Você está na página 1de 5

Diálogo interreligioso e pastoralidade:

quando o credo não serve no conforto hospitalar

Matheus Piva Ribeiro1

Resumo
Este estudo teve por finalidade apresentar ao ambiente eclesiástico a mudança de
paradigma desenvolvida no trabalho de capelania no HC (Hospital das Clínicas) da
UNICAMP, SP. Trata-se de pesquisa de revisão bibliográfica, onde o estudante
interage com o conteúdo lido e as vivências práticas no exercício de sua
pastoralidade. Espera-se que esta pesquisa abra os olhos de religiosos e dê lugar
ao amor que Jesus ensinou em seu ministério.
Palavras-chave: Diálogo. Pastoralidade. Assistência religiosa. Credo.

Abstract
His study aimed to present to the ecclesiastical environment the paradigm shift
developed in the chaplaincy work at the HC (Hospital das Clínicas) at UNICAMP, SP.
It is a bibliographical review research, where the student interacts with the content
read and the practical experiences in the exercise of his pastoral work. It is hoped
that this research will open the eyes of religious people and give rise to the love that
Jesus taught in his ministry.
Keywords: Dialogue. Pastorality. Religious assistance. Creed.

Introdução
Jesus de Nazaré no evangelho de João 14.6 afirma que ele é o caminho, a
verdade e a vida. A constatação de que ele é “a verdade” traz luz ao assunto do
presente artigo, porque ele ensina aos seus seguidores, que verdade não é um
conceito, os seus discípulos não paravam para fazer um “cursinho” e aprender
exatamente o que era o credo correto.2 No entanto, é notável Jesus chamando-os a
uma jornada de seguimento3, Jesus vai e os discípulos vão atrás. Com isso, a maior

1Graduando em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul (SPS). E-mail:


matheuspiva.contato@gmail.com
2JUNGES, Márcia; FERREIRA, Gabriel. Tornar-se cristão, o núcleo do pensamento de
Kierkegaard. Edição 418. 13 de maio 2013. Disponível em:
<https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/4965-jonas-roos-2/>. Acesso em 23 de maio de 2023.
3Mateus 16:24 “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua
cruz e siga-me”
2

ênfase notada em Jesus é o amor subversivo4, que vai contra a normalidade para
aplicar a sua pastoralidade.
No contexto hospitalar, algumas das afirmações normais e corretas da
teologia sistemática se encontram sem valor, não porque não possuam valor, e sim
porque o contexto requer uma sensibilidade que se preocupa mais em seguir a
Jesus do que ter um conceito correto da teologia5.
O artigo, nesse sentido, fala sobre a necessidade do diálogo interreligioso na
compreensão das religiosidades presentes nos pacientes, como um ambiente de
escuta e não de apologética6. Quando se preocupa em seguir a Jesus, é possível
pensar que apresentar Jesus passa em ser mais pastor do que apologeta. Os
credos podem não levar conforto nenhum ao paciente que sofre a dor de um ente
querido, ainda que as doutrinas sejam positivas em casos específicos.

Vida e morte
O livro “Reflexões sobre a vida e a morte: abordagem interdisciplinar do
paciente terminal” organizado por Vera Lúcia Rezende trabalha sobre as fases de
enfretamento em casos terminais. Na epígrafe do livro há um trecho de Rubem
Alves que diz que “a esperança se alimenta de pequenas coisas. Nas pequenas
coisas ela floresce. Basta-lhe um morango à beira do abismo” (apud REZENDE,
2000, p.8). A frase de Alves ensina os que lidam com a morte eminente que a
esperança precisa de coisas bem pequenas, um abraço recebido, uma palavra bem-
dita, uma possibilidade de promover uma viagem ou desejo. Coisas pequenas
causam um bem grande.
Um dos marcos que o paciente terminal se vê são os encontros com as
perdas, ele perde tempo, perde a saúde, perde a vitalidade, perde algumas
vontades, perde o apoio e o carinho que não sabe lidar com a dor, perde os sonhos.
Rezende, no seu livro, escreve o seguinte “o impacto de uma doença, como o

4 Amor que quebra estruturas opressoras, se tornando “revolucionário”.


5SEPAL. O ministério do capelão hospitalar e sua relevância no contexto de quem sofre.
Disponível em: < https://sepal.org.br/o-ministerio-do-capelao-hospitalar-e-sua-relevancia-no-contexto-
de-quem-sofre/>. Acesso em 23 de maio de 2023.
6PERILLO, Lorraine. O que é intolerância religiosa, quem sofre no Brasil e como identificar? Uol
Cotidiano. Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
noticias/2022/08/10/intolerancia-religiosa-no-brasil-o-que-e-e-como-identificar.htm/>. Acesso em 23
de maio de 2023.
3

câncer por exemplo, (...) nos coloca repentinamente face a face com nossa tão
negada fragilidade e nosso fim.” (REZENDE, 2000, p. 70)
Ou como o cantor adventista Tiago Arrais escreve na sua música “Medalhas”
“Logo ao nascer, somos frágeis carentes e antes de morrer, somos tão vulneráveis,
porém entre o início e o fim do viver, nós fingimos, nós fugimos, de nossa real
condição.”7 O ser-humano tem a dificuldade de aceitar o que é, porque como
Nietzche se deseja o lugar de um Übermensch (Super-homem), um estado elevado
de humanidade que não assume para si a fragilidade8.
No conforto hospitalar, tanto o paciente, como pastores, capelães, médicos,
enfermeiros e outros envolvidos, devem notar o aspecto finito da vida, e
consequentemente de suas teorias e certezas. A realidade da vida convida o homem
a se descortinar e se perceber como um ser em construção, carente e vulnerável.
Pois quando o homem não faz uso dessa oportunidade, ele se vê como um amigo
de Jó com discursos como este em Jó 5.17(NVT) “Mas como são felizes os que
Deus corrige! Não despreze, portanto, a disciplina do Todo-poderoso.” E Jó
confessa que os seus amigos estavam o acusando indevidamente em Jó 6.14(NVT)
“É preciso ter compaixão de um amigo abatido, mas vocês me acusam sem nenhum
temor do Todo-poderoso.”.
O exemplo de Jó explica como o credo não serve no conforto hospitalar, é
provável que os amigos dele tinham boa intenção, porque ficaram sete dias ao seu
lado sofrendo sua dor, mas ao não aguentar a impotência, procuraram respostas
teológicas. Jó, no entanto, não tinha culpa pelo seu sofrimento e as palavras de
“exortação” não o confortaram e mostraram o cuidado de Deus, muito menos um
caminho de seguimento de Jesus. O tipo de amor de Jesus não estava baseado em
um credo, mas em uma vivência prática da fé, ele amava e atestava que a lei servia
para o homem e não o homem para a lei.
O amor de Jesus presenciado nos seus evangelhos é um amor
transformador, quando em João 4 quando Jesus se encontra com uma mulher que
já teve cinco maridos e estava morando com outro naquele momento, ele não a
explica teologicamente como deveria ser o casamento e pauta sua conversa no

7ARRAIS, Tiago. Medalha. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/os-arrais/medalha/>. Acesso


em 24 de maio de 2023.
8MACHADO, Geraldo Magela. Nietzsche e o Super Homem. Disponível em:
<https://www.infoescola.com/filosofia/nietzsche-e-o-super-homem/>. Acesso em 24 de maio de 2023.
4

“certo” e “errado”, não, Jesus mostra a ela que o que ela estava procurando não
estava nos maridos e sim nele, a fonte de água viva. O messias se preocupava em
transformar vidas com seu amor, mais do que formar grupos teologicamente
eruditos.
A experiência prática com pacientes de outras religiões envolve um grande
desprendimento teológico para ouvir o outro. Conforme a Enciclopédia Digital
Theological Latino Americana cita o a frase de Moltmann:
conceito do diálogo apresentou-se como apropriado para definir o encontro
e a convivência de diversas comunhões na sociedade moderna […] toda
vida multirreligiosa tem de começar com um reconhecimento mútuo, que
leva a ouvir uns aos outros e a falar uns com os outros.9

Esse reconhecimento mútuo é muito importante para cada qual entender o


que pode ser parecido em cada religião, na tentativa de aproximação e não de
apologética. É possível perceber que o esforço apologético em muitas religiões parte
de um “fundamentalismo” infantil que não percebe o outro como ser-humano, e na
verdade, o individuo odioso esconde em sua fundamentação o desejo de ser grande,
fugindo de sua fragilidade. Jesus convida para um caminho de mesa e comunhão.
A pastoralidade encontra um solo fértil em cada paciente encontrado, em
cada vida tocada, em cada vez que o “eu” é morto para que o “você” viva. A postura
que se defende não é liberal e despreocupada com a verdade. Porém, a
pastoralidade que crê na verdade é uma pastoralidade que convive com a verdade
como pessoa, Jesus está sempre com os seus e ele enviou o Espírito Santo,
conforme dizem os textos Mateus 28.20 e João 14.17.

Considerações Finais
Tendo exposto o que se refletiu e vivenciou na prática da capelania no
contexto do HC Unicamp, é necessário terminar convidando o leitor a considerar a
tentativa de ser um voluntário em capelania. Hoje existem capelanias hospitalares,
empresariais e militares. A despeito de onde se irá servir, a grande preocupação em
afirmar que o credo não leva conforto é na verdade um convite ao amor de Jesus, a
verdadeira verdade, pessoa que amou e continua amando. Com esse evangelho, a
dor não tem poder nenhum. A vida com Jesus floresce na dor de alguém.

9Theologica Latinoamericana. Diálogo Inter-religioso. Disponível em:


<https://teologicalatinoamericana.com/?p=2558/>. Acesso em 24 de maio de 2023.
5

Referências Bibliográficas
ARRAIS, Tiago. Medalhas. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/os-
arrais/medalha/>. Acesso em 24 de maio de 2023.
MACHADO, Geraldo Magela. Nietzsche e o Super Homem. Disponível em:
<https://www.infoescola.com/filosofia/nietzsche-e-o-super-homem/>. Acesso em 24
de maio de 2023.
PERILLO, Lorraine. O que é intolerância religiosa, quem sofre no Brasil e como
identificar? Uol Cotidiano. Disponível em: <
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/08/10/intolerancia-
religiosa-no-brasil-o-que-e-e-como-identificar.htm/>. Acesso em 23 de maio de 2023.
REZENDE, Vera Lúcia. Reflexões sobre a vida e a morte: abordagem
interdisciplinar do paciente terminal. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000.
SEPAL. O ministério do capelão hospitalar e sua relevância no contexto de
quem sofre. Disponível em: < https://sepal.org.br/o-ministerio-do-capelao-hospitalar-
e-sua-relevancia-no-contexto-de-quem-sofre/>. Acesso em 23 de maio de 2023.
THEOLOGICA LATINOAMERICANA. Diálogo Inter-religioso. Disponível em:
<https://teologicalatinoamericana.com/?p=2558/>. Acesso em 24 de maio de 2023.
JUNGES, Márcia; FERREIRA, Gabriel. Tornar-se cristão, o núcleo do
pensamento de Kierkegaard. Edição 418. 13 de maio 2013. Disponível em:
<https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/4965-jonas-roos-2/>. Acesso em 23 de
maio de 2023.

Você também pode gostar