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FAMÍLIA E EDUCAÇÃO EM oferecer informações adequadas de acordo

com a fase de desenvolvimento.


SEXUALIDADE: UMA PROPOSTA
DE REFLEXÃO PALAVRAS-CHAVES: sexualidade,
família, escola, educação em sexualidade,
psicanálise
Priscila Junqueira348
Aline Santarém Ernesto349
ABSTRACT

This article aims to encourage reflection on


the influence of the family and school on the
RESUMO constitution of the subject and their sexual
health, based on human and sexual rights.
O presente artigo pretende incitar a reflexão Sexuality is inherent in life and despite the
sobre a influência da família e escola na discussion about the insertion of this theme
constituição do sujeito e sua saúde sexual, in the school curriculum since the 70's and
tendo como base os direitos humanos e instituted in the National curriculum
sexuais. A sexualidade é inerente à vida e parameters since 1997 as transversal in
apesar da discussão sobre a inserção desta teaching from 6 years of age, we are still far
temática no currículo escolar desde a década from this reality. Based also on sexual rights
de 70, e instituída nos Parâmetros and psychoanalytic concepts about
Curriculares Nacionais desde 1997 como sexuality, the purpose of this article is to
transversal no ensino a partir dos seis anos present it as a broad concept related to the
de idade, ainda estamos distantes desta way we deal with our internal and external
realidade. Tendo como base também os world, which when suffering from any type
direitos sexuais e conceitos psicanalíticos of inhibition can result in important
acerca da sexualidade, o objetivo deste psychological disorders. The partnership
artigo é apresentá-la como um conceito between family and school is essential in this
amplo relacionada à forma como lidamos process, as they are places of reference and
com nosso mundo interno e externo, que models capable of offering adequate
sofrendo qualquer tipo de inibição pode information according to the development
resultar em importantes transtornos phase.
psíquicos. A parceria entre família e escola é
fundamental neste processo, pois são lugares KEY WORDS: sexuality, family, school,
de referência e os modelos capazes de sexuality education, psychoanalysis

348 349
Co-fundadora do IPSER – Instituto de Co-fundadora do IPSER – Instituto de
Psicologia e Sexologia Essência Rara. Mestrado Psicologia e Sexologia Essência Rara. Doutora
pela USP. Especialista em Sexualidade Humana pela Universidade Estadual de Campinas -
pela USP e em Coordenação Grupo Analítica UNICAMP. Especialista em Unidade Básica de
pela Sociedade de Psicoterapia Analítica de Saúde – Faculdade de Saúde Pública/USP.
Grupo. Formação em Psicanálise pelo Instituto Formação em Psicanálise pelo Instituto Távola.
Távola. Psicóloga Clínica, com mais de 18 anos Psicóloga Clínica, com mais de 20 anos de
de atuação na área. Atendimento Psicológico atuação na área. Atendimento Psicológico com
com enfoque psicanalítico. Psicoterapia Foco psicanalítico. Psicoterapia individual, casal
individual, casal e grupo; psicoterapia breve e e grupo. No âmbito hospitalar, atendimento
psicoterapia sexual. Facilitadora em ambulatorial de pessoas com doenças crônicas e
treinamentos e palestras na área de Educação em seus principais cuidadores e orientação de
Sexualidade e Sexologia. equipe.

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“Não desejo suscitar convicções, adolescência, violência de gênero, entre
o que desejo é estimular o pensamento
e derrubar preconceitos.” outras).
(Freud) A educação sexual está
relacionada à promoção dos direitos
humanos, direito que a criança e

INTRODUÇÃO adolescente possuem à saúde, à


educação, à informação. Com isso, a
sexualidade inicia-se com o nascimento,
Deve-se inserir ou não a temática fazendo parte do desenvolvimento do ser
da sexualidade nas relações familiares? humano (Mendonça, 2020).
Freud, no início do século XX, já Muito embora a educação em
descrevia a importância de se responder, sexualidade esteja presente em todos os
sem mentiras, às perguntas das crianças espaços de socialização – família, escola,
sobre sexualidade, mas também de igreja, pares, trabalho, mídia –, ainda
acordo com a capacidade de ocorre de forma pulverizada,
compreensão das mesmas. Isto faz parte fragmentada e dissociada de um plano de
do processo de desenvolvimento, assim sociedade inclusiva, baseada nos direitos
como da formação da personalidade, e humanos. Portanto, torna-se relevante a
ocultar tais informações não impede a atuação do sistema educacional na tarefa
busca do conhecimento por outros de reunir, organizar, sistematizar e
meios. (Moraes, 2018). ministrar essa dimensão da formação
A educação sexual deve ser humana.
promovida como uma ação conjunta Para muitos pais as crianças não
entre escola, família e sociedade, e possuem sexualidade, são puras, e falar
apesar das grandes transformações de sexo para essas pessoas em peculiar
sociais e comportamentais no campo da condição de desenvolvimento é algo
sexualidade nas últimas décadas, em considerado imoral. Mas essa
geral as iniciativas ocorrem de forma sexualidade deve ser entendida como
eventual, não padronizada e pontual, algo que se inicia com o nascimento e só
dentro de um calendário de datas se encerra com a morte, manifestando-se
comemorativas, em campanhas sobre de formas diferentes de acordo com a
saúde, ou situações específicas, faixa etária da criança. Por isso, segundo
normalmente direcionadas a ocorrências o Art. 229, caput, da Constituição
escolares (namoro, gravidez na Federal de 1988: “Os pais têm o dever de

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assistir, criar e educar os filhos menores, trabalharem em parceria para um
e os filhos maiores têm o dever de ajudar desenvolvimento autônomo e
e amparar os pais na velhice, carência ou responsável dos seres humanos.
enfermidade.” E esse dever de educação
abrange a sexual, por isso a educação em
SEXUALIDADE
sexualidade da escola deve ser
complementar à da família.
Quando se pensa como a família
Em meio ao século XXI, ainda
pode influenciar desde cedo a
existem países, sistemas de ensino,
compreensão que a criança terá sobre a
escolas, profissionais de educação e
sua sexualidade, é preciso entender como
famílias que evitam a temática
isso acontece e também entender a
sexualidade. Consequência disso é o
sexualidade infantil.
desconhecimento, ou mesmo a obtenção
Sigmund Freud (1905) foi o
de informações incorretas, resultando em
primeiro teórico a falar sobre a
despreparo de adolescentes e jovens para
sexualidade infantil, com as fases do
lidar com a própria sexualidade, seus
desenvolvimento psicossexual (fase oral,
significados, a prevenção de infecções
anal, fálica, latência e genital). A fim de
sexualmente transmissíveis, gravidez,
entender sobre sexualidade infantil,
enfim, com a pluralidade sexual
torna-se importante primeiramente
(UNESCO, 2014).
compreender a diferença existente entre
Por outro lado, algumas
“sexo” e “sexualidade”. Enquanto o sexo
iniciativas de educação em sexualidade
é entendido a partir do biológico,
acabam direcionando as informações em
remetendo-se à ideia de macho, fêmea,
um discurso biologizante e científico do
intersexo, a sexualidade vai além das
corpo, não abordando questões
partes do corpo, constituindo-se como
importantes como o afeto, o prazer e o
uma característica que está estabelecida
desejo.
e presente na cultura e história do
Diante disso e com o propósito de
homem. Segundo Nunes e Silva (2006,
olhar para o tema sexualidade de uma
p. 73), “A sexualidade transcende à
forma ampliada, de acordo com seu
consideração meramente biológica,
conceito, este trabalho tem como
centrada na reprodução e nas
objetivo oferecer a possibilidade de
capacidades instintivas”.
reflexão sobre a importância de as
instituições (família e escola)

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Segundo a Organização Mundial sexualidade é construída durante as
de Saúde (1975) apud Egypto (2003): primeiras experiências afetivas do bebê
na alimentação, nas trocas de fralda, etc.

A sexualidade forma parte integral


A percepção do bebê é sensorial; todo
da personalidade de cada um. É contato com seus pais ou cuidadores
uma necessidade básica e um
aspecto do ser humano que não passa a compor as primeiras sensações
pode ser separado dos outros
aspectos da vida. Sexualidade não sexuais e será a base para a construção
é sinônimo de coito e não se limita
à presença ou não do orgasmo. dos vínculos afetivos e do desejo de
Sexualidade é muito mais do que
isso, é a energia que motiva a
aprender.
encontrar o amor, o contato e a - Fase anal: A fase anal (dois a
intimidade e se expressa na forma
de sentir, na forma de as pessoas três anos) sucede a fase oral e inicia-se
tocarem e serem tocadas. A
sexualidade influencia por volta do segundo ano de vida. Nesta
pensamentos, sentimentos, ações e
interações e tanto a saúde física fase, a libido está concentrada na região
como a mental. Se a saúde é um
direito humano fundamental, a
do ânus, ou seja, a satisfação erógena é a
saúde sexual também deveria ser zona retal.
considerada como um direito
humano básico (OMS, 1975, apud - Fase fálica: Nesta fase (três a
EGYPTO, 2003, p. 15 e 16).
cinco anos aproximadamente), a libido
As teorias de Freud (1905) sobre erotiza os órgãos genitais, e as crianças
a sexualidade afirmam que é a libido a apresentam o desejo de manipulá-los.
mola propulsora que move o homem. A Tanto nos meninos quanto nas meninas,
libido é a energia afetiva que busca o esta zona está ligada à micção. As
prazer e faz parte do ser humano desde crianças nesta fase identificam as
seu nascimento até sua morte. Para Freud diferenças biológicas de gênero.
(1905), é nas fases psicossexuais que - Fase latência: A energia da
ocorre o desenvolvimento da libido se desloca dos seus objetivos
personalidade de um modo específico e é sexuais. Como esta energia não cessa, ela
caracterizado pela concentração da é canalizada por meio da sublimação
libido em zonas erógenas. para o desenvolvimento intelectual e
Conforme citado anteriormente, social da criança.
para Freud temos as seguintes fases do - Fase genital: tem início por
desenvolvimento psicossexual: volta dos 10 anos. Neste período a
- Fase oral: Compreendida na criança estará passando por
faixa etária de zero aos dois anos de vida, transformações corporais, biológicas,
onde a boca é a zona erógena. A afetivas e sociais. A libido volta a se

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concentrar nos órgãos genitais, devido ao orientação sexual e implica o
amadurecimento dos mesmos. reconhecimento da igualdade e liberdade
Pode-se perceber através do das mais diversas práticas sexuais
entendimento das fases psicossexuais existentes. São os direitos sexuais
que sexualidade é desenvolvimento, é oriundos do direito: (i) à igualdade, (ii)
constituição de um sujeito; todos estão ao respeito à integridade física e psíquica
exercendo sua sexualidade. e (iii) à liberdade e autonomia da pessoa,
Por fim e a fim de preparar que geram, em seu conjunto, a
adequadamente o indivíduo para lidar necessidade de proteção da diversidade.
com sua sexualidade, é necessário pensar Os direitos sexuais abrangem:
uma educação que contemple tal
desenvolvimento de maneira clara, sem ● O direito aos serviços de saúde
culpas e preconceitos. Isso pode ser feito sexual que garantam privacidade,
confidencialidade e atendimento de
de maneira formal ou informal, levando
qualidade, sem discriminação;
em consideração os direitos sexuais e
● O direito à informação e à
reprodutivos, e precisa acontecer de
educação sexual;
forma conjunta entre, família, escola e
Estado. ● O direito à escolha, tanto do
parceiro quanto sobre ter ou não relação
sexual, independentemente da
DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS reprodução;

● O direito de viver plenamente a


sexualidade e identidade de gênero, sem
Os direitos sexuais são direitos sofrer discriminação, temor ou qualquer
forma de violência;
humanos previstos em leis nacionais e
em documentos internacionais. São ● O direito de viver a sexualidade,
inalienáveis e imprescritíveis; desse sem sofrer discriminação, temor ou
qualquer forma de violência;
modo, a criança e adolescente possuem o
direito à educação em sexualidade, com ● O direito de expressar livremente
sua orientação sexual e identidade de
o objetivo de ter assegurado seu direito à
gênero, sem sofrer discriminação, temor
informação e à saúde (Mendonça, 2020). ou qualquer forma de violência;
Tais direitos sexuais consistem no
● O direito à prática do sexo com
conjunto de direitos relacionados com o
segurança para prevenção da gravidez e
exercício e a vivência sexual dos seres de doenças sexualmente transmissíveis
humanos, o que abarca o direito à livre (DST)

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O direito à educação é um direito gravidez e infecções sexualmente
social previsto na Constituição de 1988 e transmissíveis e a redução dos índices de
no Estatuto da Criança e do Adolescente HIV.
(Lei 8.069, de julho de 1990), que
assegura a instrução formal, a FAMÍLIA
qualificação profissional, o exercício da
cidadania, o desenvolvimento das A definição de família sofreu
crianças; além disso, deve oportunizar o inúmeras modificações ao longo do
aprendizado correto e preventivo sobre a tempo. O estereótipo de família
sexualidade, pois as crianças possuem o patriarcal deu espaço às novas
direito à liberdade e a um aprendizado concepções. Aos antigos modelos
completo e eficaz (Mendonça, 2020). tradicionais, foram agregadas novas
Com isso, a responsabilidade concepções de laços, com famílias
pela efetivação dos direitos das crianças reconstituídas, ampliadas. De acordo
e dos adolescentes, como à saúde, à vida, com a historiadora e psicanalista
à educação, inclusive a sexual, é Elisabeth Roudinesco (2003), é um
tripartite e pertence à família, ao Estado conceito em constante evolução,
e à sociedade; dessa forma, deverá existir moldada pelas práticas dominantes
uma conjugação de esforços para que patriarcais, o que resulta em alterações
esses direitos sejam assegurados em sua de ordem interna (psiquismo) e externa
plenitude (Mendonça, 2020). (sociedade).
Uma educação em sexualidade As modificações sofridas ao
com limites estabelecidos é longo do tempo não indicam que a
demasiadamente eficaz, porque a instituição família esteja em crise, ou em
UNESCO (Organização das Nações risco de ser extinta, pois o que persiste e
Unidas para Educação, Ciência e perpetua sua existência são seus
Cultura), que realizou um grande estudo desdobramentos e reconfigurações,
sobre a educação sexual entre os anos de independentemente da época em que se
2008 e 2016, identificou que os vive (Roudinesco, 2003).
programas sexuais contribuem para que Segundo Roudinesco (2003), a
as atividades sexuais ocorram cada vez nova organização familiar, partindo do
mais tarde ou de forma protegida, com o modelo edipiano (Complexo de Édipo
uso de meios contraceptivos, além de os em Freud), sustentava-se em três pilares:
jovens terem mais conhecimento sobre "a revolução da afetividade, que exige

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cada vez mais que o casamento burguês constitui o esteio indispensável em que o
seja associado ao sentimento amoroso e ser humano se apoia para construir as
ao desabrochar da sexualidade feminina bases de sua personalidade. A partir
e masculina; o lugar preponderante dessa perspectiva desenvolvimentista, é
concedido ao filho, que tem como efeito fácil imaginar que, para Winnicott, o
'maternalizar' a célula familiar; a prática ambiente continua a exercer influência
sistemática de uma contracepção na criança que cresce, no adolescente e
espontânea, que dissocia o desejo sexual até no adulto. Essa influência nunca para
da procriação, dando assim origem a por completo. Vê-se o estabelecimento
uma organização mais individual da de uma interdependência entre o
família" (p. 96) indivíduo e o ambiente. (Nasio- p.195)
De acordo com a teoria Espera-se, portanto, que a família
psicanalítica, a família desempenha um cumpra a função de proporcionar a
papel fundamental no desenvolvimento. continuidade do amadurecimento do
Uma criança, ao nascer, inserida em uma sujeito, nas diferentes fases do
família com características únicas, em desenvolvimento.
constante transformação, passa a Sem alguém especificamente
internalizar e reconhecer suas funções, orientado para as suas necessidades, a
de acordo com as influências de suas criança não pode encontrar uma relação
origens. Em Os complexos familiares na operacional com a realidade externa.
formação do indivíduo, Lacan (1987) Sem alguém que lhe proporcione
argumenta que a família deve ser satisfações instintuais razoáveis, a
entendida enquanto um complexo, sendo criança não pode descobrir seu corpo,
este algo que “reproduz uma certa nem desenvolver uma personalidade
realidade do ambiente” (Lacan, 1987; integrada. Sem uma pessoa a quem possa
20). Tais complexos desempenham um amar e odiar, a criança não pode chegar
papel de organizadores no a saber amar e odiar a mesma pessoa e,
desenvolvimento psíquico, tendo o assim, não pode descobrir seu
sujeito consciência do que ele representa. sentimento de culpa nem o seu desejo de
Segundo Donald Winnicott, restaurar e recuperar. Sem um ambiente
pediatra e psicanalista inglês, a humano e físico limitado que ela possa
influência do ambiente é decisiva sobre conhecer, a criança não pode descobrir
o desenvolvimento psíquico do ser até que ponto as suas ideias agressivas
humano. Desta forma, o ambiente não conseguem destruir e, por

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conseguinte, não pode discernir entre Desse modo, embora as diferentes
fantasia e fato. (Winnicott, 1947e, p. 63- posições de cada educador sexual
64) possam promover um amplo plano de
Kreppner (2000) refere que além educação sexual, sabe-se que a eficácia
das figuras parentais, ambientes como da mesma está relacionada ao vínculo
escola, trabalho, família estendida, entre que aquele indivíduo que se propôs a
outros, também exercem influência ensinar possui com a criança ou
sobre o desenvolvimento infantil e, por adolescente. Nesse sentido, as funções
isso, são parte importante deste processo. acima citadas podem se inverter. A
importância da família não pode ser
CONSIDERAÇÕES FINAIS desprezada, e por mais que a cultura
contemporânea tente negar, a segurança
Depois da família, a escola é o e o cerne do apoio às pessoas são dados
segundo grupo social onde acontece o muitas vezes pela família. É nela que a
exercício da sexualidade. Desse modo, adolescente com uma gravidez não
os pais e os demais educadores, advindos programada, ou que adquire o vírus HIV,
sobretudo do ambiente escolar, encontra o amparo necessário. Ignorar a
dependem do trabalho uns dos outros. importância da família é ignorar o que
Isso porque a informação sobre temos de mais seguro frente aos
sexualidade é complexa, dinâmica e problemas decorrentes do uso
atinge diversas dimensões da pessoa inadequado da sexualidade (Casado,
humana. Por isso, pensando na educação 2011, p. 10). Uma abordagem dos
sexual propriamente dita, pode se projetos de educação sexual mostra-se
estabelecer algumas divisões de papéis incompleta se ignorar a importância da
entre a realidade familiar e a escolar. família e se a sexualidade for reduzida à
Assim, aos pais caberia o diálogo franco vivência do sexo, podendo dessa forma
e acolhedor, estando inseridos num ser instrumentalizada, dissociada do
ambiente de intimidade e profundidade, afeto. Outros aspectos importantes
bem como a constância das intervenções excluídos dos projetos de educação para
(Souza, 2017). Aos professores, o a sexualidade são a dissociação do nexo
conteúdo da educação sexual apresenta- liberdade e responsabilidade e a exclusão
se mais sistematizado, planejado e da afetividade no exercício da
ampliado, embora assuma também sexualidade (Casado, 2011, p. 10).
aspectos semelhantes ao papel familiar.

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Diante de todas essas referências adoptar una concepción de la bioética
e da nossa prática clínica, percebe-se a flexible y que promueva la educación en
los principios de la Declaración
necessidade de se ampliar o conceito de
Universal sobre Bioética y Derechos
sexualidade, pois esse não se resume à Humanos. Revista Latinoamericana de
genitalidade. É uma temática que Bioética, v. 11, n. 2, 2011.

envolve questões biológicas, afetivas, J.-D. NASIO. Introdução às obras de


históricas e cognitivas. Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein,
Discutir sexualidade na família e Winnicott, Dolto, Lacan. Tradução de
Vera Ribeiro. – Rio de Janeiro: Jorge
nas escolas é dialogar sobre questões de Zahar Ed., 1995.
desigualdade de gênero, de afetos, enfim,
KEHL, Maria Rita (2013). Em defesa da
de relacionamentos. É um exercício de
família tentacular.
cidadania, de direitos humanos (Ribeiro, https://www.fronteiras.com/artigos/mari
2020). a-rita-kehl-em-defesa-da-familia-
tentacular
É necessário que a educação
sexual seja ministrada nas salas de aula KREPPNER, Kurt (2000). The child and
como tema transversal ou como the family: interdependence in
developmental pathways. Psicologia:
disciplina própria; além do mais, é dever
Teoria e Pesquisa, 16(1), 11-22.
dos pais/cuidadores participarem desse https://dx.doi.org/10.1590/S0102-
processo educacional, pois o poder 37722000000100003

familiar abrange deveres de proteção, MENDONÇA, Larissa Querem Tavares


assim como assegurar direitos, por (2020). Direito e Dever Do Estado e Da
exemplo, direito à informação, saúde, Família em Matéria De Orientação
Sexual.
inclusive à sexualidade, vez que com a https://ambitojuridico.com.br/cadernos/
puberdade e mudanças do corpo, a eca/direito-e-dever-do-estado-e-da-
ansiedade por novas descobertas faz familia-em-materia-de-orientacao-
sexual/
parte do processo natural da
adolescência, por isso escola e família MORAES, Maria Rita Salzano. Amor,
Sexualidade, Feminilidade. Ed.
devem se unir para empreender esforços
Autêntica, 2018.
nas elucidações desses jovens.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de
direitos humanos. 6. ed. São Paulo:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Saraiva, 2019.

CASADO GONZÁLEZ, Maria. Bioética RIBEIRO, Marcos. Educação em


y educación - Sobre la necesidad de Sexualidade. Rio de Janeiro: Wak, 2020.

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ROUDINESCO, Elizabeth. A família em
desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2003.

SANCHES, Mário Antônio;


CASAGRANDE, Castorina Honorato
Vidal; MAESTRELLI, Giovana;
CORRADI-PERINI, Carla (2020).
Influência da informação sobre
sexualidade no planejamento familiar
Perspectivas em Diálogo, Naviraí, v. 7,
n. 14, p. 233-247, jan./jun.

SOUZA, Janilton Gabriel; CHAVES,


Wilson Camilo (2017). Família:
pluralidade e singularidade. Reverso.
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de educação em sexualidade para o
cenário brasileiro: tópicos e objetivos de
aprendizagem. - Brasília.

WINNICOTT, D. W. & BRITTON,


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residencial para crianças difíceis”. In D.
Winnicott (1987/1984a). Privação e
delinquência. São Paulo: Martins Fontes.
(Trabalho original publicado em
1947e.), 1987.

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