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21/06/2021 Voluntarismo semipelagiano (I) - Semipelagianos antigos - IJF

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TEOLOGIA

Voluntarismo semipelagiano (I) – Semipelagianos


antigos
18/05/2020, 16h
Atualizado em 30/12/2020, 11h

São João Cassiano (360-435).

Padre José María Iraburu.


Blog Reforma o apostasía, 05.02.2010.

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21/06/2021 Voluntarismo semipelagiano (I) - Semipelagianos antigos - IJF

Tópicos:

O semipelagianismo
Rejeição católica imediata
Cânones principais do II Sínodo de Orange (529)
Bonifácio II confirma o II Sínodo de Orange (531)
A primazia e a total gratuidade da graça de Deus

– Certamente em seguida vai nos contar sobre os atuais semipelagianos.

– Não duvide. Tenha-o por certo, com a graça de Deus.

Expus as grandes quedas do cristianismo (56-60) [1], limitando-me ao


arianismo e ao pelagianismo em suas versões antigas e atuais. E, embora o
semipelagianismo implique também uma queda do cristianismo, negando toda a
liberdade de graça, preferi tratá-lo separadamente por respeito a seus santos
iniciadores, e principalmente porque vou considerá-lo nas versões voluntaristas
atuais, bem longe do semipelagianismo puro e simples.

O semipelagianismo é um erro grave surgido no século V em alguns


mosteiros do sul da
França, como Marselha – por isso chamado de erro
massiliense – e Lérins,
ilha em frente a Cannes. Foi formulado e divulgado por
homens de vida muito
santa, como os monges João Cassiano, abade de Marselha
(+430), em sua Coleção
XIII, São Vicente de Lérins (+445), autor do
Commonitorium, e São Fausto, bispo de Riez,
anteriormente abade de Lérins
(400-490). Eles, claramente afastados do pelagianismo
– reconheciam o pecado
original, a necessidade de graça e a oração de petição –
erravam, no entanto, sobre
a primazia absoluta da graça. Querendo reagir contra
certas teses de Santo
Agostinho, que em sua opinião eliminaram a liberdade do
homem em sua
colaboração com a graça, chegaram a afirmar que certos esforços da
vontade
humana precedem a graça e que o princípio mesmo da fé (initium
fidei) depende
do homem. Foram homens santos, que erraram num tempo em que
a Igreja não
havia definido a doutrina católica exata sobre a graça.

São Fausto de Riez é o expoente máximo


do semipelagianismo (De
gratia Dei: PL 58, 783-836). Deus oferece
igualmente a todos os homens sua
graça salvadora, e aqueles que a recebem
generosamente são os que se salvam.
Portanto, estes não são propriamente eleitos
de Deus (Rm 8,29), mas são eles
que se escolhem a si mesmos, merecendo assim a
salvação. A predestinação
não é, portanto, senão a previsão divina daqueles que
livremente vão receber a
graça. E é a vontade humana que torna eficaz a graça,
e que decide o grau de

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santidade final, de acordo com o maior ou menor grau de


seu generoso
esforço pessoal: “Regnorum cælorum vim patitur” (é o esforço que conquista
o
Reino celestial, Lc 16,16). No final do séc. V, apenas entre os bispos do
sudeste
da Gália foram levantadas vozes contra a doutrina semipelagiana de
católicos
tão fidedignos como Casiano, Vicente e Fausto. O De gratia de Fausto foi
considerado pelo escritor Genadio de
Marseille (+500), erudito sacerdote,
como um “opus egregium” [n.d.t.:
“excelente trabalho”].

Rejeição católica
imediata. Também eram santos – e provavelmente mais
santos, digo eu – os que refutaram imediatamente o semipelagianismo, como
Santo
Agostinho (+430), Santo Hilário (401-449), bispo de Arles, o monge São
Próspero
de Aquitânia (+450), grande defensor do agostinismo e São Fulgêncio
(+533),
bispo de Ruspe, no norte da África.

Também o Magistério pontifício,


estimulado por esses autores, produziu ao
longo do século V várias declarações
contrárias ao semipelagianismo, reunidas em
um documento, o Indiculus,
que foi reconhecido por Roma por volta de 500
(Denz. 238-249). Mas o
ensino mais perfeito da Igreja contra o semipelagianismo,
na mesma doutrina do
Indiculus, foi produzido no II Sínodo de Orange (529),
pequena
cidade no sudeste da França (Denz. 238-249). Foi presidido por São
Cesáreo, bispo de Arles (+543), e confirmado pelo papa Bonifácio II (Denz.
370-
397).

É significativo que tanto Hilário, como Próspero e Cesáreo, os três


fossem monges de Lérins, e conhecessem bem a doutrina do
“semipelagianismo”. Esse
termo, por certo, surgiu muito mais tarde, quando
aqueles que contradiziam a
tese de Pe. Luis de Molina, S.J. (1535-1600), exposta
em seu livro Concordia
(1588), o acusavam de professar as sententiæ
semipelagianorum, ou seja, de
reviver os erros massilienses, já condenados
pela Igreja.

Principais cânones do
II Sínodo de Orange. O sofrido leitor me
permitirá –
à força – transcrever boa parte dos cânones deste maravilhoso
Sínodo provincial
(Arausicano). Sua doutrina foi especialmente levada em
consideração nos debates
do Concílio de Trento. Esses cânones devem ser lidos
com muita atenção, porque
(1) como é normal nos antigos sínodos e concílios,
sua formulação é extremamente
densa, precisa e concisa; e (2) porque afirmam
algumas grandes verdades, muito
esquecidas hoje até pelos católicos mais fiéis.
Se hoje a maioria dos católicos não
praticantes é apóstata ou pelagianos, boa
parte dos praticantes é mais ou menos
afetada pelo semipelagianismo. Temos de
comprová-lo mais tarde. Atenção, então:

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Can. 1 e 2: O pecado original existe, e não no sentido de Pelágio, mas


no
da Igreja.

Can. 3: “Se alguém disser que a graça de Deus pode ser conferida por
invocação humana, e não que a mesma graça faz com seja invocado [Deus]
por
nós, contradiz o profeta Isaías ou o Apóstolo: “fui encontrado pelos que me
não buscavam; claramente me descobri aos que não perguntavam por mim”
(Rm
10,20; cf. Is 65,1)”.

Can. 4: “Se alguém insiste que Deus espera nossa vontade para purificar-
nos
do pecado, e não confessa que até o querer ser purificado se produz em
nós por infusão e operação sobre nós do Espírito Santo, resiste ao mesmo
Espírito Santo, que por Salomão disse: “a vontade é preparada pelo Senhor”
(Prov.
8,35: em LXX), e ao Apóstolo que prega zelosamente: “Deus é o que
opera em vós
o querer e o executar, segundo o seu beneplácito” (Fl 2,13)”.

Can. 5: “Se alguém disser que está


naturalmente em nós o aumento e
mesmo o início da fé… se mostra inimigo
dos dogmas apostólicos… “tendo esta
confiança, de que aquele que começou em vós a boa obra, a completará até ao
dia de Jesus Cristo”
(Flp 1,6)… “A vós vos é dado por amor de Cristo não
somente que creiais n’Ele
mas também que sofrais por Ele” (1,29), e: “pela
graça que fostes salvo,
mediante a fé, e isto não (vem) de vós, porque é um
dom de Deus” (Ef 2,8)”…

Can. 6: “Se alguém disser que se nos confere divinamente misericórdia


quando sem a graça de Deus cremos, queremos, desejamos, nos esforçamos,
trabalhamos, oramos, vigiamos, estudamos, pedimos, procuramos, chamamos,
e não
confessa que pela infusão e inspiração do Espírito Santo se dá em nós
que creiamos e queiramos ou que possamos fazer, como se deve, todas essas
coisas; e condiciona a ajuda da graça à humildade e obediência humanas, e não
consente que é dom da graça mesma que sejamos obedientes e humildes,
resiste ao
Apóstolo que disse: “que tens tu, que não recebestes?” (1Cor 4,7), e:
“pela
graça de Deus sou o que sou” (1Cor 15,10)”.

Can. 7: É enganado pela heresia quem “afirma que pela força da natureza
se pode pensar como convém, ou escolher algum bem que se relacione com a
salvação
da vida eterna, ou consentir à pregação salvífica e evangélica… “Sem
mim nada podeis fazer” ( Jo 15,5), e: “não que sejamos capazes por nós mesmos
de
algum pensamento (sobrenaturalmente
bom), como vindo de nós mesmos;
mas a nossa capacidade vem de Deus” (2Cor 3,5)”.

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Can. 8: Erra quem “insiste que possam vir à graça do batismo uns por
misericórdia, outros, no entanto, por livre arbítrio… O próprio Senhor
prova
isso, atestando que não alguns, mas “ninguém pode vir a Mim, se o Pai que
Me
enviou o não atrair” ( Jo 6,44); assim como ao bem-aventurado Pedro disse:
“Bem-aventurado
és, Simão Bar-Jona, porque não foi a carne nem o sangue
que to revelou, mas meu
Pai, que está nos céus” (Mt 16,17); e o Apóstolo:
“ninguém pode dizer
Senhor Jesus, senão pelo Espírito Santo” (1Cor 12,3)”.

Can. 9: “Sobre a ajuda de Deus. É uma marca do dom divino quando


pensamos
retamente e quando contemos nossos pés da falsidade e da
injustiça;
porque quantas vezes trabalhamos bem, Deus, para que trabalhemos,
opera em
nós e conosco”.

Can. 12: “Como Deus nos ama. Tal Deus nos ama, como devemos ser por
seu dom, não o que somos pelo nosso merecimento”.

Can. 13: “Da reparação do livre arbítrio. A liberdade da vontade,


enfraquecida no primeiro homem, só pode ser reparada pela graça do
batismo.
O que foi perdido não pode ser devolvido, senão por quem pode dá-
lo. Daí que a
própria Verdade diga: “Se o Filho vos libertar, sereis
verdadeiramente
livres” ( Jo 8,36)”.

Can. 18: “Que por nenhum mérito se precede a graça.


Boas obras devem
ser recompensadas, se forem feitas; mas a graça, que não é
devida, as precede
para que sejam feitas”.

Can. 20: “Que o homem não


pode nada de bom sem Deus. Muitos bens
Deus produz no homem, que o homem
não faz; nenhum bem, no entanto, faz
o homem que não outorgue Deus que o faça”.

Can. 22: “Do que é próprio dos homens. Ninguém tem de


si próprio
senão mentira e pecado. E se alguém tem alguma verdade e
justiça, vem
daquela fonte divina”.

Can. 23: “Da vontade de Deus e do homem. Os homens fazem sua


vontade e não a de Deus, quando fazem o que desagrada a Deus; mas quando
fazem
o que querem para servir à vontade divina, mesmo quando fazem
voluntariamente o
que fazem, a vontade, no entanto, pertence Àquele por
quem se prepara e se
ordena o que querem”.

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Can. 24: “Dos ramos da videira. De tal modo estão os ramos na


videira
que nada dão à videira, mas dela recebem do que viver”…

O Sínodo conclui com


uma profissão solene da fé católica, escrita por São
Cesáreo de Arles,
na qual reafirma a doutrina conciliar, acrescentando mais
argumentos e citações
bíblicas. “Também professamos e cremos firmemente que,
em toda boa obra,
não começamos nós e depois somos ajudados pela misericórdia
de Deus, mas que
Ele nos inspira primeiro – sem que preceda bom mérito de
nossa parte – a fé e o
amor a Ele”.

Bonifácio II confirma
o Segundo Sínodo de Orange (531: Denz.
398-400):
“Vós definis que a reta fé em Cristo e o começo de toda boa vontade, conforme
a
verdade católica, são inspirados na alma de cada um pela graça de Deus
preveniente”,
portanto, “não há absolutamente bem algum segundo Deus que
ninguém possa querer,
começar ou terminar sem a graça de Deus”.

A primazia e a total
gratuidade da graça de Deus é o que está em jogo nestas
gravíssimas questões. É muito
significativo que a Igreja tenha dedicado seus
primeiros Sínodos e Concílios a
definir, antes de tudo, as realidades mais
importantes da fé católica: a
Encarnação do Verbo, a Santíssima Trindade, a graça
divina… O semipelagianismo
– posterior ao pelagianismo, já condenado pela Igreja
–, estimando que a graça
de Deus é igualmente oferecida a todos, e que é a
liberdade humana pessoal a que,
com sua maior ou menor determinação, decide
as boas obras, praticamente coloca
a iniciativa da vida espiritual no homem .
Consequentemente, a maior ou
menor santificação da pessoa é principalmente
uma questão de sua “generosidade”
na colaboração com a graça. E
consequentemente… etc. Já veremos isso.

Há alguns anos, em uma


formação que dei sobre a graça divina a uma
vintena de católicos especialmente
qualificados, passei no início – confesso que
com certa perversidade – um
questionário prévio, com uma dúzia de frases
(verdadeira/falsa) extraídas
literalmente de Concílios, de São Fausto de Riez, de
Santo Tomás de Aquino,
etc. Creio recordar que havia entre eles três católicos, três
pelagianos e
quatorze semipelagianos.

Eu terei trabalho nos


próximos artigos.

José María Iraburu, sacerdote.

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[1] Artigos 56-60 do blog Reforma o apostasía. Acesse-os em:


https://www.infocatolica.com/blog/reforma.php/1211240939-0-indice-del-blog-
reforma-o-a

Traduzido por José Almeida Jr. a partir da publicação original em castelhano,


disponível em https://www.infocatolica.com/blog/reforma.php/1002051032-61-
voluntarismo-semipelagiano

Nota: esse artigo compõe uma série de cinco artigos sobre o voluntarismo
semipelagiano – erro muito bem apontado pelo Padre José Maria Iraburu em seu
blog – a qual publicamos aqui com o intuito de expor e afastá-lo dos católicos e
apostolados hodiernos, conquanto divirjamos do pe. Iraburu ao tratar os
lefebvrianos como cismáticos, como se vê em outros artigos do mesmo blog.

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