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DIREITO CONSTITUCIONAL I
Professor Msc. Paulo Mauricio Sales Cardoso1

UNIDADE I

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO: 1. Constitucionalismo: 1.1. Conceito. 1.2. Evolução


histórica. 2. Direito constitucional: 2.1. Conceito. 2.2. Natureza. 2.3. Objeto de estudo. 2.4.
Conteúdo científico. 2.5. Direito constitucional positivo. 2.6. Direito constitucional comparado.
2.7. Direito constitucional geral. 3. Constituição: 3.1. Conceito. 3.2. Objeto. 3.3. Classificação.
3.4. Elementos. 4. Teoria do poder constituinte: 4.1. Poder constituinte e poder constituído.
4.2. Poder constituinte de reforma. 4.3. Poder constituinte derivado decorrente. 4.4. Mutações
constitucionais. 5. Aplicabilidade das normas constitucionais no tempo. 5.1. Nova constituição
e ordem jurídica anterior. 5.2. Recepção e revogação. 5.3. Recepção material das normas
constitucionais. 5.4. Repristinação. 5.5. Desconstitucionalização.

1. CONSTITUCIONALISMO
1.1. Conceito.
O tema constitucionalismo é relevante porque toca ao mesmo tempo a razão e a
emoção. A “lex mater”, no Estado democrático de direito, confere aos cidadãos espaço para um
“quantum” de idealismo, na forma, por exemplo, da ampliação dos limites das liberdades
individuais e sua promoção.
Em certa medida, os textos constitucionais são importantes porquanto traduzem as
esperanças, os desejos concretos de evolução social de um povo. É que o ser humano necessita de
esperança como do ar que respira e a sociedade somente evolui com liberdade responsável.
Refletindo sobre a realidade social e a constituição, PINTO FERREIRA (1981, p.
9), inicia sua argumentação da seguinte forma:
“O meio social e histórico exerce uma profunda e visível influência sobre a ordem jurídica, que
não se desenvolve alheia às circunstâncias da realidade econômica e social. A Constituição se modela por
influência de fatores circunstanciais de uma sociedade determinada, refletindo os usos e costumes
dominantes, as tradições religiosas e culturais, o sistema de forças produtivas, uma série de fatores

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Possui graduação em Administração Postal pela Escola Superior de Administração Postal (1981), graduação em Direito pelo Centro
de Estudos Superiores do Estado do Pará (1986) e mestrado em Direito pela Universidade Federal do Pará (2000). Atualmente é
Analista Jurídico do Ministério Público do Estado do Pará e Professor Adjunto da Universidade da Amazônia. E-mail:
pmscardoso@oi.com.br.
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econômicos e culturais que lhe imprimem a sua marca indelével.”


SILVA (2014: p. 49), por sua vez, afirma que é na história que se deve buscar a
ideia de constitucionalismo:
Aqui temos já uma grande dificuldade, porque a palavra ‘constitucionalismo’ é derivada de
‘constituição’. Como, então, podemos buscar o conhecimento desta recorrendo-se àquele? Não haverá, aí,
uma petição de princípio? A busca, na História, do conhecimento constitucional tem por finalidad e
solucionar o círculo vicioso. Essa busca pretende descobrir o que a História tem dito sobre ‘constituição’.
Quando surgiu e para quê. Qual era o seu significado original e como evoluiu. Assim também se chegará à
ideia de ‘constitucionalismo’.
E, adiante (2014: p. 66), relaciona a ideia de constitucionalismo com a limitação
do poder estatal e a garantia dos direitos humanos por uma constituição escrita:
“O constitucionalismo [...] nasceu como meio de limitar a ação do poder e garantir a vigência dos direitos da
pessoa humana, por meio de uma constituição escrita. O modo de ser do Estado, assim, ficava caracterizado
racionalmente pelas formas que lhe desse uma constituição escrita como lei suprema.”
Nesse contexto, o constitucionalismo tem, entre outras características básicas e
essenciais, a concepção da “lex mater” como o mais alto estatuto jurídico de determinada sociedade,
sua lei fundamental, o suporte lógico e superior ao restante do ordenamento jurídico e que, em
regra, não pode ser inobservado pelos poderes constituídos, sob pena de romper o elo que mantém a
paz social.
1.2. Evolução histórica.
Em artigo sobre o constitucionalismo, suas origens e sua afirmação, LIMA (1980)
traça o panorama histórico da evolução desse fenômeno jurídico, valendo aqui destacar alguns
trechos desse interessantíssimo trabalho de pesquisa:
I. Origens:
A afirmação do Estado de Direito efetuou-se, concretamente, no decurso do século XVIII. A
evolução política e social que, naquele período se opôs ao absolutismo teve como finalidade a criação de
governos moderados e sua submissão às Constituições escritas. Sua expressão renovadora e inovadora
materializou-se através dos movimentos revolucionários norte-americano e francês que, por sua positividade,
exerceram grande influência no cenário estatal, alterando antigos valores, desfazendo outros e estabelecendo
profundas modificações na História dos povos do Ocidente.
Fixou-se, a partir dessa época, em caráter definitivo, a idéia de uma Constituição escrita,
alicerçando a organização estatal e os direitos da pessoa humana. Firmou-se, enfim, a linha de pensamento
conhecida como constitucionalismo.
A consciência jurídica e social da necessidade de uma Lei Básica, superior e anterior às demais,
tem, em realidade, suas raízes em épocas remotas. (ob. cit., pp. 5-6)
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II. Antiguidade:
Nela encontramos um dos primeiros legisladores da História – MOISÉS –, que emerge no
alvorecer das civilizações na condição de autor de preceitos que teriam influência político-jurídica nos povos
primitivos e, ainda, em nosso tempos (...)
Autores há, como JAYME ALTAVILLA, que adotam posição mais radical. Para estes, a
constituição político-religiosa do Velho Testamento não se limitou a influenciar as instituições jurídicas da
Antiguidade e da Idade Média, mas, antes, deixando sua marca no próprio Direito Moderno. Para verificar a
veracidade desta afirmação, basta que observemos alguns traços da legislação sob análise. Determinou
noções de justiça. Elaborou critérios de educação e cultura. Estabeleceu o descanso semanal. Criou
dispositivos pertinentes ao Direito Internacional. Formulou conceitos processuais e princípios
constitucionais.
Desta maneira, através do gênio de Moisés, os hebreus, embora rudimentarmente, projetaram suas
normas através dos séculos (...)
Foi entre os romanos que, pela primeira vez, se utilizou a palavra Constituição. Para a lei
fundamental, usavam eles a designação de ‘constitutione’. Daí surgiu, na Itália, durante o século XVIII, a
expressão ‘constituzione’, simbolizando, em sua tradução em diferentes países, a Lei Básica do Estado.
Precisamente em Roma, no período histórico sob nosso enfoque, o Direito assumiu sua maior
expressão, fruto do elevado senso jurídico dominante.
Formularam-se nítidos conceitos de Direito Constitucional (...)
Assim, rudimentarmente, embora, esboçou-se o controle de constitucionalidade das leis (...)
Dentre suas construções, aliás, reponta a Lei das XII Tábuas, o mais importante e sucinto Código
de que se tem memória e o que mais influenciou o Direito atual. Simboliza a proto-história da liberdade. Sua
redação breve facilitou sua aplicaçãoi. Referindo-se amplamente a vários setores e a relações várias, tal como
o devem fazer os textos constitucionais, tornou-se ajustável a distintas situações e, pois, capaz de adequar-se
às necessidades novas que fossem, gradativa e inexoravelmente, surgindo. (ob. cit., pp. 6-8)
III. Idade Média:
Não se pode negar que, em realidade, o pensamento se achou, durante aquele lapso de tempo,
limitado pelo misticismo e pela religiosidade. No entanto, se daí advieram sequelas negativas, outras
surgiram, alta e compensadoramente positivas.
Desta maneira, a filosofia política medieval foi drenada para o teoria do Direito, donde a
conceituação dos direitos da pessoa humana – contribuição cristã das mais expressivas, eis que dignificou o
indivíduo que, no Estado da Antiguidade, ainda não surgira como valor isolado, integrando-se no conceito do
grupo.
Dentro deste período, cumpre relembrar a filosofia de TOMÁS DE AQUINO e as concepções
políticas que surgiram alicerçadas no Direito Natural relativo.
A filosofia cristã, enfim, reconhecendo o homem como depositário de direitos intangíveis ao poder
temporal, construiu as vigas mestras da estrutura estatal que, sob o princípio do liberalismo, firmaria o Estado
Moderno (...)
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Não obstante, se, em plena Idade Média, atravessássemos o Canal da Mancha, chegando à
Inglaterra, ali encontraríamos, em 1215, o documento que, em que pese as contradições doutrinárias sobre
sua natureza jurídica, apresentava a feição de uma legítima Lei Fundamental.
Trata-se da Carta Magna, jurada por JOÃO SEM TERRA, quarto filho de HENRIQUE II e de
LEONOR da Aquitânia, que não havia sido contemplado pela herança paterna, e que, antes de ser rei, fora
governador da Irlanda.
Este juramento decorreu das lutas travadas entre a Coroa e o povo inglês, tendo sido considerado,
o documento em si, no panorama ocidental, como de decisiva importância, acentuando, em nosso meio,
PINTO FERREIRA que o mesmo ‘encerrou uma época histórica e abriu outra, devendo ser entendido como a
crisálida ou o modelo imperfeito das Constituições posteriores’ (...)
No entanto, apesar de tudo e apesar de todos, a Magna Carta teve o dom de impor-se, ainda no
decurso do período medieval, esquematizando princípios que se inseriram no panorama jurídico da Inglaterra
e que estenderam sua influência aos demais países ocidentais.
Em derradeira análise, em pleno século XIII, o espírito jurídico e democrático do povo inglês
ofereceu ao mundo os alicerces do constitucionalismo, entregando aos povos livres a Carta – modelo das
liberdades constitucionais. (ob. cit., p. 8-10)
IV. Estado Moderno:
A humanidade despertou para grandes e marcantes realizações artísticas e filosóficas. A cultura,
enclausurada à era medieval, rompeu barreiras e expandiu-se, eivada de concepções greco-romanas. Era o
Renascimento que despontava, assinalando a primeira etapa de uma outra época que seria marcada,
posteriormente, pelo absolutismo (...)
Conforme ensina AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, por via de consequência, firmaram-
se, então, entre outros, os seguintes pontos principais:
a) centralização do poder do Estado, pondo fim às estruturas medievais;
b) soberania do Estado, com as características peculiares à época;
c) limitação do poder estatal (autolimitação), mediante a fixação de normas fundamentais.
Favoreceu-se a ditadura de CROMWELL, na Inglaterra, e conduziu-se o Absolutismo ao exagero,
que haveria de chegar a seu clímax em França, durante o reinado de LUÍS XIV.
Entretanto, no século seguinte, JOHN LOCKE (apontado como o ‘pai das idéias liberais’), ao
publicar seu livro ‘Ensaio sobre o Governo Civil’, em 1690, deu expressivo passo rumo a um regime
verdadeiramente constitucional e democrático.
As teses que defendeu e que se tornaram clássicas, influenciaram o pensamento de vários
doutrinadores (...)
Foram, na realidade, os filósofos iluministas, adeptos da teoria do liberalismo – que sucederia, no
plano teórico, a teoria do mercantilismo – que delinearam os alicerces do Constitucionalismo Clássico,
estruturador do moderno Estado de Direito. Dentre eles, distinguiram-se VOLTAIRE, ROUSSEAU, SIEYÈS
(...)
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Ainda naquele lapso de tempo, o absolutismo europeu embebedou-se das idéias propagadas pelos
filósofos iluministas. Acataram-nas diversos soberanos, resultando daí reformas de caráter social. Houvem
nestes países, a ‘reforma do Estado pelo Estado’.
Ao fim e ao cabo, porém, o século XVIII escoava-se, conduzido pela teoria do liberalismo, pela
Filosofia Racionalista, pelo constitucionalismo. (ob. cit., pp. 10-12)
V. Estado Contemporâneo:
Marcou o Estado Contemporâneo a dominância das Constituições escritas, nele repontando, como
já tivemos oportunidade de observar, a influência decisiva dos movimentos revolucionários norte-americano
e francês (...)
Tiveram início, àquela época, os ‘ciclos constitucionais’, que nos mostram, em seus detalhes, o
evolver do constitucionalismo (...)
É de se observar que houve um ‘ciclo constitucional’ muito antes do período que nos encontramos
a visualizar, ou seja, o inglês. Suas origens encontram-se, consoante observamos, na Idade Média,
traduzindo-se sua especificidade, de maneira primordial, pela influência dos costumes, dos usos e das
tradições, cimentados ao largo dos séculos, que vieram a criar a técnica da monarquia parlamentar.
Os ‘ciclos constitucionais’ paralelos ou sucessivos, individualizados mas não exclusivos, como foi
aquele, tiveram suas raízes, insistimos, no século XVIII.
Bem no-lo comprovam o ‘ciclo constitucional norte-americano’ – do qual adveio a técnica da
república presidencial e federativa, bem como a afirmação definitiva do controle judicial de
constitucionalidade das leis e o ‘ciclo constitucional francês’, que apresentou ao mundo a técnica da
república parlamentar, eis que ambos – ciclos constitucionais norte-americano e francês – são coincidentes,
de alto a baixo, com o surgimento do constitucionalismo.
Posteriormente, na organização constitucional dos povos, insinuaram-se outros ‘ciclos
constitucionais’.
Há destarte, o ‘ciclo constitucional germânico’, iniciado após a Primeira Grande Guerra e que
provocu a superação da democracia liberal, afirmando os novos direitos, os direitos econômicos e sociais.
Numa palavra, a democracia social.” (ob. cit., pp. 12-13)
Pois bem. Para apresentar as bases do constitucionalismo hodierno, urge perpassar
pelos principais modelos de constitucionalismo desenvolvidos historicamente e pela doutrina
abalizada objeto de matéria em discussão.
Com efeito, o desenvolvimento histórico do constitucionalismo parte da
experiência inglesa, francesa e norteamericana.
O modelo inglês, dá ênfase aos costumes desenvolvidos ao longo do tempo, a
partir de princípios que buscam preservar os interesses da sociedade.
“A Constituição inglesa compreende um conjunto de leis, instituições e costumes, derivado de
certos princípios racionais fixados, dirigidos a certos objetos do bem público estabelecidos, que compõem o
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sistema geral, de acordo com o qual a comunidade concordou em ser governada." (BOLINGBROKE "apud"
DALLARI: 2010, p. 180)
O modelo norteamericano, que ressalta a juridicidade e a normatividade.
“A Constituição como documento de natureza jurídica e base normativa da organização do Estado,
com eficácia jurídica superior à das leis comuns (...) expressão da vontade do povo, não dos legisladores.”
(Dallari, 2010, p. 242)
O modelo francês, com pretensão de universalidade e de preservação de valores
inerentes à pessoa humana.
“A Constituição como fundamento filosófico e político da organização social, numa perspectiva
universal e idealizada com base nos valores fundamentais da pessoa humana, indo muito além da busca de
solução para problemas locais e imediatos.” (DALLARI: 2010, p. 200)
As características predominantes em cada um dos modelos retro expostos, foram
de primordial importância para o atual estágio de desenvolvimento do constitucionalismo.
Destarte, a reflexão até aqui desenvolvida, nos leva ao atualíssimo fenômeno da
constitucionalização do direito, vale dizer, o entendimento da constituição como norma, valor,
fundamento e modelo de aplicação. E mais, a coloca no papel de fundamento do próprio Direito,
irradiando seus preceitos para alcançar não só as relações jurídicas de direito público, mas, até
mesmo, as relações tipicamente privadas.
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2. DIREITO CONSTITUCIONAL
2.1. Conceito.
A nomenclatura – Direito Constitucional – vem sendo utilizada desde o início do
século XX e está profundamente atrelada aos princípios fundadores da Revolução Francesa –
liberdade, igualdade e fraternidade –, os quais inspiraram a formação política do Estado
contemporâneo – Estado liberal, de direito, constitucional.
PINTO FERREIRA (1991) afirma que, como decorrência direta da expansão
napoleônica, os franceses perpassaram aos italianos os ideais da revolução que derrubou o “Ancien
Règime”, centrados na máxima da sociedade política regida por um contrato social, de um Estado
que se submete à vontade soberana de seus cidadãos – primado da liberdade individual. Na Itália,
então, surgiu o termo “diritto constituzionale”. Das universidades italianas, onde foi ministrado
inicialmente pelo Professor Giuseppe Compagnoni Di Luzio em Ferrara – posteriormente foi
também trabalhado em Pavia e Bolonha –, o Direito Constitucional migrou para a França. Pelos
idos de 1834, pelas mãos do então ministro de Instrução Pública francesa, Guizot, a cadeira de
Direito Constitucional foi instalada na Faculdade de Direito de Paris, e teve como primeiro titular, o
Professor Pelegrino Rossi, que era italiano.
CUNHA (2011: p. 1), analisando os primórdios do constitucionalismo brasileiro,
apresenta o Professor José Maria de Avellar Brotero como o precursor do ensino do Direito
Constitucional, nos seguintes termos:
O Conselheiro e Professor José Maria de Avellar Brotero deveria obrigar a reescrever as histórias
do Direito Constitucional por esse mundo fora, pois precedeu o italiano Pellegrino Rossi, que posa para a
posteridade como pioneiro absoluto do ensino desta disciplina. Com efeito, este só viria a dar aulas em Paris
em 1835, sendo que Brotero seria nomeado a 12 de Outubro de 1827 por D. Pedro I, Imperador do Brasil,
precedendo mesmo a criação dos cursos jurídicos paulistas, criados a 11 de Agosto de 1928.
Mesmo pensando que Brotero só dará a sua primeira aula no início de 1829, ficaria nos anais que a
primeira lição constitucional afinal foi dada em português, e na América. Não por acaso ao sol do Novo
Mundo [...]
Nos tempos atuais o estudo do Direito Constitucional envolve três principais
vertentes:
I. Científica:
O Direito Constitucional entendido como conhecimento sistematizado da
organização jurídica fundamental do Estado. Isto é, conhecimento sistematizado das regras jurídicas
relativas à forma do Estado, à forma de Governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao
estabelecimento de seus órgãos e aos limites de sua ação (FERREIRA FILHO, 2005: p. 16).
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II. Estrutural:
Percebido como o estudo do conjunto de normas jurídicas que regula a estrutura
do Estado, que designa as suas funções e que define as atribuições e os limites dos supremos órgãos
do poder político (CAETANO, 1963: p. 31).
III. Sociológica:
Apreendido como a disciplina de qualquer conjunto de normas que venham a
governar uma coletividade humana (PRÉLOT, 1952: pp. 8-9).
2.2. Natureza.
O direito constitucional tem natureza jurídica de direito público e está, assim,
atrelado ao ramo do direito que estuda as relações jurídicas que se desenvolvem no meio social
entre o Estado e as pessoas (físicas e jurídicas).
2.3. Objeto de estudo.
Em nossos dias o estudo acadêmico do Direito Constitucional envolve a análise
das constituições dos Estados democráticos – conteúdo, procedimentos essenciais, evolução
histórica e espacial.
2.4. Conteúdo científico.
O conteúdo científico abrange os seus temas de maior proeminência, que
ressalvam elementos ideais e reais, assinalando tanto o ótimo – o que deve ser – como o possível –
o que é –, de sorte que a evolução de cada Estado permite soluções diversas em determinados
momentos históricos. Entre esses temas, destacam-se:
a) Direitos fundamentais: base e fundamento de e para a solução dos conflitos
intersubjetivos de interesses.
b) Dignidade humana: premissa, realizada a partir da cultura de um povo e dos
direitos universais da humanidade, consagrados por esse povo que encontra sua identidade e
tradições na evolução histórica, depositando esperanças e desejos na criação de um futuro melhor
para todos.
c) Soberania popular: entendida como a vontade popular renovada
constantemente na busca do bem comum e limitada pela responsabilidade pública.
d) Constituição como contrato: em cujo texto são possíveis e necessários fins
educativos e valores orientadores.
e) Separação dos poderes: tanto em sentido estrito, sob a ótica do Estado, quanto
no sentido amplo, do pluralismo político.
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f) Estado de direito e Estado social: seus fundamentos, problemas, suas


características, contradições, entre outros.
2.5. Direito constitucional positivo.
O direito constitucional positivo tem por objeto o estudo dos princípios e regras
de uma constituição concreta, de um Estado determinado. Compreende a sistematização, a
interpretação e a crítica da normas jurídico-constitucionais desse Estado, configuradas na
constituição vigente, nos seus legados históricos e sua conexão com a realidade sócio-cultural.
2.6. Direito constitucional comparado.
O direito constitucional comparado é o estudo teórico das normas jurídico-
constitucionais positivas – não necessariamente vigentes – de vários Estados, com a preocupação de
destacar as singularidades e os contrastes entre eles ou entre grupos deles.
2.7. Direito constitucional geral.
O direito constitucional geral delineia uma série de princípios, conceitos e
instituições que se encontram no direito positivo de vários Estados ou em grupos deles, para
classifica-los e sistematiza-los numa visão unitária. É uma ciência que visa generalizar os princípios
teóricos do direito constitucional e, ao mesmo tempo, identificar pontos de contato e pontos
divergentes do direito constitucional positivo dos diversos Estados que adotam formas semelhantes
de governo.
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3. CONSTITUIÇÃO
3.1. Conceito.
A palavra constituição vem do latim cum + stituto, constitutio, constituere, tendo
o significado de constituir, construir, edificar, formar, organizar. Traz em si uma ideia de estrutura,
de como se organiza algo. No contexto jurídico, representa o modo pelo qual uma sociedade se
organiza e se estrutura, a base de sustentação do Estado constitucional.
Na doutrina constitucionalista, há inúmeros conceitos de constituição, entre os
quais se destacam: formal, material, estrutural, política, jurídica, sociológica, cultural e concretista
aberta.
A constituição em sentido formal é o conjunto de normas que constam no texto
constitucional, só pelo fato de nele estarem inseridas (KELSEN apud BONAVIDES. 2004, p. 82).
Em sentido material a constituição é o conjunto de normas pertinentes à
organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de
governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. Tudo quanto for, enfim,
conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política exprime o aspecto
material da Constituição (BONAVIDES. 2004, p. 80).
Na perspectiva estrutural constituição é o nomen iuris que se dá ao complexo de
regras que dispõem sobre a organização do Estado, a origem e o exercício do Poder, a
discriminação das competências estatais e a proclamação das liberdades públicas (MELLO FILHO:
1986, p. 6-7).
Na avaliação política constituição é algo que emana de um ato de poder soberano,
pois o que existe como magnitude política é, juridicamente considerado, digno de existir
(SCHMITT apud ARAÚJO; NUNES JÚNIOR. 2005, p. 2).
Na perspectiva jurídica constituição significa norma fundamental hipotética, cuja
função é servir de fundamento lógico transcendental de validade da constituição jurídico-positiva,
que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas,
lei nacional no seu mais alto grau (SILVA. 1997, p. 41).
Na ótica sociológica a constituição deve ser o reflexo das forças sociais que
estruturam o poder, sob pena de encontrar-se apenas uma “folha de papel”. Assim, se inexistir
coincidência entre o documento escrito e as forças determinantes do poder, não estaremos diante de
uma constituição (LASSALLE apud ARAÚJO, NUNES JÚNIOR. 2005, p. 2).
Na ponderação cultural constituição é uma formação objetiva de cultura que
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encerra, ao mesmo tempo, elementos históricos, sociais e racionais, aí intervindo, portanto, não
apenas fatores reais (natureza humana, necessidades individuais e sociais concretas, raça, geografia,
uso, costumes, tradições, economia, técnicas) mas também espirituais (sentimentos, ideias morais,
políticas e religiosas, valores) ou ainda elementos puramente racionais (técnicas jurídicas, formas
políticas, instituições, formas e conceitos jurídicos a priore) e finalmente elementos voluntaristas,
pois não é possível negar o papel da vontade humana, da livre adesão, da vontade política das
comunidades sociais na adoção desta ou daquela forma de convivência política e social, e de
organização do Direito e do Estado (TEIXEIRA, 1991, p. 58-59).
No conceito concretista aberto constituição quer dizer ordem jurídica fundamental
do Estado e da sociedade. Este conceito amplo de Constituição compreende as estruturas
fundamentais de uma sociedade pluralista, como por exemplo, a relação dos grupos sociais entre si
e destes com os cidadãos e de todos eles com o Estado (HÄBERLE, 2003, p. 3).
Há outros estudos que merecem ser citados.
MENAULT (2006: pp. 20-25) desenvolve o entendimento de que o conceito de
constituição deve conter o núcleo base, essencial, irredutível desse instituto jurídico, por ele
apresentado como: "limite del poder, por medio del Derecho, asegurando una esfera de derechos y
libertades para el ciudadano".
CUNHA (2007, pp. 60-68) defende a tese de que "O Direito Constitucional, e em
especial o constitucionalismo do Estado Constitucional e cultural, tem muita força, mas precisa de
ter também consciência dos seus limites, e de estar atento aos seus inimigos... A Constituição
aberta e pluralista de hoje também terá, naturalmente, os seus: mas deve identificá-los bem".
O articulista sumariza seu pensamento (ob. cit., pp. 93-96) no sentido de que "a
noção mais abrangente e, contudo rigorosa de Constituição parece ser o simples e sintético 'estatuto
jurídico do político'. E o Direito Constitucional é a realidade jurídica em torno desse estatuto
(sentido fenomênico, sociológico), e a disciplina epistemológica e acadêmica que estuda o mesmo".
Ainda CUNHA (ob. cit., pp. 97-100) procura desenvolver um conceito histórico-
universal de constituição e conclui: "não podendo nos esquecer o legado e o exemplo do
Constitucionalismo tradicional (até pelas suas falhas), ele é contudo matéria sobretudo de formação,
cultural. Importantíssima, mas não técnico-jurídica actual, como é obvio".
Destarte, urge ponderar o relativismo inerente ao desenvolvimento histórico de
cada sociedade e da própria "pauta" de direitos e garantias considerados fundamentais, seja no
tempo, seja no espaço, o que valida o entendimento segundo o qual a compreensão do
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constitucionalismo moderno está indissoluvelmente interligado à análise do núcleo central do


instituto jurídico “constituição”.
O problema, "data venia", reside justamente na identificação do núcleo central, do
cerne da constituição e, ao mesmo tempo, na preservação de suas virtualidades atuais (norma, valor,
fundamento e modelo de aplicação).
Com efeito, na atualidade as constituições passaram a ser interpretadas como
normas.
Esse raciocínio implica necessariamente no entendimento de constituição
enquanto compêndio de valores, na forma da teoria tridimensional do direito de Miguel Reale.
E mais. Entender a constituição como norma e compêndio de valores releva os
demais elementos presente em sua configuração atual, a constituição como fundamento e modelo de
aplicação do direito.
I. Constituição como norma.
A Constituição entendida como norma, como já visto, é fruto do direito norte-
americano, cujo modelo constitucional ressaltou como ressalta a juridicidade e a normatividade do
Texto Magno. Juridicidade que a aloca em um patamar de superioridade (hierárquica) em relação às
demais normas que compõem o ordenamento jurídico. Normatividade como expressão da vontade
soberana da cidadania, cujos dispositivos organizam o Estado e impõem a este limites à atuação
perante os nacionais, na forma de uma carta de direitos obrigatória, cogente.
Com a natural evolução histórica do constitucionalismo, o conteúdo do Texto
Magno passou a ser composto por enunciados normativos caracterizados como regras e como
princípios.
Assim, o modelo normativo constitucional moderno dos Estados Democráticos de
Direito incorporou ao tradicional método da subsunção – aplicável às regras – o da concretização –
destinado aos princípios.
Modelo Subsunção: a regra constitucional é aplicada e esgota seus efeitos
normativo na solução do caso concreto.
constitucional
Concretização: o princípio constitucional é otimizado ou
concretizado e nunca exaure seus efeitos, pois aplicado de acordo
com as peculiaridades do caso concreto.

A partir dessa realidade, o Prof. Marcelo Lamy em seu curso “Teoria da


Constituição”, ministrado na Escola Superior de Direito Constitucional, defende a ideia de um
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modelo de otimização continuada da Constituição, um ciclo contínuo e retroalimentável que


envolve a identificação do problema, a análise das alternativas de solução, a tomada de decisão, a
implementação desta e a avaliação do resultado como condicionante para o início de um novo ciclo.
Modelo de otimização continuada

Fonte: OLSEN, Stephen B. Frameworks and indicators for assessing


progressin integrated coastal management initiatives. Ocean & Coastal
Management 46, p. 347–361, 2003.

Constituição (1) Identificação do problema e análise: condicionantes fáticos e


Modelo de jurídicos.
otimização (2) Preparação da solução: construção abstrata de uma solução
continuada ótima.
(3,4) Adoção formal e implementação: realização prática (concreta)
do comando normativo construido.
(5) Avaliação: verificação da efetividade da solução implementada.
(1) Início de um novo ciclo.

II. Constituição como valor.


No constitucionalismo moderno valores e princípios estão interligados e
constituem a base do entendimento acerca do real significado do Texto Magno e da concretização
de seus preceitos, eis que: os princípios constitucionais incorporam valores e a justificação da
obediência aos seus preceitos ampara-se na racionalidade positivada e no valor de justiça.
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a) Os princípios constitucionais incorporam valores.


Com efeito, os valores positivados nos princípios expressam o máximo (ótimo)
dever e não simplesmente o dever.
Ora, a Constituição é um reflexo das forças hegemônicas de poder de um dada
sociedade em determinado momento histórico, logo, é impregnada pelos valores dessa realidade
histórica.
A partir desse entendimento, FIGUEROA (2006) afirmou que a Constituição é
uma norma positiva que expressa uns valores cujo sentido não se pode estender fora de sua efetiva
interpretação e aplicação por parte dos órgãos jurisdicionados.
b) A justificação da obediência aos seus preceitos ampara-se na racionalidade
positivada e no valor de justiça.
A obediência ou a autoridade do direito ancora-se na racionalidade positivada
atrelada à concretização do ideal, do valor de justiça.
Destarte, a fundamentação dos pareceres, das decisões e das deliberações ampara-
se na realização de um conjunto de valores (igualdade, liberdade, democracia, dignidade da pessoa
humana...) constitucionalizados em determinado contexto (temporal e espacial).
c) Consequências.
Entender a Constituição como valor implica numa mudança de paradigma. Os
dispositivos da Carta Magna, impregnados de valores, transcendem os limites do próprio texto e,
com isso:
Constituição como valor (1) o tradicional juízo de compatibilidade (negativo, que
Consequências estabelece limites) amplia-se para o de adequação (positivo,
propositivo, que estabelece direções, metas);
(2) ao intérprete (especialmente o juiz) cabe o papel de “criar” a
norma individual concreta que efetive o comando valorativo
constitucional, mesmo quando se defronta com a omissão legal ou
com termos constitucionais vagos;
(3) o entendimento da Constituição não apenas sob o aspecto
formal (hierarquia), mas como preceito axiologicamente superior,
que exige respeito aos limites que estabelece e impõe a
observância de seus valores; e
(4) os direitos fundamentais entendidos como base estrutural da
ordem jurídica, não apenas repositório de direitos subjetivos, mas
com eficácia irradiante para toda a ordem jurídica.

III. Constituição como fundamento.


Se a Constituição – no contexto da modernidade – está no centro do sistema
15

jurídico, irradiando sobre ele os seus efeitos, seus dispositivos – em maior ou menor grau –
representam o fundamento das normas e dos atos desse sistema.
MIRANDA (2011: p. 162) afirmou que: “Levada às últimas consequências, esta
concepção equivaleria a considerar a Constituição não apenas como fundação mas também como
fundamentação do poder público e de toda a ordem jurídica. Porque é a Constituição que estabelece
os poderes do Estado e que regula a formação das normas jurídicas estatais, todos os atos e normas
do Estado têm de estar em relação positiva com as normas constitucionais, para participarem
também eles da sua legitimidade; têm de ser conformes com estas normas para serem válidas”.
Com efeito, o fenômeno da constitucionalização do direito está embasado nesse
entendimento. As normas infraconstitucionais quando analisadas sob a ótica da Constituição –
tendo esta como fundamento –, recebem novos aportes, são revigoradas pelo Texto Magno. De
outra sorte, se a Constituição passa a dispor sobre instituto jurídico antes tratado exclusivamente no
plano infraconstitucional, modifica a hierarquia deste, alocando-o em posição de destaque, ao lado
das demais normas fundantes do ordenamento estatal.
Destarte, a constitucionalização do direito implica em novos conteúdos
normativos – significados – e confere “status” diferenciado aos seus preceitos – supremacia.
FAVOREU (2001), após analisar o fenômeno aqui tratado, identificou três tipos
de constitucionalização do direito:
Constitucionalização (1) A constitucionalização-jurisdicização, pelo qual as normas
do direito constitucionais representam verdadeiras normas de direito,
Tipos normas jurídicas.

(2) A constitucionalização-elevação, em que a repartição de


competências entre o legislador infraconstitucional e o poder
regulatório (executivo) de um lado, e o legislador constituinte
de outro, é estabelecida pela Constituição, que passa a ser a
fonte da produção normativa.

(3) A constitucionalização-transformação, em que os direitos


e liberdades constitucionais impregnam os distintos ramos do
direito e produzem uma transformação neles.

A constitucionalização do direito civil, por exemplo, é um fenômeno já ocorrente


no sistema jurídico brasileiro. No julgamento do RE 201.819-8/RJ a Suprema Corte brasileira assim
se posicionou:
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO
16

CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.


RECURSO PROVIDO.
I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos
fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas
relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais
assegurados pela Constituição vinculam diretamente não paenas (apenas) os poderes públicos, estando
direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados(...) (RE 201819/RJ. 2ª T. Rel.
Acórdão Min. Gilmar Mendes. Julg. 11/10/2005. DJ 27/10/2006, p. 64)
No caso, os direitos fundamentais consagrados na Constituição brasileira foram
dela irradiados para fundamentar a solução jurídica de um conflito de interesses na esfera privada –
exclusão de sócio de uma sociedade civil sem fins lucrativos sem que lhe tenham sido garantidos o
contraditório e a ampla defesa.
IV. Constituição como modelo de aplicação do Direito.
Entender a constituição como norma, compêndio de valores e fundamento releva
um outro elemento presente em sua configuração atual, a constituição como modelo de aplicação do
direito.
Com efeito, a constitucionalização do direito implica numa maior complexidade
nas relações jurídicas, levando o intérprete a se socorrer de técnicas especialmente desenvolvidas
para concretizar, para aplicar o direito aos casos concretos, valorando as especificidades de cada
caso.
Especialmente quando diante de um conflito de interesses com fundo
principiológico, o intérprete deve ponderar as especificidades do caso – valorar os interesses em
confronto – e buscar uma solução de equilíbrio – proporcional, razoável – , que produza a menor
restrição possível aos princípios em atrito.
A dificuldade é evidente. Como solucionar o impasse sem sacrificar integralmente
um – princípio – em detrimento do outro, para validar a solução apresentada? A argumentação é a
resposta. A demonstração, a motivação do “decisum”.
Uma advertência desde já merece destaque: o núcleo essencial dos direitos em
conflito deve ser preservado.
Pois bem. A reflexão até aqui desenvolvida, nos leva ao fenômeno da
constitucionalização do direito, vale dizer, o entendimento da constituição como norma, valor e
modelo de aplicação a coloca no papel de fundamento do próprio Direito, irradiando seus preceitos
para alcançar até mesmo as relações tipicamente privadas.
17

3.2. Objeto.
O objeto das constituições é a disciplina normativa da organização político-
administrativa do Estado e a estruturação dos direitos e garantias fundamentais.
3.3. Classificação.
I. Quanto à forma.
a) Constituição escrita: quando codificada e sistematizada num texto único,
elaborado por um órgão constituinte, encerrando todas as normas tidas como fundamentais.
b) Constituição não-escrita ou costumeira: é aquela cujas normas não constam de
um documento único e solene, baseando-se nos costumes, na jurisprudência, nas convenções e em
leis esparsas.
II. Quanto ao modo de elaboração.
a) Dogmática: fruto da aplicação de certos dogmas ou princípios provenientes da
teoria política e do direito.
b) Histórica: produto de lenta síntese histórica, da tradição e dos fatos políticos.
III. Quanto à estabilidade ou à mutabilidade.
a) Rígida: só pode ser modificada mediante processo especial, diferente e mais
difícil que o da formação da lei comum (constituições escritas).
b) Flexível: pode ser modificada pelo processo legislativo ordinário, o mesmo
estabelecido para a edição das leis comuns (escrita em alguns casos, não-escritas sempre).
c) Semi-rígida ou semiflexível: aquela cujas regras materiais são rígidas e as
formalmente constitucionais são flexíveis (escritas).
IV. Quanto à origem.
a) Democrática ou popular: origina-se de um órgão constituinte composto de
representantes do povo.
b) Outorgada: elaborada e estabelecida sem a participação popular.
V. Quanto à extensão.
a) Analítica: regulamenta todos os assuntos relevantes para o Estado e a
sociedade.
b) Sintética: restrita aos princípios e normais gerais regentes do Estado e da
sociedade; é essencialmente valorativa.
VI. Quanto à ideologia.
a) Ortodoxa: formada por uma só ideologia.
18

b) Eclética: representa diversas ideologias conciliatórias.


3.4. Elementos.
I. Orgânicos.
Regulam os poderes do Estado e definem a respectiva estrutura, ex.: Título III da
Constituição brasileira – Da Organização do Estado.
II. Limitativos:
São as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, representando
um não-fazer do Estado em face do indivíduo; ex.: art. 5º da Constituição.
III. Socioideológicos:
Traçam o perfil ideológico do Estado, relevando os aspectos sociais; ex.: art. 170
da Constituição que trata da ordem econômica.
IV. Estabilização constitucional:
Revelam o compromisso com a paz social, com a estabilidade do Estado; ex.:
intervenção federal (arts. 34 a 36 da Constituição), controle de constitucionalidade (art. 102, inciso
I, alínea ‘a’ da Constituição).
V. Formais de aplicabilidade:
Representados pelas regras que traçam o modo de aplicação da Constituição; ex.:
preâmbulo, disposições transitórias.
19

4. TEORIA DO PODER CONSTITUINTE


4.1. Poder constituinte e poder constituído.
A formatação do Estado, sua organização política, é consequência do poder
constituinte, o qual manifesta-se de forma originária – dando início a determinado ciclo jurídico-
político – ou derivada – adaptando-o a novas exigências do convívio social.
Com efeito, o poder constituinte é tradicionalmente entendido como a capacidade
de criar – originário – e modificar – reformador e revisor – uma Constituição. Nesse contexto, a
criação seria produto de um poder supremo, ilimitado, enquanto a modificação fruto de um poder
subordinado, limitado – criação do poder constituinte originário.
O poder constituinte originário – que faz a Constituição – é inicial, ilimitado e
extrajurídico.
Poder Inicial: não se funda em nenhum outro poder.
constituinte
originário
Ilimitado: não está condicionado a nenhum princípio, a nenhuma regra
Características predeterminada.

Extrajurídico: não é conformado pelo ordenamento jurídico vigente.

O poder constituinte derivado – que modifica a Constituição – é jurídico,


subordinado e condicionado.
Poder Jurídico: constituido pelo poder constituinte originário.
constituinte
derivado Subordinado: possui limites de atuação definidos.
Características
Condicionado: adstrito às normas estabelecidas pelo poder constituinte
originário.

Cabe ressalvar que o poder constituinte derivado é também um poder constituído,


eis que fruto da vontade política do poder constituinte originário que lhe dá forma e lhe traça os
contornos.
Nos Estados federais, como o Brasil, o poder constituinte derivado toma a forma
de poder reformador e de poder decorrente.
4.2. Poder constituinte de reforma.
O poder constituinte de reforma denota a capacidade de modificar a Constituição
Federal, no caso brasileiro, de editar emendas constitucionais.
20

O poder constituinte derivado tem limites, instituidos pelo poder constituinte


originário. Tais limites são assim classificados: formais, materiais, ciscunstanciais e implícitos.
Poder Formais: a Constituição somente pode ser modificada de acordo
constituinte com o processo por ela própria definido.
derivado
Limites Materiais: certos dispositivos da Constituição não podem ser
abolidos, apenas conformados. No caso brasileiro as chamadas
"cláusulas pétreas" ─ a forma federativa de Estado; o voto direito,
secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e os
direitos e garantias individuais.
Circunstanciais: a Constituição não pode ser modificada em
momentos de grave crise institucional. No Brasil caracterizados
pelos institutos jurídicos da intervenção federal, do estado de defesa
e do estado de sítio.
Implícitos: a Constituição não pode ser desnaturada; seus
princípios norteadores devem ser preservados.

LEITURA RECOMENDADA
Os limites do Poder constituinte reformador na Constituição da República encontram-se no art.
60, sendo:
a) Limites formais: incisos I, II e III e §§ 2º, 3º e 5º do art. 60.
b) Limites circunstanciais: § 1º do art. 60.
c) Limites materiais: § 4º do art. 60 (cláusulas pétreas).
Há, ainda, o instituto da revisão constitucional, entendido como o poder de
modificar de forma ampla o texto de uma Constituição. Daí surgem indagações: O quão ampla pode
ser uma revisão constitucional? Quais os limites inegociáveis dela?
FARIA (2003: pp. 9-10), fez uma abordagem sociológica da questão e concluiu:
Eis aí a essência da questão. Na democracia, a segurança do direito fundado em lei ou vale para
todos, indistintamente, ou a dualidade de tratamentos, como a que tem sido reclamada pelos mercados, tira a
seriedade do debate sobre o alcance e a vitalidade da ordem constitucional e põe em risco a legitimidade do
próprio regime (...)
Como afirmei antes, ao contrapor a tradicional concepção de poder constituinte originário à
provocativa idéia de poder constituinte evolutivo, do ponto de vista estritamente jurídico-formal talvez não
haja uma saída técnica passível de consenso, capaz de conciliar juristas e financistas, beneficiários dos
direitos adquiridos e os responsáveis pela tesouraria (...)
Só por meio de um ‘experimento’ desse porte, por meio de uma negociação tensa, delicada e
difícil como será concluída, é que, a meu ver, se conseguirá eliminar o tratamento contraditório que os
mercados dão à segurança legal e assegurar uma ordem jurídica que, além de respeitada, também seja eficaz.
21

GUSMÃO (2005: p. 27), tratou o tema sob uma nova ótica – recentíssima –, da
integração econômica e política dos Estados em blocos comunitários e destacou um processo de
abertura constitucional por via de “um procedimento de reforma da Constituição que, ainda que
mantenha o vínculo com o texto constitucional, simultaneamente é desenvolvido em instâncias que
não são aquelas nas quais se situam os fenômenos diretamente decorrentes do texto constitucional”.
Pois bem. A teoria do poder constituinte e, consequentemente, de reforma das
constituições está enfrentando “anomalias” que oferecem riscos ao “paradigma” vigente, na esteira
do posicionamento de GUSMÃO (2005).
Se de um lado é certo que as sociedades futuras não podem ficar eternamente
vinculadas a valores, princípios e regras estabelecidos pelas gerações passadas, de outro lado não é
menos certo que as constituições devem conter um núcleo “pétreo” que confira estabilidade e
segurança ao sistema jurídico dos Estados.
E mais. Se o processo de integração dos Estados em blocos comunitários está em
franca expansão – Europa, América do Sul –, o êxito dele está intimamente relacionado com a
garantia e o respeito aos direitos das comunidades locais, sob pena de gerar graves distúrbios
sociais, como os atualmente vivenciados em alguns países da Europa continental.
Assim, o poder de reforma tem – ou deve ter – como limites inegociáveis o
preâmbulo e as cláusulas pétreas da Constituição, posto que estes revelam o núcleo básico a partir
do qual foi formatado o ordenamento jurídico-político do Estado e que deve ser preservado.
Com efeito, a negociação, o consenso, a minimização ou relativização de rigidez e
dos próprios limites de revisão do texto Constitucional, enfim, dos paradigmas clássicos do poder
constituinte podem e devem ser revistos, ficando a possibilidade de mudança mais aberta e
adaptável às circunstâncias atuais, à velocidade e intensidade das mudanças econômicas mundiais,
desde que preserve e não desnature a essência do modelo vigente – os direitos e garantias
fundamentais e a efetividade do Estado Democrático de Direito.
4.3. Poder constituinte derivado decorrente.
O poder constituinte derivado decorrente é encontrado nos Estados Federais,
como é o caso do Brasil. Refere a capacidade de criar e modificar a Constituição dos estados-
membros. Obedece às regras e, consequentemente, aos limites estatuídos na Constituição da
República.
4.4. Mutações constitucionais.
O fenômeno da mutação constitucional é entendido como o processo informal de
22

mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não
ressaltados à letra da Lex Legum, seja por meio da interpretação, em suas diversas modalidades e
métodos, seja por intermédio da construção (construction), seja via usos e costumes constitucionais.
Nesse contexto, as mutações constitucionais seriam processos indiretos, processos
não formais ou processos informais por meio dos quais ocorrem todas e quaisquer mudanças
constitucionais não produzidas pelas modalidades organizadas de exercício do Poder Constituinte
derivado.
23

5. APLICABILIDADADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS NO


TEMPO
5.1. Nova constituição e ordem jurídica anterior.
Quando a nova constituição entra em vigor, legitima uma ordem jurídico-política
inovadora, fruto da vontade do constituinte originário. O ordenamento infraconstitucional,
entretanto, não é automaticamente por ela invalidado. Existem alguns mecanismos que viabilizam a
absorção, ainda que parcial, das leis pelo novo sistema.
5.2. Recepção e revogação.
5.2.1. Recepção.
Com o advento de uma nova constituição, as normas com ela compatíveis são
recepcionadas e todas as demais que lhe forem contrárias não são recepcionadas (não se trata de
inconstitucionalidade).
Nas palavras de MOTTA FILHO (2013: p. 681), “o fenômeno da recepção
consiste em fazer integrar (continuar integrando) o novo ordenamento jurídico às leis e aos atos
normativos produzidos sob a égide de uma Constituição revogada, desde que compatíveis com a
superveniente”.
Com a recepção, o ordenamento jurídico anterior à nova constituição é preservado
no que for com ela compatível. Diz-se, assim, que as leis mantidas em vigor após a promulgação na
nova constituição são por ela recepcionadas. É um fenômeno jurídico adotado no Brasil.
5.2.2. Revogação.
A teoria da revogação implica da consideração de que uma norma nova retira do
ordenamento jurídico a norma antiga que dispuzer inteiramente sobre a mesma matéria ou quanto
tratar de certa matéria de forma distinta.
E MOTTA FILHO (2013: p. 680) explica:
A teoria da revogação deve ser aplicada em dois níveis dsitintos. Primeiro, em face da
Constituição anterior. Neste caso, é aplicada indistintamente, ou seja, toda a Carta anterior é revogada com a
promulgação da atual. Nada é aproveitado a não ser que conste no texto da nova Constituição [...]
Em segundo lugar, o princípio da revogação também encontra aplicação, se bem que mais restrita,
quando se focaliza o ordenamento jurídico constitucional preexistente [...]
Dessa forma, lei vigente à época em que entra em vigor norma constitucional originária ou
derivada será automaticamente revogada, desde que seu conteúdo seja colidente com o do novo dispositivo
constitucional.
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Na órbita constitucional há, portanto, dois efeitos. No primeiro, a constituição


nova revoga inteiramente a constituição anterior, a qual deixa de existir enquanto norma. No
segundo, a constituição nova revoga imediatamente a legislação infraconstitucional que colida com
seus ditames.
5.3. Recepção material das normas constitucionais.
A constituição nova recepciona todo o ordenamento constitucional com ela
compatível, conforme já exposto. Trata-se de recepção material e não formal.
5.4. Repristinação.
É o fenômeno pelo qual a legislação infraconstitucional (leis complementares,
ordinárias...) que perdeu a eficácia diante de um texto constitucional, se restaura pelo advento de
uma nova constituição.
Na doutrina de MOTTA FILHO (2013: p. 682), “a repristinação consiste na
recuperação dos pressupostos de validade de uma lei revogada, revogando a lei revogadora. Sua
materialização depende de uma sucessão de três leis: uma lei revogada que foi revogada por uma
outra revogadora que, por sua vez, é revogada por uma lei terceira lei repristinante que revoga a lei
revogadora. Portanto, para surgir a possibilidade da repristinação existe a necessidade de três
normas espaçadas, diluidas no tempo”.
O ordenamento jurídico brasileiro, em regra, não admite a repristinação, em
homenagem aos princípios da segurança e da estabilidade das relações jurídicas.
5.5. Desconstitucionalização.
É o fenômeno segundo o qual os dispositivos da constituição anterior – não
repetidos e com ela materialmente compatíveis – são recebidos pela nova ordem constitucional na
forma de legislação ordinária.
O ordenamento jurídico brasileiro atual não comporta a desconstitucionalização.
25

UNIDADE II

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO: 1. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais:


1.1. Eficácia social e eficácia jurídica. 1.2. Classificação de José Afonso da Silva: normas de
eficácia plena, contida e limitada. 1.3. Outras classificações. 2. Evolução histórica do
constitucionalismo brasileiro: 2.1. Carta Política do Império do Brasil de 1824. 2.2.
Constituição de 1891. 2.3. Constituição de 1934. 2.4. Carta Política de 1937. 2.5. Constituição
de 1946. 2.6. Constituição de 1967 e sua Emenda 1. 2.7. Constituição de 1988. 3. Interpretação
das normas constitucionais. 3.1. Hermenêutica constitucional. 3.2. Métodos de interpretação.
3.3. Interpretação conforme a Constituição. 3.4. Princípios constitucionais fundamentais:
3.4.1. Princípio republicano. 3.4.2. Princípio do estado democrático de direito. 3.4.3. Princípio
da dignidade da pessoa humana. 3.4.4. Princípio da separação de poderes. 3.4.5. Princípio do
pluralismo político. 3.4.6. Princípio da isonomia. 3.4.7. Princípio da legalidade. 4. Direitos e
garantias fundamentais: 4.1. Teoria geral dos direitos humanos. 4.2. Direitos e deveres
individuais e coletivos. 4.3. Direitos sociais. 4.4. Direitos da nacionalidade. 4.5. Direitos da
cidadania ou direitos políticos.

1. EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:


1.1. Eficácia social e eficácia jurídica.
Diz-se das normas constitucionais que tem eficácia jurídica e eficácia social. A
primeira, também reconhecida como eficácia técnica, confunde-se com a vigência; em outros
termos, a constituição vigente é juridicamente eficaz. A eficácia social exige mais do que a
vigência, é indispensável que possua legitimidade; isto é, a eficácia social da constituição resulta da
aceitação dela pela sociedade, pelo cumprimento espontâneo dos seus comandos, pelo
reconhecimento da supremacia que exerce ante o ordenamento jurídico estatal.
Nesse contexto, as regras da constituição vigente, todas elas, tem eficácia jurídica,
entretanto, nem todas necessariamente dispõem de eficácia social, mas tão somente àquelas que
gozam de legitimidade.
26

1.2. Classificação de José Afonso da Silva: normas de eficácia plena, contida e


limitada.
Normas Plena: aquelas que por sua própria essência possuem todos os
constitucionais elementos necessários à produção dos efeitos que visa, sem
Eficácia necessidade da legislação infraconstitucional.

Limitada: as que não produzem efeitos imediatos, dependendo da


regulamentação infraconstitucional, dividindo-se em:
─ Princípios institutivos ou organizativos: fazem a previsão da
existência de uma instituição jurídica ou um órgão, dependendo de
uma lei posterior para constituí-lo.
─ Princípios programáticos: preveem um fim a ser executado pelo
Estado ou determinando que este cumpra um programa; o legislador
não é obrigado a legislar ante a norma programática, mas, se o fizer,
não poderá contrariá-la.

Contida: embora tendo algum efeito direto e imediato, este pode ser
restringidos pela legislação infraconstitucional; enquanto o legislador
não elaborar a lei de caráter restritivo, têm eficácia plena.

1.3. Outras classificações.


1.3.1. Quanto ao conteúdo: materiais e formais.
Normas Materiais: as que, por seu conteúdo, referem-se diretamente à
constitucionais forma de Estado, à forma de governo, ao modo de aquisição e do
Conteúdo exercício do poder, ao estabelecimento dos órgãos estatais, aos
limites da ação destes, bem como aos direitos e garantias
fundamentais.

Formais: as que existem numa constituição escrita e que, a rigor,


não têm conteúdo constitucional. Discorrem sobre processos,
procedimentos, o "modus operandi".

1.3.2. Quanto à aplicabilidade: auto-executáveis e não auto-executáveis.

Auto-executáveis: têm aplicabilidade imediata; são completas e definidas quanto


à hipótese e à disposição; bastam por si mesmas e, assim, podem e devem ser aplicadas de imediato.
Não auto-executáveis: não podem ter aplicabilidade imediata porque dependem
de regra ulterior que as complemente.
• Incompletas: não são suficientemente definidas.
• Condicionadas: dependem de legislação posterior.
• Programáticas: indicam planos ou programas de atuação do Poder Público em
prol da coletividade.
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2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSTITUCIONALISMO


BRASILEIRO:
2.1. Carta Política do Império do Brasil de 1824.
A Carta Imperial foi a de maior duração do Estado brasileiro. Quando em 1889 foi
revogada pelo governo republicano, contava com 65 (sessenta e cinco) anos de vigência e era a
segunda constituição escrita mais antiga, superada apenas pela Constituição norte americana. Foi,
portanto, um momento de estabilidade política, econômica e social, devidamente caracterizada,
entre outros assuntos relevantes: (1) intervenções no Prata e a Guerra do Paraguai; (2) fim da tarifa
preferencial inglesa e início do protecionismo econômico; (3) vedação do tráfico de escravos; (4)
processo de industrialização; e (5) abolição da escravatura. Instituiu um regime monárquico
parlamentar democrático com quatro poderes: legislativo (Parlamento com duas Casas), executivo
(Primeiro Ministro e seu Gabinete), judiciário (juízes e tribunais) e moderador (Imperador).
De seu texto, vale destacar da Carta de Direitos (art. 179):
I. a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, com base
na liberdade, segurança individual e propriedade;
II. liberdade de pensamento;
III. vedação à perseguição por motivo religioso, desde que respeitada a religião do
Estado e não ofendida a moral pública;
IV. liberdade de locomoção;
V. presunção de inocência;
VI. juiz natural;
VII. igualdade na lei;
VIII. proibição de penas cruéis (açoites, tortura, marca de ferro quente...);
IX. personalização da pena e vedação ao confisco de bens;
X. liberdade de trabalho;
XI. sigilo da correspondência;
XII. direito de petição; e
XIII. garantia da instrução primária e gratuita a todos os cidadãos.
2.2. Constituição de 1891.
A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 buscou corporificar juridicamente o
regime republicano instituído com a Revolução que derrubou o Império.
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Os princípios que essa Constituição esposou tiveram uma longa gestação no


pensamento político brasileiro, durante todo o período da propaganda republicana, pregando um
regime de governo baseado na liberdade, na igualdade e na justiça.
Entre seus principais preceitos, vale destacar:
XIV. instituiu o sufrágio direto para a eleição dos deputados. senadores, presidente e
vice-presidente da República, estendendo implicitamente esse preceito aos cargos eletivos
estaduais, por força da disposição que mandava respeitassem os Estados os princípios
constitucionais da União;
XV. assegurou o direito de votar aos cidadãos maiores de 21 anos que se alistassem na
forma da lei, excluindo do alistamento os mendigos, os analfabetos, as praças de pré e os religiosos
sujeitos a voto de obediência;
XVI. aboliu a exigência de renda, proveniente de bens de raiz, comércio, indústria ou
artes, como critério de exercício dos direitos políticos;
XVII. extinguiu os títulos nobiliárquicos;
XVIII. consagrou a separação da Igreja do Estado e a plena liberdade religiosa;
XIX. consagrou a liberdade de associação e de reunião sem armas;
XX. assegurou aos acusados a mais ampla defesa;
XXI. eliminou as penas de galés, banimento judicial e morte;
XXII. deu ao habeas corpus a amplitude de remediar qualquer violência ou coação por
ilegalidade ou abuso de poder; e
XXIII. positivou as garantias da magistratura (vitalidade, inamobilidade e irredutibilidade
de vencimentos) mas, expressamente, só em favor dos juízes federais.
2.3. Constituição de 1934.
A Revolução Constitucionalista de 1932 e a voz dos que se levantaram contra a
prepotência precipitaram a convocação, em 1933, de uma Assembléia Constituinte.
A participação popular foi, entretanto, bastante reduzida. Um dos motivos dessa
carência de participação foi a censura à imprensa. Esta vigorou durante todo o período de
funcionamento da Constituinte.
Apesar da censura, a Carta Política de 1934 restabeleceu as liberdades
constitucionais suprimidas pelo período autoritário que se seguiu à Revolução de 1930.
Entre seus principais preceitos, vale destacar:
I. determinou que a lei não prejudicaria o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
29

a coisa julgada;
II. explicitou o principio da igualdade perante a lei, estatuindo que não haveria
privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissão própria ou dos pais,
riqueza, classe social, crença religiosa ou idéias políticas;
III. permitiu a aquisição de personalidade jurídica pelas associações religiosas e
introduziu a assistência religiosa facultativa nos estabelecimentos oficiais;
IV. instituiu a obrigatoriedade de comunicação imediata de qualquer prisão ou
detenção ao juiz competente para que a relaxasse, se ilegal, promovendo a responsabilidade da
autoridade coatora;
V. manteve o habeas corpus para proteção da liberdade pessoal, bem como instituiu
o mandado de segurança para defesa do direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato
manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade;
VI. vedou a pena de caráter perpétuo;
VII. proibiu a prisão por dividas, multas ou custas;
VIII. impediu a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião e, em
qualquer caso, a de brasileiros;
IX. criou a assistência judiciária para os necessitados;
X. determinou às autoridades a expedição de certidões requeridas, para defesa de
direitos individuais ou para esclarecimento dos cidadãos a respeito dos negócios públicos;
XI. isentou de imposto o escritor, o jornalista e o professor;
XII. atribuiu a todo cidadão legitimidade ativa para pleitear a declaração de utilidade
ou anulação dos atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.;
XIII. proibiu a diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo,
nacionalidade ou estado civil;
XIV. regulou o salário mínimo, capaz de satisfazer as necessidades normais do
trabalhador;
XV. limitou a jornada de trabalho a oito horas diárias, só prorrogáveis nos casos
previstos em lei;
XVI. vedou o trabalho a menores de 14 anos, o trabalho noturno a menores de 16 anos e
em indústrias insalubres a menores de 18 anos e a mulheres;
XVII. instituiu o repouso semanal, de preferência aos domingos e as férias anuais
remuneradas;
30

XVIII. previu indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;


XIX. consagrou a assistência médica sanitária ao trabalhador e o atendimento médico à
gestante, assegurada a ela descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego;
XX. instituiu a previdência social, mediante contribuição igual da União, do
empregador e do empregado, em caso de velhice, de invalidez, de maternidade e de acidentes de
trabalho ou de morte;
XXI. previu a regulamentação do exercício de todas as profissões;
XXII. reconheceu as convenções coletivas de trabalho;
XXIII. tornou obrigatório às empresas localizadas fora dos centros escolares, a
manutenção de ensino primário gratuito, desde que nelas trabalhassem mais de 50 pessoas,
havendo, pelo menos, 10 analfabetos;
XXIV. criou a Justiça do Trabalho;
XXV. consagrou o direito de todos à educação, com a determinação de que esta
desenvolvesse, num espírito brasileiro, a consciência da solidariedade humana;
XXVI. estabeleceu a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário, inclusive para os
adultos, além de prever a gratuidade do ensino ulterior ao primário;
XXVII. tornou o ensino religioso facultativo, respeitada a confissão do aluno; e
XXVIII. estatuiu a liberdade de ensino e a garantia da cátedra.
2.4. Carta Política de 1937.
O Estado Novo institucionalizou o autoritarismo. O Parlamento e as Assembléias
foram fechados. A Carta de 1937 previu a existência de um Poder Legislativo, mas as eleições para
a escolha de seus membros não foram convocadas. Deteve o Presidente, até a queda do Estado
Novo, o poder de expedir decretos-leis (art. 180).
A magistratura perdeu suas garantias (art. 177). Um tribunal de exceção, o
Tribunal de Segurança Nacional, passou a ter competência para julgar os crimes contra a segurança
do Estado e a estrutura das instituições (art. 172). Leis eventualmente declaradas contrárias à
própria Constituição, por juízes sem garantias, podiam ser vaIidadas pelo Presidente (art. 96, par.
único c/c art. 180).
A Carta Política declarou o país em estado de emergência (art. 186), suspendeu a
liberdade de ir e vir, instituiu a censura da correspondência e de todas as comunicações orais e
escritas, sustou a liberdade de reunião e permitiu a busca e a apreensão em domicílio (art. 168,
letras "a", "b", "c" e "d").
31

Em tal ambiente jurídico e político, mesmo as garantias individuais mantidas,


perderam sua efetividade, sendo contagiadas pelo gérmen autoritário até as garantias que não
representavam qualquer risco para o regime vigente.
2.5. Constituição de 1946.
Em 1946, o país foi redemocratizado. A Constituição de 18 de setembro de 1946
restaurou os direitos e garantias individuais, que foram ampliados, nos seguintes termos:
I. consagrou o princípio da ubiquidade da Justiça (art. 141, § 4º): "A lei não poderá
excluir da apreciação do poder judiciário, qualquer lesão de direito individual";
II. estabeleceu a soberania dos veredictos do tribunal do júri e a individualização da
pena;
III. definiu o salário mínimo como capaz de atender às necessidades do trabalhador e
de sua família;
IV. tornou obrigatória e direta a participação do trabalhador nos lucros da empresa;
V. proibiu o trabalho noturno a menores de 18 anos;
VI. fixou percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em
concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos do comércio e da indústria;
VII. instituiu a assistência aos desempregados;
VIII. conferiu ao empregador a obrigatoriedade de instituir seguro contra acidentes do
trabalho;
IX. consagrou o direito de greve e a liberdade de associação patronal ou sindical;
X. manteve os direitos de salário do trabalho noturno superior ao do diurno e de
repouso nos feriados civis e religiosos, inovações da Carta de 37;
XI. firmou a gratuidade do ensino oficial superior ao primário aos que provassem falta
ou insuficiência de recursos;
XII. tornou obrigatória a manutenção pelas sociedades empresariais com mais de 100
empregados, do ensino primário para os servidores e respectivos filhos, bem como a administração,
em parceira, da aprendizagem aos seus trabalhadores menores; e
XIII. instituiu a assistência educacional em favor dos alunos necessitados, para lhes
assegurar condições de eficiência escolar.
2.6. Constituição de 1967 e sua Emenda 1.
O primeiro Ato Institucional da Revolução de 31/03/1964 deu ao presidente da
32

Republica poderes para decretar o estado de sítio, sem ouvir o Congresso Nacional (art. 6º).
Suspendeu as garantias constitucionais e legais da vitaliciedade e estabilidade e, por conseguinte,
também as garantias da magistratura pelo prazo de 6 meses (art. 7º). Deu aos editores do Ato, bem
como ao presidente da República, que seria escolhido, poderes para, até 60 dias depois da posse,
cassar mandatos eletivos e suspender direitos políticos. Ademais, estabeleceu que tais atos estavam
a descoberto de proteção judiciária (art. 7º, § 4º).
No Ato institucional nº 2 (AI-2), foi declarado que a Constituição de 1946 e as
Constituições Estaduais e respectivas emendas eram mantidas com as modificações constantes do
Ato. Nele, os poderes excepcionais do primeiro Ato Institucional foram revividos e ampliados.
O Ato Institucional nº 2 vigorou até 15/03/1967, quando entrou em vigor a Carta
decretada e promulgada em 24/011967, a qual apresentou graves retrocessos sob a ótica dos direitos
humanos.
Inovou positivamente quando determinou que se impunha a todas as autoridades o
respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário. Entretanto, praticamente nenhuma
eficácia teve o dispositivo em vista do clima geral de redução de liberdade e a consequente
impossibilidade de denúncia dos abusos ocorridos.
Como disposições contrárias ao trabalhador cabe citar: a redução para 12 anos da
idade mínima de permissão do trabalho; a supressão da estabilidade, com o estabelecimento do
regime de fundo de garantia, como alternativa; as restrições ao direito de greve; a supressão da
proibição de diferença de salários, por motivo de idade e nacionalidade.
Para compensar a classe laboral, alguns preceitos favoráveis: inclusão, como
garantia constitucional, do direito ao salário-família, cm favor dos dependentes do trabalhador;
proibição de diferença de salários também por motivo de cor; participação do trabalhador,
eventualmente, na gestão da empresa; aposentadoria da mulher, aos trinta anos de trabalho, com
salário integral.
A Carta de 1967 vigorou até ser substituída pela Constituição de 17/10/1969. De
fato, entretanto, teve eficácia até 13/12/1968, quando foi baixado o Ato Institucional nº 5.
O AI-5 introduziu tão profundas modificações na estrutura do poder político e em
relação aos direitos individuais que, numa visão cientifica, não se pode conciliá-lo com o espírito da
Constituição de 1967, pois além de repetir todos os poderes discricionários conferidos ao Presidente
da República pelo AI-2, ampliou o arbítrio, dando ao Chefe do Executivo a prerrogativa de
confiscar bens, além de suspender a garantia do habeas corpus nos casos de crimes políticos, contra
33

a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular e excluir a possibilidade de


exame judiciário das medidas aplicadas.
Em 17/10/1969, em recesso forçado o Congresso Nacional, foi outorgada, pelos
três ministros militares, nova Carta, sob a aparência de emenda constitucional, aprofundando o
retrocesso político, pois: incorporou a seu texto medidas autoritárias dos Atos Institucionais;
consagrou a intervenção federal nos Estados; cassou a autonomia administrativa das capitais e
outros municípios; impôs restrições ao Poder Legislativo; validou o regime dos decretos-leis;
manteve e ampliou as estipulações restritivas da Constituição de 1967, quer em matéria de garantias
individuais, quer em matéria de direitos sociais.
2.7. Constituição de 1988.
De uma maneira geral, a filosofia dos direitos humanos está presente na
Constituição de 1988, embora nem todas as aspirações manifestadas pela sociedade civil tenham
sido acolhidas pelos constituintes.
De se ressaltar, como ponto positivo, que a atual Carta Republicana contém, numa
visão global, a marca da origem popular ou do apoio popular.
Pela primeira vez, uma Constituição brasileira começa pela enumeração dos
direitos e garantias fundamentais.
Trata-se de um compêndio moderno, bem estruturado e que ressalta algumas
peculiaridades:
I. Posicionamento constitucional: Na Constituição, os direitos fundamentais
representam o gênero do qual são espécies os direitos individuais, coletivos, difusos, sociais,
nacionais e políticos.
II. Aplicabilidade imediata: Não necessitam de normas posteriores que os regulem.
III. Abrangência: Os direitos e garantias elencadas no artigo 5º da Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados nem dos tratados assinados
pelo Brasil.
34

3. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:


CAMARGO (2003: p. 13-14), em seus estudos sobre hermenêutica e
argumentação, defendeu que o entrelaçamento da hermenêutica com a interpretação jurídica refere-
se “ao processo de aplicação da lei realizado pelo Poder Judiciário. Sob essa ótica, só faz sentido
interpretarmos a lei tendo em vista um problema que requeira solução legal. Mas a aplicação da lei
deverá atender, antes de tudo, o indivíduo e a sociedade a quem ela serve. Por isso, pensamos a lei
em função de situações específicas, ou de casos concretos que envolvem pessoas”. E seguiu: “O
direito é compreendido com valores, e a norma que buscamos no texto através da interpretação
encontra-se relacionada a uma situação histórica da qual fazem parte o sujeito (intérprete) e o objeto
a ser interpretado (fato e norma). Assim, podemos afirmar que o processo de interpretação e de
aplicação das leis corresponde a uma situação hermenêutica [...]”.
Nesse contexto, a interpretação das normas constitucionais busca na hermenêutica
os instrumentos indispensáveis para entender e dizer o real significado da Lei Maior.
3.1. Hermenêutica constitucional.
Ainda CAMARGO (2003: p. 14-15), afirmou que “a visão hermenêutica atual é
aquela que privilegia a busca do conhecimento de algo que não se apresenta de forma clara. A
complexidade das ciências sociais, sempre referidas a valores, faz com que a verdade se apresente
de forma oculta ou que seja, ao menos, discutível. Cabe falarmos em hermenêutica nesta área do
conhecimento que não se submete à certeza da investigação científica. E o direito não foge à regra.
A hermenêutica jurídica refere-se, assim, a todo um processo de interpretação e aplicação da lei que
implica a compreensão total do fenômeno que requer solução”.
Quanto à interpretação (2003: p. 19), disse que pode-se defini-la “como a ação
mediadora que procura compreender aquilo que foi dito ou escrito por outrem. Como ação
responsável e não aleatória, procura-se, por meio da interpretação, um significado que seja aceito ao
menos por aqueles a quem interessa ao intérprete, adotando-se, para tanto, técnicas de
argumentação”.
Destarte, é mister concluir que a hermenêutica constitucional estuda os processos
utilizados para aferir o significado das normas constitucionais. Não se confunde, portanto, com a
interpretação constitucional, a qual busca encontrar o verdadeiro sentido e o significado das normas
constitucionais.
3.2. Métodos de interpretação.
COELHO (2004: p. 24) invocou lição de Canotilho para afirmar que “a
35

interpretação das normas constitucionais é um conjunto de métodos desenvolvidos pela doutrina e


pela jurisprudência com base em critérios ou premissas – filosóficas, metodológicas,
epistemológicas – diferentes – mas, em geral, reciprocamente complementares, o que ressalta o
caráter unitário da atividade interpretativa”.
Com efeito, CANOTILHO (ob. cit., pp. 1210 e ss.) destacou seis métodos de
interpretação da constituição: jurídico (método hermenêutico clássico), tópico-problemático (tópoi:
esquemas de pensamento, raciocínio, argumentação, lugares comuns, pontos de vista),
hermenêutico-concretizador, científico-espiritual (valorativo, sociológico), normativo-estruturante e
comparativo, nos seguintes termos:
• Método jurídico:
"O método jurídico parte da consideração de que a constituição é, para todos os efeitos, uma lei.
Interpretar a constituição é interpretar uma lei (tese da identidade: interpretação constitucional =
interpretação legal). Para se captar o sentido da lei constitucional devem utilizar-se os cânones ou regras
tradicionais da hermenêutica. O sentido das normas constitucionais desvenda-se através da utilização como
elementos interpretativos: (i) do elemento filológico (= literal, gramatical, textual); (ii) do elemento lógico (=
elemento sistemático); (iii) do elemento histórico; (iiii) do elemento teleológico (= racional); (iiiii) do
elemento genético.
A articulação destes vários factores hermenêuticos conduzir-nos-á a uma interpretação
jurídica (= método jurídico) da constituição em que o princípio da legalidade (= normatividade)
constitucional é fundamentalmente salvaguardado pela dupla relevância atribuída ao texto: (1) ponto de
partida para a tarefa de mediação ou captação de sentido por parte dos concretizadores das normas
constitucionais; (2) limite da tarefa de interpretação, pois a função do intérprete será a de desvendar o sentido
do texto sem ir para além, e muito menos contra, o teor literal do preceito." (ob. cit., pp. 1210/1211)

• Método tópico-problemático:
"O método tópico-problemático, no âmbito do direito constitucional, parte das seguintes
premissas: (1) caráter prático da interpretação constitucional, dado que, como toda a interpretação, procura
resolver os problemas concretos; (2) caráter aberto, fragmentário ou indeterminado da norma constitucional;
(3) preferência pela discussão do problema em virtude do open texture (abertura) das normas constitucionais
que não permitam qualquer dedução subsuntiva a partir delas mesmo." (ob. cit., p. 1211)

• Método hermenêutico-concretizador:
"O método hermenêutico-concretizador arranca da ideia de que a leitura de um texto normativo se
inicia pela pré-compreensão de seu sentido através do intérprete. A interpretação da constituição não foge a
esse processo: é uma compreensão de sentido, um preenchimento de sentido juridicamente criador, em que o
intérprete efectua uma actividade prático-normativa, concretizando a norma para e a partir de uma situação
histórica concreta. No fundo, este método vem realçar e iluminar vários pressupostos da tarefa interpretativa:
(1) os pressupostos subjectivos, dado que o intérprete desempenha um papel criador (pré-compreensão) na
36

tarefa de obtenção do sentido do texto constitucional; (2) os pressupostos objectivos, isto é, o contexto,
actuando o intérprete como operador de mediações entre o texto e a situação em que se aplica; (3) relação
entre o texto e o contexto com a mediação criadora do intérprete, transformando a interpretação em
<movimento de ir e vir> (círculo hermenêutico).” (ob. cit., p. 1212)

• Método científico-espiritual:
"As premissas básicas do chamado método científico-espiritual baseiam-se na necessidade de
interpretação da constituição dever ter em conta: (i) as bases de valoração (= ordem de valores, sistema de
valores) subjacentes ao texto constitucional; (ii) o sentido e a realidade da constituição como elemento do
processo de integração. O recurso à ordem de valores obriga a uma <captação espiritual> do conteúdo
axiológico último da ordem constitucional. A idéia de que a interpretação visa não tanto dar resposta ao
sentido dos conceitos do texto constitucional, mas fundamentalmente compreender o sentido e a realidade de
uma lei constitucional, conduz à articulação desta lei com a integração espiritual real da comunidade (com os
seus valores, com a realidade existencial do Estado)." (ob. cit., pp. 1212/1213)

• Método normativo-estruturante:
"As premissas básicas do chamado método científico-espiritual baseiam-se na necessidade de
interpretação da constituição dever ter em conta: (i) as bases de valoração (= ordem de valores, sistema de
valores) subjacentes ao texto constitucional; (ii) o sentido e a realidade da constituição como elemento do
processo de integração. O recurso à ordem de valores obriga a uma <captação espiritual> do conteúdo
axiológico último da ordem constitucional. A idéia de que a interpretação visa não tanto dar resposta ao
sentido dos conceitos do texto constitucional, mas fundamentalmente compreender o sentido e a realidade de
uma lei constitucional, conduz à articulação desta lei com a integração espiritual real da comunidade (com os
seus valores, com a realidade existencial do Estado)." (ob. cit., pp. 1212/1213)

• Interpretação comparativa:
"O apelo a elementos de direito comparado costuma ser feito, na teoria clássica da interpretação, a
propósito do elemento histórico. A interpretação comparativa pretende captar, de forma jurídico-
comparatística, a evolução da conformação, diferenciada ou semelhante, de institutos jurídicos, normas e
conceitos nos vários ordenamentos jurídicos com o fito de esclarecer o significado a atribuir a determinados
enunciados linguísticos utilizados na formulação de normas jurídicas.
Em tempos recentes, a comparação jurídica é erguida a <quinto método de interpretação>.
Esta comparação assume, em geral, uma natureza valorativa, ou seja, reconduz-se a uma comparação jurídica
valorativa no âmbito do Estado Constitucional. Através dela, é possível estabelecer a comunicação entre
várias constituições (Häberle) e descobrir critério da melhor solução para determinados problemas
concretos." (ob. cit., p. 1214)
Pela relevância que possuem no âmbito do estudo científico do Direito
Constitucional, merecem destaque os seguintes métodos ou técnicas de interpretação: jurídica,
tópico problemática, hermenêutica concretizadora e constituição como processo público.
37

3.2.1. Jurídica.
A tradicional e básica interpretação constitucional parte da premissa de que o
Texto Magno é uma lei e de seus dispositivos é que são extraidos os respectivos sentidos e
significados. Releva os princípios da supremacia e da legalidade estrita.

3.2.2. Tópico problemática


Social Para VIEHWEG (1979: p. 17) “a tópica
é uma técnica de pensar por problemas,
Direito
desenvolvida pela retórica”.
Lex Pensar o problema, portanto, é o cerne
Mater
do método tópico problemático, moderna
técnica de interpretação constitucional que
Problema busca, primordialmente, demonstrar que o
argumento

dedutivo não é o único meio de controle da certeza racional. Para seus defensores, esse método
viabiliza a interpretação voltada para o encontro da solução peculiarmente adequada a cada caso,
pensado como um problema em toda a sua complexidade. Trata-se de uma técnica de chegar ao
problema onde ele se encontra, elegendo os mecanismos recomendáveis a uma solução adequada.
A interpretação tópico problemática, portanto, é uma técnica de pensamento
problematizado, que busca a solução adequada de premissas, como: teoria da prática, doutrina da
argumentação, pensamento orientado ao problema, orientação à ação ou decisão, doutrina dos
lugares comuns, entre outras.
Esta técnica encontrou no Direito Constitucional – essencialmente valorativo e
principiológico, em que os institutos jurídicos basilares possuem um elevado grau de abstração e
generalidade, de modo que conseguem abarcar diversos casos reais – um campo fértil para sua
aplicação e desenvolvimento.
Com efeito, sendo a Constituição dos Estados democráticos uma estrutura aberta
representativa dos valores de uma sociedade heterogênea e pluralista, valores esses com
considerável teor de indeterminação, a utilização da técnica de interpretação tópico problemática, na
busca de uma solução justa para cada problema, tende a encontrar na “Lex Mater” a resposta
adequada para o caso concreto.
É que na base de sustentação ideológica da Lei Maior dos Estados democráticos
38

encontra-se o princípio da justiça, do bem comum, em outras palavras, o que antes era tratado como
princípio geral do direito, hoje é um princípio constitucional, supremo, de caráter vinculante e
obrigatório.
Logo, se o objetivo é a busca de uma solução justa, é neste sistema de valores
(constituição), que o aplicador do direito irá encontra-la.

3.2.3. Hermenêutica concretizadora


Concretizar é produzir, a partir de um
conflito social (caso concreto), a norma
defensável para esse caso no quadro de uma
democracia e de um estado de direito.
MÜLLER (2005: p. 47) ao defender a
concretização da norma ao invés da
Problema interpretação do texto da norma, assim se
expressou:

Enquanto forem indicadas como ‘métodos’ de práxis e da ciência jurídicas somente regras de
interpretação, a estrutura da realização prática do direito terá sido compreendida de forma equivocada. A
interpretação do teor literal da norma é um dos elementos mais importantes no processo da concretização,
mas somente um elemento. Uma metódica destinada a ir além do positivismo legalista deve indicar regras
para a tarefa de concretização da norma no sentido abrangente da práxis efetiva. Não pode aferrar-se nem ao
dogma da evidência nem ao dogma voluntarista. Não pode conceber o processo bem como a tarefa da
realização do direito normativamente vinculado como uma mera reelaboração de algo já efetuado. Ela deve
elaborar os problemas da ‘pré-compreensão’ da ciência jurídica e do fato da concretização estar referida ao
caso. Ela deve partir in totum de uma teoria da norma que deixa para trás o positivismo legalista.
No método hermenêutico concretizador a interpretação da norma transcende a do
respectivo texto. É vista como algo complexo, com múltiplos elementos, razão pela qual não há um
ponto final, mas um caminho em que não há uma única ou uma última palavra.
Em se tratando de concretização de normas constitucionais, defendem seus
adeptos que sejam considerados alguns elementos metodológicos convencionais (interpretação
gramatical, histórica, sistemática, teleológica...) juntamente com elementos do âmbito da norma,
dogmáticos, teóricos, técnicos de solução, políticos-jurídicos...
A ideia base é a interpretação da constituição tendo em conta que esta não está
confinada a um texto de lei, alargando-se a espaços materiais e fáticos de máxima amplitude.
39

A linguagem e os significados são relevantes para a compreensão e a


concretização da constituição.
É que conhecer o sentido do signo linguístico constituição significa saber quais
regras vigem para o seu uso e saber como se pode agir com esse signo. A constituição não é
introduzida como definição nem como significado efetivamente usado, mas como elemento de
trabalho, como mera explicitação.
Portanto, o sujeito da decisão jurídica não é a lei, a norma, mas o jurista
efetivamente atuante.
A técnica de interpretação hermenêutica concretizadora é vista com um método
seguro, cientifico e rigoroso que permite ao operador do direito o alcance da solução justa para o
caso concreto, que não se confunde com o texto da norma, o qual em momento algum deve ser
menosprezado ou abandonado pelo intérprete.

3.2.4. Constituição como processo


Sociedade público
A técnica de interpretação da
constituição como processo público tem como
suportes: (1) o alargamento do círculo de
Constituição
intérpretes; (2) o conceito de interpretação
como um processo aberto e público; e (3) a
referência desse conceito à constituição em si
mesma, como realidade constituída e
publicização.

Para HÄBERLE (2003), um exame realista do surgimento da interpretação


constitucional pode requerer um conceito de interpretação mais amplo, para a qual os cidadãos e os
grupos, os órgãos do Estado e a opinião pública (Öffentlichkeit), são forças produtivas da
interpretação, isto é, intérpretes da Constituição em sentido amplo. Estes intérpretes atuam ao
menos como intérpretes prévios (Vorinterpreten); a responsabilidade permanece com o Poder
Judiciário, intérprete constitucional de última instância (com reserva da força normativa dos votos
das minorias). O que se deseja é a democratização da interpretação constitucional, na medida em
que a teoria da interpretação tem que obter respaldo na teoria democrática e vice-versa. Não há
40
interpretação da Constituição sem a participação ativa dos cidadãos e dos poderes públicos citados.
Nesse contexto, interpretar a constituição como um processo público implica em
considerar o texto constitucional a partir da compreensão de todas as potências públicas, grupos
sociais e cidadãos envolvidos ou que, de forma direta ou indireta, influenciem, no labor
interpretativo dos agentes formalmente legitimados para produzir a norma em abstrato e em
concreto.
A eficácia da aplicação de tal método, entretanto, pressupõe a presença de sólido
consenso democrático, base social estável, pressupostos constitucionais firmes, cultura política
ampliada e desenvolvida, fatores ainda em fase de consolidação no atual estágio de
desenvolvimento da sociedade brasileira.
3.3. Interpretação conforme a Constituição.
A interpretação conforme a Constituição é uma técnica de interpretação
constitucional. A aplicação dela impõe ao intérprete que, entre várias soluções possíveis, escolha a
alternativa mais consentânea com o Texto Magno, considerando a norma infraconstitucional com
esse entendimento e, consequentemente, afastando as demais. Busca no conteúdo da Lex Mater a
coerência do conteúdo de uma norma infraconstitucional com sentido ambíguo e indeterminado.
3.4. Princípios constitucionais fundamentais.
A estrutura da Constituição da República (arts. 1º a 4º) aloca os princípios
fundamentais, os fundamentos do Estado brasileiro, os objetivos fundamentais e os princípios
regentes das relações internacionais.
Os princípios fundamentais, aqueles que estão na base de sustentação de toda a
organização jurídico-política brasileira, são o estado democrático de direito, o princípio republicano
e o princípio da separação dos poderes, que serão esmiuçados adiante.
Os fundamentos, que sustentam setorialmente o Estado brasileiro, o art. 1º da
Constituição os elenca: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.
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A soberania possui duas acepções: I. enquanto soberania nacional significa a


supremacia do Estado brasileiro na ordem política interna e a independência na ordem política
externa; e II. como soberania popular, consagra o Estado democrático de direito.
A cidadania resguarda a titularidade de direitos políticos e civis, alcançando tanto
o direito de votar e ser votado como outros direitos inerentes à cidadania previstos na Constituição.
A dignidade da pessoa humana representa o respeito absoluto aos direitos
fundamentais da pessoa humana, a garantia de condições dignas de existência a todos.
Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são os fundamentos da ordem
econômica. O mandamento é de se estabelecer um regime de harmonia entre o capital e o trabalho.
O pluralismo político garante a livre formação de correntes políticas, permitindo a
representação das diversas correntes de opinião pública em diversos segmentos.
Quanto aos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, compreeendem algumas
diretrizes básicas , traduzindo a noção de justiça social, nos seguintes termos: I. construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II. garantir o desenvolvimento nacional; III. erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e IV. promover o bem estar de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Já os princípios regentes das relações internacionais, orientam o relacionamento
do Estado brasileiro com países estrangeiros e organismos internacionais. O art. 4º da Lei Maior os
relaciona, nos seguintes termos:
I. Independência nacional, autodeterminação dos povos, não-intervenção e igualdade
entre os Estados: Princípios de mesma natureza que relevam o dever do Estado brasileiro de, nas
suas relações com outros Estados, respeitar a soberania destes, evitando a intromissão em assuntos
internos.
42
II. Prevalência dos direitos humanos e repúdio ao terrorismo e ao racismo: Sendo a
dignidade da pessoa humana um dos vetores fundamentais do Estado brasileiro, nas relações
internacionais, este deve repudiar o terrorismo e o racismo, que constituem graves empecilhos à
convivência pacífica entre os povos.
III. Defesa da paz e solução pacífica dos conflitos: Perante qualquer situação de
beligerância, o Estado brasileiro deve defender a paz e buscar uma solução pacífica. A guerra é uma
alternativa extrema para resolução dos confrontos, aplicável somente quando não houver nenhuma
outra saída.
IV. Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade: Na condução da
política externa, o Estado brasileiro está comprometido com o princípio da fraternidade, devendo
unir esforços com outros países para buscar as soluções adequadas para os graves problemas que
atingem a humanidade.
V. Concessão de asilo político: O Estado brasileiro deve acolher estrangeiros que
porventura estejam sofrendo perseguição política no país de origem, decorrente de dissidência
política, delitos de opinião ou crimes relacionados à segurança do Estado, que não configurem tipos
penais comuns.
Buscará ainda o Estado brasileiro, na forma do parágrafo único do art. 4ª da
Constituição, “a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina,
visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
Pela importância que tem no estudo do direito constitucional, vale analisar com
maior profundidade alguns desses princípios.

LEITURA RECOMENDADA
Os princípios fundamentais do Estado brasileiro encontram-se nos arts. 1º a 4º da Carta
Republicana, sendo:
a) Princípios fundamentais: república (caput do art. 1º); estado democrático de direito (parágrafo
único do art. 1º); e separação dos poderes (art. 2º).
b) Fundamentos: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e
livre iniciativa e pluralismo político (incisos I a V do art. 1º).
c) Objetivos fundamentais: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º e incisos I a IV).
d) Princípios regentes das relações internacionais: independência nacional, prevalência dos direitos
humanos ... (art. 4º e incisos I a X); o parágrafo único do art. 4º dispõe como objetivo das relações
internacionais a formação de uma comunidade latino-americana de nações.
3.4.1. Princípio republicano.
43

O princípio republicanismo, tanto como prática de governo como de ideologia que


o sustenta, implica uma série de valores que se correspondem com várias consequências concretas
dentro da organização política do Estado brasileiro. Alguns de seus principais pressupostos
ideológicos: transigência, laicismo, liberdade e igualdade, educação e cultura.
I. Transigência: Com a República se aceita o livre jogo de todas as classes sociais na
busca do poder político e se criam mecanismos de conciliação; se institucionaliza o conflito e, com
ele, a transigência.
II. Laicismo: A República se apresenta como uma forma laica de governo (separação
da igreja e do Estado); há uma tolerância com todas as crenças religiosas na vida social e política do
Estado.
III. Liberdade e igualdade: Tais valores são inerentes ao Estado republicano; maior
liberdade responde às necessidades de desenvolvimento econômico e social; igualdade permite a
participação de todos os cidadãos no processo político.
IV. Educação e cultura: Para que a República possa consolidar-se verdadeiramente, é
necessário que o povo seja educado de acordo com os próprios princípios republicanos; somente por
meio da educação os valores da República têm alguma possibilidade de se impor aos interesses das
“velhas e arcaicas” classes dominantes.
3.4.2. Princípio do estado democrático de direito.
Por Estado de Direito entende-se aquele que, constituído livremente com base na
lei, regula por esta todas as suas decisões. Os constituintes de 1988, que deliberaram ora como
iluministas, ora como iluminados, não se contentaram com a juridicidade formal, preferindo falar
em Estado Democrático de Direito, que se caracteriza por levar em conta também os valores
concretos da igualdade.
Assim é que o art. 1º da Constituição consagra a República Federativa do Brasil
como um Estado Democrático de Direito, com a consequente soberania da Constituição e a
prevalência da lei.
O parágrafo único do art. 1º da Lei Maior é incisivo: “Todo poder emana do povo,
44
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Ademais, uma análise sistemática do texto constitucional não deixa dúvidas de
que o constituinte buscou o caminho do estado do bem-estar social, com diversos dispositivos
específicos nesse sentido: I. os agentes políticos são eleitos periodicamente pelo povo e respondem
pessoalmente pelo cumprimento de seus deveres; II. o poder político é exercido diretamente pelo
povo, em determinadas situações, e indiretamente por órgãos estatais independentes e harmônicos,
que reciprocamente se controlam; III. a lei produzida pelo Legislativo sujeita obrigatoriamente
todos os demais Poderes; IV. os cidadãos, titulares de direitos, inclusive políticos e sociais, podem
opô-los ao próprio Poder Público; e V. o Estado tem a obrigação de atuar positivamente para gerar
desenvolvimento e justiça social.
3.4.3. Princípio da dignidade da pessoa humana.
Falar da dignidade da pessoa humana implica no reconhecimento de um valor que
está na base de sustentação da doutrina dos direitos fundamentais, que prega o respeito absoluto aos
direitos da pessoa humana, que se presta à defesa da garantia de condições dignas de existência a
todos.
ABBAGNANO (2007: pp. 276-277), discorreu sobre o princípio da dignidade
humana a partir da doutrina kantiana, o ser humano como um fim em si mesmo. Eis seu
entendimento:
Como ‘princípio da dignidade humana’ entende-se a exigência enunciada por Kant como segunda
fórmula do imperativo categórico: ‘Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na
pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente com um meio’ (Grundlegung
zur Met. Der Sitten, II). Esse imperativo estabelece que todo homem, aliás, todo ser racional, como fim em si
mesmo, possui um valor não relativo (como é, p. ex., um preço), mas intrínseco, ou seja, a dignidade. ‘O que
tem preço pode ser substituído por alguma outra coisa equivalente, o que é superior a qualquer preço, e por
isso não permite nenhuma equivalência, tem D." Substancialmente, a D. de um ser racional consiste no fato
de ele ‘não obedecer a nenhuma lei que não seja também instituída por ele mesmo’. A moralidade, como
condição dessa autonomia legislativa é, portanto, a condição da D. do homem, e moralidade e humanidade
são as únicas coisas que não têm preço. Esses conceitos kantianos voltam em F. SCHILLER, Graças e D.
(1793): ‘A dominação dos instintos pela força moral é a liberdade do espírito e a expressão da liberdade do
espírito no fenômeno chama-se D’. (Werke, ed. Karpeles, XI, p. 207). Na incerteza das valorações morais do
mundo contemporâneo, que aumentou com as duas guerras mundiais, pode-se dizer que a exigência da D. do
ser humano venceu uma prova, revelando-se como pedra de toque para a aceitação dos ideais ou das formas
de vida instauradas ou propostas; isso porque as ideologias, os partidos e os regimes que, implícita ou
explicitamente, se opuseram a essa tese mostraram-se desastrosos para si e para os outros.
Com efeito, a ampla divulgação dos horrores das duas guerras mundiais e dos
massacres das populações civis em diversas partes do mundo a partir da segunda metade do século
XX, resultou numa conscientização global sobre a dignidade intrínseca do ser humano.
A doutrina social da Igreja Católica teve uma relevante participação na
45
consolidação desse entendimento. A Carta Encíclica “Pacem in Terris” do Sumo Pontífice João
XXIII, de 11 de abril de 1963, além de situar a dignidade como valor inerente a todo ser humano
enquanto pessoa, relacionou os direitos que lhe são correlatos: direito à existência e a um digno
padrão de vida; direitos que se referem aos valores morais e culturais; direito à liberdade na escolha
do próprio estado de vida; direitos inerentes ao campo econômico; direito de reunião e associação;
direito de emigração e de imigração; e direitos de caráter político. E mais; discriminou também os
deveres como uma indissolúvel relação com os direitos na mesma pessoa; a reciprocidade de
direitos e deveres entre pessoas diversas; a colaboração mútua; o senso da responsabilidade; e a
convivência fundada sobre a verdade, a justiça, o amor e a liberdade.
BOBBIO (ob. cit.: pp. 51-52), numa análise realista sobre a era da dignidade e dos
direitos que se está consolidando nas últimas décadas, destacou o eterno conflito entre o bem e o
mal, bem como o esforço que deve ser dispendido no dia a dia para a concretização de um mundo
melhor para todos os seres vivos, nos seguintes termos:
Como disse antes, a história humana é ambígua para quem se põe o problema de atribuir-lhe um
‘sentido’. Nela, o bem e o mal se misturam, se contrapõem, se confundem. Mas quem ousaria negar que o
mal sempre prevaleceu sobre o bem, a dor sobre a alegria, a infelicidade sobre a felicidade, a morte sobre a
vida? Sei muito bem que uma coisa é constatar, outra é explicar e justificar. De minha parte, não hesito em
afirmar que as explicações ou justificações teológicas não me convencem, que as racionais são parciais, e que
elas estão frequentemente em tal contradição recíproca que não se pode acolher uma sem excluir a outra (mas
os critérios de escolha são frágeis e cada um deles suporta bons argumentos). Apesar de minha incapacidade
de oferecer uma explicação ou justificação convincente, sinto-me bastante tranquilo em afirmar que a parte
obscura da história do homem (e, com maior razão, da natureza) é bem mais ampla do que a clara.
Mas não posso negar que uma face clara apareceu de tempos em tempos, ainda que com breve
duração. Mesmo hoje, quando o inteiro discurso histórico da humanidade parece ameaçado de morte, há
zonas de luz que até o mais convicto dos pessimistas não pode ignorar: a abolição da escravatura, a supressão
e muitos países dos suplícios que outrora acompanhavam a pena de morte e da própria pena de morte. É
nessa zona de luz que coloco, em primeiro lugar, juntamente com os movimentos ecológicos e pacifistas, o
interesse crescente de movimentos, partidos e governos pela afirmação, reconhecimento e proteção dos
direitos do homem
Todos esses esforços para o bem (ou, pelo menos, para a correção, limitação e superação do mal),
que são uma característica essencial do mundo humano, em contraste com o mundo animal, nascem da
consciência, da qual há pouco falei, do estado de sofrimento e de infelicidade em que o homem vive, do que
resulta a exigência de sair de tal estado.
MORAES (ob. cit.: p. 16), sob a égide da Constituição de 1988, aloca a dignidade
da pessoa humana na base da fundamentação dos direitos e garantias fundamentais nela
consagrados. Eis seu entendimento:
a dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às
personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de
Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à
46
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz
consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que
todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações
ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas
as pessoas enquanto seres humanos.
E assim o é. O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, dando, assim, sustentação aos direitos e garantias fundamentais
elencados na Carta Política brasileira.
3.4.4. Princípio da separação de poderes.
O modelo da separação dos poderes resulta da combinação de dois princípios: o
primeiro, o da especialização das funções, atende à distribuição das funções estatais; o segundo, o
da independência recíproca dos órgãos, às relações entre os órgãos competentes para exercê-las.
Sua aplicação preserva a autonomia dos poderes da República – legislativo,
executivo e judiciário – e impõe o funcionamento harmonioso entre eles.
O fundamento do sistema de separação de poderes, característica basilar dos
estados liberais, é evitar a concentração do poder político nas mãos de uma só pessoa, que
caracteriza os estados absolutistas, criando assim um obstáculo a situações de abuso de poder.
Trata-se da aplicação da célebre doutrina política de Montesquieu: o poder deve limitar o poder,
para evitar o abuso de poder.

Nesse contexto, estão inseridas as funções estatais básicas: legislativa, executiva e


judiciária.
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Funções Função legislativa: Exercida pelo Poder Legislativo, a quem compete


estatais básicas elaborar as leis, normas gerais e abstratas coativamente impostas a
todos.

Função executiva: Atribuída ao Poder Executivo, o qual administra o


Estado, na forma e nos limites impostos pela Constituição e pelas leis
elaboradas pelo Poder Legislativo.

Função judiciária: Atributo do Poder Judiciário, que exerce a atividade


jurisdicional do Estado, distribuindo justiça e aplicando a lei ao caso
concreto, em situações de litígio, envolvendo conflitos de interesses
qualificados pela pretensão resistida.

Assim sendo, cada função estatal básica deve ser atribuída a um órgão específico
(especialização funcional) e independente (independência orgânica) dos demais.
Para que tal modelo funcione adequadamente, é imprescindível o chamado
sistema de freios e contrapesos, pelo qual cada Poder, na sua esfera própria de atuação, exerce
atribuições típicas e atípicas.
Mas a separação de poderes não é rígida, absoluta, existindo um sistema de
interferências recíprocas, a que a doutrina norte-americana denomina “checks and balances”.
No Estado brasileiro, pode-se visualizar claramente o funcionamento desse
sistema:
I. o Executivo edita medidas provisórias com força de lei (art. 62 da Constituição) e
participa do processo legislativo, tendo matérias de iniciativa legislativa privativa (art. 64, § 1º da
Lei Maior) e amplo poder de veto (arts. 66, § 1º e 84, inc. VI da Carta Política);
II. o Legislativo pode derrubar o veto do Presidente da República (art. 66, § 4º da
Constituição), rejeitar medidas provisórias por ele editadas (art. 62 da Lei Maior) e aprovar, pelo
Senado Federal, a indicação dos Ministros dos Tribunais Superiores feita pelo Presidente da
República (arts. 52, inc. III e 84, inc. XIV da Carta Política); e
III. o Judiciário, por sua vez, pode declarar a inconstitucionalidade de leis
elaboradas pelo Poder Legislativo e atos administrativos editados pelo Poder Executivo (art. 97,
102, inc. I, alínea ‘a’ e 125, § 2º da Constituição).
A Constituição brasileira consagra o princípio da separação dos poderes no art. 2º,
garantindo a independência e harmonia recíproca, ao dispor que os Poderes da República são
independentes e harmônicos entre si, devendo todos eles atuar de forma isenta e imparcial, sem
subordinação nem conflitos, buscando assegurar o bem estar da coletividade, objetivo maior do
Estado.

3.4.5. Princípio do pluralismo político.


48
O pluralismo político refere a livre manifestação das opções políticas da
cidadania, desde que observados os demais princípios regentes do Estado brasileiro. Nas palavras
de MAGALHÃES in Bonavides e outros (2009: p. 24), “é o fundamento de nossa democracia
social, o que reforça a ideia do estado social”.
A questão do pluralismo político, na atualidade, além do óbvio relacionamento
com a tolerância, no sentido de respeitar e fazer respeitar as diversas opções políticas que brotam
espontaneamente no seio da sociedade, se insere no contexto da discussão do tema “democracia,
ética e cidadania”.
Pois bem. A democracia na atualidade se funda em três preceitos básicos: o
governo do povo, a soberania popular e a tripartição dos poderes. Para entender o que é democracia
em nossos dias, urge reconhecer que o exercício do poder pelo povo, de forma indireta
(representativa) ou direta (mecanismos de participação ativa), é sustentado pela soberania popular e
pela tripartição dos poderes. Mas, a estabilidade do sistema, a manutenção do status quo, é uma
decorrência direta da supremacia e da rigidez constitucional.
Quanto à cidadania, refere a participação dos nacionais na formação da vontade
política do Estado e, para além disso, exige um comportamento crítico e responsável em relação às
decisões tomadas pelos agentes políticos, bem como um acesso cada vez maior aos instrumentos
que lhes permitam participar diretamente das escolhas políticas fundamentais.
A ética, por seu turno, refere a prioridade do comportamento íntegro. Uma
integridade ética entendida a partir dos componentes que afetam a vida de uma pessoa e a
conduzem para o bem e o justo. Nesse contexto, a existência, com integridade ética, é uma questão
de escolha consciente, de viver a vida conforme o melhor ajuste possível para a pessoa e a
sociedade na qual está inserida, tendo em conta as circunstâncias impostas pelo meio ambiente e as
próprias convicções. Não vive bem quem se comporta mecanicamente, sem nenhum objetivo
concreto a ser alcançado, nem quem busca em tudo um reflexo de sua ética existencial, tão pouco
quem deixa de lado as próprias convicções apenas para conseguir o que quer. A integridade do
comportamento ético exige das pessoas que levem a sério todas as dúvidas e incertezas que surjam
sobre a resultado de suas escolhas, sobre a maneira como vivem.
Democracia, ética e cidadania, no contexto da modernidade, portanto, são
institutos que se complementam, pois, o exercício do poder pelo povo carece da participação ética
do cidadão, enquanto essa participação somente é exercível, em sua plenitude, num ambiente
democrático.
Nesse contexto, o pluralismo político também exige um comportamento ético do
cidadão para legalizar e legitimar a atuação do Poder Público, fortalecendo a democracia. E uma
democracia forte, favorece a participação política, ampliando os mecanismos de participação
49
responsável do cidadão na formação da vontade social. Essa simbiose é a base de sustentação de
uma democracia crítica e participativa, que tem no ápice de seu sistema jurídico político uma
Constituição.
3.4.6. Princípio da isonomia.
O princípio da isonomia está indissoluvelmente atrelado ao princípio da
igualdade, referindo, assim, a ideia de um tratamento igualitário, isonômico entre as pessoas que
estão em dada relação jurídica. Alguns dos mais renomados constitucionalistas brasileiros, como
José Afonso da Silva2, utilizam os institutos jurídicos igualdade e isonomia no mesmo contexto, não
fazendo qualquer distinção relevante entre eles. A própria Suprema Corte 3 já sufragou esse
entendimento.
Há, entretanto, os que dão ao princípio da isonomia um sentido específico,
relacionando-o a um tratamento que considere as diferenças naturais existentes entre as pessoas,
uma autêntica igualdade material. CARVALHO in PIOVESAN (vol. IV, 2011, p. 1106), ao
discorrer sobre este princípio, afirmou que nele “se encontra [...] a possibilidade de tratamento
diferenciado, desde que este não se mostre aleatório, arbitrário ou gratuito, mas, ao contrário,
encontre-se fundado em justificativa racional e técnica”.
Destarte, falar do princípio da isonomia, implica em reconhecer que o verdadeiro
sentido e significado da igualdade, em nossos dias, importa em considerar as diferenças naturais
existentes entre as pessoas. Sua auto aplicabilidade, nas palavras do Min. Cezar Peluso 4, “vincula,
incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público” e “deve ser considerado, em sua
precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios”.
3.4.7. Princípio da legalidade.
O princípio da legalidade foi consagrado nas Constituições democráticas
brasileiras. Em todas elas restou reconhecida a supremacia da lei, fonte por excelência do exercício
das liberdades de forma pacífica, respeitosa e ordeira.
Representa a supremacia da lei – validade formal. O poder de mando apoiado no
ordenamento jurídico, que preserva ou alcança os valores significativos dos membros da sociedade
que almejam o consenso e estabelece uma situação de segurança nas relações dos indivíduos entre

2 “Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei,
enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação
tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos.” (2005: p. 214)
3 “Licitação pública. Concorrência. Aquisição de bens. Veículos para uso oficial. Exigência de que sejam produzidos no

Estado-membro. Condição compulsória de acesso. Art. 1º da Lei 12.204/1998, do Estado do Paraná, com a redação da
Lei 13.571/2002. Discriminação arbitrária. Violação ao princípio da isonomia ou da igualdade (...) Precedentes do
Supremo. É inconstitucional a lei estadual que estabeleça como condição de acesso a licitação pública, para aquisição
de bens ou serviços, que a empresa licitante tenha a fábrica ou sede no Estado-membro." (ADI 3.583, Rel. Min. Cezar
Peluso, julgamento em 21-2-2008, Plenário, DJE de 14-3-2008.)
4 MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-1990, Plenário, DJ de 19-4-1991.
50
si e destes com o Estado.
CAIO TÁCITO (ob. cit.: p. 11) destacou a mantença dessa secular tradicional
nacional:
“A Constituição brasileira de 1988, fiel às tradições nacionais, reafirma, como fundamento da ordem jurídica,
o princípio da legalidade, fonte de direitos e deveres e limite ao poder do Estado e à autonomia da vontade.”
SILVA (2007: p. 81-86) apresentou a legalidade como uma garantia individual e
expressão da liberdade de ação:
O art. 5º, II, em análise, revela duas dimensões. Uma conceitual, clara e explícita, que consubstancia o
princípio da legalidade que, por ser uma garantia individual, merecerá considerações aprofundadas nestes
comentários. Outra, subtendida, nem sempre considerada pela doutrina, que é essa regra de direito
fundamental que exprime a liberdade de ação. Por isso, esse dispositivo é um dos mais importantes do
direito constitucional brasileiro, porque, além de conter a previsão da liberdade de ação (liberdade-base das
demais), confere fundamento jurídico às liberdades individuais e correlaciona liberdade e legalidade. Dele se
extrai a idéia de que a liberdade, em qualquer de suas formas, só pode sofrer restrições por normas jurídicas
preceptivas (que impõem uma conduta positiva) ou proibitivas (que impõem uma abstenção), proveniente do
Poder Legislativo e elaboradas segundo o procedimento estabelecido na Constituição. Quer dizer: a liberdade
só pode ser condicionada por um sistema de legalidade legítimo.
Ao longo dos anos, a Suprema Corte brasileira vem criando uma sólida
jurisprudência tendente a reafirmar a essência do princípio da legalidade: vinculação às definições
da lei e às dela decorrentes (HC 85.060, Rel. Min. Eros Grau, julg. 23/9/2008, Primeira Turma, DJE
de 13/2/2009).
No enunciado do preceito – ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei’ – há visível distinção entre as seguintes situações: (i) vinculação às definições da lei e (ii) vinculação
às definições ‘decorrentes’ – isto é, fixadas em virtude dela – de lei. No primeiro caso estamos diante da
‘reserva da lei’; no segundo, em face da ‘reserva da norma’ (norma que pode ser tanto legal quanto
regulamentar ou regimental). Na segunda situação, ainda quando as definições em pauta se operem em atos
normativos não da espécie legislativa – mas decorrentes de previsão implícita ou explícita em lei – o
princípio estará sendo devidamente acatado. No caso concreto, o princípio da legalidade expressa ‘reserva de
lei em termos relativos’ (= ‘reserva da norma’) não impede a atribuição, explícita ou implícita, ao Executivo
e ao Judiciário, para, no exercício da função normativa, definir obrigação de fazer ou não fazer que se
imponha aos particulares – e os vincule. Se há matérias que não podem ser reguladas senão pela lei (...) das
excluídas a essa exigência podem tratar, sobre elas dispondo, o Poder Executivo e o Judiciário, em
regulamentos e regimentos. Quanto à definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei, há de ser
colhida no texto constitucional; quanto a essas matérias não cabem regulamentos e regimentos. Inconcebível
a admissão de que o texto constitucional contivesse disposição despiciente – verba cum effectu sunt
accipienda.
De fato, o princípio da legalidade é da essência dos direitos da liberdade. Sua
configuração constitucional é um garante para o exercício dos direitos consagrados na Carta
brasileira. Um limite expresso ao arbítrio de tantos quantos tencionem distorcer a lógica do Estado
Democrático e Social de Direito para impor a sociedade comportamentos que contrariem a máxima
51
da liberdade.
52
4. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
4.1. Teoria geral dos direitos humanos.
4.1.1. Formação e desenvolvimento.
Há uma tendência natural de traçar um paralelo entre o surgimento do
constitucionalismo hodierno e o surgimento dos direitos humanos, a partir da idéia de que as
Constituições dos Estados democráticos de direito, além de "dar forma" ao Estado, criam os órgãos
estatais, descrevem sua forma de atuação e limitam o Poder estatal, garantindo uma parcela
"intocável" de direitos (individuais, sociais...), a qual não poderia ser, por mera discricionariedade,
ignorado ou mesmo suprimida pelos agentes da Administração Pública. Tal parcela de direitos,
forma o conteúdo do que hoje é conhecido por direitos humanos.
FERREIRA (ob. cit., pp. 111) apresentou o desenvolvimento dessa doutrina a
partir das declarações de direitos, nos seguintes termos:
As declarações de direitos surgem como um movimento social novo de defesa das liberdades
contra o arbítrio e o poder do antigo regime. Na luta histórica entre a liberdade e o poder, entre o indivíduo e
o Estado, as declarações de direitos são instrumentos legais de limitações do poder estatal.
Dentro do plano sociológico e histórico, elas estão presas ao advento da democracia, que se seguiu
ao desmoronamento do feudalismo e da monarquia absoluta. As revoluções históricas libertaram o homem
diante da opressão secular deste regime de privilégios e exceções.
CANOTILHO (ob. cit., p. 380 e ss.), após destacar que o “processo histórico não
é assim tão linear”, afirmou os “principais momentos de conscientização do problema dos direitos
do homem”:
1. Da igualdade material ao <<nomos>> unitário e à <<recta ratio>>
Quando se põe a pargunta da existência da ideia de direitos do homem na antiguidade a resposta é
negativa. Basta recordar que Platão e Aristóteles consideravam o estatuto da escravidão como algo de
natural...
Todavia, a antiguidade clássica não se quedou numa completa cegueira em relação à ideia de
direitos fundamentais. O pensamento sofístico, a partir da natureza biológica comum dos homens, aproxima-
se da tese da igualdade natural e da ideia de humanidade...
2. Da <<lex natura>> cristã à secularização do direito natural
As concepções cristãs medievais, especialmente o direito natural tomista, ao distinguir entre lex
divina, lex naturale e lex positiva, abririam o caminho para a necessidade de submeter o direito positivo às
normas jurídicas naturais, fundadas na própria natureza dos homens...
3. Dos direitos estamentais aos direitos individuais
A proto-história dos direitos fundamentais costuma salientar a importância das cartas de
franquias medievais dadas pelos reis aos vassalos, a mais célebre das quais foi a Magna Charta Libertatum
de 1215. Não se tratava, porém, de uma manifestação da ideia de direitos fundamentais inatos, mas da
afirmação de direitos corporativos da aristocracia feudal em face de seu suserano...

Mas a Magna Charta, embora contivesse fundamentalmente direitos estamentais, fornecia já


53
<<aberturas>> para a transformação dos direitos corporativos em direitos do homem...
4. Da tolerância religiosa à liberdade de religião e crença
A quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem à aparição de minorias religiosas que
defendiam o direito de cada um à <<verdadeira fé>>. Esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelos
menos, a ideia de tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do crente uma
religião oficial...
5. Do contratualismo jusracionalista aos direitos do homem
A secularização do direito natural de que atrás se falou não teve incidência no que respeita à
fundamentação desse mesmo direito natural. É que todos os teóricos do direito natural racionalista se
preocupavam com a justificação do Estado e com a legislação do domínio... A falta de liberdade política da
burguesia constituirá um dos incentivos principais a favor da luta pelos direitos do homem.
6. Da autonomia privada ao individualismo possessivo
Se as ideias contratuais de Hobbes acabaram na legitimação do poder absoluto, em Locke a teoria
contratual conduzirá à defesa da autonomia privada, essencialmente cristalizada no direito à vida, à liberdade
e à propriedade. Essa concepção do individualismo possessivo influenciará, em parte, decisivamente, a
teoria liberal dos direitos fundamentais que os considerará sempre como direitos de defesa do cidadão
perante o Estado, devendo este abster-se da invasão da autonomia privada...
7. Capitalismo mercantil e autonomia do <<homo aeconomicus>>
Os direitos do homem não se baseiam apenas <<em grandezas invariáveis jusnaturalisticamente
formuladas>>... O capitalismo mercantil, com a acumulação de riquezas e a necessidade de segurança das
convenções comerciais, postulava a existência de um estatuto individual estável, assente numa larga
autonomia do <<homo aeconomicus>>.
8. Socialismo, direitos sociais, econômicos e culturais
Se o capitalismo mercantil e a luta pela emancipação da <<sociedade burguesa>> são insaparáveis
da concientização dos direitos do homem, de feição individualista, a luta das classes trabalhadoras e as
teorias socialistas (sobretudo Marx, em A Questão Judaica) põem em relevo a unidimensionalização dos
direitos do homem <<egoísta>> e a necessidade de completar (ou substituir) os tradicionais direitos do
cidadão burguês pelos direitos do <<homem total>>, o que só seria possível numa nova sociedade...
9. Generatividade geracional: os direitos da terceira geração
A partir da década de 60, começou a desenhar-se uma nova categoria de direitos humanos
vulgarmente chamados direitos da terceira geração. Nesta perspectiva, os direitos do homem reconduzir-se-
iam a três categorias fundamentais: os direitos de liberdade, os direitos de prestação (igualdade) e os direitos
de solidariedade. Estes últimos direitos, nos quais se incluem o direito ao desenvolvimento o direito ao
patrimônio comum da humanidade pressupõem o dever de colaboração de todos os estados e não apenas o
actuar activo de cada um e transportam uma dimensão colectiva justificadora de um outro nome de direitos
em causa: direitos dos povos...
10. A inclusividade: o direito dos estrangeiros e das minorias
As modernas sociedades há muito que perderam um dos seus traços característicos: identidade
comunitária baseada numa forte homogeneidade social. Tornaram-se multiculturais, multiétnicas. No seio das
sociedades inclusivas vivem minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas. Reconhecendo este facto, a
Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou, em Dezembro de 1992, uma Declaração dos direitos das
pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas...”
54
MORAES (ob. cit., p. 25) inicialmente defendeu “a previsão de direitos e
garantias individuais e coletivas do cidadão” na Constituição como limite ao “poder delegado pelo
povo a seus representantes” e ressaltou:
“Ressalte-se que o estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de
declarações de direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limites do poder político,
ocorrendo a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se
seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário.”
Destarte, com o devido respeito, não há como desvincular a evolução dos direitos
humanos do desenvolvimento das sociedades politicamente organizadas.
4.1.2. Gerações ou dimensões de direitos fundamentais.
A classificação dos direitos fundamentais em gerações vem sendo atualmente
muito contestada por parte da doutrina especializada, sob o argumento de que a correlação
apresentada como sentido evolutivo dos direitos fundamentais não se configura como verdadeiro
para a grande maioria dos Estados democráticos de direito. Nesse contexto, a utilização dimensões
representaria melhor esse sentido evolutivo.
Pois bem. As clássicas três gerações de direitos fundamentais representam os
ideias da Revolução Francesa: “liberté” – liberdade – “egalité” – igualdade – e “fraternité” –
fraternidade.
Nesse sentido a doutrina de BONAVIDES (ob. cit.: p. 562 e ss.):
Em rigor, o lema revolucionário do século XVIII, esculpido pelo gênio político francês, exprimiu
em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a
sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade.
Com efeito, descoberta a fórmula de generalização e universalidade, restava doravante seguir os
caminhos que consentissem inserir na ordem jurídica positiva de cada ordenamento político os direitos e
conteúdos materiais referentes àqueles postulados. Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional
a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo,
o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: a universalidade abstrata e, de
certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo do século XVIII.
55

Direitos Primeira geração: Corresponde ao ideal de liberdade e representa


Fundamentais os direitos civis e políticos. São limites impostos à atuação do
Gerações Estado, resguardando direitos considerados imprescindíveis a cada
ser humano individualmente considerado. Representam uma
prestação negativa, um não fazer do Estado em prol do cidadão.

Segunda geração: Refere-se ao ideal de igualdade e ressalta os


direitos sociais, econômicos e culturais. Visam primordialmente
melhorar as condições de vida e do trabalho. Correspondem a
prestações positivas, um fazer do Estado em benefício dos menos
favorecidos pela ordem econômica e social.

Terceira geração: Representa o ideal de fraternidade e equivale


aos direitos de grupos de pessoas coletivamente consideradas. São
os direitos difusos e coletivos, como meio ambiente,
desenvolvimento, comunicação, paz...

BONAVIDES (ob. cit.: p. 571) acrescentou uma quarta geração de direitos


fundamentais, correspondente a uma tendência de globalização destes. “Globalizar direitos
fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional”, disse o Mestre. Seriam os direitos
à democracia, à informação e ao pluralismo.
O posiciomento retro exposto, entretanto, não é unânime. A chamada “quarta
geração de direitos fundamentais” é também entendida como uma categoria nova, de direitos ainda
em discussão. Seriam direitos das gerações futuras e que criariam uma obrigação para a geração
atual, isto é, um compromisso de deixar o mundo melhor, se for possível, ou “menos pior” do que o
recebeu. Isso implica uma série de discussões que envolvem todas as três gerações de direitos e a
implementação de uma nova ordem econômica, política, jurídica e ética a nível internacional.
4.1.3. Normas de direitos fundamentais.
A norma é um dispositivo que, ao descrever o que deve ser feito pelos indivíduos
enquanto integrantes de uma determinada sociedade em certo momento histórico – organização –,
rege o comportamento humano – conduta.
Quando se refere às normas de direitos fundamentais urge defini-las como
disposições de direitos fundamentais contidas na Constituição, de forma direta ou indireta.

No que se refere à estrutura, conforme exposto quando do estudo das normas


56
constitucionais, as normas de direitos fundamentais também se apresentam como regras e
princípios.

ALEXY (2008: pp. 85/86), ao discorrer sobre a estrutura das normas de direitos
fundamentais destacou a importância da distinção entre regras e princípios, nos seguintes termos:
...Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a
solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela não pode haver nem uma
teoria adequada adequada sobre as restrições a direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre
colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico. Essa
distinção constitui um elemento fundamental não somente da dogmática dos direitos de liberdade e de
igualdade, mas também dos direitos a proteção, a organização e procedimento e a prestações em sentido
estrito. Com sua ajuda, problemas como os efeitos dos direitos fundamentais perante terceiros e a repartição
de competências entre tribunal constitucional e parlamento podem ser mais bem esclarecidos. A distinção
entre regras e princípios constitui, além disso, a estrutura de uma teoria normativo-material dos direitos
fundamentais e, com isso, um ponto de partida para a resposta à pergunta acerca da possibilidade e dos
limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais.
Não faltam indícios de que a distinção entre regras e princípios desempenha um papel no contexto
dos direitos fundamentais. As normas de direitos fundamentais são não raro caracterizadas como ‘princípios’.
Com ainda mais frequência, o caráter principiológico das normas de direitos fundamentais é sublinhado de
maneira menos direta...”

E assim o é. Regras e princípios não institutos distintos e que não se confundem.


Destarte, a caracterização de uma norma de direitos fundamentais como princípio, como
mandamento de otimização, tem efeitos distintos daqueles atribuidos a uma regra de direitos
fundamentais e vice-versa.
As normas de direitos fundamentais se apresentam, ainda, como direitos e como
garantias.
57

Nesse sentido a doutrina de PINTO FERREIRA (ob. cit.: p. 148):


“Os direitos do homem nenhuma validade prática têm caso não se efetivem determinadas garantias
para a sua proteção. As declarações enunciam os principais direitos do homem, enquanto as garantias
constitucionais são os instrumentos práticos ou os expedientes que asseguram os direitos enunciados.”
CANOTILHO (ob. cit.: p. 393 e ss.), deu uma amplitude maior às garantias,
incluindo sob seu manto o que denominou “direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a
protecção dos seus direitos”. Eis seu posicionamento:
As expressões <<direitos do homem>> e <<direitos fundamentais>> são frequentemente utilizadas
como sinónimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos
do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jurídico-universalista);
direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados especio-
temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável,
intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem
jurídica concreta...
Rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se salientasse
nelas o carácter instrumental de protecção dos direitos. As garantias traduziam-se quer no direito dos
cidadãos a exigir dos poderes públicos a protecção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios
processuais adequados a essa finalidade (ex.: direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos,
princípios do nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen, direito de habeas corpus, princípio non bis
in idem).
Destarte, é correto afirmar que o caráter assecuratório das garantias dos direitos
fundamentais transcende o vies meramente instrumental para abarcar as normas protetivas desses
direitos.

4.1.4. Doutrina da liberdade.


58

A Liberdade Guiando o Povo, de Delacroix, uma personificação da liberdade


que, antigamente, era vista como resultado de batalhas e de imposição de
vontades e justiças. (DELACROIX, Eugene. 1830. Óleo sobre tela. Museu do
Louvre, Paris)

A liberdade é um termo que está intimamente relacionado à ideia do ser humano


integral, do sujeito de direitos que são inerentes à própria condição humana.
Felix E. Oppenhein desenvolveu a verbete “liberdade” no Dicionário de Política
de BOBBIO e outros (1998: p. 708 e ss.), oportunidade em que deu destaque ao conceito de
liberdade social:
A palavra Liberdade tem uma notável conotação laudatória. Por esta razão, tem sido usada para
acobertar qualquer tipo de ação, política ou instituição considerada como portadora de algum valor, desde a
obediência ao direito natural ou positivo até a prosperidade econômica. Os escritos políticos raramente
oferecem definições explícitas de Liberdade em termos descritivos: todavia, em muitos casos, é possível
inferir definições descritivas do contexto. O conceito de Liberdade se refere com maior freqüência à
Liberdade social...
Liberdade social não é o pólo oposto de não-Liberdade social. Oficialmente, eu deixo de ser não-
livre para pagar os impostos; apesar disso, também não sou livre para pagá-los; na realidade eu sou não-livre
para me recusar a pagar. Uma relação de Liberdade diz respeito a uma série de no mínimo duas ações, ou a
tipos de ações alternativas. Eu sou não-livre para fazer algo; eu sou livre para fazer isto ou aquilo. Um ator é
livre para agir da forma que mais lhe agrada, contanto que não exista outro ator que o torne não-livre para
levar a bom termo algumas destas ações. Assim, com relação a B, A é livre para fazer x ou z na medida em
que B não torne impossível ou passível de pena para A fazer x ou z. ‘Liberdade de voto’ significa Liberdade
para votar ou para se abster; porém ‘liberdade de difusão da verdade’ significa não-Liberdade para a difusão
de opiniões ‘erradas’. Além disso, eu posso ser livre para agir desta ou daquela maneira com relação a
determinada pessoa ou grupo, enquanto outro ator pode me tornar não-livre para me dedicar a esta ou àquela
atividade. Oficialmente, os americanos têm Liberdade de escolher uma religião ou de não aderir a nenhuma;
porém, muitos americanos são não-livres no seu agnosticismo com relação a determinados grupos não
oficiais que submetem os ‘ateus’ a todo tipo de sanção informal.
No campo do direito, a visão clássica de BUENO (ob. cit.: pp. 391-392)
59
apresentou a liberdade como um direito natural cabendo ao Estado protegê-la:
A liberdade no estado ou consideração puramente natural do homem é o direito, a faculdade que
elle tem de fazer ou não fazer tudo quanto queira sem outro limite que não seja a prohibição da lei natural, ou
por outra, tudo quanto não viole seus deveres para com Deos, para com os outros homens, e para consigo
mesmo. No estado social a liberdade é esse mesmo direito, salvas não só essas restricções da lei natural, mas
também as restricções da lei social.
A liberdade é o próprio homem, porque é a sua vida moral, é a sua propriedade pessoal a mais
preciosa, o dominio de si proprio, a base de todo o seu desenvolvimento e perfeição, a condição essencial do
gozo de sua inteligencia e vontade, o meio de prefazer seus destinos.
É o primeiro dos direitos, e salva-guarda de todos os outros direitos, que constituem o ser, a
igualdade, a propriedade, a segurança, e a dignidade humana.
O Creador não fez o homem um ente puramente physico, sim intelligente e moral, deu-lhe
faculdades correspondentes, e não só o direito, mas a necessidade de exercê-las, de cultivar as numerosas
relações que dellas nascem, e que são indispensáveis para o seu bem-ser.
Se não fôra o direito de gozar livremente de suas faculdades naturaes, de que servirão estas, o que
valeria a existencia?
O bem-ser do homem é tanto maior quanto maior é a sua liberdade, quanto menor é o sacrificio ou
restricções della.
O melhor governo é pois aquelle que conserva ao homem a maior somma de suas liberdades, a
maior extensão dellas, a consciencia e convicção de que elle pertence a si mesmo, à sua intelligencia, a seus
fins naturaes.
As maiores ou menores restricções feitas a esta primeira, e essencial condição moral do homem,
são quem assignalão e distinguem os bons e máos governos. Taes rescricções não devem exceder jámais do
que fôr essencialmente necessario para respeitar os direitos alheios, por isso mesmo que elles são iguaes, e
não póde haver direito contra direito.
Em summa, a liberdade é um dom de Deos, e o fim da sociedade é de protegê-la, e não de
proscrevê-la.”
ALEXY (2008: p. 218 e ss.), reconheceu a volaticidade conceitual do termo, mas
destacou a importância de determinar um conceito de liberdade jurídica:
O conceito de liberdade é, ao mesmo tempo, um dos conceitos práticos mais fundamentais e
menos claros. Seu âmbito de aplicação parece ser quase ilimitado. Quase tudo aquilo que, a partir de algum
ponto de vista, é considerado como bom ou desejável é associado ao conceito de liberdade. Isso vale tanto
para disputas filosóficas quanto para polêmicas políticas...
Uma análise de tudo aquilo que esteve ou está associado ao termo ‘liberdade’ conduziria a uma
extensa filosofia jurídica, social e moral. Aqui interessam apenas as posições jurídicas fundamentais. Nesse
contexto, o primeiro plano é ocupado por um determinado conceito de liberdade: o conceito de liberdade
jurídica...
O que aqui interessa é a liberdade jurídica... Partindo-se disso, um enunciado sobre liberdade ou
tem a seguinte forma:
(1) x é livre (não-livre) de y para fazer z ou para não-fazer z,
ou pode ser reduzido a um enunciado dessa forma. Aqui, x simboliza o obstáculo à liberdade e z
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simboliza a ação cuja realização ou não-realização é o objeto da liberdade.
BOBBIO (2004: pp. 88 e 111-112), com propriedade, apresentou a evolução
conceitual do termo e sua interpretação a partir das regras constantes da Declaração de Direitos da
Revolução Francesa:
... a liberdade... é definida como o direito de ‘poder fazer tudo o que não prejudique os outros’, que
é uma definição diversa da que se tornou corrente de Hobbes e Montesquieu, segundo a qual a liberdade
consiste em fazer tudo o que as leis permitam, bem como a definição de Kant, segundo a qual a minha
liberdade se estende até o ponto de compatibilidade com a liberdade dos outros...
A Declaração foi repetidamente submetida a críticas formais e substanciais. Quanto às primeiras,
não lhes foi difícil descobrir contradições e lacunas. Logo de início, podemos ver que, dos quatro direitos
enunciados, somente o primeiro, o direito à liberdade, é definido, mas não só no art. 3º, como o ‘poder de
fazer tudo o que não prejudique os outros’, de onde deriva a regra do artigo seguinte, segundo o qual ‘a lei
tem o direito de proibir somente as ações nocivas à sociedade’. No art. 5º, ao contrário, a liberdade é definida
implicitamente como o direito de fazer tudo o que não é nem proibido nem ordenado, definição bem mais
clássica, na qual a liberdade é entendida negativa como ‘silencium legis’, ou seja, como o espaço deixado
livre pela ausência de leis imperativas, negativas ou positivas. Essa segunda definição, diferentemente da
primeira, é implícita, já que o texto se limita a dizer, de modo turtuoso, que ‘tudo o que não é proibido pela
lei não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que a lei não ordena’. As duas definições
divergem: enquanto a primeira define a liberdade de um indivíduo em relação aos outros indivíduos, a
segunda define a liberdade dos indivíduos em relação ao Estado. A primeira é limitada pelo direito dos outros
a não serem prejudicados, refletindo o clássico ‘principium iuris’ do ‘nominem laedere’; a segunda tem em
vista, exclusivamente, o possível excesso de poder por parte do Estado. Na realidade, a primeira – mais do
que uma definição da liberdade – é uma definição da violação de direito; a segunda é uma definição de
liberdade, mas somente da liberdade negativa. A liberdade positiva, a liberdade como autonomia, é definida
implicitamente no art. 6º, onde se diz que, sendo a lei expressão da vontade geral, ‘todos os cidadãos têm o
direito de concorrer, pessoalmente ou através de seus representantes, para a formação da lei’.”
A liberdade, assim, pode ser expressa de forma negativa e de forma positiva.
Negativamente, é entendida como a ausência de submissão, de servidão e de determinação do ser
humano. Positivamente, designa a autonomia e a espontaneidade de um ser racional.
A liberdade não é um campo aberto a ser percorrido de qualquer forma, sem
observância de quaisquer limites; limites são estabelecidos em lei. Mas não é só. O exercício da
liberdade exige responsabilidade; a responsabilidade de não causar, ainda que de forma não
intencional, danos a terceiros; é a dicção do velho adágio popular, oriundo da doutrina kantiana: “A
liberdade de um termina quando começa a liberdade de outrem”.
4.1.4.1. A liberdade liberal e a liberdade social.
A liberdade liberal está intimamente ligada ao individualismo. Representa a tutela
da liberdade sob a ótica do indivíduo. Encontram-se nesse grupo as liberdades individuais:
liberdade de pensamento, liberdade de crença, liberdade de expressão...
A liberdade social surge com o Estado Social de Direito. É uma tutela atrelada ao
61
indivíduo enquanto ser social. Encontram-se nesse grupo: liberdade de associação (“latu sensu”),
liberdade sindical, liberdade de informação...
4.1.4.2. A tutela jurídica da liberdade.
A tutela jurídica da liberdade configura a chamada primeira geração de direitos
fundamentais e representa os direitos individuais e políticos. São limites impostos à atuação do
Estado, resguardando direitos considerados imprescindíveis a cada ser humano individualmente
considerado. Representam uma prestação negativa, um não fazer do Estado em prol do cidadão. São
os direitos da pessoa humana. Exemplos: liberdade de locomoção, inviolabilidade do domicílio...
Com a evolução do constitucionalismo, os direitos à liberdade ganharam nova
conotação: passaram a configurar prerrogativa de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, desde que
não prejudique os direitos de terceiros; não deixaram de representar, porém, limites da atuação do
Estado – frente aos particulares – que somente pode fazer o que a lei expressamente autoriza.
Destarte, é válido asseverar que o regime das liberdades, sob a ótica do
neoconstitucionalismo, encontra amparo nos princípios liberais consagrados pela ordem
democrática que constituem a base doutrinária de sustentação do Estado Democrático de Direito.
4.1.4.3. O direito de resistência.
O direito de resistência é aquele outorgado aos cidadãos para se opor à ordem
jurídica que afronta suas prerrogativas essenciais.
BOBBIO (ob. cit.: p. 113) discorreu sobre o direito de resistência ao tratar da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, oportunidade em que defendeu a impossibilidade
da positivação deste e os riscos inerentes ao seu efetivo exercício, nos seguintes termos:
Cabe ainda dizer algo sobre o direito de resistência, que havia sido apresentado, em muitos dos
projetos de declaração, como uma coisa óbvia. Mas era tão pouco óbvia, de resto, que o art. 7º afirma que
todo cidadão ‘appelé ou saisi’ com base na lei deve obedecer imediatamente ou se torna culpado de
‘resistência’. Na realidade, o direito de resistência é um direito – se é que ainda se pode corretamente chamá-
lo de direito – diferente dos demais: é um direito não primário, mas secundário, cujo exercício ocorre apenas
quando os direitos primários (ou seja, os direitos de liberdade, de propriedade e de segurança) forem
violados. O indivíduo recorre ao direito de resistência como extrema ratio, em última instância, para se
proteger contra a falta de proteção dos direitos primários; portanto, ele não pode, por sua vez, ser tutelado,
mas deve ser exercido com riscos e perigos para quem o reivindica. Falando rigorosamente, nenhum governo
pode garantir o exercício de um direito que se manifesta precisamente no momento em que a autoridade do
governo desaparece, e se instaura, entre Estado e cidadão, não mais uma relação de direito, e sim uma relação
de fato, na qual vigora o direito do mais forte.
Em que pese o respeitável posicionamento de BOBBIO, retro transcrito, forçoso
reconhecer que, no contexto do Estado Democrático de Direito, o direito de resistência é deduzido a
partir de dois posicionamentos distintos: de natureza jurídica e política.
O direito de resistência sob a ótica jurídica representa a prerrogativa legalmente
62
admitida aos cidadãos de recusarem o cumprimento de determinada obrigação a todos imposta por
razões de foro íntimo, como, por exemplo, a escusa de prestar o serviço militar obrigatório admitida
no ordenamento constitucional brasileiro.
Sob a ótica política, o direito de resistência se apresenta sob a forma de
enfrentamento ante o ordenamento jurídico-político vigente, a injustiças praticadas pelos exercentes
do Poder político, confundindo-se com a desobediência civil.
4.1.5. A doutrina da igualdade.
A igualdade é entendida como a inexistência de desvios ou incongruências sob
determinado ponto de vista, entre dois ou mais elementos comparados, sejam objetos, indivíduos,
idéias, conceitos ou quaisquer coisas que permitam seja realizada uma comparação.
Refere, assim, o princípio da igualdade, a ideia de tratamento não discriminatório,
respeitoso à dignidade das pessoas. Trata-se, entretanto, de instituto jurídico com diversas
concepções, aplicabilidade distinta e resultados díspares.
Não há, assim, um único caminho a ser trilhado para a correta aplicação do
princípio da igualdade, o que exige do intérprete sólido conhecimento da doutrina e da
jurisprudência aplicáveis à situação de fato vivenciada, considerados, ainda, os contornos fáticos
decorrentes da relação jurídica sob exame.
Felix E. Oppenhein também desenvolveu a verbete “igualdade” no Dicionário de
Política de BOBBIO e outros (ob. cit.: p. 597 e ss.), e deu ênfase à “Igualdade como propriedade
das regras de distribuição”, elencando nada menos do que dezesseis concepções distintas do termo:
• Igualdade das características pessoais:
I. Igualdade das características pessoais. — Quando se diz que duas ou mais pessoas são iguais
quanto à idade, cidadania, raça, rendimentos, aptidão ou necessidades, isso significa simplesmente que
possuem a mesma idade, nacionalidade, cor, renda, habilidades ou necessidades (Bedau 'in' Pennock, 1967,
8), ou que são, em substância, semelhantes sob tais aspectos.

• Igualdade de tratamento:
II. Igualdade de tratamento. — Se duas ou mais pessoas são 'tratadas de forma igual' ou não, isso
é também uma questão empírica. A e B são tratados de modo igual por C, se C atribui a A e B o mesmo
benefício específico (por exemplo, um voto), o mesmo ônus (um ano de serviço militar), ou então a mesma
cota de um determinado benefício ou encargo (salário, gravame fiscal). Se A pode votar, mas B não, se A é
chamado ao exército, mas B isentado, se A recebe um salário maior do que B, então A e B têm um
tratamento desigual sob esses aspectos.

• Regras igualitárias de distribuição:


III. Regras igualitárias de distribuição. — Que duas pessoas quaisquer sejam tratadas de modo
igual em relação a uma determinada regra de distribuição, é coisa que se há de distinguir do fato de elas
terem de ser tratadas assim em virtude dessa regra. É este o problema que nos interessa: ocupar-nos-emos não
do tratamento igualitário relativo a uma regra, mas do caráter igualitário da própria regra.
63

• Critérios tradicionais de igualitarismo. Partes iguais para todos:


IV. Critérios tradicionais de igualitarismo. Partes iguais para todos. — Essencialmente concebido,
um sistema moral ou jurídico é igualitário, se todos os benefícios ou encargos forem distribuídos, em partes
iguais, por rocios. É este o princípio aristotélico da Igualdade numérica — 'serem igual e identicamente
tratados no número e volume das coisas recebidas' (Política, 1301 b) —, aplicado a tudo quanto cada um
deve receber ou renunciar. É também esse o princípio utilitarista enunciado por Mill — 'todos contam por
um, ninguém por mais de um' — na distribuição de todos os benefícios e gravames.

• Partes iguais aos iguais:


V. Partes iguais aos iguais. — O mesmo Aristóteles ampliou o critério de igualitarismo para
abranger as regras que atribuem 'partes iguais aos iguais', ou seja, partes iguais de qualquer tipo especificado
aos que forem iguais em alguma característica específica. Inversamente, uma regra é não-igualitária 'quando
os iguais têm partes desiguais ou os não-iguais partes iguais' (Ética a Nicômaco, 1131 a).

• Partes iguais a um grupo relativamente grande:


VI. Partes iguais a um grupo relativamente grande. — Já que a regra de distribuição se refere a
uma certa classe de pessoas que devem ser tratadas de maneira igual, poder-se-ia observar — como faz
Berlin (1961, 135) — que uma regra é mais igualitária que outra se garante 'a um maior número de pessoas
(ou classes de pessoas) o recebimento de um tratamento análogo em circunstâncias específicas". Para sermos
mais precisos, uma distribuição de benefícios é tanto mais igualitária quanto maior é a classe de pessoas que
os recebem, em comparação com o número das excluídas.

• Igualdade proporcional:
VII. Igualdade proporcional. — Contudo, nós somos impelidos a considerar igualitárias a
atribuição de benefícios maiores aos mais necessitados e a prescrição de impostos progressivos sobre a renda.
E o são se o igualitarismo for entendido no sentido da 'Igualdade proporcional' ou da 'Igualdade das relações'
de Aristóteles (Política, 1301 b).

• A cada um segundo o próprio merecimento:


VIII. A cada um segundo o próprio merecimento. — Aristóteles contrapõe às vezes a Igualdade,
não à Igualdade proporcional em geral, mas à 'Igualdade proporcional ao mérito' (Política, 1301 a). A
quantidade de benefícios há de ser proporcionada ao grau, não de uma característica qualquer dos
beneficiários, hipoteticamente definida por uma regra, mas de uma característica específica, o mérito relativo.
Quanto mais uma pessoa merece, maior será a sua recompensa; por isso, partes iguais a pessoas de iguais
merecimentos. Qualquer critério de distribuição que descure então o mérito não será realmente igualitário.
• Distribuições desiguais correspondentes a diferenças relevantes:
IX. Distribuições desiguais correspondentes a diferenças relevantes. — Atualmente, a versão mais
comum da Igualdade proporcional é a seguinte: uma regra de distribuição é igualitária se, e apenas se, as
diferenças na distribuição correspondem a diferenças relevantes das características pessoais; por outras
palavras, se a característica especificada é relevante em relação ao gênero de benefícios ou encargos a
distribuir. Sendo a idade e a cidadania relevantes com relação ao direito de voto, é igualitário limitar o
privilégio aos cidadãos adultos... Inversamente, uma regra é inigualitária, tanto se se baseia em diferenças de
características não relevantes, como se não leva em conta as relevantes. Sexo, cor ou riqueza não são
relevantes para o fato de votar.
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• Distribuições desiguais justas:


X. Distribuições desiguais justas. — O igualitarismo é às vezes definido diretamente em relação à
justiça e não indiretamente, ou seja, mediante a relevância. Segundo artigo recente, 'o que se opõe
verdadeiramente à Igualdade é a desigualdade de tratamento arbitrário, isto é, a desigualdade injustificável ou
iníqua'. De onde se seguiria que uma desigualdade de tratamento justificável ou eqüitativa seria
'verdadeiramente' igualitária. Então, se a discriminação racial é igualitária ou não, é coisa que dependeria
ainda de ela ser considerada justa ou injusta.

• Igualdade processual:
XI. Igualdade processual. — A Igualdade está também ligada à justiça para quem considera o
igualitarismo um princípio 'processual': 'tratem-se as pessoas de modo igual, a menos que e enquanto não
exista uma justificação para tratá-las de modo desigual' (Frankena 'in' Brandt, 1962, 8). Tomado neste
sentido, o igualitarismo não se refere absolutamente a uma característica das regras de distribuição, mas à
própria regra de distribuição, ou seja: 'todas as pessoas devem ser tratadas de modo igual, a menos que se
encontrem boas razões para tratá-las de maneira diversa".

• Regras de nivelamento:
XII. Regras de nivelamento. — Todas as definições até agora examinadas levam em conta apenas
a quantidade de um benefício específico ou gravame que há de ser atribuída a duas pessoas quaisquer, A e B.
As regras de distribuição também podem ser consideradas do ponto de vista dos resultados finais. Quanto
terão A e B após lhes haver sido aplicada a regra? Como é que se hão de redistribuir os benefícios e os
encargos entre A e B? Neste momento, temos de distinguir três fases: 1) a distribuição original — A, por
exemplo, possui 8 unidades, B apenas 2; 2) a aplicação de uma certa regra de distribuição — tomar 3 de A,
por exemplo, e dar 3 a B; 3) a redistribuição resultante da aplicação da regra de distribuição — no exemplo
específico, tanto A como B acabam por ter 5. Proponho que se chame igualitária uma regra de distribuição
quando ela nivele, ou pelo menos reduza, as diferenças entre as quantidades de bens. As regras igualitárias de
distribuição também podem ser chamadas regras de nivelamento. Ao contrário, uma regra de redistribuição
que deixe intactas as desigualdades de benefícios ou ônus anteriores, ou até as aumente, é inigualitária. O
exemplo que apresentamos antes é um caso de aplicação de uma regra de nivelamento.

• Nivelamento da riqueza:
XIII. Nivelamento da riqueza. — Mesmo existindo Igualdade de direito à propriedade, ela é
distribuída de modo desigual em quase todas as sociedades. Tal desigualdade é mais o resultado da
hereditariedade, do estado social ou da capacidade pessoal do que de uma distribuição deliberada do
Governo. Um nivelamento total dos bens exigiria, como é óbvio, o uso de distribuições acentuadamente
desiguais, ou seja, que se tirasse dos ricos para dar aos pobres. Um resultado que se poderia alcançar pela
tributação ou pela socialização ao menos dos meios de produção. Sua 'posse comum' eliminaria, segundo o
Manifesto comunista, a possibilidade da exploração de uma classe por outra; e, 'com a abolição das
distinções de classe, todas as desigualdades sociais e políticas delas derivadas desapareceriam por si,
automaticamente'.

• Igualdade de oportunidades:
XIV. Igualdade de oportunidades. — Tal como as utilidades, também as oportunidades não
podem ser dadas ou distribuídas por C a A e a B. 'A tem a oportunidade de obter x': isto significa que não
existem obstáculos no caminho para obter x, de sorte que ele pode fazer x, se quiser. C oferece a A a
65
oportunidade de alcançar x, eliminando determinados obstáculos, e põe, por isso, A em condições de obter x;
por conseguinte, o fato de A lograr alcançar x depende apenas da sua habilidade natural e adquirida e do seu
esforço. A e B têm igual oportunidade de ganhar uma corrida, se partirem ambos da mesma linha. Se A está
inicialmente atrás de B, tem de deslocar-se para a frente, para a linha comum de partida, para ter a mesma
oportunidade que B. O princípio da Igualdade, ou melhor, do nivelamento das oportunidades aplica-se por
isso à redistribuição do acesso a várias posições na sociedade e não à atribuição dessas mesmas posições. O
problema é, pois, o de fazer combinar pessoas de dotes desiguais com posições que oferecem uma
remuneração, um poder ou um prestígio desiguais. A solução é torná-las acessíveis a todos mediante a
competição. Hipoteticamente, se a todos for dado um mesmo ponto de partida, a posição que enfim ocuparão
dependerá exclusivamente da velocidade com que tiverem corrido e da distância alcançada.

• Igual satisfação das necessidades fundamentais:


XV. Igual satisfação das necessidades fundamentais. — O princípio de nivelamento das
oportunidades está conexo com outro princípio de nivelamento, o da igual satisfação das necessidades
fundamentais. Enquanto as necessidades pessoais variam em gênero e medida, há um mínimo de
necessidades fundamentais que são substancialmente idênticas em todos, numa determinada sociedade e
numa determinada época. De qualquer modo, as pessoas são desiguais quanto às suas necessidades
fundamentais não satisfeitas. 'Uma distribuição desigual dos recursos seria necessária para nivelar os
benefícios em casos de necessidade desigual' (Vlastos 'in' Brandt, 1962, 43).

• A cada um conforme a sua capacidade:


XVI. A cada um segundo a sua capacidade. — Alguns defensores contemporâneos do Estado
assistencial democrático tendem a propugnar os princípios menos extremos da igual satisfação das
necessidades fundamentais e da Igualdade de oportunidades. Estas duas regras de nivelamento, andam
geralmente unidas a outra regra, inigualitária, de redistribuição: a cada um segundo a sua capacidade. Uma
vez atendidas as necessidades mínimas de cada um e tendo todos a mesma possibilidade, inicia-se a
competição; a posição ocupada ao fim por cada um dependerá unicamente da sua capacidade ou 'habilidade',
pelo menos em teoria.
Destarte, em sua concepção clássica, a ideia de sociedade igualitária começou a
ser cunhada durante o iluminismo, para idealizar uma realidade em que não houvesse distinção
jurídica entre nobreza, burguesia, clero e escravos.
Entretanto, o desenvolvimento do Estado democrático para uma sociedade de fato
igualitária, é um caminho longo e não raras vezes penoso.
SCHELER (2012: p. 53-54), discorrendo sobre a fenomenologia e sociologia do
ressentimento, destacou o risco do ressentimento social criado por uma sociedade desigualitária, nos
seguintes termos:
No momento em que são invertidas as grandes sentenças relacionais internas, um grande orgulho frente à não
adequação das posições sociais externas é especialmente favorável para o despertar do rancor.
Sociologicamente falando, encontramos a partir daqui o principal preceito, que é o que nos diz: Tanto mais é
formada em maiores quantidades esta dinamite para a alma quanto maior é a diferença entre o político
constitucional ou ‘ético’, consoante à posição do direito e o mérito dos grupos – e a sua relação de fato com o
poder. Não a partir de um destes elementos isoladamente, senão da diferença entre ambos surge o rancor. Em
66
uma democracia não apenas política, mas também social, que se direcionasse segundo a possessão da
igualdade, ao menos no que concerne ao ressentimento social, ter-se-ia a sua diminuição [...] O peso externo
do ressentimento precisa por isso possuir uma sociedade, na qual, como em nossos direitos políticos ou não
relativamente iguais, abertamente decantados, a igualdade social do direito estabelecida formalmente
caminhe lado a lado com uma enorme diferença de poder de fato, da possessão de fato, e da formação e
conformação de fato: onde todos possuem o ‘direito’ de se comparar com todos, sem ‘realmente’ possuírem o
‘poder de fato de se comparar’. Aqui está, certamente – abstraindo totalmente dos caracteres individuais e –
das vivências – já por meio da estrutura da sociedade, uma poderosa carga para o ressentimento no corpo
social.
Com o Brasil não foi nem é diferente!
Sob a Constituição imperial, BUENO (ob. cit.: pp. 421-422) ressaltou, ainda que
de forma indireta, o ideal igualitário entre os “homens”, e defendeu a supremacia da lei como
garantia da obtenção e preservação da igualdade e justiça:
A natureza, circunstancias ou educação, ou ambas, crião e constituem os homens com
desenvolvimento de suas faculdades physicas, intellectuaes e moraes por modos diferentes. Suas idéas,
aptidões, paixões, gostos, varião e estabelecem uma desigualdade que ninguem póde destruir, e que é mesmo
um principio providencial. Parece mesmo que a natureza é caprichosa, ou antes admiravelmente sábia; e que
não segue a esse respeito lei alguma, que o homem possa dirigir, ou subordinar. O filho do sabio, do homem
probo, é muitas vezes inepto ou vicioso; o filho do ignorante e vicioso, é por outras vezes cheio de talentos e
de probidade; os dous primeiros filhos do primeiro homem formárão um notavel contraste.
Embora porém exista essa desigualdade importante e incontestavel, por outro lado é fóra de duvida
que todos os homens têm a mesma origem e destino, ou fim identico. Todos têm o mesmo direito de exigir
que os outros respeitem o seu direito, de allegar que uns não nascêrão para escravos, nem outros para
senhores, que a natureza não creou privilegios, favores e isenções para uns, penas, trabalhos e prohibições
para outros; emfim que não tirou uns da cabeça de Brama, e outros do pó da terra.
Consequentemente, qualquer que seja a desigualdade natural ou casual dos individuos a todos os
outros respeitos, há uma igualdade que jámais deve ser violada, e é a da lei, quer ella proteja, quer castigue, é
a da justiça, que deve ser sempre uma, a mesma, e única para todos sem preferencia, ou parcialidade alguma.
É de justiça que cada homem seja senhor de si proprio, que tenha igual liberdade de procurar satisfazer suas
necessidades por seu trabalho, de elevar-se nas condições sociaes por seus serviços e merecimentos, e de
obter em proporção delles justa recompensa.
No Brasil democrático pós 2ª Guerra Mundial, JACQUES (1964: pp. 223 e 236),
ao discorrer sobre os direitos e as garantias individuais, apresentou os contornos da igualdade
jurídica e, adiante, a situou como uma das liberdades civis:
É certo que alguns dêsses direitos e garantias só mais tarde foram consagrados pelo texto
constitucional: mas, não menos certo, é que a nossa primeira Constituição escrita continha uma declaração
que compreendia 35 itens (Constituição monárquica, itens 1 a 35), consubstanciando os direitos e garantias,
ao tempo, conhecidos entre os povos líderes da civilização. Aí se encontravam todos os direitos antes
enumerados pelas declarações anglo-franco-americanas, inclusive o princípio da ‘igualdade jurídica’.
Dispunha o item 13 do art. 179 dessa Constituição: ‘a lei será igual para todos, quer proteja, quer castique, e
recompensará em proporção dos merecimentos de cada um’. Era a tradução quase literal, do art. 3º da
67
Declaração dos Direitos, da França, de 1793, a mais redical delas, e que continha a mais objetiva, real e
verdadeira conceituação da ‘igualdade perante a lei’. Consistia em punir de acôrdo com as faltas, proteger
segundo o desamparo e recompensar consoante o merecimento, não passando o resto de utopia ou
demagogia... Os anglo-americanos, refratários, por temperamento, a uma e a outra, não cogitaram de
conceituar, desde logo a igualdade jurídica, entregando tal encargo ao tempo. De fato, o costume inglês
acabou estabelecendo que ele não passava de equity, ou de ‘sujeição às mesmas leis e tirbunais’ (Edward
Ridges, Constitutional Law of England, pág. 37), e a 14ª Emenda norte-americana de equal protection, que
pressupõe a ‘igualdade de condições e circunstâncias’ (D. C. Haines. The Constitution of the United States,
pág. 200)...
São quatro os direitos ou liberdades civis: a igualdade jurídica, a livre atividade, a irretroatividade
da lei e o judicial control.”
Nos tempos atuais, a essência e o conteúdo de uma sociedade igualitária foram
ampliados para incluir também a igualdade de direitos entre gêneros, classes, etnias, orientação
sexual...
Ocorre que a tutela igualitária pressupõe um necessário sacrifício da liberdade, da
autonomia da vontade, o que gera um conflito positivo, limitador do desenvolvimento de políticas
que visem a consagrá-la.
É a razão pela qual DWORKIN (2005: pp. IX-X) desenvolveu a teoria e a prática
da igualdade como uma virtude soberana, valendo aqui destacar da introdução feita ao tema pelo
Mestre:
A igualdade é espécie ameaçada de extinção entre os ideais políticos. Até poucas décadas atrás,
qualquer político que se declarasse liberal, ou mesmo de centro, acreditava que a verdadeira sociedade
igualitária era, pelo menos, um ideal utópico. Atualmente, porém, até os políticos que se declaram de centro-
esquerda rejeitam o próprio ideal da igualdade. Dizem que representam um ‘novo’ liberalismo ou uma
‘terceira via’ de governo e, embora rejeitem enfaticamente o credo de insensibilidade da ‘antiga esquerda’,
que deixa à mercê de um mercado quase sempre cruel o destino do povo, também rejeitam o que chamam de
pressuposto teimoso da ‘velha esquerda’, segundo o qual os cidadãos devem dividir equaninemente a riqueza
da nação.
Podemos dar as costas à igualdade? Nenhum governo é legítimo a menos que demonstre igual
consideração pelo destino de todos os cidadãos sobre os quais afirme seu domínio e aos quais reivindique
fidelidade. A consideração igualitária é a virtude soberana da comunidade política – sem ela o governo não
passa de tirania – e, quando as riquezas da nação são distribuídas de maneira muito desigual, como o são as
riquezas de nações muito próperas, então sua igual consideração é suspeita, pois a distribuição das riquezas é
produto de uma ordem jurídica: a riqueza do cidadão depende muito das leis promulgadas em sua
comunidade – não só as leis que governam a propriedade, o roubo, os contratos e os delitos, mas suas leis de
previdência social, fiscais, de direitos políticos, de regulamentação ambiental e de praticamente tudo o mais.
Quando o governo promulga ou mantém um conjunto de tais leis e não outro, não é apenas previsível que a
vida de alguns cidadãos piore devido a essa escolha, mas também, em um grau considerável, quais serão
esses cidadãos. Nas democracias prósperas, é previsível, sempre que o governo restringe os programas de
previdência social, ou se recusa a ampliá-los, que tal decisão deteriore a vida dos pobres. Devemos estar
68
preparados para explicar aos que sofrem dessa maneira por que foram, não obstante, tratados com a igual
consideração que lhes é devida. Talvez possamos – isso depende do que requer a igual consideração
genuína... Se não pudermos, porém, devemos agir para resgatar nossa virtude política.
Com efeito, a tutela igualitária, em nossos dias, é mais do que um valor, um
princípio ou uma opção política, é uma decisão madura e consciente de cada cidadão, que deve
refletir sobre o verdadeiro significado de uma vida boa e socialmente responsável, a qual somente
será factível se condições satisfatórias de educação e trabalho forem oferecidas ao maior número
possível de pessoas, pois é o crescimento conjunto de cada integrante de uma dada sociedade que
garante o desenvolvimento dela em toda a sua plenitude.

Igualdade no Brasil – Utopia ou uma esperança? (Disponível em <http://nailsonojuara.


blogspot.com.br/2010/04/igualdade-no-brasil-utopia-ou-uma.html>. Acesso em 17/3/2013)

4.1.5.1. A igualdade formal e a igualdade material.


Nascida com a Revolução Francesa e desenvolvida ao longo dos séculos XVIII e
XIX, a igualdade formal consiste no aforismo “todos são iguais perante a lei”. Almeja submeter
todas as pessoas físicas e jurídicas ao império da lei e do direito, sem discriminação quanto a
credos, raças, ideologias e características socioeconômicas, opondo-se a privilégios legais baseados
no “status” social e prestígio político.
De influência socialista, desenvolvida a partir da segunda metade do século XIX,
a igualdade material se volta a diminuir as desigualdades sociais, traduzindo o aforismo “tratar os
desiguais na medida da sua desigualdade”, a fim de oferecer proteção jurídica especial a parcelas da
sociedade que costumam, ao longo da história, figurar em situação de desvantagem, a exemplo dos
trabalhadores, consumidores, população de baixa renda, menores e mulheres.
4.1.5.2. A tutela jurídica da igualdade.
Na doutrina dos direitos fundamentais, o termo igualdade é a base doutrinária da
chamada segunda geração, inclusos os direitos sociais, econômicos e culturais. Eles visam
primordialmente melhorar as condições de vida e do trabalho, correspondendo a prestações
69
positivas, um fazer do Estado em benefício dos menos favorecidos pela ordem econômica e social.
No contexto da pós-modernidade, a ideia de igualdade tem sido gradualmente
ampliada para abarcar a aceitação de diversidade (comunhão de contrários, interseção de diferenças,
tolerância mútua).
No sistema político-jurídico brasileiro, o direito à igualdade é um dos valores
supremos do Estado (Preâmbulo da Constituição). Está também presente entre os objetivos
fundamentais do Brasil como a promoção do “bem-estar de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (inc. IV do art. 3º da
Constituição); trata-se de elenco meramente exemplificativo, pois a Lei Maior assegura proteção
contra quaisquer outras formas de discriminação, como: distinções em razão de religião, convicção
política e opção sexual. Constitui, ainda, um dos direitos fundamentais básicos insertos no “caput”
do art. 5º da Lei Maior.
Sob a ótica da Constituição brasileira, portanto, a igualdade consiste em tratar
igualmente os iguais, com os mesmos direitos e obrigações, e desigualmente os desiguais, na
medida das desigualdades. Destarte, somente se reveste de inconstitucionalidade o tratamento
desigual que aumenta a desigualdade natural já existente. Trata-se de um comando positivo
destinado tanto ao legislador – igualdade na lei – como aos operadores do direito – igualdade
perante a lei.

NA LEI PERANTE A LEI

É voltada para o legislador, vedando- É voltada para os operadores do


lhe a elaboração de dispositivos que direito que não podem utilizar critérios
estabeleçam desigualdades desarrazoadas discriminatórios na aplicação da lei,
entre as pessoas, privilegiando indevidamente estabelecendo tratamento desigual para pessoas
umas em detrimento de outras ou mesmo que se encontram nas mesmas condições fáticas.
perseguindo algumas.

4.1.5.3. As discriminações positivas e as ações afirmativas.


As discriminações positivas pressupõem a existência de um pressuposto lógico e
racional que justifique a desequiparação efetuada, em consonância com os valores tutelados na
Constituição. Exemplo: Assentos reservados para gestantes, idosos e deficientes físicos nos
transportes coletivos. A própria Constituição prevê tratamentos desiguais, como a aposentadoria
com menor idade e menos tempo de serviço para as mulheres (incs. I e II do § 7º do art. 201). São
denominadas discriminações legítimas.
Com relação às ações afirmativas, são entendidas como medidas especiais e
70
temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o
objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de
oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e
marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Exemplo: A
criação de cursinhos pré-vestibulares para afro-descendentes e pessoas oriundas de escolas públicas,
ou a criação de horários de reuniões (em partidos políticos, sindicatos...) que permitam a
participação de mulheres com filhos. Visam combater os efeitos acumulados em virtude das
discriminações ocorridas no passado.
Mister destacar a existência de ações afirmativas desenvolvidas fora do âmbito
estatal, por instituições da sociedade civil, com autonomia suficiente para decidir a respeito de seus
procedimentos internos, tais como partidos políticos, sindicatos centrais sindicais, escolas, igrejas,
instituições privadas... As ações afirmativas, no âmbito privado, podem ser temporárias ou não,
dependendo das normas que as criaram.
Discriminação positiva e ação afirmativa, portanto, são institutos distintos e que
não se confundem. A primeira em geral introduz na norma o tratamento desigual dos formalmente
iguais; é criada com intenção de permanência. Já a segunda toma a forma de incentivo e suporte
para os grupos de pessoas a que se destinam; normalmente é instituida em caráter precário.

4.1.6. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais.


Tema palpitante no constitucionalismo moderno, a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais teve como marco histórico o caso “Luth”, em 1958, em que o Tribunal Federal
Alemão decidiu que os direitos fundamentais configuram uma ordem objetiva de valores,
produzindo efeito sobre as relações privadas mediante a intervenção do legislador.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais parte do pressuposto de que,
sendo a constituição uma ordem de valores, há uma dupla dimensão dos direitos fundamentais: a
subjetiva e a objetiva.
Na dimensão subjetiva, tais direitos são voltados para o indivíduo, um manto
protetor deste em face do Estado, a limitar o arbítrio dos representantes deles para com os cidadãos.
Na dimensão objetiva, representam um sistema axiológico que influencia todo o
ordenamento jurídico, vinculando não somente os Poderes do Estado, mas os Poderes Civis que,
mesmo nas relações tipicamente privadas, estão obrigados a respeitar os direitos fundamentais da
parte mais fragilizada em dada relação jurídica; uma autêntica prevalência da tutela igualitária.
Assim, os direitos fundamentais representam valores que se irradiam por todo o
ordenamento jurídico, influenciando os diversos ramos do Direito. Tal sistema de valores tem como
fundamento de validade o princípio da dignidade da pessoa humana.
71
4.1.6.1. Crítica.
Os direitos fundamentais não devem produzir efeitos sobre as relações entre
particulares, as quais são regidas pelo direito privado. Admiti-lo implica da constitucionalização de
todo o direito privado, o que deixa a autonomia da vontade das pessoas fragilizada. Representa o
retorno do “absolutismo estatal”, o fim da inviolabilidade dos direitos individuais.
4.1.6.2. Posição intermediária (moderada).
Os direitos fundamentais têm eficácia direta, tanto nas relações das pessoas com o
Poder Público quanto nas relações estritamente privadas, tendo em vista a força normativa da
Constituição, porém, no último caso, com valor relativo.
É que nas relações entre particulares, não há como conferir caráter absoluto aos
direitos fundamentais, eis que devem ser igualmente respeitados os demais direitos individuais
também assegurados pela Constituição (autonomia da vontade, liberdade para contratar...).
4.1.7. Peculiaridades e características dos direitos fundamentais.
No ordenamento jurídico brasileiro os direitos fundamentais possuem as seguintes
peculiaridades:
• Posicionamento constitucional: Na Constituição, representam o gênero do
qual são espécies os direitos individuais, coletivos, difusos, sociais, nacionais e políticos.
• Aplicabilidade imediata: Não necessitam de normas posteriores que os
regulem.
• Abrangência: Os direitos e garantias elencadas no artigo 5º da Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados nem dos tratados
assinados pelo Brasil.
E como características:
• Historicidade: são produtos da evolução histórica, surgindo naturalmente a
partir das contradições existentes do seio da sociedade.
• Inalienabilidade: são produtos da evolução histórica, surgindo naturalmente
a partir das contradições existentes do seio da sociedade.
• Imprescritibilidade: não sofrem os efeitos da prescrição, sua exigibilidade
não decai pela falta de uso, são exigíveis a qualquer tempo.
• Irrenunciabilidade: não é admissível renunciar à possibilidade de exercê-los.
• Universalidade: todas as pessoas os têm, não há como excluir quem quer que
seja do absoluto respeito à condição de ser humano.
• Limitabilidade: não são absolutos, podem ser limitados quando houver
colisão entre eles.
• Concorrência: podem ser acumulados, ou seja, num mesmo titular e em
72
determinada situação podem acumular-se ou cruzar-se diversos direitos.
4.2. Direitos e deveres individuais e coletivos.
4.2.1. Direitos individuais.
Os direitos individuais são disposições meramente declaratórias que imprimem
existência legal aos direitos reconhecidos. Estão concentrados especialmente no art. 5º da
Constituição e compõem cinco grandes grupos: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.

4.2.1.1. Vida.
O direito à vida é o principal direito individual, o bem jurídico de maior
relevância tutelado pela ordem constitucional. Seu objeto compreende os direitos de nascer, de
permanecer vivo, de defender a própria vida, enfim, de não ter o processo vital interrompido senão
pela morte espontânea e inevitável.
4.2.1.2. Liberdade.
Direito à liberdade é a prerrogativa de fazer ou deixar de fazer alguma coisa,
senão em virtude de lei. O indivíduo é livre para fazer tudo que a lei não proíbe. Já o Poder Público,
somente pode fazer o que a lei expressamente autoriza.
São diversas as liberdades, com conceitos e tratamentos distintos entre si. São
elas: liberdades de pensamento, de consciência, de manifestação de pensamento, de opinião,
artística, de informação jornalística, de crença, de culto, de locomoção, de expressão coletiva, de
reunião, de associação, de ação profissional.
4.2.1.3. Igualdade.
A igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, com os mesmos direitos e
obrigações, e desigualmente os desiguais, na medida das desigualdades. Somente se reveste de
inconstitucionalidade o tratamento desigual que aumenta a desigualdade natural já existente.
A própria Constituição prevê tratamentos desiguais. Exemplo: Aposentadoria com
menor idade e menos tempo de serviço para as mulheres.
A desequiparação exige um pressuposto lógico e racional que a justifique, em
consonância com os valores tutelados pela Constituição. Exemplo: Assentos reservados para
gestantes, idosos e deficientes físicos nos transportes coletivos.
73
4.2.1.4. Segurança.
É a tranquilidade que o indivíduo necessita para exercitar seus direitos
fundamentais. Os direitos relativos à segurança abrangem os direitos subjetivos em geral e os
relativos à segurança pessoal.
Os direitos subjetivos compreendem a legalidade, a segurança das relações
jurídica...
Os direitos relativos à segurança pessoal alcançam a liberdade pessoal, a
inviolabilidade da intimidade, do domicílio e das comunicações pessoais, a segurança em matéria
jurídica.
4.2.1.5. Propriedade.
O direito de propriedade, na órbita civil, consiste na prerrogativa conferida ao
indivíduo de utilizar a coisa de acordo com sua própria vontade, excluída a intervenção de terceiros,
de colher os frutos dela e de explorá-la economicamente, bem como de vendê-la ou doá-la (“ius
utendi”, “fruendi” e “abutendi”). A tutela constitucional é mais ampla, abrangendo qualquer direito
de conteúdo patrimonial, econômico, tudo que é passível de conversão em dinheiro, alcançando
créditos e direitos pessoais.
O direito de propriedade não é absoluto, estando adstrito à função social. A
Constituição, no inc. XXII do art. 5º o assegura, mas, no inc. XXIII estatui que “a propriedade
atenderá a sua função social”, ou seja, tanto na utilização como no desfrute de um bem o
proprietário deve observar a conveniência social da coisa, ajustando-se aos interesses da sociedade.
4.2.2. Direitos coletivos.

4.2.1. Direitos difusos.


São direitos transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas entre si por circunstâncias de fato. Exemplo: Direito dos
consumidores.
4.2.2. Direitos coletivos em sentido estrito.
São direitos transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo,
74
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica
base. Exemplo: Dissídio coletivo de uma determinada categoria profissional.
4.2.3. Direitos individuais homogêneos.
São os interesses individuais com titulares identificados, objeto divisível e origem
comum. Exemplo: Direito à indenização das vítimas de um acidente aéreo.

LEITURA RECOMENDADA
Os direitos [e garantias] individuais e coletivos encontram-se especialmente no art. 5º e incisos I
a LXXVIII da Constituição da República. Mister destacar, ainda:
a) Aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais (§ 1º do art. 5º).
b) Bloco de constitucionalidade: carta de direitos brasileira não se restringe à Constituição
(Constituição + outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados + tratados
internacionais) (§ 2º do art. 5º).
c) Supralegalidade dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
(equivalentes às emendas constitucionais) (§ 3º do art. 5º).
d) Submissão à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a que tenha aderido (§ 4º do art. 5º).
4.3. Direitos sociais.

4.3.1. Educação
Sob a ótica de ABBAGNANO (2007: p. 357-358), a educação é assim definida:
Em geral, designa-se com esse termo a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são
as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer
suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de
modo mais ou menos ordenado e pacífico. Como o conjunto dessas técnicas se chama cultura, uma sociedade
humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração para geração.
Podem-se, portanto, distinguir duas formas fundamentais de E.: - a que simplesmente se propõe
transmitir as técnicas de trabalho e de comportamento que já estão em poder do grupo social e garantir a sua
relativa imutabilidade; 2- a que, através da transmissão das técnicas já em poder da sociedade, se propõe
formar nos indivíduos a capacidade de corrigir e aperfeiçoar essas mesmas técnicas.
Educação, assim, é cultura, em ambas as formas. Logo, afirmar que os direitos do ser humano são
direitos “naturais”, que as pessoas “nascem” livres e iguais, não implica necessariamente em que a
consciência dos direitos seja algo espontâneo. O homem é um ser, ao mesmo tempo, natural e cultural, que
deve ser “educado” pela sociedade. A educação para a cidadania constitui, portanto, uma das dimensões
75
basilares para a efetivação dos direitos fundamentais, tanto na educação formal, quanto na educação popular
e nos meios de comunicação.
No sistema constitucional brasileiro, a educação é dever da sociedade e do Estado.
Especificamente quanto ao Estado, o art. 208 assim listou os respectivos deveres:
I. educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada
inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II. progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III. atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV. atendimento em creche e pré-escola às crianças até seis anos de idade;
V. acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI. oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; e
VII. atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de
programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

LEITURA RECOMENDADA
A educação é tratada nos arts. 205 a 214 da Carta Republicana.
4.3.2. Cultura
ABBAGNANO (2007: p. 261), assim referiu cultura:
Esse termo tem dois significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a formação do
homem, sua melhoria e seu refinamento. F. Bacon considerava a C. nesse sentido como ‘a geórgica do
espírito’ (De augm. scient., VII, 1), esclarecendo assim a origem metafórica desse termo. No segundo
significado, indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados,
civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de civilização (v.).
A passagem do primeiro para o segundo significado ocorreu no séc. XVIII por obra da filosofia
iluminista, o que se nota bem neste trecho de Kant: ‘Num ser racional, cultura é a capacidade de escolher
seus fins em geral (e portanto de ser livre). Por isso, só a C. pode ser o fim último que a natureza tem
condições de apresentar ao gênero humano’ (Crít. do Juízo, § 83). Como ‘fim’, a C. é produto (mais que
produzir-se) da ‘geórgica da alma’. No mesmo sentido, Hegel dizia: ‘Um povo faz progressos em si, tem seu
desenvolvimento e seu crepúsculo. O que se encontra aqui, sobretudo, é a categoria da C, de sua exageração e
de sua degeneração: para um povo, esta última é produto ou fonte de ruína’ (Pbil. der Geschichte,ed. Lasson,
p. 43).
Ora, se os direitos fundamentais implicam algo mais do que a mera dimensão
jurídica, isto significa que precisam encontrar respaldo na cultura, na história, na tradição e nos
costumes de um povo, tornando-se parte de sua identidade cultural e maneira de ser. Por isso a
realização dos direitos humanos precisa de certo tempo para se afirmar e por raízes no contexto de
uma dada sociedade.
76
A cultura, na forma do art. 215 da Constituição da República, é também obrigação
do Estado que: “garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
Nesse contexto, cabe à União estabelecer o Plano Nacional de Cultura para
desenvolver a cultura no Brasil e integrar as ações do Poder Público para:
I. defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II. produção, promoção e difusão de bens culturais;
III. formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas
dimensões;
IV. democratização do acesso aos bens de cultura; e
V. valorização da diversidade étnica e regional.

LEITURA RECOMENDADA
A cultura está disposta nos arts. 215 e 216 da Constituição da República.
4.3.3. Saúde
A saúde, para ABBAGNANO (2007: p. 1026) é “a condição de bem-estar da
pessoa nas suas diferentes funções: físicas, mentais, afetivas e sociais; não se identifica com a
simples ausência de doença, mas com a plena eficiência de todas as funções: orgânicas e culturais,
físicas e relacionais”.
O art. 196 da Constituição da República também definiu o termo: “Saúde é direito
de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”.
SILVA (2007: p. 767-768), ao analisar o retro citado dispositivo constitucional,
destacou:
A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício... comporta duas vertentes... uma de natureza negativa, que consiste no
direito de exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer acto que prejudique a saúde; outra,
de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das
doenças e o tratamento delas...
o direito é garantido por aquelas políticas indicadas, que hão de ser estabelecidas, sob pena de omissão
inconstitucional, até porque os meios financeiros para o cumprimento do dever do Estado, no caso, são
arrecadados da sociedade, dos empregadores e empresas, dos trabalhadores e de outras fontes...

LEITURA RECOMENDADA
A saúde nos arts. 205 a 214 da Carta Republicana.
4.3.4. Meio ambiente
ABBAGNANO (2007: p. 350), tratou da ecologia sob a ótica da proteção
77
ambiental, nos seguintes termos:
Hoje em dia se fala de E. e de filosofias ecológicas a propósito das tendências de pensamento que
se propõem a defender o ambiente das operações devastadoras do homem. A maior expressão teórica da E.
do século XX é representada pelo pensamento de Jonas, que elaborou uma ética ambientalista baseada no
novo imperativo categórico da responsabilidade para com as gerações futuras: ‘Inclui na tua escolha atual a
integridade do homem como objeto da tua vontade’...
A Constituição da República, no art. 225, consagrou uma visão ambiental
moderníssima, ao estatuir a defesa e preservação ambiental inclusive para as gerações futuras:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
As obrigações do Estado foram assim enumeradas:
I. preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e subsistemas;
II. preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar
as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III. definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;
IV. exigir para instalação de obra ou atividade potencialmente poluidora, estudo
prévio de impacto ambiental;
V. controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que acarretem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI. promover a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do
meio ambiente; e
VII. proteger a fauna e a flora.

LEITURA RECOMENDADA
O meio ambiente no art. 225 da Constituição da República.
4.3.5. Trabalho
Para ABBAGNANO (2007: p. 964), trabalho é:
Atividade cujo fim é utilizar as coisas naturais ou modificar o ambiente e satisfazer às
necessidades humanas. Por isso, o conceito de T. implica: dependência do homem em relação à natureza, no
que se refere à sua vida e aos seus interesses: isso constitui a necessidade, num de seus sentidos (v.); 2)
reação ativa a essa dependência, constituida por operações mais ou menos complexas, com vistas à
elaboração ou à utilização de elementos naturais; 3) grau mais ou menos elevado de esforço, sofrimento ou
fadiga, que constitui o custo humano do trabalho.
Enquanto direitos sociais, argumentou SILVA (2007: p. 188-1899, os “direitos
relativos aos trabalhadores são de duas ordens, fundamentalmente: (a) direitos dos trabalhadores em
suas relações individuais de trabalho - que são os direitos dos trabalhadores... e b) direitos coletivos
78
dos trabalhadores - que são aqueles que os trabalhadores exercem coletivamente ou no interesse de
uma coletividade deles...”.
Na Constituição da República:
I. art. 7º representa a “carta de direitos” – não exaustiva – dos trabalhadores urbanos
e rurais;
II. art. 8º consagra a liberdade sindical;
III. art. 9º assegura o direito de greve;
IV. art. 10 garante a representação dos trabalhadores nos órgãos colegiados; e
V. art. 11 incentiva a mediação entre trabalhadores e empregadores.

LEITURA RECOMENDADA
Os direitos dos trabalhadores nos arts. 6º a 11 da Carta Republicana.
4.3.6. Assistência social
Para SILVA (2007: p. 782), a assistência social: “É direito fundamental da pessoa
humana a que corresponde o dever do Estado, mediante o estabelecimento de política de Seguridade
Social que proveja os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de
iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição”.
De conformidade com o disposto no art. 203 da Constituição da República tem
caráter universal, pois será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social.
Os objetivos da assistência social, na forma do citado art. 203 da Constituição da
República, abrangem:
I. a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II. o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III. a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV. a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária; e
V. a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-
la provida por sua família.

LEITURA RECOMENDADA
A assistência social nos arts. 203 e 204 da Constituição da República.
4.3.7. Minorias
79
O ordenamento constitucional oferece especial proteção à família, à criança, ao
adolescente, ao jovem e ao idoso, conforme expressamente dispõem os arts. 226 e 230. Destarte, é
dever conjunto da família, da sociedade e do Estado amparar e prover a criança, o adolescente, o
jovem e o idoso.
A Constituição da República foi ainda mais longe e incluiu entre os objetivos da
Pátria brasileira o combate a toda e qualquer forma de discriminação negativa, incluso a
discriminação racial, sexual e outras.
Nas palavras de SILVA (2007: p. 851): “O MUNDO DE TODOS NÓS... um
mundo em que todos nós estivemos, ou estamos, ou poderemos estar inseridos”.

LEITURA RECOMENDADA
As minorias nos arts. 226 (família), 227 (dever da família, da sociedade e do Estado proteger crianças,
adolescentes e jovens), 228 (inimputabilidade dos menores de 18 anos), 229 (dever de assistência
recíproca de pais e filhos e 230 (dever da família, da sociedade e dos Estado amparar as pessoas idosas.
4.3.8. Populações indígenas
E SILVA (2007: p. 866) indicou o real significado da proteção constitucional:
“O sentimento de pertinência a uma comunidade indígena é que identifica o índio. A dizer, é índio
quem se sente índio... A Constituição de 1988 revela um grande esforço no sentido de preordenar um sistema
de normas que pudesse efetivamente proteger os direitos e interesses dos índios. E o conseguiu, em um limite
bem razoável.”
Com efeito, na forma do art. 231 da Constituição da República, são reconhecidos
aos índios sua origanização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.

LEITURA RECOMENDADA
As comunidades indígenas nos arts. 231 e 232 da Carta Republicana.

4.4. Direitos da nacionalidade.


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4.4.1. Nacionalidade originária e secundária


A nacionalidade é o vínculo jurídico estabelecido entre um indivíduo e o Estado,
mediante o qual aquele se torna parte integrante do povo deste. O nacional é todo indivíduo que
integra o povo de um Estado, de conformidade com o direito interno deste. O estrangeiro, por
exclusão, é o indivíduo que não integra o povo de um Estado.
A aquisição da nacionalidade se processa por duas espécies ou modos:
nacionalidade primária e secundária.
A nacionalidade primária ou originária (nacionais natos) é determinada pelo
nascimento do indivíduo. É o ius soli e o ius sanguinis. O ius soli ou critério da territorialidade é o
critério de aquisição da nacionalidade pelo indivíduo mediante o qual esta é determinada pelo local
do nascimento, abrangendo todo o espaço geográfico em que o Estado exerce sua soberania. Quanto
ao ius sanguinis ou critério da consaguinidade, a nacionalidade da pessoa é definida em função de
seus ascendentes. O indivíduo terá a mesma nacionalidade de seus ascendentes.
A nacionalidade secundária ou adquirida (nacionais naturalizados) resulta de um
ato de vontade do indivíduo. Ocorre pela naturalização, pelo casamento (ius comunicatio)....
4.4.2. Polipátridas e apátridas
Os polipátridas são pessoas com mais de uma nacionalidades. Exemplo: o filho de
um italiano com uma japonesa nascido em território brasileiro, terá, ao nascer, três nacionalidades:
Pelo ius soli a nacionalidade brasileira e, pelo ius sanguinis, a italiana e a japonesa.
Já os apátridas, heimatlos ou apólidos, são pessoas que não possuem nenhuma
nacionalidade. Exemplo: o filho de um casal oriundo de um país que somente admite o critério do
ius soli, nascido no estrangeiro, em um Estado que reconhece apenas o critério do ius sanguinis.
4.4.3. Nacionalidade na Constituição da República
A nacionalidade originária no Brasil é tratada no art. 12, inciso I da Lei Maior,
nos seguintes termos:
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I. os nascidos no Brasil são brasileiros natos, exceto no caso em que seus pais sejam
estrangeiros e, pelo menos um deles, esteja a serviço de seu país (ius soli);
II. são brasileiros natos os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe
brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço do Brasil (ius sanguinis); e
III. são também brasileiros natos os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe
brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na
República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela
nacionalidade brasileira (ius sanguinis) – é chamada nacionalidade potestativa, pois depende de um
ato de vontade do interessado.
A Constituição brasileira, no art. 12, inciso II, prevê como modo de aquisição da
nacionalidade secundária, a naturalização, ato pelo qual um indivíduo adquire a nacionalidade
brasileira por livre e espontânea vontade. São duas espécies: a naturalização ordinária e a
extraordinária.
Pela naturalização ordinária, a nacionalidade brasileira é conferida ao indivíduo
estrangeiro que atender os pressupostos legalmente previstos. É ato discricionário do Chefe do
Poder Executivo, podendo ser negada ainda que os critérios da lei sejam integralmente observados
pelo interessado. Para os estrangeiros provenientes de países de língua portuguesa, a naturalização
ordinária pode ser concedida se o interessado residir por um ano ininterrupto no Brasil e tiver
idoneidade moral.
Quanto à naturalização extraordinária ou quinzenária é concedida aos estrangeiros
residentes no Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal que a requererem.
É um direito subjetivo do interessado e, assim, não pode ser negado pelo Chefe do Poder Executivo
caso esteja conforme a lei.
Vigora, ainda, no Brasil, o instituto jurídico da quase-nacionalidade ou tratado de
reciprocidade com Portugal mediante o qual é assegurado aos portugueses residentes no Brasil,
havendo reciprocidade em favor de brasileiros residentes em Portugal, os mesmos direitos
conferidos aos brasileiros naturalizados (Lei Maior, art. 12, § 1º). Trata-se de pessoal, não estendido
aos cônjuge e filhos. O português que o requerer conserva a nacionalidade originária, não adquire a
brasileira, mas tem assegurados todos os direitos garantidos ao brasileiro naturalizado.
4.4.4. Perda e reaquisição da nacionalidade brasileira
A perda da nacionalidade brasileira admite duas hipóteses:
I. Cancelamento da naturalização por atividade nociva ao interesse nacional, em
razão de sentença judicial transitada em julgado: é a perda da nacionalidade necessária, aplicável
apenas aos brasileiros naturalizados. Exige um processo judicial, tendo no pólo ativo o Ministério
Público Federal. Exemplo: traição à pátria.
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II. Aquisição voluntária de outra nacionalidade: é a perda da nacionalidade
voluntária, pela falta de consistência do vínculo entre o nacional e o Brasil. Exige um processo
administrativo e a decisão compete ao Presidente da República. Admite duas exceções:
a) reconhecimento de outra nacionalidade originária, por força de lei estrangeira; e
b) imposição da naturalização por Estado estrangeiro como condição necessária para
permanência ou para o exercício de direitos civis em seu território.
Quanto à reaquisição, a legislação vigente prevê duas formas:
I. Brasileiro naturalizado que perder a nacionalidade brasileira em decorrência do
exercício de atividade nociva ao interesse nacional, poderá readquirí-la mediante ação rescisória.
II. Brasileiro que perder a nacionalidade brasileira por ter adquirido a de outro país,
poderá readquirí-la por decreto presidencial. Em tal situação, segundo jurisprudência do STF, o
brasileiro a readquire nas mesmas condições que possuía anteriormente, ou seja, se era brasileiro
nato, tornará a sê-lo.
4.4.5. Brasileiros natos e naturalizados perante à Constituição
A Constituição assegura os mesmos direitos aos brasileiros natos e naturalizados,
entretanto, estabelece as seguintes distinções:
I. certos cargos são privativos de brasileiros natos: Presidente e Vice-Presidente da
República, Presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Ministro do Supremo
Tribunal Federal, carreira diplomática, oficial das Forças Armadas e Ministro de Estado da Defesa
(art. 12, § 3º);
II. brasileiro nato não pode ser extraditado; o brasileiro naturalizado o será, caso
tenha cometido crime antes da aquisição da nacionalidade brasileira ou, a qualquer tempo, por
comprovado envolvimento com tráfico de entorpecentes (art. 5º, inciso LI);
III. somente brasileiros natos podem ser indicados para o Conselho da República,
como representantes dos cidadãos (art. 89, inciso VII); e
IV. apenas brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos podem ser
proprietários de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 222, caput).

LEITURA RECOMENDADA
Os direitos da nacionalidade estão dispostos nos arts. 12 e 13 da Carta Republicana.

4.5. Direitos da cidadania ou direitos políticos.


Os direitos políticos podem ser definidos como sendo o conjunto de direitos que
disciplinam as formas como a população irá participar da formação da vida política do Estado. Essa
idéia deriva diretamente do parágrafo único do art. 1º da Lei Maior, segundo o qual todo o poder
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emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.
4.5.1. Direitos políticos positivos.
Representam as prerrogativas do cidadão de participar da vida pública, incluindo
os direitos de votar e de ser votado.
4.5.2. Direitos políticos negativos.
Caracterizam-se como vedações legalmente previstas para impedir a participação
do cidadão no processo político e nos órgãos governamentais, abrangendo as inelegibilidades, bem
como a perda e a suspensão dos direitos políticos.
4.5.3. Abrangência dos direitos políticos.
Direitos Direito de sufrágio (direito de participar da formação da vontade política do Estado).
políticos
Abrangência Alistabilidade (direito de votar).
Iniciativa popular de lei.

Elegibilidade (direito de candidatar-se, de ser votado).

Intentar ação popular.

Organizar e participar de partidos políticos.

Hipóteses de perda e de suspensão dos direitos políticos.

Inelegibilidades (limitações ao direito de candidatar-se).

LEITURA RECOMENDADA
Os direitos políticos constam dos arts. 14 a 16 da Carta Republicana.
4.5.4. Partidos políticos.
São associações constituídas para a participação da vida política de um país, para
a formação da vontade nacional, com objetivos de propagação de idéias e de conquista, total ou
parcial, do poder político.
Os partidos políticos subordinam-se a dois princípios constitucionais: a ampla
liberdade partidária e a autonomia partidária.
Pela ampla liberdade partidária é livre a criação, a fusão, a incorporação e a
extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o
pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os preceitos previstos
na Lei Maior (art. 17, “caput” e incs. I a IV): caráter nacional; proibição de recebimento de recursos
financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; prestação de contas à
Justiça Eleitoral; e funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
Pela autonomia partidária (§ 1º do art. 17 da Constituição) é assegurada aos
partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para
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adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de
vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus
estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

LEITURA RECOMENDADA
Os partidos políticos no art. 17 da Carta Republicana.

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