E aí ele poderia
levar. Entregaria em mãos. Mas também pode
depositar na conta (...). Eu acho que quanto
menos movimentação em conta, melhor né?",
disse Cid na mensagem, de 18 de janeiro deste
ano, apreendida pela PF.
Na continuação da conversa, Cid revela a
origem do dinheiro: venda de peças com partes
em ouro, segundo a PF, que foram dadas como
presente ao governo brasileiro e foram roubadas
pela OrCrim de Bolsonaro.
"Aquelas duas peças que eu trouxe do
Brasil: aquele navio e aquela árvore; elas não
são de ouro. Elas têm partes de ouro, mas não
são todas de ouro (...). Então eu não estou
conseguindo vender. Tem um cara aqui que
pediu para dar uma olhada mais detalhada para
ver o quanto pode ofertar (...), eu preciso deixar
a peça lá (...) pra ele poder dar o orçamento.
Então eu vou fazer isso, vou deixar a peça com
ele hoje", diz Cid na mensagem.

Rolex e os rastros dos crimes


Na conversa, Cid ainda relata à Câmara que
um "relógio" levado por Bolsonaro iria a leilão.
"O relógio aquele outro kit lá vai, vai, vai pro
dia 7 de fevereiro, vai pra leilão. Aí vamos ver
quanto que vão dar", diz o tenente-coronel.
Segundo a Polícia Federal, um dos itens
vendidos pela organização criminosa foi um
relógio Rolex recebido por Bolsonaro durante
viagem à Arábia Saudita e ao Catar.
O Rolex e um outro relógio de luxo da marca
Patek Philippe foram traficados pelo general
Mauro Lourena Cid por US$ 68 mil. No entanto,
o roubo do relógio veio à tona em março deste
ano e a OrCrim teve que recomprar o objeto.
Alertado pelo ex-secretário de Comunicação
da Presidência Fabio Wajngarten — que hoje
faz parte da defesa de Bolsonaro —, Frederick
Wassef desembolsou um valor
maior que o da venda para
reaver o Rolex, que foi
devolvido ao Tribunal de
Contas da União (TCU).
O objeto foi levado ao
TCU por Osmar Crivelatti,
militar que atuava como
uma espécie de governante da
vida pessoal de Bolsonaro tomando conta
inclusive da casa no condomínio Vivendas da
Barra, no Rio de Janeiro.

Reflexos da ditadura
A investigação da Polícia Federal ainda revela
detalhes pitorescos e risíveis da atuação da
OrCrim, que sinalizam que Bolsonaro e seus
militares acreditavam que sairiam impunes dos
crimes em série.
Além da recompra do Rolex por um valor
acima do que foi vendido, um reflexo da foto
tirada pelo celular colocou o general Cid na
cena do crime.
Ao fotografar uma caixa com joias para
ser avaliada por lojas especializadas,
o chefe do clã Cid, que aprendeu com
Bolsonaro as técnicas de inteligência militar
na Aman, apareceu no reflexo, o que levou
os investigadores a seguirem seu rastro e o
colocou no centro das investigações.
A Operação Lucas 12:2, no entanto, é
apenas parte do que está sendo descoberto
sobre a relação criminosa de Bolsonaro com
uma parcela dos militares, que embarcaram
na aventura fascista pelo saudosismo da
ditadura militar.
No entanto, não há nada oculto que não
venha a ser conhecido — como diz o versículo
bíblico — e, diferentemente do que foi
decretado por Figueiredo em 1979, desta vez,
ao que tudo indica, não haverá anistia.w
FILMES

EP.2
Festa da Selma

Direção Luiz Carlos Azenha


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Foto Pedro França/Agência Senado
Política

Preso por ameaçar


a democracia
Silvinei Vasques, o ex-todo-poderoso da PRF
no governo Bolsonaro, está na cadeia por
decisão do STF, que o investiga por uma ação
ilegal que pretendia impedir eleitores de Lula
de exercerem o direito ao voto
por Henrique Rodrigues,
com colaboração de Ivan Longo

O
dia ainda nem tinha raiado na quarta-
feira (9) em Florianópolis (SC) e Silvinei
Vasques, ex-diretor-geral da Polícia
Rodoviária Federal (PRF) durante o governo de
Jair Bolsonaro (PL), foi acordado com batidas
Foto Divulgação/PRF
A PRF, sob comando de Silvinei Vasques, “fiscalizou” 2.185 ônibus
na região Nordeste, onde o então candidato Lula era franco favorito

na porta de sua casa. Eram agentes da Polícia


Federal (PF) munidos de um mandado de
prisão expedido pelo ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Chegava ao fim a "paz" de que gozava o
homem que, de acordo com as investigações
da PF que tramitam no Supremo, teria tentado
subverter a eleição presidencial do ano passado
impedindo eleitores de Lula (PT), no Nordeste,
de chegarem às urnas e exercerem seu direito
sagrado ao voto.
Silvinei Vasques é um bolsonarista
inveterado. Sob seu comando, a PRF, uma
instituição sempre vista pela população como
confiável e formada por homens e mulheres
educadíssimos, que resguardam as rodovias
Foto Reprodução
Silvinei Vasques e o ex-presidente Jair Bolsonaro

federais do país de norte a sul, transformou-


se numa espécie de guarda pretoriana do
então presidente de extrema direita Jair
Bolsonaro (PL), envolvendo-se em episódios
dantescos, como o assassinato de um homem
com problemas mentais, asfixiado com gás
lacrimogêneo no xilindró de uma viatura, em
Sergipe, e as ações truculentas e mortíferas
em morros e favelas do Rio de Janeiro, algo
totalmente fora de sua incumbência.
Já percebendo as atitudes descabidas
e políticas da direção da PRF, visto que
Vasques havia declarado voto em Bolsonaro
abertamente nas redes sociais na véspera
do pleito, o que é ilegal, o ministro Alexandre
de Moraes, que ocupa a presidência do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou a
suspensão de qualquer blitz que eventualmente
pudesse ser realizada nos dias que antecediam
a eleição. A ordem judicial foi descaradamente
desrespeitada pela PRF, que “fiscalizou” 2.185
ônibus na região Nordeste, onde o então
candidato do PT era franco favorito, contra
apenas 571 no Sudeste, local onde a maioria
vota em Jair Bolsonaro, entre os dias 28 e 30
de outubro.
A afronta criminosa à Justiça levada a cabo
pela instituição policial não saiu barato. O
STF, além de determinar a prisão de Vasques,
ordenou o cumprimento de mandados de busca
e apreensão contra outros sete agentes que
ocupavam cargos de direção no órgão durante
a gestão de Bolsonaro e intimou a prestar
depoimento outros 47 servidores. Era a mão do
tribunal que serve de guardião da Constituição
chegando aos funcionários públicos que teriam
agido para minar o processo democrático
brasileiro e manter no poder o líder autoritário
que tanto veneram.
No despacho em que autoriza a prisão
de Vasques, além de solicitar a apreensão
de celulares, computadores e passaporte,
Alexandre de Moraes aponta os seguintes
possíveis crimes supostamente cometidos
pelo ex-diretor da PRF: prevaricação
(quando o agente público atua ou se omite
em benefício próprio); restringir, impedir ou
dificultar o exercício de direitos políticos;
impedir ou embaraçar o exercício do
sufrágio (crime eleitoral); ocultar, sonegar,
açambarcar ou recusar no dia da eleição
o fornecimento, normalmente a todos, de
utilidades, alimentação e meios de transporte,
ou conceder exclusividade dos mesmos a
determinado partido ou candidato (crime
eleitoral); e abuso de autoridade.

"A CONDUTA DO
INVESTIGADO, NARRADA
PELA POLÍCIA FEDERAL,
REVELA-SE ILÍCITA
E GRAVÍSSIMA POIS
SÃO APONTADOS
ELEMENTOS INDICATIVOS
DO USO IRREGULAR DA
MÁQUINA PÚBLICA COM OBJETIVO DE
INTERFERIR NO PROCESSO ELEITORAL,
VIA DIRECIONAMENTO TENDENCIOSO DE
RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS COM O
INTUITO DE DIFICULTAR O TRÂNSITO
DE ELEITORES.

Conforme relatado pela Polícia Federal, no


dia do segundo turno das eleições presidenciais
de 2022, SILVINEI VASQUES, então ocupando
o cargo de Diretor-Geral da Polícia Rodoviária
Federal, teria emitido ordens ilegais a seus
subordinados, visando a dificultar ou até impedir
o livre trânsito eleitores, nas regiões em que o
então candidato Luiz Inácio Lula da Silva havia
obtido votação mais expressiva no primeiro
turno, conforme apurado pela ferramenta de
inteligência artificial", assinalou o ministro em
seu despacho que levou o bolsonarista para
trás das grades.

Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil

Bolsonaro entra diretamente


no radar e pode ser o próximo
Informações do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República
(GSI), divulgadas pelo portal UOL, mostraram
que Jair Bolsonaro pode estar diretamente
envolvido na trama golpista liderada por Silvinei
Vasques. Segundo o órgão, naquele dia 30
de outubro, faltando poucas horas para o
fechamento das urnas, e momentos após as
operações de bloqueio realizadas pela PRF, que
explicitamente desobedeceram às ordens do
TSE, Vasques se reuniu com o ex-presidente no
Palácio da Alvorada, em Brasília.
À Fórum, o advogado
criminalista Adriano
Alves, membro da
Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político
(Abradep), afirmou
que a prisão de Silvinei
Vasques, a essa altura e diante dos elementos
reunidos, era “inevitável”.
“A prisão era inevitável, tendo em vista o
conjunto das evidências juntadas nos autos
e por fatos notórios que levam ao possível
envolvimento do investigado com crimes
políticos”, avaliou Alves.
Já com relação ao ex-presidente Jair
Bolsonaro, o advogado não descarta que
ele também possa ser alvo de um pedido de
prisão preventiva, a depender do avanço das
investigações deste caso especificamente.

“EM QUE PESE A REPERCUSSÃO QUE


POSSA TER ESSA AFIRMAÇÃO, NO RIGOR
DA LEI E DO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO, TODOS OS ENVOLVIDOS E
CONDENADOS NOS CRIMES ELEITORAIS
OU POLÍTICOS PODEM TER A CONDENAÇÃO
EM REGIME FECHADO, ATÉ MESMO O EX-
PRESIDENTE JAIR BOLSONARO", PONTUOU
O ADVOGADO ELEITORAL.

O advogado disse, ainda, que a investigação


que pesa contra Silvinei Vasques pode ser unida
ao inquérito que apura os atos golpistas de 8
de janeiro – pelo qual Bolsonaro, inclusive, é
investigado como suposto autor intelectual.
“Precisamos lembrar que os crimes
políticos, em que se encaixam os atos
golpistas, preveem penas mais elevadas.
Qualquer prova produzida nesse inquérito
pode ser usada para fundamentar eventual
investigação em outros procedimentos ou
processos judiciais”, explicou.w
Foto Lula Marques/Agência Brasil
Política

Militares suspeitos
de vazar dados
para Mauro Cid
serviram Lula em
28 viagens
por Luiz Carlos Azenha

O
s três militares suspeitos de terem
vazado informações confidenciais
sobre viagens do presidente Lula ao ex-
ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tenente-
coronel Mauro Cid, fizeram parte da preparação
de 28 viagens do petista desde janeiro de 2023.
Os dados constam do Portal da
Transparência.
As mensagens foram enviadas a Mauro
Cid quando ele estava nos Estados Unidos
acompanhando o ex-presidente Jair Bolsonaro,
que jamais reconheceu sua derrota eleitoral
para Lula. Os e-mails continham detalhes das
viagens de Lula a Pequim e Xangai, na China,
a Foz do Iguaçu e Boa Vista, no Brasil, além de
informações sobre três eventos realizados em
Brasília com a presença do presidente.
O envio das mensagens aconteceu entre
6 e 13 de março de 2023. A Polícia Federal
encontrou as mensagens na lixeira das caixas
de correio dos militares, de acordo com a
GloboNews.
Os três militares
assumiram seus postos
no Departamento de
Coordenação de Eventos,
Viagens e Cerimonial
Militar, subordinado ao
Gabinete de Segurança
Institucional, o GSI, quando o
ministro deste era o general Augusto Heleno.
Márcio Alex da Silva, militar do Exército,
assumiu o posto em 12 de janeiro de 2021 e
teve sua permanência no cargo renovada em 8
de março deste ano, quando o GSI de Lula era
comandado pelo general Gonçalves Dias.
Dione Jefferson Freire, militar da Marinha,
teve seu vínculo com o departamento iniciado
em 20 de dezembro de 2019 e renovado em
16 de junho de 2023, já sob o substituto de
Gonçalves Dias, o general da reserva Marcos
Antônio Amaro dos Santos.
Rogério Dias Souza, também da Marinha,
assumiu o cargo em 20 de abril de 2021 e teve o
término de seu vínculo em 26 de maio deste ano.
Os cargos ocupados por eles são muito
desejados por militares, por causa das diárias
de viagens.

JUNTOS, OS TRÊS MILITARES


FIZERAM 124 VIAGENS NACIONAIS E
INTERNACIONAIS, SENDO 96 A SERVIÇO
DE JAIR BOLSONARO E 28 DURANTE O
GOVERNO LULA.

Rogério Dias Souza, por exemplo, esteve


em duas das viagens cujos dados chegaram a
Mauro Cid: nos dias 20 e 21 de janeiro foi a Boa
Vista, Roraima; de 20 a 30 de março e de 6 a
16 de abril esteve em Xangai, na China, sempre
de acordo com dados públicos do Portal da
Transparência. O presidente Lula desembarcou
em Xangai no dia 12 de abril, o que indica que
Rogério fez parte do grupo avançado do GSI
que planejou a viagem.
Em junho deste ano, Rogério recebeu um
total de R$ 17.332,59 do governo federal entre
soldo, salário e gratificações.
Nas viagens sob Bolsonaro e Lula, os três
militares acumularam R$ 162.619,49 em diárias.
Márcio Alex da Silva, do Exército, cuidou de
viagens de Lula a Montevidéu, Londres e Paris.
Em junho de 2023, ele acumulou o soldo de R$
24.751,49 com o salário de R$ 2.172,28 e mais
R$ 459,64 em gratificação.
Dione Jefferson Freire, da Marinha, foi o mais
bem remunerado em junho de 2023. Recebeu
um total de R$ 28.776,90. O militar da Marinha
integrou a comitiva de Lula em viagens à China
e à Bélgica.
Segundo o GSI, os militares foram afastados
de suas atividades por causa da suspeita
de terem repassado informações sigilosas
indevidamente a Mauro Cid.
Não é a primeira polêmica envolvendo o
órgão.
O general Gonçalves
Dias, considerado um
amigo pelo presidente Lula,
deixou de informá-lo sobre
a existência de imagens
que registravam a presença
de militares do GSI em contato
O militar
Rogério Dias
Souza esteve
com Lula em
Xangai, na
China

Foto Ricardo Stuckert/PR


com invasores do Palácio do Planalto na
tentativa de golpe de 8 de janeiro.
As imagens flagraram o major do Exército
José Eduardo Natale Pereira dando água a
golpistas. O major também interveio para evitar
que a Tropa de Choque da Polícia Militar do
Distrito Federal fizesse prisões dentro do Palácio
do Planalto, de acordo com fonte da Fórum
que é servidor da Polícia Federal.
Já o general Carlos Feitosa Rodrigues,
também do GSI, foi quem emitiu, no dia 7 de
janeiro, o informe que reduziu o contingente
de agentes de plantão no domingo, 8. Ele
foi flagrado conversando com invasores.
Na véspera, tinha enviado o e-mail para a
preparação da visita de Lula a Araraquara, no
interior de São Paulo.
O major Natale e o general Feitosa
acompanharam Jair Bolsonaro em sua viagem a
Moscou, em fevereiro de 2022.w
Foto Geraldo Magela/Agência Senado
Política

Depoimento de
Anderson Torres arrasta
bolsonaristas para
dentro da Papuda
A CPMI está sendo devastadora para os
bolsonaristas, que estão gastando tempo e
energia numa guerra que eles já perderam.
Quanto mais se agitam, mais se afundam
por Miguel do Rosário

E
ngels, no prefácio de Luta de Classes na
França, um dos clássicos sociológicos
de Marx, ironiza a adesão da burguesia a
todo tipo de subversão, sempre que o processo
democrático não mais lhe convém, ou seja,
sempre que a classe trabalhadora, respeitando
as leis e a democracia, conquista espaços
crescentes de poder.
Diz Engels: "A ironia da
história mundial vira tudo de
cabeça para baixo. Nós,
os 'revolucionários', os
'subversivos', medramos
muito melhor sob os meios
legais do que sob os ilegais
e a sublevação. Os partidos da
ordem, como eles próprios se chamam, decaem
no estado legal criado por eles mesmos. Clamam
desesperados, valendo-se das palavras de
Odilon Barrot: la legalité nos tue, a legalidade nos
mata, ao passo que, sob essa legalidade, [nós,
os revolucionários] ganhamos músculos rijos e
faces rosadas e temos a aparência da própria vida
eterna. E se nós não formos loucos a ponto de
nos deixar levar para as ruas só para agradá-los,
acabará não lhes restando outra saída senão violar
pessoalmente essa legalidade que lhes é tão fatal."
Assistindo ao depoimento de Anderson
Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, ex-
secretário de Segurança do Distrito Federal,
lembrei-me desse texto.
Senadores e deputados bolsonaristas não
tiveram pudor de fazer elogios a um criminoso
que, em seu próprio depoimento, confessa
seu crime.
E não um crime menor, mas o pior de
todos: traição à pátria e agressão ao Estado
Democrático de Direito.
Torres apelou ao cinismo, dizendo que
a Secretaria de Segurança não tem função
"operacional", mas "apenas" de planejamento,
e que ele teria feito o seu dever de casa,
apresentando um plano de ação para proteger
a Esplanada antes de viajar a Miami. A culpa
da inação da Polícia Militar do Distrito Federal
seria da própria PMDF, que teria autonomia. A
ideia de responsabilidade política é ignorada
completamente, tanto por Anderson como por
seus defensores na Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito (CPMI).

É UM INSULTO À INTELIGÊNCIA TRATAR


O CHEFE DA SEGURANÇA PÚBLICA DO DF
COMO UM MERO CONSULTOR, QUE PODE
FAZER UM "PLANO" E VIAJAR PARA A
DISNEY SEM CONSEQUÊNCIAS.

A CPMI está sendo devastadora para os


bolsonaristas, que estão gastando tempo e
energia numa guerra que eles já perderam.
Quanto mais se agitam, mais se afundam.
No depoimento de terça-feira (8), ruiu mais
uma narrativa ridícula, sobre os "alertas" do GSI
a membros do governo acerca de possíveis
ataques antidemocráticos no dia 8 de janeiro.
Anderson Torres, como secretário de
Segurança, participava desses mesmos grupos
de WhatsApp que receberam os alertas. Ou
seja, se os alertas eram realmente sérios, então
a culpa de Torres é ainda maior.
Mas atenção: Torres afirmou categoricamente
que não houve nenhum alerta importante sobre
o 8 de janeiro.
O ex-ministro também admitiu que, apesar
de ter viajado no dia 6, suas férias se iniciavam
oficialmente apenas no dia 9 de janeiro. Ou seja,
nem de férias ele estava.
Sem argumentos, os
bolsonaristas apelam para
discursos delirantes,
alguns deles explicitamente
fascistas, como o do
deputado Marco Feliciano
(PL-SP), cheio de referências
escatológicas à "esquerda", tratada
como uma espécie de doença ou seita diabólica.
O bolsonarismo arrasta a oposição ao
governo Lula para dentro da Papuda, na
companhia dos terroristas.
Ele próprio, Anderson Torres, iludido pelos
discursos de louvor que os bolsonaristas lhe
Foto Marcos Oliveira/Agência Senado
A CPMI está sendo devastadora para os bolsonaristas, que estão
gastando tempo e energia numa guerra que eles já perderam

dirigiam, relaxou demais e acabou se enrolando.


Ele faz insinuações sobre possível omissão
de autoridades no momento da invasão, o
que corresponde a uma espécie de implosão
cognitiva, fingindo ignorar que a segurança da
Esplanada dos Ministérios era responsabilidade
da Secretaria por ele mesmo presidida.
O prejuízo maior, no entanto, que essa CPMI
está causando à oposição é a perda de tempo.
Para o governo Lula é o melhor dos mundos.
Enquanto Lula se prepara para anunciar
investimentos da ordem de 1 trilhão de reais
em infraestrutura, a oposição gasta energia
defendendo terroristas e fazendo discursos
escatológicos.
O bolsonarismo está jogando para um grupo
pequeno de militantes fanáticos, mas cansa o
grande público, que deve estar olhando para
tudo isso com muito tédio.w
Fotos Reprodução
Política

Zema quer ressuscitar


a política do café com
(Eduardo) leite
Falas xenófobas do governador mineiro
remetem ao período da República Velha,
quando as oligarquias do Sudeste se
alternavam na presidência do país
por Cynara Menezes

"N
ovo" no partido e antiquado nas ideias,
o governador de Minas Gerais, Romeu
Zema, ao que tudo indica pretende
ressuscitar a "política do café com leite", que
marcou a República Velha entre os anos de
1898 e 1930. Naquela época, como agora,
tratou-se de uma união de oligarquias: a
cafeeira, que reunia políticos de São Paulo, com
a leiteira, de Minas. O resultado da aliança seria
que os dois estados se alternassem no poder
federal, como de fato ocorreu.
Desta vez, porém, o café vem de Minas,
já que o estado se tornou o maior produtor
do país, enquanto o "leite" terá que vir do Rio
Grande do Sul – o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, é rival das pretensões
de Zema de se tornar o novo Bolsonaro e
assim chegar à Presidência da República.
O governador gaúcho, Eduardo Leite, pelo
contrário, apressou-se em defender a proposta
do colega mineiro de criar "uma frente" em
defesa dos interesses do Sul e do Sudeste.
"A gente nunca achou até hoje que os
estados do Norte e do Nordeste haviam se
unido contra os demais estados do país",
disse Leite em referência ao Consórcio
Nordeste, criado em 2019 justamente como
contraposição às políticas discriminatórias de
Jair Bolsonaro em relação aos nordestinos.

"PELO CONTRÁRIO, A UNIÃO DESSES


ESTADOS EM TORNO DA PAUTA QUE É
DE INTERESSE COMUM DELES SERVIU DE
INSPIRAÇÃO PARA QUE A GENTE POSSA,
FINALMENTE, FAZER O
MESMO. NÃO TEM NADA
A VER COM FRENTE
DE ESTADOS CONTRA
ESTADOS OU REGIÃO
CONTRA REGIÃO. TRATA-
SE DE NÓS NOS UNIRMOS
EM TORNO DO QUE É
PAUTA COMUM E IMPORTANTE PARA OS
ESTADOS DO SUL E DO SUDESTE."

Criticado por xenofobia contra os


nordestinos (chegou a chamar os estados da
região de "vaquinhas improdutivas"), Zema,
como bom bolsonarista, logo arregou, dizendo
que suas falas foram distorcidas e que foi ela,
a suposta distorção, quem causou divisão no
país. "A distorção dos fatos provoca divisão,
mas a força do Brasil tá no trabalho em união",
disse. Ah, bom.
Ansioso para se cacifar a novo Bolsonaro
e herdar o espólio de extrema direita do ex-
presidente inelegível a quem deu "nota 8"
como governante, Zema seguiu o "mito" e
mentiu algumas vezes na entrevista ao Estadão.
Disse, por exemplo, que o governo federal
não promove ações sociais nos estados do
Sul e do Sudeste, sendo que, há apenas um
mês, o presidente Lula esteve em Viamão, no
Foto Alan Santos/PR
Romeu Zema, governador de MG, com o ex-presidente Jair Bolsonaro

Rio Grande do Sul, para entregar chaves do


programa Minha Casa, Minha Vida – ao lado de
ninguém menos que Eduardo Leite.
"O Sul e o Sudeste não têm pobreza?
Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem
desemprego, não tem comunidade... Tem, sim.
Nós também precisamos de ações sociais",
disse o governador mineiro, como se o Sul e o
Sudeste estivessem abandonados, o que é uma
mentira deslavada. São Paulo é o estado com
mais famílias contempladas pelo Bolsa Família,
principal programa social do governo Lula. Rio de
Janeiro é o terceiro, e Minas, o estado que Zema
governa, é o quinto. Todos eles no Sudeste.
Além do preconceito explícito, o governador
de Minas também faltou com a verdade ao
chamar os estados nordestinos de "vaquinhas
improdutivas": é o Nordeste que vai puxar o
crescimento do país em 2023, segundo estudo
da Tendências Consultoria divulgado na semana
passada. A economia nordestina terá um
crescimento de 2,4%; a do Centro-Oeste, de
2,3%; a do Sul, de 2,2%; e a do Norte, de 2,1%.
Já o Sudeste, onde se localiza Minas Gerais, é
a única região que terá crescimento abaixo da
média nacional, com previsão de 1,7%. Quem é
a "vaquinha improdutiva" mesmo?

MAS A MAIOR MENTIRA


DE ZEMA NA ENTREVISTA
FOI DIZER QUE O SUL
E O SUDESTE NUNCA
FORAM PROTAGONISTAS
POLÍTICOS. "JÁ
DECIDIMOS QUE, ALÉM DO
PROTAGONISMO ECONÔMICO
QUE TEMOS, NÓS QUEREMOS – QUE É O
QUE NUNCA TIVEMOS – PROTAGONISMO
POLÍTICO”, DISSE, DANDO MOSTRAS DE
QUE, ALÉM DAS AULAS DE MATEMÁTICA E
DE LITERATURA, TAMBÉM FALTOU ÀS AULAS
DE HISTÓRIA. LOGO ELE, O RECRIADOR DA
POLÍTICA DO CAFÉ COM (EDUARDO) LEITE.

O estado de Zema, Minas Gerais, é campeão


em número de presidentes da República: o país
Dos presidentes eleitos após a redemocratização, apenas Lula é
nordestino. Os outros são da região Sudeste: Dilma e Itamar são mineiros,
FHC e Collor, cariocas

teve dez governantes mineiros, sete de São


Paulo, seis do Rio Grande do Sul e cinco do
Rio de Janeiro. Quer protagonismo maior para
o Sudeste do que ter tido a maioria absoluta
dos presidentes? Se formos computar apenas
os presidentes desde a redemocratização,
foram dois mineiros (Dilma e Itamar), um carioca
radicado em São Paulo (FHC), um carioca
radicado em Alagoas (Collor, que não terminou
o mandato) e um único nordestino, Lula. Do que
o Sul e o Sudeste podem reclamar?
Ao tentar fazer o Sul e o Sudeste de
coitadinhos, o governador de Minas parece até
branco reclamando de "racismo reverso", rico
afirmando ser "alvo de preconceito" e homem
que se diz "vítima do feminismo". Aí, quando
chega a eleição, coloca chapéu de cangaceiro
para puxar o saco de nordestino, né, Zema? Se
oriente, rapaz.w
A N O S
22JORNALISMO
DE
INDEPENDENTE

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Foto Audiovisual/PR
Cúpula da Amazônia

Declaração
de Belém
Entenda o documento assinado pelo governo
Lula e demais países da Amazônia
por Raphael Sanz

A
Declaração de Belém foi assinada
na terça-feira (8) na capital do Pará,
ao final da Cúpula da Amazônia,
pelo governo Lula e governos dos demais
países amazônicos. O principal objetivo
do documento é fortalecer a governança
em conjunto da região, entre as nações
Foto Audiovisual/PR
Carla Zambelli militando no movimento Nas Ruas e no Femen

que habitam o bioma, com vistas a evitar


o chamado "ponto de não retorno" do
desmatamento e da degradação da Amazônia.
Além do presidente Lula, assinaram a
Declaração de Belém os presidentes Gustavo
Petro (Colômbia), Luis Arce (Bolívia) e Dina
Boluarte (Peru), o primeiro-ministro Mark Phillips
(Guiana), a vice-presidente Delcy Rodriguez
(Venezuela) e o ministro de Relações Exteriores
do Suriname, Albert Ramdin. Todas as nações
citadas participam do Tratado de Cooperação
Amazônica. Apenas o Equador não enviou um
representante devido a instabilidades internas.
O documento busca consolidar uma agenda
comum entre as nações, com a ambição de
conter a devastação ambiental e desenvolver
Foto Audiovisual/PR
uma economia de caráter sustentável que ande
em paralelo com a preservação e a recuperação
da Amazônia.

ENTRE OS PRINCIPAIS
PONTOS LEVANTADOS PELA
DECLARAÇÃO DE BELÉM
ESTÃO: A AMPLIAÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
NA REGIÃO, SOBRETUDO
NO QUE SE REFERE À
PROMOÇÃO DOS DIREITOS
DOS POVOS INDÍGENAS
E COMUNIDADES TRADICIONAIS;
O CONSENSO DE QUE ESFORÇOS
CONJUNTOS DEVEM SER TOMADOS
PARA EVITAR O CHAMADO "PONTO DE
NÃO RETORNO" DA DEVASTAÇÃO DO
BIOMA; E O LANÇAMENTO DA CHAMADA
ALIANÇA AMAZÔNICA DE COMBATE
AO DESMATAMENTO, QUE FUNCIONARÁ
A PARTIR DE METAS NACIONAIS DE
DESMATAMENTO. NO BRASIL, A META É
ZERAR O DESMATAMENTO ATÉ 2030.

Além disso, no mesmo documento o


governo Lula prometeu: oferecer, em Manaus,
o Centro de Cooperação Policial Internacional
para os oito países da região; o estabelecimento
Foto Audiovisual/PR
de um Sistema de Controle de Tráfego
Aéreo Integrado entre os Estados Partes,
especialmente para combater o narcotráfico;
e a criação de mecanismos de fomento a
uma economia sustentável com vistas ao
desenvolvimento da região em paralelo com a
preservação e com a recuperação ambiental.

Foto Reproduçãpo

Críticas de Gustavo Petro


As críticas ao documento ficaram por conta
do presidente colombiano, Gustavo Petro, que
durante toda a Cúpula da Amazônia exigiu que
houvesse uma meta conjunta de desmatamento
e o veto à extração de petróleo.
Petro é o primeiro presidente de esquerda
da história de seu país e uma figura central no
processo de paz entre as as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o próprio
Estado colombiano. Durante sua campanha
eleitoral vitoriosa, comparecia aos comícios
com coletes à prova de bala e escudos.
Chegou a sofrer um atentado que felizmente
não se concretizou.
Sobre a meta conjunta de desmatamento,
cientistas e pesquisadores de todo o
planeta apontam para a urgência de zerá-lo
imediatamente. A própria meta brasileira, de zerar
até 2030, é questionada pelos especialistas, uma
vez que não garante que até o prazo o "ponto de
não retorno" não seja alcançado.
Brasil e Colômbia defenderam que houvesse
uma meta conjunta de desmatamento na
Declaração de Belém, mas acabaram derrotados.

JÁ O VETO À EXTRAÇÃO
DE PETRÓLEO, TAMBÉM
APONTADO COMO
URGENTE PELA CIÊNCIA,
FOI UMA PAUTA
DEFENDIDA APENAS
POR PETRO, QUE TECE
DURAS CRÍTICAS À FALTA DE
CONCORDÂNCIA DOS DEMAIS PAÍSES, A
MAIORIA GOVERNADO POR FORÇAS
DE ESQUERDA.

“Os governos de direita têm um fácil escape,


que é o negacionismo. Negam a ciência.
Para os progressistas, é muito difícil. Gera
então outro tipo de negacionismo: falar em
transições”, criticou Petro.
A argumentação segue a mesma linha
dos cientistas e ambientalistas que criticam
as metas de desmatamento alongadas. O
presidente colombiano concorda com os
ambientalistas quando apontam que fazer uma
“transição de combustíveis fósseis”, ao contrário
de garantir seu abandono gradual como dá
a entender, estende o prazo em que são
considerados aceitáveis os megainvestimentos
na área.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, e Jean Paul Prates, presidente da
Petrobrás, discordaram de Petro. Nos debates
anteriores à assinatura da Declaração de
Belém, colocaram em dúvida o consenso
científico em torno da questão invocado pelo
presidente colombiano.
“O que temos que fazer, inclusive
aproveitando que a COP será aqui, é discutir
como o uso do petróleo, que ainda vai durar
por algumas décadas, pode ajudar a financiar
a transição energética”, afirmou o presidente
da Petrobrás.w
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Foto Valter Campanato/Agência Brasil
Entrevista

Cida Gonçalves
"Misoginia é a raiz de
todas as violências
e desigualdades"
por Iara Vidal

A
ministra da Mulher, Aparecida Gonçalves,
mais conhecida como Cida Gonçalves,
concedeu uma entrevista exclusiva
à Fórum sobre como tem sido o desafio de
recalcular a rota das políticas públicas voltadas
para mulheres para minimizar os retrocessos
que foram causados durante a gestão de Jair
Bolsonaro e começar a avançar.
Ela ressalta a necessidade de enfrentar a
misoginia, que ela classifica como "a raiz de
todas essas violências e desigualdades". No
papel de ministra das Mulheres, Cida tem
dialogado e costurado acordos com o setor
privado para esse enfrentamento. Ela anuncia
que vai lançar a Marcha contra a Misoginia este
mês para selar essas parcerias.
Confira a entrevista.

Fórum — A partir da Lei Maria da Penha,


sancionada há 17 anos, houve avanços no
enfrentamento à violência contra a mulher.
No entanto, dados do Anuário Brasileiro de
Segurança Pública 2023 apontam para o
crescimento dos casos de violência contra
a mulher em 2022. Uma das razões seria o
desfinanciamento de políticas de combate
à violência contra a mulher durante a
gestão de Jair Bolsonaro. Como tem sido
implementar, no Executivo, a reconstrução
dessas políticas de proteção à mulher?
Cida Gonçalves — Tem sido um grande
desafio. De fato, os investimentos nos serviços
de atendimento a mulheres em situação de
violência, que estavam sendo mantidos ou em
crescimento até 2016, passaram a cair nos
últimos anos. E também a ter uma mudança
de foco, passando a priorizar apenas projetos
voltados para a maternidade. Então este ano é
um recálculo da rota que estava sendo seguida
pelo governo nessas pautas entre 2016 e
2022, para minimizar os retrocessos que foram
causados e começar a avançar.

Fórum — De que forma um governo de


frente ampla, mas com viés progressista,
como o que a senhora integra pode atuar
para que os avanços em políticas de
enfrentamento à violência contra a mulher
sejam perenes e não fiquem à deriva de
governos ultraconservadores como foi o de
Jair Bolsonaro?
CG — Costumo dizer que essa deve ser
uma prioridade do atual governo. Precisamos
criar mecanismos que fortaleçam as políticas
públicas de uma forma que não seja possível
que, com uma mudança de governo, e por
decisão de algumas pessoas, elas sejam
desmanteladas tão rapidamente. Por isso
é necessária uma mudança de cultura na
sociedade como um todo, nas escolas, nas
igrejas, nas famílias, na convivência entre as
pessoas. A violência contra a mulher tem sido
cada vez mais compreendida pelas mulheres e
devemos ter tolerância zero contra ela.
Cida Gonçalves
"É necessária uma
mudança de cultura na
sociedade como um
todo, nas escolas, nas
igrejas, nas famílias, na
convivência entre as
pessoas. A violência
contra a mulher tem
sido cada vez mais
compreendida pelas
mulheres e devemos
ter tolerância zero
contra ela"

Esse já foi um ano de aprovações históricas


no Congresso Nacional, tendo passado apenas
seis meses. Aprovamos, não apenas com
votos de parlamentares progressistas, uma
reivindicação histórica das mulheres, que é a
Lei da Igualdade Salarial e Remuneratória, com
inovações como o relatório de transparência
das empresas, que tornarão a fiscalização
mais eficaz. E ainda a Bolsa Atleta para
gestantes e puérperas, um grande avanço
para as mulheres que simplesmente paravam
de receber o benefício se ficassem grávidas,
tornando a sua condição muito desigual em
relação aos atletas homens. As duas propostas
foram apresentadas pelo presidente Lula no 8
de Março, Dia Internacional das Mulheres, no
Palácio do Planalto.

Fórum — Leis como a Maria da Penha


são suficientes para enfrentar a violência
contra as mulheres? Se não, quais outros
mecanismos que já existem devem ser mais
bem explorados e quais ainda precisam ser
criados?
CG — Ela é revolucionária no enfrentamento
da violência contra as mulheres, é diferenciada
no mundo (tamanho o seu avanço) e é uma
das leis mais conhecidas do país. Mas não é
suficiente porque, volto a dizer, precisamos
mudar a cultura da sociedade para que a mulher
não seja vista como alguém inferior, menos
capaz, que tenha menos oportunidades, que
receba um salário menor e que seja violentada
e não possa fazer suas escolhas, como a de
terminar um relacionamento sem sofrer ameaças
ou tentativas de feminicídio, inclusive.
O governo do presidente Lula voltou a priorizar
as políticas para as mulheres. Desde a criação
deste Ministério a anúncios significativos nessa
área. Ainda no 8 de Março, o governo anunciou,
como uma parceria entre os ministérios das
Mulheres e da Justiça e Segurança Pública,
a construção de 40 novas Casas da Mulher
Brasileira, que são espaços que reúnem em
um mesmo local diversos tipos de serviço
de atendimento a mulheres em situação de
violência. Elas estarão localizadas em todas as
capitais e também em cidades do interior.
Nos últimos dias eu estive em Belém, para
os Diálogos Amazônicos, e fechei uma parceria
com o governador Helder Barbalho para mais
três casas no Estado, em Marabá, Santarém e
Breves, sendo que o Pará já terá uma Casa na
capital e tem outra prestes a ser inaugurada em
Ananindeua. A Bahia terá quatro Casas, que
estarão em regiões onde a população é pouco
atendida. Estamos avançando bastante com essa
política pública que foi lançada no governo da
presidenta Dilma Rousseff e é de muito sucesso.

Fórum — Qual a importância da campanha


Agosto Lilás?
CG — Este é um período do ano dedicado
a ações de conscientização sobre o tema da
violência contra a mulher. Aqui no Ministério das
Mulheres nós fizemos uma escolha de ampliar
o debate, na campanha deste ano, para além
da violência doméstica e trazer situações do
cotidiano para que as mulheres se vejam nelas e
identifiquem quando estão sendo discriminadas,
agredidas, excluídas. Uma situação de assédio
no trabalho ou uma piadinha. Minha missão é
fazer com que as mulheres tomem consciência
Cida Gonçalves
"Minha missão é fazer
com que as mulheres
tomem consciência
de que estão sofrendo
misoginia, desde os
detalhes a agressões
mais graves"

de que estão sofrendo misoginia, desde os


detalhes a agressões mais graves. Lançamos a
campanha nas redes sociais na segunda-feira, 7
de agosto, justamente para marcar o aniversário
da Lei Maria da Penha, e diversos ministérios
também compartilharam, além de empresas
parceiras como os Correios. O Ministério dos
Transportes entrará em parceria também com
as agências e as concessionárias do setor.

Fórum — A senhora fala bastante sobre


a interseccionalidade de vários temas,
como segurança pública, saúde, educação,
trabalho, emprego e renda, igualdade racial
etc. — para construir políticas públicas para
enfrentar a violência contra a mulher. Como
engajar a sociedade nessa luta e explicar
essas diversas relações? Qual o papel
do Ministério das Mulheres nesse cenário
plural e complexo?
CG — A educação é um caminho
fundamental para levar essa conscientização
sobre a violência e para mudar a percepção
sobre o lugar da mulher na sociedade. Veja
quanto mudamos em uma década, como as
pessoas são capazes de enxergar situações
de machismo, de racismo. Isso está muito
relacionado com a educação, com as novas
gerações já sendo influenciadas desde as
escolas, gerações inteiras de jovens negras e
negros que foram os primeiros em suas famílias
a irem à faculdade, se tornaram mestres,
doutores, e influenciaram todos ao seu redor,
inclusive os professores. É uma mudança que
não tem volta, que não tem governo que nos
tire como sociedade.
Precisamos enfrentar a misoginia, que é a raiz
de todas essas violências e desigualdades, e eu
tenho investido muita energia nisso. Enquanto
ministra das Mulheres, tenho dialogado e
farei acordos com o setor privado para que
as empresas se enxerguem também como
responsáveis e entrem como parceiras nesse
enfrentamento, com as torcidas esportivas,
especialmente de futebol, um ambiente ainda
muito machista. Eu tenho falado com muitos
setores diferentes e vou lançar o que eu chamo
de Marcha contra a Misoginia este mês selando
todos esses acordos que venho construindo ao
longo dessas conversas.
Também tenho viajado os estados realizando
esse debate em audiências públicas nas
assembleias legislativas e em câmaras
municipais, ambientes onde a violência política
de gênero está presente de forma assustadora.

Fórum — Qual caminho a mulher vítima de


violência deve percorrer para ser amparada
pelo Estado?
CG — Nós temos o Ligue 180 — Central de
Atendimento à Mulher, que funciona 24 horas
por dia, todos os dias da semana, podendo ser
acionado de qualquer lugar do Brasil de forma
gratuita. No Ligue 180 as mulheres têm acesso
a informações sobre seus direitos e também
sobre os serviços da rede de atendimento
que estão mais próximos dela, tanto na saúde
como na segurança pública, assistência social e
justiça. Mas, caso ela esteja em uma situação de
emergência, a orientação é que ela disque o 190.
Quero ainda acrescentar que o mês de
agosto também marca a sanção da Lei do
Minuto Seguinte, que é fundamental para o
Cida Gonçalves
"O governo precisa
atuar investindo
em serviços de
atendimento, tanto para
manter os atuais com
qualidade e uma equipe
capacitada, quanto em
novos equipamentos"

enfrentamento da violência sexual. A legislação


define que os hospitais da rede SUS devem
oferecer atendimento emergencial, integral
e multidisciplinar para todas as vítimas de
violência sexual.

Fórum — De que forma o governo pode


atuar para romper o ciclo de violência
doméstica? Qual orientação você pode
daria a mulheres que estão nesse tipo de
ambiente neste momento?
CG — O governo precisa atuar investindo em
serviços de atendimento, tanto para manter os
atuais com qualidade e uma equipe capacitada
quanto em novos equipamentos, como a
Casa da Mulher Brasileira, que mencionei
anteriormente.
Estamos reestruturando um serviço essencial
para as mulheres que é o Ligue 180 — Central
de Atendimento à Mulher —, e que tinha sido
integrado ao Disque 100, junto com diversos
outros temas.
Fizemos várias ações este ano para separar
novamente os atendimentos, capacitar as
atendentes periodicamente para inserir novos
tipos de violência nos protocolos, iniciamos
o atendimento via WhatsApp, que oferece a
possibilidade de dar informações sobre direitos
por meio de mensagens, além de investir em
campanhas para que toda a sociedade —
especialmente mulheres, mas também quem
puder apoiar uma mulher em situação de
violência — confie e compreenda este como
um serviço que possa efetivamente interromper
o ciclo de violência. Então nossa orientação
para mulheres que estejam enfrentando alguma
violência é: busquem ajuda, denunciem, contem
com o Ligue 180.w
Ilustração Reprodução
Economia

Reforma tributária
Como avançarmos
para justiça fiscal?
Sem uma grande campanha das centrais
sindicais e dos movimentos sociais de
convencimento de que ricos têm de pagar
impostos não combateremos a desigualdade
por Maria Frô

O
Brasil tem um dos sistemas tributários
mais injustos do mundo, no qual os
pobres pagam proporcionalmente muito
mais que os ricos. Em países desenvolvidos da
Europa ou nos Estados Unidos a carga é mais
distribuída entre ricos e menos entre os pobres.
O que ocorre no Brasil é que a balança de
impostos pende para a classe trabalhadora.
Nosso sistema tributário é regressivo porque a
maior carga de impostos é sobre o consumo
e, consequentemente, o pobre acaba pagando
proporcionalmente mais que o rico.

Para que servem os impostos?


Sem impostos não temos políticas
públicas. O Brasil é um dos únicos países
do mundo que promove acesso universal à
saúde e à educação. Direitos garantidos em
nossa Constituição e que, mesmo com os
ataques neoliberais às políticas públicas, não
conseguiram ainda transformar esses direitos
constitucionais em mercadorias: a escola
pública e a universidade pública resistem, o
SUS resiste.

Quem é rico no Brasil?


O neoliberalismo venceu ao retirar da
identidade da classe média o seu pertencimento
de classe, o pertencimento à classe
trabalhadora. Quem ganha 10 mil, 15 mil reais
não é rico, é trabalhador. Rico vive de renda, e
não de seu trabalho.
Um bom exercício de se fazer com a parcela
de trabalhadores com direitos garantidos — que
na classificação das camadas sociais do IBGE
é chamada de “classe média” — é perguntar
a esses trabalhadores se podem viver de
rendimentos, sem trabalhar.
E a classe média, classe trabalhadora
formada por servidores públicos,
profissionais liberais, celetistas ou com
rendimentos garantidos mensalmente
(mesmo se pejotizados), é um dos grupos
sociais extremamente penalizados, mas
contraditoriamente não se une aos demais
trabalhadores precarizados para lutar por
justiça fiscal, pois, acreditando fazer parte do
restrito grupo de ricos no Brasil, reproduz os
discursos neoliberais contra o Estado e as
políticas públicas.

Foto Câmara dos Deputados

Câmara
aprova reforma
tributária

O que muda com a PEC 45/2019?


Os avanços da PEC (Proposta de Emenda
à Constituição) nº 45/201 estão na forma, falta
avançar na distribuição da carga, “no quanto e
no quem”.
Os impostos ainda incidem no consumo,
mas deixam de ser uma cascata cumulativa
que muitas vezes encarece o produto final no
bolso do consumidor. A criação de um imposto
do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado),
utilizado em vários sistemas tributários no mundo
desenvolvido, é uma das grandes novidades da
nova reforma tributária já aprovada na Câmara e
agora em análise no Senado.
Ele traz a simplificação na taxação e iguala
a cobrança em todo o território nacional. Em
cada fase da cadeia produtiva vai se pagar
apenas impostos sobre o valor agregado. O
IVA auxilia também no combate à sonegação,
pois o produtor em qualquer ponto da cadeia
precisa das notas fiscais para provar o valor
agregado em sua fase de
produção.
No Fórum Sindical
de quinta-feira (10),
Guilherme Mello,
secretário de Política
Econômica do Ministério
da Fazenda, explica: "O marceneiro que produz
uma cadeira vai adquirir madeira, pregos,
parafusos, tintas com notas fiscais e não pagará
os impostos já pagos pelo fabricante da tinta,
dos pregos e parafusos e pelo fornecedor da
madeira. O marceneiro vai pagar apenas pelo
valor que agregou ao transformar a madeira,
os pregos, parafusos e tinta em cadeira. O IVA
também vai ajudar a combater a sonegação,
pois cada ente da cadeia produtiva, para poder
pagar apenas sua parte no valor agregado à
mercadoria, precisa das demais notas para
justificar o seu valor agregado e recolher os
impostos devidos. O IVA também irá inibir a
guerra fiscal que tanto prejudica estados e
municípios e a população em geral".
Há outros avanços na PEC 45/2019: o cash
back para os mais pobres, zerar os impostos
dos alimentos da cesta básica e, no campo
simbólico, o avanço da instituição do IPVA para
jatinhos, jet skis e lanchas.

A tarefa da sociedade civil organizada


para alcançar a justiça fiscal
Como argumentei anteriormente, a reforma
tributária proposta na PEC 45/2019 avança na
forma da cobrança dos impostos ao simplificá-
la, mas para alcançarmos a justiça fiscal é
preciso avançar no “quanto paga e no quem
paga impostos”.
Ricardo Berzoini, outro convidado do
programa Fórum Sindical, argumenta que,
apesar de o projeto inicial avançar sobre a
simplificação tributária, é preciso taxar grandes
fortunas ou ao menos taxar lucros e dividendos,
Foto Câmara dos Deputados
Ricardo Berzoini, ex-ministro do Trabalho, das Comunicações
e da Previdência Social

e para isso será necessária uma grande


mobilização social.
Berzoini vê o calendário de votação da
PEC 45/2019 e a apresentação de uma nova
proposta do governo para avançar sobre a
taxação dos mais ricos, no segundo semestre,
como uma oportunidade. Para ele, a proposta
do governo que visa à progressividade não terá
apoio no Congresso como teve a PEC45/2019
e, para avançar, é necessário que as centrais
sindicais e os movimentos sociais organizem
conjuntamente uma grande campanha de
mobilização e convencimento da sociedade
sobre a justiça fiscal. E há tempo para isso.
Berzoini vê a oportunidade de 2024, ano de
eleições municipais, nas quais todo o país se
mobiliza e se envolve no debate político em
seus quase seis mil municípios. É no município
que vivemos, trabalhamos, estudamos, usamos
o SUS; é no município onde se concretizam as
políticas públicas financiadas por impostos.
Nessa grande mobilização popular
precisamos fazer com que as pessoas
entendam que ricos devem pagar impostos,
que é necessário que nosso sistema tributário
seja regido pela lógica da progressividade
e que isso beneficia a imensa maioria dos
trabalhadores, inclusive os de classe média tão
resistentes, porque não se enxergam como
classe trabalhadora.
Precisamos mostrar que, se os serviços
públicos estão precários devido ao
subfinanciamento, para melhorá-los quem
acumula mais precisa pagar mais impostos.w

Assista ao programa Fórum Sindical


Foto Reprodução

Música

O primeiro álbum
do Secos &
Molhados
por Julinho Bittencourt
Há 50 anos, o primeiro álbum de Ney
Matogrosso e sua banda enfureceu a ditadura
e encantou a juventude como símbolo de
enfrentamento e libertação

N
este mês de agosto, o álbum “Secos
& Molhados” (da banda homônima)
– aquele em que estão na capa suas
cabeças expostas um uma mesa repleta de
produtos – completa 50 anos de lançamento.
É muito difícil tentar traduzir aos mais jovens a
explosão que foi aquilo. Ou as explosões, pois
elas vinham de todos os lados.
Vinham das legiões de jovens que se
apaixonaram incondicionalmente por aquele
grupo repleto de mistério, irreconhecivelmente
maquiados, andróginos, com um som moderno,
bonito, cheio de poemas consagrados
lindamente musicados, guitarras elétricas e até
mesmo sintetizadores, uma absoluta novidade
para a época.
Vinham explosões dos caretas e de alguns
pais, que abominavam o rebolado visceral,
extremamente hábil e coreografado do cantor
Ney Matogrosso, além, é claro, de sua doce e
Fotos Reprodução
A formação clássica do Secos & Molhados com Ney Matogrosso,
João Ricardo e Gérson Conrad

linda voz de tenor, quase soprano. Um luxo que


perdura até hoje.
Vinham explosões de fúria da ditadura militar
e seus seguidores. Vinham, enfim, explosões de
todos os lados. Em torno deles havia uma única e
absoluta unanimidade: ninguém ficava indiferente.
O disco era para ser um projeto modesto.
Lançado pela gravadora Continental,
especializada principalmente em música caipira,
era uma das poucas brasileiras em um mercado
cada vez mais dominado por multinacionais. A
tiragem inicial foi de 1.500 discos, e a expectativa
era vender tudo em um ano. Durou uma semana.
O disco bateu um milhão de cópias e continua
vendendo até hoje, 50 anos depois.
A modéstia não para por aí. O álbum foi todo
gravado em apenas quatro canais, durante
15 sessões de seis horas cada. E, como todo
grande disco de música pop, guardou em si
uma enorme mitologia que envolve desde a
capa, figurinos, danças e coreografias até, é
claro, a música excelente, antenada com o rock
e o pop da época, mas com os pés fincados na
moderna música brasileira.

TALVEZ UM DOS GRANDES SEGREDOS


DO SECOS & MOLHADOS E O GRANDE
SUCESSO, SOBRETUDO DESSE PRIMEIRO
DISCO, ESTEJAM EXATAMENTE NESSE
PONTO. ERA UM GRUPO DE MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA EMBRULHADO
COMO UMA BANDA DE ROCK. COM UMA
ATITUDE ROCK AND ROLL, O QUE PARA A
ÉPOCA ERA UMA COISA IMPRESCINDÍVEL.

E o repertório do álbum é excelente. Líder


e idealizador do grupo, o português radicado
no Brasil João Ricardo é um compositor de
mão-cheia. Filho do poeta e jornalista João
Apolinário, trouxe para o repertório vários
poemas que acabaram musicados, como
Rondó do Capitão, de Manuel Bandeira, e, a
"Secos & Molhados
II", o segundo disco
da banda, lançado em
1974, segue na mesma
linha do primeiro
álbum, mas, apesar de
excelente, não obteve
o mesmo sucesso

mais famosa, Rosa de Hiroshima, de Vinícius de


Moraes musicado por Gerson Conrad.
O disco foi completado por vários outros
clássicos, entre eles Sangue Latino, O Vira e
a linda Fala, parceria de João Ricardo com
Luhli, da lendária dupla com Lucina. Era, enfim,
um repertório forte, vigoroso, extremamente
bonito, bem tocado e cantado, inclusive com
ótimos vocais.
E, nesse departamento, o grupo Secos
& Molhados nos deixou como seu maior e
mais efetivo legado o cantor Ney Matogrosso,
um dos maiores artistas brasileiros de todos
os tempos. Ele deixou o grupo logo após a
Lançado em 1975, "Água
do Céu – Pássaro" é o
primeiro disco solo de Ney
Matogrosso após sua saída
do Secos & Molhados

Foto Reprodução
gravação do segundo disco, que, apesar de
também ser excelente, não teve o mesmo
sucesso do primeiro.
Ney sobreviveu ao Secos & Molhados, que
nunca mais conseguiu sucesso. O cantor, ao
contrário, mantém até hoje uma profícua carreira,
repleta de ousadias, reviravoltas e novidades.
A despeito de tudo o que aconteceu depois,
o álbum “Secos & Molhados”, de 1973, é um
dos marcos da nossa vida brasileira. Um disco
que será sempre festejado por tudo o que
representou em um momento de enfrentamento
no país. Mas, principalmente, pela excelente e
inovadora música feita de futuro.w
REVISTA

expediente | edição #71

Diretor de Redação
_ Renato Rovai

Editora executiva
_ Dri Delorenzo

Textos desta edição:


_ Plínio Teodoro
_ Henrique Rodrigues
_ Luiz Carlos Azenha
_ Miguel do Rosário
_ Cynara Menezes
_ Raphael Sanz
_ Iara Vidal
_ Maria Frô
_ Julinho Bittencourt
Designer Revisão
_ Marcos Guinoza _ Laura Pequeno
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